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Portuguese Pages 299 Year 1989
mm
cite
NA
Classes empresariais influenciam eleições deravam " demagógica, de papel"
um movimento que pretendia cres-
ros Ronaldo Caiado, Altair Veloso
ficularmente.os criadores de gado-,
cer separado das tradicionais asso-
ciações de proprietários rurais, num esforçoquevisava à " uniãoruralista! . Retrógada em seus objetivos e até violenta em seus métodos, a
União Democrática Ruralista nasceu em maio de 1985, para lutar com todasas armas,da intimidação ao poder econômico, não só contra as mudanças políticas e burocráticas em favor da reforma agrária -
que as lideranças ruralistas consi- mas também para exigir, O que se-
ria, "a verdadeira política agríco-
la”. Mas o que impeliu os fazendei-
Glasgow, Escócia, em 1980. É
bases do que seria a estrutura de empresários rurais mais organizada
da Eliseória do país - foi a necessidade de mobilizar-se contra as tent-
ativas de desapropriação deterras para fins de:reforma agrária. E havia bons motivos para se
O empresário já demonstrava, em 1985,que estava se preparando ara influenciar a configuração da tura Assembléia Nacional Constituinte. À conquista do voto se tornava: o novo empreendimento:
a CNFtambém fez esforços para
assegurar que a Assembléia Nacio-
nal Constituinte tivesse entre seus membros um número substancial de delegados que respondessem aos anseios do setor financeiro. O
publicitário Mauro Salles, um dos
empresarial, embora,inicialmente,
estes esforços fossem de cunho individual ouiniciativa de associa empresariais. Como diria Wilson Galvão Andrade, empresário baiano, presidente da Cresal Empreendimentose participações, holdingdo
olítica na Universidade de
autor de " 1964 - A conquista do Estado" (Vozes) e "A In-
ternacional Capitalista" (Es-
paço e Tempo); e tem artigos
nascoletâneas " Sociedade po-
lítica no Brasil pós-64"" (Brasiliense),. "Militares: pen-
samento e ação política" (Pa-
pirus), "Nova República: um balanço" (L&PM)e " As For-
ças Armadas no Brasil"! (Espa-
ço & Tempo). Atualmente, é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), membro do Instituto de Políticas Alternativas para o ConeSul(Pacs) e juisadorassociado e membro-fundador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (Unicamp).
Direita Militar estabelece e lembra
Empresariado já tem candidato Com a ampla ressonância
Política e o B. Hum.em História na Universidade de Haifa, Israel. Completou o mestrado em Ciência Política em 1974,
ano de 1985, para estabelecer as
por 50 cidades somente durante o
Além de suastentativas de assegurar diretrizes governamentais que atendessem aos interesses do setor e reduzissem a presença da
ando no processo de privatização,
obteve o seu B.4.em Ciência
na Universidade de Leeds, Inlaterra; e o Ph.D. em Ciência
Andrade afirma: Chegou nossa vez!
máquina estatal na economia, avan-
anos, brasileiro naturalizado,
passando
e Salvador Sidney Farina a percor-
rerem o estado de Goiás -
Bancos criam seu Lobby
René Armand Dreifuss, 44
limites para abertura popu-
lar em tornodo candidato do PEN,
o Empresariado Nacional também decidiu colorir seu mapa eleitoral. O mito encontravaseu público pre-
Naárea especificamente militar -
em particular, nos remanescentes porcapotis do Antigo Regime também houve ampla movimen-
tação. À direita militar, na realida-
ferencial, após o reconhecimento de, é a confluência de pelo menos da população. O empurráozinho viera RE um editorial do jornalista
quatro vertentes, articulando não
vocação". Nele, o presidente das
mas também os mais duros! do
RobertoMarinho,intitulado " Con-
Organizações Globo fazia vigorosa
conclamação por uma " candidatu-
somente os setores considerados
mais rígidos no final da transição,
regime militar, assim comoalguns expoentes da Escola Superior de Guerra. À intencão deste pivô era
da abertura e da transição, preservando aquelas questões irremediavelmente comprometidas com o passadoe evitando que se remexesse no baú das lembranças, Por ou-
tro lado, esta era, também a sua
forma de projetar-se, uma vez que. seus canais de acesso à cúpula aa Forças Armadas estavam bloqueados ou engarrafados por outras questões políticas. direita militar inicia, nesta fase,
duas manobras: a primeira, que to-
!
-
|
UDRé contra reforma agrária Enquanto a UB incorporava a poderosa Confederação Nacional da Agricultura, surgiu, entre os grandes empresários de terra - par-
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(e da) área empresarial, vale men-
cionar a Câmara de Estudos e Debates Sócio-Econômicos, o Instituto Liberal, a Confederação Nacio-
nal das Instituições Financeiras, a
União Brasileira e a União Democrática Ruralista. Na área militar, seria criada a Associação Brasileira
Bancos criam seu Lo Além de s gufar ,diret que atende:
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de) delegados que respondessem aos anseios do setorfinanceiro. O
publicitário Mauro Salles, um dos
Empresariado já tem candidato [Com a ampla ressonância popu-
lat em rorno do candidato do PRN,
o Empresariado Nacional também decidi collorir seu mapa eleitoral.
| Omito encontrava seu público preferencial, após o reconhecimento da população. O empurráozinho vibra i
salvão Andrade, empresário baia-
no, presidente da Cresal Empreen-
dimentos e participações, bolilingdo
todos, apoifros e evoluo. Às de sua categoria social. OSPIvôS são lideranças provisórias, com objetivoslimitados e alvos imediatos - tais como
Direita Militar estabelece e lembra limites para abertura da abertura e datransição, preser
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vando aquelas questões irremediavelmente comprometidas com o passadoe evitandoque se remexes-
se no baú das lembranças. Por outrolado, esta era, também a sua
forma de projetar-se, umavez que s
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Guerra. À intenção deste pivô era
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cúpula das ain bloquea-
por outras
, nestafase,
duas manobras; a primeira, queto-
Todo mundo conhece o trabalho
dos lobbies e a feia das "caixinhas" é-eleitorais. Além disso, muitos já
leram e refletiram sobrejogadas mais
perigosas, que levaram ao Brasil de 64 eao Chile de 73. Sabe-se, há tempos, que as elites "plantam" notícias, fabricam greves e passeatas, formam
lideranças populares " confiáveis" e
contam com apoio deseus
pares do
Primeiro Mundo, até para derrubar
incômodos presidentes eleitos
voto. Este tem sido o jogo, em
pelo
vários
países da América Latina, comojá es-
creveu o cientista político René
Dreifiiss, em livros anteriores.
Agora,neste "O jogo da direita", o autor de " 1964 - À conquista do
Estado" e "A Internacional Capi-
talista", deixa de lado as interven-
ções quentes", E apresenta,passo a passo, o "frio" e sofisticado processo daselites, em tempo deabertura
e "normalidade". O cenário é o Brasil da Nova República, onde os zelosos e competentes jogadores da
direita souberam avaliar as mudanças,
sempre atentos a qualquer ensaio de avanço social. Ouvido o último suspiro do regime militar (que deixou es-
truturasintactas, nesta sobrevida), esps o mofo acumulado nos om» modificaram hábitos e moderni-
zaram formas de ação. Grandes empresários brasileiros chegaram a tro-
car os sombrios bastidores da política
pelo centro do palco até como candidatos - e adotaram um estilo mais aberto, onde muitas partidas foram jogadasà luz do dia. Com fôlego impressionante, o au-
tor acompanhou as táticas mais no-
vas(e outras nem tanto) destes velhos atacantes, começando nos primeiros dias do governo Sarney, passando pelo desenho conservador da Assembléia Constituinte e depois pelas ma-
nobrascontra os adversários progres-
sistas, até chegar às articulações de
um novo xadrez: o da disputa presi-
dencial, após um jejum de quase 30 anos.
O JOGO DA DIREITA
[ |
René Armand Dreifuss |
O JOGO DA DIREITA Na Nova República
Vo vos
Petrópolis 1989
René Armand Dreifuss * Depto. de Ciências Sociais — Universidade Federal Fluminense. * PACS — Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul. * NEE — Núcleo de Estudos Estratégicos — Unicamp.
O 1989, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100
25689 Petrópolis — RJ Brasil
Diagramação
Daniel SantAnna
Composição: EDIÇÕES LOYOLA Rua1822 n. 347 — Ipiranga 04216 — São Paulo — SP Tel.(011) 914-1922 Este livro foi composto e impresso nas oficinas gráficas da EDITORA VOZES LTDA. em agosto de 1989.
À GUISA DE PREFÁCIO.... A POPULAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA DE PODER DOMINANTE REPENSANDO A QUESTÃO DO PODER..
O exercício de poder...
INTRODUÇÃO PODER E SOCIEDADE POLÍTICA DOMINANTE... Os COMPONENTES DA SOCIEDADE POLÍTICA DOMINANTE
A Sociedade Política Armada... O Governo Estatal e a Sociedade dos Políticos Desarmados. A Sociedade Política Empresarial
Preparando-se para o novo cenário Capítulo I
A REORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS DOMINANTES. PREPARANDO O TERRENO PARA OS NOVOS DESAFIOS
Ospivôs PoLírICO-IDEOLÓGICOS Câmara de Estudos e Debates Econômicos e Sociais (Cedes)
Instituto Liberal..
Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) União Brasileira de Empresários (UB) União Democrática Ruralista (UDR)... Associação Brasileira de Defesa da Democracia (ABDD) Unidades de ação e agrupamentosda ultradireita A CONFIGURAÇÃO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE Capítulo II
A CONSTRUÇÃO DA MÁQUINA DE AÇÃO CONSTITUINTE......
O INSTRUMENTALPARTIDÁRIO NO CONGRESSO Eixos DE PODER E FRENTES MÓVEIS DE AÇÃO
Modelando a opinião pública e o “público interno” A UB e as forças e linhas de atuação auxiliar
Frente da Livre Iniciativ
Frente Empresarial Mineira
Fórum Informal ....
Modelando o governo e a economia. Arrumandoas própriasfileiras e as bases de atuação Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE, Associação dos Jovens Empresários
Eixos e frentes: as arenas sociais e políticas O eixo de poder rural urbano ...
Movimento Democrático Urbano A UDR Jovem...
eixo de poder empresarial-militar Movimento Cívico de Recuperação Nacional (MCRN). O eixo operacional militar-empresarial e o alinhamento militar-civil ..... A União Nacional: de Defesa da Democracia (UNDD)
109 115 118 120 122 124 124 125 129 130 134 135 135 149 154 156 156 165
Capítulo III
GANHANDO E PERDENDO NA CONSTITUINTE....
181
A OFENSIVA DA UB
181 183 184 190 198 207 216 230
AS ÁREAS-PROBLEMA.
A ordem social . A ordem econômica .
A QUESTÃO DO REGIME E O MANDATO PRESIDENCIAL
VOLTANDO AO CENÁRIO DE LUTA PRINCIPAL A batalha pela ordem econômic,
O empresariado quer mais
Capítulo IV A CLASSE EMPRESARIAL BUSCA O PARAÍSO ...
249
AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS....
250 255 256 257 262 265
CARTAS ESTADUAIS E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR..
A CAMPANHA PELA SUCESSÃO PRESIDENCIAL A limpeza do pátio interno . Definindo partidos e candidatos
Definindo projetos políticos de campanha
Definindo bandeiras de luta na campanha realizando manobrasde contenção e fustigamento
Definindo o apoio militar e neutralizando desmandos Limitando a atuação de extremistas e afoito: O Candidato 752 O ex-tudo: muito ruído e poucas vozes
Encurralando os “touros broncos” A queda livre da UDR
Cuidando das forças auxiliares não desejáveis .
Os ESTADOS-MAIORES E A SUCESSÃO PRESIDENCIAL....
Definindo projeto político de Estado e programa de governo
266 272 274 214 215 275 216 283 284 285
O MITO DO BAÚ
SERIA REALMENTE indispensável recolher documentos sigilosos, ouvir fontes exclusivas, manter encontros discretos e pesquisas em arquivos reservados, para
desvendar o acontecer político?
Esta minha velha dúvida chegou a inquietar meus ex-editores, Rose Marie
Muraro e Fernando Sá, em 1987, em meio a conversas amenas sobre estudos de
conjuntura e análise de processo.
Na verdade, nenhum de nós se sentia atraído pelo que logo foi batizado de “mito do baú”. Naquela época, uma direita remoçada emergia com a Nova República,
com um modelo recém-testado de fazer política. Seus líderes haviam trocado os bas-
tidores pelo centro do palco, alguns até como estrelas do jogo político. De membros
discretos de institutos como o Ipes, capazes de atuar na penumbra —, comoo fora José
Ermírio de Moraes —, os homensda indústria haviam se transformado em protagonistas da disputa — como foi o caso de Antônio Ermírio. E ao leitor comum, antes desavisado, agora cabia apenas um tanto de persistência e observação. Era só aprender a ler o jornal, cruzar as informações e desenrolar o novelo. Lá estava a trajetória completa da elite brasileira, em sua nova briga pela direção da empresa Brasil.
Já não se via muito segredo.E eu, de certa forma, andava reagindo à idéia de
que, atrás da informação e da análise, sempre haveria uma fonte oculta e um detalhe não revelado. O mundo acadêmico, em sua grande maioria, sempre pesquisara em segunda mão, aproveitando o trabalho de campo dos jornalistas — tanto dos que assinam suas matérias, quanto dos anônimos repórteres e redatores. São eles os verdadeiros analistas do dia-a-dia, que fuçam, questionam e servem, de bandeja— comoverdadeiros assistentes de pesquisa — a matéria-prima aos pensadores de gabinete. Nada demais. O problema, no caso, era levar o leitor comum ao hábito de
também ele juntar as notas, analisar e refletir. Afinal de contas, já não vivíamos sob
o tacão da censura. A imprensa chamada “burguesa” — diversificada e competitiva —
fornecia uma larga colcha de notícias, suficientemente conflitivas para aguçar a nossa capacidade de tirar conclusões.
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Assim, do papo à idéia dolivro, foi um pulo. A conclusão, afinal, era óbvia:
a realidade estava ali, na cara, desafiando a nossa paciência.
Fernando sugeria que se embutisse ao que seria um amplo retrato das velhas
e novaselites a explicitação dos métodos de planejamento e estudo da ação política. Rose queria abundância de nomes e fatos. E todos, enfim, queríamos fazer o simples exercício de enxergar o Brasil, ou melhor, os atores do primeiro time, que fazem e
desfazem o desenho do futuro.
Aotodo, foram 15 meses e 75 mil páginas de jornais e revistas. O resto foi o quebra-cabeça da reconstrução, da interpretação e da previsão. E então comecei a encontrar os protagonistas, sempre ocupados com reuniões que podiam gerar medidas,
alianças e até mesmo organizações. Na coluna social, uma nota às vezes dava conta de
um novo convidado pata o jantar. E as pistas se avolumavam — das manchetes ao
noticiário político e às páginas longínquas da seção de economia, passando por colunas
assinadas e até por mexericos.
Foi umatarefa sem mistérios, mas absorvente e desgastante.E nela, sobretudo
nos últimos cinco meses, alguns amigos forneceram o incentivo indispensável. Entre eles, Domício Proença Júnior — que ajudou a decifrar os segredos (estes sim,terríveis) de um microprocessador de texto; Ronaldo Coutinho — pelo apoio decidido, como
chefe do meu departamento, na UFF; Sergio Murillo Pinto, Sônia Rummert, José Drummond Saraiva, Iara Ilgenfritz, Ricardo Bueno e Shirley Fioretti — pela torcida,
pelos telefonemas de alento e pelos palpites sempre úteis; Pedro Henrique de Paiva pela capacidade de aturar um paciente estressado; Luiza Souza da Silva — pela dedi-
cação e pelo excelente café; Luiz Galli e Olympio Pimentel, do Farfarello, e Rogério
Nogueira Pinto, da Bolognesa — pela boa mesa e pela acolhida sempre carinhosa; Dênis de Morais — pelo interesse, pela leitura c pela crítica inteligente e detalhada de
cada capítulo; Marcos Arruda, do PACS — pela compreensão,pela força e pelas condições de trabalho que me assegurou. Quero lembrar, especialmente, o meu ex-editor, Fernando Sá, que acompa-
nhouo trabalho, dia após dia, ouvindo, sugerindo e ajudando a superar os vários obstáculos da criação. A cumplicidade do editor — fundamental para qualquer autor —
existiu com Fernando,que, de forma competente e dedicada, esteve presente, até mesmo quando já afastado da produção deste livro.
Mas O texto surgido da pesquisa e análise não teria se transformado em livro
sem a indispensável e solidária colaboração de Maria Helena Malta, corrigindo e criticando. Obrigado, Lena. Valeu.
À GUISA DE PREFÁCIO
A POPULAÇÃOE A
CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA DE PODER DOMINANTE A marca registrada das transformações do período republicano brasileiro — seja em suafase velha, moderha, recente ou prematuramente envelhecida — é a da jo social e política morosae arrastada, imediatista e preservadora de conteúdo.
Trata-se de um constante realinhamento político conservador, apoiado no transformismo institucional e escorado na intervenção corretiva, geralmente administrativa (burocrático-partidária), policialesca ou manipulativa de opinião pública e, muitas vezes, por
via militar. Poderíamos dizer que o realinhamento político conservador é da própria essência das elites dominantes brasileiras e tem sido a marcaregistrada de suas práticas
e do processo político por elas encaminhado ao longo deste século. A recente transição do regime autoritário empresarial-militar para a presente situação pluralista não fugiu
à regra: transcorreu como mais um processo de realinhamento conservador entre os setores dominantes do país, gestado e *conchavado” no interior da Sociedade Política
dominante. E o contínuo realinhamento conservador tem, por sua vez, uma contrapar-
tida no sistemático desarranjo da sociedade civil-popular, permanentemente destruída, desarticulada ou distorcida pela intervenção repressiva das elites dominantes. Defato, a Sociedade Política Brasileira não nasceu de rupturas profundas
entre estratos sociais, camadas e segmentos dominantes tradicionais e as novas classes capitalistas, mas de um processo de convergência declasses e elites dominantes. Também não se configura pela ruptura destes agrupamentos sociais com as camarilhas burocrático-políticas dirigentes e suas práticas, nem com os lineamentos essenciais das
instituições vigentes, que seriam readequadas, num processo de reformulação de
fachada”, às necessidades de preservação e reprodução dos setores dominantes. Em suma: O processo de configuração política das diversas formas de associação político-econômico-cultural dos setores dominantes brasileiros — através de um jogo de cartas marcadas, restritivo em termos sociais e racialmente seletivo — sempre foi o de real-
inhar posturas, conservando posições.
O Brasil oligárquico-imperial transformou-se em Re(s)Pública no final do
século passado, mas continuou como coisa privada” das elites dirigentes e classes
dominantes. E isto porque as classes dominantes dos grandes centros urbanos, das cidades médias e vilarejos e as elites dirigentes “burguesas” ou citadinas absorveram não só o fato político e econômico da estrutura produtivo-distributiva anterior, mas
também os costumes e estilos de vida de setores que não
aceitam nem enxergam a
generalização cívica baseada no reconhecimento da individualidade e da cidadania.
As novas classes dominantes rejeitavam não só a dita sociedade civil, mas a própria sociedade “burguesa”. Mais, abortariam a administração independente da “coisa
ública”, ao impedir a normatização impessoal (administrativa e legal), em troca do nho” e da “alavanca”, da acomodaçãoe da conciliação de seus interesses privados. Entravariam, assim, a formação de uma burocracia profissional, responsável, responsabilizável e orientada pelo interesse público, favorecendo em seu lugar o surgimento de verdadeiras “roscas” de influência e retalhamento das máquinas gerenciais locais e regionais. Além disso, fincaram, pés e mãos na administração federal, através de (e
permeadas por) múltiplas e polifacéticas intermediações e mediações com e nas so-
ciedades políticas, nacional ou regionalmente organizadas, como as forças militares e
as facções burocrático-partidárias dirigentes.
Noperíodo republicano, em plena instauração do capitalismo e coexistindo com os remanescentes da antiga estrutura escravagista — que projetava sua rígida divisão social, a segregação racial e a submissão servil para além dos decretos que tardiamente as proibiam —, o empresariado urbano constituiu suas atividades econômicas, articulações políticas, procedimentos legais e normas vivenciais, numa tessitura social e política diferenciada, da qual emergeria, neste século, a Sociedade Política Empresarial. Ao organizar-se, o empresariado desbordou os limites regionais ou locais — que caracterizaram formações sócio-econômicas não-classistas— e almejou associar-se, primeiro, no âmbito estadual, e depois, no país inteiro. Esta organização unificada foi feita através de associações corporativas e políticas permanentes e não simplesmente como um alinhamento que expressasse a solidariedade em torno de inte-
resses imediatos.
Dentro desse perímetro “nacional” do país a ser povoadoe através do “estado
de coisas” institucionalizado (das elites), os conglomerados de empresários rurais e
urbanos se impõem, como verdadeiras associações econômicas, culturais e políticas de
indivíduos que estão distanciados em espaço físico, vocacional e ocupacional, mas im-
bricados ideológica e politicamente e reunidos no interior das delimitações sócio-
culturais e vivenciais, visíveis e intangíveis, da incipiente estruturação classista domi-
nante.
Em outras palavras, os empresários se organizariam à distância geográfica, isto é, se afirmariam nacionalmente — comoclasse nacional —, e não comooligarquia regional, agrupamento caudilhesco ou camarilha coronelícia, pois visavam à direção da estrutura societária em gestação. A organização e a unificação realizadas pela Sociedade Política Empresarial em todo o país — requisitos fundamentais de sua constituição classista —, seriam, por sua vez, negadas aos agrupamentos sociais subalternos
e subordinados.
Mas ao expandir sua manifestação política, etos ideológico e atividades econômicas, o empresariado urbano realiza um “pacto social” com as oligarquias rurais
e outros agrupamentos localistas e da administração regional e central, absorvendo,
10
nesse processo, a mentalidade escravagista, o servilismo oligárquico e a complacência despótica estamental-estatal para dentro do seu universo de percepções e atitudes.
* Mais:interioriza, na estrutura citadina e no seu tratamento com asclasses subalternas,
as práticas e percepções servilistas e escravagistas das oligarquias rurais, incorporando, além disso, as práticas regionalistas e localistas das camarilhas burocráticas, que são
levadas para o estado nacional.
De fato, as várias manciras de vivenciar e de preservar normativamente a existência sócio-cultural das classes dominantes, em termos de valores realçados e
reproduzidos— sua Associação Civil
—, foram transmutadas em Sociedadecivil exclu-
sivista e excludente, onde as manifestações culturais, os valores, normas e instituições populares só são reconhecidos ou legitimados enquanto folclore, carnavalização, etc. Ou, por outro ângulo, os parâmetros da chamada Sociedade Civil (dominante) somente reconheceram e abrigaram, até bem recentemente, a existência sócio-cultural e 'a manifestação político-institucional dos setores dominantes. O empresariado industrial e as classes comerciantese agrárias visaram, para si mesmas, uma organização política, mas a negaram às outras forças sociais, impedindo-as de se constituírem em classes
predispostas, política, legal e legitimamente, a lutar por seus próprios interesses. A
intervençãosindical, o controle estatal dossindicatos, a interrupção das suas atividades,
a repressão partidária e de movimentos sociais são aspectos visíveis do veto organi-
zado. Outras formas mais sutis de desarticulação foram empregadas no campocultural
ou da identidade étnica.
Nesse processo de sobreposição, aselites rurais e urbanas configuraram tanto
umaSociedade Civil quanto uma Sociedade Políticaestreitas, sintetizadas como Estado e Sociedade Nacional, onde as vontades e os caprichos pessoais dominantes não se submetem a uma racional societária capitalista que, nos exemplos paradigmáticos da Europa e dos Estados Unidos, tende a ser impessoalmente burguesa na sua normati-
zação estatal. Este Estado, arcabouço institucional (legal, administrativo e coercitivo) de uma Naçãoidealizada, e estrutura política de uma Sociedade truncadae restrita, será rotinizado por funcionários civis — que mantêm traços comportamentais de servidores — e resguardado. pelas leis da força que fazem pouco da força da lei. Aoapropriar-se do conjunto da máquina gerencial, com esta sobredeterminação de comportamento personalista, oligárquico, caudilhesco, patrimonial e clientelista,as elites urbano-rurais impediriam a generalização consegiiente e a descaracterização de sua própria dominação, abortando com isso, a consolidação do Estado como um dissimulado disciplinador das relações de classe. Mais: as camadas dirigentes (na
política) e dominantes (na economia), com suas práticas excludentes e exclusivistas, em seu constante realinhamento conservador e em sua permanente convergência elitista, nem sequer criaram a ilusão geral dosinteresses sociais, ou a ilusão do interesse geral. O Estado, para funcionar nesse contexto, teve de ser paternalista e autoritário, não cívico. O tratamento coercitivo da questão socialfoi alicerçado na prática de um estado, percebido e justificado como sendo uma associação política que reclama o monopólio do legítimo uso da violência, tendo um único fim: o de salvaguardar, e em certos casos mudar, a distribuição interna de poder. O Estado foi projetado como preservador das relações sociais de poder e produção, mas não como escamoteador
destas, tornando-se um aufheber incompleto.! Assim, suas premissas foram esvaziadas,
Utilizamoso termo aufheber, comsuas conotações de preservador, escamoteadore superador, que os filósofos alemães do século passado, ostensivamente a partirde Hegel, empregaram para se referir à natureza do Estado em formação. Eles o faziam, para explicar como seus próprios. n
Ooo.
bem comoa sua autoridade, que só poderia ser constituída e exercida na medida em
que o Estado se apresentasse como superador das particularidades classistas e não
comoagente dos segmentos dominantes.
Por outro lado, o que chamamos de “Estado” no período pré-republicano é
algo anterior à própria configuração da sociedade nacional de classes. Naquela época, o Estado não passava de uma máquinapolítica (policialesca, militar e administrativa) da velhaestrutura social oligárquico-colonial, encravada em um tecido societário escravagista e despótico. Era uma máquinagerencial espoliativa e funcionava como espinha tegal-coercitiva nas mais diversas situações de dominação — econômica,social, étnico-racial, cultural e política — a que estavam submetidas as camadas subalternas. O fundamental, porém, é que tal “Estado” terminou selando, no Brasil, a associação política
das “sociedades” dominantestradicionais entre si — e destas com as emergentes classes dominantes —, reduzindo o restante da população a um “estado de subserviência”,
Defato, o Estado constituído pelas elites em convergência dominadora não
resultará de um processo depurador das práticas econômicas e societárias de cunho estamental-escravagista, nem da integridade de seus procedimentos políticos ou da abolição da sua mentalidade aristocrática-colonizadora. Ao contrário: ele se afirmará
comopreservadore sintetizador destas características. Ao fazê-lo, o Estado será o instrumento negador da individualidade e cidadania, sem as quais as próprias formações concretas, noçõese práticas de classe, sociedade e nação são incompreensíveis, porque inexistentes no âmbito da população subordinada, a não ser como referência ideológica e ilusão transportada de outros espaços nacionais e tempos políticos. Assim, resta ao Estado funcionar como afirmador dos privilégios e interesses coletivos das classes
dominantes.
A administração estatal da “sociedade” oligárquico-capitalista, sob nova di-
reção empresarial-cortesã, se estrutura como uma camarilha subserviente, temporária e personalista — e, portanto, “confiável'—, que se expressa na inacreditável quantidade
de “cargos de confiança” (certamente não do público). Além dos “ocupantes” destes cargos, há os “detentores de postos”, significativamente não denominados ou enquadrados
como responsáveis e responsabilizáveis por funções administrativas na máquina gerencial do Estado. Tanto os “ocupantes” quanto os “detentores” desenvolvem uma relação de apropriação dos cargos e postos, como se estes fossem prebendas. Na expressão de Oliveiros Ferreira, trata-se de uma “coisa nossa”. Enquanto a questão pública passa a ser privativa das classes dominantes — “coisa deles”, dos “homens" —, o “popular” é
privado de seus direitos de cidadão pelos “posseiros” e “sitiantes” da máquina de desgoverno e mandonismo.E a resposta popular é a instauração do “estado de desleixo”, de irresponsabilidade, de apatia e de desinteresse. Para enfrentar o “estado de coisas”, que resulta das ações e omissões das classes dominantes e de suas elites dirigentes, resta à população um único gesto de soberania: a instituição popular do “jeitinho” e o decreto, por cívica rebeldia triste consolo, de que há leis — menores, é bem verdade
— que “pegam” e outras que 'não pegam”. Mais: carente de cidadania,o país se dividia entre os crimes “hediondos” e os de “colarinho branco”. A justiça era para os ricos, a PM para os pobres. a
“estados de coisas" — a distribuição socialdos indivíduose atribuição de ônus e benefícios às diversas camadas da população; asformas de produção, a administação de produtos e pessoas, a legitimidade de crenças, valores e normas (embora em mação permanente) — eram “coisificados" intitucionalmente numa nova estruturação socio-econômica —-capiasta — e num novo modo vivencial, o burguês. 12
O Estado funcionaria, em mais um arremedo cortesão, como foco e local de negociação de favores e comoinstância reguladora e controladora da populaçãolivre. Esta dimensão de privatização da coisa pública antecede de muito a gritaria de setores empresariais em favor da privatização — cuidadosamente escolhida, é certo — das
empresas produtivas rentáveis do Estado, que deveriam servir à cidadania, e não ao
monstrengo estatal-governamental, que, por sua vez, é área privativa dos desmandos elitistas. A única coisa pública neste imbroglio pirandelliano é a desfaçatez daselites
que paira soberana.
Enquantoas instituições são geradas e geridas como assunto privativo deelite
— estatizando a população como parte do seu estate de privilégios —, os partidos são tradicionalmente constituídos como condutos de atuação, não da, mas na incipiente
sociedade civil-popular. Em outras palavras: são representações das partes do todo elitista, Assim, não se pode falar em instituições de Sociedade, que representem e
consolidem a sociedadecivil-popular, mas sim de um estado geral de dominação a que
as elites submetem o país. Seus partidos nunca conseguiram ser mecanismos de governo
ou de incorporação das “partes societárias” ao universo estatal, mas apenas agentes de
manipulação e partes interessadas na briga pelo espólio deste. Tais agremiações con-
vencionais foram concebidas como máquinas, retalhadas entre politiqueiros profissionais é pelegos partidários, de extração empresarial, burocrática, militar, ou simplesmente recrutados no seio da população, como saída individual para a ascensão social ou a realização de ambições pessoais. Formou-se, assim uma virtual sociedade de
políticos partidários e burocratas, munida de mecanismos de auto-reprodução e ex-
pansão, instalada na Sociedade, isto é, situada e posicionada no lamentável estado de coisas da política nacional, desvirtuadora do Estado e, mais ainda, flagrantemente desestruturada para dirigi-lo. Paradoxalmente, seriam as própriaselites as primeiras a se queixarem da falta de partidos, ou da fragilidade do sistema partidário.
O Estadorepublicano, que se estruturou num processode convergência político-
-ideológica dos agrupamentos dominantes, seria consolidado como patrimônio exclusi-
vista de elite e excludente de representação popular. E a população brasileira se reu-
niria, a partir daí, num “estado de submissão” unificado, apesar das particularidades sociais, regionais, culturais e étnicas. Mas a constituição deste “estado particular” —
cujos aspectos coercitivos incidiam unicamente sobre a população subordinada — exigia mais do que a mera integração da incipiente afirmação classista da estrutura
social dominante com a manutenção das divisões estamentais e posições oligárquicas. Exigia a desagregação das camadas subordinadas e a desestruturação da sua própria
constituição classista — a sua diferenciação, — em relação às dominantes. Exigia,
enfim,a incapacidade de auto-reconhecimento das camadas subordinadase a continuidade da mentalidade de submissão massificada.
O Estadoincentivará a subordinação ideológica, mas não a incorporação pela livre iniciativa política dos cidadãos. Além da conservação de uma mentalidade de segregaçãoracial num formato servilista, exterioriza-se a rejeição da maioridade política da população, que esta, por sua vez, internaliza. Assim como os índios de hoje, a
maioria da população era tida como política e institucionalmente incapaz. Tratava-se
2 Trata-se da liberdade do trabalhador de alugar diariamente sua força física, anímica é mental (sua vida útil em horasídia) a quem detém capital instrumental produtivo, sem os constrangimentos da coação física do escravagismo ou da sujeição pessoal e do servilismo,que cram marcas feudal-aristocráticas. 13
a
oO.
de um arremedo do Estado de direito urbano-capitalista, uma colcha de retalhos tecida pelos que, em estado remediado, arrogavam-se o direito de dominação estatal a partir do governo. Em contrapartida, o governoestatal será, de forma “pública” e notória, um fator de atomização social e desagregação societária; afirmador do perfil de massa da
população; e repressor da consciência da sua diferenciação política — assim como das incipientes práticas políticas autônomas — com relação a outros segmentossociais. Em
plena República, a res publica no Brasil não passa de ficção, justamente por falta
objetiva de “estado cívico” da população, ou seja, por ausência induzida-coercitiva ou repressivamente — dosingredientes culturais,sociais e políticos básicos, que lhe dariam sustentação e que em outros lugares foram constituídos e sedimentadoshistoricamente: cidadania, individualidade, legalidade, organização e manifestação política autônoma (cultural, sindical e partidária) e delegação responsável e responsabilizável de autori-
dade legítima. Enfim, o país carece de uma verdadeira Sociedade Civil e Política
Popular e nesse contexto e sentido, o Estado é uma quimera.
As classes dominantes não conseguem uma “fusão política" democrática — e,
portanto, naturalmente conflitiva — com os segmentos subordinados. Ao invés de constituir uma sociedade, com toda a diferenciação classista que esta comportaintrinsecamente, a população brasileira será remetida a uma associação abstrata desprovida
de confrontos e interesses particulares: a Nação. Mas esta não emerge comoabstração do entrelaçamento concreto de aglomerações humanas estáveis, do ponto de vista econômico, social e cultural, reunidas num perímetro político, sustentado militar e administrativamente. Ao contrário, ela nasce da incursão econômica sobre as riquezas
naturais e de uma projeção militar sobre o vazio populacional, ambas justificadas
política e ideologicamente, Assim, a Nação foi gerada política e militarmente como perímetro nacional — e não por sedimentação histórico-social —, já que mais detrês
quartos do território do país continuavam despovoados no momento da integração.” Posteriormente, os agregados sociais subordinadosneste perímetro gerado militarmente só são assim mantidos por via militar. A coerção transforma-se em mecanismo indispensável à manutenção do aglomerado social impedido de constituir uma sociedade.
Como corolário, tanto a preservação da estrutura sócio-econômica vigente quanto a contenção das tentativas de segmentos populacionais diversos, de modificarem a sua posiçãoe situação na “sociedade” — a questão social — serão percebidas, entendidas e racionalizadas pelas elites dominantes como problemas de “segurança
nacional”. Ao igualar o concreto vivido e temporal — a Sociedade — com a abstração que se pretende imutável — a Nação, gestada e preservada por ação estatal (e não social) —, toda ação política que pretenda transformar as relações sociais será vista
como desagregadora da entidade nacional e, em consegiiência, como uma ameaça às prerrogativas do Estado. Estigmatizada como atividade antipatriótica e que almeja a subversão das instituições estatais, a ação política das camadas subordinadas será,-no mínimo, condenada como ilegítima, quando não reprimida. Assim, será fácil às elites
dirigentes e classes dominantes deslizarem pór cima das diferenças que separam o questionador social do status quo do ativista antinacional. A seus olhos, será plenamente justificada a transposição, via militar, do marco da legalidade em nome da salvação nacional e contra os que reivindicam a sua redenção social. É nesta equi-
* As populações indígenas não seriam contabilizadas,já que não fazem parte da estrutura da sociedade em “gestação! e não têminteração efetiva. Seriam, isto sim,objeto de ação (e não sujeitos) no processo de incorporação territorial e de consolidação dos limites nacionais. Em situação semelhante estariam os escravos — a maioria da população — que nem cram considerados seres humaros, mas“instrumentos vivos” de produção. Após 4 abolição da escravatura, continuariam fora do âmbito da cidadania, desqualificados por diversas razões e meios 14
paração tupiniquim da nação “estatizada' com o “estado social” do país — e não na importação ideológica — que se deve procurar o embrião do autoritarismo e a matriz
da doutrina de “Segurança Nacional”.
No que tange especificamente às camadas subordinadas, as classes dominan-
tes foram incapazes de elaborar uma normatização universal, que desaguasse numa
consolidação institucional e numa sedimentação ideológica. Esta só seria possível pelo próprio exemplo de submissão dos poderosos — seja em scus atos ou em suas expectativas — ao império da lei. Da mesma forma, a estabilidade de tal Estado só seria possível a partir da satisfação de necessidades, numa sociedade de crescente e relativo
bem-estar. Mas nada disso foi realizado. As classes subalternas foram objeto de exclusão política por diversos critérios e acabaram reduzidas a uma existência massifi-
cada, sob intensa e exaustiva exploração econômica, descaracterização e repressão cultural, além de terem sido transformadas em alvo de opressão social. Foi de tal ordem o “estado de brutalização" da população submetida e, em contrapartida, tão ameaçadora a sua existência massificada, que, na percepção das classes dominantes, a manutenção
da “ordem” elitista passou a requerer constante manipulação coativa ou intervenção ' coercitiva, de cunho policial ou militar. Apesar da consolidação capitalista, as classes subalternas e as camadas subordinadas não se perceberam comoindivíduose coletivos “fundidos” estruturalmente com
as classes dominantes numa sociedade. Elas foram “atendidas” comoclientela — numa relação “filial” com o Estado, que assumiria feições paternais — e tratadas como acervo vivo pelas elites, que com elas desenvolveram uma relação patrimonialista. Não se viram representadas sob um arcabouço institucional político e normativo plural da
sociedade ampla, mas foram “reunidas” retoricamente na base da manipulação, sob o
rótulo populista de “povão”. A própria questão dos interesses sociais não foi tratada
comoquestão de política, mas de polícia. Asreivindicações da massa -— seus interes-
ses — foram enfrentadas individualmente, ora por meio do pistolão, ora através da violenta solução do pistoleiro, enquanto que o “tratamento coletivo” dispensado às
organizações dos segmentos subordinadosfazia do questionamento político, motivo de intervenção militar. As classes dominantese elites dirigentes não obteriam, com isso, a tão ansiada institucionalização do domínio classista, Em outras palavras: a dominação classista requeria, para institucionalizar-se com autoridade democrático-civil, que a “média” dos interesses do empresariado rural e urbanoe seus segmentos auxiliares — o bloco conjuntural de forças político-intelectuais — ganhasse uma forma geral e genérica no interior da convergência histórica de
interesses predominantes — como sociedade capitalista politicamente determinada.
Para isso, tais interesses teriam de ser confundidos com os desejos gerais da ampla estrutura social
subordinada ou com as questões a ela impostas e escamoteadas no
interior de uma construção simbólica, administrativa e operacional de cunho nacional,
em forma de estado político da Sociedade Civil abrangente. Para isto, no entanto, o
Estado deveria se comportar como um autêntico aufheber e não como patrimônio elitista, enquanto a Sociedade seria resultante da “desclassificação” formal das classes
subordinadas e subalternas, através da afirmação de individualidades e cidadanias, e por meio da delegação responsável e responsabilizável de seus interesses.
Masas elites dominantes brasileiras equacionam a ordem geral com as possibilidades de seu desmando particular, restritas ao pequeno universo mesquinho do poder pessoal, grupal, dos negócios de curto prazo ou deinteresses corporativos. Trata-
15
CE
-se de umasociedadecivil de dominação e não de afirmação da cidadania. Seus limites, portanto, estão contidos nos horizontes da Sociedade Política dominante, transmutada
em Estado, que escora os parâmetros permitidos de associação civil-popular.
Com seu personalismoe sua feição de patrimônio elitista tão exacerbada,tal Estado só teria duas saídas: agir como gerente e administrador ineficaz dos assuntos
societários gerais (isto é, de forma patrimonial-clientelista-assistencialista) ou funcionar comoentidade política autoritária e seletivamenteeficaz, porque excludente (classista). Mas para a ampla, geral e irrestrita desgraça da população subordinada, as elites
dominantes conseguiram sintetizar o pior destes dois mundos numainstância única: o Governo Estatal ineficaz e autoritário, que, dependendo da situação, oportunidade e
correlação de forças circunstancial e em perspectiva, será de feitio civil (burocraticamente partidário) ou militar (policialmente burocrático). E isto porque, é bom repetir, foram as elites — não a população, repetidamente reprimida, golpeada e marginalizada por intervenções políticas, administrativas e militares — quefizeram dasinstituições políti-
cas e administrativas umaintrincadarede de aparatos, mecanismose recursos de poder e um conglomerado de privilégios a serem usufruídos. Criaram, enfim, um “estado geral de manipulação administrativa”, que foi imposto às camadas subalternas. A administração regional e nacional tornou-se patrimônio de setores econômicos, profis-
sionais, político-partidários, burocráticos e militares, todos eles pertencentes a este particular e excludente clube civil dominante, encastelado na Associação Política de elites, e compondo umaSociedade Política dominante, que se coloca como ordenadora
do “estado de coisas” e comodirigente das coisas públicas. Esta apropriação das insti-
tuições (que deveriam ser assunto ou coisa pública) pelo governo deelites dá a medida
da desapropriação de que a sociedade foi objeto e da alienação do produto final — o
Estado — em relação à sociedade civil-popular.
Em suma, foram as próprias classes dominantes que impediram o Estado de se tornar um real generalizador — escamoteadore preservador das relações de pro-
dução e poder —, além de virtual superador da visibilidade dos seus interesses e da
natureza do sistema de dominação. Embora exerçam a dominação de classe, impedem a sua opacidade,isto é, a tão propalada institucionalização, obrigando a constantes intervenções extra-legais das classes dominantes e ao apoio na Sociedade Política ArmadaAlimenta-se, assim, o eterno queixumedas classes dominantes, a respeito da in-
governabilidade do Brasil. Configura-se o sonho inatingível da coexistência de uma
vida “suíça”, regrada e ordeira, com o usufruto das benesses de um clima carnavalesco
e tropicalmente despojado, como umaespécie de tapete sobre o lamaçal societário tu-
piniquim, ou como condomínio exclusivo em meio à miséria no estilo Macunaíma, na grande favela nacional. As elites brasileiras são condenadas, então, a uma frustração
agressiva.
A convergênciaelitista dominante impede que o próprio estado de dominação se transforme em estrutura ideológico -política da sociedade e, portanto, em Estado plural. Impede não só a dissimulação das relações de dominação, mas também a sua “superação” — o resguardo e escamoteamento da natureza classista da estrutura social
—, já que este segundo movimento do processo de aufhebung exige a constituição de uma sociedade civil e política ampla (o que também implica a afirmação de uma * Sobre esta noção, vide R.A, Dreifuss, Sociedade Política Armada ou Força Armada Societária?”, em 4s Forças Armadas no Brasil, coletânea de Eliézer Rizzo de Oliveira, Geraldo L. Cavagnari Filho,João Quartim de Moraes e René Armand Dreifuss, Editora Espaço e Tempo, Rio, 1987 16
E
Sociedade Civil e Política Popular). Nestes bloqueios induzidos, as elites dominantes fazem com que o governo estatal passe a concentrar em si mesmo todas as atenções e contradições. Personalizam-se, através de seus membros, não só as questões em
pauta, mas também as decisões. Pelo mesmo mecanismo, também se imputa aos seus
adversários sociais e aos desafios que a sociedade apresenta um personalismo exacer-
bado. Ao impedir, por meio de intervenções sucessivas, que o indivíduo “sedimente” o Estado em sua mente e sentimentos, em forma de normas societárias e valores
sociais, e ao procurar estendê-las coativamente, as elites demonstram só enxergar na
revolta da população o seu suposto estímulo externo. Aos olhos destaselites civis e militares, os manifestantes são sempre agitadores estranhos à massa ou militantes profissionais portadores de ideologias exóticas — já que, ao recusar a estratificação social vigente estariam insurgindo-se contra a nação concretizada como sociedade —, e não cidadãos, no exercício de seus plenosdireitos (de rejeitar o “estado de coisas” e almejar uma realidade diferente). Assim, em vez de formar um Estado da Sociedade, onde o indivíduo é por-
tador, “em sua mente e em seu coracão”, das normas e valores *consensualizados”, os
descalabros das elites farão com que o seu venha a ser um eterno Governo dos indivíduos massificados — e não de Cidadãos. Na melhor das hipóteses, será uma administração exterior às energias do “povão”, e não a canalização de demandas da cidadania — esta desconhecida pelas elites e quase inexistente no país subordinado. Para que este controle do povo se concretize, o ato de governar deverá se tornar um
exercício de autoridade seletiva permanente e que — espera-se —, seja inquestionável,
já que, aos olhoselitistas, não setrata de representar cidadãos, mas de dar assistência,
vigiar de forma paternalista e punir exemplarmente a massa. Mas, se porventura ou descuido, a imposição de normas e valores dominantes for questionada, o governo e
aselites descambarão rapidamente para o autoritarismo, de corte militar, já que a massa
é incontrolável de outra forma, tamanha a carência e as demandas reprimidas. Em
suma: aselites dominantes não encaminharão a institucionalização tão propaladae reclamada e, numa inversão perversa, imputarão à índole da população as consegiiências negativas de suas próprias ações e omissões.
Neste processo, o Estado fica reduzido a uma mera expressão do estado de dominação em que se encontra a sociedade civil-popular. O Estado cruamente elitista deixa nuaa vil estrutura social existente, refletindo-a e condensando-a. Masexpressa,
também, o não-desenvolvimento pleno de classes sociais populares e a não-consoli-
dação dos segmentos sociais subordinados e subalternos como classes completas. De fato, a incipiente sociedade civil destes segmentos — isto é, a sua diferenciação e
organização autônoma do ponto de vista ideológico e político — é sujeita a contínuas desestruturações. Embora estejam sendo criadas variadas associações de base e, nas
diversas comunidades, se desenvolvam,lenta e fragilmente, ensaios de organização e
conscientização, ainda perduram formas de aglutinação populistas e clientelistas e de desarticulacão arcaicas, lado a lado com as primeiras formas modernas de atomizacão.
É esta contraditória miscelânea de posturas e valorespolíticos,culturais e ideológicos — quefaz dobrasileiro um raro espécime conservador-vanguardista; moralista/libertino; militante/apático; reacionário/avançado — que permite vôos em direção a ídolos colo-
ridos pela novidade, inconsistência e pela falta de compromissos ostensivos; que induz ao aconchego dos salvadores e homens providenciais; ou leva à busca de refúgios mitológicos. Trata-se de uma Sociedade Civil irrealizada e já absorvida pela Sociedade Política dominante. Enfim, uma cidadania em gestação e truncada e uma individuali-
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zação anômica — sem leis, normas ou regras de organização —, onde o “cidadão” não
passa de um apelativo sinônimo de “fulano” ou “cara”.
A associação civil-política de elites é a que tem dado o tom ao conjunto da sociedade. Masela o faz, transmutada em Sociedade Civil Política e sintetizada como
Estado da sociedade nacional dominante, encampando, coibindo ou desagregando corretivamente e reprimindo a incipiente rede de associações, valores, normas de comportamentoe instituições civil-populares independentes, que visam gerar uma Sociedade Civil Popular. A encampação desta sociedade civil-popular em gestação se dá
pelaspráticas e mecanismosqueaselites econômicas constituíram em Sociedade Política com outras instâncias burocráticas regionais e estatais, para preservar o estado de
dominação em que se encontra a sociedade.
As tentativas de criação de agrupamentos e partidos autênticos (autônomos) da sociedade civil-popular — por cima e além das delimitações clientelistas ou da atomização individualista — foram regularmente coibidas, de formasdiversas, chegando
até a proibição legal, a repressão ideológica e a coerção física. O desenvolvimento
político da formacão classista implica não somente a sua diferenciação de valores, de atividades e de normas de comportamento, mas também a visualização de fontes e formas de produção e distribuição — diferentes daquelas do sistema que pretende ultrapassar e à margem e sombra do qualcresceu — e, ainda, a sua organização política diferenciadae particular, para realizar esta transformação. A constituição de classe — no caso das camadas subordinadas, que almejam constituir-se como sociedade — supõe, portanto, um potencial (e seu desenvolvimento) político, isto é, vontade, ca-
pacidade e sentido diferenciado e autônomono interior das relações de poder estipu-
ladas, capazes de reformular-se permanentemente, por consciência de si e através do emprego de seus recursos e capacidade de ação, para além do âmbito setorial, grupal ou regional, até encampar nacionalmente o grosso da sua base de emergência e seus segmentos/alvos sociais. A indiferença absoluta às reivindicações destas agremiações sociais populares
e, quando necessário, a sua desarticulação, realiza-se através do governo de turno, que as distorce, corrompe, ou até se apossa delas, de variadas formas — clientelismo, in-
corporação, mandonismo, “cabresto”, paternalismo, populismo, burocratismo, etc. —,
ou, em sua versão extrema, na base da desagregação coercitiva, por meio de capangas e pistoleiros, se o conflito é de baixa intensidade e circunstancial; através de policiais militares, quando é localizado e de situação; e acionando os militares, quando é geral e de estado. O “Estado apropriado” pelos componentes do “pacto social” histórico
urbano-rural e oligárquico-classista, viciados no controle das rédeas (curtas), só enxergaria as lideranças emergentes e independentes da população como objeto de administração clientelista ou alvos de controle corretivo policial-militar. Paradoxalmente, seriam as próprias elites que se queixariam da falta de partidos, ou da fragilidade do
sistemapartidário.
Neste sentido, o único agrupamento social — verdadeiro arquipélago de vontades particulares e coletivas — a constituir sua Sociedade Política Popular, isto é, seu
partido, foi o movimento popular surgido de reivindicações sócio-democráticas na São
Paulo da década de 70, aliado a militantes político-sindicais e comunitários espalhados pelo país afora. Mas para transcender limites corporativos e classistas, no discurso e naprática política, este partido-movimento deverá se ver na iminência de encaminhar seus esforços para a constituição de uma Sociedade Civil-Popular, isto é, terá a neces-
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sidade de criar um movimento societário pluralista de transformação do estado de coisas, para então redirecionar as “coisas” do Estado através de um governo renovador de reconstrução nacional. Esta incipiente sociedade civil-popular é, na realidade, o esboço — não de umaclasse ou bloco de classes (embora sejam fases da sua constituição) em consolidação — da vontade de constituir-se como Sociedade ostensiva, remetendo à obsolescência a estrutura social anônima em que se encontra, o quesignifica decompor a atual estratificação classista dos indivíduos. Mais: significa recuperá-los como seres societários e comunitários e não preservá-los como seres parcelados e parcializados, isto é, classistas.
REPENSANDO A QUESTÃO DO PODER A julgar pela óbvia riqueza natural e humanae pela dedicação dos habitantes deste país-continente, pode-se dizer que os problemas hoje vividos pela população não decorrem da falta de dons — a falsa miséria das raízes —, mas têm a ver com as
formas históricas de organização da sociedade, com a maneira como (e por quem) são tomadasas decisões e qual o sentido das diretrizes de governo e estado — as verdadei-
ras raízes da miséria.”
São problemas, portanto, que têm a ver com as relações de poderentre os
diversos atores sociais — relações entre desiguais do ponto de vista dos benefícios adquiridos no processo produtivo em que a população está engajada e que, em con-
segiiência, determinam a estratificação social, condicionam e determinam as diferen-
ciaçõescultural e política. Trata-se de uma questão de poder. Mas não se trata de quantificar a questão do poder ou fazer deste uma “coisa”, um atributo pessoal ou um “local” a ser atingido.” Expressões como “tem poder”, “acumula poder”, “chegou ao poder”, “perdeu poder”, “conquistou poder”, etc, são comuns no linguajar popular e até no acadêmico ou político profissional, Herança, talvez, de uma época em que o poder se igualava à força e os “poderosos” eram localizáveis em redutos exclusivos e excludentes — seja a casa grande, o quartel ou algum foro de conspiração, transações de negócios, convívio social ou debates das elites —, exercendo destes locais, sua imposição bruta, transparente, sem mediações. Poderosa, enfim. Pela ótica convencional da questão do poder este nunca será “atingido” pelos
dominados,já que será sempre uma questão de “ter” ou 'não ter”, “ser ou não ser”, “estar ou não estar”. Os carentes de poder estariam fadados a nunca ter ou estar no poder,
por estarem permanentemente “por fora” e visceralmente despossuídos de tudo. E o povo, além de pobre, seria permanentemente idiota por definição. Se faz necessária uma abordagem diferente da questão, para sermos capazes de visualizar o processo pelo qual os dominados se tornarão poderosos.
Ao quantificar, coisificar, “localizar” ou personalizar a questão do poder,
anulam-se as possibilidades do indivíduo discerni-lo e vivenciá-lo enquanto sua própria capacitação política. Esta é realizada a partir de medidas destinadas a influenciar a
3 Estudo do Ministério do Trabalho do Japãorevela que, entre os povos de países desenvolvidos,o japonês é o que mais trabalha, com uma média de 2,150 toras por ano; o americanotrabalha 1.924 horas/an; e o francês, 643 horasfano, Segundo contas do IBGE,28% da população brasileira economicamente ativa trabalham 2.352 horas anuais, enquanto 52% trabalhamde 1.920 a 2.304 horasanuais c somente 20% trabalham menos de 1872 horas/ano. (Informe JB, Jornal do Brasil, 18.08.88) José Carlos Capinam, Jomal do Brasil, 22.02.87 19
atuação e o desenvolvimento de organizações compatíveis, afins, coligadas, convergentes e de forças auxiliares, para a realização da ação política conjunta, concatenada e consensualizada programaticamente, na matriz de relações sociais entre desiguais.
Também se anulam as pos:
idades de discernir a ação política das classes dominan-
tes, que se utilizam de diversos mecanismos e recursos, dos quais se destilam medidas específicas, lembrando que a escolha de um ou outro, ou até de vários, de forma combinada, e o sucesso da sua aplicação (ou exitosa ameaça de emprego) é condicionada porseu próprio preparo e predisposição anímica, material e política e depende
das relações de poder existentes entre os adversários
Ao focalizarmos a questão no âmbito da ação social organizada em termos políticos, ético-culturais e intelectuais, entendemos o poder como a capacidade de planejar e conduzir a ação política. Isto significa ter, sabere poder implementar uma estratégia política, deslanchando as operações necessárias e possíveis, destinadas a alcançar o seu objetivo estratégico no interior de uma correlação de forças dada e passível de mudança, num quadro de conflito aberto ou institucionalizado. Esta corre-
lação de forças é a expressão sintética, em termos humanos e organizacionais, de uma relação que se dá e deve ser aferida em termos espaciais e temporais: uma assimetria conjuntural de situação e posição, já que esta relação é modificável pela interação dos recursos em jogo e daqueles passíveis de serem gerados, mobilizados ou readequados,
assim como das vulnerabilidades e das potencializações mútuas (circunstanciais ou estruturais) das forças sociais em confronto. Entendemos ação política como um esforço de intervenção abrangente, preparada e calculada. Deve ser direcionada estrategicamente e operacionalizada em nível de campanha. Isto implica o preparo e deflagração de um número de operações e manobras táticas — projetadas para apoiar-se e complementar-se umas às outras, de forma ininteligível para o adversário —, obtendo-se umefeito cumulativamente significativo. A ação política pode ser realizada por meio de mecanismos repressivos, recursos de comunicação, meios de pressão política, recursos de coação econômica e canais de mobilização participante, espelhando e constituindo o poder de umaclasse, organização, estrutura de ação ou grupoativista.
A capacidade de planejar e conduzir a ação política está ligada à habilidade
humana de agir em uníssono — quandose trata de civis — e à relação de comando e obediência — quandose trata de militares. E envolve, nas duas situações, necessari-
amente, diversas questões. Trata-se de ter, saber e poder implementar umaestratégia política.
Neste contexto faz-se necessário explicitar que entendo porestratégia política a arte/ciência do planejamento e condução da ação política de conjunto para a conquista, consolidação ou preservação e manutenção de posiçõese relações de poder, em relação a outras classes, grupos,estruturas de ação ou organizações. Esta arte/ciência se aplica às grandes operações da política, isto é, ao cálculo e à coordenação a médio
e longo prazo do conjunto de recursos, disposições e medidas, cuja aplicação é esti-
mada como necessária para chegar-se a um resultado final almejado no contexto da oposição de forças adversas e que podem redundar, se bem-sucedidos, na direção da sociedade e na orientação política das instâncias estatais. É, portanto, a arte/ciência de fazer confluir todos os meios de que se dispõe para garantir o triunfo de uma política passível de questionamento ativo ou passivo e, portanto, de assegurar consenso (ativo ou passivo), consentimento ou mera resignação. Ser capaz de pensar e agir estrategi-
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camente supõe a maximização do conhecimento globale sintético de uma situação, a avaliação correta e adequada de uma ou várias posições, assim como a organização
geral das operações ao nível da(s) campanha(s) e a capacidade de prever adaptações táticas na evolução das relações de força entre os vários adversários.
O exercício de poder
A ação política dominante se desdobra em diversos tipos de operações, desenvolvidas por variados meios: a) operações coercitivas, que envolvem o uso aberto e ostensivo da força
encastelada no estado ou seu emprego sub-reptício e indireto, através de mecanismos paralelos;
b operações propagandísticas, que envolvem o emprego de recursos de comunicação ideológica e convencimento doutrinário. O emprego destes recur-
sos é apoiado em realizações de impacto, abrangentes óu localizadas, que
possam ser exploradas no seu efeito-demonstração ou no seu efeito galvanizador de expectativas e ainda se realiza pela exploração de receios e preconceitos coletivos interiorizados na estrutura social;
c) operações econômicas, destinadas a potencializar a própria infra-estrutura logística e a estrutura de ação, assim como coagir públicos-alvos;
d operações sociais, destinadas a criar espaços de apoio e legitimação ampla para desenvolver a ação estratégica de modificação das relações de poder;
e operações administrativo-institucionais, destinadas a delimitar e enquadrar os adversários, a população ampla e os públicos-alvos, ou potencializar as
próprias ações, utilizando-se de recursos partidários, da instrumentalizacão de instituições públicas e de aparelhagem legal e burocrática.
Estas operações políticas podem ser de cunho defensivo (destinadas a influenciar as diretrizes e o desenvolvimento da própria organização e os públicos-alvos, delimitando as arenas de luta desejáveis ou propícias e os espaços-terraço entre os fatores de poder, enquanto se deslancham ações de contenção do adversário), defen-
sivo-ofensivo e ofensivo-defensivo (destinadas a envolver, desarticular, agregar, flanquear, ultrapassar, ou isolar públicos-alvos, arenas de luta, campos operacionais e organizações adversárias), e ofensivo (destinadas a quebrar a resistência em momento crucial ou a dobrar o adversário em manobradecisiva). Seguindo o raciocínio já exposto,
trata-se de operacionalizar uma (ou mais de uma) campanha e, se for necessário ou possível, de forma segiiencial, entrelaçada ou cumulativa.
A condução de Campanha (no plano da ação) ou acompanhamento do processo (no plano da análise, avaliação, apreciação de conjuntura e formulação de opções) implica o planejamento e operacionalização encadeada, segiencial e entrelaçada, convergente e cumulativa das ações, e no monitoramento, compreensão e aproveitamento
dosefeitose desdobramentosdas açõesdirigidas e das ações emergenciais desconexas,
cujo conjunto constitui a “explicitação/realização” da estratégia e das táticas visualizadas ou efetivamente empregadas, e da forma de aplicá-las nos diversos campos da política. Campanha e processo referem-se à série contínua e sistemática, deliberada e
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intencional (e nem porisso deixando delidar com o imponderável, o contingente, o circunstancial e o inesperado) de ações dirigidas à consecução de metas desejáveis, tarefas necessárias e objetivos possíveis — intermediários e preparatórios de outras ações. Trata, também, da formulação e planejamento do plano operacional e da análise da forma de operacionalização (a própria e do adversário) — isto é, a ação contra a
intenção —, na encruzilhada das variáveis de espaço e tempo, de onde se discerne o momento da intersecção (indispensável para potencializar a sua realização efetiva) do
Estado Maior Estratégico, do Estado Maior de Campo ou de Operações, e as unidades de informação, levantamento e avaliação da conjuntura. As operações podem ter intuito preventivo, dissuasório ou agressivo e corte
antecipatório, preparatório ou de complemento de ação. As operações são desen-
volvidas contra os adversários efetivos e potenciais, nas diversas arenas de confronto e nos vários camposde luta política, ideológica (propagandística) e econômica, desdobradas em vários tipos de operações modeladoras do comportamento e atitude do adversário. Chegamos, então, ao plano do desenvolvimento tático.
Entendemos tática como a arte/ciência da detalhada direção e controle do movimento ou manobra, através do emprego dissimulado de recursos especiais e variados, para conseguir um fim ou realizar uma ou mais operações que visam, per se ou interligadas, a um objetivo ou segiiência de objetivos para alcançar um fim. organização do conjunto de meios imediatos e a sua operacionalização cumulativa e
interligada(a nível operacionale plano de campanha), para obter o resultado almejado.
Assim, no planodas relações de força entre adversários ou no plano dasrelações políticas (posição e situação de poder) entre os conjuntos que compõem estrutura social, a tática é a organização e (pre)disposição adequada (no terreno dos acontecimentos e nos diversos campos possíveis de enfrentamento) à luta dos diversos meios para desenvolver ações de teor defensivo, defensivo-ofensivo (defesa dinâmica) e ofensivo. Seu porte podeser:
preventivo: com operações para paralisar os preparativos afirmativos do ad-
versário, criando dificuldades por meios diretos ou indiretos, obrigando-o a modificar sua intenção, predisposição e ação. Entre estes recursos, estão os pronunciamentos e medidas que visam
predispor forçasefetivas — civis e militares — ou acionar meios propagandísticos no cenário político que se estima vir aser de confronto. dissuasório: operações para esvaziar iniciativas ou tomadas de posição do adversário, por meios diretos ou indiretos, estimulando a desistência do outro de formular, iniciar ou executar uma ação tendo em vista o alto custo a ser-lhe infligido. Entre estes recur-
* Entre as ações de corte antecipatório ou preparatório, podem ser enquadrados: a) os esforços da Federação das Indústrias de São Paulo para estruturar um sofisticado órgão de inteligência que defina o perfil de cada segmento sindical e identifique suaslideranças, classificando-as ideologicamente e apontando suas posições políticas, seus vínculos partidários e a influência de organizações religiosas (identificando suas lideranças emergentes, rastreando com precisão as tendências do movimento sindical e institucionalizando procedimentos incorporados nos núcleos de recursos humanos das grandes empresas, com o objetivo explícito de possibilitar aos negociadores maior eficiência na tomada de decisões e no resultado das negociações); b) osesforços de penetração individual, como o que tentado pelo cabo reformado da Polícia Militar paranaense Milton GomesPereira, ao atuar dentro do Partido dos Trabalhadores é de movimentossindicais como informante remunerado da Companhia Brasileira de Frigoríficos (Frigobrás), na cida e de Toledo, Paraná.(Relatório Reservado, 22/28.08.88). A denúncia das atividades de espionagem e infiltração foi feita na Assembléia Legislativa, pelo deputado paransense Pedro Tonelli, do PT, que exibiu os documentos que comprovam as ligações entre militar é Leonildo Baggio, ex-diretor de Recursos Humanos da Frigobrás. O contrato informal entre o Cabo Milton e à Sadia durou de março de 87 até dezembro de 88, (Jornal do Brasi, 1742.88). 22
sos, encontram-se os pronunciamentos de comandos militares, empresários de porte, parlamentares ou governantes, em termos de advertência, apoiados na disposição de forças no cenário político, além das campanhas propagandísticas e ações táticas efetivas para alvejar a disposição do adversário, etc. agressivo: operações para marcar ou delimitar posições próprias e projetá-las no âmbito social e político amplo, vulnerabilizando e isolando o adversário, ou impedindo a junção de suas forças. Visam'colocar o adversário na defensiva e, se possível, imobilizá-lo ou mesmo
desarticulá-lo.
Em termos hobbesianos, trata-se de desenvolver a estratégia política preventivamente, tendo em vista não só as consegiiências de seus próprios atos e diretrizes, mas também as resultantes da ação do adversário. Trata-se, enfim, de uma política de antevisão dos desdobramentos dasuainteração. Em termos weberianos, é indispensável discernir analiticamente entre o dever ser necessário e o arbitrário; assim como pro-
curar a distinção operacional entre o querer e o poderser e fazer. Em termos maquia-
velianos, trata-se de agir taticamente, de forma resoluta, ajustando os objetivos aos
meios existentes — após a preparação anímica, logística e política adequada —, no centro dos acontecimentos (ao qual se pode chegar por aproximaçãodireta ou indireta), a partir da escolha certa porque precavida. Já em termos gramscianos, trata-se de traduzir politicamente uma vontade coletiva, capaz de ação criativa — orientada pelo que deveria ser, em oposição ao desejo coletivo adversário do que é ou do que deve ser. Mas esta vontade política deve ser direcionada sobre um alvo político definido e baseada na realidade efetiva, isto é, de relações de poder em contínuo movimento.
Além disso, deve ser original, tendo em vista que o objetivo é a transformação desta
“dada” realidade. Em suma: é imperativo preparar-se para atuar politicamente e fazê-lo, isto é, exercer efetivamente o poder.*
As considerações tecidas acima, são válidas tanto para o levantamento e avaliação da conjuntura e apreciação do processo — a chamada análise política — quanto parao plancjamento e orientação da ação política. O ponto de partida para acompanhar à ação política das elites dominantes, no processo e na conjuntura, é identificarsua organização é predisposição contumazes para o confronto e o conflito político e as linhas profundas de mctivação para à ação, que podem ser discemidas por suas características explícitas (bases produtiva, organizac) geográfica e social; manifestações políticas e ideológicas) e pelas características e traçosintrínsecos,inerentes, esperados e latentes (cog social,normas e valores dominantes). À ação política destesagentes tende ser codificada por eles € decodificada pelo observador, a partir de seus elementos constituintes: atitudes e posicionamentos coletivos, organização e predisposição — comoreferenciais de ação que configuram a sua autonomia política, norteada pela consciência de si mesmos, comoforça diferenciada,no interior das relações de poderexistentes 23
INTRODUÇÃO
PODER E SOCIEDADE POLÍTICA DOMINANTE —
Vambora,
meu povo. A hora é essa!
O grito ecoa ao longo da avenida e faz estremecer o asfalto. Ouve-se o bumbo e o estampido colorido de pólvora, que cobre a madrugada de novas estrelas. Sente-se o calor do riso, o canto contagiante e a emoção da lágrima. Numa simples fração de segundo, Marias em baianas prateadas, Josés em fatiotas enfeitadas, condes, rainhas, princesas, mendigos reluzentes e duques engomados respondem ao grito do puxador. Depois de meses de encontros, discussões e ensaios exaustivos, a resposta é harmônica, apaixonada e decidida. No âmbito popular, é mais ou menos assim. A ação programada e cadenciada, com objetivos definidos, só acontece no carnaval: nas quadras de escola de samba e no desfile da Marquês de Sapucaí. No dia-a-dia, a mistura da ação planejada com a relação de comando e pronta resposta — geralmente explosiva e muito eficaz — costuma localizar-se em outra esfera: está na base de todas as articulações elitistas bem-sucedidas deste país. Mas quem exerce poder nos termos acima esboçados? Quem pode ser analisado em termos de planejamento e ação política, segundo tal raciocínio? a)
As Forças Armadas, por sua natureza de Sociedade Política Armada. O exercício do poder, pelas Forças Armadas, é consoante com a própria mente militar, isto é, de preparo de ações para o futuro, utilizando para isto uma metodologia que se nutre de noções político-estratégicas. Elas têm e utilizam “naturalmente” os recursos informativos, analíticos e avaliatórios
e os métodos de planejamento e imposição de vontades
sobre a estrutura
e o comportamento social, na conjuntura e situação política, tendo em vista o processo e as perspectivas político-ideológicas. b)
O governo, que por sua absorção do Estado e dos recursos de ação da máquina gerencial, se perfila como um sistema de atuação estatal. Como 25
observa Vargas Llosa, a diferença entre Estado e govemo é uma ficção
nos países subdesenvolvidos. Nesta América do Sul, “o governo se apodera
do Estado como se fosse sua propriedade, usando-o para premiar os favoritos e castigar os adversários”.? No Brasil, a tradução desta idéia se expressa no ditado mineiro: “Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Nesse sentido,
o governo pode ser enquadrado como uma Sociedade Política Estatal de ação entre amigos.
c)
O empresariado, por seu caráter de classe, isto é, por sua autoconsciência coletiva, pelo discernimento claro dos seus interesses de conjunto não-negociáveis e de suas necessidades fundamentais. A expressão concreta disto, enquanto estrutura e atuação, se dá através do processo de formação e de exercício de: a) organicidade corporativa; b) consensualização solidária de interesses; c) articulação e estruturação (preparo) político-operacional; e d) predisposição para a ação de Estado, organizada de forma regular, com abrangência e escopo nacional, dando assim uma forma geral a seus interesses particulares, isto é, apresentados como sendo de interesse do país como um todo. Isto se expressa nas múltiplas organizações táticas e operacionais, de cunho político e cultural que o empresariado constitui, e em . sua constante e laboriosa atualização funcional. Nesse contexto, pode-se falar do empresariado como sendo uma verdadeira estrutura de poder, uma associação para a ação, uma coletividade societária referenciada politicamente para a conformação estatal — enfim, uma Sociedade Política Empresarial.
OS COMPONENTES A Sociedade
DA
SOCIEDADE
POLÍTICA
DOMINANTE
Política Armada
Devemos levar em consideração que as forças militares do país são resultantes de um processo de configuração, consolidação, expansão e projeção de uma verdadeira sociedade, com sentido e alcance político, apoiada nas armas. Em virtude de seu assentamento histórico-nacional, estamos lidando com uma Sociedade Política Armada, que compreende hoje aproximadamente 600 mil pessoas, distribuídas nos serviços de mar, terra e ar e nas instâncias paralelas.” Além de seus familiares, incorporados
à “sociedade”
militar,
deve-se
considerar
ainda,
como
parte desta estrutura de
poder, o conjunto de polícias militares e outras entidades afins — sob o seu comando operacional —, e os centros, clubes e agremiações sociais, culturais e políticas. Com
efeito, trata-se de uma
contextura vivencial,
ocupacional
—
marcada
ideológica e politicamente —, estruturada burocraticamente e com laços singulares de solidariedade verticais e horizontais, que ultrapassam as delimitações normativas e fúncionais; que universaliza, para seus componentes, um sistema normativo-valorativo institucionalizado hierarquicamente e centrado disciplinarmente numa composição social
verticalizada. No seu interior, desenvolve-se uma rede de relações impessoais e afeti-
9 Veja, 02.09.87 19 Folha de São Paulo, 22.3.89
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vas e de solidariedade mecânica e orgânica, além de normas subjacentes, que são transmitidas de turma em turma, de geração em geração, e também de maneira hie-
rárquica, como patrimônio organizacional, comportamental, simbólico e racional, que
irá expressar-se no fazer político, no sentir e vivenciar social e na elaboração ideológica do indivíduo militarizado, situado neste singular contexto auto-encapsulado.
A Sociedade Política Armada é equipada militarmente e de forma permanente,
o que a diferencia de todas as outras associações e a particulariza no conjunto das
instituições, dando à sua organização umafeição peculiar, tanto em termos concretos
quanto simbólicos. A Sociedade Política Armada é cônscia da sua unidade existencial,
onde o conjunto de deverés, obrigaçõese direitos essenciais contrasta com os de outros
agrupamentos sociais. Organizacional e institucionalmente, seus objetivos precípuos militares desdobram-se numa multiplicidade detarefas funcionais, que além de assimiladas por todos os participantes, levam estes homens a uma situação de condicio-
namento disciplinar e hierárquico, por sua inserção no encadeamento vivencial acima mencionado. Mas esta mesma contextura condiciona mentese determinaatitudes, modelando, por sua vez, a própria inserção simbólica e política das forças militares na estrutura societária. Deve-se lembrar também que,no interior desta Sociedade Política Armada, foi gestado o seu próprio “Estado”, pelas “comunidades político-ideológicas” de informação, coação e coerção,e pelas instâncias legais-normativas e administrativas particulares a esta sociedade. E não só. A Sociedade Política Armada constituiu uma malha de serviços assistenciais, centros culturais e focos doutrinários, que igualmente diferenciam — e, comparativamente, privilegiam — os militares no conjunto societário. Mais ainda: desenvolveu a sua racionalidade específica, escorada pelas noções particulares de hierarquia, disciplina, coesão e obediência vertical, e afirmou inter-
namente a sua legitimidade, por meio de um corpo de referências ideológicas,legais
e políticas, que se expressa, em momentoscríticos, na administração militarizada da
máquinaestatal e, regularmente,no autoritarismointrínseco rigidez disciplinar, como também na predisposição para a tarefa precípua de um sistema de violência, embasado doutrinariamente numa visão que se ancora em suaparticular percepção do que seja um
“inimigo interno”.!!
A Sociedade Política Armada também desenvolveu o seu aparelho vital pro-
dutivo. Este compreende o parque bélico cliente da Sociedade Política Armada, constituído pelo setor industrial privado de produção de armamentos e afins, do qual os militares são freguesese indutores; o sistema empresarial-militar, que permite a transferência dos militares aposentados para altos postos de administração das empresas
públicas e sua inserção na Sociedade Política Empresarial, através da ocupação de
postos diretivos e do desempenho de tarefas executivas nas empresas privadas, ou ainda de *missões' de lobby e atividades de orientação e articulação política a elas
anos da 'guera fra”. Hoje, a ESG passa por “1 Esta percepção foi alimentada, em partcular, pela Escola Superior de Guerra,ao longodos o Superior de Guerra — partir de 1985,altcrandouma readequação técnica, embora não de ideologia. À ESG mudou seu principal curso —anualmente, cerca de uma centena de estagiários, dos Caepe, o Frequentam o para Cursode Altos Estudos de Política e Estratégia (Caepo).. postos do capitão de mar-e-guerra, coronel « ofcial quaisdois terços são cvise w leigo restante6 de militares dastrês armas singulares, nosCurso e Comandods Forças Armadas Estado-Maior de o generalde duas estrelas. Paralelamente, com à mesmaduração de um ano é ministrado objetiva o *aprimoramento da doutrina, da política c da (Cemefa), exclusivamente para oficiais superiores das três armas singulares e que das de Comando, Chefia e Estado-Maior combinaestratégia militares", visando "habilita oficiaisdas Forças Armadas para o exercício funções dos”.Alémdisso,a ESG realiza Ciclosde Estudos, em períodos de duas semanas, quetratam de assuntos “de relevânciae da atualidade”. (Ombro à Ombro,Junho de 1988) 21
destinadas. Finalmente, o complexo industrial dos militares, através do qual a Sociedade Política Armada desenvolve a concepção autônoma e organiza a produção de
artefatos de guerra ou sistemas de uso bélico (em conjunção com o parque bélico-
cliente e captando fundamental e seletivo apoio científico-acadêmico).2 O caso mais
patente deste complexo é o dossistemas nucleares, embora, no caso da Marinha, deva
ser ressalvado que esta assumiu o papel de “patrocinadora” por carências efetivas do parque industrial “cliente”.
Assim,se a República de 1889 marca, para a Sociedade Militar, o início de sua
projeção histórica como Sociedade Política Armada, é o regime de 64 que concebe o Leviatã militar, consumandoe coroando o seu processo de estruturação. Mas o parteiro e mediador geral deste fenômeno é a própria ausência de um “sentimento de Estado”
na História brasileira. Em contrapartida, e como pré-requisito para este “vazio de Estado”, as elites civis brasileiras fizeram dasinstituições políticas e administrativas umaintrincada rede de aparatos, mecanismos e recursos de poder e um conglomerado de privilégios a serem usufruídos — tornando a autoridade ilegítima —, enquanto a popu-
lação se tomou dependente dos favores do “estado de espírito” das elites é dos humores
do funcionário burocrático, num constante “desgoverno” institucionalizado.
Por outro lado, consolidou-se o “governo” da Sociedade Política Armada,
manifestando-se no alto comando de turno. Enquanto isso, o ministro do Exército
assumiu, desde os tempos do general Góes Monteiro, o papel de “primeiro-ministro presidencialista”, em função do peso relativo e da presença absolutista desta arma. No caso do atual ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, trata-se de um presidencialista tríplice: como defensor do tipo de regime; como candidato lançado e com aparente vontade de ser presidente; e comovirtual condestável do sistema,já que falamos do único ministro do Exército, nos últimos 40 anos, desde o general Eurico Gaspar Dutra, a tirar do próprio colete o nome de todos os generais de duas, três e
quatro estrelas.?
A noção de Sociedade Política Armada sublinha a singular conformação e desenvolvimento das forças militares, mas também aponta para a peculiar formação societária brasileira e para as múltiplasinterseçõese inter-relações com as forças políticas
de elite, de cunho empresarial, burocrático-estatal e cultural, ou de convívio social, cuja convergência configura a Sociedade Política e Civil Dominante. De fato, a sociedade militar, enquanto força auto-encapsulada no plano societário, está inserida em termos organizacionais, institucionais, ideológicos e políticos, no interior de uma constelação
de relações de poder quase manifesta na máquina de gerência estatal, que se expressa no processo governamentale se institucionaliza no Estado geral de dominação a que a sociedade ampla está submetida. A Sociedade Política Armada se caracteriza por sua projeção social e configu-
ração exclusiva. A sociedade militar privilegia de fato as classes dominantes (não se
confundindo com elas, a não ser em casos individuais), como focos de referência e parceiras do processo, e também procura, seletivamente, como manto de legitimação e espelhamento ideológico, algunsestratos das camadas médias omitindo, na prática,
todos os outros segmentos sociais, a não ser como foco de análise e alvo de sua ação
Sobre a questão da indústria militar video trabalho deJosé Drummond Sarava, As Fábricas da Morte: Ensaio rc o E Ea ionad 'Zécimo, Jomal do Brasi, 0108.88
Brasileira de Armamentos, 1988 (no prelo).
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política. Por sua vez, as classes que compõem as sociedades de elites dominantes buscam e obtêm formas de inserção no universo simbólico e político-ideológico dos militares, instrumentalizando opções, atitudes e receios da SPA, enquanto corporação de interesses coletivos e atuação assistencial, organização técnico-bélica e instituição
político-militar. É neste contexto que deveser estudado um duplo movimento:o de en-
trelaçamento dos militares com aselites civis e seus poderes constituídos no país —
o “Estado de Dominação” e a “Sociedade Política Dominante” — e, ao mesmo tempo, o de diferenciação com estas, preservando um modode vida e umavaloraçãoprópria. !* A Sociedade Política Armada é, por definição, organizada politicamente, preparada ideológica e doutrinariamente, predisposta logística e tecnicamente, e vivida por seus integrantes segundo parâmetros militares, num processo de integração progressiva, que preservaa suadiferençae auto-encapsulamento no interior da Sociedade Política Dominante, além de fortalecer a sua capacidade de iniciativa político-coercitiva e adminis-
trativa sobre a embrionária sociedade civil dos dominados, isto é, a Sociedade Civil
Popular em gestação.
Esta Sociedade Política Armada tem uma “natureza” dual. Ela é geral, en-
quanto instância do âmbito estatal, embora não de Estado, pela redução deste a uma
máquina político-gerencial. E é singular na capacidade de atuação autônoma, pela sua projeção sobre o espaço gerencial-administrativo da Sociedade Política Dominante (o vazio de Estado) e sobre a Sociedade Civil Popular, em estado de permanente (e induzida) desestruturação. Embora inserida na Sociedade Política Dominante, a sociedade militar não se sujeita ela,e isto por um motivo bem simples: está acima dela,
já que se superpõe às suas normas e se situa, na correlação de forças, fora das possiA Sociedade Política Armada detém bilidades de controle e supervisão daselites civis.
a faculdade de formulação e de implementação de diretrizes e de controle de desem-
penho, sem ingerências estranhas a si mesma. A SPA tem motivação própria, inde-
pendência conceitual-doutrinária, ampla margem de manobra orçamentária, capacidade e faculdade auto-encapsulada de formação, planejamento e implementaçãode diretrizes
e, ainda, a possibilidade de autocontrole do seu desempenho e dacorreção ou retificação do curso, fluxo e procedimentos de sua ação política, sem considerações exter-
nas, a não ser o mero cálculo de correlação de forças e oportunidadetática. Como se isso não bastasse, a Sociedade Política Armada registra ainda uma auto-regulamen-
tação institucional e umainspiração organizacional própria, que engloba diversos planos — desde o orçamentário até o legal-normativo, seja no âmbito interno ou na sua
inserção externa, isto é, no estado de dominação e na sua inter-relação com outras instituições, associações e sociedades de elite.
Gozandode altíssima capacidade de autogestão, a Sociedade Política Armada é capaz de produzir iniciativas político-coercitivas de cunho societário (tutela social) e estatal (tutoria arbitral) de abrangência nacional. Expressa, crescentemente, atitudes
de partido corporativo armado e se comporta como umavigilante malha de aço ideológica no seio da estrutura societária, no interior da sociedade política ampla e na máquina gerencial da coisa pública. É capaz de ação administrativa, política e normativa nos planos social e estatal; pois se trata de uma entidade multifacetada ideologi-
camente, mas uniformizada doutrinariamente e consensualizada organizacional e ope-
O general Sebastião J. Ramos de Castro, em artigo intitulado “Profissionalismo Militar”, considera que “o soldado profissional possui uma condição social" e dere “saber conviver comintegrantes de outras condições sociais e aprender a respeitá-los, admirá-los e prestigiá-los sempre que para issose façam credores*. (Letras em Marcha, Julho de 1988) 29
e racionalmente, dispondo de abrangência e penetração nacional-societária. Não deve-
mos esquecer, neste contexto, que a SPA, à diferença de qualquer outro segmento da sociedade política ampla ou da embrionária sociedade civil-popular (onde aindaé vista,
nosestratos inferiores, como um canal de mobilidade social e de auto-estima), é a única estrutura que conta com estados-maiores permanentes, singulares e gerais, analíticos e
operacionais. A SPA conta, portanto, com possibilidades políticas e logísticas excepcionais sincronização operacional e programação consensual sistemáticas e per-
sistentes. Aliás, é a única estrutura política deste gênero e porte na vida do país, com
disseminação, ressonância e potencial tático assegurado por sua particular distribuição
noterritório nacional, sua preponderância no estado de dominação gerale pela estrutura subordinada das polícias militares — sob seu comandoestratégico —, contando ainda com uma variedade de órgãos civis e militares de cunho coercitivo ou repressivo. Por conseguinte, a Sociedade Política Armada está habilitada — e exerceeste
poder, de forma consistente e sistemática — a estabelecer e estipular suas conexões de
sentido interno, além de definir e orientar as suas manifestações e ações. Ultimamente, estas características passaram a ser reforçadas, em particular no Exército, por uma
outra medida que visa a ter efeitos a médio prazo: o preparo político e a capacitação específica que permitam entender os meandros — e talvez gerir — a administração pública — requisitosindispensáveis para o que poderíamos chamar de incipiente partido militar, passível de surgir da reconversão desta burocracia armada. Vale lembrar que, a partir de março de 88, coronéis e tenentes-coronéis, escolhidos através de rigoroso crivo pelo Estado Maior do Exército, passaram a integrar a primeira turma de alunos
do recém-criado Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército, com
duração de um ano, funcionando na Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme), no Rio de Janeiro. O curso envolve seis matérias: administração, política,
relaçõesinternacionais, prospectiva, estratégia e política, e planejamento estratégico da
força terrestre. Entre os assuntos a serem estudados, pesquisados e debatidos, estão: questões gerenciais e de administração pública (planejamento e orçamento, além de processos de execução de políticas públicas); e, na cadeira de política, organização estatal, formas de participação política, regimes políticos contemporâneos e gestão de
crises. Sob o tema prospectiva estão incluídos: previsão e avaliação de aspectostecnológi-
cos, econômicose sociais; e, na matéria deestratégia, as preocupações giram em torno de teoria do conflito, gestão de crises, evolução do pensamento estratégico e estudos
de estratégia militar comparada. Percebe-se, nesta iniciativa, a preocupação e a intenção de formar uma elite dirigente, da qual será extraída a cúpula do Exército em meados da próxima década e que poderá controlar, eventualmente, o Estado.!5 Trata-se, enfim, da autonomia política armadapara a gestão e ação política,
gerada noterrenofértil do politicalismo militar, escorado no monopólio das armas de combate e no recurso à violência, para o tratamento das questões sociais — o que é,
precisamente, a antítese do profissionalismo militar. Autonomia e politicalismo militar condicionam sistema político-institucional, fragilizando-o e modelando a sua crônica precariedade. Em contrapartida, favorecem o amadorismo governamental e determinam a submissão dos políticos desarmados.
!º Marcelo Tognozzi, Jornal do Brasil, 18.187. Embora o curso tenha sido projetado para qualificar oficiais superiores numa série de questões que tem aplicação imediata no âmbito do Exército, focalizando atividades de gerenciamento e de conhecimento amplo, a possibilidade dele extrapolar dependerá do corpo docente e das matérias efetivas. 30
e Deoutro modo, como grupamento social armado, que detém — por excelência,
lei e fato — os recursos estratégicos, a Sociedade Política Armada exerce o monopólio
do uso político da força bélica.!º Desta forma, como organização capacitada estrategicamente,predisposta em termos logísticos e distribuída geopoliticamente no interior do
país, é capaz de submetertodos os outros grupos sociais desorganizados e desarmados.
Mais: é umainstituição política autônoma, capaz de dissolver todas as prerrogativas
civis e cívicas, e esvaziar a soberania popular, por ser a única parcela permanentemente
organizada da população, com efetivo poder de veto — expresso na tutoria arbitral exercida sobre o governo de turno —, escorada pelo monopólio du força E ancorida na doutrina de “Segurança Nacional”, que continua válida, embora de forma diferente. A lógica do monopólio político das armas passou a servir de referência jus-
tificadora — ideológica — para tentar o monopólio das áreas (ou, pelo menos, o con-
trole, determinação de diretrizes, indução e retificação de curso e método) que se ocupam com questões tecnológicas (pesquisa científica, modelamento, produção e
utilização), de incidênciadireta na valorização e produção de artefatos militares ou de possíveluso militar, direto ou indireto. Esta apreciação da Sociedade Política Armada fez com que seu comportamento e postura — e,até poderíamosdizer, a sua função no
sistema produtivo privado e na gerência estatal deste setor — fosse 9º de um “supe-
rindutor” político e técnico e às vezes, também,o de um “supercondutor “nos meandros
administrativos e orçamentários do processo de industrialização específica (eletrônica, informática, energia nuclear e outras, etc.) e do processo de absorção, cópia e criação
científico-tecnológica e sua aplicação industrial, Nesse sentido, é interessante notar que, além da já estudada participação militar no esforço de desenvolvimento de uma
indústria bélica para as três forças, outros canais da Sociedade Política Armada pe
participado deste processo — em especial, o Serviço Nacional de Informações (SND a que chegoua ser vinculado a uma empresa, a Prólogo, subsidiária da Imbel, estatal vin-
culada ao Ministério do Exército. Especializada em componenteseletrônicose protegida há anoscontra a curiosidade pública sobre seu balanço,utilização de produtos e ori-
gem de suas peças, a Prólogo saiu da “clandestinidade” ao ser divulgada umanova regulamentação do SNI, na qual a empresa aparece, sem nome citado, embutida no
Centro de Telecomunicaçõese Eletrônica. Esta formalização, que inclui a regulamenta-
ção da entidade, “elimina treze decretos reservados, que, a rigor, nada tinham de reservados, mas ainda deixa a suspeita de monstrengosjurídicos. Um dostrechosestipula
que o SNI poderá obter recursos decorrentes de convênios e contratos com entidades
públicas e privadas...” A regulamentação também estipula “a doação como fonte de
das armas pesadas é dos sistemas bélicos de grande porte nãoestá sob disputa. No que tange à preponderância dos militares. 1 O monopólio o uso em relação aoscivis, naposse e uso de armasleves,parece haver uma coexistência pacífica “viável”,enquanto estes últimos orientarem “máfia” e camarilhas de conravemdas armaspara atividdes não políticas. De fato, a Sociedade Política Armada não se sente amençadapels de suasquadrilhas e fazendeiros os que tores que fazem uso de armas, inclusive as exclusivas do Exército. Nem se assusta comas armas com as armas estão em poderde determinadossetores capangas nos têm acostumadonos últimos tempos. À percepção da ameaça só existe quandodefensivo ou ofensivo,o sentidoda posse ou seu não importando,neste caso, se são deter têm algumprojetopolítico, da população,que eventual uso. Mais do que um monopólio,trata-se de uma delimitação da legitimidade do uso daforça, que absorve a transgressão do monopólio as quadrilhas de malfeitores e contraventores impõem. Validade da Doutrinade Segurança Nacional foi reforçada, em suaspremissas intenção de operacionalização, no encontrode militares “8A do continente,realizado em Montevidéu, em setembro de 1988. (Jornal do Brasil, 26.09.88; v Muscir Wemeck de Castro, Jornal do Brasil, 26.01.89) Como uma das conclusõesda 17º Conferência dos Exércitos Americanos, realizada de 17 a 20 de novembro de 1988, em BuenosAires, foi proposto que “as exércitos das Américas devemcriar um sistema de segurança maisunificado, com o intercâmbio de informações, de inovaçõestecnológicas « com o uso dainformática, para combater o movimento comunista internacional, que continua sendo a ameaça comum e principal aos países americanos”. (José Mitchell, Jornal do Brasil, 25.09.88) E Jornal do Brasil, 091088 31
renda, o que pode tornar mais transparente o gesto de empresários que, nos anos 70,
deram polpudas quantias à comunidade de informações para caçar terroristas.”!º A Sociedade Política Armada é estruturada, disseminada e direcionada em
âmbito nacional, embora seja excludente em termos ideológicos e doutrinários. Ela se guia pelo raciocínio dos seus comandantes, que decorre da auto-representação corrente no meio militar, a respeito do seu “papel político precípuo”, transmutado em “função institucional” legítima, cuja matriz é a convicção da natureza positiva da sua missão. A sociedade militar se autopercebe — e projeta esta imagem — como redutora de situações conflitivas, repressora da tensão sociale política ou supressora direta de conflitos, exercendo para isso, necessária e “naturalmente”, a tarefa da tutoria arbitral (que se expressa em ações tutelares, de curto alcance e com alvo limitado) dos “contendedores”, assumindo uma postura de aparente isenção. É do alto da sua perspectiva dual — de governo e Estado —, quea estrutura militar se atrevea falar em nome dos interesses gerais da nação, porque não se defronta com existência de uma verdadeira sociedade civil-popular, capaz de exigir e brigar por suas necessidades específicas e universais.
Finalmente, diríamos queesta Sociedade Política Armada é umainstância que
assume um caráter nacional, em nome de sua missão salvacionista particular. Esta missão está, por sua vez, embutida numa identidade corporativa e assentada num
sistema burocrático, ambos superdimensionados no “estado de dominação”. Contrasta
com a “ausência” de Estado, em seu aspecto normativo e de ordenamento institucional,
isto é, com ilusão da sociedade civil ampla e o arremedodacidadania. Ironicamente, é a Sociedade Política Armada quereivindica a essencialidade patriótica, ao colocar-
-se comointérprete de uma nação que só é percebida como abstração.
A postura de tutora arbitral, eminentemente política, se alimenta de uma inadequação militar de percepção e conceituação estratégica, com reflexos imediatos no adestramento, escolha de equipamento, preparo, definição de missões e tarefas. Esta
inadequação estimulou uma autopercepção da sociedade militar, e em particular do Exército, como legítima executora da intervenção política coercitiva, em suas várias formas e etapas, incluindo o seu estágio superior — o golpe de estado.” Justifica a
função repressora e requer uma atuação — comoprofissional da violência e detentora dodireito e da exclusividade da violência organizada no âmbito do paradigma político de guerra interna ou civil —, dirigida cautelarmente à própria estrutura societária-nacional. A existência de um corpoinstitucional dotado de armas, adestrado de forma
sincronizada e rotineira, especializado e subordinado a um comando político sem solução de continuidade, é a base do monopólio da força da Sociedade Política Armada
no estado atual de dominação e sobre a estrutura societária brasileira. Arraigados nesta concepção, os militares desenvolveram umalógica necessariamente autoritária e especialmente conservadora, no tocante às mudançassociais e
políticas do país: a concepção de si mesmos como preservadores da ordem, isto é, a
visão de quem abomina o conflito inerente a uma estrutura societária em movimento,
O que, certamente, indica possíveis problemas para um governo que se proponha a
*º Coluna Radar, Veja, 05.10.88 *º Nesta Ótica retorcida, o conceito de monopólio da força foi subvertido, passando a ser operacionalizaco e justificado como uma espécie de dever e privilégio miltar. Na prática, o monopólio da força deixa de ser prerrogativa do Estado para transformar-se em recurso da Sociedade Política Armada, pelo uso discricionário das “chefias” militares que, hipostasiadas noestado e com autonomia de fato,invocamo direito derasgar a lei e se antepor à cidadania, 32
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realizar transformações sociais e uma renovação político-econômica. Os comandos militares, pela sua orientação doutrinária, visualizam cenários sócio-políticos como sendo cenários político-militares, isto é, aqueles que são objeto de açãoestratégica, ou seja, de ameaça de uso ou emprego efetivo dos recursosviolentos organizados, guiados pela percepção política da Sociedade Militar. Em momentos de tensão manifesta, sua percepção — e, consegiientemente, a prescrição de ação — passa a ser orientada estrategicamente, estabelecendo o predomínio do raciocínio militar sobre o político e
adequandoeste último às razões “bélicas” e aos estímulos ideológico-doutrinários.
É importante lembrar queo “teatro de operações” sócio-político, onde se realiza
a intervenção armada, é um palco terrestre — daí a hegemonia do Exército. As ações de guerra que o Exército desenvolve neste âmbito civil são componentes de uma
“guerra civil” constantee latente, desenvolvida pelos militares, na medida em queestes,
enquanto perdure o seu perfil de Sociedade Política Armada, estarão em estado de alerta e predisposição intervencionista permanente. Em outras palavras: a sociedade é
visualizada como um “teatroestratégico”, enquanto que algum “local social" específico do território passa a ser o “teatro de operações”, onde um setor político-ideológico é
transformado em alvo de coação, coerção ou repressão — enfim, em alvo de política guerreira. Daí a hegemonia dos efetivos deterra, quando a Sociedade Política Armada
se envolve em ações extramilitares, de cunho político, como é o caso de uma in-
tervenção limitada ou de um golpe de estado.
A lógica da missão interna e a doutrina de “Segurança Nacional” reafirmam
os efetivos de terra como força hegemônica, frente à Marinha e à Força Aérea; justificam-no no seu superdimensionamento de recursos e efetivos e na sua seletiva distribuição territorial (que é questionável em termos de defesa nacional, se levarmos em conta o perfil estratégico do país); e escoram a interpretação de papéis extramilitares,
já acolchoadosrotineiramente na atuação de cunho administrativo e assistencial, como
é o caso da construção de estradas, atendimento de postos de saúde e outras atividades
que deveriam ser da alçada de ministérios específicos. Mas, aparentemente, induzem e legitimam também umadistribuição de “áreas de responsabilidade” no campocientífico-tecnológico — na sua aplicação militar ampla e, especificamente, na produção de ar-
tefatos bélicos — que se desdobra das premissas políticas acima mencionadas. Retroalimentando a questão, o Exército enfatiza a missão interna e a divisão convencional das três armas, incluindo aí a responsabilização sobre a área produtiva e ocupacional tecnológica, assim como seus pesos específicos e relativos entre si, que retiram do plano interno, por definição, a Marinha e a Força Aérea — a não ser no trabalho ingrato de suas agências de informações. A Sociedade Política Armada detém, portanto, o potencial e a atualidade de
autogestão, a autonomia político-institucional e a soberania legal — não fiscalizada
nem responsabilizável nos parâmetros atuais —; dispondo ainda de capacidade de ini-
ciativa estratégica (coativa e coercitiva) na e sobre a ação política societária ou no plano e no âmbito das escaramuças do estado de dominação, comoilustrado nos esforços de modelagem da opinião pública — tendo comoalvos o Congresso (específico), a sociedade (amplo) e a própria SPA (“público interno”) —, durante os trabalhos da Constituinte; e de sinalização impertinente das expectativas militares sobre a duração do mandato presidencial e o tipo de regime. Pode-se lembrar, também,suaatitude durante os diversos contenciosos sindicais, sobretudo nos gravíssimos incidentes de Volta Redonda, em 1988, que simbolizaram o primeiro arranhão na recém-promulgada
Constituição.
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O governo estatal e a Sociedade dos Políticos Desarmados Hoje, por sua ilegitimidade, nascida do conchavo e da negação do voto, o governo é, mais do que nunca,“posseiro” do Estado e age como um aparelhoestatal
no estado de dominação, configurado pelas três grandes associações políticas — a militar, a empresarial e a conservadora associação partidário-burocrática, que ganha
sentido,interesses próprios e vontadesdiferenciadas. Isto é: o governo se arroga funções
de Estado e o sub-roga; ele parece dizer: eu sou o Estado. Esta apropriação do Estado pelo governo dá a medida da desapropriação de que a sociedade foi objeto e da alienação do Estado em relação a esta. Não é à toa que na linguagem popular o “Planalto”, além de ser um termo topográfico, designa tanto o Palácio quanto a intrincada combinação de pessoas, estrutura, ritual e processualística das relações de poder e da
direção política e burocrática da máquina gerencial-estatal. Em termos simbólicos e
metafóricos, o rótulo parece adequado, quando se visualiza a distância entre o Planalto
e a “planície” cívica. Tanto que até o ditado das felpudas raposas mineiras — “Aos
amigos tudo; aos inimigos,a lei” — também sofreu sua atualização,desta feita carioca:
“Aos amigos, tudo; aos inimigos, nada; aos indiferentes, a lei”! Configura-se, assim, o governo estatal.
O núcleo deste Governo — hoje quase uma Casa Grande de transações coronelícias e “ação entre amigos" — apropriadamente, alcunhado de *grupo” ou “turma” palaciana. As elites dominantes brasileiras equacionam a ordem geral com as possibilidades de seu desmando particular, restritas ao pequeno universo mesquinho do poder pessoal, grupal, dos negócios de curto prazo ou de interesses corporativos. A (falta de) ética do governoestá sintetizada naleitura do dito franciscano “é dando que
se recebe” — feita pelo empresário Roberto Cardoso Alves, atual ministro de Desen-
volvimento Industrial. Ciência e Tecnologia —, que soa dúbia e perversa no contexto. Enfim, o “Planalto” se configura como um entreposto comercial, enquanto que os pelegos partidários, de perfil conservador e fisiológico, fazem do Congresso um amplo
balcão de negócios, aberto ao público lobista.” E só seria necessário mais um escândalo,
na seara do ministro Roberto Cardoso Alves, para que um empresário, Renato Ticoulat Filho — demitido da direção do IBC por ter resistido à diretriz de subsidiar expor-
tações de café —, chegasse ao óbvio miolo da questão: “A gente deveria administrar a coisa pública como se fosse coisa dos outros. Nunca como coisa nossa. Porque é dos
outros mesmo”?
Enquanto isso, certo empresariado fez do estado virtual e desvirtuado a sua generosa ama-seca, e do governo, o seu nicho de rendez-vous. Mais ainda: fez da Fazenda uma imensa garçonniére para relações econômicas, onde, em nome do desenvolvimento orientado para as demandas elitistas, violenta-se, de maneira afoita os es-
tratos sociais subordinados. É a livre-iniciativa com o capital dos outros,isto é, o dinheiro público — e isto da parte de um setor que já recebeu, entre incentivos e subsídios, quantidades astronômicas. Para exemplificar: entre 1973 e 1985, o país manteve
“ InformeJB, Jornal do Brasil, 27.01.89. Cartaz afixado no Departamento de Pessoal da Câmara Municipal doRio de Janeiro, =» Vide vs conturbados acertos € desacertos, envolvendo o ministro Roberto Cardoso Alves emtomo das questões da exportação de açúcar, dos subsídios à exportação de café solúvel, da implantação do pólo petroquímico para a produção de pol propileno, da Siderbrás, oepisódio do despachante Pedro Lindolpho Sarto e os pedidosde visto; e ainda o caso de corrupção praticada porex-fancionários da Petrobrás Distribuidora, envolvendo o general Albérico Barroso Alves e outrosdiretores. (O Globo, 23.02.89; Joel Santos, O Globo, 24.02.89; Ricardo Noblat, Jornal do Brasil, 25.02.89; OGlobo, 25.02.89; Jornal do Brasil, 28.02.89) *» Informe Econômico, Jornal do Brasil, 28.02.89 34
uma média anual de “renúncia fiscal” — um eufemismo para as isenções, subsídios e outros benefícios para o setor empresarial — da ordem de 1l bilhões de dólares, totalizandoperdas de receita, no período, de 153 bilhões de dólares — isto é, quase uma vez
e meia a fantasiosa dívida externa, da qual o Brasil já 'pagou” 80 bilhões de dólares, entre 1979 e 1986, enquanto, no mesmo período,ela aumentava de 55 bilhões para Hl
bilhões de dólares.” Estima-se que, no mesmoperíodo, a fuga de capitais e divisas foi
de 18 bilhõesde dólares; as remessas ilegais de lucros de empresasestrangeiraspor sub
ou superfaturamento chegaram a 6 bilhões de dólares; e as remessasilegais de divisas alcançaram a soma de 16,6 bilhões de dólares.”
Em 1986, os incentivos fiscais causaram perdas de 123,3 bilhões de cruzados
(o dólar valendo de 14 a 25 cruzados antigos), equivalentes a 36% de toda a arrecadaçãotributária e a quase três vezes o total de imposto de renda pago, naquele ano,
pelas pessoasfísicas. O setor exportadorrecebeu incentivos da ordem de 67 bilhões de
cruzados. Subsídiose incentivosfiscais provocaram, só em 1988, uma sangria do governo da ordem de1,3 trilhão de cruzados (valor de abril) ou cerca de 30% da arrecadação
tributária do ano. Em 1988, a União passaria a ter uma perda adicional de receita
tributária da ordem de 80 bilhões de cruzados, graças à mudança de regras para incen-
tivos fiscais introduzida em agosto de 1987, que permite a correção monetária da parcela de Imposto de Renda a ser deduzida como incentivo.Apesar da grita e da cólera privatizante, o empresariado mantém uma relação de amor perverso com o estado, agindo como cáften, rufião ou alcoviteiro, isto é, “empresário de prostíbulo”,
segundo Aurélio Buarque de Holanda.” Em vez da 'mão invisível” dos tempos do escocês Adam Smith — que tentava harmonizar, ao “transformar” em “benefício geral”
a busca do lucro dos empreendimentos particulares —, temos a “mão boba” do “neoliberalismo” à brasileira, aconchegando, em benefício de negócios individuais, a conta
paga pelo povo em geral.
Assim, se algum candidato conservador deseja projetar-se ideologicamente
no “centro” político dos acontecimentos de elite, poderá arrancar aplausos de indus-
triais, propondo a *redução da demanda do Governo por custeio” ou o combate ao déficit público, bem no espírito de recente documento da Fiesp. Dizia lá: “O empre-
sariado encara na contenção dodéficit uma oportunidade de devolver aosdirigentes das nossas finanças públicas a capacidade de dominar e gerir o processo, sem se tornarem escravos de gastos incontroláveis e sem submeterem a coletividade às suas penosas consegiiências”.* Mas cuidado: se estiver querendoresolver de fato o problema do déficit — e vier a proporo fim total das isenções e reduçõesfiscais de que as empresas usufruem —, a vaia será ouvida do Oiapoque ao Chuí. Defato, hoje é moda entre aselites dominantes a “crítica do Estado”. Para isto, utilizam-se os exemplos europeus. É uma crítica míope e tacanha, que teima em desconhecer as diferenças fundamentais entre uma e outra realidade. Com efeito, no
Brasil, o Estado é um fenômeno cognato em relação ao pretenso paradigma europeu ou norte-americano — isto é, mesmo semelhante na forma, difere essencialmente na
“* IvanMartins e Maria Luiza Abbot,Jornal do Brasil, 03.04.88; Relatório Reservado, 0107.06.87 2º Osdadosforamcolhidosde um estudo de Marcos Arruda,diretor do Programa Altemativopara (Pacs) (Jornal Commércio, dodo Commércio, (Jornal po o Cone Sul (Pacs) Er 2º Maria Luiza Abbot, Jornal do Brasil, 610.87; Maria Luiza Abbot, Jornal do Brasil, 25.04.88 2? Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira, 2 Antonio Ermirio de Moraes, O Globo,14.10.86; Ivan Martins e Maria Luiza Abbot, Jornal do Brasil, 03.04.88.
1/12.12,88)
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substância —, embora se use a mesma denominação para designaros dois fatos históri-
cos. Como fenômeno total, passível de ser desagregado e parcializado somente em
termos analíticos, este estado de dominação compreende uma integração,inter-relação e imbricação cumulativa, de cunho político, social, cultural, econômico, militar e vivencial particular, cuja sedimentação histórica diverge em conteúdo do resultado histórico europeu ou norte-americano coetâneo ou anterior, embora estes sejam tomados “naturalmente” como seu referencial teórico, modelo prático e elucidativo, e transportados ideologicamente como precursores genealógicos ou como acontecimentos
“estruturalmente” explicativos dos quais se pensa poder “destilar” um conhecimento teórico a respeito de nossa realidade.
Claro está que a truculência e a ineficiência do Estado brasileiro devem ser criticadas, mas devemos fazê-lo ultrapassando a estreita ótica das elites que mostra um monstro dúbio, que deve reduzir a sua ingerência nos negócios do empresariado enquanto
continua a carrear recursos públicos para os empreendimentos da iniciativa privada, mantendo, ao mesmo tempo, sua característica de entidade “gerencial” políticaeficiente
para o controle social. As batalhas na Constituinte e os conflitos sociais posteriores
deixariam à mostra esta ambígua postura do empresariado e de outraselites em relação ao Estado porelas constituído. Se, por um lado,este foi objeto de ataques, chegando-se a exigir o desmantelamento de sua feição empresarial — para tornar privado o que seria público —, por outro o empresariadoe elites afins apelaram a este mesmo Estado
para que reprimisse a revolta populacional contra o calamitoso estado de coisas. Apelavam, enfim, para o tradicional “estado porrete”, apesar de todo o falatório de “modernidade”. Até o presidente da Confederação Nacional do Comércio, Antônio Oliveira
Santos, também membro do Conselho Monetário Nacional, manifestou-se na cruzada
contra o déficit público, e com firmeza, declarando que está cansado “de sustentar este
povão, que vai do ministro ao ascensorista”. Mas não se pronunciou a respeito dos us incentivos, subsídios e maneiras legais de as empresas não pagarem ou pagarem apenas
parte dos impostos devidos.” A extensa lista de beneficiários pode ser composta a partir do nome do empresário paulista Mário Amato, presidente da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo e do Fórum Informal, e um dos mais ferozescríticos
do déficit público. Como um dos donos da Springer, desfruta em sua fábrica instalada no Nordeste da vantagem de dez anos de total isenção do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. Depois de dez anos, passará a pagar imposto, mas apenas 50% do IR devido. E então poderá valer-se de uma nova dedução de 25%, se fizer um reinvestimento na
própria empresa.”
Nosetor rural, as coisas não são muito diferentes, já que foi beneficiário, em 1987, de um crédito subsidiado para a agricultura, da ordem de 6 bilhões de dólares.”! Ironicamente, não foi um membro do “povão” e sim o empresário rural Flávio Telles de Menezes, dirigente da Sociedade Rural Brasileira, que, à frente de um grupo de
produtores do campo, pediu ao ministro Maflson da Nóbrega, em 1988, a suspensão da correção monetária dos empréstimos dosetor. Quando fez as contas, o ministro espan-
tou-se: a quantia da qual se falava, só no Nordeste, chegava a 80 bilhões de cruzados
velhos, mais do que o orçamento do Ministério da Saúde.”? Aliás, se o ministro Maílson 2º Ivan Martins e Maria Luiza Abbot, Jornal do Brasil, 03.04.88 30 Joraal do Brasil, 03.04.88 21 José Serra, entrevista a Inácio Muzzi e Consuelo Dieguez, Jornal do Brasil, [342.87 » Jorual do Brasil, 03.04.88 36
da Nóbrega decidisse, de uma tacada, anular todos os subsídios e incentivos fiscais concedidos ao setor empresarial, conseguiria atingir sua várias vezes propalada meta de 1988, reduzindo o déficit público de 7% para 4.4% do PIB, podendo até se dar ao luxo necessário de realizar uma depuração criteriosa dos quadros do funcionalismo
público, sem usar arrastão e sem penalizaras diversas instituições e os trabalhadores legítimos, transformados no lixo que a “comlurb” udenista encravada no governo
pretende “moralizar”.
O “miolo” político brasileiro (outros países têm cérebro administrativo) inclui o presidente e seus familiares, além de umaturmade íntimos politiqueiros, empresários
e consultores com vínculos empresariais. É formado por José Sarney, Dona Marly (sua mulher) e Dona Kiola (a mãe), e já incluiu seu ex-genro e secretário particular, Jorge Murad.Isto, sem falar nos “velhos baianos”: Prisco Vianna, Antônio Carlos Magalhães,
Carlos Sant'Anna e José Lourenço (dono da Cia. de Agricultura e Pecuária Palestina, que englobaseis fazendas).? Com a gestão Sarney, abre-se um capítulo de reflexão em
torno de uma variável geralmente desconsiderada na análise política: a superstição e a
irracionalidade dos búzios, que acolchoa a ação entre amigos e deve ser incluída no processo de compreensão da tomada de decisões.'* Membros do Planalto tornaram-se inspiradores e requisitantes de oferendase sacrifícios. A primeira que ficou conhecida foi a imolação de um boi para Xangô, em novembro de 1987 — uma oferenda encomendada pelo então deputado Prisco Vianna (PMDB-BA), que assim agradecia os
esforços do orixá em prol de sua indicação para o Ministério da Habitação e do De-
senvolvimento Urbano. A segunda foi o sacrifício de um boi, quatro carneiros e oito
galinhas d'Angola, todos doadospor políticos e autoridades do governo federal e também
imolados em homenagem a Xangô.* Só não se soube por quê.
Naverdade,o presidente jamais fugiu ao padrão estabelecido. Exemplarmente, logo depois da decretação do Plano Cruzado, Sarney convidou o deputado Gastone Righi (PTB-SP) — quecarrega dois patuás na carteira e se benze antes de entrar no plenário — para acompanhá-lo numa viagem a São Paulo. O deputado notou que o
presidente trazia sobre a mesa de sua cabine uma moedade 50 cruzeiros e cópias xero-
gráficas de verbetes de enciclopédia sobre numismática. Samey mostrou-lhe um detalhe: a minúscula concha de molusco cunhada na moeda. E disse que ouvira de um amigo sensitivo “que a concha fora usada pelos escravos africanos, como moeda, e agora estava dando azar ao cruzeiro”. Criando o Cruzado, Sarney pretenderia — além
de Encampas a simbologia implícita na denominação — afastar também o azar da concha. Mas 0 miolo governamental, além de vazio de estadismo e pleno de crendices
e peleguismo político, é fátuo e provinciano.” Somente assim poderia ser entendido o
gesto magnânimo do presidente Sarney, de doar seus empoeirados calçados, como
primeira peça de um inexistente Museu de Janaúba, Minas Gerais, com um discurso imortalmente brega: “Deixo meus sapatos para levar o pó desta terra dentro de minha
3 Vade Co, Rei Rendo, SPL; Jrdo Bras, 1606 da Pico Viraestpra “Pride, tuFaso eai, raraé sei lado détiaSarpppi responde: "Porque ano Soy é dooie FemininosHair ob 0 comando Mini” Qeeinoao is
Wermeck).Panorama Político, O Globo,14.01.89 ra » oe Aa oe *º Jornal do Brasil, 17.04.88 *º Teresa Cardoso e Giselle Arthur, Jornal do Brasil, 21.08.88. Quandoindicou, no dia 8.8.8, o senador Alexandre Costa, do PFL-MA,
para governar o Distrito Federal, o presidente Samey seguia a tradiçãochinesa, que tem o 8 como número de sorte. *Luiz Antônio Novaes, Folha de São Paulo, 09.04.89
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sensibilidade”. E ainda lembrou o apóstolo Paulo, que limpava o pó das sandálias, ao
deixar as cidades onde pregava aosinfiéis. Pior do que isto, só mesmo a homenagem que fez a um amigo e guru, que profetizara sua volta ao governo em eleiçãodireta. “Ele não vai querer, mas O povo vai exigir” — afirmou o maranhense Moacir Reis Neves,
dono de hotel em São Luís, que sem registro algum de aporte ao incremento das relações internacionais, foi condecorado pelo presidente com a Ordem do Rio Branco,
distinção conferida pelo Itamaraty a altas personalidades.” Tempos depois, o Brasil ouviria, estarrecido, a explicação petulante de Samey sobre sua condição de enviado das alturas, ao receber o título de cidadão jalesense, no interior de São Paulo: “Tenho me perguntado por que Deus me trouxe de tão longe para que encontrasse tantas
dificuldadese tantos enfrentamentos”. Antes de que os presentes pudessem imaginar a razão daquilo, o próprio presidente respondeu: “É que o Brasil precisava, neste instante,
de um homem quetivesse a capacidade de não perder a paciência, um homem capaz de aceitar ascríticas, e até o terrorismoverbal e moral, evitando perdera tolerância” * Sarney não estaria sozinho por muito tempo, em suas antológicas aparições.
Após anos de governo com austero Ulysses a substituí-lo, o presidente ganharia um
vice em exercício senão das alturas, pelo menos à altura de seu estilo: o deputado federal Paes de Andrade. Este seria magnificamente retratado, filmado e gravado na singular expedição a Mombaça, que incluiu imensa caravana, com seus personagens de
enredo classe B. Foi como um arremedo hollywoodianodasvisitas de ilustres europeus do período colonial à cidade homônimaafricana. Só faltou alguém que dissesse: “Sim,
Bwana”, e teria dado o toque de fantasia grotesca ao estadista de Mombaça, que assim
reafirmava a Res Pública Festiva do Brasil.
Junto aos “velhos baianos”, ainda devem ser incluídos Saulo Ramos, consul-
tor-geral da República e amigo de Sarney há mais de 30 anos; Álvaro Pacheco, mais
um amigo de longa data, que já foi suplente de senador e assumiu o mandato (hoje,
com retorno dotitular, o ex-ministro da Educação Hugo Napoleão, passou a ocupar um gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto, entre as salas do presidente e do
— até recentemente — assessor especial Thales Ramalho) e é o dono da Editora Ar-
tenova, através da qual cuida dos interesses literários do presidente-poeta; e Mathias Machline, empresário paulista (Sharp), que também serviu como um dos canais de
comunicação de Sarney com a comunidade empresarial, tendo poderes para indicar ministros de Estado.*! Aliás, não é por falta de empresários que o “governo-estatal” não consegue dar um tom de eficácia e eficiência a seus negócios, ou que a livre-iniciativa não
campeia. É interessante notar que uma boa parcela dos ministros do governo Sarney, embora aparecendo comopolíticos e figuras de partido, é de empresários de origem ou
“convertidos”, após rápida estadia nos escaninhos governamentais. Entre eles, podemos
lembraro falecido Dilson Funaro (Trol S.A.Indústria de Brinquedos), que foi ministro-
-pai do Plano CruzadoI; o falecido José Hugo Castelo Branco (produtor de arroz em
Minas Gerais e com negócios imobiliários em Volta Redonda e na Barra, Rio de Janeiro, através da JHCB); Antônio Carlos Magalhães (vínculos importantes com a Oas Construtora, TV Bahia e jornal “Correio da Bahia”); Almir Pazzianotto (produtor de
* Jorzal do Brasil, 04.03.88 »º Rodolfo Fernandes, Jornal do Brasil, 01.06.86 “» Jorral do Brasil, 15.04.88 “! Jorral do Brasil, 17.0189; Informe JB, Jornal do Brasil, 091188 38
cana no município de Tietê e pecuarista no de Rafard, além de proprietário de terras para a invernada de gado); Paulo Brossard (pecuarista em Bagé, RGS); Íris Rezende
(pecuarista em Britânia, Goiás); Aureliano Chaves (cafeicultor e pecuarista, Fazenda da Serra); Roberto de Abreu Sodré (cafeicultor em Avaré, São Paulo e em Paraná, ex-
-membro do Conselho de Administração do Banco Mercantil de São Paulo e da Cia.
City de Desenvolvimento); Roberto Santos (cafeicultor e produtor de cacau na Bahia); Aloísio Alves (jornal “Tribuna do Norte” e vínculos com Rádios Cabucie Difusora de
Natal); Jorge Bornhausen (ex-proprietário da empresa Raimann, dosetoreletromecânico e ex-proprietário do Banco Áurea e do Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina);
Deni Schwartz (fazendeiro em Londrina, Paraná e sócio de outros empreendimentos agrícolas); Olavo Setúbal (BancoItaú); Roberto Cardoso Alves (agropecuarista), Elmo
Camões (ex-presidente do Banco Central e dono da Distribuidora Capitânea).?
Mas o Planalto é, antes de mais nada, um palácio fardado e não só pela
presença do General Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército e primus interpares, sempre ouvido ou se fazendo ouvir, A dez anos do século XXI, o Planalto ainda tem sete cargos militares (os ministérios da Marinha, do Exército 'e da Aeronáutica; o Estado Maior das Forças Armadas (Emfa), a Casa Militar, o Serviço Nacional de Informações (SNI) e a Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional (Saden).? Os
dois últimos, criados como órgãos de assessoramento da presidência, foram militari-
zados logo de início, em sua composição e atuação.
A presença militar é sentida de outras formas. Dos 1900 funcionários da
presidência da República, 250 são militares da ativa. Depende deles praticamente todo
o funcionamento da máquina administrativa. Na lista oficial de autoridades da presidência, há 54 com patentes militares contra 129 civis. E se, porventura, o presidente
José Samey resolvesse dispensar os militares lotados no Palácio do Planalto, perderia seustrinta auxiliares pessoais, ficando sem comida, locomoção,segurança e tratamento
médico, sem carregador e até sem o servente do cafezinho. Mais: Sarney ficaria sem
pastor,pois até as missas domingueiras são rezadas por um capelão militar. A última demonstração de força deste time aconteceu na viagem do presidente à conferência de
Punta del Este, em outubro de 1988. Em sua comitiva de 106 pessoas — maior que qualquer outra delegação,inclusive a anfitriã —, havia 41 militares e 30 diplomatas.s
A formulaçãoe seleção de diretrizes devem ser observadas levando-se em
conta quem tem capacidade e acesso para lidar com elas. Além dospalpites do núcleo
do Planalto, são incorporados à formulação e seleção de diretrizes as demandas e exigências, vetos e apoios dosatores privilegiados — empresários e organizaçõessindicais e políticas do empresariado e dos órgãos da Sociedade Política Armada. A formulaçãoe a seleção são ajustadas, ainda,às pressões de profissionais da política (governadores, deputados, senadores e chefes de autarquias) e de certos órgãos da mídia. Na atual conjuntura, o maior conjunto de opções e bloqueios nos Ministérios da Fazenda e Planejamento é imposto pelo FMIe pela Comunidade Financeira Internacional (que
“º Sonia Araripe, Zornat do Commércio, 19/2010.86 2 O Ema,o SNI c o Gabinete Militar (junto como Civil) deveriam terperdido o status ministerialnoinício da Nova República,se tivessem sido efetivados os aceris doentão presidente eleito Tancredo Neves com os ministros militares, peednaaa Com sua morte,morte, porém, porém, m nada mudouJormal “! Jornal doBrasi, 3,07.88 “ Jornal do Brasil, 281088 39
toma os ministros destas áreas meros repassadores de diretrizes). Sem falar no constrangimento que os pagamentos da dívida externa causam ao país.
A seleção e a tomada de decisão são coisas quase que privativas do núcleo
do Planalto, acolchoadas pela escora militar, por compromissos assumidos e interesses
econômicos entrincheirados, além doreforço da própria “lógica” da sociedade de políticos
desarmados. Partidos como o PDS, o PFL, o PTB, o PL, o PDC, o PTR, o PSC e o
PMDBsãoaparelhos privados (personalistas e personalizados, permeadose tecidos por compadrio, “cabidismo” e empreguismo, clientelismo e protecionismo, conchavo e
paternalismo, caudilhismo, carreirismo,etc.), que servem a verdadeiros pelegos partidários na máquina gerencial-estatal (a qual retalham entre si). A grande maioria desta sociedade de políticos desarmadosé conserviológica (conservadora e fisiológica), embora de origem empresarial. Exemplarmente, dois terços dos deputados eleitos em 1982
tinham comoprincipal fonte de renda suas empresas agrícolas, industriais e de ser-
viços, destacando-se os proprietários rurais, que perfaziam 42% do universo pesqui-
sado,isto é, 437 parlamentares (num total de 479).
A implementação de diretrizes, porém, corre por conta da Velha República,
já que 93% dos integrantes do alto escalão da gestão Sarney (cerca de 2 mil pessoas)
são oriundos dos governos militares.”
Em suma: na medíocre ópera bufa governamental, o sistemafinanceiro internacional compõe a partitura; o empresariado tupiniquim escreve a letra; os militares
fazem arranjo;o Planalto orquestra a composicão; e os partidos conservadores,atrelados à charrete palaciana, tocam desajeitadamente. No centro do picadeiro, a presidência canta, desafinada. De tanto em tanto, um coro da mídia, tentando disfarçar a pobreza
do conjunto com sua densidade vocal.
A julgar pela perspectiva das elites, tudo indica que este Estado sempre será
um misto de reflexo e agente condicionador da situação de miséria e submissão da
população em geral. Mas tal monstrengo governamental-estatal brasileiro não pode ser
desculpado. Ao contrário: seu programae sua prática devem ser severamente criticados
pela sociedade civil-popular,e istoa partir da ação política organizada societariamente.
A perspectiva e as expectativas da população, mesmoneste estágio, devem ser radi-
calmente diferentes da visão empresarial, isto é: o Estado, devidamente reformulado, devesera própria garantia do atendimentoeficaz eficiente de suas necessidades mais amplas, funcionando como estrutura administrativa instrumental da sociedade como
um todo e não como mero balcão de atendimento de interesseselitistas. Mais: deve ser visto como estrutura sócio-econômica instrumental capaz de encaminhar a reapro-
priação pública da mais-valia produzida pela população, que hoje lhe é arrancada em
condições escorchantes.'*
A Sociedade Política Empresarial Em 1964, dá-se a recomposição dosistema de dominação através de um golpe de classe, pela via da intervenção militar-empresarial, após mais um suposto fracasso
“4 Mio Simões, citando pesquisa da revista Veja, em Retrato do Brasil, 294087 “? Jomal do Brasil, 18.06.86 relação salário-lucro do mundo(abaixoaté de Bangladesh),enquanto jundo estudo do economista João Furtado,o Brasil ostent é de apenas17% — é a menor entre 40 países. (Gustavo Corrêa de a participação da renda do trabalho no produto industrial — que n Camargo, Relatório Reservado,14/20.12.87) 40
dos partidos. Uma nova composição empresarial, desenvolvida na década de 50, chega a controlar as rédeas da máquina gerencial-estatal, formando um novo bloco de poder, através de “elites orgânicas” nacionais e internacionais. A Sociedade Política Empre-
sarial consolida suas posições.
Neste processo,as antigas “elites orgânicas” se desgastam. Afinal, o preço da competência e da predisposição estratégica inclui a permanente competitividade política,
a renovação de quadros em processo conflitivo aberto, a rejeição do monopólio ou do oligopólio político e o estímulo às iniciativas públicas. Mas o último quarto de século
foi de “engessamento” político. E assim, o empresariado se acomodae se acostuma às benesses do poder, ao uso do telefone e à familiaridade das salas e ante-salas dos
ministros. Em caso-limite, a formulação de diretrizes transforma-se numasimples questão de discar ou de usar o jatinho. Com efeito, no sistema fechado ou semifechado de decisões que caracterizou o regime de arbítrio, as associações patronais tiveram condições de comunicar-se diretamente com os centros de exercício do poder institucio-
nalizado, não tendo a necessidade de enfrentar outros segmentos da população, na discussão, no debate ou na ação prática da implementação de diretrizes. Consegiientemente, fossilizaram nas macias poltronas de suas próprias prerrogativas, privilégios e facilidades de acesso à formulação de políticas, perdendo, desta forma, a necessária agilidade para o combate em campo aberto.
O empresariadoestava ciente desta situaçãoe foi capaz de dizer, comoo então
presidente da Fiesp, Luís Eulálio Bueno Vidigal (dono do grupo industrial Cobrasma e filho do proprietário do complexo financeiro Banco Mercantil de São Paulo), no
início dos anos oitenta, que os industriais “abriram canais de comunicação com o
Governo”, que desembocavam “diretamente” no ministro do Planejamento, Delfim Netto; no ministro-chefe do Gabinete Civil, general Golbery do Couto e Silva; no ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos; no ministro da Indústria e Comércio,
Camilo Penna; no vice-presidente da República, Aureliano Chaves; no secretário da presidência, Heitor de Aquino; no ministro dos Transportes, Eliseu Rezende; no ministro-chefe do SNI, general Octávio Medeiros; no general Danilo Venturini, chefe do Gabinete Militar; no ministro Ernane Galvêas, do Ministério da Fazenda; no secretário do
Ministério da Fazenda, Eduardo Carvalho;nosecretário do Ministério do Planejamento, José Flavio Pécora; no secretário geral do Conselho de Desenvolvimento Industrial, Getúlio Lamartine; no presidente do Banco Central, Carlos Geraldo Langoni, e no diretor da Cacex, Benedito Fonseca Moreira. Após expressar o seu apoio ao então presidente Figueiredo, Vidigal arrematou: “Nós podemos fazer contatos a qualquer momento, quando algum assunto assim o exigir. Este diálogo, permanente e direto,
auxiliará o país. Poderemos participar das decisões e dar sugestões que consideramos fundamentais”?
Após doze anos de arbítrio, o empresariado iniciou um esforço para desem-
barcar do carrossel militar que, em seu autoritarismo exacerbado, havia se tornado
disfuncional. Sentindo na pele o peso do estado militar, alguns de seus representantes lançaram, em 1978, o “documento dos oito”. Tal manifesto era assinado por um grupo
de paulistas e gaúchos — justamente oseleitos pelo Fórum Gazeta Mercantil como os
“º Sobre a noção de “lite orgânicase a sua prática política, vide René Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado, Editora Vozes, Rio, 1981; A Internacional Capitalista, Editora Espaço e Tempo, Rio, 1986. *º Jornal do Brasil, 611.80 41
mais representativos do país — e exigia a aceleração do processo de democratização, a abertura econômica e a redução da participação do Estado na economia. O empre-
sariado já procurava,a partir de então, caminhar em direção a umasituação pluralista. Masesta ação política nascia no interior do próprio sistema dominante, como manobra de pinças, composta de ações de envolvimento e de isolamento. Um braço da pinça estava na Sociedade Política Armada, cujo realinhamento interno e externo permitiria
e orientaria a transição possível, que já se processavasoba égide datutela militar. Esta definiria os limites desta mudança e os seus próprios, no processo de recomposição interna e rearticulação externa, com aliados preferenciais.
A recomposição interna da Sociedade Política Armada abriu um espaço que permitiu que núcleos militares importantes procurassem e apoiassem efetivamente a transição, embora estipulando sempre a sua velocidade, escopo, abrangência e alcance.
Neste processo, as Forças Armadas também promoviam o seu próprio desengajamento
do papel governante e da função dirigente que ainda desempenharam até o início da década de 80. Este acúmulo de tarefas fazia com que os militares fossem o ponto de
convergência de todas as contradições, passandoa viver a síndrome de tensão-pressão.2 O outro braço da pinça foi a Sociedade Política Empresarial, cujo realinhamento interno abriu espaço para que alguns militares, situados no governo, procurassem a
transição. Os empresários forneceram o colchão de apoio à orientação da área militar,
recompondo, com algumas das facções desta, um aríete “aberturista” limitado. Através de novas organizações e alianças, eles também participariam da delimitação da transição, mas neste processo seriam forçados àrealizar novas recomposições políticas em sua própria área.
(Hoje, quando pensamos em realinhamento conservador, nos vem à mente um estilo de atuação e ação das elites civis e militares que enfatiza a flexibilidade m nobreira e a ausência de orientação de longo alcance para as diretrizes da política pública; o oportunismo conjuntural e o imediatismo político. Esta forma de atuação nutre e se alimenta de “politicagem”, fisiologismo, casuísmo, mandonismo, bionicidade, habilidade matreira e manhosa, maleabilidadeideológica e imobilismo estrutural induzido da configuraçãosocietária. A falta de substância programática e a ausência de estadismo da maioria dos atores políticos— sobretudo daqueles do sistema partidário, mas incluindo também empresários e militares — dão a impressão de que as direitas, no Brasil,
têm umacerta nostalgia da senzala.ºº Tal prática política decorre e é reproduzida sob a égide de um sistema de mentalidade profundamente elitista — e não somente conservadorou autoritário —, seja ele de formato civil ou militar, e que ainda contrapõe Estado e Sociedade, descolando a prática do poder planaltino da planície civil.)
Apesar de tudo, o realinhamento conservador, que teve lugar no interior da Sociedade Política Armada e da Sociedade Política Empresarial, reforçou a sua coesão, levando-as à busca de agregação política e interligando-as na procura de terreno comum para definir e condicionar a fase pós-abertura — o que possibilitaria a conclusão da transição na própria negociação. Neste processo, os partidos conservadores — espremidos pela transição imposta de cima e pela democracia esperada de baixo — também
foram submetidos a um processo de realinhamento, dentro dos limites estipulados.
5! Marco Antonio Antunes, Jornal do Brasil,22.02.87 *º Vide R, Dreifuss e O. Dulci, As Forças Armadas e a Política, em Sociedade e Política no Brasil Pós-64, org. por B. Sorj e MH. Tavares de Almeida, Brasiliense, 1983 5 Ricardo Amaral, Jornal do Brasil, 22.07.87 42
Mas, à diferença de empresários e militares, este realinhamento teria profundos efeitos
desagregadores sobre tais agremiações. Estes partidos se tornaram atores desalinhados em relação às expectativas populares e às exigências de elite, enquanto militares e
empresários emergiam do processo como atores realinhados, embora ainda fora de compasso com as expectativas sociais. Osprincipais partidos desalinhados Ro; PMDB e o PFL — foram atrelados à charrete conservadora civil-militar e, mais uma vez, transformados em meros braços políticos da cúpula governista — algo que, no Brasil, é um verdadeiro segmento ou aparelho de Estado — e das classes dominantes. Passaram a funcionar, também, como tambores de ressonância das Forças Armadas.
A transição processou-se de formalenta e gradual (assim definida pelo então presidente Geisel), além de segura — para as elites dominantes. Durou doze longos anos e passou por vários estágios: descompressão (1975-1977), distensão (1978-1979),
abertura (1980-1984) e presidência civil tutelada (1985 em diante). Foi, realmente,o
que Galeno de Freitas batizara de “transição transada”. A busca da institucionalização
do regime de 1964 pela via partidária — através do Congresso e com sustentação
militar — passou a ser o esforço central do sistema de poder e do Planalto.
transição recoloca a questão do poder e da formulação de diretrizes como “briga em campo aberto”, obrigando o empresariado a buscar novas formas de partici-
pação na formulação de diretrizes, e agora bastante diversas dos costumeiros “contatos de primeiro grau” com ministros e burocratas do alto escalão. É como dizia Adão de
Souza, coordenador do 27º Congresso Nacional da Confederação Nacional dos Diretores Lojistas, em 1986: “Antes, um oudois empresários se juntavam para defender, isoladamente, os seus interesses. Agora, este movimento é mais transparente”.º Por sua vez, Ronaldo Cézar Coelho, do Banco London Multiplic e então presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos e Desenvolvimento (em 1986, foi eleito deputado federal constituinte pelo PMDB depois aderiu ao PSDB) anteciparia
as novas posturas do empresariado, com esta pérola:
“O que fazíamos por baixo do pano agora fazemos em cima da mesa: partici-
par das campanhas eleitorais, apoiando candidatos” (...) “No regime fechado, de-
fendíamos nossosinteresses com dois ou três ministros; mas num regime aberto temos de nos acostumar a falar para uma audiência muito mais ampla”. Enquanto isso, para a população, a questão primordial é comosair do *remoer contemplativo” e da 'chiação
contida”, as mesmas manifestações que a mímica Denise Stoklos chamava de “reclamação passiva”.
É
Duas questões ficaram em evidência para as elites dominantes:
a) a inadequação das tradicionais associações, federações e confederações empresariais, cujo estilo, métodos e conteúdo de atuação eram marcada-
mente “sindicais” e, portanto, limitadas ou insuficientemente organizadas para lidar com o nível de luta política que se prenunciava. O empresariado foi obrigado a buscar novas formas de participar da formulação de di-
“1 Como afirmaria Hélio Pellegrino, “dizer que o Brasil está democratizado constitui, na melhor das hipóteses, um despautério à galope. Houve,de fato, umaanistia exígua — dedicada a garantir a impunidade dos torturadores — e uma liberalização ca imprensa. Houve, também, certo clima de desafogo consentido, que permitiu ao movimento social exprimir-se com mais vigor é combalividade. A soberania popular foi regime do povo, pelo povo e para o povo, ne qualtodo poder dele emana mantida, entretanto, debaixo do balaio militar. Se a democi e em seu nome é exercido,não há legitimidade democrática senão através de eleições, por cujointermédio o povo realmente se pronuncie' (Jornal do Brasil, 22.04.87) 55 Coriolano Gatto, Jornal do Commércio, 24/25.08.86 43
retrizes, todas elas bem diversas dos costumeiros “contatos de primeiro grau” com ministros e burocratas de alto escalão. Isto seria enfatizado por
Antônio de Oliveira Santos, já como coordenador da União Brasileira de Empresários, em plena batalha da Constituinte: “Nós estamos sem ex-
periência do jogo democrático. Perdemos o jogo de cintura. No regime anterior, o empresário conversava, no máximo com quatro pessoas: o
Figueiredo, o Delfim, o Galvêas e o ministro da área. E o decreto-lei resolvia o resto. Hoje o jogo é democrático... Nosso grande interlocutor,
agora, é o Congresso”.
b) a inadequação e as deficiências dos partidos tradicionais do conservadorismo nacional e a sua fragmentação personalista e regional, que já não permitiam a construção política sistemática, atravancando as possil dades de empresários e militares, de consolidarem o processo político e econômico ao seu feitio. Isto ficaria amplamente demonstrado na “batalha da Constituinte”. Embora aseeleições de 1986 tivessem produzido um corpo
de deputados conservador, não havia qualquer garantia de um resultado
favorável na Assembléia Nacional Constituinte. Afinal, muitos dos parJamentares “confiáveis” eram “representantes' de curto alcance: “conserviológicos” (conservadorese fisiológicos) e com horizontes muito estreitos. Eles tinham sido apoiados às pressas, por umadireita preocupada em barrar os progressistas.
Em suma:as várias batalhas e escaramuças políticas vislumbradas — a com-
posição possível para sustentar a formação governamental de Tancredo Neves € de seu
sucessor; as eleições para prefeito em 1984; a escolha, em 86, de governadores e
membros da Assembléia Nacional Constituinte; a luta para assegurar uma Constituição mansa, coerente com a “transição conchavada”; o começo da reformulação partidária;
as eleições municipais de 1988 e, finalmente,a sucessão presidencial — exigiam outro
tipo de preparo e de estrutura política efetiva e eficaz, na campanha a céu aberto. E ainda havia que lidar com a desagregação sociale as pressões originadas na espantosa miséria de 60% da população, além de ter que enfrentar uma profunda crise de legitimidade, credibilidade e capacidade de gestão — justamente do governo que emergira
do grande conchavo de 1985 — queseria acelerada com o fracasso do Plano Cruzado.
Por outro lado, havia os novos desafios, que obrigavam a reajustes urgentes e fundamentais: a globalização econômica e tecnológica mundial, que exigiria reestruturações
locais; a nova redivisão geopolítica internacional e a readequação militar dos grandes
eixos estratégicos, que colocaria perante as Forças Armadas brasileiras a urgente e
picante questão da sua obsoleta conceituação estratégica; a falência e morte" — por inanição — do estado brasileiro, decretadas pela sangria da dívida externa e pela anemia profunda, provocada por seu papel de babá do empresariado, que redundou na dívida interna; a reestruturação financeira mundial e local e a reestruturação industrial
local e global, determinada pelas relações de poder econômico, científico-tecnológico e político no interior da Tríade (Japão, Estados Unidos e Europa).
Preparando-se para o novo cenário
Apesar da indiferença de muitos, estava em curso um diligente e apressado trabalho de reestruturação política do empresariado, que dava a medida do empenho e
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combatividade de certas elites dispostas a enfrentar os novos desafios. Assim, O brasi-
leiro descobriu na envelhecida Nova República uma classe empresarial que passara a se envolver na política de formaaberta e vocal — mas sem desdenhar meios emétodos
mais sub-reptícios —, numa percepção da necessidade de reorganizar-se política e ideologicamente, o que requeria a articulação de um programa de governo, que, por sua
vez, demandava preparação político-operacional. Em outras palavras: os empresários
se preparavam para defender não somente a existência do atual regime e sistema, mas
a sua readequação, desenvolvimento e estabilidade, assim como a sua reinserção ou reboque na nova configuração transnacional. Tal empreitada, porém,estava compro-
metida na origem, pois os reajustes propostos esbarravam, mais umavez, nos limites do realinhamento conservador, da convergência elitista e do transformismoinstitucional. Neste esforço de realinhamento, o imenso leque de agrupamentos da velha e procurava imprimir um selo conservador às ações políticas que condireita da nova
duziriam à sucessão presidencial, através da Assembléia Nacional Constituinte. Resumidamente, podemosdiscernir três fases:
a) a dos pivôs político-ideológicos, b) a dos eixos de poder e das frentes móveis para a ação política; c) a dos comandosunificados e estado-maior geral.
Se quisermos visualizar este quadro processual de reorganização, em seus diversos estágios e formas — resultantes de um esforço de reestruturação, rearticulação de posições, acumulação de recursos e aliados, e preparo político —, teremos:
1. Criação ou ativação de entidades e mobilização de cunho espoleta, protótipos de pivôs empresariais.
2. Criação de pivôs político-propagandísticos. Redução de sindicatos, asso-
ciações e federações à função de lobby, apoio logístico e combate localizado.
3. Formação de eixos operacionais e de poder entre pivôs; lançamento de
pontes móveis em diversas áreas (sindical, militar, partidária) e criação de alinhamentossetoriais, coligaçõese articulações intermediárias. Este estágio inclui a configuração de forças auxiliares internas e o aproveitamento de
En
>
linhas auxiliares externas.
Pontes móveis entre eixos operacionais e pontesfixas entre eixos de poder. Criação de frentes móveis, conjugando eixos empresariais, partidos e candidaturas.
6. Lançamento de pontes móveis entre as frentes, concatenação de esforços
3
e junção de forças. Criação de comandos unificadose seleção de candidatos para a sucessão presidencial. Criação de estado-maior-geral, estratégico tático, e criação de comandos de operações nos vários campos da política, para a campanha presidencial
e o acompanhamento do período pós-eleitoral. Consolidação dos embriões de elites orgânicas do empresariado.
45
— > Capítulo LI ———————
A REORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS DOMINANTES
PREPARANDO O TERRENO PARA OS NOVOS DESAFIOS Em poucotempobrotariam e ganhariam projeção organizações de planejamento e análise, de assessoria empresarial e de aglutinação política, de coordenação e atuação
que não obedecem aos moldes tradicionais. Um esforço que vale a pena assinalar é
aquele deslanchado pelo Centro Empresarial de Estudos Econômicos e Sociais do Rio
de Janeiro (Ceees), criado por Victor Bouças. Ele se concentrou na tentativa de apontar
umcandidato à sucessão do então governador do Estado, Leonel Brizola,e de elaborar um plano de desenvolvimento integrado para a futura gestão.! Na época, os nomes
cotados eram os do empresário Sérgio Quintella — importante propulsor de diversas iniciativas de reorganização política e atualização ideológica do empresariado,presidente
do PFL no Estado do Rio de Janeiro, e dirigente da Internacional de Engenharia —, e do ex-deputado Célio Borja — à época assessor especial do presidente José Sarney. Entre os participantes desta empreitada, estavam mais de 50 empresários cariocas.?
Tais iniciativas eram compartilhadas por empresários como Pedro Leitão da Cunha, presidente do Montrealbank de Investimento, que propunha “um conselho
empresarial para assessorar o futuro governador do Rio de Janeiro”, independente do partido político que saísse vitorioso das eleições. Os objetivos iniciais do conselho empresarial deveriam, incluir, segundo Leitão da Cunha, “uma análise dos fatores identificação dos caminhos com melhor econômicos positivos disponíveis na regiã retorno para os recursos privados e públicos disponíveis e a recomendação de um
arcabouço legislativo e regulamentar, que permitisse a viabilização dos projetos selecionados. Além de conscientizar e arregimentar recursos humanos, técnicos e fi! Jornal do Brasil, 13.08.86 * Inclusive Mauro Magalhães, presidente da Ademi é Tarcísio Padilha, do Instituto de EstudosPolíticosTancredo Neves. (Jornal do Brasil, 131285) 3 Jornal do Brasil, 91.86 47
nanceiros necessários à implementação dos projetos”. “Aquela altura, o Ceeesjá havia realizado um levantamento de alta definição do estado do Rio — usando, inclusive, dados colhidos por sensoriamento remoto por satélite, que, segundo Bouças, era “o
mais completo e preciso mapeamento já realizado dos recursos naturais do Estado, de sua ocupação populacional e distribuição produtiva”.*
A estas iniciativas podemos acrescentar a criação de uma Comissão Organizadora do Seminário sobre Vocações Econômicas do Rio de Janeiro, presidida por
Sérgio Quintella. Preocupados com a busca de uma nova identidade econômica e
tentando definir uma ação comum,os participantes — entre eles, Teóphilo de Azeredo Santos, Carlos Brandão, Rui Barreto, Adolfo de Oliveira, Victor Renault, Paulo Guedes, Ronaldo Cézar Coelho e Germano de Brito Lyra — passaram a abordar um amplo espectro de temas econômicos, sociais e culturais é
Outro esforço de sentido regional foi o seminário “Nordeste: Ação Empresarial e política”, coordenado por Ary BarbosaSilveira, diretor da Pronor Petroquímica. Osparticipantes — entre eleso presidente da Petroquímica da Bahia e diretor-presidente
da BBM, Carlos Mariani Bittencourt; o presidente da Federação das Associações Comerciais do Brasil, Amaury Temporal; um diretor da Editora Abril, Edgar Tostes; o
presidente da Associação Comercial da Bahia, Juvenalito Gusmão de Andrade; Roberto
Magalhães, ex-governador do Estado de Pernambuco; e o vice-presidente do grupoJ. —, defenderam necessidade de definição de uma estratégia Macedo, Amarílio Macedo
de desenvolvimento. Além disso, reconheceram que a ação coletiva empresarial ainda era bastante desarticulada, mas diante do novo processo político, após os anos de
arbítrio, previam a formação de organismos de convergência dos interesses de classe,
que agissem de forma mais permanente e consistente, em ação concatenada. Um dos
temas centrais do evento foi o lobby, considerado um instrumento legítimo de pressão
sobre os centros de decisão política, além de essencial à nova ação empresarial, tendo em vista a aprovação de projetos de seu interesse.é
O lobby fazia sua entrada triunfal no horizonte do empresariado e Edgar Tostes advertiu seus pares para a necessidade de se prepararem para conviver com um cenário político e social onde os mais expressivos segmentos poderiam influir ativamente nas decisões governamentais. Ao mesmo tempo em que visualizava um empresariado de comportamento moderno, Tostes percebia que aqueles homensteriam
de transformar-se em “seres políticos”, capazes de utilizar o lobby profissionalizado
como instrumento de comunicação com os centros de decisão. Mas esta atividade, segundo o empresário, teria de ser permanente e constante. “Não dá para fazer lobby
na ponte aérea” — arrematou Tostes.”
A essa mesma conclusão tinha chegado, meses antes, a Confederação das
Associações Comerciais do Brasil que, ao invés de promover uma revoada geral para Brasília, cada vez que um projeto de interesse fosse votado pelo Congresso, optou por instalar um quartel-general do lobby na capital, numa casa alugada e equipada com
revisão das prsocupações do empresariado so concretizaram “ Jornal do Brasil, UTAL86,e Jornal do Brasil, 1342.86 Outros esforços de em diversos encontros,tipo fórum, organizadospela CNI, em conjunto com órgãos de imprensa, comoo próprio “Jonal do Brasil". Vide Jornal do Brasil, 28.10.86, e Jornal do Brasil, 071186 * Jornal do Brasil, 21,084 “ Jornal do Brasil, 28.09.86; Jornal do Brasil, 041086; Jornal do Brasi, 0510.86 ? Jornal do Brasil, 0410.86 48
toda a moderna parafernália de comunicação. Também a Bolsa de Valores do Rio de
Janeiro abriria, no início de 1986, no Distrito Federal, um escritório com a mesma finalidade.” Mas estes esforços, limitados em escopo e sentido de atuação, e a própria pobreza dos partidos conservadores, obrigariam o empresariado a criar novas organizações políticas, que, de certa forma, substituiriam ou complementariam os partidos inoperantes ou frágeis e a fraqueza das suas associações é federações “sindicais”. Um precursor importante, na tentativa de reorganizar as classes empresariais e dotá-las de organizações mais adequadas aos novosdesafiosfoi a Ação Empresarial, de Rui Barreto,
o presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro e da Confederação das
Associações Comerciais do Brasil. A Ação Empresarial foi, talvez, o primeiro sinal
importante de que as associações tradicionais eram insuficientes para a ação política
dos novos tempos, além de ultrapassadas, tanto na área rural quanto na urbana. Con-
sistia numa forma de ação que se apoiava no peso da atuação conjunta e simultânea
das Associações Comerciais espalhadas pelo país. Se, por exemplo, o governo tomasse
uma decisão contrária aos interesses do empresariado, todos os presidentes de Associações Comerciais passariam a fazer pressão, por meios diversos, exigindo modificações que atendessem às suas reivindicações.! A empreitada das classes dominantes ganharia um sentido mais amplo ainda.
Tratava-se de ativar o potencial estratégico de classe e, para isso, não bastavam os diversos e tradicionais órgãos de estudo e análise econômica, ou de assessoria e lobby, como a Semprel, do ex-ministro Said Farhat. Da mesma forma, já não era suficiente
o trabalho propagandístico e político dos sindicatos patronais e outras organizações, mesmo mais amplas, como a Ação Empresarial e o Movimento Nacional pela Livre Iniciativa, com cerca de 150 veículos de comunicação e mais de 200 empresas e en-
tidades setoriais, coordenadas pelo publicitário Héctor Brenner."
OS PIVÔS POLÍTICO-IDEOLÓGICOS Certos quadros dirigentes do empresariado começaram um esforço persistente
para reativar ou criar organizações empresariais, tendo em vista a necessidade de continuar a influir nas decisões do governo (só que numasituação pluralista e de jogo aberto) e de preparar-se para enfrentar os desafios que a futura Assembléia Nacional Constituinte — um ponto crucial —, parecia lançar. Neste contexto, a intenção dos empresários com maior visão política era de criar órgãos fora dos formatos tradicionais de associação patronal, isto é: não só envolvidas com análise, consultoria e lobby,
mas também com o planejamento e a coordenação da ação política classista. Pretendia-
-se, que funcionassem comoinstâncias das quais uma formação política mais ampla — uma classe, um bloco, uma coligação de forças, à qual pertencem e, em última ins-
tância, orientam e estimulam — fosse capaz de retirar sua referência ao alterar posições e modificar a sua situação na correlação de forças. Enfim, como pivôs de
poder e ação política.
* Relatório Reservado, 2/812.85 * Coriolano Gatto, Jornal do Commércio, 24/25.08,86 “o Jornal do Brasil, 30.04.89 !! Coriolano Gatto, Jornal do Commércio, 24/25.08.86 49
Os pivôs não são instrumentos estratégicos nem de projeto político, mas conjunturais e de alcance tático-operacional. Sua função é desenhar cursos de ação imediata, discernindo meios e métodos, apoiando e escorando os giros e evoluções ideológico-políticas de sua categoria social. Os pivôs são lideranças provisórias, com
objetivos limitados e alvos imediatos — tais como a luta pela configuração da Assembléia Nacional Constituinte ou a eleição de governadores, em 1986. Mas do seu bom
desempenho depende o sucesso de uma ação coletiva posterior e mais ampla, já que
preparam o terreno para a emergência de estruturas mais “densas”, do ponto de vista da ação classista.
A forma com que os diversos pivôs das classes empresariais se prepararam e agiram para eleger seus representantes constitucionais e governadores, influenciando o resultado geral das eleições de 86, foi um claro exemplo do seu poder político: uma
expressão integrada de meios de propaganda, capacidade doutrinária, músculo para a
coação econômica, apoio ministerial, recursos técnicos, políticos e humanos, que foram predispostos eficaz e eficientemente para as suas batalhas políticas.
Entre os pivôs mais atuantes na (e da) área empresarial, vale mencionar a
Câmara de Estudos e Debates Sócio-Econômicos, o Instituto Liberal, a Confederação
Nacional das Instituições Financeiras, a União Brasileira de Empresários e a União
Democrática Ruralista, Na área militar, seria criada a Associação Brasileira de Defesa
da Democracia. E, ainda, no extremo do arco da direita, devem ser lembrados os agrupamentos e grupúsculos ativistas.!? Câmara de Estudos e Debates Econômicos e Sociais (Cedes) Noepicentro desta reformulação dos segmentos conservadores, logo despon-
tou um pivô político de singular importância: a Câmara de Estudos e Debates Econômi-
cos e Sociais (Cedes), que está em funcionamento desde 1980. Mas foi em virtude do
quadro econômico,político e social — considerado alarmante — que,a partir de 1983,
a Cedes reatou e expandiu suasatividades. Tendo em vista a escolha de representantes à futura Assembléia Nacional: Constituinte, a Cedes intensificaria sua ação política. Para o empresariado reunido na Cedes, a conjunção — durante o ano de 1986 — de eleições e crise econômico-política era motivo de profunda preocupação. Ou, como
diria, na época, o ex-ministro Antônio Delfim Netto, figura exponencial do antigo regime: “Por muito menos, nós colocamos o João Goulart para correr”,'?
A figura de Delfim Netto foi central no projeto da Cedes, assim comoesta era fundamental paraa articulação que o ex-ministro passou a desencadear, tendo em vista
a sua participação na Assembléia Nacional Constituinte, Delfim não apenas desejava
sereleito, mas desembarcar na Constituinte com um grupo que apoiasse seus projetos e idéias, e possibilitasse uma ação contundente. Foi isto que ele defendeu, diante dos
empresários que rechearam o cofre de sua campanha, ao distribuir uma lista de 30
nomes de candidatos de todo o país e de vários partidos — inclusive do PMDB — que
"2 Nilson BorgesFilho, no O Estado, de Florianópolis, já apontava, em 26 é 27 de outubro de 1987, esta incipiente articulação. “º Senhor, 14.10.86, Paulo Rabello de Castropresidiu umdos vários encontros que a Cedes organizou para estimular aatuação do empresariado. encontrodo dia 6 de outubro de 1986,que Delfim Nettodeixou escapar esta frase, que, obviamente, rece! dos jormis. Para jogarágua na fervura, Paulo Rabellode Castro procurouexplicar que Delfimnãoestava fazendo uma ci mass comentandoa inflação (assustadora para aquele tempo) de 4% ao mês. (Miriam Leitão, Jornal do Brasil, 19.10.86) so
precisavam de auxílio financeiro. Na lista preparada por Delfim havia pessoas ligadas ao presidente José Sarney — como o maranhense Edison Lobão (PFL), que representa interesses dos moinhosde trigo — !*; deputados pouco conhecidose de lugares remotos como Clarke Platton (PDS-Amapá); velhos conhecidos dos corredores do Congresso
— como o paranaense Jorge Arbage, o goiano Siqueira Campos, o pernambucano
Josias Leite —; e até peemedebistas como Francisco Salles, de Rondônia. Também
estavam nalista Vasco Netto (PFL-BA), Geraldo Guedes (PDS-PE) e Eurico Ribeiro (PDS-MA).! Para assegurar um bom resultado à sua campanha em São Paulo, Delfim ainda fechou 25 dobradinhas com candidatos a deputado estadual do PDS, PTB, PFL
e de outros partidos, cujos nomes não foram revelados.!é
Gerenciando um milionário orçamento de campanha — que segundo seus
adversários, chegaria, na época, a 40 milhões de cruzados —, estavam os “Delfim boys” Affonso Celso Pastore, Paulo Yokota e Carlos Viacava. Funcionavam na “central de negócios”, como eles chamavam uma mansão do bairro do Pacaembu, próxima do escritório da Consultoria Idéia, de propriedade do ex-ministro. Comoassessores, lota-
dos no comitê central, na Avenida Rebouças, trabalhavam dois, primos de Delfim
Netto, além do advogado Roberto Pastana Câmara, o famoso “Dr. Amparo”, acusado de organizar o bando de leões-de-chácara que, em 1981, atacara com cassetetes, socos e pontapés um grupo de parlamentares, religiosos e populares que protestava contra o então governador Paulo Salim Maluf, no bairro da Freguesia do Ô. Para auxiliá-lo em seus deslocamentos pelo interior do estado, Delfim ganhou um turbo-hélice de oito
lugares, cedido pelo Frigorífico Bordon.””
Mas a Cedes não ganhou densidade e projeção apenas por funcionar em torno de Delfim Netto. Seu grande trunfo foi ter reunido um elenco de empresários influentes em torno de suas propostas, estado de espírito e intenções mobilizadoras.!* Como
presidente da Cedes, assumiu Renato “Vicoulat Filho — ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) —; como vice-presidente, Fernando Vergueiro (à época, se-
cretário-geral do Partido da Frente Liberal e dirigente da SRB); e como secretário-geral, Gastão Alves de Toledo.!º Vergueiro foi quem compôs, em 1986, a chapa de um
dos aspirantes ao governo de São Paulo, o empresário Antônio Ermírio de Moraes, como candidato ao Senado, indicado pelo presidente da Associação Comercial, Guilherme Afif Domingos. A Cedes contava também com a assessoria técnica de
Julian Chacel — que foi do grupo de Estudos e Doutrina do Ipes carioca —, hoje da
Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.” Além disso, são sócios-fundadores, entre
outros, Antônio Ermírio de Moraes (Grupo Votorantim); Olacyr Francisco de Moraes, conhecido comoo “rei da soja” (por ser o maior produtor individual e o dono da mais
!º Chico Mendonça, Jornal do Brasil, 510.87 “º Miriam Leitão, Jornal do Brasil, 19.10.86 1 Ana Maria Tahan, Jornal do Brasil, 28.09.86 *º Ana Maria Tahan, Jornal do Brasil, 28.09.86 tt Certamente não é esta a primeira experiência do gênero, em que Delfim Neito se vê engajado. Nos idos de 60, como ascendente economista da Associação Comercial de São Paulo, o jovem Delfim fazia parte de outro laboratório de idéias e ação empresarial: a Associação Nacional de Planejamento Econômicoe Social (Anpe), Esta esteve vinculada oIpes de ão Paulo, locus regional do estao-maior geral que conduziu a campanha política de desestabilização do governo Goulart. O Ipes foi um verdadeiro centro e canalde articulação empresarial pordári,bre[lie quepreparo o tredelágico à polípaia ltianção dasForça Amit. Cheplo clone Golbery do Couto e Silva — o verdadeiro comandante daquela empreitada, que também funcionava como supervisorgeral de enlace —,o Ipes o ão trabalho militante e efetivo de um núcleo decivis e militares de reconhecida capacidade política e de umconjunto de organizações sidiárias e complementares. 1º Jornal do Brasil, 18.07.86 2º Relatório Reservado, 09hJU87. 51
extensa plantação do mundo, localizada em Mato Grosso do Sul) e proprietário do Banco Itamaraty e da quinta maior empresa de construção do país, a Constran de São Paulo ; Paulo Cunha (grupo Ultra); Roberto Bornhausen (Unibanco); Ney Bittencourt Araújo (Agroceres); e os fazendeiros Flávio Telles de Menezes (presidente da SRB),
Antônio Sobrinho e o próprio Fernando Vergueiro.?!
A Cedes passou a ser mantida por cingiienta empresas e associações, nacionais e transnacionais. Seu orçamento para 1986 foi de 1.2 milhões de cruzados. Uma lista parcial daqueles que providenciaram apoio monetário e material para a instituição paulista nos dá uma idéia de seu músculo econômico e poder político potencial: o já citado Antônio Ermírio de Moraes; Luiz Eulálio Bueno Vidigal (grupo Cobrasma, ex«presidente da Fiesp), Roberto Konder Bornhausen (Unibanco, presidente da Febraban
e Fenaban), Romeu Chap Chap (presidente do Conselho Consultivo do Sindicato das
Empresas de Construção e Administração de Imóveis de São Paulo e presidente, desde
março de 1988, da divisão brasileira da Federação Internacional das Profissões Imobiliárias); Olacyr de Moraes; Guilherme Afif Domingos (candidato a deputado federal
pelo Partido Liberal, ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo e vice«presidente da Indiana Seguros); e até Luiz Boccalato (presidente da Cia. Paulista de Fertilizantes — Copas), que pertencia ao grupo de íntimos colaboradores de Sarney.
Embora a Cedes tenha sido definida por Renato Ticoulat Filho, como realizadora de “atividades acadêmicas” e de um “apoliticismo absoluto” (sic), seu objetivo, segundo o mesmo Ticoulat, era “unir o empresário no sentido de demonstrar que o neoliberalismo não é um capitalismo selvagem, um criador de miséria, mas uma alavanca
de desenvolvimento social, como mostra o exemplo norte-americano”.2 A entidade estaria, portanto, engajada — às vesperas do reordenamento político e econômico do
país que, esperava-se, seria resultado da Assembléia Nacional Constituinte —, numa “profícua batalha ideológica”.A idéia era transformar a Cedes numa “tribuna, de onde será transmitida ao Governo a proposta de um novo Brasil, utilizando como canal
a opinião pública”.” Paulo Rabello de Castro (da Fundação Getúlio Vargas, chefe do Conselho de Economistas da Cedes e autor de umasérie deinteressantes análises sobre a conjuntura e as perspectivas político-econômicas, através do traçado de cenários) comentava, à época: “Estamoscriando uma consciência de classe” — e tal consciência
já incluía a avaliação de que os sindicatos patronais ainda guardavam traços cartoriais
e corporativos.” Havia que pensar em formas novas de atuação, já que, na visão do
economista, a reunião dos sindicatos patronais significava “somar qualidades distintas”, deixando dúvidas a respeito da eficácia e eficiência desta medida. Rabello de Castro desmentiu que a Cedesestivesse conspirando — até porque
não percebia nenhuma “emergência institucional”, à diferença do período 1962-1964, quando o empresariado visara o controle das rédeas do governo estatal, agindo como base de sustentação do aríete militar. Neste momento, segundo ele, o que se almejava ra presidir o seu Banco Itamaraty, Olacyr de Moraes contratou Tito Henrique da Silva Neto,enteado de Ulysses Guimaries. Numa diretoria do mesmo banco, inseriu Cândido Botelho Bracher,filho do ex-presidente do Banco Central, ex-negociadorda dívida extema brasileira e ex-diretor do Bradesco, Fernão Bracher. Outro executivo do banco era Luiz Carlos Bresser Pereira, ilho do ex-ministro da Fazenda, Bresser Pereira, 22 Folha de São Paulo, 05.10.86 = Senhor, 410.86 “O Globo, 210.86 2 Senhor 14.10.86, n, 291. Um deles, A Trilogia do Cruzado: roteiro, cenário e figurantes, que trabalhava com cenário oficial, mutante e de crise, foi muito instigante na época. (Relatório Reservado, 27/0286) 2 RelatórioReservado, 27/02.1186 52
era “reunir forças para influir nas decisões”. Assim, Rabello de Castro passoua articular uma série de encontros de empresários, como o de outubro de 1986, no Hotel Nacional, Rio, onde 100 produtores rurais, principalmente pecuaristas, discutiram o
tema “Governo, Classe Política e Empresário”.” O empresariado se reunia em torno de
teses desestatizantes, mobilizadoras da classe, e de discussões sobre a conjuntura, calçadas numapercepção do processo econômico determinado, na década de 80, pela monstruosa dívida externa. Mas o esforço principal de atuação externa concentrava-se na conquista de
uma configuração favorável na Assembléia Constituinte. Para tanto, o empresariado da
Cedes, correspondendo a seu perfil classista, não enfiava todos os ovos num mesmo cesto, mas jogava, segundo Rabello de Castro, com “palpite triplo”,isto é, não agindo através de um partido específico, mas multiplicando apoios, independentemente da agremiação, além de apoiar, em muitos casos, diversos candidatos que concorriam entre si numa mesma localidade ou estado. E ele explicava: “A partir do contingente que conseguirem eleger, é possível que o movimento seja, então, batizado com algumas
idéias e ganhe coerência interna. Hoje, une-os o sentimento de queé preciso conter a ação econômica do Estado”.
A estratégia de formação de um bloco parlamentar ajustava-se perfeitamente à série de encontros que a Cedes passou a promover, regularmente, no ano de 1986, e tinha “óbvios parentescos” com as reuniões a portas fechadas, realizadas, cada vez mais fregiientemente, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, onde a antiga Ação
Empresarial ganhava novas feições. Ali, um grupo de 20 dirigentes de grandes empresas — comoo diretor-presidente da Mesbla e membro do Conselho de Administração da White Martins, André de Botton, e o herdeiro do grupo Caemi/MBR,G. Frering
(neto de Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos mentores do Ipes) —, vinha debatendo “a salvo de ouvidos indiscretos, um único assunto: a Constituinte”? A composição da futura Assembléia Nacional Constituinte era, aos olhos do empresariado, muito mais importante do que a eleição presidencial, nesta época um tanto inde-
finida, até porque, para eles, o mandato de Sarney era questão fechada em torno dos seis anos. Neste ponto, convergiam com os militares.
Comoparte de sua campanha, a Cedes organizou um encontro em 1986 que produziu uma sofisticada análise “neoliberal” da situação e dos rumos da economia
latino-americana, a cargo de renomados economistas do mundo empresarial. O ex-ministro Mário Henrique Simonsen, junto com o ex-ministro peruano das Minas e Energia e da Economia, Pedro Pablo Kucynski, e colegas mexicanos fizeram este
trabalho por encomenda da Americas Society (Sociedade das Américas), a elite orgânica norte-americana para a América Latina, que reúne as 200 maiores corporaçõesestratégi-
cas com atuação e interesses no hemisfério, e cujo presidente é David Rockefeller.*º Os economistas fizeram suas recomendações: abertura ao exterior, na forma de incremento das exportações e atração de capitais estrangeiros; abandono da exces-
siva proteção contra as importações; redução do déficit orçamentário e redução do
papel do Estado, além da 'desregulamentação” da economia, como meios de promover
“Relatório Reservado, 27/0211.86 2º Miriam Leitão, Jornal do Brasil,1. 3º Sobre esta elite argánica e suas ante oras, como 0 Council of the Americas, além das suas conexões com estruturas análogas nos Estados Unidos, Europa º América Latina, ide R.A.Dreifuss, À Internacional Capitalista, Editora Espaço é Tempo,1986. 53
um desenvolvimento sustentado. Para muitos, esta “receita” parecia sair da cozinha do FMI. Para outros observadores, no entanto, ela se ajustava às expectativas *neo-liberais” dos banqueiros e industriais multinacionais, reunidos sob a égide do Americas
Society! Em contrapartida, os países latino-americanos ganhariam dos Estados Unidos
e de outras nações capitalistas industriais, novos empréstimos, spreads mais favoráveis, importações sem restrições ou tarifas alfandegárias adicionais e uma queda real nas taxas de juros. A proposta era atrativa para um certo segmento industrial e financeiro no Brasil — que enxergava na “inserção global” uma saída para suas necessidades —, mas certamente não resolvia, nem encaminhava uma solução para a profundacrise
estrutural brasileira ou para a estagnação que já vinha desde 1979.
Entre outras atividades, a Cedesfoi ativa na consolidação de uma mentalidade participante do empresariado, além de fornecer e favorecero desenvolvimento de análises e propostas que procuravam o consenso de classes. Nisto, a Cedes foi tão importante comoa anterior Ação Empresarial, de Rui Barreto, presidente da Confederação Nacional
das Associações Comerciais, que estimulou a criação daquele proto-pivô político com o intuito de ultrapassar os marcos estreitos das associações de classe e dos sindicatos patronais.
Preparando-se para os novos tempos, a Cedes organizou um evento que deu
o que falar. Montou um seminário na presença de perto de 140 das mais expressivas lideranças empresariais, além de contar com a participação de cientistas políticos e economistas de renome, todos do eixo São Paulo-Brasília, no Hotel Casa Grande
(Guarujá), para avaliar a conjuntura e discutir abertamente o “financiamento de candidatose a arregimentação de forças para o confronto”, que — esperava-se — iria acon-
tecer na Constituinte.” O rompimento do “pacto” com o governo, pelo qual *o em-
presário vinha sendo “cliente” deste e “o governo cliente do empresário”; o temor da
“mexicanização” e “socialização” da economia; o congelamento de preços e a efetividade
do Plano Cruzado;a possibilidade de uma reformaagrária,e a inefetividade do Estado,
não só na economia, mas na administração dos recursos sociais também foram temas
do encontro e motivo de intensos debates e focos de preocupação e deirritação do empresariado.
Compartilhando da ansiedade empresarial, o então ministro-chefe do Gabinete Civil, Marco Maciel disse “não ter certeza de que a próxima Constituição brasileira seguirá os princípios do liberalismo econômico, destacando a composição da futura
Assembléia Nacional Constituinte como ponto nevrálgico. O ministro respondia às observações do empresário Jorge Gerdau Johannpeter (Grupo Gerdau), para quem, apesar de haver no pensamento político deste governo (ou de seus predecessores), uma definição do conceito de economia de mercado, na prática constatava-se um processo intervencionista do Estado. Gerdau também pediu ao ministro um conselho para os
empresários: “De que forma eles deveriam trabalhar para que, na nova Constituição 31 A Cedes diria, na conclusão dostrabalhos: “Esta é a nossa resposta dos céticos que observarão que várias das nossas propostas foram sugeridas antes e que algumas foram testadas, embora brevemente, em países individuais”, Rubens Ricupero, (assessor do presidente Samey, à época em que o Ministro Dilson Funaro aindase encontrava no leme da política econômica do governo),referiu-se àsanálises c recomendações da Cedes, ao comentar numa conferência de outubro de 1986, na Federação do Comércio do Estado de São Paulo que: “A envergonhada referência parece aludir às experiênciasde Martínez de Hoz, na Argentina, e à dos “Chicago Boys” no Chile; dar nomes aos bois teria talvez espantado os leitores”, Muitos dos ministros em pauta tinham sido participantes de elitesorgânicas coligadas ou subsidiárias da própria Americas. Society, ao tempo emque clase denominava Council 0f the Americas, na década de 70. “Senhor, 14.10.86 »MiriamLeitão, Jornal do Brasil, 19.10.86 * Jaime Matos, Jornal do Brasil, 061.86 s4
ul
fosse preservado o espírito liberal, também no campo da economia?” Maciel respondeu com franqueza e descontração: “Não dá para tirar uma linha do que será a Cons-
tituinte, nem se uma proposta liberal será tendência majoritária. Torço para que isto aconteça e trabalho para isto”. E ainda lembrou que as eleições para o Congresso
constituinte seriam “mais importantes que para a Presidência da República”.
Entre os empresários presentes ao diálogo, destacavam-se alguns pesos pesados da agricultura, indústria c comércio; os paulistas sendo maioria (93), seguidos pelos cariocas (21) e pelos gaúchos (17), embora o encontro contasse também com a presença de empresários do Paraná, Santa Catarina, Goiás, Bahia, Pernambuco e
Brasília.Lá estavam: Flávio Telles de Menezes, da Sociedade Rural Brasileira; Werther Annichino, presidente da Copersucar e diretor vice-presidente da Refinaria Piedade; José Luíz Zillo, do Sindicato do Açúcar de São Paulo e vice-presidente da Copersucar;
Carlos Antich, da Sanbra; Laerte Setúbal, da Duratex; Jacy Mendonça, diretor da Volkswagen e vice-presidente da Anfavea; Norberto Odebrecht, da construtora do mesmo nome; Flávio Andrade, da Standard Ogilvy; Jorge Simeira Jacob, do grupo Fenícia; Guilherme Afif Domingos, presidente da Associação Comercial de São Paulo, que reúne mais de 225 mil empresas em todo o estado; e o publicitário Mauro Salles.
Havia 4] presidentes, 18 vice-presidentes e 48 qualificados diretores de empresas nacionais e estrangeiras, além de sete presidentes de entidades de classe, entre eles Amaury Temporal, da Associação Comercial do Rio de Janeiro.” Foi no encontro da Cedes que Amaury Temporal, diretor da Rio Part de
Negócios e proprietário
da Temporal Isolantes Térmicos e novo presidente da Confe-
deração das Associações Comerciais do Brasil (que congrega 1.500 entidades e mais de um milhão de empresários), fez aberta panfletagem, preocupado especificamente com
a futura configuração da Assembléia Constituinte.” Temporal pretendia mobilizar e incentivar o empresariado a uma participação ativa no processo de escolha dos representantes e no seu acompanhamento, uma vez instalada a Assembléia. Seu lemaera: “A constituinte é problema seu”. Inscrito num panfleto distribuído no encontro, tal
slogan dava a medida do esforço de romper com a apatia do empresariado, procurando mobilizá-lo politicamente, em termos consensuais e sincronizados.” Apesar do dito e do não dito, um assessor próximo de um dos membros mais
atuantes desta articulação confirmou que o empresariado queria garantir maioria de representantes no Congresso Constituinte. Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do
grupo Gerdau (que inclui a Usina Siderúrgica Paraense, a Metalúrgica Fibra S.A. e a
Mefisa Parafusos e Fixadores S.A., todas de Minas Gerais), chegou a fazer contas, mostrando que o setor empresarial conseguiria facilmente eleger 100 representantes
com o poder do empresariado urbano, e outros 40 com a força da área rural. Aos 140
que a Cedes pretendia eleger, deveriam ser somados outros 20 deputados que a Associação Comercial do Rio, liderada por Amaury Temporal, garantia poder enviar à
Constituinte.” Não só a Associação Comercial do Rio de Janeiro, mas toda a sua rede de Associações Comerciais estava articulada na Ação Empresarial.
*s Nelson Blecher, Folha de São Paulo, 0510.86 *º Jaime Matos, Jornal do Brasil, 06.10.86. “º Jaime Matos, Jornal do Bras “composta pelos presidentesde 21 federações, re 3º Aliás, adiretoria da Confe E “divulgando nota, emqueressaltava que “só regime da livre iniciativa. permitirá a compatibilidade da liberdade como bem-estar e a justiça social” (Mário Simões, Retrato do Brasil, 290187) *º Senhor, 14.10.86 4º MiriamLeitão, Jornal do Brasil, 190.86 55
Defato, a capacidade da Ação Empresarial foi testada naquelas eleições. E ficou patente no esforço bem-sucedido de eleger deputados do Oiapoque ao Chuí, todos eles identificados com os interesses do empresariado. Uma dasprincipais estrelas desta movimentação seria o ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo, o empresário Guilherme Afif Domingos, que se elegeu deputado federal e mais tarde seria candidato à sucessão presidencial pelo Partido Liberal.*! Mais ainda: a Ação
Empresarial chegaria a reunir importantes recursos, que seriam utilizados na campanha
de lobby e assessoramento dos Constituintes simpáticos à causa, 'com excelentes resultados”, segundo a avaliação de seus integrantes.'? Instituto Liberal
Outro importante esforço de reflexão e aglutinação ideológica do empresariado desenvolveu-se através da criação do Instituto Liberal, constituído em seccionais
que existem desde 1983, nas cidades do Rio de Janeiro e Porto Alegre, e desde 1987, em São Paulo. O Instituto, definido por sua direção como “uma organização lítero-
-cultural voltada para atividades políticas”, passou a contar entre seus patrocinadores com empresase grupos como a Votorantim, Sharp, Gradiente, Nestlé, Banco de Boston, Dow Química, Philco, Copersucar, Banco Itaú, Unibanco e AçosVillares.“ Foi presidido,
em vários momentos, por Jorge Simeira Jacob (grupo Arapuã/Fenícia — um dos 100
maiores do país, segundo a Gazeta Mercantil), Roberto Konder Bornhausen (Unibanco) e Jorge Gerdau Johannpeter (grupo Gerdau); e conta com adesãoe ativismo de alguns pesos pesados do meio empresarial, tais como Enrico Misani (Olivetti), José Mindlin (Metal Leve), Abílio Diniz (Pão de Açúcar), o presidente da Fiesp, Mário Amato (Springer-National), Rudolf Hohn (IBM), Donald Stewart, Paulo Cunha (grupo Ultra)
e Henry Maksoud (presidente do grupo Visão).Além disso, conta com o esforço de diversos acadêmicos e deoficiais graduados, entre eles o general ManoelTeixeira. O Instituto Liberal se sustentava com 8 milhões de cruzados velhos mensais
(valores de 87), que eram rateadosentre 27 empresários de porte, entre os quais, mais uma vez, o generoso Antonio Ermirio de Morais, e uma meia dúzia de contribuintes
mais modestos.
Trabalhando numaperspectiva de longo e médio prazo, no plano ideológico,
propagandístico e de arregimentação política, e não só em viagens a Brasília ou no burburinho das eleições, o IL se ocupou da edição de livros (como o de Guy Sorman, em 1989) e da promoção de conferências de personalidades nacionais e estrangeiras,
entre as quais incluía-se o deputado e ex-ministro Alvaro Alsogaray — um dosprincipais líderes da direita argentina.Além disso, o IL chegou realizar palestras para públicos selecionados, como a Escola de Guerra Naval, enquanto olhava para o novo Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército como um espaço ideal para a disseminação de suas idéias.Para Simeira Jacob, por mais que a conjuntura
política convidasse os empresários a saírem de sua tocapolítica, “imbuídos de propósiido Lapa, Jornal do Brasil, 30.01.89 aldo Lapa, Jornal do Brasil, 30.04.89 + FernandoPinto Duvall, Senhor, n. 347, 10.11.87 “ Relatório Reservado,O9/5. Relatório Reservado, 16/22187 45 Informe JB, Jornal do Brasil, 12.11.87 “+ Senhor, 17187; Informe JB,Jornal do Brasil, 06.07.88 56
m “fazer tos mais determinados do queestes”, osativistas do Instituto Liberal pretendia
a cabeça”, numa hora em que muitos de seus pares do empresariado começavam a temer que, “pelo andar da carruagem constituinte”, ela acabasse “por mandar cortá-la
sé
a4ndT
já, já”:
Confederação Nacional das Instituições Financeiras - CNF O setorfinanceiro também estabeleceria o seu pivô político,através dacriação da Confederação Nacional de Instituições Financeiras, inaugurada num “clima de verdadeiro manifesto a favor da livre iniciativa e da redução da presença do estado na
em economia”. O lancamento foi na Confederação Nacional da Indústria, em Brasília,
dezembro de 1985.
Era o nascimento do pivô de atuação político-institucional do conjunto de
empresas que constituem o sistema financeiro nacional privado, incluindo os bancos
comerciais e de investimento, corretoras, distribuidoras de valores, instituições de crédito imobiliário, leasing e empresas financeiras, representando ao todo 280 empresas.” Na
inauguração da entidade, o senador Albano Franco, presidente da CNI, destacou “a
importância da CNF como mais umacorrente dalivre iniciativa trabalhando junto com as demais, já estruturadas”, e equiparou-a “à organização já demonstrada pelas forças do trabalho”. A CNF preparava-se para enfrentar as organizações de trabalhadores e outros segmentos da vida política, num ano em que as demissões em massa, no setor bancário, já atingiam 10% do contingente total. No entanto, segundo Carlos Brandão, ex-vice-presidente das Associações Nacionais das Instituições de Mercado Aberto
(Andima)e participante da CNF, questões como a discussão das negociações coletivas com os trabalhadores do setor, representados pelos vários sindicatos de bancários do país, continuariam sendo atribuição da Fenaban, “já que a CNF não tem caráter de
entidadesindical patronal”. Defato, segundo Roberto Bornhausen, seu presidente eleito (que acumulava a presidência da CNF com a mesma função na Federação Brasileira
das Associações dos Bancos (Febraban) e na Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), a nova organização tinha como objetivo a “coordenação das associações de classes representando empresas financeiras, com vistas a permitir uma ação unificada político-institucional, frente aos poderes constituídos, à mídia e outros setores, e ao
público em geral, em defesa de seus legítimos interesses”!
Além de suas tentativas de assegurar diretrizes governamentais que atendessem aos interesses do setor e reduzissem a presença da máquina estatal na economia, avançando no processo deprivatização, a CNF. também fez esforços para assegurar que
a Assembléia Nacional Constituinte tivesse entre seus membros um número substancial de delegadosque respondessem aosanseiosdo setor financeiro.” O publicitário Mauro
Salles, um dos participantes do encontro do Guarujá, organizado pela Cedes, foi o escolhido pelo presidente da CNF, Roberto Bornhausen, para desenvolver o lobby do
“ Senhor, 171.87 “t Correio Brasiliense, 0512.85 “> O Globo, 04.11.88 3º Correio Brasiliense, 0512.85 *! Jornal de Brasília, 05.12.85 3º Correio Brasiliense,012.85 57
sistemafinanceiro, que se sentia ameaçado pela aventada possibilidade deestatização. Masna opinião de Carlos Brandão, que assumiu a vice-presidência da entidade, a CNF só começaria 0 lobby de forma efetiva após as eleições, quando os anteprojetos de
Constituição estariam alinhavadose seria possível saber o perfil ideológico dos cons-
tituintes.*
União Brasileira de Empresários - UB O empresariado já demonstrava, em 1985, que estava se preparando para influenciar a configuração da futura Assembléia Nacional Constituinte. A conquista do voto se tornava o novo empreendimento empresarial, embora, inicialmente, estes esforços
fossem de cunho individual ou iniciativa de associações empresariais. Como diria
Wilson Galvão Andrade, empresário baiano, presidente da Cresal Empreendimentos e Participações, holding do grupo Cresal, e agora disposto a transformar-se em deputado
federal pelo PMDB: “Acho que chegou a nossa vez”, De fato, muitos empresários
dispunham-se a candidatar-se por conta própria ou respondendo ao apelo de grupos e,
em todos os estados, pipocavam as candidaturas. Em Belo Horizonte, um dos mais
cotados era Ruy Lage, pecuarista, presidente de várias empresas de turismo e administração de imóveis, ex-presidente da Comissão Nacional das Bolsas de Valores e ex-prefeito da cidade. Em Natal, o vice-presidente das Confecções Guararapese presidente
da “Pool”, Flávio Rocha,pretendia candidatar-se a deputado federal, pelo PFL,esclarecendo que não tencionava “abusar do poder econômico, mas utilizar-se da criatividade e competência".Em Porto Alegre, o presidente da Federação das Indústrias, Luís
Octávio Vieira, promovia a candidatura de Luís Roberto Pontes, presidente da Câmara
Brasileira da Construção e dono da Construtora Pelotense. Vieira negava, porém, a
existência de uma plataforma dos empresários para a Constituinte — o que, na sua opinião, seria até fascista”. No Rio de Janeiro, Sérgio Quintella, presidente regional do PFLe da Internacional de Engenharia, vice-presidente do grupo Montreal, dispunha-Se a disputar uma cadeira no Senado (depois seretirou da disputa para vôos maiores), enquanto Climério Veloso, dono das Casas da Banha, lançava-se, pelo PMDB, à Câmara dos Deputados. No Ceará, Tasso Jereissati, do grupo que leva seu nome, pretendia o governo do estado — o mesmo alvo de Paulo Salim Maluf e Antônio Ermírio de
Moraes em São Paulo.
Enquanto issc, o deputado Maurílio Ferreira Lima, do PMDB de Pernambuco, denunciava que estaria sendo organizada uma “caixinha” de 4.5 trilhões de cruzeiros,
para eleger pelo menos 300 candidatos que defendessem as posições do empresariado
na Constituinte.” Luís Roberto Pontes achava “repugnante” a idéia das “caixinhas”,
uma opinião compartilhada por Paulo Vellinho, diretor-presidente da Springer Carrier S.A, ex-ativista do Ipesul e partrocinador de uma pesquisa do Ibope sobre as preferências
do eleitorado gaúcho. Mas outros empresários, como Afif Domingos — presidente da Associação Comercial de São Paulo e ex-secretário no governo Paulo Salim Maluf, além de candidato a deputado federal —, não viam nada de condenável. no fato de um
* Relatório Reservado, 09/1512.85 *t Coriolano Gatto, Jornal do Commércio, 24/25.08.89 “º Maria Helena Malta e sucursais, O Globo, 01.06.86 5º Maria Helena Malta « sucursais, O Globo, 01.06.86 *" Jornal do Brasil, 16.06.85 58
grupo de empresários financiarem candidatos com os quais se identificam. Era nesse
sentido que a Fiesp, já em ritmo de campanha, estava agindo, através do diretor de seu departamento jurídico, Rui Altenfelder, do grupo Moinho Santista, que convidaria diversos candidatos, empresários ou não, para palestras no auditório da
entidade.**
Já em Maceió, a disputa se dava em torno do industrial João Lyra (doPMDB e suplente do senador peefelista Guilherme Palmeira), dono da maior produção individual de açúcar de Alagoas e de uma destilaria, além de principal responsável pela
“caixinha” do Estado, de que todos os colegas candidatos desejavam apoio. Em Curi-
tiba, o secretário da Indústria e do Comércio do Paraná, Fernando Miranda, advogado
de empresase sócio da Cone Sul Exportação e Importação, além de coordenador de um escritório empresarial do PMDB, confirmava que as contribuições existiam, mas não informavade que maneirao dinheiro era arrecadado e administrado.” Já presidente
da Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul, CésarRogério Valente, chegou a mencionar uma reunião, em meados de junho de 1985, em São Paulo, em que R foi articulada a Ação Empresarial.
A participaçãoficava clara na movimentação e nos discursos deuma expressiva liderança, Amaury Temporal, que assumira o comando da Associação Comercial
do Rio de Janeiro, em substituição a Rui Barreto — ambos tidos por César Valente como os coordenadores, no Rio, da campanha de mobilização. “Estamos na turbulência das mutações. Precisamos de paciência, dedicação e participação no processo decisório.
Temos a responsabilidade de transformar a flor tenra da democracia em algo mais sólido”— dizia Valente.” Em Belo Horizonte, o presidente da Associação Comercial, Hiram Reis Corrêa preferia falar em “apoio logístico” aos candidatos que abraçassem os “compromissos filosóficos” da entidade queele dirigia.
A Confederação Nacional da Indústria, por sua vez, decidia que os candidatos à Constituinte que quisessem o apoio do empresariado teriam de se comprometer com
uma “carta de princípios”, que seria elaborada porindustriais ligados à CNL Enquanto isso, Mário Amato, presidente da Fiesp, que apoiara Paulo Maluf naseleção de candidatos do Colégio Eleitoral (entre Tancredo Neves, Maluf e Mário Andreazza) anunciava a criação de um departamento específico para tratar da Constituinte — algo
análogo ao que, às vésperas da Assembléia Nacional, em pão: fora criado pelo con-
destável empresarial de então, o industrial Roberto Simonsen. Rê,
E para quebrar a apatia empresarial, Amaury Temporal, da Associação Comercial do Rio de Janeiro, chegou a convocar alguns membros da entidade, ligados
à área da propaganda, instando-os a definirem umaestratégia “mercadológica, para recolher dinheiro entre os membros da entidade e utilizá-lo em iniciativas ligadas ao
debate em torno da Constituinte — inclusive seminários, através da TV Executiva,
atingindo 50 cidades.º Temporaljustificava a movimentação política dos organizadores
da campanha “Liberdade Sempre” — nome dado ao esforço de chacoalhar o empresariado e de causar um impacto positivo nos formadores de opinião pública e nos tomaº Maria Helena Malta e sucursais, O Globo, 01.06.86 “> Maria Helena Malta e sucursais, O Globo, 01.06.86 “o Jornal doBrasil, 160685 si Maria Helena Malta e sucursais, O Globo, 01.06.86 “2 Coriolano Gato, Jornal do Commércio, 24/25.08.86 * Ricardo Bueno, Relatório Reservado, 27/021186 59
dores de decisões — com umafrase significativa: “O empresário precisa parar de falar para o espelho”. Comoparte desta campanha, a Confederação das Associações Comerciais do Brasil, também presidida por Temporal, enviou carta de princípios a membros do Executivo, do Congresso, à presidência da República e aos governadores; inseriu
anúncios pagos nos meios de comunicação;distribuiu 100 mil folhetos; expôs100 mil
cartazes; espalhou mil cópias em videocassete, narrando fatos relevantes envolvendo a participação dos empresários na História política e econômica do país. E mais: fez circular entre o público interno a sugestão de que fossem criados mecanismos para o acompanhamento político do noticiário — o que permitiria a uniformização de atitudes e posições, para a realização de “análises de conjuntura”, uma técnica que eles pen-
savam estar muito disseminada na esquerda.
Temporal garantia, no entanto, que a Associação Comercial do Rio de Janeiro nãoiria apoiar qualquer candidato, embora a orientação dada a seus membros fosse no sentido de observarem as plataformas e o passado de cada um, comparando-o com as teses defendidas pela entidade. Temporal assegurava que manteriam esta posição de
neutralidade — até mesmo em relação aos 13 empresários pertencentes aos quadros da
Associação Comercial, que se candidatavam à Constituinte —, rejeitando, além disso, as versões que davam conta desta articulação e do encontro no Guarujá, em termos de conspiração.“ Por seu lado, o presidente da Federação das Associações Comerciais do
Rio Grande do Sul, Rogério César Valente, um dos notórios defensores da “caixinha”, avisava que os membros de sua entidade iriam “dar todo o apoio financeiro aos candidatos a deputado federal e senador ligados aos interesses da livre iniciativa”. Para isso, as 140 Associações Comerciais gaúchas se mobilizavam com intuito de jogar as
suas fichas nos candidatos considerados “confiáveis”, fazendo este trabalho entre os associados, “de forma discreta”.
Semqualquer discrição, a Confederação Nacional dos Diretores Lojistas, com mais de 47 mil proprietários de estabelecimentos comerciais espalhados em cerca de 450 clubes, prometia acertar as arestas sobre a sua participação na Constituinte, com a idéia de que cada Clube do Diretor Lojista tivesse o seu candidato, ficando o apoio “a critério de cada um'.º” ) Noentanto, o empresariado sentia que até mesmo estes esforços não eram suficientes. Assim, a necessidade de obter consenso sobre objetivos e sincronizar a capacidade operacional dos vários setores e associações empresariais — lutando, por
um lado, contra a omissão de muitose, por outro, procurando unificar as sugestões desencontradas e coordenar a ação dispersa e dispersiva —, levou, num certo momento,
a umesforço inicial de estabelecer um prenúncio de organização política.Procurava-
-se a concatenação de esforços e a convergência de objetivos das diversas entidades classistas, em torno de algo além da atuação de pressão e lobby econômico.
w Dirigentes de federações e confederações empresariais — entre elas a Confederação Nacional da Agricultura, a Febraban, a Confederação Nacional da Indústria, a Federação das Indústrias do Espírito Santo e a Federação das Indústrias do Estado de
és Coriclano Gato, Jornal do Comércio, 2425.08.26 “s Rcarlo Bueno, Relatório Reservado, 2/021186 “º Coilano Gato, Jornaldo Comércio, 2425.08.86 “ Cordano Gato,Jornal do Comércio,2425.08.86 “O enpresário oi Pedro Gouvêa Viira queixose de que o setor empresarial era o quemenos tinhacontribuido com sugestõespara a Comissão de Estudos Constitucionais (Relatório Reservado, 02/08.12.85)
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São Paulo — reuniram-se em Contagem (próximo a Belo Horizonte) e cumpriram, segundo Luís Eulálio Bueno Vidigal, então presidente da Fiesp, uma programação esboçada há mais de um ano. Nesta reunião discutiram não só questões específicas das relações governo-empresários, mas umaestratégia para evitar a eleição de grande número de constituintes comprometidos com os projetos que Albano Franco, presidente da CNI — entidade que congrega 22 federações de indústrias dos Estados —, chamava de “lesivos à iniciativa privada”.º Discutiu-se também a criação de uma “Central Única dos Empresários”, que chegouaté a ganhar sigla (CUE), provocando muita polêmica: Vidigal, por exemplo, apoiou a idéia, mas Roberto Della Manna, diretor-secretário da Fiesp e coordenador do “grupo dos 14”, considerava-a inviável. Della Manna favorecia um modelo de atuação confederativo, uma espécie de “organização guarda-chuva”,
capaz de preservar a atuação das entidades já existentes, além de estabelecer entre elas um entrosamento permanente. Vidigal, por sua vez, achava que a entidade a ser criada
deveria reunir empresários de todas as áreas, em defesa dos interesses da iniciativa
privada na Constituinte, e não as empresas e os empresários. Por outro lado, Vidigal frisava que “os empresários têm um compromisso com a iniciativa privada” e que a linha de ação visava “convencer os futuros constituintes” da importância deste compromisso, embora ressalvasse que a estratégia esboçada não implicava necessariamente no
apoio da classe empresarial a *candidatos empresários” à Constituinte,”
Reconhecendo a complexidade da questão, os dirigentes da CNI, da Confederação Nacional do Comércio, da Confederação Nacional da Agricultura e da Federação Brasileira dos Bancos reuniram-se no Rio de Janeiro, dias após o encontro de Contagem, para discutir a criação de uma Central Nacional dos Empresários. Enquanto isso, começava a funcionar uma comissão, constituída no encontro de Minas e coor-
denadapelo presidente da CNI, senador Albano Franco, que era composta pelos presiden-
tes das Federações de São Paulo (Vidigal), Rio de Janeiro ( Arthur Donato), Bahia (Orlando Moscoso) e Paraíba (Odilon Ribeiro Coutinho). Eles pretendiam apresentar
ao governo,no prazo de 60 dias, as sugestões dos empresários para a Constituinte.”
Embora já visualizassem a função de pivô político, os empresários envolvidos com esta nova organização precisavam dar-lhe outro perfil, já que a entidade teria comofoco de referência as confederações empresariais, e não simplesmente grupos de
empresas ou indivíduos. Esperava-se que a nova organização pudesse ser capaz de intervir politicamente com um senso de antecipação, assim como dispor de capacidade para operações políticas, tanto na disputa aberta no terreno social, quanto na ocupação
de posições vantajosas no interior do sistema. Na verdade, o empresariado começava a darsinais de cansaço com o comportamento 'contemplativo” de suas associações. Um dos dirigentes da classe ecoaria este sentimento, ao dizer: “Chega de fazer documentos, seminários. Esta inflação de documentos e seminários só enfraquece o empresariado”? Neste sentido, eles não se ocupavam somente com a mobilização de suas próprias fileiras e com seu preparo particular. Procuravam manter a sua presença no sistema estatal e no governo, enquanto se perfilavam no interior dos partidos, para ter voz ativa na disputa eleitoral.
*º Jornal do Commércio, 23/24,02.86 *º Jornal do Commércio, 23/24,02.86 “Jornal do Brasil, 24.02.86 720 Globo, 210.86 61
Entre as disputas a campo aberto, destacavam-se, em 1986, as eleições de governadores e membros da Assembléia Nacional Constituinte e o posterior acompa-
nhamento político e ideológico da própria Constituinte em 1987-88, e, finalmente, o preparo da eleição presidencial. Se bem-sucedidas, poderiam funcionar como uma espécie de trampolim para a constituição de órgãos políticos mais elaborados, talvez
até para a criação de um estado-maior conjunto dosinteresses empresariais, e até, quem sabe, para deslanchar uma candidatura empresarial à presidência da República.
Negociações para a criação de tal frente de operações levaram à fundação da União Brasileira de Empresários (UB), deslanchada na Confederação Nacional das
Indústrias, em Brasília, em março de 1986, e endossada pelos presidentes de várias confederações nacionais de empresários: Albano Franco — Confederação Nacional das Indústrias; Flávio da Costa Britto — Conf. Nacional da Agricultura;
Antonio de Oliveira Santos — Conf. Nacional do Comércio;
Roberto Konder Bornhausen — CNF;
Hermínio Mendes Cavaleiro — Conf. Nacional dos Transportes Rodoviários e Carga 2;
Amaury Temporal — Confederação Brasileira das Associações Comerciais.
A inclusão da CNAera extremamente significativa. Sua presença delimitava o alcance das posições do empresariado em relação à questão da reforma agrária, que
certamente não seria bandeira de luta do setor industrial, comercial ou financeiro. No mesmo sentido, a inclusão da CNF asseguraria que a reestruturação do sistema fi-
nanceiro do país não estaria na pauta das reivindicações do setor industrial e dos proprietários rurais. O “pacto social” dominante — que marca a vida política do Brasil
desde os primórdios da República — continuava vigente e atualizado. A “frente unida” era a “rosca” de interesses em movimento, para enfrentar o desafio das reformas, um
objetivo disseminado e impreciso no ânimo da população e na cabeça dos parlamentares progressistas.
O primeiro encontro público da UB contaria ainda com a presença de Arthur João Donato, presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro — Firjan; Carlos Brandão, presidente da Andima e vice-presidente da CNF; vários membros da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; Pedro Eberhardt, presidente da Arteb S.A,e presidente do Sindipeças; e Sebastião Burbulhan, presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados. Como um dos primeiros passos na integração operacional com outros pivôs, em busca do estabelecimento de eixos de poder, Renato Ticoulat Filho,
secretário-executivo da Cedese dirigente da SRB, tornou-se conselheiro da entidade.”
Embora se tenha transformado numa das siglas mais poderosas do país, a UB nasceu sem sede nem presidente, e sem um único funcionário, mantendo esta característica ao longo de sua luta na Constituinte. Contava, no entanto, com cerca de 100
associados-contribuintes e utilizaria as facilidades da Confederação Nacional do
Comércio, em Brasília.” A UB passou a ser dirigida por um Conselho Consultivo de 78 membros; um secretário-geral, Sylvio Pizza Pedroza; e um coordenador geral, o
73 Mendes Cavaleiro seria posteriormente substituído por Camilo Cola, o dono da gigantesca Visção Itapemirim ** Jornal do Brasil, 02.07.89 *s Luiz Cláudio Cunha, Jornal do Brasil, 151187 62
presidente da CNI, Albano Franco. Este logoseria substituído pelo engenheiro Antônio de Oliveira Santos, também presidente da Confederação Nacional do Comércio, que tem sob sua orientação 648 sindicatos patronais e cujas empresas empregam cerca de
14 milhões de comerciários em todo o país.”é A UB fala em nomedas seis grandes confederações e de mais de 100 associações empresariais, representando um universo
de 4 milhões de empresas de todos os tipos e tamanhos, onde seus 40 milhões de
empregados produzem a maior parte do PIB nacional.”
Nainterpretação de Sebastião Burbulhan, a UB era uma “necessidade porque os empresários precisariam de um canal para defender a sua imagem”, tendo em vista três alvos: trabalhadores, burocratas e opinião pública urbana.” Também foi subli-
nhado que a UB não emergira apenas como resultado dos esforços empresariais de terem sua voz na Assembléia Constituinte. Embora Pedro Eberhardt achasse, como muitos outros, que os empresários “devem procurar influir na Constituinte”, Roberto
Bornhausen, da CNF, lembraria que esta era “um evento importante, mas imediato”.”” E o comunicadofinal das seis Confederações Nacionais iria mais longe, ao destacar que a formação da UB, após um ano inteiro de negociações, “era'motivada pela evi-
dente necessidade de organizar as forças econômicas, que têm de estar preparadas para responder àquilo que a nação espera delas” *º Defato, a emergência da UB e seu impacto posterior devem ser estimados no contexto de umaarticulação que almejava dar maior poder de fogo aos empresários,
procurando um consenso operacional — que englobasse os pivôs e associações políti-
cas convencionais — sobre o processoeleitoral de 1986 e dentro do marco daluta para
obter uma Assembléia Constituinte correspondente aos seus desejos. Mas a UB ainda seria forçada a “zelar”, não só pelo bom andamento da batalha na Constituinte, mas
também pela posição de suas fileiras na futura e crítica sucessão presidencial e até diante dos desafios políticos à preservação do cambaleante regime.
Apesar das resistências iniciais, Oliveira Santos frisaria que “depois que a Nova República legalizou a CGT e a CUT,não haveria problemas para fundar a UB”.*
E mais: que o inimigo comum — as esquerdas — assim comoa luta de todos — a Constituinte — ajudariam a consolidar esta frente de operações, neutralizando as últi-
masresistências ao projeto, um “velho sonho do patronato brasileiro”? “A essaaltura,
alguns de seus membrose assessores graduados, com maior visão política, já tinham em mente, até mesmo algumas réplicas locais de organizações como o Keidanren japonês, a Business Roundtable européia ou ainda a Americas Society norte-americana,
*º Jornal do Brasil,01.04.88 ? Luiz Cláudio Cunha, Jornal do Brasil, 154187 * Jornal do Brasil, 25.02.86 70 Globo, 121086 *º Jornal do Brasil, 25.02.86; Jornal do Brasil, 26.02.86 *t Mesmo assim, nem tudo foi rosa no jardim empresarial. Jornal do Brasil, com uma perspectiva mais Ionga,de fortalecimento do sistema,algo que implica numa sociedade plural-democrática, não veria com bons olhos mais um empreendimento político deste porte. Em editorial de 26.02.86, catalogava criação da UB como um “errocrasso”, “anteciparia conseqências muito antes de mostrar utiidade: uma suspeita política no momento de transição nacional”. Ainda segundo o editorial: “A UB será recebida com desconfiança mesmo que observe seus objetivos declarados, Modemização do capitalismo brasileiro, desestatização da economia, debate dos problemas nacionais são suficientemente vagos para permitir ampla exploração poltica'(. “Não. como dirigentesdo. jadãos (o que não é pouco) os empresários deveriam empenhar-se em dissipar velhas desconfianças e em pr dentificar os candidatos “a UB, queiram ou não seus propoqualificados morale intelectualmente para o desempenho da tarefa de constituir a nação democrár nentes,está no mesmo caso da Cut: comprometida naorigem"(..) “A iniciativa é antiquada e se habilita apenas + um monumental malogro servirá de alvo para uma suspeita a que não falta apenas pretexto. A umerro político a curto e a longo prizo. E só esperar”. E Luiz Cláudio Cunha, Jornal do Brasil, 511.87 63
embora fossem obrigados a levar em consideração as peculiaridades da estrutura sócio-econômica e do cenário político-cultural do Brasil. O empresariado apostava alto, pretendendo obter, para início de conversa,
uma bancada de representantes combativos que defendessem seusinteresses na futura
Assembléia Nacional Constituinte. E também alimentava as campanhas dos candidatos
a governador mais afinados com as suas pretensões de reordenamento da estrutura
econômica e política do Estado brasileiro, chegando a projetar e apoiar até alguns de
seus próprios representantes, destacando-se Antônio Ermírio de Moraes, que disputaria
o governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Brasileiro, tendo Fernando Vergueiro, secretário-geral do PFL,diretor da SRB e da Cedes, como companheiro de chapa —
indicado por Afif Domingos —, para ocupar uma das legendas ao Senado. Preocu-
pados com a configuração da Constituinte, mas sem organizações de base e partidos políticos confiáveis e com poucos políticos profissionais comprovadamente leais, o empresariado se viu obrigado a apoiar candidatos cuja plataforma era basicamente a defesa da livre iniciativa. Não era muito para começar, mas alguma coisa, e rapida-
mente o empresariado definiria algumas prioridades e metas. O apoio econômico às
campanhas seria dado principalmente aos candidatos que buscavam a reeleição,e isto por várias razões. Além de provados na luta e verificados ideologicamente, era mais
barato, segundo um empresário da Fiesp, apoiar economicamente um candidato já conhecido. Assim mesmo, alguns candidatos óbvios, como Francisco Dornelles é Afif Domingos, foram apoiados, mesmo sendo marinheiros de primeira viagem. Estes critérios também valiam para a Cedes, a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Fede-
ração Brasileira de Associações de Bancos (Febraban).
O mesmofenômeno de junção na cúpula, assegurado pela UB,se expressava
em outrosníveis. Assim se deu, por exemplo, a criação da Frente Empresarial, no Mato Grosso do Sul, que incorporava as Federações do Comércio e da Indústria, lideradas
respectivamente, por Jorge Elias Zahran, da TV Morena,e Lírio Novais.
Mas o empresariado não se organizava apenas em torno de propostas globais e ação concatenada através da generalidade das associações e confederações. Ele o fazia também por setor específico, como o dos transportadores de carga rodoviários,
que se organizou nointerior da mobilização empresarial ampla, com recursos próprios,
cuidando da sua seara sem desconsiderar interesses genéricos do empresariado. Este setor já contava, desde 1982, com o deputado Denisar Arneiro (PMDB-RJ), proprietário
da transportadora Sideral S.A., de Barra Mansa, com filiais em 12 estados e sócio da transportadora Terramar, do Rio de Janeiro, que foi eleito com 45 mil votos (30 mil deles em Barra Mansa), por umaassociaçãodetransportadores que engloba 800 empresas só no Rio de Janeiro. De fato, os empresários do setor detransportes rodoviários já
tinham chegado, há tempos, à conclusão de que era muito mais efetivo dispor de um empresário-deputado para realizar o lobby no Congresso, do que fazer dispendiosas e cansativas viagens a Brasília, para tentar, em rápidas incursões, o convencimento de parlamentares, sem ter, na maioria das vezes, certeza do resultado de seu esforço. Mais
ainda: não confiavam no que denominavam de “políticos de aluguel”, que se compro-
metiam a defender os interesses empresariais, em troca do financiamento de suas cam-
3 Sobre o Keidanren e a Business Roundtable, vide RA. Dreifuss, À internacional Capitaista, op.eit. Jornal do Brasil, 18.07.86 O Globo, 12.10.46 O Globo, 29.06.86 64
panhas, mas que na hora decisiva, muitas vezes os haviam deixado na mão. Em
contrapartida, a postura de Denisar Arneiro era de um contraponto exemplar. Embora
ocupasse a presidência da Comissão de Transportes da Câmara, achava, sem nenhum constrangimento, que não “era”, mas que apenas “estava”deputado. Coerente com sua
percepção das atitudes erráticas e da baixa confiabilidade dos pelegos partidários, o
empresariado do setor pretendia eleger pelo menos cinco representantes na Constituinte, além de deputados estaduais em vários estados, contando para isso com duas mil empresas de transporte em todo o país e tendo à disposição 800 kombis de transporte
para o trabalho político. E,claro, muito dinheiro, para a campanha dos candidatos, cujo
único pré-requisito era ser empresário transportador de carga. Apesardisso e-rendendo-se à realidade política, o empresariado do setor não dispensava os “políticos profissio-
nais”, procurando, além da representação direta, cercada de “bons nomes” para a Constituinte. Isso era feito a partir da seleção, nos diversos partidos, daqueles candidatos que teriam comportamento congruente — não só com osinteresses dos transpor-
tadores rodoviários de carga, mas também com setores comoo fluvial, o terrestre e o aéreo, concatenando e diluindo (sem descaracterizá-los) seus interesses específicos e
particulares com os de outras forças análogas, num leque de propostas generalizantes, muito mais efetivo.” Linhas auxiliares externas A fragilidade partidária da direita fez com que o empresariado procurasse outras formas de obter um colchão de apoio social. Assim, teve que penetrar no meio
sindical e trabalhador — o que foi importante para lançar desafios e ações derivativas,
que engajassem estes setores em lutas paralelas. Um exemplo foi o esforço de montar um “pacto social” em 1986, o primeiro de umasérie de tentativas. O “pacto” era uma
necessidade política e econômica. Almejando a estabilização do quadro econômico,
dentro da ótica da classe, procurava-se realçar figuras ditas “moderadas” do âmbito sindical, com as quais o empresariado se sentisse à vontade para dialogar em posição
de supremacia, isolando ao mesmo tempo (ou, ao menos, criando fendas na pretensa frente sindical), as lideranças mais combativas da CUT e assim, procurando minar a suposta base de ação do Partido dos Trabalhadores. Para o empresariado, era (e é)
fundamental, que, não havendo como “domesticar” o movimento sindical, ao menosse tentasse formar e incentivarosdirigentes detrabalhadores mais empenhados “na defesa do capital do que na luta pelosdireitos das categoria que representam” — um pessoal que servisse de base de manobra no meio operário.Nesta tentativa, o empresariado teria o contraditório apoio do governoestatal, já que, acreditava-se, um eixo empresarial-sindical estabelecido de forma autônomateria maior poder de fogo para modelar
atitudes.
Deve ser lembrado, porém, que os diversos eixos conservadores do patronato
constituído em associações e sindicatos de classe já haviam obtido ganhos preciosos,
ao conter o sentido e esvaziar o teor dascríticas ao CruzadoI. Foram nisto ajudados
pela inefetividade e inoperância do desunido movimento sindical, que aliava à inca-
pacidade mobilizadora em seu meio específico — a massa fabril — o seu alheamento EE Deborah Berlinde, O Globo, 01.06:86 ** Senhor, 171187 65
do restante da população. Um alheamento ocupacional, habitacional, cultural; de métodos
e personalidade, objetivos, metas, tarefas e recursos; de linguagem e estilo, que fazia
com que as variadas condicionantes entrelaçadas no cotidiano político se transformassem em barreiras intransponíveis para a obtenção de algum tipo de ressonância política — algo que se expressaria nas dificuldades de levar adiante as greves dotipo “geral”
ou “nacional”, assim como um mínimo de sensibilização política do restante da popu-
lação para com as mazelas dostrabalhadoresurbanos c rurais. Essa inefetividade sindical,
é bem verdade, foi reforçada com a barragem construída pela mídia, em favor do Plano Cruzado, e com o clima de histeria e intolerância que foi estimulado contra qualquer
crítica racional.
Mas não foram estas as únicas razões da inefetividade da oposição sindical.
Era de enfrentar, também, uma oposição conservadora interna, pois o empresariado soube incentivar e direcionar um canal de penetração, através da criação da União
Sindical Independente, instalada efetivamente no final de 1985. Um ano depois, a USI reuniria 450 sindicatos, federações e confederações, trazendo como princípio *o combate
ao comunismo e a toda ideologia estranha ao sindicalismo”, com seu lema “Deus,
Propriedade Privada e Livre Empresa”. Assim, passou a ser um cavalo de batalha útil, alvejando a CUT e outros setores sindicais de oposição na CGT, com seu rufar de tambores anticomunista, situada em posição privilegiada no meio sindical e posicionada como coro popular de uma possível Santa Aliança conservadora.
Seu principal articulador não é outro senão Antônio Pereira Magaldi, hoje
conselheiro efetivo do Serviço Social do Comércio (Sesc) e conselheiro efetivo do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), e não por acaso, já que acu-
mula a experiência de ter sido efetivo e eficaz em outras batalhas de outras guerras. De
fato, Magaldi — hoje adepto do PTB e vice-presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Comércio, além de Presidente da Federação dos Empregados no Comércio de São Paulo e vice-presidente da própria USI — foi, nos idos de 60, uma das figuras de maior destaque do Movimento Sindical Democrático (MSD), o braço sindical do complexo civil-militar que sob o nome de Ipes/lbad, conduziu a desesta-
bilização do governo Goulart.”
Masnão foi somente através da USI que asclasses empresariais fizeram sentir sua influência e passaram a operar no âmbito mais amplo da política nacional. A
existência da entidade foi importante, emboraela fosse periférica em relação aos grandes eixos de disputa e de liderança dos assalariados em geral. Nesse contexto, a emergência
de dirigentessindicalistas na órbita empresarial — como Antônio Magri e Luiz Antônio Medeiros — foi providencial, embora não necessariamente inocente.
Magri — que naquela época fazia parte da executiva nacional da CGT, como
secretário de relações internacionais, e ainda acumulava a presidência, pelo quarto
mandato consecutivo, do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo — esclareceria que, para ele, dirigir sindicato é “administrar a luta de classes e a relação entre capital e
trabalho”.”” Além dos cargos já mencionados, Magri ainda coordena a ação do Instituto
Cultural do Trabalho, onde é responsável por uma farta verba anual destinada pela
*º O MSD foi tambémvinculadoao Iadesil (ou, em sua sigla anglo-saxônica, AIFLD). O Iadesil tem sido o órgãode intromissão norte“americana no meiosindical da América Latina. Magaldifoi tambémpresidente do Instituto Cultural doTrabalho, umcentrod e ativismo sindical alimentado pelo IPES e pelo próprio Iadesil. Vide R.Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado, op.cit., cap. V,VI e VII,e R.A.Dreifuss, A Internacional Capitalista, op.it, cap. VI,VII e VII *º Coluna do Zózimo, Jomal do Brasil,07.10.87 66
AFL-CIO, dos Estados Unidos, ao desenvolvimento de “um movimento sindicallivre, independente e apartidário”. Os recursos chegam ao Brasil através do Iadesil e do Free
Trade Union Institute
Deve ter sido nessa ótica “administrativa” que Magri viu a necessidade de
aumentar a “intimidade entre patrão e empregado”, considerada por ele como fundamental na renovação das relações de trabalho. “Quando eu trabalhava numa fábrica de
calçados, nos dias em que o dono me cumprimentava cordialmente, eu pregava 50 solas em vez de 40, por purasatisfação”, já disse ele.” Resta saber quantas solas valem um aperto de mãos, um tapa nas costas, um abraço, ou quem sabe, um beliscão nas bochechas...
De fato, o ex-calçadista e atual eletricitário Antônio Magri — que representa
26 mil trabalhadores, dos quais 18 mil são associados —, perfila-se como ponta-de-Jança de uma ambiciosa articulação. Discretamente, com o apoio da poderosa AFL-
-CIO norte-americana, ele “começa a jogar um papel estratégico naliderança de uma
nova corrente do sindicalismo brasileiro, defensora de umalinha de atuação pragmática, apartidária, de resultados”.” E isso porque Magri é um dirigente sindical que conta com o apoio de uma efetiva estrutura técnica e, fundamentalmente, com muito dinheiro, administrando, anualmente, um orçamento que beira os “2 milhões de dólares, entre contribuições sindicais e verbas para realizar cursos de formação, vindas dos
Estados Unidos”. Embora outras fontes estimem que ele receba | milhão de dólares por mês, Magri desmente e acrescenta que se recebesse de fato esta quantia, “teria nas
minhas mãos todo o movimento sindical brasileiro”.
Graçasa todo este trabalho, 50% dos dirigentes sindicais que hoje atuam no país passaram pelo Instituto Cultural do Trabalho (ICT), segundo Magri. Desde a sua fundação, em 1963, a entidade promoveu 72 mil cursos regionais e interestaduais. Em
1977, o próprio Magri esteve, por 40 dias, em regime de internato, em um desses cursos. No curriculum, que inclui aulas sobre administração financeira dos sindicatos,
cooperativismo e direito de greve, a maior carga horária é reservada à análise do
desenvolvimento das lutas operárias, sob o tema “Filosofia da sociedade”. Cada curso
ministrado pelo ICT reúne entre 25 a 30 pessoas de vários estados do país, que seguem o programa por indicação de sindicatos, federações e confederações. Mas já não o fazem em regime de internato. Maso empresariadotinha várias opções. E também se sentiu em condições de
contar com o morno “Joaquinzão” (Joaquim dos Santos Andrade), líder da CGT e um pelego tradicional, que comandava um dos maiores sindicatos da América Latina. Ou mesmo com José Calixto Ramos, presidente da Confederação Nacional dos TrabaIhadores da Indústria (CNTI), que reúne cerca de seis milhões de industriários. Calixto, que também era vice-presidente da CGT, já tinha participado da diretoria da CNTI quando ela era presidida pelo arquipelego Ary Campista, interventor nomeado pelo governo militar e deposto em 1983, por corrupção. Assim, transformou-se numa espécie
de linha-auxiliar do Ministério do Trabalho, graças ao seu bom trânsito junto ao governo, embora nãotivesse esta mesma repercussão junto às bases trabalhadoras. E o esforço
*! Gazeta Mercantil, 28/30/1187 *: Jomal do Brasil, 07.10.87 ” a Mercantil, 28/3011.87 eta Mercantil, 28/301187 67
de neutralizar um possível espaço de projeção sindical progressista no cenário político nacional e na máquina estatal foi coroado por um fato extremamente elucidativo. Quando chegou a hora de nomear um representante dos trabalhadores no Conselho Monetário Nacional, de acordo com o espírito da Nova República e seguindo a “tra-
dição” instaurada por Castello Branco, o escolhido não foi outro senão José Calixto Ramos, guindado a uma das cadeiras inefetivas, na posição de pelego-auxiliar dos
empre:
s que compõem o restante de seus membros.*
A partir de 1986, o empresariado teve uma importante vitória (assegurando um trunfo político e propagandístico para os combates vindouros, especialmente durante os
trabalhos da Assembléia Constituinte e no período intermediário,até a eleição presiden-
cial), ao ver suas teses políticas e econômicas convergirem com as de Luiz Antônio
Medeiros, que sucedeu a Joaquinzão na presidência do Sindicato dos Trabalhadores
Metalúrgicos de São Paulo. Medeiros forneceu as manchetes da época, com suas fortes
críticas à presença do Estado na economia e à “gastadora máquina governamental”, e com suas propostas de reforço ao setor privado e de adoção de uma economia de
mercado.
Embora ambos preguem queostrabalhadores não devem “fazer política” e se assemelhem na docilidade com que tratam os patrões, as nuances entre os dois Antônios
também existem, especialmente na definição partidária.”* Medeiros filiou-se ao PTB e
apoiou o empresário Antônio Ermírio de Moraes nas eleições de 1986, para o governo de São Paulo. Magri, por sua vez, enxergava em Orestes Quércia, atual governador de São Paulo e adversário de Antônio Ermírio naquele pleito, o perfil do candidato ideal à presidência: “Quércia será uma grande parada; ele é agressivo, trabalhador e sabe o
que quer”.” Tudo isso não impediria Antônio Ermírio de declarar, em pleno esforço
eleitoral, que “o pessoal da CGT está conosco. Nós temos vários de seus membros
trabalhando na campanha, como o Antônio Rogerio Magri e Luis Antônio Medeiros”. Enquanto prometia “esmagar qualquer partido político que existisse entre os eletricitá-
rios',º Magri fazia outra promessa — que nisto ficou: a de “batalhar pelas eleições
diretas em todos os níveis, em 1988”. Tempos depois, um empresário paulista revelava que havia 'um acordo político entre os representantes do “sindicalismo de resultados” e políticos adeptos do liberalismo — entre eles, o empresário e deputado Guilherme Afif Domingos (PL-SP), a quem coube a tarefa “de abrir algumas portas para que
Medeiros negociasse em Brasília o apoio à sua candidatura à presidência do maior sindicato da América do Sul”"!o
Passado algum tempo, Medeirosreiteraria suas inclinações por Orestes Quércia, o que não o impediria de aceitar o convite de Marco Maciel, para participar do
*s Maistarde,emoutro episódio,o “representante” da classe trabalhadora no Conselho Monetário Nacional, José Calixto Ramos, marcava. a sua posição de força auxiliar, afirmando, em março de 1988, após reunião do CMN,que a tentativa de congelamento dos salários do funcionalismopúblico federal, ou qualquer alteração nos reajustes mensais através da URP“podem ser um risco para o setor privado”. Segundo Calixto, a mudança na política salarial para o setor público poderia servir de pretexto“para que, mais tarde, a política salarial de todos os trabalhadores fosse alterada”. Calixto via com preocupação o possível congelamento” da URP do funcionalismopúblico — medida defendida com vigor pelo empresário Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar,(ao qual está vinculado o anterior ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira) no CMN —, mas assegurava que os trabalhadores tinham a garantia do govemode que os acordos coletivos com os empresários poderiam ser feitos sem qualquerinterferência oficial. Quando a URPdo funcionalismo foi cortada, Calixto não renunciou a seu cargo (Jornal do Brasil, 29.03.88) 9º Senhor, 171187 e Informe JB,Jornal do Brasil, 30187 * Vide Informe JB, Jornal do Brasil, 301187 * Jornal do Brasil, 17.09.86 * Senhor, 11187 1º Jorge Abduch, Relatório Reservado, W7.0L88 68
lançamento do Movimento Liberal Progressista Trabalhista (do Partido da Frente Liberal) em Pernambuco, enquanto preservava a suafiliação ao PTB.!º! Enquanto isso, a disputa pela proeminência das teses da nova direita no meio sindical e o controle político
do sindicalismo brasileiro levariam a própria CGT a umasituação difícil, quase provocando um “racha”. Masesta hipótese logo foi afastada por um assessor político de
Magri e Medeiros,o cientista político Aluízio Azevedo. No entanto, um empresário da Fiesp até enxergou neste confronto, a gestação de um embrião de sindicato autônomo. Segundo este empresário, a estratégia da corrente “de resultados” seria a de “estimular a desvinculação de outros sindicatos das centrais sindicais existentes, garantindo-lhes
apoio e ajuda das entidades comandadas por Magri e Medeiros”.!?
Verbas para este projeto não faltariam, já que a ligação de Magri com o
sindicalismo americano lhe garante boa soma de dólares. A iniciativa contaria com o
apoio de setores do empresariado, para quem “esta é a única corrente do movimento
sindical com a qual se pode dialogar”. Mas o empresariado explica queesse apoio não
se traduz de maneira formal, para não comprometer os sindicalistas, ou, em suas ' próprias palavras, “para não estragar o pesqueiro”. !º3 União Democrática Ruralista - UDR Enquanto a UB incorporava a poderosa Confederação Nacional da Agricul-
tura, surgiu, entre os grandes empresários de terra — particularmente os criadores de
gado —, um movimento que pretendia crescer separado dastradicionais associações de
proprietários rurais, num esforço que visava à “união ruralista'. Retrógrada em seus
objetivos e até violenta em seus métodos, a União Democrática Ruralista nasceu em
maio de 1985, para lutar com todas as armas, da intimidação ao poder econômico, não só contra as mudanças políticas e burocráticas em favor da reforma agrária — que as
lideranças ruralistas consideravam “demagógica,de papel” — mas também paraexigir, o que seria, “a verdadeira política agrícola”.!* Mas o que impeliu os fazendeiros
Ronaldo Caiado, Altair Veloso e Salvador Sidney Farina a percorrerem o estado de Goiás — passando por 50 cidades somente durante o ano de 1985, para estabelecer as bases do que seriaa estrutura de empresáriosrurais mais organizada da História do país — foi a necessidade de mobilizar-se contra as tentativas de desapropriação de terras
para fins de reforma agrária.105
E havia bons motivos para se preocuparem, tendo em vista o estarrecedor
quadro rural brasileiro. Segundo informações divulgadas no livro “Quem é quem no subsolo brasileiro”, coordenado pelo pesquisador Francisco Rego Chaves Fernandes e
editado pelo CNPq, o grupo minerador formadopela British Petroleum (inglêsa) e pela Brascan (canadense) detém 192.958 quilômetros quadrados (somando-se aí decretos de lavras, pedidos e alvarás de pesquisa — uma área maior do que a Suíça, Holanda, Bélgica e Luxemburgo juntos ou quase 50% maior do que a Inglaterra. Outras empre-
Informe 35, Jornal do Brasu, 1106:88 ? Jorge Abduch, Relatório Reservado, 1117.01.88. No início de de 1988,o “sindicalismo de resultados” obtria mais uma vitória, “esta vez não no campe da disseminação de idéias no seio da classe fevereiro mas no foro paulista, quando a executiva estadual da CGT. “decidiu transferir suas instalações para a sede do Instituto Cultural dotrabalhadora, Trabalho oral do Brasil, 09.02.88) 1º Jorge Abduch, Relatório Reservado, 70188 “et Tânia Fusco, Jornal do Brasil, 19:1.87 “5 Jornal do Brasi, 17.05.88 69
sas de mineração, controladas por capital transnacional de empresas multinacionais ocupam 401.757 quilômetros quadrados, área equivalente à França e maior do que a Itália ou à Alemanha.
Os grupos privados nacionais detêm 368.569 quilômetros
quadrados e os estatais, 283.076 quilômetros quadrados. Por outro lado, os dez maiores proprietários de terras no Brasil dispõem de
uma área de 16.789.000 hectares, dos quais apenas 534 mil recebemalguma utilização
produtiva. O restante, de 15.200.000 hectares, é mantido como “reserva de valor”. A
Madeireira Nacional S.A. (Manasa) é a maior latifundiária do país, com 4.140.767 hectares nos municípios de Labrea e Guarapuava, no Amazonas e Pará, sem desenvolver nessas áreas qualqueratividade produtiva. A Jari Florestal detém no Pará uma
área de 2.918.092 hectares, com nenhumautilização produtiva; a Aplub-Agroflorestal
(Amazonas) detém 2.194.874 hectares, com zero de área utilizada. A Cia. Florestal Monte Dourado, com terras no Pará e Amapá, detém 1.682.227 hectares e tem uma área
utilizada de 142.554 hectares.
Segundoo jornalista Ricardo Bueno, umadas constatações mais impressionantes do estudo realizado pelo CNPq é a concentração de áreas do território nacional em poder dos 20 maiores gruposestrangeiros que atuam no setor mineral. Os conglomera-
dos controlam, no total, 401.757 quilômetros quadrados,o que corresponde aos estados
de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Paraná reunidos. Das áreas apropriadas pelo capital estrangeiro, os cinco maiores grupos ficam com 77%, os dez maiores com 89% e os 20 mais importantes com nada menos que 95%, ou seja, perto de 380 mil quilômetros quadrados.
Foinos primórdios desta luta que a inadequação das estruturas e organizações de representação e defesa dos interesses rurais ficou em evidência para muitos propri-
etários do campo, especialmente do setor agropecuário — quadro que não se alterou
substancialmente com a formação, antes das eleições de 1986, de uma Frente Parlamen-
tar Agrícola. Mais ainda: a constatação da desunião dos proprietários de terras e cri-
adores de gado diante das ameaças representadas pela reforma agrária e a vã tentativa de realizar o confisco de bois gordos no pasto, durante o Plano Cruzado, foi a gota d'água para a consolidação da UDR. Na abertura da reunião que formalizou a criação da UDR Nacional e confirmoua escolha do médico e fazendeiro Ronaldo Caiado para
presidi-la, em julho de 1986, estas questões vieram à tona. Representantes de oito estados onde a entidade estava estruturada, fizeram um relato da sua situação nestas
regiões e reafirmaram que a arma mais importante de que dispunham paraproteger “os ideais democráticos dalivre iniciativa” era a mobilização dos fazendeiros. A manifestação vocal de suas demandas, a presença ostensiva nas fazendas, estradas rurais e vilarejos ou nos centros urbanos de regiões agropecuárias, e também nas manchetes de jomal — em contraposição ao sigilo conchavador com que as entidades classistas
convencionais dirimiam as querelas e encaminhavam suas demandas ao governo estatal —, marcariam a diferença entre a UDRe asantigasentidadese lideranças. Caiado, que
também era o presidente da UDR de Goiás, instava os proprietários rurais à participação política, funcionando como um verdadeiro núcleo de debates e, sobretudo, um mecanismo de integração e interação ruralista com a sociedade (e não somente setorial). Esboçava, assim, umatrilha diametralmente oposta àquela que o sindicalismo de
oposiçãohavia escolhido e aproximava-sedaspráticas do empresariado urbano. Enquanto
isso, o vice-presidente da UDRde Goiás, Salvador Farina, exortava seus paresa deixarem
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e ResTud o 'papel secundário” que vinham desempenhando no cenário político brasileiro.
A UDR também dirigia críticas ao governo, à Igreja progressista e aos parlamentares “amigos”. Caiado, no discurso de posse, advertia que a realidade brasileira
impunha umaopção: “Oucriamosinstituições democráticas que, na medida do possível
façam com quea sociedade caminhe por si própria, fundada em princípios de efi.
ciência, credibilidade e competência, ou assistiremos à esquerda radical, travestida de
democrática, usar temas como a reforma agrária, para fomentar o desentendimento entre as classes do produtor e do trabalhadorrural e, ao mesmo tempo, desestabilizar O regime e comprometer o Plano Cruzado”. Propugnando uma sociedade organizada
que procuraria suprir e amparar as necessidades mínimas de seus cidadãos, assumindo
maiores responsabilidades sociais, ressalvava que “isto jamais poderá ser promovido
permitindo-se que esta máquina estatal, a pretexto de expansão de seus ônus sociais
sonegue ou usurpe liberdades e direitos fundamentais, muito em especial o direito de
propriedade”.'” E frisava que “os fazendeiros não admitem é que a fatura dos erros acumulados todosesses anos, somados com osvícios de tecnocratas de gabinete, tenha
de ser resgatada de uma só vez e precisamente pela classe produtora rural, exatamente
a que mais produz e que politicamente tem menor e mais dispersa representação”. !º8 Era óbvio que, embora tanto Caiado quanto o vice-presidente da UDR.
Roosevelt Roque dos Santos, achassem que a classe dos grandes proprietários já tinha um número significativo de parlamentares no Congresso, não demonstravam muito entusiasmo com seu comportamento político. A UDR achava que estes representantes não defendiam “os seus interesses, preferindo votar matérias eleitoreiras”.!º? Caiado
frisava este ponto, em suas palestras, sempre afirmando: “Nós, da UDR, não temos sustentação política no Congresso, apesar de mais da metade dos deputados e sena-
dores serem fazendeiros”.º Um mêsdepois,ele corrigiria estascifras, ao lembrar que 70% dos parlamentares são fazendeiros; mas continuaria afirmando que “eles não vestem a nossa camisa com a disposição necessária, e amaciam o discurso se a platéia estiver recheada de comunistas".!!! Como corolário destas constatações, a UDR estabeleceu
para si mesma a meta de organizar-se em todo o país o mais rapidamente possível, com
O intuito de participar das eleições para o Congresso Nacional e obter uma represen-
tação adequada na Assembléia Constituinte. Caiado, no entanto, negaria que a UDR pretendesse dar dinheiro para eleger candidatos afins, explicando que o ideário do
proprietário rural seria levado a todos os municípios, com o intuito de determinar “o homem a ser apoiado”.!!? Como parte do seu esforço propagandístico, a UDR iniciou a luta por um programa semanal de televisão, em cadeia nacional, onde procuraria
mostrar aos produtores rurais a necessidade de “participarem ativamente do momento
democrático que o país vive”. Além disso, tentaria orientá-los a escolherem *os homens
certos, defensores da livre iniciativa e, principalmente, do direito inalienável da propriedade privada'.!!3
19 O Globo,13.0786 197 O Globo,130786 ter O Globo, [340786 190 Globo, 28.646 Hº Teresa Cardoso, Jornal do Brasil, 541.86 !" Jornal do Brasil, 25.07.86 "20 Globo, 130786 "2 Jornal do Brasil, 10.09.86 n
A UDRnãosó desconfiava dos parlamentares que vinham sendo regularmente eleitos pelos interesses rurais (ou que a eles estavam vinculados), mas também contestava o próprio modelo de organização política dos empresários rurais e se insurgia contra as tradicionais lideranças nas dezenas de entidades classistas, percebidas como muito dependentes do governo e acomodadas aos anos de facilidades providenciadas pelo autoritarismo.!!* Roosevelt Roque dos Santos, dirigente da UDR em São Paulo,
justificaria a criação da UDR, enquanto associação de interesses fora da estrutura
oficial, com a necessidade deevitar os riscos de umaintervençãopolítica do ministério
do Trabalho, sob cuja égide se encontravam todas as associações e sindicatos, inclusive
as patronais. Gilberto Scopel de Moraes, grande proprietário do Rio Grande do Sul e
dirigente da UDR frisaria, por sua vez, que “este modelo de representação classista
vinculado ao governo está esgotado”.!!$
Defato, os líderes da UDR começavam a perceber que as organizações de classe — tais como a Confederação da Agricultura, o Sindicato dos Produtores Rurais,
as federações etc. —, estavam “amarradas ao governo”, condicionadas por sua carta
sindical e por concomitantes transferências de orçamento do executivo (que de fato
levanta esses fundos dos próprios proprietários rurais que pagam contribuições sindicais, para então devolvê-las às associações, através do Incra e do Mirad). Temendo que o governofosse forçado — noclima de reivindicações populares do Plano Cruzado e frente ao desaparecimento do boi gordo — a “pôr um dedo no tubo de oxigênio” das
tradicionais associações de classe, os criadores de gado se reuniram em Goiás — o
foco da articulação — para discutir meios e caminhos que viabilizassem a criação de
umaassociação “atual” e “momentosa”, com um “estatuto inteligente” (sic), preparandose parainterferir de maneira autônoma em “todas as matérias ligadas à agricultura e à pecuária”. Entre aqueles que participaram deste encontro, estavam à Federação da
Agricultura, a Associação Goiana de Criadores de Gir, Nelore e Zebu, a Associação de
Fazendeiros do Araguaia, a Associação dos Fazendeiros do Xingu e a Federação da
Agricultura de Goiás.!!s Tempos depois, a nova entidadereceberia a adesão da maioria
dos membros da Associação de Criadores do Planalto, segundo seu próprio presidente, Pedro Ivan Guimarães Rogedo. O presidente da UDRde Brasília, Vasco Rodrigues da
Cunha, afirmaria que “90% dos sócios da ACP são ligados à UDR”, um dado confir'mado pelo diretor da UDR nacional, Osmar Pereira Barros, de São Carlos, São Paulo.!!? A sede nacional da UDRfoi instalada em Brasília, em acanhadas dependências
da ASCB. Com o andar do tempo e o andor dos leilões de gado — uma de suas fontes ostensivas de renda e de recrutamento do colchão de apoio entre os pecuaristas e que ainda tinha efeitos propagandísticos importantes —, a UDR se mudaria (no início de
1988) para o Centro Comercial Gilberto Salomão, ocupando uma área de dois mil metros quadrados." Em Brasília, a entidade ganharia importantes apoios, inclusive do próprio secretário particular e ex-genro do presidente Sarney, Jorge Murad, que chegou a doar algumas cabeças de gado para engrossar o rebanho destinado a angariar fun-
dos
“4 O Globo, 28.06.86 “3 O Globo, 61287 16 Tânia Fusco, Jornal do Brasil,19.07.87 +? Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, setembro de 1988 11 Informe JB, Jornal do Brasil, 081287 A denúncia foi publicada pela Folha de São Paulo, em 28.08.1988,e recolhida pelo Jornal dos Sem-Terra, setembro de 1988. 2
Assim, a UDR, não tendo amarras com o governo, sobrevive, segundos seu presidente, com verbas e doações dos associados: “Tudo começou com leilão dos mil bois, aquí em Goiás. Mas foi difícil unir a classe, fazer todo mundo acreditar numa entidade que poderia falar tudo, sem que o governo tivesse como pressionar. Mas
conseguimos. Estamos mostrando o verdadeiro perfil do produtor rural, e não aquela
mentira demagógica que nos apresentava à sociedade urbana, como o Sinhozinho
Malta”.'? O segredo do sucesso, no entanto, nãoera o esforço de cosmética. O grande trunfo, no início do trabalho político da UDR,foi, no entender de seuslíderes, que “em
momento algum” foram realizadas reuniões nas capitais ou em grandes salões. Ao contrário: seus dirigentes foram “ao campo mesmo”, não fazendo “entidades de cúpula”
e “trabalhando as bases”.'2! Outro ponto importante é que, ao contrário do tradicional
estilo político dos coronéis, a nova postura desses proprietários rurais não inclui o método convencionaldoclientelismo pessoal, procurandoestabelecer diretrizes de ação a curto, médio e longo prazos.
A estrutura interna da UDR piramidal e se nutre do trabalho de base: está montada em seções ou núcleos municipais, subordinados a seções regionais, que por sua vez confluem para a direção estadual, que alimenta a direção»nacional. Esta, por sua vez, é suficientemente ágil e solta, graças a uma retaguarda administrativa im-
pecável, que permite circular e se fazer presente em todos os níveis e locais da organização, sem entraves burocráticos ou políticos mesquinhos. A entidade mantém, em todos os níveis, uma estrutura de assessoria e consultoria jurídica, uma imponente máquina de tesouraria e apoio logístico, e dispõe de quadros capacitadíssimos para a ação política e propagandística, não dispensando o uso aberto de empresas de marketing e a discreta utilização de gráficas. O presidente da regional de Rondonópolis, Jorge Eduardo Raposo de Medeiros, e os diretores Ednaldo Carvalho de Aguiar (administrativo) e Edílson Vilela Duarte (financeiro) seriam condenados pela Justiça Federal, em Mato Grosso, a três anos de reclusão, comoresponsáveis pela impressão de panfletos — falsamenteatribuídos ao Partido Comunista do Brasil e disseminados naseleições
de 1986 — com texto grosseiro, que pretendia denegrir a imagem do PC do B.'2
O mais relevante fato político, porém, é que a UDR cresceu por si própria,
tornando-se um fator de poder crucial, em função de sua capacidade de mobilizar recursos, provocar impactos ideológicos entre os grandes e médios proprietários de
terra e gado, e até no público em geral, fazendo valer também a pressão. O dinheiro farto e a intimidação. Noterceiro trimestre de 1986, a entidade já estaria com sedes em 15 estados da federação, um total de 40 regionais e mais de 40 mil associados, enquanto
a “caixinha” já somava mais de 20 milhões de cruzados, dinheiro que — assegurava Caiado — nãoera para financiar a eleição de deputados, mas sim “para os gastos com a mudança da imagem distorcida que criaram dos produtores rurais e para financiar a montagem de regionais, a contratação de técnicos especializados em questões do Incra
e outras coisas em defesa da classe”.!? As lideranças da UDR
Embora muitos dos líderes da UDR sejam jovens como Caiado e recrutados num setor rural específico, como é o da agropecuária — que não tem estado no centro “2a Tânia Fusco, Jornal do Brasil, 19.07.87 ! Tânia Fusco, Jornal do Brasil, 19.07.87 “2: Jomal do Brasil, 10.05.88
“º* Jornal do Brasil, 24.09.86. Exemplar noitem de angariar recursos mc ri jo leil e 7 bilhões de cruzados (Informe JB, Jornal do Brasil, 061187) ERoi Ano
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dos eventos políticos, se comparado com outras associaçõesrurais e setores estabelecidos há décadas —, muitos dos militantes e quadros de destaque da organização não são
estreantes na política nacional. O próprio Caiado vem de uma família goiana tradícionalmente engajada na política regional. No Rio Grande do Sul, o presidente da entidade é o médico e fazendeiro Gilberto Scopel de Moraes, que já lecionou medicina nas Universidades Federal do Rio Grande do Sul, de Passo Fundo e na Católica de Porto Alegre. De temperamento decidido, sua convivência com a política rural está marcada por um fato trágico: a
morte de seu pai num conflito de terras. Scopel chegou a matar o assassino do seu pai, e, num outro incidente, feriu a tiros o atual marido de sua ex-mulher."
Em São Paulo - onde a UDR possui regionais nas cidades de Presidente
Prudente, Dracena, Tupã, Ourinhos, Assis, Araçatuba, Barretos, Catanduva, Bauru, Marília, Garça, Ribeirão Preto, São Carlos, Avaré, Tatuí, Vale do Paraíba, São José do
Rio Preto, Jales, Fernandópolis e São Paulo —, o presidente regional é Roosevelt
Roque dos Santos, também titular do Sindicato Ruralde Presidente Venceslau, em São Paulo, onde foi vereador e fundador do extinto Partido Popular.'2º A UDRse estruturou,
principalmente em torno dos Sindicatos Rurais, entidades patronais do empresariado do campo. O presidente do Sindicato Rural do Vale do Rio Grande, na divisa São Paulo-Minas, é Francisco Amêndola, um dos principais líderes da UDR.!” Seu escritório
comercial está instalado num prédio ao lado da catedral, na cidade de Barretos, onde também funciona a UDR. NoRio de Janeiro, o representante da entidade é René Abi
Jaoudi, presidente da Associação de Médias e Pequenas Empresas (Ampeme).'? Na capital, a regional metropolitana é presidida pelo empresário Carlos Eduardo de Salvo Souza (produtor de café e incorporador imobiliário). Conta na sua diretoria, ainda, com
Alfredo Lunardelli (agropecuarista) e Samir Jubran (pecuarista e investidor na Bolsa de
Mercadorias de São Paulo.
Em Minas Gerais, a UDRse estruturou a partir de novaslideranças empresa-
riais de cunho regional, e de associações, mas também incorporou figuras de trajetória comprovada. Assim, ganhou importantes espaços entre as lideranças do Triângulo Mineiro, especialmente em torno da cidade de Uberaba, berço do novo empresariado
rural, e entre os setores mais tradicionais de Curvelo, São Vicente de Paula etc. Mais
ainda: indivíduos como Jairo Andrade, mineiro de Passos e tesoureiro da UDR, tem
umalonga experiência política, que data da efervescência dos dias que antecederam ao golpe de 1964, quando era presidente da Associação Rural do Sudoeste de Minas Gerais e organizador de marchas “com Deus, a família, pela liberdade”. Andrade foi ativo na luta contraa ação dasligas de trabalhadoresrurais na região,participou de atos públicos, além de ter preparado listas denunciando comunistas. Ele conta, orgulhoso, as ações bem menossutis que já comandou, como a quebra de estações de rádio e o incêndio criminoso de “jornalecos subversivos”. Afinal, como ele mesmo diz, “era uma guerra
civil, valia tudo”!
jeus primos Brasílio (chefe doclá Caiado), Sérgio e Leonino e seu tio ival são políticos tradicionais vinculados do PDS(Teresa Cardoso, Jornal do Brasil, 051,86) “SO Globo, 3L0L8S 12 O Globo, 310188 1% Ricardo Kotschko, Jornal do Brasil, 26.02.87 ?» Informe JB,Jornal do Brasil, 02.05.88 anhouaté, do entã governador Magalhães Pinto, uma “estranha 1 José Rezende Jr, Jornal do Brasil, 28.6.87. Naquela época, Andri autorização para prender adversários. orgulhosamente afirmou: *
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A seccional mineira da UDR conta ainda com uma outra figura de porte na política regional. É o seu primeiro presidente em Belo Horizonte, José Resende de Andrade, recentemente aposentado como delegado especial de polícia e que foi secretário de Seguranca Pública no governo Hélio Garcia, além de secretário-adjunto no governo Tancredo Neves. Significativamente, a posse de José Resende se deu no dia Iº de outubro de 1987, no Clube dos Oficiais da Polícia Militar, com a presença de Caiado. Na ocasião, o presidente da seção mineira da UDR, Udelson Franco, negou
que a escolha do ex-secretário de Seguranca “tivesse algumacoisa a ver com jogadas
políticas” no sentido de facilitar as coisas para os fazendeiros nointerior do estado. "*º Em Belo Horizonte, a UDR procurou os chamados “médicos ruralistas”,
fazendeiros formados em medicina — como o próprio Caiado ou Scopel, do Rio
Grande do Sul. Liderados pelo cardiologista Geraldo Figueiredo Martins, proprietário
de três fazendas e criador de bovinos, cerca de 70 “médicos ruralistas” formaram o embrião da UDR."! Entre os que endossaram a ação, estava ainda José Maurício de
Campos, diretor da Carteira de Crédito Rural do Banco do Estado de Minas Gerais, e
proprietário de fazendas de pecuária no Oeste, Norte de Minas e Triângulo Mineiro, cotado para a presidência da UDR-BH, a qual se dispôs a assumir.'?
No Ceará, a UDR nasceu sob a sigla Apruce (Associação dos Produtores Rurais do Ceará) e só no início de janeiro de 1988 adotou o nome padronizado, contando com mil associados. No Maranhão, onde tem uma de suas mais antigas e atuantes
regionais, a UDR conta com 1.800 associados. Um dos seus heróis é o ex-governador Luiz Rocha, fazendeiro na região do Vale do Mearim, palco de alguns dos piores conflitos de terra do estado.!º O presidente da UDRnaregião é o fazendeiro Rubens de Jorge Melo.'* Em Pernambuco, onde só chegou em novembro de 1987, a UDR tem
sua base nos fornecedores de cana, chegando alí aos mil associados. É interessante notar que uma das características da UDRnosestados nordestinosé a de nãoestar vin-
culada aos tradicionais chefes políticos locais, isto é, os usineiros de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, e os 'coronéis" do Ceará.!3
Masa entidade, cujo diretor administrativo é Salvador Farina (também vice-presidente em Goiás) inovaria até mesmo em matéria de representação classista no meio rural, ao eleger como presidente de sua regional de Guaratinguetá, em São Paulo,
uma mulher, Ana Maria Ferreira Leite Pinto. Filha de Odilon Ferreira Leite, um dos
maiores pecuaristas da região e casada com um médico, a combativa anticomunista Ana Maria se tornaria posteriormente, presidente estadual da UDR, substituindo
Roosevelt Roque dos Santos, quando este assumiu a presidência interina da organi-
zação.A UDR tem mais de 500 associados no Vale do Paraíba, enquanto, só em São Paulo, são hoje mais de 40 mil os produtores rurais representados na entidade. Ana Maria esteve em Volta Redonda, em agosto de 1986 para ajudar a criar a primeira regional da UDR no Estado do Rio. Em São Paulo, o diretor de Assuntos Fundiários
da entidade é José de Melo Dias.”
vo Jornal do Brasil, 210.87 ?%t Caiado reuniu-se com os“médicos ruralistas” na sede da Faemg (Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais), para este fim.Jornal do Brasil, 24.09.86) “2 Jornal do Brasil, 24.09.86 *3» Osbisposco Maranhãoexcomungaram o governador do estado,seu secretário de segurança e os principais dirigentes da UDR,“devido à conivência da polícia e dos políticos coma violência e o crime urganizado”. (William Waack, Jornal do Drasil, 0:09:86) 54 William Waack, Jornal do Brasil, 01,06.86 “8 O Globo, 310188 vê OGlobo, 10.06.88 “7 Jornal do Brasil, 22.12.86; Ricardo Kotschko, Jornal do Brasil, 14.09.87; O Globo 24.05.88. a
A violência em destaque Para melhorar a imagem, que ganhou manchetes apimentadas na mídia, inicialmente por conta da violência no campo, a UDR contratou os serviços de uma empresa de marketing, a paulista ADS Assessoria de Comunicação, procurandoatenuar o seu perfil mercadológico, percebido como violento e agressivo demais. O relações públicas Antônio de Salvo, proprietário da ADS, teria pela frente uma tarefa difícil, como ele mesmosalientou: a de convencera opinião pública de que a UDR desenvolve
*um trabalho bonito e honesto”.!38
E tinha razões de sobra para se preocupar, já que a questão da intimidação ganhara amplo destaque nas manchetes da época, incluindo o confronto da UDR com posseiros e com a Igreja.!”” O nome da organização foi vinculado a diversos episódios
violentos no campo,inclusive ao atentado de que foi vítima, em Goiás, o padre Fran-
cisco Cavazzuti, que ficou cego;!º à morte a tiros, nas proximidades de Belém, do ex-deputado estadual Paulo Fontelles, líder regional do PC do B;!“! e às denúncias do
padre Ricardo Rezende Figueira, de Conceição do Araguaia. Ele afirmou, no final de 1987, que 65 pessoas da região sul do Pará — agentes de pastoral, líderes sindicais, trabalhadoresrurais e advogadosligados à sua missão pastoral — estavam ameaçados
de morte pela UDR, sendo queele próprio encabeçava a macabra lista.!*? Em Tocantins, o padre Martinho Murray também estava marcado para morrer.!3
No marco da violência organizada, um episódio chamou a atenção. O nome da entidade e de alguns fazendeiros de Presidente Venceslau, em São Paulo, a ela ligados, foram envolvidos nas averiguações da Polícia Federal a respeito do contrabando de seis toneladas de armamentos e da presença de oito mercenários norte-
-americanos, todos veteranos da guerra no Vietnã, no rebocador Nobistor, que saíra da Argentina, com destino a Gana.!*! A vinculação com os fazendeiros foi constatada
pelas ligações telefônicas que dois oficiais reformados da Marinha Mercante argentina, representantes da empresa proprietária do rebocador fizeram para Presidente Venceslau
e Santo Amaro.!* Roosevelt Roque dos Santos negou que a UDRtivesse “interesse em
comprar armas ou formar milícias”, embora admitisse que proprietários rurais insatis-
feitos com o encaminhamento da reforma agrária pudessem “até ter adquirido algum armamento para defender as suas propriedades”. 4
$3Coriolano Gatto, Jornal do Commércio, 24/25,08.86. “* Wiliam Waack, Jornal do Brasil, 01.06.86 “e? Cavazzut afirmou que os mandantes do atentado de que foi vítima deveriam “ser procurados pela polícia entre os membros da entidade nos municípios de Mossámedes (onde ocorreu o atentado) e Sanclerilandia”, respectivamente a 140 e 160 quilômetros ao noroeste de Goiânia. “ A UDRse dedica à organização e à proteção da violência”, (Ricardo Kotsheko, Jornai do Brasil, 26.9.87). 1º! Segundo Ademir Andrade, deputado federal pelo PSB do Pará,ele, Fontelles e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, Joo Canuto (á assassinado),faziam parte de umalista de marcadospara morrer, confeccionada numa reunião de fazendeiros,todos membros da UDR, em meados de 1985, nacidade de Rondon do Pará. Do encontro teriamparticipado » deputado federal Fausto Fernandes é os ex-prefeitos Adilson Laranjeiras (de Rio Maria) e Orlando Mendonça Conceição do Araguaia). Antônio José,Jornal do Brasil, 12.687; Jomal do Brasil, 18.06.87; Jornal do Brasil, 22.089. E ainda segundo a vitiva de Fontelles, o ex-deputado era oitavo assassinado de umalista de IO pesscas ameaçadas de morte,elaborada numa reunião no Hotel Hilton de Belém. Raquel Fonteles de Lima citou os prefeitos Orlando Mendonça, de Conceição do Araguaia; Adilson Laranjeira, de Rio Maria; Itamar Mendonça, de Xinguara;o prefeito de Redenção;o fazendeiro Carlos Casor da Nóbrega e o vice-presidente da UDRdo Pará, o mineiro Jairo Andrade, como envolvidos no assassinato do ex-deputado é advogado defensor de posseiros, (Jornal do Brasi, 18.06.87) tê Um ano depois, o carro do padre Rezende foi imprensado por um caminhão, numa das principais nias de Belém. O padre sofreu traumatismode crânio e entrou em coma, enquanto o motorista do caminhão fugia e às investigações não davam nada, Também o Frei Henrique de Rosiers,de Tocantins,passou a temerporsua vida, desde que o advogado Mário Antônio Silva Camargos em — integrante do Conselho Fiscaldadiretoriaestadual da UDR, donoda Fazenda Ferpa representantedos interesses de Sebastião José de Carvalho,proprietário Sussupura — ameaçou-o de morte, num processo contra o pároco de Pedro Afonso (TO), o irlindêsPatrício O'Sulivan, JornaldadoFazenda Brasil, 111087) 79 Joral do Brasil, 22.01.89. 14 Bartolomeu Brito, Jornal do Brasil, 07.09.96 1º Algumtelefones pertenciamà Agropecuária Lugomes Ltda., sediada na Fazenda Clotldes e pertencente a Luís Eduardo Gomes. Já o de Santo Amaro pertencia a Benedito Tella Maggiora. (Bartolomeu Brito, Jornal do Brasil, 07.09.86) 1% Jomal do Brasil, 08.09.86 76
A violência no campo chegou a tais proporções, que obrigou o novo ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, ex-governador Jáder Barbalho (que tomou posse após a morte do seu antecessor, Marcos Freire, num desastre de avião) a deslan-
char um esforço de apaziguamento, sem resultadosvisíveis!” Outro assassinato, desta
vez de ressonância internacional, agitaria o país e torpedearia, de vez, as tênues tentativas governamentais de lidar com a violência no campo: a morte do seringueiro e líder sindicalista do PT, Chico Mendes — conhecido mundialmente por sua militância
ecológica —, que foi vinculada à ação de uderristas. Seu sucessor na presidência do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Júlio Barbosa de Aquino, denunciava
a UDR comoa “principal responsável pela morte do sindicalista”. Entre outros nomes de ativistas rurais ameaçados,ainda citou Raimundo Bastos, vereador do PT de Xapuri; Gumercindo Clóvis, agrônomoe assessor do sindicato; e Osmarino Amâncio, da oposição sindical da cidade de Brasiléia, próxima a Xapuri. Enquanto isso, o presidente do Centro dos Trabalhadores da Amazônia, Arnóbio Marques, acusava o ex-prefeito de
Rio Branco, Adalberto Aragão, e o presidente regional da UDR no Acre, o fazendeiro João Branco — que deixou a cidade num jato fretado, no dia seguinte ao do enterro de Chico Mendes, com destino a São Paulo —, de estarem implicados.No dia anterior, a mulher do dirigente da UDR procurou o jornalista Sílvio Martinello, corres-
pondente do “Jornal do Brasil", para dizer-lhe que deveria agradecer ao marido, João Branco, que o advertiu, porque numa reunião alguns fazendeiros haviam decidido pela sua eliminação e mais a de dois colegas, Elson Martins, correspondente do “Estado de São Paulo”, e Antônio Marmo Cardoso, da Folha de São Paulo.'*º Pouco tempodepois,
a Polícia Federal informaria que retirava os agentes que estavam investigando a morte de Chico Mendes, devido a pressões do governador Flaviano de Melo, que estaria interessado em “esfriar o caso”. Este, porém, negou a informação.o Apesardisso tudo, a truculência da UDRseria soslaiada pelo mundo político conservador, por várias e oportunas razões. Embora a UDRfosse, inicialmente, vista
com suspeita pelo empresariado urbano *modernizante" — por suas divergências substanciais de estilo e objetivos — logoficaria claro quea entidade e suascrescentesáreas de influência seriam cruciais, não só para complicar a ação dos diversos focos reno-
vadores no governo (Dilson Funaro, Dante de Oliveira, Marcos Freire) e conter os
núcleos sindicais e pastorais reformistas, mas pela contribuição a dar no seio de uma arregimentação mais ampla, que visualizasse a criação de uma Santa Alianca contra os setores progressistas. Mais: reacionária em sua visão de mundo e conservadora emseus
objetivos, a UDR foi útil para os eixos conservadores urbanos, na medida em que concentrava a atenção pública e preocupava os setores progressistas, permitindo ao empresariado ter mão livre e propiciando até uma imagem limpa deste segmento, em contraste com o novo poder político rural. A UDR era simplesmente imprescindível, pela sua capacidade e disposição de mobilizar recursos,projetar candidatos em apoio a suasteses e intimidar o adversário de turno, sem falar de sua persistência em ocupar outros espaços políticos, que o empresariado urbano não imaginava serem passiveis de penetração.
4? Jomal do Brasil, 20.09.87 ++: Luis Maklout Carvalho,Jornal do Brasil, 15.01.89; Jornal do Brasi, 27.01.89 + Jornal do Brosil, 27.01.89. ts» A briga política entre Flavianode Melo e a Polícia Federal atingiu seu clímax antes das eleições de novembro de 1988, quando o então superintendente do DPF no Acre, Mauró Spósito, conduzia o inquérito para apurar o desvio de alimentos da LBA, enviados para aliviar as consequências das enchentes, com fins eleitorais. O governador doestado retrucaria, acusando Spósito de torturador de presos políticos. (Jornal doBrasil, 27,01,89) 7
A atuação inicial da UDR Desde a sua criação e até finais de 1986, a UDR deslanchou três manobras sucessivas e encadeadas, realizando nesse sentido, uma “política classista”, já que, segundo Caiado, defendia os seus interesses. Nas duas primeiras, foi a “política da pressão e do grito, porque o proprietário rural tem que ser ouvido”.!5! Tempos depois, um importante empresário, que foi articulador do Tpes desde a primeira hora, comentaria este fato, segundoele, a única forma do setor rural se fazer ouvir. Nesse sentido, a UDRteria sido necessária e proveitosa. Só que, comentava, havia chegado a hora de controlá-la e subordiná-lá a interesses e demandas mais amplas, isto é, de *domesticar
os “touros broncos”, enquadrando-os na luta global das classes dominantes.!*?
A primeira manobra, que envolveuo próprio lançamento da UDR,foio bloqueio
à atuação de Nélson Ribeiro, ministro da Reforma Agrária. De fato, a UDR foi deslanchada em maio de 1985, quando o governo Sarney, ainda tancredista, apresentou uma tímida proposta de reforma agrária (quase uma reedição do projeto ipesiano do Estatuto
da Terra, parcialmente encampado pelo Governo Castelo Branco),através do ministro: o Plano Nacional de Reforma Agrária. Naquele momento,a entidade acusou o governo
de ter desprezado os produtores, ouvindo apenas a Comissão Pastoral da Terra, a Associação Brasileira de Reforma Agrária “e outras entidades que não produzem nada
e não sabem diferenciar um pé detrigo de um de arroz”.!Sº Já o Presidente da comissão organizadora da UDR na Bahia, Gileno Calheiro, chegou a advertir que os uderristas poderiam paralisar a produção nacional, caso o governo federal insistisse em realizar uma reforma agrária contra os seus interesses.!! Além disso, críticas à Igreja não se restringiam aos ataques contra a Comissão Pastoral da Terra ou contra os padres
progressistas. Até mesmo o Papa João Paulo II foi alvo de críticas por uderristas como Ricardo Carneiro, do Espírito Santo, ou Gilberto Adrien, dirigente da UDR-Média Sorocabana, em Avaré, São Paulo, para quem faltava ao chefe da Igreja Católica, “uma assessoria dos cardeais brasileiros para lhe dizer que a reforma agrária no Brasil se faz
com justiça, e não com pressão da Igreja”!
O esforço da UDRfoi de contenção das medidas governamentais, embora não
tenha sido a única instância a resistir àqueles projetos. Basta lembrar que restrições à reforma agrária também vieram do Conselho de Segurança Nacional, chefiado pelo General Bayma Denys, que vetou algumas partes importantes da proposta. O que
restou foi então estraçalhado por politiqueiros e pelegos partidários e administrativos
do empresariado rural, dentro mesmo dos ministérios, que muitas vezes intercederam em favor de amigos, para sustar desapropriações. Finalmente, o plano foi esmigalhado
por nós burocráticos. Restariam as intenções e as palavras de ordem, que seriam engavetadas, à espera da Constituinte.!S Esta foi a primeira vitória da UDR.
“8Tânia Faso, Jornal do Brasi, 19,0187 “5 Entrevista concedida no autor, 1987 "3º O Globo,29.686: Antonio Laureano Pereira, presidente do Sindicato Rural e do PFL de Mirasema,no noroeste doEstado do Rio (que desenvolve o trabalho da UDR) afimaria na intalação da executiva regional de 90 membros da UDR em Iaperuna:” É importanteque os produtores rats se Juntempara fazer valer as suas forçase mostrar que a Reforma Agrária pretendida pelo govemo não tem chanco de dar 15º Citação de Ronaldo Caiado, Jornal do Brasil, 11.86
58 Políticos de diversos partidos pediram ao governoa suspensão de desapropriaçõesou procuraraminterceder para a concessão de incentivosfiscais. Entre estes, podemos citar Hélio Duque, Marcondes Gadelha, Carlos Wilson, Jáder Barbalho cic.(Rui Xavier, Jornal do Brasil, 07.12.86) 78
A segunda ação importante foi desencadeada durante o Plano Cruzado, no episódio do “Boi Gordo”, quando a UDRbrincaria de gato e rato com os responsáveis
pela política econômica e de “esconde-esconde o boi” com a população e a Policia Federal, estes últimos impotentes e ridicularizados em sua busca de gado de corte no
pasto. Foi também a época em que Araçatuba se transformou, de fato, numa capital
política e econômica, chegando a humilhar Brasília.
O Plano Cruzado entrara em vigor, em 28 de fevereiro de 1986, congelando
preços que não poderiam ser mantidos — argumentavam os pecuaristas — porque
eram valores de fim de safra, época em que o boi atinge a sua menor cotação. Daí em
diante, era esperar um grande jogo de vontades férreas, incompetência, cumplicidade
e astúcia entre governoe criadores de gado de corte.!?
Em março, tentou-se um acordo que incluía pecuaristas, frigoríficos, indus-
triais, açougues, ministérios da Fazenda e da Agricultura, para acertados enquanto vigorasse o congelamento. Não vingou.
manter os preços
Nofinal do mesmo mês, o governo abriu licitacão por sugestão dos próprios
pecuaristas, para comprar carne em quantidade suficiente para engrossar o estoque regulador, destinado a evitar uma possível depressão dos preços. Os pecuaristas não
atenderam à licitação.
Em abril, a Sunab diagnosticava um quadro de “retenção de bois num movimento pré-especulativo”, enquanto o ministro Funaro ameaçava com medidas “absolutamente firmes”, que se desmilingiiaram na prática. Anunciou-se a compra de carne no exterior, como pressão sobre os produtores e tentativa de abastecimento, e marcou-se o mês de junho para a chegada do produto. A data seria adiada suces-
sivamente, a partir de maio.
Enquanto o tempo passava, os açougues fechavam por não ter o que vender, o abate clandestino e a cobrança de ágio se generalizavam, assim como as denúncias,
sem que nenhuma medida efetiva fosse ser tomada.
Em junho, as exportações de carne eram suspensas. Assegurando apenas os
contratos já registrados na Cacex e a “cota Hilton” (carnes especiais, que custam cinco vezes mais do que a carne consumida no país), esperava-se garantir uma oferta adi-
cional e substancial de carne. Não aconteceu.
Funaro se reuniria com os açougueiros no início do mês e garantiria que neste jogo de queda-de-braço, o governo não perderia. Perdeu. E a blitz nos frigoríficos rendeu, no espaço de um mês, magras 10.300 toneladas de carne. Ainda em junho, o Conselho de Política Fazendária decidia reduzir a alíquota de ICM incidente na comercialização da carne, em mais umatentativa de fazer surgir o boigordo, que brilhava por sua ausência. A aposta do governo, de que o inverno e a seca forçariam os pecuaristas a comercializarem o gado, sob pena de vê-lo emagre-
cer, também foi perdida.
Em meados de julho, Funaro prometia usara lei delegada nº 4 para desapropriar os bois negociados no mercado futuro da Bolsa de Mercadorias de São Paulo,
187 A seqiiência de eventosaqui apresentados está bascada na reconstruçãodos acontecimentos, realizada por Maria Luiza Abbot —Jornal
do Brasil, 22.09.86
79
cuja cotação por arroba tinha dobradonos contratos para setembro. Mas os bois futuros
foram mais difíceis de encontrar do que os presentes.
No mesmo mês, a iniciativa privada foi autorizada a importar carne de qualquer
país, já que aquela prometida pelo governo para junho ainda não havia chegado.
Nofinal de julho, a Sunab garantia que as medidas do governo estavam dando
resultados, já que os pecuaristas estariam “soltando o boi”. Mas o boi não foi visto, magro ou gordo. A única coisa que sobravaera a paciência da população, a mesmaque o superintendente da Sunab pedia, ao garantir que a chegada da carne importada haveria de normalizar o abastecimento. No início de agosto, o Banco do Brasil anunciou cortes nos créditos dos pecuaristas, o que não surtiria efeito, graças à rede de apoio e solidariedade entre eles. No mesmo mês, começavam a chegar finalmente os carregamentos de came importada, e os responsáveis pela política econômica e pelo abastecimento respiraram aliviados. Mas foi por pouco tempo. Junto com a ineficiência do sistema de dis-
tribuição — que fazia chegar a carne em conta-gotas — a radiação acumulada ao longo
dos anos na Europa e os efeitos mais recentes de Chernobyl se encarregavam de queimara opção da carne importada, sobre cuja propriedade para o consumo humano foram levantadas diversas suspeitas e assacadas várias denúncias, até a respeito da sua “avançada idade” e exagerada estadia nas câmaras frigoríficas européias.
Em setembro, a Sunab reconhecia que a carne importada não resolveria o
problema. No final do mês, enquanto o ministro Funaro acenava com a disposicão do
governo de usar todas as armas para regularizar o abastecimento, inclusive a Lei Delegada Nº 4, o ministro Marco Maciel assegurava, para espanto geral, que ela não
seria usada para desapropriar bois, já que o Brasil possuía mecanismos mais eficientes, pragmáticos e rápidos para solucionar a crise, embora admitisse que o abastecimento só seria normalizado em mais 60 dias. Em outras palavras: esperava-se o início
normal e natural da nova safra de abates, que só se daria em novembro.!*8
O ex-superintendente da Sunab Fernando Murgel, encarregado de aplicar a Lei de Degada Nº 4 para desapropriar bois em 1965 (única vez em queela foi aplicada), constatou, quase 20 anos depois, que “a História se repete com monotonia, pois até os personagens são os mesmos”. Os nomes em evidência, sem contar a novidade de Caiadoe do surgimento da UDR, eram Bordon (dono dofrigorífico do mesmo nome),
Domingos Salvá (Swift-Armour) e João Carlos Meirelles (presidente do Conselho Nacional de Pecuária de Corte).!? O próprio ministro da Reforma Agrária, Dante de
Oliveira, ouviu o pronunciamento de um dos organizadores da UDR em Rondonópolis (Goiás), José Antônio D'Ávila — fundadorda entidade em Mato Grosso, pecuarista e simpatizante da Tradição, Família e Propriedade (TEP) — sobre os “abusos da parte
do Governo” e a firme intenção de não admitir “desapropriações em nenhuma pro-
priedade que esteja produzindo, por menor que seja a produção”. E acusou entidade de tentar desestabilizar o plano de reforma econômica do Governo, ao paralisar o fornecimento de carne aos frigoríficos, denunciando que “existem bois gordos nos
campos e o povo está enfrentandofilas nas cidades para comprar carne”. Mais: “Isso 1º Jornal do Brasil, 22.09.86 5º Maria Luiza Abbot, Jornal do Brasil, 22.09.86 80
faz parte de uma tentativa de desestabilização do Plano Cruzado e nós sabemos que a
UDRestá por trás disso”.!ºº Membrosda organização retrucariam, sugerindo — à boca
pequena mas com efeito desmoralizante — que o governo procurasse o gado gordo de corte nas fazendas do ministro da Agricultura,Íris Rezende, e da Justiça, Paulo Brossard. Foi a segunda vitória da UDR.
Deve-se acrescentar que nesta fase — quandoo alvo era o governo — a UDR não esteve sozinha. Já em junho de 1986 tinha sido fundada a Frente Ampla e
Agropecuária Brasileira (FAAB), da qual participam 40 entidades ligadas ao setor agropecuário, “com o objetivo de desencadear um processo de unificação da classe
rural em torno de princípios e ações que levem ao seu efetivo desenvolvimento, sob a égide da iniciativa privada com justiça social”, !º! Segundo um dos seus fundadores, o presidente da Sociedade Nacional da Agricultura, Otávio Mello de Alvarenga, a Frente representava a “ala moderada da agricultura brasileira”, reunida no que alguns apelidaram de Central Única da Agricultura. À procura de melhores preços mínimos,
garantia de créditos a juros baixos e pagamento à vista de suas vendas ao governo — uma proposta explosiva em meio ao Plano Cruzado —, a FAAB pretendia levar, no final de fevereiro de 1987, milhares de agricultores a Brasília, para realizar o “Alerta
do Campo à Nação" —— umatentativa de “dar uma demonstração da poderosa unidade da classe ruralista, hoje violentamente descapitalizada e sujeita a uma das maiores
crises da História recente”. Segundo um diretor da Sociedade Rural Brasileira, cujo presidente — e dirigente da Cedes — Flávio Telles de Menezes, integrava o Conselho
da FAAB, exigia-se a formalização de uma “política agrícola de curto prazo”, além de reajustes urgentes de preços mínimos e medidas concretas para evitar que a reformulação da política de juros agrícolas do governo levasse o setor a umasituação crítica. Para Roberto Rodrigues, secretário-geral da FAAB e também presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), o esforço da FAAB estava ligado à sua oposição “aos mecanismos de política agrícola vigentes”. E ele ainda alertava para a
necessidade de os empresários rurais “não ficarem mais contemplativamente assistindo à derrocada das suas atividades”.!º? Além dosjá citados, faziam parte do Conselho da
FAAB: o presidente da Federação da Agricultura de Minas Gerais, Antônio Ernesto de Salvo; o da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Ary Marimon; o da Organização das Cooperativas do Paraná, Guntolf Van Kaick; da Associação Brasileira
dos Criadores de Zebú, João Silberto Cunha; e o deputado Márcio Lacerda, senador
eleito pelo PMDB do Mato Grossoe presidente da Comissão de Agricultura da Câmara
de Deputados.!Sº
terceira ação vitoriosa da UDRfoia eleição de constituintes, governadores
e deputados estaduais “confiáveis”. Comoparte de sua política classista, a entidade foi capaz de mobilizar sua fantástica estrutura, que na época contava com cerca de 50 mil
filiados em 55 núcleos, procurando obter uma significativa presenca política no Con-
gresso, assim como naslegislaturas estaduais.Caiado via nesta eleição a “imperdível chance de se elevar a UDR categoria das grandes instituições nacionais”, procurando
transformá-la “num ministério paralelo, para acabar com o poder de superministros, como o Funaro”. Além disso, assim como “o MR-8 conseguiu fazer do Dante de
“6 O Globo, 13.07.86 18! Jornal do Brasil, 27.01.87 “e: Jornal do Brasil, 27.01.89 183 Jornal do Brasil, 01.11.86 e: Jornal do Brasil, 23.10.86. 81
Oliveira, ministro da Reforma Agrária, a UDR poderá conseguir, no futuro, um mi-
nistério”.!5 Mas Caiado nãoprecisou esperar tanto. Ele logo teria diálogo fácil com o
novotitular do Ministério da Reforma Agrária, após a morte, num suspeito acidente
aéreo, do Ministro Marcos Freire.
E a UDRnão parou por aí. Caiado esperava transformar a sua entidade em
partido político, capaz de funcionar imediatamente após a instalação da Assembléia
Nacional Constituinte. Mas enfrentava um inimigo poderoso, *o tempo”, já que — avaliava — seria “inabilidade política lançar um partido a dois meses das eleições”. Suspirando, lastimava: “Ah, se estivéssemos a um ano do dia 15 de novembro...”.!S6 Masnãoestava, e, conseqiientemente, tratou detrilhar os partidos estabelecidos, iden-
tificando seus “amigos” no PMDB, no PDC, no PL, no PFL e no PDS.
Era com tais expectativas que Caiado percorria diligentemente o interior do país, no penúltimo trimestre de 1986, escorado nas regionais já organizadas em 15 estados, e criando comissões provisórias em Rondônia, na Paraíba e no Ceará, além
de reunir-se com lideranças políticas em cada município visitado, aos quais indicava os candidatos apoiados pela entidade.!” Caiado qualificaria estes esforços como de “campanhapolítica de pé do ouvido junto aos produtores rurais brasileiros, para evitar
a ascensão da esquerda ao poder”.!*
Paraeleger seus representantes, a UDR se engajou numa frenética sucessão de
leilões eleitorais, angariando fabulosas somas em dinheiro e fazendo com que seus
associados participassem do esforço, num movimento de retroalimentação de engajamento e afirmação da entidade. Ficou óbvio, nessas andanças que, se os gastos para eleger um deputado federal se mantivessem no limite dos 500 mil cruzados, como era calculado, a UDR já contava com dinheiro para eleger 60 representantes. Em agosto de 1986, a entidade já tinha escolhido candidatos em 12 estados (que comportavam 27 regionais da organização), mas Caiado avisava que seus nomes jamais seriam revela-
dos, “nem mesmodepois de eleitos”.'” No entanto, alguns nomes vazaram, mostrando que lista de “confiáveis” era pragmaticamente eclética e nela não faltariam peemede-
bistas, além dos óbvios postulantes do PTB, PDS e PFL, sem falar de alguns partidos
menores, auxiliares ou funcionando comosiglas de aluguel. A UDR esperava obter umabancadade pelo menos 50 parlamentares, apoiando diversos candidatos, nos quais
pretendia despejar o dinheiro arrecadado nos leilões. Roosevelt Roque dos Santos explicaria que “os empresários rurais sempre participaram de forma desorganizada das campanhas eleitorais”, mas nesta a UDR estava convencida de que era melhor “apoiar
um número menorde candidatos, mas aprofundar os seus compromissos com classe”. 70
O presidente da UDR de São Paulo estimava, já em julho de 86, que seriam eleitos, pela entidade, de 3 a 4% da Assembléia Nacional Constituinte. Mas se ele somasse a
isto os candidatos apoiados em conjunto com banqueiros, industriais e empresários do setor comercial, chegaria a 70% do novo Congresso.” 6 Jornal do Brasil, 01.86 6 Jornal do Brasil, 27.07.86 19º Jornal do Brasil, 2.09.86 18º O Globo, 10.08.86 16º O Globo, 10,08.86 veJornal do Brasil, 22:09:86 VI O Globo, 291086 82
No interior de Goiás, por exemplo, a UDR pediu votos para Irapuan Costa Júnior, do Banco Brasileiro Comercial (candidato do PMDB ao senado); Siqueira Campos (PDC); Ary Valadão (PDS) e Felisberto Jacomo (PFL). Pelo menos 52 candidatos a deputado federal em Goiás tinham algum tipo de envolvimento com a UDR, embora a entidade só admitisse estar comprometida com um número menor. Entre estes, foram citados: Paulo Roberto Cunha (PDC); Roberto Balestra (PDC); Lourival Fonseca (PDC); Hermes Tralde Neto (PDS); Volney Martins (PDS); Gilberto Hilário (PDS); José Freire (PMDB), fazendeiro e ex-diretor do Banco de Crédito da Amazônia; Brito Miranda (PMDB); Hagahuz Araújo (PMDB); e Jalles Fontoura (PFL) empresário ligado ao setor de obras e armazenamento de cereais, além de produtor rural e filho
do ex-governador Otávio Lage de Siqueira.'”?
Em São Paulo, a UDR esperava eleger 8 dos 12 candidatos a deputado fe-
deral”* e apoiava 20 candidatos ao Senado e à Câmara dos Deputados, que faziam parte da Unidade Popular de Paulo Maluf e da coligação de Antônio Ermírio de
Moraes, na disputa para o governo do Estado. Este foi q cálculo do secretário da
entidade e seu presidente na cidade de Avaré, Gilberto Adrien, que preparou a insta-
lação da UDR no Rio Grande do Sul.!ºs,
A
Dalista para o Senado, constavam o ex-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, Fábio Meirelles (PDS), e o ex-prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Duarte Nogueira (PTB). Para a Câmara, o fazendeiro Roberto Cardoso Alves (PMDB); o fazendeiro Sérgio Cardoso Alves (PFL); Alcides Franciscato, deputado do
PFL e proprietário do Expresso Prata, empresa de transporte rodoviário que serve à
maior parte do oeste do estado; Guilherme Afif Domingos (PL); e Miguel Colassuono
(PDS), ex-prefeito de São Paulo no governo Laudo Natel.”
Em Minas Gerais, o presidente regional da UDR, Udelson Nunes Franco,
disse que “mais da metade” dos candidatos do estado à Assembléia Nacional Con:
tuinte estavam recebendo apoio “indireto” da entidade. Só em Minas, a UDResperava
eleger 15 representantes, segundo Franco — entre eles o ex-ministro da Agricultura
Alysson Paulinelli —, além de outros 25, que eram ligados a banqueiros, empresários e comerciantes. O apoio da UDR, ainda segundo Franco, se dava “a nível político,
como fazem outras entidades de classe”, e não a nível de apoio financeiro.'”” E fez
questão de esclarecer que os 7 milhões de cruzados apuradospela entidade em leilões
de gado vinham sendousados para a promoção de reuniões entre ruralistas, nas quais a direção da UDRpedia que eles votassem nos candidatos “que defendiam o direito de propriedade e a livre iniciativa”. Franco ressaltou que o dinheiro estava “sendo usado
para a conscientização do produtor rural, dentro da campanha pela valorização do voto”. Mais: “Vamosintensificar este trabalho nos próximos dois meses, pois queremos que a maioria da bancada mineira na Constituinte seja formada por deputados
comprometidos com aquelas causas”. Sem citar nomes e partidos que contavam com o apoio da UDR — alegando que eram muitos e poderia se esquecer de alguns —, ele
enfatizou que a entidade não estva dando dinheiro “diretamente para a campanha dos candidatos” e que os recursos obtidos com os leilões estavam sendo usados, também,
“» Jornal do Brasil 23.10.86 e Coriolano Gato, Jornal do Commercio, 19/2010.86 “* Jornal do Brasil, 22.09.86 “5 O Globo, 261186 vê Jornal do Brasil, 611.86 17 O Globo, 290.86 83
para a organização da UDR em todoo território de Minas e no apoio à UDR nacional. “ Além disso — acrescentou — o dinheiro será também investido na compra de um computador de quarta geração”? NoPará, a UDR apoiaria política e financeiramente o ex-ministro e coronel Jarbas Passarinho, num acordo que seria formalizado com o próprio Caiado, de quem o atual senador se declarara amigo de muitos anos, e por quem o líder da UDR dizia ter grande admiração. Em troca, a entidade receberia os préstimos de Passarinho como
senador, em defesa da manutenção da propriedade privada da terra e de uma reforma agrária centralizada nas terras devolutas do Estado.!”?
NoDistrito Federal, a situação era um pouco diferente. Estruturava-se uma invenção brasiliense — a União de Forças Públicas —, que reunia 15 poderosos em-
presários e sobre a qual pairava a acusação de ser uma “caixinha” organizada para eleger representantes do empresariado conservador, especialmente da construção civil e darevenda de veículos, dois prósperos setores. Para escorar a candidatura do animador de programas diários da Rádio Planalto, Meira Filho, ao Senado, pelo PMDB, a versão urbana da UDR reuniu latinfundiários e empresários de Brasília. Segundo
Francisco Carneiro Filho, fundador da UFP junto ao pai, candidato à Câmara pelo
PMDB, a entidade foi criada para “defender Brasília de pessoas que nada têm a ver com cultura candanga”. Um passo importante nesta caminhada foi a impugnação da candidatura rival, também do PMDB, do deputado Múcio Athayde, que se fez conhe-
cido pelas torres construídas na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em franco abuso
de poder econômico. Apoiados pela UFP, apareceram, em sublegenda do PMDB, Meira Filho e o empresário Lindberg Aziz Cury, um ex-malufista (que chegou ao PMDB pelas mãos do governador José Aparecido de Oliveira), também presidente da Associação Comercial do Distrito Federal e proprietário da Planalto Automóveis (um conglomerado de oito empresas que se instalou em Brasília em 1961). No PFL, o apoio era ao mineiro Osório Adriano, dono da Brasal (concessionária de veículos) e de uma fábrica de modems (adaptadores de computadores a telefones). Osório iniciou-se na
política pelas mãos de Aureliano Chaves, com quem conviveu nos tempos da Frente
Liberal(a dissidência do PDS que escorou a candidatura Tancredo), já que se reuniam num andar do edifício Brasal, da sua propriedade, onde inclusive ele havia instalado um estúdio de rádio que servira aos dissidentes de 84 e que agora passaria a servir à sua campanha. É interessante ressaltar que Cury é concessionário da Ford; Osório é concessionário da Volkswagen; e Francisco Aguiar Carneiro, pai do co-fundador da UFP, é dono da Eldorado Veículos, concessionária da Fiat. Com eles, estava o cearense
de Assaré Antônio Venâncio da Silva — candidato ao senado pelo PTB e que enri-
queceu na construção de Brasília, sendo hoje o dono de 7 mil imóveis no Rio e na capital, inclusive dois dos maiores shopping-centers da América do Sul, os conjuntos
Venâncio 2000 e Venâncio 3000 — acompanhado na campanhapolítica por seu filho, Venâncio da Silva Júnior, candidato a deputado federal. O maior financiador da UFP — que disporia de 80 milhões de cruzados para a campanha — foi Vagner Canhedo, proprietário da empresa de ônibus Viplan.!*” Já em Pernambuco, a penetração da UDR provocou rachaduras no setor tradicional dos usineiros, além de ganhar decidido apoio entre os fornecedores de cana,
“% Jornal do Brasil, 189.86 “º Jornal do Brasil, 27.08.86 "º Marcos Magalhães, Jornal do Brasit, 10.09.86; Jornal do Brasil, 01.06.86
84
setor considerado mais “moderno”. Das 39 usinas e destilarias de Pernambuco, duas apoiavam Miguel Arraes — sendo que Antônio Farias, da usina Pedrosa, era candidato
a senador na chapa do PMDB — e 34 apoiavam candidatura do usineiro José Múcio
Monteiro, do PFL, ao governo do Estado.'*!
Aoinstalar sua representação em Ji-Paraná, Rondônia, no dia 19 de Outubro de 1986,o diretor nacional de operações da entidade, Cesmar de Oliveira Moura anunciou que apoiaria candidatos de todos os partidos — à excecão do PT e do PCB — desde que entendessem que o direito de propriedade deveria ser mantido como estava na velha Constituição”. Ao justificar a ingerência da UDR no processo eleitoral, Cesmar
Moura afirmou que o setor rural era responsável por “mais de 50% dos dólares que entram no país” e, apesar disso, não possuía “representatividade política à altura”.
Finalmente previu que a UDRelegeria mais de 40 constituintes de todos os estados.!*2 Em suma, como pivô político-propagandístico, a UDR firmou posições, em
sua ação de contenção, esvaziamento e antecipação dos esforços políticos de diferen-
tes agrupamentos, tanto dentro como fora do sistema partidário, em favor da reforma
agrária. E foi bem-sucedida, ao eleger um número apreciável de representantesleais às suas teses, para compor a Assembléia Nacional Constituinte, e ao administrar a barragem erguida pelos proprietários rurais contra os fracos esforços do governo federal
para legislar ou implementar algum tipo de mudança na estrutura agrária. A partir daí, no entanto, os novos tempos obrigariam a UDR a preparar-se para a batalha na
Constituinte. Eventos diversos e uma cuidadosa avaliação da conjuntura e do processo exigiriam da entidade outro esquemade distribuição de forças e novos tipos de ação. Associação Brasileira de Defesa da Democracia - ABDD
Na área específicamente militar — em particular, nos remanescentes porões políticos do Antigo Regime — também houve ampla movimentação. A direita militar,
na realidade, é a confluência de pelo menos quatro vertentes, articulando não somente os setores considerados mais rígidos nofinal da transição, mas também os mais “duros”
do regime militar, assim como alguns expoentes da Escola Superior da Guerra. A
intenção deste pivô era estabelecer e relembrar os limites da abertura e da transição, preservando aquelas questões irremediavelmente comprometidas com o passado e
evitando que se remexesse no baú das lembranças. Por outro lado,esta era, também a sua forma de projetar-se, uma vez que seus canais de acesso à cúpula das Forças Armadas estavam bloqueados ou engarrafados por outras questões políticas.
A direita militar inicia, nesta fase, duas manobras: A primeira, que toma o período da transição e vai até as eleições de 1986, é de contenção afirmativa — com o auxílio providencial do ex-presidente Figueiredo. A segunda é de aglutinação partici-
pativa no processo amploe se estende até finais de 1987. Vejamos, portanto,a primeira
manobra, cujo foco emissor deve ser procurado na operação política de setores militares — idealizada e criada em 1984, dentro do Centro de Informações do Exército, na gestão do General Íris Lustosa, (posteriormente nomeado comandante da VII Região Militar, com sede em Recife) — que visava desestabilizar a campanha eleitoral de
1H Jornal do Brasil, 28.09.86 18 Jornal do Brasi, 07.10.86 85
Tancredo Neves, abortando a sua candidatura.'? O grupo de Lustosa contou com o apoio direto do general Walter Pires, ministro do Exército do governo Figueiredo, e de seu chefe de gabinete, General José Luiz Coelho Neto!
A operação era dividida em duas partes: uma para o “público interno”, outra
para o “externo”. No plano interno, o CIE montou uma linha de ação que procurava
“denunciara estratégia dos comunistas, que estariam se utilizando de Tancredo Neves
para tomar o governo. Foi, inclusive, exibida uma foto do então candidato a vice-presidente, José Sarney, cumprimentandoo líder comunista Giocondo Dias — o que seria, segundo os maquinadores da tentativa de desestabilização da candidatura Tancredo, uma prova irrefutável de que o atual presidente da República era ligado ao
PCB.!8s
Para o “público externo" o CIE arquitetara uma série de manifestações ini-
ciadas em janeiro e encerradas em setembro de 1984 — dentro da famigerada “Opera-
ção Bruxos'—, com o objetivo de desestabilizar a campanha eleitoral do ex-governador Tancredo Neves, queseria acusado deter feito um pacto com os comunistas. A ma-
nobra “externa” veio a público por um “acidente de trabalho"do pessoal de “operações” do CIE. Na madrugada do dia 11 de agosto de 1984, um grupo de sargentos pregava
alguns falsos cartazes produzidos na gráfica do CIE (com uma charge de Tancredo
Neves, o símbolo dafoice e martelo e a frase “chegaremoslá”, assinada pelo PCB) nas proximidades do Centro de Convenções, em Brasília. Por coincidência, era a noite em
que se preparava o Centro para a disputa entre o ministro Mário Andreazza e o depu-
tado Paulo Maluf, os dois candidatos a candidato do PDS à presidência da República.
Maluf mantinha nolocal um grupo de SO seguranças, a maior parte formada de jovens
halterofilistas, que, ao verem os homens pregando cartazes, confundiram-nos com grupos adversários, talvez do PMDB. Saíram no seu encalço. Uma parte fugiu, mas dois deles foram apanhados, levaram uma surra e terminaram nas mãos da polícia, confundidos
com comunistas. Só de madrugada o CIE conseguiu resgatar seus funcionários, enviandopara a delegacia o coronel Arídio de Souza Filho, da Segunda Seção do Comando Militar do Planalto, responsável pelo Serviço de Operações, que havia emprestado alguns de seus homens para aquele “trabalho”.!86 Jamais foi possível estabelecer corretamente o objetivo do CIE. Aparente-
mente, a idéia não era ajudar o deputado Paulo Maluf, adversário de Tancredo, mas criar um clima que propiciasse uma espécie de “golpe branco”, com a prorrogação do
mandato do presidente João Figueiredo; ou então umasaída “híbrida”para a transição
—algo queincluiria um candidato militar que estivesse próximo da área empresarial,
comoera o caso, por exemplo, do general Rubem Ludwig.'*” As operações do CIE só foram suspensas após o acordo firmado por Tancredo Neves com o ministro Walter Pires — iniciado em reuniõessecretas e costurado através do deputado Francisco Dornelles e outros intermediarios e mediadores — que assegurava a não revanche contra
os militar
xpedito Filho e Etevaldo Dias, Jornal do Brasil, 180.87; Relatório Reservado 2610/1.11.87 tt Jornal do Brasil, 184087 Etevaldo Dias, e Expedito Filho, Jornal do Brasil, 180.87 EtevaldoDias e Expedito Filho, Jornal do Brasil, 18.10.87. O grupo do CIE aindatentou sabotar comícios de Tancredo, enviandounidades de agitação a Goiânia, mas alguns de seus membros foram presos pela polícia, depois de acidentes de trabalho que os deixara emevidência. O fato foidivulgado pelo secretário de Segurança Pública, José Freire, mas negado pelo então governador de Goiás, Íris Resende, "2 Jornal do Brasil, 18.10.87 Me JB, 1810:87 86
A segunda manobra pretendia projetar a direita militar no cenário político
nacional, a partir de focos emissores ostensivos, cujo objetivo era afiançar sua posição
perante o “público interno”. Neste processo, constitui-se a Associação Brasileira de
Defesa da Democracia (ABDD), como umdos instrumentos de aglutinação politica da
direita militar. A ABDD germinou no Departamento de Subversão do CIE, na época dirigido pelo coronel Agnaldo del Nero e no Departamento de Contra-Informação e Contra-Propaganda, chefiado pelo coronel José Augusto Andrade Netto. Nessas repar-
tições, situadas no Setor Militar Urbano, em Brasília, trabalhavam na época 25 coronéis
e tenentes-coronéis do Exército. !*
A entidade foi formalmente fundada no dia 9 de janeiro de 1985, e registrada
em cartório por um grupo de 45 pessoas, mas sua ata de fundação apresenta algumas
irregularidades.Dos nove nomes de civis residentes em Brasília, que constam da
lista de fundadores, pelo menoscinco têm endereçosfictícios.!º! A finalidade da ABDD,
de acordo com o Diário Oficial do Distrito Federal, de 14 de Janeiro,era: “a defesa dos
postulados do verdadeiro regime democrático; a defesa dos valores morais e espirituais da nação brasileira e de seus sentimentos cristãos; a valorização: do país através da promoção de seus valores, seus símbolos, suas tradições, seus ideais, seus objetivos, do
espírito de civismo de seu povo, do amor à patria e à nacionalidade; a defesa dos postulados da propriedade privada e da livre iniciativa no domínio econômico; e a defesa dos fundamentais direitos da pessoa humana, através da divulgação de estudos, pesquisas, publicações, cursos, conferências e outras atividades correlatas”.!2
Nalista de fundadores, estão os nomes de 31 militares, sendo dois tercos da
ativa. Destes, 17 são coronéis, dos quais
oito são oficiais da área de informações.
Muitos dos membros militares também apresentam desencontros entre as informações
sobre ocupação ou profissão e a realidade, provavelmente para contornar o Regu-
lamento Disciplinar do Exército (RDE).!º que prevê punição para quem discuta ou
provoque discussão sobre assuntos políticos.'* Entre estes oficiais estavam:
Coronel de Cavalaria Agnaldo del Nero — Foi chefe da seção de Subversão do Centro de Informações do Exército e membro importante da “comunidade de informações” durante o governo Figueirdo. Participou datentativa de desestabilização da candidatura Tancredo Neves em 84. Aparece na lista como economista. Comandou recentemente o 7º Batalhão de Carros de Combate em Pirassununga, São Paulo.
Coronel de Artilharia Audir Santos Maciel (ativa) — Foi comandante do Destacamento de Operações de Informações (DOI) de São Paulo, na Rua Tutóia, em
substituição ao coronel Brilhante Ustra, quando ali morreram o operário Manoel Fiel Filho e o jornalista Wladimir Herzog. Santos Maciel tem curso de operações na selva (antiguerrilha), de informações e de Estado-Maior (na Itália). Foi assessor do general Íris Lustosa, ex-chefe do CIE. Aparece na lista como técnico de ensino.
1"? Marcelo Tognozzi, Etevaldo Dias e Expedito Filho, Jornal do Brasil, 18.10.87 **º Cartóriodo Primeiro Ofício de Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas em Brasília. 1%"Jornal Jornal do Brasil, 181087 do Brasil, 18.10.87 “3Nas páginas 32 e 33 do RDE, edição de 1984, anexo 1, o item 62 proíbe “tomar parte, em área militar, ou sob jurisdição mi discussão a respeito de política ou religião, ou provocá-l”, O item 63 proíbe a manifestação militar da at respeito de assuntos políticos”. Oitem65 proíbe “discutir ouprovocardiscussão, por qualquerveículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, quando devidamente autorizado”. Jornal do Brasil, 20.10.87 % Jornal do Brasil [91087 87
Coronel-veterinário Antônio Garbacio (reserva) — Tem curso de navegação espacial e de operacionalização de objetivos educacionais. Serviu no CIE e no gabinete
do ministro-general Walter Pires. Aparece na lista como veterinário.
Coronel-veterinário José Carlos Bon (ativa) — Tem curso de operacionali-
zação de objetivos educacionais, administração de estoque e inspeção de alimentos e bromatologia.
Coronel de infantaria Manoel Praxedes Neto (ativa) — Serviu em 1984 no
CIE. Aparece como engenheiro.!*
Coronel de Infantaria William da Rocha (ativa) — Especialista em foto-informação. Aparece na lista como geografo Coronel da Cavalaria Sérgio Augusto Ferreira Krau (ativa) — Especialista em
informações. Aparece na lista como militar.
Coronel da Artilharia José Augusto Andrade Netto (ativa) — Foi chefe do Departamento de Contra-Informações e Contrapropaganda do CIE,à época do general Lustosa. Participou, como um dos planejadores e coordenadores datentativa de desestabilização da candidatura Tancredo Neves, que incluia colagem de cartazese a articulação de reuniões para alertar a oficialidade do “perigo”. Serviu como adjunto de adido nos Estados Unidos. Aparece nalista como economista. Tenente-Coronel de Infantaria Aécio Augusto Moreira (ativa) — Especialista em informações e guerra na selva. Aparece na lista como militar. Tenente-Coronel-dentista Fernando Dias da Silva (ativa) — Aparece nalista como professor. Coronel da Cavalaria Sérgio Tierno (ativa) — Comandou uma unidade em
Mato Grosso do Sul e depois serviu no Estado-Maior do Exército.
Coronelda Artilharia Jolimar Fonseca (ativa) — Aparecenalista como técnico em organização e métodos. Coronel de Infantaria Areski Pinto Abreu (reserva). Coronel da Artilharia Arlene Cardoso Amorim (ativa) — Especialista em Informações, com passagem pelo SNI. Aparece na lista como professor de educação
física.
Coronel de Engenharia Anníbal dos Santos Abreu Júnior (reserva) — Teve passagem pelo SNI. Aparece na lista como engenheiro. Coronel de Infantaria Jorge Carlos Porto Alegre Rosa(ativa) — Atuou naárea
de informações, trabalhando com o ex-presidente João Figueiredo. Aparece nalista como professor.
Coronel da Artilharia Romeu Antônio Ferreira (ativa) — Oficial da área de
comunicações. Aparece na lista como professor defilosofia.
195 O Coronel Manoel Praxedes Neto disse que dois documentos circularam entre ofi tiva, lotados no QG do Exército em janeiro de 1985, precedendo o registro da ABDD— o primeiro delesencabeçado pelo então chefe doCIE. Praxedesdisse que só subscreveu o primeiro documento porque era encabeçado por seu próprio chefe, Assinado 0 primeiro, assinou automaticamente tambem o segundo — e este foi o documento utilizado para o registro da entidade — e só percebeu o significado do documento,ao ler à reportagem do Jornal do Brasil sobre a ABDD 88
Coronel da Cavalaria Maurizil Othon Neves Gonzaga (ativa) — Comandante do Batalhão Logístico (Belog) que funciona no Setor Militar Urbano,ondefica a sede do QG do Exército. Especialista em informações, operações anfíbias e manutenção de material bélico, aparece na lista como técnico em construção civil. Tenente-Coronel de Engenharia Walter Heinrich Kôning (ativa) — Especia-
lista em comunicações. Aparece na lista como engenheiro.
Tenente-Coronel-intendente Waldo Pereira Nunes Júnior — Aparece na lista
como economista.
Coronel da Artilharia Renato Brilhante Ustra (ativa) — Pára-quedista, mestre
desalto. Serviu no CIE e comandou a Escola de Educação Física do Exército, no Rio. Aparece nalista comotécnico de administração. É irmão do Coronel Brilhante Ustra,
Coronel da Cavalaria Rosalino Hernandes Candia (ativa) — Instrutor de equitação, foi assessor do general Iris Lustosa, na época em que ele chefiava o CIE.
Aparece nalista como pecuarista, de Uruguaiana, uma das regiões fortes da UDR no
Rio Grande do Sul.
q
Coronel da Artilharia Haroldo Azevedo da Rosa (reserva) — Serviu no CIE, na mesma época de Andrade Neto, del Nero e Maciel. Primeiro-Tenente Nelson Vieira Gomes (reserva) — Da área de administração
geral, serviu no CIE como gráfico, sendo um dos que imprimia material de contrapropaganda. Aparece na lista como gráfico.
Majorde Infantaria Luiz Gonzaga Sivieiro (ativa) — Pára-quedista e instrutor
de educaçãofísica. Aparece na lista como professor de educação física.
Capitão-de-fragata Céar Soares de Souza (reserva) — Serviu no Centro de
Informações da Marinha (Cenimar) e no SNI, como chefe de operações da Agência Central, no tempo do general Newton Cruz.
Major-intendente José Arnaldo Fazza (ativa) — Aparece nalista como técnico
em administração.!é
Os membros-fundadores da ABDD também contavam com algunscivis, como
os jornalistas Aécio Diniz Almeida, diretor do Jornal de Alagoas, (décimo-quarto sócio-fundador da entidade), Lenildo Tabosa Pessoa, de O Estado de São Paulo (que
Frei Beto acusaria de ter participado dos interrogatórios no Doi-Codi de São Paulo, de Frei Tito de Alencar Lima, e de algumas ações junto ao ex-delegado Sérgio Paranhos Fleury)!” Fernando Luiz da Câmara Cascudo, ex-chefe da TV Manchete de Recife,
que foi transferido para o Rio. Além desses, faziam parte da ABDD o ex-embaixador
José Oswaldo de Meira Pena,professor da Universidade de Brasília, !'º* o jurista Mário Pessoa (amigo pessoal do general Íris Lustosa), catedrático da Universidade Federal de
Pernambuco, ex-membro do corpo permanente da Escola Superior de Guerra, na divisão
de assuntos políticos, que se tornaria conselheiro jurídico da entidade; e o professor
1%Jornal do Brasil,110.87 1 O jormalista Lenildo Tabosa, consultado pelo Jornal do Brasi, declarou que tinha a impressão de que aquela assinatura não era sua. Posteriormente, reconheceu que a assinatura era sua, embora continuasse não se lembrando de terassinado. Foi convidado à fazer parte da. sociedade pordois amigos, oficiais do Exército,que lhe disseram: “O próprio ministro do Exército gostaria que você figurasse entre ossócios“Sundadores”. Jornal do Brasil, 20.10.87 19% Jornal do Brasil, 184087 89
Jorge Boaventura, da Escola Superior de Guerra, ideólogo da ABDD.'” O presidente da ABDD é o coronel da reserva José Leopoldino Silva, atualmente na diretoria regional da Poupex (caderneta de poupança do Exército), que funciona num anexo da Esplanada dos Ministérios.
Proclamando ter perto de 5 mil sócios, a ABDD começou funcionando como pólo aglutinador do “bunker” militar e de seu colchão de apoio civil. Era também um
órgão de difusão e disseminação de idéias, articulando nas sombras do sistema militar
e pretendendo ainda servir de “espoleta” entre o “público interno”. Com a saída do
generalÍris Lustosa e seu grupo do CIE, a ABDD ficou hibernando, durante quasetrês
anos, e suas atividades ficaram reduzidas a reuniões, numa pequena sala no terceiro andar do Centro Comercial do Cruzeiro, no bairro do Cruzeiro Velho, em Brasília, e
à edição e disseminacão, de uma revista mensal, “Pontos de Vista”, produzida através da Agência de Notícias Brasília Ltda, com umatiragem equivalente ao suposto número
de sócios.”º O embaixador Meira Penna era o escriba responsável pelos textos da ABDD,funcionando ainda como ghost writer.”! A revista tem apresentado artigos de
origem diversa: dos cardeais Dom Vicente Sherer e Dom Eugenio Salies do bispo de
Petrópolis, Dom José Fernándes Veloso, todos com críticas à esquerda; do industrial
Ingo Hering, presidente do grupo Hering, de Santa Catarina — que é colaborador
assíduo e patrocinador da ABDD desde os primórdios da organização — de Carlos Eduardo Moreira Ferreira, primeiro vice presidente da Fiesp. Aliás, Moreira Ferreira declarou-se “perplexo por estar sendo misturado com esta gente”, informando ainda
que o artigo da sua autoria, veiculado por “Pontos de Vista”, tinha sido publicado pela
“Folha de São Paulo”, no dia 13 de julho, e transcrito sem a sua autorização.?
e
Maso trabalho propagandístico e de afirmação dadireita militar não selimitou
à revista “Pontos de Vista". Outra publicação — o jornal mensal “Letras em Marcha' que funciona desde 1971 — também cumpriu este papel. Com 12 páginas em formato tablóide e tiragem (totalmente distribuída aos assinantes e a algumas instituições e entidades culturais do país) de 15 mil exemplares, 70% de cada edição são despachados para a área militar. Fiel ao lema “Uma prontidão constante contra a comunização de
nossa Pátria”, o jornal — ideológico e doutrinário do princípio ao fim — tem sua redação num conjunto de salas da Avenida Prado Júnior, em Copacabana”? No expediente constam nomes de militares da reserva, incluindo o editor-chefe, tenente-coronel
Antônio Gonçalves Meira.
Colaboram em “Letras em Marcha”, diversos militares, entre eles: o general
Tasso Villar de Aquino, que foi presidente do *Clube Militar”; coronel cav. Nilson
Vieira Ferreira de Mello (ex-assistente-secretário do ex-ministro Sílvio Frota, hoje na iniciativa privada); major-brigadeiro Roberto Julião Cavalcante de Lemos; tenente
coronel da Artilharia José Ávila da Rocha, ex-comandante da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, tendosido secretário da Família e Bem-Estar Social da Prefeitura
Relatório Reservado, 2610/87 Quandoa grupo o jornalista LedoTabosa ez questão de explicar: em pertencer ou astélações, e termine convidado, dizendoqueleconcordaemdar 0 meu pas e citei em arcaroscra ridículo exemploselesda esque escola primária. E quererem fazer com uma revist 5
anticomunista, mas
manifestei minha relutância.
foSoaio
à ca
li Godie ao o A ri tinha que não fizeram quando tinham o poder”. (Jornal do Brasil, 3mRelatório Reservado, 26.10/11187 2º Jornal do Brasil, 200.87 Heringinformou que outros empresários tambemcontribuem, em o negado ney à fornecer os nomes Sa p úribuem, emboratenhase 90
municipal); primeiro-tenente Francisco Gonçalves da Silva (jornalista em Fortaleza); cel. Ney Salles, da ativa (tesoureiro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil); cel. Erasmo Dias (ex-secretário de Segurança de São Paulo e deputado estadual); almirante João Carlos Gonçalves Caminha (Instituto de Geografia e História Militar do Brasil); cel. Francisco de Assis Castelliano de Lucena; general Voltaire L. Schilling (empresário no ramo de segurança); cel. av. Ivan Carvalho (administrador de
empresa); major-brig. Max Alvim (sócio-efetivo do Instituto de Geografia e História
Militar do Brasil); ten.cel. Claudino F. Barros; cel. Lauro Pie; cel. av. Gustavo Borges (ex-secretário de Segurança Pública doantigo Estado da Guanabara e diretor de empresa de Engenharia de Projetos); cel. Tlo F. de Barros Barreto; cel. Reinaldo M. de Miranda; cel. cav. Zolá Pozzobon (ex-membro do corpo permanente da ESG); general Euclydes de Oliveira Figueiredo Filho (ex-comandante da ESG); cel. art. Luiz Paulo Macedo
Carvalho (ex-membro do corpo permanente da ESG, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil); cel. Francisco Ruas Santos; cel. art. Sillas Bueno; cel.
Geraldo da Rocha Lima; cel. Cláudio Moreira Bento (encarregado da biblioteca do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e diretor do dep. cultural do Clube Militar); general Edmundo Macedo Soares e Silva, (presidente dó Instituto de Geo-
grafia e História Militar do Brasil); brigadeiro-do-ar Márcio César Leal Coqueiro (ex“comandante do Il Comar, sediado em Recife, e do IV Comar, de São Paulo); cel. Paulo Ayrton de Araújo (integrante do quadro do magistério do Exército, residente em Fortaleza); comandante Newton Lemos de Azeredo; e o general Flammarion Pinto de
Campos.
O jornal também recebia a colaboração de diversoscivis, destacando-se o ex-
-deputado do MDB Anísio Rocha, que lançou a candidatura de Costa e Silva em 1966;
Paulo Zingg (ex-secretário municipal de Cultura em São Paulo, na administração Jânio
Quadros); o advogado Américo Barbosa de Paula Chaves (esguiano); Herculano Martins Franco; Adirson de Barros (jornalista); editor Gumercindo Rocha Dorea (esguiano); o advogado Emílio Mallet Nina Ribeiro (ex-deputado federal; esguiano); o professor Francisco Pinto Cabral (da UNB, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e membro da Adesg); Henrique Alves; o vereador Wilson Leite Passos; o Senador Irapuan Costa Júnior, Fernando Nobre Filho (ex-delegado do Trabalho e ex«deputado federal de São Paulo); o advogado Américo Barbosa de Paula Chaves; e o
procurador Mário Portugal Fernandes Pinheiro.
Entre os assinantes “beneméritos? — aqueles que colaboram financeiramente para a sobrevivência de “Letras em Marcha" — encontram-se figuras do meio militar, empresarial e profissional: gen. Aurélio de Lyra Tavares; Antônio Erasmo Dias; Alfredo Buzaid (ex-ministro da Justiça do governo Médici); gen. Arnaldo Calderari, ex-
-superintendente da Imbel; gen. Carlos Alberto da Fontoura (ex-chefe do SNI no período Medici); Cecil Borer; Charles Borer; gen. César Montagna de Souza; gen. Edmundo
Macedo Soares é Silva, cel. Hélio Ibiapina Lima, Itiberê Gouveia do Amaral; enge-
nheiro Jayme Rotstein; prof. Luiz Medeiros Neto (sócio-correspondente do IGHMB); Mário de Souza Pinto; gen. Milton Câmara Senna; Manoel Pio Corrêa Jr.; Oscar H. Biolchini (ex-membro do Ipes-Rio); Antônio Corrêa Celestino; Antônio Pereira de
Almeida; Décio de Azambuja Velho; cel. Amphilóphio Vianna de Carvalho; brig. João
Paulo Moreira Burnier; gen. Moacyr Barcellos Potyguara; Nelson de Souza Mendes; gen. Sebastião José Ramos de Castro; gen. Walfrido Alvares de Azevedo; gen. Au-
gusto Cid de Camargo Osório; Theóphilo de Azeredo Santos (presidente do Sindicato 91
dos Bancos do Estado do Rio de Janeiro); Brasílio Branco Pereira (Cosipa); e as
empresas Novatração Artefatos de Borracha.
O jornal conta com pouquíssimosanunciantes, entre eles, a Construtora ERG, da Bahia; a Associação Brasileira de Exportadores de Cacau-Abec; a Sedil Segurança Ltda.; a Loja Super Sport, da zona franca de Manaus; e a Corrfa Previdênc ia Privada.
Unidades de ação e agrupamentos da ultradireita
Masnãoé só no âmbito dospartidosestruturados ou das associações de classe
no setor empresarial, ou mesmo da reaglutinação de certos grupos militares, que se processa o renascimento direitista. Na periferia desse processo, mas sempre na órbita
da direita do ancien régime, dá-se a recuperação e reativação de velhas liderança s e antigos guerreiros — com seus aliados esporádicos, não-desejáveis ou não-confi áveis, mas necessários em certas situações. É com estes que os responsáveis pela reestrutu-
ração conservadora terão que compor em situações de emergência, ou simplesmente para fazer barulho.
As unidades e agrupamentos auxiliarese aslinhas confluentes não-confi áveis ou indesejáveis são acionadas circunstancialmente. Isto porque sua estrutura e ação são inconstantes, intermitentes e erráticas. São unidades táticas, e de alcance operacional, sem visão estratégica e de conjunto. Pior ainda: podem transfomar-se em complica-
dores num xadrez político que necessita de sincronização e consensualização para ser bem sucedido. Geralmente, as unidades e linhas auxiliares são personalistas — em função de umafigura destacada, cuja causa abraçam ou estimulam, ou até criadas por
uma liderança particular —, ou são grupos rígidos do ponto devista ideológic o, e, em certos casos, unidades criadas por mera manipulação, como entidades-fantasma s, para encobrir agrupamentos diversos em ações específicas. E são, também formações de curto alcance, esporádicas, tópicas, de curta duração. Quando sobrevivem ao seu papel limitado e à função precípua para a qual foram criadas, passam por modificações profundas,estruturais e organizacionais, muitas vezes fundindo-se com outras organizações existentes, ou inserindo-se em seu contexto.
Entre os agrupamentos de formação incipiente e momentânea, encontra-se o
obscuro Partido de Ação Nacionalista (PAN). Auto-intitulado de “associaç ão de re-
sistência ideológica”, e tendo comosecretário geral Antônio Carlos Meirelles, e como presidente, Rômulo Fontes, o PAN apareceu como aliado de outras formaçõe s de
direita que se posicionaram comobandas de música dos setores conservadores e tradicionais, particularmente em São Paulo, durante as eleições para a prefeitura , em 1982, quando Jânio Quadrosfoi vitorioso. Naquela eleição — que desferiu a primeira grande
derrota eleitoral ao grupo centro-reformista do PMDB, abrindo assim um rombo político nabarriga do partido-baleia —, o PAN fez seus esforços convergirem com os de outras duas organizações de direita, o Movimento Jovem Jânio Quadros e a Juventude Janista, ambos de corte anticomunista, bem aoestilo de agrupamentos que foram celeiros
de entidades menosalvissareiras, como o MAC e o CCC da década de 60.
O Movimento Jovem Jânio Quadros, criado em agosto de 1985, e do qual surgiu a Juventude Janista, possuia, segundo suas próprias contas, cerca de 5.500 afiliados. Já a Juventude Janista proclamaestar organizada em núcleos, em mais de 500
municípios do país. Na campanha de Jânio, as duas organizações foram responsáv eis 92
por grande parte do trabalho de propaganda do candidato. E logo depois, práticamente toda a liderança jovem foi empregada em postos do segundo escalão da prefeitura de
São Paulo. Além de Camilo Cristóforo Martins Júnior, um dos coordenadores do
MJJQ, foram empregados Fábio Fleming (ex-dirigente do DCE do famoso Colégio Mackenzie), Marcelo Martins de Oliveira e Sidney Gonçalves, todos saídos da cúpula
do mesmo movimento.”
Tempos depois, em outubro de 1987, a Juventude Janista seria credenciada,
por um documento assinado por Jânio Quadros (com firma reconhecida), a iniciar, em 1988, a campanha doex-prefeito de São Paulo à presidência da República. A Juventude Janista, presidida por Camilo Cristóforo e incluindo na sua direção Ronaldo Brani, atuaria apoiada no Movimento Popular Jânio Quadros, remanescente do grupo de
mobilização que atuou na primeira campanha do candidato Jânio à presidência, em 1960. Coordenado por Wilson Fernandes Pereira, que segue Jânio há 40 anos ejá co-
mandara as campanhas de 60 e 82, o MPJQ prometia colocar à disposição dos jovens umaestrutura de 4.800 escritórios espalhados pelo país.?* Alguns dos participantes do MPJQ — comoseu vice-presidente, o major de Engenharia Natalino Brito, e º ex-líder da Juventude Janista em 1960, Antônio Leopoldino, que ficou conhecido na época dos escândalos do Ibad — fizeram parte ou até foram fundadores do Movimento Nacional Tancredo Neves. Arthur Junqueira, secretário-geral do MPJQ e ex-presidente da Caixa
Econômica Federal, procuraria contatos na área empresarial, fixando sua mira em
Camilo Cola, da UB, de quem esperava um “grande empurrão na campanha .20
Outra formação recriada nesse período foi o Movimento de Defesa do Brasil, liderado pelo octogenário general Bragança, que congregou remanescentes de antiga união civil-militar da década de 60 — os “NovosInconfidentes” mineiros — e novos militantes.
Num outro plano, funcionava a Igreja da Unificação do Brasil, mais co-
nhecida como Seita Moon e presidida por Waldir Cipriani, que foi criada pelo “reverendo” Sun Myung Moon na Coréia do Sul, há mais de 30 anos. A Seita está estrutu-
rada no Brasil em diversos estados, com umaorganização multifacética.?” Compreende o Colegiado Acadêmico para a Reflexão de Princípios Carp, órgão de atuação no meio estudantil; a Associação Internacional Cultural(AIC), que promove seminários de in-
trodução à doutrina da seita e faz o trabalho de relações públicas; a Associação Mundial
de Assistência e Amizade (Amasa), que possui creches e distribui alimentos a populações carentes, num trabalho de penetração ideológica e busca de legitimação; a Associação Internacional para a Unificação das Religiões (Assinur), que realiza o proselitismo e o trabalho de confrontar as outras crenças organizadas; a Associação Mundial dos Meios de Comunicação (Ammce), que reúnejornais,revistas , empresários e empregadosdo setor, e está encarregada do trabalho de divulgação — em cujo contexto se situa o projeto de lançar a “Folha do Brasil”; e a Mundial Assessoria Contábil.
Entre seus braços nitidamente políticos estão: a Causa-Brasil — núcleo nacional da
(O Globo, 12.06.88) *ºRomildo Guerrante,Jornal do Brasil, 30.04.88
93
Confederação de Assistência para a Unidade das Sociedades Americanas (Causa) — que faz proselitismo e desenvolve uma linha de ação anticomunista, e a Associação do Movimento da Unificação para a Salvação da Pátria (Ausp), que reúne militares,
profissionais liberais e políticos.?8
Envolvendo 120 de seus militantes, a Ausp, criou um certo “Projeto para a Realidade Brasileira”, em 1987, no Rio Grande do Sul, que teve continuidade em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, como movimento de “oposição ao marxismo” — segundo palavras de seu secretário-geral, Neudir Simão Ferabolli. Além disso, chegou a fazer uma doação ao governo Álvaro Dias, num jantar comemorativo do sucesso da doutrinação de seus integrantes no Paraná, ao qual compareceram professores universitários, juízes, políticos e até o comandante da Polícia Militar, coronel Wantuil Borges. A soma
era significativa e destinava-se a “combater a corrupção” e instaurar a “moralidade no
estado”. Para a entidade, a corrupção se alimentava de três formas: pelo poder, pelo dinheiro e pelo uso irresponsável do sexo, como causadora de uma “crise moral”. Em Santa Catarina, a Ausp também organizou um jantar de confraternização,
ao qual compareceu o governador Pedro Ivo. Mas no Rio Grande do Sul, não teve à
mesma sorte. O governador Pedro Simon nãofoi, nem mandou representante, ao jantar
oferecido pela entidade.”
O império Moon possui, no Brasil, 78 barcos de pesca de lagosta e camarão
para exportação; uma firma importadora de ginseng, a HWA Importadora; uma confecção de roupas, a Unificação; a World Stones, firma de comércio de pedras preciosas; a Decolar, fábrica de molduras; a II Rung Gráfica e Editora; a São Paulo-Tókio Turismo e Passagens Ltda.; a Wan Sung marcenaria; várias lojas de presentes; uma distribuidora de caminhões-mercado ambulante, a SCL; 14 padarias e um supermer-
cado.10
A Causa-Brasil, braço político-ideológico e operacional da chamada “Seita Moon", que apóia o Partido de Ação Nacionalista (PAN), já mencionado,se propôs a investir cerca de 600 milhões de cruzados na campanha de 60 candidatos à Consti-
tuinte, em 16 estados da federação. Pretendia combater o “comunismo ateu” e conquis-
tar, se possível, novos adeptos para o “Pai”, o Reverendo Sun (sol) Myung Moon
(lua).?! Os adeptos de Moon, cujo nomeoriginal era Myung Mun, apoiaram a candi-
datura de Jânio Quadros à prefeitura de São Paulo e trabalharam na campanha de Paulo
Maluf para o governo — pois o consideravam capaz de combater o comunismo e, ao
mesmo tempo, promover uma cruzada para expulsar “marxistas” dos cargos ocupados
no governo federal e nas administrações estaduais.”!?
2º Marcos Emílio Gomes, Jornal do Brasil, 25.07.88 Nos Estados Unidos, a seita controla o Washington Times,carro-chefe do grupo de imprensa do Império Moon. No Uruguai, controla otablóide Ultimas Notícias, Entre osjor inculados,estão Manuel Fuentes (redatorchefe do “La Nación”, de Santiago de Chile), Tomas Mac Hale (redator-chefe do “El Mercúrio”, de Santiago doChile), Antônio Aggio (redatorchefe da “Folha da Tarde"), Antônio Rodrigues Carmona, (omalista do “Telam? da Argentina) e Julián Safi ('La Manana”, de Montevideu (Dácio Nitrini, Folha de São Paulo, 17.06.88) Jornal do Brasil, 30/04.88; João Batista Natali, Folha de São Paulo, 17.06.88 io Gomes, Jornal do Brasil, 25.07.88, No exterior, suas atividades vão desde a hotelaria até à produção de armas; das e ferramentas à comercialização de ginseng (Regina Guerra, O Globo, 02.06.88) u líder, Miguel Rocha, anunciou que os filiados fasiam a campanha de 57 candidatos à Constituinte e após as eleições, garantiu que tinhamsido eleitos. (OGlobo, 02.06.88) ? Malufteria participado de vários jantares oferecidos pela seita, quando governadorde São Paulo, (Regina Guerra, O Globo, 02.06.88), Sobre a estranha Seita Moon e seu império econômico,vide artigo de Fred Hiatt, do “The Washingion Post, no Jornal doBrasil, 03:04:88. 94
No mesmoflanco direito do sistema, com a desagregação do PDS e em meio à reaglutinação das forças direitistas, ressurgia a Ação Integralista Brasileira (AIB),
cujos integrantes, cansados de estarem há 55 anos “deitados em berço esplêndido” (comodizia o boletim de convocação) dispunham-se a reiniciar “a grande marcha por Cristo e pela Nação”, para instituir no Brasil “uma democracia orgânica”, sem partidos
políticos e com eleições indiretas para presidente, governadores e prefeitos.” “Estamos começandotudo de novo”, comentaria o major Oscar Pereira da Silva, na reserva
do Exército desde 1979.214
Após areestruturação de 1985, o primeiro presidente nacional da AIB foi o
advogado Anésio Lara Campos Jr., que se aproximou do movimento integralista quando era ainda aluno do Colégio São Luis, de padres jesuítas, e em 1955 entrou para o Partido de Representação Popular, de Plínio Salgado.Um dos atuais líderes é Antônio Carlos Meirelles, adepto do mormonismo,publicitário e jornalista, quejá foi figura de destaque do Partido de Ação Nacionalista e assessor de divulgação da Causa-Internacional, do império Moon. 216 O próprio Meirelles costuma dizer que a AIB prega a “eliminação progressiva
da luta de classes, do conflito entre o capital e o trabalho”, tomando como exemplos
o Japão, a China Nacionalista, Coréia e Cingapura, que, ainda segundo ele, praticam
“o modelo de relacionamento entre capital e trabalho defendido no manifesto integra-
lista de outubro de 1932”.27 Seus membros são adversários tanto do comunismo quanto do imperialismo norte-americano, que Meirelles visualiza como “mancomunados com
o financiamento de movimentos de esquerda no Brasil, com o objetivo de acirrar o
conflito entre capitale trabalho,e reter o crescimento da economia brasileira”? Mais: segundo seu boletim de convocação, pregam uma “reforma agrícola”, (com pontos de
convergência com a UDR); a proibição do aborto e a não-liberação da maconha; luta contra a esquerda, a direita e o centro, precisamente por serem “integrais”. Além disso,
indignam-se com o “veneno” da televisão.”
Seu presidente, Anésio de Lara Campos,diz que a AIB conta com o apoio de
políticos evangélicos e do deputado monarquista Cunha Bueno, do PDS paulista. Além
disso, seus militantes sentiam-se “representados” no governo Sarney por um ministro
do Planejamento, Aníbal Teixeira, tendo ainda como treforços” o jurista Miguel Reale
e os ministros do Tribunal de Contas da União, Ivan Luz e Alberto Hoffmann. Marco Maciel era lembrado como “simpatizante”, assim como eram citados, com orgulho,
como correligionários, o ex-presidente Médici e seu ministro da Justiça, Alfredo
Buzaid.?0
A AIBpublica um jornal, “Ação Nacional”, editado pelosintegrantes do grupo Ação Nacionalista, vendido em banca. E há, também, o “Jornal da Comarca” e uma série de boletins. Mas os integralistas também são capazes de chegar a métodos mais violentos, como o confronto com participantes das comemorações do 1º de maio de
2 Dora Tavares de Lima, Jornal do Brasil, 81047 ate Jornal do Brasil, 22.05.88 “18 Jornal doBrasil, 040588 ne JB, 4588 “1 Jornal do Brasil, 040588 ais Jornal do Brasil, 0405:88 , 21» Dora Tavares de Lima, Jornal do Brasil, 081087 que oi simpatizante domovimentonegras, masnegou “te Dora Tavaresde Lima, Jornal doBravil. 0810587 AníbalTeixeira reconheceu ão partido de Plínio Salgado. Jornal do Brasil, pertenceu jamais ter sido “representante” dosseus anseios no governo. Alémdisso,afirmouque 084087 95
1988, na Praça da Sé, em São Paulo, que reeditou a violência dos enfrentamentos de
rua da década de 30. Junto com a AIB, participaram das arruaças os Carecas de
Subúrbio, dissidência do movimento punk formado por 400 jovens (que foi
procurar
Meirelles e a AIB, para receber subsídios)?! e representantes da Ação Nenn além dos movimentos Pátria ia e Liberdade Li átria Livre, Li este ligado i ! Ea e Pátria ao nazismo brasi-
- Para revitalizar-se, a AIB chegoua organizar uma Al no meiouniversitário e nas camadas obtlárea, além de andarnd Casade
Plínio Salgado — umainstituição destinada a cultuar a memória dolíder do integra-
lismo, morto em 7 de dezembro de1975. A Casa funciona num escritório de ed nas proximidades da Estação da Luz, em São Paulo, mantendo uma biblioteca e um local para reuniões, aberto a seus três mil sócios.2' A direção paulista da AIB foi deem Ra pa fede da Associação dos Trabalhadores Cristãos.2* Em Porto A idade foi relan ã i adeptos,e, no Rio, tem ae oa ircitado, ra ri
am Noa 22 e 23 de janeiro de 1988, coincidindo com aniversário de Plínio gado, a B realizou sua convenção nacional, em Niterói. O médico Sebastião
Cavalcanti de Almeida, de 45 anos, queerapresidente regional — o mesmoqueesteve no enterro do ministro Mário Andreazza e participou de atividades da União Nacional
de Defesa da Democracia (entidade que congrega militarese civis), com a qual mantém
ótimas relações — foi eleito presidente nacional da entidade.A vitória de Cavalcanti foi considerada, pela Ala Jovem do Rio, como um sinal de renovação. “Vamos pd EDna E sea Fans mas não de ideologia” — prometeu Ubiratan Pimen-
º1,
ex-aluno de
História na
UFRJ.?? Os jovens integrali
ã
divergências, explicitadas por Felipe ThiagoTeixeira aaES
se O movimento deve ter uma visão mais aberta, acabando com o Haiionaliáão Ea na 30”. frisa que, antes de tudo, um “integralista é um revolucionário”. Já
lentel conta que os mais idosos, os “aburguesados”, os consideram radicais e re beldes. E exemplifica: “Somos favoráveis ao não pagamento da dívida extern: h : (os mais velhos) querem apenas a auditoria da dívida”. oii
Ria pan enriant una se compara discurso de Anésio Lara com
.
Os
novos recusam os termos direi
sustentam a tese de que cada indivíduo podeter sua opção nandi não prejudique a comunidade. Já o ex-presidente nacional acredita que a AIB é dm movimento de Centro, e adianta que num Estado Integralista, os comunistas não teriam espaçoparaa prática do mal”, lembrando que “para libertar os povos oprimidos pel comunismo”, os integralistas seriam capazes “de usaraté a força”? a k Os simpatizantess da Ala Jovem estavi am espalhados porinstituiç insti ões como o Colégio Pedro II, o Hélio Alonso e o Visconde de Cairá. Mas os ineiraliõos não =Jornal do Brasil, 03.05.88 =2 Jornal do Brasil, 03.05.88 “2Jornal do Brasil, 04.05.88 22 Jornal do Brasil, 22.05.88 “25 José Roberto Garcez, O Globo, 29.05.88 pe “=No enterro do ministro, Cavalcante fez fez contatos conta com políticos e militares Hi — algunsligados ao ex-presidente João Figueiredo. (Jornal = Florência Costa, Jornal do Brasil, 25.01.88 2 Florência Costa, Jornal do Brasil, 25.01.88 96
objetivo foiarticulada a visavam somente as escolas, mas as universidades. Com este e o sigma (letra grega Família” e Juventude Integralista — com o lema “Deus, Pátria
botton pregado na que simboliza o somatório do corpo com O espírito) estampada num novacivilização”, a é ismo camisa, de preferência verde —, para provar que “o integral como define Felipe Thiago.”
de maio de Em Belo Horizonte, a AIB somente seria reorganizada a partir Jovem, todos lideraAla da o empurrã o e stas integrali antigos de esforço o com 1988,
da Juvendos por Sebastião Cavalcante de Almeida. O Chefe da Comissão Nacional
a no Rio, chegou ao tude Integralista, Carlos Adriano Carvalho, estudante de medicin que a AIB deveacha e Reale Miguel e integralismo lendo as obras de Plínio Salgado
juventude”0 -se “respaldar na velha guarda, para implantar sua experiência na o de Nessa época, começava a rondar as cabeças da AIB a idéia de formaçã to, movimen o r reacende de um Partido de Ação Integralista (PAI) — como fórmula o à candidat um o lançand e inclusiv —, s Medeiro segundo seu vice-presidente, Jader hostes integralistas, Nas Lara?! Anésio u sustento como a, Repúblic da cia presidên ante do Ipes chegou-se a pensar em nomes como o do jurista Miguel Reale — ex-milit era consennão partido do idéia a que é fato o Mas 40. de década na e camisa-verde integramuitos de vida na sual. Embora o “PAI” continuasse a ser presença marcante — Exército do generais de apoio o com r contenta se de listas, a AIB ainda teria sintegrali intes “constitu segundo revelou Sebastião Cavalcante — e com a eleição de partidos nas eleições tas”, além de limitar-se a dar o seu apoio a candidatos de outros
cia orgânica” de 88.2 De qualquer modo, como lembraria Jader Medeiros, a “democra
, no seu lugar uma defendida pelos integralistas poderá funcionar sem voto — propondo sufrágio universal “o le, segundoe que, já —, al tricamer ivista representação corporat
é uma formaliberal e ultrapassada de governo”?
PopuOutro grupo direitista desta fase de transição foi a Ação Democrática
especialilar, que surgiu de forma nebulosa. Parecia mais uma atividade de órgãos
a ver com sua zados, do que um movimento de corte sócio-político, e nada tinha
à ADP homônima da década de 60, que funcionara como canal do Ibad. Foi atribuída
com o título a responsabilidade pela colocação de cartazes em muros de Brasília,
Correa «Procuram-se os comunistas traidores do povo”, sobre fotografias de Maurício Sigmarino Seixas (PDT), Augusto de Carvalho (PCB), Geraldo Campos (PMDB), Os parlamen(PMDB). Souza de (PMDB), Maria de Lourdes Abadia (PFL) e Pompeu
ção, a tares eram acusados de terem votado contra “o nome de Deus na Constitui 18 anos e a aposentadoria especial do pessoal da Saúde, o trabalho do menor de s ao aposentadoria com salário da ativa”. O cartaz dizia ainda que eles eram favorávei branco”.?* colarinho de so criminoso aos e aborto ao drogas, de tráfico ao o, “terrorism
as Outra nova entidade, lançada em 1985, no Rio, e de tendências neonazist PaFalange a como país, do sul no (alimentava-se de outras vertentes já existentes
triótica, criada em 1962,quetinha por lema “Deus,Pátria e Liberdade”), foi o Partido criar Nacional Socialista (Panaso)?S Seus membros, que em 1982 haviam tentado 21 Florência Costa, Jornal do Brasil, 25.018 2 Jornal do Brasil, 29.05.88 23Florência Costa, Jornal do Brasil, 25.0L88 22Jornal do Brasil, 29.05.88 23 Jornal do Brasil, 08.02,89 2m InformeJB,Jornal do Brasil, 243.88 235 Jornal do Brasil, 270388 97
(sem êxito) o Partido Nativista Brasileiro, eram liderados (e ainda são) por Armando Zanini i it ooJúnior, oficial ial lilicenciado da Marinha Mercante, e o mesmo que fundou a Fa, e genealogia do seu agrupamento,traçandoas origens no o sro histórico, depois no integralismo e desembocando — via Falange — no nd onhando com a transformação da sua Falange num partido político de idéias 'ascistas e nacionalistas, ele diria que “só haverá democracia estável no Brasil quando
houver um movimento de direita popular”. E mais: que os problemas brasileiros só seriam solucionados “com a adoção do ideário nazista”.2”
am Os neonazistas visualizavam como seu público-alvo primordial a jovem oficialidade das Forças Armadas, a classe média e alguns contingentes operários e universitários. E ainda pregavam contra a corrupção, os tóxicos e a licenciosidade, e a favor da desburocratização do Estadoe dalivre iniciativa. Finalmente, como não poderi:
deixar de ser, eram férreos divulgadores do anticomunismo.?*
Mas além de incorporar as propostas da Fala:
j
É
ici
“contra o capitalismo internacional” E is na cabeça deDaneertbia bater o sionismo, visto como mentor do capitalismo — e “contra o pagamento da
dívida externa”, comocorolário. Propunha, ainda, a reorganização da economia brasileira: o lucro das empresas teria de ser dividido em três partes (uma para o empresário,
outra para os empregados, e a terceira para o governo). Quanto à sua proposta de reorganização política, esta descartava o voto popular para governadores, prefeitos e ocupantes de outros cargos executivos, sendo que o “chefe da nação” seria o único a
ser escolhido através de eleição direta. Na reorganização social, o chamado “partido
nazista” defendia pena de morte para crimes de corrupção e casos de reincidência em outros ) crimes considerados l graves;; um uma reforma agrária ! através do confisco,
Estados, das terras improdutivas; e a eugenia.”
Ri
i a Juventude Nacional pá. Até hoje à espera dalegalização, a ão, o Panaso cririou, no Rio, Socialista, com tarefa de divulgar e disseminar as suas idéias, além de captar a adesão de jovens e estudantes, ! ; sindicalistas e assalariados i em geral. Seu presit i mecânico Fábio da Costa Batista.º A einbanoiÀ ) nacional-socialismo brasileiro, segundo Zanini, tem cone; neonazistas da Europa, mas não recebe ajuda financeira externa. en
de flyer mudar a imagem de seu inspirador (Adolf Hitler) — segundo eles — Cs a pelos vencedoresda guerra”. Apesar do genocídio praticado pelos nazistas, itler continua sendo apreciado por Zanini, como “o único chefe de nação a tentar formar uma sociedade altruísta num mundo fundamentado no egoísmo”?! Também nosul do país :surge outro núcleo extremista, , este liderado i por Mi
i
Cora Menna Barreto Monclaro, filha de um oficial, Menna Barreto, quefoi a pia importante das articulações de 64 no Rio Grande do Sul. Registrada como entidade
“e O Globo, 030549 7 O Globo,0340589 l “3 Jornaldo Brasil, 21.038 =» Jornal do Brasi, 210388 20 Globo OR3h as ESJemaldoBras270838, alia be pelos neono Ri, mr Nilo de Ação NacionalSist lançou em Cut,
ria Livro' —, que oslenta o lema “Ou ficar à pátria livre ou morrer pelo Brasil”, Jornal do Brasil, 110288) 98
ficos abriga 83 associações afins cultural, a Sociedade Beneficente de Estudos Filosó Minas Gerais e Rio Grande do Paulo, São o, Janeir de Rio em 12 estados, entre eles, o ament de Maria Cora, que tem um Sul. A sede “nacional” é em Brasília, no apart dopelos sionistas, raça maldita, que domina está o discursodelirante e racista: “O mund zações internacionais com o objetivo de se mantém no comando dasprincipais organi co-econômico e cultural”.E vai por políti ólio dominar a civilização e impor o monop Libertação e seus seguidores. aí, investindo inclusive contra a Teologia da
CONSTITUINTE A CONFIGURAÇÃO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL res se concentraram nas Osesforços dos pivôspolíticos empresariais e milita A vitória do conserva. tuinte Consti bléia Assem da eleições de 86 e na configuração Assembléia Nacional na politicagem, dorismo — ideológico e fisiológico — e da por uma forte e urada asseg ,foi PMDB Constituinte, e do monopólio governativo do so do Plano suces te aparen no da apoia , ganda efetiva campanha política e de propa m Netto.O Delfi de segundo expressão Cruzado — um “grande estelionato político”, de 86, que, s meado em va, já espera general Golbery do Couto e Silva, por sua vez, de *um mínio predo O e tivess tuinte Consti graças ao Plano Cruzado, a Assembléia e esquerda"+ a direit de ais “radic os ia isolar que sável” centro democrático e respon ão da Assembléia Nacional Mas o sucesso da campanha pela configuraç bradas em tarefas e metas entrelaçadas Constituinte exigia atividades de apoio, desdo ariado e a expectativa cúmplice dos e em consecução,sem as quais a atuação do empres volvidas no período pré-eleitoral desen ades, ativid militares ficaria a descoberto. Estas
acompanhamento condicionante, incluíam e durante os trabalhos da Constituinte, como ários na área
ação induzida dos advers a contenção da Igreja progressista; a desarticul lideulação sindical-operária favorável, escorando
sindical; o estimulo a uma artic res da Igreja que estipulassem um freio ranças afáveis; o incentivo a setores conservado amen-
s; a “queimação” dos agrup às atividades sócio-políticas dos setores progressista a desagregação da opinião pública e rdas esque das s tos partidários ou figuras expressiva panfleto peefelista que insinuava que ampla. Típico deste trabalho de “queimação” foi o ar.Havia, ainda, o modelamento a vitória de Arraes poderia causar novo golpe milit opinião pública em geral e das da — no gover de atitudes e posturas — feito pelo ar e estabelecer,para esta última, atitudes da esquerda em particular, procurandosinaliz volvimento destas ações, para submeter os seuslimites possíveis de atuacão. No desen ados desejáveis nas eleições, deu-se result as esquerdas, “adestrar' a população € obter convergência com o governo, em situações a concatenação dos diversos pivôs (e a sua paralelos ou idênticos). Foram sendo específicas para atingir objetivos semelhantes, para a
e flutuantes), que seriam essenciais estabelecidas, então, pontes diversas (fixas que, por sua vez, se desdobrariam em
formação de eixos de poder entre os pivôs, andística. articulações móveis para a ação política e propag
28 O Globo, OS1L88 24 Jornal do Brasil, 28187 au Jornal do Brasil, 16.06.86 multar e do candidato Mu, Amara que trazia o desenho de umAvieram em Pernambuco, com um parto, teles”. Em 1987, “eles! podem a a acedido e a confusão. desassossego o trouxe ele! 964 "Em elx: qual martelo,no um e e o ese Voltar, com tele”. Lembre o passado, viva 0 futuro. Vá em frente” (O Globo, 041186) 99
Vivia-se, assim, um movimento de pinças dos vários pivôs da área empresa-
rial e militar, que desenvolviam uma espécie de manobra interior de crise, isto é, uma
manobra global de umaestratégia política ampla, desenvolvida pelos pivôs ao nível
mais elevado da estrutura de poder e do sistema político (governo e estruturas burocrático-políticas do Estado), de caráter psicológico, de pressão, fazendo ou procurando
fazer com que seu alvo perdesse a liberdade de acão política, mas evitando uma escalada ao nível do confronto. Na verdade, seusarticuladores transitavam à beira de
um cenário de intervenção militar, permanentemente rejeitado mas projetado como
ameaça, para o que foram proverbiais as manifestações públicas da ABDD e dos comandos da Sociedade Política Armada.
Ao mesmo tempo foi desenvolvida uma manobra exterior, desdobrada em diversas operações e ações, destinada à opinião pública interna (a própria e a do(s)
adversário(s) e ao público em geral, através da qual procurava-se alcançar uma identidade e liberdade de ação política dos pivôs, por meio de manobras e ações psicológicas (mídia, comunicação mercadológica etc.), capazes de fazer convergir e concorrer os meios político-partidários, militares, empresariais, da mídia e intelectuais, para atingir seu objetivo: assegurar a liberdade de ação dos próprios pivôs, sua consolidação efetiva
e um efeito pertinente e eficaz sobre os alvos designados.
O esforço de modelar o governo e a opinião pública foi feito em várias áreas ou campos de operações e em dois tempos. Noprimeiro, esvaziaram-se as veleidades
reformista-renovadoras de alguns ministérios e ministros e de agrupamentos reivindi-
catórios de medidas sociais, enquanto que a degringolada do Plano Cruzado, após as eleições, se encarregava do resto. Conformava-se o governo a um certo feitio e feição, pressionando e encurralando o próprio presidente Sarney, num esforço de constrição,
cujos únicos limites eram a própria tutela militar. A presidencia virava o presunto do sanduíche empresarial-militar, e após a instalação da Assembléia Constituinte, impren-
sada com o Centrão, faria um enjoado misto: morno.
O segundo tempo, ainda no período pré-eleitoral, foi o da ação de “amoleci-
mento”, realizada pelas elites civis e militares, através de manobras envolventes, manobrasde prostração pelo cansaço e manobras de aproximação indireta. As ações ou operações, deslanchadas do Planalto e com o apoio ou a incorporação esporádica do empresariado, através de figuras exponenciais e com a cobertura sistemática dos meios de comunicação, almejavam: a) agir através e sobre as alas ou flancos do adversário, tendo como meta e tarefa desbordá-lo nos mais fortes pontos de resistência, evitando o confronto ou estabelecendo patamares e arenas de luta fora dos perímetros de sua ação efetiva e eficaz; cercá-lo, esvaziando seu possível impacto (profundidade, escopo, abrangência, duração, penetração e alcance) por meio de forças auxiliares; retirá-lo do foco de luta, levando-o a atritos de médio alcance, escaramuças contingentes e superficiais ou impasses elaborados, nas beiras e lindes do cenário, evitando a sua junção com outras forças políticas de maior ressonância. O alvo predileto desta linha de ação en-
volvente foi o movimento sindical organizado na CUT.E as linhas auxiliares para construir a teia política e estrutural sobre o sindicalismo progressista contaram com a atuação instrumental da CGT, da USI e de unidades
patronais.
100
b)agir por meio deatritos circunstanciais e, se oportuno, de uma consegiiente
prolongacão dos mesmos, desgastando o adversário de forma acumulativa, evitando confrontos decisivos e envolvendo-se em escaramuças de impacto. As ações deslanchadas procuravam a contencão e o esvaziamento dos adversários, principalmente do PDT e'do PT, por meio de ataques locali-
zados sobre os atores políticos individuais ou sobre certos subgruposestigmatizáveis. Estas ações eram geralmente levadas a cabo por porta-vozes se-
lecionados ou “galos de briga” (em vários momentos,os ministros Brossard, Antônio Carlos e Almir Paziannotto cumpriram esta função), em conjunção
com órgãos da mídia, que se apresentavam eventualmente ou por um certo
período deixando a função a um outro integrante do governo, pouco depois. Questões e questiúnculas eram criadas, aumentadas, superdimensionadas ou apagadas, neutralizadas ou diminuídas, ao sabor dasflutuações políticas e dependendo da necessidade e oportunidade, abrindo linhas de atuação escoradas em manobras diversionistas, cuja repercussão era assegurada pela mídia eletrônica. O ponto central era induzir ao descrédito, pela criação de umaindisposição da opinião pública em relação aos candidatos; o temor a reações violentas; à crise de desestabilização forjada e à criação de imagens que variavam daineficácia generalizada à incompetência ou aventureirismo, ou ainda à ambicão pessoal desmedida. E não eram apenas invencionices, pois havia terreno fértil para impingir todos esses motes. Seja lá como for,
e independentemente da inépcia demonstrada por vários agrupamentos de
esquerda,dois deles foram alvosespecíficos desse tipo de manifestação: o
complexo PT/CUT e o PDT, incluindo algumas de suas figuras mais rele-
vantes, evidentes ouostensivas. Alvos prediletos desta linha de ação-pela-
-laxidão foram a prefeita de Fortaleza, Maria Luiza Fontenelle, Brizola e
Lula.
c) agir sem entrar em confronto numa prova de força direta (como seria O caso de um grande debate televisionado), mas abordando o adversário após sucessivas inquietações; desequilibrando, surpreendendo por meio de aproximações indiretas e imprevistas, realizadas através de direções inesperadas por ele. Alvo predileto desta linha de ação por aproximação indireta foi o Partido dos Trabalhadores. Com efeito, por diversas vezes, o PT foi surpreendido (e a opinião pública desinformada) com as denúncias a respeito de seu envolvimento em incidentes escabrosos, como a dos tiros que mataram, no Leme, em São Paulo, duas pessoas, e que teriam sido
desfechados, segundo declarações à imprensa (do diretor geral da Polícia Federal, delegado Romeu Tuma), dointerior de um Opala chapafria, ocupado porpolíticos e militantes do partido. Outro exemplo foi a culpabilização do PT pelo assalto a banco na Bahia, praticado por indivíduos filiados ao
Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Estes incidentes recebiam adequada “atenção” do governo, que escalava um “comentarista” dosfatos, geralmente um ministro, para, num tom entre paternal e ameaçador,
“avaliar” e fazer repercutir o fato ou acontecimento, condenandoos pretensos responsáveis pelo incidente. Com isso, setores do governo manipulavam osfatos, de forma escancarada, para atingir — por extensão — re101
conhecidos adversários do próprio governo, procurando jogá-los na defen-
siva e diminuir suas chances eleitorais.
Para assegurar resultados que a propagandae a ilusão dos desesperados não
conseguiria, foram empregadas fabulosas somas de dinheiro, em todos os níveis — o
que, para muitos, fazia lembrar, como disse um empresário, coordenador de esforços políticos de sua classe, a atuação do IPES e do IBAD em 1962. Diversos grupos empresariais se encarregaram de constituir e administrar “caixinhas”, dividindo o mapa
eleitoral entre eles e canalizando recursos para candidatos específicos e agrupamentos
políticos, evitando a sobreposição de esforços. Uma empresada indústria de fumoteria investido nas eleições 30 milhões de dólares (422.7 milhões de cruzados no câmbio
oficial da época).“Investido” é a palavra certa no caso, pois tratava-se de assegurar um negócio altamente rentável, o “Brasil S.A.”, no valor aproximado de 300 bilhões, o PIB do momento, não incluindo neste cálculo, mais 30% (pelo menos), por conta da
“economia paralela” de grandes e pequenos.
Segundo denúncias, até recursos de agências governamentais de outros países
foram usados. De acordo com o deputado federal João Hermann (à época, do PMDB-
SP), haveria “dinheiro sujo” na Assembléia Nacional Constituinte. “O dinheiro da CIA
está lá” — garantia ele.E ainda foram utilizados outros recursos,inclusive a colocação a disposição dos candidatos da parafernália de apoio logístico, transportes, e material de uso das empresas. Firmas de marketing e relações públicas foram contratadas,trabalhando de mãos dadas com astradicionais associações empresariais e com
as novas organizações políticas, dedicadas ao esforço comum de consolidação da presença da direita na Constituinte, como também nos governos dos estados e nas legislaturas estaduais. Em meio a estes esforços, um mês antes das eleições, numa reunião reservada em São Paulo, 140 grandes empresários calcularam comocerta a eleição de
100 constituintes favoráveis às suas teses.
O preço médio de uma campanha para o governo estadual atingiu a quase 1 bilhão de cruzados por candidato, nos grandes centros urbanos, numa época em que o
dólar valia 20 cruzados. Paulo Salim Maluf trabalhou com 70 milhões de dólares à disposição e Antônio Ermírio de Morais, com 50, em suas frustradas tentativas de ocupar a cadeira do executivo paulista.” A estimativa inicial dos custos da campanha, segundoa assessoria do candidato do PTB, era de 10 milhões a 15 milhões de dólares. Assim mesmo, Ermírio de Moraes aindairia recorrer a amigos e empresas uma bem-cuidada relação de colaboradores, ao mesmo tempo em que anunciava que não podia pedir dinheiro a gente inescrupulosa, “porque o troco vem de imediato” 250 Já a campanha de Orestes Quércia foi estimada em mais de 400 milhões de
cruzados ou cerca de 30 milhões de dólares.*! Ao todo, os três candidatos citados
teriam gasto 200 milhões de dólares, em sete meses de campanha.?2 Mas os recursos paulistas não eram somente para os candidatos desse estado, Amazonino Mendes, 24 Ricardo Noblat, Jornal do Brasil, 14.07.86 24 Debora Berlinck, O Globo,13.11.86 “e Hermann bascava suas acusações nos US Congressional Secret Hearings sobre 0 Irangate affair. De acordo com esta fonte, o coronel Oliver North havia declarado que parte do dinheiro da Conexão Irangate fora canalizado para o financiamento das eleições de representantes constitucionais no Brasil. (Jornal do Brasil, 14.09.87) “8 Coluna do Zózimo, Jornal do Brasil, 04.09.86 23º Marcelo Pontes e Ana Maria Tahan, Jornal do Brasil, 12.07.86 25! Debora Berlinck, O Globo, 131.86 2% Jornal do Brasil, 27186 102
candidato do governador Gilberto Mestrinho ao governo do Amazonas, também recebeu seu apoio, numa reunião, em São Paulo, com dez empresários, da qual participou Gilberto Miranda Batista — secretário de Desenvolvimento do Amazonas sediado na capital paulista — cargo criado no começo da administração Mestrinho e extinto quando seu ocupante desincompatibilizou-se para disputar uma cadeira na Câmara Federal. A residência de Batista, em São Paulo, era o local de hospedagem costumeira de Mestrinho, quando se desloca até a capital paulista. Outro empresário que se ofereceu para apoiar Amazonino foi Matias Machline, embora não tenha ido à reunião.)
Não foi muito diferente com os deputados federais e estaduais. Delfim Netto
e Afif Domingos teriam gasto algo em torno de 3 milhões de dólares cada um.?4 Pratini de Moraes, do PDS-RS, foi denunciado por abuso de poder econômico, calculando-se seus gastos com propaganda, a dois meses das eleições, em 15 milhões de
cruzados.” E a campanha de Ronaldo César Coelho, pelo PMDB-RJ, foi avaliada em 2 milhões de dólares.
No Ceará, a compra de votos chegou a ser negociada em pacotes, por tabela fixa de 500 mil cruzados por lote de mil, e, no sul as campanhas para deputado federal
foram orçadas em, no mínimo,
2 milhões de cruzados. Mas
a firme entrada dos
empresários no processo eleitoral fez os custos subirem ainda mais. Rogério César Valente, da Federasul — para quem a prática da pressão política está longe de ficar restrita aos limites empresariais —, previu que uma campanha para deputado federal
poderia chegar ao custo médio de 20 milhões de cruzados.”
Com tudo isso, as eleições produziram um Congresso Constituinte de maioria conserviológica (conservadora e fisiológica). Um grupo numeroso de deputados passou a representar os interesses do capital urbano e rural, independente dos partidos de que
fossem parte.” Pelo empresarial:
PMDB, Luiz
entraram
Roberto
diversos
Andrade
Ponte
deputados (RS),
e senadores
presidente
vinculados
da Câmara
à área
Brasileira
da
Construção Civil, que teve sua eleição apoiada firmemente por empresários, não só gaúchos; Ronaldo Cézar Coelho, comandante de 25 empresas e dono do sexto maior conglomerado empresarial do Rio de Janeiro; José Geraldo Ribeiro (MG), da bancada
do ex-governador Hélio Garcia, empreiteiro e dono da Engesolo Engenharia, representando os interesses do setor de construção; Expedito Machado da Ponte (CE), proprietário da Villejack Jeans e outras empresas; João Agripino, (PB) ex-presidente nacional da UDN e ex-governador do seu Estado, que contou com a colaboração de vários grupos empresariais para sua eleição; Basílio Vilani (PR), ligado ao Banco Bamerindus; Max Rosenmann, (PR), proprietário da poderosa joalheria M, Rosenmann; Waldir
Pugliese, defendendo interesses das empresas de agrotóxicos;?? e Hilário Braun, ligado à indústria de vestuário. Do PFL: Sadia;
253 254 255 256 257
Victor Fontana
Francisco Domelles
Jornal do Jornal do Jornal do Coriolano O Globo,
(SC), diretor superintendente da Transbrasil e da
(RJ); Allyson Paulinelli
Brasil, 13.04.86; Orivaldo Perin, Jornal do Brasil, 13.04.86 Brasil, 27.11.86 Brasil, 10.09.86 Gatto, Jornal do Commércio, 24/25.08.86 30.11.86
258 Coriolano Gatto, Jornal do Commercio, 19/20.10.86
103
(MG)
e Victor Faccioli (RS).
Do PL: Guilherme Afif Domingos (SP), presidente da Associação Comercial de São São Paulo e e ex-secretário de Agricultura no governo Paulo Maluf, mi i Antônio Ermírio de Morais nas eleições de 1986. eirio Do PDS: Marcus Vinícius Pratini de Moraes, defensor da indústria de calçado
e do setor petroquímico, sobretudo da PPH Cia Industrial de Polipropileno, do grupo
Peixoto de Castro;? Osvaldo Bender,industrial do setor têxtil.
Delfim Netto, escorado na Câmara de Estudos e Debates Sócio-Econômicos
(Cedes), voltava ao cenário político em grande estilo, comandando uma bancada
previamente articulada, que ele logo apelidou de sua “banda de música”, lembrando a homônima da UDN da década de 50. Tal orquestração envolvia parlamentares de diversos estados, com múltiplas inserções empresariaise diversas lealdades partidárias,
como: o já citado ex-ministro da Indústria e Comércio do presidente-general Médici, Marcus Vinícius Pratini de Moraes, presidente da Associação de Exportador es; o presidente licenciado da Associação Comercial de São Paulo, Afif Domingos; e o presidente do PFL de Minas Gerais, empresário Paulino Cícero. Completava a relação um conjunto de empresários e políticos, como o maranhense (e amigo do presidente Sarney) Edison Lobão, do PFL; o pernambucano Nilson Gibson, ex-arenista e pedessista (PMDB); o goianoe uderrista Siqueira Campos, industrial e agropecuarista (PDC); e paraense Jorge Arbage (PDS), todos apoiados (junto com muitos outros que não conseguiram se eleger, como Josias Leite e Geraldo Guedes, do PDS-PE, e o bahiano
Vasco Netto, da Frente Liberal) por generosas contribuições de empresários de diversos setores.” A bancada delfiniana poderia contar ainda,nas horasdecisivas. segundo um dosassessores do próprio Delfim, com o apoio do senador Roberto Campos (PDSMT)e com um elenco-satélite de aproximadamente 30 deputados de vários partidos. Mas não foram eleitos apenas os representantes genéricos do capi
grupos empresariais. Havia também-os que RR said CRad E concessionárias reunidas na Abrave (entidade nacional de revendedoras autorizadas de veículos), que esperavam montar um poderoso lobby na Constituinte. Este setor, que
gera quase 300 mil empregos diretos, só perde no pagamento de impostos para as
indústrias de cigarros e bebidas, e está presente em 80% dos municípios brasileiros com 4.005 pontos de venda, Concorreu com cerca de 50 candidatos. esperando. eleger
pelo menos 20, segundo estimativa de José Carlos Gomes de Carvalho (presidente da Abrave & candidato, pelo PMDBdo Paraná, a uma vaga de suplente de senador, numa
dobradinha com o ex-ministro dos Transportes, Affonso Camargo, do PTB). o setor
iniciouas articulações dois anosantes das eleições, quando seu solitário representante
era o deputado federal João Pacheco Chaves, do PMDB de São Paulo é proprietário
de uma revendedora.”%! Alguns dos candidatos que foram eleitos tinham, no mínimo dupla inserção, comoera o caso do ex-prefeito de Paranavaí, no Paraná, o empresário,
Dionísio Assis Dal Prá, proprietário de duas revendedoras e muitos outros negócios,
apoiado pela UDRe eleito pelo PFL. Os revendedores também elegeram o paraibano Raimundo Lyra, com vários negócios no estadoe agropecuarista, para o senado; Maurício
Nasser (PMDB-PR), do Consórcio Nasser: e Francisco Aguiar Carneiro, dono da maior
revendedora Fiat de Brasília, pelo PMDB. Mas não conseguiram levar à Constituinte 2% Coriolano Gatto, Jornal do Commercio, 19/20/10.86 “+ Jornal do Brasi 2* Jornal do Brasil, 16186 104
o empresário Camilo Cola, dono da Viação Itapemirim. O empresariado enfatizava a
importância da Abrave e da participação política de seus associados, afirmando que
“Quanto menor o município, maior será a sua liderança”, como disse Gomes de Carvalho. Ele deixou claro que a influência da “frente ampla” de revendedores — que tinham
múltiplas inserções empresariais, era mais marcante fora do eixo Rio-São Paulo.?82 A essa altura, a UDR estimava que tinhaeleito cerca de 80 deputados em todo
o país, com uma periferia de apoio às suas teses de 40% do congresso — por conta de membros vinculadosa interesses agrários — extraídos de um total de 60% de simpatizantes, por diversas razões. O presidente regional da UDR de Minas, Udelson
Franco, informou que a bancada mineira teria 12 deputados, devendo ser a maior do
país. Entre os que já pareciam vitoriosos, com o apoio dos ruralistas, Franco apontava Alysson Paulinelli (PFL), Homero Santos (PFL), Virgílio Galassi; (PDS), Luiz Leal(PMDB), Mário Boechat (PMDB), José santana de Vasconcelos (PFL), Dalton Canabrava (PMDB), Armando Rosa Prata (PMDB) e o senador Alfredo Campos
(PMDB):
Assim, junto com os representantes tradicionais dos interesses rurais, foi
composto um bloco consistente e importante no bloqueio à reforma agrária, e outras questões de interesse dos grandes proprietários. Entre os que foram apontados como vinculados à UDR ouqueteriam recebido apoio da entidade (que evitou divulgar tanto
o número total, como o nome dos candidatos que apoiava) estavam, além dos já mencionados, os deputados peemedebistas Paulo Marques (PR) Nuder Barbosa de
Menezes (ES), José dos Santos Freire (GO), Joaquim de Melo Freire (MG), Rubem Figueiró de Oliveira (MS), Walter Pereira de Oliveira (MS), Fausto Fernandes (PA), Manoel Gabriel Siqueira Guerreiro (PA), Alarico Abib (PR), Aragão de Mattos Leão Filho (PR), Basílio Vilani (PR), José Carlos de Castro Martinez (PR), Jovanni Pedro Masini (PR), Luiz Carlos Borges da Silveira (PR), Sebastião S. Vitral dos S. Furtado (PR), Francisco Sales Duarte de Azevedo (RO), Ivo Mainardi (RGS), Nélson Jobim (RGS), Alexandre Puzyna (SC), Antônio de Pádua Perosa (SP) e João Rezek (SP); os peefelistas Pedro Ceolin Sobrinho (ES), Jales Fontoura de Siqueira (GO), Victor Dias Trovão (MA), Humberto Guimarães Souto (MG), Lael Varella (MG), Ghandi Jamil Georges (MS), Levy Dias (MS), Saulo Queiroz (MS), Alceni Angelo Guerra (PR),
Dionísio Assis Dal Prá (PR), Jacy Miguel Scanagatta (PR), Assis Canuto (RO), Rita
Isabel Gomes Furtado (RO), Victor Fontana (SC), José Cleomâncio da Fonseca (SE), José Queiroz da Costa (SE) e Maluly Neto (SP); os pedessistas David Alves Silva (MA), Raimundo Vieira da Silva (MA), Ubiratan Spinelli (MS) e Osvaldo Bender (RGS), os pedecistas (o PDC passoua ser o veículo da UDR no estado de Goiás) Paulo Roberto Cunha (GO) e Roberto Balestra (GO); e os petebistas José Ferraz Egreja (SP)
e José Elias Moreira (MGS).?**
24 Jornal do Brasil; 161.86 2830 Globo, 261186, os fazendeiros de Dalton Canabrava, que teve destacada atuação no movimentoantiGoulart, em 1964, chegando inclusive a liderarrurais, que foram a mil proprietários Curvelo (importante foco de resistência ao governo federal, onde se formara a “Brigada Militar”, comda2UDR,já que, segundoele, à entidade. negou tersido eleito com os votos Belo Horizonte impedir à força umcomício de Leonel Brizola), apoiou entidade a que disse ainda E Paulinelli. UDR,foi pela Minas Gerais, “não tem voto”. Segundo Canabrava, o único deputado cl a candidatura do senador Murilo Badaró ao governo de Minas pelo PDS.(Jornal do Brasil, 2612.86) pouco Minas, de Já Paulinelli, um dos candidatos mais aplaudidos numa reunião promovida pela UDR e a Frente Ampla da Agricultura 1112.88) antes das eleições, negou que tivesse o apoio da UDR em sua campanha. (Jornal do Brasil, 15.187; Jornal do Brasil,Grosso do Sul, a UDR. at Relação extraída do Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, Nº 65, Ano VI, agosto 1987, São Paulo Em Mato do pecuarista Paulo Coelho também apoiou os pecuaristas e políticos PedroPedrossian, ao senado, e Lúdio Coelho ao govemo do Estado; além presidente. Fragelli, José apoioa tambémofereceu entidade A elegé-los. conseguiu não Mas PTB. pelo Senado o Machado,que saiu sozinho para do senado, que na última hora desistiu de disputar a reeleição, entrando no seu lugar Rachid Saldanha Derzi. (Jornal do Brasil, 191.86) 105
Entre os senadores, estavam Mauro Borges Teixeira (PDC-GO), Edson Lobão (PFL-MA), Rachid Saldanha Derzi (PMDB-MS), Jarbas Gonçalves Passarinho (PDSPA), Olavo GomesPires Filho ( PMDB-RO)e Albano Franco (PMDB-SE). Zoroastro Azevedo,presidente da UDR em Feira de Santana, não se conteve e afirmou, exultante: “Hoje, temos cerca de 70 deputados na Constituinte comprometidos conosco. Eles têm
o dever moral de defender os nossos interesses”25 E o fariam!
Quando as favas foram contadas, o empresariado comemorou, com a satis-
fação da missão cumprida. Afinal de contas,tinha dado mais do que certo um esforço que “veio à luz e tomou corpo” nointerior daarticulação empresarial, em forma de uma união nacional de empresários, para influir na elaboração da Constituição. Desta empreitada, foram protagonistas de primeira linha os capitães da indústria e os ban-
queiros de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre os quais Luís Eulálio Bueno Vidigal Filho (Fiesp/UB), Roberto Konder Bornhausen (CNF) Pedro Conde (MCRN), Jorge Gerdau Johannpeter (MCRN/Cedes) e Paulo Vellinho.
“Nossa bancada na Constituinte está garantida” — dizia,feliz, um assessor da Febraban (entidade de classe oficialmente à margem do processo eleitoral).Embora a
relação dos que receberam ajuda financeira fosse mantida em sigilo (para evitar o que os empresários denominavam de *patrulhamento”) alguns nomes vazaram — entre eles, os de Nélson Marchezan (PDS-RGS), o do agropecuarista Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP)e os dos não-eleitos Israel Dias Novaes (PMDB-SP) e Roberto Magalhães (PFL-PE). A UB e as entidades por ela representada, tinham motivos de sobra para festejar, já que o empresariado levara para a Constituinte uma bancada de não menos de 60 deputadose senadores de todo o país, de diversos partidos, todos eles comprome-
tidos com a defesa de seus interesses.2
Após um bem-sucedido esforço de reorientação da categoria social à qual
estavam vinculados, e tendo configurado uma maioria esmagadora na Assembléia Nacional Constituinte, os pivôs tenderam a estabelecer eixos de poder entre si. Isto
significava o primeiroestágio da concatenaçãode esforços, paraatingir alvos específicos e objetivos de médio alcance, preparatórios para a ação sobre objetivos de longo alcance. Uma vez estabelecidos os eixos de poder regionais e setoriais, destinados a lidar de formasincronizada com o quadro partidário e político, uma nova etapa passaria a ser concretizado: a procura da formacão de frentes móveis para a ação política, assim denominadas pelas características de sua composição ideológica, tipo de recrutamento, organização e estilo de atuação. Asfrentes têm uma abrangência, escopoe flexibilidade
maior de atuação e uma incrível capacidade de ajuste (de contração e expansão, retração e deslocamento) de suas linhas, eixos e áreas internas de organização, preparo
e predisposição para o confronto efetivo; assim como de suas linhas, eixos e áreas
externas de combate político.
Estes eixos e frentes, com uma perspectiva mais ampla do que a dos pivôs,
situaram-se de forma a induzir o curso dos acontecimentos, na Assembléia Constituinte, esperando produzir uma Constituição confortável, que satisfizesse, na medida do possível, as expectativas da Sociedade Política Empresarial, da Sociedade dos Políticos
desarmados, do Governo Estatal e da Sociedade Política Armada. Entre estes eixos e
frentes, teríamos a própria UDR (criando a sua contrapartida urbana, o Movimento
“+ Jornal do Brasil, 1842.86 24 Jornal do Brasil, 161186 “7Jornal do Brasil, 161186 106
Democrático Urbano); a UB (que passou a agir como frente); o Movimento de Recuperação Cívica Nacional (desdobramento da ACRN); a União Nacional de Defesa da Democracia (que emergiu da ABDD); e as frentes regionais, setoriais ou circunstanciais, como a Frente da Livre Iniciativa (RJ) e a Frente Empresarial Mineira (MG); e as frentes tático-operacionais, como o Fórum Informal (SP), cujo alcance e sentido de atuação iam muito além do período e terreno da Constituinte. Nofinal de 1986, logo após o resultado das urnas, as elites dirigentes e classes dominantes começaram a preparar a parte mais difícil daquela campanha: a ação de seus representantes (eixos/frentes) no dia-a-dia da Assembléia Constituinte e no cotidiano mais amplo, do próprio sistema político. Era o início da sucessão de batalhas mais intensas dos últimos tempos, por uma Constituição “possível e desejável" para o
empresariado rural e urbano.
107
Capítulo II —
A CONSTRUÇÃO DA MÁQUINA DE AÇÃO CONSTITUINTE
O INSTRUMENTAL PARTIDÁRIO NO CONGRESSO Emboraas eleições de 1986 tivessem produzido um núcleo de congressistas afinados e disciplinados com as teses empresariais — somente 120 dos 559 constituin-
tes podiam ser “etiquetados como progressistas de fé" — não havia qualquer garantia
de um resultado favorável dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte.! Afinal,
além dos que integravam diretamente a articulação empresarial, muitos dos que entraram pela porta da direita eram “representantes” de curto alcance:fisiológicos, politiqueiros, clientelistas e carreiristas, com horizontes muito estreitos, apoiados às pressas por umadireita preocupada em barrar os progressistas. A Constituinte passou a ter
uma feição conserviológica (conservadorae fisiológica), marcada pela matutice e pela matreirice da velha direita e pela inexperiência de jovens direitistas que faziam sua primeira incursão no Congresso. É nesse sentido que devem ser entendidas as advertências e lamentações de um importante tecno-empresário, Jorge Oscar de Mello
Flores. Articulador e dirigente de primeira hora do Ipes, ele foi extremamente impor-
tante nos idos de 60 — precisamente no Congresso — como chefe do Grupo de Ação Parlamentar (Gap) do Ipes, agindo como coordenador, em Brasília, da política de coalizão e coesão contra Goulart e a esquerda nacionalista e reformadora.? Mello
Flores, com sua experiência de chefe de estado-maior de campo do IPES, avaliou a situação, quase trinta anos depois: “Não temos hoje, na Constituinte, os velhos companheiros da Ação Parlamentar, como Herbert Levy. Mas temos quadros valiosos,
comoo Francisco Dornelles, a Sandra Cavalcanti, o. Álvaro Valle. Temos gente também no PMDB e alguns empresários com que podemos contar, como o Guilherme Afif
! Villas Bôas Corrêa, Jornal do Brasil, 21.08.88 20 GAPera à unidade tática e o subestado-maior operacional de campo que o Ipes mantinha em Brasília, para articular os diversos. membros dos vários partidos de oposição a Goulart. O GAP tambémfuncionava como intermediário entre o Grupo de Levantamento da Conjuntura, chefiado pelo general Golbery, e a ação política mais ample, não só no Congresso, mas em outras arenas de poder, Vide R.A. Dreifuss, 1964: A Conquista do Estado, Ed. Vozes, 1981, Cap. 5 109
Domingos (PL-SP) e o Ronaldo Cézar Coelho (PMDB-RJ). Mas só devemos usá-los quando necessário. Eles têm muita ambição pessoal”? q A produção de uma Constituinte “mansa” não foi, realmente, uma empresa fácil, apesar da fraqueza da esquerda, em desvantagem numérica acintosa e, ainda por cima, desagregada e pulverizada em vários agrupamentos. Paradoxalmente, as eleições
de 86 e o comportamento da Assembléia Constituinte haviam confirmado que em vez
de um novo sistema partidário, adequado à abertura política, tinha sido preservado um
sistema partido, situado à direita do espectro político. Os partidos conservadores,
oportunistas ou reacionários mostraram que também estavam desagregados, desintegra-
dos ou reduzidos a siglas inefetivas, embora disponíveis, como era o caso do PTB,
PDCe do PDS. Eram “partidos partidos”, aglutinaçõescircunstanciais e resultantes das
distorcões do período autoritário, e que guardavam, além disso, desavenças regionais, locais, pessoais etc.
A fragmentação partidária da direita (PDS, PFL, PMDB,PTB, PDC PL) e seu concomitante facciosismo não permitiam uma construção política sistemática e
atravancavam as possibilidades dos pivôs empresariais de consolidarem o processo político e econômico ao seu feitio. Neste cipoal partidário e enlameado — onde, no espectro da direita, cras-
savam a inoperância,a indefinição, a inépcia e o saudosismo —, os acordosfatalmente teriam deser de curto prazo e alcance,alimentando ainda a polarização doutrinária e ideológica no espectro da esquerda. Com acordos de curto alcance, a direita se via impossibilitada de forjar seu bloco partidário, de forma a viabilizar a institucionalização pela direita, e ainda via em risco o próprio sistema, às vésperas das eleições.
Acordos de curto prazo, por outro lado, colocavam em evidência o caráter oportunista dos candidatos da direita, deixando-os em maus lençóis perante o público eleitor. A Assembléia Constituinte passou a ser vista como uma grande incógnita: para alguns, era um ovo de serpente fascistóide; para outros, um ovo de sapo, que a população seria forçada a engolir. Havia ainda aqueles que achavam que era um ovo
de Colombo,que,depois de concebido, ninguém saberia colocar em pé. Para oseternos otimistas, cada vez mais raros, era oco, mas cheio de boas surpresas e poderia ser
desembrulhado na Páscoa de 88; e para os pessimistas, um. presente de grego, a ser
entregue em agostos borrascosos e cujos efeitos seriam sentidos na sacola política do Natal do mesmoano. Neste contexto, após a frustrada tentativa de formar um bloco (PMDB-PFL) de sustentação do executivo — a Aliança Democrática —, os pivôs políticos do empresariado foram obrigados a agir através dos canais partidários e dos indivíduos, dependendo apenas do tema em questão. Assim, procuraram caminhos e envidaram esforços para agregar seus dispersos representantes e agrupar assiglas partidárias, com intuito de aprovar o que lhes
interessava e enfrentar o voto dos partidos progressistas.
. De início, e até para saber quem era quem — em função da peculiar composição do Congresso, do histórico dos atorespartidários, da especificidade das siglas, da falta de programa partidário efetivo e da carência de lealdades ou identidades Reservado,30.03/05,04.87 10
ideológicas —, foram produzidos vários perfis de membros da Constituinte. Em particular, foram focalizados os integrantes da Comissão de Sistematização,através de um breve curriculum e um levantamento das atitudes específicas, idéias e padrões de votação sobre cada tema — dados que ajudariam a definir a melhor maneira de abordar
e tratar com cada um, levando em conta as convergências e divergências. Mas os critérios de definição dos políticos eram difíceis de estipular. Como exemplo destas dificuldades, Afonso Arinos, do PFL-RJ, foi catalogado como centro-direita e não-confiável. Dornelles, do mesmo partido e estado, e Nélson Carneiro, do PMDB do Rio, foram considerados “de centro” e “absolutamente confiáveis”. Fernando Henrique Cardoso e Severo Gomes, ambos do PMDB de SP, foram enquadrados como centroesquerda e “confiáveis com reservas”. Jarbas Passarinho, PDS-PA, ganhou a classificação de centro-direita, “mais ou menos confiável”. Em julho de 1987, umalista foi distribuída entre os presidentes e diretores de
federações da indústria e comércio, indicando os nomes dos constituintes da Comissão de Sistematização 'confiáveis” ou não, em termos de interesses empresariais. Dos 92 parlamentares avaliados, 44 foram aprovados, 28 receberam um “não”, 18 foram considerados *mais ou menos confiáveis” e três receberam somente uma interrogação. O o deputado A.C.Konder Reis (PDS-SC), “de direita”, mereceu um “sim”, justificado por
ter sido ele relator da “Constituinte” de 69">
Em muitos casos, os critérios para a classificação dos representantes foram
menosideológicos e mais práticos, tendo-se em vista algumas questões específicas, consideradas fundamentais para os empresários. Entre elas, a intervenção estatal na economia, o tratamento a ser dado ao capital estrangeiro e a estabilidade no emprego.
Mas houve, sem dúvida, atenção especial também à caracterização ideológica. Assim, 10 foram classificados comode direita, 18 de centro-direita, 24 de centro, 29 de centro esquerda, 10 de esquerda e dois como indefinidos. Umaprimeira tentativa de forjar uma unidade de ação, que — aos olhos do
empresariado — pouparia o esforço de transitar por tantos canais e perder-se em ne-
gociações paralelas e preliminares, foi o Centro Democrático. Nascido no interior do PMDB e do PFL, esse agrupamento marcaria o início da fragmentação formal do primeiro e o enquadramento direitista de ambos. O deputado peemedebista Expedito
Machado, um doslíderes do grupo (juntamente com os deputados Carlos Sant" Anna e
Roberto Cardoso Alves, ambos do PMDB,e os peefelistas Ricardo Fiúza e Luiz Eduardo Magalhães), relacionaria as metas desta formação suprapartidária, que englobava cerca de metade do Congresso: alterar o Regimento Interno, modificar e “enquadrar” as propostas da Comissão de Sistematização, que eram tidas como “muito influenciadas pela esquerda”, especialmente na questão social, no tocante à reforma agrária e ao mandato presidencial.” Entre os pontos a serem modificados estavam: a garantia de emprego contra a demissão imotivada; o salário mínimo nacional unificado; a participação dos trabalhadores nos lucros e na gestão da empresa; o pagamento em dobro da
* Dora Tavares de Lima,Jornal do Brasil, 168.87 * Nem assim foi possível contar, corroborando as dificuldades de avaliação já mencionadas, pois Konder Reis votaria a favor da estabilidade no emprego, o que constituiu heresia pura nos olhos do empresariado. $ Dora Tavares de Lima, Jornal do Brasil, 16.887 ? Os coordenadores do Centro Democrático eram: Daso Coimbra (PMDB-RJ), Guilherme Afif Domingos (PL-SP), Ricardo Figza (PFL PE), Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP), Eraldo Tinoco (PFL-BA),Ril Furtado (PFL-RO), Oscar Corrêa (PFL-MG), Darey Pozza (PDS-RS), Rosa Prata (PMDB-MG),Ricardo Izar (PFL-SP), Oswaldo Almeida (PL-RJ), Waldeck Omellas (PFL-BA), Cunha Bueno (PDS-SP),José Lins (PFL-CE), Vitor Fontana (PFL-SC), Del Bosco Amaral (PFL-SP), Siqueira Campos (PDC-GO) é Gastone Righi (PTB-SP). ni
hora extra e a redução da jornada de trabalho. A função do Centro Democrático era juntar, num movimento de força, os parlamentares que poderiam redesenhar o perfil da futura Constituinte, que, como tinha sido esboçado pela progressista Comissão de Sistematização, contrariava uma diversidade de interesses entrincheirados — entre eles os do empresariado urbano e rural. Mais: o grupo pretendia servir de plataforma de
sustentação à atuação política do governo Sarney.* Suatarefa básica era a luta contra a ampliação das faixas de estatização da economiae contra o que via como verdadeira
subversão da ordem social vigente. Enfim, procurando delinear uma Constituinte de corte 'privatista”, além de conservadora do ponto de vista político e social.
Em função da dificuldade de construir blocos parlamentares ideológico-programáticos e também eficazes na disputa congressual, os pivôs foram obrigadas, nesse quadro, a estimular ou transitar em facções temáticas, constituídas a partir de indivíduos e propostas específicas, fossem elas de temas “maiores” ou menores”.
Este segundo esforço, de constituir facções temáticas — que foram até com-
bativas e eficientes em certos momentos — impediria, mais uma vez, a configuração de máquinas de apoio a propostas e programas mais amplos. Mais ainda: as mesmas
facções temáticas, viabilizadas por questões particulares, podiam romper-se(o que foi
comum) quandoo tópico era outro, criando muita instabilidade e cálculo de curtíssimo
prazo. Mesmo assim, esses pequenos grupos eram necessários, em virtude da impos-
sibilidade de agregar demandas tão diversas num corpo constitucional consistente, do ponto devista conservador-empresarial. Os temas “menores”, se não comprometiam as grandeslinhas de ação e as questões centrais do empresariado, eram deixados para o
exame destas facções, que também serviam como máquinas de lobby para demandas não empresariais. Uma faccão temática sobre tema “maior” foi lançada em grande estilo, em agosto de 1987: o “Grupo dos Cowboys”, que tentou influir nas questões ligadas à terra.
Segundo o deputado Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP), um de seuslíderes, a facção
tinha o apoio de 305 constituintes, prontos para impedir que a nova' Constituição
normatizasse a reforma agrária, assunto que deveria ser “objeto de lei ordinária”. O
lançamento foi no Hotel Carlton e, a exemplo da UDR, além da assinatura em docu-
mento, cada filiado deixou sua contribuição para pagar as despesas. Cardoso Alves
definia a facção como “a legítima representação da maioria centrista” que, em sua
opinião, predominava na Constituinte. As listas eram manipuladas porfiguras de peso,
como Amaral Neto (PDS-RJ), Gastone Righi (PTB-SP), Guilherme Afif Domingos
(PL-SP), Siqueira Campos, industrial e latifundiário do PDC-GO, e Paulo Zarzur,
empresário do setor imobiliário (PMDB-SP). Afif Domingos, era o homem da “cai-
xinha” para as despesas do grupo.”
Visualizando a composição de faccões temáticas e levando em conta os temas “menores,diversossetores do empresariadofizeram assuas próprias classificações dos
congressistas. A Federação Nacional de Estabelecimentos de Ensino, por exemplo, classificou-os em grupos de “amigos' e “cubanos”, procurando discernir, entre os pri-
meiros, possíveis aliados entre osprimeiros, na defesa do ensino privado. Segundo seu
diretor-superintendente, Brasil Demestre,a federação chegou até a distribuir entre seus
* Jornal do Brasil,0587
? A idéia de constituir a fseção dos cowboys nascera em junho, numa conversa entre Cardoso Alves e José Lourenço, com o apoio de Amaral Neto, Gastone Righi e Luiz Eduardo Magalhães. (Jornal do Brasil, [3.8.87) 12
associados e simpatizantes um documento, no qual pregava o enfrentamento com os *cubanos” desde o primeiro até o último minuto da votação “usando “quaisquer meios à disposição: gritos, discussões, insultos, provocações, brigas, expulsão, constrangimento e tudo o mais”. E pediam a seus membros que enchessem as galerias do Congresso, recomendando que cada sindicato levasse, com seus representantes, mais seis companheiros, que seriam usados como “tropas de ocupação”. Como “amigos”, na classificação dos empresários do ensino, uma amostra: Álvaro Valle (PL-RJ), José Lourenço (PFL-BA) e Marcondes Gadelha (PFL-PB). Entre os “cubanos”, Cristina
Tavares (PMDB-PE), Otávio Elisio (PMDB-MG) e Antônio Salim Curiati (PDS-SP).!º terceiro esforço bem-sucedido de articulação conserviológica foi a consti-
tuição do *Centrão? — montado para enfrentar as esquerdas nas questões centrais e substantivas — como pretenso espinhaço da nova Constituição. De acordo com um de seus fundadores, o deputado federal do Partido Liberal Guilherme Afif Domingos, o Centrão “nasceu daidéia de reunirmos, sem preocupação conceitual doutrinária, aqueles
que se sentiam marginalizados no processo constituinte”.!! O grupo, que aglutinaria uma maioria de 280 a 290 votos — dos quais, 162 (143 deputados e 19 senadores)
tinham raízes na Arena e no PDS, os partidos do governo durante o regime militar
—, se transformaria em verdadeiro rolo compressor do empresariado para a votação de questões vitais na Constituinte.!2 Para tornar efetiva a sua ação, o Centrão foi estruturado como um partido político, com comissões temáticas, de mobilização e de articu-
lação.!º Segundo Flávio Telles de Menezes, o papel do Centrão era de “reestabelecer o primado da soberania do plenário e desarmar a armadilha criada pela esquerda que,
embora minoritária, estabeleceu um mecanismo pelo qual 47 votos da Comissão de
Sistematização prevalecem sobre os 279 votos do plenário”.
Finalmente, os conserviológicos estavam aglutinados num agrupamento denominado, significativamente, de 'centrão”, que, pela exorbitância populista do nome, transmitia a falta de substância programática e de coerência estratégica. Mais: enfatizava a forma e uso tático, como rolo compressor ou aríete — um mecanismo de demolição, não de construçãoe, nesse sentido, passageiro, temporal e pontual !º —, deixando clara uma outra questão fundamental: no processo político brasileiro, jamais houve centro, enquanto postura básica e programática, embora o termo campeie no marketing ideológico, O divisor de águas, como não poderia deixar de ser, é a definição de capitalista ou socialista dos diversos partidos, candidatos e atores políticos. No entanto, diversos setores de direita têm vergonha de assumir seu rótulo verdadeiro, ou fazem o
cálculo dos dividendos e perdas eleitorais que tal explicitação acarretaria; como consegiiência, vivem a proclamar a sua “centralidade”. Isso também acontece com a qualidade de capitalista de um ator político (partidário ou não), geralmente encoberta pela au-
toproclamação de sua inserção e postura de “centro”. Exemplar nesta caracterização foi a definição do ex-deputado Thales Ramalho, ex-assessor do presidente Sarney: “Eu sou centro. Só que o centro é móvel. Ora está à esquerda, ora está à direita”. Ou, como dizia o ex-senador maranhense Vitorino Freire: “No Brasil, o muro anda”.!é Ou, ainda,
!e Bob Femandes, Jornal do Brasil, 23.07.87 !! Luiz Garcia, O Globo,612.87 2: Aglaé Lavorati, Jornal do Brasil, 13.12.87. A maioria, 86 deputadose oito senadores estava no PFL, com destaque para a bancada da Bahia,na qual os 14 deputados do PFL. vieram da Arena e passaram pelo PDS,até desembocar no Centro. “ Jornal do Brasil, 081187 ++ Entrevista a Marco Antônio Antunes, Jornal do Brasil, 15.1.87 13 À imagem,salvo engano, é de Raimundo Faoro te Jornal do Brasil, 17.05.87 113
como diria Aureliano Chaves, para enfatizar sua situação política e a posição que aspirava ocupar: “Eu sou centro-centro”. (No campo socialista, há um amplo espectro de composições de esquerda, de
vários matizes e estilos, a começar pelos partidos comunistas e chegando até o pólo popular-reformista. No campo capitalista, há igual espectro de direita, de vários matizes e estilos, que incluem o conservador-elitista, o imobilista, o retrógrado, o fisi-
ológico, o modernizante e o renovador. Mas não há centro, a não ser como composição
para a ação ou postura de articulação — não como identidade. Capitalismo e Socia-
lismo são as únicas condicionantes estruturais; ser de esquerda e de direita nesse contexto aponta para situações derivadas da estruturação básica, galvanizadoras de opiniões e oportunidades. O centro é apenas uma posição a ocupar, que serve de
referencial político e aglutinador ideológico dos atores de direita nos acontecimentos. uma encruzilhada de tespaço social” e “tempo político”, a ser preenchida para a
manobra de projeção deforças,já que a ocupação do centro político é uma precondição
para o movimento partidário que pretenda envolvera sociedade,isto é, para uma ação política de inclusão multiclassista. Finalmente, é daí que se projeta a comunicação com
o amplo público, generalizando uma mensagem que nasceu marcada pela particularidade de um grupamento específico. Quem ocupa o centro e nele se movimenta sabe fazer uso das coordenadas de tempo e espaço e das variáveis de poder, transformando
seu adversário num ator periférico — em termos políticos — e “extremado' — em
termos propagandísticos).
Outra questão óbvia era que os partidos da direita inexistiam não só fora,
como dentro do Congresso. Como enfatizou Daso Coimbra (PMDB-RJ), os partidos deixavam de ter importância, já que cada constituinte era “soberano na sua vontade”.!? O “Centrão", assim como o Centro Democrático, embora aglutinasse muitos dos componentes das facções temáticas e reunisse figuras de vários partidos — numa ver-
dadeira e nostálgica reedição da Arena — estava reduzido à sua função de recurso
congressual, sem mostrar nenhuma qualidade para o apelo à população. Assim, os partidos conserviológicos e os conservadores foram esvaziados de sua função insti-
tucional de rotinização de procedimentos e controle social, anulando ainda qualquer
pretensão futura de tornar-se canais de representação agregada. Isto tornaria impossível o uso de pressão através de mecanismos partidários ou a aglutinação das demandas e
interesses, ou ainda a estimulação das bases sociais. Mais: ao limitar sua atuação aos recursos congressuais, tanto o Centrão como os partidos do espectro da direita assumiriam posições nitidamente antipopulares, no máximo evitando as posturas mais antipáticas, mas navegando contra a corrente de anseios e demandas da população, numa campanha suicida para satisfazer as expectativas conservadoras. Suicida, sim.
Porque o veredicto popular viria, fatalmente, numa próxima oportunidade eleitoral. O ganho de curto prazo, na batalha constituinte (mas de longoalcance, por normatizar os
limites do embate institucional e da reivindicação política em moldes conservadores), seria perdido a médio prazo, nas eleições municipais de 88, colocando em xeque as chances do grupo na sucessão presidencial. As magras reformas negadas na Constituinte seriam cobradas, com juros, na sucessão presidencial: o caminho da ocupação do centro político estaria fechado a uma candidatura conservadora; qualquer tentativa de *? Aglaé Lavorati, Jornal do Brasil, [312.87 A certa altura, Daso Coimbra afirmou: “Na feitura da Constituição, não existem partidos. Elessó existiram até a fase das comissões, cujos integrantes erem indicados pelos líderes. Agora, estamos no plenário, o que possibilita uma reunião das forças comuns. À Arena é um ponto de referênciae não há nenhumproblema”, 114
empolgar o eleitorado teria de ser, no mínimo, de cunho reformista ou usar a retórica da renovação — que, necessariamente, teria que defenestrar as práticas políticas dos conserviológicos —, para situar seus atores no centro das ações.
A existência do *Centrão” também não resolvia uma outra questão de importância. Ele não só deveria ser um aríete empresarial — espelhando o novo estágio na luta do empresariado —, como deveria servir de base de sustentação política do
governo, além de responder às suas próprias necessidades como aglutinador de políti-
cos profissionais e partidários. Este acúmulo de funções e o desempenho dissonante de papéis, para escamoteá-las ao olho público, criaria enormes dificuldades no andamento
das negociações no Congressoe na ação política, que se desejava sincronizada. Na verdade, exigiria do Centrão uma postura uniforme — que era impossível atingir, a não
ser em circunstâncias muito especiais — o que provocou seu desgaste e esgarçamento no final do processo constituinte. EIXOS DE PODER E FRENTES MÓVEIS DE AÇÃO
j
Os pivôs também foram submetidos a pressões internas em seu esforço para
compensar as deficiências da própria “banda de música” constituinte. Estas pressões provinham de suas próprias fileiras e dos desafios que as novas formas de luta e objetivos estipulavam, obrigando-os a mudar de feição. O empresariado foi forçado a reaglutinar-se e coordenar esforços, moderando, com isso, a ação dos pivôs, que, a essa altura, já exerciam um efeito desagregador. Afinal, cada um procurava, com suas demandasespecíficas, os “seus” representantes no Congresso, desvirtuando uma visão mais ampla e genérica dos problemas. Já não valiam as performances limitadas dos pivôs isolados ou de grupos de pressão e sindicatos patronais, cada um por si, muito menosa inocente delegação dos seus interesses a representantes partidários não con-
fiáveis.
Os pivôs políticos procuraram obter consenso entre si e em suas próprias
fileiras sobre questões específicas a serem debatidas no âmbito da Constituinte, além
de alguns pontos gerais — como a condução dos assuntos de Estado pelo governo Sarney, nos campos econômico, político e social. No esforço de sincronizar suas operações,estes pivôs estabeleceram eixos de podere ação entre si, procurandodefinir empiricamente aquilo que o General Golbery do Couto e Silva denominava de área terraça, isto é, o espaço situado entre dois centros de poder. No caso, as “áreas ter-
raças” tanto podiam ser os “espaços” de estruturação, de ação ou programáticos (entre ospróprios pivôs) quanto destes em relação ao governo ou à Constituinte. Podiam ser também os “espaços” entre adversários, incluindo aí as arenas de luta, os campos de ação e os condutos e focos de atuação. As áreas terraças eram a base sobre a qual se
construiriam os eixos de poder. As áreas de responsabilidade — temáticas ou de
problemas específicos — eram aquelas que deviam ser controladas por um ou vários pivôs, eixos ou frentes, assegurando o sucesso da ação desejada e a consecução do objetivo.
Era fundamental para os pivôs o controle destas áreas terraças sociais e políticas, procurando não deixar (ou reduzindo) espaço de atuação aos fatores de poder tradicionais, aos aventureiros e oportunistas dos setores dominantes ou aos defensores de
necessidades imediatistas do governo e, sobretudo, aos agentes políticos dos setores dominados. 15
Os esforços do empresariado foram no sentido de estabelecer uma sincroni-
zação entre os diversos pivôs, para controlar o seu próprio desenvolvimentoe o da
Constituinte, assim como os grupos e facções partidárias procuravam a junção num corpo maior. Nesse sentido (sempre lembrando que, no processo de organização
estratégica, não é possível dissociar estruturação de ação, a não ser como parte de análise) mais do que um esforço para consolidar blocos ou criar um estado-maior geral (para cuja constituição careciam, neste estágio, de nexo organizacional e político, assim como de um programa abrangente de governo), os diversos pivôs se envolveram numa
campanha para estabelecer eixos operacionais (UB-UDR, UB-Cedes, UDR-Cedes),
eixos de poder (UDR-MDU, UB-Fórum, UDR-UNDD) e alinhamentos setoriais (FLI, FEM)entre os diferentes agrupamentos políticos, procurando neutralizar ou minimizar os efeitos negativos da sua falta de concatenação estratégica nas áreas terraças.
Oseixos operacionais são articulações de cunhotático, inauguradas a partir da
junção de pivôs políticos, através de pontes móveis, que se consolidam comoeixos de ação intersegmentados (entre diversos agrupamentos empresariais) e combinados. Entre estes últimos, temos, por exemplo, os eixos empre: arial-militar, empresarial-sindical, empresarial-partidário, empresarial-partidário-sindical e empresarial-militar-sindical. Sua função é de realizar ações intermediárias, que sustentam uma campanha mais longa e
fora do âmbito imediato da Constituinte, como a sustentação de um “pacto social” o
escorado por barragem da mídia. Através destes eixos reafirmavam-se, como referência maior, o espaço de ação e a arena de luta da Constituinte, mas, ao mesmo tempo, procurava-se evitar uma deterioração maior — ou até Tesgatar — a sua imagem perante a opinião pública. Após um período de atuação,tais eixos se desagregam ou subordi-
nam a outras formações, ou então se reintegram separadamente às suas formações de origem. Os eixos de poder têm um caráter estratégico no âmbito de uma campanha, configurando-se como possíveis embriões de blocos de poder, que podem, por sua vez, desembocar na formação de comandos unificados para a ação conjunta, ou de futuros
estados-maiores combinados para lutas decisivas, como a sucessão presidencial e o acompanhamento do executivo eleito.
No Congresso, o espelhamento destes eixos seria precisamente o Centrão. Os sintomas seriam a retomada das ações pela UB — procurando assumir o comando das articulações políticas (batalha pela Constituição possível e coordenacão dos reposi-
cionados pivôs políticos, como “organização guarda-chuva”) — a projeção da UDR,
como unidade de combate “atrás das linhas inimigas”, “unidade de pronta-resposta diante da opinião pública e “unidade de comando e deslocamento rápido” na Consti-
tuinte.
Mas havia mais. Como conclusão do esforço de formação destes eixos e
alinhamentos de ação, conectando diversos pivôs políticos civis e militares — destina-
dos a lidar de forma sincronizada com o quadro partidário e a disputa no Congresso —, nasciam as frentes móveis para a ação política, assim denominadas pelas características de sua composição ideológica, tipo de recrutamento, organização e atuação;
enfim, verdadeiros protótipos de estados-maiores elites orgânicas, como o Movimento
Cívico de Recuperação Nacional (MCRN) e o Movimento da Convergência Democrática
(MCD).
Com uma perspectiva mais ampla que a dos pivôs, os eixos, alinhamentos e
frentes se situaram de forma a induzir o curso dos acontecimentos ou à espera de
116
tempos melhores e situações propícias à construção de uma Santa Aliança com os
segmentosafins e seusaliados preferenciais — partidários, burocrático-estatais e mili-
tares. Em outras palavras: um elo que lhes permitisse, se não dirigir o leme político do governo, ao menos determinar seu curso, assegurando a continuidade do regime em reformulação, até chegar à sucessão presidencial conveniente. Mas antes, teriam de atravessar o rubicão da elaboração final e promulgação da Constituição. Obviamente, tanto no quetange aoseixos operacionais e de poder, quanto aos alinhamentos setoriais e às frentes móveis, e até no que tange aos empresários do Centrão, as diferenças setoriais, regionais, grupais, ideológicas e pessoais seriam preservadas ou se mostrariam, na prática, insuperáveis a curto prazo. Realisticamente, isto não podia ser de outra maneira — já que por definição, o empresariado brasileiro, seja ele local, multinacional ou associado, é composto de unidades produtivas intrinsecamente competitivas entre si (quando do mesmo ramo, a não ser no caso dos conhecidos cartéis, monopólios e oligopólios). Além disso, envolvem agrupamentosdiferenciados em relação ao acesso e à capacidade de influência na determinação de diretrizes governamentais, de interesses políticos e sociais divergentes (não só no corte campo-cidade) e de necessidades econômicas e administrativo-estatais conflitivas (estímulos,
incentivos, subsídios etc). Mas o que se procurava congelar, naquele momento,era o
seu potencial desagregador em termospolíticos: aquilo que desvirtua a comunidade de interesses e estilo de vida dos setores dominantes; preservandoo esforço associacional e a organização política decorrente e concomitante para assegurar e desenvolver seus
interesses. Em suma: denominadores comuns, necessidades e apreensões comparti lhadas e compartilháveis foram destacadas e enfatizadas, tornando-se pontosdereferência e aglutinação para a ação política.
Em outras palavras: os pivôs que estabeleceram pontes móveis e fixas entre
si, dando lugar a eixos, alinhamentose frentes — que incluíam as direitas tradicionais
e conservadoras (e até as retrógradas, do Antigo Regime) além das novas direitas, desdobradas em organizações com feitio renovadoras-reformistas, modernizante-conservadoras, reacionárias e imobilistas — procuraram, na medida do possível, definir áreas de responsabilidade conjuntas, isto é, áreas sócio-geopolíticas específicas, onde levariam a cabo suas operações políticas, propagandísticas, econômicas, eleitorais etc., porsi só ou em convergência com outroseixos, alinhamentos e frentes. Procurava-se assim assegurar a unidade de esforços nas tarefas e metas operativas, maximizando energias e recursos, coordenando a defesa, a dissuasão, a prevenção e a ofensiva, assim
como o apoioe fluxo logístico de corte econômico, político, ideológico e de comuni-
cação. Sua preocupação central foi a de induzir a Assembléia Constituinte a produzir
uma Constituição confortável, que satisfizesse, no possível, as expectativas do empresariado e estabelecesse o diálogo com os partidos, os quais pretendia aglutinar.
Maso esforço ainda exigiria um outro tipo de comportamento,não reduzido
ao âmbito da Constituinte. De fato, os eixos, frentes e alinhamentos nasciam também para acompanhar e condicionar o processo político mais amplo, que incluía o relacionamento com O governo estatal, o sindicalismo, parcelas escolhidas do público em geral e a mídia. Era a consecução e exacerbação do processo de modelamento já re-
alizado no período pré-eleitoral de 86. Assim,os objetivos doseixose frentes móveis
situavam-se entre as ações de formulação constitucional; de esvaziamento dos agrupamentospartidários de esquerda ou da sua neutralização; e de recomposição de um
núcleo operacional partidário, capaz de sustentar uma ação política em termoscivis e congressuais, no marco de uma hipotética continuidade da abertura. Além disso, es117
tavam situadas no campo das ações de contenção dos ímpetos reformistas de alguns setores do governo federal no campo da domesticação global deste; sem contar ações de neutralização sindical e de adormecimento da opinião pública — o que redundava numa ampla operação de modelamento político-ideológico.
Modelando a opinião pública e o “público interno” As ações de amolecimento, prevenção, e contenção eram realizadas de duas
formas e através de diversos canais de modelagem: a forma direta, quase sempre
efetuada pela área militar e estatal-governamental(através de pronunciamentos e medidas
específicas), e a implícita, pelas ações do próprio empresariado, do governo ou dos
militares.
Exemplar na consecução deste modelamento de opinião pública — em par-
ticular, dos componentes de esquerda do Congresso, dos “volúveis” da periferia do
Centrão, dos partidos de esquerda e da mídia — foi o comportamento da Sociedade
Política Armada, através dos diversos pronunciamentos dos ministros militares; da ABDD(e, depois da UNDD); do retorno à cena política do ex-presidente Figueiredo, fustigando permanentemente a atuação governamental; do rompante do general Otávio
Medeiros, criticando o regime e o o presidente da República, e a entrevista do general
Brilhante Ustra. Também devem ser lembrados alguns empresários que, vinculados às áreas militares ou servindo-lhes de conduto, postaram-se como arautos do apocalipse
ditatorial, ou pelo menos das chuvas e trovoadas autoritárias que supostamente o an-
tecederiam. Vale a pena lembrar os vários acenos empresariais à intromissão militar, assim comoasdiversas declarações e advertências, de moto próprio, que os militares
fizeram em vários momentos considerados críticos, inclusive o “dementado transbordamento” do suposto atentado contra o presidente da República e sua comitiva, no Paço Imperial, Rio, em junho de 1987.!º Tendo como alvo da investigação que se seguiu um assessor e auxiliar do ex-governador Leonel Brizola, o bioquímico Danilo
Groff (que chegoua ser preso), o fato gerou inúmeras suposições a respeito de atuações
subversivas de esquerda, o uso da Lei de Segurança Nacional etc. A sensação de
episódio fabricado nãofoi dissipada, e até um general da reserva analisou os incidentes como “demonstração organizada por companheiros inconformados com a ineficiência
da segurança do Presidente”.!? Nãofaltou quem lembrasse que no fundo do baú do
Planalto existia uma marreta institucional: as medidas de emergência, com uma série de restrições às liberdades cívicas, como as que foram executadas pelo general Newton
Cruz,ainda no governo Figueiredo. É que os debates no plenário da Constituinte, duas
semanas depois, prometiam atrair a presença de manifestantes e populares às galerias do Congresso, para acompanhar o desempenho dos constituintes.
Também fazia parte deste esforço a ocupação, pelos militares, de refinarias, no contexto de reivindicações sindicais que aqueles avaliavam como “plenas de sentido político”. Os militares demonstravam, com essas medidas, a “importância da força
armada comoinstrumento de dissuasão indispensável à ordem interna”, que poderia ser
“endereçada à Constituinte".
*t Villas-Bôas Corrêa, Jornal do Brasil, 28.06.87 !º Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 07.07.87 = Relatório Reservado,16/22,03.87] 118
Outro tipo de modelamento foi aquele exercido através da eliminação de
espaços de crítica, especialmente na mídia, como o que tirou o jornalista Mino Carta
da TV Record, de São Paulo. As pressões exercidas contra a direção da emissora, pelo
ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães — sempre falando em nome do presidente Sarney —, determinaram a retirada do ar do programa “Jogo de Carta”, apresentado pelo jornalista e retransmitido pela TV Brasília. A gota d'águafoi a entrevista com o ex-governador LeonelBrizola, em meados de maio de 1987, mas, segundo Carta,
as pressões haviam chegado a um “ponto insuportável” bem antes disso. No início do mês, após a entrevista com o professor Luiz Gonzaga Belluzo, ex-chefe da assessoria: econômica do ministro Dílson Funaro — quese referiu à “corte de Brasília” —, Samey se queixara a Ulysses Guimarães, fazendo-o saber que estava “muito agastado com o programa”. Belluzzo pediu a Carta que lhe enviasse umafita, para provar a Ulysses
que as críticas tinham sido respeitosas. Mas não foi possível. Naquele mesmo dia, o Dentel recolheu o videoteipe. Paulo Machado de Carvalho Filho, diretor da TV Record,
telefonou para o jornalista: “Quero que você saiba que o ministro Antônio Carlos
Magalhães me ligou, a pedido do presidente Sarney, e me ameaçou com a repetição de
episódios anteriores, em que foram cortadas as verbas de publicidade do governo federal”?
Mas o governo também impunha a censura política na divulgação dos trabalhos da Assembléia Constituinte, segundo acusação, feita em plenário, pelos deputados Amaral Neto, líder do PDS, e José Genoíno, vice-líder do PT. O presidente da Radiobrás, jornalista Antônio Martins, refutou a acusação de Genoíno, de que proibira debatespolíticos, mas reconheceu que recomendara aos repórteres da T'V Nacional que
não fizessem perguntas sobre temas comoa queda do ministro Dílson Funaro (quando apenas se especulava a respeito); a manutenção da Aliança Democrática; o mandato do
presidente Sarney; “ou qualquer outro assunto”não resolvido e cuja repetição não fosse
do interesse do telespectador” 2 O episódio foi visto como mais um capítulo da briga entre governo e imprensa, que já afastara os repórteres credenciados no Palácio do Planalto do 3º andar, ondefica o gabinete do presidente. O próprio Sarney, aliás, ativou
o uso de helicópteros para fugir da imprensa?
Já a Radiobrás, empresa de radiodifusão do governo,ligada ao Ministério das
Comunicações, rompeu o contrato com a produtora independente Apoio Vídeo, que produzia o programa domincal “Jornal da Constituinte”, veiculado pela TV Nacional de Brasília e que incluía debates políticos. O presidente da Radiobrás exigira o afastamento do comentarista Carlos Chagas, acusado de não fazer comentários a respeito da Constituinte, mas de usar o programa para atacar o governo. No entanto, Apoio
recusou-se a atendê-lo.
Deve-se considerar ainda o modelamento de opinião pública específica, em particular o condicionamento a que se submetia o chamado “público interno” na área
militar. Para este se dirigiam não só as costumeiras dicas” — explicitadas em ordens
do dia e discursos de quartel — ou os puxões de orelha dos ministros militares em diversos atores políticos — que repercutiam no interior da estrutura militar —, mas também um esforço externo de moldar predisposições e preconceitos. Assim, o livro “Assalto ao Parlamento”, de autoria de Jan Kossak — que relata uma suposta ex-
= Jornal do Brasil, 20.05.87 = Jornal do Brasil, 20.05.87 =Jornal do Brasil, 119
periência de combinar táticas de mobilização ampla com trabalho político no Con-
gresso, para chegar ao poder” na Checoslováquia — foi amplamente distribuído nos
círculos militares. É interessante notar que, além de ter sido citado pelo presidente
Sarney — no auge da irritação com o que fora avaliado como um “golpe de esquerda” para dar “todo o poder à Constituinte” —, o livro de Kossak já fora um recurso de
propaganda produzido e distribuído pelo complexo Ipes/Ibad, na década de sessenta,
para “criar clima” em sua campanha de desestabilização do governo Goulart.*
Havia também o modelamento sub-reptício de opinião pública. Por tabela e concomitantemente ao esforço de condicionamento e incitamento dos comandos do “público interno”, condicionavam-se outros públicos específicos e a sociedade. Nesta modalidade, incluem-se as “visitas do empresariado a quartéis; os jantares íntimos; o envio de cópias de artigos de jornal e os encontros sociais, através dos quais buscou-
-se influenciar a mente militar, apelando para os receios “entrincheirados” na insti-
tuição, muitas vezes com um viés golpista. Estes encontros, conspiratórios ou simples-
mente de *consulta rotineira” entre aselites (e oportunamente “vazados”), alimentavam a auto-restrição dos atores políticos e condicionavam o público amplo a aceitar —
f
como males menores — as mais diversas imposições. Nesse sentido, vale lembrar o comentário de importante comandante da Vila Militar, no Rio de Janeiro, sob o assédio
de “vivandeiras”: “Nunca vi tanto tráfego de empresários na Avenida Brasil, fazendo o percurso entre os escritórios da Rio Branco e os quartéis de Realengo”.Ou o relato do general Boscacci Guedes, então no Comando da Região Sul, sediado em Porto
Alegre, a respeito do modo de operar dos empresários: “Eles marcam audiência e vêm ao meu gabinete para insistir numa nova intervenção militar”. Esta “romaria” aos
juartéis e sua repercussão era um dado a mais para a análise dos setores militares mais Pao o as condições efetivas de qa postura intervencionista. A UB e as forças e linhas de atuação auxiliar
|
Antônio Oliveira Santos, coordenador da UB e presidente da Confederação
Nacional do Comércio, afirmou que todos os esforços do empresariado tinham como objetivo, “estabilizar o trabalho na Constituinte”. Mas o fato é que a frente operacional que ele comandava não teria, inicialmente, condições objetivas de fazê-lo. Embora a Constituinte fosse a principal e imediata “dor de cabeça”, era um alvo circunstancial e
passageiro; o empresariado sabia que não devia nem podia descuidar de outras áreas problemáticas e permanentes, como a economia, o governo e o sindicalismo. Por conseguinte, após as eleições e durante um certo tempo,no início de 1987,ele se veria forçadoa distribuir suas atenções, através da UB, entre diversos campos e arenas de
luta: naatuação do governo e administração central; nas frentesda batalha sindical,
partidária e de opinião pública; e na própria Assembléia Constituinte, mantendo-se
alerta, ainda, para as ações desarticuladas da sociedadecivil.
terna, e ainda misturava alhos com bugalhos. Por outro lado, cuidar de tal variedade
de questões exigia umatalestruturação e coordenação que, além de disfuncional — por
2s Relatório Reservado,16/22.11.87
SEVOa, UEC,
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Sobrecarregada porres-
ponsabilidades em demasia, a UB via seus esforços diluídos, provocando tensão in-
E SDaGNIA ** Relatório Reservado,16/22.03.87
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concentrar as atenções sobre a entidade e permitir um alvo discernível e claro para o
acompanhamento do adversário —, suscitava receios de uma centralização exagerada
no próprio empresariado. Mais ainda: a diversidade de questões e questiúnculas era de
tal ordem que a organização poderia perder-se no emaranhado de tarefas. Seus líderes achavam que as questões deveriam ter tratamento diferenciado — entre elas, Consti-
tuinte e partidos; governo e Constituinte, governo e economia; governoe sindicalismo,
sociedade e economia, sindicalismo e economia, sociedade e governo —, além de
métodos, recursos e ações variadas. E logo descobriram que o melhor caminho era o das múltiplas entidades, de perfil mais diluído que permitiriam aos empresários agir de forma estruturada e diversificada, em diferentes campos: o sindical, o das diretrizes econômicas do governo, o social amplo, o da produçãoetc. A UBjá não estava sozinha nesta luta, pois tinha o apoio, de forma mais ou
menosarticulada (ou desorganizada), das diversas associações e órgãos convencionais
de lobby e pressão do empresariado. Mas era um auxílio problemático, por diversas
f
razões. As associações eram regional e subsetorialmente localizadas e fixas. Embora efetivas para cuidar de questões regionais e do lobby no governo e na administração,
pelo menos em certas questões menores, poucas — como a Fiesp ou a Associação Comercial do Rio de Janeiro — tinham ressonância nacional, dependendo, em sua
maioria, das cúpulas. E o fato de as entidades de cúpula — as confederações — estarem dentro da UB recolocava o problema. Ficava claro que a UB deveria cuidar do Congresso e das relações com o governo, nas questões que o envolvessem com a Constituinte, enquanto seus membros procuravam
encontrar formas e caminhos de
cuidar do governo, da economia e do acompanhamento da sociedade. fi E RR Havia também a necessidade de especialização,definindo e delimitando áreas
de responsabilidade. A preocupação central da UB deveria ser a Constituinte, mas, para |
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isto, o empresariado não poderia deixar que a UB dispersasse suas atenções, recursos e esforços nas diversas arenas de luta. Para cuidar de outras questões e lidar com as diversas áreas problemáticas, comoa sindical, a governamental, a mídia e os afazeres diários da condução da sociedade e da economia — que exigiam outras campanhas e combates num outro tipo de luta — e até para escorar em outros âmbitos a ação da UB,
havia que funcionar através de outros organismos aglutinadores.
Paratanto, dividiam-se as tarefas. As confederações, de porte nacional, reunidas e concatenadas na UB, levariam à frente o combate político, para a configuração
da nova Constituição, e se encarregariam da campanha na Constituinte. A UB entraria em campo, maximizando o potencial de convergência programática e de ação do empresariado, para acompanhar efetiva e eficazmente o Congresso, cuidando dos par-
lamentares, da concatenação de propostas e demandas que chegariam ao Centrão e
dando atenção à expectativa da opinião pública, às demandas da Sociedade Política
Armada e às exigências circunstanciais do governo, As federações e associações, por
sua vez, arcariam com a responsabilidade de lidar com o governoe a burocraciaestatal,
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no que se referia à economia, e com os sindicatos, na atuação extraConstituinte. Isto
seria realizado através da criação de organismos especiais e do desenvolvimento de
linhas de combate — como o “pacto social" — que, esperava-se, mantivessem cobertos os flancos empresariais.
Para continuar a desenvolver seu trabalho político em outras áreas, o empre-
sariado vislumbrou a possibilidade de agir através de forças auxiliares internas, que
funcionavam como linhas de atuação externas, sobre o governo, a economia e os 121
sindicatos. Estas forças auxiliares incluíam tanto as convencionais — federações de indústria, associações e câmaras comerciais —, quanto os diversos alinhamentos consolidados circunstancialmente para tarefas imediatas e específicas — como o Movimento
pela Liberdade Empresarial e a Frente Empresarial Mineira.
Estes alinhamentos e forças auxiliares internas eram, também, subsistemas nervosos de articulação propagandística e política, de recrutamento e envolvimento participativo do empresariado, na procura de coesão política e homogeneização programática. E ainda escoravam a ação da UB na arena de luta da própria Assembléia, além de influenciarem a opinião pública ampla e seus setores específicos. As iniciativas tinham também perfil e assentamento regional: a Frente Empresarial era mineira; o Movimento pela Liberdade Empresarial atuava no sul do país; a Frente da Livre
Iniciativa tinha base carioca e projeção em outras regiões e o Fórum Informal era integrado pelos principais dirigentes dos segmentos bancário, industrial, de comércio
e da agricultura do Estado de São Paulo.
Além disso, eram mecanismos de potencialização e maximização da capacidade
de penetração e atuação do empresariado, no campo partidário, na mídia e na esfera
sindical. Nesse sentido, mantinham o jogo do meio de camponas ações diversionistas e derivativas das questões fundamentais, preservando a UB em suatarefa principal. Mais: funcionaram como unidadesespecíficas de combate, engajando o adversário em diversas escaramuças e levando-o a impasses políticos. E, finalmente, ampliavam a ressonância e multiplicavam os efeitos de ações econômicas, políticas e propagandísti-
cas, em termos regionais,setoriais e interpivôs, favorecendo a implantação e, em certos casos, a consolidação de eixos de poder.
A Frente da Livre Iniciativa nasceu na sede da Confederação Nacional do Comércio, no Rio, de uma reunião de representantes de associações empresariais e confederações — como a Fenaban —, que congregam as maiores empresas do país, além de pivôs políticos como a UDR. A Frente da Livre Iniciativa — que tem membros como Hiram Corrêia; Stefan Bogdan Salej; Nansen Araújo; Reynaldo Ferreira; José Alencar Gomes da Silva, presidente do Clube dos Diretores Lojistas de Belo Horizonte; Francisco Horta — vingou rapidamente entre os empresários cariocas, mas teve dificuldades com os mineiros. Chamados para engrossar a entidade, os empresários de Minas Gerais não escondiam uma preocupação: a “imagem ruim do setor junto à opinião pública”. Para Stefan Bogdan Salej, vice-presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), a “união de empresários em Minas lembra inconfidência, golpe, revolução”.? Tudo isso, no entanto, não impediu Salej de enfatizar que chegara “a hora da classe buscar um discurso único e ponderado, capaz de devolver-lhe simpatia e credibilidade”* O objetivo da entidade era “entrosar nacionalmente o pensamento político e econômico do empresariado, principalmente em relação aos assuntos discutidos pela Constituinte”. Um de seus propulsores, Hiram Reis Corrêia, presidente da Associação Comercial de Minas, anunciou ainda que a Frente da Livre Iniciativa não se propunha à defesa da democracia, “mas sim à criação de um sistema ondeexista liberdade”. E
*? Jornal do Brasil, 02187. Salej se referia ao famoso grupo dos Novos Inconfidentes, que se reunia no Edifício Acaiaca,nos anos 60, “em Belo Horizonte, e que se constituiu em grupo intermediário do Ipes,nos idosde 64. Vide Heloísa Starting, Os Senhores das Gerais, Editora Vozes, 1986 2 Jornal do Brasil, 02187 * Jornal do Brasil, 28.10.87 122
complementou: “O movimento militar de março de 1964 não produziu os resultados
que esperávamos”. Se já fosse empresário em 1964, ele dizia que teria participado da
Marcha da Família com Deus pela Liberdade — a seus olhos, “um movimento mais
importante do queas diretas-já, de 1984”. Mais: “Era um movimento de sustentação à
recomposição da democracia, que se desejava para um país ameaçado pelo populismo
e os desacertos na economia. No entanto, o movimento de 64 não surtiu os efeitos desejados”?
Hiram Reis Corrêia, que na época acumulavao cargo de presidente em exercício
da Confederação das Associações Comerciais do Brasil, assegurou que a criação da
nova entidade serviria, também, para “superar as divergências entre o presidente da CNI, Albano Franco,e o presidente da Fiesp, Mário Amato”, e que o trabalho do grupo continuaria mesmo depois de promulgada a nova Constituição”? Através de uma série de reuniões iniciais, os membros da Frente da Livre Iniciativa pretendiam “pinçar os pontoscontrovertidos já produzidos pela Comissão de
Sistematização e estudar a melhor forma de combatê-los.”* Segundo Hiram Reis, os
empresários entendiam que a Comissão de Sistematização nãorefletia “a correlação de forças da Constituinte”, e quea carta em elaboração era uma grande ameaça ao sistema
de livre empresa do país”. Entre os pontos em descompasso com as expectativas
empresariais, Hiram Reis destacou a definição de “empresa nacional”, além da estabilidade no empregoe da jornada de 44 horas semanais detrabalho,e também a imprescritibilidade dasrelações de trabalho, aprovadas pela Comissão de Sistematização. Hiram Reis explicou ainda que oportunamente a Frente da Livre Iniciativa se manifestaria também sobre a duração do mandato do presidente Sarney.
Essas derrotas também eram apontadas por Reynaldo Arthur Ramos Ferreira, vice-presidente da Fiemg e presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada
do Estado de Minas Gerais, às quais ele acrescentava a hora extra paga em dobro e os
quatro meses de licença para gestantes, Ramos Ferreira tinha como mentor das suas
idéias um dos remanescentes dos NovosInconfidentes: o presidente da Fiemg, Nansen Araújo, já bastante afastado (pela idade) dos afazeres corriqueiros da direção da Federação das Indústrias do Estado de Minas, mas ainda muito afiado politicamente.
Já Bogdan Salej defendia uma união de empresários que não se esgotasse na tentativa
de “reverter no plenário da Constituinte as derrotas sofridas na Comissão de Sistematização”.” Pouco tempo depois, os empresários que pretendiam ir além da mera luta na Constituinte obteriam umavitória importante com o lançamento da Frente Nacional pela Livre Iniciativa. Esta reuniria — além do empresariado — profissionaisliberais,
grupos de consumidores e associações femininas, ampliando ainda mais a ressonância
da atuação empresarial. ** 2º Jornal do Brasil, 284087 *! Jornal do Brasil, 021187 *º Jornal do Brasil, 28.10.87 * Jornal do Brasil, 28.10.87 “* Jornal do Brasil, 281087 2º Jornal do Brasil, 28.10.87 *é Jornal do Brasil, 28.40.87 ” Jornal do Brasil, O24L87
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Frente Empresarial Mineira Enquanto a FLI se estruturava, outros empresários de Minas, junto com
membros da Frente da Livre Iniciativa, também se mobilizavam. Em finais de outubro
de 1987, 39 presidentes de federações, associações e sindicatos patronais *de todos os
setores da economia” reuniram-se em Belo Horizonte, na sede da Associação Comercial, para lançar as bases da Frente Empresarial Mineira, que passaria a pressionar os constituintes para que revertessem as posições da Comissão de Sistematização.” A reunião, realizada a portas fechadas, serviu de palco a duras acusações contra a “esquerda demagógica”. A FEM contaria, para montar seu QG em Brasília,
com uma ampla sala no Lago Sul, mantida pela Associação Comercial de Minas, e com
um lobby altamente qualificado para “esclarecer” os constituintes sobre as matérias em votação. Essa estrutura era especificamente destinada à Constituinte e seria mantida
enquanto durasse a elaboração da legislação ordinária, que sucederia à Constituição.
Fórum Informal Surgido em março de 1987, o Fórum Informal, por estar em São Paulo, era umaentidade aparte, constituído pelos presidentes do Sindicato dos Bancos de São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Paulo Queiroz); Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Mário Amato); Bolsa de Valores de São Paulo (Eduardo Rocha Azevedo); Federação do Comércio de São Paulo (Abram Szajman); Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Fábio Meirelles); Sociedade Rural Brasileira (Fábio Telles de Menezes); Associacão Comercial de São Paulo (Romeu
Trussardi Filho); e Federação das Empresas de Transporte Rodoviário do Sul e Centro-Oeste (Benedito Dario Ferraz)
Como espaço de discussão destinado a uniformizar idéias e ações do empresó reunia o grosso dos industriais, banqueiros e produtoresrurais paulistas, não sariado, masenfrentava em seu estado a maior concentração operária do país. O Fórum, portanto, era obrigado a cuidar não só da proeminência paulista entre as elites do país e
das relações do conjunto mais poderoso da economia nacional com o governo, mas da movimentação sindical mais intensa e organizada no meio urbano. Enquanto a UB era o foro de articulação com o governo, na questão da Constituinte, o Fórum Informal era
o órgão e espaço dearticulação para as questões extraConstituinte e até para enfrentar
o governo sobre temas de interesse do empresariado. E retirava da órbita política mais
ampla e da possível influência sobre a Constituinte as reivindicações operárias e sindicais, ao levar a discussão para âmbitos paralelos e distanciados. A questão sindical
e trabalhista era esvaziada como foco de pressão sobre a Constituinte e sobre o governo,
separando-se as questões imediatas (econômicas, sociais, sindicais e políticas) numa lateral do campo. Desta forma, neutralizava-se a possível junção de tópicos restritos
com globais, evitando-se o desgaste do governo e da própria UB, que passavam a ter
espaço livre para cuidar do Congresso. O Fórum era também o encarregado de negociações e vínculos com o “sindicalismo de resultados" nas questões imediatas — * Marco Antônio Antunes, Jornal do Brasil, 154187 *º Jornal do Brasil, 28.10.87 124
comoos reajustes salariais através da URP — “enchendoa bola” de sua liderança, principalmente de Medeiros, com o qual procurava estabelecer um “pacto social".*! Neste processo, o empresariado realizaria uma triangulação interessante com os líderes dicais conservadores e o governador de São Paulo, que, pouco a pouco,se tornaria um
candidato viável à sucessão presidencial, especialmente após receber apoio carioca e de
meios de comunicação.
Por outro lado, o Fórum cuidava de dizer “não” ao governo quandonecessário, na medida em que este, premido por demandas imediatas com relação à Constituinte, perdia de tanto em tanto a necessária frieza e o cálculo das diretrizes e oportunidades
de implementação de certas medidas,sacrificando muitas vezes o curto prazo econômico. De fato, enquanto as confederações estavam fora da jogada, participando da UB, e as outras associações se ocupavam de suas respectivas áreas, o Fórum era o único espaço de articulação e o único mecanismo capaz — pelo peso econômico de seus integrantes — deenfrentar o governo estatal ou qualquer outro segmento organizado. Lidava por-
tanto, com questões econômicas circunstanciais, que envolvessem o governo e a
economia, poupando a UB destas preocupações e minimizando o espaço de atrito desta
com o governo e o *Centrão”, o que lhe permitia encaminhar as questões da Constituinte sem desgaste desnecessário. Era o Fórum que se pronunciava a respeito de questões como o apoio (ou rejeição) a uma certa medida ou a um certo ministro; dis-
cutia salários e reivindicações sociais dos trabalhadores; e se posicionava a respeito de atitudes e diretrizes de governo.” Foi do Fórum que saiu o esforço (desenvolvido conjuntamente com os líderes metalúrgicos Luiz Antônio Medeiros, de São Paulo, Francisco Cardoso Filho, de Guarulhos, e Cláudio Camargo, de Osasco) para manter a URP, medida considerada vital para o empresariado, em defesa do poder aquisitivo dos trabalhadorese da própria estabilidade política do país.** O esforço dos empresários contaria com o apoio entusiástico da CNTI e suas 67 federações filiadas, lideradas por Calixto Ramos, que, num anúncio onde se pronunciava sarcasticamente “pelo social”,
manifestava seu repúdio à decisão governamental de congelar a URP.* Em toda esta
discussão, assim como em outras, o Centrão seria preservado ou, pelo menos, teria
minimizado efeito desagregador da impopularidade governamental e de sua própria
omissão, graças ao fato de que as questões candentes eram tratadas diretamente entre o empresariado e as lideranças sindicais conservadoras.
Modelando o governo e a economia Crucial neste tabuleiro de xadrez foi a eleição de Mário Amato (principal acionista da Holbstein-Kopperp S.A. Indústria de Máquinas) para presidir a Fiesp, que reunia Ill sindicatos industriais e 10 mil empresas, cujos trabalhadores produzem 60% do PIB. Com seu estilo combativo, sustentado por um enorme vigor físico, além de grande capacidade de articulação e ação, experimentado nas lides políticas desde a “º Jornal do Brasil, 281087 “! O encontro dos ministros Maílson da Nóbrega,Prisco Viana, Batiste de Abreu, Costa Couto e Ivan Mendes, dos líderes empresariais do Fórum e dossindicalistas Magri e Medeiroscom o presidente Samey, para discutir a questão dos reajustes salariais com base na URP,foi um exemplo claro do tipo de ação mencionada (Jornal do Brasil, 28.04.88) “ Jornal do Brasil, 28,0488 “! Jornal do Brasil, 28.06.88 “* Jornal do Brasil, 30.03.88; O Globo, 08.04.88 “Jornal do Brasil, 15.04.88
articulação empresarial do Ipes, em 64, Amato foi fundamental para comandar as
tropas empresariais nos diversos combates econômicose políticos e nas várias escaramuças sociais. Ele mesmo alertava: “Um homem que comanda um exército de 10 mil homens não é um Zé Banana”. E prometia: “Quero mostrar que o empresário moderno não é perverso”.' Seja lá quais tenham sido as intenções de Amato,o fato é que, como dirigente da Fiesp e do Fórum, ele se engajou numasérie de ações, visando a condicionar ou direcionar atitudes do governo e do movimento sindical.
Exemplares, nesse sentido, foram as atuações de Mário Amato em seus suces-
sivos embates com o governo e com Sarney, incluindo aí o ruidoso e um tanto jocoso
episódio no qual o líder do Fórum e da Fiesp foi comparado a nada menos do que Bakunin, acirrando um debate em torno da desobediência empresarial ao congelamento
de preços. Ou a manifestação dos empresários do Fórum contra a política fiscal do governo, em finais de 1987, qualificada por Amato como “ditadura econômica”. Com
isso ele resumia o pensamento do Fórum sobre o 'pacote” que estava sendo preparado
pelo ministro da Fazenda, Luiz Bresser Pereira. Sempre em nome de interesses mais
amplos que osdo setor empresarial — tratava-se de “umaviolência contra a sociedade”, segundo o documento do Fórum —, a entidade conseguia o feito político de reunir lideranças e correntes que, na questão da Constituinte, estruturaram-se em linhas di-
ferentes de atuação, embora convergissem em questões específicas.” Osoito integran-
tes do Fórum conseguiriam minar o pacote econômico, numa ação que levaria à queda
do ministro Bresser. O novo ministro, Maílson da Nóbrega, assumiria com o apoio do empresariado, manifesto nas declarações de Amato e de Roberto Fonseca, da Cotia
Trading; Eugênio Staub, da Gradiente; e Aldo Lorenzetti, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Eletro-eletrônicas (Abinee), entre outros.
Na mesma linha de pressão sobre o governo, vale lembrar a mais dura e
explosiva manifestação da Fiesp, resumida num documento de sete páginas e meia, onde seus diretores e assessores concluíam que não havia salvação para o governo Sarney, fora de um “gesto heróico” diante da crise. Pareciam instigá-lo a uma aposta ousada para ganhar ou perder tudo, como, por exemplo, uma declaração unilateral de moratória da dívida externa — centralizando o câmbio e suspendendo por três meses o pagamento dos juros da dívida externa, enquanto tentaria buscar opções para negociar novas bases de pagamento do débito. Este documento, que foi submetido à apreciação de líderes empresariais e políticos, avaliava ainda mudanças importantes na política e em certas questões setoriais, como a da informática. A análise era pessimista
em relação às chances de contornar a crise política que emergia da débâcle do Plano Cruzado,não visualizando muitas possibilidades a médio prazo para a “nova política
de governadores”. Com ela, Sarney pretendia obter um mínimo de sustentação e base de manobra, para recuperar o prestígio.
Por outro lado, havia a percepção da heterogeneidade de grupos e tendências da sociedade, que aceleravam seu processo de organização, diferenciação política e organização autônoma. Mas a declaração de moratória poderia levar a uma *mobilização das massas” em torno do presidente (ele ainda teria tempo de agir, tirando “* Jornal do Brasil, 26.09.86 “0 Globo, 1512.87; Jomal do Commércio,15.12.87 “º Jornal do Brasil, 2012.87 “> Jornal do Brasil, 2612.87. Maflsonda Nóbrega receberia o aval de Roberto Marinho, o primeiro a ser consultado pelo presidente Samey, e seria conduzido aocargoapesar das preferências do general Ivan Mendes, chefe do SNI,por José Serra. (Informe Econômico,Jornal do Brasil, 2612.87). 126
proveito da desarticulação de algumas forças sociais) que, então, poderia obter da Assembléia Constituinte o desejado mandato de seis anos e a sonhada estabilid ade administrativa, além de recuperar a popularidade perdida para ganhar a iniciativa política. O documento encaminhado por Amato ainda se detinha sobre a candente
questão da informática, argumentando que o PMDB não poderiasustentara sua unidade “diante de uma ampla coalizão militar-empresarial favorável à flexibilização”. Esta
incluía alguns pesos-pesados da indústria paulista e membros da cúpula das Forças Armadas, embora os empresários pensassem em barganhar eventuais modificações na
reserva de mercado em troca de facilidades às exportações brasileiras para os Estados Unidos e a garantia de que não haveria punições com as restrições previstas no Trade
Act norte-americano.
Pouco tempo depois, o governo decretaria a moratória — mas não como ato de soberania reclamado há tempos por segmentos importantes da população, e sim
pelas inexoráveis exigências do “caixa zero” —, enquanto o barco dareserva de mercado,apesar de todas as declarações em contrário, começava a fazer água rapidamente.
Com o fracasso da moratória, o empresariado deixaria o governo segurando o pincel da retórica, enquanto lhe retirava a escada de apoio político.
Mas não só de confrontos com o governo vivia o Fórum. Vale lembrar o esforço dos empresários, desde o início de 1987, para encaminhar um pacto — chamado de “trégua — ao governoe a dirigentes políticos, como Ulysses Guimarães. Eles se comprometiam a reduzir o lucro ao mínimo indispensável à manutenção de suas atividades, desde que o governo se comprometesse a controlar o déficit público e desse
a sua anuência à formacão de uma comissão de controle dos gastos e realização de Cortes nas despesas públicas.”! Também pode ser lembrado o apoio que empresários paulistas empenharam, em meados de outubro de 1987, ao presidente Sarney, para fortalecê-lo em sua intenção de influir mais decisivamente nos rumos da votação da Constituinte, apesar da ressalva do porta-voz do Fórum, Paulo Queiroz, também presidente do Sindicato dos Bancos de São Paulo: “Não apoiamos pessoas, mas sim
idéias e instituições, que precisam ser preservadas a qualquer custo”, Mário Amato, presidente da Fiesp, retocaria esta posição, ao anunciar: Estamos prestigiando as instituições e a presidência da República, nas pessoas do Dr. Ulysses e de Sarney, claro”? Outros dirigentes do Fórum preferiram dizer, simplesmente, que o apoio a Sarney, antes direto e explícito, passara a ser indireto. O Fórum Informal era também o 'enxugadouro” de teses consensuais do empresariado paulista para a Constituinte, embora não as fizesse chegar diretamente,
tendo sido esta tarefa uma das questões que estiveram na base de sua formação. O
roteiro da formulação incluía as demandas das federações e associações reunidas na entidade, que eram discutidas e depois enviadas à UB e aos parlamentares amigos.
Noconfronto capital-trabalho, o Fórum desenvolvia o que poderíamos chamar de manobras pelas laterais — formalizando e setorializando as questões — e induzindo a configuração de cenários secundários. Era a instância encarregada da negociação na frente de luta sindical, levando ainda, na retaguarda, a posição do governo. Esta a-
? Jomar Morais, Jornal do Brasil, 211.87 ! Miriam Leitão, Jornal do Brasil, 10.07.87 *º Jornal do Brasil, 20101. Segundo o presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, AbramSzajman, quem colocou a questão do apoio a Samey foi Abilio Diniz, do grupo Pão de Açúcar. 127
tuação tinha como base a preocupação com a economia e a intenção de assegurar o pacto social. Este, na verdade,era parte do combate e contenção do sindicalismo,e
almejava cobrir os flancos do empresariado, além de evitar o confronto governo-sindicatos, que fragilizaria o sistema pelaradicalização, colocando pressões insustentáveis sobre os constituintes conserviológicos. Para essa manobra, o empresariado deveria ser
capaz de arregimentaro “sindicalismo de resultados”. Isto implicava em aproximar-se cada vez mais da área sindical, através de forças auxiliares externas, como a USI, e
por meio das pontes móveis lançadas em direção a outros setores organizados de trabalhadores urbanos, que, esperava-se, funcionassem como linhas de atuação interna,
isto é, em áreas do adversário nos campos sindical, político e partidário, De fato, as pontes móveis, lançadas em direção ao chamado “sindicalismo de resultados”, objetivavam neutralizar ou, ao menos, criar dificuldades à CUT.
A importância de contar com os dirigentes operários conservadores, como
forças auxiliares externas, ganharia destaque em julho de 1987,e daí em diante, através
de um sindicalismo capaz de produzir resultados favoráveis à ação empresarial. Luiz
Antônio Medeiros seria a figura de importância neste jogo, que incluía desde empresários até políticos profissionais, que procurariam atraí-lo ou, pelo menos, obter a sua aquiescência. Quércia flertaria com ele, e Medeiros faria do governador de São Paulo o seu favorito. Até mesmo o PFL de Marco Maciel e Carlos Chiarelli o procuraria, apesar de Medeiros estar filiado ao PTB. Maciel, por sinal, conseguiria a pre-
sença de Medeiros para o lançamento, em Recife, do Movimento Trabalhista do seu
partido.
Realçandoe insuflando o “sindicalismo de resultados”, o empresariado esperava poder negociar diretamente, sem a interferência do governo, e até excluindo-o. Esta medida apresentava várias vantagens: ao excluir o governo, anulava a suposta força moderadora do confronto, deixando o empresariado, apoiado no “sindicalismo de resultados”, numa posição de força frente ao sindicalismo reformador, Como contrapar-
tida à redução da presença do Estado nas negociações, exclufa-se também o PT da área-problema, caracterizada como questão trabalhista e não-política, Como desdobramento, a manobra evitava a junção de forças CUT-PT, e deste complexo com outras
parcelas da população. Os conflitos sempre seriam “localizados”, procurando-se evitar a sua reverberação sobre os trabalhos da Constituinte. Era como se o empresariado destacasse uma divisão especial das suas forças, com a missão de levar a batalha num
campo deluta secundário, mas importante, já que o cenário principal continuava sendo a Constituinte — da qual a UBainda se encarregava.
Narealidade, a atuação do Fórum Informal e de seu sindicalismo expressava-se como um movimento de pinças sobre o adversário sindical, representado pela CUT. A junção empresarial-sindicalista impedia o sindicalismo reformador de ter um alvo claro e cerceava qualquer possibilidade de definir reivindicações amplas — já que o sindicalismo não só se apresentava cindido, mas um dos seus segmentos até se fazia presente comoaliado do empresariado e “apoiando” o governo. Por outro lado, estava
dado o espaço — e até facilitado — para a definição de metas limitadas e pontuais. Com isso, reduzia-se a atuação política do sindicalismo reformador da CUT, induzindo-o a lutas corporativas.
“Folhade5. 128
Já a UB seguiria trabalhando com a ajuda das forças auxiliares internas e apoiada nas linhas auxiliares externas, num jogo de mútuo reforço, complementar e
cumulativo, embora realizados em campos de luta diferentes. Nesse processo, a UB
procurava posicionar-se como um comandounificado — excluindo a UDR, que corria por faixa própria —, exterior aos pivôs, no interior de uma série de eixos de poder
e entre frentes móveis da área empresarial e militar. Seu objetivo era de perfilar-se como coordenadora da ação política no âmbito da Constituinte — que definia como sua
“área de responsabilidade”. Teria, portanto,de agir em trêsfrentes: na partidária, buscando direcionaras lideranças conserviológicas; sobre a opinião pública, cuidando da reper-
cussão que suas próprias ações e as do Centrão teriam; e na empresarial, almejando um entrosamento adequado de forças e a contenção daqueles segmentos que não se sujeitavam a sua orientação. Mas a multiplicidade de frentes de luta complicaria a atuação da UB, obrigando-a a estender suas linhas e diminuindo a sua eficácia e
eficiência.
Em finais de 1987, a UB assumiu a coordenação geral das ações, frente à
Constituinte, ressurgindo com um perfil diferente, já no contexto das articulações empresariais mais amplas, e — o que era mais importante — localizada de forma permanente em Brasília. Enquanto isso, o quartel-general da Frente pela Livre Iniciativa passava a ocupar um andar inteiro do Hotel Nacional, também na capital federal.
Contava com uma infra-estrutura de cerca de 20 técnicos (vindos de São Paulo, Rio, Porto Alegre e até da Amazônia)e três casas alugadas no Lago Sul,para servir de base
ao lobby empresarial. Para custear as passagens, estadia, salários e outras despesas, o empresariado começou a “passar a tigela”, na expressão de um poderoso dirigente.
Asnovas funcões da UB obedeciam tanto às demandas internas do empresari-
ado — de racionalização de esforços (concentração, multiplicação, concatenação e impacto dos recursos empregados ou em vias de preparo) — como ao panorama
partidário. Defato,foi a própria feição “conserviológica” daquele Congresso que impediu os pivôs, eixos políticos e incipientes frentes móveis de terem um corpo coerente e coeso de representantes políticos, o que seria fundamental numa arena exposta ao olho
público. Isto obrigou a UB a assumir a responsabilidade pela atuação nesta área e
empurrou o empresariado para um duplo movimento: de um lado, estimulava a con-
vergência dos conserviológicos, com suas teses e propostas — moderandoe refinando
a atuação destes e promovendoa integração dos membros do Centrão —; de outro, procurava manter uma sadia distância da ampla massa congressual, que era execrada pela opinião pública, ridicularizada pela sua inconsegiiência ou pelo oportunismo, desenvolvendo, também, umaatitude crítica em relação aos políticos “em geral”. Neste esforço, o empresariado aproximou-se perigosamente dos limites da antipolítica e do antipluralismo, deixando à mostra sua face autoritária.
Arrumando as própriasfileiras e as bases de atuação Osdiversos pivôs e organizações foram obrigados a fortalecer suas bases de
atuação, procurando estabelecer a paz que permitisse a ação efetiva sobre os alvos
externos. Era umapré-condição para o estabelecimento de eixos,frentes e alinhamen*t Jornal do Brasil, 129
tos confiáveis e eficazes. Mas, no caso do empresariado urbano e, particularmente do
paulista, as coisas foram mais complicadas. Havia um questionamento interno que, nascido comofoco de dissensão entreos jovens empresários, consolidava-se como pivô interno, institucionalizando o pensamento reformista, dirigido contra a cúpula da Fiesp. Emboraa ressonância fosse maior na seara daentidade paulista,outras regionais, como a gaúcha e a carioca, viveram problemas semelhantes (caso da Associação dos Jovens
Empresários e da Flupeme).
Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) Nasfrestas e nas bordas da ampla movimentação empresarial urbana, surgiu,
em 1986, o Pensamento Nacional das Bases Empresariais, um foco de descontentamento e de reformulação dasatitudestradicionais do empresariado. Este pivô interno da classe, nascido de um grupo de jovens empresários de mentalidade mais moderna, congregava figuras oriundas de movimentos de oposição sindical, que chegaram à
direção de suas agremiações com votos das pequenas e médias empresas. Em geral, reclamavam a maior participação das bases nas definições de rumos. Um conjunto de razões teria levado um grupo de presidentes de associações e sindicatos patronais — entre eles, Luís Paulo Butori, da Associação Brasileira da Indústria de Fundição (Abifa);
Luís Carlos Delben Leite, da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas; Oded Grajew, da Associação Brasileira de Indústrias de Brinquedos; Adauto Porto, vice-presidente da Abifarma — a catalisara insatisfação das “bases empresariais" 5 Com as bandeiras da livre iniciativa, da redução do papel do Estado e de uma
política econômica mais consistente, o PNBEganhou corpo, conseguindo 115 assinatu-
ras de apoio de entidades de classe, desde a Associação dos Fabricantes de Veículos até a de Microempresas.” Tentando fugir às intrigas que o apontavam como um sinal de disputa interna na Fiesp, os organizadores da nova entidade procuraram eliminar qualquer conotação separatista. Oded Grajew (Indústria de Brinquedos Grow), um de seus 11 coordenadores, definiria o PNBE como um movimento de “união”, algo que extrapolaria a idéia de um movimento só de empresários, para envolver toda a so-
ciedadenatarefa de pressionar por soluções construtivas e pelo entendimento nacional. Não durou muito, porém. Segundo líderes do próprio PNBE,“tanto a Fiesp como a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) visualizaram a nova entidade como uma
dissidência e a rechaçaram no nascedouro. O grupo só voltou a articular-se em março de 1987, “quando o Cruzado já submergia” massacrado pela inflação.” Os organizadores do PNBE, que fregientavam as reuniões da Fiesp como
representantes setoriais, desiludiram-se dos métodos daentidade, questionando, segundo Bruno Nardini (um de seus coordenadores), a representatividade das decisões ali tomadas, sem a devida “consulta às bases”.Com umaestrutura vertical, a Fiesp se apóia nos
sindicatos setoriais, que representam as 70 mil empresas do Estado, pautando as suas 5º Jornal do Brasi!, 09.06.87 *º Jornal do Brasil, 09,0687 *º Sandra Balbi, Senhor, 13.10.87 “ Sandra Balbi, Senhor, 13.10.87 130
decisões pela vontade dos presidentes destas agremiações. E às vezes “nem isso”, acusaria Paulo Roberto Butori (da Hitchiner, empresa de fundição de porte médio), um dos primeiros articuladores do movimento que deu origem ao PNBE. Segundo ele,
“quem comanda mesmo é um grupo de cinco a seis dirigentes”. Como exemplo, Butori citaria o sistema de votação no Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp),entidadecivil de representação do setor industrial, que chegou a causar polêmica. Mais adiante, o PNBE ainda denunciaria o que qualificava de retrocesso: o fato de Mário Amato, presidente da Fiesp, convocar uma assembléia geral extraordinária para
implantar um colégio eleitoral restrito, em substituição ao voto direto dos representantes das cerca de 12 mil empresas associadas. Questionou-se, portanto, a estrutura representativa do empresariado, seu for-
mato e métodos. O quediferencia a Fiesp do PNBE “é a ação prática,a tática. O estilo
mudou radicalmente”, garantiu um dirigente da nova entidade. Ou, como diria Bruno Nardini: “As bandeiras são as mesmas, a diferença está no processo”.º Grajew seria ainda mais claro: “A divisão no empresariado, hoje, não é mais entre grandes e pequenos e sim entre forças conservadoras e democráticas”, Com ele, concorda até hoje o
empresário Emerson Kapz, presidente do Sindicato das Indústrias de Instrumentos Musicais e Brinquedos do Estado de São Paulo e um dos dirigentes do PNBE: “As iniciativas de organização dos empresários, fora das instituições tradicionais, são muito bemvistas, sobretudo numa conjuntura de refluxo dos movimentos de massa”. E mais: “Siglas como UDR e PNBE vãoatrair pessoas que se afinem ideologicamente com elas, rompendo os limites corporativos de sindicatos e federações”. Contestou-se, também, a forma e os meios pelos quais o empresariado se articulava com a máquina estatal. Nildo Masini, presidente do Sindicato da Indústria de Trefilação e Laminação de Metais Não Ferrosos de São Paulo (Sicetel), vice-presidente da Fiesp e afinado com as demandas do PNBE, explicava, em outubro de 1987, que “o empresariado, num regime fechado, acaba tendo mais facilidades de acesso a deter-
minadas áreas”. E mais: “A comodidade se espalhou entre muitas lideranças, que imaginam que nós ainda estamos no mesmoprocesso deantes (...) Veja, por exemplo, a área da agricultura. O que acontece? Aparece uma UDR exatamente para contestar os métodos daslideranças anteriores(...) Assim, o PNBE foi uma explosão de insatisfação de determinadaslideranças empresariais (...) Sou presidente de um sindicato, que também é fruto desse regime anterior, que não vem só de 1964; vem de 1940, quando
o Getúlio trouxe para cá a famosa Carta del Lavoro, da Itália, criando toda essa estrutura sindical ligada ao Estado, com confederação, federação e sindicatos(...) E eu acredito que esta estrutura sindical ligada ao Estado vai acabar com a nova Constituição e com a aprovação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (...) Fora do aparelho de Estado, todas as entidades fatalmente serão mais dinâmicas (. .) Mais a longo prazo, entidades como as confederações, federações de indústria, agricultura, comércio etc, e seus sindicatos tenderão a desaparecer. Ficarão, aí sim, entidadescivis do tipo do Centro de Indústria, associações como a Abimag (indústria de máquinas), a Abinee (setor eletro-eletrônico) etc, que passaram viver independen-
temente do Estado”.
*! Sandra Balbi, Senhor, 1310.87 “2 O Estado de São Paulo, 29.0189 * Sandra Balbi, Senhor, [310.87 “: Sandra Balbi, Senhor, 13.10.87 131
-. Já Butori garantia que o PNBE nãopretendia “percorrer o velho caminho do
favoritismo e dos benefícios setoriais”, pois seu objetivo era o de estimular a participação política dos empresários. E exemplificava: “Quando Mário Amato, da Fiesp, ou
Abram Szajman, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo,falam, o governo interpreta as coisas a grosso modo. Quando há massa falando, é diferente”S* Nesse sentido, O intuito do PNBEera o de levar a Fiesp a participar e avançar politicamente, fazendoa cabeça dos empresários”, e não a excluir os grandes do seu público-alvo. Masse isto não fosse possível com a liderança existente, o PNBE não excluía a
possibilidade de disputar a sua direção.”
-
Tudoissoera reflexo da insatisfação política e econômica dos pequenos,
médios e microempresários de São Paulo. E o que fez eclodir o PNBE foia degri
golada da economia,após o fracasso do Plano Cruzado. Data daquela épocaa explosão
de contradições há décadas contornadas pelo empresariado. “Os pequenos e médios industriais têm nos grandes industriais os seus fornecedores de matérias-primas” conta Lawrence Pih, do Moinho Pacífico. No tempo do Cruzado — como ainda hoje em
determinados setores, como o do zinco e do alumínio —,eles tiveram de enfrentar a
cobrança de ágio por lobhies de grandes fornecedores. Consegiientemente, em meados
de 1987, o PNBEsereuniu no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo,
contando com a presença de federações de indústrias de nove estados, associações comerciais de cincoe dezenasdesindicatos patronais, em defesa de medidas concretas de política econômica,a curto, médio e longo prazos. Além disso, condenoua atuação governamental nesta área, que levara, segundoseus líderes, várias empresas à inadimPlência, minandoa confiança no investimento produtivo e sobretudo comprometendo
a própria livre iniciativa.
Mas havia um segundo alvo e motivo. Nardini, que representa a terceira geração no comandodas indústrias de sua família (sediadas em Americana, SP), pergunta: Que capitalismo é esse, em que uma empresa em vias de completar 80 anos, como
a nossa, consegue acumular um patrimônio de, no máximo 100 milhões de dólares, enquanto uma única Pessoa, no espaço de 20 anos, acumula uma fortuna pessoal de um
bilhão de dólares, como o empreiteiro Sebastião Camargo?”E ele mesmoresponde: “É
um sistema que nasceu atrelado ao Estado e que beneficiou alguns poucos, devido à
concentração do poder político e econômico. O Estado que está af nunca serviu à
classe empresarial, mas aos monopóliose às estatais”. Ao lado do deputado Guilherme
Afif Domingos (PL-SP) — quese projetou politicamente como patrono da microempresa —, o PNBE aproximou-se de algumas propostas da direção da Fiesp.”º Embora
resumidas na expressão “liberalização da economia”, ou seja: privatização, desregu-
lação, diminuição do tamanho do Estado etc — demandas comuns às duas entidades =>» Não necessariamente significavam a mesmacoisa para a liderança da Fiesp e do
PNBE.! Quando Se chegava ao miolodestas diferenças, era possível perceber o esboço
de umacríticaao sistema econômico brasileiro, o embrião de umaproposta de reestrutu-
ração do capitalismo e do sistema político.
“* Sandra Balbi, Senhor, 1310,87 “º Sandra Balbi, Senhor, 13.10.87 “* Jornal do Brasil, 09.06.87 “Sandra Balbi, Senhor, 13.10.87
Embora o PNBE preferisse — segundo Lawrence Pih — discutir as questões candentes como estabilidade no emprego e outras, “não comoSendBai dr. Afif Domingos,memBi Brasília, e sim c com às idlideranças sindicais sindicai: de São Paulo” ” (Senhor, 17.11.87).
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De fato, as divergências entre a Fiesp e o PNBE, no campo das idéias e dos
discursos (ressalvadas opiniões pessoais mais ou menos avançadas ou retrógradas nas duas organizações), giravam em torno de propostas que traziam consigo novas posturas
políticas frente aos problemas da sociedade brasileira. Umadelas é atacar a miséria que os assusta e que historicamente tem empurrado os militantes políticos para a trincheira anticapitalista. “Queremosparticipar e deter o poder que noscabe, para levaradiante mudanças que nos dêem umasociedade maisjusta”, diria Grajew. E acrescentava: “Eu
prefiro ter 40 milhões de consumidores no País a 40 milhões de miseráveis (...) os empresários do PNBE têm umavisão histórica de mudança, de futuro. Querem que o
Estado atenda aos interesses da maioria”. Mas, apesar de perceberem que eram
“empresários produtivos” — gerando empregos e riquezas — e terem, portanto, “um
poderreal”, este não repercutia “no poder instituído”. Para superar esta situação, a entidade prega a união entre empresários e trabalhadores, em torno de pontos de interesse comum, comoa redistribuição da renda,o crescimento do emprego e as liber-
dades políticas. Para Grajew, desta união poderá sair uma alternativa “ao marasmo
econômico e político que a Nova República engendrou”.”?
Não por acaso, o PNBE chegoua ter, entre seus colaboradores, um dono de empresa que dedicou parte de seu tempo a coletar dinheiro para o Partido dos Traba-
lhadores: Lawrence Pih, que depois se filiaria ao PSDB.” Mais tarde, a entidade
dedicaria boa parte de seus esforços à temática de forçar uma convergência empresa-
rial-sindical, através do “sindicalismo de resultados” de Luiz Antônio Medeiros. E
ainda faria alguns acenos amigáveis à própria CUT de Jair Meneguelli.
Ao ser oficialmente lançado, no dia 9 de junho de 1987, no Palácio das Convenções, no Anhembi, em São Paulo, o PNBE reuniu 2.700 empresários de todo
o país, para “dizer não à especulação e valorizar a produção”! No mesmo dia, o governo abria uma linha de refinanciamento das dívidas dos pequenos, médios e microempresários, com a correção monetária cortada pela metade e juros de 3% ao mês.” Nodia 5 de outubro do mesmoano, o PNBE juntou quase duas mil pessoas, no Palácio das Convenções,para agitar publicamente a bandeira do liberalismo, sabatinar
o ministro Bresser Pereira e promover a aproximaçãodireta entre empresários e trabalhadores, deixando o governo de lado.
Nodia 10 de novembro de 1987, o PNBE marcou um encontro nacional com sindicalistas, para um dia de “réflexão sobre a estabilidade”. No Centro das Indústrias
de Santo Amaro (SP), a vedete foi Luiz Antônio Medeiros, presidente do maior sindicato da América Latina, o dos metalúrgicos da capital. Afinal, Medeiros pensa como Joseph Couri, que foi seu anfitrião.”
Um outro objetivo da entidade — o de sacudir a mentalidade empresarial e a sua postura política ampla — fazia do PNBE “um movimento político”, pois visava
mudanças no sistema, para torná-lo “mais aberto e democrático”, como dizia Oded Grajew. O ponto de aglutinação de seus membros, segundo Nardini, é “a crítica à ditadura, a esperança no processo democrático e uma enorme frustração com Os resul-
*: Sandra Balbi, Senhor, 13.40.87 “Senhor, VIAST * Jornal do Brasil, 05.06.87 ** Sandra Balbi, Senhor, 130.87 “é Sandra Balbi, Senhor, 131087 * Senhor, I7JLAT 133
tados que até agora se verificaram”.É bom lembrar que — como explicava Nardini
— nem todos os empresários acham “que o melhor caminho para enfrentar o diabo da Constituinte é ode sacar a arma — ou talão de cheques”? A consegiiência política desta postura de princípios lhe valeria, tempos depois, uma menção no jornal “Letras
em Marcha”, da direita militar, numeditorial intitulado “Suicidas traidores” 3º
Associação dos Jovens Empresários Outro pivô empresarial surgiu no Rio Grande do Sul, em 1985. Também composto de figuras jovens, provenientes de famílias bem-sucedidas, eles fizeram questão de marcar suas diferenças de estilo pessoal, administrativo e político com vários de seus antecessores.
Os“jovens empresários” são ardorosos defensores da participação, não apenas em suas associações — vistas muito mais como representativas do que participativas — mas em todos os setores da sociedade. E sempre se rebelaram contra as entidades mais conservadorase tradicionais do meio gaúcho, como a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) e a Federação das Associações Comerciais
(Federasul), que preferiam vê-los como seu departamento do que como associação independente.
O ponto focal dos cerca de 200 empresários reunidos na AJE é o binômio informação-formação, como eixo e propulsor da participação empresarial e política. Segundo Tatiana Mandelli, filha de Luis Carlos Mandelli, presidente da Fiergs, além de 2º vice-presidente da AJE e proprietária de uma empresa de móveis, a entidade tem
um projeto específico que visa à integração entre todas as agremiações empresariais, fortalecendo sua unidade de ação. Como os membros do PNBE, Tatiana Mandelli
costuma dizer que “a classe empresarial brasileira, em 50 anos de história, não trans-
formou a sociedade no sentido da melhoria da qualidade de vida. É verdade que dedicou bastante os meios de produção, mas inovou muito pouco em outras áreas”.8!
Outro dos dirigentes da AJE, Mário Englert, critica o empresariado tradicional, por ter “medo de correr riscos nos investimentos que surgem”, o que para ele
*não podeexistir numa sociedade capitalista. No mesmo sentido, Mandelli condena os empresários que visam “a manutenção doslucros, sem aceitarriscos”. Englert — junto
com outros dirigentes da AJE, como Felipe Bordasch e Elizabeth Sefrin — preconiza “umanova mentalidade empresarial” que estimulea participação de todos nas decisões e nos lucros, remunerando adequadamente o trabalhador. Enfatizam, ainda, a neces-
sidade de encaminhar a economia brasileira para o setor de serviços e preconizam —
num rompante toffleriano — uma redução não só do tamanho do Estado, mas da
própria empresa privada.
anda Balbi, Senhor,1. Senhor, 171187 £º Letras em Marcha, dezembro de 1988 *! Antônio Matello, Jornal do Brasil, 06.03.89 *º Antônio Maúiello, Jornat do Brasil, 06.03.89 134
Eixos e frentes: as arenas sociais e políticas
O eixo de poder rural-urbano: a UDR e o MDU Umavez obtida a bancada na Assembléia Nacional Constituinte, a UDR passou
a acompanhar o trabalho de seus representantes no Congresso e de seus simpatizantes
espalhados pelo país. Parecia óbvio que a simples eleição de um núcleo de deputados e senadores “uderristas” não esgotava a questão. Eles precisavam do apoio tático, da escora e da ressonância da UDR. Era necessário providenciar a parafernália de infor-
mações, equipamentos, recursos humanos,transporte, recursos monetáriose a assistência
técnica, Nesse momento, Caiado assinalou: “Organizo a classe e subsidio os deputados
com as informações que eles vão precisar para votar de acordo com nossosinteresses.
A UDRlogo estará organizada em todo o país e teremos mais dados que o Ministério
da Agricultura”.No entanto, os parlamentares precisavam de vigilância da UDR, para que não se perdessem no pântano dos acordos e das negociações de curto alcance. Era necessário acompanhar a vaquejada com especial atenção,para evitar que alguns novilhos ficassem pelo caminho. A UDR, afinal de contas, sabia com quem estava lidando.
Para tanto, a entidade passou a desenvolver duas linhas de ação encadeadas
operacionalmente, interligadas taticamente e de efeitos cumulativos: a) pressão interna (sobre a Constituinte),
b) pressão externa (sobre a mídia, as organizações ruralistas tradicionais e outros setores empresariais), queteria repercussões sobre os parlamentares. Foi para desenvolverestas duas linhas de ação que a UDR visualizou três
movimentos importantíssimos.
O primeiro procurava generalizar ainda mais as suas propostas no meio rural e disseminar a mensagem propagandística, fazendo da organização um verdadeiro aríete
político (e não só ideológico ou de interesses setoriais do âmbito rural), capaz de incorporar diversos setores produtivos de forma tal, que suas demandas encontrariam ressonância na UDR. Por outro lado, o encaminhamento dos pleitos em nome de “todos” os proprietários rurais significava não só incorporar setores desorganizados, mas obter a aquiescência, simpatia e até o apoio de diversas entidades tradicionais do meio rural. Uma vez que a identidade e a autonomia política da UDR já estavam consolidadas, a UDR não seria descaracterizada por este processo de inclusão ampla, permitindo-lhe, ainda, vislumbrar a possibilidade de transformar-se em organização “guarda-chuva” ou frente operacional do setor rural — como a UBera do setor empresarial urbano. Neste movimento, a UDR definiu a sua “área de responsabilidade” — nas frentes de luta da Constituinte, do governo, da opinião pública e partidária — e ocupou as “áreas-terraça” — que separavam as diversas organizações tradicionais de proprie-
tários rurais —, consolidandoo seu predomínio na condução política de seus interesses.
O músculo político da UDR deixava de ser flexionado com anterior intuito
intimidatório — que tinha por alvos a voz e o voto rural-popular, os ativistas da *i Teresa Cardoso, Jornal do Brasil, 05.11.86, De fato,após um intensotrabalho de mais de um ano, a UDR passou à ter representações oficiais em 143 cidades. Foi capaz. -se em 131 conselhosregionais em 19 estados, contando com 150 mil associados e uma executiva nacional agressivamente dinâmi mentofoi vertiginoso e,já em janeiro de 1988, a UDR estaria organizada em 240 seções regionais,contando com o apoio de 250 mil associados. (O Globo, 31.01.88) 135
reforma agrária,os sindicalistas e os “padres vermelhos” — e passavaa direcionar suas forçascontra os parlamentares progressistas e o governo, assumia claramente a posição de entidade classista.” Com isso, procurava suavizar suas relações com a Igreja, ten-
tando estabelecer algumas pontes com as áreas mais conservadoras, além de neutralizar as arestas com os “moderados”.A UDR precisava demonstrar que não só era uma
organização tenaz e persistente contra os adversários mais óbvios, mas fundamentalmente capaz de ocupar espaços políticos afins — ampliando o seu raio de ação nas classes dominantes — , além de outros setores, inclusive o pequeno agricultor, para
atingir os perímetros municipais urbanos que — pela sua proximidade — tivessem
direta ingerência política, cultural e econômica no campo.
O *Alertaço”, no início de 87, foi um evento característico desta etapa. Cerca de 20 mil produtores rurais se reuniram durante um dia inteiro, no Ginásio de Esportes
Presidente Médici, em Brasília, para protestar contra a política agrícola do governo.
Esperava-se uma manifestação moderada, inclusive entre os próprios organizadores — entre eles, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), de Roberto Rodrigues, liderando a Frente Ampla da Agropecuária (entidade formalizada pela SRB ligada ao governo) que fora criada para neutralizar a presença de Caiado entre os produtores do
setor.Mas o Dia do Alerta do Campo à População acabou saindo dostrilhos imaginados,após o encontro de Caiado, na mesmatarde, com presidente Samey; o ministro da Agricultura Íris Rezende; o ministro Dílson Funaro, da Fazenda; e o presidente do Banco do Brasil, Camilo Calazans; além de líderes e produtores rurais, como Ary
Marimon, presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul; e Roberto Rodrigues, da OCB, na cerimônia de lançamento da Caderneta Rural. Oslíderes dos empresários entregaram umalista de reivindicações, que o presidente prometeu apenas “estudar”. Sarney foi seco com o líder da UDR, para quem chegou a virar as costas, encerrando a cerimônia.”
Do Planalto, Caiado voltou à concentração, onde fez, em meio a gestos teatrais,
urrose aplausos da platéia, um relato do encontro com Sarney. Anunciou-o como “uma derrota” e contou queo presidente os recebera “num lugar em que despacha documentos, mostrando total desrespeito” à organização. “Será que eles pensam que somos palhaços?”, perguntou,irado. A inflamadaplatéia iniciou, então, uma imensa e agressiva passeata, sob chuva fina, em direção ao Palácio do Planalto. Ali, foi barrada por uma
tropa de choque da Polícia Militar, armada com metralhadorase cães e reforçada, lá
dentro, por um contingente de 50 homens da Polícia do Exército. Diante disso, Caiado demoveu os manifestantes da idéia de ir até o Palácio, enquanto Levi Montebelo, da Associação de Produtores Rurais de Itaí, São Paulo, soltava umafrase de efeito sobre
a multidão: “Em vez de matar companheiros agora, preferimos matar de fome o país e pôr os tecnocratas do Ministério da Fazenda para plantar no campo”. Foi umafrustração para as outras liderançasrurais, que haviam pensado numa
manifestação ordeira com os 400 ônibus provenientes de vários pontos do país. No
“º O líder uderrista Carlos Alberto Xavier, coronel da reserva, esclareceria (por ocasião do cancelamento de uma missa pelo bispo de Bagé, Dom Laurindo Guizardi, em ação de graças pelas vitórias da UDR na Constituinte) que não pretendia polemizar com a Igreja, já que nãoera contra clero, Segundo ele, a UDRapenas repudiava os “padres vermelhos, “quea doentidade que menoscuidam é de religião”. (Jornal do Brasil, 24.06.87) ** Bispos da Igreja se reuniriam com a direção da UDR,a pedido desta, num1 à respeito da campanha desenvolvida pela Pastoral da Terra e à questão da reforma agrária (Relatório Reservado, 30.1/06.1.87) “é Jornal do Brasi
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início da noite, porém, todos acordaram em paralisar a comercialização de seus produtos, a partir de março de 87. Caiado enfatizou que, a partir do dia 10, não se pro-
duziria mais “um único grão neste país”.”
Outra forma de marcar presença foi a caracterização da UDR como órgão
técnico e não somente político. Nesse sentido, a regional de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, com seus mais de 2 mil associados, realizou uma experiência-piloto com famílias de pequenos agricultores dodistrito de São Marcos, todos eles falidos em conseqiiência de empréstimos com o Banco do Brasil. Além de levantar a bandeira da anistia fiscal, a UDR forneceria insumos e assistência técnica àqueles produtores, na fase crítica em que se encontravam. Com isso, marcava tentos contra o governo e
conquistava a simpatia do pequeno agricultor.”
A UDR também procurou estabelecer uma ação política cuidadosa sobre as
organizações ruralistas, buscando o acordo ou a imposição das suas teses, para que o trabalho na Constituinte não fosse pulverizado por propostas setoriais ou, pior ainda, conflitivas. Assim, Caiado propôs algum tipo de coalizão ou coligação — uma“frente ampla” — com outros setores dominantes,
Para ampliar o leque de interlocutores, a entidade tratou de procurar outros
agrupamentos “menos estridentes, mas nem por isso menos atuantes”— como a Or
ganização das Cooperativas Brasileiras, a Federação da Agricultura do Estado de São
Paulo (Faesp) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB) — cujos presidentes eram Roberto
Rodrigues, Fábio Meirelles e Flavio Telles de Menezes, respectivamente.” Estas organizações representavam dois milhões de produtoresrurais dos cinco milhões existentes. E tinham sido responsáveis pela eleição de 49 constituintes de vários partidos, todoseles comprometidos com as teses do setorpatronal da agricultura. Foram elasque
montaram o primeiro agrupamento parlamentar específico, cerca de 100 congressistas — um grupo que foi batizado de Frente Parlamentar da Agricultura ou Frente Par-
lamentar Agrícola.
Maso início não foi fácil. Havia discordância de objetivos e métodos entre os diversos setores proprietários do meio rural, que muitas vezes expressavam diferenças ideológicas. Uma boa base de trabalho era a Frente Ampla Ruralista, já testada especificamente para as eleições de 1986. A FAR nasceudoesforço do dirigente uderrista Udelson Franco, do Triângulo Mineiro, e mais cerca de 50 líderes ruralistas de Minas. O objetivo era reunir, às vésperas das eleições, 2 mil a 4 mil produtores rurais, para um debate com candidatos à Constituinte. Se estes desejassem o apoio das lideranças rurais, teriam de “assinar um termo de compromisso com a classe”? A Frente Agropecuária também foi vista como veículo conveniente para abrir espaço, tanto para os pequenos proprietários rurais — aglutinados na Federação dos Trabalhadores Rurais — quanto para os grandes pecuaristas da UDR. Tal frente fora
*» Jornal do Brasil, 130287 “00 Globo, 310188 ”! Fazendo poucas restrições ao período do autoritarismo, Fábio Meirelles propõe, hoje, que “o Estado não seja massacrador, masapenas um orientador da economia”. E que procure uma política econômica capaz de oferecer “um salário mínimo de 100 dólares, que possibilite a criação de um mercado interno compatível com o desenvolvimento brasileiro”, complementa Roberto Rodrigues. À isto, Flávio Menezes acrescentaria: “Não mais podemosnos escandalizar com a lua de classes, pois cla é, mais do que nunca, uma disputa pela renda — algo que é salutar no capitalismo que desejamos, modernoe agil” E *? Marco Antônio Coelho Filho,Jornal do Brasil, 30.08.87; Entrevista de Flávio Telles de Menezes a Marco Antônio Antunes,Jornal do Brasil, 151187 3 Jornal do Brasil, 2310.86 137
” constituída com o objetivo de assegurar uma presença ruralista na Constituinte — o que Flávio Telles de Menezes chamava de “bloco parlamentar rural” — e levar os congressistas a definirem “uma política agrícola de médio e longo prazo'.”* Mas a Frente
Agropecuária apresentava alguns problemas para a UDR, e não só por ser umacriação da SRB, com a qual mantinha relações “cheias de espinhos”. Embora a defesa dalivre iniciativa e da propriedade fossem objetivos comuns aos fazendeiros, minimizando “choques em relação a uma“estratégia de atuação” junto ao Congresso, havia — segundo
Flávio Telles de Menezes — “divergências quanto ao estilo dessa defesa”.Por exemplo, a SRB era contra a reforma agrária, em nome da defesa do “produtor rural" e no
marco de suas preocupações com a “produção” e a definição de uma “política agrícola”,
enquanto que a UDR defendia — como base para rejeitá-la — a “propriedade da terra em si'.% E estas diferenças cresciam, ainda mais, fora do âmbito da Constituinte.
Havia outras divergências que atrapalhavam. Uma delas, segundo Roosevelt Roque dos Santos, vice-presidente da UDR,envolvia o que parecia uma simples questão de semântica: o fato de que tantos empresários tinham medo de assumir o rótulo de “direita”. Isto, segundo o dirigente da UDR, impedia que o bloco dos empresários tivesse “um nítido contornoideológico”. Para Roque dos Santos, a direita só deixaria de ser “um saco de gatos” quando suas lideranças assumissem publicamente suas posições. “Eu sou de direita e não me envergonho disso”, dizia, por sua vez, o presidente
da UDR paulista. “Mas tanto a Fiesp, como as entidades que representam os proprie-
tários rurais estão cheias de gente quefica em cima do muro. Isso causa desunião”,”
Tempos depois, Flávio Telles de Menezesfaria questão de explicar queera de “direita”, mas “liberal”. Isto implicava em “defendero capitalismoe a liberdade de empreender”,
frisando que “o Estado só deve existir para preservar a ordem econômica e preservar
a livre concorrência de mercado,e não para se aliar com o capital e dominar o país”.
Nas conversas quase diárias que mantinha com o líder da UDR, Roque dos Santos costumava fazer um balanço dos “enrustidos que atrapalham a união de direita”,
citando empresários e políticos. Estes últimos, nasua opinião, eram ainda piores: “Não se declaram de direita, porque a direita pode não render voto popular. Mas quando a
esquerda era reprimida pelo regime militar, muitos deles corriam a se manifestar como
homens de centro-direita”. Consegiiênte com sua análise, Roque dos Santos aconselhava Caiado: “Sabe, nós que tivemos a chance de estudar e somos cultos, temos de educar o povo:dizer claramente quais os políticos que são de direita para acabar com
essa confusão”.
As diferenças, contudo, não eram apenas de semântica, estilo ou enfoque
político. Flávio Telles, por exemplo,não gostava “do barulho” da UDR,em seu esforço
político de conquistar a presidência das entidades rurais. Comentava-se quea entidade
estaria *desestabilizando as lideranças das cooperativas, em todo o Brasil”, para eleger pessoas a ela ligadas. Para presidir a Confederação Nacional da Agricultura, por exemplo, o homem da UDR seria o deputado Alysson Paulinelli, do PFL,/o Mas para que
O Globo, 15.12.86 O Globo, 151286 Senhor, 71187 Senhor; 171.87 Flávio Telles de Menezes, entrevista a Marco Antônio Antunes, Jornal do Brasil, 15487 *º Senhor, 174187 Jo A sucessão na CNAestava marcada pela premência. O ex-serador Flávio da Costa Brito,que a presidira desde 1985 (e nessa condição A representara na UB),se desligardo cargo cm de 1987. Meses depois,seria uma investigação formal (pela Federal), Juntamente com 0 ex-secretário da Agricultura dezembro da Paraíba Elzir Nogueira Matos, « o objetode presidente da Federação da AgriculturaPolícia do Amazonas Eurípides Ferreira Lins, sob suspeita de um acréscimo irregular de muis 50% nos salários da diretoria executiva da CNA;além de pagamentos “e diárias e prestações de serviços falsas; compra de gravadores de video, relógios, máquinas fotográficas,brinquedos e secretárias eletrônicas não contabilizadas Jornal do Brasi, 28.07.88). 138
” Paulinelli chegasse ao cargo — do qual se tornou presidente eleito em 1988, dando aos uderristas um pé na UB —, a UDRprecisava ter o controle das cooperativas.!º! Noinício de 1987, Caiado (UDR), Flávio Telles de Menezes (SRB) e Roberto
Rodrigues (OCB) acertaram que, embora não pudessem eliminar suas divergências, tentariam pelo menosevitar que se tornassem públicas.!? O deputado Roberto Cardoso Alves, dirigente da Sociedade Rural Brasileira, seria uma peça importantíssima no esquema uderrista, na costura da aliança entre a própria SRB, a CNA, a OCB e a UDR.!º3
No Rio Grande do Sul, o quadro não era diferente. Mas foi, de qualquer maneira, favorável à expansão da ação da entidade. Há pouco tempo, a representante exclusiva e inconteste dos 200 mil proprietários rurais do Estado era a Federação da
Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), presidida por Ary Marimon. Mas à medida que se intensificou a ação organizada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra — com cerca de 150 mil famílias de lavradores e camponeses em luta pela reforma agrária, inclusive invadindo fazendas da região —, um segmento dos grandes proprietários resolveu aderir à UDR. O esforço foi centrado em torno de Gilberto Scopel de Moraes, médico e arrozeiro, que já tinha liderado a implantação da UDR no estado e viria a ser seu presidente regional. Evitando celeumas maiores, Scopel defendeu a simultaneidade de representação, fazendo com que osatritos iniciais com as
entidadessindicais dos grandes proprietários rurais do estado fossem substituídos por uma espécie de “coexistência pacífica”. Embora Ary Marimon admitisse que havia “um espaço” para a UDR,advertia a entidade para “ficar nele”. Aparentemente,tal espaço seria o das ações de choque — a UDR sendo vista comoa tropa apropriada para lidar com os conflitos fundiários —, deixando o outro, de representação política, para a Farsul,!9t Tudoisto não freava o ímpeto da UDR,quevivia uma fase de grande cresci-
mento. Em apenas seis meses, a UDR se organizou em nove regiões do Estado, com núcleos em 33 municípios, cada um com cerca de 400 filiados. Embora sem estrutura para o confronto com a Farsul — cujas lideranças estavam instaladas em TIO sindicatos rurais —, a UDR deslanchou sua campanha de pressão,para estabelecer a proeminência no meio ruralista. Os resultados não se fizeram esperar. Com seu primeiro mandato esgotado no início de 1988, Ary Marimon — que se definia como “um homem de centro e de diálogo” — chegou a relutar em aceitar a reeleição. Ao concordar, porém, mudou a feição da diretoria, que ganhava umacoloração uderrista. Nela estariam: Erico Ribeiro, o maior plantador individual de arroz do mundo; Carlos Alberto Faccin,
presidente do Sindicato Rural de Cruz Alta — chamada de “capital gaúcha da reforma agrária e um doscentros fortes da UDR —; e incluiu como seu primeiro vice-presidente, o ex-secretário da Agricultura João Jardim, também com bom trânsito em áreas mais
conservadoras.!º Para completar, a UDR teria no presidente da Farsul um apoio importantíssimo na luta para fazer de Allyson Paulinelli o novo presidente da Confederação Nacional da Agricultura, cujo vice seria o próprio Ary Marimon. O esforço da UDR também ajudou a pacificar as liderancas rurais, que finalmente superaram algumas divergências, graças — é bem verdade —.ao *empurrão'
Senhor, [74187 Senhor, VU87 Christiane Samarco, Jornal do Brasil, 1610.88 16º O Globo, 612.87 “63 O Globo, 612.87 139
a pouco amigável dado pela Comissão de Sistematização, ao aprovar a imissão automática de posse depois de 90 dias.!º% A aproximaçãoseria consolidadaatravés de um
acerto de cúpula, obtido em final de 1987, entre a Confederação Nacional da Agricultura, a Sociedade Rural Brasileira, a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo e a União Democrática Ruralista. O acordo estipulava a atuação conjunta destas entidades — mediante consulta prévia — sobre assuntos da Constituinte ou de interesse do setor rural. Ao uniformizar a ação política das entidades, viabilizava-se um importante eixo de poder, no qual se destacava a UDR, quevia esboçar-se uma frente móvel do empresariado rural. Mas este esforço não pode ser encarado como iniciativa de mão única da
UDR, em relação aos outros setores ou entidades congêneres. Na verdade, houve
também a ação conjunta de outros agrupamentos, na tentativa de “domesticar" a UDR, com ou sem Caiado. A alternativa era incorporar o potencial mobilizador da UDR para uma ação mais ponderada, abrangente e profunda, ou deir ao confronto. Neste caso,
as elites tradicionais do setor rural teriam que ter condições de “queimar” a UDR — o que a relegaria ao papel de maverick ou de núcleo de agitação, mas sem profundi-
dade.
O segundo movimento da entidade, naquela fase, almejava manter uma pre-
sença ostensiva e um trabalho de bastidores, intenso e sistemático, em torno da Cons-
tituinte, comoeixo de referência para a preparação da base de ação e da infra-estru tura organizacional, que viabilizasse o terceiro movimento. A questão principal era acom-
panhar de perto a votação da nova Constituição e, para isso, a UDR se lançou numa desenfreada e febril campanha de pressão política, envolvimento propagandístico e ação econômica, desenvolvidas através de intervenções preventivas e agressão
caracterizada, procurando delinear e proteger suas áreas de responsabilidade.
Já em meados de 1987, a UDR mostrava seu estilo, ao comprar, por 300 cruzados, cada uma das mais de 400 senhas destinadas a camponeses, para assistir às vo-
tações da Comissão de Sistematização da Constituinte. Com isso, a entidade garantia a presença de 600 representantes no Congresso, segundorelato de seu diretor nacional, Cesmar Moura, que comandava o lobby da UDR em Brasília, junto com outras 20 pessoas. Moura fazia uma pergunta retórica: “Você acha que camponês vai deixar de ganhar 300 cruzados, para ficar assistindo no plenário do Congresso a um telecatch
promovido pelos comunistas?” Propôs-se a comprar, nas votações seguintes, “todas as
senhas deles”.!7
A partir de junho,
trabalho de bastidores acompanhava a algazarra das
galerias, já que 1.500 empresários rurais, provenientes de 17 estados, passaram visitar
discretamente os constituintes. Os mais procurados eram os 63 integrantes da Comissão da Ordem Econômica, que, como os membros das outras sete comissões, começava m a discutir o parecer do seu relator, senador Severo Gomes. Os militantes da UDR tinham três objetivos: garantir a livre empresa diante do intervencionismo estatal;
impedir a fixação de um tamanho máximo para a propriedade rural; e dificultar a
reforma agrária.!ºº E pretendiam repetir a dose, durante a votação na Subcomissão da
Reforma Agrária: chegar bem cedo e ocupar as 900 cadeiras das galerias. Roosevelt Roque dos Santos anunciava, no Eron Palace Hotel, em Brasília (onde a cúpula da
1º8 Gustavo Correa de Camargo, Relatório Reservado, 09/1511.87 “0? Jornal do Brasil, 28.06.87 19º Jornal do Brasil,12.06.87 140
a entidade estava instalada), que já tinha praticamente a maioria dos 63 votos na Comissão.!” A UDR prometia comprar, mais uma vez, os convites dos camponeses para assistir às votações, garantindo levar para a entrada do Congresso mais de 10 mil
pessoas, organizadas em 123 caravanas provenientes de todo o país.
No mesmoveio, a UDRseria encarregada, pela Frente Ampla da Agropecuária Brasileira, de liderar, no dia 10 de julho de 1987, uma marcha de 30 mil proprietários
rurais sobre Brasília, para impedir que a CUT, a CGT e a Comissão Pastoral da Terra
ficassem em maioria nas galerias do Congresso, durante a votação do anteprojeto da
Comissão de Sistematização da Constituinte. Paulo Roberto Bernardes, vice-presidente da seccional mineira da UDR, recém-eleito presidente da Organização das Cooperati-
vas de Minas Gerais (Ocemg) e depois secretário-geral da Frente Ampla em Minas (composta pela própria UDR, OCB, SRB e CNA), explicaria os propósitos da marcha: “Nós vamos lá dar apoio aos nossos deputados, àqueles que defendem os mesmos princípios da UDR, de direito à propriedade privadae respeito ao princípio da livre ini-
ciativa”.!º Luiz Barros, empresário rural, frisava que “se a Constituinte aprovar uma reforma agrária avançada, será o caos, O início do comunismo”!!! A UDRmontou um verdadeiro espetáculo de propaganda,alojando em quase
20barracas de circo e dezenas de tendas de camping, no Parque da Cidade, parte dos 30 mil manifestantes que desembarcaram em Brasília, provenientes de 14 estados."
Um terço dos participantes da marcha saíra de Minas, em 250 ônibus alugados pela
seccional da UDR. Junto com os proprietários de terra, vieram também os peões en-
carregados de montar as barracas, que embora tenham dado toque popular, provocaram
certas reações adversas nas próprias fileiras da entidade. Luiz Sabaine, proprietário
rural de Maringá, no Paraná, preferiu trocar as barracas de circo, sem chuveiro, por um confortável apartamento no Hotel San Marco.!3 ' Não faltou o toque folclórico do costume da serventia: Anselmo Rodrigues,
proprietário rural em Itabuna e São Francisco, na Bahia, trouxe a mulher, oito filhos
e umabaiana para fazer acarajé. Mais sofisticadas, as regionais de São Paulo e Teresina contrataram um bufê, que despejou num restaurante improvisado numa das barracas 2 toneladas de alimentos,reforçados pela carga de verduras e hortaliças trazidas portrês
caminhões. !!4
O segundo movimento desdobrava-se, ainda, em várias manobras: a) manter uma presença combativa no meio rural contra a reforma agrária e seus militantes — e um muro de contenção das ocupações de terra e do
crescimento de suaslideranças. Exemplar nesta manobra foram as diver-
sas mobilizações que a UDRrealizou contra colonos. Este tipo de atividade
consolidou a presença da entidade no meio rural, mudando, por exemplo,
a situação no Rio Grande do Sul, onde a UDR organizou o cerco armado
de seis dias aos 1.500 colonos que invadiram a Fazenda São Juvenal, em Cruz Alta, reunindo 300 fazendeiros em apoio aos proprietários. A demonstração de força, com homens a cavalo jogando invasores sobre cercas
1? Jornal do Brasil, 12.06.87 to Tornal do Brasil, 2187 +» Jornal do Brasil, 10.07.87 *s Jornal do Brasil, 10.07.87 141
de arame, marcou liderança do presidente estadual da entidade, o cirurgiãoplástico e fazendeiroGilberto Scopel de Moraes.!!'5 Numa outra opor-
tunidade, e através do mesmo Scopel de Moraes, todos os associados e ruralistas foram convocados à Fazenda Burity, em Santo Ângelo, ocupada por cerca de 700 famílias de colonos. Os líderes dos trabalhadores sem terra foram qualificados de “bando de vagabundos que recebe salários para nãotrabalhar, enquanto o produtor rural nada recebe”. Só na Rádio Guaíba, de Porto Alegre, Scopel pagou cerca de 50 mil cruzados por dez boletins
de convocação, emitidosentre as sete e as 14 horas." Segundo José Antônio
Fagundes, presidente da UDR dafronteira oeste do Rio Grande do Sul, quase 400 uderristas responderam ao chamado, inclusive com o apoio de
três aviões daentidade,quesistematicamente sobrevoavam o acampamento dos colonos.
b obter a neutralidade positiva do setor empresarial urbano para a luta rural na Constituinte.
C,
consolidar a posição da UDR no meio rural, generalizando a mensagem
classista da UDRpara além de suas bases e torná-la uma expressão pluriclassista, viabilizando a atuação uderrista como a de um partido político,
sem caracterizar a entidade comotal. d) ecoar suas
ações para o exterior, através de umacaixa de repercussão nas
cidades, iniciando também ações limitadas, para penetrar na área urbana e
avaliar as possibilidades de estabelecer posições no meio partidário, es-
tudantil, eclesiástico, de associações civis etc. Daí a visualizar uma união
dos empresários rurais e urbanosseria somente um passo. A UDRjá havia
tateado o espaço externo, quando iniciou uma incursão em São Paulo,
procurando expandir o seu espaço de atuação e ensaiando uma aproxi-
mação com movimentos e órgãos classistas do empresariado urbano. Norteava essa manobra intuito de unir “esforços para a constituição de
umafrente ampla de defesadainiciativa privada, contraosataques desferi-
dos por alguns setores do governo”, como diria Caiado. Procurando ressonância, ele ainda discursou para as 600 pessoas que lotaram o cinema do sofisticado Clube Paulistano, em São Paulo, a convite de nada menos que
a União Cívica Feminina (UCF), uma das entidades responsáveis pela
execução da “Marcha da Família com Deuspela Liberdade” e braço auxiliar
do Ipes no período da desestabilização do governo Goulart.!? Para Alaíde
de Castro, uma das marchadeiras da época e dirigente da UCF,a situação
do país, em 1986, era “pior” do que no início de 64. E ela citava, como exemplo do horror atual, o voto dos analfabetos, a tímida tentativa de reforma agrária e a legalização dos partidos comunistas. Alaíde não via a necessidade de se convocar uma Assembléia Constituinte, que ela enxer-
gava comoresultante de pressões da esquerda. Bastava, a seu ver, “uma re-
T5 Nesépoca, O Goto, H0LB8 à UDR contava com 3 meios muniip ivididos em seis seções regionais, com mais duas em formação e IO mil sócios. Mat, Jornal do Brasi, 29,0788 41”Me Aônio Ae UC, uno com otras íhasaulires como a Cad, a Lind e agrupamentos menores, fi instrumental na cação de um coro feio populuso que dar pecado ção polia mas ampla as lts rgncas nerds ro Is. a nr Para colocar na ra afamosasjudo “mares” qupeowocarm o “apelo popula” quservia de justica nal pus a intenção lh Vide R.A,Dreifuss, 1964, op.eit., cap V, VI VII ! Ei Ê
142
=é
ordenação da atual Constituição”, para que ela não fosse uma “colcha de retalhos”. Já que a Constituinte estava em funcionamento, só restava
participar com “o maior número de representantes da livre iniciativa, para evitar que se mude o sistema econômico do país”, arrematava Alaíde.''8 O terceiro movimento — projetado para o período pós-Constituinte — era o de quebrar o cerco rural, estabelecendo uma ponte fixa em direção ao espaço urbano e, dentro dele, pontes móveis em direção a várias áreas específicas: empresarial, militar, partidária, estudantil, eclesiástica e das associações populares, procurando estreitar, neutralizar ou ocupar as áreas-terraça entre os vários eixos de poderdas frentes móveis.
Erao início da etapa da “agressão caracterizada”, definida pela profundidade da penetração e pela força política, econômica e propagandística utilizada contra adversários
de vários calibres, inclusive as forças ideológicas convergentes mas politicamente diferenciadas. A UDRse estruturava como um “partido” político, sem assumir formalmente esta condição. Como consegiiência dessas ações, nasceria, num primeiro momento, a
UDR urbana, precursora do Movimento Democrático Urbano, a “réplica de terno e gravata da UDR.” p Neste estágio, a UDR já visualizava desdobramentos importantes. Um deles
era o início dos preparativos para disputar com sucesso as eleições municipais vindouras, tanto no campo quanto em áreas urbanas, contíguas a regiões rurais. Com 240
regionais e mais de 250 mil membros noinício de 1988, a UDR se preparava para testar
nas urnas suaestratégia de municipalização. Para pôr em prática tal estratégia, Caiado fez 215 viagens pelo país em 1987, esperando triplicar este número em 1988. Seus pontos fortes de pregação eram: o discurso anti-esquerdista; a defesa da iniciativa privada, a defesa das reivindicações do pequeno e médio agricultor; e o estímulo a candidaturas independentes. No meio disso, explorava a insatisfação popular com os
políticos tradicionais e o funcionamento das instituições. Uma das metas específicas da UDRera derrotar o PMDBprogressista em São Paulo,retirando deste a sua caixa de ressonância. Para isso, segundo Roosevelt dos Santos, seriam ativados os milhares de membros da UDR noestado, para trabalhar na campanha dos candidatos “simpáticos à organização”.Hº Noesforço de atingir o voto urbano e, particularmente, os setores empresa-
riais, a UDRaté pensou em transformar-se em partido político para disputar as eleições municipais.'º Mas a idéia encontrou firme resistência nas bases da entidade e até em lideranças importantes, dentro e fora da organização.!2! Basicamente tais críticas expressavam o receio de membros experientes, de uma descaracterização da UDR. Temia-se que a entidade fosse reduzida a um esquema tipo CUT/PT,queeles viam comoinefetivo e ineficaz, por ser marcado pela inconsegiiência das escaramuças ideológicas e esgarçado por facciosismos incongruentes.'? Mais uma vez, Caiado teria que reconhecer que a UDR era uma “organização classista”, por conseguinte, ela não poderia “criar o seu próprio partido político".'? Em vez disso, a UDR poderia incentivar a formação de uma “frente ampla para lutar contra o comunismo”, que teria con-
Jornal do Brasil, OLIL86; Jaime Matos, Jornal do Brasil, 031186 O Globo, 3L0L88 Zózimo, Jornal do Brasil, 04.08.87 “Tal como a que provinha do poderoso Fábio Meirelles,ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (Jornal do Brasil, 10.887). “2Jornal do Brasil, 118.87 + À idéia de um partido político seria retomada — em outras circunstâncias — no final de 1988, 143
dições de sustentar a emergência de um partido político amplo. Este deveria congregar
diversos e diferentes setores empresariais, que mostrassem afinidade com as propostas da UDRe objetivos. Os contatos para este fim foram cautelosos e prudentes, já que se
procurava evitar antagonismos no meio dos proprietários rurais, que poderiam trazer
consigo um indesejado estreitamento da “área de responsabilidade” da UDR e um concomitante alargamento das 'áreas-terraça' entre as entidades ruralistas. Enfim, uma
regressão caracterizada, definida pela retração da penetração e enfraquecimento da
força política utilizada contra adversários e concorrentes.
Uma outra questão eram as articulações para viabilizar uma ampla coalizão com vistas ao pleito presidencial, assim como a preparação de um alinhamento sólido
para lidar com a inquietação social e política que se prenunciava. Estas articulações
seriam complementadas por uma tentativa de aglutinar demandas variadas, com vistas à composição de uma plataforma política de penetração social pluralista e ampla, buscando esboço de um programa econômico e modelo político, que pudesse viabilizar as
pretensões governamentais da UDR. Por essa época, a entidade chegou a tentar uma manobra audaciosa que, se bem-sucedida,teria carreado muita água para este moinho. Foia participação natentativa de criar novos estados da Federação, como os do Triângulo (Minas), Santa Cruz (Bahia), Maranhão do Sul (Maranhão),'* Tapajós (Pará) e o efetivamente criado estado de Tocantins (um desmembramento de Goiás).'2º Além dos
já existentes — sobretudo os do Pará, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul — » estes seriam bases de apoio e manobra da UDR,redesenhando a geopolítica interior do país.!?7
A UDRtinhaduas opções para o terceiro movimento. A primeira era procurar estruturas partidárias consolidadas e lideranças políticas reconhecidas e estabelecidas — às quais se unia comoala,setor ou escora de partido — e candidatos para o período pós-constituinte. Este caminho não parecia muito promissor, pelas divergências ideológicas, pela ineficácia dos partidos estabelecidos e pela queimação das lideranças partidárias que apoiavam as propostas conservadoras na Constituinte. Mais ainda: não havia confiança por parte dos uderristas nas figuras partidárias tradicionais; mais de uma vez, a UDR “fora traída” em votação de plenário, por parlamentares que “es-
faquearam pelas costas os proprietários rurais”. No rol de “esfaqueadores”, Caiado apontava, entre outros, os senadores José Richa e José Inácio Ferreira e a deputada Sandra Cavalcanti. Esta opção ainda apresentava alguns outros problemas,já que a UDRse veria
obrigada a reverter à sua condição inicial de pivô rural. No contexto da organização
atingida pelos diversos setores empresariais, isto significava 'provincializar' a atuação
da UDR, tornando-a um canal de demandas, de segunda categoria. Corria O risco,
“+ Jos Guilherme Araújo, Jornal do Brasil, 23.05.88 *2s Em entrevista ao jornal “O Imparcial”, de São Luís, dirigente da UDRe presidente da comissão pró-emancipação do sul maranhense, José Antônio Fontes, declarou que os produtoresrurais e outros empresários arcariam até com o custo da construção da capital do novo estado, que seriacriado a partir do desmembramento de 120 mil quilômetros quadrados do atual Maranhão, Um dos focos importantes do movimento estava localizado em Imperatriz. Em Brasília, a articulação na Constituinte estava a cargo do senador Édison Lobão (PFL, dono do uma gleba em Porto Franco).Seus aliados eram os deputados Davi Alves Silva (PDS),autor da proposta na Constituinte, e José Teixeira (PFL). O jornal “O Estado do Maranhão, da família Samey, condenou o movimento e acusou o deputado Davi Alves de estar “ligado com crime organizado" Uornal do Brasil, 24.06.87). é O Estado de Tocantins nasceu da proposta do deputado uderrista Siqueira Campos e foi apoiada com entusiasmo pelo presidente da UDR “de Araguaína, João Abrão Halun, um entusiasta da ferrovia Norte-Sul, que corta 0 novo estado,e do vice-presidente da UDR no município de Araguaína, Cláudio São José (João Alberto Ferreira, O Globo, 03.07.88). 7 Alexandre Polesi, Antônio José, MontezumaCruz, Joâomar Carvalho,Lócia Helena Gazolla, Kléber Torres e Victor Hugo; Jornal do Brasil, 12.07.87 144
inclusive, de ter de enfrentar as outras entidades representativas do setor rural, que após o nervoso período Constituinte, poderiam sentir-se em condições de lançar-se contra
ela. Para superar as limitações que o papel de pivô impunha, restaria à UDR transformar-se num “partido político. Mas isto, por sua vez, acarretaria graves dissidências
internase, ainda,a isolaria em termos de opinião pública. Neste caso, o máximo a que
tal “pivô-partido” poderia aspirar era estabelecer coligações pontuais e alinhamentos instáveis — para atingir objetivos limitadose circunstanciais —, com todaa fragilidade que advém de tais ações. A segunda opção era procurar o entrelaçamento com novas lideranças políticas e empresariais — inclusive nas associações tradicionais enos partidos já existentes
—, enquanto se estimulava — ou ajudava a consolidar — organizações políticas e cívicas emergentes. Por outro lado, seriam procurados os remanescentes dos ativistas
ideológicos da década de 60, que ainda guardavam um etos anticomunista. Este caminho,
que permitia visualizar uma frente móvel de ação política de velhas e novas direitas, foi o seguido.
Caiado esperava “sensibilizar as classes produtoras do país”, pedindo que aderissem à “frente ampla”. Um primeiro passo nessa direção foi dado em Curitiba, durante seu discurso na Associação Comercial do Paraná. A prédica de Caiado seria repetida num almoço com empresários no Jóquei Clube, de São Paulo. E ele continuaria sua campanha num jantar promovido pela antiga União Cívica Feminina (UCF),
ainda em funcionamento, e o que era mais importante, com bons contatos na área
militar e empresarial urbana. Caiado foi enfático no encontro com asativistas da UCF, sublinhando que a UDR propunha a criação de “um pacto entre as classes que pro-
duzem riqueza”, preocupadas como estavam estas com o resultado da Assembléia Constituinte e o “avanço da esquerda no país”.
O próximo passo seria a incursão de Caiado no meio empresarial urbano de
São Paulo, que rendeu ganhos importantes, após contatos com Amador Aguiar (grupo financeiro Bradesco) — que também tem interesses no setor rural, através de sua em-
presa, a Santa Maria Agropecuária S.A., com treze propriedades espalhadas por São
Paulo, Paraná e sul de Minas Gerais.'* Além de Aguiar, o líder da UDR procurou di-
retores do BancoItaú e o empreiteiro Sebastião Ferraz de Camargo (Construtora Camargo Correia).'” Outros alinhavos para tal conjunção de esforços foram concretizadosatravés do setor madeireiro, que tem bases nas atividades rurais (extração de madeira e re-
florestamento) e urbanas (industriais e comerciais)."º Além de banqueiros, Caiado
ganhou a simpatia de alguns empresários da construção civil e recebeu um impulso
forte, quando Henry Maksoud, um dos dirigentes do Instituto Liberal e dono da revista
Visão, se tornou um ardoroso defensor da indicação de Caiado para “Homem de Visão” do ano de 1987.! A partir daí, Caiado se sentiu habilitado a dizer que já tomava conta dosinteresses “de todo o setor produtivo do país” e não somente dos agropecuários.!?
Noentanto, ao sair do campo e entrar nas cidades, o excesso de ânimo de
134 Fernando Schwartz, AgrofolhalFolha de São Paulo, 031187 “2%A diretoria executiva do Banco Itaú é composta de: José Carlos Moraes Abreu, diretor-presidentee diretor geral;Jairo Cupertino, Caros. da Câmara Pestana, Luís Assumpção Queiroz Guimarães e Sérgio Silva de Freitas, diretores vice-presidentes. O Conselho de Administração é Ramalho Foz; Antônio Gomes da Costa; Arthur Luis Alves Conde; Eudoro Villela; Haroldo João Baptista Leopoldo Figueiredo; Luiz de Moraes Barros; Manuel Cordo Boullosa e Rubens Martins Villcla. Muitos destes nomes são conhecidos da época em que integraram a direção do Ipes de São Paulo. “e Gustavo Correa de Camargo, Relatório Reservado, 9154187 bi Relatório Reservado, 6221187 “Informe JB, Jornal do Brasil, 23.6.87 145
Ronaldo Caiado provocaria, em alguns momentos, um efeito inesperado e a UDR nem sempre seria bem acolhida. Numa primeira aproximação da Ação Cívica de Recuperação Nacional, presidida pelo banqueiro Herbert Levy, o representante da UDR assustou com seu discurso os tradicionais sobrenomes paulistanos que compõem a en-
tidade. A UDR acabou sendo vista como a “xiita da direita”,!*
Tempos mais tarde, Caiado entraria em rota de colisão com nada menos que
um dos expoentes do empresariado paulista, o industrial Antônio Ermírio de Moraes.
Durante o lançamento da UDR urbana, Antônio Ermírio e Caiado se encontraram para acertar uma eventual dobradinha para a sucessão presidencial (o primeiro encabeçando
a chapa, como candidato à vaga de Sarney). Masos entendimentos malograram, devido à quantidade de exigências dolíder uderrista. Os ânimos esquentariam, chegando quase
ao desentendimento físico.t
Caiado também foi ao Rio de Janeiro, onde procurou Júlio Bogoricin, um dos
principais empresários do setor imobiliário. Bogoricin sugeriu ao líder da UDR que fizesse esforços para congregar “o mais amplo número de entidades representativas da
livre iniciativa”, em torno de algum tipo de programa ou carta.No Rio, Caiado também fez palestra na Escola Superior de Guerra, ampliando contatos e ressonância, e visitou o ministro da Indústria e Comércio, José Hugo Castello Branco. Neste encon-
tro, Caiadoliderou uma delegação de plantadores de café, marcando posição a favor
da mudançado perfil da audiência “entre autoridades governamentais e associações de classe”, enfatizando que o encontro direto era “um direito político que não podia ser delegado somente aos partidos”.A novidade não estava no contato direto, mas no fato da UDR chegar a falar em nome de um setor da agricultura, que não era o da sua origem e quejá tinha uma representação tradicional.
Noinício de 88, Caiado fez sua incursão na área empresarial urbana da Bahia, comparecendo à Federação das Indústrias, onde defendeu eleições gerais ou presiden-
ciais ainda naquele ano e mostrou o potencial de mobilização da UDR.'*” No Rio Grande do Sul, Caiado procuraria estreitar seus contatos com César Rogério Valente, presidente da Federasul.
Mas o momento culminante desse esforço só seria concretizado com a adesão
do empresariado paulista, quando membros da Fiesp formalizaram a Frente Nacional
pela Livre Iniciativa. Era um “movimento de defesa da propriedade”, que passaria a consolidar um novoeixo de poder, abrindo a perspectiva de uma frente móvel de ação. Roosevelt Roque dos Santos, primeiro vice-presidente da UDR, comemoraria o acon-
tecimento, dizendo: “Já não aguentávamos mais essa história de fanáticos de direita. Solitária, a UDR não mais está”. Enquanto isso, do âmbito da Fiesp saíam as razões que de início justificavam a resistência a tal casamento: “Medo de que fôssemos encarados comogolpistas de direita”.!* Este medo todo não impedira, no entanto, que as líderanças empresariais se articulassem com Caiado para fazer da UDR um aríete
contra o pacote fiscal em gestação no ministério da Fazenda e contra o qual se pronun-
ciariam, em definitivo, os integrantes do Fórum Informal, levando à renúncia o mi-
nistro Bresser Pereira.!*?
imo,Jornal do Brasil, 25.04.88 ra Busavo Corea do Camargo,Relatório Reservado, 951187 13» À UDRseriaenvolvida na luta, em função do aumento da tributação sobre as atividadesrurais,masserviria de escudo à ação empresarial urbana contra a tributação sobre o patrimônio líquido e sobre heranças, e contra a ampliação do imposto sobre os ganhos de capital (Relatório Reservado, 3014612.87). 146
Osuderristas sentiam que já não teriam mais que “tocar sozinhos o bloco dos conservadores”, como diria Roosevelt Roque dos Santos, ao constatar o *casamento” entre industriais e proprietários de terra, embora esta união não fosse um modelo de
harmonia conjugal. Em diversos momentos, o empresariado urbano se comportaria de
forma nãoaceitável pela UDR, como no episódio do voto do senador Albano Franco a favor do monopólio de distribuição de petróleo (combatido pela entidade) ou na ausência de um bombardeio eficaz nas primeiras escaramuças sobre a questão da reforma
agrária. Por outro lado, para muitos empresários urbanos, a UDR se constituía num aliado inconveniente, o que era percebido peloslíderes uderristas. A falta de confiança
no empresariado urbano organizado e em muitos dos parlamentares que tiveram
comportamento ambivalente em relação às teses da entidade fez com que esta procu-
rasse — independente de esforços já desenvolvidos, que resultaram na Frente pela
Livre Iniciativa — outras formas de viabilizar a sua penetração nas cidades. Prenun-
ciava-se a criação de uma UDRurbana.
O apoio a Caiado não vinha somente do setor rural ou de empresários locali-
zados em certossetores específicos, como era o caso da Fundação Nacional dos Hospitais,
que participou da primeira passeata da UDR em Brasília.!*º Na “Marcha sobre Brasília”,
que reuniu cerca de 30 mil grandes proprietários de terra e agricultores médios contra a anunciada reforma agrária, esteve, por exemplo, o Coronel Brilhante Ustra, que dois anos antes fora acusado de torturador pela ex-secretária de Cultura de São Paulo, deputada Bete Mendes. Ustra estava lotado na nevrálgica 2º subchefia do Estado Maior
do Exército, em Brasília. !*!
Mas ainda faltava ao movimento unitário da classe empresarial “a pimenta
verde-oliva”, apesar do vice-presidente da UDR presidente de sua seccional paulista, Roosevelt Roque dos Santos, manter “estreitos contatos” (sic) com a área militar. Este,
por sua vez, avaliava que ainda havia “clima” (sic) para uma intervenção das Forças Armadas no processo político: “Falta uma coisa básica: mobilização da classe média, solicitando esta intervenção. Por enquanto, o que existe é um grande descontentamento pela perda de poder aquisitivo”! Osprimeirossinais da pimenta verde-oliva chegaram ao conhecimento público no início de 1988. Numa reunião realizada nas dependências do quartel da Polícia do Exército de São Paulo, durante homenagem de cerca de 10 empresários rurais e industriais a um major de nome Noronha, o empresário metalúrgico Roberto Alexandre, vin-
culado à UDR, leu um manifesto contra o governo. Alexandre abordou a situação “caótica da economia do país” denunciando a radicalização das esquerdas no processo político e convocando os empresários e militares a se unirem para a “grande virada”.'?
O major Noronha, conhecido na UDR como “Nilo”, se despedia do quartel para assumir nova função em Brasília, no Centro de Informações do Exército. A
convivência do major Noronha com a UDR datava de 1986, quando conheceu o empresário e advogado Flávio Fraccaroli Martins Fontes, vice-presidente da entidade em São Paulo. Embora Marcos de Castro Prado, outro dos empresários presentes ao
ágape, confirmasse ter falado mal do govemo “como todo mundofaz hoje em dia, a
“ Jornal do Brasil, 08.05.88 14Jornal do Brasil, 12.787; Jornal do Brasil, 22.187 1 Gustavo Correa de Camargo, Relatório Reservado, 09151187 19 Jornal do Brasil, 08.03.88 147
UDRseapressou a garantir que não pregava o retrocesso político, nem o retorno dos militares ao poder como solução para a crise moral do país. A garantia foi dada por Plínio Junqueira, diretor administrativo da UDR nacional.!*+
Em meados de 1988 a entidade seria saudada por escribas do “Letras, em Marcha”. De um lado, Anísio Rocha, destacando “a afirmação da UDR, como entidade
representativa de uma classe” e exaltando as qualidades de líder de Caiado,atribuídas
a uma “vocação congênita”. De outro, o general Tasso Villar de Aquino, aplaudindo a
“atuação defensiva rápida” da entidade — com a “presença de gente disposta à luta,
dispondo inclusive, de armas para tal" —, nos incidentes com os colonos sem-terra da Fazenda São Juvenal, em Cruz Alta, Rio Grande do Sul. O general Aquino sublinhava o “salutar exemplo da UDR", que, “em benefício do fortalecimento e do aprimoramento da democracia no Brasil”, precisava “ser entendidoe seguido nas áreas de aplicação das
forças vivas da nação, como a Assembléia Nacional Constituinte, os sindicatos, as
universidades etc”.!4
O fato é que, com percalços e esbarrões, mas também com certeza, a UDR
consolidava uma série de eixos de poder entre diversos pivôs e frentes já existentes,
aglutinando empresários rurais e urbanos, militares, ativistas cívicos e membros de
partidos, procurando desenvolver uma coordenação política desses esforços (ou, ao menos, uma coincidência de propósitos) e consolidando, assim, uma frente de luta.!é Tal frente móvel imaginada por Caiado — reunindo partidospolíticos, organi-
zações cívicas e associações de classe (pivôs, frentes e sindicatos patronais) — teria como um de seus principais pontos de aglutinação e agregação a “defesa da livre iniciativa e a limitação da intervenção estatal na economia nacional”. Tais postulados,
ainda eminentemente reativos, quase defensivos, eram obviamente muito genéricos.
Masera sobretalterreno que posiçõesiniciais e atitudes comuns poderiam ser firmadas com os pivôs políticos do empresariado e as outras frentes móveis emergentes, possibilitando inclusive a constituição de eixos de poder que consolidariam o esboço de um comando unificado para o período pós-Constituinte. Caiado e a sua UDR também esperavam cautelosos o momento de se trans-
formarem em gatilho político, capaz de deflagrar a formação de um partido conserva-
dor sólido e abrangente, em lugar do “pêndulo” conserviológico que funcionava até então. E se engajaram na construção de uma “consciência de partido”, consoante com a sua “consciência de classe”, o que, por definição, exigia uma organização partidária
que extrapolasse os limites da própria classe inspiradora do esforço.
Para tal empreitada, Caiado passou a procurar políticos diversos na tentativa
de firmar pontes no âmbito partidário. Mas não priorizou aqueles que procuravam
salvar sua carreira, saltando dos escombros e destroços da antiga Arena (desdobrada em PDS-[PP]-PFL-PL-PTB-PMDB-PDC) ou mesmo dos que procuravam safar-se da
— sempre adiada — implosão do PMDB e de seus estilhaços, procurando um porto eleitoral mais seguro. Na verdade, a UDR buscava aproximar-se dos novos políticos.
“Jornal do Brasil, 08.03.88. Enquantoisso, Olacyr de Moraes, Cedes — que também tinhaficado em evidência por declarações sobre o quadro institucional — esclarecia que não pregara a volta dos militares ao poder, mas que tinha feito um “alerta para a poss retrocesso político caso as coisas continuassem como estavam, com a Constituinte aprovando medidas exageradamente distributivas” vez, o modelamento de opinião funcionava. 16 Letras em Marcha, junho de 1988 4 Jornal do Brasil, 12.08.87 148
Conversas foram mantidas com o PL de São Paulo e tentativas foram feitas para
envolver um de seus líderes paulistas, o deputado federal Afif Domingos. A questão foi desenvolvida a tal ponto que rumores a respeito de uma possível dobradinha Afif-Caiado paraa disputa presidencial rondaram os jornais e as bases partidárias. Afif, no
entanto, desconversou: “A UDRsó terá futuro enquanto houverradicalismo no campo”. Comoo radicalismo no campo tem boas chances de continuar — sobretudo após o trabalho conservador e reacionário na Assembléia Constituinte —, é quase certo que a UDRainda tem um bom futuro, na sua essência. Após o desencanto com Afif, Caiado passou a desenvolver contatos com um
desafeto do governo estatal, Eduardo Rocha Azevedo, que pouco tempo antes tivera uma colisão frontal com o governo, em torno de questões ligadas à Bolsa de Valo-
res de São Paulo (Bovespa), da qual era o mais jovem presidente, eleito em 1982,
com apenas 32 anos. Ex-motorista do Comando de Caça aos Comunistas, na década
de 60, e atual sócio da Convenção Distribuidora e da Sociedade Corretora Convenção — que lhe proporcionaram um patrimônio estimado em cerca de 2 milhões de
dólares, nos últimos 15 anos —, Rocha Azevedo também proprietário do Haras Santa
Camila, em Valinhos, e da Fazenda Santa Ana do Cuiabano, suas duas porções ude-
rristas”.!48
Em meados de novembro de 1987, Caiado e Rocha Azevedo jantaram juntos
em Brasília, onde o segundo disparou: “O governo queaí está acabou. Tem agora é que marcar eleições diretas o mais rápido possível, em março ou abril do ano que vem”.!4º
Daípara a visualização de um eixo de poderentre os empresários rurais e urbanosseria
apenas um passo. Sua consolidação, porém,já representaria o prelúdio do Movimento Democrático Urbano, com o qual a UDR estabeleceria um importante eixo de poder." Movimento Democrático Urbano O MDUnascia embalado na crítica feroz ao governo, que Rocha Azevedo
assumiria comopostura individual, após os incidentes relacionados com a Bovespa; e como postura coletiva, ao reclamareleiçõesdiretas em 1988, para a escolha do sucessor de Sarney. Ainda defenderia, no mesmo ano, eleições diretas em todos os níveis. Mas
o alvo maior eram asantigaslideranças empresariais — “contestadas por todos”, segundo
Rocha Azevedo — e o *peleguismo de entidades que estão caindo pelas tabelas” e para
as quais também exigia eleições diretas.!5!
Para Rocha Azevedo, a grande bandeira de luta era o combate à corrupção, que ele dizia “grassar em todos os escalões do poder no país”.!2 Mas não deixava de
esgrimir intransigentemente os argumentos dalivre iniciativa: o direito de propriedade;
* Jornal do Brasil, 23.08.87. O mesmo erro de avaliação de Aff Domingosfoi comum a muitos outros setores, que viam a UDRcomo umfato etéreo,passageiro,é queteria rápido esvaziamento,seja porque a teforma agrária seria realizada (Rubem Igenfrtz, O Globo, 13.07.86), seja porque acabaria engolida pela movimentação empresarial mais ampla. “E O Globo, 16.03.88; Roberto Benevides, Jornal do Brasil, 10.04.88 + Coluna do Zózimo, Jornal do Brasil, 181187 18» Coluna do Zózimo, Jornal do Brasil, 0312.87 !s! Jornal do Brasi, 0312.87. Em consequência de seus ataques contra “as velhas raposas paulistas”, estas já não o convidam tanto para as reuniões políticas. Mas “não lhe negam conselhos,quase sempre no mesmo tom em que costuma lhe falar o senador Albano Franco, com o inconfundível sotaque nordestino que ele imita comuma leve ponta de deboche:“Eduardinho,você me chamou de pelego. Não seja radical, Eduardinho, No Brasi,as coisas não são do jeito que você quer, Eduardinho”(Roberto Benevides, Jornal do Brasi, 10.04.88). '%2 Aristeu Moreira, Jornal do Brasil, 07.02.88 149
“o restabelecimento da competitividade e da eficiência na vida econômica brasileira”;
a “geração de novos empregos, independente do clientelismo do Estado” !%3; e, con-
comitantemente, a não-ingerência do Estado na economia. E ainda ressaltava a necessidade do Brasil se “firmar como um país de capitalismo moderno, com a privatização
das empresas públicas”, condenando “este capitalismo selvagem que ainda perdura”.!t O empresário propunha “um capitalismo com a participação do trabalhador e com a
disseminação dapropriedade, seja do Estado,seja da iniciativa privada”. A seu ver, não
seria “um modelo de direita verde-oliva”.!SE assim,a plataforma do MDUfoi elabo-
rada por um grupo de pensadores e cientistas políticos e sociais, economistas, em-
presários e profissionais liberais, entre os quais Homero Icaso Sanchez, ex-diretor da Rede Globo e especialista em marketing e opinião pública, e Roberto Macedo,presidente
da Ordem dos Economistas de São Paulo.!5
Rocha Azevedo não deixava por menos do que Caiado a sua azeda crítica aos
políticos convencionais: “A sociedade tem de se manifestar, e já, senão o Mário Covas, o Fernando Henrique, o Jânio, o Brizola, esse monte de demagogos, vão continuar mandandoporaí”.'” Para Rocha Azevedo, “a população brasileira é mais moderna do que os políticos, e os empresários são mais modernos do que seus representantes nas
entidades de classe”. Considerando Caiado um dos representantes da “juventude empresarial”, portadora de uma'proposta nova”, ele aproveitava para elogiar, também, os “modernos sindicalistas' Antônio Rogério Magri e Luiz Antônio Medeiros; e os
políticos Afif Domingos, Collor de Mello, Lula e José Genoíno, Wellington Moreira
Franco e Álvaro Dias.E ainda classificava Antônio Ermírio de Moraes como “o maior líder empresarial brasileiro”.A tal *modernidade”, aliás, deixou Rocha Azevedo bastante à vontade, no seu jatinho, com Luiz Antônio Medeiros, para um almoço com o governador do Paraná, Álvaro Dias.'*” Mas o MDU também nascia como um movimento “suprapartidário e de centro”, comoera caracterizado por seus organizadores.'* Paradoxalmente, ou precisamente
por isto, Rocha Azevedo partia de uma análise que enfatizava a inexistência da direita e da esquerda no Brasil, “muito menos do centro”. E acrescentava: “O centro brasileiro,
hoje, é o centro da indecisão. Nós saímos de um regime militar e estamos passando para um democrático. Não há comoidentificar no Brasil quem seja de direita ou de esquerda, principalmente se a direita é confundida com direita militar, que morreu”.
Em virtude deste vazio político e desta imprecisão ideológica, ele concluía que o
“Brasil precisa de movimentos assim (como o MDU), pois não temospartidos políticos identificados com ideologias”. Mais: “vivemos um fisiologismo muito grande e pre-
cisamos de movimentos que proponham as mudanças que consideramos modernas e
necessárias ao desenvolvimento brasileiro”.!º! Embora Rocha Azevedo não conseguisse enxergar a direita, o presidente da Associação Nacional das Corretoras de Valores (Ancor), Fernando Rosa Carramaschi, que era do conselho nacional do MDU,frisaria
que “o movimento encarna o espírito da direita política, e não se envergonha disso”. 5 Relatório Reservado, 2327.12.81 15º O Globo, 14.02.88 58
18º O Globo, 14.02.88 150
Carramaschi ainda diria que “nossa bandeira é claramente em defesa da propriedade urbana e da livre iniciativa”, frisando não entender como “demérito” de nenhum tipo
as repetidas “denúncias” que se faziam a respeito dos vínculos existentes entre o MDU
e a UDR,pois “somos mesmo de direita”.!?
Para o trabalho de mobilização, o MDU contava, além de sua contrapartida
rural, com o apoio de membros do agrupamento suprapartidário da Constituinte — o Centrão —, que segundo Rocha Azevedo, tivera uma atuação 'mais moderada”, assegu-
rando a derrota das “propostas radicais”. No entanto, o empresário não se definia em relação à possibilidade de juntar os esforços do MDU, da UDRe dopróprio Centrão, para a formação de um novo partido político: “Nós só vamos nos identificar com partidos políticos após as eleições gerais. O MDU tem de ficar com candidatos que defendam os seus princípios, de vereador até presidente da República. Porém, se os movimentos se tornarem partidos políticos dentro da estrutura partidária de hoje, eles receberão a mesma credibilidade que têm os partidos, ou seja, nenhuma”.!S Num almoço realizado no auditório da Bolsa de Valores de São Paulo — que
reuniu, no início de dezembro de 1987, o presidente Rocha Azevedoe líder da UDR,
Caiado —, foram marcados os pontos essenciais que caracterizavam a percepção do
MDU. Ambosressalvaram que o movimento nada tinhaa ver diretamente “com a UDR nem com a Bolsa de São Paulo”, O MDUidentificava-se com a UDR, segundo Rocha Azevedo, na defesa da livre iniciativa e de “uma participação maior da população
brasileira”, bandeiras que já eram da entidade antes mesmo da junção com a UDR.
Mas antes de cedera palavra a Caiado,o dirigente do MDUfez umareferência à “ciumeira” que as novas lideranças estavam provocando, e referindo-se especificamente ao líder da UDR,frisou: “Direita radical ou não, ele tem de ter espaço para apresentar suas propostas”, A seguir, Caiado fez um histórico dos fatos que levaram
à criação da UDR,direcionando suaira contra os alvos costumeiros da UDR:governo, Igreja e a máquina estatal “corrupta e ineficaz”, comandada por “demagogos de má-fé,
que usam a mentira. Finalmente, conclamou os presentes a mobilizarem as bases: “Desta forma, caminharemos juntos para a vitória final”.
Noencontro da Bovespa, Caiado falou como candidato, da mesa transformada
em palanque, e, depois de criticar todas as “lideranças e políticas corruptas e incompetentes”, apenas deixou uma opção de candidato, 'com visão de estadista”, para os seus supostos quatro milhões e 500 mil seguidores: ele mesmo. Aplaudido de pé, pelos maiores investidores de São Paulo, o líder da UDR lançou sua plataforma para uma aliança campo-cidade, com vistas à sucessão do presidente Sarney. E não descartou uma dobradinha com Rocha Azevedo, o que seria, segundo ele, a própria encarnação da junção dos capitais rural e urbano. Enquanto Caiado convidava os empresários a participarem da política em todososníveis — “da vereança à presidência da República”
—, Rocha Azevedo acrescentava: “Quem não faz política, dá procuração para que
outros a façam”.
Orientado pela concepção de Rocha Azevedo — segundo o qual só se pode pensar em mudar a política brasileira “a partir da base, em movimentos fora dos
partidos” —, o MDU foi organizado em núcleos, espalhados em diversos estados. Em
“8 Jornal do Brasil, 04.06.88 1850 Globo, 16388 151
São Paulo, a entidade montou núcleos regionais na capital e em cidades importantes
do interior, como Sorocaba, Registro, Ourinhos, Presidente Prudente, São José do Rio Preto, Araçatuba e Rio Claro. Neste último município, base eleitoral de Ulysses Guimarães, o MDU foi implantado por Azil Brochini, prefeito eleito em 1988 pelo PL de Afif Domingos. Em Minas, inclui núcleos regionais em Pouso Alegre, Uberaba e Iturama; no Paraná, se organizou em Curitiba, Londrina e Maringá; e ainda se estabeleceu nos estados do Rio Grande do Sul e Espírito Santo. No Rio Grande do Sul, a UDR — quejá tinha assegurado o apoio de importantes setores do empresariado urbano (que representam 85% do PIB gaúcho) — deu uma mão na constituição do MDU local, contando, para isto, com a adesão de César Rogério Valente, presidente da Federasul. Uma parcela importante das representações classistas filiadas à Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), à Associação dos Jovens Empresários, à Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas, além da própria Federasul, formam a base do MDU no estado.!S Em Minas, o presidente é Alfredo Sampaio Caruso, proprietário da Madeireira Juina, em Pouso Alegre, além de uma fazenda em Mato Grosso e de florestas em Rondônia. O MDU foi instalado em Uberaba e Uberlândia (Triângulo Mineiro) e em Curvelo, além de Pouso Alegre.' Nesta, o movimento foi lançado no auditório da Faculdade de Direito do Sul de Minas, na presença de José Carlos Cardilo, da Associação Comercial e Industrial de Poços de Caldas e outros 30 empresários. Cardilo
saudaria Caiado e Rocha Azevedo como “os dois maiores líderes civis dos últimos
anos”.!5 Nafase de implantacão e consolidação do MDU, Rocha Azevedovisitou, pelo menos dez cidades por mês, no sul e sudoeste do país, conversando com líderes e políticos locais e falando em sindicatos, entidades empresariais e clubes como o Rotary
eo Lions.!?
O MDUcomeçou agir no Rio de Janeiro — às vésperas das eleições municipais de 88 — em função da saturação de São Paulo (a direita tinha muitos nomes de destaque e diversas entidades já constituídas e ativas) e da presença de um forte
contingente eleitoral de Brizola, visto como o adversário principal. O estado, afinal,
sempre tivera as tensões muito mais expostas que as da região paulista. O objetivo do MDUeraatingir a classe média — neutralizando os esforços da esquerda e dos populistas fisiológicos —, arrebanhando-a como colchão de apoio a propostas de reordenamento sócio-econômicoe político basicamente conservador. Por cima, o carimbo do
*moderno” comoa própria estampa yuppie de Rocha Azevedo.
Neste esforço, os líderes do movimento esperavam usufruir da ação política de Sandra Cavalcanti e Álvaro Valle, podendo até apoiá-los — se as circunstâncias assim o indicassem — para o governo do Estado e a prefeitura da cidade do Rio, re-
spectivamente. Tal frente de luta foi aberta em março de 1988 e, segundo Rocha
Azevedo,já conta com 15 mil filiados, a maioria constituída de donos de indústrias e
profissionais liberais.!S
Os empresários também contavam com a possibilidade de exibir nas cidades o mesmo poder de fogo que a UDR ostenta no campo, esperando reunir, até o fim de
1 Jornal do Brasil, 05.02.88 !es Jornal do Brasil, 05.02.88 14 Jornal do Brasil, 07.02.88; Jornal do Brasil, 09.02.88; Informe JB, Jornal do Brasil, 0312.88, 18 Roberto Benevides, Jornal do Brasil, 10.04.88, Jornal do Brasil, 04.06.88 Aristeu Moreira, Jornal do Brasil, 07.02.88; O Globo, 16.03.88 152
1988, 200 mil seguidores do MDU.'ºº Além disso, prometiam atrair uma força econômica ainda maior, embora ressalvassem que não tinham “financiamento de grandes multi-
nacionais, só de pessoas do movimento”."”º Até aquele momento, a entidade não de-
finira uma forma de arrecadar fundos para a sua campanha. Mas pelo menos um de seus simpatizantes, o presidente do Sindicato das Empresas de Construção e Administração de Imóveis (Secovi) do Rio, Sérgio Mauad, cogitava da realização de “leilões
de terrenos” situados nas cidades, numa réplica dos leilões de gado da UDR."!
Numa perspectiva de luta maior, a UDR e o MDU pensaram em atrair os 6
milhões de filiados dos clubes dos diretores lojistas. Para alcançar tal meta, iniciaram
conversações exploratórias com osdirigentes da Confederação dos Clubes de Diretores Lojistas.'”? Mas o grande sonho do eixo UDR-MDUera criar uma amplafrente, incluindo nela os dirigentes de associações comerciais; de clubes de diretores lojistas; de sindicatos de corretoras detítulos e valores; e de empresas de compra, venda e locação
de imóveis. Juntos, esperavam ter uma força política inigualável.” Um passo impor-
tantíssimo nesta estratégia era a conquista da Confederação das Associações Comer-
ciais do Brasil. Mas paraisto, era imprescindível que a sua presidência não fosse do
Rio de Janeiro, mas saísse de Minas Gerais ou Rio Grande do Sul, onde a presença uderrista era mais marcante. Neste sentido, o entrosamento de Ronaldo Caiado com
César Rogério Valente, presidente da Federasul, seria fundamental.
Sendo um movimento urbano, o MDUseria forçado a lidar com a atuação
sindical e a interferir na seara das Comunidades Eclesiais de Base. A esse respeito, por sinal, Rocha Azevedo ouviria um conselho de Caiado: “Você tem de arrebentar com
as CEBs. Foi isso que fizemos com as CPTs. Hoje, nós damos de dez a zero nelas”. Os dois empresários conversavam a bordo de bimotor a hélice, fretado por cerca de 5
mil dólares para transportá-los de São Paulo a Pouso Alegre, com uma comitiva que
participaria do lançamento nacional do MDU."* Pouco depois, a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), através do seu assessor, padre Arnaldo Beltrami, reagiria com indignação, classificando as duas entidades comoorganizações de princípios “contrários à doutrina social do Evangelho”, condenando os dois movimentos e as
pessoas que defendiam o seu ideário.! Mas a indignação da Igreja não impediu que o eixo UDR-MDU procurasse organizar a chamada UDR-católica, na esperança de contar com apoios esparsos na estrutura eclesiástica, como o do padre Eduardo Re-
bouças de Carvalho, vigário de Barra do Piraí, no Rio, mais conhecido como 'o padre
da UDR'.76
Assim, na inauguração do núcleo da UDR em Campos (RJ), os mais de 200 produtores rurais presentes na festa tiveram a oportunidade de ouvir — além da palestra de Cesmar Moura de Oliveira, diretor operacional da entidade a nível nacional — um
convidado especial do fazendeiro Ronaldo Bartolomeu dos Santos, presidente da diretoria provisória ali instalada: o padre Fernando Rifan (seguidor do tradicionalista Dom
Antônio de Castro Mayer, ex-bispo de Campos), que via com bonsolhos a posição da
149 José Fernando Leficadito, O Globo, 14.02.88 vo O Globo,16.03.88 “ Relatório Reservado, 2127.12.87 v Jornal do Brasil, 05.02.88, “Jornal do Brasil, 05.02.88, tr Aristeu Moreira, Jornal do Brasil, 07.02.88; Jornal do Brasil, 09.02.88
153
UDR “especialmente no que se refere à defesa da propriedade particular e da livre
iniciativa”, 17
Comoparte do esforço de impor sua presença no meio urbano, o MDU propôs um plano (que seria apresentado ao governo do Rio de Janeiro) de “desfavelização” da
cidade, cobrindo um período de dez anos. A proposta de acabar com asfavelas cariocas
surgiu, segundo Fábio Auriemo, da Construtora JHS, depois que a UDR trouxe milha-
res detijolos para os desabrigadospelas enchentes, no verão de 88, em triunfal comboio
pela cidade. A idéia — considerada pelos empresários 'uma verdadeira estratégia de guerra” — seria a de encontrar áreas livres junto aos pólos industriais do estado, urbanizá-las e assentar as comunidades faveladas, estabelecendo, assim, uma permuta
de terrenos. Em troca, os empresários receberiam as terras ocupadas por favelas."* A UDR Jovem
Outra área na qual o MDUteria de agir era a estudantil. Não demoraria muito
para que surgisse, como ponto de apoio, a UDR Jovem — na verdade, uma expansão da ação dos uderristas, na constituição de sua frente móvel. Com empáfia e arrogante
auto-estima — “Somos o que o país tem de mais tradicional e íntegro em termos de valores morais”, disse um de seus novatos representantes —, umaparcela da juventude de direita se organizava em torno da UDR,disposta a lutar contra as esquerdas nos diretórios acadêmicos, além de recrutar adeptos para a sua causa.!”? Mas não só. A
UDR Jovem também se preocupou em participar do esforço de pressão sobre a Cons-
tituinte, fornecendoo coro juvenil que encheu galerias contra a reforma agrária, Nascida
em Belém do Pará e fundada por Leonardo Lobato, esta ala da entidade se organizou
rapidamente em 50 das maiores cidades do país, com a função de contrapor-se “à tendência esquerdizante dos jovens”, como definiria sua coordenadora nacional, Carla
Maria de Paula Couto,filha e neta de fazendeiros e estudante na Universidade Federal
de Goiás. Contando com 3.500 representantes, a UDR Jovem trabalha com o 'comando central” da UDR, envolvendo-se com temas políticos,ideológicos e possíveisestratégias de luta, principalmente “contra os “comunistas ””.!º
Na qualidade de ponta de lança política que tem sua haste propulsora no campo, a UDR Jovem logo passou a dominar o diretório acadêmico da Faculdade de
Agronomia da Universidade Federal de Goiás, sob a liderança de seu presidente estadual, Orcino Gonçalves da Silva Júnior.!s! Em Campo Grande, a UDR Jovem disputaria, na Universidade Federal de Mato Grosso, o controle do centro acadêmico da Faculdade de Veterinária, onde os alunos são, em grande parte, filhos de fazendeiros ou parte de famílias latifundiárias — algo que oferece terreno propício para o ativismo
uderrista. Mas a disputa não se limitava ao universo estudantil. Naseleições parareitor da mesma universidade, a UDR Jovem apoiou o professor Fauze Scaff Gattass, das Ciências Exatas e ligado ao PDS, fazendo a sua campanha.!*? 1" Jornal do Brasil, 02.09.87 “O Globo, 106.88 “º Jornal do Brasil, 30.05.88 “e Tânia Fusco, Jornal do Brasil, 10.05.88 1m Jornal do Brasil, 30.05.88, 1” Silvio Andrade, Jornal do Brasil, 01.0688 154
No Paraná, a UDR Jovem montou uma “célula-mãe” em Curitiba — onde seu presidente é Fabio Schmidt, estudante de Agronomia — e 14 núcleos em Ponta Grossa,
Guarapuava, Palmas, Francisco Beltrão, Londrina, Paranavaí, Colorado, Maringá, Jaguariaíva, Laranjeiras do Sul, Cascavel, Foz de Iguaçu, Campo Mourão e Umua-
rama.!*? Ao todo, a UDR Jovem do Parana tem 5 mil adeptos, sendo maior núcleo o de Ponta Grossa (com mil integrantes). No Pará, a UDR Jovem disputou o diretório acadêmico da Universidade Federal, sob a liderança do estudante de Direito Leonardo Lobato.
Em Minas Gerais, o ponto forte da entidade, por enquanto, é a Universidade Federal de Viçosa, e seu líder é Luciano Piovesan Leme, da Zootecnia,filho de um suinocultor e comerciante de máquinas agrícolas de Bragança Paulista. O núcleo insta-
lado na universidade não tem só estudantes da Federal de Viçosa, mas estes compõem
a diretoria da UDR Jovem da cidade, contando com 130 filiados. A UDR Jovem
também está presente em Uberaba, onde tem o respaldo da Associação Brasileira dos Criadores de Zebus. Foi este apoio, aliás, que permitiu a vitória de seus militantes na disputa pelo centro acadêmico da Faculdade de Zootecnia, como conta o próprio
presidente da UDR Jovem de Uberaba, Mário Fernando de Assunção Palmério,estudante de direito e diretor do grupo Vale do Rio Grande Reflorestamento S.A. Ele é neto doescritor Mário Palmério, ex-deputado federal pelo antigo PTB e atual dono das Faculdades Integradas de Uberaba. Em Lavras, onde Allyson Paulinelli é professor
licenciado, está o terceiro núcleo mineiro da UDR Jovem, embora sem o mesmo
sucesso dos outros dois centros.!*
Na Bahia, a UDR Jovem gira em torno de Maria das Graças Landim de Carvalho, fazendeira de Feira de Santana, que desenvolve seu trabalho de disseminação
de idéias c proselitismo no meio universitário baiano, sobretudo na Faculdade de
Agronomia da Universidade Federal da Bahia. Foi Maria das Graças que comandou o grupo de jovens que foi a Brasília pressionar os constituintes a rejeitarem a proposta de reforma agrária da Comissão de Sistematização — o que foi finalmente obtido. !* Com tudo isso, o eixo UDR-MDU dava lugar a um bloco de poder, possível
matriz de um estado-maior conjunto, unindo campo e cidade. Pela primeira vez na história do país, o setor rural conseguia gerar no seu interior verdadeiros protótipos de elites orgânicas e não meras unidades de ação tática ou corriolas políticas provincianas. Além disso,estabelecia uma conexão orgânica — essencialmente ideológica e política, que, até, prescinde de uma relação estrutural econômica imediata — entre campo e cidade e entre a área rural e setores de classe média urbana. Mas um bloco de poder, pela sua própria dinâmica constitutiva — que implica cristalização de posições ideológicas —, exige representatividade programático-política a nível de governo, como
culminação do seu processo de estruturação. Apesar dos desmentidos que se avolumaram
durante 87 e 88, isto terminaria acontecendo, sintetizada numa candidatura própria à sucessão presidencial. O bloco de poder UDR-MDUexpressava, também, uma das facetas de “ideologização” direitista da política, com palavras de ordem que visavam à junção de
setores das classes médias com os grandes proprietários rurais, os grupos financeiros
+»Jornal do Brasil, 30.05.88 tm Jornal do Brasil, 30.05.88, "8 Tania Fusco, Jornal do Brasil, 10.05.88; Jornal do Brasil, 30.05.88 155
e industriais urbanos, a área militar e as organizações extremadas. Mais: abria espaço para a concatenação de pelo menos uma parcela da direita militar, incidindo diretamente no eixo operacional militar-empresarial-político — do qual a ABDD era o grande “esteio? — e na captação do apoio das organizações ideológicas 'não con-
fiáveis” da ultradireita. Estas funcionariam comoforças auxiliares externas e paralelas
nas áreas de penetração, que veriam na UDR e especialmente em Caiado seu canal e porta-voz.
Enquantoisso, grandes proprietários rurais, industriais e financeiros, junto a
militares, políticos, técnicos e intelectuais, provenientes de outros pivôs e eixos operacionais, uniam-se num esforço de constituição de um outro eixo de poder, com perfil de estado-maior sem tropa: o MCRN.
O eixo de poder empresarial-militar Movimento Cívico de Recuperação Nacional
Constituído em São Paulo, em fevereiro de 1987, por um grupo de importantes
empresários, o Movimento Cívico de Recuperação Nacional é singular por diversas razões. Nasce com o intuito de agir como pivô e para desenvolver a função de ponte fixa operacional, mas se estabelece como alinhamento civil-militar e consolida-se como eixo de poder empresarial-militar. De fato, no que simbolizava uma diferença categórica em relação aos outros esforços, o MCRN era o primeiro eixo de poderentre diversas áreas ideológicas e diferentes setores empresariais (reunindo membros de diversos pivôs como a Cedes, o Instituto Liberal, a UB e a CNF; de forças auxiliares internas, como o Fórum Informal; e de forças auxiliares externas, como a USI). O MCRN também sediferencia por ter-se posicionado, logo de início, como frente móvel de ação, composta por ativistas e não por associações classistas. Era a primeira entidade a ostentar uma clara e premeditada presença militar em sua direção. Em outras palavras: apresentava-se como bloco de poder, mas se estruturava, desde a primeira hora, como organização estratégica e estado-maior combinado, recrutando para suas fileiras, inclusive na coordenação,ativistas dos mais variados setores políticos.
Seu intuito e seus desígnios não se limitavam à atuação em torno da Constituinte, nem procuravam apenas reativar o empresariado para os embates políticos de curto prazo — a atuação conjuntural. Embora seu esforço inicial (quando ainda se
autodenominava Ação Cívica de Recuperação Nacional) tivesse sido de mobilizar o empresariado paulista, a entidade já procurava organizar uma “reflexão sistemática” a respeito da realidade brasileira, ameaçada pela “decomposição moral na postura dos
homens públicos”.!sé
Comoparte da justificativa para deslanchar o MCRN, Herbert Levy — um de
seus mentores, além de importante empresário (Gazeta Mercantil) e político (ex-deputado federal e raposa velha de articulações políticas e campanhas ideológicas na UDN e depois junto ao Ipes de São Paulo, nos idos de 60) — apontava para um quadro de crise no país, onde estaria se estabelecendo, segundoele, “um verdadeiro vazio”. Para Herbert Levy, não havia “mão firme no leme” do Brasil. “E se não houver uma reação
Ricardo Kotscho,Jornal do Brasil, 15.07.87 156
organizada, este país pode simplesmente despencar. Ouentão virar uma nação como
tantas outras, onde reina uma verdadeira 'mexicanização”: um país com umacorrupção
perfeitamente institucionalizada, encarada comoa coisa mais natural do mundo, onde os valores morais ficam relegados a um plano mais que secundário. Então, que Deus
se apiede do Brasil...” — afirmava,enfático.!*
O MCRN buscou posicionar-se, num processo percebido como sendo de
desagregação administrativa; desarticulação política e recomposição partidária, sem contar os impasses da área econômica, tendo como pano de fundo um dramático
quadro social. Na ausência de canais partidários consistentes, eficazes ou confiáveis, este eixo de poder preparava-se não só para a batalha de curto prazo da Constituinte, mas para predispor suas forças para a luta de ocupação de um eventual “vazio de poder”. Asprimeiras reuniões do MCRNrealizavam-se em total segredo, somente quebrado em julho de 87, por Nélson Gomes Teixeira, um dos membros do comitê-
-executivo provisório da organização. Gomes Teixeira, economista, não era neófito da
política, já que fora ministro interino da Indústria e Comércio do general Geisel e secretário da Fazenda de Paulo Egydio Martins, no governo de São Paulo. Além disso,
presidia a Fundação Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social (Fides), formada por 45 grandes empresas, entre elas a Volkswagen, a João Fortes Engenharia e
a Construtora Norberto Oderbrecht. Gomes Teixeira garantia que seu movimento não tinha dono nem objetivos político-partidários.!*Nisto, ele era corroborado por Levy:
“..A idéia não é apenas minha. Na verdade, estão se incorporando à nossa Ação Cívica de Recuperação Nacional outras pessoas que iniciaram movimentos parecidos”. E destacava o “Rearmamento Moral”, que, segundoele, “está apoiando em massa este nosso movimento, porque sente que nós temos garra, que não seremos platônicos.
Portanto, temos todas as condiçõespara agirmoseficientemente na conquista dos nossos objetivos e evitar que este nosso país vá à ruína”.!*? Embora não houvesse uma explicitação maior de quais seriam esses objetivos, nem de quais meios seriam usados e de que forma, Herbert Levy já falava de construir,
através do MCRN, uma articulação suprapartidária, para influenciar nas eleições municipais e presidenciais vindouras!?, tendo como tarefa primordial “mobilizar a maioria silenciosa que até agora tem tido pouca influência na política e na administração pública”, 1º! O MCRNfoi implantado solidamente em São Paulo, contando desde a pri-
meira hora com cerca de 500 membros conservadores do primeiro time empresarial,
além de políticos, sindicalistas, intelectuais e militares.!”? E a entidade ainda teria o
apoio poderoso do presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho. A executiva
provisória do MCRN, em seus passos iniciais, foi composta por Herbert Levy, Jorge
Gerdau Johannpeter, general Adelbert de Queiroz, general Rubens Resteel, almirante
Brito Guerra, brigadeiro Pavan, Alberto Lopes Rollo, Euclides Carli, Fernando Vergueiro e Herbert Victor Levy, filho de Herbert Levy. O MCRNnão é somente um eixo 17 Sérgio Costa, Jornal do Commércio, 110.87 1% Ricardo Kotscho,Jornal do Brasil, 15.07.87 18º Sérgio Costa, Jornal do Commércio, 141087 1º Jornal do Brasil, 16.07.87. 1% Ricardo Kotscho, Jornal do Brasi, 15.07.87 *%2 Jornal do Brasil,16.07.87 157
militar-empresarial, mas umafrente móvel, tanto em termos de composição interna — que se irradia para a área sindical e partidária —, como de ação, recursos e meios. Apoiando-se em sua experiência anterior — dos tempos do Ipes —, Levy e seus companheiros têm feito questão de ter pelo menos um militar de renome, de cada área ou
arma, nos quadros superiores da organização.'?
Além disso, o MCRN tem feito incursões na área sindical, obtendo o apoio
de Antônio Magaldi, líder da União Sindical Independente (USI).”* Magaldi já foi vinculado a Levy, no plano político, e de forma estreita, nos anos 60, comolíder do Movimento Sindical Democrático — o braço do complexo IPES/IBAD na área da
representação dos trabalhadores.
Outros setores em que o MCRN fez incursões, na base do proselitismo — e recrutou figuras de projeção —, foram o cultural, esportivo e o eclesiástico. Indivíduos com apelo popular foram incluídos no trabalho da entidade e passaram a fazer parte do eixo empresarial-militar e da frente móvel. Muitos dos ativistas do MCRN são conhecidos de outras guerras políticas e ideológicas, dando até a impressão de que se trata de uma readequação e reestruturação do IPES, num esforço de estabelecer uma experiência similar ou simplesmente apro-
veitar o conhecimento acumulado por seus membros.Isto ficou tão óbvio que Nélson
Gomes Teixeira, um dos dirigentes do MCRN diretor da Fides, fez questão de negar
antecipadamente que seu movimento fosse reedição dos velhos Ipes e Ibad. Para ele, qualquer semelhança nalista de membros e simpatizantes é “mera coincidência”.!*
Para que se tenha uma idéia da abrangência política e ideológica e da força
econômica desta frente móvel, basta dar uma olhada na composição do Conselho Estadual provisório do MCRN em São Paulo:!%
Herbert Levy — Gazeta Mercantil; ex-colaborador do Ipes. Pedro Conde — Banco de Crédito Nacional. Mário Amato — Grupo Springer; presidente da Fiesp; membro do Conselho de Economia, Sociedade e Política da Federação do Comércio de São Paulo; dirigente
do Fórum Informal; Instituto Liberal.
José Ermirio de Morais Filho — Grupo Votorantim; ex-dirigente do Ipes.
Lázaro de Mello Brandão — Bradesco. mal,
Flávio Telles de Menezes — Sociedade Rural Brasileira; Cedes; Fórum InforAntônio Pádua Diniz - Banco Nacional; Febraban. Rubem Ludwig, general (substitui o general Rubens Resteel, ex-membro do
Ipes, despois que este assumiu um cargo no governo Quércia) — ex-ministro da Educa-
ção no Governo Figueiredo e ex-chefe da Casa Militar, além de membro do Conselho de Administração da Matel Tecnologia de Teleinformática S.A. (Matec); diretor da
Ericksson.
“3 Jornal do Brasil, 16.07.87
158
Iapery Tupiassu Brito Guerra, almirante. Nelson Boni, professor — Conselheiro efetivo do Senac.
Peri Igel — Grupo Ultra. Clovis Pavan,brigadeiro.
João Baptista Leopoldo Figueiredo — ex-presidente do Ipes; membro do Con-
selho de Administração de diversas empresas.
Nélson Gomes Teixeira — Fides. Reynaldo de Barros — PDS.
usineiro.
José Egreja Ferraz — deputado federal constituinte pelo PTB de São Paulo e Abram Szajman — presidente da Federação das Associações Comerciais de
São Paulo; Fórum Informal.
Jorge Wilson Simeira Jacob — grupo Fenícia, que inclui, na divisão de ali-
mentos a Etti, a Etti Nordeste (em Pernambuco) e a Neugebauer, no Rio Grande do Sul; na divisão de construçãocivil, a Lotus; na divisão financeira, o Banco Fenícia; na
divisão agropecuária, a Arapuã-Norte Agropecuária de Exportação e a Companhia Agropecuária Simeira; na divisão de comércio de eletrodomésticos, as Lojas Arapuã, Prosdóscimo, GG Presentes, Radiolar e Primavera; !” Instituto Liberal. Paulo Villares — Aços Villares, ex-dirigente do Ipes. Jorge Gerdau Johannpeter — Metalúrgica Gerdau S.A., Siderúrgica Riograndense S.A., Siderúrgica Aço Norte S.A., Cosigua, Siderúrgica Guaíra S.A; Cedes;
Instituto Liberal.
Ruy Lara Nogueira
José Mindlin — Metal Leve, membro do Conselho de Economia, Sociedade
e Política da Federação do Comércio de São Paulo; Instituto Liberal. Keith Bush Alberto Lopes Rollo
Victor Civita — Editora Abril. Max Pfeffer — Suzano Papel e Celulose. Horácio Cherkassy — Diretor do Grupo Klabin e presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Papel e Celulose.
Mario Altenfelder Silva. Paulo Queiroz — presidente do Sindicato dos Bancos do Estado de São Paulo,
Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Fórum Informal. André Arantes — ex-membrodoIpes. $” Jornal do Brasil, 08.0687 159
Pedro Favaro — Jundiaí. Paulo de Almeida Machado — Campinas. Maurilio Biaggi Filho — Ribeirão Preto. Wilson Romano Calil — São José do Rio Preto (ex-candidato a prefeito da cidade. Apoiou Ermírio de Moraes na campanha de 86).
Nélson Marchezelli — Pirassununga. Roberto Rodrigues — presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras. Romeu Trussardi Filho — Advogado e empresário (Trufana Téxtil), presidente da Associação Comercial de São Paulo, que representa os interesses de mais de 20.000
empresas; Fórum Informal, Cedes.
Outras figuras importantes na estrutura e no âmbito de ação do MCRN são Valdir Toledo (Jóquei Clube de São Paulo), Ivonildo Vieira, general Adalberto de
Queiroz (representando a Fiesp), Euclides Carli (representando a Federação do Co-
mércio) e Fernando Vergueiro (dirigente da Sociedade Rural Brasileira e do CEDES).
A executiva foi assim constituída, em setembro 87: presidente, Herbert Levy; vice-presidentes: general Adelbert de Queiroz, pela liderança industrial, e Fernando Vergueiro, pela liderança rural; secretário geral, Alberto Lopes Rollo; secretário: almirante Yaperi T. de Britto Guerra; e Nélson Gomes Teixeira, como tesoureiro.
Noinício de outubro de 1987 foi divulgadaa lista de integrantes do Conselho Estadual, que substituiria a cúpula provisória: !º8 Pedro Conde
Mário Amato José Ermírio de Morais Filho Flávio Telles de Menezes Jorge Gerdau Johannpeter
Ruy Lara Nogueira José Mindlin Keith Bush Antônio Pádua Diniz Almirante Yaperi Tupiassu Britto Guerra
Prof. Nélson Boni Pedro Favaro Pery Igel
Alberto Rollo Brigadeiro Clovis Pavan João Baptista Leopoldo Figueiredo Nélson Gomes Teixeira Reynaldo de Barros Dep. Federal José Ferraz Egreja
Victor Civita Abram Szajman
$”* Esta lista foi entregue pelo MCRN ao jornalista Sérgio Costa, que teve à gentileza de cedê-la para esta pesquisa. 160
Max Pfeffer
Jorge Simeira Jacob
Horacio Cherkassy Mário Altenfelder Silva Paulo Queiroz
Wilson Romano Calil Nelson Marchezelli Paulo Villares Roberto Rodrigues
Romeu Trussardi Filho André Arantes
João Uchoa Borges Antônio Pereira Magaldi - USI, conselheiro do Senac e do Sesc.
Ivahir Freitas Garcia Alcides Mattiuzo — Marília Vereador Jorge Moysés Betti Filho — Sorocaba João Monteiro de Barros Filho — Barretos Joaquim Mendonça Waldyr Prudente de Toledo
x
General Rubem Ludwig
Cláudio Musumeci — São Caetano do Sul
Ricardo Veronesi
Celso Neves — prof. de Direito, Faculdade de São Francisco Capitão Antônio Carlos Alves Correia Marco Antônio Mastrobuonno — ex-secretário municipal de Planejamento de
São Paulo e marido de Dirce “Tutu” Quadros, filha do ex-prefeito Jânio Quadros.
Guilherme Paro
José Domingues Vinhal Dep. Waldemar Mattos Silveira
Lívio de Vivo
General Adalberto de Queiroz
Israel Zeckler Newton Cavalieri
Fernando Vergueiro
Celso Ricardo T. Pereira da Fonseca, Amauri de Souza
Elza Araújo Leonor Villares José Maria Homem de Montes Dep. Waldemar Corauci Sobrinho Antônio Rodrigues Filho Vereador Eder Jofre José Steinberg — Campinas Padre Euclides Faria Thomas Lourenço Nitrini — Lins Laudo Natel Nildo Massini — Ipiranga Aços Especiais; presidente do Sindicato da Indústria
de Trefilação e Laminação de Metais Não Ferrosos de São Paulo; vice-presidente da Fiesp.
161
Theocle Manarelli Filho - Araçatuba
Israel Alves de Oliveira Plínio Junqueira - UDR
César Augusto Marques
General Wilson Pereira Brasil Vail Chaves Oswaldo Lara Leite Ribeiro Emil Farhat Aracy Mesquita
Israel Antônio Alfonso Roberto Ventura Antônio Carlos Vieira
João Ferreira de Sá e Benevides Fernando Mauro
Tufi Jubran
Herbert Levy
Eram 83 nomes representativos, em termos regionais, setoriais, ideológicos, profissionais etc. Uma bela estrutura de apoio às possíveis candidaturas de Antônio Ermírio de Morais, Quércia, Collor, Aureliano ou Afif Domingos; uma bela estrutura de ação para uma campanha presidencial, independente do candidato; uma efetiva organização para a luta político-ideológica; um futuro estado-maior, capaz de deflagrar operações combinadas de (des)estabilização do regime. O queseria, afinal?
Para se estruturar de maneira rápida e eficiente, o MCRN adotou um sistema
de organização liderança regional, numa combinação federativa/piramidal. Este sis-
temapermitiria a congregação de interesses locais em conselhos estabelecidos em cada
cidade onde o MCRN atuasse, que tratariam de filtrar suas particularidades antes de chegarem ao plano regional e ao conselho estadual, onde seriam novamente filtradas, antes do debate nacional. E só após o consensofinal, seriam definidas as ações con-
cretas,
Para isso, o MCRN procurou marcar uma presença efetiva no interior de São Paulo — território político do governador Orestes Quércia —, contando com as lideranças empresariais da região que, inclusive, faziam parte da direção estadual. Foram estabelecidas bases em Araras, Bauru, Itapetininga, Ribeirão Preto, Franca, Igarapava, Barretos, Jundiaí, Leme, São José dos Campos, Jacareí, Jaguariúna, Mogi-Mirim, Mogi“Guaçu, Capivari, Elias Fausto, Marília, Presidente Prudente, Ourinhos, Puraju e Avaré.
Em outras palavras: o MCRN decidia começar seu trabalho de agregação pelo interior paulista, evoluindo da periferia para o centro, num movimento envolvente, que o levaria,
meses depois, a tentar consolidar-se nas cidades de médio e grande porte, como Santos, Campinas, Piracicaba, Limeira e Itapeva. Dali, voltaria à capital do estado, com
a retaguarda garantida e um colchão político considerável. O MCRN pretendia marcar
presença nos 572 muncípios paulistas, transformando-se num contrapeso às ações do eixo UDR-MDUe, mais importante ainda, numaestrutura que todo candidato empresarial à presidência teria que levar em consideração.
Depois de deitar raízes em São Paulo, o movimento buscou espalhar-se por
vários outros estados, começando pelos vizinhos Paraná e Minas Gerais, enquanto
162
consolidava o que já desenvolvera no Rio Grande do Sul.'”? Narealidade, vemos aqui uma manobra interessante do MCRN:o estabelecimento de duas bases, muito distantes
entre si, que serviam à penetração dos estados vizinhos aos dois pólos de irradiação (cobrindo o espaço geopolítico do Brasil 'moderno”) e a criação de um eixo de poder
São Paulo-Rio Grande do Sul, que dá projeção nacional a seu jogo político. Uma
manobra ditada pelas facilidades encontradas nos dois estados, em termos de recursos
humanose deestruturas de ação já formadas — inclusive com o aproveitamento dos remanescentes do Ipes-São Paulo e Ipesul e a incorporacão de membros dos novos pivôs —, e pelas indefinições e dificuldades organizacionais no eixo Rio-Minas. De fato, em Porto Alegre, o MCRN tevea sorte de contar com Jorge Gerdau
Johannpeter — um importante industrial vinculado à Cedes e ao Instituto Liberal
—, em torno do qual se organizou. Contatos também foram feitos com o ex-deputado federal e líder do PDS Nélson Marchezan; com o ex-ministro da Agricultura Luís Fernando Cirne Lima; com o vice-governador Sinval Guazelli e com o conservador ex-
-arcebispo de Porto Alegre dom Vicente Sherer. O dirigente Herbert Levy também se
aventurou em Minas Gerais, indo a Belo Horizonte para estruturat sua frente móvel,
a partir de conversas com o ministro das Minas e Energia do governo Samey, o peefelista Aureliano Chaves. Em seguida, avistou-se com o ex-governador de Pernam-
buco Roberto Magalhães, também do PFL, na tentativa de estabelecer pontes com
outros estados.
Em sua peregrinação política, Levy ainda programou idas a Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas. Nesse esforço, desenvolveu entendimentos com o empresário e senador peefelista Albano Franco, eleito por Sergipe e presidente da Confederação Nacional da Indústria, e com Fernando Collor de Mello, governador de Alagoas e uma figura emergente no plano político nacional, Collor, que já fora malufista, era avaliado como um bom companheiro de chapa numa dobradinha presidencial, com algum político ou industrial do sul ou sudeste, dentro de um projeto empresarial de reestruturação
econômico-política.?º
Herbert Levy explicaria que, em São Paulo, o MCRN já havia conseguido estruturar 14 departamentos — cobrindo os diversos campos de ação —, entre eles um setor jurídico, preparado para iniciar ações legais contra a corrupção e a impunidade de certos funcionários. Segundo Levy, o MCRN contava com um total de 15 advogados, além dos voluntários. E mais: estes advogados recebem orientação do professor Celso Neves, da Faculdade de São Francisco. Na avaliação de Levy, o departamento jurídico era, talvez, o mais importante dos quinze já constituídos, já que seria através dele que o MCRNtentaria deflagrar suas “ações moralizadoras” 2º! Entre os 14 departamentos restantes, havia o empresarial, de ação interior; o feminino; o jovem; o das comunidades de cor” e o doslíderes de bairro. “Agiremos
em todos os segmentos da sociedade brasileira, no sentido de apoiar o bem contra o
mal, Ouseja: apoiar os homens de bem, em todas as eleições. Não temos nada com qualquer partido: apoiaremos qualquer homem de bem, seja qual for a sua filiação par-
tidária, desde que se identifique com as nossas idéias. Além disso, teremos depar-
tamentosdestinados a engenheiros, professores universitários, professores secundários,
+” R, Koischo, Jornal do Brasil, 15.07.87 2% Sérgio Costa, Jornal do Comméreio,111087 20 Sergio Costa, Jornal do Commércio,111087 163
brasileiros naturalizados. Enfim, em todas as áreas onde possa ser desenvolvida uma ação efetiva de proselitismo, de orientação. É nesses espaços que pretendemos en-
trar”,202
Nofinal de setembro, o MCRN marcou o lançamento de uma ação cívica, bem noestilo das grandes manifestações empresariais organizadas pelo Ipes na década
de 60. Cento e vinte empresários, militares, políticos partidários e profissionais liberais
estiveram presentes. O MCRNsaía do closet político e, na pessoa de Gomes Teixeira, explicava que as operações da entidade seriam conduzidas por duaslinhas iniciais de atuação: uma campanhacívica, baseada na formulação de comissões de 50 pessoas — que ajudariam o MCRNa estruturar-se e decolar em cada estado, inclusive financeiramente — e uma luta pública e firme contra a corrupção e os manejos administrativos, que, de acordo com seus líderes, estavam sendo institucionalizados em todos os níveis.?º O MCRNredescobria o valor político do discurso moralizante e da retórica anticorrupção. O primeiro encontro público, moderado por Levy, caracterizou-se pelos dis-
cursosirados contra “a corrupção, a imoralidade e a falta de seriedade nos vários níveis
do governo”. Até um trabalhador, pinçado do complexo Votorantim, ganhou espaço
para dizer que “aqueles que não querem lutar por um Brasil melhor, deveriam deixá-
-lo”. O homem parecia evocar os discursos e slogans do período Médici, da época do
“Brasil, ame-o ou deixe-o”.20t
Segundo Herbert Levy, a entidade pretendia, basicamente “mobilizar esta grande
maioria silenciosa de homens e mulheres de bem do Brasil, que até por pudor tem se
afastado das atividades políticas, deixando o campo aberto aos aproveitadores e aos corruptos”, Mais: “O problema tem avançado de tal forma que ninguém acredita mais
emnada. E está se estabelecendo um ambiente de total falta de credibilidade para os administradores públicos, inclusive para os políticos. Os partidos têm sua credibilidade
muito afetada, principalmente depois que a eleição se fez com base no Plano Cruzado,
que foi um engodo: há muito tempo que o Governo sabia que o plano estava furado,
mas o manteve até as eleições para conquistar votos. Foi um golpe baixo que resultou
na perda de credibilidade do Governo, dos políticos que foram eleitos e dos governadores”205 Nesse encontro, Emil Farhat,identificado comojornalista e escritor, enfatizou
no seu discurso que o MCRN tinha como luta principal o combate à corrupção e a
favor da democracia e da educação da população brasileira. Ivonildo Vieira, membro do conselho regional do: MCRN, enfatizou que se lutaria contra a “incapacidade administrativa”, porque “na cúpula, a corrupção tem lugar em nome do poder, enquanto que na base, a corrupção é um meio de sobrevivência”. Mas os aplausos mais intensos foram destinados a Plínio Junqueira, líder da UDR no interior paulista, que roubou a noite com um discurso agressivo, convidando “aqueles que querem pintar de vermelho a nossa bandeira” a que abandonassem o país.” O fato é que a retórica anticomunista fez a sua reaparição, lado a lado com a cantilena da anticorrupção. Mais
“2 Sérgio Costa,Jornal do Commércio, 111087 “=! Ricardo Kotscho, Jornal do Brasil, 15.07.87; Jornal do Brasil, 1607.87 = Jornal do Brasi, 26.09.87 25 Sérgio Costa, Jornal do Commércio, 111087 es O Estado de São Paulo, 26.09.87 2” Jornal do Brasil, 26.09.87
importante, naquele momento, era a simples presença de Junqueira em tal evento, sinalizando para o possível começo da formação de um eixo entre UDR(e seussatélites
ou aliados no setor rural) e o MCRN. O episódio configurava, também, a presença definitiva da UDRnasáreas urbanas. Finalmente, o empresariado mostrava que, apesar
da sua diversidade organizacional — expressando diferenças políticas; ideológicas; de interesses setoriais e de áreas; de tarefas e funções variadas —, era capaz de encontrar um espaço e criar umaestrutura de ação comum para atuar sobre objetivos maiores. Poderíamos pensar que se tratava do primeiro movimento para a consolidação de um
bloco empresarial-militar-sindical para a ação política — sem escora partidária ostensiva —, procurando a sua legitimação com um discurso moralizante. E uma pergunta
ficava no ar: aquilo tudo era contra e a favor de que ou de quem?
Estavam plantadas as sementes da luta político-ideológica dos novos tempos
— inclusive para sustentar o lançamento de uma campanha de convencimento pela direita, agora de corte diferente: o combate à corrupção e a luta pela eficiência admi-
nistrativa (bandeiras assentadas em reivindicações legítimas da população), que poderiam
sustentar o esforço de umaestrutura de apoio a uma candidatura presidencial, de cunho moralizante-udenista. Este veio ficou ainda mais claro nas diversas afirmações, ao longo de 88, dos candidatos a candidato de “centro” (Aureliano Chaves, Collor de Mello, Afif Domingose, ainda, na aura de eficácia administrativa de Antônio Ermirio de Morais e Osires Silva) e nos pronunciamentos do ministro da Justiça, Oscar Dias
Corrêa, em janeiro de 1989, já em meio ao Plano Verão. A retórica moralizante seria combinada com um discurso antiestatizante, de abertura ao capital estrangeiro e de rejeição de uma reforma agrária efetiva. O resto seria pura cosmética, no esforço de
provar a inefetividade de umaproposta socialista e procurando desqualificar adversários e esvaziar candidaturas inimigas.
Paradoxalmente,a urgência dos desafios imediatos, em 1987 e 1988 — sobre-
tudo a luta pela Constituinte —, não permitiu que o MCRN desenvolvesse o seu po-
tencial. O front era de luta institucional; e a arena principal (embora fosse cenário se-
cundário), a Assembléia Nacional Constituinte. O momento não era de mobilização
política e o palco não era o Estado, este sim estratégico. Nesse sentido, a capacidade do MCRNestava superdimensionada, não permitindo o seu deployment efetivo, Seus recursos eram imensos, mas inadequados aos alvos imediatos. Enfim, o despreparo tático-operacional não permitiria a participação efetiva da entidade na consecução dos objetivos mais urgentes, embora circunstanciais. Sendo uma organização estratégica e
estando posicionada num cenário secundário mas central, o MCRN foi obrigado a
assumir um papel restrito. E pelo menos até a sucessão presidencial, a entidade só poderia ser ativada em termosparciais e táticos. Restava saber se, nesse meio tempo, seus membros teriam condições de sustentar uma “prontidão estratégica”, sem o natural desgaste anímico e político.
O eixo operacional militar-empresarial e o alinhamento militar-civil A União Nacional de Defesa da Democracia Após as eleições de 86 e durante os primeiros meses de trabalhos na Consti-
tuinte, a ABDD também lançou suas cordas em direção à área civil. Tentava a formação de um eixo militar-industrial e militar-rural, vislumbrando a constituição de uma 165
desejável e possível frente móvel que desse ressonância às suas posições. Para isso, poderia até mudar de nome e incorporar um contingente de civis à organização, que
se juntariam aos já existentes, aproveitando a influência de industriais como Ingo Hering, presidente do grupo Hering (um conglomerado de 23 empresas, distribuídas em sete estados).** Convidado a participar da ABDD pelo presidente da entidade,
coronel José Leopoldino da Silva, Hering confirmou que estava contribuindo mensalmente para a caixinha do movimento, através de seu grupo de empresas, da mesma
forma que outros empresários já faziam.” E disse, também, que sua posição política era de “liberalismo democrático”, algo que poderia ser classificado “de centro”2!º Enquanto isso, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada de Minas, Reynaldo Arthur Ramos Ferreira (também vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e presidente da Gama Construtora), declarava que pretendia entrar para a ABDD. A optar pela ordem econômica e social que ele via delinear-se na Comissão de Sistematização da Constituinte — “esquerdista” e prestes a provocar “umadesestabilização socialista ou comunista” —, o empresário dizia preferir “uma estabilização direitista”, como a de 64.2!
Para obter ressonância na opinião pública ampla,entre seus adeptos no “público interno”e nas áreas partidárias, a ABDDprocurou projeção, promovendo no Clube de Aeronáutica, no Rio, uma conferência de Jorge Boaventura, que, além de professor da ESG e ex-chefe da Divisão de Estudos Sociais do Colégio Interamericano de Defesa, preside a Federação de Entidades Democráticas de América Latina (Fedal) e representa
no Brasil a World Anti-Communist League? As 200 pessoas que participaram do
evento ouviram do palestrante uma radical pregação anticomunista, além de pesadas críticas ao governo dopresidente Sarney, à Constituinte e aos partidos políticos. E uma
advertência contra a “transição da desordem crescente para o caos absoluto”?! Boaven-
tura traçou um painel da crise brasileira, “no contexto da decadência do Ocidente”,
desde a Idade Média até o século XX, passando pela Renascençaitaliana e pelo século XVIII, “quando o cretino do Rousseau começou a combater as instituições cristãs”, Deteve-se ainda na “estratégia de Gramsci”, segundo ele adotada pelos socialistas e comunistas, para “se infiltrarem nas instituições e corroê-las, com o apoio da bur-
guesia, preparando assim o ataque final ao Estado, que, enfraquecido, não poderá reagir”24 Naplatéia, entre outros, o ex-comandante da 3º Zona Aérea, brigadeiro João
Paulo Moreira Burnier (cujo nome fora envolvido na conspiração conhecida como
“Caso Para-Sar"); o ex-ministro da Aeronáutica do presidente Figueiredo, brigadeiro Délio Jardim de Mattos; o ex-ministro da Justiça do presidente Geisel, Armando Falcão; o general da reserva Euclydes Figueiredo, ex-comandante da 1º Divisão do Exército (à
época do Riocentro), ex-comandante da ESG e ex-comandante militar da Amazônia, além de irmão do ex-presidente Figueiredo; o brigadeiro Márcio de Souza e Melo; o
general Coelho Neto, ex-comandante da 4º divisão do Exército em Belo Horizonte à época do Riocentro e ex-chefe de gabinete do Ministro do Exército, General Walter
2ºEntre asempresas do grupo estão a Ceval Agroindustrial e a Sesra Industrial,além da conhecida indústria de malhas Hering, (Carlos. Stegemann, Jornal doBrasil, 21.05.89) “9Jornal do Brasil, 2010.87 210 Jornal do Brasil, 210.87 au Jornal do Brasil, Jornal do Brasil, 02187 21Jornal do Brasil, 191087 213 Jornal do Brasil, 08.10.87 21 Folha de São Paulo, 09.10.87 e Jornal do Brasil, 091087 166
Pires; o tenente-brigadeiro Luiz Felipe Carneiro de Lacerda, candidato derrotado a ministro de Sarney, ex-comandante do Cisa (na época em que o órgão publicou uma revista que pretendia mostrar a “agressão comunista” no Brasil e, através de fotografias e texto, envolvia, entre outros, Tancredo Neves) e o tenente-brigadeiro Carlos Alberto
Sampaio.?1
Nesse encontro, Armando Falcão qualificou o quadro brasileiro de “pré-anarquia”, definindo a Constituinte como “um imenso engodo, um monumental embuste” e chamandoo atual governo de “inepto, incompetente e incapaz”?! Não menoscáustico foi o brigadeiro Burnier: “Se os políticos não contiverem o caos,será o caso de umaintervenção das Forças Armadas”. Já o ex-ministro Falcão ressaltou que quem menos desejava intervir eram os militares. Mas acrescentou: “A
Constituição ainda em vigor prevê que cabe às Forças Armadas a defesa da lei, da
ordem e dos poderes constituídos. Então, se não houver um meio de impedir a dissolução dos poderes, a intervenção militar se tornará inevitável, embora indesejável”.27 Na apreciação do general Coelho Neto, a abertura política “foi errada e precipitada, porque ainda não havia no país partidos políticos realmente organizados”. Ele ressaltou que não via a possibilidade de umaintervenção imediata das Forças Armadas: “Ainda não. Lamentavelmente, antes teremos de sofrer mais. O momento certo só Papai do Céu é que podeprever”. E frisou que o país vivia o “caos moral, caos social,
caosfinanceiroe caos ideológico”?! Em seguida,o general Euclydes Figueiredo afirmou: “Os socialistas já dominam o governobrasileiro através dos políticos, todos os políti-
cog!t2i9
A reunião foi considerada de tal gravidade que mereceu o acompanhamento do SNI. Os oficiais que participaram do encontro foramvistos como autores de propostas de “prioridades para a livre iniciativa, no plano econômico”, e seu modelo político, como “restritivo a algumas liberdades e ao próprio pluralismo ideológico”,
Seu espaço de atuação tinhasido aberto “pelacrise econômicae política” que pavimenta
a trilha para “manifestações da direita”20
Na tentativa de marcar posições e ocupar espaços no interior da Sociedade Política Armada, que, ao mesmo tempo, servissem de base de projeção para chegar à
opinião pública, os oficiais da extrema direita disputaram também a presidência da Associação dos Diplomados da ESG (Adesg). O general Euclydes Figueiredoassinaria carta endereçada a seus companheiros da entidade, pedindo votos para o dentista Placidínio Brigagão, numa chapa que o teria como vice-presidente — artifício destinado a contornar a impossibilidade de ele mesmo disputar a presidência, já que os estatutos da associação prevêem, a cada dois anos, a ascensão de um civil.2! Um mês depois do encontro patrocinado pela ABDD, nova palestra agitava o
mundo político, desta vez promovida pelo jornal “Letras em Marcha”. O palestrante 218 ArmandoFalcão jue fosse membro associação, reiterando ainda que não via brigadeiro Délio Jardim de Matos “há uns. dois anos”, e que nunca estivera comBumier,os quais qualificou de “pessoas honestas e decentes”. Lembrado de que fora fotografado no lado deles no encontro, Falcão explicou que tinha sido convidado para uma palestra de Jorge Boaventura, “e não tinha por que não ir no Clube de 0787 21Folha de São Paulo, 09.10.87 21Jornal do Comméreio, 110.87 2 Folha de São Paulo, 09.10.87 2º Jornal do Commércio, 1110.87 2 Jornal do Brasil, 0410.87 167
foi o ministro aposentado Antônio Neder, um ativo conspirador na década de 60 e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal no biênio 79-80. Neder falou a uma platéia
de mais de 200 pessoas, no mesmo Clube de Aeronáutica. Estavam presentes, entre
outros: o almirante de esquadra Átila Sores; um dos criadores do Centro de Informações do Exército (CIE), general de exército José Luiz Coelho Neto; o general de divisão César Montagna; tenente-brigadeiro Becker Reisschoeider; o tenente-brigadeiro Luís Felipe de Lacerda Neto; o brigadeiro Márcio César Leal Coqueiro; o coronel Abianor Câmara; o brigadeiro Honório de Magalhães; o almirante Guálter Maria Menezes de Magalhães, que foi chefe do estado-maior da Marinha; o brigadeiro João Paulo Burnier; o professor Jorge Boaventura de Souza e Silva; o médico Sebastião Cavalcante de Almeida, presidente regional da Ação Integralista Brasileira; e o advogado
Vicente Luis de Barros Duarte. Havia ainda sete estudantes de Direito da UBRJ, entre
eles o presidente da Juventude do Partido Liberal, Jaime Berbat.?
esforço da extrema-direita militar-civil seria coroadono início de dezembro
de 1987, quando foi criada a União Nacional de Defesa da Democracia. Enquanto
saudava este fato com entusiasmo, o general Tasso Villar de Aquinorejeitaria o rótulo de direita militar, e isto por duas razões. A primeira, segundo o general, porque os militares, em qualquer situação — ativa, reserva ou reforma — politicamente falando,
“rigorosamente, não tem lado”. Mais: “Nem mesmo o centro lhes convém, muito
menos direita ou esquerda, sobretudo, extrema. Sua posição, nesse particular, precisa ser acima”. Mas ao explicar a segunda razão, o general desmentiria sua proposição
anterior: “A UNDD, como o seu nome indica, é uma entidade civil legalmente consti-
tuída, aberta às pessoas, entidades, associações etc., dispostas, leal e sinceramente, a
combater a esquerda deletéria... sobretudo, na sua nefasta, cavilosa, mesquinha e constante atuação contra o Brasil livre, soberano, cristão, democrático, solidário e digno, intensificada, infelizmente com sucesso, nesta desastrada (sic) chamada Nova
República”2
Como indicadores “dessa atuação vitoriosa, com vistas à comunização do Brasil", o general Tasso Villar de Aquino enumerava, entre 21 itens: a concessão do direito de voto ao analfabeto; a legalização dos partidos comunistas; o reatamento das relações com Cuba; a tolerância com a malversação do erário nas áreas federal, estadual e municipal; o ultraje ao Hino Nacional na interpretação de Fafá de Belém; as conquistas dos constituintes da “esquerda deletéria”; a supressão de censura para as
manifestações de caráter cultural; a ampliação irresponsável do direito de greve; a
reduçãoirracional da jornada de trabalho;o direito de voto aos 16 anos; a pretensão de implantar o sistema parlamentarista de governo; a intenção de suprimir a participação militar na segurança interna; a ampliação da anistia aos militares punidos pelo golpe de 64; a reforma agrária “espoliativa, prejudicial, injusta, absurda e, principalmente, desajustada à realidade brasileira, inspirada por agitadores”; a supressão da referência
a Deus na Constituinte; as dificuldades para as empresas nacionais e estrangeiras etc.
E o general arrematava, alegando tinha sido para “neutralizar, conter e impedir mons-
truosidades como as citadas” que a UNDD fora fundada.?*
A transformação do pivô político da área militar em eixo militar-civil e sua
disposição ideológico-política como frente móvel significava, também, uma “troca de
“23 Jornal do Brasil, 051.87 223 Letras em Marcha, de 1988 2 Letras em March de 1988 168
roupae estratégia”, deixando de lado, inclusive, a antiga sigla. Dai em diante, a ABDD se apresentaria como organização sediada em Brasília, enquanto que a UNDD se
projetava a partir do Rio. Mas, além de umaredistribuição de “áreas de responsabilidade” e territórios de atuação, a mudança de roupagem procurava atribuir à UNDD “um caráter menos agressivo que o da ABDD, acusada de ter pretensões golpistas”.25 A
troca levava em conta a ampliação da ação política do antigo pivô — agora incorpo-
rando um setor empresarial e elementos do: meio civil em geral — e o esforço de
alargara sua faixa de penetração no meio militar. Afinal, algumasresistências ao perfil (e à proeminência de algumas figuras vinculadas ao período repressivo) já haviam sido geradas no interior da Sociedade Política Armada.
A primeira palestra, patrocinada pelo jornal “Letras em Marcha”, e 6 início da coleta de assinaturas para o registro da nova entidade foram realizadas em 9 de dezembro de 1987, no auditório da velha sede do Clube de Aeronáutica — mesmo local onde se realizara, dois meses antes, a violenta pregação anticomunista de Jorge Boaventura,
trazendo à tona a ABDD.2$
Desta feita, o general Euclydes Figueiredo proferiria um discurso recheado de
ataques a seu arquiinimigo Leonel Brizola, o ex-governador do Rio, cujo nome não
seria mencionado “porque enoja”. A platéia, com oficiais das três armas, também
ouviria as diatribes do general Euclydes, contra o presidente Sarney, a Nova República
e a Constituinte, num texto onde a palavra “comunismo” foi substituída por “socialismo”, ampliando o leque daintolerância.” Euclydes Figueiredo denunciaria um plano
para a implantação do socialismo em nosso país, que se baseava, segundo ele, na “instrumentalização do parlamento, dentro da velha estratégia: pressão de base mais pressão de cúpula”. E que, através de “esquemas engenhosos” — como a ajuda da
imprensa — iria apresentar “como inimigos do povo, exploradores, radicais e corrup-
tos, todos os que se antepuserem ao seu desenvolvimento”.?** Mais adiante, citando o escritor anticomunista francês Jean François Revel, o general alertaria para a “indolência da democracia”. Mas concluiria de maneira surpreendente para os desavisados: “O front é dos políticos. A eles cabe, numa ação histórica, superar a jogada das esquerdas e dar à democracia brasileira a oportunidade de evoluir por suas próprias
pernas”.2º
Após o registro oficial em janeiro de 1988, o primeiro passo da UNDD foi o seu lançamento público, em meados de março — o que foi feito com estardalhaço, na sede do Tate Clube do Rio de Janeiro, sob a presidência de Jorge Boaventura e tendo
como vice-presidente o brigadeiro Burnier.2º Na mesa, também estavam o general
Coelho Neto, o brigadeiro Coqueiro e o general Sebastião Ramos de Castro. Entre os quase 400 presentes, o ex- ministro das Minas e Energia do governo Figueiredo, César Cals; o brigadeiro Dellamora (responsável por vários IPMs em 64); o general Hélio Ibiapina; o ex-chefe de polícia do governador Carlos Lacerda, Gustavo Borges; Eudóxia
Ribeiro Dantas, líder da Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), e Alaíde
Pereira de Castro, líder da União Cívica Feminina (UCF) — dois braços políticos do Ipes na década de 60 -; e o estudante Alexandre Bernard, “representante da ala jovem
=3 Jornal do Brasil, 603.88 “26 Thais de Mendonça, “27Thais de Mendonça, Jornal do Bra: “0 Jornal doBrasil, 16,03.88 169
estudantil”, que chegou a fazer um veemente discurso anticomunista. O ato contou ainda com a presença de empresários e entidades congêneres, que não foram identifi-
cados.?! O aluguel da pérgula do Iate Clube custou o preço simbólico de 500 cruzados e o evento deinstalação da UNDDrecebeu a saudação do ministro da Marinha,almirante
Henrique Saboya; do ministro do Exército, general Leônidas; e do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Moreira Lima, que justificaram as suas ausências.
Entre os propósitos declarados da UNDD,estava o de contribuir para “a
defesa da democracia, contra os adversários que, embora usando o seu nome,no fundo
desejam estabelecer um regime que desminta o direito natural à propriedade privada e assente os seus alicerces em um único partido”. A UNDDentendia como democracia algo que “não se compadece com relativismo filosófico que, proveniente do século XVIII, intenta sobreviver a qualquer custo, com as decorrências indesejáveis de uma permissividade, dentro da qual a liberdade verdadeira vai sendo, e a cada dia mais celeremente, transformada em licenciosidade e depravação”. Definindo democracia, “em
sua essência”, como “o ideal de organização política em que o governo exprime e está apto a defender e promover os justos anseios e os interesses legítimos dos que estão
submetidos à sua jurisdição”, evidenciava o seu caráter absolutista ao requerer, como
pré-condição, “a existência de um conjunto de valores básicos permanentes” — que “embasam e foram estabelecidos pela mensagem do Cristianismo” e que “requerem a
explicitação de limites e fronteiras claras e nítidas para o conceito de liberdade”. Do contrário, não haveria possibilidade de discernir “o bem e o mal” e *o certo e o errado”, algo que, segundo a organização, estava no 'fulcro da decadência das sociedades ociden-
tais”.22 Mais: a UNDD — quese percebia como “o partido da pátria, verde-amarelo” — adotava as premissas da ESG, para tipificar uma certa “democracia brasileira” enquanto “doutrina”; e, “por coerência, repudiar a pregação dos comunistas — agentes ativistas das potências “socialistas”, representantes do totalitarismo vermelho”23
Como corolário dos seus princípios, a UNDD pretendia lutar pelo “direito natural à propriedade”; pela “igualdade de oportunidades”; pela “ausência de preconceitos e discriminações”; pela “liberdade de iniciativa” e, ainda, prometia engajar-se no “combate à violência e à corrupção, bem como à subversão comunista”, entre outros.?*
Por outro lado esclarecia que não iria se transformar em partido político, já que não se dispunha a “disputar a posse do poder” 2º A presidência da UNDD ficou com Boaventura, e os nomes que encabeçaram a lista de assinaturas eram os mesmos que ocupavam a primeira fila na reunião do dia
7 de outubro: os generais Coelho Neto, Hélio Ibiapina e Murilo Alexander e os brigadeiros Márcio Coqueiro e Jornal do Brasilão Paulo Moreira Burnier. efetivos:
O Conselho Deliberativo da UNDD ficou constituído dos seguintes membros
General Henrique Carlos de Assumpção Cardoso — presidente do Conselho Brigadeiro-do-ar Carlos Affonso Dellamora — 1º vice-presidente General José Luiz Coelho Netto — 2º vice-presidente
23 Jornal do Brasil 18.03.88; Letras emMarcha, março de 1988 2 Letras em Marcha,agosto de 1988 23 Letras em Marcha, novembro de 1988 2Letras emMarcha, agosto de 1988 235 Letras em Marcha, outubro de 988 236 Thaís de Mendonca,Jornal do Brasil, 1012.87 170
Brigadeiro-do-ar Márcio César Leal Coqueiro — secretário-geral
General Murillo Fernando Alexander Brigadeiro-do-ar Nelson Dias de Souza Mendes Coronel do Exército Joaquim Victorino Portella Ferreira Alves Coronel-aviador Gerseh Nerval Barbosa Coronel do Exército José Ribamar Zamith Tenente-coronel aviador Juarez de Deus Gomes da Silva Suplentes do Conselho Deliberativo:
Coronel do Exército Telmo de Jesús Souza Coronel-aviador Ary Petrarca de Mesquita Coronel-aviador Waldyr Castro de Abreu
Capitão-aviador Sylvio de Niemeyer Dr. Jorge Bloise — advogado
Diretoria nacional:
Professor Jorge Boaventura de Souza e Silva — presidente
Brigadeiro-do-ar João Paulo Moreira Burnier — vice-presidente Coronel-aviador Carlos Alberto Bravo da Câmara — secretário Coronel-aviador Adalberto Tramujas — tesoureiro
General Hélio Ibiapina Lima — diretor de Educação e Cultura Coronel do Exército José Antônio Correia Medina — diretor de Divulgação Major-aviador Jornal do Brasilão Valentim Ruy-Barbosa — diretor de Relações Públicas
Conselho Fiscal:
General Sebastião José Ramos de Castro — presidente Brigadeiro-do-ar Max Alvim
Coronel-aviador Cid Augusto Claro Suplentes:
Major intendente da Aeronáutica Lúcio Barroso
Nelson Mendes de Freitas
Charles Herba. *”
Algumas diferenças, no entanto, foram notadas numa outra lista publicada pela UNDD. Sem discriminar todos postos, a diretoria nacional, o conselho delibera-
tivo é o conselho fiscal foram compostos por: brig. Burnier (vice-presidente), gen.
Ibiapina, gen. Ramosde Castro, maj. brig. Alvim, brig. Dellamora, gen. Coelho Neto,
brig. Coqueiro, gen. Murillo Alexander, brig. Souza Mendes,cel. Joaquim Portella, cel.
Gerseh Nerval, cmg Gustavo Adolfo Engelke, ten.cel. av. Juarez de Deus, cel. ex. Telmode Jesus, cel. av. Tramujas, cel. ex. Antônio Correia, cel. av. Cid Augusto Claro
e maj. av. Valentim Ruy-Barbosa.”* Vale ainda registrar que alguns comunicados da UNDDsão assinados pelo almirante Darly Corrêa”?
Pouco antes de instalar a UNDD,seu presidente, Jorge Boaventura, alertou “parao risco de uma convulsãosocial”, com “umaposterior intervenção” das Forças Ar237 Estes dois últimos são civis. Herba foi um ativo conspirado: em 64, 23 Letras em Marcha, março de 1988 29 Letras em Marcha,setembro de 1988 17
madas: “Há uma possibilidade média de convulsão. Se isso acontecer e se houver ame-
aça ao patrimônio, à segurança pública e à ordem, é provável queelas intervenham”4º Na festa de lançamento, além de qualificar a sua organização como “entidade cultural sem fins lucrativos”, Boaventura registrou a união da CNBB (“através do nosso amigo Dom Eugênio Sales”) com a UDR e a UNDD, em defesa de um programa de
atendimento ao menor abandonado da zona rural fluminense.*! O ex-deputado Nina Ribeiro, que pediu a palavra, saudou o jornal “Letras em Marcha”, teceu loas à inicia-
tiva privadae instou os presentes a defenderem as bandeiras “que nenhum comunista
haverá de arrancar de nossas mãos”.? Outro orador foi o jornalista e secretário municipal
de Educação do prefeito Jânio Quadros (atual presidente da Associação Paulista de Imprensa), Paulo Zingg, que, comopresidente de um Movimento de Renovação Política, com sede em São Paulo, expressou sua preocupação com o quadro político: “Ou jogamos umacartada decisiva, como a de 64, ou seremos engolidos por esta onda
avassaladora de desagregação”.
Embora o molho fosse a crítica aos políticos, em especial ao deputado Ulys-
ses Guimarães, e o acompanhamento, as manifestações de desagravo aos membros da
Junta Militar de 1969 — que Ulysses chamara, pouco antes, de “três patetas” —, o prato principal do encontro foi a preocupação de Boaventura com a Assembléia Nacional Constituinte. Paraele, os trabalhos da Constituinte estavam revelando “um grau de in-
competência queatinge osníveis do inacreditável, como se os parlamentaresestivessem
em outro planeta”. Para justificar a apreciação, enumerou cinco “providências” que considerava “desastradas e absurdas”: supressão da censura: a extensão do direito de greve às chamadas atividadesessencia: permissão de reuniões públicas sem a anuência das autoridades; o direito ao mandadocoletivoe a licença-paternidade.?* Ainda segundo Boaventura, as medidas já aprovadas iriam trazer “péssimas consegiiências a curto
prazo para o povobrasileiro”. E ele vislumbrava, “como consequência, o desemprego,
o subemprego e o aumento dos preços”. O presidente da UNDD ainda falou contra a realização da eleição presidencial em 1988 — considerando-a um fator de “risco adicional" — e enfatizou: “Seria um caos, diante do dramático quadro político em que
vivemos, onde só os partidos marxistas atuam dentro de uma coerência”. Além disso,
chamou os políticos de “traidores do povo” e condenou a licença-paternidade como “o
ressuscitar de uma das mais antigas práticas tribais dos índios brasileiros”,2:
Após encerrar a cerimônia com um solene “Viva o Brasil”, Boaventura ressaltou que a “UNDD está disposta a prestigiar a ação das Forças Armadas, se elas
precisarem intervir na famosa convulsão social que pedimos nem queremos”. Mas acrescentou que, naquele momento, não via “possibilidade de golpe”.6 A partir daí, a UNDD desenvolveu uma série de atividades, algumas delas
com outras entidades de cunho militar ou civil. Estas ações deixaram a descoberto uma outra ponta do alinhamento civil-militar e do eixo operacional militar-empresarial,
sinalizada pela presençadeintegrantes da UCF, da AIB e do Movimento de Renovação
Política. Este último, por sinal, tomaria a iniciativa de realizar em São Paulo, no dia
º Sidney Rezende, Tribuna da Iniprensa, 17.03.88 “ Tribuna da Imprensa, 18.03.88 2 Tribuna da Imprensa, 18.03.88 24 Jornal do Brasil,18.03.88 “4 Jornal do Brasil,18.03.88 “4 Jornal do Brasil, 18.03.88 2 Jornal do Brasil, 18.03.88 172
30 de março de 88, uma “sessão solene” pelo 24º aniversário da chamada “Revolução
Democrática de 1964”. Ao ato, que contou com a presença de 300 pessoas, compareceram representantes da UNDD — como o general Henrique Campos de Assumpção
Cardoso, o brigadeiro Coqueiro e o major-aviador João Valentim Ruy-Barbosa. A
abertura da sessão ficou a cargo de Paulo Zingg, presidente do MRP, mas quem ficou na berlinda foi o brigadeiro Coqueiro, ao lembrar os idos de 1964, quando “o perigo, diferentemente de hoje, se localizava no próprio governo e nele tinha origem”. E advertiu: “Hoje o perigo mudou de posição e se encontra na Constituinte, onde mi-
norias extremadas de esquerda, habilmente instaladas nos postos-chave da Comissão de
Sistematização, elaboram um projeto de Constituição que se constitui em um docu-
mento socializante, no sentido maislato e estrito da palavra. E, o que é mais grave, sob os olhares complacentes dos demais constituintes”. Finalmente, concluiu: “Não podemos permitir que os mesmos inimigos da democracia, de ontem e de hoje, consigam
atingir seus objetivos de socialização ou de comunização do nosso país, seja qual for
a estratégia que pretendam empregar”?
A UNDDmarcava presença em São Paulo, ao mesmo tempo que fazia esforços de modelamento de opinião e de pressão sobre a Constituinte, que se preparava para
discutir em plenário o trabalho da Comissão de Sistematização.
Pouco tempo depois, a UNDDcentralizou suas atividades num “Alerta à Nação em Defesa da Democracia”, um documento elaborado a várias mãos com as entidades amigas, e que seria publicado em “Letras em Marcha”. O público-alvo do folheto de Il páginas eram os constituintes; os oficiais-generais da ativa e da reserva das três armas; ministros civis e militares; jornalistas e autoridades governamentais. Também receberam suas cópias as entidades que participaram de sua elaboração, entre elas a ABDD (Rio), a UCF e o MRP (São Paulo) e a Ação Democrática Renovadora (Porto Alegre).28 Paralelamente, houve novidades na área de comunicações da extrema direita militar: nasceu, por exemplo, o novo veículo mensal, o jornal “Ombro a Ombro”, saído do círculo de operação e apoio de “Pontos de Vista” e “Letras em Marcha”. Com um espaço próprio — “fora do oficialismo e fruto da união de civis e militares” —, conclamava seus leitores, fardados (incluindo as forças auxiliares) ou não, a marcharem
“ombro a ombro” numa “bendita cruzada”, na “crença da vitória sobre o materialismo, aproximando, intimamente, os cidadãos em armase os que fora dos quartéis, bases e belonaves labutam, todos no sonho de Justiça Social, no prestígio à iniciativa privada, no estabelecimento do equilíbrio entre o Capital e o Trabalho”. Todos contra a “propa-
ganda demoníaca” que impede a exaltação de valores como “patriotismo, civismo, moral pública, probidade, respeito à família, religiosidade, privacidade do indivíduo, tradição, culto ao passado e repúdio à violência”. O propósito do jornal era o de “construir, ombro a ombro, com todososbrasileiros de boa vontade”. Mas advertia que
*se, para construir, à luta nos forçarem os antagonismos da destruição, não faltaremos
ao embate. E a arena não é o local de exercícios intelectuais, de intimidação ou de
omissões” 2
A direção do novo jornal — que logo apresentou uma feição combativae até
agressiva nas grandes questões — mostrou-se mais profissional e menos provinciana
28Letras em Marcha,abril
de 1988
“4Letras em Marcha,agosto de 1988 = Ombro a Ombro,junho de 1988; Ombro a Ombro,julho de 1988; Ombro a Ombro, agosto de 1988 193
To que os outros “nanicos” da direita. No expediente, comodiretor de edição, o tenente-
«coronel Antônio Gonçalves Meira; como diretor de administração, Renato Osvaldo
Winter (o interino é José Augusto Galdino da Costa, também assessorjurídico); e como
jornalista responsável, Ana Teresa Serpa Schirmer Neves.O apoio publicitário foi dado,entre outros, por Corrfa Previdência Privada, Capemi Pecúlio, Gávea S.A., Celgon
Indústria Metalúrgica, Meta Painéis e Besouro Locadora.
Entre os colaboradores e incentivadores de “Ombro a Ombro”, o senador Jar-
bas Passarinho; o professor P. Machado (administrador de empresas); o general Ruy de Paula Couto; o general Helio Ibiapina Lima; o presidente do Sindicato dos Bancos,
Theóphilo de Azeredo Santos; cel. Anysio Alves Negrão; cel. cav, Pedro Marins Mar-
tino; Cel. Vicente Paula Baptista Jr.; Professor Juacy da Silva (UFMT); Mário Hamilton Vilela (engenheiro agrônomo e professor da PUC-RS); cel. Pedro Schirmer; gen.
brig. Pedro Carvalho de Araújo; brig. Alfredo Brandão Soares Dutra; ten. Mar. Alexandre Henrique Teixeira Gomes; Dr. Antônio José Pessoa; Dr. Miguel Carneiro Lima; cel. Lydio Alvite; Heloísa M. Cardoso da Silva (integrante do Corpo Permanente da ESG). Destacava-se, ainda, o nome de Fernando Vergueiro, vice-presidente da Cedes, diretor-secretário da Sociedade RuralBrasileira, diretor da Associação dos Empresários da Amazônia e coordenador jurídico da Frente Ampla da Agricultura junto ao Congresso, que, com sua presença, denotava um novoestágio dearticulação e alinhamento. A segunda ação da extrema direita fardada foi a de criar um arfete militar contra o governo,a Constituinte e as esquerdas, com vistas ao modelamento da opinião pública,à generalização de propostas no meio partidário e à pressão sobre os parlamentares. Mas não só. Seusarticuladores tinham em mente a sucessão presidencial. Esta ação, que fazia parte da segunda manobra (de afirmação participativa), foi desenvolvida no período de funcionamento da Constituinte. Quem seria o aríete? A direita militar logo o encontraria na pessoa do ex-
-presidente João Figueiredo, o elemento apropriado para fustigar as posições do governo, modelar a opinião pública e condicionar a tropa, tendo em vista o desfecho consti-
tucional e a sucessão de Samey. Embora tivesse pedido ao povo que o esquecesse, Figueiredo se mostrou receptivo ao engajamento político,tendosido vocal em diversos
momentos marcantes, com declarações ou presença simbólica em atos públicos e
selecionados,dificultando a vida daqueles que realmente desejavam olvidar sua pas-
sagem pelo governo.
O ex-presidente era, objetivamente, um recurso e um instrumento desta área, além de servir aos civis que com ele estiveram no governo, comopassaporte defensivo, barrando qualquertentativa de resgatar questões passadas. Segundo o general Ermesto Geisel, a extrema direita militar, em conjunção com civil, estaria não só insuflando a atuação e as aparições públicas do ex-presidente João Figueiredo, como também a
criação da ABDD.>!
Mas o pano de fundo seria o projeto pessoal do ex-presidente, de postar-se,
segundo seus amigos, comovirtual candidato à sucessão.E o próprio Figueiredo admitia a hipótese, desde que para seu nome confluíssem “asprincipais forças alertadas para a defesa” de certos princípios.”2 A linha de ação montada por seu “estado-maior' — 2º Ombro a Ombro, junho de 1988. O jomal é propriedade da Estandarte Editora e Empreendimentos Culturais Ltda. 2% Eliane Cantanhede e Jorge Bastos Moreno,Jornal do Brasil, [910.87 23 Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 03.12.87 174
To um pequeno núcleo de ex-colaboradores do governo — incluiu uma entrevista mensal
e a divulgaçãoperiódica de uma análise da conjuntura brasileira, que permitiam marcar presença, condicionar e modelar expectativas, além de avaliar o desenvolvimento da possível confluência de forças.?? Para levar adiante esta atividade, Figueiredo instalou-
-se na sala 501 do Edifício Brasília, na capital, no escritório da empresa de César Cals
(coronel da reserva do Exército, ex-senador biônico, ex-ministro das Minas e Energia e ex-governador do Ceará) e que fora sede nacional do PFL.Ali, esperava armazenar o arsenal necessário para a disputa da presidência da República, apresentando-se como
um candidato de “centro”. Marchando junto, esperava-se, estariam todos os seus ex-ministros, defendendo os cinco anos de mandato para o presidente, eleições diretas e
presidencialismo. Com essas propostas, esperavam alvejar o presidente Sarney. “Nós precisamos é de tempo para articular uma candidatura de peso,paraas eleições de 1989, Não estamos jogando para a arquibancada. Vamos jogar para ganhar”, garantia César Cals, no papel de principal ponta de lança do movimento em Brasília.”*
NoRio, Figueiredo escolheu um escritório no Edifício São Borja —9 mesmo em que Getúlio Vargas tramara sua volta ao poder, em 1950 — para as investidas contra o governo da Nova República. Além dessas facilidades, o ex-presidente contava
com uma sala no 24º andar do edifício “Praia de Botafogo”, nas dependências da Orla 500 Empreendimentos Imobiliários — de propriedade do empresário Georges Gazale —, onde outro general, o ex-ministro do Exército Walter Pires tinha escritório cativo.”
Em seu lançamento oficial, divulgou um manifesto acusando Sarney de ter transformadoo país numa “pororocasocial".A idéia do grupo de assessores do ex-presidente
envolvia uma sucessão de pronunciamentos, notas e “manifestos”, como parte de uma tática que deixaria Figueiredo e suas propostas permanentemente *noar”. Após a primeira entrevista, o ex-presidente faria umasérie de visitas a diversos estados, além de contatos com empresários, prefeitos e vereadores do interior, concentrando o esforço no Rio, Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Já em meados de março de 1987, Figueiredo, numa das suas visitas a São Paulo, que rendeu várias entrevistas de TV e jornal, manifestou-se sobre diversas
questões da política nacional, na casa do seu dileto amigo Georges Gazale. Na presença
de 25 convidados, entre os quais o ex-ministro Amaury Stabile; os deputados Wadih Helou, Ricardo Izar e o coronel Erasmo Dias; o economista Affonso Celso Pastore; e
os empresários Matias Machline e Nacib Mofarrej, o ex-presidente criticou o Plano Cruzado como “pura demagogia”. Animado, observou: “Tem muita gente dizendo que
está com saudade de mim”.38
Namissa pelo 23º aniversário do golpe de 64, Figueiredo ganhou um beijo do
coronel Câmara Senna, ator importante naquela conspiração. “Você merece este beijo só por ter vindo a esta missa”, disse ele. No mesmo evento, outra troca de gentilezas — desta vez um abraço — selou o reatamento de relações entre os generais Sílvio
Frota e Fernando Bethlem, que não se falavam desde que o primeiro fora destituído pelo então presidente Geisel, e substituído pelo segundo no cargo de ministro do 233 Maurício Dias, Senhor, 20.10.87 234 Deborah Berlinck, Jornal do Brasil, 2110.87 “3º Jornal do Brasil, 21.08.85,Jornal do Brasil, 150.87 23% Deborah Beslinck, Jornal do Brasil, 2110.87 25ºJornal do Brasil, 15.10.87 23%Augusto Nunes, Jornal elo Brasil, 15.03.87 2º Jornal do Brasil, 02.04.87 175
Exército.” Na presençade cerca de 300pessoas, naigreja de Santa Cruz dos Militares,
no centro do Rio, Figueiredo, a estrela da festa, declarava: “A grande falha da revolução foi terem me escolhido presidente da República. Eu fiz esta abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia e deu num troço que não sei o que é”. Também estavam lá o ex-chefe do Estado Maior do Exército general Antônio Carlos Muricy; o ex-ministro do Exército general Walter Pires; o ex-ministro da Marinha almirante
Alfredo Karan; o general Lyra Tavares, ex-membro da junta militar; o general César
Montagna; o coronel Helio Mendes; o ex-ministro da Justiça, Armando Falcão e o eterno candidato Antônio Pedreira, auto-intitulado “senador do povo”. Foi distribuído um manifesto, assinado pelo general-médico da reserva Camilo Borges de Castro, que denunciava “a ascensão cada vez maior de políticos comuno-socialistas aos mais altos
postos da Nação”(sic).º
O ex-presidente tinha seus assessores na tarefa de modelar opinião, entre os quais, vários de seus ex-ministros: o empresário Murilo Macedo (Trabalho), Waldir Arcoverde (Saúde), Ernane Galvêas (Fazenda), general Costa Cavalcanti (ex-presidente
da Itaipu Binacional), general Walter Pires (Exército) e o brigadeiro Délio Jardim de
Mattos (Aeronáutica). Em meados de junho, seu ex-ministro das Comunicações, o
lobista Said Farhat, deu entrevista coletiva na Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul, sobre a posição de seulídera respeito do novo plano econômico do governo, então apelidado de Plano Bresser: Figueiredo o desaprovava, conside-
rando-o “uma reedição, “em curta-metragem”, do Plano Cruzado”?!
Em julho de 1987, o ex-presidente submeteu-se a um de seus regulares exames
em São Paulo, no Incor, hospedando-se na casa de Georges Gazale. Ao desembarcar no aeroporto de Congonhas, fez um comentário cáustico a respeito da Constituinte:
“Como programa humorístico está muito engraçado”.2º2 Neste mesmo mês, alguns dos
esforços da extrema direita militar, de corte subversivo, foram denunciados. Falava-se de um “movimento conspiratório em articulação”, com o objetivo de desestabilizar o governo, que estaria a par da situação. O movimento seria integrado pelo ex-ministro
Delfim Netto e pelos generais João Baptista Figueiredo e Otávio Medeiros, contando com o apoio de políticos, militares, industriais poderosos e banqueiros do Brasil e do exterior. Os conspiradores estariam se reunindo em um sítio, nas proximidades do município de Juiz de Fora, a meio caminho entre esta cidade e o Sítio do Dragão,
propriedade do ex-presidente, localizado em Nogueira, município de Petrópolis.
O clima era de conspiração em marcha. E logo correram rumores de que do
bunker político dos militares é que teria saído a idéia de depredar o ônibus em que
viajava o presidente da República, José Sarney, na Praça XV, no Rio de Janeiro. Aliás, em agosto daquele ano, noticiou-se que o coronel da reserva Joaquim Leite de Almeida — O mesmo que em março denunciou uma fantasiosa trama de golpe militar, sendo demitido da Embratur (onde trabalhava) por Samey — afirmava que o “homem da
marretinha” (que quebrou a janela do ônibus, onde estava sentado o presidente) era o
capitão do Exército Aurélio Salles Pinto. Este teria convidado o próprio Almeida para
participar do golpe, junto com o coronel do Exército Paulo Buarque.”*
Pellegrinoteceu, na época, algumas considerações a respeito da declaração do ex-presidente: “O general Figueiredo, chamou a si a culpa pelas calamidades sociais, políticas e econômicas que atormentamo país. Atribuindo-se à autoria. de uma suposta plenitude democrática e responsabilizando-a pelas mazelas vigentes,o ilustre cavalariano, numa operação de lógica elementar, construiu 0 seguinte silogismo: a democratização do a fonte dos males que nos assoberbam; sou eu o autordeste flagelo democrático; logo, sou culpado pelas presentes desgraças que afligem nação”. Jorral do Brasil, 22.04.87 “2Jornal do Brasil,18.06.87 2"Jornal do Brasil,12.07.87 263 Tarcísio Hollanda, Correio Brasiliense, 24.07.87, 24 Veja, 19.08.87 176
Ainda naquele mês, o general Figueiredo foi protagonista de um evento que ganhou repercussão: seu primeiro pronunciamento público em São Paulo,nos salões do Bufê Baiúca, reunindo 500 pessoas. O pretexto foi a homenagem de empresários do
setor de transporte de carga, que o condecoraram com a medalha do Mérito Rodoviário. O grupo, liderado por Sebastião Carneiro Ribeiro, presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Rodoviários de Carga, acertara os detalhes da homenagem dois meses antes, no Sítio do Dragão, onde o ex-presidente oferecia um churrasco. No Baiúca, Figueiredo fez um longo discurso, criticando a Nova República e realçando a sua própria administração, além de jogar a culpa pelo estado de coisas naqueles que tiveram “uma verdadeira indigestão de democracia”. E arrematou com uma frase em que se comparava a Sarney, que é membro da Academia Brasileira de
Letras: “Sou um homem de ação em oposição a beletristas”.2Entusiasmado com o
discurso, o ex-presidente da Federação Paulista de Futebol José Maria Marin — ex-deputado (PDS e PFL)e ex-governador de São Paulo (no período em que Paulo Salim Maluf se desincompatibilizou do cargo, para disputar a presidência com Tancredo Neves) — declarou: “Depois desta homenagem é indiscutível que Figueiredo compro-
vou sua condição de líder nacional”.
'
Em setembro, Figueiredo foi a Porto Alegre, em companhia dos empresários Georges Gazale e Júlio Secco. Na chegada, afirmou que pouco importava o que fosse escrito na Constituição sobre o papel das Forças Armadas: “Se acharem que devem intervir, os militares vão intervir”.27 Após passar a tarde conversando com o ex-
-deputado Nélson Marchezzan, o ex-presidente reuniu-se à noite com um grupo de 140 empresários, na Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul. Figueiredo voltou a falar em confronto e na possibilidade de “uma guerra civil”. Terminou propondo“eleições diretas em 88, logo após a promulgação da nova Carta constitucional”,
embora ressalvasse que não havia “eleição direta ou indireta que tirasse o país do
buraco em que está”. Em seguida, defendeu uma candidatura “de centro”, mas terminou afirmando que seu candidato a presidente era “Jesus Cristo, o único capaz de
endireitar este país”.?58
Em outubro, nova denúncia de um complô da direita envolvendo os militares
da linha dura contra o presidente Sarney. No dossiê entregue pelo ministro-chefe do
SNI, general Ivan de Souza Mendes, ao presidente, tinham sido listados, como golpistas, o brigadeiro Burnier, o brigadeiro Délio Jardim de Mattos, o ex-ministro Armando
Falcão,o general Euclydes Figueiredo,o brigadeiro Márcio Souza e Mello (ex-ministro da Aeronáutica) e Jorge Boaventura, todas eles vinculados à ABDD e UNDD.*
A campanha de fustigamento do presidente Sarney e de intimidação de esquerdistas e liberais não parou por aí. Civis e militares da extrema direita (inclusive Figueiredo) foram associados ao lançamento de um manifesto de 92 linhas, que atacava
O governo e os constituintes, Nele, dizia-se que o presidente deveria ocupar-se “com a felicidade nacional e evitar confrontos entre interesses díspares”, acabando com a
tentativa “autoritária e ilegítima” de alguns que querem modificar a tendência da
2 Jornal do Brasil, 12.887 2 Veja, 198.87 24 Jornal do Brasil,18.09.87 28 O Estado de São Paulo, 19.09.87; Jornal do Brasil, 19.09.87 2 Jornal do Comércio,110.87; Correio Brasiliense, 101087 177
Assembléia Nacional Constituinte”.?º Entre os que foram apontados como participan-
tes da articulação, estavam César Cals, Costa Cavalcanti, Gil Macieira, Georges Gazale
e militares da ativa e da reserva. O manifestoteria sido sintetizado por Cals, com idéias de Delfim Netto, Rubem Ludwig, Danilo Venturini, Walter Pires, Alfredo Karam e
Délio Jardim de Mattos.”! Aquela altura, o grupocivil e militar que seguia Figueiredo
pretendia barrar “o avanço da esquerda na Constituinte”, que se configurava em três candidaturas: Brizola, Lula e Covas.”2 Dias depois, após uma nova entrevista do ex-presidente ao semanário “Congresso Nacional”, o próprio Sarney sentiria o impacto. E identificaria a ABDD “como
parte de um movimento” que procurava desestabilizar o seu governo.”? Por sua vez, César Cals explicou que o manifesto e a entrevista tiveram por inspiração a necessidade, por ele e seus amigos sentida, “de advertir a nação para o risco de implantação de um regime de esquerda que transparecia do domínio da Comissão de Sistematização da Constituinte por grupos radicais”. NoRio, Figueiredo prosseguia em sua campanha. E tentava dar um ar popu-
laresco à empreitada, na Associação Nacional dos Servidores da Polícia Federal, em Niterói, onde cerca de 60 agentes e delegados — e até o jogador de futebol Gérson — o homenagearam com um almoço. O delegado Paulo Roberto da Silva revelou a razão
da festa: “Ele vai ser o nosso presidente”?
Em meados de novembro, Figueiredo falou em Pedreira, São Paulo, na Câmara Municipal, onde recebeu título de Cidadão Pedreirense. Em seu discurso, manifestou-
-se favorável ao parlamentarismo e às diretas para presidente da República em 1988; e ainda propôs o voto distrital e uma reformatributária.”'S Em dezembro, nova entre-
vista de Figueiredo, para denunciar o perigo representado pela atuação no Congresso
das esquerdas. Mas Figueiredo também enxergava a ação delas fora da Constituinte, em especial, “através da imprensa, do cinema, das novelas”. E arrematou: “Em tudo quanto é lugar a presença das esquerdas é notória”. Quando a duração do mandato de
Sarney já estava em discussão, o ex-presidente foi irônico: sugeriu que lhe dessem “mais dois dias”. Negou,ainda, a sua suposta participação em alguma conspiração em curso.?”?
Ao comemorar seus setenta anos, em janeiro de 1988, os amigos de Figueiredo tentaram transformar a festa de aniversário em acontecimento eleitoral. Enquanto o
sanfoneiro Zé Gonzaga improvisava um forró, a maioria dos ex-ministros presentes,
todos eles da gestão do ex-presidente, fazia fila para “o abraço no chefe”. Dias antes, Figueiredo afirmara, já com aparente ar de candidato, que haveria de encontrar um partido que levasse suas idéias à vitória. E disse acreditar que o povo o julgaria “nas
urnas”. Mas não parecia muito convencido. No dia do aniversário, ao proferir seu
discurso de agradecimento, o ex-presidente dava a entender a sua posição: “Candidato
2º Jornal do Brasil, 1510.87; Maurício Dias, Senhor, 20.10.87 2" Deborah Berlinck, Jornal do Brasil, 211087 2" Jornal do Brasil, 1510.87, Jornal do Brasil, [840.87 2»Márcio Braga, Jornal do Brasil, 16.10.87 2% Coluna do Castello,Jornal do Brasil, 03.12.87 2% Jornal do Brasil, 2410.87 2% Roberto Benevides, Jornal do Brasil, 18.11.87 2Entrevista a Boris Casoy, Folha de São Paulo, 05.12.87 2Rogério Coelho Neto,Jornal do Brasil, 160188 178
ou não, ninguém vai calar a minha voz”?! Em maio, o general sofreria o primeiro sério arranhão em sua candidatura,
quandoo 2º tenente-médico da reserva do Exército, o psiquiatra Amílcar Lobo, contou que vira o ex-presidente, no inverno de 1971, no 10º andar do antigo quartel-general do 1º Exército — quando ainda era chefe do Gabinete Militar do governo Médici — dando
orientações sobre tortura ao general José Luiz Coelho Neto, então coronel e chefe do
Centro de Informações do Exército. Segundo Lobo, Figueiredo recomendara a introdução de um bastão no ânus de um preso político — alegando ser “um método capaz
de obter, com rapidez, uma confissão”.27º O impacto da denúncia foi forte. Estilhaços saltariam para todos os lados, atingindo diversos oficiais da extrema direita.” À medida que se aproximavao desfecho da Constituinte, e a despeito de seus pronunciamentos anteriores — quando chegou a referendar a ordem democrática —,
Figueiredo passoua ver, comoúnica saída, a volta a um regime autoritário, que deveria incluir “um ato institucional Nº 5º e “o expurgo daqueles que dizem servir, mas se
servem do governo”?! Ulysses Guimarães fulminaria a proposta do ex-presidente,
com uma frase curta e grossa: “O Figueiredo está querendo a volta-do câncer para um
doente que já foi curado”.22
Em junho, o ex-presidente solidarizou-se com o brigadeiro Paulo Roberto
Camarinha, ex-chefe do Emfa,pelas declarações contra a política econômica do governo,
que lhe custaram o cargo. Desta vez, 50 oficiais se juntaram a Figueiredo no telegrama de apoio.*? Dias depois, o ex-presidente compareceria a um jantar na casa do empresário José Papa Júnior, vice-presidente do PFL paulista. Na ocasião, ouvido aten-
tamente por 50 convidados — entre eles, Enrico Misani (Olivetti) e Romeu Chap Chap, ex-presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis de São Paulo —, Figueiredo reiterou que não pretendia candidatar-se à
presidência. E aproveitou para apontar os “novos políticos” no quadro nacional: Afif Domingos e Fernando Collor de Mello.
Vários de seus colaboradores - entre os quais César Cals; o almirante Karam; o ex-presidente da Light Luís Oswaldo Aranha; o ex-presidente do Banco do Brasil Nestor Jost; e o coronel Dias Dourado, ex-ajudante-de-ordens de Figueiredo — se reuniram num escritório, na Tijuca, para incentivá-lo a assumir a sua candidatura de forma aberta e decidida, sem no entanto convencê-lo.º Pouco depois,seria tarde demais.
Em setembro de 1988, outro fato marcou a vida política na área militar: o
general Sylvio Couto Coelho da Frota foi homenageado por ocasião do seu aniversário. Certos de que Frota (exonerado pelo Presidente Geisel em outubro de 1977) fora vítima de “uma torpe intriga palaciana”, comodisse seu colega Tasso Villar de Aquino, muitos oficiais assinaram uma “mensagem” comemorativa do seu aniversário. Entre estes, o
marechal Amaury Kruel; os generais Helio Ibiapina Lima, Adyr Fiúza de Castro,
2%Florência Costa, Jornal do Brasil, 19.05.88; Jornal do Brasil, 20.05.88 2Jornal do Brasil, 22.05.88 28 Jornal do Brasil, 110688 22 Informe JB,Jornal do Brasil, 13.0688 2 Jornal do Brasil, 18.06.88, Enquantoisso,o ministro da Marinh, almirante Henrique Sabóia, exclamava: “O Camarinha enloqueceu”, ao saber das declarações do brigadeiro à EBN que motivaram a sua demissão. Camarinha comentaria com seu filho, na saída do Ministério: melhor sair aplaudido como homem honrado e honesto do que ficar como corrupto”. “2%Ana Maria Tahan, Jornal do Brasil, 24.06.88 28% Informe JB, Jornal do Brasil, 23.04.88 179
Edmundo da Costa Neves, Osvaldo Muniz Oliva (depois comandante da ESG), Plínio Pitaluga, Ramiro Tavares Gonçalves, Antônio Jorge Corrêa, Moacyr Pereira, Sebastião
Ramos de Castro, Rosalvo Eduardo Jansen, Heraldo Tavares Alves, José Magalhães da
Silveira, Cyro Rezende, César Montagna de Souza, Itiberê Gouvêa do Amaral, Lauro Rocca Dieguez, Carlos Alberto da Fontoura, José Eduardo Lopes Teixeira e Messias de Aragão; os coronéis Hernani d'Aguiar, Francisco Homem de Carvalho Aloysio Borges, Joaquim Portela Alves e Milton Câmara Senna; e ainda o desembargador Nelson Pecegueiro do Amaral, figura importante na formulação jurídica do período de
arbítrio.*S Mas se havia alguma intenção de projetar um segundo aríete, esta ação não
se concretizou. O general Frota agradeceu a homenagem, mas evitou qualquer declaração de natureza política.
E houve quem contasse com o lançamento da candidatura de Figueiredo na véspera da votação do mandato do presidente Sarney. Embora seu amigo, o empresário
Gazale, desmentisse que a candidatura de Figueiredo estava na rua, Luiz Pacces, presidente nacional do PSD (candidato à prefeitura de São Paulo em 88) argumentava
que “no seu discurso de aniversário, o ex-presidente deixou claro queestaria disposto a disputar a Presidência”. O PSD chegou a selar um acordo com a agência de marke-
ting político S. Dib Associados, para deflagrar a campanha de Figueiredo.” Mas ela
seria adiada e irremediavelmente comprometida com o escândalo provocado pelo aparecimento de uma antiga amante do ex-presidente, ainda dos tempos do SNI. Com
isso, a ABDD,a UNDDe, em especial, o PSD e César Cals saíram em busca de outra
candidatura. Seus olhares seriam lançados na direção dos novos políticos apontados por Figueiredo, além de Ronaldo Caiado e o eterno candidato Jânio Quadros, com o beneplácito de outro ex-colaborador, o ex-ministro Delfim Netto. Mas essa agitação em torno de Figueiredo, muito pobre porsinal, de desfecho
provisório, simplório e rasteiro não era o esforço principal da direita militar, que continuava a se articular, lenta e segura, no interior da caserna. A tática usada com
Figueiredo lembrava muito mais a das incursões rápidas e limitadas, nos interstícios do sistema, apenas para marcar presença e manter no ar a expectativa e a dúvida, na
esperança de poder construir sobre as possíveis repercussões, aproveitando fraquezas e vulnerabilidades circunstanciais. Além do mais, o próprio Figueiredo carecia dos dons indispensáveis a esse tipo de operação: fôlego e perfil para o papel, que requeria dinamismoe ligeireza, além de verbalização estimulante e empática. Com seu mau-
“humor habitual, seu nervosismo e a tensão permanentee indisfarçável, ele era incapaz
de transmitir a mensagem adequada. Mais ainda: vivia em descompasso com as expec-
tativas mais amplas, tanto daselites como da massa. Em conseqiiência, os argumentos
com que era municiado por seus assessores foram facilmente refutados.
No fundo, a avaliação de Euclydes Figueiredo se mantinha válida: o front era dos políticos. E a Constituinte era tarefa dos pivôs empresariais e de seu aríete partidário, o famoso Centrão. Não era hora de botar nas ruas as alas militares do bloco
empresarial. Elas precisavam ficar concentradas, marcando passo e posição, limitadas
aos toques e advertências, que serviriam de sinalização à trilha partidária.
22* lista, na íntegra, foi publicada em Letras emMarcha, setembro de 1988 237 O Globo, 20.09.8 ; Debora Berlinck, Jornal do Brasil, 2410.87 E: disso, a sensação de precariedade era um dadopolí dos articulistas de “Letras em Marcha”, Fernando Nobre Filho (ao iz experiência pseudo-revolucionária, advinda di ja eleição indireta processada em 88”e as consegiências da instalação da esa palhaçada” conluts “Urgedese momento e só possível dentro de um regime discricionári o com O retorno influência das Forças Armadas, somente. os cegos ou os empedemidos não estão enxergando...À. transição regime autoritário, para uma democracia, racional, somente poderá se verificar com o beneplácito das Forças Armadas, novamente contando com a imprescindívelcolaboração dos civis. Tudo o sair daí nos levará à anarquia aoaos,pra gádio do soitso. Ém beneficio do povo e de nação urge coerar desicho ques avizinha” (Letras em Marcha, agosto de 180
=
Capítulo III
CART
EreRS L
E
GANHANDOE PERDENDO NA CONSTITUINTE
A OFENSIVA DA UB A cerimônia de posse de 82 dos maiores empresários do país como membros do Conselho Consultivo da União Brasileira de Empresários (UB), em novembro de
87, na presença de 250 líderes do setor, marcaria uma nova fase da campanha de luta
do empresariado: o início da ofensiva geral sobre a Constituinte, reunindo as áreas urbana e rural.! Ancorados em discursos politicamente carregados, de Antônio Oliveira
Santos e Antônio Ermírio de Morais (um dos idealizadores, co-fundador e integrante do conselho da UB), os dirigentes da entidade conclamaram as classes produtoras a lutarem por um “capitalismo moderno e pela livre iniciativa”, criticando, como de praxe, a “excessiva intervenção do governo na economia interna” e a recusa do Brasil em avistar-se com os negociadores do FMI. Lá estavam,entre outros, Sérgio Quintela
(Montreal Engenharia), Lázaro de Melo Brandão (Bradesco), Leonídio Ribeiro Filho (Cia. Internacional de Seguros), André de Botton (Mesbla, White Martins), Ivan Botelho
(Cataguazes Leopoldinense), Peter Landsberg (Verolme), Giulitte Coutinho e Pratini de Moraes.
Roberto Bornhausen, presidente da Febraban/Fenaban e dirigente do CNF, recomendava a busca da normalidade nas relações do Brasil com a comunidade financeira internacional, e Norberto Ingo Zadrozny,presidente da Associação de Comércio
Exterior do Brasil (AEB), instava o governo a apressar o processo de conversão da
dívida externa brasileira.
Oliveira Santos foi contundente e agressivo em suas palavras, advertindo que
se a Constituinte promovesse a *ruptura institucional”, provocaria “uma nova calamidade nacional”, O coordenador da UB encarava sua entidade como emissora e foco de
Folha de São Paulo, 061187 Diversos jornaisinformaram números divergentes no tocante à composição do Conselho Diretor da UB. no eventorealizado na Confederação Nacional do Comércio, em Brasília. As cifras manejadas foram de 82, 72 e 74. 2.0 Globo, 611.87; Informe JB, Jornal do Brasil, 061.87 * O Estado de São Paulo, 061187 181
*um brado de alerta” à nação, emitido, com o timbre inconfundível do grande capital, contra o que ele chamava de tirrealismo constituinte”. Preocupado com a paralisia governamental, ele alertava também contra *os perigos que ameaçam a sociedade e contra a tentativa perigosa de subversão da ordem econômica natural”.* E aquecia ainda
mais a temperatura política, ao culpar “uma minoria radicalativista, bem organizada e obediente a uma dialética marxista” pelas decisões da Comissão de Sistematização — todaselas, segundo Oliveira Santos, “lesivas ao empresariado”. Já Antônio Ermírio de Morais se encarregava de jogar águafria na fervura, ao definir a atuação do Conselho
Consultivo nos seguintes termos: “A UB vai dialogar com todas as correntes ideológi-
cas. E não tem qualquer intenção de provocar impasses ou confrontos com sua ação. Posso garantir que o empresariado vai obedecer ao texto aprovado pela Constituinte.
Mas vamoslutar até a última instância, para garantir os princípios dalivre iniciativa”. E advertia:
“Alguns parlamentares parecem confundir os limites de um governo
democrático com um governo de poder ilimitado”.
Com seu discurso, Antônio Oliveira Santos chegava ao mesmo ponto que o
general Leônidas atingira meses antes: culpava as “minorias extremadas” por medidas
da Constituinte que visavam proteger 65% da população economicamente ativa, que
ganha menos de 60 dólares por mês, em salários pagos pelos mesmos empresários que agora protestavam e se organizavam para derrubar as propostas da Comissão.*
Enquanto isso, o PTB produzia um programa detelevisão, que incluía o mesmo Antônio Ermírio, e onde eram apresentados alguns dados a mais do escândalo nacional. Informou-se que apenas 4% dos proprietários ocupavam 67% das terras brasileiras,
enquanto os restantes 96% dividiam 33% dos solos agricultáveis. E lembrou-se que o
ex-presidente Goulart foi derrubado pelo golpe de 1964 exatamente porque queria fazer a reforma agrária. Estas informações, porém, não impediriam o deputado constituinte Egreja Ferraz, do MCRN, de defender a reforma agrária “somente em terras improdu-
tivas”?
A tentativa de desestabilização que Oliveira Santos denunciara era percebida
por diversos observadores e participantes do processo político, mas vinha da própria
fonte empresarial. Entre os governadores havia certa 'preocupação com a desestabilização da Constituinte” que “estaria sendo promovida pelo Centrão”, num movimento
+ Folha de São Paulo, 061187 3.0 Globo, 061187; Luiz Cláudio Cunha, Jomal do Brasil, 15.187 * O Globo, 061187
estas incongruências do empresariado:“Basta que os empresários, tão pesadamente mobilizados contra a Constituinte,abandonem sua inflexibilidade e se disponham a dialogar comas lideranças políticas, em torho das decisões que repelem, o não encontrarão objeções intransponíveis à procura de alternativas que, sob formas novas,assegurem os mesmos avançossociais. aprovados na Comissão de Sistematização... Se inviabilizar a Constituinte, para não ver adotadas no país as medidas que rejeita, (o empresariado) estará dando início a um processo sobre o qual não terá controle. À convulsão que resultaria, sem a menor dúvida, de procedimentos inviabilizadores da Constituinte, retiraria outra vez os militares dos quartéis, onde nem entraram de todo... Os empresários já aprenderam, porém, que o comieço da associação com os militares pode ser muito bom, por solucionar problemas e temores imediatos, mas depois exige dependência. e subordinação muitas vezes até humilhante...O jeito é dialogar. Mas não haverá diálogo se 0s representantes do empresariado chegarem à Constituinte com a arrogância e a impertinência com que representantes da Ficsp baixaram na Comissão de Sistematização. Ou se chegarem “com argumentos como quebradeira geral e inibicão total dos investimentos, por causa da restrição à demissões imotivadas..Dizia Antônio Ermírio de Moraes .. ão antecipar seu pronunciamento na União Brasileira de Empresários: “O reinvestimento do lucro e a geração de mais “empregos e com bons salários é uma das metas. Chegou o momento de explicarmos isso à classe política, através de um diálogo amplo aberto”. Otimo, mas é necessário “explicar isso”,antes que aos políticos, aos empresários convencionais. Eles precisam aprender que medidas rígidas só foram aprovadas na Sistematização porque os abusos contra o assalariado são, no Brasil, sem limites materiais, éticos ou simplesmente humanos...Os argumentos em uso contra restrição às demissões imetivadas são inconvincentes: falta-lhes sinceridade, e mais proveitoso seria que os empresários a adotassem, Mas restrição, tal como aprovada, também é inconvincente,.(Folha de São Paulo, 061187) * Ricardo Kotscho, Jornal do Brasil, 111187 182
“inspirado ao mesmo tempo pelos empresários e pelo governo”. Intensificava-se a impressão de que nascia “um movimento conspiratório, de raízes ainda imprecisas mas situadas, evidentemente, à direita”. Já a esquerda, que aspirava à liderança dos tra-
balhos na Constituinte, carecia de intenção e mesmo, condições, para movimentos desestabilizadores, limitando sua ação à vontade de introduzir algumas modificações
na ordem econômica e social.'º O esforço de modelamento de opinião pública e congressualera tão evidente que qentão presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Márcio Thomaz Bastos, acusou a UB e a UDR de articularem a desestabilização da Constituinte, “até pela via do ridículo". E acrescentou queas duas entidades faziam um discurso de “nuances golpistas”, visando, por força de manobras, a produção de uma Carta conservadora que colocaria o Brasil em 'risco de desintegração e sujeito a golpe de direita." A cada empresário que esteve na cerimônia de posse da UB foi distribuída
umapasta, preparada por assessores da Confederação Nacional do Comércio, com informações essenciais à atuação da entidade. Osintegrantes do Conselho Consultivo da UB receberam uma relação completa de todos os constituintes — por Estado e
partido, bem como o número e telefones dos respectivos gabinetes — e uma lista de
oito pontos em discussão na Constituinte, apontandoa situação atual do anteprojeto de Constituição, as emendas a serem apoiadas as justificativas, classificadas como“pontos essenciais à sobrevivência da livre iniciativa”. Eles serviriam de orientação às linhas
à de ação da UB, não só no trabalho de pressão junto aos Constituintes, mas Junto A mídia. da através ofensiva uma de nto desencadeame o com opinião pública,
campanhapela televisão, jornais, revistas, emissoras derádio e publicações específicas foi intensa e eficiente na montagem, mas poucoeficaz. Este esforço também era resultado da necessidade de ultrapassar o marco estreito de unificação empresarial, representado pelo antiestatismo, como postura ideológica comum e principal foco aglutinador para a ação. Como observou Ronaldo Cézar Coelho, o empresariado estava limitado à bandeira da desestatização, principalmente no campo econômico. Mas o ex-ministro Delfim Netto apontaria um remédio importante para estaestreiteza: ta mobilização de alguns setores do empresariado,pela superação da estrutura cartorial do país, que atrela ao Estado as representações de
patrões e trabalhadores e transforma o governo em mediador da relação capital &
trabalho”.Delfim Netto acrescentava à sua análise um arremate: o de que o “novo país” nascia da ascendência da UB sobre a CNI e da UDR sobre à CNA,já que, em sua interpretação, “as novas organizações empresariais representavam avanços na luta para desestatizar a economia”.!*
AS ÁREAS-PROBLEMA Na realidade, o empresariado tinha duas grandes áreas-problema: a ordem social e a ordem econômica. Nelas, seus representantes esperavam poderagir sincroni-
zadamente, dando orientação e apoio logístico ao Centrão, que teria de ser enquadrado
Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 1187 ! Jornal do Brasil, WJL87 12.0 Globo, 061187 “3 Jornal do Brasil, 21.12.87 “ Jornal do Brasil, 211287,
183
como instrumento político. Tratava-se de uma ação com dois alvos bem definidos: a Constituinte e a opinião pública ampla. E para isto, o empresariado tinha boas razões para contar com o apoio da área militar e do próprio governo, descontadas as questões menores e as circunstanciais, sobre as quais haveria divergências. À diferença dessas duas áreas-problema, a ordem institucional era, fundamentalmente, um problema interno. Enquanto as questões econômicas e sociais aglutinavam os representantes do
setor, a questão institucional o dividia. Colocava-o comoator bifurcado perante dois pontos essenciais -a questão do mandato presidencial e do tipo de regime — e deixava-0 em rota de colisão com o governoe a cúpula militar — o queera visto como contraproducente. Consegiientemente, o empresariado enfrentaria de corpo e alma as duas primeiras áreas-problema. Já a questão do mandato e do tipo de regime seriam manejadas de forma diferente.
Oliveira Santos, coordenador da UB e presidente da CNC, enumerou os pontos
do projeto da Comissão de Sistematização que, segundo ele, representavam “uma
ameaça”: estabilidade no emprego, pagamento de horas extras em dobro, restrições aos contratos a termo, proibição de empresas intermediarem a prestação de serviços, não-
-prescrição do direito trabalhista e restrição ao direito de propriedade.!*
Além disso, eram considerados “problemáticos' a redução do empréstimo compulsório e devolução no mesmovalor(correção monetária) e o adicional ao Imposto
de Renda para os estados (art 177), que a UB catalogava como sendo uma “perigosa
inovação”.!º Mas a entidade também criticava a contribuição social do empregador sobre faturamento e lucro, propondo a supressão, no inciso 1, parágrafo 1 do artigo 224,
da expressão *...o faturamento e o lucro...', sob a alegação de que o sistema previdenciário, “pelo projeto constitucional em votação”, dispunha de receitas asseguradas para
seu funcionamento. Da mesma forma, sugeria a supressão do parágrafo 2 do art. 224, que dizia: “A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou
expansão da seguridade social...”.”” Começava a ficar claro que para combater as
mudanças gerais e amplas que se pretendia registrar na Carta, o empresariado se lancava
numa série de batalhas “pelo detalhe”, obrigando os constituintes a descerem dos
princípios e medidas aprovados pela Comissão de Sistematização, para a discussão das
minúcias, como forma de modificar as decisões. A ORDEM SOCIAL
Comoresultado dos trabalhos da Comissão de Sistematizacão, o clima entre os empresários, segundo Albano Franco, era de “incerteza, beirando o pânico”. Es-
tavam assustados com os novosdireitos sociais dostrabalhadores e chegaram a ameaçar com locautes, enquanto o Centrão se mobilizava para derrubar, no plenário, as emendas “indesejáveis”.!* Para Albano Franco,a proibição de demissão imotivadae a obrigação
Jornal do Brasil, 061187 1é Sobre o empréstimo compulsório à União(art. 168), a UB pretendia imitá-loe estabelecer que a importância emprestada fosse devolvida noprazo mínimo de três anos, com o valor real preservado e juroslegais. *70 Globo, 61187 *º Diversos parlamentares-empresários ou vinculados à empresas votaram pola jornada semanal de 44 horas; hora extra em dobro; estabilidade no emprego e licença de 120 dias para gestantes, Entre eles, vale mencionar Severo Gomes (Tecelagens Parahyba, de São Paulo e Paraíba nda Santana do Rio Abaixo S.A); Vilson Sousa (PMDE-SC, empresário do setortêxtil,hoteleiro e comercial);Cristina Tavares irmá de Paulo Tavares, empresário do setor hoteleiro e participante nesses investimentos); Euclides Scalco (sócio da Policlínica São Vicente de Paula, em Francisco Beltrão, Paraná); e Uldorico Pinto (PMDB-BA,fazendeiro), Este voto empresarial certamente aumentava os temores de outros setores. (Jornal do Brasil, 021.87) 184
de pagar em dobro as horas extras “inviabilizariam economicamente o país”.A si-
tuação era tal que o deputado Nelson Friedrich (PR), do grupo progressista do PMDB,
lembrou-se, com razão, dos termos de um velho memorial da Fiesp: “Que fará um
trabalhador braçal durante 15 dias de férias?. O lar não pode prendê-lo e ele procurará matar as suas longas horas de inação nas ruas. A rua provoca, com fregiiência, o desabrochar de vícios latentes e não vamos insistir nos perigos que ela representa para
o trabalhadorinativo, inculto, presa fácil dos instintos subalternos, que sempre dormem na alma humana, mas que o trabalho jamais desperta”. O texto era de 1925, quando a entidade paulista condenara a concessão das férias de 15 dias!
Mas que mudanças tão temidas eram essas, das relações de trabalho? Pelo projeto da Comissão de Sistematização, os trabalhadores rurais passavam ter direitos
trabalhistas e previdenciários iguais aos dos trabalhadores urbanos (tinham direitos menores); os trabalhadores só poderiam ser demitidos por falta grave ou por justa
causa; as horas extras seriam pagas em dobro (e não somente 25% acima do valor da hora normal); a duração máxima da semana de trabalho passaria a ser de 44 horas (e não 48); o trabalhador poderia reclamar na justiça'os direitos trabalhistas relativos a todo o período que trabalhou na empresa (e não somente os dos dois últimos anos de serviço); o período de licença da gestante passava a ser de 120 dias (e não de 86) na época do parto; toda a intermediação de trabalho permanente ficava proibida (anu-
lando-se, com isso a base legal para a existência de gatos)?! Além disso, o Estado não mais poderia interferir ou intervir em sindicatos, cuja criação, funcionamentoou extinção passariam a ser assunto privativo das assembléias de trabalhadores (e não mais
dependendo de autorização do Ministério do Trabalho ou sujeitos à intervenção estatal); a greveserialivre para todas as categorias profissionais, sem restrições e sem julgamento da legalidade por tribunais; e as empresas com mais de 50 trabalhadores
deveriam ter, no mínimo, 10% de empregados com mais de 45 anos de idade. Finalmente,a lei passaria a assegurara participação (agora obrigatória) dos trabalhadores
nos conselhos de órgãos previdenciários e profissionais.”
lista de itens considerados “indesejáveis” pelo empresariado não só deixava em evidência a truculência das regras vigentes, mas destacava atraso de suaposicão e desmentia o tão propalado desejo de *modemização”, assim como a suposta intenção
de cultivar a “modernidade” no Brasil, através da implantação de modelos importados (até de culturas “exóticas” orientais). Mais: ficavam a descobertodiferenças importantes no seio da Sociedade Política
Empresarial, marcada pela heterogeneidade representativa — apesar do esforço de uni-
ficação representado pela UB. Mário Amato e Albano Franco, por exemplo, foram incapazes de sincronizar seus respectivos ponteiros, quanto mais chegar a um acordo
com o setor sindical e a área trabalhadora. Isto redundaria na derrota da fórmula
imaginada pelo empresariado e pelo Centrão, de contornar a demissão imotivada do
trabalhador através da indenização proporcional ao tempo de serviço. Até o governo
estatal entrou na dança das pressões. A Eletrobrás e a Nuclebrás se opuseram vigoro-
*º Franklin Martins, Jornal do. a ia Inês Nassif, Jornal do Brasil, 18.1 e
EE
* Jornal do Brasil, 18.10.87 2 Jornal do Brasil, 21.12.87
185
h
o samente ao dispositivo previsto na Comissão de Ordem Social, que condicion ava a construção de usinas nucleares ou instalações poluentes à realização de plebiscito nas
regiões escolhidas para a sua localização. E a Sociedade Política Armada não fez por menos. Os ministros militares procuraram várias vezes o presidente Sarney, por tele-
fone, alertando-o para as dificuldades de aceitação pacífica de uma anistia ampla para
os militares cassados a partir de 64. Enquanto isso, o chefe do SNI e o chefe do Gabinete Militar procuravam deputados para o mesmofim. Foi o que um assesor de Sarney classificou de “alerta geral”.
Embora a unificação discursiva do empresariado estivesse centrada na luta
pela desestatização e em favor da “livre iniciativa”, na hora de se enfronhar nos diversos aspectos práticos desta postura, surgiam as imprecisões e as “áreas terraça” de interesses. Exemplar, nesse sentido,foi a defesa da pluralidade sindical (com entidades organizadas Por setor ou empresa), pelo Partido dos Trabalhadores e pelos industriais mais modernos, contra a manutenção do sindicato único, defendida pelos empresári os das regiões menos desenvolvidas economicamente ou pelos grupos mais tradicionai s. Mas Albano Franco explicou o fenômeno: “No nordeste, com poucas empresas, não
temos condições de praticar a pluralidade, sem nos tornarmos frágeis”! Outro exem-
plo foi o conflito entre segmentos da indústria, divididos com relação a uma maior
abertura de mercado para o capital multinacional. E ainda a resistência de diversos
grupos empresariais à proposta de desestatização ampla,segura e rápida,Isto, segundo
o presidente da CNI, afetaria muitos setores empresariais que, na sua visão, ainda dependiam de incentivos do Estado. Mais uma vez, aparecia por trás do discurso
pomposo do *modernismo” a arraigada e costumeira posturacartorial do empresari ado. Só que, desta vez, expressa sem ambiguidades: as grandes questões nacionais eram
consideradas pelo simples mérito de se levar ou não vantagem com a manutenção das
práticas estabelecidas. No âmago da questão, estavam os fundos públicos “a serviço”
dos privados e a preservação das relações de poder constituídas. 1 Mashavia questões internas, comoa distribuição de cargos e a representação política do empresariado. Anular o corporativismo e o jogo patrimonial sindical dos
trabalhadores abria a brecha para rearrumar, nos mesmos termos, o sindicalis mo empresarial. Isto certamente comprometeria a posição dos empresários mais fracos ou das regiões menos industrializadas na estrutura política da Sociedade Empresarial,
derrubando 9 delicado equilíbrio que permitia, por exemplo,que a presidência da CNI continuasse nas mãos de industriais nordestinos.” Imprescriptibilidade do direito trabalhista, estabilidade no empregoe jornada de 40 horas.
A questão da estabilidade no emprego após 90 dias (artigo 7) era um tema
candente. Nãoera tanto a demissão imotivada que preocupava o empresariado, mas a
sua conjunção com outros dois pontos: a imprescriptibilidade dos direitos trabalhista s
(o texto da Comissão de Sistematização não definia prescrição das ações trabalhista s “ Jornal do Brasil, 21.12.87 2: Jornal do Brasi, 21.12.87 186
oe e a UB recomendaria a supressão de dispositivo do artigo 6, para que a matéria continuasse: sendo regida pela CLT, onde a prescrição é de dois anos contados da
ocorrência dofato) e a proibição da contratação de mão-de-obra de terceiros. A proibição da intermediação de mão-de-obra, chamada de leasing de empregados, impedia a
sublocação de trabalhadores, um velho meio de driblar as duas primeiras restrições, já que aquele que “contrata” não é o mesmo que demite.” Esta questão afetaria a área industrial e teria efeitos desastrosos nas relações de trabalho no campo, onde incidia diretamente no esquemajá existente, que permitia fugir ao ônus da imprescriptibilidade dosdireitos trabalhistas, já vigente na legislação da área rural: a contratação do “bóia-fria”. Já a partir de junho de 1987, o empresariado se manifestaria com veemência, antecipando resultados adversos para seus interesses na Comissão de Sistematização. Curiosamente, começaria pelo sul do país, na maior manifestação da história do empresariado gaúcho — segundo o presidente da Federação das Industriais do Rio
Grandedo Sule do Centro das Indústrias do Rio Grande do Sul, Luis Carlos Mandelli, “a maiordo setor no país” — reunindo cinco mil empresários no Parque de Exposições
Assis Brasil, em Esteio.” Representantes de 105 entidades assinaram um “Manifesto
pela Liberdade Empresarial”, repudiando a redução da jornada de trabalho e a estabili-
dade no emprego, aprovadas pela Comissão da Ordem Social. César Francischinni, do Centro da Indústria e Comércio do município de Farroupilha, conclamou o empresari-
ado a uma mobilização que não devia restringir-se à pressão sobre os constituintes, mas
ir ainda mais longe: “Devemos impor a nossa vontade, pois nós é que geramos o PIB
deste país” — disse ele. José Zamprogna,presidente da Associação das Indústrias do Aço do Rio Grande do Sul e ex-diretor do Ipesul (braço gaúcho do Ipes), advertiu: “Após a estabilidade no emprego, o próximo passo será o socialismo”, (Aliás, com a
estabilidade) “nossos empregados poderão roubar, faltar ao trabalho e produzir menos, pois não serão punidos, como acontece na administração pública”? Zamprogna cul-
pava a “esquerda festiva da Constituinte” pelas medidas aprovadas na Sistematização, enquanto o vice-presidente do Centro de Indústrias do Rio Grande do Sul, Antônio Carlos Smith, afirmava: “A esquerda no Brasil é muito atrasada, mas preocupa bas-
tante".
O empresariado gaúcho, já agora reunido no Movimento pela Liberdade Empresarial, também se manifestou contra conquistas como a reducão da jornada de
trabalho para 40 horas semanais, o direito irrestrito à greve e outros dispositivos do anteprojeto de Constituição. Com botões, onde se lia “Empresa livre, Nação forte”, circulavam Jorge Gerdau Johanpetter (do Movimento Cívico de Recuperação Nacional e Instituto Liberal) e o presidente do grupo Springer, Paulo Vellinho (ex-Ipesul),
admirados com o sucesso da mobilização, após somente duas semanas de organização. Osparticipantes da manifestação — à qual compareceram associações e câmaras de indústria e comércio de 180 dos 244 municípios do estado —, portavam faixas e
2* No mesmo artigo 6, parágrafo 3, a UB pretendia a rejeição do qy i aprovado - isto é, o veto À intermediação-,propondo o retorno à fórmula do substitutivo II do Relator. Na justificativa, à entidade afirmava que considerar a priori inconstitucionais os serviços de interme-. diação de mão-de-obra e ressalvá-las apenas em casos excepcionais sigrificava “uma generalizada 6 injusta condenaçãode muitos setores de prestação de serviços que, por omissão do Poder Público, não mereceram ainda tratamento legal 2? Relatório Reservado, 09/1511.87 2 Jornal do Brasil, 24.06.87 2» Jornal do Brasi, 24.06.87 * Jornal do Brasil, 24.06.87 3: Jornal do Brasil, 1.187; Jornal do Brasil, 08.07.87 187
cartazes pedindo “liberdade empresarial" e dizendo não à estabilidade, sim à produção”. Todos receberam folhetos do Movimento pela Liberdade Empresarial, que
levaram para distribuir em seus redutos. -
A manifestação gaúcha teve um aliadoinesperado (ou nem tanto). Luiz Antônio
Medeiros, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, declarou à imprensa que a proposta de estabilidade no emprego era “uma demagogia”. Já Wolfgang Sauer, presidente de Autolatina (holding da Ford e da Volkswagen) e comandante de um
império de15 fábricas, com um faturamento anual de 4 bilhões de dólares, qualificou-a de “populista'.** Coincidia com César Rogério Valente, presidente da Associação Comercial de Porto Alegre e da Federação das Associações Comerciais do Rio Grande
do Sul (Federasul), que pichou as medidas como “nitidamente voltadas para agradar o grande público”, acrescentando que só iriam estimular o “desemprego em massa e impedir, principalmente, que as pequenas e médias empresas se expandam”.* Além disso, César Valente advertiu os deputados e senadores gaúchos que votaram pela
estabilidade e redução da jornada de trabalho: “Eles jamais voltarão a receber apoio da classe empresarial do estado. Esta mobilização espera co-responsabilidades daqueles que ajudamos a eleger”.
dy Em torno da questão da estabilidade no emprego a UB, junto com organizações setoriais e regionais, deslanchou uma de suas mais impressionantes campanhas de pressão e ação propagandística, cujo símbolo foi um anúncio publicado nos jornais
(sugestivamente intitulado de “Alerta à Nação”) e alguns clipes de televisão.O empresariado de cada estado passou a exercerpressão individual junto aos respectivos
parlamentares, com manifestações regionais nos municípios de cada deputado e na própria Constituinte, A campanha incluiu advertências e sugestões, até culminar em novo anúncio dos empresários do Rio de Janeiro, sob o título “Por uma Constituição Livre comoa Livre Iniciativa”, assinado por todas as associações e agremiações sin-
dicais e políticas do empresariado fluminense. Nas últimas linhas, havia um recado de poucas palavras para bons entendedores: “A estes representantes do povo,hoje, o nosso
reconhecimento. Amanhã, a nossa avaliação”.
y
O próprio Mário Amato, num esforço derradeiro, apresentaria aos Consti-
tuintes, no dia da votação, diversos argumentos sobre as “consegiiências negativas da estabilidade no emprego sobre a economia brasileira”, argiiindo, numa tentativa de encontrar uma proposta conciliatória, que o empresariado era contra a demissão imotivada e contraa estabilidade, apoiando uma proposta de indenização progressiva , que penaliza o patrão que despedir sem motivo, mas não paralisa a economia. No mesmo período, convidado para um almoço na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul
(Fiergs), Antônio Magri disse a uma platéia de 100 empresários: “Se a proposta for
aprovada, os empresários deixarão de investir e não haverá mais oferta de empregos a partir do ano que vem”. E acrescentou: “Se é para matar os empresários, é melhor
pegar a metralhadora e fazer o serviço”.
“2 Jornal do Brasi, 08/0787
» Jornal do Brasi, 0.0787 8.07,87 3º Folha de São Paulo, 10.10.87 =Jornal do Brasil, 102.87 2º Jornal do Brasil, 05.10.87 *º Jornal do Brasil, 071087 188
Até o PNBE organizou, no dia 10 de novembro, “uma jornada nacional de reflexão e protesto contra a estabilidade”, envolvendo cerca de 3000 entidades empresariais e associações sindicais. De acordo com Paulo Butori, presidente da Associação Brasileira das Indústriais de Fundição e um dos coordenadores do movimento, a pretensão do PNBE era de promover o debate sobre as consegiiências que a fórmula de estabilidade teria para a economia do país. Esperava-se que,a partir dessa mobilização, as bases empresariais se manifestassem diretamente aos parlamentares, por meio de
telegramas e declarações à imprensa.” Desta vez, porém, o empresariado perdeu a
batalha: a estabilidade foi aprovada.
Foi nesse contexto que outro articulador do PNBE e membro do MCRN,
Nildo Masini (presidente da Ipiranga Aços Especiais, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e presidente do Sindicato da Indústria de Laminação e Trefilação de Materiais Ferrosos de São Paulo) — sugeriu a suspensão dos trabalhos da Constituinte e a renúncia de Sarney.
Para Masini, a situação política e econômica do país estaya “descontrolada”,
propiciando a aprovacão, pelos parlamentares, de “medidas casuísticas” — entre elas, a estabilidade no emprego; a semana de trabalho de 40 horas, a definição de empresa
nacional; e a proposta de excluir da distribuição de produtos derivados de petróleo as empresas multinacionais. O empresário esperava que com a convocação, 'no menor prazo possível”, de eleições gerais para a Presidência e para uma nova Constituinte todas essas definições preliminares fossem anuladas. “Não é um golpe” — afirmou Masini, ao tentar justificar sua posição, ressalvandoainda que não falava em nome da Fiesp, mas recolhia o pensamento encontrado entre vários empresários. Paulo Francini (Coldex-Frigor), também vice-presidente da Fiesp, comentou as palavras de Masini: “Dar opiniões é livre e elas vão desde as mais sensatas até as mais loucas”?.t! A
proposta de Masini não teve eco, mas não seria a última vez que empresários proporiam “zerar a Constituinte”.
Após a aprovação dos dispositivos pela Comissão de Sistematização, o empresariado começou a se preparar para as batalhas no plenário. Inicialmente, a UB recomendavaa aprovação da emenda 25.795 do líder do PTB, deputado Gastone Righi,
considerada “de estabilidade relativa”. Ela previa a estabilidade no emprego após 12 meses, com a garantia de indenização de um mês de salário por ano de serviço prestado (ou fração), além do FGTSe de aviso prévio, na formadalei, no caso de demissão
sem justa causa. Antônio Oliveira Santos fulminavaa reclamada estabilidade de emprego dos trabalhadores, chamando-a de “engodo”. E dizia mais: “Só existe emprego se houver
empresa. E emprego não se faz porlei. Estabilidade não segura ninguém no emprego. O que segura é a capacidade de trabalho e produção. Com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o trabalhador passou a ter um patrimônio. Com o FGTS, desapareceu o passivotrabalhista e apareceu, na empresa modernabrasileira, o ativo trabalhista”. A questão da imprescriptibilidade do direito trabalhista se-entrelaçava com a questão do “estoque do passivo trabalhista”, mais uma expressão cunhada pela UB para se
referir, de forma “pasteurizada”, ao tempo de serviço que os trabalhadores teriam acumulado até a promulgação da nova Constituição.*?
“O Estado de São Paulo, 06.1.87 4! Jornal do Brasil 171187. Masini esperava que aseleições- gerais - fossemrealizadas em 88 e se pronunciou à favor de OrestesQuércia como candidato. (Jornal do Brasil, 13.187) “ Jornal do Brasil, 08.01.88 189
o Nesse meio tempo,as discussões com ossindicalistas — em torno deestabili-
dade, aposentadoria e organização sindical — foram realizadas na casa de Gastão de Toledo, assessor jurídico do Centrão e dirigente da Cedes, em Brasília. O Centrão se faria representar por um grupo de parlamentares “confiáveis”, como Ricardo Fiúza,
Gastone Righi, Roberto Cardoso Alves, Paes Landim, José Lins, Eraldo Tinoco, Daso Coimbra, Afif Domingos, Luiz Eduardo Magalhães, Roberto Jefferson, Benito Gama
e Waldeck Ornellas. A emenda do Centrão receberia o apoio do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Luiz Antônio Medeiros, e do presidente do Sindicato dos
Eletricitários, Antônio Magri.”
Nofinal, a UB - junto com a Frente da Livre Iniciativa, representada pelo
presidente da Firjan, o armador Arthur João Donato — decidiu apoiar a proposta do Centrão, que previa indenização correspondente a um mês de salário por ano de trabalho - na demissão imotivada —, mas sem retroatividade ao período anteriorà vigência da nova Constituição e rejeitava a estabilidade. Em contrapartida, Oliveira Santos
sugeria que o empresariado estava disposto a dar “algum tipo de compensação”, propondo estabelecer mecanismos que elevassem o percentual sobre o FGTS - na época
de 10%, para algo em torno de 20%. Isto porque o coordenador da UB reconhecia que muitostrabalhadores tinham perdido seu “passivotrabalhista” para os empregadores em
1965, quando o sistema de estabilidade no emprego após 10 anos de serviço fora substituído pelo FGTS, embora ressalvasse que “um erro não devia justificar outro”, já que o direito à indenização poderia gerar, instantaneamente, “um passivo potencial de 150 bilhões de dólares para as empresas”. E acrescentava que o Brasil, tendo um PIB de 280bilhões de dólares, não poderia “resistir a um passivotrabalhista que correspondia a 60% de seu produto bruto”.Para o trabalhador, isto levantava uma inquietante pergunta: em que bolso teriam ido parar ostais 150 bilhões de dólares que eram parte
do seu “ativo” e dos quais ele nunca ouvira falar?
A ordem econômica Transcorridos sete meses de trabalho na Constituinte, o empresariado — em particular o urbano — alarmou-se ainda mais com o modelo econômico esboçado pela Comissão de Sistematização.“E isso apesar do esforço das multinacionais e nacionais,
que tentavam modelar a opinião dos congressistas e do público em geral. A Fiesp
chegou a produzir um documento no qual alertava para a necessidade de evitar que “as teses da esquerda” fossem aprovadas na votaçãofinal, alegando que os princípios eram “justos” mas “incompatíveis com a realidade brasileira”. O empresariado urbano intensificou seus esforços para barrar as propostas
“indesejáveis” e impor um perfil palatável à Constituinte. Mas evidenciou importantes divergências internas, além de contradições com os membros do Centrão. Um exemplo “ Jornal do Brasil, 08.01.88; Jornal do Brasil, 10.01.88 “Para derrubar à estabilidade, o Centrão passou a trabalhar com um leque de dez emendas, chegando à um texto-síntese, semelhante ao que foi oferecido aos constituintes, sem sucesso,pelos empresários gaúchos e por Mário Amato, quando a discussão ainda se dava na Comissão de Sistematização. (Jornal do Brasil, 03.12.87; Jornal do Brasil, 08.01.88) “ Jornal do Brasil, 08.01.88 “* Pragmaticamente, Amaury Temporal se queixava dosresultados do trabalho da Constituinte,mas também achava que não havia “nada maispemiioo para os investimentos doque fla dedefinição: E fisava: “Mesmo que as regrassejam runs”, (O Estado de São Palo, “ Jornal do Brasil, 201087 190
om
"
foi a luta travada por Afif Domingos e depois deflagrada em São Paulo (pelo Movimento de Defesa do Contribuinte, por ele criado em 1985) contra o projeto de reformatribu-
tária da Constituinte. Desta forma, Afif entrava em rota de colisão com o ex-ministro da Fazenda Francisco Dornelles, que fazia parte da Comissão de Ordem Econômica.
Murilo Mendes, da Construtora Mendes Júnior, sintetizou as apreensões do empresariado com uma frase: “Uma Constituinte boa pode não resolver os nossos problemas, mas um texto ruim atrapalha um bocado”. Enquanto isso, Ivan Botelho, diretor-presidente do grupo Cataguazes-Leopoldina, chamava de “entulho sem conhecimento de causa”, o modelo econômico do anteprojeto de Constituição, apresentado pelo relator Bernardo Cabral. Botelho focalizava a questão tecnológica para definir empresa nacionale estrangeira. E, com isso, passava por cima da questão econômica, embora lembrasse que o Estado deveria ser supletivo à iniciativa privada, além de promover o desenvolvimento científico e a autonomia e capacitação tecnológica. Por outro lado, Benito Paret, presidente da Associação Fluminense da Pequena e Média
Empresa (Flupeme), reconhecia avançosno texto da Comissão, especialmente no tocante ao reconhecimento do “princípio da desigualdade” — implícito no tratamento diferenciado proposto para as empresas de sua área de interesse. Em contrapartida, Amaury Temporal, presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil e di-
rigente da UB, não escondia a sua frustração: “Não temos o texto que queríamos” — dizia ele, apontando para o fato de que “se continuava a juntar capitalismo de estado,
intervenção estatal e clientelismo com alguns episódios de economia de mercado”.*”
O debate sobre as multinacionais também contribua para a inquietação do empresariado. O embaixador dos Estados Unidos, Harry Schlaudermann, já havia se reunido, numa luxuosa casa de Brasília, com representantes do Banco de Boston, Citibank, Digital, IBM, Ford, Pan Am, GM, Xcrox, Esso e Burroughs, e instara os
convivas a ficarem atentos à nova Constituição, que, segundo ele, “pendia mais do que o desejado para a esquerda”, No encontro, ele chegou a propor que dali partissem “fileiras lobistas para batalhar a favor dos interesses americanos". Além disso, as próprias empresas multinacionais se lançavam num lobby frenético e num esforço concentrado de modelamento de opinião publica. Uma comissão de representantes das multinacionais, coordenada porexecutivos da Volkswagen (Jacy Mendonça) e da Phillip Morris (Antônio Teixeira da Silva), entregaria a Mário Amato, presidente da Fiesp, um documento de 76 páginas sobre a importância dessas empresas para o desenvolvimento nacional. O texto foi distribuído a toda a diretoria da Fiesp, como um primeiro passo para a formação de um cinto de apoio à tese de que o Brasil não conseguiria resolver seus problemas de crescimento e desemprego, sem recorrer à “poupança externa”! A Fiesp, por sua vez, se concentrava na tentativa de incluir no texto consti-
tucional a mais ampla liberdade de ação para o capital, sem distinção de sua pro-
cedência. Mário Amato, presidente da entidade e do Fórum Informal, recordava aos constituintes que “a nação fez, há muito tempo, a opção pelo sistema de economia capitalista”. E pressionava-os, com este “argumento”, a promulgar uma Constituição
que adotasse “princípios baseados naliberdade de mercado,na propriedade privada dos meios de produçãoe na eliminação das distorções existentes no tratamento dispensado “* Jornal do Brasil, 011087 “* Botelho reclamavada necessidade de comprar tecnologia no exterior que não estivesse disponível no País(Jornal do Brasil, 06.09.87) “e Zózimo, Jornal do Brasil, 25.06.87 3! Jornal do Brasil, 19.08.87 191
ao capital estrangeiro”, além de recomendar a rejeição de limitações à jornada de
trabalho e às demissões.” Essas propostas foram resumidas como diretrizes num
documento lido em plenário, com o arrogante título de “Os Dez Mandamentos do Empresário”, contendo assinaturas dos diversos representantes setoriais do empresariado
na UB.Enquanto isso, a CNI chegava a um acordo: empresa nacional seria a que estivesse instalada no país, com capital majoritariamente nacional e direção de brasileiros. Um dosassuntos mais polêmicosera o da reserva de mercado da informática,
à qual se opunham as 30 indústrias de capital estrangeiro desta área instaladas no país.
Um de seus dirigentes chegou dizer que *a Constituinte iria estabelecer um cordão sanitário em torno das empresas estrangeiras de informática”. Paulo Cézar Aragão, consultor jurídico da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) e da Câmara Americana de Comércio, ressaltaria a importância do capital e da tecnologia
estrangeira, rejeitando a postura “defensiva” delineada no texto constitucional! Ao mesmo tempo, uma pesquisa feita em São Paulo, pela Fenix Engenharia de Sistemas e Pesquisa de Mercado, entre 95 empresários de peso, representantes de 12 importantes setores da economia, concluía que a maioria era presidencialista (60%), considerava o
capital estrangeiro “bem-vindo e indispensável"(70.5%) e condenava a reserva de mercado, quandoesta barrasse avanços tecnológicos (43%).Evidenciando o sentido
da orientação empresarial nestas questões, Renato Ticoulat Filho, conselheiro da UB
e secretário da Cedes, afirmou que o momento de crise que se vivia no país poderia
ser resolvido com liberalização do tratamento concedido ao capital estrangeiro.
Umaoutra questão polêmicaera o artigo 207 do projeto de constituição, que
estendia o monopólio estatal do petróleo à distribuição de derivados. O diretor para Assuntos Externos da Esso, Adhemar Berlfein, revelou que, num esforço conjunto com outras multinacionais do setor, a empresa já havia mantido contato com 350 dos 559 constituintes, numa eficiente ação de lobby. Além disso, representantes da Texaco,
Esso, Shell, Atlantic e da Companhia São Paulo desencadearam uma campanha publicitária em escala nacional, utilizando até outdoors e adesivos para defender seus interesses. Como resultado desta ação propagandística e de pressão, o presidente da
Federação Nacional do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Gil Siuffo, chegou
a acreditar que a batalha estava ganha, já que 75% dos constituintes contatados se declararam contra o artigo 207, enquanto somente 20% se pronunciaram a favor, com
5% de indecisos.”
Apesar destes esforços e promessas, afirmava-se na Comissão de Sistemati-
zação a idéia de restringir a atuação das empresas multinacionais na distribuição dos
produtos e até a de proibir os contratos de risco para a exploração de petróleo. Esta tendência provocou a reação do empresariadoe levou-o,
o apoio da Petrobrás, assim como o de Gil Siuffo.*
'surpreendentemente”, a angariar
ºLuís Carlos Delben Leita, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria de Máquinas (Sindimag) é dirigente do PNBE, preocupado com as tais “distorções”, chegaria a enviar, através do seu corpo técnico, um telex de 42 metros de comprimento 19 constituintes, pedindo a retirada devários artigos, a modificação de outrose a inclusão de alguns. Em pauta, sugestões para diminuir asrestrições ao capitalestrangeiro, permitindo a sua participação nos setores detransportes (marítimo, rodoviário e de carga aérea);críticas aos benefícios especiais para regiões & enclaves econômicos determinados(norte e nordeste); discussão sobre a jomada de trabalho ete. (Jornal do Brasil, 06.09.87) 5º Jornal do Brasil, 06.09.87 *º Jornal do Brasil, 06.09.87 *º Jornal do Brasil, 06.09.87 5º Relatório Reservado, 09151187 *º Jornal do Brasil, 07.0188 5º Teresa Cristina Lobo, Jornal do Brasil, WJL87 192
Nofim, assustada com a decisão da Comissão de Sistematização — de nacionalizar a distribuição de combustíveis —, na Shell, com 12 empresas no país e detendo 18.1% do mercado de distribuição, buscou o apoio da UB, no Rio; enquanto a Esso,
com 14.21% do mercado,preferia esperar que o assunto fosserevisto pelo plenário. O
próprio ministro das Minas e Energia, Aureliano Chaves, foi até o prédio de nove andares da Confederação Nacional do Comércio — onde funcionava a coordenação ambulante da UB — e expôs aos empresários sua preocupação com a decisão dos
parlamentares.” Já Ary Macedo, vice-presidente da Atlantic, advertiu que a emenda afugentaria os investimentos estrangeiros. Masa crise logo teria outras facetas, já que a Comissão de Sistematização votaria uma emenda com medidasrestrititivas à atuação das multinacionais no setor de
mineração. O grande culpado, no entanto, pelo menos aos olhos do Instituto Brasileiro
de Mineração (Ibram), era o ministro Aureliano Chaves. Segundo João Sérgio Marinho Nunes, presidente do órgão, o ministro vinha sendo “extremamente omisso”. Mais: “Ele tem cuidado só da energia e se esquecido das minas”. Embora o ministro sempre demonstrasse o seu “apoio incondicional em todos os pleitos que lhe foram levados pelo Ibram”, os empresários do setor não o viam como “um aliado”. Ainda segundo Marinho Nunes, Aureliano sempre se limitara “ao apoio moral, dentro do seu gabinete”.
Pior ainda: “Os próprios constituintes que obedecem à orientação do ministro só apresentaram emendas relativas ao setor energético...(e)...nada no que diz respeito à
mineração”. Restava-lhe jogar suas esperanças no plenário Constituinte, para reverter
o “quadro negativo” que se configurava.*!
Enquanto isso, o sistema financeiro se sentia “poupado” pelos parlamentares, já que, segundo Ives Gandra da Silva Martins, consultor da Fenaban, o texto consti-
tucional havia passado por uma “depuração de vícios”. Gandra, que foi autor de cinco
anteprojetos, se regozijava com o que via como vitória das posições defendidas por José Serra (PMDB) e Francisco Dornelles (PFL) contra as teses de Fernando Gasparian e Severo Gomes (ambos do PMDB). Segundo o consultor da Fenaban, duas questões tinham preocupado o sistema financeiro: a possibilidade de que bancos estrangeiros
fossem impedidos de operar no mercado interno e a possibilidade de redução do papel dos bancos privados nacionais.? Mas nem todos estavam trangiilos. O diretor do
Banco Econômico,Carlos Brandão (ex-diretor do Banco Central e ex-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes do Mercado Aberto — Andima), queixava-se de que
os constituintes interferiam nas conversas com credores sobre a renegociação da dívida externa. E arrematava: “É uma questão financeira e não política”.
O encaminhamento dado pela Comissão de Sistematização à questão agrária
também deixavaa desejar, aos olhos dos proprietários de terra. Eram muitas as questões
em pauta e o presidente da UDR, Ronaldo Caiado, previa “uma convulsão” no país,
caso a Constituinte aprovasse a imissão imediata da posse da terra, no capítulo da
Reforma Agrária.“ Kit Abdala, presidente regional da UDR no sudoeste do Paraná, Luiz Cláudio Cunha,Jornal do Brasil, 154187 “3 Maurício Corrêa, Jornal do Brasil, 30.11.87 “! Maurício Corrêa, Jornal do Brasil, 301187 “: Jornal do Brasil, 06.09.87 “Jornal do Brasil, 06.187 a “! A imissão de posse dos imóveis que fossem desapropriados por descumprimento da funcão social da propriedade - a ser definida em inária, como ficou previsto no anteprojeto do deputado Berardo Cabral, relator da Comissão de Sistematização da Constituinte -, estabelecia prazo de 90 dias para que à justiça decidisse se osdesapropriados teriam direito a pagamento em dinheiro ou títulos da dívida agrária. Se a imissão fosse concedida, o proprietário não poderia retomar o imóvel. 193
dizia mais: “Se isto for aprovado, será mais umalei a ser desrespeitada neste país”. Caiado, acompanhado de 19 dirigentes regionais da entidade, chegou a ameaçar os parlamentares, em agosto de 87, com uma reação nacional dos produtores rurais.”. E
Flávio Telles de Menezes, presidente da Sociedade Rural Brasileira, reclamou que, ao condicionar o direito de propriedade à função social, a Comissão dava razão imediata a quem não dispunha da posse formal da terra.
Mas a Comissão de Sistematização tendia a assegurar o processo de imissão imediata de posse, o que na prática conferia ao Incra o poder de desapropriação, antes
de a Justiça pronunciar-se a respeito da terra ser ou não produtiva.“ E isto apesar dos
esforços de Telles de Menezes e de Ari Marimon, presidente da Federação de Agri-
cultura do Rio Grande do Sul, que, junto com Cesmar Moura, dirigente da UDR em
Brasília, passaram a concentrar a luta na tentativa de obter apoio às emendas que
condicionavam a imissão de posse à sentença judicial transitada em julgado - um ritual que levaria 90 dias na primeira instância e mais 60 na segunda, além de comportar recurso ao Supremo Tribunal Federal, no caso de a desapropriação afetar direito constitucional do proprietário. Deve-se acentuar que, embora Flávio Telles de Menezes fosse o mais vocal, ao reclamar que a propriedade rural não estava “resguardada”, nas
questões relativas à Ordem Econômica em gerale à terra em particular, era a UDR que se destacava por sua combatividade pública.” Para lidar com estas e outras questões, o empresariado rural, agrupado na
Frente Ampla da Agricultura Brasileira, integrada pela SRB e centenas de outras entidades menores, em conjunção com a Frente Parlamentar Agrícola e com a escora
logística da UDR,preparava-se para levar adiante a sua luta na nova fase de votação da Comissão de Sistematização, marcada para o final de setembro de 1987. Os proprietáriosrurais não estariam sozinhos, em sua batalha na Constituinte, já que, paralelamente, dirigentes do Ibram, da Brascan e da Paranapanema também iniciavam seu lobby,
pretendendo derrubar a proibição de transferência de terras com jazidas minerais para
estrangeiros e a criação do Fundo de Exaustão, que os obrigaria a indenizar os mu-
nicípios onde se esgotassem as minas exploradas.* Para Flávio Telles de Menezes, a
melhor opção era travar a batalha no plenário, onde o “Centrão” teria melhor presença
que na Comissão de Sistematização,vista como “um espelhoa refletir imagens distor-
cidas”.º
Para espanto da UDR, as piores estimativas de Menezes foram confirmadas
e a proposta uderrista sobre a definição do direito de propriedade do imóvel rural acabou derrotada, apesar dos cálculos otimistas de Allyson Paulinelli (PFL-MG) e RosaPrata (PMDB-MG). Eles esperavam contar com 50 a 55 dos votos dos integrantes da comissão, maseste total fora esvaziado por um acordoentre facções do senadorJosé
Richa (PMDB-PR) e da deputada Sandra Cavalcanti (PFL-RJ), sintetizado na emenda do deputado Jorge Hage (PMDB-BA). Com isso, o texto do relator Bernardo Cabral
recebeu duas emendas populares, patrocinadas pela Contag e pela CUT. Caiado assistiu
da galeria à rejeição da emenda destacada por Afif Domingos e apoiada pela UDR. Transtornado, começou a acusar os políticos: “Fomos traídos pelo grupo dos 32, do
“ Jornal do Brasil, 20.08.87
194
Richa e da Sandra. Acertaram uma coisa com a gente, mas chegaram no Congresso e
se acovardaram, diante do patrulhamento da esquerda”.”? A UDRnão perdoaria os que chamou de “políticos irresponsáveis”.”!
A 4º secretaria, ocupada pelo deputado monarquista Cunha Bueno (PDS-SP)
e transformada em quartel-general de campo dos empresários rurais, acolheu um Caiado de lábios trêmulos, que prometia: “Vocês vão ver, a partir de agora, a maior mobilização já feita na história deste país. Vou peregrinar de nortea sul, deleste a oeste, Não
perderei mais tempo no Congresso. Vou para a base. Não tem sentido continuar produzindo na terra, enquanto essa esquerdinha de butique quer estatizar o campo”.? Já os empresários da mineração davam sua causa comoperdida, após a aprovação pela Comissão de Sistematização, do artigo 192, que mantinha a distincão entre empresa nacional e empresabrasileira de capital estrangeiro. A única chance, agora — segundo
José Mendo Mizael, secretário-executivo do Ibram —, era o debate no plenário.”
Na brecha de desentendimento aberta entre a UDR e os parlamentares do Centrão, agiria a UB, recomendandoa supressão da segunda parte do parágrafo 2º do
artigo 211, que estipulava que se o juiz não se pronunciasse sobre à ação de desapropriação em 90 dias, a imissão seria automática, A UB achava que a sistemática adotada no substitutivo do relator Bernardo Cabral restringia “o direito do proprietário rural”?* Com tal projeto de Constituição - “indesejável”, segundo o empresariado rural
e urbano, apesar das esquerdas só aprovarem 24% das emendas apresentadas, enquanto que o PMDB os partidos mais conservadores, componentes do Centrão, garantiram,
respectivamente, 50% e 47% -, as diversas associações, agremiações e lobbies empresariais passaram visualizar duas opções.” A primeiraerarejeitar in totum, no plenário da Constituinte, o projeto aprovado pela Comissão de Sistematização. A segunda era enfrentar, artigo por artigo, todosositens considerados fundamentais, exercendo sobre o plenário um trabalho de “convencimentoirresistível". Para a primeira opção — rejeição
em bloco —, contava-se com a emenda do deputado Álvaro Valle, embora as consegiiências de tal ação fossem imprevisíveis, assim comoseria inevitável o desgaste perante a opinião pública. Além do mais, juntar o “bloco dos insatisfeitos”, reunindo parlamentares de várias tendências,nãoseriatarefa fácil. Para a segunda opção, também se previam dificuldades,já que a maioria de 280 para cada item não estaria assegurada automaticamente, e o esforço de juntar os parlamentares num “bloco de alteração” era oneroso sob vários pontos de vista.” Mas o empresariado teria um bom tempo para definir suas opções, a partir do momento em que o consultor-geral da República, Saulo
Ramos, ofereceu um anteprojeto completo de Constituição, como ponto de partida para a articulação do “Centrão”. O anteprojeto mantinha, entre outras coisas, o regime presidencialista — um ponto muito caro para diversos setores do Planalto —, que fora discutido em reuniões no Hotel Carlton, em Brasília, entre o consultor, o deputado Afif
Domingos, o jurista Ives Gandra Martins e interlocutores eventuais,”
“e Jornal do Brasil, UML$7 710 assessor parlamentar da entidade, FábioSabóia, comentaria com Caiado: “Você viu a diferença? Fomostraídosporesses...(Jornal do Brasil, JOJ1.87; Jornal do Brasil, N.JL87) “ Jornal do Brasil, WJL87 *Jornal do Brasil, WAL&7 “Jornal do Brasil, 26.08.87 a *Pranklin Martins, Jornal do Brasil, 301187 *º Relatório Reservado, 02.08.1187 "Folha de São Paulo, 061.87 195
Enquantoisso, o quadro de resultados da Comissão de Sistematização denun-
ciava outras questões. Deixava à vista, por exemplo, a fragilidade da articulação
empresarial, que veio à tona com os desentendimentos sobre questões específicas e levoua várias derrotas. Um incidente na votação da emendaqueexcluía as companhias estrangeiras dadistribuição de derivados de petróleo mostrou à UB, de forma dramática
e até ridícula, a necessidade de juntar seus músicos numa só orquestração. Foi quando o distraído senador Albano Franco, presidente da CNI e ex-presidente da própria UB, votou a favor da emenda, recebendo um esculacho completo do deputado Francisco
Dornelles: “Como você vota umacoisa destas sem saber?” E emendou: “Vou ligar para lá (para a CNT)e pedir para tirarem o Albano daqui. Ele só vem aqui para atrapalhar”. José Genoino, deputado pelo PT, brincou: “Nãoliga não, Dornelles. O que o Albano
fezfoi trazer a Shell,a Esso, a Texaco e a Atlantic para uma composição com a UB'.'
De qualquer forma, o sinal de alerta havia sido dado. Havia falhas concretas na composição empresarial.
A atuacão dospivôs, eixos e alinhamentos era insuficiente. Havia necessidade
de uma concatenação específica para a Constituinte, que os aglutinasse em ação e
propostas e não deixasse fendas para a discórdia — alimentadas por ambições pessoais, jogo deinteresses miúdose divergências circunstanciais, além de espelhar as demandas diversas do empresariado —, ou para a penetração do trabalho dos parlamentares de esquerda. A homogeneização destes pivôs, eixos operacionais e de poder e alinhamentos, que recomporia, em certa medida, a coligação de forças que sustentou a preparação e a deflagração do golpe de 1964, esbarrava em dificuldades em duas áreas do empre-
sariado.”? Uma delas era o PNBE,que procurava estabelecer uma pressão alternativa,
articulada ao largo das entidades convencionais e dos novos agrupamentos empresariais, com o propósito de estipular um traçado de ação com identidade própria e com uma visão mais larga do processo econômico, social e político do que o horizonte imediato da Constituinte. A meta era desenvolver uma proposta de atuação e objetivos
reformistas.” A outra era a incômodaquestão da UDR. Embora incorporada ao esforço amplo, e tendo obtido um entendimento com as diversas entidades representativas dos
proprietários rurais — como a Confederação Nacional da Agricultura, a Sociedade Rural Brasileira e a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo —, a UDR provocava mal-estar entre muitos empresários, que não queriam se ver associados à sua imagem agressiva. Para muitos, era melhor que a entidade de Ronaldo Caiado continuasse correndo por faixa própria, o que, em parte, acabou acontecendo.
Portanto, havia que concatenara direção, o sentido, as metas e recursos, para
potencializar o seu resultado. E, nisto, a presença da UB seria crucial. Enquanto os deputados afinados com as teses do empresariado arregimentavam apoio para o Cen-
trão, os empresários juntavam dinheiro para a ofensivafinal na Constituinte, num total que seria estimado em 5 milhões de dólares.*! A mobilização financeira e política para modificar o projeto da Comissão de Sistematização incluía nomes de peso, como
Albano Franco, Ronaldo Caiado, Mário Amato, Amaury Temporal, Flávio Telles de
Menezes e Sebastião Camargo.
* Jornal do Brasil, UML87 *” Gustavo Corrêa de Camargo, Relatório Reservado, 091511.87 “» Relatório Reservado, 02/08.1187 *! Jornal do Brasi, 08.187 *º Relatório Reservado, 02/08.1187 196
Mas sabendo que a ação econômica não era infalível nem suficiente, Antônio
Oliveira Santos conclamou à ação política e propagandística, advertindo: “Não é o
poder econômico nem o rolo compressor do dinheiro que nos dá importância. Isto nunca dá resultado duradouro. O que importa é o convencimento, através do Con-
gresso, do Executivo e da opinião pública”.º Antônio Ermírio de Morais enfatizou que não concordava com a “mistura de política com dinheiro alto”, lembrando que os empresários precisavam corrigir “os erros da Constituinte”, mas não podiam, paraisto, incorrer em outros. Mais: “A negociação deve se dar a nível político”. E arrematou:
“É preciso convencê-los a fazer uma Constituição condizente com realidade, com as necessidades do país, e o mais rapidamente possível, para que o Brasil possa voltar a
crescer”. Enquanto isso, o Centrão passava horas em reuniões, discutindo a melhor forma de “enxugar” o texto da comissão e rever os temas econômicos e sociais, espe
cialmente preocupado com a possível associação entre o que estava ali e as reivindicações do empresariado.
Dias depois, o esforço empresarialteria êxito, ao estabelecer uma frente móvel, de corte nacional, da qual faziam parte a Cedes, o Instituto Liberal, a UDR, o MDU,
o MCRNe a própria UB, que assumiria a coordenação da convergência política.” Os
pontos em pauta eram amplos: a manutencão da economia de mercado, a desestatização, o livre comércio, a eliminação de barreiras ao capital estrangeiro, a rejeição das
medidas aprovadas para a área sindical, umareorientação da política agrária etc. Restava “somente” adequá-los a demandas específicas do empresariado e operacionalizá-los, o
que exigia a adesão, irrestrita, dos parlamentares do Centrão. Estes, por sua vez, “só” estariam pondo em risco a sua imagem pública, e, portanto, a carreira política.
Masa ofensiva da UB passaria, antes, portrês ações preparatórias do terreno político. Entre elas, estava a mudança de regimento interno da Constituinte, obtida pelo rolo compressor do Centrão, que passaria a exigir a ratificação das questões aprovadas
por maioria de 280 votos, abrindo o espaço para a apresentação de emendas, substitutivos e destaques da direita.Havia também que operacionalizar a decidida coordenação das ações no plenário, de pelo menos10 doslíderes do bloco parlamentar confiável, para evitar surpresas desagradáveis, propiciadas pelo conservadorismo mais afoito ou
pelo fisiologismointrínseco ao Centrão, com sua composição multipartidária.” A terceira ação, talvez a mais importante politicamente, seria o apaziguamento das próprias fileiras do empresariado e do Centrão, resolvendo porfora a questão do mandato presidencial e do tipo de regime, que dividiam, independente de qualquer cristalização ide-
ológica. Isso também significou a reestruturação do Centrão, com a implantação de assessorias de cunho administrativo, jurídico e de divulgação. Assim, foram criadas mais de 100 funções para os 327 deputados e senadores que haviam assinado o docu-
mento que os transformou em pretenso rolo compressor das teses de direita.”
Luiz Cláudio Cunha, JB, 151.87 “* Jornal do Brasil, 081.87 3 O Estado de São Paulo, 061187 “é Jornal do Brasil, 081.87 “Relatório Reservado, 0975.11.87 *º O primeiro artigo previa a apresentação de substitutivos a tíilos, capítulos, seções é subseções, além de emendas ao projeto de Constituição, subscritos por maioria absoluta de 280 votos dos membrosda Assembléia Constituinte, O artigo oitavo decidia que somenteseriam apreciados requerimentos de destaque subscritos por, no mínimo, 187 constituintes. O décimo-segundo retirava do relator Bemardo Cabral uma série de atribuições, reduzindo-o,na prática, à função de participante, com outros constituintes, de uma Comissão de Redação. Isto, por sua. vez, abria espaço à projeção de Ulysses Guimarães, como “tocador de caixa”. (Enfase: Série Constituinte, Nº 40, 12.01.88, São Paulo) * Jornal do Brasil, 29187 *º Jornal do Brasil, 291187 197
A QUESTÃO DO REGIME E O MANDATO PRESIDENCIAL Noencontro da UB, Antônio Oliveira Santos se encarregou de dizer o que o
empresariado esperava dos políticos, enumerando diversos pontos. Além disso, desqualificou o presidente Sarney, marcando o seu próprio distanciamento: “Ele viveu uma situação política extremamente difícil. Sarney assumiu aquela posição de líder da
democracia, com um passado ligado ao regime que estava sendo sepultado”. Por fim, estipulou o prazo da transição que, segundoele, acabaria no dia em que a Constituição fosse promulgada, iniciando “vida nova”. Esse distanciamento em relação ao presidente da República já ficara em evidência numa reunião do Fórum Informal, quando o apoio a Sarney, antes direto e explícito, passou a ser indireto. A mudança de postura do empresariado podia ser explicada pela proximidade de uma suposta reforma ministerial, que, além de mexer nos cargos, poderia iniciar mudanças no campo econômico. Para Lincoln da Cunha
Pereira, presidente em exercício da Associação Comercial de São Paulo, qualquer atitude dos empresários seria precipitada, enquanto não saísse a reforma ministerial e
não houvesse uma “nova definição das linhas políticas do governo”.” Já Mário Amato
comentou: “Quando vemos na imprensa um ex-ministro (Simonsen) fazendo declarações, um ex-presidente (Figueiredo) lançando manifesto e militares (ABDD) se
reunindo, nessa hora nos preocupamos em dar guarida às instituições do império da lei”. Apesar de suas próprias palavras, o presidente da Fiesp e do Fórum disse não acreditar em golpe de estado.” Narealidade, as diatribes contra o presidente obedeciam a um ritual para diversos consumos. Isto ficou claro quando um grupo de empresários — entre eles Mário Amato; o presidente do Grupo Cataguazes-Leopoldina, Ivan Botelho; o presidente da Camargo Corrêa, Sebastião Camargo; e Murilo Mendes, da Construtora Mendes Júnior — reuniu-se com Sarney, para sossegá-lo: o empresariado não pretendia desestabilizar o governo. Amatoainda diria ao presidente que seus pares temiam o alastra-
mento no país de um clima de “conspiração”, onde apareciam envolvidos o próprio Planalto, constituintes conservadores, empresários e militares, todos eles acusados de pretenderem inviabilizar o projeto da Comissão de Sistematização. Os pontos abor-
dados eram um resumo das conversas mantidas entre 30 empresários na sede da CNI, em Brasília, num encontro que ficara conhecido como o “jantar do dia 4 de novem-
bro”
Na verdade, o famoso jantar — do qual participou a cúpula da UB,incluindo Albano Franco, Amaury Temporal, Camilo Cola, Antônio Oliveira Santos e Antônio
de Pádua Rocha Diniz — levara ao debate de várias outras questões. O empresariado decidira agir direta e pessoalmente sobre o “Centrão”, não esperando pelo posicionamento do governo, que concentraria suas atenções em itens como o mandato presidencial e o tipo de regime, — questões divisionistas, que requereriam ou possibilitariam
o pronunciamento militar, de forma a obter uma postura unitária dos parlamentares e o consentimento popular. Governo e militares logo seriam vistos como uma unidade, ou como formações para a batalha mutuamente escoradas, com a predominância do verde-oliva nos tons. Heitor de Aquino Ferreira, ex-secretário particular dos presidenJornal do Brasil, 151187 *: Jornal do Brasil, 20.10.87 * Jornal do Brasil, 201087 ** Roberto Lopes, Folha de São Paulo, 061.87 198
Rio, usaria a extes Geisel é Figueiredo, e então assessor da Bolsa de Valores do colaborador do periência política de seus tempos do Ipes, na década de 60, e de íntimo botar esse peso agora resolveu peso tem que turma “A General Golbery, para comentar:
deveriam ser procurados na mesa”. Já Ermírio de Moraes defendia que os congressistas
inte” — concluiu.” pessoalmente: “Devemoster agora uma ação decisiva na Constitu iniciativa, O empresariado decidiu criar um grupo de mobilização pró-livre
vincular-se integralmente numa Frente Nacional articulada com o “Centrão”, mas sem
não havia interesse em ao grupo. Segundo Arthur João Donato, presidente da Firjan,
a Constituição no aspecto entrar na “questão política”, mas o sentido era de “aperfeiçoar
ção: o eixo governoeconômico”. O “Centrão” passaria a ter dois focos de alimenta a duração do mandato e o tipo de regime; eo eixo empresa
-militares, obcecado com imprescindíveis na área rial, cujo objetivo era assegurar alterações consideradas
permanente foi econômica. A decisão dos empresários de funcionar em caráter os constituintes com contato de uma, ias: assessor duas de ção pelacria complementada , imporjurídico apoio de outra, a e ; articulando o esforço empresarial com o *Centrão” do emendas várias comr trabalha era idéia A .” plenário do tantíssima na batalha alaté r, particula em emenda uma “Centrão”, excluindo-se a possibilidade de eleger al, As emendas do cançar, no processo de acerto, uma proposta abrangente e consensu s e Luiz Eduardo JoséLin Centrão chegaram a 400. Sob a coordenação dos deputados os princípios de o seguind 15, em s fundi-la tentaria Magalhães, um grupo de trabalho Os “excessos suprimir r ,tenta comissão pela o aprovad texto no possível mexer o menos do ainda o reduzin ntes”, “estatiza artigos impostos à iniciativa privada e eliminar os e mantera PMDB do a esquerd a isolar que havia isso, Para «xenofobismo” do texto.*
ado de questões divisionistas, coesão operacional do Centrão, que teria de ser preserv das questões de cunho cuidar Para regime. de tipo o e como a duração do mandato
Democrático do social, que preocupavam o empresariado, seria formado o Centro . do
para os conserviológicos PMDB, comoaglutinador e foco emissor multitemático
da Constituinte. Centrão, além de instrumento de mudança do regimento interno
de conspiração não Os empresários que foram a Sarney afirmaram que o clima
processo tinham a “necesexistia, mas se manifestava porque alguns participantes do ara ter seu momento de eficaz,p ação uma ando sacrific público, o para sidade de jogar O problema com Caiado. Ronaldo e glória”. Este seria o caso de Guilherme Afif Donato e alguns João Arthur quando CNI, na reunião a após Caiado, aliás, ficou claro . Disseram a conversa uma para técnicos da Fiesp convocaram o presidente da UDR e, portanto, demasia em izadas estigmat estavam UDR Caiado que sua imagem e a da
e rural e dos outros empresários seria melhor que os esforços de pressão da entidad so Constituinte , ainda que Congres do es “corressem em faixas próprias nos bastidor
os.” Caiado, é lógico, estivessem perseguindo, em muitos casos, os mesmos objetiv urbano pretendia riado empresa o que ficou visivelmente contrariado. Parecia óbvio
as também ficaram “cozinhá-lo” e “administrar” indiretamente a UDR. Os uderrist idade de as
detectavam a possibil preocupados com manifestações de Amato, nas quais
da demissão imotivada lideranças industriais acabarem negociando acordos em torno * Jornal do Brasil, 061187 ** Jornal do Brasil, 061187 *! Jomal do Brasil, 061181 » Jornal do Brasil, 031287 *º Jornal do Brasil, 051187 de São Paulo, 061187 109 Roberto Lopes, 199
e outrositens que atingiam suas prerrogativas, em troca da manutenção ou mesmo de
avanços no texto da reforma agrária. Tais preocupações foram levadas à cúpula da Fiesp, à qual a UDR advertiu: “Se houver punhalada pelas costas, podem ter certeza:
será uma carnificina”.!o! s
Amato concluiu que os empresários deviam se tornar mais atuantes junto aos
meios de comunicação, embora ressalvasse que isto deveria ser feito sem dar a im-
pressão de que havia uma articulação com a Presidência da Repúblic a, a área militar e o “Centrão”. Dois dias depois do encontro, o líder do PDS na Câmara, deputado Amaral Neto,feliz, ganhara o apoio do presidente das Organizações Globo, jornalista Roberto Marinho, para o “grupo moderado” do Congresso: “A TV Globo vai começar
a dizer que nós já temos a maioria na Constituinte”.'2 Era mais um esforço de modelamento deopinião, desta vez com um alvo restrito e específico, localizad o na própria Constituinte, além do objetivo geral e amplo, de reduzir o público ao desânimo, pelo “fato consumado”. 3 Mas também se procurava criar um “colchão de opinião pública”, que legitimasse à responsabilidade capital da UB, de assegurar uma Constituição confortáv el
para os empresários. Os sinais de que a entidade assumia responsabilidades e ganhava representatividade começaram ficar evidentes quando, numa única semana,a propa-
ganda da UB “pintou na tela das televisões” e Roberto Marinho recebeu sua direção para comunicar a sua própria adesão ao bloco.'? Assim mesmo, o esforço de propaganda da entidade, através de jornais e das Redes Globo é Manchete, contraa estabilidade no emprego — algo que saiu por nada menos de 70 milhões de cruzados — não obteve grande impacto. O tom dos filmes produzidos pela Globotec e estrelados pelo
elenco da Globo era didático demais, e o protagonista transmitia a radiante imagem de
“operário-padrão”, difícil de engolir num país onde 60% da populaçã o trabalhadora ganham menosde dois salários mínimos, enquanto a previdência social é um desastre
e índice de rotatividade por demissão é altíssimo. !º*
Vale lembrar que,ainda no encontro de Brasília, os empresários haviam pedido
Oapoio de Sarney,oferecendo em troca luta pelos cinco anos de mandato presidencial, no que convergiam com a posição dos comandos militares. Finalmente, alertaram º presidente de que falariam, daí em diante, com tons duros, mas esclareceram que isto era consegiiência da necessidade de darem umasatisfação ao (seu) públicointerno”. 1º j
A posição do empresariado não era novidade. Já em 1986, dias antes das
eleições, dirigentes da Fiesp e da CNFhaviam defendido à permanência de Sarney até 1991, num mandato de seis anos. Amato e Bornhausen temiam que uma novaelei ção pudesse “tumultuar o ambiente político, impedindo que a Constituinte atingisse o seu
objetivo”. Entre os que se manifestaram a favor do mandato de seis anos, estavam o presidente da Federação Brasileira das Associações de Bancos, Antônio de Pádua
Rocha Diniz, € o ex-presidente da Fiesp Luiz Eulálio Bueno Vidigal. Já nessa época,
o empresariado se mostrava desencantado com o leque de possíveis postulantes ao
cargo máximo da República. 1 Relatório Reservado, 3011/06121987 1º Folha de São Paulo, 061.87 “º3 Jornal do Brasil, W.87 1º Folha de São Paulo, 061187 5 Jornal do Brasil, 08.11.87] 1% Jomar Morais, Jornal do Brasil, [211.86
200
A questão do mandato presidencial serviria de mecanismo de apaziguamento nas relações governo-empresariado e de fortalecimento do eixo civil-militar de elite. Uma definição desta questão, nos moldes esperados pelo governo e pela área militar
(cada um com suas razões) era necessária para permitir a delimitação do campo e do prazo de ação. Havia que liquidar o divisor de águas do mandato e do regime, que cortava o *Centrão”, já esfacelado pelas negociações multilaterais, inutilizando-o como aríete. “A essa altura, implodiam as bases do PMDB e do PFL — como áreas de sustentação do Centrão e canais confiáveis com a presidência — em consegiiência do esgarçamento das suaslinhas interiores. Alargava-se o racha nas relações Congresso-Executivo e abriam-se as laterais do campo para a intromissão militar nas questões em pauta. Mais ainda: criavam-se situações embaraçosas para os parlamentares que apoiavam a tese presidencial-militar, frente ao eleitorado, em virtude do descrédito do próprio Sarney.!” Ou, como diria o deputado José Lins, coordenador da Comissão Temática; “Sistema de governo e mandato do presidente José Sarney são temas proibidos no
Centrão”.!08
De resto, a questão do mandato e do sistema de governo criava tensões no interior do empresariado. Uma parte deste se engajaria na luta pela manutenção do
presidente Sarney, pela definição de um mandato de 5 anos e pela aprovação de um
regime presidencialista. Nisto, trabalhariam em convergência e, em certos momentos, em sincronização com a área militar, negociando demandas em troca do apoio empresarial às teses do governo e da caserna. Uma parte minoritária, porém, exigi muito empenho, eleições em 1988. E isto por duas razões: a falta de cred; governoe a sua incapacidade para direcionar a economia, além do medo da candidatura Leonel Brizola, que crescia com o fermento do desgaste de Sarney e seu ministério. Foi
por esta razão que Nansen Araújo, presidente da Fiemg e vice-presidente da CNI,
passoua defender eleições em todos os níveis em 1988.!º Esperava-se, com isso, deter Brizola antes que ganhasse alento popular irreversível; além de estabilizar o país, poupar o Centrão e direcionar a vida econômica.
Caiado fazia declarações esparsas sobre a necessidade de convocar eleições gerais para 1988, mas não com o mesmo fervor da luta contra a reforma agrária e nem
chegou a acionar seus comandados com tal objetivo. E espetava Sarney e as esquerdas,
ao encarregá-las, num desafio propagandístico, de convocar o povo para votar.!!º
Um terceiro segmento, também minoritário, se pronunciaria a favor de um
regime parlamentarista, subdividindo-se entre o apoio à tese dos quatro ou cinco anos e o apoio ou a rejeição de Samey. Em certa medida, espelhavam a mesma dissensão do Centrão, sem o ônus das repercussões negativas no Congresso. No seio do empresariado, as diferenças eram digeríveis; no Centrão não.
Logo ficou claro que as definições sobre o tipo de regime e a duração do mandato presidencial não viriam pelo lado do Congresso, nem poderiam resultar de uma campanha empresarial de mobilização da opinião pública. Obrigariam o governo, na figura do presidente, a dar um “murro na mesa”, consentido e acolchoado mil tarmente, para decidir a parada. Acobertados pelo guarda-chuva ministerial e escondidosatrás dos biombos militares (que, em sucessivos pronunciamentos, tirariam as 1? Deborah Berlinck, Jornal do Brasil, 07.01.88 ot Jornal do Brasil, 061187 1º Jornal do Brasil, 07.01.88 “1º Jornal do Brasil, 30.01.88 201
“batatas quentes do fogo”), o empresariado e o Centrão se sentiam seguros. Ninguém arcaria com ônus algum, a não ser o próprio governo e os ministros militares. E, com
isso, eles permaneceram imaculados e aptos a lidarem com outras questões. Até os partidos conservadores e fisiológicos foram tranquilizados com relação à disputa de eleições futuras. Uma vez definidos estes itens, haveria, pensava-se, condições para lidar com
as áreas problemáticas, contando com o beneplácito governamental estatal nos deline-
amentos gerais. Consegiientemente, o governo, escorado pelos militares, iniciaria uma manobra de pressão. O presidente Samey entregaria a seus partidos de “sustentação ”—
o PMDBe o PFL — um documentointitulado “Democracia e Desenvolvimento”, como
base de um novo compromisso: quem o assinasse, estaria dando o seu aval ao mandato
de cinco anos e ao presidencialismo.!!!
Masnãoera só com abaixo-assinados que Sarney esperava “dobrar” os constituintes. A manobra de convencimento também se nutria de argumentos monetários. O Planalto doaria, a fundo perdido, nada menos de 108.5 milhões de cruzados à
Confederação Evangélica do Brasil — entidade desativada 20 anos antes —, que reaparecia como “órgão de ação comunitária e sem fins lucrativos”, sob o comando de 20
constituintes, que defendiam o mandato de cinco anos.
Inicialmente, eles receberam 8,5 milhões de cruzados do ministro do
Planejamento, Aníbal Teixeira, para a compra de um terreno destinado à instalação da sede. Às vésperas da votação do mandato pela Comissão de Sistematização, chegaram
mais 100 milhões de cruzados,através de um convênio com a LBA. De nada valeriam Os protestos de diversos convencionais evangélicos, como Benedita da Silva (PT) e
Lysâneas Maciel (PDT), repudiando as ações e questionando a legitimidade da insti-
tuição. 12
Enquanto esperava a ressonância do documento de apoio e de outros argu-
mentos, o governo Sarney se empenharia, com a única cobertura de que dispunha,
“acima dos partidos" — a militar —, na questão do mandato e do regime, procurand o deixar o campolimpo para o empresariado desenvolver suas gestões.!i3 O porta-voz da
Presidência da República, Frota Neto, avisava: “O presidente considerar á pessoalmente rompidos com ele e com o governo todos aqueles que votarem contra os cinco anos de mandato”. E arrematava: “Um ato de hostilidade implicava num rompimento que
terá suas consegiiências”.!'* Após algumas conversas, Sarney e o general Leônidas Pires Gonçalves foram a uma reunião com os chefes do Gabinete Militar e do SNI, que
deram pleno apoio ao presidente em sua reivindicação de 5 anos de mandato, com regime presidencialista. Sarney aindapediria a seu porta-voz quereforçasse suas ameaças:
“Essa iniciativa de rompimento,através de um ato de hostilidade, será considerada
mesmo como uma declaração de guerra” e, por isso, “todos têm de arcar com as
consegiiências do seu ato unilateral de rompimento” — diria ele.!!'5 Estas e outras frases, pouco antes da votação do mandato na Comissão de Sistematização, serviram "tt Jornal do Brasil, 08.10.87 t?? Debobrah Berlinck, Jornal do Brasil, 301.87 +! Segundoconfidência de ui 1 colaborador de Samey, o presidente não estaria mais preocupado com a extensão do seu mandato. Seu objetivo, segundo a mesmafonte, seria o de levar a Constituinte a produzir uma Carta conservadora — algo mais de acordo com o suposto perfil da sociedade brasileira (Ricardo Noblat, Jornal do Brasil, 041.87). tt Jornal do Brasil, [2.187 Jornal do Brasil [21187 202
para modelar opiniões e votos, denunciando, ao mesmo tempo, a intromissão imperti-
nente do governo e o arranhão imposto à soberania constituinte. O tom se assemelhava ao usado nos incidentes diplomático-militares entre países e, em certa medida, espelhava o rompimento interno da nação com as suas elites conservadoras. Neste embate, enfrentavam-se o “país governamental” e o “país constituinte”, relegando ou imprensando a “nação popular”.
Apesar das pressões, a Comissão de Sistematização aprovaria os quatro anos para Sarney, imobilizando, por tabela, o Centrão e o empresariado, que passariam em brancas nuvens o verão de 88, perdendo tempo e energia preciosos numa questão que imaginavam já definida. Quanto a Sarney, talvez pretendendo suavizar omal-estar geral, ainda pronunciaria uma frase que seria lembrada por sua inconsegiiência: “A
eleição em 88 é irreversível. Nenhuma Constituinte, nenhum Congresso, vota contra o
povo. E o povo quer eleições”.!!
Deixando o dito pelo não-dito, o governo se engajou numasérie de esforços
durante o verão, advertindo ministrose autoridades governamentais que não *fechavam” com as teses do Planalto. Além disso, demitiu funcionários situados na contramão dos
desígnios presidencialistas; pressionou parlamentares através de ministros de confiança; e concedeu (ou reteve) emissoras de rádio FM, verbas etc.” Enquanto isso, o
empresariado, através de alguns de seus mais importantes líderes, procurava saídas
“heterodoxas”. De janeiro em diante, e até março, diversos empresários procuraram o ex-presidente Ernesto Geisel, com a idéia de que este encabeçasse ua ThoviRientO militar para impedir as diretas em 88 e a elaboração de uma Constituinte de esquerda 5
o que foi enfaticamente descartado pelo general. Entre os que visitaram Geisel, es-
tavam Wolfang Sauer, presidente da Autolatina; Mário Amato, que esteve com o ex-presidente pelo menostrês vezes; Abram Szajman,presidente da Federação do Comércio de São Paulo; e Augusto Trajano de Azevedo Antunes, dono do complexo Caemi.
Enquantoisso, Antônio Ermírio de Moraesfazia a sua romaria ao Ministério da Marinha
e ao Ministério do Exército.!!8
Em março de 1988, o Planalto intensificou as pressões sobre a Constituinte,
para aprovar o sistema presidencialista e os cinco anos de mandato para Sarney. Este, em conversas com parlamentares, declarava-se apreensivo com a situar ão, enfatizando
que se fossem aprovadas as eleições para 88, o país poderia nãoresistir à crise insti-
tucional.!!” Apelava-se, mais uma vez, para o fantasma da intervenção militar, mode-
lando a opinião pública e a dos constituintes à sombra dos “urutus”.
E até o empresariado saiu da toca, para apoiar o presidencialismo. De um
lado, empresários de renome, na órbita da UB,serviam de canal às “apreensões mili-
tares” em relacão à extensão do mandato.De outro, seus líderes começavam a
pressionar os constituintes do Centrão pelo presidencialismo. Dezesseis federações empresariais enviaram telegramas aos parlamentares.?2! E o Fórum Informal divulgou
documento contra a adoção do parlamentarismo e a realização de eleições para a
presidência em 88. Segundo Romeu Trussardi Filho, presidente da Associação Colas-Bôas Corrêa, Jornal do Brasil, 811.87 2 Eliane Cantanhede,Jornal do Brasil, 16.01.88 11º Ricardo Noblat, na Coluna do Castello, Jornat do Brasil, 25.03.88 “º Jornal do Brasil, 17.03.88 130 Ricardo Noblat, Jornal do Brasil, 21,03.88 tt Jornal do Brasil, 23.03.88 203
mercial de São Paulo e porta-voz do Fórum,isto se justificava pelo “emociona lismo” nas votações da Constituinte. Houve, no entanto, uma voz discordante — a de Eduardo da Rocha Azevedo,
do MDU —, que defendeu, por escrito, o parlamentarismo com eleições, ainda em
1988. Outrosassinantes do documento foram Flávio Telles de Menezes (SRB); Benedito
Dario Ferraz (presidente da Federação das Empresas de Transporte do Sul e Centro-Oeste do Brasil); Fábio Salles Meirelles (presidente da Federação da Agricultura do
Estado de São Paulo); Paulo Queiroz (presidente do Sindicato dos Bancos de São Paulo); Mário Amato (Fiesp), Romeu Trussardi Filho e Abram Szajman.! 2
Para a maioria dos empresários havia uma preocupação nova, além do medo da candidatura Brizola: o direito de voto aos ló anos. Na avaliação do empresariado, isto poderia significar cerca de cinco milhões de votos para os partidos de esquerda. Por outro lado, a atitude dos parlamentares de transferir para a votação das leis or-
dinárias a maior parte dos temas polêmicos, que não eram satisfatoriamente encaminhados, levaria o empresariado a argumentar quea transição só estaria completa após
a votação das leis complementares. Com este argumento, esperava-se amolecer o ímpeto das esquerdas — além de reduzir as expectativas da população —, estimulando a subordinação de qualquer cálculo político das oposições à preservação da transição. Re-
forçavam este raciocínio ao classificar a falta de uma “legislação adequada em vigor”
como fator de criação de um “indesejável período de anomia”. E propunham que a
questão do mandato fosse examinadaapósas definições da Constituinte sobre a Ordem Econômica, que seria tratada no final dos trabalhos.?? “Náprática, o que queremos é o presidencialismo e os cinco anos para Sarney” — resumiu o empresário Romeu
Trussardi Filho,!24 j
Esta forma sinuosa e ambígua de manejar as questões dava a medida das
diferenças internas e mostrava uma outra faceta do empresariado: a sua incapacidade de assumir posturas sabidamente impopulares, escondendo-se atrás dosartifícios e dos
pronunciamentos militares. Mas deixavam a porta informalmente aberta para negociações e mudanças de rumo. Eles chegaram a avisar, através de Albano Franco. que se
conformariam com o parlamentarismo e os cinco anos para Sarney, o que também era
uma forma de espetar o governo e obter maior apoio do Planalto para as teses do
setor.
Defato, o senador e presidente da CNIteve umasérie de conversas com o
deputado uderrista Allyson Paulinelli, presidente da Confederação Nacional da Agricultura; com Oliveira Santos, coordenador da UB e presidente da CNC; e com o
presidente da Confederação Nacional das Associações Comerciais, Amaury Temporal
procurando brechas de negociação e espaço para uma manobra diferente, que poderia
levar a acordos no plenário da Assembléia. Todos concordaram com a tese do parlamentarismo com cinco anos — basicamente, uma manobra anti-Brizola —, mas exi-
giam que a decisão fosse tomada depois de um amplo acordo, com a participação do presidente, do qual se esperava obter o aval para induzir alguns recuos substanciais da
Consituinto emitens já aprovados, comoa jornada de seis horas e a revisão na lei de
greve.
“2Jornal do Brasil, 103.88 “3 O Globo, 17,03.88 2 Jornal do Brasil, 17.03.88 “3 Jornal do Brasil, 18.03.88 +38 Jornal do Brasil, 103.88 204
A insinuada fresta empresarial em favor do parlamentarismo seria liquidada três dias antes da votação, quando o assessor especial de Samey (e experiente articulador) Thales Ramalho reuniu-se com empresários paulistas, na casa do líder da Cedes, Renato Ticoulat. Numa sucessão de conversas em pequenos grupos, que durou até a noite, Ramalho recebeu, entre outros, Flávio Telles de Menezes, Eduardo da Rocha Azevedo, Mário Amato e Romeu Trussardi, para convencê-los de que o mais impor-
tante era a preservação do regime presidencialista. Ramalho assustou os empresários
ao comunicar-lhes que a adoção do parlamentarismo implicaria no risco de um golpe
militar, como resposta de médio prazo, “talvez daquia uns três meses'.2? Comojá era
líquido e certo que o empresariado defenderia os cinco anos, o “argumento” presidencialista de Ramalho resolveria a questão em São Paulo, enquanto resultados similares começavam ser sentidos no Rio de Janeiro, após uma reunião de empresários na sede
do Comando Militar do Leste, sediado na capital fluminense.'? A iniciativa foi do general Wilberto Lima, então no Comando Leste, ao reunir no Palácio Duque de
Caxias uma respeitável delegação empresarial. Entre os “pesos pesados" — que ouviram do general que o Exército estava “vigilante” e coeso em torno do general Leônida das —, estavam Félix Bulhões, presidente da White Martins; Robert Broughton,
Shell; Rudolf Hohn, da IBM; Peter John Rombaut, da Souza Cruz; Gilberto Prado, da Manufacturers Hanover e da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos; André de
Botton, da Mesbla; Sérgio Quintella, da Internacional de Engenharia; Ivan Botelho, da
Cataguazes-Leopoldina; e Amaury Temporal, da Associação Comercial.” O governoteria folgada vitória na Constituinte, em relação ao tipo de regime e à duração do mandato presidencial. O resultado vinha embalado no modelamento de opinião pública, desenvolvido com os comandos militares; na ameaça de renúncia de
Sarney, se fosse votado um mandato menor; e na ação coativa de 15 governadores, coordenada porPrisco Viana, ministro do Desenvolvimento Urbano, com o auxílio de Antônio Carlos Magalhães (Comunicação), Ronaldo Costa Couto (Gabinete Civil), Hugo Castello Branco (Indústria e Comércio) e José Reynaldo Tavares (Transportes),
além da discreta movimentação do ministro-chefe do SNI. Entre os governadores que
pressionaram suas bancadas, os mais ativos foram Newton Cardoso (MG), Álvaro Dias (PR), Geraldo Melo (RGN), Amazonino Mendes (AM), Marcelo Miranda (MS), Hélio
Gueiros (PA)e Tarcísio Burity (PB). Com exceção de quatro governadores do PMDB
(Moreira Franco, que mudou de idéia; Pedro Simon; Waldir Pires e Miguel Arraes),
todos os demais — alcunhados pelo Planalto de “caçadores de milho” — cabalaram
a foi votos em favor da emenda presidencialista. Até a Secretaria de Ação Comunitári depuinstrumento do governo, em prol dos cinco anos de mandato para Sarney." A tada Sandra Cavalcanti, parlamentarista, sentenciou: “Foi a corrupção mais deslavada
que já ocorreu aqui”.!?!
Mas,além de regiamente embaladanapolítica de “vara e cenoura”, a manobra do governo era escorada na área militar. Enquanto Prisco Viana e Antônio Carlos da Magalhães trabalhavam os constituintes e os governadores, Paulo Brossard, ministro
obtendo o Justiça, se encarregava de pressionar os ministérios, com respaldo militar,
próprio apoio de 21 deles (num total de 27) contra as eleições em 1988.:2 Seria o “3 Jornal do Brasil, 25.03.88 2% Jornal do Brasil, 25.03.88 +ºInforme JB,Jornal do Brasil, 25.03.88 vo Elenilce Bottari, Jornal do Brasil, 22.03.88 13 Jornal da Tarde, 23.03.88; Jornal do Brasil, 23.03.88 42 Jornal do Brasil, 04.03.88
Brossard o meninode recados da presidência, levando a ameaça de renúncia de Samey,
se o resultado lhe fosse adverso.* Os ministros militares e do SNI fechariam questão contra o mandato de quatro anos para o presidente e ainda tornariam sua posição
pública e notória, embora nãotivessem comoesconderas divergências no meio militar em relação à questão, nem as suas próprias sobre o tipo de regime.'* A ofensivafinal
do governo seria combinada no fim de semana anterior à votação, quando Sarney
recebeu do general Leônidas a informação de que os militares consideravam inviável a realização de eleições presidenciais em 1988 e preferiam o presidencialismo.!º5
Junto com a batalha pelos cinco anos, a área militar se empenhava numa outra; derrubara qualquer custo, a emenda que concedia anistia aos militares cassados. No final, o governo teria fácil vitória, aprovando os cinco anos, mas deixando a questão específica do mandato de Sarney para uma votação posterior. Nada disso, porém, impediu a vitória do presidente, num clima de ameaças, rumores, advertências e receios de que a democracia se esvaísse. Repetia-se a mesma manobra dos idos de março, umafarsa que dava conta da apatia e desinteresse da população. O empre-
sariado, coadjuvante nesta empreitada, receberia com agrado a decisão final.!”
A medida do enfrentamento entre a “Santa Aliança? (Governo Estatal, So-
ciedade Política Armada e Sociedade Política Empresarial) — fazendo umaespécie de sanduíche da cidadania — e a “nação popular” seria dada por Sarney num discurso imperial em rede nacional de rádio e televisão, que deixou claro o isolamento do governoe a necessidade de encobrir o Centrão. O presidente teria de assumir, por conta própria, numareedição farsescado “fico”, a intenção a responsabilidade pelo mandato
de cinco anos." No entanto, ao personalizar a questão, ele se afastaria da lenda de
Pedro e entraria no museu folclórico do “filo porque qui-lo”.!º
Ficou aberto também o caminhodo “racha” peemedebista. O partidoe a própria
Constituinte confundiam-se, aos olhos do público, na “mesma geléia de descrédito”. A
Constituinte votava, segundoa avaliação de Villas Bôas Corrêa, não “apenas pelas suas
razões”, mas 'sob a ameaça clara de um confronto com os chefes militares, conjugada à pressão da máquina governamental, mobilizada a todo pano, disposta a tudo, pagando
o preço de cada ajuste”? Assim, prosseguia o analista, “dançaram aseleições este ano para dar um tempo à recuperação do governo, à montagem daestrutura legal. Adiou-
-se umaintervenção fardada que está denunciada nos seus pormenores”.!t! A estupe“3 Jornal do Brasil, 23.03.88 Jornal do Brasil, W.03.88
de ameaça de ditadura);Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 07.05.88; Jornal do Brasi, las Bôas Corrta, Jornal8 (Samey do Brasil,fala12.05.88; Coluna do Castello, Jornal do 25.05.88; O Globo, 305.88 (encontro Samey. Vanda Célia, Jornal do Brasil, 02.06.88 (redistrtuição de cargos é emissorasBrasil, rádio, troca do apoio aos cinco anos); Jornal do Brasil, 02.06.88 (Ermírio de Moraes comunica que milieres vetariam a eleição em 88);deJornal do Brasil, 03.06.88 (votos à favor dos cinco anos para Samey); Dora Tavares de Lima, Jornal do Brasil, 04.06.88 (as promessas de Samey aos deputados, em troca do voto nos cinco anos); Aglaé Lavoratti, Jornal do Brasil, 05.06.88 ( com lista dos que votaram a favor de diretas em 84 e mudaram em 88) D'O Globo, 23.00.88 + Rogério Coelho Neto, Jornal do Brasil, 03.12.87 ?”Ricardo Noblat comentaria: “Umacoisa é Sua Excelência, diante do qual todos os realistas devemfingir que o vêem quando elo é visível. O Senador Petrônio Portela ensinou que O fato nãoo Fato, deve ser agredido... Outra coisa é a capacidade real donãofato de produzir conseqiiências. Ele pode ou não se esgotar nele mesmo, Os desdobramentos do fato configuram, assim, uma terceira coisa quo só à especulação é capaz de tentar apreender. O fato, emestado puro,é que existiu uma ameaça de digamos golpe militar, caso a Constituinte aprovasse o parlamentarismoe reduzisse para quatro anos o mandato do presidente José Sarney. Os ministros militares sugeriramvagamente,em público, mas disseramclaramente, emparticular, que uma decisão da Constituinte,nesse sentido, geraria umasituação que os obrigaria a efetuar uma intervençi ejável por eles. advertência foifeita ao próprio presidente da República e a um clenco selecionado de lideranças políticas” tello, Jornal do Brasil, 26.03.88) Os miniros diriam: “Não importa 0 fato, mas a versão, ta Vale a pena lembrar o episódio das demissões de cargos públicos de figuras vinculadas a parlamentares de oposição aoscinco anos e ao presidencialismo, assim como a “cassação” de “concessões” de direitos de rádio e televisão, ou ainda a concessão desses direitos a amigos e a *amigos dos amigos", Entre os “punidos”, Sandra Cavalcanti, Francisco Domelles, José Richa etc. (Jornal do Brasil, 17.187) Corrta, Jornal do Brasil; 30.03.88; Vil as Bôas Corrêa, Jornal do Brasil, 24.03.88, Ricardo Noblat, Coluna do Castello, JornaletdoVillas-Bôas Brasil, 24.03.88 206
fação e a indignação sentida nas ruas seriam colhidas pelo jornalista Mauro Chaves, num artigo vibrante pelo tom cívico, endereçado ao *Excelentíssimo senhor ministro do Exército”.? A Ulysses Guimarães estaria reservada a melancólica tarefa de desmentir “qualquer ameaça de golpe militar ou de contestação dos quartéis às decisões da Assembléia”, enquanto o general Carlos Olavo Guimarães, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, qualificava de “fantasia” a versão de que a Constituinte
votara sob o temor de golpe militar. !*
Resolvida a questão do mandato e do regime, o empresariado voltaria suas baterias contra o governo, reclamandoatitudes condizentes com os apoios recebidos. Oliveira Santos coordenador da UB, chegou a dizer que a definição do mandato e do regime acabara com todas “as desculpas” do governo para sua própria *incompetência e ineficiência”. E acrescentou que o empresariado estava “cansado de sustentar esse povão,que vai do ministro até o ascensorista', embora nãoesclarecesse se nesse “povão”
estavam incluídos os militares. Oliveira Santos exigia que o governo, daí em diante, mostrasse “serviço, moralizando as contas públicas, privatizando as estatais — que só dão despesas — e cortando gastos inúteis”. E o acusava de “perdulário”, embora não ficasse claro se os incentivos, subsídios e perdões fiscais para o empresariado estavam
incluídos nostais gastos inúteis”.!*! Finalmente, o coordenador da UB marcou posição, anunciando que o empresariado iria se pautar, daí em diante, “pelo afastamento do governo dainiciativa privada”, esclarecendo que este era o pontode encontro, “onde banqueiros e industriais vestem em comum a roupa do empresário". E finalizou: “O governo está infiltrado demais na nossa vida”.!4º Já o senador Albano Franco, presidente da CNI, acertaria com Mário Amato,
presidente da Fiesp, um pronunciamento no Senado,para cobrar do governo “a fatura de ter ganhoo presidencialismo”. Amato exigiria que o presidente Sarney apresentasse um plano de estabilização econômica. O recadoseria curto: que o governo parasse “de se lamentar” e começasse “a trabalhar”.Mé Amato ainda diria: “Até agora,0 Presidente Sarney queixava-se de não receber apoio e de não haver definição política. Agora tudo depende exclusivamente da sua competência. Nós demos a ele um voto de confiança”.!? Consegiientemente, Albano Franco pediria ao presidente Sarney que parasse
com “lamúrias e lamentos” e executasse imediatamente um programa de emergência
para estabilizar a economia e possibilitar a volta dos investimentos.!* Antônio Carlos Magalhães daria a resposta, anunciando que o governo adotaria *medidas amargas”.!4º
Entre elas, logo estaria o corte da URP para o funcionalismo público.
VOLTANDO AQ CENÁRIO DE LUTA PRINCIPAL Limpo o terreno minado pelas decisões a respeito de mandato e regime, o empresariado enfrentaria a campanhafinal no plenário da Constituinte, acionando seu
180 Estadode São Paulo, 24.03.88 190 Jornal doBrasil, emeditorial, clssificaria a manobra de “conto do golpe”,acusando “os matreiros políticos, que se locupletaram com as honras e as glóriasdo servir interesses e receber troco, se é que honra e glória se confundemcomo que se viu”, Jonal do Brasil, 25.03.88. 14 Jornal do Brasil, 004.88 "8 Luiz Cláudio Cunha , JB, 151187 4 Zórimo, Jornal do Brasil, 24.03.88 “7 O Globo, 24.03.88 1 Jornal do Brasil, 25.03.88 te Jornal do Brasil, 23.034 207
aliado, o Centrão, e pondo em movimento a máquina congressual e partidária, A UDR,
por sua vez, despejaria, a partir de março de 88, milhares de seus filiados para a
pressão a favor das propostas dos grandes proprietários de terras. Esse tipo de ação
ostensiva foi acertado no Garye Park Hotel, em Brasília, numa reunião entre Caiado
e dirigentes das 244 regionais da UDR,de 22 estados da federação, contando ainda com a presença de deputados do Centrão, como Max Rosenmann, do Paraná; Roberto Cardoso Alves e Guilherme Afif Domingos, de São Paulo; e Arnaldo Rosa Prata, de Minas Gerais. Para que os presidentes regionais pudessem acompanhar o processo político interno, cada um recebeu um dossiê com as tendências de voto dos 559 - constituintes, nas questões relativas à reforma agrária e à política agrícola.'º Temporariamente sediados em Brasília, os uderristas recebiam análises diárias sobre as votações na Constituinte, preparadas pela central de computação da entidade.
Nestas análises, os parlamentares eram classificados em três categorias, que Caiado
explicaria assim: “amigo (o que sempre votou a favor da iniciativa privada)”, “inde-
finido (aquele que mostra um voto oscilante ou comparece pouco às sessões)” e “ini-
migo (o que nunca votou com as teses privatizantes)”.S! Mesmo os parlamentares considerados “inimigos” seriam alvo do lobby da UDR, que não considerava ninguém como “causa perdida”. Já em março,a entidade dispunha de um dossiê minucioso, com
informações sobre o desempenho de cada parlamentar, o que lhe serviu de orientação
para a ação futura sobre as questões polêmicas,e de subsídio para os debates da direção com os representantes regionais sobre as tendências e perspectivas da Constituinte.!5?
Cópias desse dossiê seriam entregues aos 240 presidentes regionais da enti-
dade que, com base nessas informações, começariam a preparar a lista de candidatos
que seriam apoiados nas eleições municipais de 88.
Mas a pressão sobre a Constituinte não se limitava ao plenário nem ao âmbito do Congresso. As regionais uderristas foram orientadas no sentido de utilizar presidentes de representações da sociedade civil, vereadores e prefeitos identificados com a causa, na persuasão dos parlamentares, a partir de suas bases municipais.'* A UDRfoi mais longe ainda: através do acompanhamento da Constituinte, compôs um perfil de “tendências grupais” de votação, passando a pressionar diferenciadamente os quatro grupos detectados. Assim, os “tradicionais defensores” das teses da entidade receberam cartas de estímulo e pedidos formais; os “simpatizantes” foram visitados pordiretores da UDR,designados especialmente para essa tarefa; os “indiferentes” receberam cabos eleitorais de suas áreas de origem; e os “adversários” foram enfrentados no plenário. Até para eles haveria surpresas, quando a entidade lançou mão de slogans nacionalistas.!5* Por essa época, o próprio Caiado faria giros pelos hotéis de Brasília, onde se
hospedavam militantes da UDR e prefeitos que apoiavam as suas teses, todos eles trazidos à capital para o lobby sobre os membros do Centrão. Enquantoisso, fazendeiros de peso faziam pressão sobre os congressistas de seus respectivos estados. Um deles
foi procurado por 27 proprietários rurais, liderados pelo vice-presidente da UDR regional de Campos, Nélson Lamego: o deputado Ronaldo Cézar Coelho, do Rio, que recebera 16 mil votos naquela cidade. Outro grupo de fazendeiros visitou o gabinete de 3º Augusto Fonseca, Tribuna da Imprensa, 18.388 151 Jornal do Brasil, 27,04 88 120 Globo, 160388 3 O Globo,160388 5º Augusto Fonseca, Tribuna da Imprensa, 18.3.88 188 O Globo, 03.05.88
po 208
Osmar Leitão (PFL-RJ). Eraliderado por Celso de Souza Ribeiro, proprietário de terras
em Campos e no Espírito Santo que, não encontrando o parlamentar, deixou um recado com secretária: “Diga a ele que quem nos mandoufoi o Dr. Humberto Mendes”(que vinha a ser o pai da namorada do filho de Leitão).!%é A intenção, segundo Caiado,era “reverter o quadro da Constituinte”, onde o
líder uderrista detectava “uma ação orquestrada e uma panfletagem nazifascista, patrocinadas por uma microminoria”. Para ele, esses grupos minoritários eram constituídos “pelos mesmos partidos e entidades que haviam espalhado cartazes pelo país, classificando como “inimigos do povo” os constituintes que votaram contra as propostas defendidas pela esquerda”. E Caiado passou a centrar seus ataques no PT, na
CUT e na Comissão Pastoral da Terra.” “A falha foi nossa”, lamentou, “a que não
estávamos dando contrapartida de apoio aos que nos apóiam”.
A meta da UDRera aprovar 18 itens no plenário da Constituinte. Entre eles,
o artigo 218 do Capítulo da Ordem Econômica, que tratava do direito de propriedade rural e da função social dos imóveis rurais, dois dos pontos mais caros à entidade.
Nofinal de março,os 137 parlamentares ligados a proprietários de terra — dos quais 82 integravam formalmente a Frente Parlamentar da Agricultura — começaram a se movimentar. Enquanto o deputado José Egreja (PTB-SP), membro do MCRN, frisava que “o direito de propriedade é inquestionável”, Cardoso Alves passou a rearticular o Centrão contra o dispositivo que exigia o cumprimento da função social da terra. Ele se dizia um defensor dos micros, pequenos e médios empresários rurais e dos pequenos produtores. Argumentava: “Os únicos favorecidos serão os fazendeiros de elite; os outros venderão suas propriedades, com medo da reforma agrária”.!? A UDR mostrava versatilidade oportunista em sua retórica, e não seria a última vez. Noinício de abril, Caiado retomou seu trabalho de aglutinação política, acertando os ponteiros no seu eixo de poder, tendo em vista a aprovação da proposta de
reforma agrária do Centrão, que seria votada no fim do mês. Caiado procurou Flávio
Telles de Menezes, da SRB; Roberto Rodrigues, da Organização das Cooperativas do Brasil; o deputado do PFL mineiro Allyson Paulinelli, da CNA; e o coordenador da Frente Parlamentar da Agricultura, deputado Rosa Prata (PFL-MG). Os cinco montariam a “estratégia de convencimento" dos constituintes, para que o direito de propriedade da terra não fosse subordinado ao cumprimento da função social, como tinha sido aprovado pela Comissão de Sistematização. O segundo alvo da UDRera obter da Constituinte um pronunciamento explícito a respeito da não-desapropriação da propriedade produtiva.!*º? Além disso, numa atuação de pressão conjunta com a SRB e a CNA, com o apoio de mais de 400 entidades ruralistas, a UDR organizou manifestações simultâneas em diversas capitais do país, para demonstrar aos parlamentares que
eles teriam “respaldo nas ruas”, para justificar seu voto.!S!
Em meados de abril, a Frente Ampla da Agricultura — congregando a Confederação Nacional da Agricultura, a Organização das Cooperativas Brasileiras, a So-
13º Jornal do Brasil, 03.05.88 137 Augusto Fonseca, Tribuna da Imprensa, 18.388 *s*Augusto Fonseca, Tribuna da Imprensa,18.388. A UDR concentrava a sua luta na “garantia do direito de propriedade rural, considerando que o seu simples “uso” correspondia à uma “função social 13? Jornal do Brasil, 10.04.88 e Jornal do Brasi, 10.04.88 le Augusto Fonseca, Tribuna da Imprensa, 18.388 209
ciedade Rural Brasileira, a União Rural Brasileira, a União Democrática Ruralista e a Federação da Agricultura do Centro-Sul — reuniu-se em Brasília para definir suas
prioridades na votação da Ordem Econômica. Desta organizada “ordem unida” das elites dominantes sairiam duas decisões: garantir a propriedade produtiva contra a
desapropriação e atribuir à legislação ordinária a fixação da política agrícola e da
própria reforma agrária. !?
Tendo em vista as dificuldades geradas pela diversidade inerente ao Centrão,
a CNA — numa manobra paralela, através da Frente Ampla — tentou neutralizar o eco emocional da questão da reforma agrária, dispondo-se a negociar em torno de diversas
questões.!** Mas Caiado desenvolveu intensa atuação no Congresso,interferindo a cada entendimento, das lideranças partidárias, que não levasse em consideração as suas
demandas e denunciando o “bando de comunistas” que defendia a função social da propriedade produtiva.'* Além disso, procurou modificar o texto da Comissão de Sistematização, com a assessoria do professor de direito constitucional Manoel
Gonçalves.'* E contou com o auxílio inestimável de Ana Maria Ferreira Leite Pinto (presidente da UDR do Vale do Paraíba, São Paulo), que fez o lobby na bancada
feminina!
Noinício de maio, a UDR levou cerca de três mil militantes para acompanhar
a votação do Capítulo da Reforma Agrária e da Política Agrícola, muitos deles com convites falsos, só descobertos porque houve exagero na dose.!? Aquela altura, a entidade mudara de tática, concentrando-se na luta contra a desapropriação de terras
produtivas. Encampando umaretórica nacionalista, Caiado acusava: “Quem votar pela
desapropriação de terras produtivas está mancomunado com os importadores de grãos”.
No peito, usava um imenso distintivo verde-amarelo, preso por alfinete de fraldas
douradas e onde se lia uma frase de efeito: “Somos a genuína empresa nacional”. !S8 Com seu novo discurso, Caiado procurava enfiar uma cunha entre as esquerdas e
setores do empresariado e congressistas vinculados a empreiteiras, que por interesses circunstanciais tinham estabelecido votação conjunta no primeiro capítulo da Ordem Econômica. Na hora de examinar o texto do Centrão, defendido por Luís Roberto Ponte
e Jarbas Passarinho (este último convencido pessoalmente por Caiado a encantinhar favoravelmente o projeto sobre Reforma Agrária, apoiado pela UDR e outras entidades rurais), a Constituinte optou, supreendentemente, pelo caminho de uma negociação que feria os interesses da UDR.'º As lideranças dos vários partidos, à exceção do PFL e
180 Globo, 15.04.88, 16Jornal do Brasil, 08. 8 te Jornal do Brasil,06 8 18.0 Globo, 03,05.88 144 Um mês depois, Ana Maria assumiria a direção da UDR de São Paulo, substituindo Roosevelt Roque dos Santos, que por sua vez. ocuparia o lugar de Caiado. O líder da UDRganhava espaço para — junto com Roosevelt Roque dos Santos — começar o preparo da estrutura para disputar as eleições municipais (Retatório Reservado, 23/29.05.88). 18? Cada parlamentartinha direito à oito convites, Mas só em nome do deputadoOswaldo Trevisan (PMDB-PR) foram entregues 14 convites. aos seguranças da galeria, naquele dia. Outros 31 convites, em nome dos deputados Antônio Carlos Thame (PFL-SP), Ethevaldo Nogueira (PFL«CE e José Elias Murad (PTB-MG) e com a mesma (quase perfeita) impressão, também foram descobertos pelos seguranças (Jornal do Brasil, 0605.88). 14 Jornal do Brasil, 03.05.88. Para explicar porque eramcontrários à expropriação de terras produtivas (tendo como referência a função social), dirigentes da UDRJovem — como Marcos Prado e Armando Galotti -; Waine Faria, da direção nacional; e Naguib Abudi Filho, da regional de Londrina,usavam argumentos que, commínimas variações,se reduziama uma analogia: “Se você bate com o carro,atropela e mata uma pessoa, oucausa um grande estrago, tomam seu carro? Não. Você paga os prejuízos,assume as responsabilidades, mas mantém o seltcarro” (Christiane Samarco, Dodora Guedes, Dora Tavares de Lima, Eliane Cantanhede, Franklin Martins, Inácio Muzzi, João Domingos, Tânia Fusco é Vanda Célia, Jornal do Brasil, 08.05.88) 1ºJornal do Brasil, 03.05.88; Jornal do Brasil, 06.05.88 210
do PL, tinham fechado acordo que tornava a propriedade produtiva passível de desapropriação para fins de reforma agrária, se não fossem cumpridas as exigências rela-
tivas à função social. A proposta do Centrão foi derrotada, com a abstenção de 37 parlamentares (a votação foi de 248 a 242), o que propiciou, imediatamente, uma votação do projeto de entendimento. Para contornar esse momento crítico, os quadros do PMDB tiveram de sair a campo, juntamente com os uderristas, para vetá-lo e assumir o ônus
da rejeição. Fazendo sinais de “positivo” com o polegar para o deputado Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), Caiado acompanhou a derrota do texto do entendimento. Os uderristas, que se haviam frustrado com a perda anterior, ficaram eufóricos com o resultado. Um deles, Roderico Borges, presidente da UDR da Paraíba, saudou Caiado como “presidente do Brasil'.”º Por sua vez, o líder nacional da entidade conclamou seus militantes — que deixavam as galerias aosgritos de *comunistas vagabundos" — a “não bater em retirada” e permanecerem em Brasília, JáUlysses Guimarães limitou-
-se a ironizar: “O constituinte Ronaldo Caiado decidiu”. É que líder uderrista, inteiramente à vontade, riscava da pauta de votação dos 559 parlamentares o texto que
resultara de 80 horas de negociação.!”!
Hospedados no Hotel Aracoara,de propriedade de Waine Faria, pecuarista e diretor administrativo da UDR nacional, a entidade traçou sua novalinha de ação.'? Caiadoe o presidente da SRB, Flávio Telles de Menezes, decidiram que, daí em diante,
a questão focal seria convencer os 37 constituintes que se abstiveram de votar com o
Centrão, assim como muitos dos que votaram contra.!”? Além disso,os presidentes de
federações foram orientadosa caçar senadores e deputados, que insistiam em permane-
cer nos estados, e despachá-los para a nova votação, marcada para maio. A UDR, com seu poderio monetário, não só estava pronta a usar umafrota de jatinhos na captura dos
votos mais difíceis e mais distantes, como passoua trazer a Brasília os cabos eleitorais
mais influentes de cada região para o lobby contra a reforma agrária. Os cabos eleitorais assediaram os parlamentares. O resultado de cada encontro foi registrado, diariamente, permitindo um controle rigoroso do número de votos à favor das propostas da UDR. Comoargumento adicional para convencer os constituintes do Centrão, a entidade passou a interferir nas bases dos deputados, focalizando a indicação de candidatos às eleições municipais de 88.7! Do lobby montado, ninguém tinha “condições de fugir?
— chegou a gabar-se Caiado.
Após uma semana de discussões intensas e forte ação de convencimento dos
constituintes conserviológicos, o Congresso decidiria que as terras produtivas, mesmo
não cumprindo função social, não poderiam ser desapropriadas para efeito de reforma agrária. Nas pressões de última hora valeu tudo: visitas às casas dos parlamentares; telefonemas de deputadosestaduais, prefeitos e vereadores; o empenho de membros do
governo e ex-ministros; e, já com a sessão em andamento, o envio de sugestivos
bilhetinhos."”s
. “%º Jomal do Brasil, 06.05.88 tmChristiane Samarco, Dodora Guedes, Dora Tavares de Lima, Eliane Cantanhede, Franklin Martins,Inácio Muz2i, João Domingos, Tânia. Fusco e Vanda Célia. Jornal do Brasil, 08.05.88 's Informe 1B,Jornal do Brasil, 18.05.88. A UDR gastou quase dois milhões e meio de cruzados por dia, para manter cerca de 500 militantes em Brasília. “3 Jornal do Brasil, 05.05:88, a “O Globo, 220488 ez chegar ao amigo” deputado Ronaldo Cézar Coelho (PMDB-RI) v5 O deputado estadual Paulo Antunes, vice-líder do PMDBcarioca, Rio, que acompanhava Macaé,no de UDR da dirigente um de colega seu atendesse que possível”, do um bilhetinho,pedindo, “na medida argumentava com Cézar Coelho. Angelo Calmon de Sá, do Banco Econômico,excessos a votação desde as galerias. Enquanto isso, o ex-ministro (Jornal do Brasil, Incra do possibilitar de além campo, no explicando que a possibilidade de desapropriação geraria inranquilidade 11.05.88). 21
Quando osresultados foram conhecidos, Caiado ficou exultante. Com ele, os não menos eufóricos Roberto Rodrigues, da Organização das Cooperativas Brasileiras, e Flávio Telles de Menezes, da Sociedade Rural Brasileira, puxaram o Hino Nacional, acompanhados pelos uderristas que enchiam as galerias do Congresso e pelos deputados que haviam assegurado aquele desfecho. Entre eles, Alysson Paulinelli, Roberto Cardoso Alves, Afif Domingos, Rosa Prata, Luiz Eduardo Magalhães, Jonas Pinheiro,
Ricardo Fiúza, José Lourenço e Gastone Righi.!?é Foi, no entender de Caiado, “a maior vitória” obtida pela UDR. “Agora, temos condições de escrever a política agrária que será seguida pelo país para suprir a fome da população, sem clima de conflito nas áreas
produtivas”.!”” Em seguida, ainda no auge do seu encantamento, decidiu reivindicar a presença de sua entidade no Conselho Monetário Nacional e no Ministério da Agri-
cultura, onde deveria ser ouvida em tudo quedissesse respeito “à política brasileira”.7*
No Congresso, fora crucial a ação de Afif Domingos e Alysson Paulinelli, que numa reedição ampliada do “café com leite” — incluindo agropecuaristas de outras regiões — prepararam o desjejum uderrista, chegando inclusive a inspirar, em muitos,
o sonho de umapossível dobradinha presidencial.!”? Enquanto isso, a simbiose baiano-
mineira do Centrão, representada pelo eixo Rosa Prata-Luiz Eduardo Magalhães,
inaugurava o “cacau com leite”. Já a liderança do PMDB ocupara-se de creditar a
derrota de sua chapa à “traição” de alguns, incluindo nesse rol o PDS, os evangélicos, os deputados ligados ao governador Orestes Quércia e o grupo do ministro da Agricultura, Íris Rezende.!*º Roberto Cardoso Alves, por sua vez, assim se pronunciou, a
respeito da vitória: *Morreu. A terra produtiva é um santuário”.!*! Era a forma delicada
de dizer que a reforma agrária continuava sendo tabu e que a questão agrária servia de
altar ao grande pacto social das elites urbanas e rurais.!*2
Vitorioso, Ronaldo Caiado licenciou-se da presidência da UDR, sendo substi-
tuído por Roosevelt Roque dos Santos, que do alto de sua base, em São Paulo — onde filiara 50 mil proprietários rurais e abrira 20 escritórios regionais da entidade — prometia dar continuidade à ação uderrista, disposto a “manter a guarda” na Constituinte,
além de preservar a “classe unida”, para evitar que a UDR perdesse, por emenda supressiva no segundo turno de votação, a garantia de que a terra produtiva ficaria de fora da reformaagrária, mesmo não cumprindo osrequisitos contidos na definição de “função social”.!º Mais: a partir de agora, o esforço da UDR seria concentrado na derrubada, no segundo turno de votação do dispositivo que garantiu a irhprescritibilidade dos direitos trabalhistas dos assalariados do campo.!**
Mas,por trás destas intenções, havia outras preocupações. A vitória contra a
reformaagrária, que significava a perda da mais importante bandeira de luta - pelo seu efeito aglutinador e mobilizador de classe —, deixava o campo a descoberto para a afirmação de organizações ruralistas concorrentes, sem falar do risco de esfacelamento do Centrão no varejo das lealdadesdiversas e interesses imediatos. É queestes poderiam
ganhar espaçoe projeção, na luta por questões de cunho regional, setorial, fisiológico, “6 O Globo, 11.05.88 v7 O Globo, 110588 v% Jornal do Brasil, 11.05.88 “? Zóvimo,Jornal do Brasil, 13.05.88 tt Jornal do Brasil, 11.05.88 180 Globo, 110588 +” Jornal do Brasil, 11.05.88 150 Globo, 19.05.88 *Ht Jornal do Brasil, 17.05.88 212
ou, simplesmente, vago: conscientização do produtor rural; melhoria de relacionamento entre empregados e patrões; extensão de conquistas previdenciárias ao trabalhador
rural; eeleições municipais.'s A este respeito, Roque dos Santos foi claro: “Vamos fazer muito proselitismo e doutrinação sobre a classe rural brasileira, para queela eleja prefeitos e vereadores com filosofia e pensamento que se coadunem com os nossos”.!* E, num jogo de cena, calculado para projetar a imagem da UDR como interlocutora de
alto nível, anunciou que pretendia chamar a uma mesa-redonda — para debater a reforma agrária — entidades como a CUT, a CNBB e a Contag.!*”
Paraevitar a desagregação, a entidade procurava encontrar uma nova bandeira de luta. Altair Veloso, diretor operacional da UDR nacional, avaliou esta fase como de “retraimento”, para dar à organização umaestrutura capaz de absorver os adeptos que haviam sido conquistados até aquele momento. Caiado, no entanto, discordava, afir-
mando que os uderristas, não sendo “homens de manifesto, de reuniões, de tomar chá das cinco nos ministérios”, teriam de ir “às ruas, às galerias”. Com esse intuito, um grupo de técnicos e advogados passou a discutir os detalhes jurídicos e econômicos
relacionados com os preços mínimos dos produtos agrícolas e as questões políticas resultantes das dívidas bancárias dos proprietários rurais, contraídas durante a vigência do Plano Cruzado. A idéia de uma campanha contra a correção monetária, a favor do perdão das dívidas do pequeno e médio agricultor — que levasse de roldão a anistia para os grandes e uma política de “preço justo e mínimo” para os produtos do campo
— começou a ganhar corpo.!8
O discurso e as ações de defesa dos pequenos e médios empresários rurais
seriam ampliados, incorporando seus equivalentes urbanos, numa manobra inteligente e prática do eixo UDR/MDU.!*ºVários dividendos poderiam ser extraídos desta pos-
tura e dois alvos seriam atingidos de uma só vez: o governo seria responsabilizado e desprestigiado, com a UDR indo à forra em termos de imagem pública; os setores de esquerda, já fracionados, seriam atrelados à carroça dos “reacionários”. Paralelamente,
no entanto, abriam-se fendas no compacto muro empresarial urbano — jogandoo setor financeiro contra os pequenos e médios empresários, enquanto o MDU ganhava es-
paços de atuação na seara dos outros pivôs e frentes, como defensor dos industriais e
comerciantes: de menor porte, espremidos ou ameaçados de esmagamento pelo governo, pelas grandes empresas e pelos bancos — com diversos segmentos vocalizando sua
insatisfação, inclusive porque a luta por anistia tirava do empresariado a legitimidade para reivindicar a redução do déficit público.”º A dívida, só dos produtores rurais, chegava, segundo estimativas de Maurício Lima Verde Guimarães,diretor da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo,a cerca de 15 bilhões de dólares." A Fiemg, através do então presidente Nansen Araújo (Nansen S.A. Instrumentos de Precisão, com fábricas instaladas em Contagem e na Colômbia), fuzilou as
' Jornal do Brasil, 17.05.88 1t* Jornal do Brasil, 17.05.88 1" Jornal do Brasil, 19.05.88 k 1" Jornal do Brasil, 17.05.88 contra os juros bancários, Enquanto isso, o 19 Caiado liderou uma manifestação de cerca de 4 mil fazendeiros do Alto São Francisco conversar em interessada muito “Está “moderada de tachava-a mineira, Mata da Zona Manhumirim,na de Comercial presidente da Associação declarar moratória unilateral, e age pouco",disse,revelando que os produtores rurais e comerciais de 2) municípios da região estavamdispostos como já o tinham decidido os proprietários rurais do Alto Rio Doce. A UDR se sentiria pressionada pelas“basese legitimada para agir. (Jornal do Brasi, 31.03.88) O Globo,05.06.88 O Globo, 200588 213
pretensões da UDR: a concessão detal “anistia” era uma forma de “premiar os incompetentes”. E arrematou: “Quem empreende sem competência tem de fechar as portas,
sem sobrecarregar os outros”. Mais: “As dificuldades são atributos do regime capitalista”.!2 Já Stefan Bogdan Salej (vice-presidente nacional da Abinee e presidente do
Centro das Indústrias das Cidades Industriais de Minas, que congrega cerca de 600 empresas, responsáveis, segundo ele, por 25% do PIB mineiro — queé de 30 bilhões
de dólares) advertia que o perdão dos débitos traria o aumento da inflação, a baixa de
salários e o aumento dos impostos, alimentando o déficit público; e ainda retiraria do
setor “uma das principais bandeiras de luta”. Segundoele, o empresariado não deveria aceitar “favores cujas contas não podem ser pagas”.!”* A crítica de diversos segmentos — em particular, dos industriais do sul e sudeste e do setor financeiro — “rachava” a unidade empresarial, com graves reper-
cussões no próprio Centrão. E não só indispunha a UDR com setores empresariais urbanos, mas expunha o governo e o setor financeiro, em plena discussão da Ordem
Econômica. Esta vulnerabilidade viria à tona com as opções apresentadas por Caiado: “Ou vamos viabilizar o Brasil que trabalha e gera impostos, ou vamosficar com o Brasil da corrupção e da agiotagem”.!* Roosevelt Roquedos Santos prometia uma ampla mobilizacão da UDR,através de suas 259 regionais espalhadas pelo país, esclarecendo que não se tratava de calote, já que deviam ser pagas as parcelas relativas ao principal e aos juros, mas não à correção monetária, considerada “altíssima e ilegal”.!ºs Na realidade, por trás da “defesa” do pequeno produtor, o que Roque dos Santos queria era a eliminação da correção
monetária nos financiamentos rurais.!é A campanha seria deslanchada por Caiado, em
Santa Maria, Rio Grande do Sul, onde o líder prometeu a uma platéia de mais de 100
fazendeiros repetir no Congresso, a mesma pressão exercida nas votações anteriores.!”
Dez estados seriam percorridos pelo presidente da UDR, em sua maratona. Em Minas Gerais, Caiado se reuniria com microempresários e fazendeiros em Belo Horizonte e Montes Claros. Na Bahia, visitaria Itabuna, indo ainda a Campos, no Rio,
São Paulo, Goiás e Pernambuco." Em Carpina, acompanhado de René Abi Jaoudi,
presidente da Associação de Apoio à Micro, Pequena e Média Empresa do Grande Rio, Caiado convocou os produtores rurais de Pernambuco a se engajarem na campanha
pelo fim da correção monetária, denunciada como “uma medida inconstitucional, praticada irresponsavelmente pelo governo, desde 1982”.
Nesses encontros, Caiado enfatizou que a correção monetária era uma forma
de “roubar dinheiro da agricultura para passar ao sistema financeiro”. Acusou o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, de estar “enganando o povo”, ao dizer que a
conta seria paga pela população, caso a anistia fosse concedida aos microempresários”. O ônus, segundoo líder da UDR,cairia sobre o setor financeiro, que há muito vinha
“usurpando o que é da agricultura”!
Jornal do Brasil, 110688 19 Maria Luiza Abbot, Jornal do Brasil, 10.068 1 Jornal do Brasil, 11.0688 1 Jornal do Brasil, 08.06.88 "e Jornal do Brasil, 220688 1970 Globo, 10.06.88 tr O Globo,12.068 "9 Benito Pare, presidente da Flupeme, assinalava que o Ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, contribua para aumentar o clima de emocionalismo em tomo da questão, manipulando informações estatísticas que previam cifras diversas para oseventuais gastos do Tesourona cobertura da anistiafiscal(Relatório Reservado, 20-26.06.88). Na opinião do consultor jurdico da UDR, Hélio Gonçalves de Souza, que não se consegue entender é a alegação dosbanqueiros de que o perdão das dívidas corresponde a10 bilhões ou5 bilhões de dólares. Daqui a pouco. cles vão dizer que fica na faixa de | bilhão de dólares, porque ninguém sabe exatamente que conta é essa”. Jornal do Brasil, 08.06.88, 214
Caiado não só provocou uma fenda no empresariado — ao estigmatizar os
banqueiros — como marcou distância com o governo, constituindo-se em nítida oposição.
Masfazia questão de falar em nome do “pleito dos microempresários”, que, segundo
ele, era “de toda a agricultura do país”.2º Para uns, a campanha lhe deu ganhos imediatos em sua área política, mas prejudicou-o entre o grande empresariado urbano, que o via como organizador do “calote”. 2!
Enquanto Cesmar Moura, coordenador-geral da UDR explicava que estava em estudo um texto apropriado para a emenda a ser votada, a entidade já promovia atos públicos, buscando apoio para a anistia no âmbito do Congresso, onde seriam apresentadas as propostas do senador uderrista Mansueto de Lavor (PMDB-PE)e do deputadofazendeiro Humberto Souto (PFL-MG), proprietário da Fazenda Renascença, no norte
de Minas.?
No mês da votacão, junho, as federações de microempresários levaram cerca de 10 mil pessoas para pressionar os constituintes.?? A ponte móvel entre a UDR e a Confederação Nacional das Micro e Pequenas Empresas, presidida por Pedro Cascaes
Filho, começava a surtir efeito, embalada pela fusão das emendas de Mansueto de
Lavor e Humberto Souto, com acréscimos de Ziza Valadares, parlamentar de Minas
Gerais, sem partido. 24 Isto seria notado por Benito Paret, presidente da Associação Fluminense da Pequena e Média Empresa (Flupeme). Para ele, a polêmica em torno da anistia estava favorecendo uma aliança de pequenos empresários urbanos de todo o
país com a liderança da UDR.?* Na verdade, assistia-se a um fenômeno inédito: a
classe média urbana articulada com os setores extremistas da direita rural.26
Vivia-se o 21 de junho de 1988. Caiado circulava diante do Congresso com um
carro de som e um burro, que ostentava no flanco esquerdo umafaixa ondeselia: “Sou burro, mas não sou tecnocrata. Não inventei o Plano Cruzado”.2” A história financeira
do burro era mais do que simbólica: comprado por um pequeno fazendeiro na época do congelamento, custara 37 mil cruzados, com crédito do Banespa. Não podendo
pagá-lo no prazo de vencimento, o dono vendeu 10 vacas para saldar parte da dívida, pagando 200 mil pelo animal, Apesar disso, ainda ficou devendo mais de 1 milhão, dinheiro que na época daria para comprar um pequenotrator.?* Apesar da resistência dos banqueiros — que previam tumulto na economia, riscos para a estabilidade institucional, pressão incontrolável sobre o déficit público e desorganização do sistemafi-
26 0 Globo,13.06.88 As ações de Caindo cutucaram o Ministro da Fazenda, que diria sobre o presidente da UDR: “Ele mostrou que de liberalnão tem nada. Caiado é promotorde calote, Foi umia liderança que chegou a causar boa impressão em certas áreas. O tempo veio mostrar que não passa de um populista irresponsável” (Informe JB, Jornal do Brasil, 08.07.88) j “1 Informe JB, Jornal do Brasil, 24.06.88. Para outros,no entanto, era um jogo para “inglês ver”. É que a UDR era vista como a única entidade capaz, de tirar aspromissórias do fogo, sem queimar 0s dedos,viabilizando,assim, uma medida que colocava o ônus econômico nos. cofres públicos, enquanto poupava a imagem de todos os envolvidos - banqueiros,industriais,agricultores e governo - desejosos por umasolucão. para dívidas incobráveis, Assim, entro mortos e feridos, salvariam-se todos, menos a população. *º: Humberto Souto iniciou a carreira política no antigo PSD, foi para a Arena, depois para o PDS, e finalmente desembarcou no PFL. Ulornal do Brasil, 11.05.88) 2º Jornal do Brasil, 22.068 2% Jorngl do Brasil, 21.06.88 “os Relatório Reservado, 20-26.0688 26 A proposta de anistia separou a UDR de líderes do Centrão, Ricardo Fiza classificou a posição de Caiado de “demagógica e irresponsável”. Roberto Cardoso Alves também foi contra, dizendo ao presideme em exercício da UDR, Roosevelt Roque dos Santos: “Vocês estão. malucos. À UDR é que vai sair perdendo”. E argumentou que dois dos autores da emenda eram de esquerda. Procurandorestabelecer as relações. entre a UDRe o Planalto, aindaassinalou, assinalava que lugar de negociação erao governo, já que “metade desseplenário não entende nada do que vaiser votado”. Por outro lado, o deputado Marcos Lima (PMDB-MG), muito ligado ao líder do governona Câmara, Carlos Sant'Anna, apresentou razões “estaduais” - bem diversas das que seriampróprias de um constituinte- para apoiar a emenda: “Está na horade o Planalto ajudar quem sempre o ajudouIsso vai facilitar a nossa vida junto às bases eleitorais”, (Jornal do Brasil, 22.06.88) 290 Globo, 21.06.88 “2Jornal do Brasil, 2.0688 215
nanceiro - e da crítica dos setores de esquerda, a anistia fiscal foi aprovada.” A UDR, que levara 2 mil manifestantes ao Congresso, comemorou com um grito “Unidos, derrubamos a correção monetária”.º E Caiado, carregado nos braços de seu “povo”,
como chamou os ruralistas, acusou o PT e o PCB de se venderem aos banqueiros,
impedindo, com isso, que a anistia fosse ainda mais ampla.?!! No final, advertiu: “A
luta não terminou. Salvamos, com esta emenda, quem já estava na UTI. Agora vamos entupir os fóruns com processos, porque não cabe correção monetária nos financiamen-
tos rurais”.2!2
A Batalha pela Ordem Econômica
Enquanto a UDR se movimentava com firmeza, o empresariado urbano começavaa flexionar seus músculos, visualizandovários objetivos: arrumaras próprias fileiras e as do Centrão, mantera carga sobre a opinião pública e impor a sua visão da Ordem Social desejável. A: insatisfação com as decisões da Comissão de Sistematização era patente. Albano Franco e a CNI advertiam para o “ônus” que os direitos
sociais aprovados acarretariam às empresas, trazendo consigo um quadro supostamente
catastrófico, que incluía o desemprego,a aceleração dos índices de inflação a níveis altíssimos e uma intensificação da economia paralela ou subterrânea. O empresariado se sentia particularmente ameaçado pelo direito de greve irrestrito, pela extensão do
prazo das reclamaçõestrabalhistas (de dois anos para cinco) e pelo limite de seis horas
de trabalhopara turnosininterruptos. Mas na pauta também entravam licença-mater-
nidade e paternidade, a instalação obrigatória de creches, o turno de revezamento, a
hora extra de 50 por cento, o aumento do salário de férias e a redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais.2º Segundo estudo realizado por 150 empresas do Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, a modernização dasrelações de trabalho teria um impacto imediato de 28.4% sobre os custos de produção, sendo que a médio prazo incidiria em quase 40%.2!4 À primeira vista, parecia exorbitante, mas não tanto se fosse considerada a incidência da folha de pagamento desalários no Brasil, que varia de 12 a 27 por cento do total de custos, em comparação com os países de capitalismo avançado, onde vai
de 60 a 70%. Albano Franco chegaria a afirmar que a alteração dos itens sobre reclamações trabalhistas e turno de revezamento “já satisfariam” os empresários. Mas ele acreditava que daria para derrubar a licença-paternidade. Já Ricardo Fiúza, do Centrão, comentava outro item que incomodava os empresários: “Do jeito que está escrito, não
é direito de greve, é liberdade de greve”.2!5
Um reforço importante para o empresariado foi o dos governadores que se
engajaram na luta contra as conquistas de modernização social. A tática desenvolvida
*» Cristiano Buarque Franco Neto, vicespresidente do Banco Bozano,Simonsen e presidente da Anbid,juntou-se a seus pares da Febraban da Adecif, para o esforço desesperado de convencer os constituintes a desaprovarem a proposta,assim como demovê-los do tabelamento dos. juros em 12 por cento anuais, (O Globo, 05.06.88) “1O govemoiria À desforra,cortando o crédito de quem tinha é punindo, com isso, os que estavam em dia, Flávio Telles de Menezes, presidente da SRB,tentaria recolher oscacos, após a passagem do trator da UDR,negociando com o governo (Informe JB, Jornal do Brasil, 09.07,88) Enquantoisso, à Sociedade Nacional de Agricultura criaria uma assessoria especial para cuidar da integração pequenos e médios. agricultores com osorg intermacionais do ramo, numa tentativa de aliviar a situação e começar um lentotrabalho dedosafirmação da imagem das associações tradicionais (Altair Thury, Informe Econômico, Jornal do Brasil, 22.07.88; Correio Brasiliense, 30.06.88). 2H Correio Brasiliense, 30.06.88; *"º Jornal do Brasil, 30,06.88 2 0 Globo, 24.03.88 * Jornal do Brasil, 240288 *!º Jornal do Brasil, 24.02.88 216
pelo presidente da Fiesp e do Fórum Informal, Mário Amato — de consulta ao gover-
nador de seu estado, para uma manobra envolvente sobre os constituintes reticentes ou indisciplinados do Centrão —, já dava frutos e passaria a ser seguida por outros. Um discurso de Newton Cardoso, de Minas, na Fiesp, soaria como música aos ouvidos do empresariado. Ele se disse empenhado em liderar, com o apoio do governador Orestes
Quércia, um movimento nacional para modificar, na segunda etapa da Constituinte, alguns dos itens que constavam do Capítulo dos Direitos Sociais.é Enquanto Quércia se empenhava em reunir lideranças sindicais e empresariais paulistas para discutir o
encaminhamento da questão econômica nacional (e concatenar esses esforços e conclusões com presidência, ministros e outras autoridades da área econômica), Cardoso comparava a licença-paternidade a um retomo “à era tupiniquim, quando os índios
ficavam em casa, enquanto suas mulheres tinham filhos”. Com esta tirada simplória, provocava risos e aplausos da platéia de quase 100 empresários.”” Sérgio Quintela, vice-presidente do Grupo Montreal e presidente da Internacional de Engenharia,preferia o impacto do cálculofrio. A licença de oito dias para o pai, segundo ele, significaria um custopara *o país” de 240 milhões de homens/hora ouo equivalente a quatro Pólos Petroquímicos da envergadura do que se pretendia implantar no Rio de Janeiro.” Roberto Della Mana, coordenadordo “grupo 14” da Fiesp, ia mais longe: “Dojeito que está, a nova Constituição dificilmente será cumprida e terá pouco tempo de vida”.2!º
A UB acompanhava de perto a evolução na Constituinte, fazendo umaavaliação constante dostrabalhos em curso e preparando as batalhas em torno dos temas polêmicos da Ordem Econômica. Para começar, a entidade se reuniria na Confederação do Comércio, em Brasília, com intuito de discutir diversos temas candentes: definição de empresa nacional, participação do capital estrangeiro no país, política mineral e intervenção do Estado na economia.2º Apósa reunião, à qual compareceram presidentes das confederações nacionais
da Indústria (Albano Franco); Agricultura (Alysson Paulinelli); e CNF,Carlos Brandão e Cristiano Buarque; Arthur Donato Júnior (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro); Hiram Corrêa (Associação Comercial de Minas Gerais); o deputado Denisar Arneiro (PMDB-RJ), vice-presidente da Confederação Nacional dos Transportes Terrestres; e Sylvio Pedrosa (representando a CNC), o coordenador da UB, Oliveira Santos,
pediu o comparecimento maciço dos parlamentares, considerado “fundamental”. Com
isso, passou a funcionar como whip do Centrão. “Queremosque os Constituintes venham
votar, só isso”, reclamava. A expectativa do empresariado, segundo ele, era fazer
aprovar a proposta do Centrão: “Com ela, há perspectivas boas para a economia do
país, com liberdade dé atuação para a iniciativa privada”?!
O coordenador da UB não perdeu a oportunidade de fazer pesadas críticas ao “Estado-empresário”. E avaliava que a proposta do Centrão daria “a espinha dorsal” a
um novopapel do Estado:a sua intervençãoe a exploração direta de atividades econômicas só seriam permitidas quando comprovadamente necessárias ao atendimento de imperativos da segurança nacional ou em função de “relevante interesse coletivo”, conforme definição da lei.?2? Globo, 22.04.88
“+ O Globo, 18.041 2» O Globo, 15,048 2% Jornal do Brasil, 160488 A + 2270 Globo,22.04.88. O texto da Sistematização era: “A intervenção do Estado no domínio econômico e o monopólio só serão permitidos quando necessários para atender aos imperativos da segurança nacional ou a relevantesinteresses coletivos, conforme definidos em le". 217
Oliveira Santos também alertou os constituintes para o item que previa a nacionalização dasdistribuidoras de derivados de petróleo, argumentando com histórico
de empresas comoa Shell, Esso, Atlantic e Texaco, em sua contribuição para o “progresso
do Brasil”. E lembrou que todas elas estavam no país “mesmo antes da criação da Petrobrás".Oliveira Santos fazia seus os argumentos já apresentados pelas multi-
nacionais de petróleo, como o perigo de que sua eventual exclusão do mercado brasileiro resultasse em crescentes barreiras para a atuação da Petrobrás no exterior, com restrições à comercialização dos “excedentes brasileiros de gasolina”. Desconhecendo
o preço vil com que este suposto excedente era colocado no mercadointernacional, o
coordenador da UB dizia que as restrições propostas criariam “barreiras ostensivas
contra o Brasil no mercado internacional de crédito? — o que teria “consequências
semelhantes à da moratória”.24
A menção da distribuição de petróleo como ponto candente não era somente dirigida à opinião pública ou aos constituintes, mas ao próprio público empresarial. O
pano de fundo era a incapacidade de superar divergências, que ficara evidente no dia anterior quando representantes das grandes multinacionais (diretores da Shell e da Esso), dos proprietários de postos de gasolina (diretores do Sindicato Nacional do Comércio Transportador, Revendedor e Retalhista de Combustíveis) e dos pequenos
distribuidores nacionais (diretores do Sindicato dos Distribuidores de Derivados de Petróleo) se reuniram num ambiente tenso,tentando, sem sucesso, um acordo do setor sobre as definições da Constituinte. Entre os pontos polêmicos, o mais difícil era o referente à exploração de recursos minerais. Enquanto o texto da Sistematização afirmava a condição da União
comoproprietária dos recursos minerais paraefeito de exploração, restringindo a pesquisa
e lavra destes bens nas faixas de fronteiras e áreas indígenas à empresa nacional, a emenda do Centrão defendia que as jazidas, minas e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica deviam constituir propriedadedistinta da do solo, para
efeito de exploração ou aproveitamento. A proposta do Centrão tirava da União a propriedade de jazidas minerais e demais recursos naturais, deixando com a empresa
brasileira de capital nacional a exploração de minérios em áreas indígenas ou faixas de fronteira.?º As preocupações aumentaram com a informação de que o Conselho de Segurança Nacional estaria apoiandoo texto da Comissão de Sistematização,que previa a nacionalização do setor, embora o general Bayma Denys tivesse trangiilizado os líderes do Centrãoa esse respeito.” Apesardas palavras do general, ficara a impressão de umaclivagem naárea militar, concentrada no Conselho de Segurança Nacional, que parecia querer centralizar, em sua órbita de atuação, as questões em pauta. Mais umavez, a “síndromede tensão-pressão” se fazia presente na área militar.
Mas 0 fenômeno mais inquietante para o grande empresariado era o ressurgimento de
um velho fantasma: o nacionalismo econômico e seus desdobramentos políticos e culturais. Após longos anos de estigmatização — quando foiigualado à xenofobia —
22 Jornal do Brasil, 16.04.88, O texto do Centrão não fazia qualquer referência noassunto, deixando o campo livre para a proposta da Comissão de Sistematização, que propunha nacionalizar 0 setor, por considerar a atividade de distribuição de derivados de petróleocomo “monopólio da União”, (O Globo, 22.04.88) = Jornal do Brasil, 16.04.88 230Globo, 15.04.88 2% OGlobo, 22.04.88 “7 OGlobo, 22.04.88 “Tadeu Afonso, Jornal do Brasil, 25.04.88 218
e contrariando segmentos importantes do empresariado — que pretendiam inserir-se no processo de transancionalização, conduzida por países com fortíssimas bases nacionais -, O nacionalismo se transformava em bandeira política, assim como a democracia o fora alguns anosantes (e continuava sendo) e o saneamento administrativo seria pouco
depois. O que mais incomodava era o fato de que a bandeira nacionalista — ampliada como luta pela soberania — seria empunhada não só pelos tradicionais defensores
partidários, mas também serviria de instrumento político de setores importantes do próprio empresariado, rachando, mais uma vez, a unidade do setor. Roberto Sá, da
Associação dos Laboratórios Nacionais e um dos que apoiavam o texto da Comissão de Sistematização sobre a empresa nacional, fixou sua posição: “Aqui, ninguém é xenófobo nem atrasado. Não queremos a reserva de mercado, mas exigimos uma definição clara do que é empresa nacional, para que ela tenha alguma proteção, como acontece em todos os países desenvolvidos”. E esclareceu: “O empresariado brasileiro não é contra o capital estrangeiro, mas quer estabelecer diferenças, como as que existem para as pessoas físicas estrangeiras”.2º O conceito de empresa nacional era um dosartigos que mais dividiam não só
os congressistas, mas o próprio empresariado.”º Noprimeiro plano,não estava apenas
a discussão sobre o nacionalismo econômico, mas também as grandeslinhas de desen-
volvimento do país e suas relações com a economia mundial. O presidente da Fiesp,
Mário Amato, por exemplo, era a favor de uma definição abrangente, que considerasse
empresa nacional aquela estabelecida no Brasil, sem restrições de qualquer ordem,
enquanto denunciava o que chamava de “um nacionalismo tacanho e vesgo”.?! Antônio
Ermírio de Moraes e Albano Franco discordavam, afirmando que ou não se tocava
nesta questão na Constituição, ou se determinava que empresa nacional fosse aquela controlada por brasileiro nato.” Aquelaaltura, dirigentes da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Associação Fluminense da Pequena e Média Empresa (Flupeme), Associação das Indústrias Brasileiras de produtos para Laboratórios, Associação Brasileira de Empresas de Biotecnologia, Associação dos Laboratórios Nacionais, Associação dos Di
tribuidores Brasileiros de Produtos para Laboratórios e da Associação Latino-Ameri-
cana das Indústrias Farmacêuticas, tiveram a idéia de confeccionar cartazes com os
nomes dos constituintes que votassem contra a definição de empresa nacional (e as medidas complementares de proteção tecnológica e incentivos para a indústria brasi-
leira), contida no artigo 200 do projeto aprovado pela Comissão de Sistematização.” Se o antiestatismo funcionava comoproposta aglutinadora do empresariado
e dos conservadores, o nacionalismo ressurgia como bandeira econômica, reabrindo velhas feridas e estipulando um espaço de composições flexíveis (tópicas e pontuais)
entre setores diversos. Deputados e empresários descobriram que a postura e a retórica
= Jornal do Brasil, 23.04.88 “2º À emenda do Centrão considerava empresa brasileira de capital nacional a pessoa jurídica constituída e comsede no país, cujo controle “de capital votante estivesse, em caráter permanente,“sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas no Brasil ou de entidade de direito público interno”. Otextoda Sistematização considerava empresa nacional a pessoajurídica constituída com sede no país,cujo controle. decisório é de capital votante estivesse “em caráter permanente, exclusivo incondicional, sob titularidade direta ou indireta de pessoasfísicas. “domiciliadas no Brasil ou de entidades de direito público intemo"4O Globo, 22.04.88) 23 Jornal do Brasi, 01.05.88 2» Jornal do Brasil, 22.04.88 2» Jornal do Brasil, 230488. O senador Affonso Camargo (PTB-PR) afirmou, no entanto, que u pura aprovação do artigo 200 não protegeria totalmente à empre al,já que qualquerinvestidor estrangeiro,com domicílio dentro ou fora do país,poderia alegar que possui residência, no Brasil e,portanto, que a sua empresa é nacional. 219
nacionalistas rendiam dividendos no interior da Constituinte, desarmando esquemas conservadores, pela repercussão na opinião pública mais ampla. Os constituintes do
Centrão, de olho nas eleições municipais e na sucessão presidencial, não se arriscariam a ganhar o rótulo de antinacionalistas ou “anti-sociais”.24 Por outro lado, se os setores progressistas soubessem traduzir suas emendas e propostas para teses nacionalistas ou
orientadas socialmente,seriam capazes de criar embaraços ao Centrão e fendas impor-
tantes no aríete conserviológico. Eles receberam um importante apoio quando o presidente da Federação Fluminense das Pequenas e Médias Empresas (Flupeme),
Benito Diaz Paret, declarou: “A todo-poderosa Fiesp não nos representa. Eles estão de
um lado é nós de outro, com 80% das empresas e milhares de empregos, rolando a
economia deste país”.2º
A criação da Frente Parlamentar Nacionalista, reunindo representantes de
diversos partidos, apoiados e municiados por pequenos e médios empresários, seria a consolidação dessas teses e — comodiria o deputado Otávio Elísio (PMDB-MG) —
a sua “tradução em miúdos" 2º A manobrafoi inteligente:nãose discutia a importância
do capital estrangeiro para o crescimento do país, mas a sua formadeentrada,as áreas a serem ocupadas e em que condições - garantindo, dessa forma, o esfarelamento das posições. de bloco do Centrão.
Democracia, soberania e reforma social eram ingredientes de uma mistura
explosiva no contexto e na hora brasileira, cuja síntese o grande empresariado procu-
raria brecar num esforço desesperado. E o faria pela tática do “salame”, cortando item poritem setorporsetor, em sua ação de convencimento. Servindoas fatias, estariam os pesos pesados de cadaárea. Naquestão do minério, entraria Eliézer Batista, presidente
da Rio Doce Internacional, para advertir que não se devia dificultar os investimentos, afirmando que se a mineração fosse penalizada, o Brasil sofreria, pois já não era “uma
bonança no setor”. Justificava sua afirmativa com a crescente substituição de metais
por novos materiais, como fibras de carbono e fibras Óticas.27 Já Paulo Mário Freire,
presidente de honra do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, presidente da
comissão de economia da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, diretor-superintendente da Companhia Cimento Paraíso (com quatro fábricas em atividade nos estados do Rio, Minas Gerais e Goiás) e associado à Companhia de Mineração de Carvão de Candiota, no Rio Grande do Sul, achava que não se devia mexer em timevitorioso. E explicitava que a Constituinte deveria preservar “o interesse no desenvolvimento dos bens minerais, com a participação de capitais estrangeiros”,
mantendo o sistema que “pressupõeliberdade vigiada num regime de concessões" 2* Christopher Lund, presidente da Câmara Americana de Comércio para o Brasil, adver-
tia que uma decisão contrária à participação do capital estrangeiro na economia brasi-
leira teria efeitos negativos - e o primeiro seria uma “forte queda no desempenho das exportações”. O nacionalismo também servia de biombo para manobras de interesses grupais, alicerçadas em composições flexíveis e divergências localizadas. Exemplar, neste
2% Especialmente,se 0 jogo das pressões envolvesse as suas reeleições em 1990,vinculadas ao patrocínio que o empresariado nacional pudesse proporcionar, (Jornal do Brasil, 01.05.88) 23Jornal do Brasil, 01.05.88 “28 Jornal do Brasil, 01.05.88 2» Editoria de Projetos Especiais, Jornal do Brasil, 22.04.88 oria de Projetos Especi Jornal doBrasil, 22.048 =? Jornal do Brasil, 28.04.88
220
sentido,foi a questão do projeto de monopólio estatal da distribuição de combustíveis. Enquanto muitos deputados do Centrão pretendiam votar a favor do monopólio, empresas
como a Shell, Esso, Atlantic e a própria Petrobrás — distribuidores que detinham três quartos do mercado da entrega “a domicílio" (gasolina e álcool) para grandesindústrias, empresas agropecuárias e empreiteiras —, se uniam para derrubar a proposta, num lobby frenético junto às lideranças empresariais e aos parlamentares. Mas as empresas multinacionais, que durante meses sustentaram uma campanhacontra a nacionalização da distribuição dos derivados de petróleo, desconsideraram os interesses específicos dos transportadores e revendedores retalhistas de derivados de petróleo (TRR), responsáveis pelo quarto restante da distribuição (óleo diesel e óleo combustível), para fazendas, pequenas fábricas, hotéis e outros estabelecimentos comerciais.”º Embora
inicialmente do lado das multinacionais, os TRR enxergaram a oportunidade de expan-
dir sua área de comercialização ou, mesmo, controlar a totalidade do setor de vendas
“a domicílio”. Resolveram defender seus interesses, como médios empresários nacion-
ais, montando seu lobby específico, vocalizado na proposta do deputado uderrista Max Rosennman (PMDB-PR). Entrando em choque direto com as multinacionais, os TRR
desagregaram, ainda mais, a pretensa “frente unida” contra o monopólio estatal da distribuicão, e atingindo, por tabela, outras questões em pauta.”*! Estranhamente, a questão financeira deu pouco trabalho, sendo tratada de
forma quase sorrateira — própria do “sigilo bancário” —, embora a Constituinte aca-
basse aprovando a emenda do deputado Fernando Gasparian (PMDB-SP), que limitou em 12% ao ano os jurosreais sobre operações financeiras.”? Outra questão perdida foi
a das autorizações do Banco Central — conhecidas como “cartas-patente” — que, apesar de cedidas pelo governo, eram negociadas entre os bancos por milhões de
dólares.O Conselho Diretor da UB — queincluía Oliveira Santos (comércio), Albano
Franco(indústria) Camilo Cola (transportes terrestres), Alysson Paulinelli (agricultura) e Amaury Temporal (associações comerciais) — decidira em meados de maio, juntamente com secretário geral Sylvio Pedrozae o presidente da Federação das Indústrias
do Rio de Janeiro, Arthur João Donato, mobilizar a entidade em apoio à supressão do
texto da Constituinte do limite de 12% ao ano. Nessa questão, a UB contou, ini-
cialmente, com o apoio de Eduardo da Rocha Azevedo,presidente da Bolsa de Valores
de São Paulo, e do MDU, o braço urbano da UDR.** Mas quando os uderristas —
pensando nas suas bases de produtores rurais dependentes de crédito bancário — começaram a encontrar motivos para não se opor ao tabelamento, o MDU se retraiu.
Fora dessas questões, não havia grandes polêmicas, mesmo porque o texto do Centrão era praticamente igual ao da Comissão de Sistematização. A proposta de nacionalização de bancosestrangeiros no país, assim como a emenda que determinava que fosse transferido à União todo o controle acionário dos estabelecimentos de crédito
e seguradoras do país — apresentadas por Francisco Pinto (PMDB-BA) — nãoteriam
repercussão. No tocante à decisão da Constituinte, de impedir a participação das
2% Ricardo Noblat,Jornal do Brasil, 22.04.88. Segundo dados fomexidos pelo Sindicato Nacional do Comércio Transportador, Revendedor, Retalhista de Combustível, 35 por cento da distribuição dos derivados de petróleo estão cm mãos das empresasestram 5% a cargo de Brandes empresas particulares e govemo - através de órgãos públicos e Petrobrás «e apenas 10% com os pequenosdistribuidores, que assim mesmo, só podem distribuir óleo diesel. (O Globo, 14.04.88) 24 Jornal do Brasil, 12.05.88 24 Jornal do Brasil, 17.05.88 2% Jornal do Brasil, 21.05.88 2 Etevaldo Dias, Jornal do Brasil, 07.05.88 221
instituições bancárias em qualquer atividade fora do mercado financeiro — incluindo vendas de passagens de turismo e corretagem de seguros -, não haveria maiores proble-
mas. Isto porque as instituições financeiras poderiam contornar a proibição, desde que formassem empresas separadas, para cuidar de cada um desses negócios.” Apesar disso, o deputado Ronaldo Cézar Coelho (Multiplic) marcaria posição. “Dificultar a concorrência pela restrição não é democrático”, disse ele. E denunciaria o que via como uma “preocupação cartorial” e um “clima de vingança” contra o sistema fi-
nanceiro.8
Nofinal de abril, Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA), filho do ministro Antônio Carlos Magalhães, telefonou para o senador Albano Franco (PMDB-SE), presidente da Confederação Nacional da Indústria, e anunciou: “Está na hora”, Albano aceitou a
senha e, por telex, despachou mensagens para os presidentes das 23 federações de indústrias do país. Era o momento de observar de perto os constituintes de suas regiões, fazendo o que havia sido determinado. Enquanto a UDR montava uma “central de
informações”, dirigida pelo deputado Basílio Vilani (PMDB-PR) e colocava uma frota de jatinhos à disposição dosconstituintes, alguns dos presidentes de federações empre-
sariais desembarcavam em Brasília — entre eles, Mário Amato — para dar ímpeto às articulações.” Enquanto isso, a cúpula do Centrão se reunia na Casa do Empresário, em Brasília, com as principais lideranças do setor. O organizador do evento foi o empresário Gastão Toledo, da Cedes, que pautou a reunião em torno da votação do
capítulo da Ordem Econômica.”Empresários de diversos estados e seus bem-remu-
nerados assessores começaram a lotar os hotéis de Brasília e casas no Lago Sul, onde duas mansões, pertencentes a poderosas empresas, abriram as portas para recepções e reuniões de discretos senadores e deputados, e seus ainda mais discretos anfitriões.” O empresariado da UB decidira apoiar, de forma intransigente e sem possibilidade de qualquer acordo, as propostas do Centrão para o Capítulo da Ordem Econômica — inclusive as decisões sobre empresa nacional, reforma agrária, exploração de mine-
rais, participação do capital estrangeiro e papel da iniciativa privada na economia.”?
Numa das mansões do Lago Sul, na presença de Luís Eulálio Bueno Vidigal, vice-presidente da CNI, Ronaldo Caiado (UDR), Amaury Temporal (em dupla representação, acumulando a da CNC), Flávio Telles de Menezes (SRB), representantes do
Grupo Ipiranga, da Shell, Esso, Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, produtores de álcool de Pernambuco, Sindicato de Empresas de Imóveis e do Banco de Crédito Nacional, a cúpula do Centrão tomou conhecimento das decisões do setor?
Paraoslíderes do empresariado, também começava uma outra luta:a detentar
colocar alguma ordem política e programática no próprio Centrão e coordenar os
congressistas amigos. Esta era uma clara preocupação do empresariado, já que as divergências alimentadas há meses — em questões como a definição de empresa na-
cional, exploração de minerais e reforma agrária, e tudo isso no seio do próprio setor
— refletiam no âmbito do Centrão, onde grassava a mais completa desorientação. Para
222
sanarasdificuldades, os empresários pensaram em divulgar uma nota oficial de soli
dariedade ao texto do Centrão, que serviria para marcar posição. Mas os depnitadios Ricardo Fiúza (PFL-PE), Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), José Geraldo (PMDBMG), Ricardo Izar (PFL-SP), Eraldo Tinoco (PFL-BA), Bonifácio Andrada (PDSMG), Guilherme Afif Domingos (PL-SP) e Francisco Domelles (PFL-RJ ), além dos senadores Roberto Campos (PDS-MT) e Albano Franco (PMDB-SE), ponderaram que tal documento poderia dar a impressão de que o empresariado estava interferindo na
soberania da Constituinte, o que seria contraproducente em termos políticos.”* Algum observador inocente poderia se perguntar o que os empresários estavam fazendo até esse momento...
Parase ter umaidéia do clima e das expectativas no âmbito do empresari ado, vale lembrar que Ricardo Fiúza (PFL-PE) - ao expor as dificuldades que o Centrão
estava encontrando, para ganhar o apoio da maioria dos constituintes — foi aparteado por um dos empresários, com um comentário singular: “Não tem problema. Se a esquerda ganhar tudo, o urutu acaba com festa deles”.25 A despeito da bravata, uma boaparcela do empresariadoentendia, comoo próprio Fiúiza, que todosestariam perdidos “se o urutu melasse o jogo”. Outro ponto acertadona reunião do Lago Sul foi um “pacto de solidariedade”: as propostas que interessassem a qualquer um dos segmentos (indústria, comércio,
finanças, ou agricultura) seriam apoiadas, sem restrições, por todos os outros. Com esta
decisão, pretendia-se superar as divergências surgidas por incapacidade de direcionamento estratégico, nas “áreas-terraça”. Além disso, para amenizar os problema s surgidosnos “espaços vazios” entre as áreas de responsabilidade, foram escolhidos alguns
parlamentares (com boa inserção empresarial) para servirem de interlocut ores no “leva e traz? entre o Centrão e o empresariado, durante as negociações, principalmente com
a liderança do PMDB.Assim, Guilherme Afif Domingos teria sob a sua responsabi lidade a área do comércio; Albano Franco, a da indústria; Francisco Dornelles lidaria com o setor financeiro; e Alysson Paulinelli faria a ponte com a agricultura.
A necessidade de assegurar a presença, em plenário, dos componen tes do Centrão, fez com. que os empresários também acertassem uma participa ção ativa na mobilização dos constituintes. Além de montar uma rede de comunicação, o empresariado se encarregou do transporte dos parlamentares, fazendo-os chegar na hora para reuniões e votações. Masos jatinhos continuavam à disposição dos membros do Centrão, tanto para levá-los de volta aos seus estados, quanto permitindo seu deslocamento para
outros pontos do país, onde tivessem compromissos marcados. Caiado previa “uma mobilização como nuncase viu nessa Constituinte”? Aquela altura, a UDR,soz inha,
já gastava, por dia, 2,5 milhões de cruzados em lobby, mantendo em hotéis e acam-
pamentos de Brasília 500 militantes, provenientes das 259 regionais.Fábio Sabóia,
assessor parlamentar da entidade, daria a receita: “Tudo na base da amizade, da
Camaradagem,pois muitos constituintes são compadres,vizinhos, fregiientadores assíduos do nosso pessoal, não é7"25º 2 Jornal do Brasil, 23.04.88 25º Informe JB, Jornal do Brasil, 23.04.88 “ Jornal do Brasil, 23.04.88, “9 Jornal do Brasil, 23.04.88 2 Jornal do Brasil, 27.04.88, 2º Jornal do Brasil, 28.04,88 223
Enquanto isso, sob a supervisão de competentes advogados vinculados à Federação das Indústrias de São Paulo, os empresários mantinham um fundo calculado em 30 milhões de dólares, que vinha pagando, desde o final de 87, as diversas despesas
com integrantes do Centrão — inclusive viagens, ajudas de custo, doações para obras etc, As “despesas menores” eram pagas diretamente, por federações e confederações.2º Um advogado do setor, que dava expediente todos os dias, no Salão Verde do Con-
gresso, chegou a comentar: “Dinheiro não é problema”.
No plenário da Assembléia Constituinte, porém, as decisões não eram tão fáceis quanto lá fora. E um impasse nas negociações — causado principalmente pela definição de empresa nacional e pelas discussões sobre nacionalização dos recursos minerais e condições de exploração; contratos de risco; formas de participação do
capital estrangeiro e do Estado na economia (incluindo o sensível item da informática); distribuição de derivados de petróleo; usucapião urbano; e reforma agrária - levou à paralisação dos trabalhos na última semana de abril?? Osnacionalistas definiam como empresa nacional aquela cujo controle efetivo,
em caráter permanente,estava em poder de pessoasfísicas domiciliadas no país. Outros consideravam empresa nacional qualquer uma que fosse constituída sob leis brasileiras.
Procurou-se um acordoentre as duas correntes, sem resultado. A proposta conciliatória
foi bombardeada por Delfim Netto, que a considerou ruim e dependente de lei com-
plementar: “Não podemos ficar à mercê da esclerose do Severo Gomes” — disseele.
Em defesa do capital estrangeiro, a cúpula do Centrão e 30 de seus parlamentares rejeitaram o acordo. Romperam as negociações em curso e tentaram juntar 280 votos,
que funcionassem como rolo compressor. Receberam o apoio imediato do empresariado e de Carlos Sant"Anna, líder do governo na Câmara, que garantiu 120 votos do PMDB.José Lourenço,líder do PFL,garantia outros tantos que, somados aos do PDS (30) e do PTB (20), dariam maioria ao Centrão.*? Mas esse não foi o único apoio. O governo também se empenhou na derrota
nacionalista, colocando em campo o ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães; o do Interior, João Alves; o das Minas e Energia, Aureliano Chaves; e o
da Educação, Hugo Napoleão, com a missão de convencer os parlamentares de seus
respectivos estados ou áreas de influência. E para assegurar a presença de todos no
plenário, pelo menos dez jatinhos executivos se encarregaram de apanhá-los nos mais diversos recantos do país.O transporte dos constituintes foi negociado entre os dirigentes do Centrão e os principais líderes da Confederação Nacional da Indústria, Confederação Nacional do Comércio, Federação Nacional dos Bancos, União De-
mocrática Ruralista e Câmara do Comércio Brasil-Estados Unidos,entre outras.? Foi comodisse Ricardo Fiúza, confiante na vitória: “Armamos o maracatu e vamos botá-
lo na rua para dançar. O que pretendemosé ganhar agora para negociar a partir de uma posição de força, com o adversário tonto”. Apesar do aparato, o Centrão sofreria retumbante derrota: com apenas 210
votos a favor de sua emenda, seria obrigado a negociar com as esquerdas e os nacio-
24% Ricardo Noblat, Jornal do Brasil, 22.04.88; Ney Lima Figuciredo,Cartas, Jornal do Brasil, 23.048 28 Jornal do Brasil, 22.04.88 28 Jornal do Brasil, 26.04.88; Jornal do Brasil, 27.0488 28 Jornal do Brasil, 26.04.88 24 Jornal do Brasi, 28.04.88 2 Jornal do Brasil, 26.04.88 24 Jornal do Brasil, 27.04.88 224
nalistas, que haviam chegado a 279 votos — um a menos que os 280 necessários à rejeição da proposta. Aquela altura, um preocupado Ronaldo Caiado comentou: “Se eles não conseguem número para defender seus próprios interesses, não poderão manter
o que está previsto no item da reforma agrária”.2”Pior ainda: a derrota do Centrão fora
alicerçada no apoio dos empreiteiros e das pequenas e médias empresas que, segundo a avaliação do deputado Expedito Machado (PMDB-CE), temiam ser engolidos pelas multinacionais.
Muitos parlamentares creditaram a derrota à falta de coordenação entre as lideranças — “O jogofoide rédeas frouxas, faltou bridão”, explicaria Ângelo Magalhães
(PFL-BA) —, mas houve também quem falasse de “traição”. Entre os “traidores”,
segundo o deputado Basílio Vilani (coordenador e responsável pelas estatísticas do Centrão), estariam os peemedebistas Aloísio Vasconcelos (MG), Aloysio Teixeira (RJ),
Fernando Velascos (PA), Francisco Amaral (SP), Gérson Camata (ES), Gustavo de Farias (RJ), Hélio Rosas (SP) e Márcia Kubitschek (DF); e os peefelistas Maluly Neto (SP), Odacir Soares (RO), Marcondes Gadelha (PB) e Jofran Frejat (DF), entre outros.
Além desses, seriam citados parlamentares de pequenos partidos , como César Cals
Neto (PDS), José Maria Eymael (PDC-SP) e Edme Tavares (PDC-SP).25*
Após uma série de complicadas negociações entre o Centrão e os demais
partidos, chegou-se a um acordo para iniciar a votação da Ordem Econômica, E dele,
surgiu a fusão de um conjunto de emendas que resultaram num texto final, a meio
caminho da proposta do Centrão e da Sistematização. Definia-se a empresa brasileira
como aquela constituída sob as leis do país, com sede e administração no Brasil.
Noentanto, especificava-se: empresa brasileira de capital nacional era aquela cujo controle efetivo — titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de
fato e dedireito, do poder decisório para gerir suas atividades — estivesse, em caráter permanente, sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e
residentes no Brasil ou de entidades de direito público interno, A empresa brasileira de
capital nacional poderia gozar de proteção e benefícios especiais temporários, para
desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa ou imprescindíveis ao desenvolvimento nacional. Havia, ainda, incisos que propiciavam, em circunstâncias especiais, incentivos, cobertura ou normatização de atividades em relação ao desenvolvimento tecnológico, enquanto que o Poder Público foi instado a dar-lhe tratamento
preferencial, na aquisição de bens e serviços.
O Artigo 201 determinava que a lei disciplinasse, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivasse os reinvestimentos e regulasse a remessa de lucros. Mas deixava, para regulamentação por lei ordinária, tanto os investimentos estrangeiros no país quanto a remessa de lucros.” No artigo
202 limitava-se, ressalvados os casos previstos na Constituição, a exploração direta
pelo estado daatividade econômica, só permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, embora também deixasse para
regulamentação porlei ordinária a participação do Estado na economia. Finalmente, no
Artigo 203 definiam-se as funções do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômicae, consegiientemente,comofiscalizador, incentivadore planejador determinante para o setor público, mas somente indicativo para o setor privado.
2ºJornal do Brasil, 27.04:88 2eEsta avaliação foi do próprio Basílio Vilani (PMDB-PR). Jornal do Brasil, 27.04.88 24 Jornal do Brasil, 28.048 225
Diversos empresários mostraram cautelosa satisfação — como Daniel Sahagoff,
diretor do Departamento Jurídico da Fiesp e presidente da Orion (auto-peças); Marcel Betsleer, diretor-financeiro do grupo Dow (química); e Roberto Caiuby Vidigal, vice-
-presidente da Fiesp e presidente da Confab Industrial — embora fizessem ressalvas tópicas a questões como a diferenciação entre empresa nacional e estrangeira, e ao
suposto fechamento, às multinacionais, dos setores tecnológicos de ponta.” Os mi-
nistros da Fazenda, Maílson da Nóbrega, e do Planejamento, João Batista de Abreu,
aplaudiram as decisões. Maílson fez apenas uma ressalva: “O texto não é tão bom
quanto a proposta original do Centrão”. E acrescentou: “Mas pelo menos não joga o
país no obscurantismo em relação ao papel do Estado e da criação de reservas injustificáveis”. Abreu iria ainda mais longe, ao admitir o seu desejo pessoal de ver “uma abertura na economia brasileira, já que esse é o movimento que se vê no mundo todo”.2! A poeira nem havia assentado e já se iniciava mais uma batalha, desta vez pela definição de uma política de minérios. Apreensivos, o vice-presidente da Shell, Omar Carneiro da Cunha; os representantes da British Petroleum, Alberto Alves e
Claudiano Carneiro da Cunha; o presidente do grupo Monteiro Aranha, Olavo Mon-
teiro de Carvalho; o presidente da Companhia de Minerais e Participação, Antônio Dias Leite Neto; o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração, João Marinho Nunes; além de diretores do grupo Antunes (Caemi, MBR), estiveram no Congresso, acompanhando o texto do acordo para a regulamentação de pesquisa e lavra de recursos minerais, que se realizava na sala da liderança do PMDB. O contato de ambos era
o deputado Bonifácio Andrada (PDS-MG) que, segundo Marinho Nunes, lhe pedira queficasse bem próximoda sala de negociação, “para ser consultado” quando começassem a discutir a questão mineral”? Outra figura importante no jogo de pressões foi Gastão Neves, diretor da
Mineradora Taboca, responsável pela exploração mineral da holding Paranapanema, que acompanhava os trabalhos da Constituinte. Embora a exploração de minérios em
áreas indígenas e de fronteiras já estivesse garantida pela Constituinte — umavitória obtida pelas mineradoras graças, em parte, a seu eficiente trabalho —, Neves continuava a fazer ponto no Congresso, hospedando-se em hotéis ou na casa de Francisco Dornelles. Com o principal aliado da Paranapanema, o Ibram,ele se preparava para a luta das disposições transitórias, tendo em mente a reforma do código de mineração,
queteria lugar após a Constituinte.” Enquantoisso, preparava-se um colchão de apoio para o Centrão. O Ibram, através de João Sérgio Marinho Nunes, procurava desfazer impressões da opinião pública, explicando que não era verdade que o “território nacional tivesse sido loteadoentre as empresas mineradoras nacionais e, principalmente,estrangei-
ras' .24
Teria muito trabalho. As mineradoras ocupam um quinto do subsolo brasi-
leiro. Trata-se de 1 milhão e 624 mil quilômetros quadrados — equivalentes aos ter-
ritórios reunidos de Espanha, França, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Áustria, Dina-marca e Suíça — num imenso “país” descontínuo, espalhado pela Amazônia e gover-
2 Jornal do Brasil, 28.04.88 2m Jornal do Brasil, 28.04.88 21 Jornal do Brasil, 28.04.88 2» Jornal do Brasil,08.05.88, 2% Jornal do Brasil, 22.04.88. 226
nado por um grupo de empresas nacionais e multinacionais. Apenas 1% desta fantástica reserva mineral é efetivamente explorado; 483 mil quilômetros quadrados ainda são
detidos com base nos requerimentos iniciais; e 457 mil quilômetros quadrados têm
alvarás para pesquisa. Do total, 70% pertencem a grandes grupos econômicos, dos quais despontam as multinacionais controlando 38.1% da área concedida, as empresas privadas brasileiras ficam com 35% e as estatais com 26.9%. Apenas nove empresas
— quatro nacionais, três multinacionais e duas estatais — controlam quase a metade
desta área, da qual exploram apenas 4 mil 109 quilómetros quadrados, ou seja, 0.91%. As nove maiores mineradoras com atuação na Amazônia são: CVRD; Brascan/British Petroleum; Paranapanema; Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM); Best;
Anglo American-Bozzano Simonsen; Mequimbrás.”*
Mineração Brumadinho; British Petroleum e
Apesar dos esforços frenéticos do empresariado, a derrota do Centrão se
configurava a olhos vistos, com a debandada de inúmeros parlamentares que, por
diversas razões, recusaram-se a votar no seu texto. Roberto Cardoso Alves, o Robertão, chegou a comentar: “Pelo jeito, os entreguistas não terão nem 120 votos”. Em seguida, fez questão de explicar-se: “Entreguistas entre aspas, viu?”.276
Num clima conturbadoe tenso, o lobista da British Petroleum, Alberto Alves, chegou a pensar, com base num texto supostamente aprovado, que somente a lavra fora
nacionalizada, o que fez com que Luís Werneck, representante da Mineração Serra do Sul (subsidiária da canadense Inco Ltda), comemorasse, aos pulos, com gritos de
“estamossalvos”. A alegria durou pouco, mais precisamente até ser constatado que o texto empunhado por Alves já fora superado pelos acontecimentos do plenário. Em
meio a ásperos bate-bocas e ânimos exaltados, um Centrão dividido viu os “nacionalistas” (por convicção e por interesse) e as “esquerdas” assegurarem, por 343 votos
contra 126, a nacionalização das jazidas e das reservas minerais (estas só poderiam ser exploradas por brasileiros ou empresas de capital nacional) e determinar ao Estado o favorecimento da organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. O deputado uderrista Roberto Cardoso Alves desabafaria, frustrado: “O que poderíamos fazer contra a aliança de empreiteiros e comunistas?”. Incluídos neste bolo estavam a liderança do PMDB, assim como vários empresários da indústria nacional, entre eles,
Antônio Ermírio de Moraes.”
Parecia umagrande vitória. Mas a nacionalização das jazidas e reservas minerais não resultaria em prejuízo para as empresas estrangeiras estabelecidas no país. Isto porque, à exceção da pesquisa de amianto em Goiás — onde os franceses, através da Saint Gobain e da BRGM, não tinham sócios brasileiros — todos os outros grupos estrangeiros conviviam com capitais privados nacionais na exploração do subsolo. Se
estivessem a fim de continuar com suas atividades, teriam apenas que aumentar a participação do sócio minoritário, atendendo à exigência da Constituição.” Algumasdas decisões, porém, causariam polêmica. As jazidas, minas e demais recursos minerais, assim como os potenciais de energia hidráulica, foram definidos -
*!s Oscar Valporto e João Sant”Anna,Jornal doBrasil, 25.0187; Inácio Muzzi, Jornal do Brasil,18.05.87. “%Jornal do Brasil, 29.04.88 2Jornal do Brasil, 01.05.88 *" RonaldoLapa, Jornal do Brasil, 01.05.88. Segundo o ex- presidente do Ibram Sérgio Jacques de Moraes, O único inconveniente seria. que osócio brasileiro poderia se sentir estimulado a pedir um preço muito alto para ficar com os 51% do investimento. 227
para efeito de exploração ou aproveitamento industrial — como constituindo propriedade distinta da do solo e pertencentes à União. Mas era garantida, ao concessionário ou autorizado,a propriedade do produto da lavra. Por outro lado, a autorização de pesquisa seria concedida por prazo determinado,e não passível de transferência sem anuência prévia do poder concedente. Definia-se como monopólio da União a pesquisa ea lavra das jazidas de minérios nucleares, petróleo e gás e outros hidrocarbonetos — incluindo por tabela, o fim dos contratos de risco — bem comoo enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios nucleares e seus derivados; a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; a importação e exportação dos produtos de petróleo, gás e hidrocarbonetos; e o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados combustíveis de petróleo, produzidos no país. E ainda, o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto (e seus derivados) e de gás natural
de qualquer origem.” Em contrapartida, concedia-se que as empresas multinacionais que já exploravam jazidas e minérios no país teriam um prazo confortável, de cinco anos, para transferir 51% de seu capital para empresas nacionais, ou passassem a industrializar no Brasil o minério produzido.*º Além disso, extinguiam-se os direitos das empresas que não utilizassem suas concessões e autorizações até a data da promulgação da lei ordinária, ou até um ano após a promulgação da Constituição.?!
Estas decisões — contidas nos parágrafos 203 a 206 — irritaram o empre-
sariado da UB e, em particular, o do setor, desesperando os lobistas e os diretores de
empresas mineradoras multinacionais ou associadas, que encheram as galerias.? Num clima de catastrofismo, Elpídio Reis, gerente de exploração da Billington Metais,
decretava o “fim da mineração no país”, enquanto Roberto Melo, advogado da Shell,
tachava a lei de “absurda” e anunciava: “Vamoster que importar minério”.
Juntando-se ao coro dos insatisfeitos, Ciro Cunha Melo, presidente do grupo
nacional Samitri (com 25% do seu capital nas mãos da Sidarfin belga), associado à australiana Utah-BHP no projeto Samarco, afirmou que a nacionalização da exploração
de minérios acarretaria perdas de milhões de dólares para o Brasil, além de privá-lo das
tecnologias desenvolvidas em outros países. Enquanto isso, o representante da Ferteco, cujo controle acionário é alemão, começava a considerar delicada a situação criada. Na área da informática, na avaliação de Marcos Dantas, assessor da Cobra
Computadores, a indústria nacional sairia satisfeita com os resultados obtidos: além da Lei de Informática, que restringia a atuação das empresas estrangeiras, ela se assegurava o controle das áreas de tecnologia de ponta.O diretor da Associação Brasileira de Computadores e Periféricos, Artur Pereira, atribuiu a vitória à mobilização de
empresários da indústria nacional, cientistas, pesquisadores e profissionais do setor, enquanto que as multinacionais se iludiam com a suposta eficácia do rolo compressor que “o barulho do pessoal do Centrão' prometia.* Olhando para os destroços, o senador Roberto Campos disse que a Constituinte provou pelo menos uma coisa: “No Brasil
ainda vence o obscurantismo nacional”, Já o senador Jarbas Passarinho observou:
2º Jornal do Brasi, 29.04.88 2 Jornal do Brasi, 29.04.88 2% O Globo,01.07.88.Essas decisões não afetariam os maiores grupos estrangeiros, já que a maioria estava associada a empresas que industrializavam produtos no país ou faziampor conta prógria. O grupo britânico BP,que detém uma área do192 mil quilômetros quadrados, à Brascan canadense, que já atuavanaindustrialização de minério de estanho. O grupo Anglo-American, que detém metros quadrados,estava associado ao grupo financeiro Bozzano-Simonsen. 24 Jornal do Brasil, 28Jornal do Brasil, 28.04: 228
“Decretamos hoje a vitória da xenofobia, um absurdo. E vocês, jovens, é que vão pagar
por isso, porque eu já estou velho. Por que não aprovamos logo o regime comunista,
de uma vez? É para onde estamos caminhando”
Enquanto o empresariado se digladiava na Constituinte, por conta daintervenção do Estado na economia e do tratamento imposto ao capital estrangeiro, o governo iniciava nova manobra para ultrapassar a contenda imediata. O presidente Sarney assinaria, em meados de maio, um conjunto de decretos que alteravam a política industrial até então seguida. Mudava-se a política aduaneira, relaxando ou eliminando entraves burocráticos; reduzia-se o controle do estado sobre os investimentos privados;
reformulava-se o Conselho de Desenvolvimento Industrial; redirecionavam-se os incentivos fiscais e entrava-se num processo de desregulamentação. O empresariado reagiria com satisfação às novas medidas que, de certa forma,se adiantavam a possíveis resultados indesejáveis na Constituinte.” Antônio Ermírio de Moraes exultaria com as novidades: “A desregulamentação tornará sem efeito o que de errado a Constituinte tem aprovado, como fixação do teto de 12% para os juros na área financeira, entre outros”. Para o empresário paulista, assim como para Flávio Telles de Menezes, presidente da SRB, a retirada do Estado da economia — com fim do excesso de
regras e mecanismos de disciplina impostos ao setor privado — abriria espaços ao
“livre mercado" 2%?
Embora demonstrasse alegria com as iniciativas governamentais, o empresari-
ado ainda via o quadro constituinte comoalgo inquietante, em função de umasérie de questões que fugiam ao perímetro de decisões do presidente Sarney. Se, por um lado, as medidas governamentais mexiam em profundidade na questão do controle do Estado, por outro esvaziavam a mais importante bandeira de aglutinação do empresariado. A tese antiestatizante era vista como referência ideológica de concentração de
posições e como marca política para estipular o comportamento empresarial em outros itens, muitas vezes apresentados ou percebidos em decorrência da premissa do controle estatal da economia. O deputado Ricardo Fiúza — a essa altura de olho na possível vaga do Ministério da Indústria e Comércio, em virtude da doença deseutitular, Hugo Castelo Branco — se encarregaria de enfatizar a necessidade de união contra as “teses
estatizantes e nacionalistas exacerbadas e anacrônicas”.?*º Insistindo no tema, Albano
Franco convocou,no Dia da Indústria, parlamentares e industriais para derrubarem no segundo turno “as decisões que representavam excessivointervencionismo do Estado” .*º
Apesar da grita antiestatizante, o empresariado mostraria queesta era seletiva, expondo a sua dupla medida e visão retrógrada na questão da unicidade sindical.
Enquanto o deputado Afif Domingos se lançava numa campanha por uma estrutura sindical “democrática e moderna”, desatrelada do Estado (procurando, com os parlamentares do PT, preparar uma emenda supressiva para acabar com o que ele chamava de “herança maldita do fascismo corporativista”), o empresariado da UB remava em
sentido contrário. Decidido a acabar com o que o presidente da Federação Nacional de Distribuidores de Combustíveis, Gil Siuffo, denominava de “aliança macabra”, reuniuse na sede da CNC. Seu presidente e coordenador geral da UB, Antônio Oliveira
2» Jornal do Brasil, 29.04.88 “ts O Globo, 17.05.88 2 O Globo, 170588 24 Dora Tavares de Lima, Jornal do Brasil, 22.05.88 = O Globo, 260588
29
Santos, frisou: “Não vamos admitir a pluralidade sindical, que significa o esfacelamento do sindicalismo brasileiro e tampouco a contribuição voluntária, que esconde a contribuição ideológica e de fontes externas de recursos financeiros”? Apoiado pelo presidente da CNI, senador Albano Franco, e ainda pelos presidentes da Confederação dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), José Calixto Ramos; da União Sindical Independente (USI) (e ativista do MCRN), Antônio Magaldi; e da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comércio, Antônio Almeida Alves, o coordenador da UB anun-
ciou uma campanha para derrotar as emendas que fossem apresentadas por Afif Domingos. Finalmente, advertiu: “Querem implantar a desordem no sistema sindical
do país e isto nós não vamos deixar”?! A intenção da UB e das lideranças sindicais mobilizadas pelo empresariado era manter a estrutura sindical em vigor (o que já tinha sido confirmado pela Constituinte no primeiro turno), garantindo o princípio da uni-
cidade sindical, isto é, o funcionamento, numa mesma “base geográfica”, de apenas um
sindicato por categoria profissional, preservando o Imposto Sindical. Afif Domingos lamentou as idéias de seus colegas: “Estou sendo vítima de uma aliança entre o peleguismo patronal e o peleguismo dos trabalhadores”.?? Mas o empresariado da UB não prestou ouvidos a estas reclamações. Numa demonstração de oportunismo, empenhou-se na formação de umafrente única a favor da manutenção da estrutura sindical vigente. E sairia vitorioso de mais uma batalha”? O empresariado quer mais Emocionalismos à parte, duas áreas-problemas se destacaram nas batalhas do primeiro turno: o Centrão e o próprio empresariado, especialmente aquele que não estava diretamente sob o guarda-chuva da UB. Em meio a acusações de “traição” lançadas contra os que votaram a favor das teses “nacionalistas” e “estatizantes”, o Centrão afundava nas suas próprias dubiedadeseleitoreiras e fisiologismo. Estesatributos, que foram essenciais para aglutinar parlamentares tão dispares e acioná-los como aríete empresarial nas escaramuças iniciais, passaram a ser contraproducentes nos enfrentamentos mais sérios, na medida em que sua inconsistência ideológica dificultava o seu funcionamento homogêneo, esvaziando assim, a pretensa vantagem numérica. Em vez de um rolo compressor, o Centrão mais parecia uma peneira, por onde os setores progressistas forçariam espaços de negociaçãoe, até, condições de vitórias em diversas questões. Em conseqjiiência, para o empresariado ficou óbvia a necessidade de
transitar pelo plenário através de negociações — descartando o confronto ineficaz — e fazendo valer o peso numérico do Centrão, somente após o entendimento que possibilitasse o desmembramento do adversário. Mas, pior do quea infidelidade” do Centrão — nada além da constatação de sua origem escusa — eram as desavenças e os conflitos de interesses no interior do
empresariado, sobre questões relativas à empresa nacional e estrangeira, à reforma
agrária, à exploração de minerais e petróleo, e à intervenção do estado na economia.” Também nada de novo. Eram os mesmos tópicos que marcaram os debates da década
2% Jornal do Brasil, 25.05.88 2” Jornal do Brasil, 25.05.88 “2 Jornal do Brasil, 25.05.88 28 O Globo, 25.05.88 2»Inácio Muzzi, Jornal do Brasil, 24.04.88; Jornal do Brasil, 27.04.88 230
de 60, como divisores de águas entre os que apoiaram e os que se opuseram ao golpe
de 64.
Em finais de maio, os representantes das diversas entidades que compunham
a UB — reunidos com seus assessores na sede brasiliense da CNI — firmaram um “pacto de unidade”, com vistas à ação conjunta no segundo turno. A necessidade de
unir esforços no plenário — agora, sob a coordenação ostensiva da CNI — surgia após
rigorosa autocrítica das lideranças empresariais, que avaliaram a profundidade das
vitórias obtidas e o alcance dos insucessos. Admitiu-se que o trabalho junto aos constituintes fora feito *de forma muito diluída e sem coordenação” e não se conseguira atingir “o nivel de organização” demonstrado pelo setor agropecuário.
Para superar estas deficiências, o empresariado traçou novas linhas de atuacão. Após intensificar contatos com o governo e com os governadores dos estados —
uma idéia surgida da bem-sucedida experiência de Mário Amato em seus contatos com
Orestes Quércia, e procurando fazer desta prática uma norma de trabalho —, elaborou-
-se um elenco de emendas supressivas dos dispositivos já aprovados e indesejáveis.º
Entre os pontos críticos estavam o turno de seis horas para atividades em regime de revezamento; o direito de greve; a obrigatoriedade de aquisição de bense serviços de
empresas nacionais; e a nacionalização da exploração dos recursos minerais. Os encontros seriam coordenados pelo Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos da CNL,Ruy Altenfelder da Silva (MoinhoSantista), que também era tesoureiro da Fiesp.?s
E as críticas à Constituinte se sucediam.?7 No último dia de maio, na XI
Reunião do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos, o presidente da seção brasileira e vice-presidente da CNI, Luís Eulálio Bueno Vidigal, classificou algumas das
decisões do primeiro turno como “eivadas do mais puro espírito demagógico e eleito-
reiro. No encontro, sob a coordenação do presidente da Confederação das Associações
Comerciais, Amaury Temporal(também participante da coordenação nacional da UB),
debateu-se o impacto da nova Constituição sobre a economia, enquanto eram lançadas
duras críticas à ampliação do direito de greve, ao turno contínuo de seis horas, à licença-paternidade, à semana de trabalho de 44 horas, ao tabelamento dos juros em
12% e à licença-gestante de 120 dias. Tudo isto sob a concordância silenciosa de colegas estrangeiros. Paul Oreffica, presidente da seção norte-americana do conselho e chairman da Dow Chemical, fez questão de esclarecer: “Não estamos aqui para influenciar a Constituição do Brasil”.?* Mas os colegas brasileiros se manifestaram noevento. O ex-ministro Ângelo
Calmon de Sá, presidente do Banco Econômico, pediu aos participantes “muita luta no
segundo turno, para evitar a inserção de diversas barbaridades na nova Constituição”, enquanto Albano Franco anunciou que estava disposto a mobilizar todos os recursos políticos possíveis para esse fim.?? O deputado Ricardo Fiúzaclassificou o texto como “estatizante” e com “dispositivos xenófobos”, mas prometeu que muita coisa seria
corrigida no segundo turno, já que não seria permitida “uma decisão emocional".
Jornal do Brasil, 304.88 OGlobo, 20.05.88 2" Jornal do Brasil, 03.06.88. O presidente da Siemens, Hermann Wever, alertou: “Comesta carta constitucional, não há hipótese de que. ocapitalestrangeiro venha a se engajar num novo esforçode desenvolvimento”. Wevertambém destacou as incongruências e imprecisões que surgiam do confrontar 0 texto constitucional e a nova política industrial, recentemente definida pelo governo. 25 Jornal do Brasil, 01.068 2+º do Brasil, 01.06.88, O Globo, 01.0688 2% Jornal O Globo, 01.06.88 231
Para reforçar a articulação empresarial, Fiúza contava com a ajuda do governo — emborao senadorJarbas Passarinho avaliasse que o Brasil estava vivendo um período de “muita liberdade e pouca autoridade” — que se mostrava preocupado comitens que
incidiam, diretamente, no funcionamento das empresas estatais: direito de greve; a jornada máximadeseis horas nos turnos de trabalho de revezamento; a nacionalização do setor de minérios; e o teto de 12% nos juros bancários.! Finalmente, Francisco Dornelles instou a *uma mobilização completa, selecionada por pontos”? Já com umavisão bastante clara do perfil da Constituição, os principais dirigentes do Centrão se reuniram, no início de junho, em Araçatuba (“capital política” do
país uderrista), paratraçaras diretrizes de ação na votação do segundo turno. O encontro
foi patrocinado pela Câmara de Estudos e Debates Econômicos e Sociais (Cedes) e os deputados Roberto Cardoso Alves, Afif Domingos e Luís Eduardo Magalhães se
encontraram com os presidentes da Fiesp, Mário Amato; da Associacão Comercial do Estado de São Paulo, Romeu Trussardi Filho; da Confederacão das Associações Amaury Temporal; da Sociedade Rural Brasileira, Flávio Telles de Menezes;
da Federacão da Agricultura de São Paulo, Fábio Meirelles e outros, na fazenda do industrial Pedro de Brito.” Do convescote empresarial (encoberto pelo título *Pen-
sando o Brasil"), participaram membros da Escola Superior de Guerra, inclusive o seu comandante, general Osvaldo Muniz Oliva; o subdiretor, major-brigadeiro Mário Fernando Cechi; e mais seis professores da ESG,que apresentaram sua “visão doutrinária”
em documento intitulado *A ESG: Segurança e Desenvolvimento, com Justiça Social para o Brasil".*º* Comoparte do esforço de articulação do empresariado com o governo, também foi até lá, a pedido do presidente Sarney, o assessor político do Planalto, Thales Ramalho.*º Eles decidiram forçar um acordo de lideranças, para a retirada de pontos polêmicos do projeto da Constituição. Se isso não fosse alcançado, o Executivo
deveria fazer valer a sua força.
Enquanto transcorria a reunião em São Paulo, anunciou-se mais uma ofensiva do Planalto para modificar certos dispositivos do texto da Carta — entre eles,o item
da anistia aos militares cassados (foram rejeitadas 18 emendas aditivas, destinadas a re-
integrar às Forças Armadas, no posto a que teriam direito, os punidos em 1964); o
direito irrestrito de greve; a reforma tributária; as conquistas sociais (licença-pater-
nidade de oito dias, turno de seis horas, licença-maternidade); os 12% da taxa de juros;
a modificação na política de mineração e nos contratos derisco; e diversas alterações no campo da Previdência.” Albano Franco explicou que as conversas com o governo foram sobre questões
que o sensibilizavam diretamente. Começavam a ficar claros os pontos de interesse comum entre o Planalto e o empresariado das grandes federações e das multinacionais. Tratava-se dos vetos ao turno de seis horas; à liçença-paternidade; ao voto aos 16 anos; à jornada máxima de 44 horas semanais; ao direito irrestrito de greve; ao aviso prévio
proporcional; à definição de empresa nacional; à preferência para a empresa nacional
na aquisição pelo poder público de bens e serviços; ao tabelamento da taxa de juros
sm O Globo, 014 “2 Jornal do Brasil, 01.06.88 “e Jornal do Brasil, 05.06.88 2% Letras emMarcha, Julho de 1988 3ºInforme JB,Jornaldo Brasil, 10.06.88 2% João Domingos, Jornal doBrasil, 29.07.88 “MO Globo, 040688 232
em 12%; à nacionalização da exploração mineral; e à proibição dos contratos de risco
para exploração de petróleo.”Para impor os vetos, decidiu-se que os “infiéis” (como eram chamados os membros do Centrão que não mostraram consistência nos seus votos) seriam pressionados para estarem em Brasília e votarem “corretamente”, no que foi rotulado de “estratégia de convencimento”. Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA) confiava em que o governo ajudaria ostensivamente, já que seu mandato não estava
mais em jogo.”
Diversos setores começaram a mobilizar-se em função das modificações almejadas, criando clima e procurando obter repercussão política. A Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria de Base (Abdib) — que congrega empresas
nacionais e estrangeiras — enviou a cada um dos 559 constituintes um telex no qual pedia que as empresas de capital estrangeiro instaladas no Brasil não fossem preteridas em relação às empresas de capital nacional, nas encomendas de serviços e bens por parte do governo. Omar Bittar, vice-presidente executivo da Abdib, justificaria o apelo: “Naprática, essa discriminação é quase inviávele restringe a ação das próprias empresas
nacionais, que fregiientemente se associam às multis em consórcios”.!º
Em meados de junho, instalou-se em Brasília, na sede da Confederação da Indústria, a articulação empresarial ampla, incluindo representantes da indústria, comércio, agricultura, transporte, finanças, bolsas de valores, serviços, escolas particulares e hospitais privados, com o objetivo de preparar as ações para o segundo turno.?!! Desiludidas com a UB e o Centrão, algumas das multinacionais acertaram um
esquema próprio, com a participação de quase 20 empresas- inclusive a Esso, Atlantic, GM, Ciba Geigy, Reynolds, Dow Química, Philips, White Martins, Ferteco, Sanbra,
Saint Gobain, Xerox, British Petroleum Mineração e Coca Cola -, sob a coordenação do vice-presidente da Shell, Omar Carneiro.”? Um dos participantes do encontro, realizado na sede da empresa, afirmou: “A Fiesp criou um grupo de 50 empresas
brasileiras de capital estrangeiro, produziu vários trabalhos com base em dadosoficiais,se
esforçou para esclarecer todos os pontos de vista, mas acabamos prejudicados em três itens de dois artigos” — no caso, o 200 e o 205. A ação destas multinacionais — envolvendo “contatos pessoais” com parlamentares e publicações de “esclarecimento” dirigidas à opinião pública — não implicou na supressão do trabalho da Fiesp, masfoi
vista como complementar e “mais intensiva”.*3
Já o Ibram preparou-se para suprimir três pontos no segundo turno de votação: a nacionalização da mineração, a estatização dos bens minerais e a prioridade de
pesquisa e lavra para os garimpeiros. Marinho Nunes,presidente da entidade lembraria a seus representados que, no primeiro turno, “faltara coesão” e crassaram “interesses conflitantes”. Além disso, o setor saíra vulnerável, em função da imagem negativa da
indústria mineral, o que teve ressonância na sociedade.”
2 João Domingos, Jornal do Brasil, 26.07.88, 2» Jornal do Brasi, 21.04.88; Jornal do Brasil, 03.07.88. ARE Demingos,emalmoço na sede daAssociação Comercial do Rio,frisou que a nova Carta “colide com a Nação”, mas não poupou críticas ao goverio porsó ter-se mobilizado “na hora de votar os cinco anos de mandato para o Presidente”, (O Globo, 11.06.88) 3º Ivan Martins,Jornal do Brasil, 04.06.88 2mt Joelmir Betting, O Globo, 16.06.88 *": RonaldoLapa, Jornaldo Brasil, 21.06.88 “13 RonaldoLapa, Jornal do: Brasil, 21.06.88 24 Correio Braziliense, 30.06.88 233
O empresariado multinacional lançou-se no esforço final de mobilização de opinião pública, a favor de seus interesses. A “caixa de ressonância” — que incluiria filmes, artigos, panfletos, anúncios em jornais e televisão, adesivos, almoços e encon-
tros de esclarecimento com editores de política e economia (como os organizados pela Shell, Brascan, Xerox e Furukawa) — seria criada após a decisão deinvestir 1.5 milhão de dólares na campanha.Amaury Temporal saudaria a reunião de altos executivos das multinacionais instaladas no Brasil, afirmando: “As multinacionais finalmente
deixaram sua posição de avestruz e decidiram defender seus interesses junto aos
Constituintes, de forma organizada”!6
Simultaneamente, isso, dois executivos de uma multinacional do setor de computação procuraram líderes do Centrão,paratraçar umalinha de atuação conjunta, com vistas a suprimir do texto constitucional, os dispositivos considerados lesivos aos interesses do capital estrangeiro em particular, e da iniciativa privada em geral. o
resultado das consultas não foi muito animador: o Centrão não tinha votos suficientes para derrubar nada no segundo turno por conta própria. Embora anunciasse que prepa-
rava a sua ofensiva em defesa da livre iniciativa, ficava cada vez mais claro que o
Centrão teria que negociar nas questões substanciais.” A opção para a Sociedade
Politica Empresarialera bater às portas do governo estatal — para que este acionasse seus ministros e o arsenal de recursos políticos (pessoais, econômicos e administrati-
vos) de que dispunham — a procura dos votos necessários.”!* Assim mesmo, sem
certeza de sucesso,já que a proximidade das eleições municipais estimulava o instinto de sobrevivência dos políticos profissionais, tornando-os arredios à voz de comando. Com o encerramento das votações do primeiro turno, em 30 de junho, começava a batalha final, num clima de pessimismo. E o Fórum Informal decidiu lançar-se em nova campanha de pressão. Definindo umalista de 24 pontos que pretendia retirar da
Constituição, a entidade procurou estabelecer um cerco sobre as emendas e artigos
indesejáveis, aprovados no primeiro turno. Mário Amato declarou: “Democraticamente,
vamos procurar persuadir os políticos e mostrar, para o bem do país, oserros que estão sendo cometidos” .3!º O empresariado sabia que teria de enfrentar a negociação, em
função de diferenças em suas próprias fileiras, e do descalabro do Centrão. Sua esperança era anular as propostas mais esquerdistas, através da neutralização dos nacionalistas e do convencimento dos parlamentares do Centrão. Para isso, já pensava em
fórmulas intermediárias, que ficassem entre o já aprovado e o que seria desejável.”
Dos 24 pontos, quatro passaram a merecer especial atenção: a limitação da
jornada em seis horas para trabalhos de turnos ininterruptos; a prescriptibilidade para
de julho, as empresas multinacionais. 15 Jornal do Brasil, 24.06.88, Jornal do Brasil, 03.07.88; Jornal do Brasil, 05.07.88. No anunciaram que gastariam 2 milhões de dólares na organização do lobby. A forma de operar - através de campanhas publicitárias - e o montante foram divulgados pelos presidentes da Shell, Brascan, Furikawa é Xerox. (O Globo, 05.07.88) 36 Jornal do Brasil, 22.06.88 317.0 Globo, 23.0688 31 Jornal do Brasil, 03.07.88 1º Na reunião do Fórum realizada na sede da Fiesp, estiveram presentes o próprio Amato, além de Abram Szajman, da Federação do Comércio; Benedito Dário Ferraz, da Federação de Trasmportes; Paulo Queiroz, do Sindicato dos Bancos; Romeu Trussardi, da Associação Comercial; e Fernando Vergueiro, da SRB (Jornal do Brasil, 28.06.88) “o Jornal do Brasil, 03.07.88 Conseguiria, por exemplo,que o projeto de Severo Gomes (PMDB-SP) fosse substituído por uma proposta eram equiparadas numa assinada pelo deputado José Lins, que presidia a Comissão da Ordem Econômica. Multinacionais e empresas nacionais definição ambígua: “Empresa brasileira ou nacional é aquela constituída sob as leis brasileiras, que tenha sua administração sediada no país e cujo controle decisório e de capital pertença a brasileiro” 234
as ações trabalhistas; o direito de greve e a limitação das taxas de juros.?! Mário
Amato defendeu um prazo de cinco anos para a prescrição, tanto no meio urbano como no rural (o que já era diferente da proposta anterior, que pretendera rejeitar a definição da Comissão de Sistematização); rejeitou a jornada de seis horas (alegando que isto traria limitações à capacidade de exportação das empresas) e condenou o tabelamento das taxas de juros em 12% ao ano.º2 Finalmente, lançou suascríticas sobre a formu-
lação do artigo que tornava irrestrito o direito de greve?
Para acolchoar seu trabalho, o Fórum Informal, a Fiesp e a CNI passaram a desenvolver uma série de negociações com os sindicalistas “mais mornos”, revitalizando o eixo empresarial-sindical. Este esforço, se bem-sucedido, renderia frutos diversos. Por um lado, poderia desanuviar o clima político e ajudar o empresariado a estabilizar a economia, na falta de pulso firme do próprio governo e frente à espiral inflacionária.* Por outro lado,retirava do cenário da Constituinte um fator de pressão importante, que eram as reivindicações dos trabalhadores. E desagregava o movimento
sindical, justamente na hora em que seriam votadas as conquistas sociais da nova Constituição. Mais ainda: já que o empresariado lutava pela remoção de diversos itens que afetavam as condições de vida dos trabalhadores, nada mais interessante do que um “pacto social”. A adesão dos setores sindicais seria uma forma de legitimar e descaracterizar as ações empresariais na Constituinte.
Noinício de julho, os presidentes da Brascan, Roberto Andrade; da Furukawa, Anselmo Nakatani; da Xerox, Henrique Sérgio Gregory; e da Shell, Robert Broughton, representando 20 grandes empresas multinacionais, anunciaram, em almoço no Jóquei Clube, no Rio, a sua linha de ação para reverter o quadro da Constituinte, dando um
reforço ao empreendimentopolítico dos empresários. Os alvos limitados das empresas
multinacionas eram a supressão de quatro parágrafos dos artigos 200, 205 e 206, que
lidavam com a distinção entre empresa brasileira e empresabrasileira de capital nacional; o privilégio da empresa de capital nacional em vendas e serviços ao Governo e às estatais, a nacionalização da exploração mineral e o fim dos contratos de risco.”
A saída a campo aberto das multinacionais, anunciando a intenção de gastar 2 milhões de dólares na campanha para reverter as decisões do primeiro turno provocaram imenso mal-estar, pelo que representavam de intromissão nos assuntos internos do país. Carlos Eduardo Moreira Ferreira, primeiro vice-presidente da Fiesp, fez questão de esclarecer que na reunião com as multinacionais, na Fiesp, “o comportamento daquelas empresas foi duramente criticado”. E concluiu: “Afinal, temos é que conversar e nunca
anunciar que se vai gastar dinheiro”.*% Ironicamente, a desastrada movimentação das
1 Osoutros pontos que o Fórum desejava derrubar ou modificartratavam de: mandado de injunção;aplicabilidade imediata di constitucionais; férias remuneradas; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço; estatização definitiva dastelecomunicações; competêr Poder Legislativo para legislar sobretrânsito e transporte de bense pessoas; organização do abastecimento alimentar; distribuição estatal do gás encanado; uniformização dajurisprudência trabalhista pelo TST; competência normativa da Justiça do Trabalho; extensão da imunidado tributária para as entidades sindicais patronais; adicional do Imposto de Renda para os estados; imposto sobre as grandesfortunas;definição da empresa brasileira de capital nacional; preferências nas aquisições de bense serviços efetuados pelo poder público; o Estado como agente normativo e reguladorda economia; nacionalização da exploração mineral; contratos de risco;investimentos estrangeiros na assistência à saúde; e o mercado internocomo patrimônio nacional (Jornal do Brasil,28.06.88) 22 O Instituto Brasileiro de Siderurgia (1BS) também entrou na campanha de pressão,distribuindo aos parlamentares seu folhetointitulado. “As seis horas que abalaram o (O Globo, 03.07.88) 22 Jornal do Brasil, 28.06.88 224 As preocupações com a espiral inflacionária ficaram evidentes no encontro do Conselho Superior de Economia da Fiesp,do qual iparam Feres Abujamra (Departamento de Economia da Fiesp); Olavo Setúbal (Banco Itaú); Cláudio Bardella (grupo Bardella); Abílio Diniz (grupo Pão de Açúcar); Paulo Cunha (Grupo Ultra) Mário Amato e os economistas Affonso Celso Pastore e Adroaldo Moura da Silva Uornal do Brasil, 14.07.88) “2 O Globo, 05.07.88 “2O Globo, 08.07.88 235
multinacionais deixava em evidência a fragilidade da argumentação quepretendia igualá-las às empresas nacionais. O clima de mal-estar seria tal, que até o presidente da Fiesp e do Fórum Informal, Mário Amato, se sentiu na obrigação de divulgar nota oficial:
embora questionasse a validade do noticiário sobre a decisão de empresas multinacionais, teve de tachara atitude de “imoral”.*?” Amato fez questão de esclarecer que *neste deplorável episódio”, a Fiesp-Ciesp se manifestava “em defesa da soberania da Assembléia Nacional Constituinte”.
Mas o danoestava feito, perante a opinião pública e no miolo do Centrão. O
impacto foi tal que Roberto Paulo Cézar de Andrade, presidente da Brascan, enviou
carta ao presidente das Organizações Globo, o jornalista Roberto Marinho, reclamando da manchete que encabeçava a notícia do encontro no Rio, que “não poderia ter sido mais daninha à causa que é dointeresse geral”. E ainda acusou o jornal de ter dado à matéria “o enfoque da distorção”. Na defesa das multinacionais, Andrade teria a companhia de Dioclécio Dantas de Araújo Filho, vice-presidente da Esso, que na
ocasião desmentiu os rumores detentativa de suborno de vários congressistas.” E até
Ulysses Guimarães tirou sua casquinha do episódio, fazendo uma advertência: “O caminho do dólar não é apropriado para se chegar ao Congresso Nacional e resolver
os problemas”.»º
Notiroteio geral de mútuas acusações, poucos se salvaram. Para Victor Faccioni (PDS-RS), um dos integrantes do Centrão, as informações de que as multinacionais investiriam milhões de dólares na empreitada só poderiam ter sido dadas “por irres-
ponsáveis”. E arrematou: “Ou estão a serviço da confusão ou estavam bêbados”.*!
Para acalmar os ânimos, amenizar o impacto negativo e evitar desdobramen-
tos desagradáveis, o diretor-presidente da Siemens S.A., Hermann Wever; o vice-
-presidente da General Electric, Nahid Chicani; e o vice-presidente da Phillip Morris, Antônio Teixeira da Silva — representando 68 empresas multinacionais — procuraram Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte. No encontro defenderam to fim da discriminação entre as várias empresas brasileiras, em função da origem de seu capital"2
Wever esclareceu que seu grupo pretendia agir através de contatos pessoais com os
constituintes, mas sem participar de campanhas publicitárias em jornais, revistas ou televisão. E arrematou: “A campanha dos 2 milhões de dólares foi lançada por um grupoindependente, que não foi constituído dentro da Fiesp”? O empresariadointensificou seu preparo e acelerou suas ações.”** Dias depois do anúncio das multinacionais, a CNI comunicou que estava preparando 200 emendas
- abrangendo todo o projeto constitucional — para tentar suprii itens contrários a seus interesses. Mas o levantamento — feito por uma enorme equipe de advogados,
37 O Globo, 070788 2% O Globo, 08.07.88 2 O Globo, 08.07.88; Jomal do Brasil, 08.07.88 2% Jornal do Brasil, 09.01.88 »! O Globo, 08.07.88 »º O Globo, 10.07.88; Para os empresários, esta “diserimnação” foi concretizada no artigo 17, que deu preferência às empresas de capital nacional na aquisição de bens e serviços pelo Poder Público (Jornal do Brasil, 10.07.88) 2 O Globo, 10.07.88. Wever fazia parte do grupo de multinacionaisligadas à Fiesp, que atuava de forma mais discreta e que incluía as. empresas que queriam interferirno processo da Constituinte com o menor desgaste possível. No outro grupo, do qual fazia parte Luiz Carlos Ortolan, diretor jurídico da Dow, estavam as empresas capitimeadas pela Shell Ivan Martins, Jornal do Brasil, 14.08.84 240 Globo, 10.07.88. O presidente das empresas Ogilvy & Mather é da Ogilvy & Mather Latino America(um grupo que atua em 49 países. na área de comunicação) Flávio Corrêa, tambémse empenharia no esforço detirar do texto constitucional diversos itens que ele via como uma espécie de “opção pela pobreza”, Entre esses pontos, estavam o fim do princípio de isonomia,a definição de capitalestrangeiro,o tabelamento dos juros, a jornada de trabalho e a estatização da distribuição de combustíveis. (O Globo, 12.07.88) 236
consultores e assessores de federações da indústria, comércio, agricultura e setor financeiro que cobriam o espectro representado na UB — destacava 24 pontos.” Seus
autores se baseavam em dois critérios unificadores: eliminar o que atingia diretamente
o setor privado e o que demonstrava qualquer preconceito contra a livre-iniciativa.s As emendasseriam entregues ao presidente da Comissão de Assuntos Legislativos da
CNI diretor-tesoureiro da Fiesp, Ruy Altenfelder, que centralizaria os trabalhos. O
importante era que, dos 24 pontos considerados essenciais e coincidentes com os do
Fórum Informal, 19 o eram também com as propostas fundamentais do Centrão. Procurava-se, assim, minimizar — e até eliminar — qualquer possibilidade de atrito ou infidelidade na hora da votação.
Maso problema da compatibilização de propostas e minimização de áreas de atrito não envolvia somente o Centrão. Os representantes da UDRe da Febraban eram partes difíceis de conciliar. Os banqueiros procuravam eliminar o teto de 12% ao ano na taxa de juros reais, que a UDR via com simpatia, pois iria mudar um pouco (e para
melhor) a vida de milhares de proprietários rurais. Os uderristas saíam a campo para assegurar a anistia fiscal (que lhes dera importantes dividendos políticos), lembrando
ainda, que 40% dos associados da Fiesp eram pequenos empresários.
Em suma: o histórico “pacto” social, econômico e político que as elites consolidaram ao longo do século se voltava, de forma perversa, contra o setor industrial e financeiro urbano. O empresariado, segundo um representante da CNI, não conseguia
homogeneizar as posições, a não ser em duas questões: o direito de greve e o turno
especial de seis horas, considerados “inegociáveis”.*”
Numa reunião realizada na sede da CNI — queincluiu a Febraban, a CNC, diretores do Ibram e do IBS, representantes da Associação Brasileira de Anunciantes,
dos supermercados e da multinacional Esso —, o empresariado decidiu não incluir a anistia da correção monetária na lista dos 24 pontos a serem suprimidos da nova
Constituição.”** Mas incluiu a imprescriptibilidade das ações trabalhistas para o setor rural, por conta de um acordo com a UDR, que elegeria este último item como prin-
cipal bandeira de luta.”
Esses 24 pontos finais eram os que, na avaliação de Ruy Altenfelder, permi-
tiriam reunir os diversos setores num movimento denominado Unidade Empresarial, que se pretendia mais amplo que a UB ou as diferentes frentes criadas até então. Mas o diretor de Relações Externas da Esso, Adhemar Berlfein, diria que os grandes grupos nacionais não se mostravam inclinados a lutar pela supressão da definição de empresa nacional nem pelo veto à preferência destas na aquisição de bens e serviços pelo Estado. E havia mais um problema. Emboraa liderança do Centrão estivesse sincronizando suas opções com o empresariado, os partidos — dos quais provinham seus
218 Jornal do Brasil, 05.07.88 338 Jornal do Brasil, 05.07.88 2 Jornal do Brasil, 06.07.88; Jornal do Brasil, 07.07.88 3 O Globo, 07/0788 preferência da empresa nacional na aquisição ts a oportunidade de greve; competência
de bense serviços pelo poderpúblico; tumo de da União para legislar sobre trânsito e transporte
imitação de taxas de juros; contratos de risco;
horas; competência dotrabalhadorpara decidir bense pessoas;distribuição de gás canalizado;
do estado como agente normativo da economia; mercado intemo como patrimônio nacional; imunidade tributária das entidades sindicais patronais; limitação da competência normativa da Justiça do Trabalho; organização do sistema de abastecimento alimentar a cargo da União,estados e municípios; proibição de empresas ou capitaisestrangeiros na assistência médica do paíse. (Jornal do Brasil, 05.07.88; Jornal
doBrasil, 07.07.88)
237
membros — não tinham. alcançado tal grau de convergência: áquela altura, haviam
fechado questão em muitos pontos, que colidiam diretamente com as propostas empre-
iais 340
sariais.”
O empresariado partiu, então, para a definição de pontos “essenciais” dentro dos 24 selecionados, chegandoa definir dez modificações “indispensáveis”, no quefoi denominado de “estratégia dentro da estratégia”! Os dez pontos em questão eram: mandado de injunção; limitação em seis horas dos tumos ininterruptos; prazo de
prescrição da ação trabalhista; direito de greve; uniformização de jurisprudência tra-
balhista pelo TST; competência normativa da Justiça do Trabalho; preferência nas
aquisições de bens e serviços efetuadas pelo Poder Público; o Estado como agente regulador e normativo da economia; nacionalização da exploração mineral e limitação
da taxa de juros.**?
Para consolidar suas posições, o empresariado começou a desenvolver uma
campanha, na qual comunicavaà opinião pública, ao governo,aos próprios empresários
e aos constituintes o custo inflacionário das conquistas sociais. Sete delas (incluindo a redução da semana de trabalho para 44 horas, licença-gestante de 120 dias, licença-
-paternidade de oito dias, obrigatoriedade de instalação de crechese escolas, pagamento
de horas extras com adicional de 50% e pagamento de férias com acréscimo de um
terço sobre o salário) teriam efeito imediato, segundo os cálculos da CNI, sobre os custos de produção, numa média de quase 40%.”º Mas ao contrário das multinacio-
nais — que se lançaram numaaberta campanha de mídia —, a CNI preferiu, segundo Altenfelder, o chamado corpo a corpo” com os parlamentares, apostando no esperado
“tom racional” do segundo turno, em contraposição ao emocional” do primeiro.! Para
assegurar contatos corporais “de primeiro grau”, Mário Amato, da Fiesp e do Fórum
Informal, decidiu procurar — junto com ospresidentes de outras federações — não só os congressistas e as lideranças dos partidos mas, especialmente, o governo. O Planalto responderia ao apelo, mas também procuraria agir em função de
suas próprias razões. Após uma reunião do deputado e líder do governo na Câmara, Carlos Sant"Anna, com o Presidente Sarney,o ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega,
o chefe do Gabinete Civil, Ronaldo Costa Couto, e o chefe do SNI, general Ivan
Mendes,ficaria claro que o interesse do governo por 73 itens, que se transformariam
em emendas subscritas por parlamentares da bancada situacionista, centrando o fogo
nas disposiçõestransitórias. O esforço visava a supressão do turno de seis horas, do
direito de greve, da taxa de juros tabelada, da censura aos ministros de Estado, da
anistia fiscal, do adicional do Imposto de Renda de 5% a ser cobrado pelos estados, daefetividade de funcionários públicos, do voto facultativo para os jovens de 16 anos,
e outros.” E quando entrou em campo, o governo apresentou quase 300 emendas, revelando que estivera, até então, num verdadeiro jogo de dissimulação. De acordo
com um assessor graduado do presidente Sarney, a finta foi concebida na certeza de
2% Jornal do Brasil, 07.0788 *" Sérgio Costa, Jornal do Comércio, 24/25.07.88 2º Sérgio Costa, Jornat do Comércio, 24/25.07.88 *%Jornal do Brasil, 06.07.88 4 Jornal do Brasil, 07.07.8 *ºJornal do Brasil, 07.07.88; O Globo, 07.07.88 24 Jornal do Brasi, 12.07.88; O Globo, 12.07.88 A Flupeme, por intermédio de seus diretores, Luís Otávio Athayde e Kleber Damasceno, mostrou-se, a certa altura, disposta 4 apoiar a supressão da anistia dos débitos dos pequenos no segundo tumo, desde que as lideranças partidárias se comprometessem com a aprovação de uma ei ordinária, determinandoempresários, a renegociação das dívidas contraídas pelos Pequenos é médios empresários na época do Plano Cruzado. (Jornal do Brasil, 13.07.88) 238
que os constituintes receberiam com desagrado as propostas do Planalto. Das 300 emendas — cujo número exorbitante também servia de cortina de fumaça e espaço de
negociação — apenas 30 eram consideradas “fundamentais” e 70 eram “importantes”47 Ainda em meados de julho, a Associação Comercial do Rio de Janeiro mobilizou-se para consolidar sua linha de ação. Num almoço com Ricardo Fiúza, um
expoente do Centrão, 30 empresários — entre eles Olavo Monteiro de Carvalho (grupo
Monteiro Aranha); Oswaldo Tavares (Casa Tavares/presidente em exercício da ACRJ); Arthur João Donato (presidente da Firjan); Rudolf Hohn (IBM); Otávio Mello Alvarenga (Sociedade Nacional de Agricultura) e Teóphilo de Azeredo Santos (Sindicato dos Bancos) - ouviriam do deputado que o presidente Sarney tinha o dever deinterferir, para sumprimir os “pontos delicados” aprovados pela Constituinte, Entre esses pontos, Fiúza destacava o direito de greve, o voto facultativo aos 16 anos, a definição de
empresa de capital nacional,a licença-paternidade, o tabelamento dos juros e a jornada de seis horas, que ele considerava “prejudiciais aos interesses nacionais e perigosos
para a estabilidade da democracia.” O governo ouvia o eco das suas demandas no meio empresarial. Este, por sua vez, encontrava ouvidos receptivos no Planalto. Até a UNDDentrou na dança das pressões - junto com a Ação Democrática
Renovadora (ADR), de Porto Alegre, a União Cívica Feminina (UCF), de São Paulo,
e a ABDD,de Brasília — ecoando preocupações da área militar e do empresariado. Divulgaram
um “manifesto à nação” que, além de condenar os trabalhos da Consti-
tuinte, denunciava o domínio exercido, desde o inicio dos trabalhos da Constituinte,
“pelas minorias radicais, as socialistas e as filiadas aos partidos comunistas”.*? Entre os pontos que a UNDD considerava “prejudiciais ao país”, estavam a supressão de qualquertipo de censurae a liberdade de manifestação cultural — o cerceamento da “ação da autoridade repressora” -, vistos como “geradores de imoralidade,licenciosidade, corrupção da juventude e violência”. Mais: o voto a partir dos l6 anos; a extensãodo direito de greve aos trabalhadores de serviços essenciais e aos funcionários públicos; o aumento do prazo dalicença-maternidadee a licença-paternidade, No campo econômico, a UNDD e suas congêneres atacavam as medidas que afetavam a empresa privada a livre-iniciativa — em especial aquelas que regulavam a atuação docapital estrangeiro —; além da limitação dos juros bancários; das inovações introduzidas no Sistema Tributário (tachadas de “perniciosas”); e as reformas agrária e urbana,vistas
como “geradoras de lutas de classe e de agitação no campo e na cidade”. Finalmente, atacava “as insidiosas tentativas das minorias extremdas”, que propunham alterações 'na tradicional missão das Forças Armadas, procurando limitar a sua ação à defesa contra o inimigo externo" *º No dia seguinte ao almoço na Associação Comercial, a Firjan começaria a
definir suas reivindicações, procurando concatenar seus esforços e objetivos com outras
organizações, sindicatos e entidades políticas do empresariado. O presidente da enti-
dade, Arthur João Donato, convidaria empresários (inclusive os que tinham almoçado
com Fiúza), políticos (entre eles Francisco Dornelles, Sandra Cavalcanti e Luís Roberto
Ponte) e jornalistas para participarem de um encontro onde seria discutido o tipo de trabalho a realizar na Constituinte.*!
e Jornal do Bras 07.88 280Globo, 12.07.88, Amaury Temporal,presidente da Confeceração das Associações Comerciais, fincaria pé no item da greve, mas já mostrando uma nuance diversa das posições de outros empresários. Para ele, era uma questão de limitar à proposta aprovada noprimeiro tumo, ressalvando serviços essenciais, e não apenas, suprimir a competência dos trabalhadores decidirem a respeito, (O Globo, 20.07.88) *Informe JB, Jornal do Brasil, 16,08.88 2 Letras em Marcha,julhode IO88 » OGlobo, 12.01.88; Jornal do Brasil, 12.07.88 239
Enquanto isso, a empresa Belgo-Mineira distribuía, entre os seus 7.600 metalúrgicos e os demais 13 mil empregados das 30 empresas coligadas, um folheto denominado “As seis horas que abalaram o Brasil” (fruto de um estudo do Instituto
Brasileiro de Siderurgia, presidido por André Mussetti), que já servira à campanha de convencimento dos parlamentares contra o turno de seis horas. Além disso, ameaçava
com o fechamento do restaurante e com a suspensão do pagamento dos 30 minutos da
refeição, se a lei fosse aprovada no segundo turno. E advertia para o aumento dos dias
de trabalho e para os riscos à saúde do trabalhador, com o aumento das trocas de
horário.”? Em São Paulo, Antônio Ermírio de Moraes, superintendente do grupo Votorantim, fez coro sobre a inconveniência do turno de seis horas, acenando com o
fantasma do sucateamento do setor de siderurgia, explicando que não havia nenhuma empresa preparada para esta inovação. Reforçando os argumentos, Amaury Temporal,
presidente da Confederação das Associações Comerciais, afirmou que o turno de seis horas levaria a uma redução da eficiência da economia brasileiraS? Finalmente, o próprio Governo se engajaria na luta, junto aos empresários.)*
Mas a guerra não havia acabado. Na luta pela supressão das seis horas, o
empresariado abriria seu flanco sindical, entrando em rota de colisão com Luís Antônio Medeiros, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Gerdau Johannpeter o procuraria com uma proposta de jornada semanal de 40 horas para o turno ininter-
rupto de revezamento, procurando esvaziar o turno de seis e alegando que o Brasil perderia competitividade no mercado externo, com o aumento dos custos. Medeiros recusaria a proposta, especialmenteirritado com a alegação de aumento excessivo dos
custos de produção:
“Eles são mentirosos. O aumento não chegaa três por cento. O
Albano Franco admitiu isso”.
Na questão financeira, a Associação Brasileira dos Bancos Comerciais (que congrega 35 bancos de pequeno e médio porte) pronunciou-se contra a anistia das
dívidas e o tabelamento dosjuros. Seu presidente, José Carlos Jacintho de Campos, de
olho na opinião pública, alertou contra a “socialização” das perdas de “quem se atirou
de corpo e alma numa empreitada pessoale particular, cujo objetivo era o lucro”. Além disso, de olho no Planalto, advertiu que o tabelamento dosjuros sacrificaria a “liber-
dade de ação” do Governo, ao eliminar “um indispensável instrumento de adminis-
tração da política monetária".'S Paralelamente, em auxílio ao esforço da Febraban, da
Fenaban e da CNF,assistia-se ao lobby do discreto Amador Aguiar, acionista majoritário e ex-presidente do Bradesco, junto àslideranças partidárias. Pacientemente, ele
tentava explicar *as desvantagens” do tabelamento dos juros.”
Já a Fiesp conclufa a sua lista de alterações, acertando os ponteiros para trabalhar com o governo na supressão de questões de interesse comum, e ao mesmo
tempo mantendo um ritmo intenso de ação para assegurar um “pacto social”.Entre
Os pontos estavam: a presença exclusiva do Estado na organização do abastecimento
25º Nairo Almer, Jornal do Brasil, 02.08.88 2% O Globo, 20.07.88 *s* Note-se que 0 comportamento da Belgo-Mineira foi bemdiverso dodeseu grupo controlador, o Arbed, em relação à sidenírgicaSidi comsede na Bélgica. Lá, o tuojá era de seis horas e os salários sempre foram bem superiores. Mais: era umfato comprovado que o maior número de acidentes ocorria justamente nas duas últimas horas de trabalho e à note, (Nairo Almer, Jornal do Brasil, 02.08.48) *55 Globo, 0408.88; Jornal do Brasil, 12.08.88 ** O Globo, 200788 605.88. Antônio Pádua Diniz,vi “do Conselho de Administração do Banco Nacional S.A. (presidente da a Fenaban e membro da CNF),tacharia a anistia de “ineficaz Jornal do Brasil, 16.07.88) *ºº Diante do fantasma da hiperinflação, Arthur João Donato incentivariae iníqua”. a corrida pacto social, apesar das dificuldadesde atrair a CUT" para à mesa de negociações e de conseguir do governo um compromisso firme para pelo controlar seus gastos. (Folha de São Paulo, 20.07.88) 240
alimentar;a distribuição exclusiva de gás canalizado pelasestatais; a criação do imposto sobre grandes fortunas; a limitação da competência do Tribunal Superior do Trabalho; a concessão de competência normativa à Justiça do Trabalho para os casos de ajuizamento de dissídio coletivo; o aviso prévio com pagamento correspondente ao tempo de serviço; o prazo de prescrição das ações trabalhistas para o meio urbano e rural (que se pretendia igual, de cinco anos); a obrigatoriedade das empresas de telecomunicações
funcionarem sob controle acionário estatal; a imunidadetributária concedida aos sin-
dicatos de trabalhadores (que se queria estendida aos sindicatos patronais); a definição do papel do Estado como agente regulador e normativo da economia; as restrições ao capital estrangeiro no setor de saúde; e o uso amplo do mandado de injunção.** Dias depois, a UB passou a encarar a tarefa de alterar, no segundo turno, os
dispositivos considerados essenciais para o empresariado, como uma guerra de 23
batalhas pela sobrevivência da livre iniciativa. E como tal, entrou em regime de
mobilização de guerra política, convocando todos os empresários do país a participarem dotrabalho de convencimento dos constituintes. Cerca de 500 empresários se reuniriam em Brasília para discutir e traçar uma linha de condyta comum para o segundo turno.
O presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, armador Arthur João Donato, frisava, num arremedo Churchilliano: “Esta é uma luta onde não pode
haverrendição, sob pena de perdermos a condição de empresários livres”! Menos emocional, mas com a mesma visão do jogo político, Antônio Oliveira Santos reforçaria o ponto que orientava a decisão do empresariado de ir à luta política: “O grande pacto é a Constituinte,e não estes acordos que estão brotando entre empresários e trabalhadores. Ela é que definirá as relações entre trabalhadores e empregadores”?
Ele estava certo. O resto era conversa fiada, cortina de fumaça ou mero recurso para
ganhar tempo num quadro econômico sufocante, como era o do segundo semestre de
88. Mais umavez, sacrificava-se a linha auxiliar externa - o sindicalismo de “resultados” só funcionava enquanto estes fossem positivos para o setor empresarial.
A segunda reunião plenária da UB, na sede da Confederação Nacional da Indústria, em Brasília, foi aberta pelo mesmo Oliveira Santos, com um discurso que destacava as responsabilidades do empresariado, no momento em queassistia ao que chamou, batendo em teclas conhecidas, de 'verdadeira manipulação de interesses por algumas minorias radicais”. Alvo de suas críticas foram, novamente, as medidas que preconizavam a criação de “direitos trabalhistas onerosos”, assim como o direito de greve, “regulado como poder de greve”, que ainda segundo Oliveira Santos, seria “um
convite à subversão da ordem”. Também se pronunciaram o presidente do grupo
Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes; o dirigente do Movimento Cívico de Recuperação Nacional, Jorge Gerdau Johannpeter, e o dirigente da Sociedade Rural Brasileira e líder da Cedes, Flávio Telles de Menezes .*
* Jornal do Brasil, 20.0788 2 O Globo, 20.07.88; Jornal do Brasil, 14.07.88 “eO Globo, 2407.88 28 O Globo, 2407.88 2e Gerdau condenou com veemência limitação de seis horas de trabalho (que afetava a siderurgia,seu setor de atividade), o direito amplo de greve, o tabelamento dos juros e a anistia da correção monetária. Destacou, como alvos,as “opções pelo atraso": o patemalismo e o intervencionismo estatal. O empresário frisou: “Não existe o fanatismo de tirar 0s 23 itens. Mas nós estamos convictos de que há, nesses 23 itens, um conteúdo xenófobo, um conteúdo intervencionista e um conteúdo cartorial. E dentro do que acontece hoje no mundo nós sabemos claramente que é preciso abrir as fronteiras para que continue entrando capitalestrangeiro” (O Globo, 24.07.88) Coincidência ou não, vale destacar que o ministroLeônidas Pires Gonçalves aceitara o convite do empresário Germano Gerdau Johannpeter,irmão de Jorge Gerdau, para passar aquele fim de semana em sua fazenda do Rio Grande do Sul, dedicado “a caça”. (InformeJB, Jornal do Brasil, 20.07.88) 241
Cerca de 200 empresários receberam as instruções para o esforço de pressão,
ação propagandística e mobilização, recebendo ainda farto material referente às emen-
das patrocinadas pela entidade, contendo dados sobre os constituintes e suas posições nas questões nevrálgicas. Arthur Donato conclamou seus pares à luta: “Cada um dos empresários tem o dever de contribuir. Não podemos atribuir a outros a tarefa de construir este país. Ou temos maturidade para fazê-lo ou estaremos nos rendendo antes do combate... Todos os empresários devem procurar entrar em contato com parlamentares da suaregião, do seu setor, do seu círculo de amizades, parentes etc”. E concluiu:
“Vamosjuntos nesta cruzada. Nosso esforço há de ser vitorioso”4
As 23 emendas supressivas, ligadas a interesses não-negociáveis do empresariado - que, segundo Arthur Donato, deviam ser defendidas junto a cada constituinte, “comose fosse uma luta pela sobrevivência, na qual não há possibilidade de rendição” —, foram entregues pela UB ao presidente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães.'* Os 23 pontos orientariam a disposição das forças políticas do empresariado e norteariam a sua ação conjunta - reunindo todos os pivôs, eixos de poder e frentes móveis — para igual número de “batalhas”.
Comoresposta à ofensiva deslanchada pela UB, a Câmara Brasileira das Empresas de Capital Nacional - que reúne cerca de 250 mil pequenas e médias empresas
- com apoio da Frente Parlamentar Nacionalista, preparou-se no sentido de agir para
preservar a definição de empresa nacional já aprovada, assim como os dispositivos relativos à presença do capital estrangeiro no país; à garantia da reserva de mercado em setores de ponta e estratégicos; e à definição do mercado interno como patrimônio nacional.Seu principalarticulador, Luiz Otávio Athayde, da Flupeme,saiu a campo, *em nomeda soberania do país”, enquadrando a CNI e a Fiesp comoentidades “muito comprometidas com o capitalestrangeiro”. Isto aconteceu no mesmodia em que o vice-
presidente mundial da Nestlé, Alexander Mahler, afirmou que a Constituinte “pecava
pelo perfeccionismo”, acrescentando que tda forma como está sendoescrita, a Constituição atará as mãos de empresas importantes como a Nestlé"3%”
Outro ângulo da questão era levantado por José Correia da Silva, diretor-
presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina) e dono
da Sulfabrás, que se colocou “absolutamente contra” a reserva de mercado nesse setor, por ser desnecessária e impraticável". E acrescentou: “Mas acreditamos que o governo deva darestímulo à produçãolocal, inclusive das multinacionais, para que o país deixe
de gastar, anualmente, 1,2 bilhão de dólares em moléculas produzidas no exterior”. Para o presidente da Abifina — que congrega 40 empresas nacionais do setor —, a “sa-
fadeza” das multinacionais consistia em posarem de vítimas, quando seu único inter-
esse era monopolizar o mercado, provocando a elevação de preços e o pagamento de
milhões de dólares na importação de insumos de química fina patenteados. Para ele, a discussão das patentes era inaceitável, “pelo menos enquanto as multinacionais deti-
verem 85% do nosso mercado”68
2% OGlobo,21.07.88 Nessa reunião, Antônio Ermírio de Moraes aproveitou para desmentir a versão de que teria patrocinado o lobby da nacionalização da exploração mineral, assim como criticou à limitação dos tumos contínuos de seis horas,à anistia às dívidas dos microempresários e o tabelamento dos juros bancários. Talvez, aqui, possamos vislumbrar uma das fendas no empresariado, uma vez que essas cram reivindicações da UDRe acabaram até transformados em bandeira de luta da entidade rural, que teve algumas vitórias, *s Jornal do Brasil, 21.07.88 “60 Globo, 220788 387 O Globo, 220788 2e Jornal do Brasil, 06,07.88, 242
Ainda no mesmo dia, representantes da Xerox, Brascan, Phillips e Furukawa,
sob a liderança do presidente da Shell, Robert Broughton, estiveram com presidente Sarney para convidá-lo a assistir a um programa de televisão sobre a importância do capital estrangeiro no desenvolvimento do país.” Os empresários pretendiam colocá-
-Jo no ar, em cadeia nacional, contando com a participação de industriais como João Amaral Gurgel (Gurgel Veículos), José Mindlin (Metal Leve), Amaury Temporal, Karlos Rischbieter (Conselho de Administração da Volvo), Mário Amato e até um
operário, Osmar da SilvaJr, que defenderia a presença das multinacionais no Brasil.”º O programa “Um Mundo sem Fronteiras”, transmitido em cadeia nacional de televisão no horário nobre, foi um desastre em termos de índice de audiência.
Alguns dias depois, o Planalto desencadeou uma série de pressões. As mais diversas possibilidades foram mancejadas, desde zerar os trabalhos da Constituinte — idéia classificada de “delirante”pelo governador Moreira Franco, enquanto a Fiesp a considerava como um “retrocesso político” —, passando portentativas de adiar a votação do projeto constitucional (articulada, entre outros, pelo ministro do Exército, general
Leônidas Pires Gonçalves), até o pronunciamento em cadeia nacional do presidente Sarney, advertindo que a nova Cartalevaria o país “ao caos”.! Paralelamente, assistia-
-se ao esforço de parlamentares como Afif Domingos e Roberto Campospara obter o adiamento das eleições municipais. Argumentava-se quea realização dopleito atrasaria a Constituinte, já que muitos parlamentares se envolveriam nas eleições — até como
candidatos -, podendo deixar sem quórum a Assembléia.”? Mas por trás, insinuava-se
uma outra questão: de olho nas eleições (como prefeitáveis ou como caboseleitorais de outros candidatos) os constituintes não se arriscavam a votar de forma impopular. E muitas das emendas supressivas do empresariado, encampadas por lideranças do
Centrão, tinham um perfil ou imagem de “anti-social” ou “antinacional”.
Como não poderia deixar de ser, voltaram a ser ouvidas as declarações e
advertências da área militar, tentando impressionar e modelar o Congresso e a opinião
pública.”? Desta vez, as pressões foram detal envergadura que obrigaram o presidente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, a manifestar-se com veemência inusitada. Num discurso de exaltação ao trabalho dos parlamentares, Ulysses anunciou:
“Esta Constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”. E advertiu os arautos do
golpismo, da desestabilização e da ingovernabilidade: “A Constituição, com as correções que faremos, será a guardiã da governabilidade. A governabilidade está no
social. A fome, a miséria, a ignorância e a doença inassistida são ingovernáveis. A
injustiça social é a negação do Governo e a condenação do Governo”.”* Dias depois,
o painel eletrônico do Congresso indicaria o resultado da votação: uma ampla maioria
decidira aprovar o projeto integral da nova Constituição, dando início ao segundo turno
de votações do texto. A partir daí, qualquer mudança exigiria pelos menos 280 votos. Diante dos números, um desanimado José Lourenço desabafou: “Estamos liquidados.
Ninguém muda mais nada; esta é a nova Constituição do país”.*5
e Mário iva da própria presidência, a ocupar a tribuna da sala de entrevistas do Planalto - reservada às autoridades de govemo- para fazer seu comunicado à imprensa, O presidente da Fiesp,num arroubo comercial, que confundia Constituição com balancete, arremataria que “despesas e receitas têm de se equilibrar no texto constitucional” (Aylê-Selassié, Jornal de Brasília,22.07.88) 3%O Globo, 22.07.88; Jornal do Brasil, 27.07.88 3% Jornal do Brasil, 25.97.88, Jornal do Brasil, 26.07.88; O Globo, 28.07.88 Inácio Muzzi, Jornal do Brasil, 31.07.88 3" Jornal doBrasil, 26.07. O Globo,26.07.88; Jornal do Brasil, 2707.88; O Globo, 27.07.88; O Estadode São Paulo,27.07.88;Folha deSãoPaulo, 27.07.88 SH O Globo, 28.01.88 “5 O Globo, 28.07.88
243
Mas como teriam ficado os 23 pontos essenciais da UB? 1. Mandado de injunção e aplicação imediata dos dispositivos constitucionais
(art.5.) - A UB argumentara que este instrumento, se mantido, poderia perturbar a nação, na medida em que, a cada passo, os diversos setores poderiam ser atropelados com ações judiciais reivindicando o pronto cumprimento da Constituição. O mandado de injunção ou direito de exigir o cumprimento das normas constitucionais acabou aprovado. 2. Estabilidade
no emprego
(art.7) —
De
acordo
com
a entidade,
a indeni-
zação compensatória seria suficiente para garantir a proteção da relação de emprego. Neste item, o Centrão deu uma ajuda extra ao empresariado. Uma reunião entre o presidente da CGT e os parlamentares do grupo marcou o início de uma solução negociada, que teve a oposição firme da CUT. Luís Roberto Ponte, do Centrão, admitiria que “os interesses patronais prevaleceram um pouco mais”. A indenização compensatória ficou prevista contra as dispensas imotivadas, chegando-se a um acordo que a fixava em 40% do FGTS, até a aprovação de lei complementar. Já a estabilidade foi
remetida para lei ordinária.”
3. Turnos ininterruptos de revezamento que não podiam exceder as seis horas (art.7, item XIV) — A UB argumentou que, para as empresas em particular e para o país em geral, o custo seria insuportável. Mas acabou perdendo, quando a Constituinte aprovou a jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento. Seu consolo, no entanto, foi a retirada da palavra “máxima” (referindo-se à jornada de seis horas) do texto votado no primeiro turno. Isso permitiria que 1.8 milhão de operários, beneficiados pelo artigo, tivessem de negociar com as empresas a manutenção da jornada (de oito horas) em vigor. 4. Adicional de férias (art.7, item XVID — A UB pretendia suprimir a expressão “em pelo menos um terço a mais do que o salário normal” (referente ao valor do pagamento). Mas seria derrotada. 5. Aviso prévio (Art. 7, item XXI) — Outra derrota seria amargada pela UB, que queria suprimir o trecho que dizia “proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias”. Este detalhe foi mantido. 6. Prescrição das causas trabalhistas (art. 7, item XXIX) — A UB pretendia suprimir os incisos que previam cinco anos, nos créditos resultantes das relações de trabalho, para o trabalhador urbano; e “até dois anos após a extinção do contrato”, para
o rural.*”” Neste ponto, a entidade incorporava explicitamente as demandas do setor empresarial rural.* A UB foi derrotada e o artigo mantido. 7. Direito de greve (cap.ll, art.9)) — A UB pretendia suprimir o trecho: “competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
376 Jornal do Brasil, 03.07.88
37 Renato Ticoulat Filho, da Cedes, atento observador dos trabalhos da Constituinte, estava preocupado com um detalhe: a imprescriptibilidade das causas trabalhistas que continuavam valendo apenas para os conflitos envolvendo patrões e empregados rurais. Para as questões urbanas, prescrevia em cinco anos o direito à reclamação na Justica do Trabalho. Esta “discriminação”, como a chamaria Ticoulat, foi aprovada sem que qualquer representante dos produtores rurais na Constituinte se manifestasse. (Relatório Reservado, 07/13.03,88) 378 Segundo Cesmar Moura, coordenador geral da UDR, o texto aprovado no primeiro tumo discriminara o trabalhador rural, ao prever a prescrição em cinco anos das ações trabalhistas impetradas por empregados de empresas urbanas, sem dar prazo para os empregados do campo. A UDR queria igualar as duas classes de trabalhadores, determinando que a ação tivesse prazo prescricional de cinco anos, e de até o limite de dois anos após a extinção do contrato, nas lesões de direito originário das relações de trabalho, para trabalhador urbano ou rural. Bastava, portanto, para acabar com a diferenciação, retirar do texto o dispositivo sobre o trabalhador rural. (O Globo, 15.07.88)
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interesses que devam por meio dele defender”. Foi outra derrota. Ao presidente da CNI,
senador Albano Franco, restou apenas um consolo: acreditar no “jeitinho brasileiro” para brecar as radicalizações.”” Mas houve umarestrição importante para Os serviços essenciais (transporte, telecomunicações, água, luz, bancários, serviços hospitalares e públicos), cujos sindicatos, numa fórmula a ser definida por lei, ficariam obrigados a mantê-los em funcionamento. Em caso de abuso (como danos ao patrimônio ou agressões físicas), os grevistas são passíveis de punição. Com isso,ficou aberta a brecha para as medidas do governo Sarney em relação às greves de 1989. 8. Estatização das telecomunicações (art 21, inciso XI) — A UB pretendia
suprimir o trecho que falava da “empresa sob controle acionário estatal”, argumentando
que “o estatizado deve ser privatizado e o liberado há de ser mantido livre”. Não conseguiu. 9. Trânsito e transporte de bens pessoas(art. 22,inciso XI) — A UBqueria
suprimir a expressão “nas rodovias e ferrovias federais”, já que, a seu ver, o texto deveria estabelecer apenas a “competência exclusiva da União”. Conseguiu.
10. Organizacão do abastecimento alimentar(art. 23. inciso VII) — A UB
lutou pela supressão do trecho “organizar o abastecimento alimentar”. Alegou que
apenas com os poderes da legislação ordinária, o Governo,à época do Plano Cruzado, conseguira intervir e interferir o suficiente para desorganizar a economia - em especial o abastecimento alimentar. Apesar do seu esforço, esta parte foi mantida. 11. Exploraçãoestatal de serviçoslocais de gás canalizado (art. 25, par. 2) — A UB queria suprimir a palavra “estatal”. Segundo seus representantes, o Brasil vivia “clima de desestatização” e a inclusão desta palavra era, certamente,resultado de um equívoco. Mas o equívoco foi da UB, que perdeu.
12. Competência do municípiopara suplementar a legislaçãofederal e a estadual (art. 37, item II) - Apesar de a UB ter brigado pela supressão total do dispositivo — por achar que essa outorga seria “uma temeridade” —, ele foi aprovado. Neste caso,
os interesses localistas e eleitoreiros do Centrão falaram mais forte.
13. Competência do TST (art. 111, par. 2) — A UB pretendeu suprimir a
oração “limitando os recursos às decisões dos tribunais regionais, nos dissídios indivi-
duais,nos casos de ofensa a dispositivo desta Constituição ou de lei federal”. Segundo a UB,a limitação não atendia aos empregadores, que não queriam ficar à mercê das decisões do TRT. A entidade ganhou em parte, já que a questão da competência foi remetida à lei complementar.
14. Competência normativa da Justiça do Trabalho(art. 120, par. 2) — A UB pretendia suprimir o seguinte trecho: “podendoa Justiça do Trabalhoestabelecer normas
e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao
trabalho”. Para a entidade, a concessão do poder de legislar à Justiça do Trabalho poderia representar um avanço para o qual o país 'não estava preparado”. Os constituintes, porém, acharam por bem considerar o Brasil preparado para este avanço.
15. Imposto sobre grandes fortunas (art.159,item VII) — A UB o considerou
de “efeito demagógico”. O item terminou suprimido. Jornal do Brasil, 170888. 245
16. Competência estadual para instituir um adicional de 5% no imposto de renda pago à União (art.l61, inciso II). Para a UB, o imposto de renda pertence tradi-
cionalmente à União. Perdeu: a competência dos estados foi preservada.
17. Conceito de empresa nacional (art. 177) — Também foi uma derrota da UB, apesarde seu esforço para suprimir todos os incisos e parágrafos do artigo, deixando apenas o que considerava como empresa brasileira aquela constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no país”. A Constituinte manteve o texto aprovado no primeiro turno, com o apoio de setores militares, de alguns políticos do Centrão e até de empresas - como a empreiteira Norberto Odebrecht, que municiou os progressistas, e a mineradora Paranapanema.”
18. Estado, agente regulador da economia (art. 180) — Segundo a UB, isto seria uma “via direta para a labirintite da economia”. Massua proposta de suprimir o artigo foi derrotada.” 19, Pesquisa e lavra de recursos minerais (art. 182) — A UB procurou a
supressão do parágrafo primeiro, sobre a nacionalização do setor, vista como restrição
“xiita”. Este item, no entanto, foi preservado. Apósa votação pela Constituinte — que
ram-se das novas disposições, multinacionais como a Bayer e a Rhodia que, segundo Ortolan, “tiveram seus problemasresolvidos”. Por outro lado, o novo texto estabeleceu que, num prazo de quatro anos, as empresas multinacionais que extraem minério e não o industrializam deverão passar para o controle de brasileiros. O fato provocou a reação do advogado Antônio Tavares, assessor jurídico da Ferteco (subsidiária da companhia
alemã Thyssen, que exporta anualmente 8 milhões de toneladas de ferro), para quem não fazia “qualquer sentido verticalizar a produção de ferro no país”. A nova carta reservou a mineração - como atividade-fim - a empresas nacionais; e mesmo permitindo a atuacão de empresas mistas, ressalvou que o poder decisório deve ficar nas mãos de residentes no país.**? 20. Contratos de risco — A UB afirmou que o slogan “a riqueza é nossa no fundo da terra” simboliza o subdesenvolvimento. Porisso, pretendia suprimir o artigo que propunha o fim dos contratos de risco na exploração de petróleo e gás. Foi der-
rotada.
21. Tabelamento dos juros (art. 197, par. 3) — A UB pretendia suprimi-lo, argumentando que, “embora o Poder Constituinte possa muito, não pode tudo”. Não conseguiu.
2% Jornal do Brasil, 03.07.88; José Lourenço disse que a emenda sobre o capital nacional era “de empreiteiros”, enquanto RonaldoCézar Coelho admitiu que o tema tinha tido tratamento “muito emocional, pois mexia com 0 lobby das empreiteiras, “muitoútil no financiamento de campanhas eleitorais!(Inácio Muzzi, Jornal do Brasil, 29.05.88) * Na percepção de vários segmentos do empresariado e de muitos parlamentares, a redução da presença da máquina estatal era uma bandeira de luta importante, que, empunhada em nome da cidadania e da eficiência,escondia outras questões:o desejo de ocupar espaços estatais com atividade empresarial privada,à custa do contribuinte - em virtude da impossibilidade de alargar ampliar o espaço de atuação econômica, sema realização de reformas profundas de estrutura. O empresiriado se opunha à tese das esquerdas - de democratização da máquina estatal - com a privatização da coisa pública. Como desdobramento destas medidas, havia a possibilidade de transformar em sucata o parque industrial do país, escancarando suas portas ao capital transnacional. Ivan Martins, Jornal do Brasil, 02.07.88 *»Ivan Martins, Jornal do Brasil, 02.07.88 246
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poupou da nacionalização forçada as atividades de mineração das multinacionais, com vistas à sua própria produção industrial -, o advogado Luiz Carlos Ortolan, diretor jurídico das Empresas Dow do Brasil, afirmou: “Foi uma vitória parcial”.*? Beneficia-
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22. Capital estrangeiro proibido de atuar no setor de saúde (art. 204,par. 3) — A UB queria suprimir a proibição, mas a lei foi mantida. De nada adiantaram os argumentos de que “o mundo é, cada vez mais, uma aldeia global”
e de que sua
Brasil é aprovação consagraria a restrição ao capital estrangeiro “nesta área em que o tão carente”,
23. Mercado interno, patrimônio nacional — A UB quis suprimir o art. 222,
“aceitar O nonsense que assim consagrava o mercado interno, alegando que não podia sob a forma de patriotada”.
modo, a sua No final das contas, a performance da UB justificou, a grosso
adamente existência. Mas a Constituinte também mostrou que, como definira antecipMais: “Os
io de interesses”. Delfim Netto, ela mesmanão passava de “um vasto dicionár e ela éa somatória desses ho, pedacin um si para u reservo um cada m, operara lobbies
interesses” — concluíra o ex-ministro. Em suma: a Constituinte terminava conserda com alguns leves vionista, isto é, conservadora como nascera, mas agora tempera
. sucesso do empredo comedi o refletia Além disso, a Carta constitucional
condimentos nacionalistas.
sariado urbano,o êxito ruidoso dos proprietários rurais e a mais recente e fogosa de-
monstração do poder militar. O empresariado preservaria o essencial —o agora e ciplinado regime de livre-iniciativa —, mas perdera em alguns detalhese interesseslocalizados, ficando na corda bambanas questões intermediárias. Já os militares haviam obtido uma vitória ampla, geral e irrestrita. militar foi mantida nos termos estipulados pela O red EM
A função interna. A sun e ão: dendo nem mesmo o direito de intervir na ordem cassados. E o parlamentarismo “dançou ao som da música da banda do quartel”.
pia. nd O presidencialismo de cinco anos e o longo mandato do não foi criado, Defesa da io ministér O foram assegurados no clima de pressão militar. atos adminis s por cassado . Os Armadas Forças das Maior Estado o lado nem reformu ficaram ao relento. E a eleg trativos, embora de cunhopolítico (como os marinheiros),
idade dos militares — que abriria a possibilidade defiliação a partidos políticos —
não vingou.
Até as
perdas seriam garantidas por ação paralela. Foi o caso, por exemplo,
do Conselho eSega Nacional: extinto pelos parlamentares, à população viu
o nascer, em seu lugar, uma Secretaria de Defesa Nacional (Saden) = criada pelofovem
Sarney —, que incorporou suas funções e poderes.
Além disso, foi criado um Conselho
de Defesa Nacional e um Conselho da República.
E após a Constituinte? Antônio Oliveira Santos coordenador da UB, aa que sua entidade “até pela força da inércia”, não pararia mais. Nas próximase a paraos governosestaduais, Câmara dos Deputados e Senado, segundo ele, o apoio E
aos candidatos identificados com os princípios do livre mercado. “A UB nunca ser:
partidária, mas já tem vida política”, ressaltou.
na Para outros, no entanto, as eleições municipais — logo spis o embate
oConstituinte — já seriam palco de vinganças e advertências aos políticos convenci
"9 Vera de Sá,Folha de . Paulo, 090588 »»s Villas Bôas Corrêa, Jornal do Brasil, 01.04.88 >"Luiz Cláudio Cunha, Jornal! do Brasil, 154187 247
nais. Candidatose partidos do Centrão — acusados detraição ou causadores do variado leque de decepcões — ficaram na mão, sem apoio político e ajuda financeira. Só a União Democrática Ruralista, plenamente satisfeita com a nova Carta,
preparou-se para a disputa muncipal, garantindo queiria eleger a maioria dos prefeitos e vereadores dos 24 estados do país. Depois,seria a vez de pensar na sucessão presidencial, Caiado chegoua alardear: “Vamoscolocar na presidência da República um homem com perfil traçado pela UDR”. Afinal, “a entidade de classe politicamente mais bem organizada no Brasil”, segundo seu líder, era *uma máquina muito bem lubrificada, revisada permanentemente, e sempre pronta a entrar em ação”.*? “Aquela altura, nos gabinetes e batalhões, devidamente retraídos (sobretudo
após as mortes de operários na repressão à greve de Volta Redonda) os militares
preferiram ficar em silêncio. Não que pretendessem calar por muito tempo: manti-
nham-se apenas em compasso de espera. Com olhos e ouvidos grudadoslá fora, nas
ruas, à espera da definição do quadro político.
*º O Globo, 110.88 “Sabemos aplicar pressão sobre cs nossos objetivos, partimos de princípios e metas de trabalho e temos união nas. mais de 300 regionais em todo o país. Não tememos as umas e gostamos muito de trabalhar”- disse Caiado, 248
a
=
Capítulo IV —————
A CLASSE EMPRESARIAL BUSCA O PARAÍSO
Com a promulgação da nova Constituição — cujo texto os pivôs e frentes móveis do empresariado viam comopalatável, embora inconsistente —, chegou a hora de arregaçar as mangas para três batalhas sucessivas: a) eleições municipais, b) produção das Cartas estaduais; e c) legislação complementar da Constituição. Para mais adiante, ficariam as eleições do Congresso, dos governadorese a revisão constitucional. Mas o ponto central e nervoso para o empresariado seriam as campanhaspela sucessão
presidencial,
O primeiro passo das entidades empresariais foi a criação de eixos entre as próprias frentes móveis, além de alinhamentos setoriais. Entre eles, vale mencionar: a) o alinhamento empresarial-sindical — aquele que visava estabelecer uma
medida-tampão: o efêmero “pacto social”, que sairia em finais de 1988;
b) empresarial-militar — umatentativa de concatenar esforços para o período preparatório da sucessão presidencial de 1989; c) empresarial-partidário — para explorar e aferir uma candidatura presiden-
cial viável;
d) tecno-empresarial-militar — para articular um programa de governo entre
as frentes, eixos e pivôs.
Estes alinhamentos — necessários para uma intervenção política efetiva e eficaz — levaram a umaarticulação de esforços que visava à constituição de coman-
dos unificados (do empresariado) e combinados com outros setores, como o militar e
o partidário. E logo apontaram na direção da consensualização de objetivos e da operacionalização sincronizada, preservando suas inevitáveis diferenças setoriais, pessoais e ideológicas, e congelando o seu efeito político desagregador. Eventualmente, poderiam engrossar um estado-maior geral(estratégico) e conjunto (de campo) de uma “Santa Aliança” conservadora — cristalizada na possível revitalização do MCRN — ou de uma “Entente Cordial' renovadora — com a criação de um movimento de con-
249
vergência das elites empresariais. Mas estes estados-maiores serão de alcance ainda maior, levando em consideração as eleições de 1990 (deputados, senadores e governadores) e até o acompanhamento do futuro governo. Devidamente articulados, estes órgãos ainda poderiam ser transformados no embrião de uma nova geração de elites
orgânicas no cenário político brasileiro, cujo estopim seria a disputa presidencial.
Naquele momento, porém,ainda se definia o adversário central, suas linhas de
apoio e auxiliares
im como os adversários secundários. Desenhava-se o perfil da
situação, das posições de cada força — inclusive o potencial do próprio empresariado — e as opções de movimentos.
Depois de definir as frentes de luta, a tarefa prioritária dos vários órgãos do empresariado, articulados em comandos unificados, seria a de criar unidades de ação tática e de condução de campanha, capazes de agir nos vários campos da política: sindical, partidário, parlamentar, empresarial, eclesiástico, militar, da mídia, cívico-popular etc. Para viabilizar esta inserção nos diversos campos da política, seriam necessárias formaçõesde batalha para a manobra a finta, para o impasse e o desgaste, para o enfrentamento de posições e de movimento, para o confronto de flanco e o choque frontal, para as investidas na diagonal e na lateral, além de linhas de batalha e contenção para o impasse dirigido e a neutralização do adversário — enfim, para as escaramuças políticas e propagandísticas, incessantes e cumulativas.
Osrecursos de que dispunhae a predisposição para a ação medidae calculada fariam do empresariado uma coligação formidável de forças, especialmente se alinhadas com a Sociedade Política Armada. E seria uma coligação ainda mais poderosa, se contraposta à apatia, à desinformação e ao desnorteamento da população. Isto, sem falar na fragilidade de organização dos partidos progressistas e dos movimentos so-
ciais, então marcados por pequenasrivalidades, personalismos, vícios sectáriose barreiras
doutrinárias, que impediam a vital junção de esforços e a maximização de recursos políticos escassos.
AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS Apesar disso, o empresariado urbanoenfrentou as eleições municipais de 1988 sem muitas chances. O pleito aconteceu num clima de descrédito e impopularidade do
governo e dos partidos, de falta de credibilidade no próprio empresariado e de crescente irritação e desencanto popular, sobretudo das camadas médias urbanas. Mais ainda: o empresariado não se empenhou nas candidaturas de políticos e partidos que o haviam decepcionado ou traído. O grau de defesa da iniciativa privada na Consti-
tuinte, aferido em estudo do Fórum Informal, serviu de base à decisão de conceder recursos financeiros aos candidatos confiáveis.! Os dados do desempenho dos consti-
tuintes, fornecidos pelo Serviço de Processamento de Dados do Senado, foram analisa-
sigiloso do Fórumconcluiu que os maiores defensoresda livre iniciativa nas votações do segundo tumoforamos parlamenPrancisco Domelles, José Lourenço, Carlos Sant'Anna, Jorge Bomhausen, Daso Coimbra, Cunha Bueno, Amaldo Prieto, luly Neto, RubemMedina, Ruberval Piloto, amargo, Valdeck Orelas, usto Rocha, Gilson Machado,Irapuan Costa Júnior, Jacy Scanagata, Jorge. José Egreja, José Teixeira, José Lins, Levy Dias, LuísEduardo Magalhães, Luís Roberto Ponte, Narciso Mendes, Oscar Corrêa, Paes Landim é Amaral Neto. Afif Domingos,ausente da ita, foi considerado excessivamente liberal.(O Globo, 23.09.88) 250
dos pelo secretário-geral do Fórum dos Empresários de São Paulo e consultor político da Fiesp Nei Figueiredo. Com esse estudo, o Fórum teve condições de definir a quem cederia recursos, de forma velada. Outras entidades empres: seguiram o mesmo método.? O empresariado ainda vivia os desdobramentos de suas 23 batalhas na Cons-
tituinte. Se, por um lado, não teve tempo nem condições de preparar-se paraaseleições
de forma unificada, por outro o próprio perfil municipal (repleto de questões localizadas) impediu sua concatenação. Assim, cada entidade empresarial cuidou de seu espaço geopolítico. Para o empresariado urbano, mesmo sendo uma batalha perdida de antemão,as eleições municipais serviriam deteste e balão de ensaio do poderio eleitoral das esquerdas e de alguns caciques conservadores. Além disso,o pleito funcionaria como elemento depurador do quadro partidário da direita. Restava ao empresariado absorver o impacto da derrota prevista e os desdobramentos de sucessose fracassos daí resultantes. Em São Paulo,as eleições de 88 enterraram, mais uma vez, a candidatura de
Paulo Salim Maluf, apesar do apoio da Frente Janista, num esquema articulado por Wilson Pereira,o principal estrategista da campanha de Jânio Quadros em 1985. Maluf perdeu nareta final, atropelado pela candidata do PT, Luiza Erundina. A derrota abriu
espaçoà afirmação de Jarbas Passarinho como articulador nacional do PDSe eventual integrante de uma dobradinha presidencial ou mesmo como candidato.” Mas o grande nome do empresariado paulista, deputado federal Afif Domingos, nem chegou a concorrer. Preferiu deixar sua vaga para João Mellão Neto — sobrinho do ministro das Relações Exteriores, Abreu Sodré, e secretário municipal de Administração do prefeito Jânio Quadros —, já pensando na sucessão presidencial. Nolançamento de sua candidatura, dias após a troca do PTB pelo PL, Mellão
— que também é proprietário rural nos municípios de São Manuel, Marília, Teodoro Sampaio e Tietê, no interior paulista — afirmou que o empresário Antônio Ermírio de Moraeslhe prometera ajuda. Paraele, o fato era de “grande importância, porque Ermírio fora o vencedor, na capital, das eleições para o governo em 86. E arrematou: “O povo
não o esqueceu”.º Pelo visto, o povo andava de memória fraca.
NoRio de Janeiro, a derrota foi de Álvaro Valle, outra liderança de projeção do PL, em quem haviam apostado os empresários cariocas e muitos uderristas. Da mesma forma, nas grandes prefeituras do resto do país, os partidos da situação e os candidatos vinculados ao Centrão passaram por maus momentos. As eleições munici-
pais consolidavam a presença do PT nocenário nacional e o renascimento partidário
do PDT.
Já os setores articulados em torno da UNDDtiveram magro resultado, com a reeleição de Wilson Leite Passos e a vitória, na Câmara municipal carioca, do capitão
Jair Bolsonaro,da reserva do Exército — o mesmoque fora preso,julgado e absolvido pelo Superior Tribunal Militar, por seu envolvimento na operação “Beco Sem Saída”,
um plano de explosão de bombas em quartéis do Rio, em protesto contra os baixos 20 Globo, 28.09.88, 3 Jornal doBrasil, 031188 * Jornal do Brasil, 07.07.88 30 Globo, 07.07.88 * Jornal doBrasil, 25.03.88 251
salários da tropa. No dia da posse, Bolsonaro recebeu os cumprimentos de João
Figueiredo e do general Newton Cruz, anunciado como seu “padrinho”.” Outros candi-
datos a vereador, da mesma área ideológica e do mesmo estado, não tiveram a mesma sorte: foi o caso do coronel José Ávila da Rocha (colaborador de “Letras em Marcha” e ex-comandante da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, que ele organizara para
o prefeito Jânio Quadros); Arnaldo Farah (filho do ex-deputado federal e ex-senador EM de Janeiro, Benjamim Farah); Jorge Naum (PTB); e Pedro Ivo Freire Rostey B).
O Partido Nacional Socialista (Panaso), dirigido por Armando Zanini Júnior, comemorou a eleição de Cláudio Galvão de Castro, único prefeito nacional-socialista,
na cidade de Aparecida, em São Paulo, e a eleição do vereadorcarioca Wilson Leite Passos.” Cláudio Galvão, que se elegeu pelo PDT, seria posteriormente afastado do
partido *por sernazista”.!º A respeito de Wilson Leite Passos,diria o jornal “Letras em Marcha”: “Aos 15 anos, ele já defendia a eugenia em artigos publicados em jornais E Hoje, aos 61 anos, continua a apresentar projetos para o aprimoramento da raça”, A única estrutura empresarial pronta para a disputa municipal era o eixo UDR-MDU. A organização de Ronaldo Caiado começou a preparar-se em março de
88, quando suas 245 regionais se reuniram em Brasília para selecionar seus candidatos, excluindo somente os filiados ao PT e aos PCs. Este esforço foi parte de uma tentativa de fazer “primárias rurais”, para indicar os candidatos representativos dos “anseios da agricultura”, comodiria Caiado. Para ter o apoio da UDR, o postulante deveria “assumir publicamente, com a classe ruralista, o compromisso de defesa dos
princípios da livre iniciativa e das instituições democráticas”. O esforço da entidade também incluiu a tentativa de levar os proprietários rurais de todos os portes a transferirem seustítulos eleitorais para as regiões onde tinham suas propriedades. Com isso, a UDR começava a mudar o mapaeleitoral do interior, definido comoterritório político de sua responsabilidade.!?
Já em maio de 88, Caiado prometeu que a entidade seria o *grande cabo eleitoral” dos candidatos que comungassem com sualinha política. Para isso, a UDR fez um minucioso levantamento da posição assumida pelos 559 constituintes durante
as diversas votações de matérias de interesse da entidade. “O mínimoquese pode fazer em agradecimento ao constituinte que apóia o nosso pensamento é dar a ele trabalho e voto. E é isto que vamosfazer”, explicou Caiado.A essa altura, com mais de 230 mil filiados, a UDR se preparava para a luta partidária, fora do âmbito da Constituinte e poroutros objetivos políticos. Não só tinhaa idéia de criar um instituto de pesquisas, nos moldes do Dieese, mas também uma assessoria jurídica e financeira para o pro-
dutor rural.
Houve outras inovações. Sem apoiar partidos, mas apenas indivíduos afinados
com seus princípios, a UDR passou a estimular as candidaturas de seus próprios membros
? Os vínculos de Bolsonaro com Cruz já vinham dos tempos da prisão do capitão, no 8º Grupo de Artilharia de Campanha, onde serviu de 83 a 86. (Florência Costa, Jornal do Brasil, 29.1.88) * Letras emMarcha, agosto de 1988; Letras emMarcha, setembro de 1988; Letras em Marcha, outubro de 1988 * Demi Azevedo, Folha de São Paulo, 01.03.89 “e Jornal do Brasil, 12.0689 “! Letras emMarcha, Dezembro de 1988 “Jornal do Brasil, 16.03.88; Relatório Reservado, 23/29.05.88 10 Globo, 19.05.88 252
— sobretudo nos pequenos centros, onde as estruturas partidárias convencionais não eramtão efetivas, dependendo do apoio dosfazendeiros. “Temoslevado essa idéia por todo o interior, procurando estimular os produtores a dedicarem quatro anos de suas vidas para administrar suas comunidades, seguindo os ideais definidos pela UDR”, dizia Roosevelt Roque dos Santos.!! Além disso,a entidade se propôs a filiar todos os parentes de seus membros nos municípios onde eram proprietários, para alargar o círculo de cabos eleitorais.! Indo mais longe ainda, a UDR interferiria na própria indicação de candidatospara as prefeituras e câmaras de vereadores justificando-se em termos cívicos e criticando “as convenções municipais casuísticas”. Nelas, segundo seus líderes, o delegado do partido “não representa a vontade do povo”!
Enquanto isso, o braço urbano da UDRtratava de ter um candidato próprio
para cada câmara de vereadorese, se possível, em cada prefeitura do país. Para isso,
segundo Fernando Rosa Carramaschi, também presidente da Associação Nacional das
Corretoras de Valores (Ancor), o Conselho Nacional do MDU alinhavou os principais
pontos do programa político a ser defendido por seus candidatos.”
A UDResperava ganhar em pelo menos 50% dos múnicípios, segundo
avaliação do coordenador nacional Cesmar Moura. Já Caiado, apósvisitar 14 Estados em 30 dias, acreditava que a UDR elegeria, em cada um, pelo menos a metade dos prefeitos e vereadores.'* Em alguns casos, por garantia, a entidade apoiava todos os candidatos à prefeitura, desde que não fossem do PTou declaradamente de esquerda. Caiado não escondia que a participação da UDR nas eleições municipais era
também um balão de ensaio treino para a sucessão de Samey, assim comoa participação nadisputa pela presidência colocaria em jogo a corrida pelos governos estaduais em 1990 e as eleições para o Congresso.!” A UDR continuava a pensar inteligentemente, em manobras e campanhas sucessivas e encadeadas, que construíssem sucessos entrelaçadose sequenciais.? “Aprendemos com a esquerda que nunca devemos queimar etapas. A eleição municipal de agora é a etapa quefalta para fortalecermos uma futura candidatura presidencial”,afirmou Caiado?! O resultado foi positivo para a UDR,que conquistou 1.246 prefeituras, entre elas as de Cuiabá e Rondonópolis, no Mato Grosso; Araguaína, no Tocantins;
Uberlândia e Uberaba, em Minas Gerais; Araçatuba, em São Paulo; e Cachoeira do Sul,
no Rio Grande do Sul? A eleição de Lúdio Coelho para a prefeitura de Campo
Grande, em Mato Grosso,foi sintomática. Até então, nenhum membro desta família 4 Relatório Reservado, 26.10/1111987; O Globo, 100688 15 16,03,88 1º O Globo, 22.04.88 “ Jornal do Brasil, 040688 "O Globo, ILJOS& º Folha de São Paulo, 160588 “O Globo, 151.88; O Globo, 1512.88
1 Jornal do Brasi, 27,0488 Campos, do PRC (sigla auxiliar da UDR),apoiado por umacoligação. 220 Globo, 15.12.88; Informe JB, Jornal doBrasil, 212.88. Siqueira de 1973, menos o PT e o PMDB ganhou, apesar de umdossié do SNI,mandante eleitoral estranhíssima — que inclufa, praticamente todosos partidos, e de crimede falsidade ideológica,além de suspeito de ser homicídio de suspeito terras, de rileiro onde aparecia como estelionatáro, de assassinato(Augusto Fonseca, Jornal do Brasil, 131188) respaldo de seu. para a prefeitura de Campo Grande comapoio uderrstada UDR 220 Globo,LAB; Lúdio Martins Coelho, do PTE,foieleitoà festada da região, vitória ter sido promovida pelo diretor territorial irmão Hélio Coelho,presidente do sindicato rurallocal. Apesar do Brasil, (Jornal ele. disse Leôncio Souza. Brito, seu presidente, Fernando Junqueira, não participou das comemorações. “Não pega bem”, 281.88) 253
— composta de fazendeiros, banqueiros e políticos — havia conseguido um cargo
público via eleitoral. E agora Coelho se elegia com 70% dos votos.”
NoRio de Janeiro, o eixo MDU/UDRapoiou o peefelista Rockefeller de Lima para a prefeitura de Campos.” Em Recife, a UDR conseguiu estrondosa vitória com a eleição de Joaquim Francisco Cavalcanti, ex-ministro do Interior, por quem os uder-
ristas torceram desde o lançamento da campanha.” Em Mato Grosso do Sul, a entidade
ganhou com 44 dos 72 prefeitos e 2.600 dos 4 mil vereadores, segundo anúncio de Fernando Junqueira. Paraele, o resultado indicoua erradicação do “voto de compadre”,
pela cada vez maior conscientização política do meio rural. E considerou um sucesso a participação da UDRnopleito, financiando ou oferecendo estrutura de mobilização
aos candidatos. As derrotas sofridas foram atribuídas ao “amadorismo” com que se atuou em certas regiões. Finalmente, arrematou: “Só se conseguirá mudaro país através
das bases e não trocando o presidente”?
Na verdade,as eleições municipais foram um “alerta vermelho” paraas classes dominantes. A disputa desenhou um novo mapapolítico a partir das prefeituras e um prelúdio das tendências de um novopaís, do ponto de vista social e ideológico. Foram derrotados os políticos tradicionais e os partidos que compunham o Centrão. Isto ficou patente sobretudo noscentros urbanos, onde o eleitor podia cobrar,pela negação do seu voto, a atuação dos conserviológicos. O voto de protesto no interior, nas cidades
pequenas e especialmente nas zonas rurais e grotões era muito mais difícil de detectar, até pela ausência de partidos e candidatos nitidamente oposicionistas. Apesar do triun-
falismo da UDR, haviam sobrevivido o voto de cabresto e a intimidação.
Era hora de os políticos botarem as barbas de molho. O futuro era incerto. As
classes dominantes não podiam mais contar com aqueles partidos, nem os políticos voltariam a colaborar impunemente. A expressiva votação do PT foi um sinal de novos
tempos. O eleitor urbano descarregara nasigla a sua frustração e advertira partidos e
políticos tradicionais de que o momento exigia, no mínimo, o devido retoque nas atuações convencionais. Para muitos, fazia-se necessário inventar novas agremiações.
O sucesso do PT levaria o presidente Samey a mais um esforço de modela-
mento de opinião, advertindo queasvitórias do partido representavam uma ameaça à harmonia social e à convivência política pacífica. A preocupação de Sarney com uma suposta radicalização era apoiada pelos generais Bayma Denys e Leônidas Pires
Gonçalves. Mas o ministro do Exército seria mais cauteloso em seu pronunciamento
de avaliação. Segundoo general Leônidas, a vitória dos partidos de esquerda, incluindo
o PDT,refletia o quadro brasileiro — “um momento em que a sociedade, insatisfeita
e estimulada pelos meios de comunicação,reivindica muito mais do que o Governo é capaz de dar”? Outros observadores apontaram, como causa dos resultados, a atuação
militar em Volta Redonda.
2 Ex-proprietário do Banco Financial, que perdeu por dívidas eleitorais, Coelho é dono absoluto de dez fazendas, duas chácaras e 43 terrenos em CampoGrande; alémde duas grandes na área central da cidade; quatro apartamentos na Barra da Tijuca, no Rio; 80 tratores; 21180 cabeças de gado; 240 cavalos e um avião. Tambémé diretor-presidente da Empresa. Agropastoril Laucido Coelho é tem ção acionária em diversas outras, inclusive bancos, (O Globo, 17.1.88) Luciana Crespo, Jornal do Brasil, 131.88 10.07.88 , 221188 “ Jornal do Brasil, V7M88 2º O Globo, 204188 254
O período pós-eleitoral era de entressafra política ampla, agravada pelas festas de fim de ano, pelo verão praiano e pelo carnaval. Para quem tinha feito seu estoque, no entanto, as coisas eram bem mais fáceis. No caso do empresariado e da área militar,
havia vigilância e articulações em curso, reforçando pontos, abrindo canais de comunicação, desenvolvendo a logística etc. Todavia, as inevitáveis escaramuças nãofi riam circunscritas ao âmbito eleitoral. Cartas Estaduais e Legislação Complementar
Dias depois, em dois encontros sigilosos na CNI, em Brasília, os presidentes das confederações nacionais da Indústria, Albano Franco; do Comércio, Antônio Oliveira Santos; da Agricultura, Allyson Paulinelli; dos Transportes, Camilo Cola; e um representante da CNF elogiaram o lobby dos trabalhadores na Constituinte e não pouparam críticas à própria atuação. Decidiram começar, no início de outubro, a montagem de uma estratégia única de atuação, para tentar influir com competência na elaboração da legislação complementar e das Constituintes estaduais.” Os líderes empresariais pretendiam encaminhar as propostas dos anteprojetos de lei através das confederações — o que assegurava a centralização e a coordenação da UB e ainda manteria a unidade de reivindicações dos vários setores. Algumas federações de indústria, como as de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, que já tinham as suas propostas prontas, decidiram não encaminhá-las aos parlamentares de confiança, até que as outras entidades tivessem os seus projetos na mão.?! Os assessores das confederações ligadas à UB começaram a elaborar os
anteprojetos, definindo alguns itens básicos, que visavam estabelecer o consenso e não
dispersar forças em questões menores. Pretendiam atuar em duas frentes:
1. para assegurar
o princípio consagrado na Constituição Federal, de que a livre iniciativa comanda a
economia; 2. para que a criação de empresas estatais nos estados só pudesse ocorrer
após a aprovação das assembléias legislativas.”
Naelaboraçãoda legislação complementar, a UB não abria mão dedoisitens: a briga para que não fosse aumentada a licença-paternidade — provisoriamente fixada em cinco dias — e a luta pela redução do teto de 40% do FGTS, estabelecido para o pagamento de indenizações aos demitidos sem justa causa.” Os empresários também examinaram algumas das questões abertas à revisão constitucional, que seria realizada cinco anos depois da promulgação da Constituição. Entre elas, a proibição de as empresas estrangeiras atuarem no setor de mineração — item que pretendiam derrubar, mesmo sabendo que a Carta só exigia quatro anos de
carência para a normalização das firmas do setor.
Embora decidida a não repetir as vacilações que haviam dificultado sua atuação na Constituinte, a UB não dedicaria muita atenção à questão das Cartas estaduais. Considerava que aquela luta seria engolida pela sucessão presidencial. Bastaria preser-
*º Dora Tavares, Jornal do Brasil, 1610.88 * DoraTavares, Jornaldo Brasil, 1610.88 *º Dora Tavares,Jornaldo Brasil, 1610.88 * Dora Tavares, Jornal do Brasil, 1610.88 3 Dora Tavares,Jornal do Brasil, 1610.88 255
var alguns itens mais importantes e mantê-los em acordo com a Constituinte. Já a legislação complementar seria manejada por departamentos jurídicos e por medidas administrativas ou de negociação política de âmbito reduzido. Na realidade, havia que economizar esforços e concentrar o peso dos recursos políticos na sucessão de Sarney.
Para todososefeitos, as Cartas estaduais eram preparadas no anonimato mais
melancólico. A sucessão presidencial tomava conta dopaís, apesar da tradicional apatia do eleitor comum.
A CAMPANHA PELA SUCESSÃO PRESIDENCIAL Para o empresariado, a sucessão presidencial não era simplesmente uma batalha,
mas uma guerra político-propagandística, a ser conduzida através de campanhas simultâneas, evitando confrontos ou, se possível, minimizando-os. Seria, mais que nada,
uma campanhaeleitoral assentada na construção de imagens pela mídia. O sucesso ou
fracasso na batalha final — as eleições — seria, assim, uma conseqiiência da construção política e propagandística anterior, desenvolvida ao longo das campanhas. Nada poderia ser descuidado, nos campossindical, partidário, militar, dos trabalhadores urbanos
e rurais, das classes médias, das associações cívicas, da mídia, das estruturas religiosas
etc. E o próprio campo empresarial teria tratamento especial, visando à formação da consciência de classe e a disposição política do empresariado para a luta vindoura. Isto implicava não só a condução conjunta e ordenada das ações — incluindo a preparação de condições para o surgimento e atuação do estado-maior estratégico e de campo —, mas a formulação de projetos e programas de governo e Estado, com umacan-
didatura capaz de empolgar a população.
Osroteiros de ação teriam de incluir operações defensivas, defensivo-ofen-
sivas e nitidamente ofensivas, em vários campos, nos parâmetros das diversas campanhas políticas e propagandísticas, superpostase entrelaçadas, de tal forma que resumissem a estratégia e a tática, além de definir estágios e fases operacionais, medidas
conjunturais e contingentes a serem tomadas. Dependeriam de uma série de questões e da resolução de alguns problemas — sobretudo da definição de um candidato palatável e de repercussão social, e de um tema aglutinador de campanhae de ressonância política, que pudesse competir com a proposta de reforma social das esquerdas, como
bandeira de luta, chegandoaté a esvaziá-las. Nesse sentido, era impecávelo ideário dos empresários, militares, políticos e intelectuais do Movimento Cívico de Recuperação Nacional (MCRN) de São Paulo, baseado na anticorrupção, na moralização administrativa e na luta contra os privilégios.
O empresariado e suas forças auxiliares logo perceberam queera necessário levar em conta a múltipla caracterização dos campos políticos: as arenas de luta, os canais de penetração e presença social, os meios e recursos de atuação e os focos de ação. O esboçoe definição desses estágios, fases e medidas a serem tomadas, os cursos de ação possíveis e o desenhoefetivo de tais cursos dependeriam do encaminhamento das diversas questões prévias e movimentos preparatórios. As novase velhasdireitas, ao procurarem definir, delimitar, discernir e preparar-se para agir sobre seus aliados, forças alinhadas e linhas auxiliares; sobre os diversos campos, os candidatos adversários e as áreas-problema, também visualizaram a necessidade de vários movimentos. Tais ações não seriam realizadas necessariamente em
256
1
1 ordem cronológica, mas de forma recorrente e entrelaçada, imbricada e mutuamente apoiada. Os movimentos eram:
a) limpar o “pátio interno” — Isto implicava em três linhas de preocupação e ação: apaziguar as própriasfileiras do empresariado, prepará-lo para compor
uma frente de luta consensual e criar ou acionar órgãos capacitados para
formá-lo politicamente.
b) “estruturar” a frente de luta partidária e política — o queincluía a definição das candidaturas, de acordo com as circunstâncias: viáveis e desejáveis ou
confiáveis (Quércia, Aureliano, Collor, Osíres Silva, Afif Domingos, Maciel); possíveis (por exclusão dos desejáveis ou confiáveis — caso de Jânio, Passarinho, Ulysses, Antônio Carlos, Íris Rezende, Álvaro Dias, Affonso Camargo); ou possíveis em último caso (Covas, Waldir); ou não desejáveis,
mas necessárias (Leônidas). Assegurar a frente de luta partidária significava também delimitar as relações com a área militar e “arrumar” a área sindical, visando desagregá-la ou ao menos neutralizá-la, na esperança de
vê-la engrossar as fileiras de um candidato de direita. Isto proporcionaria
o desejável colchão de apoio e a necessária caixa de ressonância popular.
c) concatenar esforços entre os diversos segmentos,frentes, pivôs e eixos de poder, para a criação de um estado-maior estratégico e de campo — não
havendonível de organização suficiente para dar profundidade,sentido e impacto de atuação com visão de conjunto, o empresariado continuava
amarrado a questões de curto prazo. Para ter uma visão de maior alcance, havia que estabelecer órgãos capacitados. Esta tarefa exigia duas grandes definições: como lidar com a UDR — quepretendia ser um estado-maior autônomo — e como lidar com as forças políticas inconvenientes (Maluf,
por exemplo) e linhas auxiliares (grupos e grupelhos diversos, civis e militares) indesejáveis e confluentes. Havia também a preocupação de como assegurar a logística, os recursos e a estrutura de ação, uma vez definidos
osaliados,as forças alinhadas,os adversários principaise as áreas-problema.
A Limpeza do Pátio Interno Apesar de todos os esforços, o empresariado mostrava deficiências de organi-
zaçãoe estrutura de poder. Para sanar o problema, César Rogério Valente, presidente da Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul (Federasul), propôs
a outros dirigentes de associações comerciais — entre eles Amaury Temporal — a
criação de uma fundação de estudos empresariais, “visando à sedimentação dosprincípios
e à reeducação do empresariado para o enfrentamento preciso-de dificuldades da política econômica”.* A Fiesp, decidida a participar diretamente da sucessão presidencial, inclusive
apoiando algum candidato, decidiu criar um Conselho Superior de Orientação Política
e Social, cuja instalação foi assim justificada por Mário Amato: “O empresário brasileiro não entende muito de política”. O conselho,ligado ao Instituto Roberto Simonsen, 3º Jornal do Brasil, 11.08.88 257
seria integrado por uma série de figuras de destaque, indicando a vontade empresarial
de olhar para horizontes mais amplos. Além de membros da Fiesp e da Ciesp, foram convidadososcientistas políticos Hélio Jaguaribe, Bolívar Lamounier, Cândido Mendes e Celso Lafer; os juristas Miguel Reale (presidente do Conselho de Administração da S.A. Moinhos Santista Indústrias Gerais) e Josaphat Ramos Marinho; os banqueiros Olavo Setúbal (GrupoItaú) e Roberto Bornhausen (Unibanco e CNF); o político Nelson Marchezan e os industriais Edson Vaz Musa (Grupo Rhodia), Paulo Villares (Grupo
Villares e Movimento Cívico de Recuperação Nacional), Henry Maksoud (Grupo Visão, Instituto Liberal) e Jorge Simeira Jacob (Grupo Fenícia, Instituto Liberal e MCRN),
entre outros.
Já o Conselho Nacional do Instituto Liberal, lançado em Brasília no final de novembro de 1988, e presidido por Jorge Gerdau Johannpeter (do Movimento Cívico de Recuperação Nacional), divulgou, através de suas bases nas principais capitais do país (São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro), uma *Carta de Princípios” com suas idéias. O Instituto Liberal prometia a realização de simpósios, palestras, edição de livros e outras formas e meios de divulgação do seu ideário. O objetivo ideológico imediato era contrapor às idéias petistas um corpo doutrinário consistente. O presidente da entidade no Rio Grande do Sul, empresário Winston Ling, esclareceu que, assim como o PT colhera naseleições os frutos de uma longa doutrinação, o Instituto Liberal pretendia “mudar a mentalidade da população, progressivamente, mas mostrando que o melhor caminho não é o socialismo".*” Como parte desse entendimento, lançou um longo olhar em direção ao Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército. Osalvos do Instituto Liberal não estavam somente nas grandes cidades, mas também nas de porte médio. O esforço era concentrado nos meios já organizados, como as associações empresariais, e numa série de outros ambientes, como clubes e
associações culturais, sociais e cívicas. Na empreitada, se engajaram acadêmicos e até
militares, responsáveis pelo perfil intelectual e organizativo da instituição. Partiam do pressuposto de que a hegemonia do empresariado era um requisito indispensável à evolução política do setor. Enquanto isso, o diretor Carlos Roberto Faccina evidenciava
a preocupação com crescimento político do PT, tendo em vista as eleições de 1990.
Mas o objetivo de médio prazo político era participar da elaboração de uma visão programática e consensual do próprio empresariado. Além dosproblemas rotineiros e dos desdobramentos da atuação política ampla,
o empresariado foi obrigado a lidar com a contínua insatisfação em suas próprias
fileiras. Os descontentes se organizavam, particularmente em São Paulo, mas com possibilidades de espraiar-se para outros estados, ou de estabelecer a junção com agrupamentos semelhantes, especialmente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
O grande empresariado, que participara da criação de pivôs,frentes e eixos de
podere tivera atuação destacada no lobby sobre a Constituinte, iniciou 1989 — o ano
das eleições na maioria dos sindicatos, associações, federações e confederações de todo
o país — disposto a firmar posição em suas entidades de classe. Pretendia limpar o terreno minadopelo Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), procurando
2º O Globo, 15.02.89; O Globo, 15.03.89 *O Globo, 30.11.88 Simeira Jacob esclareceu que o Instituto Liberal defendia “o pluralismo e a altemância do poder. * Jornal do Brasil, 301188 258
reduzir a entidade a uma força inoperante no quadro institucional do setor, ou obrigá-la a sair “de fininho” do cenário político. Além disso, tentaria acertar ponteiros com
o Movimento Democrático Urbano, aproveitando a vulnerabilidade da UDR,às voltas com definições internas a respeito da sucessão. O MDU era uma peça importante, não só por seu potencial econômico e pela faixa de atuação, mas pelos 43 mil associados.
O empresário Mário Amato tratou logo de expurgar dos quadros de sua diretoria técnica alguns dos integrantes do PNBE, procurando desvencilhar-se *daquela rapaziada” que lhe fazia oposição.” A mobilização não parouaí. Os jovens empresários Paulo Roberto Butori e Bruno Nardini prometiam “agitar bastante” nas entidades de classe que davam sustentação à Fiesp. Apesar disso, era quase certo que a “insubordinação” do PNBE iria custar a um de seus mais destacados diretores, o empresário
reformista Oded Grajew, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Brin-
quedos, a vaga nadiretoria da Ciesp.'º Esta seria uma perda importante, já que o PNBE
pensava disputar a presidência da entidade.! Mas a mesma constestação estimularia, por outro lado, uma chapa de oposição no Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas (Sindimag), onde o presidente Luiz Carlos Delben Leite, do PNBE, se preparava para
disputar a reeleição.”
Procurava-se jogar o PNBE no limbo, o que poderia resultar numa jogada arriscada para a direita empresarial da Fiesp. Afinal, se houvesse audácia e determi-
nação suficiente no PNBE, seria possível construir uma ponte móvel entre esses empresários reformistas e renovadorese diversos segmentos partidários e sindicais, que
viriam a configurar o embrião de uma verdadeira coalizão de crescimento — quase rooseveltiana — capaz de mudar a fisionomia do país. De fato, o PNBE não desanimou. Organizou seminários e encontros com líderes partidários e sindicais e fez alguns frágeis contatos na área intelectual. Pro-
moveudiversas viagens de observação — como a que levou empresários a Israel, para
estudar a experiência antiinflacionária e o acordo social que a viabilizou. E inovou ao
convidar os dirigentes sindicais Jair Meneguelli e Luíz Antônio Medeiros para acom-
panhá-los. Além disso, realizou uma viagem aos Estados Unidos, em busca de respostas para o dilema da dívida externa e programou-se para visitar a área do Pacífico
Norte, à procura de subsídios para políticas de investimento, inovação tecnológica e industrialização acelerada.” O PNBE, audaciosamente, marcava distâncias cada vez maiores, de estilo e substância, com as velhas direitas do país.
Comose fosse alvo de uma manobra de pinças, Mário Amatoteria de resistir a duasinvestidas: de um lado,a tentativa do PNBE de ganharespaço na Fiesp e Ciesp; do outro, o pedido de filiação de 105 sindicatos municipais de micros e pequenas
indústrias do interior paulista. O articulador ostensivo desta última ação, que parecia
reforçar o PNBE,era o presidente do Sindicato da Micro e Pequena Empresa no Estado de São Paulo, Joseph Michael Coury. Aparentemente, ele tentava desequilibrar as relações de força no interior da Fiesp, que contava com 118 instituições filiadas. Mas
o encaminhamento desta inserção tinha o dedo de Afif Domingos, tornando a ação uma
3? Isabel Dias de Aguiar, O Estado de São Paulo, 29.0189. Para exemplificar: enquanto Amato se engajava na campanha peloscinco anos de mandato para o Presidente Samey, o PNBEdefendia os quatro anos. (Jornal do Brásil, 10.06.88) “Isabel Dias de Aguiar, O Estado de São Paulo, 29.01.89 “ Jornal do Brasil, 19.06.88 “O Estado de São Paulo, 29.01.89 “ Informe JB, Jornal do Brasil, 10.04.89 259
manobra composta e de objetivos superpostos, sublinhada pelo jogo da sucessão
presidencial. Emcontrapartida, abria-se a fenda entre o candidato do Partido Liberal
ea Fiesp, embora Afif Domingos garantisse quea filiação não significaria um “enfren-
tamento” dos pequenos com os grandes empresários. Ele admitia, no entanto, que seu ingresso na Fiesp iria mudar a correlação de forças. Mas havia uma salvaguarda para a estrutura da Fiesp. Segundo Joseph Couri,
Os novos filiados não teriam direito a voto nas eleições daquele ano, seguindo as
determinações do estatuto, que impunha um prazo de carênci a.
Para evitar embates desestabilizadores — não só entre pequena s e grandes empresas, mas também entre empresas nacionais e estrangeiras, cuja oposição fora acirrada durante os debates da Constituinte —, a CNI procurou 'modernizar-se”. Uma comissão de oito dirigentes empresariais de diversos estados passou a estudar formas de modificar a sua estrutura para enfrentar os desafios da década de 90.4 Manobrando com ousadia e sedimentado em boa costura política, Mário Amato,
praticamente reeleito, conseguiria afastar cinco diretores da Fiesp, todos do PNBE. A saída de Bruno Nardini (que passou a ocupar umadiretoria do BNDES); Paulo Butori;
Oded Grajew; Joseph Couri e Fábio Starace consolidava a posição de Amato e forjava
a unidade de ação da entidade, ampliando o fosso que separava o empresariado paulista, não só os grandes dos pequenos, mas os conservadores dos reformistas. A ban-
deira da modernidade” passava às mãos do PNBE.*”
' E Esta não foi a únicatentativa de “limpar a área”. Antes disso, algunsdirigentes da Fiesp haviam articulado, no Sindicato da Indústria da Fundição, a formação de uma
chapa de oposição a Adauto Pousa Pontes, que se candidatara à sucessão de Paulo
Roberto Butori.A disputa entre as duas correntes se alastrara ao Sindipeça s. Theóphilo Jaggi, da Cablex, com o apoio de pequenos e médios empresários e o auxílio de membros do PNBE,fizera ataquesfrontais aossetores conservadores do empresariado Segundoele, a gestão de Pedro Eberhardt fora omissa em relação à pequena empresa e ausente no contexto político, durante a elaboração da Constituição. Eberhardt , porém,
qualificou as críticas como “ingênuas”, convicto de que boaparte da prosperidade do
setor se devia à atuação de sua diretoria.” Na Associação (entidade civil) e no Sindi-
cato da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Aldo Lorenzett i, então
presidente,
desistira de seu posto, sendo indicado como seu sucessor o vice-pres idente. Paulo
Vellinho, com farta experiência de ação política desde os tempos do Ipes e, depois
disso, em associação com Mário Amato.
ú
É
7 A sucessão na Anfavea e Sinfavea também esquentou, Pelatradição dos arranjos internos, o sucessor de André Beer, vice-presidente da General Motors, teria de ser
Jacy Mendonça, diretor de Recursos Humanos da Autolatina e primeiro vice-presidente da “Anfavea, gue seria indicado em virtude do cargo. Mas Wolfang Sauer — em seus últimos dias na presidência da Autolatina e superior hierárquico — entrou nadisputa,
causando grande desconforto no momento da formação da chapa. A solução foi criar
“* Jornal do Brasil 154 89 “O Globo, 150289 4 Informe Econômico, Jornal do Brasil, 04.04.89 “º Relatório Reservado, 09/15.01,89 “O Estado de São Paulo, 29,0189 “O Estado de São Paulo, 29,0189 *º Jornal do Brasil, 14.04.89 260
o Conselho Nacional do Setor Automobilístico, que, sob a liderança de Sauer, iria
congregar fabricantes de veículos e autopeças.*!
Mário Amato também teve disposição para assumir uma posição ofensiva, ao ter que redefinir a representação paulista na Confederação Nacional da Indústria (CNI) e formar uma nova chapa para as eleições na Fiesp, tendo em vista um segundo mandato. O empresariado paulista lançou-se numatentativa de mudar o formato repre-
sentativo da CNI, visto como ineficiente, em virtude do peso dos 14 votos dos estados do Norte e Nordeste, que invariavelmente conduziam à presidência um empresário
nordestino.A questão também envolveua vice-presidência, pois a tradição recomendava queo posto fosse ocupado por um industrial paulista. Mas Amato não demonstrou muito entusiasmo em reconduzir seu antecessor, o então vice-presidente Luiz Eulálio
Bueno Vidigal.
Amato ainda pretendia promover mudanças no Sindicato da Indústria de
Artefatos de Papel, Papelão e Cortiça do Estado de São Paulo (Siapapeco), onde era presidente já há quatro mandatos. Essa posição privilegiada é que lhe permitira ocupar inicialmente a primeira vice-presidência da Fiesp (por seis anos)*e depois chegar à
presidência.A idéia de Amato era deixar a direção do Siapapeco e abrir espaço à
candidatura de Sérgio Altenfelder, diretor da Indústria de Embalagens Toga. Amato permaneceria apenas como representante do sindicato na Fiesp, o que lhe daria susten-
tação legal para reeleger-se presidente da entidade. Além disso, planejava retribuir a fidelidade de alguns dos diretores — entre eles, Ruy Altenfelder (MCRN), Roberto Della Manna, Roberto Nicolau Jeha, Feres Abujamara, Carlos Eduardo Uchoa Fagun-
dez e Walter Sacca — procurando assegurar-lhes postos de comando na Federação e
no Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp-Ciesp).*
Osares de renovação também chegariam à Associação Comercial do Rio de Janeiro. Extremamente complexas e apresentando inúmeros problemas — de candidaturas, de demandas regionais, de reforma de estatutos, de críticas às velhas práticas —,as eleições, ali, escondiam a questão central: o controle da poderosa Confede-
ração das Associações Comerciais do Brasil, cuja presidência era tradicionalmente ocupada pelo titular da ACRJ.º A presidência da Cacb, desta vez, era disputada por mais outros dois estados, nas figuras de César Rogério Valente (Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul — Federasul) e Iran Reis Correia (Federação
das Associações Comerciais de Minas Gerais), duas lideranças empresariais que haviam tido atuação destacada durante a Constituinte. Na área financeira, também houve novidades. O passo mais importante foi a ascensão de Leo Wallace Cochrane Júnior, vice-presidente do Banco Noroeste S.A,, às presidências da Febraban e Fenaban, dando novoalento às entidadesclassistas e, por
tabela, à CNF.” Sob a liderança de Cochrane, o setor se preparou para barrar qualquer intento de estatização dos bancos, que surgisse por iniciativa dos candidatos ou do novo governo. Em seu discurso de posse, convocou os banqueiros a “entrarem nabriga,
2º O Estado de São Paulo, 29.01,89 *º Isabel Dias de Aguiar, O Estado de São Paulo, 29.01.89 *» Isabel Dias de Aguiar, O Estado de São Paulo, 29.0189 3 Isabel Dias de Aguiar, O Estado de São Paulo, 29.01.89 ** Ronaldo Lapa, Jornal do Brasil, 30.04.89 3º César Rogério Valente, O Globo,20.09.88 * Nilton Horita, Jornal do Brasil, 13.02.89 261
ou seja, participarem da vida pública nacional nas suas mais variadas dimensões”. Embora ressalvando a natural discrição de seus pares, por dever de ofício, propôs que
“como dirigentes classistas” eles se despissem de sua função bancária, passando a “ter
uma função eminentemente política”. Além disso, discordou dos que achavam que a implantação do capitalismo eficiente passaria “pelo fracasso da experiência de um
governo socialista demagógico”. E aproveitou para dar um recado ao governo: “Fazer
umapolítica recessiva no Brasil é um suicídio, poisa crise social decorrente despertari a
um vulcão enfurecido”. Finalmente, lembrou: “Quinze por cento das famílias brasileiras vivem na miséria, 35% se encontram em nível de absoluta pobreza, mais de um terço da força de trabalho ganha menos de um salário mínimo, e os 50% mais pobres do país têm acesso a somente cerca de 13.6% da renda nacional, ou seja, a mesmafat ia
dos 1% mais ricos”.8
Estruturando a frente de luta partidária e política
q
Era o momento de preparar um eixo de atuação empresarial-partidário, onde
seriam configurados os necessários canais de ação. Mas havia cinco áreas-pro blema: a) a indefinição de partidos e candidatos;
b) a inexistência de projetos políticos e programas de governo; c) a imprecisão das bandeiras de luta e das manobras de contenção e fustigamento dos adversários;
d) a falta de um eixo de apoio militar e de uma forma de neutraliza r os desmandos; e) a precariedade dos mecanismos de controle dos afoitos, aventureiros e
extremistas da direita.
Definindo partidos e candidatos A atuação do Centrão na Constituinte fora a grande responsável pelo fracasso eleitoral dos partidos conservadores nos grandes centros urbanos, Por isso, como diria
Mário Amato, após encontro do Fórum Informal, o empresariado precisava sair à cata de *uma cara nova”. Mas não só. O candidato confiável também deveria ter “um
passado impoluto” e capacidade de disputar com a esquerda, especialm ente com o PT,
visto como grande adversário após o sucesso nas eleições municipais.” Empresários e militares iniciaram uma ampla avaliação do momento e das candidaturas viáveis, em inúmeras conversas com atores políticos e intelectuais. Manejaram as mais diversas possibilidades e combinações eleitorais, misturand o civis
e tares, políticos profissionais e empresários, intelectuais e burocratas. Na verdade, as direitas não tinham candidato nítido nem capaz de empolgar eleitorad o, o que não
era novidade. Já em 1986, o empresariadoresistira a abreviar o mandato de quatro anos *º Jornal do Brasil, 03,03,89 *º Jornal do Brasil, 22.11.88 262
para Samey, por um simples motivo: não tinham um único nome para disputar a
presidência.“
Por um certo período, o empresariado namoroua idéia de lançar umacandi-
datura saída de suas próprias fileiras -um nome que se benficiasse da aura de administrador bem-sucedido e da “seriedade não-politiqueira”, em contraste com os candi-
datostradicionais. Uma das possibilidades era o empresário Antônio Ermírio de Moraes,
até mesmo em dobradinha com algum quadro político.“! As articulações para trans-
formá-lo em candidato do *centro”, sempre tendo em vista o PT (inimigo) e o PDT
(adversário), partiram de diversos focos partidários e regionais e envolveram governa-
dores, deputados, senadores, empresários, militares e, em determinado momento,figu-
ras do Planalto. Masa tentativa não frutificou. O próprio Ermírio de Moraes declinou de sua candidatura, num discurso com sabor de plataforma.E deixou a sensação de que não resistiria, numa situação de crise, ao apelo para o “ato heróico” de administrar
o país.
Já o ex-presidente da Petrobrás e da Embraer, coronel-empresário OzíresSilva,
também indicado para a disputa, afastou tal possibilidade com uma observação óbvia: “Não há mais tempo para se lançar uma candidatura que não seja a de um político profissional”. Outras saídas admitidas foram o encaminhamento de uma reforma parlamen-
tarista — quelimitasse os poderes de um presidente indesejável —; a busca de um, modus vivendi com Brizola; e a adoção da candidatura Covas.
O parlamentarismo não era aceito por todos, e não somente pela lembrança de 1961, quando fora imposto como casuísmo. Para alguns, era um sistema inadequado à realidade partidária do país. Para outros, era uma “tentativa golpista”.º E até Afif Domingos, num encontro com empresários da área de propaganda, eriquadroua idéia como“golpe das oligarquias”, que estariam com medo de enfrentar as urnas.& O nome de Brizola surgiu quando alguns empresários — impressionados com as chanceseleitorais do ex-governador — chegaram a pensar num acordo de cavalheiros com o PDT, que envolvesse questões essenciais para ambos os lados. Muitos, no entanto, rejeitaram a idéia. Em fórum promovido pelo Banco Mercantil de Crédito (BMC), em Porto Alegre, o ex-ministro Delfim Netto negou, diante de 380 empresários, que Brizola pudesse representar a salvação da direita conservadora. Além disso,
minimizou “o perigo” imputado ao PT, que via como “forma viável de poder”. Em
outras palavras: uma vez no Planalto, o partido de Lula, segundo Delfim, fatalmente
se ajustaria à realidade. Na verdade, a solução defendida pelo ex-ministro era o par-
lamentarismo.º”
Em relação a Mário Covas, vale lembrar a sugestão do industrial Antônio Ermírio de Moraes ao candidato Ulysses Guimarães, de que abrisse mão da sua candidatura em favor do senador.“ Covas era visto como a alternativa capaz de evitar
“º Jornal do Brasi, 12.11.88 +: Relatório Reservado, 07/13.12.87 Jornal do Brasil, 01.12.88; Jornal do Brasil, 08.12.88; O Globo, 184289 * Milton F, da Rocha Filho, O Globo, 08.01.89; O Globo, 160389 “4 Swann, O Globo, 034 “5 Informe JB,Jornal do Brasil, 10.049 “s O Globo, 080439 “Jornal do Brasil, 29188 *º O Globo, 01.12.88 Posteriormente, Antônio Ermírio de Moraes negaria o seu apoio a Covas, comentando que o programa do PSDB parecia mais uma “plataforma de movimento estudantil”, (O Globo, 07.03.85; Jornal do Brasil, 20.03.89) 263
tanto a vitória do PT quanto a do PDT. Mas houve resistências importantes: se boa parte do empresariado urbano via a candidatura do senador como algo palatável, o mesmo não acontecia nas hostes da UDR, que o tachavam de “xiita”. Na opinião de
dirigentes rurais como Altair Veloso e Cesmar Moura, o empresariado se enganava redondamente ao considerar Covas um aliado. Prova disso, segundo eles, fora sua
atuação na Constituinte.”
Nãotendopartidos à altura do desafio,e rejeitando a hipótese parlamentarista
e a tentação de se colocar a reboque de Brizola ou Covas, restava concorrer com indivíduos que estivessem dispostos a abraçar um programade soerguimento econômico
e político do Estado, nos moldes empresariais. Rolf Loechner, presidente da Bayer do Brasil, sintetizou essas aspirações: “Os empresários precisam de um candidato novo. Novo,nosentido de que não esteja totalmente engajado na política, neste momento”?
Flávio Telles de Menezes enfatizou que o programa a ser elaborado teria “de contem-
Plar a idéia de que o Brasil iria assumir o “capitalismo de risco”. E acrescentou que a eleição presidencial deveria ser não apenas “séria”, mas “a antevisão do futuro” e não “um plebiscito do passado”. Mais: que se não fosse possível disputar com vários candidatos,na pior das hipóteses os empresários poderiam costurar “umacoalizão nacional
em torno de uma única candidatura”.
Além da falta de candidato,havia outros complicadores — entre eles, a ambição
pessoal dos candidatáveis, que disputavam, entre si, as mesmas faixas de opinião e expectativas. Eles seriam mais de 15, em determinado momento.E embora fosse possível reduzir o número dos postulantes efetivos, as dúvidas permaneciam. Concorrer com Afif, arriscandoa novidade de uma proposta neoliberal? Com Quércia,quetinhaa dose adequada de populismo? Com Ulysses,cujatrajetória não suscitava receios e temores?
Com Jânio, que era imprevisível? Com Aureliano, o óbvio? Ou com Collor, que tinha a imagem do descompromisso?
Noinício de abril, os empresários da Fiesp finalmente traçaram o perfil do candidato ideal à Presidência da República, após a montagem, com o auxílio de jornalistas e analistas políticos, do chamado Projeto Leader”? Este deveria ser “moço”, “ter experiência administrativa”, “ter saúde” e “conhecer a vida”, não podendoser “de esquerda” nem “dedireita”, mas “de centro”.À primeira vista, poucosse enquadraram neste perfil, com exceção dos governadores Quércia e Collor, e do candidato do PL, Afif Domingos (todos empresários). No campo nitidamente empresarial, havia ainda
Oxzíres Silva e Ermírio de Moraese, por fora, Mário, Covas; ocupando o mesmonicho
de honestidade e competência de Afif Domingos, mas como opção “de esquerda”. Os
empresários já haviam percebido que era necessário evitar o choque frontal com a “avalanche esquerdista” e encontrar “uma saída lateral”. Em termoseleitorais, era o
mesmo quefalar num candidato de “centro-esquerda” "4
Mário Amato admitiu que Quércia se enquadrava nos postulados da Fiesp
(“ele é o melhor governador que os empresários de São Paulo já tiveram”), mas as“ Dora Tavares de Li ?º Informe Econômico, 13.12.88 *! Jornal do Brasil, 22.11.88 “Jornal do Brasil, 03.04.89 ?º Tereza Cruvinel, Panorama Político, O Globo, 03.04.89 *: Informe Econômico, Jornal do Brasil, 17.06.89 264
segurou que o governador não era o candidato da entidade.” No entanto, setores empresariais do eixo Rio-São Paulo exerceram as mais fortes pressões para viabilizar o postulante paulista, que consideravam “bastante confiável” e com ressonância popular.” Masapesar de todas as manobras, Quércia saiu do páreo na convenção do PMDB, após esbarrar na obstinação de Ulysses Guimarães. E não só. Ele também enfrentou a
resistência de diversos governadores do partido, o distanciamento de seu vice, Almino Affonso, e a desconfiança do Planalto, que empenhava suas fichas no ministro da
Agricultura, Íris Rezende.”
Quércia seria obrigado a ficar de fora, a menos que se abrisse uma nova brecha, no decorrer da campanha, que descartasse Ulysses. As manobras do Planalto,
buscando espaço na legislação para as cartadas de surpresa, favoreciam esta emprei-
tada. E ainda deixavam uma chance para Jânio Quadros, Oscar Dias Corrêa e Antônio Ermírio de Moraes, e até para uma dobradinha Quércia-Ozíres Silva.
Já Afif Domingos, embora contasse com simpatias avulsas em diversas áreas
empresariais, foi avaliado como inoperante em termos de ressonância popular. Além do
mais,já entrara em rota de colisão com a Fiesp.” Restava somente Collor de Mello no leque partidário.
Note-se que, além do estímulo à concatenação de esforços, havia uma cam-
panhacrescente por uma candidatura unificadora. Até Jarbas Passarinho,presidente do PDS,batia na tecla da união, como forma de garantir a chegada dos *moderados” ao segundo turno daseleições e a disputa com o candidato da esquerda. Passarinho avaliava que poderiam ser congregados, em torno da tese do candidato único, o PDS, os virtuais
postulantes do PFL e do PL, empresários como Antônio Ermírio, e o próprio Ulysses, rotulado como “homem de centro nítido”, que mantinha uma tretórica de esquerda” apenas “para agradar à esquerda do seu partido”. Passarinho parecia esquecido de que a tal esquerda há muito abandonara o PMDB, cmigrando para outras legendas.” De
qualquer forma, seu pronunciamento era o prenúncio de movimentos mais profundos
na direita empresarial, na partidária e na militar.
Mas a definição do candidato único acabou sendo adiada para o segundo semestre. Até lá, seria possível sentir o pulso popular e elaborar um programa, além de escolher os aliados, negociar com as forças alinhadas e encontrar soluções para as
outras áreas-problema. Opções extralegais e extraconstitucionais ficaram naprateleira, de onde só sairiam em caso de emergência.
Definindo projetos políticos de campanha As direitas não tinham projetos políticos para o país, mas apenas planos de campanha eleitoral. Além disso, viviam o drama de esboçar um programa de governo
?º Jornal do Brasil, 23.02.89; Tereza Cruvinel, Panorama Político, O Globo, 03,04.89; Jornal do Brasil, 03.04.89; Marco Damiani, Jornal do Brasil, 26.02.89 Segundo Amato, ninguém foitão abertoao diálogo com os empresários como Quércia. Além disso, o governador de São Paulo empossou diversos empresários, de variadas tendências, em cargos importantes do seu govemo. Foi o caso de Murilo Macedo, ex-ministro do Trabalho, chamado a presidir a Companhia Energética de São Paulo; de Boris Tabacow, guindado ao comando do Banco do Estado de São Paulo; e até de BrunoNardi, que ganhou scu respaldo para chegar 40 BNDES. 7” Ricardo Noblat, 09.04.89 7! Pouco antes,o Planalto prestigiara Ulysses, que chegou a ser saudado como estadista,ao substituir Samey, durante a viagem do presidente à Venezuela, no início de 89, 7º Iso seria confirmadoquando, em visita à Flupeme, em plena campanha presidencial, Afif Domingos atacaria os grandes empresários e, “em particular, a Fiesp, por quererem manter“o cartorialismo na economia”, que ele via como responsável pela inflação 6 pela recessão. Atacaria ainda pacto social. (Jornal do Brasil, 19.04.89) 7º O Globo, 07.02.89 265
pretensamente renovador, que se via reduzido — antes mesmo de nascer e em função das limitações dos autores — a um mero remanejamento do quadro político e admi-
nistrativo conservador. Já as idéias de reforma econômica esbarravam na ingenuidade de buscar uma inserção do Brasil na ordem internacional em reestruturação, deixando
a sociedade num estado de convalescença crônica.º No fundo, as diversas direitas eram
muito velhas ou convencionais em suas concepções sócio-econômicase institucionais.
Por isso, recusavam-se a abandonar o figurino do realinhamento conservador e do
transformismoinstitucional, embora deitassem falação sobre desenvolvimento,reforma e reconstrução. Sem um único desenho de projeto político de Estado e sem vontade
estratégica, restou-lhes empunhar bandeiras circunstanciais, travando meros embates conjunturais e de cunho reativo. Definindo bandeiras de luta na campanha e realizando manobras de contenção e fustigamento
Aselites dominantes não tinham, inicialmente, um inimigo claramente de-
finido. Agitavam as bandeiras do anticomunismo, da competência administrativa e da estabilidade social e institucional, principalmente sobre as cabeças dos alvos mais
óbvios, como Lula e Brizola. Cuidadosamente,evitavam hostilizar Covas — um aliado eventual — e até o candidato do PC, Roberto Freire — que, além de não ameaçá-las,
poderia retirar votos de outros postulantes da esquerda. Logo, porém, descobririam a
retórica da anticorrupção e da moralização administrativa, que tinham fértil terreno para crescer, comose vira na boa votação dos candidatos petistas. Já em meados de 1988, a deputada Sandra Cavalcanti, com sua conhecida perspicácia para as coisas do
dia-a-dia, mostrara o caminho das pedras. Era o momento, segundoela, da tvolta da velha senhora”, numa alusão à União Democrática Nacional (UDN). “O povobrasileiro
está saudoso de uma administração ética”, anunciava.*! E apontava o senador Mário Covas comoo político mais próximo dessa postura, justamente quandoeste frisava que chegara a hora “de devolver o país aos trouxas que pagam impostos e fazem tudo
certinho”? É que Sandra, como quase todos, ainda não dera a devida importância a Collor de Mello. Toda esta campanha estaria aliada à crítica da ineficácia do governo estatal.
Defato, a reunião de problemas como a falta de pulso do executivo, a inquietação
social difusa e passiva e a inefetividade do aparato administrativo renderia tinta em quantidade suficiente para colorir bandeiras de luta. Inclusive porque a população não era capaz de associar os responsáveis por aquele estado de coisas aos verdadeiros indutores da situação: pivôs, eixos e frentes empresariais e militares, incansáveis na
defesa do status quo. Para todos, a culpa era sempre — e somente — da dobradinha
governo & políticos.
Impunham-se como bandeirase estandartes do empresariado — pela ressonância popular que geravam e pela concomitante exclusão de temas conflitivos, como a re-
forma social e econômica — o “moralismo”, a luta contra a corrupção, a caça aos
“o Um exemplo dessa desenfreada “inserção” globalpode ser vista, num dos seus ângulos, no artigo “Concorrência sem Fronteiras”,de autoria de Georg Herz, diretor de relações extemas da Unysis, em “Letras em Marcha”, Abril de 1989. *t Informe 18, Jornal do Brasil, 31.07.88 “º Tal retórica vinha recheada de expressões como “ética na política”, “banho de caráter”e “vergonha na cara”, 266
marajás, a modernizacão do país e a austeridade administrativa. Estes temas foram
facilmente traduzidos em símbolos e slogans, podendoseresticados a ponto de engrossar a retórica do anti-socialismo. Escoravam-se na repetição de imagens e mensagens
calcadas na renovação dos países do Leste europeu e nos violentos conflitos étnicos e
políticos do mundo socialista. Anticomunismo e anticorrupção ainda teriam longavida
como bandeiras de luta, de grande ressonância social, permitindo aferir a viabilidade da reideologização pela direita.
Num primeiro momento, os projetos políticos das elites urbanas foram muito
pobres. Reduziram-se, com exceção da UDR,a uma luta defensiva e defensivo-ofensiva, além de imediatista, tendo em vista o cálculo eleitoral para assegurar a sucessão
presidencial. O empresariado e seus auxiliares partidários, o Planalto e a área militar
limitaram-se a conter o PT e o candidato do PDT, Leonel Brizola. No caso do PT,
tratava-se de barrar seu crescimento político e sua projeção social. No caso do PDT,
por seu formato partidário, o esforço concentrava-se em cercar o candidato, estabe-
lecendo os limites possíveis de suas jogadas.
A definição e o enquadramento de adversários e inimigos eram uma tarefa necessária, assim como o discernimento correto de alvos e objetivos, com suas correspondentes e necessárias ações. Esta etapa de análise e planejamento iria do final da Constituinte até o carnaval de 1989. A primeira questão a ficar evidente foi a de que havia um consenso insuficiente entre o PDT, o PT, o PSDB e.os PCs, cujas relações internase interpartidárias estavam marcadas porrixas personalistas e ideológicas. O PT
era visto comoinimigo, enquanto o PDT e o PSDB eram adversários, mais ou menos atritados com a área empresarial, mas passíveis de composição. Além disso, distinguiam-se os candidatos de seus partidos e dos movimentos que os apoiavam.
O PT eravisto como uma agremiação politicamente autônoma, com condições
e elementos para produzir iniciativas operacionais e táticas em seu espaço sócio-político, em suas regiões sócio-políticas e áreas de interesse. Havia ainda o reconhecimento da capacidade de seu candidato, Lula, de desenvolver-se politicamente. Restava saber se .O PT seria capaz de produzir as iniciativas desejadas, isto é, se detinha suficiente capacidade para organizar, visualizar e efetivar operacionalmente o seu potencial, em duas situações-chave: sob ataque aberto ou sob o impacto da erosão lenta (uma situação de impasse ou limbo induzido). E se teria condições de pensar e agir estrategicamente.
Por outro lado, reconheciam-se suficientes áreas vulneráveis no espaço sócio-
-político preferencial do PT, além de flancos partidários expostos a uma ação desestabilizadora. Mas para aproveitá-los, seriam imprescindíveis: o “sindicalismo de resultados”; uma ação efetiva de esgarçamento concreto (como a propiciada por um pacto social); a atribuição de uma imagem negativa à entidade (estimulada pela onda de *grevismo inconsegiiente”); e ações limitadas do Planalto (de cunho administrativo ou político), escoradas em pronunciamentos militares, visando intimidar a população.
Primeiro, entrou na dança o “Pacto Social”, uma proposta que vinha sendo arrastada desde o início de 1988, quando o empresariado passara a estimular uma nova
versão da idéia. Desta vez, porém, o setor não se apoiou somente na USI e no governo, mas “esperou” que Joaquim dos Santos Andrade, presidente da CGT, Antônio Rogério Magri, presidente do Sindicato dos Eletricitários, e Luís Antônio Medeiros, presidente
do Sindicato dos Metalúrgicos, todos de São Paulo, propusessem um “grande entendimento nacional”. Sob esta nova denominação, se reuniriam empresários, trabalhadores 267
e-governo, tentando deixar para trás o desgaste acumulado pela expressão “pacto social”.
Magri acreditava na possibilidade de entendimento, já que o governo, tendo definido
seu mandato, poderia começar imediatamente as negociações. Joaquinzão, por sua vez, garantia que a CGT se sentaria “à mesa,tranquilamente”, caso o entendimento nacional
se concretizasse. Ao fazer esta declaração,o presidente da entidade acabara de sair do gabinete de Luís Antônio Medeiros, que se preparava para receber a visita do governador de Alagoas, Fernando Collor de Mello.*
Como parte dessa iniciativa, retocou-se a imagem de Medeiros, que seria projetado como grande interlocutor nacional, além de trabalhador com visão de estadista. Assim mesmo,não foi fácil. Empresários resistiram à idéia, assim como a CUT — cada um a seu modo. Sem contar a descrença generalizada da população a respeito do tema. Antônio Ermírio de Moraes chegou a tachar o 'pacto” de “pura demagogia”, às vésperas das eleições municipais. Já Pedro Eberhardt viu o entendimento como a
única maneira viável e eficaz de conter a inflação.
À medida que se aproximavam as eleições municipais, intensificaram-se as pressões empresariais e do Planalto a favor do pacto. Procurava-se dar uma folga aos candidatos do Centrão, além de criar medidas que, sem parecer um “empurra-empurra com a barriga”, ajudassem o governo a chegar ao fim do mandato. O empresariado
paulista, reunido no Fórum Informal, chegou a cogitar de constituir uma entidade de abrangência nacional, que defendesse seusinteresses nas negociações com sindicatos, congressistas e Planalto. Lá fora, as greves pipocavam e Sarney reagia, afirmando que paralisação era
“um crime contra o povo”. E, de repente, a temperatura política subiu, em virtude de
um anúncio do empresário Antônio Ermírio de Morais. Mais uma vez, ele falava da existência de supostas intenções golpistas: “Ou botamos o país nostrilhos ou o processo democrático corre perigo e vamos voltar a bater continência”. A intimidação funcionou. Poucosdias depois, começaram as reuniões do “pacto social”, com membros do Fórum Informal, da CNF, da Confederação das Associações
Comerciais do Brasil (representada por Romeu Trussardi Filho), da Fiesp e da CNI. Do
lado dos sindicalistas, estavam a Confederação Nacional dos Trabalhadoresda Indústria
(representada nas discussões por seu presidente, José Calixto Ramos), a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (Medeiros) e a CGT (Joaquinzão e Magri),
apoiadas tecnicamente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).
Fator decisivo na caminhada para o pacto e sua viabilização, na primeira
semana de novembro, segundo Medeiros e os empresários, foi a participação das
Organizações Globo e do jornalista Roberto Marinho, ao colocar seus veículos de comunicação a serviço da divulgação dos entendimentos e da imagem positiva dos que deles participavam. Os que a eles se opunham, ganhavam destaque negativo.** Mas o
“novo herói do horário nobre” foi, indiscutivelmente, o sindicalista Medeiros, que apareceu na telinha com mais fregiiência que os galãs de novela. Convenientemente, a
*º Jornal do Brasil, 13.08.88 *“ Jornal do Brasil, 13.08.88 “º Jornal do Brasil, 18.10.89 “* Jornal doBrasil, 26.10.88; O Globo, 28.10.88 “O Globo, 04.11.88 "EO Globo, 06.11.88 268
poucos dias das eleições municipais, ele parecia ter eclipsado o próprio Luís Inácio
Lula da Silva.”
Maso pacto social trazia embutida uma bomba deefeito retardado: a suspeita
de que nas negociações tivessem sido incluídos projetos de conversão da dívida ex-
terna. Eduardo da Rocha Azevedo, do MDU, declarou que havia “grandiososinteresses
políticos e econômicos” ocultos nas negociações, não explicitando mais porque não podia provar. Já Mário Amato,desesperado com a boataria, debitou-a aos *maus brasi-
leiros”, que queriam, segundo ele, “desmoralizar o pacto”.
Apósas eleições municipais,a idéia do entendimento foi reforçada, em função
da crise econômica e da necessidade de espicaçar o PT, através do afastamento da CUT. Pretendia-se extrair o pacto a fórceps. Mais uma vez, os militares seriam chamados para escorar iniciativas políticas. Os ministros da área alertaram os ministros civis e o país contra “os inimigos do pacto”, que incluíam, segundo o general Leônidas, “interesses econômicos” que lucravam com a inflação, além de políticos e dirigentes sindicais que queriam transformá-la em caboeleitoral.” Com o pactosocial, esperava-se retirar do PT um canal 'de luta e de mobilização, transformando a questão sindical em mero item técnico das discussões entre o governo e o empresariado. Além disso, esperava-se retirar dos industriais de oposição
— como o PNBE de São Paulo e a Flupeme do Rio — um espaço de atuaçãolegítimo,
abortando a aproximação com a CUT e o PT.Isto se tornaria ainda mais imperioso a partir das notícias de crescimento e movimentação de um círculo de “empresários petistas” e de outro que voava para o ninho dos tucanos.” Procurava-se barrar iniciativas que poderiam conduzir à consolidação de um eixo de crescimento econômico renovador, comprometido com a honestidade administrativa e reformista, do ponto de vista social. Estas idéias, mais abrangentes do que a simples bandeira da anticorrupcção
e do moralismo udenista, poderiam fazer sombra à campanha dos candidatos de direita.
Procurou-se a afirmacão sindical “independente”, reunindo as linhas auxiliares desejáveis, os aliados e alinhados,e preparando as frentes de luta na área sindical-política e as escoras populares para os candidatos confiáveis. Medeiros era próQuércia, o que poderia ser uma vantagem, propiciando uma saída na base do populismo empresarial. Magri, por sua vez, resistia à idéia de caminhar politicamente com algum candidato, embora flertasse com a idéia de alinhar-se com Collor de Mello. Mas o empreendimentoiria por água abaixo, em consegiiência de duas medidas governamentais: a extinção da URP (queteria o efeito indesejável e inesperado
de unir a CGT e a CUT no mesmoprotesto) e o Plano Verão. Os sindicalistas re-
clamaram não só do congelamento de salários, mas da informação antecipada aos empresários, o que lhes permitiu ajustar os preços antes da sua implantação.” Isto tirou a escada de Medeiros, o queridinho dos patrões, que ficou segurando o magro pincel com o qual o governo havia pintado um novo quadro econômico.** Magri e Joaquinzão completavam retrato dostrês trapalhões inocentes e úteis. O “sindicalismo de resul-
Jornal do Brasil, 03.11.88 *! Jornal do Brasil, 17.11.88
*º Jornal do Brasil, 05.12.88 * Jornal do Brasil, 12.01.89; O Globo, 19.01.89; O Estado de São Paulo, 31.01.89; Luíz. Antônio Medeiros, O Estado de São Paulo, 31.01.89; Jornal do Brasil, 19.04.89 *! Mai-Angela Herédia, O Globo, 16.01.89 269
tados” era novamente rifado, como já o fora a USI de Antônio Magaldi; Rogério Magri; e o próprio Medeiros, com o Plano Cruzado. Os três foram obrigados a procurar outras formas de atuação e outros aliados mais confiáveis.” Já a saída de Orestes Quércia do
bolo de candidatos diminuiu as chances de entendimento e de criação de uma linha aux) na área sindical, para a sucessão presidencial. O empresariado, no entanto, colhia pelo menos um resultado interessante: a suposta primazia sindical da CUT havia sido quebrada. Brizola aproveitou o momento para fincar pé em São Paulo e obter uma base
de manobra no meio sindical. E procurou Luiz Antônio Medeiros para incorporá-lo ao PDT,chegando a oferecer-lhe a vice-presidência.” Mas o petebista Medeiros, após
um flerte rápido com idéia, rejeitou a proposta, não sem antes ouvir o governador
Orestes Quércia a respeito do convite.” Enquanto isso, o novo presidente da CGT,
Antônio Rogério Magri, que sucedia Joaquinzão, deixava no ar a possibilidade de engrossar as fileiras de apoio ao ex-governador do Rio, embora estivesse bem mais
próximo de Collor de Mello.” Finalmente, José Calixto Ramos, vice-presidente da CGT, reconduzido pela terceira vez à presidência da Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Indústria, anunciava o seu voto para Aureliano Chaves.!
A incursão de Brizola no meio sindical paulista deixou a descoberto vários outros aspectos do “sindicalismo de resultados” (de Medeiros e Magri) e do “sindicalismo de prestação de serviços” (de Calixto Ramos): eles eram diferentes do ponto de
vista ideológico, tinham perspectivas políticas diversas, mas na hora das definições,
preferiam os candidatos do empresariado. Deresto, o conturbado processoeleitoral da
CGT provocaria rachas importantes entre Joaquinzão e Magri, culminando em pancadaria e quebra-quebra no encerramento do congresso da entidade.''! Sentindo-se
abandonado por Medeiros — seu antigo discípulo — e constatando que fora vencido pela chapa única de Magri (uma chapa baseada em dólar”), Joaquinzão partiu para o
confronto com seu sucessor.!? A unidade sindical tão desejada, nos moldes do empresariado, fazia água. E já se insinuava uma revoada das 282 entidades sindicais — que haviam abandonado a CGT, insatisfeitas com a vitória da chapa única de Rogério Magri — em direção à CUT.!* Ainda houve tentativas de resgatar o eixo empresarial-sindical. Procurou-se um colchão de apoio para um candidato de renovação e buscou-se manter a desagregação nafrente de luta dos trabalhadores, subtraindo segmentos importantes de candidaturas adversárias (Brizola e Covas) ou declaradamente esquerdistas (Lula). Comoparte do esforço, o presidente do Bamerindus, José Eduardo Andrade Vieira, reuniu em Curitiba, em meados de janeiro de 89, a elite do empresariado paranaense, com o intuito de buscar uma aproximação com os representantes do
“sindicalismo de resultados”.'º* Numa reunião do Fórum Paranaense de Debates, na
Tânia Monteiro e Thais Bastos, Jornal do Brasil, 16.01.89 * Cristina Serra, Jornal do Brasil, 23.04.89 ?7 O Estadode São Paulo, 15.049; Informe JB,Jornal do Brasil, 11.04.89; Jornal do Brasil, 02.05.89; Marcos Damiani, Jornal do Brasil, informe JB, Jornal do Brasil, 06.11.88; Informe JB, Jornal do Brasil, 11.04.89; Jornal do Brasil, 20.05.89 Jornal do Brasil, 04,05.89 to» Madalena Rodrigues, Jornal do Brasil, 28.05.89 et congresso foi custeado e organizado pelo próprio presidente co Sindicato dos Eletricitários, 192 Margarete Acosta, O Globo, 01.05.89; Informe JB, Jornal do Brasil, 02.05.89; Jornal do Brasil, 03.05.89 103 Jornal do Brasil, 03.05.89 1º Relatório Reservado, 23/29.0189 270
Associação Comercial do Paraná, seria lançada a idéia de iniciar protestos contra o governo federal. Pretendiam arrancar uma “justa negociação”, dentro dos moldes do Plano Verão, minorando os aumentos dos impostos e o arrocho salarial, que já provocara perdas estimadas em 30%. A comissão de nove empresários do Fórum Paranaense também esperava desenvolver uma maior aproximação com o “sindicalismo de resultados”, numa verdadeira manobra de contenção dos militantes de esquerda. Para Carlos
Alberto Pereira de Oliveira, presidente do Fórum e da Associação Comercial, tais medidas eram necessárias para esvaziar as entidades mais combativas. Do contrário,
centrais como a CUT e a CGT logo estariam reduzidas “a um reduto de radicais”.!º
Assim, o Fórum Informal paulista recebeu o reforço do Fórum Paranaense. Em fevereiro, Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e membro do Fórum Informal, defendeu a urgente retomada das negociações
entre as lideranças sindicais, empresariais e o Governo. Pretendia realizar um novo “pacto social”, capaz de viabilizar o Plano Cruzado Novo.!º% Desta vez, o entendimento tinha outro objetivo, além de rachar o movimento sindical, escorar o governo e funcionar como manobra diversionista junto à opinião pública e ao movimento trabalhador: evitar atritos entre o setor industrial e o comercial, num' momento em que se
tentava costurar a unidade empresarial. Enquanto isso, preocupado com a viabilidade de um eixo empresarial-sindical e à procura de um candidato viável para a sucessão, o advogado Jorge Serpa se encontrava com Luiz Antônio Medeiros, no Rio.!'” Como pano de fundo, o esforço empresarial — basicamente carioca e paulista — de fazer de
Antônio Ermírio o novo ministro da Fazenda, sonhando com uma estabilização econômica que escorasse a ação de um candidato da sua preferência.
Masas esquerdas ainda seriam “cozinhadas” no molho do 'grevismo” descontrolado,nos primeiros meses de 1989. Os órgãos de informações detectaram 200 greves * em fevereiro, 470 em março e mais de 170 somente na primeira semana de abril.
Apresentados ao presidente Sarney, esses dados foram considerados “alarmantes e
prejudiciais à economia brasileira”.!º8 O *grevismo” foi equiparado à “guerra interna”! Num contexto defabricação do caos e da subversão, com alguns órgãos da mídia dedicados à construção de uma imagem negativa das paralisações e de seus militantes, inviabilizava-se politicamente a greve. E tudo isso era acrescido de uma campanha que tentava caracterizar o PT e a CUT como intransigentes e inclinados, senão para o terrorismo, pelo menospara a baderna, comoentidades atrasadas e obsoletas. Pinçavam-
-se “extremistas! e aventureiros *de esquerda”, que servissem de pretexto à estigmatização do partido e da Central Única dos Trabalhadores. Lula, por exemplo, chegou a ser apelidado de *patusco” e “brasileiro desfibrado” pelo general Arnaldo Calderari, ex-presidente da Imbel.!!º Nesta ação de modelamento de opinião, entraram em ação, mais umavez, os militares. Diversas manifestações do setor — condenandoas greves em gênero, número e grau — serviram para amolecer os movimentos reivindicatórios legítimos. O próprio Sarney advertiu “brasileiros e brasileiras” contra os “grupos radicais”, em seus discursos Jornal do Brasil, 140889 tes O Globo, 20.0289 1º Informe JB,Jornal do Brasil, 28.02.89 ts Jornal do Brasil, 19.04.89 1º Coronel Francisco Ruas Santos, Letras em Marcha, Abril de 1989 MO Letras emMarcha, Abril de 1989 21
radiofônicos. E chegou a mencionar um suposto “comando encapuzado”, que pretendia,
segundoele, invadir um jornal de Brasília e quebrar suas máquinas."
A propaganda fornecia o retrato de um país tomado pelo “terrorismo sindical”. De fato, muitas greves pecaram pelo desequilíbrio. Mas não se pode esquecer o grau
de descontentamento e o arrocho salarial a que vinham sendo submetidas diversas camadasda população, durante a vigência do Plano Verão. Vivia-se uma segiiência de
*confiscos salariais”, resultantes de medidas tópicas anteriores. Além disso, muitas manifestaçõesviolentas — comoa da Central do Brasil, no Rio — apresentavam o selo
inconfundível da provocação e do trabalho de infiltração policial. O clima de desconfiança aumentaria com a denúncia da presença de agentes do Centro de Informações do Exército na CUT e no PT, acusados de terem retirado material de divulgação.!!2 E se tornaria ainda pior após o estranho quebra-quebra nos pátios de uma montadora de veículos de São Paulo. Apesar do corajoso e sensato artigo do sociólogo Herbet de Souza, o Betinho — chamando à cordura —, o quadro de agitação e provocação política seguiu marcado pela lembrança da síndrome do Cabo Anselmo”, o agente
provocador infiltrado entre marinheiros e esquerdistas nos anos 60.!13
Oito anos após a implosão da direita no “acidente de trabalho” do Riocentro,
o novo ponto culminante do clima de intimidação seria a explosão do memorial aos
mortos na invasão e ocupação militar de Volta Redonda.!!* Mas a diferença entre o
Riocentro e Volta Redonda estava em que, no primeiro caso, se achavam implicados militares de repartições oficiais, enquanto no segundo falou-se de militares sem compromisso com órgãos do Exército ou de outras forças.!!
Enquanto o general Newton Cruz aplaudia a destruição do Memorial 9 de Novembro, um irritado general Leônidas, ministro do Exército, atribuía o incidente a uma “reação da direita”.!!$ Já o capitão-vereador Jair Bolsonaro (PDC-RJ) debitou a explosão à CUT, enquanto umacerta “Falange Patriótica” reivindicava o atentado.'!” O
ministro da Justiça, Oscar Dias Corrêa, chegou a insinuar que alguns candidatos à
Presidência da República poderiam estar envolvidos com as explosões, não somente
em Volta Redonda mas também em Recife.!'* O alvo, óbvio, era o memorial, pelo que representava para o movimento dos trabalhadores, lembrando uma ação militar que
fora condenada pela população. Mas o objetivo era atingir o Planalto e, mais precisamente, a área militar. Definindo o apoio militar e neutralizando desmandos
Definir aliados e concatenaresforços também incluía acertar ponteiros com as Forças Armadas. Isto significava não somente preservar os costumeiros canais de
O Estado de São Paulo, 15.0489 "2 Estado de São Paulo, 150489 +“ Felix de Athayde, Jornal do Brasil, 10.04.89 tt Folha de São Paulo, 03.05.89 13 Colunado Castello, Jornal do Brasil, 04.05.89. “Três pessoas foram citadas como envolvidas noincidente: o general Leone daSilveira Lee,chefe do Estado Maior do Comando Militar do Sudeste, Antônio Affonso de Serpa Pinto e Carlos Barbieri Filho, advogado, empresário do setor de transportes e ex-presidente da Liga Mundial Anticomunista,sediada em Taiwan. O Globo, 30:05:89. O Estado de São Paulo, 05.03.89;Jornal do Brasil, 30.05.89 Marcelo Auler, Jornal do Brasil, 31.05.89; Jornal doBrasil, 10.06.89; O Globo, 03.05.89; O Globo, 04.05.89; Luiz MaklufCarvalho, Jornal do Brasil, 27.05.89; Jornal do Brasil, 28.05.89 te O Estado de São Paulo, 03.05.89 H7 O Estado de São Paulo, 03.05.89. O oficial licenciado da Marinha Mercante Armando Zanine Júnior, fundador da Falange é dirigente do Partido Nacional-Socialista (Panaso), de ideologia nazista, negou qualquer ligação como atentado. HE O Globo, 03.05.89 272
comunicação e diálogo, mas manter uma presença simbólica, através de diversas manifestações. Umadelas foi a inauguração do Museu e Monumento do Expedicionário
Brasileiro, construído sob o patrocínio dos empresários Antônio Ermírio de Moraes, Olacir de Moraes e Mário Amato. A cerimônia contou com a presença do general
Leônidas que, após o evento, fez questão de ressaltar a “missão interna” das Forças
Armadas.!!º
Só que sincronizar esforços implicava esvaziar a candidatura do ministro do Exército. Convidado por parlamentares a disputar a Presidência da República, em fins de 88, ele afirmara: “Se as forças de centro entenderem que meu nome será uma solução para o país, não me furtarei a essa obrigação”.!? E mais: “Não tenho essa ambição pessoal e só aceitaria a missão para completar a transição democrática”.!2! Embalado por alguns congressistas, o general Leônidas corria por conta própria. Sua postulação só seria possível e viável — aos olhos do empresariado — num cenário de confronto catastrófico, isto é, um segundo turno entre dois candidatos do trio LulaBrizola-Covas. Assim, correndo por fora do sistema partidário, estimulada por membros do Centrão, com esparso apoio empresarial e algumaresistência na área militar, a candi-
datura Leônidas parecia ser apenas um balão de ensaio — algo que poderia aferir o
nível de reação à presença militar.” O deputado Luís Eduardo Magalhães, militante do Centrão, advertiu os congressistas para que não insistissem nessa pretensão. “Os
mesmos parlamentares que desejam vê-lo presidente se esquecem de que o colégio eleitoral já acabou”, disseele. E acrescentou: “Os votos agora são contadoslá fora. E
lá fora certamente será muito difícil o general Leônidas conseguir apoio, porque a população não quer ver de novo um militar no comandodopaís”.!º Com sua mineirice, o deputado peefelista Oscar Dias Corrêa indagou: “Mas por que legenda ele se candidataria?”. 124 Para alguns, tal candidatura não passava de uma finta, com o objetivo de
lembrar aos diversossetoresda direita a necessidade de encontrar um candidato comum contra as esquerdas. Caso contrário,a alternativa seria aquela. O próprio general Leônidas mostrava-se preocupado com a desarticulação e fraqueza dos partidos das várias direi-
tas, eufemisticamente chamadas de “centro”. Eles disputavam as mesmas fatias do
eleitorado,e, ao individualizarem seus candidatos, poderiam ter seus votos transforma-
dos em “votos úteis” para o adversário, já com candidatos definidos.!?
Um dos arautos mais animados da candidatura Leônidas era o senador João
Menezes (PFL-PA), que via no general um homem capaz de “manter a ordem com
pulso forte” e “congregar todas as forças liberais do país”.!é Para Menezes, o ministro
era uma espécie de “denominador comum dos representantes da livre empresa, da
segurança, da garantia da família, da propriedade e do relacionamento com todos os países do mundo”.!27 O senador assegurava que a candidatura do general não era miliHº O Globo,28.01.89 “o Jornal do Brasil, 15.12.88 “1 O Globo, 16.12.88 “2 O Globo,16. 23 Jornal do Brasil, 15.12.88; Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 17.12.88 tt Jornal doBrasil, 15.12.88 “3Jornal do Brasil, 15.02.89 16 O Globo, 13.12.88 12 Jornal do Brasil, 15.02.89. A reportagem noticiava que haveria um encontro no apartamento do senador, abrigando 12 parlamentares da região amazônica para uma conversa politica com o ministro do Exército, em que discutia a “proteção da região amazônica”. Se esse fosse o tema,seria relevante para uma discussão aberta no Congresso, com o general expondo seus pontos de vista e sugestões no foro apropriado. Um encontro privado dessa índole só poderiaserinterpretado comolobby político a favorde sua candidatura de demandasparticulares do Exército na região. 273
tar.'Ela haveria de sair através de umacoligação de partidos, “como fator de segurança da transição democrática”, capaz de barrar as intenções de Lula e Brizola.!? As elites careciam de “tropa social” e de “caixas de ressonância cívico-popu-
lar”. Já tinham sacrificado os partidos no altar do Centrão e imolado as lideranças na arena da Constituinte, além de terem rifado sua força auxiliar incipiente, o sindicalismo de resultados, no Plano Verão. Não tinham nem mesmo “marchadeiras” reclamando da subversão: agora,elas se queixavam da alta do custo de vida. Apesar disso, ou até por isso, os militares começavama darsinais de inquietação. O jornal “Letras em Marcha”,
da direita militar, falou em “cruzada democrática para salvar o Brasil de uma ditadura
socialista”.O general Euclydes Figueiredo, da UNDD, convocou a uma “cruzada pela democracia”.! O coronel de artilharia R/1 João Cassetta afirmou que chegara o momento de os militares apresentarem seus próprios candidatos e pensarem em “mudar a atualsituação,através de umaatuação política”.!? Fernando Vergueiro (vice-presidente
da Cedes, diretor-secretário da Sociedade Rural Brasileira e presidente da Comissão
Diretora Regional provisória do Partido Trabalhista Renovador) fez inflamados artigos, incentivando a retomada de “uma militância séria de direita”.Mas o front ainda era
dos políticos de partido.
Limitando a atuação de extremistas e afoitos Um dos maiores problemasera lidar com candidaturas vistas como aventureiras (Maluf); com os candidatos instáveis e não partidários (Jânio) ou sem partido (Caiado) e os
extremistas organizados. O candidato 752
Derrotado na disputa pela prefeitura paulistana, o eterno candidato Maluf
passou a defender a formação de uma frente multipartidária para disputar as eleições presidenciais de 89. Maluf não descartava a possibilidade de que seu próprio nome encabeçasse o movimento, que deveria incorporar o PDS, o PFL, o PTB, uma ala do FMDB e outra do PSDB, sem contar as organizações não partidárias, como a UDR.
Marcava a sua posição, apresentando-se como porta-voz do “centro progressista”, em defesa da livre-iniciativa.!! Seu amigo Roberto Paulo Richter (empresário, coordenador da campanha e presidente regional do PDS) garantia que Maluf estava embalado
nos quase 25% de votos obtidos na capital paulista e nos sete milhões conquistados
pelo partido no interior do estado. A idéia de unir todas aquelas agremiações, para compor um “centro” político, também era defendida por Delfim Netto e Heitor de
Aquino, embora não necessariamente com o ex-governador,"*
1% Leônidas diria ao senadorCarlos Alberto(PTB-RN), em meados ds fevereirode 89,que nãopretendia “se lançar em aventuras”, embora admiisse que não se furtaria a esse dever, “se houvesse consenso das farças de centro” sobre o seu nome. Segundo o senador Menezes, os simpatizantes do ministro-candidato já chegavam, no Congresso, a quase cem parlamentares. “2Jornal do Brasil, 15.12.88, 13º LetrasemMarcha, Dezembro de 1988 14 Letras emMarcha, Janeiro de 1989 “2 Ombro a Ombro, Janeiro de 1989 v3 Ombro a Ombro, Fevereiro de 1989; Ombro a Ombro,janeiro de 1989; Ombro a Ombro, Dezembro de 1988 “% Jornal do Brasil, 30.11.88 833 Ana Maria Tahan, Jornal do Brasil, 20.11.88 274
Na convenção do PDS, Maluf derrotou o prefeito de Florianópolis, Esperidião Amin, provocando a renúncia do presidente nacional do partido, senador Jarbas Passarinho. Com este, saíram o vice, senador João Castelo (MA) — que logo “colloriu” —s o secretário-geral, deputado Víctor Faccioni (RS); e o Iº tesoureiro, senador Afonso Sancho (CE). Com o PDS fazendo água por todos os lados, assumiu a presidência o deputado Delfim Netto, encarregado de pilotar a instável nave ocupada por Maluf. O deputado Bonifácio de Andrada — então vogal da Executiva Nacional e que depois seria escolhido vice de Maluf — informou que o Diretório de Minas Gerais decidira
dar um prazo de 60 dias para que o candidato provasse que era viável.!6
A candidatura Maluf comprometeu os esforços de composição política do
PDS, que viera mantendo suas portas abertas para possibilidades como Jânio, Caiado
ou Collor, além de acordos com os dissidentes peemedebistas e peefelistas, composições e dobradinhas em geral.” Mas abriu uma opção à direita. O ex-tudo: muito ruído e poucas vozes
ê
Jânio Quadros, que pretendia ser uma solução, foi mais um complicador nos
arranjos do empresariado. O Movimento Popular JQ mobilizou seus adeptos e montou comitês e “casas de Jânio”. O industrial paulista Paulo Figueiredo alugou salas em Brasília.Empresas de marketing agitaram a vassoura, símbolo maior do janismo. Segmentos políticos de diversos partidos — entre eles o PSD, o PDS, o PTB, o PDC e siglas menores — se dispuseram a acolher o candidato. À procura de um vice para Jânio, a direita teceu variadas dobradinhas, incluindo Antônio Carlos Magalhães e Jarbas Passarinho (com o beneplácito de Delfim Netto).!? Após umalonga novela — recheada de indecisõese fintas, anúncios de *marchas
para o centro-oeste”, jogos de “esconde-esconde”, aparições histriônicas,frases de efeito,
silêncios indecifráveis e viagens internacionais ou imaginárias, que se arrastaram durante
meses — tudo desmoronou. Num rápido comunicado, proferido do alto da sacada de sua residência, Jânio — alegando doença — decidiu encerrar sua carreira política.!º Ou não?!*! O anúncio foi feito no tom e no estilo inconfundíveis do ex-presidente — talvez as únicas coisas certas, partindo dele —, deixando a sensação de que, num
eventual impasse político, ele estaria disponível.!t
Encurralando os “touros broncos” Estimulada pelos resultados obtidos nas eleições municipais, a UDR redobrou
esforços para preservar — no período de entressafra, que viria com asfestas de fim de
1% Jornal doBrasil, 17.05.89. +? Coluna do Castello,Jornal do Brasil, 17.05.89 Informe JB, Jornal do Brasil, 16.05.89 » O Globo, 25.02.89. O Globo, 08.04.89 A mesma que fora negada,ainda emabril,por seu assessor de comunicação, Augusto Marzagão,ao afirmar que a candidatura de Jânio estava “sólida como uma rocha”. 14º Coluna do Castello, Jornat do Brasil, 03.12.88; Jornal do Brasil, 26.01.89; Folha de São Paulo, 02.02.89; Jornal do Brasil 22.02.89; Helena Chagas, O Globo, 28.02.89: Tereza Cruvinel, O Globo, 28.02.89; Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 24.03.89; O Estado de São Paulo, 09.05.89: Jornal do Brasil, 12.05.89; Jornal do Brasil, 13.05.89; Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 17.05.89; Jornal do Brasil, 19.05.89; OGlobo, 2104.89; O Globo, 16.05.89; Teresa Cruvinel, O Globo, 16.05.89; Jornal do Brasil, 28.05.89 +%? Marco Damiani, Jornal do Brasil, 07.05.89 215
ano,o verãopraieiro e o carnaval — a sua presença no meio político, sobretudo naárea
rural. Procurava realizar intervençõessignificativas, que justificassem a prontidão interna da entidade e lhe dessem repercussão.
Com essefim,noinício de março,a entidade preparou um congresso nacional
da UDR Jovem, numa campanha de investimento maciço na juventude, de forma a
criar militantes políticos defensores da livre iniciativa”.!3 Enquanto isso, o MDU
procurava projetar-se, resolvendo problemas nas cidades. Propôs, entre outras coisas,
a transferência de favelados para áreas urbanizadas por empresas privadas.* Mas a idéia teria a sua credibilidade arranhada, quando um intempestivo Caiado sugeriu a transferência dos favelados para a Amazônia. !4
A queda livre da UDR
A imagem da UDRfoi seriamente golpeada quando do assassinato de Chico Mendes, militante do PT presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre. A ilação que se fez dos assassinos com a entidade e desta com o clima de
violência na região, assim como a repercussão do crime — a vítima era conhecida internacionalmente porsua luta ecológica em defesa da Amazônia — marcaram defini-
tivamente sua atuação.!º Nem a declaração de Romeu Tuma, diretor-geral do Departamento de Polícia Federal, isentando a UDR de participação no assassinato, aliviaria a pressão.!” O próprio deputado Ricardo Fiúza, muito próximo da entidade, assinalou que Caiado ficara “comprometido demais com osradicais de direita”. Com isso, foi
enterrado o sonho de fazer do líder rural o candidato de uma coalizão das forças empresariais urbanas e rurais, dos membros do Centrão e de agrupamentos como a UNDD c a ABDD.º Num anoeleitoral, diante de problemas de ordem política e propagandística,
a UDR mudou dediscurso, procurando ajustar-se à necessidade de enfrentar as “ruas”! Sinal dos novos tempos foi a reação do líder ruralista Roosevelt Roque dos Santos à
hipótese de outro crime no campo. Ele prometeu o imediato repúdio da entidade, que exigiria rigorosa investigação. E garantiu que, se os culpados pertencessem à UDR,
seriam sumariamente expulsos da entidade.!*! Isso não impediu que Dirceu Zamora, dirigente daentidade no Acre,se retirasse de uma reunião com o presidente do Instituto
do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, Fernando César Mesquita, em
protesto contra o embargo ao desmatamento. Já o pecuarista e deputado federal do PFL Narciso Mendes alertou que as florestas do Acre estavam se enchendo de “novos
Chicos Mendes:.!2
“O Globo, 1512.88; Informe JB,Jornal do Brasil, 16.12.88 "*Jornal do Brasil, 301188
vsJe Jornal Bras, 160549 ManoeldoFrancisco do Bras, 24,128; Sivio Matincl,Jornal do Brasi, 25.128; Ricardo Arm, Jor! do Brasi 251248: Elson Mann,Bi, JornalJoral do Bras, 25.1288; Augusto Fonseca, formal do Brasil, 25:12.8% Silvio MasiniZerado prai 261285; O Globo, 06.01.85: O Globo, 150139; L u z Lane, OGlobo, 15.01.89: Luz Maldot Cavalo, Jorn! do Ent18018, Reco Lessa, Jornaldo Brasil, 22.02.89; Jornal do Brasil, 22.02.89; Jornal de Brasil, 260289 “5 oJoral do Bras, 28.02.85, st João Branco acusaria Cai do de tr pedido à apotunidad de começar most opinião pública a bando de pistoleiros, pa due “a4 Jornal Jornal dodo Brasil, Bras, 23.02.89 23.02.89 (Dora Tavares de Lima,Jornaldo Brasi18026) om 180Jornal Globo,do Brasi, 1S0149; Joral do Brasi, 150149 vs1 Jornal do Brasi, 060339 1.0489 276
A UDRprocurava exibir uma nova roupagem, pelo menos enquanto enfren-
tasse as câmeras de televisão e os enviados especiais da imprensa.!* Logo depois dos
incidentes no Acre, a entidade se envolveu, junto com a Associação Comercial de Altamira, no Pará, na promoção de uma passeata de 15 mil pessoas e na distribuição
de cartazes, a favor das hidrelétricas de Kararaô e Babaquara, que inundariam, respectivamente, 1.225 e 6 mil quilômetros quadrados de floresta densa. A este projeto se opunham 12 nações indígenas e diversos grupos de ecologistas presentes ao Iº Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, preocupados com as consegiiências para o meio ambiente. Os dois grupos marcaram suas manifestações para o mesmo dia.!t
O encontro foi inevitável. Vanderlan de Oliveira Cruz, presidente regional da
UDR proprietário de uma fazenda de mil hectares, a 50 quilômetros de Altamira,
exibiu inesperada cordialidade. Depois de saudar o presidente do Partido Verde, Fernando Gabeira, afirmou que estava “muito contente com a sua presença na cidade”. E acrescentou que precisavam “conversar”, pois tinha “muito que aprender com os ecologistas e os índios”. O líder da UDR ainda confessou que seus pares, não sendo “espe-
cialistas” no tema, eram “capazes de dizer besteiras”.'5
Numaoutra linha de atuação, a UDR de Mato Grosso chegou até a denunciar o governador do estado, Carlos Bezerra, pelo descaso em que se encontrava o Projeto de Colonização Filinto Miiller, de 307 mil hectares, no município de Aripuaná, a mais de mil quilômetros de Cuiabá. E mostrou, em vídeo, a situação de penúria em que se
encontravam cerca de 90 famílias de pequenos lavradores.!S Mais: a UDR e seu candidato, Ronaldo Caiado, forneceram alimentos e remédios ao Conselho da So-
ciedade de Amigos de Bairros de São Paulo, para que a entidade os revendesse na
periferia da capital. Os produtos, que foram entregues ao presidente do conselho, advogado Francisco Biagini, ex-militante janista, seriam vendidos a preços acessíveis à população.!*?
Além disso, a UDR buscou adotar um discurso de tintas “nacionalistas”, de
afirmação da soberania em relação à Amazônia e de não-ingerência estrangeira na região. Sem deixar de atacar o PT, Lula e a CUT (“eles precisam de cadáveres”, afirmou, aludindo à repercussão do assassinato de Chico Mendes), a UDR posava de
defensora dos camponeses e da floresta.'8 Afirmava que os 4.5 milhões de hectares de terras da Amazônia Legal não podiam “ser tidos como horto florestal da Europa e dos Estados Unidos”, mas pregava a ocupação da região com cidades e indústrias, “para
torná-la produtiva”. Caiado chegou a denunciar o que chamou de “jogo internacional da esquerda” e “interferência de organismos internacionais”, como o Banco Mundial,
acusando os “falsos defensores da ecologia” de agirem com o apoio do capital transnacional. Na sua opinião, eles queriam “criar uma onda mundial para barrar o
desenvolvimento da Amazônia”.!*
As mudanças de tom não impediram que a UDR sofresse mais uma derrota. Acionando boa parte do Centrão para fazer de Paulo Mincarone, deputado dissidente
1» Asânio Seleme, O Globo, 19.02.89 t% Ricardo Amt, Jornal do Brasil, 18.02.89 De fato, Kararaô sera o primeiro empreendimento do complexo hidrelérico de Altamira, que deveria inunda nada menos do que 18.000 quilômetros quadrados de floresta, atingindo as terras de sete nações indígenas, * Ricardo Amt, Jornal do- Brasil, 2112.89 18º O Globo, 15.01.89; Jornal do Brasil, 15.01.89 187 O Globo, 09.05.89 2º OGlobo, 0601.89 ** Globo, 15.03.89; Jornal doBrasil, 160549 27
do PMDB-RS, o novo presidente da Câmara, em oposição a Paes de Andrade (PMDBCE), a entidade viu seus objetivos frustrados. E isso apesar de ter investido cerca de
300 mil cruzados novos na campanha, que contou com a ajuda adicional do ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, e de vários empresários gaúchos.!º Estes últimos patrocinaram diversas viagens ao Rio Grande do Sul para 350 deputados
e suas famílias, que ainda ganharam, além devisitas a fábricas e associaçõesclassistas, bons descontos em comprase passeios turísticos. Os gastos foram calculados em cerca
de | milhão de cruzados novos.!S! Paes de Andrade desabafou: “Fiz votos demais. Lutar contra esta máfia é difícil”. Na verdade, a UDR saía do páreo, trocando o brilho do papel principal pelo
lugar de coadjuvante na grande peça empresarial. Já a UNDD, quetinha perdido João
Figueiredo, ficava sem uma ponta de lança e um projeto de eixo eleitoral, enquanto
setores importantes do empresariado urbano e de outras associações rurais respiravam
aliviados. Embora os “touros broncos” não tivessem sido domados, estavam encurralados.
Essa nova situação obrigaria a entidade a repensar suas opções políticas para a sucessão presidencial. Se até dezembro de 1988 a UDR defendia o lançamento de, no
máximo, dois nomes “a favor da livre iniciativa” — negando sua intenção de formar partido ou lançar Caiado como candidato —, agora as coisas mudavam.!** Quase um ano antes das eleições presidenciais, Caiado anunciava que a entidade não teria can-
didato próprio e, até por isso, admitia examinar a candidatura de Ulysses Guimarães, “um homem com credenciais”. O líder rural, que pouco antes se reunira com 271 dos 319 presidentes regionais, também garantiu que ele e a UDRseriam “bons cabos elei-
torais” do candidato que atendesse aos “interesses da classe”, reiterando que não lançaria nome próprio porque isto seria um “erro grosseiro'".!4 Dois meses depois, no entanto, Caiado já estava na corrida presidencial, gastando toda a sua energia.'$* “Na Constituinte, definimos garantias para a terra
produtiva. Mas o presidente eleito em 89 terá força para eleger a maioria do Congresso
em 90. E este Congresso terá condições de rever a Constituição. Então, esta é a hora
de parar ou vestir a camisa da garra, da luta e do confronto. A cabeça de ponte para preservara livre iniciativa no país é a UDR. Não à estatização, não à corrupção e não à república sindicalista brasileira” — afirmou, em um de seus primeiros discursos de
campanha.'% Só faltava um partido que o acolhesse e lhe desse cobertura eleitoral.!S”
Que fez com que ele mudasse? Além da velha e conhecida 'mosca azul”, pesaram as articulações do empresariado urbano — que exclufam o potencial e as
demandas da UDR — e a multiplicidade de candidaturas, cada uma procurando afirmar
sua presença e ocupar a maiorfatia de influência possível. Cesmar Moura, coordenador
*"e Tereza Cruvinel, PanoramaPolítico, O Globo, 210289 ** Jornal do Brasil, 16,02.89 “e Jornal do Brasil, 160289 'ºJornal do Brasil, 27.04.88 Caiado anunciara,arrogantemente, em maio de 1988 que “partido não interessa”, E acrescentava que a UDR “descobrindo que população gostaria é de votar em alguém — um médico, um professor — que nunca atuou na política”, Caiado concluía que “se este alguém” se identficasse com as teses da UDR, a entidade investiria, transformando-o em candidato. Vencendo a eleição, a UDR montaria a sua base política. te O Globo, 15.12.88 19 Dora Tavares de Lima, Jornal do Brasil, 16.02.89; O Globo, 22.02.89 1 O Globo, 22.02.89
te? À UDRformaria um novo partido — Democrático Nacional (PN) —,cuja criação foi registrada no Diário Oficialde 13 de março “de 1989 e mantido em reserva comoeventual veículo do candidato Caiado. O manifesto do PDN foi assinado, entre outros, por 17 dirigentes regionais da UDR (O Globo, 16.03.89). 278
nacional da entidade, deixou entrever as razões: “Não adianta lutar, se não tivermos poder para dar consegiiência às nossas rei jindicações”.!% Caiado pretendia marcar a
presença da UDR e obrigar os setores empresariais a comporem com ele para o segundo
tuo. Era um risco calculado, tendo em vista a dispersão da direita, ameaçada de perder para Brizola e Lula. Ao mesmo tempo, a UDR, segundo Altair Veloso, não
podia permitir que a sociedade se visse forçada “a escolher o menos pior” entre esses
dois candidatos.!?
Apesar do estardalhaço propagandístico em função da sucessão presidencial, seriviria a UDRtinha em mente um outro alvo: as eleições de 90. A campanha eleitoral
para adubar O terreno e azeitar a máquina, dando tempo à maturação da entidade.
o objetivo Controlar, ou, pelo menos ter uma presença preponderante no Congresso era
central.
Além de apontar a pulverização da direita, a entidade de Ronaldo Caiado não via com bonsolhos a maioria dos candidatos. Umadas raras exceçõesera Afif Domingos,
considerado “confiável mas sem poder de mobilização”. O senador Jarbas Passarinho, amigo de longa data, era visto como alguém “muito ligado ao regime” e, portanto,
impróprio para o discurso oposicionista que se fazia necessário. Da mesma forma, era difícil chegar a compor com Íris Rezende, postulante do PMDB, embora o mii istro qa Agricultura elogiasse Caiado, que via como um digno” e um “nomequeeu respeito”. Os uderristas tinham várias dúvidas em relação à candidatura de Caiado. O vice-presidente da UDR de Campo Mourão(PR), Celso Reves,seperguntava: “A UDR deve continuar como associação de classe ou passar a ser partido político? A UDR morre, se não lançar candidato? Sefizer candidato, tem chance de eleger? Interessa a Caiadoo risco de sersacrificado agora ou é melhoresperar por 947"! Gilberto Scopel, já tinha do Rio Grande do Sul, no entanto, daria sua aprovação, ao dizer que a UDR
“o seu cavalo de raça”.'”? Caiado não perdeu tempo e montou um sofisticado escritório de campanha no Hotel Aracoara, em Brasília, em seis espaçosas salas, cedidas pelo à E proprietário, o pecuarista e dono da Construtora Irfasa, Wainer Faria (ligado Planalto). do Criadores dos desde a sua fundação e então presidente da Associação
A máquina política já estava estruturada: envolvia as 350 regionais e 400 sedes da
entidade,espalhadas por todo o país.!'t Assentada em centenas de milharesde filiados, a UDR se descobria como um parapartido."*
Após concluir que não seria conveniente ou possível, em tempo hábil, criar um partido, Caiado pediu sua liberação aos 600 delegados regionais, para pa ne-
gociações com partidos diversos, visando à formalização da sua candidatura."
Mas
várias dificuldades vieram à tona,enfatizando isolamento da UDR.Asdireitas urbanas
e os setores rurais tradicionais temiam que a campanha presidencial obrigasse a entidadea constituir seu próprio estado-maior operacional e tático, levando-a a um patamar
O Globo, 220289 "2 O Globo, 22.02.89
Jornal do Brasil, 16.02.89 Jornal do Brasil, 160289 so
DO a cd Bo0 ds e 14 Dora Tavares de Lima, Jornal do Brasil, 16.02.89
219
organizacional indesejável para os interesses do empresariado urbano: de parapartido
a máquina paraestatal.
Conseguir uma sigla foi outro problema. A legenda do PSD, criada para dar cobertura a uma pretensa candidatura do general Figueiredo e leiloada por um grupo
de ex-malufistas, foi a única oferecida a Caiado.!”? Seu presidente, Luiz Pacces Filho,
já a oferecera ao ministro Íris Rezende — que recusara a negociação, em menos de cinco minutos — e ao ministro da Cultura, José Aparecido, representante de Jânio
Quadros."8
Caiado, porém, preferiu o PDC — quenãoo tinha convidado — e, ao filiar-se à regional de Goiás, aproveitou para repetir o seu novo discurso, prometendo um governo “participativo e aberto”. Além disso, elegeu, como inimigos públicos prioritários, a inflação, a impunidade, o clima de ingovernabilidade e “o estatismo desmesurado”. E anunciou a retomada “de uma caminhada que a força do arbítrio inter-
rompeu há 25 anos”.!?º
Para sua surpresa, encontraria enormesresistências à sua candidatura.º O senador Moisés Abrão (PDC-TO) afirmou que Caiado cometera três erros: lançou-se sem consultar nenhum partido ou procurar uma legenda, pretendendo sair como can-
didato “das bases” e dos ruralistas; cometeu a “síndrome Maluf”, isto é, tentou se impor,
sem ser convidado, a uma pré-convenção do PDC, causando enorme mal-estar; e apresentou-se comocandidatoclassista, o que “sempre provoca reações contrárias muito violentas”.!! Rejeitado pelo PDC, Caiado teve de se contentar com a sigla do PSD. Apesardas dificuldades, Caiado botou o pé na estrada, enfatizando o uso do rádio para atingir as populações do interior.'? Deslanchada no Triângulo Mineiro —
“a base mais forte do ruralismo no Brasil”, segundo o presidente em exercício da UDR de Minas, Luiz Resende —, a campanha cresceu. Esperava-se o apoio do governador
Newton Cardoso e pretendia-se concentrar a propaganda nas zonasrurais.!*? Ali estava o habitat político natural de Caiado e uma boa fatia do eleitorado. Segundo o IBGE,
52% dos votantes estão concentrados em cidades com menos de 100 mil habitantes.!**
Na definição do presidente da UDR de Uberaba, Antônio Sérgio de Oliveira Marquez, Caiadojá representava “a esperança de voz”. Sobretudo ao entoar o estribilho de seu hino de campanha: “Pra juntar o que partiu/Tantos sonhos já quebrados/De um país
hoje caído/Amanhã será Caiado”.!s*
“7 Cesar Cals anunciaria essa possibilidade numa reunião, em Belo Horizonte, na presença de umas 30 pessoas ligadas ao PSD, além de Rogério Dias Assis e Gilberto Costa que se identificaramcomo integrantesda “seita Moon". Jornal doBrasil, 25.02.89 8 Luiz Lanzetta, Jornal do Brasil, 10.05.89 Com apenas dois deputados (um federal e um estadual), ambos filhos do ex-ministro das Minas e Energia, César Cals, o PSD precisava. fazer caixa para sobreviver nas eleições de 90. Pacces calculava que à UDR tinha “uns 80 milhões de dólares só para começar”. “? Jornal do Brasil, 24.04.89 to Andrew Greenlees, Folha de São Paulo, 10.05.89; Jornal do Brasil, 24.04.89; Jornal do Brasil, 260489; O Globo, 18.04.89; O Globo, 26.04.89; O Globo, 27.04.89; 18Tadeu Afonso, Jornal do Brasil, 15.05.89 Havia setores que se inclinavampor Femando Collor de Mello,outros que apoiavam Brizola e umsegmento que preferia Jânio. Os três. govemadores do PDC - Amazonino Mendes (AM), Siqueira Campos (TO) e Epitácio Cafeteira (MA) - eramcontra a candidatura Caiado. Jornal do Brasil, 07.05.89) 8 Jornal do Brasil, 27.02.89 A “interiorização da campanha",através do rádio, parece ter feilo grande sucesso, Para exemplificar, o presidente da UDRde Viçosa, Bráulio Egas Prieto, afirmou que a transmissão,a partir de uma emissora de sua cidade, atingia um público potencial de 350 mil pessoas em outras 47 cidades da região. Mas quando chegou a hora de umteste a» vivo, no anfiteatro da Universidade Federal de Viçosa, num debate organizado pelo presidente da UDR Jovem, Luciano Piovesi, a audiência foi ãopequena que o cafeicultor Sebastião Vieira falou em “vexame Jornal do Brasil, 16.05.89 8 Fernando Lacerda, Jornal do Brasil, 17.03.89; Ricardo Noblat, Jornal do Brasil, 23.02.89; Jornal do Brasil, 27.02.89 tt Tereza Cruvinel, Panorama Político, O Globo, 11.03.89 +*s Jornal do Brasil, 06.03.89; Fernando Lacerda, Jornal do Brasil, 17.03.89 280
Nascidades, além do esperado apoio do MDU,Caiadofoi incorporandofiguras
menores, de diversos partidos — como Albano Reis (PFL), Djanir Azevedo (PTN), Oton Sampaio (PTR), Daniel Eugênio e Waldir Vieira (PDC) —,e estruturando comitês
eleitorais, que, no momento apropriado, receberiam o apoio da máquina da UDR.'ss
Do lado eclesiástico, Caiado logo colheu o apoio do bispo de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, Dom Boaventura Kloppenburg. Figura de destaque da ala conservadora da Igreja, ele conclamaria seus pares, na 27º Assembléia Geral da
CNBB, a dialogar com a UDR.!*” Enquanto isso, o presidente regional da UDR gaúcha,
Gilberto Scopel, transformava a sua saudação de Páscoa, através de uma emissora de
rádio local, num áspero protesto contra a Igreja progressista. Scopel qualificou de
“hipócrita” a atuação do bispo de Cruz Alta, Dom Jacó Hilgert — por sua defesa dos
sem-terra —, e como *demagógica” a sua alegação de que fora ameaçado pela UDR. E ainda atacou o presidente regional da CNBB, Dom Ivo Lorscheider, bispo de Santa Maria, por suas “posições dúbias e astutas” em relação à questão agrária.'* Em contra-
partida, o líder uderrista elogiou Dom Altamiro Rossato, substituto de Dom Cláudio
Colling na Arquidiocese de Porto Alegre e recentemente nomeado pelo Papa, como parte dos remanejamentos internos da Igreja, visando enfraquecer os progressistas.!* Mas a UDRteria sua resposta na voz digna do presidente da CNBB, Dom Luciano Mendes de Almeida: “Ao lado de toda a violência contra os trabalhadores rurais, está a atuação lamentável da UDR”.!º A luta pelo voto jovem era outra preocupação da UDR e levou Caiado a deslocar da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará o dirigente Leonardo Lobato. Munido da experiência de organização e estudos de comportamento e expectativas que trouxera da Associação Comercial paraense, Lobato juntou-se à campanha
de Caiado em São Paulo."º! Enquanto isso, o estudante de Veterinária Marcelo de Sá Tavares Soares, mesmo morando em Nova Friburgo, passavaa ativar a UDRestudantil na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ali, ele montou uma rede de 200 militantes, sem enfrentar qualquer problema financeiro, já que o dinheiro vinha da
coordenadoria geral da entidade.'? Segundo Luís Fernando de Araújo, dirigente de
Brasília e coordenador nacional, a intenção do movimento era mostrar à juventude que
o discurso dos partidos de esquerda era “enganoso”.!? Dizia o estudante: “São Il
milhões de jovens, entre 16 e 18 anos, que vão votar pela primeira vez. Temos que despertar neles a responsabilidade do voto”.'* E enquanto a UDR se movimentava no
âmbito universitário, a direita militar dava projeção a uma certa União Liberal Estudantil, vista como “defensora dos valores democráticos brasileiros”.!º>
No entanto, havia problemas ainda mais sérios. O eixo UDR/MDU vinha sendo comido pelas bordas em seu espaço urbano, à medida que Collor de Mello despontava como candidato viável para os yuppies. Collor era a versão tupiniquim do
fenômeno americano, com sua estampa de “candidato Japeri “6 Jornal do Brasil, 14,0489 8 Dermi Azevedo, Folha de São Paulo, 11.04.89 1% Jornal do Brasil, 24.03.89 1% Jornal do Brasil, 24.03.89 19 O Globo, 150389 "O Globo, 23.02.89 “2 Marco Damiani, Jornal do Brasil, 26.03.89; Jornal do Brasil, 16.04.89 “30 Estadode São Paulo, 07.03.89 1% Jornal do Brasil, 08.03.89; O Globo, 09.03.89 !* Ombro a Ombro, Maio de 1989 281
Jovem, Alinhado,
Profissional, Escorregadio,
Renovador de Ilusões.
Mas não eram essas as únicas preocupações para o eixo UDR/MDU.Havia da um duplo “triângulo das Bermudas” (econômico, político e pessoal) entre Eduardo
Barcellos Rocha Azevedo (presidente da Bolsa de Valores de São Paulo), Sérgio Naji Nahas.” or especulad co Janeiro) de Rio do Valores de Bolsa da te (presiden no pregão Quando Rocha Azevedo colocou sob) suspeita o vencimento de opções
carioca, em meados de fevereiro, Sérgio Barcellos, que fazia parte do restrito círculo o de amizades do ex-presidente Emesto Geisel, logo reagiu, colocando em dúvida emmesmo ao se referindoou, acrescent E MDU. do líder “equilíbrio funcional” do de presário: “Não aprecio nem os métodos, nem a ideologia política, nem o seu estilo
vida”, !7
Outras divergências e manobrascontra o MDU viriam à tona num almoço em homenagem a Rocha Azevedo. O que seria um debate sobre métodos de privatização, rumosdo capitalismo e cenários políticos possíveis terminou num áspero bate-boca de
do Azevedo e seu vice no MDU, José Américo Ribeiro dos Santos, com o presidente
o BNDES, Márcio Fortes.Rocha Azevedo explicara o sentido do MDU,frisando apontara, esforço realizado para desvincular-se da imagem de braço urbano da UDR. E
comofeitos importantes, osprojetos de melhoramentona favela de Heliópolis, em São Paulo, é o apoio a vários grupos políticos de cidades do interior paulista, como
de ação da UDR e do MCRN).'”? Márcio Fortes Araçatuba e Rio Claro (duas áreas espécie interrompeu-o e perguntou: “Mas o MDU vai ser um partido político ou uma
de ação rotariana?"9
Rocha Azevedo aceitou a provocação e desfiou uma série de críticas ao empresariado brasileiro, por sua tendência a apoiar candidatos com os quais não concorda bonziideologicamente, na esperança de que, após as eleições, os escolhidos sejam
nhos”.2! E arrematou: “Como empresários, temos de vestir nossa camisa e jogar no
Ivan nosso time”.X2 Alvos dessas farpas também foram André de Botton (Mesbla), haviam que Celulose), (Aracruz Gros Francisco e dina) es-Lcopol Botelho (Cataguaz
confirmado suas presenças num jantar em homenagem ao tucano Mário Covas. O bate-boca continuou, com ataques de José Américo à privatização encaminhada pelo presidente do BNDES, Márcio Fortes. “Ela só tem incentivado a concentração de riqueza”, argumentou. A temperatura subiu a tal ponto que Eduardo Gouveia Vieira e Francisco Souza Dantas tiveram de lembrar aos contendores que se vivia um “grave momento político” e não era hora de os empresários ficarem “às turras' 2º
“we OGlobo, 220289; Jornal do Brasil, 2202:89; Jornal do Brasil, 140689; O Globo, 14.0689 1Jornal doBrasil, 220289 : ; e OGlobo, 060139 em maio de 1989, da UDR,a intenção do MDU era de realizar uma convenção,Brasil, +» Numa postura que significava um distanciamento medido 060489). do (Jornal apoiar iria entidade a que presidente a candidato em São Carlos no interior de São Paulo, para definir qual o 2% Miriam Leitão, Jornal do Brasil, 06.01.89
encome um estudo 201 Apesar de suas afirmações, Rocha Azevedo não se sentiria impedido de flertarcom o candidato o do PD',após encomendar
sobre à Ansa, pas que Bila ulizava coro exemplo de sua programação econômica(O Estado de São Paul, 0640849; Jornal doBrasil, 06.04.89). 20? Miriam Leitão, Jornal do Brasil, 06.01.89 2e» MiriamLeitão, Jornal do Brasil, 06.01.89
Cuidando das forças auwiliares não desejáveis Um dos problemas do empresariado eram os grupos de extrema direita, No
primeiro semestre de 89, cerca de 50 militantes e simpatizantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), da Ação Integralista Brasileira, do jornal *Ação Nacionalista”, da “Liga das Senhoras Católicas”, do 'Movimento Pátria e Liberdade” (fundado em 1986, em São Bernardo do Campo)e até alguns skinheads reuniram-se, na sede de um
certo Sindicato de Profissionais Liberais, para trocar idéias sobre o momento político.?*
Para surpresa de muitos, lá estavam, também, um diretor da Federação do Comércio de São Paulo, Rafael Noschese, e outro da UDR,Gilberto Adrien, além de militares
da ativa e da reserva e integrantes de grupos neonazistas.” O dirigente da Ação Integralista Brasileira Antônio Carlos Meirelles conclamou seus pares à união, diante
da agressividade do PT, quejá estaria “armando gente” e mantinha, segundoele, campos de treinamento para o manuseio de explosivos e armas”.
De acordo com João Marcos Fláquer, um dos dirigentes do antigo CCC, ainda
se discutiu “a rearticulação de toda a extrema direita” para combater as candidaturas
presidenciais de esquerda, principalmente Lula, Brizola e Covas. Segundo ele, a in-
tenção era reunir as organizações identificadas com “um discurso anticomunista e nacionalista” numa entidade única — a “Ação Nacionalista Democrática” (Ande).º A variedade de nomes e siglas de extrema direita denunciava o “jogo da
multiplicação”, um truque para dar a impressão de grande penetração e disseminação de idéias. Em alguns casos, porém, era uma mera questão de diferenças pessoais. E havia as siglas que serviam de fachada à ação paramilitar. Masfosse qual fosse a real significação desses grupos, o fato é que eles inauguravam uma nova fase de união das forças auxiliares, com vistas à criação de linhas móveis de ação, na tentativa de equacionar a sua concatenação operacional com outras organizações. N
Antes de fazê-lo, porém, teriam de superar as suas diferenças em relação ao candidato desejável. Fláquer considerava Afif Domingos um: “homem ponderado” e descartava Jânio: “Ele foi um bom prefeito, mas seu'tempo já passou”. Já Maluf, para o militante do CCC, há muito encerrara sua carreira política. Enquanto os integralistas discutiam a conveniência e a viabilidade de lançar
uma candidatura pelo Partido de Ação Integralista (PAI), Antônio Carlos Meirelles, da
AIB da Seita Moon,escolhia Ronaldo Caiado, o “grande candidato da direita”. E via Jarbas Passarinho como “um grande nome para a vice-presidência” 2” Já Anésio Lara
Campos — que acumulava a presidência da AIB, do Movimento Integralista Brasileiro (fundado em 1983) e do recém-criado Movimento Participativo Nacional Socialista (Parnaso) — se inclinava por um candidato monarquista. E os membros do Movimento
20 Jornal do Brasil, 2601,89 25 Jornal do Brasil, 26,01,89
“Ação Nacionalista (dirigida por Rômulo Augusto Romero Fonte, - Pan, que já fora secretariado por Antônio Carlos Meirelles); a Ação Nacionalista Revolucionária (herdeira da Ação Nacionalista Brasileira, fandada em 1965, e da Ação Juvenil Nacionalista, criada por estudantes do Colégio Pedro TI); a Frente Nacionalista (fundada em 1986 liderada por Genivaldo Borichello, da cidade de Santos) Aliança Nacionalista Revolucionária - ou Popular (vinculada à Aliança Social Nacionalista Democrática Popular e por Nei Motn, ex-informante do Cenimar, que atuara, na décadade 70, na Ação Nacionalista Brasileira); Movimento Social Italiano - Direita Nacional (representação paulista do seu congênere da Itália e coordenado por Nicolo Mazzola); a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TPF(liderada por Plínio Correia de Oliveira) a Associação Cultural Montfort (dirigida por Orlando Fedeli e sediada em São Paulo) 2mFolha de São Paulo, 01.03.89 283
Pátria Livre — fundado em 1986, com sede em Curitibae liderado por Gil de Almeida
— decidiam apoiar Caiado.Por sua vez, a Juventude Janista engrossava as fileiras
de Collor de Mello, visto como a reencarnação de Jânio.
OS ESTADOS-MAIORESE A SUCESSÃO PRESIDENCIAL Com um olho naultradireita e outro na área militar, o empresariado iniciou
a reformulação doseixos operacionais, criados ao longo do período de funcionamento
da Constituinte. Havia uma crescente convicção da necessidade de desenhar frentes de luta consensual, com vistas à campanha presidencial. Mas para ter sucessonas eleições
de 89, o empresariadoteria de constituir um estado-maior conjunto. Ou, pelo menos,
um comando unificado de campo e uma força operativa combinada, integrando as direções de duas ou mais articulações civis e militares. Para questões específicas ou
batalhas concretas em processo definido anteriormente, poderia reestabelecer a simples convergência operacional de pivôs, eixos e frentes.
Ainda sem projeto de estado e programa de governo, o empresariado e suas
forças auxiliares procuraram desenvolver algumas linhas de atuação e configurar eixos
táticos de concatenação. Mas estas se ressentiam da falta de concepção estratégica e, por conseguinte, de coordenação operacional e tática entre os diversos atores civis e militares. Aslinhas de atuação eram não só de cunhoreativo-afirmativo, mas também
dispersas. Assim, os diversos balões de ensaio, as conversas interpartidárias, a reorganização das estruturas de ação, a mobilização de bandeiras e de palavras de ordem
e até a atuação de contenção sindical tinham como única referência a ação — desordenada e muitas vezes com razões e objetivos divergentes — sobre o eixo de confronto
PDT-PT, os espaços de reverberação do PSDB e do PC e as áreas de afirmação sindical independente.
Nessas circunstâncias, a falta de um programa de governo e de um projeto de
Estadotornava a situação cada vez mais crítica. Ambos teriam de ser desenvolvidos, e não como declaração de intenções ou “lista de compras de supermercado”, mas como elaboração política e ação de estado-maior, de cunho estratégico e de campo. Isto incluiria a constituição de uma estrutura de idéia-ação, que pensasse e agisse simultaneamente sobre e na sucessão presidencial, tendo em vista o governoefetivo e as eleições em 1990. Comoreferência maior, estaria, evidentemente, a reestruturação do capitalismo brasileiro.” Dois itens eram cruciais. De um lado,a falta de uma organização com vontade
de poder político e capacidade de ação, desvinculada do imediatismo patronal e dos
projetos pessoais de políticos profissionais. De outro, a carência de um nexo geral de coordenação política e concatenação operacional ampla dos militantes empresariais,
que articulasse posições e recursos, sincronizando as ações no interior de uma campanha inspiradaestrategicamente. Mas que não se pensasse em conspiração anticonstitucional e golpista, e sim num movimento de afirmação institucional. Nesse sentido, foram significativas as palavras do coronel Ozires Silva, ao comentara vitória do PT. Disse ele que esperava,'com muita sinceridade”, que o partido fizesse “uma boa ermã Azevedo, Folha de São Paulo, 01.03.89
2 Orires Silva, Jornaldo Brasil, 120689
284
administração”, mesmo tendo dúvidas a esse respeito. E acrescentou: “Entretanto, não
podemos, como brasileiros, assumir a posição simplista de ficar como observadores
críticos e esperar pelo êxito deles...Pensemos sempre que nós somos atores e não simples espectadores do desenvolvimento nacional”.21º
Havia, é verdade, uma estrutura hibernando — o Movimento Cívico de Re-
cuperação Nacional —, que deveria ser reativada para esse esforço de atuação empre-
sarial. Mas isso não seria suficiente. Havia que começar a intensificar os esforços de convergência estratégica do empresariado, em termos nacionais.
Como não podia deixar de ser, os industriais seriam instados pelos remanescentes de sua elite orgânica anterior — o Ipes — a deixarem de fazer a “pequena política”. Em outras palavras: a tentarem superar o equilíbrio de forças existente?! Entrava em pauta a “grande política”, que tinha sido o leitmotiv da elite criada no final
dos anos 50 e acionada no início dos 60.
Se dermos à imagem gramsciana da “grande política” o conteúdo de atuação
integradora dos vários níveis de reflexão e ação — estratégica e tática, de campanha, de manobra e de batalha, de conjuntura e de processo, de circunstância e traço dominante, de conservação e transformação de relações de poder, de transfiguração de
estruturas e de remanejamento político parlamentar, quotidiano e de Estado — estare-
mos considerando os espaços, meios e formas de atuação vislumbrados poressaselites,
assim como o nível de organização desejado e o plano no qual se situam alvos e objetivo.?!? Aquela altura, os alvos eram dois: o imediato, que envolvia a campanha presidencial, e o mediato, qualquer que fosse o resultado da sucessão, referente às eleições de 90. E isto porque se cogitava do preparo de uma ação cuidadosa de acompanhamento do novo presidente e seu ministério, fosse ele mais ou menos simpático
ao empresariado. O objetivo era mudar a mentalidade do empresário e da população, numa perspectiva programático-política, e não somente de ação. Em outras palavras:
“fazer 1964" nos moldescivis, em termos de liderança intelectual e política. Ou seja, em termos de ação hegemônica. O modelo de organização e atuação continuava sendo
o Ipes. Restava saber se os empresários teriam o poder de articulação, o empenho político — que não se devia confundir com a agitação do passado — e o discernimento de preparo e ação. Para isso, seria fundamental a convergência de institutos, asso-
ciações e federações devidamente reformuladas, além das novas entidades, como o MCRN. Entrava em pauta a recriação — gradual, segura e eficaz — de novas elites
orgânicas.
Definindo projeto político e programa de governo º Nofinal de 88, a busca de um candidato de *centro-liberal” foi o prato principal de um almoço de empresários fluminenses com o senador Jarbas Passarinho. O
temafoi servido, logo naentrada, pelo empresário Sérgio Quintela.?:º Na mesmaépoca, 21Leiras em Marcha,Janeiro de 1989 21 René Dreifuss, À Internacional Capitalita, Editora Espaço e Tempo, 1986, pg22 “42Idem,ibidem, = Informe JB,Jornal do Brasil, 07.12.88; Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 08.02.89 285
um manifesto conclamando à união de esforços de empresários, militares e intelectuais teve sua autoria creditada, entre outros, ao general Otávio Costa, diretor da CaemiMBR (propriedade do empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes, um dos
mentores do Ipes).?* Enquanto isso, o general Rubem Ludwig, do MCRN pregava,
emBrasília, a formação de umafrente política de centro-direita.”!*
O documento de Otávio Costa, que chegou a ser apresentado a Thales Ramalho (assessor da presidência da República), seria a base de aglutinação do empresariado .e
seus aliados preferenciais.?!S Resumia o posicionamento e o consenso atingido por
líderes como Sérgio Quintela, Azevedo Antunes, João Santos, Glycon de Paiva, Reis Velloso, Hélio Beltrão, Rubem Ludwig e João Pedro GouvêaVieira.” O ex-presidente Geisel, citado entre os envolvidos com a formulação destas idéias, nada confirmou. Reis Velloso, ex-ministro do Planejamento, também evitou maiores comentários.
Adiantou apenas que se ocupava, naquele momento, de juntar idéias e informações,
através do Fórum Nacional, para abastecer um futuro programa de ação governamen-
tal,28
í
Os cuidados com que se bordaram idéias, costuraram adesões e ensaiaram evoluções deixariam com água na boca o próprio Joãozinho Trinta. Houve zelo especial na definição de quem seria convidado e, sobretudo, dos que seriam transformados em destaques. As alas também. foram objeto de atenção extrema, decidindo-se que ninguém de farda seria ostensivamente incluído. Chegou-se até a evitar que, entre os adeptos, figurasse o ex-ministro Armando Falcão, que já saíra no bloco da ABDDe da UNDD. As baterias foram mantidas em sigilo, e só seriam acionadas em surdina. Afinal, tal convergência política pretendia funcionar, entre outras coisas, como uma
espécie de comissão de frente: formada por “pessoas de larga representatividade”, seria
capaz de atrair contribuições financeiras, além de viabilizar os candidatos que evitas-
sem “opções emocionais pelas esquerdas" 2º
Os primeiros ruídos deste Movimento de Convergência Democrática foram ouvidosno início do ano,através dos jornais. Lançado oficialmente em 10 de fevereiro de 1989, na editora José Olympio, Rio, a Convergência Democrática se apresentou comoentidade quevia com olhoscríticos a eterna tentativa de *ressuscitar o mito dos homens providenciais”. Além disso, era contra “o radicalismo”, visto “sob a forma das velhas e ultrapassadasidéias do socialismo estatizante do século XIX". Seus alvos mais óbvios eram, mais uma vez, Brizola e Lula.?º
Conclamando à mobilização da “vontade nacional” e exigindo “a união, e não a dispersão de vontades e esforços”, a Convergência anunciava seu anseio de “reunir e unir” todos que desejassem “assumir responsabilidades perante a nação”. Garantindo que não pretendia substituir os partidos políticos, pregava a aglutinação, tendo em vista a construção da “verdadeira democracia - política, econômica e social".2! Ives Gandra
4 Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 08.02.89. Ives Gandra Martins, que deu à entrevista coletiva falando em nome da articulação empresarial, rebateua informação de que teriasido o general Otávio Costa principalredator do manifesto,esclarecendo que foifeito a 20 mãos. Coral do Brasil, 1.0289) *tInforme JB,Jornal do Brasil, 12.0189 té Coluna do Castelo, Jornal do Brasil, 08.02.89 *º Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 08.02.89 tt Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 08.02.89 +» Coluna do Castello, Jornat do Brasil, 08,02:89 2» O Globo, 10.02.89; Veja, 15.02.89 2! Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 05.02.89; Sérgio F. Quintella, Jornal do Brasil, 16.02.89 286
da Silva Martins, professor de Direito Econômico na Universidade Mackenzie, em São Paulo, e um dos assessores do sétor financeiro na “batalha da Constituinte”, complementou o texto do documento, afirmando que o MCD se propunha a lançar as bases de uma “revolução política nacional”, mas “não com armas, e sim com a difusão de idéias”. E atacou *os senhores feudais brasileiros”, que transformaram o povo “em
escravo da gleba do século XX' 22
Vinte e oito anos após o nascimento do Ipes, surgia o primeiro esforço estratégico de longo alcance, na área empresarial.” Nãoera de estranhar, portanto, que entre os signatários do manifesto de fundação, pudessem ser encontrados muitos
remanescentes da famosa entidade dos anos 60 e indivíduos que mantiveram diversos graus de vinculação e colaboração.?* No entanto, também estavam ali vários membros de pivôs e eixos recentemente estruturados, indicando uma certa renovação de pessoas e idéias. Entre os que assinaram o documento do MCD estavam:
Octávio Gouveia de Bulhões - ex-ministro da Fazenda do primeiro governo militar; Conselho Consultivo da Caemi e do Credibanco; Conselheiro da Cia. Souza Cruz; Conselho de Administração da Verolme; colaborador do Ipes.
Affonso Celso Pastore - ex-presidente do Banco Central; Cedes; vinculado a Delfim Netto. Alfredo Lamy Filho - advogado de grandes empresas; conselheiro da Souza
Cruz; e um dos formuladores da Lei das Sociedades Anônimas, no tempo do Ipes. Américo Jacobina Lacombe - co-fundador e ex-dirigente do Ipes.
Antônio Fernando Bulhões Carvalho - advogado; Conselho de Administração
do Banco Mercantil do Estado de São Paulo.
Antônio Paim - Professor universitário; titular do Instituto Brasileiro de
Filosofia; consultor.
Arnaldo Sussekind - ex-ministro do Trabalho do primeiro governo militar; colaborador do Ipes.
Caio Tácito - Advogado. Carlos Alberto Longo - Economista.
Casimiro Antônio Ribeiro - Banco Mercantil de São Paulo; vinculado ao Ipes. Clara Steinberg - Grupo Servenco.
Derek Lowell Parker - Grupo Montreal; vinculado ao Ipes. Ernane Galvêas - ex-Ministro da Fazenda; presidente da Associação Promotora de Estudos de Economia (Apec); vinculado ao Ipes. Gilberto Ulhoa Canto - Tributarista; vinculado ao Ipes. Glycon de Paiva - Conselho Consultivo da Caemi; co-fundador do Ipes.
“2 O Globo, 11.02.89; Ives Gandra, O Globo, 21:02:89 22 O Globo, 12.06.89 224 Oeconomista e professor Ives Gandra da Silva Martinsfaria questãode pontualizar que oprojeto do MCDnão teria qualquersemelhança. com o do Ipes (O Globo, 11.02.89), 287
Henrique Sérgio Gregori — Xerox; Crefisul; Editora José Olympio.
Ives Gandra da Silva Martins — Jurista. Jaime Magrassi de Sá — ex-presidente do BNDE; vinculado ao Ipes. João Havelange — presidente da Fifa; Viação Cometa, vinculado ao Ipes. José Israel Vargas — Físico.
José Leme Lopes — Psiquiatra. José Luiz Bulhões Pedreira — advogado; Conselho Consultivo da Caemi; Conselho Administração da Unipar; vinculado ao Ipes. José Olympio — Editor,
Julian Chacel — Economista da FGV; Cedes; ex-quadro do Ipes. Luiz Simões Lopes — Presidente da FGV; Conselho de Administração da
Verolme e do Moinho Fluminense; ex-dirigente do Ipes.
Manoel Fernando Thompson Motta — vice-presidente da Bardella S.A.; vice-
presidente da Abdib.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho — Ex-secretário de Justiça de São Paulo; vinculado ao Ipes. Marcos Vianna — Conselheiro e vice-presidente da diretoria executiva do
grupo Verolme; ex-presidente do BNDE; vinculado ao Ipes.
Mário Henrique Simonsen — Ex-ministro da Fazenda; conselheiro do Citicorp; colaborador do Ipes. Mauro Thibau — Ex-ministro das Minas e Energia; vinculado ao Ipes. Miguel Reale — Jurista; ex-dirigente do Ipes. Oxíres Silva — Ex-presidente da Petrobrás e da Embraer; conselheiro da Ecil;
diretor da TAV.
Paulo Guedes — Vice-presidente do Ibmec; Banco Pactual Paulo Rabello de Castro — Economista; Cedes; R.C. Consultores. João Pedro Gouvea Vieira — Grupo Ipiranga; Banco Francês e Brasileiro;
conselheiro da Souza Cruz; Conselho de Administração do Moinho Fluminense; vinculado ao Ipes.
Ronaldo Camargo Veirano — Advogado; conselheiro da White Martins. Ruy Barreto — Café Globo e Café Brasília; ex-presidente da Associação
Comercial e da Confederação das Associações Comerciais do Brasil; criador da Ação Empresarial.
Sérgio Quintela — Presidente da Internacional de Engenharia; .Grupo Mon-
treal; Conselho Consultivo da Caemi.
Alberto Santos Pinheiro Xavier Alberto Venâncio Filho — Advogado; vinculado ao Ipes.
288
Alvaro Leite Guimarães Antônio Olavo Pereira Carmem Prudente Celso Seixas Ribeiro Bastos Claudio Mesquita Pereira
Daniel Pereira Edvaldo Brito Gualter Godinho Jaime Alípio de Barros John Cotrim — diretor de Furnas; vinculado ao Ipes.
José Moreira Ferreira Lourival de Oliveira Luiz Biolchini — vinculado ao Ipes.
Luís Cesar Póvoa Octávio Marcondez Ferraz — Ex-dirigente do Ipes. Oswaldo Lisboa Carlos Chagas
Paulo Mercadante — Professor; membro do Instituto Brasileiro de Filosofia. Compareceram ainda, como espectadores, a escritora Rachel de Queiroz e
Antônio Carlos Quintella, representando seu pai, Sérgio Quintella (ausente do país na ocasião). Entre os militares, só apareceram os nomes dos generais Octávio Costa, Rubem Ludwig (MCRN, Ericksson), Meira Mattos (Grupo Montreal) e Plínio Pica-
luga.?' O general Euclydes Figueiredo, irmão do ex-presidente João Figueiredo e membro da UNDD,lá esteve “por livre e espontânea vontade”. Após assinar o mani-
festo, avisou queiria “debater as idéias” do MCD com “um grupo de militares”, do qual fazia parte.226 Presidida por Ozíres Silva, a nova entidade teve como seus primeiros vicepresidentes Sérgio Quintella e Ives Gandra, que passaram a comandar o MCD do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente. Em pouco tempo, o movimento ampliou
suas bases de apoio, estabelecendo focos em várias outras cidades do país, como Bauru e Campinas (SP), Curitiba, Belo Horizonte, Belém e Fortaleza.”
Para este renovado quartel-general da direita — que, em meados de 89, já
promovia reuniões com até 150 empresários, parlamentares, líderes políticos e intelectuais —, há muito não se enfrentava umaeleição tão difícil.Entre as várias preocupações de seus membros, duas eram fundamentais: a formulação de um programa e a
= Jornal do Brasil, 140289; O Globo, 11.02.89 216 Folha de $. Paulo, 1.0289 22Folha de S. Paulo, 11.04.89 2: Informe JB,Jornal do Brasil, 21.03.89 2 OGlobo, 12.06.89 289
identificação de um candidato viável. A questão do programa de governo estava embutida na tentativa de esboçar um projeto de Estado abrangente, “quase civilizatório”, como diria um ex-dirigente do Ipes. Com essa visão é que deviam serlidas as pontuações da “busca de novas estratégias”, delineadas por Ozíres Silva, assim como o “Projeto
Brasil'.2º O MCDpassara a incentivar estudos e pesquisas de natureza sociológica,
econômica, política e científico-tecnológica — o que não só permitiria o detalhamento das propostas gerais, mas também a preparação de novos quadros.”º A identificação de um candidato exegiiível, com chances reais de enfrentar Brizola e Lula, era fundamental.?! Nesse sentido, eram as direitas que procuravam o
seu “homem providencial”, apesar da retórica em contrário?
Lula continuava a ser um nomeproibido. O presidente Ozíres Silva já tivera a chancederejeitar o PT — *um partido que precisa sempre de um cadáver ou de uma
tragédia para se promover" 2º E advertira que a implantação de um regime socialista nopaís provocaria “uma reação idêntica à quefoilançada contra João Goulart”. Alguns
membros do MCD, no entanto, admitiam, com reservas, a possibilidade de apoiar
Brizolà, na eventualidade de um confronto com Lula no segundo turno.?*
Entre os nomes que começaram a ser ventilados, o primeiro foi Ulysses
Guimarães. Mas ele acabou sendo esvaziado, após o desgaste na convenção do PMDB
e a escolha do indesejável Waldir Pires como candidato a vice.” Outro que ganhou as simpatias iniciais foi o senador Jarbas Passarinho — um dos poucos “com talento
gerenciale político” —, que fazia parte, com Rubem Ludwig, do leque de candidaturas com passado militar. Mas quem ganhou a convenção do PDS, logo depois, foi Paulo
Maluf.
Entre os novospolíticos, falou-se de Jaime Canet Júnior, ex-governador do
Paraná e Álvaro Dias.Orestes Quércia não parecia sensibilizar o MCD.”” E Ronaldo Caiado seria prontamente descartado, por seu fraco desempenhoe pela dificuldade de obter uma legenda viável. Aureliano Chaves, mesmo afinado com muitos dos membros do MCD, era
tido como um político sem lastro eleitoral, podendoser descartado no meio do caminho e substituído por uma “dobradinha” noestilo Jânio-Dias Corrêa ou por uma composição bifurcada com o PL(Afif) e o PRN (Collor). Afif Domingos era um nome sem restrições,
mas uma candidatura de pouca visibilidade eleitoral.8 Na verdade, tanto quanto Aureliano,teria de mostrar sua força durante a campanha. E havia o próprio Fernando
Collor de Mello, ex-prefeito biônico de Maceió e ex-governador de Alagoas, que
transitara pela Arena, pelo PDS e pelo PMDBe, em 1984, votara em Paulo Maluf no
Colégio Eleitoral. Era, portanto, umafigurajá testada, que os empresários observavam
com grande curiosidade. A possibilidade de collorir não estava afastada nem era vista comoalgo inteiramente fora de propósito. As esquerdas, porém,já tinham visto aquele filme em preto-e-branco: *Colloriu? Pintou sujeira!”.
=2 Jornal do Brasil, 24.02.89 “3 Jornal do Brasil, 1.02.89; Folha de S, Paulo, 23:03:89 2Folha deS. Paulo, 23.03.89; O Globo, 230289 =35 Colunado Castello, Jornal do Brasil, 08.02.89; OGlobo, 11.02.89; O Estado de São Paulo, 28.02.89 235 Coluna do Castello, Jornal do Brasil, 08.02.89 2» Amaldo Cesar, Relatorio Reservado,16 à 22 de janeiro de 1989 28 OGlobo, 102.89 290
O populismo empresarial
Com a ampla ressonância popular em torno do candidato do PRN, o empresariado também decidiu collorir seu mapaeleitoral.” O mito encontrava seu público
preferencial, após o reconhecimento da população. O empurrãozinho viera de um editorial do jornalista Roberto Marinho, intitulado *Convocação”. Nele, o presidente das Organizações Globo fazia vigorosa conclamação por uma “candidatura de consenso”, de cunho “moderno e otimista”, que permitisse “uma alternativa melhor” que a de obrigar o povo brasileiro a escolher entre um “projeto caudilhesco-populista” (Brizola) e um outro
*sectário e meramente contestatório” (Lula)?
O editorial teve enormerepercussão. Políticos tradicionais e conservadores do PDC, do PTB, do PL, do PFL e do PMDB começaram a revoada em direção ao PRN.
E a novavedette política ganharia ainda as simpatias do expectro militar-empresarial situado no âmbito ideológico de 'Letras em Marcha”, “Ombro a Ombro” e a UNDD,
que — após um rápido flerte com a idéia de apoiar Caiado, Jânio ou Afif Domingos — se inclinaria por aquele que parecia dar mais chances às suas pretensões.
O exemplo da Convergência Democrática calara fundo. Pouco depois, diversas figuras de peso do empresariado se identificaram com o candidato. Entre elas, Luiz Eulálio Bueno Vidigal, em São Paulo, José Eduardo de Andrade Vieira, no Paraná, e
Teóphilo de Azeredo Santos, no Rio.”*! Este chegou a organizar um encontro de Collor
com diversos empresários — entre eles, Antônio Oliveira Santos (coordenador-geral da UB); Sérgio Quintela (MCD); Arthur João Donato (Firjan); Gunnar Vikberg (Xerox);
Pedro Leitão Cunha (Banco Montreal) e João Pedro Gouveia (Grupo Ipiranga, MCD).*2
Rogério Magri, da CGT; membros de setores militares variados — alguns indesejáveis para o próprio candidato, como o general Newton Cruz, e outros nem tanto, como o coronel Haroldo Corrêa de Mattos (ex-ministro das Comunicações), o coronel Moacir Coelho (ex-diretor da Polícia Federal) e o almirante Maximiniano da Fonseca (exministro da Marinha no governo João Figueiredo e depois diretor da Petrobrás) —
também passaram a apoiá-lo.”º O “novo populismo” nascia com os estertores da Nova
República. Vinha embalado na “americanização” da sociedade e do processoeleitoral brasileiro, prometendo, como pedra filosofal da renovação, o resgate do povo, da massa, da pessoa esmagada. Alimentava as expectativas de modernização, não por um programa de reforma social, mas pelo mero discurso da reordenação de costumes, ao simples toque de duas varinhas mágicas: a anticorrupção e o fim das mordomias.”* A
imagem de Collor — um paladino pairando acima dos partidos tradicionais da direita e acobertado por uma legenda menor, aparentemente desvinculada da politiqueria convencional — se apossava da imaginação de uma parcela ponderável da população, captando o anseio difuso de mudança. E o empresariado, atento, começava a vislum-
brar a possibilidade de direcionar tal sentimento.
*» Informe JB,Jornal do Brasil, 15.06.89
e Globo, 020889 ANDomingos queixou-se dotratamento preferencial dado a Collor: “É como se os meios de comunicação tivessem posto este candidato emumquartoe lhe servido farta refeições, confinando todos os demais em ouro quarto, tratados apenas a água, Depoisvieram os instíttos de pesquisa pesar cada candidato, para ver quem engordou mai “Informe JB, Jornal do Brasil, 100689;Informe Econômico, Jorral do Brasil 170689; O Globo, 160549 28 Jornal do Brasi, 080689 22 O Globo, 16.06.89; Informe JB, Jornal do Brasil, 11.06.89; Jornal do Brasil, 15.06.89 24º Paulo Furia, Jornal do Brasil, 02.06.89 291
No entanto, apesar do favoritismo de Collor, o empresariado se acautelou
contra decepções e contratempos. Procurava não dividir, mas somar as inclinações diversas do setor e de outros segmentos pelos país afora.”No final, o MCD se-
lecionou as candidaturas Collor, Aureliano e Afif, adiando a decisão para depois. E, a cada um deles, deu um “padrinho” e uma equipe, inaugurando uma forma peculiar de intervençãoeleitoral. Sérgio Quintella ficou com Collor; Ozíres Silva passou a cuidar de Aureliano; e Otávio Gouveia de Bulhões (com Ives Gandra da Silva Martins e
Sobral Pinto) foi indicado como “patrono” de Afif Domingos.O programa econômico
do candidato do PL seria preparado por Paulo Guedes, do MCD.
Para os três candidatos, o movimento fixou um compromisso de honra: não trocar ataques pessoais, evitando desgastes e situações constrangedoras, pelo menos até segunda ordem. Cada um dos grupos trabalharia com independência, adeguando-se às
características de seu postulante.”
Nãoera só uma questão de acompanhar os candidatos e antecipar a hora de dar uma “mão amiga”, em contribuiçõesfinanceiras ou assessoria de nomes renomados. Também não era só uma questão de aclimatá-los à “equipe de governo” do MCD. As
pontes haviam sido reconstruídas para jogar com um leque variado de nomes e opções
partidárias. Inclusive com Mário Covas e o PSDB.Este partido não deixava de ser uma das opções da campanha e até do segundo turno. Na primeira fase, serviria para ocupar espaços do PDT e do PT; na última, para o xeque-mate, talvez numa com-
posição de quadros com o candidato do PRN.
Masestas não eram as únicasalternativas. Alianças e conchavosinimagináveis para o eleitor desavisado ficariam na prateleira, à espera do momento oportuno. Num
jogo de adesões e deserções, previa-se até a cooptação de quadros “progressistas” — do PMDB, do PSDB e mesmo do PDT — por um amplo guarda-chuva colorido. As
primeiras articulações nesse sentido contaram com a agilidade do advogado Jorge Serpa, na costura de interfaces dos vários partidos e políticos profissionais. Afinal de contas, o PRN carecia de densidade política.
Defato, os estados-maiores estratégicos do empresariado procuraram dar o
tom das ações, com o cuidado de não ferir a providencial imagem de autonomia, diligentemente cultivada por Collor de Mello. Tendo em vista a necessidade de dar sentido ao futuro governo e conteúdo ao projeto de Estado, a “Santa Aliança” conservadora, fantasiada de “Entente Cordial”, precisava de um novo partido, que sustentasse o governo € lhe desse chances nas eleições de 1990. A nova agremiação não só abri-
garia remanescentes de vários agrupamentos já existentes, mas serviria de incentivo à
participação política — e até à candidatura — de empresários e profissionais liberais. O próprio PRN poderia chegar a este formato liberal, com acabamento social-tra-
balhista, num arremedo partidário do “sindicalismo de resultados e de serviços”. Desta maneira, o empresariado estaria viabilizando a 'renovação conservadora” em curso e, ao mesmo tempo, mantendoo trânsito ao longo e por dentro dos partidos e candida-
turas convencionais.
24 Tereza Cruvinel, O Globo, 20.05.89; Folha de S. Paulo, 11.04.89 24 O Globo, 08.06.89. AfifDomingos, inclusive,iniciaria à sus romaria entre os “notáveis da República" comumavisita oficial a Bulhões na Fundação Getálio Vargas,no Rio. Próximos na lista estavam Sobral Pinto, Cardeal DomEugênio Sales e Dom Helder Câmara(O Globo,16.05.89; Jornal do Brasil, 19,0689) 3 O Globo, 08.06.89 “4 Jornal do Brasil, 30.06.89 292
Mas elite ainda se lembrara de um item fundamental. E tratara de preservar
as pontes fixas e móveis com a Sociedade Política Armada.
Afinal de contas, muita coisa ainda poderia acontecer. A mais de três meses das eleições, corria-se o risco de ver a sucessão atropelada por algum “casuísmo”. Razões de ordem pessoal, de saúde e desavenças nas várias cúpulas do setor ou dos partidos, ou mesmo turbulências no Planalto — provocadas pela agonia de um governo quefora condenado logo após a Constituinte — poderiam complicar o processo. Além disso, problemas de ordem política ampla — mudançassensíveis de opinião pública, cristalização do voto do grande contingente de indecisos (beirando os 65%) e definição dos quase 30% que nem conheciam os candidatos, ou percalços de ordem econômica
ou social — poderiam “melar” a disputa para as direitas.
De qualquer forma, os empresários teriam de operar um dos três cenários possíveis: umanítida vitória conservadora; uma vitória popular com arranjo conservador e uma derrota conservadora para uma composição reformista instável. O primeiro cenário era visto como resultado de uma disputa eleitoral acirrada, baseada essencialmente nos meios de comunicação — construindo, refinando, preservando a imagem
do candidato preferencial e evitando confrontos desnecessários.
A opção era resguardar o favorito, colocando-o numa espécie de pedestal, de
onde poderia jogar suas lanças e bandeiras para o grande público, por sobre as cabeças dos adversários. Enquanto isso, os outros candidatos, de baixo, reagiriam com pedrinhas, sem grande efeito. De qualquer forma, não fariam qualquer estrago que não pudesse ser consertado no dia seguinte — por uma boa manchete ou por uma fotografia mais feliz. Com isso, os concorrentes do campo popular ficariam limitados a um jogo reativo-inefetivo, sempre batendo contra o muro, em busca de uma brecha. Melhor
seria se iniciassem um contra-ataque cficaz, depois de contornar o pódio erigido pela direita, deslanchando suas campanhas em campo aberto e tom afirmativo.
Numbelo exemplo de marketing político, o candidato providencial só desceria do pedestal para concretizar as articulações engenhosas de bastidores e preparar as
tiradas de efeito. Era só ficar à espera da romaria dos políticos profissionais e poli-
tiqueiros de gabinete, que — desesperados com o descarrilamento de seus respectivos trens partidários — tentariam embarcar na composição vitoriosa, puxada pela locomotiva de elite. Mas estas adesões seriam administradas por seus assessores. Com isso, a imagem do candidato não sofreria o desgaste natural dos conchavos, deixando-o apenas
para a sigla partidária. O garboso postulante só interviria pessoalmente quando se tratasse de conquistar figuras de destaque de outras agremiações, deestirpe intelectual,
desempenho partidário sólido ou comprovadotalento administrativo. Desta forma,estaria realçando a sua postura de formador de equipe de um governo de coalizão, que seria
amplo, eficaz e competente.
Tendo em vista o primeiro cenário — da vitória conservadora —, os estados-
maiores estratégicos procuraram capacitar-se para o futuro, quando haveriam de direcionar o sentido do novo governo e dar conteúdo e respaldo ao projeto político de
Estado.
Mas diante do segundo cenário — vitória popular com arranjo conservador —,aselites também deixaram abertas as portas de negociação, preservandoos indispensáveis canais de comunicação. Visavam a possibilidade detutelar o futuro governo e modelar suas diretrizes. E ainda havia que examinar uma variante para os dois 293
cenários: a intervenção preventiva, na eventualidade de descontrole de qualquer um destes governos. Mesmo resultante de escolha ou de uma composição possível, a nova equipe instalada no Planalto poderia abrir espaços inesperados para a esquerda. Tal acidente se daria por absoluta incompetência política e administrativa do presidente eleito — pressionado pelo caldeirão de demandas sociais —, e de sua consegiiente desestruturação partidária. Isto poderia abrir as portas do sucesso, nas eleições congressuais e de governadores, para uma força política popular consolidada e totalmente indesejável — o que agravaria ainda mais a situação do governo, descortinando a perspectiva de uma derrota esmagadora das elites na disputa presidencial de 1994. E se uma composição de esquerda terminasse ganhando a guerra eleitoral? Neste caso, os estados-maioresdeelite se veriam obrigadosa fazer o possível para tirar a paz dos vitoriosos. E logo entrariam em ação, estabelecendo os limites para as suas opções e iniciando o condicionamento da opinião pública para a campanha de 90. Para isso, teriam de trataro terreno político com o adubo do descrédito em relação ao novo governo, aproveitando as dificuldades inerentes à tarefa de reorientar prioridades, dentro de um programa popular. Se, apesar disso, o novotitular do Planalto fosse relativamente bem-sucedido — na administração e nas reformas —, aselites poderiam até pensar em desestabilizá-lo, comofizeram no passado. Afinal, a conhecida inclinação de alguns setores do empresariado para as soluções extraconstitucionais é um fator a considerar, Assim como as veleidades políticas da sociedade militar,
Para os caciques do país do carnaval, “melar” o desfile dos outros é sempre uma opção. Para evitá-la, as pequenas agremiações devem estar muito bem ensaiadas, com a letra na ponta da língua e o samba no pé. E não adianta ter apenas um bom
puxador e a dose exata de garra e empolgação. O enredo tem de ser ótimo, a cadência precisa e o baticumbum irresistível.
Nãose pode esquecer que o aplauso das arquibancadas não é trunfo suficiente para garantir o primeiro lugar. Neste tipo de desfile, também há o julgamento de um colégio restrito, que ainda confunde samba com marcha-rancho. Além disso, beneficia as grandes escolas e substitui quesitos como figurino, bateria e conjunto por dinheiro, jogo de mesa, conchavoe hierarquia. Por isso, é preciso estar alerta ao ritmo, assegurar a evolução perfeita e manter a harmonia do conjunto. É fundamental saber escolher a comissão defrente e selecionar os destaques. Na hora do desfile, não se pode atravessar
o samba ou correr o risco da dispersão.
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"O jogo da direita " é o livro de
um aao Siserados;» que ofere-
ce ao leitor desar
re coneteleDEao
gos, recuos e artimanhas de seus protagonistas. Ele nos fala da ação cotidiana das organizaçõesde elite e examina cada umade suas jogadas, desde
o momento em que assumem a condição de "pivôs políticos "até a formação de"eixos " (entre si) e "pontes " (entre as diversas áreas cúmplices, sejam elas de
ou empresários
políticos e militares
nos € rurais).
Nesta segiiência de apostas e movimentos variados e audaciosos, os senhores da direita ainda formam grandes " frentes "e, finalmente,reúnem-
se em poderosos agrupamentos que o autor batizou de "estados-maiores " - já com visão estratégica de classe dominante e tendo em mente a conquista do Estado. Para atento observador do Brasil
político, o passeio por estas
páginas
será equivalenteao prazer de destampar umacaixinha de surpresas. Aqui, a História recente não saiu de arquivos secretos ou fontes clandestinas. Foi escrita a partir de 75 mil páginas de jornais e revistas, pacientemente recortadas e organizadas, como se
fossem peças embaralhadas de um
imenso e fascinante quebra-cabeça. Noem final, uma lição das mais simples: cando Pesa desde os idos do Império sima , poa sou de mero esj vos deelite, de Pedro Il a eaa
E sempre (ou qa sempre) ouvi cera da área militar.
ara ter alguma chance nas próxi-
maspartidas,é fundamental observar a disputa c apreender asintenções dos diversos parceiros. O futuro dos brasileiros da arquibancada ainda depen-
de - exatamente como de Édipo,
às
portas de Tebas - dos humores certas esfinges. É preciso decifrar o enigma,para evitar os dentes do monstro.
Afinal, só assim será possível virar o Jogo. Maria Helena Malta Copa: Omar Santos 00383-4