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Portuguese Pages [358] Year 1989
O
Grande
Navio
De
A
O Grande Nark) l)e Amacau, cerca de 1552 (dum telho quadro representando São Prancisco Xavier fazendo o milagre de transformar a água do nutr em água doce salvando a guarnição do navio de mor rer à sede. Reproduzido do original existente na Casa Pia de Évora, por especial fat or do Snr Carlos de Azevedo).
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FICHA TÉCNICA Edição - Fundação Oriente e Museu e Centro de Estudos Marítimos de Macau, 1989 Fotocomposição e impressão - Tipografia Macau Hung Heng Tradução do texto - C/Almirante Manuel Leal Vilarinho Capa e acompanhamento gráfico - Filipa Calado
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Edição Edição Edição Edição
I960 1963 1988 1989 (Traduzida por C/alm. Manuel Vilarinho)
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APRESENTAÇÃO
A recolha exaustiva, o estudo fecundo e a ampla divulgação de todos os elementos referentes às ligações que se estabeleceram ao longo dos séculos entre as comunidades de origem lusíada e as civilizações orientais constituem um dos mais importantes objectivos da Fundação Oriente. O Grande Navio de Amacau, cuja tradução portuguesa agora se edita, é uma obra que se integra perfeitamente naquele propósito. Com a erudição que o caracteriza, com o rigor cientifico na procura de fontes e com o profundo conhecimento da realidade portuguesa do período da expansão, o Prof.Charles R. Boxer analisa as relações que se estabeleceram a partir de meados do século XVI e ao longo de um século, entre a comunidade de Macau e o Japão. As viagens aqui estudadas, resultado do aproveitamento de uma conjuntura económica favorável, testemunham a transformação de Macau num importante centro de negócios de interesses próprios. O estabelecimento desta carreira regular com os portos japoneses permitiu afinal o desenvolvimento de uma teia de relações culturais e civilizacionais que ainda hoje se faz aprofundar. É pois, com todo o empenho, que a Fundação Oriente se associa à edição desta importante obra do Prof. Charles Boxer, notável conhecedor da presença dos portugueses no Extremo Oriente.
Dr. Carlos Monjardino PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA FUNDAÇÃO ORIENTE
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ÍNDICE Apresentação Palavras de Abertura, por l.uís de Albuquerque Prefácio Agradecimentos Introdução As Viagens Anuais ao Japão, 1555-1640 Os Privilégios e os Deveres dos Capitães-Mores da Viagem ao Japão Cargas Transportadas no Comércio Macau-Japão A Mecânica do Comércio Os Perigos da Navegação no Mar da China Documentos Oficiais Japoneses Moedas, Pesos e Medidas Bibliografia Postscriptum
Uj Vil XIII XV 1 21 151 157 175 288 295 313 321 329
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PALAVRAS DE ABERTURA
£ muita a admiração que tenho pela obra valiosa e extensa do Professor Charles Ralph Boxer, e grande a amizade que, a partir dela, lhe dedico há muitos anos (amizade de resto correspondida, disponho de boas provas disso). Aliás, fazer o elogio de Charles Boxer não é tarefa difícil; ou antes, está facilitada pelo número de trabalhos de alta qualidade científica que publicou e todos nós lemos ou podemos ler; pela atenção que lhes merece a história de Portugal no Oriente ou no Brasil; por ter sido professor da "Cadeira de Camões", e durante longos anos, no King's College da Universidade de Londres; pelas suas qualificações de poliglota, que domina tão bem o chinês ou o português, como japonês ou o flamengo; e também - não o esqueçamos - pelo fino travo de humor de que sabe impregnar os acontecimentos do dia-a-dia, em todas as circunstâncias, e mesmo as mais adversas, como terá feito sempre no decurso do seu cativeiro no Japão, a que o levou a fortuna (assim diria Diogo do Couto) da segunda guerra mundial. Sim: porque antes de ser professor de língua e literatura portuguesas, Charles Boxer foi militar, destino que lhe estava traçado por fundas tradições familiares; e com o posto de capitão encontrava-se em Hong-Kong, e aí ficou ferido com gravidade, e logo em seguida aprisionado pelo exército japonês, em sequência do ataque pelos nipónicos desferido contra esse baluarte dos Aliados encravado na China. Reformar-se-ia como major cerca de dois anos após assinado o armistício que pôs termo àquela verdadeira e despropositada hecatombe. Mas passaria logo do Oriente para a sua cátedra de Londres, onde havia de leccionar vinte anos, transmitindo a sucessivas gerações de discípulos todos os conhecimentos que recolhera e toda a ciência por si
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elaborada durante anos e anos de trabalho quotidiano, de amor pelo estudo, de visita assídua às fontes e de dedicação pela história da expansão europeia no mundo. •Extracto do elogio académico proferido na cerimónia do doutoramento "honoris causa" do Professor Charles Boxer na Universidade Nova de Lisboa. Aliás, pode-se dizer, sem metáfora, que o seu professorado se não iniciou no ano de 1947 em que entrou no King's College; por mim fixo-o em 1926 - tinha Boxer vinte e dois anos, quando saiu o seu primeiro estudo sobre a História de Portugal, intitulado "O 24 de Junho. Uma façanha dos Portugueses", que se encontra impresso nos números 15 e 16 do volume II do Boletim da Agência Geral do Ultramar. E até o ano em que foi admitido como mestre na Universidade de Londres, publicara mais de oito dezenas de estudos, redigidos em inglês ou em português, e penso que na sua totalidade referentes ao Oriente e à actividade que os Portugueses aí desenvolveram, sobretudo no século XVII. Em percentagem elevada, esses trabalhos basearam-se em manuscritos e em livros raros da biblioteca pessoal de Charles Boxer, um dos mais excelentes acervos bibliográficos que em tempos modernos se terão reunido sobre o período histórico que interessava ao seu possuidor. Essa biblioteca passou, se não me engano, por duas fases; a parte da segunda fase está íntegra e enriquece hoje uma Universidade americana, a da primeira dispersou-se, e eu sei de um manuscrito que lhe pertenceu e, depois de um trajecto obscuro, veio ter a Portugal; como quase todos os livros que pertenceram a Charles Boxer, está anotado pelo seu punho a lápis, em lugar onde não ofende a pureza do exemplar. Dizia eu que falar de Charles Boxer não seria tarefa difícil - e tenho de me corrigir, na verdade, quando se dá conta que na sua bibliografia entram mais de trezentos e vinte títulos - e não sei se não terá escapado algum à lista cuidada que George West publicou em 1984 - , traçar o seu perfil científico não me parece muito fácil. Até porque, para o fazer, era necessário trabalhar no campo em que Boxer tem trabalhado, e aproximarmo-nos ao menos do nível, em quantidade e qualidade, da sua estimulante produção; o que não é, evidentemente, o meu caso. Apenas sou um obscuro discípulo à distância do Professor Boxer através da leitura de muitos dos seus escritos (e mentiria se dissesse todos), e também através de uma convivência, que nem por não ser directamente assídua, ou por ser apenas eventualmente episcolar, tem menos peso na minha informação de permanente estudante dos temas da História portuguesa nos cinco continentes em que se convencionou repartir o planeta em que vivemos e convivemos. Sem dúvida que, pelas minhas tendências pessoais mais antigas, os trabalhos que de inicio fácilmente me atraíram na vastíssima bibliografia de Charles Boxer foram dois ou três lúcidos ensaios que dedicou à "carreira da India"; logo em seguida, e certamente ainda por uma curioVIII
sidade radicada na mesma matriz, aqueles em que a sua atenção se dirigiu para a HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA - e só os estudiosos como Boxer sabem a colectânea de Gomes de Brito ser acrescentada, sem limites previsíveis. Não foi certamente por acaso, aliás, que num dos seus primeiros estudos, publicado em 1927 no Arquivo da Agência Geral das Colónias, se ocupou da "Relação da perda da nau "Madre de Deus no porto de Nagasaki em Janeiro de 1610" - tema que retomaria dois anos mais tarde, num texto em língua inglesa que veio a lume no tomo XXIV dos Transactions and Proceedings of the Japan Society of London. Neste meu primeiro e empenhado interesse pela obra de Charles Boxer, não me escapou um outro dos seus estudos, de que aliás me servi largamente quando, auxiliando o professor Léon Bourdon, preparava a edição do chamado Litro de Marinharia de Gaspar Moreira, entre 1970 e 1976: quero referir-me a The Natal and Colonial Papers of Dom António de Ataíde, saído em 1951; esclareça-se que a relação entre os dois textos advém da circunstância do manuscrito que o antigo professor da Sorbonne e eu próprio publicámos - aliás caligrafado com uma letra de dificílima leitura - ter passado pela mão de D. António Ataíde, e deste o ter anotado nas margens, como era seu hábito; embora neste caso, acrescente-se, nem sempre com comentários razoáveis ou sequer propositados a respeito dos textos sobre a navegação, únicos que lhe mereceram críticas. A leitura destes e de mais um outro escrito de Charles Boxer, sempre redigidos numa linguagem apurada mas solta, e por vezes tocada de uma subtil ironia, levaram-me a ler repousadamente muitos outros trabalhos históricos que o seu incansável labor produziu. Para referir apenas aqueles que mais me impressionaram - e que se contam entre os muitos de que recolhi vastíssima informação que me era inteiramente desconhecida (e por isso me posso prevalecer de discípulo, embora obscuro discípulo, de Charles Boxer) - terei de citar hidalgos in the Far East, 1550-1770, fundamental para a História de Macau, com duas edições, em 1948 e 1968; Salvador de Sá and the struggle for Brazil and Angola, 1602-1686, aparecido em 1952, reeditado em 1975 e com tradução brasileira de 1973; South China in the sixteenth century, que a benemérita Hackluyt Society, de Londres, lançou em \95ò , 'The Christian Century in Japan 1549-1650, editado na Califórnia em 1951, e com três reedições, sem contar que uma das suas panes foi também publicada no Japão, com introdução e notas em língua japonesa; The Dutch in Brazil, 1624-1654, de 1957, com pelo menos uma reimpressão e uma tradução brasileira; o "panorama sucinto" (assim lhe chamou) que é o primeiro texto, de apenas 102 páginas na edição original, intitulado Four centuries of Portuguese expansion 1415-1825, com várias reedições, sendo a primeira de 1961; não esquecendo também o Great Ship from Amacon, primorosa descrição das relações de Macau com o Japão, desde o seu início até o seu fim trágico, e agora reeditado IX
e traduzido de novo; e ainda Race Relations in the Portuguese Colonial Empire, 1415-1825, aparecido em 1963, e mal recebido por alguns que, naquele ano de definitiva viragem na arrastada e pouco lúcida história dos últimos tempos de um tempo que era já passado, queriam torcer a correcta informação histórica de Charles Boxer para daí extraírem resultados de duvidoso para não dizer de nulo efeito. Esse livro, que foi então maldito em Portugal, por quem detinha a possibilidade de decidir na matéria, mas que circulou clandestino, porque jamais houve poder capaz de limitar o pensamento, acabaria por ser traduzido em língua portuguesa, editado em Portugal, depois de dez anos antes o ter sido no Brasil. Apesar desses ataques maldosos e sem justificação, Charles Boxer prosseguiu imperturbavelmente a sua missão de contribuir para a História de Portugal redigindo artigos para inúmeras publicações periódicas, ou livros que editores da América, da Europa ou da Ásia lançaram no mercado com pendular regularidade; para falar apenas dos que li e estudei, tenho de citar por ordem cronológica The Dutch Seaborne Empire, 1600-1800 de 1965; Erancisco Vieira de Eigueiredo. a Portuguese Adrenturer in South East Ásia, 1624-1667, editado em Haia no ano de 1967; e, retomando um tema abordado em outras oportunidades, The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825, impresso em Londres no ano de 1969, e vertido ao português em 1977; The Anglo-Dutch Wars of the 17th Century, 1652-1674, que data de 1974, e que é uma concisa explicação das guerras que na era de Seiscentos deflagraram entre os dois grandes impérios marítimos europeus - a Inglaterra e os Países Baixos; A Mulher na Expansão Ultramarina Ibérica, 1415-1815, de 1977 (a versão original inglesa apareceu dois anos antes), livro de amplíssima informação sobre um tema de muito difícil acesso, e que só com os profundos conhecimentos de um mestre, como Charles Boxer, podia ter sido escrito com o assinalado êxito que teve; citarei ainda, e por último, as cerca de setenta páginas do ensaio Portuguese India in the midseventeeth century, que foi lançado em 1980 e o excelente estudo intitulado João de Barros - Portuguese Humanist and Historian of Asia, do ano imediato, que nos trouxe um novo olhar sobre uma das figuras intelectuais mais fascinantes do século XVI português. Podia falar-vos aqui longamente de cada uma destas obras modelares, da influência que sobre mim e outros companheiros de precurso tiveram, e da projecção - não é necessário ser profeta para o pressentir - que hão-de ter num largo futuro. Não o farei. Direi apenas que elas nos põem face a face com realidades vividas ao longo de três séculos por Ingleses, Holandeses e Portugueses, por navegadores, missionários e homens de negócios, por capitães, soldados e aventureiros - mas também face a face com os outros sobre que se projectaram e que neles se projectaram - Chineses, Japoneses ou Indianos. Os trabalhos de Boxer vão às raízes desse encontro nem sempre fácil entre Povos que há seis séculos ainda se desconheciam, e que hoje convergem imparavelmente X
- espero-o bem - para uma aproximação que permita a total interpenetração de culturas e de mentalidades, iniciada nos anos de Quinhentos; e como os estudos de Boxer vão às raízes, e porque as analisam com uma clareza inultrapassável, levam-nos ao limitar da compreensão de um complexo fenómeno cultural e social. É assim que a bibliografia de Charles Ralph Boxer constitui hoje um valiosíssimo património da História do nosso País. Património que foi construído ano após ano, no decorrer de seis décadas, com trabalho assíduo e com inteligência arguta, mas também com amor. Porque Charles Boxer ama o nosso país, procura identificar-se connosco (e identifica-se), projecta-se no nosso passado, conhece bem o linguajar português dos séculos XVI e XVII, usando-o, frequentes vezes com toda a intenção, e fala dos homens desse tempo como quem com eles conviveu, - e conviveu, de facto, através dos seus papéis ou de velhos papéis que deles se ocupam. Mais do que isso: o seu amor pela história de Portugal, levou-o, na sua "predilecção" por Diogo do Couto - como contou há anos Carlos Estorninho - a terminar "por brincadeira, as cartas a alguns amigos" com a imitação "bastante perfeita" da assinatura "do continuador (...) de João de Barros" e autor desse extraordinário livro que é o Soldado Prático. A esta informação divulgada publicamente há quatro anos, mas que era geralmente sabida dos estudiosos mais próximos de Boxer, poderei acrescentar que ele levou a sua fantasia mitificadora, mas tão sugestiva, bastante mais longe, e procurou criar uma espécie de vivência quinhentista com os seus amigos portugueses. Não só a sua correspondência para eles está repleta de expressões arcaicas, intencional e apropriadamente usadas, como os destinatários são frequentemente identificados com portugueses ilustres dos séculos XVI ou XVII; assim e ainda no tempo em que conviviam em Londres, Armando Cortesão era sempre para o Boxer o "Pedro Nunes, amigo"; e nas cartas que dirigia a Manuel Lopes de Almeida, não hesitava em lhe transferir o nome para "João de Barros". E haverá decerto mais casos como estes. Se eu mesmo nunca tive a honra de uma equiparação semelhante que, de facto, seria inteiramente descabida, nem por isso deixo de ser para ele, nas cartas que me dirige, de um modo carinhoso e com uma ironia que não fere, o seu "caro mestre, amigo e compadre"! Se Charles Boxer sabe criar assim um clima, sabe igualmente viver um clima português que à sua volta se gere-, será mesmo o primeiro a dar qualquer sinal bem evidente de que está perfeitamente integrado, por vezes com uma só observação. Fui disso testemunha auricular, e por duas vezes. A primeira delas deu-se em Goa, no Hotel Aguada. Almoçámos aí com Teixeira da Mota, Max Justo Guedes e o embaixador Gaspar da Silva. Durante todo o almoço falou-se exclusivamente em língua portuguesa, com bastantes arcaísmos à mistura - sobretudo da parte do Boxer e de Max. Quando nos levantámos da mesa, Boxer decidiu: - Bem, agora vamos dar um passeio. E acrescentou, com intenção: XI
Porque "depois de almoçar, cem passos dar". A outra teve lugar já nem sei onde, mas por sinal também no decurso de um almoço. Era num restaurante chinês e tinham-nos servido aquelas intermináveis iguarias da cozinha cantonense; a terminar, recusei qualquer sobremesa; foi quando Boxer, voltando-se para mim, me interrogou surpreendido: - Então vai ficar com boca de lacaio? Seja-me perdoado que nesta ocasião, tenha descido a contar-vos duas pequenas histórias do dia-a-dia. Asseguro-vos, no entanto, que o fiz com a clara intenção de mostrar que o Professor Charles Ralph Boxer, além de dominar exemplarmente a nossa língua e de conhecer como poucos a História do nosso país, vive connosco o nosso passado até o limite dos provérbios e dos modismos - que será talvez um dos modos íntimos de pulsar em uníssono com um Povo.
Luis de Albuquerque
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PREFACIO
A compilação deste livro por quem não é um historiador económico requere necessáriamente uma explicação, senão uma desculpa. Há cerca de vinte anos publiquei um pequeno trabalho em moldes semelhantes, intitulado As liagens de Japão e os seus Capitães-Mores, 1550-1640, reproduzido da revista periódica Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau, de Julho-Outubro de 1941. Tratando-se duma edição limitada da Imprensa Salesiana de Macau durante os anos da guerra, naturalmente que teve também uma distribuição limitada, e no fim da guerra estava esgotada. Desde então, houve um número surpreendente de pedidos deste trabalho, e a comemoração do quarto centenário de Macau, em 1955, deu-me ocasião para o voltar a escrever numa forma muito mais extensa. Na publicação de 1941 (que era em português), a primeira parte tinha apenas dezasseis páginas, os documentos da segunda parte ocupando as restantes cinquenta e seis. É portanto óbvio que este livro não é um mero novo arranjo do meu trabalho anterior, mas que se aproveitou a oportunidade para se incluir muito material novo, principalmente dos arquivos de Lisboa e Goa. Era inevitável uma certa sobreposição com os meus trabalhos anteriores Fidalgos in the Far East 1550-1770 (Haia 1948) e The Christian Century in Japan 1549-1650 (Califórnia e Cambridge University Press, 1951). Confio, no entanto, tê-lo reduzido ao mínimo, tratando tão reduzidamente quanto possível neste livro, os tópicos que já tinham sido tratados com maior desenvolvimento em qualquer dos indicados acima. De resto, os três trabalhos são mais complementares que concorrentes. Os dois primeiros tratam principalmente das componentes política, religiosa e (à falta de palavra melhor) cultural dos primeiros contactos entre o Extremo Oriente e o Extremo Ocidente, enquanto que
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neste trabalho se dá enfase principalmente aos aspectos mercantis e marítimos do mesmo tema. Seja-me permitido acrescentar que nas anas que decorreram entre o momento em que completei o manuscrito deste livro e a sua publicação, apareceram dois excelentes trabalhos que cobrem o campo anterior duma forma que não deixa nada a desejar. Trata-se da edição do livro Sumario de las cosas de Japon (1583) Adiciones dei Sumario de Japon (1592) de Alexandre Valignano S.J., que foi eruditamente comentada por J.L. Alvarez-Taladriz (Monumenta, Monografia No.9 Universidade de Sophia, Tóquio 1954), um segundo volume do qual está na imprensa e o estudo igualmente erudito deJ.F. Schiitte S.J., Valignanos Missionsgrundsãíze fur Japan, Erste Rand, Zweite Teil, 1580-1582 (Roma 1958), cujo primeiro volume faz parte da bibliografia do presente trabalho. Os documentos mais extensos e mais técnicos da segunda parte deste livro foram deixados no original português, em parte porque não tive tempo (nem, em certos aspectos, a competência) para os traduzir, mas principalmente porque julgo que os historiadores económicos preferirão consultá-los na sua forma original, do que serem obrigados a confiar numa tradução que não teriam meios de conferir.
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AGRADECIMENTOS
Os meus gratos agradecimentos aos Directores do Arquivo Histórico do Estado da índia, em Goa, da Biblioteca da Ajuda, da Torre do Tombo e do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, por me autorizarem a consultar e a reproduzir documentos importantes. Os Snrs, S. Hasegawa e o Professor K. Enoki de Tóquio deram a indispensável ajuda às traduções do japonês. O Vice-Almirante Alfredo Botelho de Sousa e a Snr3 C. E. Warnsinck-Delprat verificaram amavelmente algumas das referências nos arquivos de Lisboa e de Haia, respectivamente. O Central Research Fund da Universidade de Londres concedeu-me um subsídio para suportar os custos da reprodução dos documentos em Lisboa. Os meus cordiais agradecimentos são também devidos ao meu velho amigo, Snr. J.M. Braga, pelos seus esforços para conseguir a publicação deste trabalho em Macau e em Hong Kong em 1955-58. Se os seus esforços se não concretizaram, não foi culpa sua. Estou em dívida com o Padre António da Silva Rego e a Comissão Executiva do Centro de Estudos Ultramarinos por tão generosamente terem subsidiado a publicação desta obra. Escusado será dizer que as opiniões expendidas aqui são da minha inteira responsabilidade e que as pessoas que tão amavelmente apadrinharam o aparecimento tardio deste livro não têm nisso qualquer responsabilidade. Também são devidos agradecimentos ao Snr. W. G. L Randies pela ajuda prestada na revisão das provas.
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I n 1 o ■§ 8
INTRODUÇÃO
He lapão, onde nace a prata fina, Que illustrada será coa ley divina.
Estas linhas dos Lusíadas de Luís de Camões ilustram com muita propriedade a íntima ligação entre Deus e Mamona que caracterizou o comércio de Macau com o Japão desde o seu começo romântico até ao seu fim trágico. Se foi a procura de "Cristãos e especiarias" que trouxe os portugueses à Ásia, em primeiro lugar, pode-se dizer que "Cristãos e prata" foram as duas estrelas condutoras que em conjunto os guiaram nas suas viagens anuais ao Japão por quase um século. As barras de prata eram a sua principal exportação do império insular, e os altos e baixos do seu comércio estiveram inseparavelmente ligados às vicissitudes da Missão Jesuíta no Japão. O Extremo Oriente era nesta época o ponto de encontro de um mundo de prata barata e de um mundo de prata cara. A diferença entre o valor relativo do ouro e da prata era muito mais pequena na China do que na Europa, América, ou na Índia contemporâneas, e o apetite da China pela prata era aparentemente insaciável. "Darão mais facilmente o próprio sangue, do que largarão a prata uma vez que a possuam", escrevia um Feitor da Companhia Inglesa das índias Orientais em 1636, o que era igualmente verdade no século anterior (1). Dado que os chineses se recusavam a pagar qualquer das suas importações com prata, estas eram normalmente trocadas por seda (crua ou em fio) ou por têxteis de seda, e em muito menor escala por ouro. Depois dos portugueses se terem fixado em Macau, cerca de 1555,
(1) H. Bornfond, em Surate, para a Companhia das índias Orientais de Londres, a 29 de Abril (O.S.) de 1636, carta citada em English Factories in India, 16341636, de W.Foster (Oxford 1911), pg. 229; ver também o testemunho de Marco d'Avalo, traduzido por C.RBoxer, em Macao 300 )>ears ago, pg.89.
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estavam bem colocados para expandir o seu comércio com o Japão, que tinha começado apenas uma década antes, com a chegada acidental a Tanegashima (2) de alguns portugueses num junco chinês. Macau deulhes pela primeira vez uma base segura na costa da China do sul, com fácil acesso a Cantão, e a sua posição no Japão consolidou-se quando Nagasaki foi entregue ao controlo dos Jesuítas em 1571 com o propósito declarado de fazer desta obscura aldeia de pescadores o porto terminal da Nao do trato ou do Grande Navio que vinha anualmente de Macau. A posição dos portugueses como intermediários no comércio entre a China e o Japão foi grandemente facilitada por três factores. Primeiro, devido às razias que os piratas japoneses (wako) faziam na costa, a dinastia Ming tinha proibido todas as relações e o comércio entre os seus súbditos e os japoneses, apesar do contrabando comercial entre os dois países nunca ter cessado completamente e ter por vezes atingido considerável volume. Em segundo lugar, o valor do ouro e prata aproximava-se mais da relação existente na Europa, do que da correspondente na China, graças principalmente à exploração das novas minas de prata em Iwami e noutros pontos. Os portugueses puderam assim ter um bom lucro como correctores da prata em barra do Japão, na troca da prata japonesa pelo ouro chinês, especialmente quando os acontecimentos políticos no Japão e a invasão da Coreia por Hideyoshi, estimularam grandemente a procura de ouro pelos japoneses, nas duas últimas décadas do século dezasseis < 3). Em terceiro lugar, embora o Japão fosse um país produtor de seda, os japoneses preferiam a seda chinesa à sua, quer crua quer tecida, porque era de melhor qualidade. Os espanhóis, nas Filipinas, estavam igualmente bem situados para participar no comércio com a China e com o Japão, depois de terem ocupado Manila em 1571. Já em 1573, dois galeões de Manila que iam para Acapulco levavam 712 rolos de seda chinesa e 22.300 peças de "fina porcelana chinesa dourada e outra" *4). No fim do século, iam anual(2) A descoberta do Japão pelos portugueses foi exaustivamente tratada por G.Schurhammer, S.J., em "O Descobrimento do Japão pelas Portugueses no ano de 1543", em Anais da Academia Portuguesa da História , 2.a série, Vol.I (1946), pgs. 1-172, que é provávelmente a última palavra sobre este assunto. Para as primeiras relações portuguesas com a China antes da fundação de Macau, ver J.M.Braga, The Western Pioneers and their discovery of Macao, (Macau 1949) e South China in the 16(thJ century, (London 1953), de C.R. Boxer. (3) Consultar Money Economy in medieval Japan, de Delmer M. Brown, pgs. 55-56, acerca da produção de prata no Japão. Hideyoshi fixou a relação entre o ouro e a prata no Japão. Em 1592, Hideyoshide fixou a relação entre o ouro e a prata no Japão, de 1 para 10, mas parece ter ascilado entre 1 para 12 ou 1 para 13, um pouco mais tarde. A razão correspondente em Espanha era entre 1 para 12 1/2 e 1 para 14, enquanto que em Cantão era tão baixa como 1 para 5 1/2 e raramente mais alta do que 1 para 7. Veja as números recolhidas por C.R.Boxer de fontes contemporâneas em Christian Century in Japan, pgs. 426427, 464-465. (4) Documento citado por W.L Schurz em The Manila Galleon, pgs. 27 (New York 1939)
mente a Manila dos portos de Fukien, uma média de 40 a 50 juncos de alto mar (somas), trazendo sedas e outros produtos chineses que vendiam por pesos de prata e reais de oito trazidos do México e do Perú. Ao fim de dois anos da conquista espanhola, Manila tornou-se naquilo que seria nos dois séculos seguintes, pouco mais comercialmente, que um entreposto de passagem onde a seda era trocada por prata entre a China e o México. Por outro lado, o comércio de Manila com o Japão não durou muito e nunca foi muito importante. Isto em parte, porque os espanhóis não precisavam da prata japonesa, pois a podiam extrair das minas do México e do Perú, aparentemente inexauríveis, e em parte porque as relações hispano-japonesas foram ensombradas desde o começo por uma mútua desconfiança devida a razões políticas e religiosas. Houve ainda uma terceira razão: depois da união das Coroas espanhola e portuguesa em 1580, o governo de Madrid, aceitou de modo geral, a argumentação portuguesa de que o Japão estava dentro da sua esfera de influência, e portanto o comércio com o Japão deveria ser monopolizado por Macau tS). Quando os holandeses e os ingleses apareceram em cena na Ásia Oriental, no princípio do século dezassete, logo se estabeleceram em Hirado, donde esperavam competir com vantagem com os portugueses de Nagasaki e de Macau. Como o célebre Will Adams escrevia aos seus compatriotas de Bantam: "se os mercadores ingleses conseguirem manobrar os chineses ou comerciar com eles, então o vosso país terá grandes lucros, e a Veneranda Companhia da índia de Londres não terá necessidade de mandar dinheiro para fora de Inglaterra, pois no Japão há ouro e prata em abundância"*61. Os ingleses tentaram o suborno em grande escala, mas os mercadores chineses de Hirado e Nagasaki, que usavam como intermediários, meteram simplesmente o dinheiro ao bolso, sem tentar combinar nada com as autoridades chinesas do continente, e assim a Companhia das índias Orientais Inglesa retirou a sua "feitoria" de Hirado em 1623. Os holandeses que eram menos crédulos e mais determinados, agiram segundo o princípio enunciado dois séculos mais tarde por Lord Elgin, que os chineses não cedem nada à razão e tudo à força. Tentaram forçar os chineses a comerciar bloqueando-lhes os portos e fazendo pirataria contra os seus navios, em especial com os juncos de Fukien que se dirigiam a Manila. Depois de não terem conseguido tomar Macau em Junho de 1622, estabeleceram-se primeiro no arquipélago dos Pes-
es) The Manila Galleon, de W. L Schurz, pgs. 99-128; Christian Century in Japan, pgs. 154-171, 301-502, de C.R.Boxer. (6) De W. Adams para A. Spalding, a 12 de Janeiro (O.S.) 1613, em N.Murakawi (ed.) letters written hy the English Residents in Japan, 1611 1623 (Toquio 1900), pg 27; Calendar of State Papers, Colonial Series, 1513-1516, n " 630.
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cadores e, dois anos mais tarde, no Castelo Zeelândia na costa sudoeste da Formosa, que transformaram num entreposto poderosamente fortificado, rivalizando com Manila e Macau. Este local veio a tornar-se um centro de distribuição das sedas chinesas, da prata e do cobre do Japão, e doutros produtos do Extremo Oriente, mas só conseguiram grande prosperidade depois da expulsão dos portugueses do Japão em 1639 ri. Além dos seus rivais europeus, os portugueses de Macau tinham que competir com o aumento constante da competição chinesa no comércio do Japão, especialmente quando Tokugawa Ieyasu abandonou a política agressiva de Toyotomi Hideyoshi no continente mas continuou a política de supressão dos piratas wako. A interdição Ming de todo o comércio e relações com o Japão continuou ostensivamente em vigor até à queda final da dinastia em 1644, mas raramente foi cumprida rigorosamente, e cada vez menos à medida que a família Tokugawa ia consolidando o seu poder. De 1613 a 1640 visitaram o Japão anualmente parece que uma média de 60 a 80 juncos chineses (8). Frequentavam vários portos de Kyúshú, na maior parte do período que passamos em revista, mas a partir de 1634 em diante estavam confinados, como os portugueses ao porto de Nagasaki. A competição directa dos japoneses com os portugueses de Macau, levou tempo a desenvolver-se, e data dos últimos anos do século dezasseis, quando Toyotomi Hideyoschi instituiu o sistema de passar licenças aos juncos japoneses para comerciar no ultramar. Estes navios eram conhecidos pelo nome de Goi-shuin-sen ou "Navios de Selo Vermelho de Agosto", devido a levarem um passaporte do governo, de cor vermelha, que era a autorização das viagens. Tokugawa Ieyasu fez o mais que pôde para incrementar o crescimento desta incipiente marinha mercante japonesa, mas o seu filho e sucessor Hidetada, foi menos entusiasta. O neto, o Xogun Iemitsu, revogou totalmente este sistema em 163638, com o receio, que já era um pesadelo, que os marinheiros e os mercadores que navegavam nos navios de Selo Vermelho para a Indochina e para o Sueste Asiático, ficassem infectados com o Cristianismo Católico-Romano, o que tanto receava. Os siameses e os cambodjanos mandavam ocasionalmente um junco de comércio ao Japão durante este período, mas a sua competição directa nunca chegou a ter significado, e a maior parte do comércio do Sião, Cambodja e Ainão com o Japão era feito através dos portugueses de Macau (9). (7) Para mais pormenores consultar De Nederlarulers in China, 1601 1624, de W.P. Groeneveldt, (Haia 1988); Bijdragen to! de ondere koloniale geschiedenis tan hei eiland Formosa, de F. R. J. Verhoeven, (Haia 1930); From Akbar to Aurangzeb, de W. H. Moreland (Londres 1923), pgs. 66-67. (8) Coasultar os anos de 1623, 1629 e 1631. A sua tonelagem variava naturalmente de forma considerável, as somas ou os grandes juncos de alto-mar tinham provávelmente uma tonelagem média de 600 toneladas cada. (9) Os trabalhos padrão sobre esta abortiva marinha mercante japonesa e sobre a 4
Como o comércio de Macau com o Japão tinha essencialmente por base, desde o princípio até ao fim, a troca da seda chinesa pela prata japonesa, tratemos destes dois produtos com um pouco mais de pormenor. O grosso das cargas exportadas era ao princípio a seda crua, apesar de as sedas tecidas, os damascos e a seda manufacturada terem constituído no século dezassete uma proporção cada vez mais importante desse comércio. As sedas de melhor qualidade vinham da China Central (l0) , e as encomendas eram colocadas numa das feiras ou mercados bianuais de Cantão, a que os portugueses tinham autorização para ir. Um deles era levado a efeito normalmente cerca de Dezembro-Janeiro e outro em Maio-Junho, mas podiam durar várias semanas ou mesmo meses. Os contactos eram muitas vezes feitos com um ano de antecedência, mas em alternativa, os contratos e os pagamentos adiantados podiam ser feitos numa feira e as entregas na seguinte. Duma forma geral, na feira de inverno recebiam-se artigos para exportação para a índia, Europa e Filipinas, e na de verão para o Japão. As reclamações contra a extorsão chinesa oficial, desfalques e chantagem eram frequentes e veementes, mas tal e qual como com a Companhia das índias Orientais em Cantão em anos posteriores, os lucros finais eram suficientemente grandes para garantir que os portugueses voltassem regularmente a Cantão. Além das sedas compradas nas feiras bi-anuais de Cantão, que eram trazidas rio abaixo até Macau em grandes navios de tipo barcaça chamados lanteas, havia grandes quantidades que entravam em Macau de contrabando para serem vendidas clandestinamente 111 Faltam estatísticas precisas do valor deste comércio, mas Peter Mundy, escrevendo em 1637, estimava o investimento anual oficial dos portugueses em Cantão em "1.500.000 taéis o que é perto de 1.000.000 de reais de oito" ereadores que foram eleitos este ano eram provávelmente inimigos declarados de Lopo Sarmento de Carvalho. De qualquer forma, quando chegou a monsão de Junho própria para as viagens ao Japão, aproveitaram a ausência de Lopo Sarmento em Nagasaki e do seu cunhado António Fialho Ferreira em Manila, para voltarem à velha pretensão de que a viagem deveria ser feita por conta da Cidade. Chegaram mesmo a ameaçar empregar a força das armas se Manuel da Câmara de Noronha os impedisse de carregar as galeotas por sua conta