O autoritarismo eleitoral dos anos 30 e o Código Eleitoral de 1932 9788547339982

O Código Eleitoral de 1932, o primeiro adotado no Brasil, introduziu uma série de inovações institucionais que se mantêm

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Portuguese Pages 291 Year 2019

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932 E OS ANOS TRINTA p. 13
Paolo Ricci

CAPÍTULO 1
O PODER DISCRICIONÁRIO: DITADURA E CONSTITUCIONALIZAÇÃO NO GOVERNO PROVISÓRIO p.19
Raimundo Helio Lopes

CAPÍTULO 2
OBRA DE ASSIS BRASIL? A TRAMITAÇÃO DO CÓDIGO ELEITORAL DE 1932 p. 41
Jaqueline Porto Zulini

CAPÍTULO 3
A REPRESENTAÇÃO (QUASE) PROPORCIONAL E OS PLEITOS DE 1933 E 1934. p. 61
Paolo Ricci e Glauco Silva

CAPÍTULO 4
QUAL VOTO SECRETO? O CÓDIGO DE 1932 E AS TRANSFORMAÇÕES NO
SIGILO DO VOTO. p. 83
Rogerio Schlegel e Josué Nobrega

CAPÍTULO 5
VOTO FEMININO: TRÂMITES LEGAIS E MOVIMENTO SUFRAGISTA p. 109
Mônica Karawejczyk

CAPÍTULO 6
ORIGENS DO VOTO OBRIGATÓRIO NO BRASIL p. 139
Maria do Socorro Sousa Braga
Hannah Maruci Aflalo

CAPÍTULO 7
POR ALÉM DO DISCURSO MORALIZADOR: OS INTERESSES POLÍTICOS E O
IMPACTO DA CRIAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL EM 1932 p. 163
Jaqueline Porto Zulini

CAPÍTULO 8
A REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS DÉCADAS REPUBLICANAS
À IMPLEMENTAÇÃO NOS ANOS 1930 p. 199
Luciana Fagundes

CAPÍTULO 9
AS ELEIÇÕES DA ERA VARGAS: QUE REGIME REPRESENTATIVO É ESSE? p. 229
Paolo Ricci

BIBLIOGRAFIA p. 249

ANEXOS

ANEXO I - ATOS DO GOVERNO PROVISÓRIO EM MATÉRIA ELEITORAL (1931-1934) p. 261

ANEXO II – ESTATÍSTICA ELEITORAL p. 273

SOBRE OS AUTORES p. 289
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O autoritarismo eleitoral dos anos 30 e o Código Eleitoral de 1932
 9788547339982

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O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Editora Appris Ltda. 1.ª Edição - Copyright© 2019 dos autores Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda. Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.

Catalogação na Fonte Elaborado por: Josefina A. S. Guedes Bibliotecária CRB 9/870

A939a 2019

O autoritarismo eleitoral dos anos trinta e o código eleitoral de 1932 / Paolo Ricci (org). - 1. ed. – Curitiba: Appris, 2019. 291 p. ; 27 cm – (Ciências sociais)

Inclui bibliografias ISBN 978-85-473-3998-2

1. Eleições – Brasil. 2. Direito eleitoral – Brasil. I. Ricci, Paolo. II. Título. III. Série.

Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

Editora e Livraria Appris Ltda. Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês Curitiba/PR – CEP: 80810-002 Tel. (41) 3156 - 4731 www.editoraappris.com.br Printed in Brazil Impresso no Brasil

CDD – 324.81

Paolo Ricci (org.)

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

FICHA TÉCNICA EDITORIAL Augusto V. de A. Coelho Marli Caetano Sara C. de Andrade Coelho COMITÊ EDITORIAL Andréa Barbosa Gouveia - UFPR Edmeire C. Pereira - UFPR Iraneide da Silva - UFC Jacques de Lima Ferreira - UP Marilda Aparecida Behrens - PUCPR ASSESSORIA EDITORIAL Isabela do Vale REVISÃO André Luiz Cavanha PRODUÇÃO EDITORIAL Lucas Andrade DIAGRAMAÇÃO Luciano Popadiuk CAPA Suzana vd Tempel COMUNICAÇÃO Carlos Eduardo Pereira Débora Nazário Karla Pipolo Olegário LIVRARIAS E EVENTOS Estevão Misael GERÊNCIA DE FINANÇAS Selma Maria Fernandes do Valle

COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS DIREÇÃO CIENTÍFICA Fabiano Santos (UERJ-IESP) CONSULTORES Alícia Ferreira Gonçalves (UFPB) Artur Perrusi (UFPB)

Jordão Horta Nunes (UFG) José Henrique Artigas de Godoy (UFPB)

Carlos Xavier de Azevedo Netto (UFPB) Josilene Pinheiro Mariz (UFCG) Charles Pessanha (UFRJ)

Leticia Andrade (UEMS)

Flávio Munhoz Sofiati (UFG)

Luiz Gonzaga Teixeira (USP)

Elisandro Pires Frigo (UFPR-Palotina)

Marcelo Almeida Peloggio (UFC)

Gabriel Augusto Miranda Setti (UnB)

Maurício Novaes Souza (IF Sudeste-MG)

Helcimara de Souza Telles (UFMG)

Michelle Sato Frigo (UFPR-Palotina)

Iraneide Soares da Silva (UFC-UFPI)

Revalino Freitas (UFG)

João Feres Junior (Uerj)

Simone Wolff (UEL)

Dedicados às famílias de ultramar e da terrinha

Nonno: Dov’è che sono? Sembra di non stare in nessun posto Mo se la morte è così... non è um bel lavoro! Sparito tutto: la gente, gli alberi, gli uccellini per aria, il vino. Tè cul! Mi son perduto! Non trovo più la mia casa! Ma dov’è che sono? Homem na carroça: Ma come dove siete! Siete davanti a casa vostra! È lí! Nonno: Grazie!

Amarcord, di Federico Fellini (1973)

Tradução livre:

Avô: Onde estou? Parece que estou em lugar nenhum. Putz, se a morte for assim... não é uma bela coisa! Tudo desapareceu: a gente, as arvores, os passarinhos no ar, o vinho. Vá tomar! Estou perdido! Não acho mais a minha casa! Mas onde estou? Homem na carroça: Mas como onde está? Você está em frente à sua casa! Aí está! Avô: Obrigado!

Amarcord, di Federico Fellini (1973)

AGRADECIMENTOS Esta obra teve a participação especial de inúmeras pessoas e instituições. Um agradecimento especial aos funcionários públicos dos Arquivos Estaduais, Municipais e dos Institutos Históricos Geográficos Brasileiros, pelo auxílio constante na busca pelo material de arquivo. Gostaria de fazer um agradecimento especial aos funcionários dos Tribunais Eleitorais Regionais, em particular aos dos estados do Espírito Santo, Piauí, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Norte, pela simpatia e disponibilidade que sempre demonstraram quando solicitados e que me auxiliaram em vários momentos na coleta do material. Um reconhecimento especial é destinado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que sediou este projeto. Foi nessa sede que, em 2017, organizamos um evento intermediário no qual as primeiras versões da coletânea foram apresentadas e discutidas. Um agradecimento muito especial, pelo incentivo à pesquisa, pelas conversas e as contínuas sugestões, ao professor Fernando Limongi. Como também sou grato ao Jairo Nicolau, pelas suas generosas palavras ao prefaciar a obra, e à professora Angela de Castro Gomes, que assinou a orelha do livro e sempre apoiou e incentivou a pesquisa sobre as instituições que antecedem a democracia de 1945. Por fim, agradeço à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) que concedeu auxílio financeiro (processo 2015/19455-3) e ao CNPq, por ter apoiado a pesquisa, na modalidade PQ-2 (Processo 306071/2017-7).

PREFÁCIO Para quem conhece pouco a história das eleições no Brasil, pode parecer demasiado que um conjunto de cientistas políticos e historiadores tenha, por mais de dois anos, se dedicado a estudar uma lei eleitoral que foi promulgada há mais de 70 anos. Mas, como o leitor deste livro logo perceberá, essa é uma visão equivocada. Na minha opinião, o Código Eleitoral de 1932 é a lei eleitoral mais importante da história das eleições no Brasil. E destacaria dois aspectos para justificar a minha escolha. O primeiro aspecto é que importantes características do sistema representativo brasileiro foram definidas por ele. O Código de 1932 estendeu o direito de voto às mulheres, estabeleceu a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e de voto, ampliou os mecanismos para garantia do voto secreto, criou a Justiça Eleitoral e adotou o sistema proporcional (na realidade um sistema misto, em que parte dos representantes eram eleitos pelo voto majoritário). A única “invenção” do Código que não prosperou na história institucional brasileira foi a representação profissional; além de 214 deputados escolhidos em eleições gerais, a Constituinte eleita em 1933 foi composta por 40 deputados escolhidos por sindicatos de trabalhadores e patronais. Ainda que confirmada na carta de 1934, a representação profissional deixou de vigorar após o Estado Novo. A segunda razão para louvar o Código está associada aos seus efeitos. As duas eleições (de 1933 e de 1934) realizadas sob sua vigência são consideradas por cronistas da época e por estudiosos posteriores como um marco em relação às eleições da Primeira República: a proporção de eleitores inscritos aumentou; a disputa entre poucos partidos deu lugar a uma competição entre um número expressivo de legendas; as fraudes foram reduzidas de maneira considerável. O autoritarismo eleitoral dos anos trinta e o Código Eleitoral de 1932 é o primeiro trabalho publicado no âmbito da Ciência Política e da História com o intuito de, nas palavras de Paolo Ricci, entender as causas e as consequências do primeiro Código Eleitoral do país. O livro tem três capítulos que tratam do contexto político do começo dos anos 1930 e do processo de tramitação do Código. Os outros seis são dedicados justamente aos pontos de inovação do Código: Justiça Eleitoral, voto obrigatório, representação proporcional, voto feminino, voto secreto e representação profissional. Há alguns anos atrás me dediquei a estudar a história das eleições no Brasil. O período que mais tive dificuldade em encontrar material foi o início da década de 1930, justamente o período coberto por esse livro. Ao fim da leitura, meu sentimento foi de lamento por não ter me beneficiado deste livro antes de escrever os resultados de minha pesquisa. Vale a pena chamar a atenção para duas contribuições fundamentais dos artigos reunidos neste trabalho. A primeira é o extensivo dos jornais como fonte de pesquisa. A hemeroteca da Biblioteca Nacional, que disponibiliza dezenas de periódicos brasileiros online, permitiu que os pesquisadores explorassem de maneira inovadora a cobertura jornalística sobre diversos aspectos do Código. O artigo de Jaqueline Zulini, por exemplo, mostra como os trabalhos da comissão criada por Getúlio Vargas para elaborar o Código foi amplamente coberto pela imprensa do período. Uma segunda característica dos textos é retroceder no tempo e mostrar o longo percurso que antecedeu a discussão de aspectos centrais do Código de 1932. Para dar um único exemplo: os formuladores do Código não tiraram da cartola a ideia de adotar a representação proporcional.

Desde o Império já havia um longo debate no país sobre a representação de minorias. A adoção do sistema parcialmente proporcional deve ser lida no âmbito desse debate. A Ciência Política brasileira tem privilegiado dois períodos em seus estudos: o atual período democrático e a República de 1946. Sou um entusiasta de esforços para tratar outros contextos da história política brasileira com o instrumental próprio da disciplina. Os trabalhos reunidos neste livro não foram escritos exclusivamente por cientistas políticos, mas para simplificar, vou tomar como premissa que é uma contribuição da disciplina para entendermos as eleições e a vida partidária dos anos 1930. Historiadores, estudiosos da legislação eleitoral, cientistas políticos interessados em história, cidadão que gostam de política. São muitos os que, imagino, poderão beneficiar-se da leitura de O autoritarismo eleitoral dos anos trinta e o Código Eleitoral de 1932. No meu caso, se um dia voltar a pesquisar a política da década de 1930, já sei por onde recomeçar. Jairo Nicolau FGV/CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

SUMÁRIO INTRODUÇÃO – O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932 E OS ANOS TRINTA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Paolo Ricci

CAPÍTULO 1

O PODER DISCRICIONÁRIO: DITADURA E CONSTITUCIONALIZAÇÃO NO GOVERNO PROVISÓRIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Raimundo Helio Lopes

CAPÍTULO 2

OBRA DE ASSIS BRASIL? A TRAMITAÇÃO DO CÓDIGO ELEITORAL DE 1932. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Jaqueline Porto Zulini

CAPÍTULO 3

A REPRESENTAÇÃO (QUASE) PROPORCIONAL E OS PLEITOS DE 1933 E 1934 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Paolo Ricci e Glauco Silva

CAPÍTULO 4

QUAL VOTO SECRETO? O CÓDIGO DE 1932 E AS TRANSFORMAÇÕES NO SIGILO DO VOTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Rogerio Schlegel e Josué Nobrega

CAPÍTULO 5

VOTO FEMININO: TRÂMITES LEGAIS E MOVIMENTO SUFRAGISTA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 Mônica Karawejczyk

CAPÍTULO 6

ORIGENS DO VOTO OBRIGATÓRIO NO BRASIL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 Maria do Socorro Sousa Braga Hannah Maruci Aflalo

CAPÍTULO 7

POR ALÉM DO DISCURSO MORALIZADOR: OS INTERESSES POLÍTICOS E O IMPACTO DA CRIAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL EM 1932. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 Jaqueline Porto Zulini

CAPÍTULO 8

A REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS DÉCADAS REPUBLICANAS À IMPLEMENTAÇÃO NOS ANOS 1930. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 Luciana Fagundes

CAPÍTULO 9

AS ELEIÇÕES DA ERA VARGAS: QUE REGIME REPRESENTATIVO É ESSE?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .229 Paolo Ricci

BIBLIOGRAFIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249

ANEXOS

ANEXO I - ATOS DO GOVERNO PROVISÓRIO EM MATÉRIA ELEITORAL (1931-1934) . . . . . . . . . 261 ANEXO II – ESTATÍSTICA ELEITORAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273 SOBRE OS AUTORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289

INTRODUÇÃO O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932 E OS ANOS TRINTA Paolo Ricci

O Código Eleitoral de 1932, o primeiro adotado no Brasil, introduziu uma série de inovações institucionais que se mantêm até hoje, como o voto secreto, o voto obrigatório, o voto feminino, a proporcional e a Justiça Eleitoral. Curiosamente, pouco sabemos a respeito das razões por trás da formulação de cada uma dessas medidas e do Código como um todo, que representou um marco legal central nos anos 1930 e que ainda influencia a história das eleições no Brasil. A maior parte do conhecimento disponível tem sido produzida pela historiografia. Por além do clássico Regionalismo e centralização política organizado por Angela de Castro Gomes1, cumpre bem esse papel a vasta literatura regional sobre o “clima político” pós-revolucionário em cada estado, como em torno da formação e atuação dos partidos nos pleitos daqueles anos. Da perspectiva da ciência política, as referências são escassas. As parcas investidas sobre o período anterior à democracia de 1945 aparentemente em parte se devem a fatores práticos, como a dificuldade em obter dados sobre a época, mas derivam também da reticência dos analistas em desenvolver reflexões que exigem conhecimento histórico aprofundado. As mais profícuas contribuições que encaram os anos 1930, o recente História do voto, escrito por Jairo Nicolau2 e o mais ensaísta O voto no Brasil, de Walter Costa Porto3, não se dedicam de forma detalhada ao estudo do Código. Era necessário, então, abrir uma reflexão sobre uma reforma que não apenas inovou na época, mas cujos efeitos se estendem até o presente. Este livro se propõe justamente a interpretar o Código Eleitoral de 1932 à luz dos interesses dos atores que o realizam e dos efeitos causados pelas regras nele criadas. Um grande desafio que só foi possível graças ao trabalho conjunto dos autores, uma equipe formada por cientistas políticos e historiadores. Os pesquisadores envolveram-se nesse projeto formando um grupo de estudos centrado unicamente na análise do Código. Por cerca de dois anos e meio, entre janeiro de 2016 e julho de 2018, as suas reuniões se pautaram na discussão de questões metodológicas, problemas encontrados na coleta dos dados, interpretações conflitantes sobre os eventos e as ações dos responsáveis pela reforma. A composição multidisciplinar da equipe deu fôlego à execução da ambição de esmiuçar o conteúdo da matéria. Salvo os primeiros dois capítulos – o primeiro discutindo o papel do Governo Provisório e o segundo tratando da tramitação do projeto do Código – os demais analisam singularmente as reformas introduzidas em 1932. O tratamento separado do voto obrigatório, do voto secreto, da Justiça Eleitoral, da representação proporcional e da representação classista foi pensado para tentar fornecer um quadro mais completo sobre cada aspecto do Código. Para que o leitor não fique com a sensação de reformas isoladas, a interpretação do Código como um todo foi deixada para o último capítulo. Nele busco fornecer uma explanação mais detalhada e abrangente a respeito da adoção do Código Eleitoral no contexto pós-revolucionário. Distancio-me de quem 1  2  3 

GOMES, A. C. Regionalismo e centralização política: partidos e Constituinte nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil. São Paulo: Zahar, 2002. PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil: da colônia à 6a. República. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002.

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PAOLO RICCI (ORG.)

interpreta aquela peça jurídica e as eleições dos anos 1930 como o embrião da democracia de 1945. Daí a posição especial do conjunto da obra que representa, na prática, um convite a entender a natureza do regime anterior, genericamente associado à fase inicial da Era Vargas. É importante esclarecer outro fator decisivo para o êxito dessa obra. A simples reunião de uma equipe de cientistas políticos e historiadores evidentemente não me parecia suficiente para garantir um bom resultado. Obras editadas correm o risco de se tornarem uma somatória de textos que dialogam pouco entre si. Para evitar esse resultado, o projeto foi desenvolvido em torno de duas dimensões analíticas centrais que todos os autores adotaram nos respectivos capítulos: causas das reformas e seus efeitos. O ponto merece ser esclarecido. A ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS: CAUSAS E EFEITOS Causas e efeitos são duas dimensões cruciais em quaisquer estudos detidos em matéria de mudança institucional. Esquivar-se de focar essas duas dimensões significa abortar de fato qualquer proposta de intepretação sobre o Código Eleitoral. O que levou os políticos da época, revolucionários de poucos dias, a organizar um Código Eleitoral tão inovador? O que estava em jogo? E, ainda, quais os efeitos produzidos nos pleitos de 1933 e 1934, o primeiro para a escolha dos deputados constituintes e o segundo para a eleição da Câmara dos Deputados ordinária e das Assembleias Estaduais constituintes? Causas e efeitos representam a espinha dorsal de cada capítulo do livro. No que tange às causas, até hoje, os especialistas continuam associando o Código unicamente à luta em favor da liberdade do voto contra as práticas fraudulentas que eram tão comuns no regime republicano anterior. Isso se tornou quase que um truísmo. Tudo é explicado pela ênfase posta em torno do genérico e abstrato tema da moralização das eleições. A leitura clássica que se faz da representação proporcional, por exemplo, não se distancia dessa perspectiva. Os estudiosos lembram que uma das bandeiras da revolução de 1930 havia sido a defesa das liberdades políticas e da representação das diferentes opiniões contra o regime republicano, impenetrável às oposições. Interpretações similares dominam a percepção em torno da Justiça Eleitoral e do voto secreto. Aqui o escopo era garantir o voto e reduzir as formas de manipular o resultado após as eleições, no momento da contagem dos votos. Enfim, o mote era uníssono: “verdade eleitoral”. Percebe-se claramente nessa abordagem o apelo valorativo pelo qual a reforma é julgada. Finalmente uma lei eleitoral que interviria sobre a natureza do governo representativo! Num piscar de olhos a academia tem enquadrado aquele Código dentro da temática da democratização. Os pesquisadores que fizeram parte desse projeto se comprometeram a ir além de uma abordagem que é essencialmente anacrônica. O anacronismo está presente na avaliação que se faz do Código tendo em mente as características do funcionamento da democracia de hoje. Ao longo das reuniões ficou clara a necessidade de partir de um exame atento dos debates da época, do estudo das propostas de reforma eleitoral já em pauta, como do entendimento a respeito das práticas eleitorais e dos atores políticos envolvidos nas eleições. Assim se chegou ao consenso em se analisar as reformas incluídas no Código, do voto obrigatório à Justiça Eleitoral, desde 1889, época da instauração da Primeira República. Do ponto de vista metodológico, trilhou-se um caminho inovador. Os pesquisadores se arriscaram a mapear o debate dos vários temas – da introdução da justiça até o voto secreto – partindo dos jornais da época disponíveis online no portal da hemeroteca da Biblioteca Nacional. Uma deci-

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são muito bem orientada haja vista o perfil dos jornais no Brasil da virada do séc. XIX para o XX: veículos de propaganda partidária por excelência. Qualquer partido com uma organização mínima gozava de uma folha que circulava no nível estadual. Não era incomum encontrar abaixo do nome do jornal a referência à sua filiação partidária, eventualmente mudando de acordo com a evolução do quadro partidário no estado. Existiam também jornais independentes que frequentemente se manifestavam acerca da necessidade de reformar as instituições republicanas. Esclarecida a força da fonte, restava operacionalizar a pesquisa de forma sistemática. A decisão geral foi em favor de uma abordagem quantitativa. Cada autor se serviu do campo de busca por palavras-chave na hemeroteca para o período compreendido entre 1889 e fevereiro de 1932. Assim todos poderiam observar como o debate em torno de cada assunto evoluiu ao longo do tempo. O que emerge é claro: a reforma de 1932 não nasceu num vácuo normativo. O voto secreto e seu oposto, o voto a descoberto, eram debatidos desde os albores da República. A proporcional ganha peso nos anos 20, ainda que frequentemente apelidada de “sistema Assis Brasil”, do nome do eminente político e agropecuário gaúcho que já no final do século XIX propunha sua adoção. Sem falar do voto feminino, que vê inúmeras mulheres se mobilizarem em prol da concessão do direito ao voto durante a Primeira República. Se a pauta já estava desenhada, crucial então era entender porque os revolucionários embarcam na onda reformista e porque as propostas vingaram no formato que foram aprovadas. Aqui a pesquisa se tornou mais sinuosa. Responder à pergunta “o que estava em jogo” significava ir além da constatação de que existia um debate sobre as reformas, mas implicava entender também a racionalidade dos atores que as promoveram. Qual a vantagem da adoção da proporcional, por exemplo? Deixar espaço para as minorias – como na época era identificada a oposição – estava no discurso dos revolucionários, mas era esse o verdadeiro êxito desejado? Ou, ainda, de que voto secreto se tratava? A resposta que emerge da leitura dos capítulos será aprofundada nas conclusões, mas vale a pena ser antecipada. Sustenta-se que os revolucionários se apropriam de um debate vivo e já desenvolvido em época republicana com o objetivo principal de legitimar a mudança de regime. Regras novas para uma nova República. Isso nos leva à segunda dimensão que caracteriza os capítulos, vale relembrar, os efeitos gerados sobre os pleitos de 1933 e 1934. Afinal, de que forma as regras foram implementadas? O que estava em jogo era de fato a representação das minorias? E, ainda, a suposta imparcialidade e autonomia da Justiça Eleitoral foi por certo observada? Para responder às perguntas os pesquisadores se serviram de várias fontes. De um lado, os jornais da época, usados dali em diante com o escopo de capturar a percepção em torno das eleições de 1933 e entender a avaliação para as medidas adotadas no Código. De outro lado, mais fontes, em particular os Boletins Eleitorais (BEs) do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral. Os BEs constituíam uma publicação oficial do Tribunal Eleitoral e foram impressos entre 1932 e 1937. Há inúmeras informações contidas neles, como o alistamento conduzido no Distrito Federal, os candidatos e partidos que disputaram as eleições, os respectivos resultados eleitorais e os próprios recursos apresentados pelos partidos derrotados nos pleitos. Todas essas informações fazem referência às eleições de 1933 (para a Assembleia Constituinte) e de 1934 (para a Câmara dos Deputados e Assembleias Estaduais). O quadro que emerge do exame dessas fontes não deixa dúvidas: reforma-se sim, mas mentém-se o modus operandi das eleições da Primeira República, repletas de fraudes e coação ampla. Para o enquadramento dessa experiência de governo representativo, a mensagem é clara: 1932, com suas regras, foge à lógica democrática e deve ser interpretado na esfera dos regimes autoritários competitivos. 15

PAOLO RICCI (ORG.)

A ORGANIZAÇÃO DO LIVRO O livro é dividido em sete capítulos, por além dessa introdução, da conclusão e de um anexo contendo a estatística eleitoral e informações sobre eventos políticos e a legislação eleitoral da época. O primeiro capítulo, assinado por Raimundo Helio Lopes, indaga sobre o Código Eleitoral a partir da conjuntura política da época. Para isso o capítulo se debruça sobre os poderes discricionários do Governo Provisório. De acordo com o autor, trata-se de um governo legal, já que fundamentado na norma, excepcional e transitório, em virtude da constitucionalização iminente e, por último, saneador, em respeito à Primeira República. É dentro desse quadro que se insere o projeto do Código Eleitoral. Ele representa o resultado de um projeto mais amplo que visava legitimar a revolução pela via da inovação institucional. O Código Eleitoral não nasce no vácuo, não é produto da obra de alguns poucos eminentes juristas, mas se mostra representativo de um momento peculiar em que o novo regime e, em particular, o Governo Provisório, almeja se legitimar internamente. O segundo capítulo, escrito por Jaqueline Zulini, concentra-se sobre a tramitação do Código. Desde a promulgação do decreto oficial que previa uma comissão de especialistas para elaborá-lo se passa mais de um ano até a aprovação final, em fevereiro de 1932. O que acontece nesse lapso? O capítulo traça detalhadamente as disputas travadas nos bastidores entre os três membros da comissão – Assis Brasil, João Cabral e Pinto Serva – e reveladas pelos jornais da época. Aprendemos que o Código não é filho único de Assis Brasil. Sua influência é grande, sem sobra de dúvida. Mas o papel de Assis Brasil deve ser lido dentro do grande caldeirão de ideias que desde a primeira década do século se espalham na América Latina em tema de reforma eleitoral. Assis Brasil é um precursor, mas não escapa das influências externas. Assim, a nova lei eleitoral deve também ser lida pelo filtro da experiência argentina e uruguaia. Outro aspecto que emerge do capítulo é a constatação de que o Código vê envolvidos outros juristas, por além da tríade inicialmente escolhida por Vargas. A discussão se torna mais acirrada a partir da publicação do anteprojeto, em agosto de 1931. Com a entrada em cena do novo ministro da justiça, Mauricio Cardoso, os trabalhos aceleram em dezembro. É a vitória dos defensores do projeto de constitucionalização do país, que o novo ministro apoia abertamente. Oferecer uma intepretação mais realista em torno da sistema eleitoral constitui o objetivo do capítulo escrito por mim em colaboração com Glauco Silva. A proporcional era vista como mecanismo que permitiria o acesso das minorias ao Congresso. Entretanto sua adoção não pode ser associada imediatamente com a democracia. Em primeiro lugar, a proporcional não se desvincula na época do tema da garantia do governo da maioria. Para os defensores da proporcional – e nisso incluímos Assis Brasil – ela serve para dar voz às oposições, mas de forma alguma isso deveria prejudicar a governabilidade. O papel da oposição é claro: fiscalizar a atuação do governo, ao máximo colaborando com ele, mas sem ser uma ameaça. Em segundo lugar, o exame dos pleitos de 1933 e 1934 mostra como a atuação dos interventores deixa pouco espaço para que a disputa eleitoral seja livre. O sucesso nas eleições depende de uma forte rearticulação das elites nos estados que confere centralidade ao papel dos partidos políticos organizados pelos interventores. Coação, intimidação e fraude ainda estão na ordem do dia. O quarto capítulo investiga como foi pensado o voto secreto. Aqui, Rogerio Schlegel e Josué Nobrega mostram que durante a Primeira República o debate é acirrado em relação aos diferentes mecanismos possibilitadores do sigilo do voto. As elites pensam e repensam continuamente a noção de voto secreto que muda e se adapta ao longo do tempo. Sabemos que o voto secreto não

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foi instituído de jure em 1932. Naquela ocasião a cédula eleitoral ainda era impressa e distribuída pelos partidos. Algo que se manteve até 1955. A leitura dos jornais revela justamente a percepção de que o segredo do voto, simbolizado pela cabine indevassável, teve um caráter limitado. Interessante também notar que o debate nos jornais gira em torno dos possíveis efeitos sobre a participação eleitoral. A percepção de que o eleitor menos qualificado pudesse vir a ser mais prejudicado pelas eventuais dificuldades interpostas por novas regras estimulava alguns defensores do voto secreto a associar a medida àquela do voto obrigatório. Percebe-se a preocupação do legislador, buscando inovar sem criar mecanismos que pudessem ameaçar a participação e, em última instância, a legitimação do novo regime. No quinto capítulo, Mônica Karawejczyk discute o tema do voto feminino. Ainda que a questão feminina esteja presente na academia já há algum tempo, o capítulo traz uma contribuição relevante para o debate. Por um lado, esclarece o formato do voto feminino previsto pelo Código Eleitoral de 1932. Ainda hoje há confusão a respeito. Lemos frequentemente que o direito da mulher não foi equiparado ao do homem, com referência à exigência da autorização por parte dos maridos e à comprovação de renda. O texto mostra que essa era a posição da Comissão que redigiu o anteprojeto do Código e veiculado pela imprensa em agosto de 1931. Entretanto, em sua versão final, tais restrições foram eliminadas, permanecendo uma única diferença: seu caráter facultativo. Mas de fato as mulheres votaram? O exame do pleito de 1933 nos informa a respeito da participação feminina. Há poucos dados confiáveis, mas há quem indique que 15-20% dos votantes fossem mulheres. Ainda que os valores sejam relativamente baixos, a avaliação feita pelos jornais é positiva, enfatizando a presença feminina no ato do voto, como o clima de disciplina e moralidade que a presença delas trouxe para o pleito. Socorro Braga e Hannah Aflalo escrevem sobre o voto obrigatório. De imediato uma precisão que emerge do capítulo: o que foi aprovado em 1932 foi o alistamento e não o voto obrigatório. A diferença é sutil, mas importante. O que justificaria tal decisão? Na Primeira República o percentual de votantes sempre foi baixo. O resgate do governo representativo deveria passar por um sistema mais participativo. Nota-se que participação não é sinônimo de inclusão. Pessoas analfabetas ficaram de fora. O volume de eleitores não aumenta significativamente comparado à Primeira República. A questão crucial era levar quanto mais eleitores possíveis às urnas. Era uma forma de legitimação do regime que passava pela via da participação eleitoral. No sétimo capítulo, Jaqueline Zulini reconstrói o debate tanto em torno da criação da Justiça Eleitoral como de sua organização para o pleito de 1933. A autora observa que a criação de uma instituição formalmente independente que cuidasse das eleições não estava em discussão durante a Primeira República. Ganha ânimo nos anos finais do regime republicano, mas passa longe de prever um órgão independente. Diferentemente das demais reformas, a Justiça Eleitoral é o resultado de um processo mais circunscrito ao período pós-revolucionário. Como de fato a Justiça Eleitoral funcionou na época? Pode-se afirmar que sua atuação no pleito de 1933 não seguiu os padrões geralmente assumidos pela literatura, isto é, da imparcialidade e autonomia perante partidos e candidatos. Sobretudo no âmbito local, em que juízes e membros da justiça podiam operar mais livremente, o conúbio com a política definia o caráter da nova instituição. O oitavo capítulo, assinado por Luciana Fagundes, aborda o tema da representação corporativa. Diferentemente dos demais capítulos, esse é um tópico bastante estudado. O senso comum atribui a previsão da representação das corporações à influência dos tenentistas. Do ponto de vista do Governo

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Provisório, essa medida garantiria no Congresso Constituinte uma bancada fiel e segura. O capítulo nos ilumina no entendimento de um aspecto menos conhecido: as tensões inerentes ao processo eleitoral. Emerge uma lógica de seleção dos representantes que foi bastante descentralizada, feita pelas próprias delegações dos Estados com acusações de fraude e disputas internas. Ou seja, não podemos associar os deputados das profissões automaticamente a uma representação dependente do governo. A dinâmica eleitoral havia aberto a porta para a entrada de interesses organizados que disputavam entre si o poder. Algo que se fará sentir no próprio processo constituinte. Encarreguei-me de escrever o capítulo final, cujo propósito foi mais abrangente. Aqui busquei enquadrar o regime inaugurado em 1930. No capítulo defendo que as eleições constituem uma das dimensões cruciais que caracterizam o regime que se inicia em 1930 e termina em 1937, com o Estado Novo. A questão é posta nestes termos: o regime de 1930 se legitimou internamente pela via eleitoral e o Código Eleitoral é a expressão mais importante do processo de legitimação da revolução. Aquelas regras, porém, não devem ser vistas como um primeiro passo em direção à democracia. Havia uma dissonância clara entre norma e prática eleitoral. No caso, havia um elemento básico que condicionava os pleitos daquela época: o uso maciço da fraude eleitoral. O exame dos recursos eleitorais registrados na Justiça Eleitoral para as eleições de 1933 revelam que outros mecanismos fraudulentos se fizeram necessários, sobretudo o uso ilegal das sobrecartas. Tais situações são representativas de uma competição eleitoral que ocorre em contextos em que a liberdade do voto ainda é uma realidade distante. Visto nesses termos, sugiro que a experiência que vivenciou o Brasil entre 1930 e 1937 deveria ser enquadrada na categoria dos regimes autoritários competitivos. Fecha o livro um anexo que organiza de forma sintética os dados levantados nesses dois anos e meio de pesquisa em arquivos e jornais da época. Por além de uma cronologia dos eventos mais importantes e da legislação eleitoral publicada entre 1930 e 1937, o anexo apresenta o primeiro tratamento sistemático da estatística eleitoral das eleições políticas de 1933 e 1934. As informações são organizadas por estado, apresentando os números de alistados e votantes, a lista dos partidos e a relativa votação, assim como a distribuição das cadeiras na Assembleia Constituinte de 1933, no Congresso de 1934 e nas Assembleias Constituintes Estaduais de 1934. O material, inédito, espero possa auxiliar outras pesquisas de modo a oferecer uma análise mais conclusiva em torno das eleições dos anos trinta.

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Capítulo 1 O PODER DISCRICIONÁRIO: DITADURA E CONSTITUCIONALIZAÇÃO NO GOVERNO PROVISÓRIO Raimundo Helio Lopes

INTRODUÇÃO: AS MUITAS CONJUNTURAS DE UM CONTURBADO GOVERNO PROVISÓRIO Não é de hoje que entendemos os primeiros sete anos do Governo Vargas como algo bem mais complexo do que apenas um “prenúncio do Estado Novo”. Esse período carrega duas marcas fundamentais: “pelo surgimento de um verdadeiro leque de propostas políticas que toma conta do campo político e intelectual da época” e pela “imprevisibilidade” e “força que dominam o curso da luta política que se desencadeia”. Ou seja, formaram-se diversas e múltiplas “questões e soluções que percorrem diferentes alternativas e modelos políticos, ilustrando as possibilidades e incertezas de um certo tempo histórico”.4 Desde já, vale ressaltar que poucos são os trabalhos que se debruçam sobre o Governo Provisório, algo bem diferente do que se constata sobre o período do Estado Novo (1937-1945), marcado por grandes obras de referência que iluminam diversas novas pesquisas.5 Isso surpreende ainda mais diante da quantidade de arquivos disponíveis para a consulta, com ricas e variadas informações sobre os quatros primeiros anos da década de 1930. De certa forma, essa constatação mostra a atualidade da frase que abre esse texto e justifica a importância de sempre tê-la em mente: mesmo interligados, Estado Novo e Governo Provisório são processos históricos distintos, com complexidades próprias. Um não está “dentro do outro”, por mais que seja inegável que muitos dos personagens cruciais (Osvaldo Aranha, Góis Monteiro, Gustavo Capanema), dos modelos de governança (interventorias estaduais) e das estratégias de poder (aliança dos altos escalões do poder civil com chefes militares de renome) que fizeram o Estado Novo tiveram suas primeiras experiências políticas de destaque, seus debates iniciais e experiências de execução no Governo Provisório. No que se refere a esse curto período de quatro anos (1930-1934), essas questões ficam mais evidentes. Nele, as alianças políticas nunca foram tão ferrenhas e fugazes, os debates sobre o governo tão acalorados e secretos, e os projetos de poder tão defendidos e derrotados. Afinal, qual outro período da nossa história republicana foi tão crucial, curto e conturbado, já que se iniciou com um golpe de estado, sofreu com os abalos de uma guerra civil que envolveu todo o país, passou pela eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte a partir de um novo Código Eleitoral que trazia substantivas mudanças no modo de votar e terminou com a promulgação de uma nova Carta Magna? Fica evidente com esse cenário que a instabilidade política é a grande marca do Governo Provisório. GOMES, Angela de Castro. “Introdução” In: GOMES, A. C. (Org.). Regionalismo e centralização política: partidos e constituintes nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 26. 5  Dentre os muitos trabalhos sobre o Estado Novo, ressalto os já clássicos OLIVEIRA, OLIVEIRA, L. L.; VELLOSO, M. P.; GOMES, A. C. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982; PANDOLFI, D. (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999 e CAPELATO, M. H. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus/São Paulo, Fapesp, 1998. 4 

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Assim, entendo o Governo Provisório como dividido em três momentos significativos. Esses momentos são interligados, com fronteiras temporais fluidas, porém distintos, com conjunturas próprias e “fatos” decisivos que aceleram o tempo das mudanças, obrigando aos sujeitos readequarem seus projetos e estratégias de ação diante de novos cenários que se descortinam a partir de vários “acontecimentos” que se interligam.6 Ou seja, são muitas conjunturas de um conturbado Governo Provisório, que para ser compreendido em sua unicidade deve ser pensando a partir de múltiplos projetos que foram se estabelecendo, com uma velocidade que impressiona aqueles que se debruçam sobre o período. O primeiro momento vai da chegada de Vargas ao poder a julho de 1932. Esse imediato pós-30, “caracteriza-se por um tipo de enfrentamento entre tenentes e oligarquias que engloba desde simples disputas por cargos da administração civil e militar a nível nacional e regional, até um confronto aberto e radical que toma a forma da Revolução Constitucionalista de 1932”.7 Nesse período, as aproximações e distanciamentos com o Governo Provisório vão sendo construídas e reconstruídas de modo constante e, não raro, surpreendente. Nessa conjuntura, o novo Código Eleitoral foi um ponto de inflexão fundamental, pois, dentre tantos outros fatores, concretizava esperanças e projetos construídos durante muitos anos e apontava para um novo futuro eleitoral e político do país que, para alguns, seria bem-sucedido, enquanto para outros, ainda tinha muito a ser aprimorado. O segundo é a própria guerra civil. Esse evento, que vai de 9 de julho a 2 de outubro de 1932, é chave para entender o período, pois aglutina as principais questões políticas e sociais acerca do novo governo debatidas pelas diversas correntes nacionais que participaram do conflito, quer fossem aliadas ou não de Getúlio Vargas. São muitos os trabalhos – vale dizer, desde a primeira metade da década de 1930 – que analisam esse conflito.8 No entanto, poucos são os que o inserem, de modo complexo, no processo político do Governo Provisório e em menor número aqueles que o investigam fora da “perspectiva paulista”, quer dizer, abrindo mão de privilegiar na análise o estado de São Paulo e seus atores como protagonistas nessa guerra. Assim, entendo a chamada “Revolução Constitucionalista de 1932” como uma verdadeira guerra civil. Na Guerra de 1932, milhares de soldados e voluntários de vários estados estiveram no front de batalha e todo o país se envolveu, quer legitimando, quer mobilizando a defesa ou o combate ao Governo Provisório.9 O terceiro e último momento do Governo Provisório vai do fim do conflito armado à eleição indireta de Getúlio Vargas à presidência da República, em julho de 1934. Ou seja, é o período dos muitos caminhos que levam à Constituição de 1934. Ele é marcado pela organização eleitoral, eleição, formação e execução da Assembleia Nacional Constituinte. Como assevera Angela de Castro Gomes, [...] a luta política e ideológica a favor ou contra a constitucionalização do país acaba por se transformar no cerne do confronto entre duas propostas políticas que se chocam desde o pós-30. A configuração deste enfrentamento no período que cobre os anos de 1933 e 1934, anos de transição para um estado de direito, assume contornos distintos dos encontrados no momento anterior, na medida que uma de suas arenas fundamentais é o próprio Parlamento da nação.10 Fatos e acontecimentos são aqui interpretados a partir das reflexões de NORA, Pierre. “O retorno do fato”. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Dir.). História: Novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. Para esse historiador, é necessário “fazer do acontecimento o lugar temporal e neutro da emergência brutal, isolável, de um conjunto de fenômenos sociais surgidos das profundezas e que, sem ele, continuariam enterrados nas rugas do mental coletivo. O acontecimento testemunha menos pelo que traduz do que pelo que revela, menos pelo que é do que pelo que provoca”. Assim, “o acontecimento é precisamente a ruptura que colocaria em questão o equilíbrio sobre o qual elas [as sociedades] são fundamentadas” (Ibidem, p. 188). 7  GOMES, 1980, p. 27. 8  Sobre isso, ver ABREU, M. S. Os mártires da causa paulista: culto aos mortos e usos políticos da Revolução Constitucionalista de 1932 (1932-1957). Tese de doutorado em História Social: UFRJ, 2010. 9  LOPES, R. H. Um Vice-reinado na República do pós-30: Juarez Távora, as interventorias do Norte e a Guerra de 1932. Tese de Doutorado: Cpdoc-FGV, 2014. 10  GOMES, 1980, p. 27. 6 

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Assim, na impossibilidade de abarcar todo o Governo Provisório e suas múltiplas faces dentro dos limites desse texto, optou-se por concentrar a análise no imediato pós-30, destacando o processo de legitimação do novo governo – a partir dos entendimentos acerca do recém-inaugurado Poder Discricionário – e os debates sobre o constitucionalismo imediato, questão central para o período. Desse modo, a meu juízo, acredito entender a conjuntura política para a recepção do Código Eleitoral que viria a ser publicado em fevereiro de 1932. A escolha feita para esta obra privilegia alguns aspectos em relação a outros, muitos outros, que marcaram esses quatro anos. Como sabemos, escolhas implicam perdas. Mas, mesmo reconhecendo esse elemento, o que se quer defender aqui, ajustando o foco de análise nesse momento específico e privilegiando essas questões, é que o Governo Provisório não pode ser pensado de modo panorâmico, sem se atentar às diversas inflexões e ressignificações que marcaram esses anos. Na tentativa de estimular novas reapropriações para se pensar os primeiros anos de Vargas no poder, cabe aqui a reflexão de Stanley Hilton: Não houve na história contemporânea do Brasil período mais confuso do que o Governo Provisório. A derrubada da república velha abriu a caixa de Pandora. A própria Aliança Liberal era uma coalizão inviável, uma vez que o inimigo comum fora eliminado. [...] Depois de outubro de 1930, o número de movimentos, partidos, clubes, alianças, legiões, agremiações e associações, representando todos os matizes, foi atordoante. E dentro de cada um ou cada uma havia divisões, facções, alas, subcorrentes, contracorrentes, esquerdas, centros, direitas, vanguardas e retaguardas. Floresceram comunistas, socialistas, fascistas, federalistas, autonomistas, regionalistas, nacionalistas, classistas, corporativistas, tenentistas, constitucionalistas e todos os “istas” que se possa imaginar.11

“ONDE SÓ HÁ UM PODER”: A NOVA REPÚBLICA E O PODER DISCRICIONÁRIO Na sua edição de 15 de novembro de 1931, ao tratar dos 42 anos da proclamação da república, assim comentou o jornal carioca Correio da Manhã: Mais de quatro decênios vencidos, o regime fundado sobre os destroços da derradeira monarquia subsistente na América estava gasto, roldo de males e desacreditado. Nem democrático nem representativo; nem harmônicos e independentes os poderes. O único poder, de fato, que existia, era o do Executivo, do qual dependiam intimamente o Legislativo e o Judiciário. A revolução de 24 de outubro de 1930 consagrou a fórmula de que a República de 1889 estava velha, substituindo-a por uma nova, onde só há um poder, o Discricionário, sob o comando absoluto do chefe do Governo Provisório.12

Como se vê, o jornal deixa claro suas posições sobre a política republicana: a Primeira República era, por definição, velha, enquanto a inaugurada com a queda de Washington Luís era Nova. A república derrubada pela “revolução” caracterizava-se por um Poder Executivo sobrepondo-se aos demais e com eleições que não representavam a vontade da população, posto não serem democráticas nem muito menos representativas. Ou seja, nada de muito diferente de como se convencionou definir a República Velha, termo injurioso que ganhou força e vigor no Estado Novo13, mas, vale notar, surgido tão cedo, ainda nos primeiros momentos do Governo Provisório. Ainda se atendo ao texto jornalístico, fica evidente o surgimento de um “novo poder” com a instituição do Governo Provisório do presidente Getúlio Vargas: o Poder Discricionário. Como ele 11  12  13 

HILTON, Stanley. A guerra civil brasileira: história da Revolução Constitucionalista de 1932. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 32-33. Correio da Manhã, Edição n. 11326, Notícia: “O anniversario da proclamação da Republica”, 15/11/1931, p. 5. Sobre isso, ver GOMES, A. C. ABREU, Martha. A nova “Velha” República: Um pouco de história e historiografia. Tempo, v. 13, n. 26, p. 1-14, jan. 2009.

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surgiu com a revolução, e, nesta análise, a revolução veio para enterrar todos os males que o regime republicano brasileiro carregava até então, é fácil concluir que o Poder Discricionário era o meio para tal fim. Uma tarefa, convenhamos, difícil, mas, no entanto, bastante almejada por amplos setores nacionais como os conturbados anos de 1920 já mostravam e a imprensa carioca reverberava. Desse modo, entendendo os significados que o Poder Discricionário teve para os contemporâneos daquela conjuntura é possível analisar os embates envolvendo o processo de constitucionalização do país, muito especialmente de novembro de 1930 até julho de 1932. Já que, como sabemos, as “diversas facções das oligarquias regionais que procuravam mobilizar a opinião pública nacional pelo retorno do país à ordem legal” se colocaram ampla e abertamente “a favor ou contra a constitucionalização” nesse recorte temporal específico.14 Atualmente, “discricionário” é definido em um dos mais populares dicionários da nossa língua como aquele “que procede ou se exerce à discrição; arbitrário”.15 No entanto, nos primeiros anos da década de 1930, o termo era bem mais polissêmico e com amplo espectro político, tendo, inclusive, se popularizado e extrapolado os limites da política. Para compreender sua abrangência, basta ver que em agosto de 1931 o Teatro Lyrico, no Rio de Janeiro, recebia em seu palco “Piolin – o maior cômico do Brasil, distribuidor discricionário do bom humor e da gargalhada”, enquanto no mês de outubro do ano seguinte os cariocas se divertiam com “Salamon Abdala, o ditador discricionário da gargalhada.”16 No carnaval de 1933, o “High Life Club”, recebeu em seus bailes “o prazer e a folia do discricionário rei Momo” enquanto “Cartola, o sambista discricionário da Mangueira”, fazia rodas de samba para animar o carnaval da sua famosa Estação Primeira.17 Esses exemplos apontam como o termo circulava naquele período e tinha uma conotação positiva, bem diferente do sentido que tem hoje. Mais um exemplo ressalta como o termo “discricionário”, sendo utilizado por artistas e festas, tinha sim uma relação política evidente, além de mostrar que nem sempre ele carregava elementos positivos. Trata-se de Bento Gonçalves, um artista que ganhou certa popularidade no período, se apresentando em diversos eventos como o “speaker discricionário”. Depois de iniciar sua carreira utilizando outros qualitativos para sua atividade – como “speaker juramentado”, “speaker dos estudantes”, “speaker acadêmico”, “speaker humorístico” e “nosso querido speaker”18 – em junho de 1932, momento de enorme ebulição política no país como comprovaria a guerra civil que se iniciaria em pouco tempo, Bento Gonçalves assume o slogan “speaker discricionário”. Comentando a lotação de uma de suas apresentações, o Diário Carioca, em outubro de 1932 – momento em que as divergências do jornal com o Governo Provisório já eram mais do que evidentes –, reproduziu GOMES, 1980, p. 27. Assim, entender os significados do Poder Discricionário é entender por outro viés aquilo que a literatura acadêmica chama de centralização política. Vários trabalhos já se propuseram a definir, à luz da sociologia ou da história, o que foi a centralização política do período. No entanto, nenhum deles se concentrou em analisar como essa centralização era entendida e definida pelos sujeitos do período. Não se quer defender aqui que Poder Discricionário e centralização política sejam sinônimos, mas que foi por meio do Poder Discricionário que o projeto de centralização política foi executado, compreendido, defendido e combatido durante o Governo Provisório no imediato pós-30, ou seja, da vitória do movimento que levou Getúlio Vargas ao poder até o início da guerra civil de 1932. Os dois trabalhos que merecem grande destaque sobre o tema da centralização política são GOMES, 1980 e SOUZA, M. C. C. Estado e Partidos Políticos do Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. 15  FERREIRA, A. B. H. Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8ª Edição. Curitiba: Positivo, 2010. 16  Ver, respectivamente, Diário Carioca, Edição n. 970, Anúncio: “Piolin”, 25/08/1931, p. 15; Correio da Manhã, Edição 11622, Nota “O novo programma do Tabaris” na Coluna: “Nos Theatros”, 26/10/1932, p. 10. 17  Ver o Diário Carioca, Edição n. 1376, Nota “Os quatro bailes luminosos no High Life Club” na Coluna: “Nos Arraes da folia”, 01/02/1933, p. 9 e Edição n. 1385, Nota “Estação Primeira” na Coluna: “Nos Arraes da folia”, 11/02/1933, p. 11. 18  Ver, respectivamente, Correio da Manhã, Edição n. 11297, Nota “Tarde azul” na Coluna: “Casa do Estudante”, 13/10/1931, p. 7; Diário Carioca, Edição n. 1028, Nota “A declamadora Aracy Faria, que patrocina a tarde de arte” na Coluna: “Casa do Estudante”, 31/10/1931, p. 3; Correio da Manhã, Edição n. 11325, Anúncio “São Caetano – Theatro Brasileiro”, 14/11/1931, p. 14 e Edição n. 11335, Nota “Festa do Riso” na Coluna “Vida social”, 26/11/1931, p. 7; e Diário Carioca, Edição n. 1061, Notícia: “rua da amargura”, 05/121931, p. 2. 14 

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um pequeno diálogo que definiu como “O comentário da noite”: “– Que negócio é este de speaker discricionário que estreia hoje no Trianon? [...] – Não tenho bem certeza; mas, parece que é um homem que segura a gente a força, para entrar no teatro”.19 Ou seja, a despeito do sucesso, o termo “discricionário”, diferentemente das referências a Piolin, Salamon Abdala, Rei Momo e ao grande Cartola, assumiu para esse periódico uma conotação negativa. O que se depreende com os elementos até aqui apresentados é que, em primeiro lugar, evidentemente, o termo “discricionário” tornou-se popular para aqueles que viveram o Governo Provisório, se alargando para além do âmbito político. Em segundo lugar, ele estava em disputa, sendo tratado ora como positivo, ora como negativo. Essa ambivalência deixa entrever que o Poder Discricionário não pode ser desconsiderado e precisa ser observado em movimento, na rica polifonia do conturbado imediato pós-30.20 “O SERVIÇO DE TERRAPLANAGEM COMPLETA”: O PODER DISCRICIONÁRIO E A LEGITIMAÇÃO DO GOVERNO PROVISÓRIO O primeiro elemento para entender o Poder Discricionário é perceber onde e quando o termo surge no vocabulário político do período. A resposta está no Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930 que “institui o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providências”. É a certidão de nascimento do novo governo, que, vale notar, já nasce provisório, ou seja, é, por definição, temporário. Isso porque no seu primeiro artigo, por mais que não especificasse uma data, o atestado de óbito já tinha momento para ser lavrado: “até que, eleita a Assembleia Constituinte, estabeleça esta a reorganização constitucional do país”.21 Ainda segundo o referido artigo, o “Governo Provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo”.22 Dando forma a essa plenitude, o decreto dissolveu as garantias constitucionais e os poderes representativos em todos os níveis; deixou as constituições estaduais passíveis de modificações pelo poder central; excluiu a apreciação judicial dos atos do Governo Provisório e dos interventores; determinou que interventores seriam nomeados e exonerados ao bel-prazer do Governo Provisório, enquanto os prefeitos nos municípios seriam escolhidos pelos interventores. A discricionariedade era ampla, mas tinha certa dubiedade: além de predefinir que a nova Constituição federal mantivesse a forma republicana, a numeração do decreto seguia a continuidade com os da República. Ele estava bem longe de ser o primeiro, sendo numerado como o 19.398 decreto estabelecido desde a Constituição republicana de 1891. As expectativas de mudanças eram muitas, mas não se poderiam esquecer certas continuidades. O Governo Provisório no uso do Poder Discricionário era o meio para se chegar a um novo tempo. Não à toa, os decretos presidenciais tiveram a numeração reiniciada apenas depois de promulgada a Constituição de 1934.23 Diário Carioca, Edição n. 1282, Nota “O comentário da noite” na Coluna: “Theatro”, 13/10/1932, p. 5. Vale registrar que em uma de suas últimas apresentações, em agosto de 1934, Bento Gonçalves foi retratado como o “conhecidíssimo speaker discricionário, hoje constitucional, Bento Gonçalves”. Como sabemos, o fim do poder discricionário se deu em julho deste ano, com a promulgação da Constituição de 1934. 20  Vasta bibliografia, acadêmica e teórica, trata das múltiplas possibilidades interpretativas acerca da história dos conceitos. Cito, em especial, os capítulos “Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa: duas categorias históricas” e “História dos conceitos e história social”, ambos em KOSELLECK, R. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006, e ressalto igualmente KOSELLECK, Reinhart. Uma História dos conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos, v. 5, n. 10, p. 134-146, 1992. 21  Cf. Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, art. 1o, grifo meu. 22  Ibidem, grifo meu. 23  Sobre as numerações dos atos do Poder Executivo, ver: http://www4.planalto.gov.br/centrodeestudos/assuntos/legislacao/reflegis. Acesso em: 8 jan. 2019. 19 

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Diante desse quadro, quando se analisam as fontes produzidas durante os anos de 19301934, muitas vezes o Governo Provisório é definido como uma ditadura, tanto por seus opositores quanto por seus apoiadores. Segundo Robert Levine, “o Governo Provisório foi a primeira ditadura formalmente estabelecida no Brasil a lutar por legitimidade, introduzindo um sistema autoritário centralizado que sobreviveu em muito ao fim do próprio Governo Provisório”.24 É interligado com “ditadura” que Poder Discricionário ganha sentido na interpretação que aqui se propõe. Inicialmente é importante observar que o termo “ditadura”, assim como vários outros, é carregado de significados em nossa história republicana e, por isso mesmo, precisa ser historicamente situado. O seu sentido de cerceador de liberdades, promotor de violências e autoritário na condução política do país só se torna “hegemônico” no nosso entendimento a partir do golpe civil-militar de 1964. Nos anos de 1930, “ditadura” possuía outros sentidos, pois, como sabemos, “as concepções de democracia e ditadura foram (são) permanentemente reconstruídas por diferentes sociedades”.25 Analisando a documentação sobre a guerra civil de 1932, outro momento fundamental para se entender o Governo Provisório, Jeziel De Paula escreve: O critério para a utilização [...] das denominações ditatoriais e constitucionalistas, bem como de suas variáveis, para designar os dois lados da guerra não obedece a uma escolha de ordem pessoal. Tais conceitos eram orgulhosamente auto-empregados por seus próprios protagonistas e defensores. É importante recuperar, aqui, o significado que os adeptos do Governo Provisório atribuíam ao termo “ditadura”. Segundo o Diccionário Contemporaneo da Língua Portugueza, de Caldas Aulete, o mais conceituado do período, a palavra “ditador” representa todo o indivíduo que, temporariamente, detinha o poder absoluto. “Ditadura: O governo, a autoridade do Ditador. Nos modernos Governos Representativos, o exercício temporário e anormal do Poder Legislativo pelo Ministério ou Poder Executivo”. O vocábulo ainda preservava seu significado histórico de magistrado eleito ou investido em ocasiões de perigo, para exercer, temporariamente, a autoridade absoluta. Tudo leva a crer que o termo ditadura não possuía na época a conotação pejorativa, depreciativa e consensualmente indesejável que atualmente emprestamos ao termo.26

O trecho é longo por ser bastante pertinente para a reflexão aqui proposta. Nos conturbados anos de 1930, os termos “ditadura” e “constitucionalista” aparecem como binômios opostos, que se complementam e se confrontam. Por isso mesmo é que foram “autoempregados” pelos sujeitos da época, que lhes davam sentidos próprios para definirem a si e a seus opositores. Do lado dos apoiadores de Vargas e, também, de grandes setores da imprensa carioca, durante os dois primeiros anos do Governo Provisório, Poder Discricionário é utilizado de modo muito peculiar: para qualificar a ditadura instaurada com a revolução de 30 com um caráter positivo. Ou seja, ser uma ditadura com poderes discricionários naquele momento é dar-lhe um sentido próprio, que foge de um sentido de desqualificação e garante a legitimidade que o Governo Provisório precisava para se estabelecer em um período de notórias incertezas e intensos conflitos. Para entender como o Poder Discricionário vai se consolidando e se popularizando no período, é importante perceber como destacados personagens do Governo Provisório utilizavam o termo. Um bom exemplo veio do então interventor cearense Fernandes Távora, um dos mais ardorosos defensores do Governo Provisório. Em entrevista, afirmou, de modo poético, a “necessidade de prolongar-se o LEVINE, R. Pai dos pobres?: O Brasil e a era Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 56-57. ROLLEMBERG, D. QUADRAT, S. Apresentação – Memória, história e autoritarismos. In: ROLLEMBERG, D. QUADRAT, S. A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina. Volume II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 11. 26  DE PAULA, Jeziel. 1932: imagens construindo a história. Campinas/Piracicaba: Editora da Unicamp/Editora da UNIMEP, 1998, p. 68. 24  25 

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regime discricionário, afim de concluir-se o serviço de terraplanagem completa para que se assentem de maneira eficiente os trilhos da nova estrada pela qual o Brasil marchará em busca do seu futuro.”27 Nessas palavras, aparece o entendimento que uma das mais fortes correntes políticas do período dava ao Poder Discricionário. Fernandes Távora representava a primeira geração de interventores nomeados por seu irmão, Juarez Távora, no Norte – região geopolítica que foi se tornando o maior aliado do Governo Provisório no combate aos constitucionalistas e na defesa do prolongamento da ditadura. Para os revolucionários nortistas, o regime discricionário deveria perdurar por muitos anos, vivendo o país sem um governo ancorado em eleições. Descrentes na democracia política liberal e julgando o povo sem consciência cívica suficiente madura para o exercício do voto, os liderados de Juarez Távora justificavam esse alongamento da ditadura como necessário para se executarem as medidas de saneamento financeiro e administrativo nos governos estaduais e federal. De certa maneira, os revolucionários nortistas representavam um extremo na defesa e legitimação do Governo Provisório: quanto mais tempo o Poder Discricionário perdurasse, evitando o retorno do regime constitucional, melhor para o país. Ao lado de Juarez e seus liderados, outras correntes políticas – originárias do tenentismo da década de 1920 – defendiam a mesma proposta. Para esses grupos, as reformas eleitorais a serem concretizadas no Código Eleitoral não deveriam passar de uma promessa a se perder de vista.28 No entanto, outros grupos e sujeitos políticos próximos ao Governo Provisório se posicionaram sobre o Poder Discricionário e a constitucionalização, nem sempre em sintonia com as ideias vindas do Norte. Mesmo sendo todos aliados na recente vitória de outubro de 1930, tinham um entendimento diferente sobre tão importantes questões, por mais que houvesse aproximações e semelhanças fundamentais. Isso mostra como o processo de construção da legitimação do Governo Provisório foi complexo e contou com a atuação decisiva de vários sujeitos políticos e correntes. Ditadura não se impõe apenas pela força, e um elaborado sistema de legitimação precisa ser arquitetado para conseguir amparo e legitimidade. “Dentro da orientação que ele mesmo deu à sua lei”: o Poder Discricionário é juridicamente legal e excepcional Elevadas hostes jurídicas governistas manifestaram-se sobre o Poder Discricionário. Goulart de Oliveira, procurador do Tribunal Especial criado por Vargas para julgar os crimes contra o Estado cometidos no governo de Washington Luís29, assim analisa o já apresentado decreto 19.398, que determina que o Governo Provisório exercerá discricionariamente seu poder: Os poderes discricionários do Governo Provisório, ele os exerce [...] por meio de decretos, dentro da orientação que ele mesmo deu à sua lei, e os exerce também por meio de informações de telegramas, de deliberações, a que ele não poderia nunca dar a forma de decreto, sem diluir a sua autoridade, a autoridade que ele mesmo se reserva no período revolucionário, discricionária e arbitrária, como solução da própria vitória da revolução, que ele consubstancia no governo.30

Correio da Manhã, Edição n. 11176, Notícia: “O interventor cearense julga extemporanea a convocação immediata da Constituinte”, 24/05/1931, p. 5. LOPES, 2014. 29  “Primeiro órgão da justiça revolucionária instaurado após a Revolução de 1930 com a finalidade de apurar e julgar os fatos que haviam comprometido a vida política e administrativa do país no governo de Washington Luís. O Tribunal Especial foi criado pelo artigo 16 do Decreto nº 19.398 [...]. Em seus quatro meses e meio de existência, o Tribunal Especial pouco produziu, perdendo rapidamente seu prestígio.” Verbete “Tribunal Especial”. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós-30, disponível em: www.cpdoc.fgv.br. Doravante, DHBB – Cpdoc/FGV. Acesso em 08/01/2019. 30  Correio da Manhã, Edição n. 11067, Notícia: “O Tribunal Especial e a Procuradoria”, 16/01/1931, p. 2. 27 

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Para esse tribunal, os poderes discricionários do Governo Provisório são amplos e irrestritos porque são exercidos em um período excepcional, pós-revolucionário, no qual a Constituição foi suprimida, sendo o governo exercido por decretos-lei. Ou seja, justamente por ser oriundo de uma revolução é que o governo pode fazer uso dos poderes discricionários. É importante notar no parecer jurídico aqui analisado a fundamentação teórica utilizada pelo jurisconsulto. Para fundamentar o Poder Discricionário, Goulart de Oliveira se ampara naquele que era tido como a maior mente jurídica brasileira: Além disso, não seria demais que eu chamasse a atenção de um tribunal de doutos para a boa doutrina em torno da questão dos atos discricionários. Ainda mesmo dentro do regime constitucional, a fórmula consagrada entre nós é aquela que foi ditada pelo insigne Rui Barbosa: “Se o ato, em suma, só contem elementos políticos, só entende com elementos políticos, só corresponde a direitos políticos, vedada será, como ato exclusivamente político, a ação investigadora da Justiça. Não compete ao Poder Judiciário intervir na emergência de atos puramente políticos, meramente discricionários.” Essa foi a lição que colhe Rui Barbosa, o que pregou, escrevendo sobre atos discricionários.31

Deixando de lado o aspecto jurídico do parecer, Rui Barbosa é aqui empregado por dois motivos. O primeiro é que, por ser considerado um gênio brasileiro de renome internacional, maior que si próprio, grande republicano e democrata32, certamente a presença de suas considerações diminui o caráter autocrático que discricionário também carregava naquela conjuntura. Ou seja, a maneira como o Governo Provisório procede, de modo discricionário, já que o governo é provisório, tem fundamentação, e por isso mesmo segue a lei. O segundo motivo é que não é qualquer fundamentação: são as ideias daquele que foi considerado um grande opositor e vítima – já que não chegara à presidência nas disputas eleitorais que participou – da república que o Governo Provisório encerrava.33 Justamente por Rui Barbosa ter essas duas faces, a do jurista imensamente renomado e do político crítico e vítima da Primeira República, que ele é constantemente evocado para justificar o Poder Discricionário. Vale notar que a figura de Rui Barbosa já fora enormemente utilizada no manifesto político lançado pela Aliança Liberal quando da candidatura presidencial de Getúlio Vargas.34 Em uma de suas colunas de opinião, o jornal Correio da Manhã, periódico apoiador da Aliança Liberal e do Governo Provisório, por mais que esse alinhamento não tenha sido tão irrestrito, manifestou-se sobre essa questão de modo semelhante. Publicou o jornal que este não era o primeiro Governo Provisório da república, pois entre 1889 e 1891 já houvera outro, que “era também um governo discricionário, como o atual” e que conseguira, em um curto espaço de tempo “realizar uma série de medidas e reformas, muitas das quais, quase 40 anos decorridos, ainda se acham em pleno vigor, enchendo até de espanto a cultura jurídica e social dos outros povos”. Isso se explica facilmente: “Naquela época, Deodoro encontrou Rui Barbosa, cujo saber incomparável, cuja sólida experiência dos negócios políticos e administrativos tudo resolvia com rapidez, segurança e suma 31 

Ibidem. Quando do seu falecimento, Rui Barbosa “era afirmado como o maior defensor da liberdade e do direito no Brasil, o arquiteto da República, a súmula da cultura e da erudição brasileiras, a perfeita união entre o Verbo e a Moral. Era erigido como o grande homem, superior, polivalente, capaz de fazer uma nação com suas próprias forças. Era o símbolo de nossa civilização”. GONÇALVES, João Felipe. Enterrando Rui Barbosa: um estudo de caso da construção fúnebre de heróis nacionais na Primeira República. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 25, 2000, p. 141. 33  Segundo Angela de Castro Gomes, para Rui Barbosa, quando candidato, “o Brasil não era e não deveria ser o espetáculo do poder público corrompido pelas fraudes eleitorais e pela ambição de políticos que dele se apropriavam de maneira violenta e egoísta. Diante das majestades da força militar ou oligárquica, ele não se inclinava. Servia apenas, em suas próprias palavras, ‘à razão, ao direito, à lei’. Servia ao ‘povo’, não por este representar o ‘número’ mas por significar ‘a barreira do poder’.” GOMES, A. C. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o público e o privado. In: NOVAIS, Fernando. (Dir.) História da vida privada no Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 492. 34  Ver Correio da Manhã, Edição n. 10653, Notícia: “A successão presidencial”, 21/09/1929, p. 1-2, 5-6. Agradeço à minha amiga Luciana Pessanha Fagundes pela pertinente indicação. 32 

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felicidade.” Coube a Rui a “melhor e maior parte na fatura da Constituição e quase todos os decretos referentes à organização financeira, econômica e judiciaria do regime, então inaugurados”. O governo discricionário de Vargas “não teve a ventura de achar no limiar da sua existência um outro Rui, o que lhe tem causado males que ela já ressente irremediáveis”, dado “os atropelos e as confusões, as dúvidas e as vacilações dos jurisconsultos improvisados e a serviço da Revolução.”35 Fica evidente o gênio de Rui como a salvaguarda da organização administrativa e política que carecia, naquele momento, ao Governo Provisório. Resgatar Rui Barbosa nesse contexto, tanto pelo governo como por seus apoiadores, é uma tentativa de legitimação do Poder Discricionário e de sua capacidade de dar ordem legal à prática político-administrativa, mesmo com as eventuais críticas que o periódico faz ao governo. Isso fica exemplarmente estabelecido em mais uma coluna de opinião, publicada em plena guerra civil de 1932. Nela, mais uma vez Rui Barbosa surge como um legitimador do Poder Discricionário e um crítico da ação dos constitucionalistas, agora em armas: Entre as maiores mágoas que torturaram o espírito de Rui Barbosa, autor principal da Constituição republicana, incluem-se os atentados que contra ela praticaram [...] os donos políticos deste país. [...] [O] regime constitucional era a moldura, a douradura desse quadro que na realidade não passava de um regime ditatorial, tanto mais abjeto porque disfarçado aos olhos da nação. Falando ainda dos políticos profissionais que então se revoltavam ante a perspectiva de uma revisão constitucional, [...] Rui Barbosa dizia que eles sustentavam a Constituição como “a corda sustenta o enforcado; mantinham a Constituição como o álcool mantem os restos anatômicos do cadáver; conservavam a Constituição, como a urna conserva o esqueleto morto”. Sim, porque toda a vez que se planejava e executava, nas altas esferas do poder discricionário, uma ofensiva contra os princípios mais puros e intangíveis do regime, os mesmos sacerdotes que pregavam a intangibilidade daquela carta apresentavam-se para auxiliar a obra infame de seus iconoclastas.36

A utilização política da memória e do saber de Rui Barbosa nesse momento bélico aponta aspectos fundamentais do embate entre os defensores do Poder Discricionário e os apoiadores do constitucionalismo, a pedra de toque das disputas políticas do Governo Provisório. Rui, como relator da Constituição, deu a ela, por sua genialidade, suas maiores virtudes, mas, no entanto, elas foram corrompidas por políticos profissionais, os mesmos que estavam agora em armas para justamente retomar a Constituição deturpada. Permanecer com a Constituição de 1891 era violar as ideias de Rui Barbosa, já que ele próprio queria modificá-la para preservar ideais públicos de governo, contra os males da chamada República Velha. Ainda segundo o jornal, “os autores voluntários das ruínas da Constituição” são “os mesmos políticos que agora”, na “atual crise que assoberba o Brasil”, eram contra a revisão constitucional apregoada por Rui naquele momento. O Poder Discricionário aparece, nesse momento, como uma garantia legal de um processo renovador da prática política e eleitoral brasileira. É fundamental perceber uma pequena passagem nessa longa e rebuscada argumentação. Valendo-se de Rui Barbosa, o Poder Discricionário aparece como aquele que deveria pôr fim ao regime ditatorial da Primeira República que ansiava por voltar caso o Governo Provisório saísse derrotado da guerra civil. Como se vê, ditadura não era, segundo os contemporâneos, um termo exclusivo de definição do Governo Provisório, ao contrário de discricionário, este sim definidor do governo que vinha exercendo Getúlio Vargas. 35  36 

Correio da Manhã, Edição n. 1159, Notícia: “O discurso do sr. Getulio”, 05/05/1931, p. 4. Correio da Manhã, Edição n. 11596, Notícia: “Sobre as ruinas constitucionaes”, 27/09/1932, p. 4.

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“A ditadura é necessária, se é que podemos, sem cometer uma grave injúria, chamar o governo do sr. Getúlio Vargas de ditadura”: O Poder Discricionário é transitório e saneará o país da ditadura da República Velha Antes mesmo da guerra civil, a ligação entre ditadura e poderes discricionários já existia e não era exclusiva do Governo Provisório. O Diário Carioca tem, no imediato pós-30, análise semelhante quanto à questão.37 Maurício Campos de Medeiros, então colaborador do jornal, escreveu em uma de suas colunas que os “quarenta e dois anos de regime” era nada mais que “hipoteticamente republicano”, enquanto Américo Palha, outro colunista fixo, deixava claro que “o Brasil viveu muitos anos, pelo menos de 1922 até o dia 24 de outubro de 1930, sob um regime de arbítrio e de prepotência. Era um regime constitucional de ficção”, pois era “um verdadeiro período de negação constitucional” no qual “suportávamos assim o julgo de uma ditadura mascarada, mil vezes mais prejudicial e mais perigosa que qualquer outra espécie de governo sem lei.”38 Até mesmo José Eduardo de Macedo Soares, dono do jornal, seguiu na mesma linha, deixando mais evidente as peculiaridades do Governo Provisório e do Poder Discricionário se comparados à Primeira República. O uso de aspas não é à toa: Chamávamos de “constitucional” o regime republicano que perdurou entre nós até 24 de outubro de 1930. O regime vigente denomina-se “de poderes discricionários” ou ditadura. No primeiro, o presidente da República nomeava, discricionariamente, os ministros, juízes do Supremo Tribunal, senadores, deputados, governadores de Estados, agentes diplomáticos e consulares, e funcionários públicos federais. No segundo, ocorre a mesmíssima coisa, com economia, porque foram dispensados os serviços dos senadores e deputados. O regime antigo era de absoluta irresponsabilidade. [...] O “regime discricionário” é o regime da responsabilidade, da competência e da mais estrita moralidade; tal regime, aliás, naturalmente transitório.39

O Diário Carioca aparece como um defensor do Poder Discricionário por ele não ter uma dimensão de longa perenidade e por se opor radicalmente à política republicana que até então vigorou no país. Ainda na construção política da Primeira República como uma ditadura que o Poder Discricionário combatia, em 5 de fevereiro de 1931, o jornal Correio da Manhã publicou uma coluna de opinião intitulada “A ditadura”, e nela aspectos fundamentais que dialogam com os até aqui apresentados aparecem: O presidente da República era um ditador constitucional, de quatro em quatro anos revezado no mais elevado cargo da nação. Ele indicava os governadores da Federação e compunha a Câmara e o Senado à revelia do eleitorado. Voto, propriamente, [...] não existia. [...] Indistintamente, os que, por necessidade, formaram com a revolução, ainda que sem por ela pegaram em armas e arriscaram a vida, fazem coro com os outros com os que foram corridos da esterqueira das oligarquias vorazes. E todos esses que viviam e vivem da política [...] iniciam calculadamente a campanha do retorno ao constitucionalismo infecto de que a nação enfermara. Parece que não é mais segredo que até já se conspira. Certos militares [...] tomam parte na tarefa, esperando um contragolpe dos profissionais da política.40

É fundamental notar que esse periódico é de grande importância para o período, tanto por seu combate a setores do Governo Provisório, em especial os “tenentes”, quanto pelo fato do seu empastelamento, em fevereiro de 1932, ter se tornado um dos estopins que desencadearam a guerra civil. 38  Ver, respectivamente, Diário Carioca, Edição n. 813, Título: “Eleições, para que?” da Coluna fixa de Campos de Medeiros, 20/02/1931, p. 6 e Edição n. 855, Título: “A nota brasileira” da Coluna fixa de Americo Palha, 11/04/1931, p. 3. 39  Diário Carioca, Edição n. 952, Editorial “‘Planos’ de governo”, 04/08/1931, p. 1. 40  Correio da Manhã, Edição n. 11804, Notícia: “A dictadura”, 05/02/1931, p. 4. 37 

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Muitos pontos chamam a atenção. O primeiro é a data: essa coluna foi publicada ainda faltando bem mais de um ano para a guerra civil, período no qual toda essa retórica – especialmente a ideia de “contragolpe” – é amplamente utilizada por aqueles que defendiam o Governo Provisório. Ou seja, desde os primeiros meses de 1931, para importantes setores da imprensa carioca, os opositores eram uma grande confabulação de políticos que perderam a posição com a vitória de 1930; de políticos que apoiaram o movimento e depois o traíram; e de militares insubmissos. O jornal definia, desse modo, quem são os inimigos da revolução para os apoiadores do Governo Provisório por mais que houvesse distinções entre eles.41 É fundamental notar também que a Primeira República é definida, mais uma vez, como uma ditadura, já que era governada por um “ditador constitucional”, que não respeitava o povo e formava o governo à revelia do voto. Para o jornal, querer o retorno rápido ao método constitucional era na verdade um método para o retorno ao passado político desacreditado. Feito esse quadro desolador, o jornal dá sua receita para combatê-lo: Entendemos que aquilo de que o Brasil carece, mais do que nunca, é de uma ditadura dentro do programa de honestidade e de patriotismo pelo qual se orienta o sr. Getúlio Vargas. Somos pelo governo de um ditador [...]. Ao nosso ver, o sr. Getúlio é até passível de censura por não querer ser um governo bastante forte, bastante discricionário. [...] O país precisa de ser posto em ordem. Sem a ditadura, isto é, sem o governo discricionário escorado na confiança e na estima do povo, essa ordem não se operará. [...] Sem aparelhar a nação para a escolha dos seus verdadeiros e legítimos representantes – primeiro, uma nova lei de alistamento; segunda, uma outra de processo eleitoral – não é possível pensar-se em constitucionalismo. [...] “Impor a República pela sua forma – doutrinava Rui Barbosa [...] – em lugar de recomendá-la pelo valor das suas utilidades, seria entronizar na política a superstição”. Estamos com o egrégio concidadão, que acrescentava ser a República a democracia e a liberdade na lei. O governo discricionário do sr. Getulio tem exprimido essa democracia e essa liberdade. Com ele, há respeito à lei [...]. O regresso imediato ao constitucionalismo pode interessar aos revolucionários hipócritas e aos oligarcas depostos. Ao povo é que ele não convém com tanta pressa.42

Fica claro que o Governo Provisório era uma ditadura ancorada no Poder Discricionário com apoio popular, sendo, dessa forma, o único modo de pôr fim aos desmandos promovidos pelos “ditadores constitucionais” da Primeira República. O Poder Discricionário, salvaguarda do Governo Provisório e de sua ação, era a possibilidade para um futuro melhor, que viria com novos processos eleitorais a serem construídos. Como se vê, a ideia de um Código Eleitoral novo, que saneasse as práticas eleitorais, e que enterrasse a Primeira República, e seu passado nefasto, estava colocada desde os primeiros meses do Governo Provisório. Nesse sentido, sobre a memória construída acerca do turbilhão que foi inaugurado em 1930, afirma Noé Freire Sandres que “o controle sobre a avaliação do passado era uma estratégia para atenuar a impetuosidade da crise política, recorrendo ao conhecido recurso de demonizar o passado recente”.43 Desse modo,

“A ameaça maior [ao Governo Provisório] não vinha por parte dos ‘carcomidos’, isto é, dos derrotados de 1930, mas dos ‘políticos profissionais’, aqueles que, apesar deterem participado do movimento revolucionário, não haviam aderido ao ‘espírito da revolução’”. PANDOLFI, D. “Os anos 1930: as incertezas do regime”. In: FERREIRA, J. DELGADO, L. A. N. O Brasil Republicano: O tempo do nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 21. 42  Correio da Manhã, Edição n. 11804, Notícia: “A dictadura”, 05/02/1931, p. 4. 43  SANDRES, Noé Freire. O passado como negócio: o tempo revolucionário (1930). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 23, n. 23, 2009, p. 128. 41 

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[...] o tempo da revolução carregava consigo uma novidade, a promessa de ruptura com o passado apequenado. Explicar o significado da Revolução de 1930 representou, até certo ponto, o desejo de conduzir o projeto político de reordenação da experiência política brasileira.44

Não à toa, como já foi observado, a figura de Rui Barbosa mais uma vez surge, legitimando essa ditadura que defende “a democracia e a liberdade da lei”. O termo “ditadura” aparece duas vezes na mesma coluna, mas com sentidos completamente opostos: uma não respeitava o voto e o povo, enquanto outra, que apregoava a ordem, tinha poderes e forças para mudar a política republicana nacional. Os significados e as diferenças entre a ditadura ancorada no Poder Discricionário, diferentemente da ditadura constitucional da Primeira República são evidentes. A primeira, mesmo sem uma Constituição, era democrata e prezava pela liberdade, legitimada pelo Poder Discricionário, enquanto a segunda, mesmo com uma Constituição, vigorava tendo como base o despotismo e a oligarquia. Ou seja, não era uma questão meramente de constitucionalismo, mas de como seria a Constituição a ser estabelecida. Daí, percebe-se, mais uma vez, as grandes expectativas que se tinham com essa nova Constituição a ser elaborada a partir de um novo Código Eleitoral. É por isso mesmo que essa polissemia da categoria política ditadura vai ganhando movimento com o aumento da crise política que culminará na guerra civil de 1932: entre os constitucionalistas paulistas uma de suas bandeiras mais caras era “abaixo a ditadura”. Ou seja, a palavra estava em uma clara disputa de significados, pelos dois lados do conflito. As considerações de Vavy Pacheco Borges analisando outros conceitos comuns na imprensa paulista no mesmo período são essenciais: Os conteúdos dos conceitos surgem para legitimar toda e qualquer ação dos diferentes grupos envolvidos numa luta que foi mortal para os partidos. Trabalho aqui com a construção dos conceitos e seus usos, ambos ligados à prática política: os conteúdos dos conceitos exprimem o esboçar de formas de atuação e de perspectivas políticas visando conseguir adesões e conquistas o respaldo da opinião pública. Atrás da construção e uso dos conceitos percebe-se a evidente luta política mais direta, mas também os conflitos sociais mais amplos que perpassam a sociedade como um todo.45

Assim, para os defensores do Poder Discricionário, que tipo de ditadura era o Governo Provisório? Nos primeiros meses de 1931, duas declarações chamam a atenção. O primeiro deles é de Juarez Távora, o líder dos revolucionários nortistas, e declarado defensor do prolongamento do Poder Discricionário. Diz o militar: A ditadura é necessária, se é que podemos, sem cometer uma grave injúria, chamar o governo do sr. Getúlio Vargas de ditadura. O governo tem de ser discricionário como vem sendo, afim de que possam ser executadas diversas experiências que serão ou não adotadas definitivamente, quando da sua organização definitiva. A ditadura atual pode bem ser chamada, com propriedade, de laboratório de ensaios, pois são feitas experiências cujos resultados serão depois julgados convenientemente.46

O Diário Carioca não fica atrás. Em matéria que comemora o aniversário do presidente, afirma que “iria de encontro à mentalidade nacional, provocando reações desastrosas, o estabelecimento de uma ditadura nacional, mesmo em nome destes ou daqueles ideais. 47 Getúlio Vargas, no entanto, 44  45  46  47 

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Ibidem, p. 131. BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e Revolução Brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992, p. 111. Diário Carioca, Edição n. 776, Notícia: “O capitão Juarez Tavora concedeu mais uma entrevista collectiva á imprensa”, 07/01/1931, p. 4. Diário Carioca, Edição n. 862, Notícia: “Presidente Getulio Vargas”, 19/04/1931, p. 1.

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[...] estabeleceu a ditadura suave, o governo, que, embora discricionário, vive auscultando a opinião e que não se desdoura, quando erra, porque humano, de corrigir erros. A ditadura liberal... Mais tarde, os historiadores registrarão esse caso único, que será uma página de beleza da nossa história.48

Como se vê nessas passagens de dois personagens tão distintos, a ditadura estabelecida pelo Governo Provisório, que sequer deveria ser chamada assim – o que, igualmente, mostra um acento negativo para a categoria –, era um “laboratório de ensaios” para a reconstrução do Brasil, ao mesmo tempo em que tais ações só caberiam ao futuro e a seus historiadores averiguarem, esta que é uma ditadura “suave” e “liberal”. A força desses termos que buscam legitimar a ditadura imposta pelo Governo Provisório é evidente. Nos dois trechos o Poder Discricionário sempre acompanha a ditadura imposta e é ele, por suas características, que dá a força da legitimidade do Governo Provisório no imediato pós-30. O que foi, afinal, o poder discricionário? O Poder Discricionário foi o elemento legitimador do Governo Provisório. A ditadura estabelecida pela vitória do movimento de 30 possui quatro aspectos fundamentais que a definem e a legitimam, tanto para diversas correntes ligadas ao governo quanto para amplos setores da imprensa nacional. O primeiro é que ela é legal, ou seja, está dentro da lei, pois segue critérios jurídicos e históricos, sintetizados de modo exemplar, mas não exclusivamente, na utilização memorial, jurídica e política de Rui Barbosa. Em segundo lugar, ela era excepcional, por ser pós-revolucionária. Esse caráter lhe confere uma legitimidade importante, pois veio para enterrar um passado nefasto e ditatorial, a chamada República Velha. Em terceiro lugar, ela é transitória, pois sempre se apostou que ela terminaria com a reorganização constitucional. Organização esta que viria com a ação do próprio Poder Discricionário, ou seja, ele atua declaradamente para o seu final. Por fim, em quarto lugar, ela é saneadora, porque construiria um futuro novo com a moralização política, graças a reconstrução eleitoral, por meio do novo Código que regeria as eleições futuras. Para as hostes governistas e para importantes veículos da imprensa carioca, entre fins de 1930 e meados de 1932, inegavelmente o Governo Provisório era uma ditadura, mas não uma ditadura qualquer. Assemelhava-se à definição histórica de ditadura surgida “pela primeira vez no período da República romana. Com sentido positivo, era uma instituição convocada diante de uma situação de emergência, prevista pela Constituição e ‘com poderes extraordinários, mas legítimos e limitados no tempo’”.49 Desse modo, por ser ancorada no Poder Discricionário, ela era legal, excepcional, transitória e saneadora, e, por isso mesmo, apoiada pelo povo e tinha como objetivo principal enterrar de vez a Primeira República. O uso de ditadura em dois sentidos históricos diferentes, como foi amplamente apresentado aqui, é fundamental para se compreender tanto a legitimação do Governo Provisório no conturbado processo de crise que culmina com a guerra civil quanto a recepção e expectativas que se tinham quanto ao Código Eleitoral a ser construído.

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Ibidem. ROLLEMBERG; QUADRAT, 2011, p. 18. As autoras historicizam o termo a partir do trabalho de BOBBIO, Noberto et al. Dicionário de política. Brasília: UnB, 1997. 49 

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Ou seja, o Governo Provisório era uma ditadura no sentido completamente oposto daquele que fora estabelecido para desqualificar a Primeira República justamente por ser ele a inaugurar novos rumos políticos e eleitorais para o Brasil. O Poder Discricionário tinha a capacidade e a legitimidade para remover “todos os obstáculos que restavam para a realização de uma administração centralizada”50 que, acreditava-se, renovaria a política nacional. Foi por isso que o Poder Discricionário e seus significados extrapolaram o âmbito meramente político e administrativo. Daí artistas e outras figuras serem definidas como discricionárias da alegria, da gargalhada, da folia e do samba. Quando o “speaker discricionário” é apresentado, de modo irônico e negativo, em outubro de 1932, como aquele que arbitrariamente “segura a gente a força, para entrar no teatro”, os tempos são outros, pós-guerra civil. Até lá, os debates constitucionalistas tinham outros tons. Mas, antes, é preciso compreender como esses debates se deram no imediato pós-30 na imprensa e no próprio Governo Provisório. “É CERTO QUE SEM UMA LEI DE ALISTAMENTO, SEM OUTRA DE PROCESSO ELEITORAL, O GOVERNO PROVISÓRIO NÃO COGITARÁ DA GRANDE INICIATIVA”: O PODER DISCRICIONÁRIO E O CONSTITUCIONALISMO IMEDIATO Dos muitos periódicos que compunham a flora jornalística carioca no imediato pós-30, optou-se nesse trabalho por analisar como a imprensa do Distrito Federal via e definia o Poder Discricionário a partir de dois deles: o Correio da Manhã e o Diário Carioca. É fundamental deixar claro que houve censura à imprensa durante o Governo Provisório, mas esse tema foi muito pouco tratado na bibliografia sobre o período e ainda carece de maior aprofundamento.51 Mesmo com essa constatação, é inegável que a imprensa teve papel relevante nessa conturbada conjuntura, ora se aproximando, ora se distanciando do governo, como o empastelamento do Diário Carioca permite perceber. Analisando esses jornais a partir da sua relação com o Poder Discricionário é possível entender como eles se posicionavam diante dos debates constitucionalistas e, ao mesmo tempo, ajudaram a construir a defesa do Governo Provisório no imediato pós-30.52 Desse modo, nos primeiros meses do Governo Provisório, não é de se estranhar que Maurício Campos de Medeiros, colunista do Diário Carioca, tenha defendido: LEVINE, 2001, p. 49. Muito precisa ser pesquisado sobre a imprensa durante o Governo Provisório. Robert Levine afirma que “já em setembro de 1931 Vargas decretara censura à imprensa”, permitindo inferir que antes ela não havia (LEVINE, 2001, p. 51). No verbete de Vargas, no DHBB, há três passagens panorâmicas e confusas sobre o tema nesse período. Na primeira delas, afirma-se que “com a entrada de Maurício Cardoso no governo houve uma relativa liberalização do regime”, que “determinou a suspensão da censura à imprensa”. Mais à frente, diz-se, analisando o decreto que regulamentava o funcionamento da constituinte, que “apesar da liberalização do regime, o Governo Provisório manteve a censura à imprensa”. É provável que a censura mantida se relaciona ao controle dos jornais durante a guerra civil. Por fim, na última passagem, diz-se que, em maio de 1934, o presidente “concedeu a anistia aos participantes do movimento constitucionalista de 1932 e anunciou o fim da censura à imprensa.” Verbete “Getúlio Vargas”. In: DHBB-Cpdoc/FGV. Angela de Castro Gomes lembra que “a nova lei da imprensa, que acabava com a prática da censura, só é sancionada pelo Decreto nº 24.776 de 14 de julho de 1934, portanto dois dias antes da promulgação da Constituição.” (GOMES, 1980, p. 38). 52  Tanto o Correio da Manhã quanto o Diário Carioca foram opositores dos últimos governos da Primeira República e apoiadores da Aliança Liberal e do movimento de 30. No importante DHBB-Cpdoc/FGV, suas posições durante o Governo Provisório não foram ainda analisadas levando em conta os movimentos internos desse período. Segundo esta obra, o Correio da Manhã “em janeiro de 1932, uma série de editoriais tornava clara a adesão do jornal ao movimento paulista pela constitucionalização”. Discordo que o jornal tenha se colocado tão ao lado da corrente paulista durante o conturbado processo que culmina com a guerra civil. Já o Diário Carioca tem uma história íntima com o próprio Governo Provisório, já que seu empastelamento, em fevereiro de 1932, colocou mais lenha na fogueira que alimentava a crise política que culminou com a guerra civil. Segundo a mesma obra, o jornal de José Eduardo de Macedo Soares “já em novembro de 1930 [...] conclamava o Governo Provisório a seguir seu programa e a cumprir suas promessas” e “no princípio do mês de dezembro, o Diário Carioca rompia com a situação, apontando os males trazidos pelo Governo Provisório ao país.” Evidentemente, o empastelamento do Diário Carioca muda a relação do jornal com o Governo Provisório, mas até esse evento, a proximidade entre esses dois atores é mais complexa do que comumente se imagina. Ver verbetes “Correio da Manhã” e “Diário Carioca” In: DHBB-Cpdoc/FGV. 50 

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[...] também acho que o período de governo discricionário só deve cessar quando o país esteja apto para entrar na ordem constitucional. [...] Sou profundamente adverso das ditaduras, portanto insuspeito nesse ponto. Mas uma ditadura em que é chefe supremo um Getúlio Vargas, não há inconveniente em que se prolongue um pouco, até que o Brasil esteja habilitado a entrar num regime de representação e justiça.”53

Dias depois, em uma coluna intitulada “Eleições, para quê?”, perguntava o mesmo personagem: Não há tempo suficiente para que se possa atirar o país aos azares de uma eleição geral. Por ventura já se fez, no interior, a propaganda dos ideais da revolução vitoriosa? Já os nossos patrícios das selvas brasileiras sabem que têm o direito de escolha de seus representantes e não são simples escravos do coronel A ou B, sujeitos ao mando incontrastável desses coronéis da politicagem? Já se iniciou, sequer, essa educação cívica por todo o Brasil? Sem esse trabalho, [...] a prática da eleição redundaria num fracasso, com a volta da mesma gente que tanto corrompeu o país, no regime deposto. [...] Deixemos, portanto, que o Governo Provisório Discricionário faça a sua obra benemérita.54

Era necessário primeiro sanear o país das práticas coronelísticas típicas da Primeira República, para, só depois desse trabalho, retornar ao regime constitucional. Fica evidente que a grande “obra benemérita” do Governo Provisório seria a concretização de novas regras eleitorais, que viriam a ser concretizadas no novo Código Eleitoral. O Correio da Manhã, no mesmo período, segue a linha de argumentação: É certo que sem uma lei de alistamento, sem outra de processo eleitoral, o Governo Provisório não cogitará da grande iniciativa [de constitucionalização]. E com razão. Só os políticos, notadamente os que viviam do ofício escuro e nocivo da politicagem, é que estão ardentemente desejando essa volta, já e já. O povo está despreocupado disso. [...] O país não anseia por ele, preferindo um governo discricionário e forte, mas que seja, acima de tudo, honesto, sereno, moralizador. Limpo e saneado, é claro que a sua nova constitucionalização trará outras virtudes.55

A linha de defesa é a mesma e a ação do Governo Provisório para a constitucionalização estava clara: ela só deveria vir depois de estabelecida uma nova lei de alistamento e outra de processo eleitoral. Ou seja, o Poder Discricionário afiançava uma ditadura legal, excepcional, transitória e saneadora, tornando-se uma garantia para a constitucionalização, uma constitucionalização verdadeira, posto ser estabelecida depois de se ter superado definitivamente os males eleitorais brasileiros. Essa mesma argumentação, é importante registrar, continua meses depois de publicadas as notícias citadas. Tendo em mente o processo de construção da legitimação do Governo Provisório da revolução de 30 até meados de 1932 – ou seja, os significados do Poder Discricionário para os contemporâneos do imediato pós-30 –, percebe-se que o combate de parte significativa da imprensa nacional não é por uma simples constitucionalização, mas por uma nova ordem legal eleitoral garantida pela ação do Poder Discricionário. Importantes setores da imprensa nacional e do próprio Governo Provisório, desse modo, são amplamente contrários ao constitucionalismo imediato. Esse processo, vale notar, é de mão dupla: ao passo em que a legitimação é construída, o combate ao constitucionalismo imediato também o é. Para se entender o que era o constitucionalismo imediato a ser combatido, e as disputas nacionais em torno do Governo Provisório, basta utilizar como contraponto a análise de um jornal 53  54  55 

Diário Carioca, Edição n. 809, Título: “Não fiquemos em palavras” da Coluna fixa de Campos de Medeiros, 14/02/1931, p. 6. Diário Carioca, Edição n. 813, Título: “Eleições, para que?” da Coluna fixa de Campos de Medeiros, 20/02/1931, p. 6. Correio da Manhã, Edição n. 11117, Nota: “A volta da Constituição” na Coluna “Topicos & Noticias”, 17/03/1931, p. 4.

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paulista no mesmo período. O Diário Nacional, órgão oficial do Partido Democrático (PD), é um ótimo exemplo. Como se sabe, o PD apoiou a Aliança Liberal e o Governo Provisório, até romper com este, em 13 de janeiro de 1932. Assim, analisando as definições estabelecidas pelo jornal ao Poder Discricionário antes do rompimento definitivo com o Governo Provisório percebe-se que o debate acerca do constitucionalismo não era o mesmo que vinha sendo construído no Distrito Federal. Desse modo, para o periódico paulista, nos primeiros meses de 1931, o regime discricionário deve “abreviar para o breve regresso do país à normalidade constitucional”, já que devemos abrir mão dele “quanto antes, [...] volvendo à normalidade constitucional”, já que ele “só se justifica como um meio de facilitar o advento da futura Constituição”, pois “o atual período discricionário [...] consiste apenas em preparar a breve transição da velha para a nova República”.56 Com o passar dos meses e a demora em elaborar o Código Eleitoral, o tom se eleva, na proporção da tensão política do período. Para os articulistas que faziam o Diário Nacional, “os homens que nesta hora empunham o bastão de mando” do país, mesmo procurando “fazer crer serem francamente favoráveis à volta imediata ao regime do direito e da lei”, “desejam é a continuação do regime discricionário, no mínimo, até 1933. Só os mentalmente cegos não enxergam essa verdade.” Isso era entendido como a “perpetuação do regime discricionário caracterizador da tirania da consciência e da liberdade de pensar”. Assim, mais do que nunca, o Brasil estava dividido: “de um lado, a Nação que pensa, trabalha e quer; de outro, o regime discricionário e os seus planetas e satélites.” 57 Esse é um pálido exemplo do constitucionalismo imediato defendido pela imprensa paulista, e combatido pela imprensa do Distrito Federal e pelo Governo Provisório. Desse modo, o debate acerca do constitucionalismo não pode ser visto de modo generalizado. Ou seja, havia vários constitucionalismos a serem defendidos e modos distintos para se reestabelecer o regime constitucional. Com toda a temperatura política se elevando nacionalmente, a confiança que o Poder Discricionário conseguiria assegurar um novo modelo de eleições para o Brasil permanece para algumas correntes, enquanto para outras, fenece. Desse modo, por meio da análise de como o Poder Discricionário é definido e entendido, fica claro que entre a chegada de Getúlio Vargas ao poder e os primeiros meses de 1932 importantes setores da opinião pública nacional – vocalizados pelo Correio da Manhã e pelo Diário Carioca – são amplos opositores do que chamam do constitucionalismo imediato, qual seja, a convocação de eleições sem novas regras eleitorais; enquanto outros seguimentos da imprensa – representados aqui pelo Diário Nacional – cobram o retorno do regime constitucional com rapidez, pois já se mostram sem confiança ou esperança no Governo Provisório. Ou seja, para uns, a constitucionalização deveria vir o quanto antes, a qualquer custo. Para outros, ele só deveria surgir com as reformas garantidas e legitimadas pelo Poder Discricionário, futuramente concretizadas no Código Eleitoral. Já para os revolucionários nortistas, como vimos páginas atrás, o retorno ao regime constitucional deveria ser lento e demorado, o que revela toda a tensão do Governo Provisório em se manter firme diante de tão fortes e divergentes posicionamentos. Nesse sentido, os jornais do Distrito Federal continuam defendendo seu projeto de constitucionalização somente após reformas eleitorais, mesmo que com críticas em relação à demora em executar as medidas almejadas. O Correio da Manhã, em 1º de setembro de 1931, publicou: Diário Nacional, respectivamente, Edições n. 1086, Nota: “Feriados nacionais” na Coluna “Actualidades”, 23/01/1931, p. 3; n. 1112, Notícia: “Os prováveis frutos da excursão presidencial a Minas”, 24/02/1931, p. 1; n. 1114, Notícia: “Os impostos de exportação”, 26/02/1931, p. 3 e n. 1115, Notícia: “O sacrificio de São Paulo”, 27/02/1931, p. 3. 57  Diário Nacional, respectivamente, Edições n. 1336, Título “‘Primo Vivere’” da Coluna fixa de Levy Cerqueira, 16/12/1931, p. 3; n. 1350, Notícia: “Bandeira civilista”, 02/01/1932, p. 3 e n. 1378, Notícia: “As muralhas chinezas do outubrismo”, 04/02/1932, p. 3. 56 

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[...] teremos a revisão do alistamento e a reforma eleitoral como medidas prévias, capazes de encaminhar o advento de uma constituinte que seja realmente radicada na consciência do povo brasileiro, na sua vontade. [...] A revolução faz um ano no correr do próximo mês de outubro. [...] Hoje já nada justifica que se protele de maneira indefinida o advento da constituinte. Pelos trâmites que agora lhe são traçados, ninguém terá receios de que uma precipitação possa fazer ruir o edifício revolucionário.58

Essa passagem deixa clara a instabilidade nos meses finais de 1931. Era necessário ao governo tomar uma atitude frente à constitucionalização. Vargas negociou com as várias correntes que apoiavam seu governo, em movimentos às vezes contraditórios, típicos de conjuntura tão instável. No entanto, nenhuma das medidas adotadas nessas negociações foi tão significativa quanto a substituição que promoveu no Ministério da Justiça. Saía Osvaldo Aranha, entrava Maurício Cardoso. Os dois igualmente gaúchos, mas diametralmente opostos quanto ao Poder Discricionário e à constitucionalização. “UMA GRADATIVA ‘DES-DITATORIALIZAÇÃO’”: A CHEGADA DE MAURÍCIO CARDOSO AO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Osvaldo Aranha, um dos principais articuladores da tomada de poder em 1930, enquanto esteve à frente da pasta da Justiça procurou postergar ao máximo o sistema de reorganização constitucional.59 Sua saída e nomeação de Maurício Cardoso para o Ministério da Justiça é interpretada como uma jogada política de Vargas para acalmar a oposição constitucionalista e dar início efetivo ao processo de constitucionalização, já que o novo ministro não escondia de ninguém sua posição favorável sobre a questão. O clima político estava complicado, e era necessário aplacar as tensões, especialmente mediante a reaproximação do presidente com os líderes políticos do seu estado de origem, o Rio Grande do Sul.60 A cerimônia de transmissão do cargo, em 21 de dezembro de 1931, é um momento exemplar dessa nova situação que estava colocada. Sobre ela, escreveu o presidente em seu diário íntimo: “Posse do novo ministro da Justiça. Osvaldo e Maurício pronunciam dois excelentes discursos, com nuances curiosas, como reflexo da diversidade de temperamentos”.61 Vamos às nuances, por mais que essa palavra não seja capaz de definir o que viveram aqueles que ouviram discursos tão díspares sobre questões políticas tão quentes. Inicialmente, a palavra era de Osvaldo, o ministro que deixava o cargo, e que conduziu o processo político, pouco afeito à constitucionalização, até então. Nas suas palavras, as categorias que legitimam o Governo Provisório por meio do Poder Discricionário – ou seja, ser legal, excepcional, transitório e saneador – aparecem com clareza: A revolução não é a ausência de leis: é o transe renovador dos direitos políticos de um povo. As regras traçadas [...] para a vida transitória da ditadura, consubstanciam providências e Correio da Manhã, Edição n. 11261, Notícia: “A caminho da Constituinte”, 01/09/1931, p. 4. Osvaldo Aranha, “durante sua permanência à frente da pasta, foi contrário, por sua ligação com os ‘tenentes’, a uma reconstitucionalização imediata do país, defendendo, ao invés disso, a ‘reconstrução autêntica’ da nação.” Verbete “Osvaldo Aranha”. In: DHBB-Cpdoc/FGV. 60  Verbete “Mauricio Cardoso”. In: DHBB-Cpdoc/FGV. Ainda sobre o papel de Maurício Cardoso e os avanços nos trabalhos da comissão para revisão eleitoral, ver GOMES, Angela de Castro. “Confronto e Compromisso no processo de constitucionalização (1930-1935)”. In: FAUSTO, B. (Coord.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano. 3º Volume - Sociedade e Política (1930-1964). São Paulo: Difel, 1981, p. 15-18. (1981: 15-18). 61  VARGAS, G. Diário. Volume 1. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995, p. 82, Anotações para os dias 17 a 23 de dezembro de 1931. 58  59 

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princípios, asseguram regalias: e leis, que não conheceu o Brasil em toda sua vida pseudo-constitucional. É esta a primeira demonstração de que o movimento revolucionário de outubro não se fizera para derrogar leis, mas para depor os senhores do Brasil, sanear a administração do país, reformar os seus vícios políticos, e mais do que tudo isso, renovar seus destinos.62

Continuava dizendo que “o decreto [...] que instituiu o novo governo, conferiu-lhe poderes discricionários decorrentes das próprias circunstâncias” e por isso mesmo, esses poderes “nada têm de ditatoriais”. Assim, “é manifesta a confusão, mesmo de homens eminentes, entre poderes discricionários e ditatoriais”, pois “o governo discricionário tem compreendido os seus poderes com menor latitude do que os governos constitucionais os poderes do sítio.” Feita a leitura do passado e a análise do presente, era hora de construir o futuro: [...] o Governo Provisório, como todos os bons revolucionários, outra coisa não tem procurado fazer senão preparar o Brasil para entrar no regime legal. [...] Entre os que a querem retardar e os que a querem apressar, o governo exerce a sua função de moderador, responsável pela ordem atual e pela futura.63

Maurício Cardoso, o novo ministro, e um dos baluartes do constitucionalismo, foi além em sua análise: Nascida da reação contra a ditadura do arbítrio, soube a Revolução ser coerente consigo mesma, criando uma ditadura que assenta sobre leis, uma “ditadura de direito” que limitou sua vida ao advento da Constituição [...]. Não há quem possa recusar a “índole jurídica” do Governo Provisório. Presente-se, mesmo, que todos os seus esforços se canalizam no sentido de uma gradativa “des-ditatorialização”. [...] Está quase findo o trabalho da subcomissão encarregada da legislação eleitoral. Traduz esforço notável para realizar, entre nós, a prática da verdadeira democracia: assegura a seriedade do alistamento por um conjunto de medidas e organismo adequados; favorece a verdade eleitoral pela consagração do voto secreto; garante a representação de todas as opiniões ponderáveis pelo estabelecimento do sistema proporcional; evita que a vontade expressa dos comícios seja abusivamente cassada pelo arbítrio dos reconhecimentos políticos; enfim, estimula a formação e consolidação dos partidos, cuja essência tanto concorreu para conspurcar os males do passado. [...] À ditadura compete a iniciativa constitucionalizadora, pela imediata conclusão dos estudos já iniciados, pela próxima promulgação da lei eleitoral e pela formação de um ambiente propício ao debate de todas as tendências; [...] “Revolução” e “função eleitoral” – eis os seus dois aspectos e foi vitoriosa; marchemos, pois, mais salientes. Fez-se a revolução para a função eleitoral.64

A “ditadura do direito” estava terminando, com o processo de construção de um novo Código Eleitoral, que ganharia efetivamente corpo e vigor a partir da ação de Maurício Cardoso no Ministério da Justiça, ao contrário da ação empenhada por Osvaldo Aranha.65 Era momento da “desditatorialização”. Nas muitas ditaduras que coexistiam no imediato pós-30, aquela ancorada no Poder Discricionário, entre marchas e contramarchas, estabeleceu-se com suas peculiaridades e apoios. Em uma cômica nota sobre a troca de ministros, esse embate apareceu na imprensa carioca: O sr. Osvaldo Aranha fez questão de frisar em seu discurso que o atual governo é discricionário e não ditatorial. - Mas qual a diferença? 62  63  64  65 

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Correio da Manhã, Edição n. 11357, Notícia: “A posse do Sr. Maurício Cardoso na pasta da Justiça”, 22/12/1931, p. 1. Diário Carioca, Edição n. 1071, “A posse do novo ministro da Justiça”, 22/12/1931, p. 8. Diário Carioca, Edição n. 1071, “A posse do novo ministro da Justiça”, 22/12/1931, p. 8. Para o debate sobre o assunto ver o Capítulo 2, escrito por Jaqueline Zulini, que analisa a tramitação do Código Eleitoral de 1932.

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- É que no “discricionário”, de que ele nos faz a descrição, o governo age à discrição, com discreção; na ditadura o governo dita leis à Nação e a dita atura, enquanto dura a ditadura... - Não percebo... - Nem é preciso. É isso mesmo.66

Era difícil perceber a diferença, já que, às vezes, não se havia a confiança de que o Poder Discricionário era realmente temporário. Mas a diferença existia e era fundamental para legitimar o recém-inaugurado governo Vargas nessa conturbada conjuntura política nacional. Existia, ao menos, para as grandes lideranças políticas do Governo Provisório e para a imprensa que se opunha ao constitucionalismo imediato. José Eduardo de Macedo Soares publicou um editorial em seu jornal no dia 27 de janeiro de 1932 em um momento peculiar nesse conturbado imediato pós-30: menos de um mês antes de seu jornal ser destruído pelos tenentes; um mês depois da nomeação de Maurício Cardoso como ministro da Justiça; e no mesmo período em que o jornal do Partido Democrático entendia o Poder Discricionário como o regime da “tirania da consciência e da liberdade de pensar”. Por suas palavras, é possível perceber certo otimismo no retorno ao regime constitucional pós-reformas eleitorais na imprensa carioca – isso não houve, vale notar, na imprensa paulista.67 Diz o eminente jornalista: Nós divergimos, peremptoriamente, dos que querem a “Constituição já”, como demonstração antirrevolucionária, divergimos dos que por simples espírito oposicionista querem encerrar precipitadamente o período de poderes discricionários, com todas as grandes vantagens que encerra, para facilitar e permitir a obra de reconstrução nacional que compete à Revolução. Ainda hoje estamos confiantes em que o Governo Provisório, com o sr. Getúlio Vargas à frente, poderá prestar inestimáveis serviços ao Brasil, reorganizando as finanças federais e estaduais, restabelecendo o crédito, consolidando o ambiente moral da Revolução, constituindo em bases sólidas o edifício da democracia.68

É inegável que nas primeiras semanas de 1932 há um clima de confiança na imprensa do Distrito Federal quanto a capacidade do Governo Provisório em estabelecer o retorno ao regime constitucional dentro da agenda de reformas almejadas. Cinco dias antes da publicação do editorial de Macedo Soares há pouco citado, o Correio da Manhã asseverava que “como temos dito e iremos repetindo à medida da necessidade, os inimigos da Constituição são hoje tão hipotéticos, neste país, quanto os moinhos de vento sobre os quais D. Quixote arremeteu”, pois “não há, nem talvez mesmo no poder, quem esteja atualmente contrário à formação de um governo nacional, estribado na lei.”69 “DA OBRA QUE O GOVERNO PROVISÓRIO, COM A COLABORAÇÃO EFICIENTE DE TODOS OS BONS BRASILEIROS, PRETENDE LEVAR A EFEITO, USANDO DE PODERES DISCRICIONÁRIOS”: À GUISA DE CONCLUSÃO Com a nomeação de Maurício Cardoso como ministro da Justiça, o presidente Getúlio Vargas fez uma opção política em favor do processo constitucional, em especial na concretização do novo Código Eleitoral. Desse modo, optou o ditador discricionário por não continuar com o Governo Provisório por tempo indeterminado. Correio da Manhã, Edição n. 11358, Nota na Coluna: “Pingos & Respingos”, 23/12/1931, p. 2. Afirma Maria Helena Capelato que “os articuladores do movimento paulista procuraram ocultar as medidas tomadas por Getúlio Vargas no sentido de iniciar o processo de volta às formas legais. Abrir mão dessa bandeira de luta tão abrangente significava um sério risco de desmobilização.” (CAPELATO, M. H. Multidões em cena..., 1998, p. 48-49). 68  Diário Carioca, Edição n. 1102, Notícia: “A oportunidade da constituinte”, 27/01/1932, p. 1. 69  Correio da Manhã, Edição n. 11384, Notícia: “Falsos prophetas”, 22/01/1932, p. 4. 66  67 

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As pressões foram muitas para que ele não concretizasse tal opção. Olhando essa história por outros sujeitos que vimos nessas páginas isso pode ser observado. Vamos a eles. Como dito anteriormente, o Norte e os revolucionários nortistas, liderados por Juarez Távora, foram se constituindo como os principais defensores do Governo Provisório no imediato pós-30, o que foi inegavelmente confirmado pelo expressivo número de soldados e voluntários enviados para combater na Guerra Civil de 1932 os opositores de Vargas: algo em torno de 27 mil pessoas.70 Em dezembro de 1931, no mesmo mês em que Osvaldo Aranha saiu do Ministério da Justiça, a Delegacia do Norte, lócus de onde Juarez chefiava sua região, é desfeita, desestabilizando essa corrente que era contra a constitucionalização imediata e defendia a prorrogação do Poder Discricionário por tempo indeterminado. Com o fim da Delegacia, Vargas envia Juarez ao Norte, para que ele analisasse a região e enviasse ao presidente suas “impressões”. Vargas sabia a posição dos revolucionários nortistas contrários à constitucionalização. Assim, essa viagem política serviu como um evento de grandes proporções para arregimentar a região contra a constitucionalização. Algo diametralmente oposto ao significado da nomeação de Maurício Cardoso para o Ministério da Justiça. Uma no cravo, outra na ferradura. Depois dessa longa viagem – que durou 72 dias – o líder dos revolucionários nortistas entregou um relatório ao presidente. Nesse momento, a conspiração articulada por militares e políticos paulistas era segredo de polichinelo. Em seu relatório, Juarez mostrava que, entre as associações de classes do Norte, 78,5% “tinham motivos para esperar, de tal governo discricionário, novos benefícios”, enquanto 61,5% “opinam que a volta do país ao regime constitucional [...] deve ser feita sem precipitações, a fim de permitir à ditadura concluir sua obra de reconstrução”.71 Távora mostrava a Vargas que ele tinha apoio para prolongar por bem mais tempo o Governo Provisório, fortalecendo o Poder Discricionário e rifando o Código Eleitoral. Mas não era o que queria o presidente, que fez pouco caso do relatório. Ele já havia, dias antes, deixado claro esse seu posicionamento a Juarez e outros opositores da constitucionalização: Recebo a visita do ministro da Viação, Juarez e interventores da Bahia, Ceará e Rio, reafirmando sua solidariedade, manifestando-se contrários ao início das atividades eleitorais, e que a ditadura deve permanecer todo um período presidencial. Mostro-lhes as dificuldades de manter esse ponto de vista, e digo-lhes que o formulem por escrito e conversem com Osvaldo Aranha. Recebo depois a este, que se mostra um pouco cético quanto à eficiência desse apoio.72

Nem os mais aguerridos defensores do prolongamento do Poder Discricionário se entendiam ou, sequer, confiavam em si. O Código Eleitoral já havia sido elaborado e divulgado e dali a alguns dias, em uma cerimônia simbólica e cheia de pompa, o próprio presidente fixaria a data das eleições em 3 de maio de 1933. Tal cerimônia ocorreu no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, a antiga – e futura – Câmara dos Deputados, lugar por excelência dos trabalhos constitucionais. Nesse evento Vargas leu um longo discurso, que era, na verdade, como ele mesmo intitulou, um “Manifesto à Nação”. Nesse documento de grande valor histórico, o presidente historicizou seu governo, apresentando dados, avanços, problemas, percalços e projetos que ainda deveriam ser executados. Com direito a transmissão por cadeia nacional de rádio e por alto falantes colocados nas suntuosas escadarias do palácio73 que LOPES, 2014, p. 224-228. Ibidem, p. 173-174. 72  VARGAS, G. Diário, 1995, p. 98. Anotações para os dias 29 a 31 de março de 1932. 73  A descrição completa do evento está em NETO, Lira. Getúlio: do Governo Provisório à ditadura do Estado Novo (1930-1945). São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 61-62. 70  71 

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ecoavam as empoladas palavras do presidente para aqueles que passavam na rua e para todos os outros que o ouviam mesmo a muitos quilômetros de distância, garantiu Vargas que: O programa da revolução [...] traça o caminho para o ressurgimento do Brasil: institui o aumento da produção nacional [...]; estabelece a organização do trabalho [...]; exige a moralidade administrativa, conculcada pelo sibaritismo dos políticos gozadores; impõe a invulnerabilidade da Justiça [...]; modifica o regime representativo com a aplicação de leis eleitorais previdentes [...]; assegura a transformação do capital humano como máquina, aperfeiçoando-a para produzir mais e melhor [...]; e restabelece, finalmente, o pleno gozo das liberdades públicas e privadas, sob a égide da lei e a garantia da justiça. Em rápida síntese, eis os lineamentos da obra que o Governo Provisório, com a colaboração eficiente de todos os bons brasileiros, pretende levar a efeito, usando de poderes discricionários e tendo em vista, exclusivamente, reintegrar o país na posse de si mesmo.74

Como não poderia deixar de ser, o Poder Discricionário aparece como elemento fundamental que deu legitimidade para a realização das obras apresentadas. Mas discursos de políticos experientes, ainda mais com tanta pompa, são sempre para se desconfiar. Mais do que um balanço de realizações, esse evento significou mais uma estratégia do presidente para acalmar as oposições que atacavam seu governo em momento bastante delicado, pois os tempos mudavam com velocidade e violência, e a conjuntura se alterava. O decreto 21.076 sancionaria o novo Código Eleitoral em 24 de fevereiro de 1932, aniversário da falecida Constituição de 1891, pelo empenho pessoal do novo ministro Maurício Cardoso, e com as bênçãos do presidente. A partir daí a crise deslancha sem freio: empastelamento, rompimentos, novos acordos, substituições de interventores, saída de importantes figuras do governo, pressões militares, negociações políticas, guerra civil. O Governo Provisório não seria mais o mesmo, nem sua legitimação seria mais aquela que fora construída. No entanto, para os defensores do governo, ele cumpria sua função: dava ao país um novo alistamento e um novo processo eleitoral tão almejados. O Poder Discricionário foi fundamental para se entender o processo que culmina com o Código Eleitoral de 1932. O novo Código pode ser considerado sua grande obra, e com a sua existência e execução, a ditadura ancorada no Poder Discricionário confirmava-se realmente provisória. A insistência de algumas correntes políticas para que se rasgasse o processo eleitoral e seu novo Código em benefício do retorno da ditadura legitimada pelo Poder Discricionário continuava mesmo nas vésperas da realização das eleições. O próprio Vargas registrou em seu diário íntimo o diálogo que teve com Luís Aranha – irmão de Osvaldo e chefe de gabinete do ministro da Justiça Antunes Maciel – entre os dias 3 e 5 de fevereiro de 1933: Conversamos a sós, e me falou [...] que as eleições deveriam ser feitas a 3 de maio, senão viríamos dar razão ao movimento de São Paulo, mas que, após as eleições, se o resultado nos fosse favorável, eu deveria dissolver a Assembleia. Respondi-lhe que, marcada a eleição, ela deveria ser feita na época determinada. No entanto, parecia-me muito menos grave adiar por dois ou três meses uma eleição do que dar um golpe de Estado, dissolvendo uma Assembleia. Que isto eu não faria. Boa ou má, teria que aguentá-la.75

“Revolução de Outubro - Manifesto à Nação, do Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, Chefe do Governo Provisório, lido, por S. Ex. em sessão solene, no edifício da Câmara dos Deputados, em 14 de maio de 1932.” Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/ getulio-vargas/discursos/1932/14-de-maio-de-1932-a-revolucao-e-o-regime-legal-manifesto-a-nacao-em-sessao-solene-no-edificio-da-camara-dos-deputados/view. Acesso em: 7 dez. 2017. 75  VARGAS, G. Diário, 1995, p. 184. Notação para os dias 3 a 5 de fevereiro de 1933. 74 

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Mesmo tendo vencido militar e politicamente a corrente que pregava o retorno ao constitucionalismo imediato, Vargas confirmou a realização das eleições que levariam a formação da Assembleia Nacional Constituinte, para o desagrado de muitos aliados que tanto se bateram pelo prolongamento dos poderes discricionários. A arena de luta agora era outra, por mais que ninguém soubesse, naquele momento, que Vargas a aguentaria por um tempo relativamente curto. Ele daria sim outro golpe de Estado, se utilizando de muitos aprendizados, depurações, alianças, rompimentos e estratégias que teve com a ditadura ancorada no Poder Discricionário.

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Capítulo 2 OBRA DE ASSIS BRASIL? A TRAMITAÇÃO DO CÓDIGO ELEITORAL DE 1932 Jaqueline Porto Zulini

INTRODUÇÃO O Código Eleitoral de 1932, marco jurídico de encerramento da Primeira República no que diz respeito ao tema da representação, expressou claramente a preocupação liberal com a garantia de bases consistentes para a ação do governo. Seu principal autor foi Assis Brasil.76

A passagem é emblemática da forma como o Código Eleitoral de 1932 entrou para a memória política do Brasil dos anos 1930. No caso, uma obra revolucionária escrita basicamente pelas mãos de Assis Brasil, reconhecido especialista em legislação eleitoral e comportamento político daquele tempo. A tramitação do Código não recebeu a devida atenção até hoje. Permanece o senso fiel ao entendimento impresso na dedicatória de uma edição revista dessa legislação em 1934, que designava Assis Brasil “o grande evangelista e fator principal da reforma”.77 Este capítulo objetiva justamente recuperar a tramitação do Código Eleitoral de 1932 para entender como a matéria foi concebida e lapidada desde a proposição até à promulgação, a 28 de fevereiro. A pesquisa se operacionaliza por meio do exame de jornais da época, veículos de informação privilegiada da política ordinária e que têm, ainda, a vantagem de retratar o clima intelectual e a opinião pública sobre a conjuntura. Especialmente porque, nessa época, a maioria dos periódicos era engajada e de propriedade de partidos ou políticos, facilitando a identificação clara da linha ideológica editorial e das parcialidades intrínsecas às notícias. Daí a prioridade na análise de dois jornais de tendências diferentes – no caso, o Diário de Noticias (de oposição ao Governo Provisório) e o Correio da Manhã (que se autoproclamava independente, mas cuja linha editorial se alternou no apoio e na oposição a Vargas). Outros periódicos e as principais revistas satíricas da época (O Malho e a Careta) também são mobilizados para ilustrar a disseminação de alguns argumentos-chave na imprensa da época. O estudo trará a público mais elementos para subsidiar a reflexão em torno das motivações políticas envolvidas na reforma eleitoral por além da propalada causa moral de combate às fraudes. A primeira seção mostra como o Governo Provisório alçado ao poder após a Revolução de 1930 define as regras de tramitação do Código Eleitoral, nomeia Assis Brasil e mais dois especialistas para elaborar o anteprojeto dessa reforma e preestabelece que o texto redigido passe pelo crivo de Getúlio Vargas, então dirigente do país. Na sequência, o capítulo aponta as principais críticas desferidas pela imprensa ao anteprojeto e como Assis Brasil procura respondê-las, além da sua deserção informal à tarefa, afastando-se da reforma eleitoral. Veremos que o anteprojeto vem a conhecimento público HOLLANDA, Cristina Buarque de. A questão da representação política na Primeira República. CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 52, p. 25-35, jan./abr. 2008, p. 34. 77  CABRAL, J. C. R. Código eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1934, p. 6. 76 

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após pressão dos setores desejosos da rápida reconstitucionalização do país e sofre uma série de críticas, inclusive disseminando a suspeição de parecer propositadamente impraticável para procrastinar a restauração liberal. O alvo da terceira seção se dirige à aceleração no trâmite do Código com a entrada de Maurício Cardoso, conhecido defensor da reconstitucionalização do Brasil, no Ministério da Justiça. Mudanças importantes no anteprojeto Assis Brasil acontecem em reuniões de um grupo de jurisconsultos nomeados por Cardoso para integrarem a comissão revisora da reforma eleitoral e ficam incorporadas no texto final do Código. Entretanto a maior contribuição da seção é chamar a atenção para o maquiavelismo de Vargas, que nomeia Maurício Cardoso para a pasta da Justiça encarregando-o de acelerar a tramitação da reforma eleitoral enquanto também envia Juarez Távora para uma campanha contra a restauração liberal no norte do país. As reflexões finais enfatizam justamente a multiplicidade de atores envolvidos na redação do Código Eleitoral de 1932, além das modificações pleiteadas à parte dos trabalhos da comissão revisora e as regulações ex post usadas pelo Governo Provisório para controlar questões estratégicas do processo eleitoral. O Código não foi obra de um autor só nem Assis Brasil teve o mérito da originalidade nesse caso. AS REGRAS DO JOGO: O RITO PREVISTO PARA A TRAMITAÇÃO DO CÓDIGO ELEITORAL É importante relembrar que a tramitação da reforma eleitoral convertida no Código de 1932 estava prevista desde o final de 1930. Para viabilizar o retorno ao regime constitucional, o Governo Provisório instituiu a Comissão Legislativa pelo decreto nº. 19.459, de 6 de dezembro de 1930. Essa comissão deveria preparar projetos de revisão de várias matérias, como as legislações civil, comercial e penal, entre outras (art. 1o). Em termos operacionais, cada tópico ficava entregue a uma subcomissão específica de três membros não-renumerados (art. 1o, §§ 1º e 3º). O objetivo era submeter a legislação resultante desses trabalhos à aprovação do Congresso Constituinte (parágrafo único). Aliás, o decreto determinava a publicação de todos os anteprojetos elaborados pelas subcomissões justamente para estimular o debate: “afim de soffrerem criticas e observações” (art. 2º). Como delegado especial do governo, o Consultor Geral da República assumia a coordenação dos estudos das várias subcomissões (art. 3º). Na época, cargo ocupado por Levi Carneiro. Já a presidência da Comissão Legislativa cabia ao ministro da Justiça (art. 1º). No caso, Osvaldo Aranha. Conforme se concluíssem os projetos definitivos, o consultor geral da República deveria encaminhá-los ao ministro da Justiça para serem promulgados por decreto, com as modificações que o governo julgasse necessárias (art. 2º). Explicitava-se, assim, a situação das reformas projetadas: contidas, em última instância, aos anseios do Governo Provisório. Norma complementar, o decreto nº. 19.684, de 10 de fevereiro de 1931, estabeleceu dezenove subcomissões legislativas e comunicou os nomes dos seus respectivos componentes. Uma delas consistia exatamente na subcomissão denominada Legislação Eleitoral (lei e processo): a tríade constituída por Joaquim Francisco de Assis Brasil, João Chrysostomo da Rocha Cabral e Mario Pinto Serva.78 Antes de qualificar o trio, importa fixar a atenção no nome da subcomissão que já sinaliza para a expectativa de uma legislação eleitoral subdividida em duas partes: i) as regras para o sistema eleitoral e ii) o processo eleitoral em si.

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Por economia textual, referida daqui em diante como subcomissão de reforma eleitoral.

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Considerado autoridade no assunto pelo reconhecimento público de seu livro Democracia Representativa, publicado pela primeira vez em 1893, Assis Brasil passou à presidência da subcomissão de forma automática. Inclusive, foi o único ministro de estado designado para uma subcomissão do gênero.79 Na época, João Cabral também tinha recém-lançado a obra Sistemas Eleitorais do ponto de vista da representação proporcional das minorias, de 1929, desposando parte das mudanças na legislação advogadas por Assis Brasil. Como os demais, Mario Pinto Serva produziu estudos eleitorais desde antes de 1930, a exemplo d’O voto secreto ou a organização de Partidos Nacionais, datada de 1923. Além das credenciais teóricas em matéria eleitoral, o trio comungava de um passado oposicionista. Assis Brasil, Cabral e Serva experimentaram a condição de minoria durante a Primeira República.80 Em 11 de agosto 1931 o Diário Oficial da União publicou o chamado Registro Cívico Nacional, como a subcomissão denominou a primeira parte do anteprojeto de reforma eleitoral – a relativa ao processo de alistamento. No que se refere às históricas inovações institucionais criadas com a publicação do Código Eleitoral de 1932 (como o voto feminino, o voto secreto, o voto obrigatório, o voto classista, a representação semiproporcional e a Justiça Eleitoral), cabe notar que o anteprojeto não previa o voto obrigatório nem a representação classista, além de estender a possibilidade de alistamento apenas às mulheres economicamente independentes.81 Além disto, o anteprojeto criava tribunais eleitorais independentes para cuidarem do contencioso eleitoral – uma saída que Assis Brasil não cogitava no seu livro clássico. Oito dias depois, Assis Brasil lançou a quarta edição de Democracia Representativa, cuja folha de rosto explicitava a conveniência da nova tiragem: “destinada a servir de justificação e comenttario á collaboração do autor na presente ‘Reforma da lei e processos eleitoraes’.” Como a próxima seção aprofundará, trata-se da defesa de Assis Brasil às fortes críticas recebidas pelo anteprojeto. A REAÇÃO DA IMPRENSA: A REPERCUSSÃO NEGATIVA DO ANTEPROJETO DE REFORMA ELEITORAL O estudo da repercussão dos trabalhos da subcomissão de reforma eleitoral na imprensa retorna dois conjuntos principais de críticas: o primeiro relativo ao comportamento geral do trio e o segundo centrado no produto dos seus trabalhos (o anteprojeto de reforma eleitoral). No caso do comportamento geral da subcomissão, três questões foram condenadas pelos jornais: i) a descentralização dos trabalhos; ii) o atraso, em termos de produtividade e iii) o dissenso interno. A construção do problema da descentralização se dá concatenada ao funcionamento estabelecido pelos decretos que disciplinavam a lógica da Comissão Legislativa e suas subcomissões. Reclamava-se que a descentralização dos trabalhos de revisão da comissão legislativa em dezenove subcomissões levava à produção de projetos incongruentes e “divergencias doutrinarias”.82

Àquele tempo, Assis Brasil ocupava a pasta da Agricultura e, vale dizer, também foi nomeado embaixador do Brasil na Argentina poucos dias depois da criação da subcomissão de reforma eleitoral, em fevereiro de 1931. 80  Na virada do século XIX para o XX, Assis Brasil tentou articular a criação de um partido nacional de oposição. O projeto não vingou, mas o líder gaúcho seguiu aglutinando as forças oposicionistas no seu estado nos anos seguintes, especialmente na década de 1920. Cabral se elegeu deputado federal pelo Partido Republicano Piauiense por duas legislaturas seguidas (1918-1920 e 1921-1923), mas fracassou na última tentativa, em 1924, quando passou para a oposição. Já Serva foi um dos fundadores do Partido Democrático, criado em São Paulo no ano de 1926 pelas forças descontentes com o Partido Republicano Paulista. 81  Os detalhes sobre o teor dessas inovações institucionais consagradas pelo texto de 1932 serão abordados nos próximos capítulos. 82  O Jornal, Edição n. 3965, Notícia: “A comissão legislativa”, 09/10/1931, p. 7. 79 

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Com respeito ao atraso, a questão se edifica em dois estágios. Inicialmente, também se associa o problema ao funcionamento adotado pela Comissão Legislativa e subcomissões. O argumento é de que a demora dos trabalhos decorre do exercício gratuito dos consultores, realizando os estudos no tempo de folga.83 No decurso do tempo, a crítica se desloca para a produtividade da subcomissão de reforma eleitoral. Seus integrantes começam a sofrer duras críticas, especialmente Assis Brasil, transformado no alvo predileto das queixas referentes à demora de maturação de uma lei que permita a reconstitucionalização do país. Ele entra na mira da imprensa assim que viaja para a Argentina, a serviço da embaixada, pouco depois da instalação da subcomissão de reforma eleitoral.84 Enquanto isto, Mario Pinto Serva se mantém em São Paulo, onde exercia atividades jornalística e partidária.85 Da sua parte, João Cabral ficou no Rio de Janeiro até decidir agir e primeiro, se encontrar com Serva no propósito de ouvir dele sugestões para a nova lei eleitoral e, depois, embarcar rumo a Buenos Aires para tratar do anteprojeto com Assis Brasil.86 Costa Rego, ex-governador de Alagoas e colunista do Correio da Manhã, se revelou um dos mais ferrenhos críticos da lentidão de Assis Brasil na redação do anteprojeto da legislação eleitoral: “o artista carpinteiro da nova lei eleitoral” é bom em “circumloquio” – quer dizer, usa a boa oratória para falar da nova lei mas só enrola, sem mostrar ideias claras e trabalho concreto.87 Na onda das críticas, demoniza-se inclusive a acumulação de cargos por Assis Brasil no governo, considerada embaraço ao comprometimento com o estudo da reforma eleitoral88 bem como a postura submissa de João Cabral, reticente em contrariar o mestre. Uma metáfora bastante satírica da conduta dos dois ilustra a hierarquia mantida entre eles: O caipira do Brasil é um homem sereno, que póde servir hoje de modelo em seu paiz. Nada o define melhor do que a maneira como ele visita outro caipira. – Bom dia, compadre... – Seja bem vindo, seu Jóca. E os dois sentam-se, um deante do outro. Sentam-se e calam-se. Calados, pensativos, “maginando”, ficam duas, tres horas. Ao fim desse longo silencio, o visitante ergue-se: – Até á vista compadre... E o outro: – Até á vista, seu Jóca. Venha amanha mais cedo, para continuarmos a conversa. Ha poucos dias, á porta do edifício da Camara dos Deputados, o Sr. João Cabral separava-se do Sr. Assis Brasil, depois de terem estado ambos fechados duas horas dentro da sala reservada aos trabalhos de preparação da próxima futura lei eleitoral. – Até á vista, mestre – disse o Sr. João Cabral. E o Sr. Assis Brasil: – Até á vista, João. Venha amanha mais cedo, para continuarmos a conversa. O Jornal, Edições n. 3963, Notícia: “Comissão Legislativa”, 07/10/1931, p. 4 e n. 3965, Notícia: “A Comissão Legislativa”, 09/10/1931, p. 7. Correio da Manhã, Edição n. 11165, Nota “A lei eleitoral” na Coluna “Topicos & Noticias”, 12/05/1931, p. 4. 85  Correio da Manhã, Edição n. 11203, Notícia: “Reforma eleitoral”, 25/06/1931, p. 4. 86  Correio da Manhã, Edição n. 11196, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 17/06/1931, p. 3; Diario de Noticias, Edição n. 370, Notícia: “Lei Eleitoral” na Coluna “Politica”, 18/06/1931, p. 2. 87  Correio da Manhã, Edição n. 11221, “O cyclo do embrião”, 16/07/1931, p. 2. 88  Correio da Manhã, Edição n. 11315, Notícia: “O objetivo claro de uma fórmula obscura”, 03/11/1931, p. 2. 83  84 

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E’ assim – á boa moda dos caipiras – que os dois discutem a lei eleitoral. O Sr. Cabral, velho discipulo do mestre, fica duas, tres horas, ex extase, deante do Sr. Assis Brasil; e o Sr. Assis Brasil, velho táctico da politica, afunda-se em um silencio que é uma defesa.89

Assinada mais uma vez por Costa Rego, a redação contrasta a passividade de Cabral com a falta de pró-atividade de Assis Brasil. É interessante observar como a cobertura dos trabalhos da subcomissão de reforma eleitoral feita pelo Diário de Notícias chega às mesmas críticas contundentes embora tenha partido de uma avaliação inicial positiva. Em princípio, o jornal apostou que Assis Brasil tinha um projeto de reforma eleitoral pronto antes mesmo da sua nomeação formal para a subcomissão e até considerou frágil o receio da imprensa sobre a possibilidade de Cabral e Serva implicarem com alguns pontos, retardando a divulgação e a aprovação da lei. Mais do que isto: o Diário valorizou a capacidade intelectual e autonomia de Assis Brasil para o trabalho: Poderão os maliciosos frisar o caracter governamental que se imprime á genese da legislação revolucionaria, argumentando com a inutilidade de commissões technicas que apenas ratificam o trabalho dos delegados do poder. No caso particular, o argumento não procede porque o sr. Assis Brasil é, effectivamente, um technico de direito politico, com inteira aptidão para elaborar um estatuto eleitoral ajustado ás aspirações do paiz.90

Em meados de junho de 1931, o ministro da Justiça concedeu uma entrevista ao jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, em que lança a dúvida sobre o interesse dos membros da subcomissão de reforma eleitoral em atrasar propositadamente a reconstitucionalização do país. A polêmica estimulou a reprodução dessa entrevista pelo Diário de Notícias. Oswaldo Aranha indagava: Será crível que esses homens de tamanha responsabilidade queiram propositadamente alongar os seus trabalhos, para retardar o ingresso da nação no rythmo da paz constitucional?”91 A intenção por trás da hipótese é clara na continuidade do seu raciocínio: “Se o alistamento depende dos estudos da commissão eleitoral, ninguem, com mediana honestidade, poderá accusar o governo de má fé, pela demora das eleições constituintes.”92 Vale dizer, um modo de exonerar o Governo Provisório de qualquer culpa direta na protelação da reconstitucionalização do país. Dias depois, o próprio Diário de Notícias chama a atenção para o “amor pela intriga, que não larga o ministro da Justiça” e questiona: “De quem é a culpa pelo atraso da apresentação do ante-projecto, cuja conclusão o sr. Assis Brasil já annunciou?”93. Uma matéria destinada a defender os três membros da subcomissão de reforma eleitoral e confrontar a busca do governo por um bode expiatório para o atraso da elaboração da nova lei eleitoral. Apenas no final do mês o jornal começa a sinalizar um desconforto com a figura de Assis Brasil por meio da divulgação de uma metáfora que sugere que o ministro da Agricultura só senta para escrever o anteprojeto quando Cabral viaja para a Argentina com alguns artigos e parágrafos da reforma escritos por conta própria.94 Pode-se dizer que a formação da culpa de Assis Brasil pelo jornal avança durante uma entrevista em que o gaúcho se vê pressionado quando os repórteres lhe perguntam se o anteprojeto da reforma eleitoral estava pronto e dispara: “Mas se eu já a tenho 89  90  91  92  93  94 

Correio da Manhã, Edição n. 11225, Notícia: “Historia de caipiras”, 19/07/1931, p. 2. Diário de Notícias, Edição n. 328, Notícia: “A reforma eleitoral está prompta”, 07/05/1931, p. 2. Diário de Notícias, Edição n. 366, Notícia: “Ligeiro balanço da situação brasileira”, 14/06/1931, p. 3. Idem. Diário de Notícias, Edição n. 371, Notícia: “A reforma eleitoral”, 19/06/1931, p. 1. Diário de Notícias, Edição n. 377, Notícia: “A descoberta do Brazil”, 25/06/1931, p. 1.

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prompta ha anos...”95 Trata-se de uma oportunidade do Diário encurralar mais uma vez o ministro, que agora definitivamente já não tem o seu apoio. Esse virulento julgamento dos jornais, quanto ao atraso da subcomissão de reforma eleitoral em tornar público os seus trabalhos, não foi capaz de mudar o apoio que ela recebia do Governo Provisório. Basta levar em conta que a subcomissão sobreviveu, sem qualquer impacto, à reorganização da Comissão Legislativa deflagrada em 31 de julho de 1931, quando o Governo baixou vários decretos criando outras subcomissões e nomeando substitutos para os integrantes das subcomissões “que, ou se ausentaram, ou nunca compareceram ás reuniões.”96 Um mês antes, o Correio já tinha reforçado a crítica: “De todas as sub-commissões legislativas a que menos tem trabalhado é sabidamente a que está incumbida da reforma eleitoral.”97 Caso se tomasse ao pé da letra o diagnóstico disseminado, a formação original da subcomissão de reforma eleitoral cairia. Evidentemente o Governo Provisório não quis aplicar, ali, o critério usado para alterar quase todas as outras. Último componente do conjunto de críticas relativo ao comportamento geral da comissão, o dissenso interno é apontado como a principal razão por trás do distanciamento físico de Assis Brasil, Cabral e Serva e consequente demora na apresentação de um anteprojeto de reforma eleitoral pelo trio. Segundo os jornais, havia duas ordens divisões na subcomissão: uma mais geral, que afastava Mário Pinto Serva dos dois colegas e outra mais específica, que opunha os três, um contra o outro. Atribuiu-se o isolamento de Serva ao fato da sua preferência por uma lei eleitoral de emergência, minimalista, dissentir por completo da visão comum de Assis Brasil e Cabral, defensores de uma reforma eleitoral abrangente.98 Da parte do ponto de ruptura entre os três, diz-se que repousava na questão do formato prático do sistema eleitoral que convinha adotar. Assis Brasil, por exemplo, teria clareza acerca do desenho da representação proporcional (RP). Já Serva não endossava a RP e Cabral sequer expressava com coerência o que sabia e o que queria.99 De todo modo, o fato de Assis Brasil só mencionar a ajuda de Cabral na elaboração do anteprojeto quando publica a quarta edição de Democracia Representativa, em 1931, é sintomático da preservação de maior solidariedade entre os dois e da exclusão de Serva.100 Tanto que a imprensa batizou e as memórias da época assimilaram uma alcunha para a matéria legislativa: o anteprojeto Assis Brasil-Cabral ou apenas anteprojeto Assis Brasil.

Diário de Notícias, Edição n. 395, Notícia: “O ‘General San Martin’ nas aguas da Guanabara”, 13/07/1931, p. 1. A Noite, Edição n. 7070, Notícia: A reorganização da Commissão Legislativa”, 01/08/1931, p. 1. 97  Correio da Manhã, Edição n. 11203, Notícia: “Reforma eleitoral”, 25/06/1931, p. 4. 98  Jornal do Brasil, Edição n. 265, Notícia: “Ainda o ante-projeto eleitoral”, 06/11/1931, p. 5. Segundo um jurista contemporâneo à tramitação da reforma eleitoral, Pinto Serva renunciou ao encargo justamente por discordância com os pares, preferindo expor o próprio ponto de vista em livro posterior (ROSA, O. A reforma eleitoral. Porto Alegre: Oficinas do Globo, 1931, p. 6). Cabral, porém, insiste em “vender” como versão oficial para o afastamento de Serva a ideia do colega não pode colaborar presencialmente “por motivo de moléstia”, limitando-se a expor ideias por meio da troca de cartas e entrevistas (CABRAL, 1934, p. 13). Aliás, pesquisas recentes “compram” essa notícia (SILVA, Thiago. SILVA, Estevão. Eleições no Brasil antes da democracia: o Código Eleitoral de 1932 e os pleitos de 1933 e 1934. Rev. Sociol. Polit., v. 23, n. 56, p. 75-106, dez. 2015, p. 83; VALE, Teresa Cristina de Souza Cardoso. Aspectos históricos da Justiça Eleitoral Brasileira. Cadernos Adenauer, v. 15, n. 1, p. 11-25, set. 2014, p. 15). Convém pontuar que o próprio Diário de Notícias partilhava da visão de Serva quanto a inconveniência de uma reforma eleitoral abrangente via Governo Provisório. Daí o jornal passar a advogar “a necessidade da convocação da Constituinte, independente da decretação da reforma eleitoral, mediante simples revisão do alistamento, pelo simples motivo de que a reforma eleitoral deve constituir matéria a cujo respeito se pronuncie a soberania do paiz.” (Diário de Notícias, Edição n. 498, Notícia: “Exemplo”, 29/10/1931, p. 15). No limite, as visões diferentes que opunham Serva à Assis Brasil e Cabral reproduziam dentro da subcomissão de reforma eleitoral a tendência da época: “Os dirigentes da revolução […] acham-se divididos em duas correntes: uma que se bate pela reforma eleitoral ampla, com um novo alistamento, antes da convocação da Constituinte, e outra que se contenta apenas com uma revisão que expurgue do actual alistamento todos os votantes falsificados” (Diário de Notícias, Edição n. 317, Notícia: “A caminho da organização constitucional”, 26/04/1931, p. 2). 99  Correio da Manhã, Edição n. 11203, Notícia: “Reforma eleitoral”, 25/06/1931, p. 4. 100  Cf. ASSIS BRASIL, J.F. Democracia Representativa: Do voto e do modo de votar. 4. ed. Rio de Janeiro: 1931, p. 317. 95  96 

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Com relação ao segundo conjunto de críticas que invadem os jornais na cobertura dos trabalhos da subcomissão de reforma eleitoral (aquele centrado no teor do anteprojeto), o próprio Assis Brasil facilita o mapeamento e antecipa as seis questões principais. Escrito justamente para respondê-las, o capítulo X da quarta edição de Democracia Representativa resume as correntes de objeções com o seguinte esquema: Imitado O Ante-Projecto é Superior A De Destinado a

de leis estrangeiras; Demasiado longo; Complicado; nossa mentalidade; execução cara; demorar a entrada no regimen constitucional.

Acusações graves, haja vista a expectativa criada em torno do produto do trabalho da ilustrada subcomissão. Por isso mesmo, a imprensa procurou se cercar de provas e justificativas indiscutíveis. Para entender de onde provém a crítica sobre plágio que interpretava o anteprojeto como uma cópia da lei eleitoral uruguaia de 07 de janeiro de 1924 até no nome (Ley de registro cívico nacional), basta acompanhar a linguagem irreverente dominante nos periódicos. O Correio da Manhã, por exemplo, é taxativo: Dos duzentos e vinte e dois artigos da lei uruguaya mais de cento e oitenta foram traduzidos para o ante-projecto brasileiro, sendo que os demais dispositivos da producção nacional teem a sua fonte na Constituição da Republica, na lei eleitoral chilena, na nossa legislação eleitoral e até no projeto de reforma eleitoral, de autoria do sr. Nestor Massena, apresentado ao Congresso Nacional, anno pasado, por um grupo de representantes mineiros.101

O final da notícia é hilário: “Tudo o que, no ante-projecto, não foi obtido nessa colheita, é original da sub-commissão de legislação eleitoral...”. Sabe-se que a arte e a formatação gráfica têm função instrumental importante no jornalismo para a comunicação da matéria. Além das manchetes de capa e dos demais títulos das notícias, os leads ou lides devem indicar respostas básicas – como quem? quando? por que? onde? e o que? – para prender a atenção do leitor à integra da reportagem. Na mesma data em que o Correio da Manhã acusa o anteprojeto de reforma eleitoral de plágio da lei uruguaia, os leads do Diário de Notícias traziam a mesma linha ácida: “O ante-projecto agora preparado é um decalque da ‘Ley de Registro Civico’ do Uruguay”; “A infallibilidade do proverbio ‘traduttore, traditore’”.102 Vários críticos fizeram questão de documentar o caso confrontando passagens inteiras do anteprojeto com a lei uruguaia. O Diário de Notícias e o Correio da Manhã realizam a tarefa em menos de uma semana.103 Contemporâneo aos fatos, Othelo Rosa publica em seu livro sobre a reforma eleitoral uma comparação bastante didática a esse respeito. Vale a pena reproduzir o trecho inicial:

Correio da Manhã, Edição n. 11.282, Notícia: “Originalidade originalíssima”, 25/09/1931, p. 4. Cf. Diário de Notícias, Edição n. 466, Notícia: “A Lei do Alistamento Eleitoral”, 25/09/1931, p. 1. 103  Cf. Diário de Notícias, Edição n. 466, Notícia: “A Lei do Alistamento Eleitoral”, 25/09/1931, p. 1-2 e Correio da Manhã, Edição n. 11.286, Notícia: “O novo alistamento eleitoral”, 30/09/1931, p. 4. 101  102 

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A lei uruguaya chama-se “ley de registro cívico nacional”; o ante-projecto crêa inicialmente o “Registro Civico Nacional.” O art. 1.o da lei uruguaya diz: “El Registro Civico Nacional es el conjunto de las inscripciones de todos los ciudadanos aptos para votar”; o ante-projecto assim enuncia o seu primeiro artigo: “E’ instituido o Registro Civico Nacional, conjunto de inscripções de todos os cidadãos brasileiros com aptidão para o exercício do direito do voto”. A ley uruguaya, na seção II, usa a rubrica: “de los organismos electorales”; o capitulo II do ante-projecto intitula-se: “Dos organismos eleitoraes”.104

Não se trata, portanto, de uma crítica gratuita. Inclusive, Assis Brasil admite a inspiração na legislação uruguaia e provoca os seus detratores: “Crerão os nossos ingênuos críticos que as legislações de que por ventura nos aproveitamos são, por sua vez, absolutamente originaes?”.105 Por além do mais, Assis Brasil destaca as medidas adotadas pelo anteprojeto de reforma eleitoral divergentes dos dispositivos presentes na lei do Uruguai, a exemplo da proibição do direito de voto aos analfabetos e adolescentes; a inclusão do voto feminino; a expansão do círculo eleitoral; a fórmula de utilização do quociente eleitoral e a entrega do processo de reconhecimento dos eleitos a tribunais eleitorais independentes, entre outros. No seu entender, “algumas das verdadeiras originalidades que farão comparecer o Brasil no mundo do direito eleitoral com caracter proprio”, possibilitando ver, no anteprojeto, “SOLUÇÕES BRASILEIRAS PARA O CASO BRASILEIRO”.106 A crítica quanto à extensão do anteprojeto se ampara justamente na observação da matéria girar em torno dos já citados 222 artigos.107 Assis Brasil concordava que poderia haver muita coisa no anteprojeto digna de revisão, mas defende-o dessa vez no sentido do detalhamento convir por se tratar “de um codigo eleitoral, de uma legislação completa sobre a especialidade”.108 Relativamente à objeção de que a reforma eleitoral proposta no anteprojeto é complicada, o pano de fundo consiste na insatisfação mais geral daqueles que preferiam uma reforma eleitoral mais simples e emergencial em vez de mudanças maiores e mais radicais. Vê-se, por exemplo, opinião publicada no Correio da Manhã no início de dezembro: Não ha necessidade, portanto, de se fazer obra complicada num terreno onde ja existe construcção que merece ser aproveitada. Basta retocal-a com criterio e prudencia e dotal-a de melhoramentos de que carece, para que se tenha realizado, em favor do regimen representativo do Brazil, o que, em geral se espera presentemente de uma intelligente acção legislativa em material eleitoral.109

Raciocínio correlato ao veiculado pelo Diário de Notícias: O primeiro defeito da nova lei de alistamento é a sua extrema cumplicidade. Sob esse aspecto, ella é caracteristicamente anti-democratica. Sobretudo porque, tendo de servir ROSA, 1931, p. 9. ASSIS BRASIL, 1931, p. 301. Cabe lembrar que Assis Brasil foi para o Uruguai com a eclosão da Revolta Tenentista de 5 de julho de 1924 em São Paulo, quando provavelmente se influenciou pela legislação eleitoral local. 106  Ibidem, p. 302, grifo do original. 107  “E’ longo o ante-projecto ora divulgado para o alistamento. Ao todo, 222 artigos, sem contar os itens e os paragraphos.” (Correio da Manhã, Edição n. 11.272, Notícia: “O ante-projecto eleitoral”, 13/09/1931, p. 4). 108  ASSIS BRASIL, 1931, p. 303. 109  Correio da Manhã, Edição n. 11.288, Notícia: “A reforma eleitoral”, 02/10/1931, p. 4. 104  105 

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para as eleições á futura Constituinte, de tal maneira ella complica uma formalidade de natureza summaria que se torna quasi indesejável.110

Na refutação do ponto, Assis Brasil limitou-se a se ressentir da resistência costumeira das velhas gerações à modernidade. Evita, assim, a polêmica atinente ao teor, em si, da reforma eleitoral proposta pelo anteprojeto. Correlacionada, a quarta crítica (o ante-projecto é superior á nossa mentalidade) partiu do exame de dispositivos específicos. Analisando o anteprojeto, um dos membros do Instituto da Ordem dos Advogados (IOA) cravou: “Qualquer systema organico de representação de minorias obriga o votante a fazer calculo, que é sempre diffícil num paiz de nivel baixo de cultura intellectual e civica.”111 Como o especialista apontava, o raciocínio remontava à concepção nutrida por Mario Pinto Serva, vencido. Aqui Assis Brasil evitou, de novo, polemizar. Preferiu arrematar a objeção se apropriando de um dito popular: “é n’agua que se aprende a nadar; a mentalidade brasileira é susceptível de adquirir todas as aptidões”.112 O quinto ponto de censura ao anteprojeto, focado na elevação do custo do alistamento, considera-o inexequível especialmente devido ao serviço fotográfico, que deveria ser bancado pelo governo. Em notícia direta, o Jornal do Brasil esclarece ter se posicionado sempre contra o projeto de Assis e Cabral por causa do valor do alistamento.113 Inclusive, a mesma matéria afirma que o afastamento de Serva da subcomissão de reforma eleitoral se deveu à questão do alistamento, por discordar da opinião de Assis e Cabral nesse ponto. A prova anexada consiste no parecer crítico emitido por Serva sobre a proposta de alistamento contida no anteprojeto: “Elle diz que o ‘primeiro projecto de alistamento eleitoral, publicado ha mezes, é inviavel, inexequivel. Creia cerca de 1400 repartições novas no paiz [...] impondo uma despeza de mais de cem mil contos por anno.’”114 De fato, Mário Pinto Serva já tinha exposto para o mesmo periódico a sua posição referente à expectativa pessoal de um projeto de alistamento eleitoral em declaração emblemática: “Uma lei de emergência para conservar, melhorando”.115 Assis Brasil dá prosseguimento à divergência na resposta que publica na quarta edição de Democracia Representativa: “que outro serviço público seria mais digno da liberalidade do Thesouro e dos cidadãos?”.116 Exatamente: Assis Brasil chega a propor [...] a instituição de uma “renda eleitoral” destinada ao custeio do proprio serviço eleitoral. Alguma cousa nesse sentido já se prescreve no Ante-Projecto, como as fintas impostas aos partidos que fizerem registar a respectiva personalidade jurídica, o pagamento de segundas vias de títulos e as multas. Não seria, tampouco, pesada uma capitação média de alguns réis por eleitor: se tivermos, como é provável, acima de um milhão de eleitores, a bolsa commum será de muitos milhares de contos e poderá responder por toda, ou quasi toda, a despesa.117

Essa proposta cai no decurso da tramitação do anteprojeto. Finalmente, a queixa de que o anteprojeto de reforma eleitoral esteve destinado a retardar a reconstitucionalização do país surgiu, com efeito, por meio de críticas diretas a Assis Brasil. Já 110  111  112  113  114  115  116  117 

Diário de Notícias, Edição n. 467, Notícia: “Vingança historica”, 27/09/1931, p. 2. Correio da Manhã, Edição n. 11.277, Notícia: “Instituto dos Advogados”, 19/09/1931, p. 5. ASSIS BRASIL, 1931, p. 307. Jornal do Brasil, Edição n. 265, Notícia: “Ainda o ante-projeto eleitoral”, 06/11/1931, p. 5. Jornal do Brasil, Edição n. 265, Notícia: “Ainda o ante-projeto eleitoral”, 06/11/1931, p. 5. O Jornal, Edição n. 3928, 27/08/1931, p. 6. ASSIS BRASIL, 1931, p. 308. Ibidem, p. 309.

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vimos as críticas que lhe foram dirigidas nesse sentido por ocasião da sua missão diplomática no Rio da Prata, iniciada logo após a nomeação da subcomissão de reforma eleitoral. Entretanto a interpretação do comportamento do ministro como evidência de retardo da restauração liberal segue reproduzida inclusive depois da publicação do anteprojeto. Nas palavras de Costa Rego, com esse anteprojeto Assis Brasil “mais dilata, por omissão, (a menos que o seja, tambem, por intenção) o período do governo de facto.”118 Um ponto que Assis Brasil se dispensa de contra-argumentar em detalhes, declarando ter a consciência limpa.119 Porém a interpretação de que Assis Brasil se alia cada vez mais a Getúlio ganha projeção sobretudo quando o ministro passa a ser cogitado para assumir o Governo Provisório interinamente. Segundo os jornais, Vargas estudou o anteprojeto ainda em agosto de 1931 ao lado de Assis Brasil, Cabral, Levi Carneiro e Osvaldo Aranha.120 Um texto que gradualmente se engaveta até o final do daquele ano.121 A ENTRADA DE MAURÍCIO CARDOSO NA PASTA DA JUSTIÇA E A ACELERAÇÃO DA REFORMA ELEITORAL A aceleração do trâmite da reforma constitucional que se converte no Código Eleitoral de 1932 acontece em dezembro de 1931, quando Maurício Cardoso assume o Ministério da Justiça no lugar de Osvaldo Aranha, que se torna ministro da Fazenda.122 Dois dias depois, o novo ministro dirigiu comunicado à imprensa informando a ampliação da subcomissão de reforma eleitoral, que passou a contar com mais sete jurisconsultos.123 Os novos integrantes provinham de cinco estados diferentes, como mostra a tabela 2.1: Tema

Estado

Profissão

Ministro Maurício Cardoso

RS

Ministro da Justiça

Juiz Octavio Kelly

DF

Juiz Federal

Sergio Ulrich de Oliveira

RS

Ex-deputado federal

Adhemar de Faria

DF

Sem informação

Prof. Sampaio Doria

SP

Professor de direito

Prof. Mario de Castro

PE

Professor de direito

Prof. Juscelino Barbosa

MG

Professor de direito

Dr. Bruno de Mendonça Lima

RS

Político do Partido Libertador

Tabela 2.1 – Novos membros da subcomissão de reforma eleitoral Fonte: elaboração própria Correio da Manhã, Edição n. 11.299, Notícia: “Projecto de ante-projecto”, 15/10/1931, p. 2. ASSIS BRASIL, 1931, p. 311. 120  Diário de Pernambuco, Edição n. 191, Notícia: “Pela volta do Brasil ao regimen constitucional”, 23/08/1931, p. 1-2. 121  O Diário de Notícias chama a atenção para o “silencio absurdo” que se sucedeu “á apparição do estatuto eleitoral” (Diário de Notícias, Edição n. 524, Notícia: “E as suggestões?”, 26/11/1931, p. 2). 122  Correio da Manhã, Edição n. 11.357, Notícia: “A posse do sr. Mauricio Cardoso na pasta da Justiça”, 22/12/1931, p. 1. Segundo as anotações do próprio Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha já havia solicitado demissão da pasta da Justiça no final de agosto de 1931 e reiterado o pedido no começo de novembro daquele ano. Vargas não teria aceitado em nenhuma dessas ocasiões a demissão de Aranha, preferindo oferecer-lhe outro cargo – no caso, a pasta da Fazenda (VARGAS, G. Diário. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995. v. I, p. 70 e 78). 123  Correio da Manhã, Edição n. 11.359, Notícia: “A situação política”, 24/12/1931, p. 1. 118  119 

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Trata-se de nomes muito bem recebidos pela imprensa depois da decepção geral com o anteprojeto da reforma eleitoral. Na avaliação do Diário de Notícias, as profissões dos nomeados podiam ser interpretadas como boas preditoras do comprometimento deles com a restauração liberal no Brasil: “Magistrados e docentes, a nenhum deles é licito, por inercia ou por complacencia, proporcionar justificativas e delongas favoráveis ao prolongamento da dictadura.”124 Ao contrário do comportamento do trio Assis-Cabral-Serva, a nova formação da subcomissão trabalhava em ritmo apressado para rever o anteprojeto de reforma eleitoral de agosto de 1931. Após um total de treze reuniões e em menos de dois meses, conclui-se uma revisão substantiva do texto e o Código Eleitoral foi promulgado. Algumas evidências conjunturais esclarecem os motivos que explicam a nova dinâmica. Em primeiro lugar, a leitura dos jornais indica que João Cabral constituiu o único membro da composição original dessa subcomissão legislativa interessado em contribuir com a fase de revisão do anteprojeto redigido com a sua ajuda. Aberta a primeira reunião do grupo, inclusive, registra-se que Cabral teria desatado a ler suas observações à matéria por mais de duas horas assumindo estar na posição de relator oficial do anteprojeto.125 Todavia o ministro Cardoso assumiria as rédeas já na segunda reunião, indicando Sampaio Dória como relator.126 Pragmatismo se torna a meta da vez – o que aparentemente faltava ao professor Cabral. Focado em defender os dispositivos originais para embaraçar mudanças, ele amargaria, ao final dos trabalhos da subcomissão revisora do anteprojeto, um predicado infeliz: o “campeão das derrotas...”127 Um episódio em especial elucida de forma emblemática como Cabral segue sentinela do anteprojeto Assis Brasil enquanto o próprio gaúcho deserta do compromisso com essa fase final da discussão da reforma eleitoral. No caso, a notícia de que Cabral escreve para Assis Brasil perguntando-lhe a forma adequada de se resolver a polêmica instalada na nova subcomissão a respeito da melhor fórmula para o aproveitamento dos restos nos cálculos eleitorais para a operacionalização da representação proporcional. Em resposta, Assis Brasil envia um telegrama que se esquiva de qualquer envolvimento na tomada dessa decisão: Communique ao dr. Cabral que agradeço as informações e confio no seu zelo pela sustentação da nossa laboriosa obra, bem como que os distinctos juristas, por mim lembrados e convidados, se manterão correctamente á altura de sua missão que é rever o ante-projecto debaixo do ponto de vista rigorosa forma jurídica, respeitando essencia systema adoptado para ser presente ao governo provisorio, competente para a decretação definitiva. Essa é, aliás, minha impressão, através das noticias publicadas na imprensa. Saudo cordialmente a todos, agradecendo-lhes a preciosa contribuição ao maior monumento da época.128

Um segundo apontamento listado pela imprensa como propulsor da rápida edição do Código Eleitoral assim que Maurício Cardoso assume a pasta da Justiça se refere ao comprometimento pessoal do ministro com a reconstitucionalização do país.129 Aliás, uma postura conhecida pelo Governo Provisório e estrategicamente manipulada por Getúlio Vargas, que toma decisões claramente contraditórias e aumenta a incerteza sobre a própria intenção de promover ou postergar a restauração liberal. Comenta-se o maquiavelismo de encarregar 124  125  126  127  128  129 

Diário de Notícias, Edição n. 552, Notícia: “Bom inicio”, 24/12/1931, p. 2. Correio da Manhã, Edição n. 11.363, Notícia: “A situação política”, 29/12/1931, p. 1. Correio da Manhã, Edição n. 11.372, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 1. Diário de Notícias, Edição n. 581, Notícia: “Os trabalhos da reforma eleitoral”, 23/01/1932, p. 3. Correio da Manhã, Edição n. 11.382, “A reforma eleitoral”, 20/01/1932, p. 2. Diário de Notícias, Edição n. 584, Notícia: “Syndicancias”, 26/01/1932, p. 2.

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Cardoso da aceleração do estudo do futuro Código Eleitoral e, na sequência, colocar Juarez Távora em campanha no Norte para atropelo da convocação da Constituinte: Já se sabe que o sr. Getulio Vargas possue em alto gráo o espirito machiavelico. Esse sabe manobrar em politica como raríssimos o fazem no Brasil. [...] as consequencias immediatas da viagem são as mais desastradas, pois a prégação do major Tavora colloca numa situação desagradavel os srs. Getulio Vargas e Mauricio Cardoso. O primeiro deixa antever que está disposto a retardar a volta do paiz ao regimen legal, alliando-se aos extremistas militares. Quanto ao segundo, fica numa postura dolorosa, apressando por um lado a decretação da nova lei eleitoral – e por outro lado consentindo que alguns negocios politicos de capital importância para o paiz sejam resolvidos inteiramente á sua revelia.130

Com efeito, a imprensa informa a disposição de Vargas em receber sugestões e emendas dos ministros insatisfeitos com o anteprojeto de reforma eleitoral, dilatando ainda mais o prazo necessário à compilação da redação final do Código de 1932.131 Diz-se que o chefe do Governo Provisório procrastinou deliberadamente a assinatura do texto à sanção porque [...] têm chegado numerosos aperfeiçoamentos, additivos, substitutivos etc., levados por juristas clandestinos, que, não tendo sido convidados para a commissão dos oito, acham que devem ‘colaborar’ fóra de horas num texto que se pensava ter saido quanto possivel perfeito, além de acabado, das mãos dos luminares presididos pelo sr. Mauricio Cardoso.132

Nomeadamente, “O projecto eleitoral estivera em poder de varios proceres libertadores, inclusive os srs. Baptista Luzardo e Barros Casal, que concordaram com as alterações introduzidas na sua redacção final.”133 Diz-se até que Vargas teria se comprometido a ouvir as considerações de Borges de Medeiros, em última instância.134 Na prática, a abertura às contribuições de última hora obrigaram o ministro Cardoso a passar noites em claro consertando o texto: “De modo que uma nova e subrepticia commissão de legisladores (inivisiveis), graças á complacencia do chefe do governo, se faz revisora da commissão que trabalhou ás claras, e que, assim, vae sendo razoavelmente desmoralizada.”135 O fato é que o texto final teve tramitação abreviada desde que chegou às mãos de Maurício Cardoso e sofreu mudanças significativas na fase de revisão, tomando uma forma mais enxuta e com redação mais clara.136 Inclusive, as próprias inovações institucionais que dariam fama ao Código Eleitoral e já previstas no anteprojeto Assis Brasil passariam por mudanças relevantes, como os próximos capítulos detalharão. Por além delas, convém destacar outros dois temas que geraram desgaste no interior da subcomissão revisora da reforma eleitoral – a questão do direito de voto dos guardas civis e a magnitude das bancadas dos estados na Constituinte. No primeiro caso, o desgaste começa porque Sampaio Doria procura no seu substitutivo ao anteprojeto Assis Brasil vedar Diário de Notícias, Edição n. 585, Notícia: “Dilemma”, 27/01/1932, p. 2. Diário de Notícias, Edição n. 587, Notícia: “Retoques inquietantes”, 29/01/1932, p. 2. Convém destacar que o anteprojeto revisado pela subcomissão coordenada pelo ministro Cardoso não foi à publicação, diferentemente do que ocorreu com a versão original. Isso dificulta mapear os dispositivos inseridos a pedido de políticos que não integravam a subcomissão. 132  Diário de Notícias, Edição n. 602, Notícia: “Parto dificil”, 13/02/1932, p. 2 133  Diário da Manhã, Edição n. 1456, Notícia: “A reforma eleitoral”, 13/02/1932, p. 2. Na época, Baptista Luzardo exercia a chefia da polícia do Distrito Federal e Barros Cassal tinha acabado de deixar a direção da Imprensa Nacional, à frente da qual ficou em 1931. 134  Ibidem. Borges de Medeiros era aliado de Vargas desde o início da Revolução de 1930. 135  Diário de Notícias, Edição n. 602, Notícia: “Parto dificil”, 13/02/1932, p. 2. 136  O substitutivo escrito por Sampaio Doria tinha 84 artigos (Correio da Manhã, Edição n. 11.363, Notícia: “A situação política”, 29/12/1931, p. 1). Já o decreto final que promulgou o Código Eleitoral em 1932 reunia 144 artigos. Muito menos que os 222 artigos do anteprojeto Assis Brasil. 130  131 

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o direito de voto aos guardas civis. Há dissenso, mas de início o substitutivo prevalece.137 Prado Kelly, Bruno de Mendonça e João Cabral se aliam na ofensiva contra essa ideia.138 Kelly chega até a redigir uma declaração de voto em separado e que se encaminha aos jornais para defender o seu ponto de vista.139 Já a questão da magnitude das bancadas dos estados na Constituinte é a maior polêmica dessa fase de revisão do anteprojeto Assis Brasil, que atualizava a representação usada na Primeira República valendo-se basicamente do censo de 1920 como parâmetro para fixar o cálculo de um representante para cada 150 mil habitantes.140 Por se tratar de pensar a magnitude de uma Assembleia Constituinte, somava-se ao resultado mais três representantes, como alusão direta ao número fixo de senadores estabelecido pela Constituição de 1891.141 Inicialmente, Sampaio Doria defendeu o dispositivo original e o manteve no seu substitutivo.142 Dias depois, porém, ele propôs baixar a proporção em um representante para cada 120 mil habitantes levando-se em conta o recenseamento de 1920. Segundo o Correio, O sr. Sampaio Doria esclarece porque não adoptou o projecto Assis Brasil, nesse particular. Primeiramente, só havia um recenseamento no Brasil. Era a única coisa positiva. Os cálculos censitários de 1930 não offereciam a mesma base solida. De mais, entendia que, a adoptar o principio da proporcionalidade, tinha-se que fazel-o, dentro da sua meridiana singeleza. Não comprehendia o artificio empregado no projecto Assis, senão no proposito de prejudicar a São Paulo e Minas. Se com a proporcionalidade, ha Estados que perdem, é que sua população decresceu, e considera justo que se restabeleça a proporção, que ha muito não existe, prejudicando a S. Paulo, emquanto a outros beneficia.143

Como o jornal explicava na continuidade da notícia, “O Acre não dá indice representativo. E, em face da representação, perderiam o Estado do Rio, 4, Mato Grosso, 2 e Amazonas, 1.”144 Sem grandes surpresas, Prado Kelly e Adhemar de Faria, ambos representantes do Distrito Federal na subcomissão revisora do anteprojeto de reforma eleitoral, combateram a emenda de Doria desde o início. Prado Kelly, aliás, saiu em defesa de uma solução conciliadora: “respeitar-se a representação antiga, com a ressalva de que, em nenhuma hypothese, nenhum Estado ficaria com a representação inferior a de 1930”.145 Diante da falta de consenso, o relator Doria decide adiar a questão. Em reunião posterior, o tema volta à pauta. O ministro Cardoso deixa claro que tende a preferir a massa de votantes e não a global da população na hora de definir o critério de representação e a subcomissão revisora se compromete a pensar no assunto até encontrar uma medida conciliatória.146 Com a repercussão Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11.372, “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 1. Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11.373, “O preparo da nova lei eleitoral”, 09/01/1932, p. 6. Kelly basicamente vê como contraditório estender o direito de voto até as mulheres e negar, ao mesmo tempo, a chance de votar aos guardas civis. Cabral segue comprometido em militar pela manutenção do anteprojeto Assis Brasil, que considerava perfeito. O argumento de Bruno de Mendonça tem uma fundamentação teórica interessante. Ele afirma que “o guarda civil, embora exercendo funcção de policia, é mais um empregado publico, que um militar. E accrescenta que os superiores podem forçar o guarda a ir ás urnas, mas não têm controle sobre o voto que ele desejar lançar na urna. Então, diz o que pensa da razão que levou o constituinte da primeira Republica a excluir os praças de pret do exercício do voto. Ao seu ver, a proibição decorria de um motivo de alcance de ordem geral. Se as praças pudessem exercer o voto, nas vésperas dos pleitos os batalhões podiam ser campo de agitação politica, atravez dos ‘meetings’ gerando os choques entre officiaes e soldados. A guarda civil, a seu ver, com outra organização militar, não estava sujeita á mesma repercussão politica, mesmo pelo facto de representar massa menor.” (Ibidem). 139  Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11.374, Notícia: “A nova lei eleitoral da Republica”, 10/01/1932, p. 6. 140  Convém ter em mente que a Constituição de 1891 determinava a proporção de um deputado, no máximo, a cada 70 mil habitantes e, também, impedia aos estados ter, no total, menos de quatro representantes na Câmara Federal (art. 28o). 141  Para detalhes das estimativas e do método de cálculo, vide Assis Brasil (ASSIS BRASIL, J.F. Democracia Representativa..., 1931, p. 273-283). 142  Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11.372, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 4. 143  Correio da Manhã, Edição n. 11.375, Notícia: “A nova lei eleitoral da Republica”, 12/01/1932, p. 3. 144  Ibidem. 145  Ibidem. 146  Correio da Manhã, Edição n. 11.376, Notícia: “O preparo da Constituinte”, 13/01/1932, p. 3. 137  138 

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do dissenso, os membros da comissão decidem difundir seus votos em separado para a imprensa. Metade deles se pronuncia imediatamente. Octavio Kelly manifesta-se favorável a representação dos Estados anterior à revolução. Bruno Mendonça Lima se diz contrário ao aumento da representação, preferindo o número do antigo Congresso, acrescido de três representantes para o Acre. Juscelino Barbosa e João Cabral convergem e endossam o critério da proporcionalidade, segundo o censo de 1920.147 No dia seguinte, o ministro Cardoso chega com uma nova proposta: 20 mil eleitores para cada deputado, não podendo haver bancada menor de 4, nem maior de 30 representantes. Reforça assim a sua bandeira pelo cálculo da proporção sobre a massa eleitoral ativa pois pensava que a proporção sobre a massa global da população teria razão de ser se todos os habitantes votassem. “Mas, não votam os estrangeiros. E os Estados de maior população, por via de regra, somente a tem por força do elemento estrangeiro, constituído na corrente immigratoria”.148 Para polemizar ainda mais o seu ponto, recorre à leitura da carta por ele recebida do Centro Paranaense onde se mostra, a prevalecer a proporção sobre a massa da população simples, que o Paraná teria representação inferior ao Maranhão, Pará e Paraíba, embora os paranaenses concorressem com mais impostos para a União em comparação com aqueles três estados. Um documento que apontava a repercussão na sociedade do debate da revisão da magnitude dos estados para a Constituinte tão aguardada. No final dessa reunião, Sergio de Oliveira e Mario Castro entregaram os seus votos escritos sobre a questão da representação concordando sobre deixar a solução para a Constituinte. 149 Para abafar as tensões, o texto aprovado do Código Eleitoral manteve a magnitude original da experiência republicana anterior. A tabela n. 2.2 sintetiza todas as mudanças cogitadas neste tópico específico da proporcionalidade na representação dos estados. Estado

Primeira República

Projeto Assis Brasil

Ementa Sampaio Doria

Minas Gerais

37

3 + 37 = 40

3 + 49 = 52

São Paulo

22

3 + 34 = 37

3 + 38 = 41

Bahia

22

3 + 26 = 29

3 + 38 = 31

Rio de Janeiro

17

3 + 13 = 16

3 + 13 = 16

Pernambuco

17

3 + 19 = 22

3 + 18 = 21

Rio Grande do Sul

16

3 + 20 = 23

3 + 18 = 21

Distrito Federal

10

3 + 10 = 13

3 + 10 = 13

Ceará

10

3 + 11 = 14

3 + 11 = 14

Pará

7

3 + 9 = 12

3 + 8 = 11

Maranhão

7

3 + 7 = 10

3 + 7 = 10

Alagoas

6

3 + 8 = 11

3 + 8 = 11

Paraíba

5

3 + 9 = 12

3 + 8 = 11

Piauí

4

3+5=8

3+5=8

Sergipe

4

3+4=7

3+4=7

Rio Grande do Norte

4

3+5=8

3+5=8

Paraná

4

3+6=9

3+5=8

147  148  149 

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Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11378, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 15/01/1932, p. 2. Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11377, Notícia: “Como os estados se farão representar na Constituinte”, 14/01/1932, p. 7. Ibidem.

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Santa Catarina

4

3+6=9

3+6=9

Goiás

4

3+4=7

3+4=7

Amazonas

4

3+4=7

3+3=6

Espirito Santo

4

3+4=7

3+4=6

Mato Grosso

4

3+4=7

3+2=5

Território do Acre

4

0+3=3

0+3=3

212

311

319

Total

Tabela 2.2 – Magnitude das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados (1891-1930) e as propostas de reforma eleitoral em 1932 Fonte: elaboração própria a partir da lei eleitoral n. 35/1892, de Assis Brasil (1931, p. 281) e do Correio da Manhã, Edição n. 11.375, Notícia: “A nova lei eleitoral da Republica”, 12/01/1932, p. 3

Os números são taxativos: as duas propostas de revisão da magnitude dos estados favoreceriam especialmente as bancadas mineira, paulista e baiana na Constituinte. Consequentemente, ambas mantinham um formato que desagradava os estados nortistas, autoconsiderados mal aquinhoados na distribuição de representantes. Por fim, o estudo da trajetória da reforma eleitoral revela que a representação classista aparece na própria imprensa como uma demanda final e recebida diretamente do próprio Getúlio Vargas.150 Ele assume em seu diário que ficou examinando desde fins de janeiro de 1932 o texto do Código revisado pela subcomissão de reforma eleitoral e, cerca de três semanas depois, entregou a matéria “ao ministro da Justiça com várias anotações e emendas, que ele aceita em sua maioria e devolve”.151 Portanto, em linha com o preestabelecido pelo rito de tramitação da subcomissão de reforma, “O codigo apresenta modificações em alguns pontos, feitas por suggestão do próprio chefe do governo provisorio”.152 A tabela n. 2.3 resume a opinião de diferentes obras sobre as inovações cruciais em matéria eleitoral adotadas com a promulgação do Código de 1932. Mais especificamente, contrasta os livros de Assis Brasil, Pinto Serva e Cabral com o anteprojeto de reforma eleitoral publicado em 1931, as revisões discutidas pela subcomissão revisora nomeada pelo ministro Cardoso, as demandas finais de Vargas e o texto final do Código Eleitoral. Uma comparação que será abordada em detalhes pelos próximos capítulos, mas já permite constatar que a influência do pensamento de Assis Brasil sobre o formato final da reforma eleitoral foi sobrevalorizada.

150  151  152 

Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11.412, Notícia: “A assinatura do Decreto do Código Eleitoral”, 25/02/1932, p. 3. VARGAS, G. Diário..., 1995. v. I, p. 91, ver também p. 88-90. Diário da Manhã, Edição n. 1456, Notícia: “A reforma eleitoral”, 13/02/1932, p. 2.

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56 Contrário

Voto feminino

João Cabral, Systemas eleitoraes (1929)

Pinto Serva, O voto secreto (1923)

Se abstém de comentar

Favorável, propunha um sistema semi-proporcional onde o eleitor poderia votar em quantos candidatos quisesse. O primeiro nome votado na cédula seria apurado como voto de 1o turno e os demais, como voto de 2o turno. A regra era considerar eleito o candidato que obtivesse em 1o turno o n. de votos pelo menos igual ao Contrário quociente eleitoral que resultar da divisão do n. total de eleitores pelo n. de representantes a eleger. Não alcançado o n. de eleitos no 1o turno ao n. de representantes, se consideraria eleitos os mais votados no segundo turno até se completar as vagas existentes (Apud Ed. 1934, 4a Edição, p. 178). “

Assis Brasil, 1a edição de Democracia Representativa (1893)

Obras comparadas

Voto obrigatório

Propõe o voto secreto como o ato de o eleitor receber um envelope do mesário (sobrecarta) na seção eleitoral e se dirigir para um compartimento fechado (gabinete indevassável) para colocar dentro da sobrecarta a a cédula que preferir e então retornar à vista de todos na seção eleitoral e ir até a urna para depositar nela a sobrecarta (Cf. p. 292-293). A confecção e distribuição das cédulas, portanto, ficam a encargo dos partidos políticos.

Não prevê

Defende que cabe ao eleitor escolher se prefere manter o voto um assunto privado ou torná-lo público, embora Contrário prefira a primeira opção (Cf. p. 69-71, 173-175). Não detalha, porém, os aspectos processuais das duas opções.

Voto secreto

Medidas comparadas

Defendia a representação proporcional das minorias.



Representação proporcional

Representação classista Justiça Eleitoral

PAOLO RICCI (ORG.)

Segue a visão da subcomissão revisora e estabelece a possibilidade do sigilo Institui o voto femi- do voto ser resgardada por um dos nino sem restrições, dois processos (a opção do gabinete mas torna-o faculta- indevassável e da sobrecarta ou tivo (Art. 121). a opção do prazo máximo para a inscrição dos candidatos e o uso de máquinas de votar (Art. 57).

Getúlio Vargas, Anteprojeto de reforma eleitoral final (1932)

Código Eleitoral promulgado (1932)

Sem informação

Os homens maiores de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podem isentar-se Institui um sistema de qualquer obrigação ou semi-proporcional. serviço de natureza eleitoral (Art. 121).

Sem informação

Tabela 2.3 – Inovações institucionais aprovadas pelo Código Eleitoral de 1932 em perspectiva comparada

Sem informação

Sem informação

Subcomissão revisora, Anteprojeto de reforma eleitoral revisado (1932)

Institui

Demanda

Não prevê

Torna facultativo o alistamento dos homens maiores de 60 anos e das mulheres em qualquer idade (Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11386, “A reforma eleitoral”, 24/01/1932, p. 4).

Propõe que o gabinete indevassável e a sobrecarta sejam vistos como um sistema capaz de assegurar a indevassibilidade do voto. Outra forma de fazê-lo é estabelecer um prazo máximo para a inscrição dos candidatos (até 15 dias antes das eleições) e a hipótese de utilizar, assim que possível, uma máquina de votar (Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11375, “A nova lei eleitoral da Republica”, 12/01/1932, p. 3).

Concede o voto feminino em toda a sua plenitude, sem restrições, mas torna-o facultativo (Correio da Manhã, Edição n. 11.372, “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 1).

Contrário

Embora continue adversário do voto obrigatório, admite a necessidade de se combater a abstençao eleitoral e, assim, reconhece a importância dessa medida (Cf. p. 85-86, 216-220).

Explicitamente favorável ao voto Direitos iguais aos secreto, mas não considera que as dos homens: alista- medidas propostas pelo anteprojeto mento e voto obriga- (gabinete indevassável e sobrecarta) tório (Cf. p. 56). dêem conta de garantir o segredo do voto (Cf. p. 75-85, 173-174).

Assis Brasil, 4a edição de Democracia Representativa (1931)

Não prevê

Assis Brasil e João Cabral, Anteprojeto de reforma eleitoral (agosto/1931)

Detalha em pormenores a proposta de Mário Pinto Serva e mantém a encargo dos partidos políticos a confecção e distribuição as cédulas, além de determinar que no ato do voto o eleitor receba do mesário a sobrecarta e nela insira a cédula de preferência dentro da gabinete indevassável e então retorne à vista de todos na seção eleitoral para ir até a urna (Arts. 4o e 45o).

Todos os homens maiores de 21 anos ou emancipados pela lei deverão se alistar, sendo facultativo o alistamento das mulheres como já descrito. Não se prevê o voto obrigatório, embora se proíba os cidadãos alistáveis que não se alistarem de serem eleitos ou nomeados para qualquer mandato político, emprego ou cargo público (Art. 10).

Admite que todas as mulheres com renda própria se alistem. Mesmo sem renda, a mulher casada autorizada pelo marido também poderia se alistar (Arts. 8o e 9o). Igualadas aos eleitores homens, assim, têm como eles a obrigação de votar.

Enterra a possibilidadede se fazer concursos para criar o cargo exclusivo de juiz eleitoral, determinando para este trabalho o destacamento temporário dos juizes locais vitalícios, pertencentes à magistratura (Art. 30).

Sem informação

Aumenta o número de membros do STE indicados pelo chefe do Governo Provisório e revê várias prerrogativas dos TREs e do STE.

Não entra em detalhes, limitando-se a defender como a criação da Justiça Eleitoral vem atender à necessidade de se extrair das assembleias políticas as decisões sobre o processo eleitoral e sobre os eleitos (p. 296-298).

Institui um Superior Tribunal Eleitoral (STE) e Tribunais Regionais (TREs). Determina que o Governo Provisório indique parte dos membros de todos esses tribunais. Em caráter provisório, estabelece como juízes eleitorais os juízes já pertencentes à magistratura ordinária e no gozo da vitaliciedade (Arts. 13, 21, 22, 34 e 35).

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

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A essa altura, dois pontos merecem destaque. O primeiro deles se refere à reprodução da crítica provida pela imprensa ao caráter abrangente do Código Eleitoral, que não estipula uma rotina eleitoral provisória e pensada apenas para fins da reconstitucionalização do país. Reforça-se a ideia de que a subcomissão original (Assis, Cabral e Serva) falhou ao evitar uma lei eleitoral de emergência, propondo uma “obra definitiva, chamando a si uma tarefa privativa da Constituinte”.153 O argumento geral é de que não cabe instituir, em pleno Governo Provisório, uma legislação que durará por além da Constituinte: “esse codigo immediatamente excede a competencia do poder que o pretende consagrar, ao mesmo tempo que aberra de todo senso pratico, de toda esclarecida e honesta comprehensão das nossas realidades. E’ apenas uma loucura”.154 Na base da crítica, portanto, surge a condenação das prerrogativas que o Governo Provisório assumiu quando se autoproclamou, pelo decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, um poder discricionário: A grande difficuldade dos nossos governantes atuaes tem consistido, sobretudo, em descobrir a significação, mesmo grammatical, da expressão discrecionario, que eles querem tomar como indicação de autoridade sem limites, quando, vinda de discreção, discreto, quer dizer exactamente o contrario, isto é, medida, prudencia, limitação justa e cautelosa.155

O segundo ponto digno de nota é o desfecho político imediatamente posterior à promulgação do Código Eleitoral. No dia seguinte, o Diário Carioca, destacado jornal de luta pela restauração liberal do país, sofre um empastelamento.156 Em resposta, o ministro Maurício Cardoso requer a apuração das responsabilidades, mas acaba desautorizado pelo Governo Provisório em mais um movimento dúbio frente à reconstitucionalização do Brasil. O episódio provocou, a 3 de março de 1932, a renúncia coletiva de vários gaúchos aos cargos que ocupavam no Governo Provisório, dentre os quais Maurício Cardoso, Lindolfo Collor e Batista Luzardo.157 Pouco tempo depois, o estado de São Paulo pega em armas para forçar a convocação das eleições à Assembleia Constituinte, dando origem à conhecida Revolução Constitucionalista. REFLEXÕES FINAIS No agregado, o estudo da tramitação do Código Eleitoral ilumina dois pontos importantes. Em primeiro lugar, dá margem à reconsideração do consenso existente sobre o papel de Assis Brasil na produção dessa legislação. Não está em questão desprestigiar a sua colaboração, mas reconhecer o resultado do envolvimento de outros atores (normalmente depreciados) para o andamento da reforma eleitoral. Em segundo lugar, permite a identificação da postura dúbia do Governo Provisório quanto à reconstitucionalização do país. Ao mesmo tempo que se encampava o discurso moralizador de uma reforma eleitoral saneadora do regime representativo no Brasil, também se emitiam estímulos para dilatar a convocação da Assembleia Constituinte.

153  154  155  156  157 

58

Diário de Notícias, Edição n. 582, Notícia: “O Código Eleitoral”, 24/01/1932, p. 1 e 3. Diário de Notícias, Edição n. 601, Notícia: “Um panorama da politica brasileira”, 12/02/1932, p. 1 e 4. Diário de Notícias, Edição n. 601, Notícia: “Um panorama da politica brasileira”, 12/02/1932, p. 4. Correio da Manhã, Edição n. 11.413, Notícia: “Os factos de hontem, na praça Tiradentes”, 26/02/1932, p. 3. Correio da Manhã, Edição n. 114.18, Notícia: “A politica e as suas novidades de hontem”, 04/03/1932, p. 1 e 3.

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Anulando os alistamentos anteriores, o Governo Provisório apostava nas novas regras eleitorais para ganhar legitimidade com as disputas para a Constituinte. Estavam dadas as condições para se compor um novo eleitorado e os despojados do poder contavam não somente com menos recursos para isto, como também precisavam se adaptar às inovações institucionais que ampliavam a incerteza e tiravam todos da zona de conforto.

59

Capítulo 3 A REPRESENTAÇÃO (QUASE) PROPORCIONAL E OS PLEITOS DE 1933 E 1934 Paolo Ricci e Glauco Silva

INTRODUÇÃO Finalmente a proporcional! 1932 é um ano distintivo na história eleitoral do Brasil. A proporcional entra em cena; uma mudança que, como sabemos, se manterá até os dias de hoje. As razões de sua introdução assim como o estudo dos efeitos sobre os pleitos de 1933 e 1934 serão objetos de análise deste capítulo. Interpretar a proporcional não é tarefa fácil. Em geral, parece aceitável a ideia de que com a mudança das regras eleitorais a elite da época propunha uma cisão clara com o passado republicano. Peculiar em tal sentido era a garantia de acesso às minorias no Congresso, algo inusitado até então. É a partir dessa visão que para alguns autores a proporcional é pensada como se fosse uma reconciliação das elites com a democracia. Quase que naturalmente, admite-se que tais mudanças institucionais representam “conquistas democráticas”158 e as eleições dos anos trinta ganham o status de “razoavelmente democráticas”.159 Eis, portanto, a ênfase no “finalmente a proporcional”.160 Neste capítulo, pretendemos desenvolver um argumento diferente. Para nós, a proporcional deve ser entendida a partir de um ideal de governo representativo que é essencialmente majoritário e uma prática política que é substancialmente excludente. Do ponto de vista do ideal, não há dúvida de que a proporcional é o resultado de um debate amplo, travado entre as elites republicanas desde 1889 em torno do direito das minorias. Como enfatizaremos nas próximas seções, os políticos na época já conheciam os efeitos da proporcional desde o início da República. Em tese, um sistema que aumentaria as chances de acesso a cargos legislativos para partidos em oposição. Entretanto o ideal representativo previsto pelas elites revolucionárias estava fortemente preso a outro princípio fundamental: o da manutenção da governabilidade, entendida esta como garantia do governo da maioria. Essa visão condicionou o sistema adotado em 1932, conhecido como sistema Assis Brasil, inspirado na obra do político e estudioso gaúcho, que incorporou um nível majoritário, justamente para favorecer o governo da maioria. Ou seja, admitia-se a distribuição das cadeiras entre os partidos, sem reprimir as minorias, como durante a Primeira República, mas sem por isso permitir-lhes ser governo. O ideal encontrava respaldo na prática política. As eleições de 1933 e 1934 pouco inovam BETHELL, L. The Cambridge History of Latin America. Brazil since 1930 Vol IX. Cambridge University Press, Cambridge, 2008, p. 26. CONNIFF, Michael. The National Elite. In: CONNIFF, M. McCANN, F. D. (Eds.). Modern Brazil: elites and masses in historical perspective. University of Nebraska Press, 1991. 160  Na mesma direção, Bolivar Lamournier interpreta a adoção da representação proporcional valorizando seu elemento pluralista, de cunho consociativo. Segundo ele, queria se evitar “o governismo e os regimes de partido único da República Velha: daí a exigência da reforma eleitoral” (LAMOUNIER, Bolivar. ‘Estrutura institucional’ e governabilidade na década do 1990. In: VELLOSO, J. P. R. O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992, p. 35). 158 

159 

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com respeito à Primeira República. Apontaremos numa direção: a busca pela governabilidade se assentava sobretudo na ação política dos interventores. Ainda sem partidos nacionais, replicando, portanto, a dinâmica política da Primeira República, a vida partidária dos estados era condicionada pela habilidade de articulação interna dos interventores nomeados por Vargas. As máquinas partidárias estaduais eram agora orquestradas por eles que acabaram exercendo forte influência sobre as eleições dos anos 1930. Resumindo: a democracia não estava em pauta, nem idealmente, nem na realidade. O DEBATE SOBRE AS MINORIAS ATÉ 1932 Sistema eleitoral e tutela das minorias tornam-se um binômio inseparável nos debates públicos durante a Primeira República. A própria Carta Constitucional de 1891 determinou que a eleição para a Câmara dos Deputados se fará mediante “o sufrágio direto, garantida a representação da minoria” (art. 28). Esse princípio aparecia como resposta às Câmaras unânimes do Império.161 Mas quais mecanismos para implementá-lo? Era prática comum na Primeira República fazer referência à vaga do terço. Essa expressão era utilizada para indicar a situação em que o governo não apresentava nos distritos eleitorais uma chapa completa deixando uma cadeira legislativa em aberto, para disputar entre as forças em oposição.162 Entretanto o terço não era garantia de acesso para as oposições. Como frequentemente era denunciado na época, na prática essas eram candidaturas “disfarçadas”, isto é, aparentemente independentes, mas na realidade ligadas ao governo. Segundo quanto denunciava um candidato no Distrito Federal, “não se confunda a representação das minorias com a representação das oposições”.163 Esse direito não passava de uma “camouflage” para colocar na Câmara um “amigo decidido e incondicional do governo”.164 A preocupação com o tema da defesa das minorias perpassa os debates entre as elites republicanas e frequentemente resultava em propostas concretas para reformar o sistema eleitoral.165 A proporcional deve ser pensada como uma opção dentro de tantas outras. Referindo-se aos países europeus, os jornais da época mencionavam os grandes defensores desse sistema, como Thomas Hare e John Stuart Mill166 ou, ainda, anunciavam as discussões travadas nos parlamentos daqueles países com vistas à introdução da proporcional. No Brasil, ainda em 1893, o político e agropecuário gaúcho Assis Brasil defendeu essa opção em seu livro, A Democracia Representativa. A publicística da época não precisava fazer referência a importantes pensadores estrangeiros, como John Stuart Mill e Thomas Hare. Era de fato comum na memória dos comentaristas e dos políticos associar a proporcional quase que imediatamente a Assis Brasil. Não é por acaso que sua proposta ficou conheUnanimidade não quer dizer estabilidade. É o que mostra estudo recente de Sérgio Ferraz que, ao analisar as quedas ministeriais no Império, aponta como os eventos decorriam mais de conflitos entre Executivo e Legislativo do que da intervenção direta da Coroa (FERRAZ, Sérgio Eduardo. A dinâmica política do Império: instabilidade, gabinetes e Câmara dos Deputados (1840-1889). Revista de Sociologia e Política, v. 25, n. 62, p. 63-91, 2017). 162  Os deputados na Primeira República eram eleitos por meio de um sistema majoritário em distritos plurinominais. Os partidos apresentavam em cada distrito uma lista de candidatos correspondente ao número de deputados a serem eleitos (lista completa) ou inferior (lista incompleta). Para mais detalhes ver RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. Partidos, competição política e fraude eleitoral: a tônica das eleições na Primeira República. Dados, v. 57, n. 2, p. 443-479, 2014. 163  Anais da Câmara dos Deputados (ACD), 29/04/1921, p. 199 (Distrito Federal). 164  Gazeta de Notícias, Edição n. 24, Editorial: “A semana politica”, 24/01/1921, p. 1. 165  Para uma análise dos debates acerca as reformas eleitorais no Congresso brasileiro ver Cristina Buarque de Holanda (2009). Modos da representação política: o experimento da Primeira República brasileira. Editora UFMG, Belo Horizonte. 166  Ver, a título de exemplo, A Federação, Nota “O suffragio proporcional. O projeto de lei do estado”, 27/03/1913, p. 1, em que Mill era apresentado como “um dos mais decididos paladino do voto proporcional”. 161 

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cida como “systema Assis Brasil” e o político gaúcho como “o apostolo do voto proporcional”.167 No entanto, quando se pretende destacar esse tipo de sistema para a escolha dos representantes devemos notar que durante a Primeira República a proporcional não era a única opção, nem a principal. É isso que emerge da leitura dos principais jornais entre 1889 e 1930.168 Duas medidas eram inicialmente privilegiadas como melhor forma para garantir a participação das minorias: distritos eleitorais pequenos e voto limitado (ou voto incompleto). No primeiro caso, defendia-se que as eleições se disputassem em distritos eleitorais que elegessem um número reduzido de deputados. Argumentava-se que tal medida diminuiria a influência do governo durante as eleições. No caso do voto limitado se permitiria ao eleitor votar mais de uma vez, mas em número inferior à totalidade das cadeiras a preencher.169 Esse mecanismo era visto como suficiente para garantir o direito constitucional à minoria. Um exemplo esclarece melhor o ponto. Imagine um distrito eleitoral de quatro cadeiras, disputando uma chapa governista completa (com quatro candidaturas) e dois partidos em oposição, cada um com apenas um candidato. O eleitor, que possuiria três votos (quatro menos um), poderia votar nos três candidatos da chapa governista, mas também dispersar suas preferências, por exemplo, votando nos três diferentes partidos, ou, ainda, deixar de exercer todas as preferências que tem direito e votar apenas para um ou dois candidatos. Para o partido do governo, a melhor opção seria aquela em que o eleitor conferisse os três votos aos candidatos da chapa governista. Surgiria, então, um problema de coordenação que o partido resolveria de duas formas: internamente, mobilizando os eleitores ao ponto de controlar a dispersão das preferências ou, em alternativa, apresentando uma chapa incompleta (três candidaturas). Decerto, essa última opção não era a preferível já que significava deixar uma vaga em aberto para outras forças políticas. Entretanto essas medidas foram consideradas insuficientes para garantir qualquer representação às minorias. Em nome de um mecanismo mais eficaz para defendê-las a lei eleitoral de 1904, mais conhecida como lei Rosa e Silva, do nome do político pernambucano que relatou o projeto no Senado, introduziu o dispositivo do voto cumulativo. Era essa uma opção já discutida desde os primórdios da República. Na mensagem de abertura da Assembleia do Estado de Mato Grosso, em 1890, o governador admitia a existência de engenhosos sistemas para resolver o problema das minorias, sendo que, “de todos estes, o que parece merecer a preferência, porque garante devéras aquela representação, é o conhecido pela denominação de voto livre ou cumulativo”.170 De acordo com esse sistema, o eleitor tinha o direito de concentrar suas preferências em apenas uma candidatura. É evidente que, mantido o voto limitado, o voto cumulativo representava mais um mecanismo que dificultava a vida dos partidos governistas. Aqui, o voto cumulativo poderia favorecer um partido minoritário, de oposição, caso este apresentasse apenas uma candidatura. Até a aprovação de Código Eleitoral, em 1932, o sistema de voto no Brasil incorporava o voto cumulativo e o sistema de lista incompleto.

Jornal do Comercio, Edição n. 136, Nota “Voto secreto e representação proporcional” na Coluna: “Gazetilha”, 08/06/1930, p. 8. Foram escolhidos os primeiros sete jornais com mais retornos da palavra-chave “representação proporcional”, isto é, o Jornal do Brasil, o Correio da Manhã, o Jornal do Comércio, o Diário de Pernambuco, o Paiz, o Correio Paulistano e A Federação. 169  De acordo com a primeira lei eleitoral da República (Lei n. 35, de 26/01/1892), cada eleitor votaria em dois terços do número de deputados do distrito (art. 36). Nos distritos menores, de três deputados, o eleitor dispunha, portanto, de dois votos. Nos distritos de magnitude maior, entre quatro e cinco, a lei fixava o número de votos em três. A lei Rosa e Silva (Lei nº 1.269, de 15/11/1904) determinava que nos distritos de cinco deputados “cada eleitor votará em três nomes nos estados cuja representação constar apenas de quatro deputados; em quatro nomes nos distritos de cinco; em cinco nomes nos de seis e seis nos distritos de sete deputados” (art. 58, § 3º). 170  Jornal do Comercio, Edição n. 237, Nota “Mato-Grosso” na Coluna: “Gazetilha”, 26/08/1891, p. 2. 167  168 

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No que tange à proporcional, são significativos três antecedentes. Em 1908, Assis Brasil reorganiza as fileiras dos opositores a Borges de Medeiros no Rio Grande do Sul e no manifesto do novo Partido Democrata, por ele dirigido, a proporcional é indicada como o mecanismo a ser introduzido para a escolha dos representantes. A ação de Assis Brasil é um preludio ao que acontecerá no ano seguinte na mais acirrada disputa presidencial que a Primeira República conheceu desde 1889. É o momento da campanha civilista de Ruy Barbosa que disputa a presidência da República com Hermes da Fonseca. Em sua plataforma político-programática, o líder baiano afirmava a falência do voto cumulativo e apresentava como solução para a defesa das minorias a representação proporcional. Por fim, o ano de 1913, quando uma reforma da lei eleitoral no Rio Grande do Sul adotava a proporcional para a eleição dos deputados estaduais. A lei n° 153, de 14/07/1913, fora idealizada, nas palavras do governador do estado, Borges de Medeiros, para “tornar uma realidade a promessa constitucional de representação das minorias”.171 Nesse intento, a lei previa que para a eleição da Assembleia Estadual do Rio Grande do Sul o estado se constituiria de um distrito único, os eleitores votando em cédulas ou listas preparadas pelos partidos. Executada pela primeira vez para o pleito de 20 de agosto de 1913, a oposição organizada no Partido Federalista conseguiria eleger pela primeira vez um representante.172 O que se afirmava nessas propostas, porém, era um princípio fundamental que será retomado na discussão do Código Eleitoral em 1932. O ponto é apresentado pelo deputado Antonio Mercado na discussão travada em São Paulo pela reforma da lei eleitoral estadual: “coerente com minhas ideias democráticas e liberais entendo que a lei eleitoral precisa sempre de conter disposições que assegurem a representação das minorias; mas que uma boa lei sobre eleições jamais deve facilitar que se realize o fato de qualquer minoria poder eleger maior numero de representantes do que a maioria”.173 Ou seja, aceitava-se eventualmente a oposição, sem admitir que ela ganhasse o pleito ou compartilhasse o poder com a maioria. Ainda que a opção da proporcional sempre esteve em pauta, ela nunca é apresentada como única alternativa. Nos anos vinte, sobretudo, o mote da moralização dos pleitos é travado em prol do voto secreto. Esta última medida acompanhará o debate sobre a reforma eleitoral nos anos finais da República. Vale a pena detalhar esse ponto. João Cabral publica em 1929 Systemas Eleitoraes do ponto de vista da representação proporcional das minorias. Até então, a busca pela verdade eleitoral era majoritariamente associada à introdução do voto secreto. Entretanto, para Cabral, tal medida era considerada “indispensável”, mas “insuficiente”.174 Para ele, um sistema eleitoral perfeito se constituía de, por além do voto secreto, de mais quatro elementos: 1) alistamento compulsório; 2) representação proporcional das minorias; 3) do modo de formar as mesas eleitorais; 4) de um processo “automático” de apuração dos resultados.175 Se olharmos para os programas dos partidos em oposição notamos que de fato as sugestões em matéria eleitoral eram majoritariamente pregadas

Citação extraída de PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000, p. 282-283. A lei de 1913 foi revogada em 1924. Mas o sistema proporcional permitiu a eleição de um grupo de parlamentares federalistas em várias legislaturas que se serviram do acesso ao Congresso estadual para apresentar suas propostas, questionar as condições socioeconômicas do estado e, mais em geral, criticar as instituições políticas gaúchas (ROUSTON JUNIOR, Eduardo. “Não só do pão do corpo precisa e vive o homem, mas também do pão do espírito”: a atuação federalista na Assembléia dos Representantes (1913-1924). Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2012). 173  Correio Paulistano, Edição n. 16621, Seção “Na Camara” na Coluna: “Congresso legislativo”, 13/11/1909, p. 2 e 3. A citação encontra-se na terceira página. 174  CABRAL, J. C. R. Systemas eleitoraes: do ponto de vista da representação proporcional das minorias. Imprenta: Rio de Janeiro, F. Alves, 1929. 175  Jornal do Brasil, Edição n. 161, Entrevista: “Os systemas eleitoraes”, 06/07/1929, p. 9. 171  172 

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em torno da necessidade do voto secreto.176 A esse respeito muitos jornalistas entram em campo, defendendo uma reforma eleitoral ampla. Everardo Backeuser sentenciava nas páginas do Correio da Manhã que o Partido Democrata havia se limitado a “propor explicitamente apenas o voto secreto. Achamos pouco”177, enquanto Félix Pacheco nas páginas do Jornal do Comercio chegava a propor um verdadeiro programa de governo que, fundamentado em onze princípios, defendia que se fizesse uma reforma eleitoral, “com o voto secreto e a representação proporcional”.178 Pouco depois a Aliança Liberal anunciava seu programa de governo, defendendo a substituição do voto cumulativo e da lista incompleta pelo “sistema da representação proporcional, adotada hoje em dia pelas legislações mais avançadas do mundo”, juntamente com o voto secreto.179 Essa era também a posição de Assis Brasil. A aproximação entre ele e Vargas culmina no lançamento da candidatura presidencial para o pleito de 1930 em oposição à oficial de Julio Prestes. O tema da proporcional adquire centralidade, mas se insere num pacote maior de propostas que visam moralizar os pleitos.180 Talvez a expressão mais contundente dessa aproximação seja a carta que Assis Brasil dirige a Getúlio Vargas no dia 31 de outubro de 1930, um dia após o golpe militar. Nela, Assis Brasil, preocupado pela Constituição de uma junta de generais para governar o país, sugeria a necessidade de integrar o Governo Provisório com “técnicos competentes”, que farão a reforma eleitoral, “com a limpeza dos alistamentos, voto secreto e representação proporcional”.181 A pauta já estava desenhada. Mais do que isso. Assis Brasil se candidatava para assumir um papel central nessa empreitada. A SUBCOMISSÃO LEGISLAÇÃO ELEITORAL (LEI E PROCESSO) E A PROPORCIONAL: RUMO AO CÓDIGO ELEITORAL DE 1932 O decreto nº. 19.684, de 10 de fevereiro de 1931, criava a subcomissão Legislação Eleitoral (lei e processo). Do período que transcorre até a aprovação do Código, em fevereiro de 1932, queremos destacar dois aspectos. O primeiro é que a introdução da proporcional pela comissão sempre foi tema pacífico. Pode-se dizer que a previsão da proporcional estava no DNA da subcomissão, já que seus membros eram Assis Brasil, João Chrysostomo da Rocha Cabral e Mario Pinto Serva. Como visto, os primeiros dois já haviam publicado vários escritos em prol da proporcional. A posição de Mario Pinto Serva é mais complexa. Ele publica em meados de 1931 A reforma eleitoral em cujas páginas se mostra mais cauteloso a respeito das reformas aventadas pela opinião pública. Sua posição era para uma reforma eleitoral de emergência, apenas para eleger os constituintes, deixando decisões mais complexas para o processo constituinte. Em artigo publicado no Jornal do Comercio, Ver, para o programa do Partido Democrata do Distrito Federal, a Gazeta de Noticias, Edição n. 199, Nota na Coluna: “Politica e politicos”, 21/08/1927, p. 2. Entretanto a Lei Orgânica do Partido Republicano Fluminense estabelecia como prioridade a legislação eleitoral que assegurasse “a representação proporcional de todas as correntes de opinião realmente ponderáveis” (O Paiz, Edição n. 14546, Nota “Lei orgânica do Partido Republicano Fluminense” na Notícia: “Partido Republicano Fluminense”, 17/08/1924, p. 5) 177  Correio da Manhã, Edição n. 10818, Notícia: “Campanha necessaria”, 02/04/1930, p. 4. 178  Jornal do Brasil, Edição n. 201, Nota “O decimo segundo principio” na Coluna: “A pedido”, 22/08/1929, p. 10. 179  Jornal do Comercio, Edição n. 226, Subtítulo “Regime eleitoral” na Notícia: “A convenção liberal”, 21/09/1929, p. 3 e 4. A citação encontra-se na quarta página. 180  A bem entender a aproximação é resultado das vicissitudes da política gaúcha. A disputa em torno da sucessão do governador, em 1922, entre Borges de Medeiros e Assis Brasil, resultou numa contestação dos resultados eleitorais e em revoltas populares que se estenderam por meses. A solução definitiva, mediada pelo governo federal, somente foi alcançada em dezembro de 1923, quando governistas e oposicionistas assinaram o Pacto de Pedras Altas. O primeiro ponto das dez clausulas vinculantes previstas estabelecia que o presidente do estado não podia concorrer à reeleição. Isso permitiu que Getúlio Vargas sucedesse a Borges de Medeiros. Para os termos do acordo ver a Gazeta de Noticias, Edição n. 108, Noticia: “Justiça”, 06/05/1924, p. 6. 181  Correio da Manhã, Edição n. 11001, Notícia: “A orientação do Partido Libertador”, 31/10/1930, p. 5. 176 

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emerge com clareza sua posição: sem partidos nacionais, sem ainda partidos estaduais organizados, caso estes surgissem seriam “organizações caricatas dirigidas por aventureiros”, concluindo que “a proporcional no Brasil seria quando menos uma aventura capaz de fracasso completo”.182 Dada a realidade brasileira, Pinto Serva concordava que a melhor opção seria o sistema proposto por Assis Brasil, isto é, da votação em dois turnos simultâneos, facilitando a representação das minorias. O Código tratou da eleição proporcional em três artigos. Se o artigo 56 mencionava apenas a representação proporcional como princípio básico das eleições183, era o artigo 58, correspondente ao capítulo II do Código, que especificava suas atribuições. O primeiro inciso do artigo tratava do registro das candidaturas. Estas podiam ser partidárias (ou de aliança de partidos, ou grupo de 100 eleitores) ou avulsas. Já do segundo até o decimo sexto inciso detalhavam-se a forma de votação e contagem dos votos. Importa aqui lembrar que se tratava de um sistema misto, não plenamente proporcional já que era proporcional no primeiro turno, distribuindo-se as cadeiras pelo quociente eleitoral e partidário, mas majoritário no segundo.184 Não nos interessa aqui aprofundar as diferentes visões teóricas de cada membro da comissão eleitoral. Basta destacar o fato de que os três membros da comissão nunca se opuseram à adoção do sistema proporcional nos moldes sugeridos por Assis Brasil. Como vimos no segundo capítulo, a discussão desse mecanismo eleitoral não foi objeto de debates acirrados tanto quanto outros pontos propostos na elaboração do Código. É evidente que esse cenário não é imputável unicamente à harmonia de entendimentos entre os membros da comissão em torno do sistema eleitoral. Como a seção anterior evidenciou, a questão é que a proporcional já estava na mesa das possíveis reformas a se adotar. Vale também notar que o compromisso do Governo Provisório em torno da proporcional como medida de defesa das minorias se dá num contexto caracterizado pela ausência de pressões por parte de partidos em oposição. Ou seja, sua introdução é claramente fruto de uma decisão das elites revolucionárias que dava voz a uma bandeira levantada inclusive em campanha eleitoral pelos partidários da Aliança Liberal. A questão da relação entre maioria e minoria merece destaque. Esse ponto é geralmente negligenciado pela literatura, mas central para o entendimento do espírito que rege a discussão consensual a respeito da aceitação da proporcional. Em seu comentário ao Código, João Cabral afirma que a intenção era sim garantir as cadeiras às minorias, mas “sem prejuízo do governo que deve caber à maioria”.185 A manifestação expressa pelo deputado republicano Antonio Mercado em 1909 volta às palavras de um dos artífices do Código no mesmo sentido. A preocupação para garantir vagas às minorias sem prejuízo da governabilidade desponta com clareza nos comentários do próprio Cabral ao artigo 58. Tecendo os elogios do sistema claramente inspirado por Assis Brasil, Cabral afirmava que a reforma garantia o [...] direito da maioria governar, em relativa paz, dispondo de bastante vozes, no parlamento; aquele, ao das minorias, direito sacrossanto, de fiscalização do governo e colaboração nos atos legislativos. Todas, maioria e minorias, representadas no parlamento, quanto possível, proporcionalmente ao número dos seus eleitores.186

182  183  184  185  186 

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Jornal do Comércio, Edição n. 231, Notícia: “A questão da representação proporcional”, 27/09/1931, p. 4 e 5. Art. 56. O sistema de eleição é o do sufrágio universal direto, voto secreto e representação proporcional. Uma explicação detalhada de como funcionava o sistema proporcional pode ser encontrado no Apêndice ao capítulo. CABRAL, J. C. R. Código eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1934, p. 18. Ibidem, p. 126-127.

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A preocupação para se adotar um sistema que garantisse o governo da maioria era sustentada também por Assis Brasil. Quando o líder político gaúcho defendeu, ainda em 1893, a adoção de uma lei eleitoral em prol da representação das opiniões, deixava claro que as mudanças implementadas não deveriam ser feitas “debaixo da exclusiva preocupação de dar representação proporcional às minorias, deve também ter em vista dar nascimento a uma maioria respeitável”.187 O “respeitável”, aqui, não é um termo casual. Adquire o significado de maioria forte, numerosa, apta a sobreviver em caso de divergências internas. Como o próprio Assis Brasil sentenciava, “uma maioria débil é sempre vizinha da corrupção”.188 Eis, portanto, o princípio-base ao qual se liga a defesa das minorias: “Constituição de um instrumento digno da função de deliberar (maioria), e possibilidade de representação das várias opiniões em oposição (minoria)”.189 Uma opinião compartilhada também por Adhemar de Faria, membro da comissão de Revisão e Redação do projeto de lei eleitoral que assim sentenciava: “A democracia é governo da maioria, limitado pelos direitos da minoria”.190 Pode-se dizer, portanto, diferentemente de Bolivar Lamounier que reconhece na representação proporcional de 1932 uma certa vocação consociativa 191, que o tema da proporcional era na época estritamente vinculado ao da governabilidade. Ou seja, a proporcional permitiria a representação das partes, eventualmente daquelas mais fortes e organizadas, mas sem que isso limitasse a ação da maioria no governo.192 AS ELEIÇÕES DE 1933 E 1934: PARTIDOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS Como, porém, efetivar o princípio do governo da maioria? A preocupação para o Governo Provisório se sair vitorioso nas urnas não podia de certo se prender unicamente ao formato do sistema eleitoral na sua parte majoritária. Caso contrário, a situação estaria aceitando uma competição potencialmente democrática. Nessa seção investigamos a hipótese de que o sucesso do Governo Provisório dependia da atuação dos interventores nos respectivos estados e passaria pela construção de partidos estaduais preocupados com o controle absoluto do processo eleitoral. Tais partidos, servindo-se dos velhos mecanismos para fazer eleitores e, em geral, organizar os pleitos, garantiriam o sucesso da Revolução nas urnas. A mensagem é clara: o ideal da proporcional, incorporando a valorização das minorias, era contrabalanceado pela prática excludente dos partidos dos interventores.193 Até poucos meses antes da eleição para a Assembleia Constituinte, fixada para o dia 5 de maio de 1933, poucas forças políticas haviam de fato se organizado. O encerramento do conflito armado ASSIS BRASIL, J.F. Democracia Representativa: Do voto e do modo de votar. 1. ed. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger, 1893, p. 124-125. Assis Brasil publicou Democracia Representativa em 1893, mas vale a pena lembrar que se tratava de uma proposta de lei apresentada pelo político gaúcho na Câmara dos Deputados com o objetivo de modificar a recém lei eleitoral de 1892. 188  Ibidem, p. 125. 189  Ibidem, p. 129. Após as eleições de 1934 o líder baiano João Mangabeira manifestava sua objeção à parte majoritária do sistema eleitoral apresentando uma representação perante o TSE alegando a inconstitucionalidade desse mecanismo. Segundo ele, a proporcionalidade deveria ser aplicada ao segundo turno também, seguindo os preceitos constitucionais do art. 23 que havia estabelecido que o sistema de representação era o da proporcionalidade. Ver o Diario da Manhã (Recife), Título: “A situação política nacional”. Edição 2277, 17 de novembro de 1934, p. 7. 190  Jornal do Comercio, Edição n. 18, Notícia: “O proximo regime eleitoral”, 21/08/1932, p. 5. 191  LAMOUNIER, 1992, p. 193-195. 192  Vale lembrar que também Cristina Buarque de Hollanda tem observado o caráter majoritário do elemento proporcional inserido no Código afirmando que “a ruptura pretendida com relação ao sistema político da Primeira República não seguiu o caminho liberal democratizante do proporcionalismo absoluto”. (HOLLANDA, 2009, p. 253). 193  A hipótese é aqui esboçada e não será aprofundada no texto. Nos serviremos da literatura já existente para mostrar a importância do papel exercido pelos interventores em alguns estados da federação. 187 

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no estado de São Paulo, em outubro de 1932, coincide com o início dos preparativos para a organização dos partidos tendo em vista à eleição constituinte. Conforme notícia veiculada pelo Jornal do Brasil em 23 novembro de 1932, “Não há dia em que não surjam várias notícias, anunciando novos grupos que se agremiam para o pleito da Constituinte, [...], como uma proliferação de cogumelos em tempo de chuva”.194 O gráfico a seguir mostra o número de partidos competindo por estado em comparação com os pleitos republicanos.195

Gráfico 3.1 – Número de partidos competindo (1900-1934) Fonte: elaboração própria a partir de Ricci e Zulini (2014) para a Primeira República e Boletins Eleitorais (1933, 1934)

Pelos dados coletados nos Boletins Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral contabilizamos 109 partidos em 1933 e 128 partidos em 1934. Os valores registrados mostram claramente que houve um incremento das forças políticas competindo em praticamente todos os estados nos pleitos de 1933 e 1934, ainda que tênue em alguns casos, como Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Goiás.196 Vale lembrar que na Primeira República (1889-1930) não haviam partidos nacionais e cada estado se caracterizava por uma dinâmica partidária estadual bastante fluida, dominado por uma força políJornal do Brasil, Edição n. 279, Nota “Partidos estaduaes” na Coluna: “Echos e Noticias”, 23/11/1932, p. 5. Os dados consideram as eleições para deputados federais realizadas entre 1899 e 1930, somando onze pleitos eleitorais. 196  Jairo Nicolau fala em “explosão” de número de partidos e lista de candidatos (NICOLAU, J. História do voto no Brasil. Zahar, 2002, p. 41) e Boris Fausto em “florescimento partidário como nunca existiu no país” (FAUSTO, Boris. Perfis Brasileiros: Getúlio Vargas. Companhia das Letras, São Paulo, 2006, p. 67). O gráfico mostra que essa leitura é restrita a alguns casos apenas, em particular Paraná, Maranhão, Espírito Santo em 1934 e Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro e Distrito Federal em ambos os pleitos. 194  195 

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tica.197 Isso quer dizer que havia mais de um partido organizado, mas frequentemente a segunda força política, de caráter oposicionista, apresentava-se concorrendo em apenas alguns pleitos, desaparecendo em outros. O quadro não muda nos anos seguintes: 1933 e 1934 replicam o modelo republicano em que partidos estaduais disputam o poder no estado, sem, porém, organizar-se nacionalmente. Para sermos exatos, havia organizações agindo no âmbito nacional que serviram de inspiração para os respectivos partidos nos estados.198 É o caso de mencionar, por exemplo, a Liga Eleitoral Católica, o Partido Economista do Brasil e o Partido Socialista Brasileiro. Tratavam-se, porém, de iniciativas pouco propensas à criação de agremiações amplamente articuladas de caráter nacional. Talvez o melhor exemplo de todos seja a União Cívica Nacional (UCN), sob a liderança de Juarez Távora, à qual eram filiados os partidos dos interventores. A UCN era uma tentativa de agrupar as facções e correntes políticas estaduais fiéis ao Governo Provisório tendo em vista o pleito constituinte de maio de 1933. Essa realidade configura, nos termos de Angela de Castro Gomes, “a complexidade da divisão e das alianças políticas do período, que de modo algum opõem de forma simples e coesa tenentismo e forças oligárquicas”.199 Não é o objetivo desse capítulo descrever as dinâmicas partidárias em cada estado. Basta aqui observar como governo e oposição estruturaram a disputa. A tabela a seguir elenca os partidos que reconhecidamente identificamos sob influência direta dos interventores. Estados

1933

1934

Acre

Legião Autonomista Acreana

Legião Autonomista Acreana

Alagoas

Partido Nacional de Alagoas

Partido Republicano de Alagoas

União Cívica Amazonense

Partido Popular do Amazonas

Amazonas Bahia

Partido Social Democrático da Bahia

Partido Social Democrático da Bahia

Ceará

Partido Social Democrático do Ceará

Partido Social Democrático do Ceará

Partido Autonomista do Distrito Federal

Partido Autonomista do Distrito Federal

Distrito Federal Espírito Santo Goiás

Partido Social Democrático do Espírito Santo Partido Social Democrático do Espírito Santo Partido Social Republicano de Goiás

Partido Social Republicano de Goiás

Sem informação

Partido Social Democrático do Maranhão

Minas Gerais

Partido Progressista

Partido Progressista

Mato Grosso

Partido Liberal Mato Grossense

Partido Liberal Mato Grossense

Maranhão

Pará Paraíba Pernambuco Piauí Paraná Rio de Janeiro Rio Grande do Norte

Partido Liberal do Pará

Partido Liberal do Pará

Partido Progressista da Paraíba

Partido Progressista da Paraíba

Partido Social Democrático de Pernambuco

Partido Social Democrático de Pernambuco

Partido Nacional Socialista

Partido Nacional Socialista

Partido Social Democrático do Paraná

Partido Social Democrático do Paraná

-

-

Partido Social Nacionalista (PSN)

Aliança Social

RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. The Meaning of Electoral Fraud in Oligarchic Regimes: Lessons from the Brazilian Case (1899–1930). Journal of Latin American Studies, 49, v. 2, p. 243-268, 2017a; RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. Partidos, competição política e fraude eleitoral: a tônica das eleições na Primeira República. Dados, v. 57, n. 2, p. 443-479, 2014. 198  Uma situação, portanto, não tão diferente daquela da Primeira República. Aqui podemos considerar que houve de fato uma única agremiação partidária atuando nacionalmente. Criado em 1893, o Partido Republicano Federal agrupava diferentes elementos republicanos, mas cindiu-se em 1897 dando origem à fragmentação dos sistemas partidários estaduais. Para mais detalhes ver BACKES (2004). 199  GOMES, A. C. Regionalismo e centralização política: partidos e Constituinte nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 32. 197 

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Rio Grande do Sul

Partido Republicano Liberal

Partido Republicano Liberal

Santa Catarina

Partido Liberal Catarinense

Legenda Reação Republicana (RR) - Aliança por Santa Catarina

Sergipe

Lista Liberdade e Civismo

Partido Republicano de Sergipe

Partido da Lavoura

Partido Constitucionalista

São Paulo

Tabela 3.1 – Partido do interventor, por estado (1933, 1934) Fonte: elaboração própria a partir dos verbetes do CPDOC e de consulta aos jornais da época

Dessa tabela podemos extrair duas informações interessantes. Em primeiro lugar, notamos que na maioria das vezes existiu um partido do interventor.200 Pode-se afirmar que todos os interventores seguiram as instruções do Governo Provisório de que eles deveriam se colocar “na vanguarda das organizações partidárias”.201 O caso atípico é o do Rio de Janeiro. Aqui, diferentemente dos demais estados, inclusive do Distrito Federal, o interventor Ari Parreiras recusou-se a criar um partido ou a apoiar oficialmente alguns deles. A posição de neutralidade ou distanciamento do interventor era obviamente sentida como crucial por parte das forças políticas que disputavam o pleito de 1933. A eventual aproximação com um partido aumentaria as chances de sucesso no pleito de uma parte, em detrimento de outras. Tendo em vista esse quadro, antes do encerramento da convenção do Partido Popular Radical, aprovou-se o pedido de telegrafar imediatamente ao interventor para assegurar que ele se mantenha no governo, mas de forma equidistante dos partidos, alheio à política.202 A atitude de Ari Parreiras se manteve também no pleito de 1934 quando não só não se candidatou à chefia do governo estadual, mas nem administrou e tentou controlar as negociações em torno da questão sucessória. A segunda observação é que há pouca variação encontrada nas siglas, evidenciada pelo fato de que em quinze estados os partidos são os mesmos entre 1933 e 1934. Isso mostra que em sua maioria os interventores conseguiram montar organizações partidárias estáveis, inclusive mais duradouras do que os próprios interventores, sujeitos a mudanças contínuas nesses anos. Como e de que forma tais partidos nasceram, organizaram-se e penetraram no território dos respectivos estados mereceria uma indagação aprofundada que foge ao escopo do capítulo. A esse respeito valem as observações genéricas de que a reorganização partidária seguiu os velhos padrões republicanos – alianças e articulações com chefes políticos locais, geralmente em oposição203– mas adotando também uma postura mais aberta com outros setores organizados como o operariado e o empresariado, sobretudo nos centros urbanos.204 Em geral, após a fase conturbada da revolução constitucionalista, inicia-se A denominação “partido do interventor” deveria ser entendida num sentido amplo já que há variações no grau de comprometimento dos interventores no processo de organização dos respectivos partidos. Se Juraci Magalhães (Bahia) e Lima Cavalcanti (Pernambuco) se envolvem diretamente na preparação das eleições, Carneiro de Mendonça (Ceará) assumiu uma postura de neutralidade política (PANDOLFI, 1980). Nesse caso, o PSD cearense ainda foi considerado como partido do interventor por incluir os elementos fiéis à Revolução de 1930, contando com Fernandes Tavora, interventor no estado antes de Carneiro de Mendonça. 201  PANDOLFI, D. C. A trajetória do Norte: uma tentativa de ascenso político. In: GOMES A.C. (Coord.). Regionalismo e centralização política: partidos e Constituinte nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 380. 202  Para um relato sobre a convenção, ver Diario Carioca, Edição n. 1408, Notícia: “A grande Convenção de hontem, do Partido Popular Radical, no Theatro Municipal”, 11/03/1933, p. 1. 203  Em Sergipe, por exemplo, em 1934 alguns elementos situacionistas se afastaram do interventor e fundaram o Partido Social Democratico de Sergipe. O interventor reagiu criando uma nova agremiação que incorporava os correligionários mais fiéis. Ver DANTAS, José Ibarê Costa, A revolução de 1930 em Sergipe, Aracajú: UFS, 2013. 204  Um dos critérios adotados para a escolha dos candidatos do PSD pernambucano foi acolher representantes de vários setores da sociedade (PANDOLFI, 1980). Dentro das alianças tradicionais adquirem centralidade aquelas com os prefeitos locais que eram nomeados pelos interventores. . Quando fosse difícil o acordo, os interventores podiam desmembrar municípios de modo a diminuir a força de alguns políticos que concentravam influência em determinadas regiões. Muitas das variações nas siglas se devem a processos de rearticulação das alianças. 200 

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nos estados os preparativos para as eleições constituintes fixadas para maio de 1933. Nesse breve período, os interventores são os atores-chave do processo de criação dos partidos. Como afirma Angela de Castro Gomes, tratava-se de “desenvolver um esforço de mobilização e de organização capazes de garantir a vitória de uma certa orientação político-ideológica”.205 O quadro apenas desenhado não se repete para os partidos em oposição. É o que emerge da tabela n. 3.2 que elenca os principais partidos identificados como em oposição ao partido do interventor.206 A mudança na nomenclatura das siglas entre uma eleição e outra emerge com clareza. De certa forma, o quadro reflete o que já foi constatado sobre a Primeira República, em que assistíamos à debilidade das oposições em se firmar frente o governismo.207 Entre 1933 e 1934 a maioria dos partidos em oposição mudou de nome. Fusões, cisões, novos partidos caracterizam a dinâmica partidária oposicionista. Acrescenta-se a isso a ação de controle exercida pelo judiciário estadual, sem contar as perseguições políticas. Dado que pelo Código Eleitoral as candidaturas individuais ou partidárias tinham que ser registradas na Justiça Eleitoral, o próprio judiciário se constituía como instância de veto, limitando a ação das oposições. Em Goiás, por exemplo, os Democratas tiveram enormes dificuldades em escolher os candidatos devido à negação pela justiça da “capacidade eleitoral” de Ramos Caiado, ex-senador e mais conhecido e forte oposicionista no estado.208 Estados

1933

1934

Chapa Popular

Chapa Popular

Partido Socialista

Partido Nacional

Aliança Trabalhista Liberal

Partido Trabalhista Amazonense

Bahia

Baía Ainda É A Baía

Legenda Governador Octavio Mangabeira

Ceará

Liga Eleitoral Cathólica

Liga Eleitoral Cathólica

Distrito Federal

Partido Economista

Frente Única

Espírito Santo

Partido da Lavoura

Partido da Lavoura

Democratas

Colligação Libertadora

-

Partido Republicano do Maranhão

Minas Gerais

Partido Republicano Mineiro

Partido Republicano Mineiro

Mato Grosso

Partido Constitucionalista

Partido Evolucionista de Matto Grosso

Acre Alagoas Amazonas

Goiás Maranhão

Pará

Partido Constitucional do Pará

Frente Única Paraense

Paraíba

Partido Republicano Libertador

Partido Republicano Libertador

Partido Republicano Social de Pernambuco

União Libertadora

Hugo Napoleão

Coligação Piauhyense

Partido Liberal Paranaense

União Republicana Paranaense

-

-

Partido Popular

Partido Popular

Pernambuco Piauí Paraná Rio de Janeiro Rio Grande do Norte

GOMES, 1980, p. 29. Como havia vários partidos em oposição, apresentamos nesse quadro apenas as siglas dos partidos mais bem-sucedidos, isto é, os que em respeito aos demais partidos em oposição conseguiram mais votos. 207  RICCI, ZULINI, 2017a; RICCI; ZULINI, 2014. 208  Para uma valiosa contribuição sobre a política goiana partindo do estudo das vicissitudes da família Caiado, ver o estudo de FREITAS, Lena Castello Branco Ferreira de. Poder e Paixão: a saga dos Caiado. Goiânia: Cânone Editorial, 2009. v. 1 e 2. 205  206 

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Rio Grande do Sul Santa Catarina Sergipe São Paulo

Frente Única (Partido Republicano e Libertador)

Frente Única

Partido Republicano Catarinense

Aliança “Por Santa Catharina”

União Republicana

União Republicana

Chapa Única por São Paulo

Partido Republicano Paulista

Tabela 3.2 – Nomenclatura dos partidos em oposição, por estado (1933-1934) Fonte: elaboração própria a partir dos verbetes do CPDOC e de consulta aos jornais da época

O termo “oposição” não deve ser tomado ao pé da letra no sentido de um posicionamento explicito contra o novo regime. Em 1933 e 1934 os partidos declarados abertamente contra Vargas se contam na palma de uma mão.209 Posto nesses termos, a clivagem governo-oposição não era nacional, mas estadual, definida pela contraposição entre partido do interventor e seus oponentes no estado. Em Alagoas, por exemplo, o Partido Socialista de 1933 é pró-revolução, mas não aceita a construção de uma única força ao redor do interventor.210 Em Sergipe, o Partido Popular é criação de José Augusto Bezerra de Medeiros, já presidente do estado na Primeira República. Apesar de se manter fiel aos postulados do ideário liberal, não se manifestava abertamente contra Vargas, e incorporava elementos revolucionários.211 Em geral, o entendimento da ação partidária desses anos passa pela maneira pela qual a situação política é administrada em cada estado. Aqui, é possível individuar três fases temporais. Até 1932, dominou a mera desestruturação das forças políticas. Os velhos partidos republicanos foram extintos e seus principais líderes condenados ao silêncio público, perseguido em suas regiões, quando não obrigados a se exilar. A segunda fase se inicia após o fim da revolução constitucionalista, quando estava claro que os eventos caminhavam para o pleito constituinte convocado para maio de 1933. Entre novembro de 1932 e abril de 1933 as elites políticas promoveram um intenso processo de rearticulação interna. A maioria dos partidos que concorreram ao pleito constituinte de 1933 foram de fato fundados nesse período, inclusive os dos interventores. A última fase é sucessiva ao pleito de 1933 e vai até a eleição de outubro de 1934. Caracteriza-se pela estabilidade dos partidos dos interventores e, em geral, menos pela criação de novas forças políticas situacionistas e mais pela organização de alianças eleitorais tendo em vista as eleições de 1934. AS ELEIÇÕES DE 1993 E 1934: RESULTADOS ELEITORAIS O capítulo volta-se agora para analisar os efeitos gerados pela introdução do mecanismo proporcional seja levando em conta os votos seja observando a distribuição das cadeiras no Congresso. A literatura a esse respeito é enfática em anunciar os efeitos positivos sobre o número de partidos e a competição política. Em primeiro lugar, alguns dados sobre o nível de competição eleitoral nos pleitos de 1933 e 1934 para a Câmara dos Deputados. O gráfico n. 3.2 reporta o valor do número

É o caso da Bahia, onde João Mangabeira e o velho oligarca João Seabra organizam a lista “A Bahia ainda é a Bahia”. Em Goiás, os correligionários ligados aos Caiados reorganizam o Partido Democrata. Em São Paulo, a Chapa Única reunia os grupos ligados ao Partido Republicano e ao Partido Democrata. 210  Ver Diario de Pernambuco, Edição n. 45, Notícia: “O movimento politico de Alagôas”, 24/02/1933, p. 3. 211  SPINELLI, J. A. Getúlio Vargas e a oligarquia potiguar, 1930-35. Natal: Editora da UFRN, 1996. 209 

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de partidos efetivos (NPE) em cada estado.212 Nota-se, claramente, que em 11 das 16 eleições213 o NPE é superior a 1,5. Ou seja, a disputa entre partidos nessas eleições se reflete em divisão dos votos no nível municipal.

Gráfico 3.2 – Número de partidos efetivos (NPE) por estado em cada eleição Fonte: elaboração própria a partir da consulta aos Boletins Eleitorais (1933, 1934)

Outra forma de observar a competitividade nesses pleitos é considerar a relação entre o NPE e a população das cidades, apresentada no gráfico n. 3.3 a seguir. Nele é possível observar que o NPE não está correlacionado com o tamanho do município e há um número expressivo de municípios em que o NPE é maior do 2 (38,7%) e aproximadamente 75% dos casos apresenta NPE maior ou igual a 1,5.214

Gráfico 3.3 – Relação entre NPE por município e população (1933, 1934) Fonte: elaboração própria a partir da consulta aos Boletins Eleitorais (1933, 1934) O NPE é um índice para mensurar o peso relativo dos partidos dada a votação obtida por cada agremiação. O cálculo do NPE foi feito de acordo com a seguinte fórmula: 213  O número de observações se reduz porque calcula-se o NPE no nível municipal e não há informações disponíveis para todos os estados. 214  O valor da correlação entre essas variáveis é igual a 0,07, portanto bastante baixo. A população residente nas cidades se refere ao censo de 1940. 212 

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Ainda assim, características das cidades podem influenciar o nível de competição observada. Como sabemos, a disputa política na Primeira República se caracterizava pela maior facilidade em controlar municípios rurais, enquanto nas cidades os coronéis e chefes políticos locais tinham menor capacidade de controle sobre os eleitores.215 Atributos dos municípios, como taxa de urbanização, podem estar relacionados com a disputa eleitoral. Tomando o tamanho da população das cidades como proxy para essas características, o gráfico n. 3.4 foi construído tomando o NPE médio para cada um dos quartis da população por estado. No gráfico, a faixa de número 5 indica as capitais.

Gráfico 3.4 – Intervalo de Confiança para o NPE médio por quartil de população (1933, 1934) Fonte: elaboração própria a partir da consulta aos Boletins Eleitorais (1933, 1934)

É possível notar que o NPE médio se eleva na medida em que passamos do 1º quartil, até o 4º. Inclusive, esses são os dois conjuntos de dados estatisticamente diferentes, como os intervalos de confiança construídos indicam. Além disso, o valor médio para o NPE das capitais é o maior (2,17), sugerindo que o nível de disputa eleitoral ali supera o dos demais municípios. O dado sugere, portanto, que é na capital que as oposições tendem a encontrar formas expressivas de apoio eleitoral, confirmando a relevância da clivagem urbano-rural. Até agora apresentamos uma série de dados que mostram os níveis de competição eleitoral registados nos pleitos de 1933 e 1934. Sabemos que, como discutido recentemente216, também as eleições na Primeira República eram disputadas. Naquele regime, porém, a competitividade nos pleitos não resultava em cadeiras na Câmara dos Deputados para os partidos em oposição. Raramente os candidatos oposicionistas derrotavam os políticos da situação de modo que a Câmara se constituía por bancadas estaduais unanimes. Em que medida esse quadro muda nos anos 1930? O gráfico a seguir mostra a distribuição das cadeiras entre as eleições de 1933 e 1934.

215  216 

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LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1997; RICCI; ZULINI, 2017a. RICCI; ZULINI, 2017a; RICCI; ZULINI, 2014.

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Gráfico 3.5 – Porcentagem de cadeiras obtidas pelos partidos Fonte: elaboração própria a partir da consulta aos Boletins Eleitorais (1933, 1934)

Das 42 observações realizadas nas duas disputas, em apenas 8 delas um partido conseguiu 100% das cadeiras. Chama atenção que nos estados do Rio de Janeiro e do Ceará , o partido com a maior porcentagem de deputados eleitos ficou em torno de 60% em ambas as eleições. Em alguns estados, inclusive, há um terceiro partido que consegue eleger candidatos. Isso ocorre em 6 estados, conferindo credibilidade à disputa eleitoral. O gráfico a seguir confirma a percepção de que as eleições de 1933 e 1934 são distintas daquelas do regime anterior. Ao fazer uma comparação com a Primeira República, considerando a proporção de candidatos dos partidos vitoriosos que foram derrotados nas urnas, fica evidente que o quadro mudou.

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Gráfico 3.6 – Proporção de derrotas para o partido ganhador (1899-1934) Fonte: elaboração própria a partir de Ricci e Zulini (2014 e 2017b)

Os dados são claros: antes da reforma eleitoral de 1932 os partidos vitoriosos raramente viam seus candidatos derrotados nas urnas. Entre 1899 e 1930 apenas 5,7% dos casos satisfazem essa condição. Nos pleitos de 1933 o valor sobe para 18,4% e em 1934 28,2% dos candidatos do partido vitorioso não foram eleitos. Indicativo dessa tendência é olhar para os estados dominados pelos partidos republicanos. Se em São Paulo, entre 1899 e 1930, o valor percentual das derrotas do Partido Republicano Paulista é de 4,8, a taxa sobe para 22,7 e 35,3% em 1933 e 1934 respectivamente.217 Em Minas Gerais, a taxa de derrotas registrada foi de 8,0 na Primeira República, sendo que sobe para 16,2 e 28,9% em 1933 e 1934, respectivamente. Decerto, é uma mudança notável. Para termos o quadro completo, porém, devemos olhar para os partidos vitoriosos. Vimos que um dos pontos desejados e defendidos durante a proposta de mudança da lei eleitoral era o da garantia de que das urnas saísse um força política capaz de governar. Os três gráficos a seguir mostram a distribuição das cadeiras do partido do interventor. Os dados são inequívocos: a maioria das cadeiras é ocupada por partidos ligados diretamente ao interventor. Em 1933, pode-se dizer que apenas em quatro estados o interventor perdeu a eleição: Acre, São Paulo, Rio Grande do Norte e Ceará. Se considerarmos também o caso do Rio de Janeiro em que o interventor assume posição de neutralidade, temos um grupo considerável de estados que envia deputados oposicionistas para a Constituinte. Em 1934, a situação se repete no Rio de Janeiro, Acre, Ceará e Maranhão, mas agora temos novas derrotas (Santa Catarina, Sergipe, Mato Grosso).218

Em 1933 o partido ganhador foi a Chapa Única por São Paulo e, em 1934, o Partido Constitucionalista. O fato de que essa condição se repetem 1934 igualmente para a eleição dos deputados federais e dos estaduais é expressão da capacidade dos partidos de controlar o voto dos eleitores. Retornaremos sobre este ponto no último capítulo. 217 

218 

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O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Se considerarmos os casos em que o partido do interventor é bem-sucedido, isto é, quando consegue mais de 50% das cadeiras, podemos também notar que o sucesso das interventorias não é absoluto. Apenas na Paraíba o partido do interventor faz todas as cadeiras em 1933 e 1934, mas em nenhum caso o interventor faz 100% das cadeiras na eleição dos deputados estaduais. Podemos dizer, portanto, que esses pleitos de fato permitiram pela primeira vez a representação das oposições nas instâncias representativas. É evidente que se trata de uma grande mudança com relação à Primeira República. Algo que é imputável ao novo sistema eleitoral.

Gráfico 3.7 – Cadeiras ocupadas pelos partidos dos interventores em 1933 Fonte: elaboração própria a partir dos Boletins Eleitorais e jornais da época (1933, 1934)

Gráfico 3.8 – Cadeiras ocupadas pelos partidos dos interventores na Câmara dos Deputados (1934) Fonte: elaboração própria a partir dos Boletins Eleitorais e jornais da época (1933, 1934)

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Gráfico 3.9 – Cadeiras ocupadas pelos partidos dos interventores nas Assembleias Legislativas (1934) Fonte: elaboração própria a partir dos Boletins Eleitorais e jornais da época (1933, 1934)

Gostaríamos de fechar a análise dos dados observando os efeitos do sistema eleitoral diferenciando entre a parte proporcional e a majoritária. Como vimos, a parte majoritária se inspirava ao ideal de um governo da maioria, isto é, em que uma força política pudesse governar, ainda que houvesse espaço para as oposições serem representadas. A tabela n. 3.3, a seguir, mostra que a parte proporcional (relativo aos eleitos em primeiro turno), foi o critério dominante, na medida em que a maioria dos candidatos foram eleitos pela contagem dos votos nessa fase. O fato de que em 1933 65% dos candidatos são eleitos no primeiro turno, subindo para 75% na eleição seguinte, nos alerta para a importância do estudo de como os partidos organizaram aqueles pleitos. Situação

1933

1934

Eleitos no primeiro turno (QE + QP)

139 (65)

184 (75)

Eleitos no segundo turno

75 (35)

61 (25)

Total

214 (100)

245 (100)

Tabela 3.3 – Eleitos em primeiro e segundo turno Fonte: elaboração própria a partir dos Boletins Eleitorais (1933, 1934)

CONCLUSÃO Com relação ao formato do sistema partidário, pouco muda frente à Primeira República se nos atermos ao formato da competição que permanece confinada aos limites do estado. Partidos nacionais inexistem e, mais uma vez, a contraposição entre governo e oposição deve ser entendida a partir das características de cada estado. Entretanto há duas diferenças importantes a serem mencionadas. De um lado, a competitividade dos pleitos. O exame dos resultados eleitorais a nível de município nos permitiu evidenciar a existência de disputas políticas amplas, limitadas não apenas 78

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

às capitais. A questão deveria ser aprofundada em futuras pesquisas para entender melhor como e de que forma as oposições ganharam espaço em um mercado eleitoral dominando pelos partidos dos interventores. Decerto, as demais reformas introduzidas no Código – em particular o voto secreto e a Justiça Eleitoral – deveriam ser consideradas para explicar as mudanças observadas nos anos 1930. Por outro lado, a diferença mais evidente: as oposições conseguem representação no Congresso. Ou seja, as eleições de 1933 e 1934 possibilitam pela primeira vez a partilha das cadeiras, algo que, nas palavras de Victor Nunes Leal, seria “um fato inconcebível na Primeira República”.219 Claramente, essa é a mudança mais profunda e visível imputável à introdução do sistema quase-proporcional. Apesar dessa mudança substantiva, o capítulo defendeu que não devemos esquecer-nos que o jogo político-eleitoral estava idealmente e concretamente condicionado. A introdução da proporcional deve ser entendida a partir de duas dimensões fundamentais: criação de um sistema que permita o governo da maioria e uma prática político-partidária excludente. A proporcional faz parte de um debate mais amplo sobre a tutela das minorias que já estava presente no regime republicano. Entretanto a ênfase deve ser posta sobre o fator que está presente nos debates e nas ideias dos proponentes da mudança eleitoral: a proporcional é admitida a partir de uma noção de governo representativo conservador, baseado no ideal de que o resultado deve indicar um ganhador, permitindo, portanto, a governabilidade. Admitia-se a voz dissidente no Congresso Nacional, mas essencialmente fiscalizadora. A prática excludente chama em causa papel dos partidos dos interventores. O ponto merece investigações futuras. Aqui, esboçamos a ideia de que alianças e articulações com chefes políticos locais constituem práticas capazes de assegurar o monopólio da penetração no território pelos partidos dos interventores. No nono capítulo acrescentaremos outras práticas comuns entre governistas, em particular a coação, a pressão e a fraude. É por essa razão que a importância da proporcional deveria ser pensada a partir das práticas do dia-a-dia que pouco tem a ver com a democracia. APÊNDICE O sistema eleitoral adotado pelo Código é bastante complexo. O artigo 58, 2 do Código Eleitoral determinava que a votação seria feita em dois turnos simultâneos, em uma cédula só. De acordo com o parágrafo 3º do mesmo artigo, o eleitor votaria em cédulas impressas ou datilografadas com os nomes dos candidatos, um em cada linha, “em número que não exceda aos dos elegendos mais um, reputando-se não-inscritos os excedentes”. Tais cédulas eram previamente preparadas pelos partidos ou candidatos avulsos e distribuídas aos eleitores. No parágrafo 4, eram fixadas as regras para a contagem dos votos. Era aqui que o sistema se tornava complexo. Para esclarecer melhor seu funcionamento vejamos um exemplo. Concorreram na eleição de 1933 em Sergipe três legendas e um candidato avulso. As três legendas eram a Liberdade e Civismo (LC), a União Republicana (UR) e a Social Progressista (SP). Os resultados contabilizados pelo Tribunal Eleitoral estão apresentados na tabela n. 3.4. Para fins de alocação das cadeiras no primeiro turno, calculava-se antes de tudo o quociente eleitoral (QE) de acordo com a fórmula: QE = votos apurados / nº de cadeiras 219 

LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto..., 1997, p. 282.

79

80

Social Progressista

Mauricio G. Cardoso

União Republicana

Social Progressista

Social Progressista

Moacyr Rabello Leite

Luiz Baptista Rollemberg

Antonio B. Bittencourt

Tabela 3.4 – Resultado da apuração, primeiro turno Fonte: elaboração própria a partir do Boletim Eleitoral de 08/07/1933

14.284

Social Progressista

Antonio B. Bittencourt

Total

União Republicana

Lourival Fontes

1.451

5

União Republicana

Eronides F. de Carvalho

3.638

845

1

1

6

96

17.922

2.296

1

1

5

6

96

1.451

1.451

5.509

5.509

5.509

5.509

7.324

1.421

Social Progressista

José Rodrigues C. Liberdade e Civismo Doria

101

Arthur Fortes

101

AVULSO

Alceu Dantas Maciel

895

7.324

895

Liberdade e Civismo

1.451

Já eleito

Já eleito

Nº de votos em cédulas sob a mesma legenda

Deodato da S.M. Junior

2.711

6.126

7.978

Nº total de votos

7.324

1.260

619

654

Nº de votos em cédulas sem legenda, ou sob legenda diversa

Edson N. Lacerda Liberdade e Civismo

1.451

5.509

União Republicana

Augusto Cesar Leite

Nº de votos em cédulas sob a mesma legenda

Legendas 7.324

Segundo turno

Primeiro turno

Leandro M. Maciel Liberdade e Civismo

Lista nominal dos candidatos

845

906

359

447

505

1.354

1.571

657

408

1.123

1.149

1.259

Já eleito

Já eleito

Nº de votos em cédulas sem legenda, ou sob legenda diversa

2.296

2.357

5.868

5.956

6.014

6.863

8.895

2.108

408

8.447

8.473

2.710

Já eleito

Já eleito

Nº total de votos

PAOLO RICCI (ORG.)

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

O total de 17.922 era dividido por 4, o número de assentos que Sergipe havia direito no Congresso Constituinte. O resultado é 4.480,5. Os decimais eram desconsiderados, ficando, portanto, um QE de 4.480. Nota-se que os votos foram concentrados em três candidatos, mas apenas dois deles (Leandro Maynard Maciel e Augusto Cesar Leite) superaram o valor do QE, ficando apenas estes eleitos em 1º turno.220 Logo em seguida, mas ainda no primeiro turno, calculava-se o quociente partidário (QP) pela seguinte fórmula: QP = Nº total de votos na mesma legenda no 1º turno/ QE Teriam sido considerados eleitos no primeiro turno os candidatos que tivessem alcançado o QE e, na ordem da votação obtida, quantos candidatos indicar o QP. Para fins de cálculo do QP, apenas os votos dados às legendas eram contabilizados, excluindo-se os candidatos avulsos. O QP era calculado desconsiderados os votos que cada candidato havia obtido em cédulas avulsas ou sob legenda diferente. Assim, por exemplo, os 654 votos do candidato Leandro Maciel não foram considerados para o cálculo do QP, já que foram obtidos fora da cédula partidária. O QP para as três legendas em competição foi o seguinte: QP Liberdade e Civismo = 7.324/4.480 = 1,64 QP União Republicana = 5.509/4.480 = 1,23 QP Social Progressista = 1.451/4.480 = 0,23 Pelo QP apenas as primeiras duas legendas tinham direito a eleger um representante. Entretanto, como tais partidos já haviam eleitos dois candidatos no 1º turno pelo QE, não houve distribuição de cadeiras em virtude do QP.221 Os demais candidatos eram considerados eleitos no segundo turno, até as vagas serem preenchidas. Na tabela n. 3.4 encontramos a votação dos candidatos no segundo turno. Os votos acumulados pelos candidatos eleitos no primeiro turno são desconsiderados. A eleição no segundo turno se dá pela somatória dos votos de legenda e dos votos nas cédulas que não foram contabilizados no primeiro turno. Em Sergipe, como ainda faltavam duas vagas a serem preenchidas, foram considerados eleitos pelo 2º turno os primeiros dois colocados de acordo com o total de votos, isto é, os candidatos José Rodrigues da Costa Dória e Edson Nobre de Lacerda.

Para o cálculo dos votos de cada candidato o Código determinava que se contassem os votos totais, isto é, os da legenda juntamente com as cédulas sem legenda ou sob legenda diferente. No caso em questão Leandro Maciel obteve 7.978 votos e Augusto Leite, 6.128. 221  Caso o quociente partidário indicasse que o partido tivesse direito a um número de vagas superior a um, seriam considerados os demais candidatos da mesma legenda “na ordem da votação obtida” (art. 58, 5º, b). 220 

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Capítulo 4 QUAL VOTO SECRETO? O CÓDIGO DE 1932 E AS TRANSFORMAÇÕES NO SIGILO DO VOTO Rogerio Schlegel e Josué Nobrega

Neste capítulo analisamos os antecedentes e os processos envolvidos na introdução do voto secreto no Brasil, tal qual formulado dentro do Código Eleitoral de 1932. O estudo revela que os mecanismos que acabaram entendidos como voto secreto – basicamente, uso da cabine indevassável e de envelope envolvendo a cédula – eram temidos antes da reforma mais pelos efeitos incertos em termos de controle do processo eleitoral do que pela promessa de uma revolução na política eleitoral pela via da liberdade e autonomia dos eleitores. Tanto perdedores quanto vencedores na Revolução de 1930 acreditavam que o voto secreto poderia alterar drasticamente as estratégias necessárias para mobilizar eleitoralmente os diferentes estratos sociais, o que representava grande incerteza e consequentemente resistência à sua adoção. Nosso estudo convida a uma reavaliação da perspectiva convencional da historiografia sobre o período, que apresenta os mecanismos de sigilo do voto como tendo sido um divisor de águas na política brasileira. Sustentamos que a discussão sobre o voto secreto ou a “verdade do voto” passa a ser central no Brasil desde o início dos anos 1920, mas um leitor do século XXI facilmente perde a essência do debate caso desconsidere como o próprio conceito do que é voto secreto alterou-se ao longo desses anos. Conceitualmente, o entendimento das reformas relacionadas ao sigilo do voto exige que a mudança seja vista como um continuum de transformações nos mecanismos do processo de votação no Brasil, mais do que como uma simples dicotomia entre um voto secreto considerado efetivo ou não. Nas próximas seções retomaremos em detalhe o desenlace histórico de cada uma das etapas do debate sobre o voto secreto. Iniciamos com uma breve contextualização sobre os modelos e mecanismos de sigilo do voto na experiência internacional, de forma a situar o debate no caso brasileiro. Em seguida, revisitamos as discussões e experiências anteriores à Revolução de 1930, assim como os compromissos assumidos pela Aliança Liberal – bem mais ambíguos do que admite o entendimento que se tornou convencional sobre o período. A seção seguinte enfoca as discussões sobre os mecanismos de sigilo do voto cogitados durante a discussão do Código Eleitoral. Fecha o capítulo um bloco sobre os resultados concretos do novo sistema, adotado nas eleições de 1933 e 1934, que em geral foi aplaudido por diferentes forças políticas, mas sofreu questionamentos por ter efeitos limitados para sanear a democracia representativa brasileira.

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OS MÚLTIPLOS ENTENDIMENTOS DO CONCEITO DE VOTO SECRETO: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS ARGUMENTOS A PARTIR DOS MECANISMOS DE SIGILO DO VOTO O que é voto secreto? A resposta variou substantivamente ao longo do tempo, no Brasil e no debate internacional. Em linhas gerais, do ponto de vista da experiência internacional dos governos representativos no século XIX, a primeira dicotomia que se desenvolveu na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália foi entre o voto aberto e declarado, ou viva voce, e o voto fechado, que em uma definição bastante simplificada seria apenas um voto por escrito depositado em uma urna. Em um segundo desenvolvimento que acompanha o uso de cédulas para se registrarem os votos, o voto secreto passou a ser considerado em termos da proteção do segredo das cédulas, e o modelo belga e francês de colocação do voto em envelopes opacos passou a ser difundido internacionalmente como uma forma de voto secreto. Finalmente, como modelo principal, o chamado Australian ballot iniciado em 1856 pelo conselho legislativo de Vitória, na Austrália, e depois adotado em alguns estados norte-americanos, difundiu-se no século XIX como tipo de modelo de voto secreto ideal, pois reunia diversos mecanismos para integrar um pacote de medidas de proteção durante o processo de votação. Basicamente o Australian ballot seria a combinação de uma cabine capaz de proteger a privacidade do eleitor com cédulas idênticas e oficiais produzidas pelo órgão organizador das eleições, e não mais pelos partidos políticos e candidatos.222 Os mecanismos que garantiriam esse sigilo pautaram boa parte da discussão imediatamente anterior e posterior à Revolução de 1930. Estão em debate o formato da cédula, se deve ser impressa ou escrita à mão, se pode ser distribuída no local de votação, quem poderá fornecê-la, se será coberta pela chamada sobrecarta, se haverá um recinto fechado para que o leitor indique sua escolha, se o voto passará por conferência antes de colocado na urna, se é o eleitor quem vai depositá-lo e, por fim, o próprio formato da urna. São as diferentes combinações desses mecanismos que permitem entender a ideia de voto secreto como um continuum no Brasil. As evidências sugerem que as disputas sobre o formato e o funcionamento do voto secreto dependeram da lógica específica de cada etapa do processo de disputa política. Ou seja, o debate político anterior ao movimento de 1930, os antecedentes políticos do Código Eleitoral 1932 e, finalmente, as disputas eleitorais para o pleito constituinte de 1933 e expectativas políticas sobre as eleições posteriores, geraram estratégias políticas distintas. Verifica-se, pois, em um primeiro momento, que a lógica da disputa anterior a 1930 obedeceu principalmente aos objetivos de um discurso de oposição ao PRP (Partido Republicano Paulista) e mais especificamente ao governo Washington Luiz, o que transformou o debate público de defesa do voto secreto em objeto de crítica genérica ou de denúncia ao regime por parte da oposição entendida em sentido amplo. Em segundo lugar, no período imediatamente posterior ao movimento de 1930, os defensores do ideal de voto secreto passaram a ter que lidar com as incertezas que a implementação dos mecanismos de proteção ao sigilo do voto teria na prática e como o formato do voto secreto importaria para as novas estratégias eleitorais. Nessas circunstâncias, concluímos que o Código Eleitoral não contemplou a proposta de voto secreto mais efetiva, mas a mais aceitável diante de um quadro de incertezas eleitorais futuras. Ao considerarmos o processo de 1932, uma questão central a ser enfrentada não é se o voto secreto efetivo foi instituído de facto, mas quais mecanismos de sigilo foram defendidos estrategicaTEORELL, Jan; ZIBLATT, Daniel; LEHOUCQ, Fabrice. Introduction to Special Issue: The Causes and Consequences of Secret Ballot Reform. Comparative Political Studies v. 50, n. 5, p. 531-554, April 2017. 222 

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mente por diferentes setores. Essa avaliação faz sentido se considerarmos que o voto secreto estaria atrelado ao conjunto de mudanças aprovadas dentro do Código Eleitoral, sobretudo aquelas que afetavam o alistamento eleitoral e o sistema partidário, como o sistema proporcional. Essa incerteza torna verossímil considerar do ponto de vista estratégico que o primeiro objetivo dos vencedores de 30 com o voto secreto seria a neutralização da vantagem que as oligarquias afastadas do poder teriam com a volta das eleições, enquanto reformas concomitantes – a exemplo do alistamento ex-officio, da criação dos representantes classistas e da Justiça Eleitoral permeável a influências políticas – tratariam de garantir vantagens competitivas ao Governo Provisório e aos diferentes segmentos que o apoiavam. Assim, ao mesmo tempo em que o voto secreto atendia às demandas públicas pela moralização dos costumes políticos de parte de seus aliados, garantiria também mecanismos que idealmente reforçariam estratégias mais amplas de integrantes do Governo Provisório, que tinham como objetivo principal obter melhores resultados nas disputas eleitoral e política. Portanto os interesses organizados durante a etapa do processo legislativo de aprovação do voto secreto foram mobilizados como forma de garantir o resultado menos arriscado dentro do novo Código Eleitoral. Daí a relevância, por exemplo, de uma modificação introduzida nas cédulas eleitorais pela Comissão Revisora instalada em dezembro de 1931: pelo Anteprojeto do Código, as cédulas poderiam ser impressas, datilografadas ou manuscritas; na versão final do Código, a possibilidade de serem manuscritas foi eliminada. Os resultados dos debates nas eleições de 1933 e 1934 indicam que os efeitos do voto secreto, entendido como voto em cabine protegida e com uso de sobrecarta, afetaram principalmente as dinâmicas do processo eleitoral nas zonas eleitorais urbanas centrais, tornando-se consensual entre membros da situação e da oposição o diagnóstico de que ele havia melhorado a situação geral da proteção aos eleitores. O eleitorado rural, no entanto, ainda estaria alheio aos efeitos da nova dinâmica do novo processo eleitoral, ainda que sujeitos às denúncias realizadas por grupos opositores junto à recém-inaugurada Justiça Eleitoral ou até mesmo pela via da imprensa. A DEFESA DO SEGREDO DO VOTO ANTES DE 1930 Os antecedentes do debate de uma reforma eleitoral que resultaria no Código Eleitoral de 1932 remontam à própria instalação da República. No caso do voto secreto, as fraudes que caracterizaram a Primeira República e o avanço da autonomia do eleitor em países da primeira onda de democratização, como Estados Unidos e Grã-Bretanha, impulsionaram a discussão e deram fôlego aos defensores de medidas para aumentar a independência da escolha eleitoral frente a pressões de proprietários rurais e empregadores urbanos ou a coação com uso de violência.223 O voto já era formalmente secreto no Império,224 mas a questão era garantir de fato o sigilo do voto, de forma a impedir que o eleitor fosse coagido ou trocasse seu voto por algum tipo de vantagem, o que era corriqueiro desde os primeiros tempos de vida republicana. Em 1891, o senaEntre os principais defensores do voto secreto ainda nos debates dos primeiros anos da primeira República que usaram tais argumentos estariam os senadores Quintino Bocaiúva, Campos Salles e Virgílio Damásio (Gazeta de Notícias, Edição n. 8, 08/01/1892, Coluna: “Diarios das Camaras”, p. 1). 224  Como revelado pela discussão sobre a reforma eleitoral em 1891, o debate sobre o voto secreto no Império possui controvérsias relevantes, relacionadas aos diferentes conceitos de voto secreto. Para uma parte dos debatedores, voto secreto poderia ser considerado o chamado voto “coberto”, ou voto em envelope, que na prática já existia desde a reforma de 27 de Setembro de 1856. É preciso considerar que o § 4º e o § 19 do art.15 da Lei Saraiva já eram considerados dentro do debate republicano como “voto coberto” e debatidos como voto secreto por garantirem um espaço separado para o depósito da cédula e a não necessidade de voto público descoberto (Gazeta de Notícias, Edição n. 295, Coluna: “Diario das Camaras”, 22/10/1891, p. 1). 223 

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dor Campos Salles, então constituinte, já defendia a moralização do voto;225 em 1892, durante os debates de uma reforma eleitoral, ele advogava pelo poder moralizador que o voto secreto traria para as disputas políticas.226 Após a virada do século, nova lei eleitoral flexibilizou o voto secreto, ao passar a admitir que a escolha do eleitor também pudesse ser feita de forma pública. “A eleição será por escrutínio secreto, mas é permitido ao eleitor votar a descoberto”, afirmava o artigo 54, da Lei n. 1.269, de 1904. Por esse sistema, o eleitor levava para fora do local de votação uma cópia da cédula depositada na urna, podendo dar publicidade a suas escolhas.227 O voto com cópia foi restringido 12 anos depois, pela Lei n. 3.208/1916. “A eleição será por escrutínio secreto, sendo permitido ao eleitor votar a descoberto somente no caso previsto no art. 18”, estabeleceu seu artigo 4º.228 Cinco anos mais tarde, o Decreto n. 14.631 deu mais um passo em direção à garantia do sigilo do voto, criando a obrigatoriedade da sobrecarta – um envelope para envolver a cédula, ambos dispensados de padronização ou fornecimento pelo poder público, o que não impedia o eleitor de levar ou receber cédula e sobrecarta prontas no local de votação.229 A legislação sobre o voto a descoberto deixa claro como, até meados da década de 1910, o voto secreto deveria ser entendido como sinônimo de voto fechado; aquele que não era declarado pelo eleitor no momento de colocação na urna nem passível de publicidade posterior. Seu antônimo era o voto a descoberto. Fatores de duas ordens contribuíram para a ressignificação do conceito no período seguinte. De um lado, a experiência concreta vivida na Primeira República, quando ficaram evidentes os limites daquilo que era conhecido como voto secreto, cujo controle era a base de um sistema fundado na fraude e na pressão sobre o eleitor. De outro lado, aparece a difusão no Brasil de avanços nos sistemas de voto em países como Austrália, Bélgica, França e Estados Unidos.230 Décadas de debates consolidaram a ideia de que leis prevendo voto fechado não são o mesmo que garantir que a escolha do eleitor terá o devido sigilo. “O escrutínio secreto reina hoje em toda parte”, alertava a plataforma da campanha civilista de Ruy Barbosa em 1909, arrolando em seguida 19 países que já adotavam a prática. “No dia em que houvermos estabelecido o recato impenetrável da cédula eleitoral, teremos escoimado a eleição das suas duas grandes chagas: a intimidação e o suborno”, anotava também o programa civilista.231 Com a consagração do modelo australiano, que deu centralidade a um gabinete indevassável em que o votante poderia fazer sua escolha sem ser assistido por ninguém, muda o próprio entendimento sobre o que vem a ser secreto em relação ao sufrágio. No debate público brasileiro da primeira década do século passado, os avanços das democracias europeias, de estados norte-americanos e da Gazeta de Notícias, Edição n. 253, Coluna: “Diario das Camaras”, 08/09/1891, p. 1. PARTIDO DEMOCRATICO. Voto secreto: collectanea de opiniões, discursos e documentos sobre o assumpto. São Paulo: Partido Democrático, 1927, p. 7-13. 227  O parágrafo único desse artigo esclarecia o procedimento para esse tipo de voto: “O voto descoberto será dado apresentando o eleitor duas cédulas, que assinará perante a mesa eleitoral, uma das quais será depositada na urna e a outra ficará em seu poder, depois de datadas e rubricadas ambas pelos mesários” (Lei n. 1269, de 1904). 228  Na ocasião, foi mantida a possibilidade de ter cópia do voto apenas quando fosse depositado em mesa diferente daquela a que o eleitor deveria originalmente se dirigir, caso não tivesse sido instalada por ausência de mesários. 229  Conforme o parágrafo 2º, do artigo 31, do Decreto n. 14.631, de 17/01/1921: “O voto do eleitor será secreto, escrito em cédula, colocada em invólucro fechado e sem distintivo algum, podendo, entretanto, ser impressa, mas trazendo sempre a indicação da eleição de que se tratar. Ao eleitor só é permitido votar a descoberto, quando a eleição se realizar em cartório.” 230  Como exemplo, a Conferência “O Voto e o Direito Eleitoral” organizada pelo Instituto dos Advogados no Rio de Janeiro, em Setembro de 1910, apresentou os processos de voto secreto em outros países (O Paiz, Edição n. 9465, Nota “Conferencias” na Coluna: “Vida Social”, 04/09/1910, p. 4). 231  Plataforma da campanha civilista lida em Salvador, Bahia, em 15 de janeiro de 1920 (PARTIDO DEMOCRATICO, 1927, p. 14). 225  226 

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Austrália em direção à “verdade eleitoral” eram saudados como exemplo a seguir e como caminho inexorável das instituições liberais.232 Os críticos do voto secreto alertavam para os efeitos negativos que seriam trazidos pelo transplante dessa instituição para um país “atrasado”, mencionando a falta de escolaridade do brasileiro e seu provável desinteresse por votar sem nada ganhar em troca.233 Por sinal, a maior incerteza ao reforço do sigilo do voto aparece associada aos efeitos que traria para os segmentos menos escolarizados. É recorrente o argumento de que caminhar rumo ao voto secreto poderia alijar da vida eleitoral parcelas da população ainda maiores. Outro sinal dessa incerteza é a forma como os defensores do sigilo do voto o apresentavam como capaz de inaugurar uma nova era na política nacional. A defesa que o intelectual paulista Mario Pinto Serva fez do voto secreto ao longo das primeiras décadas do século XX ilustra o fervor despertado pelo tema e o tamanho da aposta nos poderes redentores do segredo do voto: O voto secreto extinguirá radicalmente todas as oligarquias, o voto secreto produzirá a criação dos grandes partidos nacionais, o voto secreto saneará a política do país, o voto secreto formará a consciência nacional, o voto secreto fará no Brasil inteiro cidadãos conscientes, dignos e verdadeiramente patriotas, o voto secreto constituirá o nosso renascimento cívico, o voto secreto entregará ao povo a escolha real e efetiva dos seus governantes, o voto secreto inaugurará a democracia no Brasil, o voto secreto acordará as virtudes dormentes da raça, o voto secreto será a aurora de uma nova era nacional, o voto secreto acabará com os progressos de representantes das oligarquias estaduais, o voto secreto inaugurará os congressos dos representantes reais do povo brasileiro, o voto secreto despertará a raça brasileira do sono cataléptico em que jaz prostrada.234

Pinto Serva foi o mais eloquente defensor dos poderes do voto secreto nessa quadra histórica, especialmente em publicações na imprensa paulista e como militante do Partido Democrático. Integrante da comissão de três juristas inicialmente convidada para redigir um anteprojeto de Código Eleitoral, ao lado de João Francisco de Assis Brasil e João Crisóstomo da Rocha Cabral, acabou se afastando dos trabalhos. Para ele, o voto secreto seria “uma fatalidade histórica”. “Como a República e o Abolicionismo, o voto secreto há de vencer todos os obstáculos e há de ser lei no Brasil”, defendia.235 A temperatura do debate subiu de patamar após as reformas eleitorais ocorridas nos dois países vizinhos ao Brasil. A Argentina tomou medidas para garantir o sigilo do voto em 1912 e o Uruguai fez mudanças nessa direção em 1916. Em torno de 1920, os dois países concentraram a atenção dos envolvidos no debate brasileiro. A trajetória política anterior comparável à Primeira República e o nível de desenvolvimento econômico mais próximo do Brasil permitiriam observar mais de perto os impactos das medidas de saneamento eleitoral em países “atrasados”. O entusiasmo de Pinto Serva mais uma vez exemplifica como os defensores do voto secreto apresentavam os efeitos multidimensionais que o voto secreto teria trazido no caso argentino: A lei argentina do voto secreto e obrigatório, obra capital de Saenz Peña, já teve em fatos a mais completa consagração. Ela produziu na Argentina um verdadeiro renascimento “As Eleições na Alemanha”, uma análise veiculada no jornal O Paiz em fevereiro de 1912 ressalta como o voto secreto consistiria em uma sala separada onde o eleitor votaria protegido por um biombo (O Paiz, Edição n. 9990, Notícia: “As Eleições na Alemanha”, 12/02/1912, p. 8). O Senador Moniz Freire também ressalta dentro do Senado os novos mecanismos de votação secreta de outros países, principalmente a recém aprovada lei de Saenz Peña na Argentina, amplamente divulgada na imprensa brasileira no ano de 1912 (O Paiz, Edição n. 10551, Coluna “Congresso Nacional”, 27/08/1913, p. 5. 233  O jornal O Paiz relata a dificuldade do Senador Moniz Freire em ter uma proposta de reforma eleitoral relacionada ao voto secreto considerada por uma comissão mista no Congresso devido à incapacidade e individualismo do eleitorado (O Paiz. Edição n. 10576, Notícia sem título, 21/09/1913, p. 2). 234  SERVA, M. P. O voto secreto ou a organização de Partidos Nacionaes. Liga Nacionalista. São Paulo: Imprensa Methodista, [1919?], p. 14. 235  Ibidem, p. 288. 232 

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democrático. No país inteiro nota-se já a formação de grandes partidos nacionais, com programas definidos, comparecendo às urnas disciplinados e fortes. [...] Várias províncias, em consequência da nova lei, viram esboroar-se os governos crônicos, assentados na inércia dos votantes e na fraude eleitoral e os cargos principais ultimamente passaram a ser ocupados por candidatos oposicionistas. [...] A política argentina deixou de ser uma política pessoal para se constituir uma política de ideias.236

A influência do Uruguai foi até mais marcante. Como vimos no Capítulo 2, a principal acusação feita à Comissão de Assis Brasil foi de que havia se limitado a transpor o Código uruguaio. Perto do final da segunda década do século XX, a defesa do sigilo no voto foi impulsionada pela Liga Nacionalista de São Paulo (LNSP), que foi capaz de levar o tema para a imprensa e para o Legislativo paulista e o federal. O grupo fundado em 1917 era integrado por profissionais liberais e acadêmicos, muitos ligados à Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Seu principal objetivo era fazer campanha pelo desenvolvimento da educação cívica popular, pelo serviço militar obrigatório e, com ainda maior ênfase, pela adoção do voto secreto.237 A LNSP foi fechada em 1924, acusada de envolvimento na revolta militar ocorrida em São Paulo. Muitos de seus integrantes acabaram formando o Partido Democrático, criado em 1926, que tinha a defesa do sigilo do voto como tema central de sua plataforma.238 Sinal claro da metamorfose do conceito de voto secreto é a forma como, ao longo dos anos 1920, a expressão tacitamente passou a ser considerada incompleta para descrever do que se estava falando. Aqueles que se referiam ao voto com sigilo precisavam acrescentar uma qualificação à expressão, falando em “voto absolutamente secreto” ou “verdadeiro voto secreto”. É assim que João Cabral, em nota escrita em 1932 que acompanha os comentários ao Código Eleitoral, afirma que um dos princípios seguidos pela comissão de juristas que fez o Anteprojeto foi o do “voto absolutamente secreto”.239 Mais adiante veremos como outro ator relevante dessa comissão, Assis Brasil, culpa o que chamou de “terminologia indecisa” por não ter contemplado claramente o sigilo do voto em suas prescrições de reforma eleitoral anteriores à Revolução de 1930. Já Mário Pinto Serva em meados da década da 20 afirma de forma explícita e didática a manipulação que o conceito de voto secreto sofria nas discussões do período. Pouca gente conhece no nosso país a diferença radical e profunda entre o sistema eleitoral em vigor no Brasil e o que se conhece pela denominação de voto secreto. Muito pensam que o que existe em vigor no Brasil é já o voto secreto. É um engano completo. Pelo sistema atualmente em vigor no Brasil as eleições oferecem o aspecto mais degradante, porque o eleitor vota à vista de todo mundo, sem garantia de independência. O espetáculo das eleições, presentemente no Brasil, é o mais grotesco. [...]. O sistema conhecido pela denominação de voto secreto consiste no seguinte mecanismo: depois de receber do presidente da mesa um envelope oficial de tipo igual para todos, o eleitor é, em seguida, introduzido num compartimento reservado, onde, uma vez fechado, e sem ser visto por ninguém, escolhe a cédula que preferir e a encerra no envelope, voltando então à sala, onde se encontra a mesa apuradora, para depor na urna o envelope fechado de forma que ninguém possa reconhecer seu voto. [...] Pelo sistema atualmente vigente no Brasil, as eleições constituem uma palhaçada ignóbil.240 SERVA, [1919?], p. 105-106. LEVI-MOREIRA, Silvia. A luta pelo voto secreto no programa da Liga Nacionalista de São Paulo (1916-1924). Revista Brasileira de História, n. 7, p. 72-80, Mar. 1984. 238  PARTIDO DEMOCRATICO, 1927, p. 72; Correio Paulistano, Edição n. 20529, Notícia: “Liga Nacionalista”, 27/08/1920, p. 3. 239  CABRAL, J. C. R. Código Eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1934, p. 18. 240  SERVA, [1919?], p. 292-293. 236  237 

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O trecho revela que nem mesmo o publicista que se notabilizou pela defesa do sigilo do voto defendia àquela altura o voto australiano, que não envolvia sobrecarta, mas a própria cédula com características impossíveis de distinguir. Pinto Serva deixa de recomendar que a cédula seja impressa com recursos públicos, tenha o nome de todos os candidatos e seja distribuída apenas no local de votação, devendo por isso ser preenchida em recinto sigiloso. É mais um indicador da importância de perceber a posição dos atores envolvidos na discussão em relação aos diferentes mecanismos que levariam ao sigilo do voto.241 A elasticidade do conceito de voto secreto também contribuiu para que as iniciativas finalizadas a garantir a autonomia do eleitor tivessem efeito limitado. Em 1925, a Constituição do Ceará estabeleceu o voto secreto nas eleições municipais e estaduais. Como não definia com clareza o sistema que garantiria o sigilo – mencionava apenas que “o voto perante as mesas eleitorais será secreto, de modo que, pela maneira de votar, não se possa saber quais os candidatos sufragados pelo eleitor” –, a medida virtualmente não teve impacto. Em 1926, a proposta de voto secreto já estava na plataforma eleitoral de Antonio Carlos Andrada, candidato ao governo de Minas Gerais. “É indispensável que nos inspiremos na sadia lição que aponta o voto livre como sendo o único meio eficaz para prevenir e debelar, pacificamente, as mais graves crises políticas”, afirmava o candidato.242 Como presidente de Minas, Antônio Carlos promoveu a reforma política que em setembro de 1927 introduziu o voto secreto nas eleições municipais e estaduais. Regulamentada em abril de 1928, a lei foi aplicada em 3 eleições municipais e para o preenchimento de duas vagas no Senado mineiro no mesmo ano. Com sucesso limitado: João Cabral sustenta que o sistema mineiro acabou sofrendo “descrédito”.243 Faltaram a previsão de medidas rigorosas para punir quem burlasse o sigilo do voto e um processo eficaz de autenticação das sobrecartas e das urnas, na avaliação de Cabral. Em meados dos anos 1920, já está claro no debate brasileiro que, ao se discutir o voto secreto, é preciso explicitar a que mecanismos o orador está se referindo. Exemplo disso são as acusações feitas pelo deputado João Pires do Rio, do Partido Republicano Paulista (PRP), contra Assis Brasil, após ele ter publicado manifesto de apoio ao levante de 5 de julho de 1924 na cidade de São Paulo: Todo o interesse político do sr. Assis Brasil estava no Rio Grande, mas os recursos para a guerra vinham de São Paulo; era conveniente, portanto, um programa com um pé no Rio Grande e um em São Paulo. [...] Para São Paulo, descobriu o sr. Assis o voto secreto. [...] O manifesto não o define, mas é de supor-se que se trata do voto escrito em guarita fechada, móvel que se deve colocar na sala da urna e no qual se esconde o eleitor para meter no envelope a cédula de sua preferência. [...] A que vemos, então, reduzido o seu programa de reformas? A um melhor voto secreto.244

Como sugere a posição do perrepista João Pires do Rio, a posição dos republicanos paulistas é contra a aposta no anonimato do voto. Os jornais paulistas governistas tendiam a relativizar a relevância do segredo na votação como fundamental para a política nacional, ressaltando alguns A imprensa brasileira em São Paulo e Rio de Janeiro não debatiam de forma aprofundada o modelo australiano, sendo que os projetos mais avançados que tramitavam dentro do legislativo e comentados pelos jornais estavam baseados em uma adaptação do sistema belga, descartando a cédula oficial do governo, mas com sobrecarta (envelope) opaca. Uma exceção foi a coluna “Entrelinhas” do jornal Correio Paulistano, órgão que vocalizava os interesses do Partido Republicano Paulista, na Edição n. 19734, de 15 de junho de 1918, que analisou detidamente o sistema brasileiro à luz do sistema australiano e do sistema belga, argumentando que o sistema brasileiro estaria mais próximo do sistema belga e que suas reformas deveriam seguir nesse sentido. O editorial argumentava que o sistema eleitoral deveria prescindir de um gabinete isolado para votação, pois tal mecanismo tornaria o processo eleitoral demasiado lento e embaraçoso para os eleitores. 242  ABREU, A. A. (Org.). Dicionário histórico–biográfico brasileiro: 1930-1983. Rio de Janeiro: Forense–Universitária /Finep, 1984. 4 v. 243  CABRAL, J. C. R. Código Eleitoral, 1934, p. 116. 244  A Federação, Edição n. 145, Notícia: “A revolta e o seu programma”, 23/06/1925, p 1. 241 

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pontos recorrentes em seus editoriais.245 Por um lado, a interpretação era de que o Brasil não estaria preparado para o voto secreto, pois a população não estaria apta, do ponto de vista moral e intelectual, para esse tipo de avanço, só possível com uma educação cívica adequada. Essa percepção levava, por outro lado, à interpretação de que a grande massa do eleitorado poderia passar a não participar dos pleitos, por conta das dificuldades introduzidas pelos novos mecanismos. A versão usualmente vinha acompanhada da afirmação de que o Brasil já teria voto secreto e da acusação de que os reformadores confundiriam o voto secreto com o voto em cabine isolada ou o sistema australiano de votação. Em suma, como seria de se esperar pelo tipo de eleitorado mobilizado pelo PRP durante a Primeira República, novos mecanismos de votação introduziriam dificuldades adicionais para o controle da massa eleitoral analfabeta e semianalfabeta do período. Um ponto que escapa às interpretações que se consagraram para o período é o fato de que os defensores do aumento do sigilo do voto não associavam, fundamentalmente, voto secreto e autonomia do eleitor brasileiro em geral, independentemente de sua extração social. A verdade da urna que se queria estabelecer não se destinava a todos os eleitores e eleitoras. Pelo contrário: o “verdadeiro voto secreto” melhoraria a política brasileira por afastar das urnas os segmentos mais vulneráveis da sociedade. A carta pública enviada por Monteiro Lobato ao presidente Arthur Bernardes em 1924 não deixa dúvidas sobre esse espírito: Na opinião geral, o remédio está na adoção do censo alto e consequente afastamento das urnas da massa bruta, sendo o meio de conduzir a isso um só: o voto secreto. A princípio não compreendi o alcance desse remédio e relutei grandemente em ver nele as virtudes que tanto entusiasmavam os seus adeptos. Mas a força de pensar no caso abriu-se-me o cérebro. O voto secreto opera o milagre de trazer consigo o censo alto. Opera a seleção, que é mister, afasto [sic] o eleitor inconsciente ou venal e atraindo o voto livre e consciente da elite do país. Que interesse tem em votar, sob o regime do voto secreto, o meu criado, que é um imbecil, se ninguém lhe impõe esse ato ou não lh’o paga? Impossível como se torna o controla [sic] da votação, eliminado está, ipso facto, o voto por pressão e o voto por dinheiro; e como os eleitores atuais só vão às urnas movidos por esses dois motivos, claro que a elas não comparecer jamais. [...] Deixando de ir às urnas essa massa bruta, desparece [sic] o motivo que delas afastava a elite da nação, e veremos apresentarem-se os homens de bem, os fazendeiros, os negociantes, os doutores, os letrados, todos enfim que constituem a parte nobre do país. E isto tudo automaticamente, naturalmente, sem força a ninguém e sem infringir essa grande ilusão do sufrágio universal, que é ainda a base das democracias modernas.246

Tanto a carta expressava a visão de segmentos relevantes da elite que foi reproduzida, tempos depois, por um grupo de intelectuais que pediu a Carlos de Campos, governador de São Paulo entre 1924 e 1927, que implantasse no estado o voto secreto. Na mensagem, o grupo ressaltava que encampava “os conceitos” de Lobato. Entre os signatários estava Antonio Sampaio Dória, que O editorial “O novo programa democrático” d’o Correio Paulistano, Edição n. 23472 de 07/02/1929 critica a ênfase exagerada do programa do Partido Democrático em defesa do voto secreto. Outros exemplares do mesmo jornal enfatizam pontos diversos da crítica ao voto secreto. Uma nota publicada no Correio Paulistano, Edição n. 23524, de 11/03/1929, à página 2, ironiza a suposta comemoração feita pelo Partido Democrático após um cidadão votar “a descoberto”, considerando-o um “herói” por seu “ato de coragem”. A nota chama a atenção para o fato do voto secreto, pela mesma lógica, ser um “ato de covardia”: “é para estranhar que os mais ferozes paladinos do voto secreto soltem foguetes simplesmente por haver um cidadão votado... a descoberto.” Em 1o de maio daquele mesmo ano, na Edição n. 23541, o Correio publica na primeira página, sob o título “Ainda parallelos”, uma crítica a Pinto Serva e ao voto secreto. Na sua coluna fixa no Correio Paulistano, Otto Prazeres argumenta pela existência de voto secreto na Edição de n. 23559, de 22/05/1929, sob o título “O voto secreto na Constituinte Republicana”, à página 3. Na Edição n. 23607, de 17/07/1929, o Correio publica à página 4 uma nota intitulada “Pleonasmos da Democracia”, em que argumenta a incapacidade intelectual e moral dos eleitores e critica a solução pelo voto secreto; a solução seria educacional. 246  LOBATO, Monteiro apud PARTIDO DEMOCRATICO, 1927, p. 107- 108. 245 

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trabalhando na Comissão Revisora do Anteprojeto seria decisivo para a redação final que recebeu o Código Eleitoral de 1932. A relevância da carta de Monteiro Lobato e seu endosso pelos intelectuais paulistas também é evidenciada por ter sido discutida no plenário do Congresso.247 Mesmo defensores do voto secreto que mais diretamente aplaudiam princípios democráticos inclusivos ressaltavam que a ideia era atrair para as urnas o eleitorado considerado mais qualificado e dar o controle do processo eleitoral às “minorias dirigentes”. Mário Pinto Serva é dos intelectuais que mais claramente definiu esse programa para os setores intelectualizados: Mas se a iniciativa de uma modificação no atual estado de coisas deve competir às minorias intelectuais e dirigentes, os fatos estão demonstrando a sua fraqueza de ação nesse sentido, de realizar entre nós o regime representativo, que tem por função levar a efeito a vontade do povo, constatando-se em todos os países modernos que os governos são cada vez mais o órgão da consciência social, o instrumento da vontade nacional [...]. Entretanto, só a elas, as “elites” intelectuais, às classes que compõem a sua minoria dirigente, deve competir a tarefa de auxiliar o povo à compreensão de seus deveres, fazendo-o encaminhar-se a uma evolução democrática, educando-o na prática do regime, provocando-lhe a manifestação das ideias, estimulando-o ao cumprimento do dever cívico. Se o não souberem fazer, é que não tem a consciência do papel que cabe na organização da democracia brasileira, a qual tem que ser modelada e aparelhada por poucos cérebros de elite.248

Em defesa de suas posições, é preciso registrar que Pinto Serva também advogava a adoção do voto obrigatório, visto como forma de manter os setores menos escolarizados participando do processo eleitoral e “aprendendo” lições cívicas que aprimorariam seu entendimento da política e dos governos. Mas ele também sustentou que nem todas as inovações internacionais em direção à autonomia do voto seriam desejáveis e convenientes, visto que se reconhecia a incapacidade da massa eleitoral para mecanismos complexos de votação, adjetivandoo eleitorado brasileiro como de pessoas “atrasadas” e com “capacidade limitada”. A AMBIGUIDADE DA ALIANÇA LIBERAL DIANTE DO VOTO SECRETO Outro ponto em que nossa análise diverge decisivamente das interpretações convencionais se refere ao grau em que o suposto compromisso da Aliança Liberal com o segredo do voto foi decisivo para os esforços de sua adoção no projeto do Código Eleitoral. Para a historiografia estabelecida sobre o período, o voto secreto é item central na plataforma da Aliança Liberal. “O candidato da oposição, Getúlio Vargas, à frente da Aliança Liberal, introduziu temas novos em sua plataforma política. Falava em mudanças no sistema eleitoral, em voto secreto, em representação proporcional, em combate às fraudes eleitorais; falava em reformas sociais, como a jornada de trabalho de oito horas, férias, salário mínimo, proteção ao trabalho das mulheres e menores de idade”, sintetizou, por exemplo, Carvalho.249 Em obra consagrada sobre o período, Gomes apresenta a demanda por voto secreto como um dos grandes marcadores da crise política da Primeira República antes da Revolução de 1930, ao lado das greves operárias no final dos anos 1910, das revoltas tenentistas dos anos 1920, das numerosas cisões inter-oligárquicas e das crescentes demandas por um regime eleitoral

247  248  249 

Correio da Manhã, Edição n. 9315, Título: “O illustre desconhecido”, 11/06/1925, p. 4. SERVA, [1919?], p. 237-238. CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007, p. 94.

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que também consagrasse a moralização do processo de reconhecimento dos candidatos eleitos.250 Mas o que transparece da revisita ao período é que, ao menos para atores centrais no interior da Aliança Liberal, garantir o segredo do voto estava longe de ser uma meta indiscutível. Na verdade, o compromisso da Aliança Liberal e o de seu candidato nunca foram inequívocos, seja no sempre citado manifesto de 20 de setembro de 1929, seja nos planos do próprio Getúlio Vargas. A historiografia em grande medida terraplenou as ambiguidades existentes no interior da Aliança Liberal em relação ao compromisso com reformas eleitorais e ainda mais marcadamente em relação ao voto secreto. Deram contribuição nessa direção relatos tanto dos envolvidos na campanha liberal quanto de envolvidos na reforma eleitoral. Globalmente, tratou-se de identificar pedidos e compromissos genéricos com alguma reforma eleitoral, de um lado, e com o estabelecimento de eleições limpas e com sigilo efetivo para o voto, de outro. Mas essa é uma interpretação construída a posteriori, criando uma identidade entre as duas intenções que não aparece em documentos e jornais da época. A historiografia também fez sua parte em matéria de aplainar as posições e ações divergentes dentro da Aliança Liberal em relação ao voto secreto. Em que pese o rigor e a amplitude das contribuições feitas pela equipe do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas para o conhecimento historiográfico da primeira metade do século XX, é possível encontrar descrições sobre os compromissos da Aliança Liberal que explicitamente incluem a defesa do voto secreto. Um exemplo aparece no relato sobre a convenção realizada pela frente na capital federal em 1929: Em 20 de setembro, em convenção realizada no Rio de Janeiro, a Aliança Liberal homologou a chapa Vargas-Pessoa e sua plataforma eleitoral, redigida pelo republicano gaúcho Lindolfo Collor. Estabelecendo como essencial a reforma política do país, o programa aliancista defendia a representação popular através do voto secreto, a Justiça Eleitoral, a independência do Judiciário, a anistia para os revolucionários de 1922, 1924 e 1925-27, e a adoção de medidas econômicas protecionistas para produtos de exportação além do café. Preconizava, ainda, medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria, a aplicação da lei de férias e a regulamentação do trabalho do menor e da mulher.251

O manifesto da Aliança Liberal escrito por Lindolfo Collor e tornado público em setembro de 1929 é sempre lembrado por aqueles que apontam o compromisso do bloco com o voto secreto. No entanto, ele é bem menos explícito sobre a adoção de fato do sigilo no voto do que sugerem as interpretações convencionais. Depois de tecer críticas à influência do presidente Washington Luiz na escolha de seu sucessor, o manifesto passa a enumerar os objetivos da frente, destacando que um caminho salutar para o país é o da “perfeita, da rigorosa representação da vontade popular”.252 E acrescenta: “Sem eleições honestas não há vida pública digna deste nome”. Nada impede que, até essa passagem, o texto seja interpretado como um pedido de equidistância ao presidente da República. No bloco intitulado “Uma aliança política”, o manifesto admite que dentro da Aliança Liberal não há acordo sobre o voto secreto. No entanto, coloca essa divergência entre as “simples questões adjetivas” que dividem os partidos coligados. No trecho em que se refere diretamente ao voto secreto, GOMES, A. C. Introdução. In: ______ (Coord.), Regionalismo e centralização política: partidos e Constituinte nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980a, p. 26. 251  CPDOC, Verbete Aliança Liberal, Dossiê Era Vargas, grifo nosso. 252  BONAVIDES, P. AMARAL, R. Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2002, v. IV, p. 150. 250 

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tema que merece um subtítulo e 27 linhas em um manifesto de 32 páginas253, Collor está longe de fazer defesa inequívoca do segredo do voto ou de assumir compromisso de persegui-lo. Depois de anotar que formalmente a previsão legal já era de que o voto fosse secreto, Collor ataca mais a incoerência dos que estão no poder do que o desrespeito à escolha livre do eleitor. E observa que os republicanos do Rio Grande do Sul não estão entre os que defendem o sigilo do voto: Se a lei instituiu o voto secreto e não o público, de preliminar honestidade é que o voto seja realmente sigiloso. Mas, se por essa ou aquela razão, o voto fechado não convém às situações políticas dominantes no país, por que já não reformam a lei eleitoral, tornando-o honestamente aberto à prévia e posterior fiscalização de toda gente? O que não pode continuar é a situação atual. Ela representa uma mistificação, que nos envergonha, e vale por uma hipocrisia, que nos deprime. Os republicanos rio-grandenses na verdade não são chamados a esse debate, que se circunscreve praticamente aos partidários do voto secreto. Mas, por uma simples questão de lógica, de bom senso e ainda de defesa doutrinária do voto público, eles não poderiam, a plena evidência, acumpliciar-se com os que nada mais têm feito e querem continuar fazendo do que desmoralizar, na mais indefensável das acomodações, tanto o voto público quanto o secreto”.254

Outros sinais da falta de compromisso com que próceres da Aliança Liberal enxergavam o reforço ao segredo do voto foram dados pelo próprio Getúlio Vargas. Em diferentes ocasiões. Antes e durante a campanha aliancista. Em 1923, Vargas compactuou com a fraude eleitoral cuja magnitude foi capaz de levar o Rio Grande do Sul à guerra civil. Como presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia dos Representantes, declarou Borges de Medeiros reeleito para mais um mandato de presidente do Estado, apesar da comentada vitória do candidato de oposição – ninguém menos do que João Francisco de Assis Brasil.255 No final de 1927, quando Vargas acabara de deixar o Ministério da Fazenda de Washington Luiz e se preparava para assumir como presidente do Rio Grande do Sul, fez visita a São Paulo e Belo Horizonte – cidades que àquela altura abrigavam os prováveis pretendentes à sucessão de Washington Luiz, Júlio Prestes e Antônio Carlos Andrada. Ao visitar São Paulo, Vargas respondeu com ambiguidade sobre o voto secreto. “Sobre o voto secreto, qual a opinião de Vossa Excelência?”, questionou um jornalista d’O Estado de S. Paulo. “Só lhe posso dizer que não o considero uma panaceia para todos os males e costumes”, afirmou Vargas.256 O candidato era bem mais assertivo quando mencionava o plano de permitir a fiscalização da Justiça sobre as eleições. “É preciso que a presidência das mesas eleitorais seja entregue a magistrados, cujas funções se exerçam cercadas de completas garantias de ordem moral e material, inacessíveis, assim ao arbítrio dos mandões do momento”, disse Vagas em outra ocasião da campanha.257 Em documento confidencial escrito após a divulgação do Manifesto da Aliança Liberal, ainda em 1929, o candidato aliancista sugere que os pontos que constam daquele programa são reivindicações “de aparência”. Nas seis páginas de suas “Notas Informativas para Uso Particular”, que aparecem no arquivo do CPDOC, Vargas lamenta a ocorrência de fraudes na eleição que disputava:

Contagem referente à edição publicada em BONAVIDES; AMARAL, 2002, p. 133-164. Extraído do Arquivo Lindolfo Collor, Cód. LC 29.09.20 pi, reproduzido por BONAVIDES; AMARAL, 2002, p. 20. 255  NETO, L. Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 175. 256  O Estado de S. Paulo, 19/11/2017 apud NETO, 2012, p. 269. 257  O Jornal, Edição n. 3414, Notícia: “O candidato da Alliança Liberal á presidencia da Republica leu hontem, perante o povo, a sua plataforma”, 03/01/1930, p. 3. 253  254 

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Se houvesse liberdade de voto, segura garantia ao eleitorado e isenção de ânimo de parte do Presidente da República, não há dúvida que os candidatos da Aliança Liberal poderiam triunfar. Nas circunstâncias atuais, com o que se tem visto e praticado, com o que se prepara e se apregoa, tudo leva a crer que esta será vencida pela compressão e pela fraude.258

Vargas acredita não haver obstáculo em aceitar Júlio Prestes como presidente desde que este adote na sua plataforma as principais ideias do programa de oposição. Passa então a elencar quais os pontos fundamentais, entre eles a reforma eleitoral. Detalhe de interesse é que a reforma que Vargas tem em mente seria palatável até para Prestes e não envolve defender o sigilo do voto, mas uma posição de neutralidade diante do debate parlamentar: Reforma Eleitoral. – Nenhuma objeção parece-nos que poderá ser levantada contra essa medida de geral utilidade. Acreditamos que o candidato oficial seja favorável a ela, pois ninguém pode negar a imprestabilidade da lei eleitoral vigente como medida asseguratória do exercício dos direitos políticos. Não se pede o compromisso de adotar o voto secreto, mas apenas a promessa de não se opor a ele se a maioria da opinião política, através de seus representantes no Congresso, se manifestar favorável.259

Como se vê, em documento que, a julgar pelo título, é destinado a uso exclusivamente pessoal, o governante gaúcho afirma com todas as letras que a adoção efetiva do segredo no voto não é ponto central nos planos aliancistas – ou, pelo menos, de seu candidato. Na parte final do documento, Vargas vai além: admite que a defesa envergonhada do voto secreto feita pela Aliança Liberal visa trabalhar no campo exclusivo da propaganda, das aparências: Procuramos uma solução que prestigie a autoridade do Presidente da República e que, ao mesmo tempo, nos abra uma porta para sairmos sem humilhação salvando pelo menos as aparências, pois, realmente não deixam de ser apenas aparências as solicitações que fazemos.260

Atores centrais nos estágios adiantados da reforma eleitoral de 1932 também contribuíram para a interpretação de que tudo foi resultado dos compromissos da Aliança Liberal. A posição de um dos autores do Anteprojeto do Código Eleitoral é exemplo dessa ressignificação do compromisso aliancista. No livro Systemas Eleitoraes, ainda anterior à campanha da Aliança Liberal à presidência, João Cabral menciona uma reforma eleitoral de caráter genérico. “A reforma de que mais carecemos nesta hora, mesmo como condição para a menor mudança, ou alteração nos artigos do formoso pacto de 24 de Fevereiro de 1891, é a reforma do voto”, defendia Cabral.261 Na dedicatória à 1ª edição do Código Eleitoral, Cabral homenageia Vargas e acrescenta que com o texto legal cumpria a promessa de “assistir com todas as forças” ao presidente que se dispusesse a livrar o país da asfixia pela “cédula eleitoral desvalorizada, ou falsificada”. O subtexto é que o Código estabelecia o voto “livre”, capaz de levar à “segura representação das vontades políticas”.262 No texto, o jurista faz menção ao fato de Vargas ter lançado já na sua plataforma de candidato à Presidência a promessa de uma reforma política. Assis Brasil é outro autor central do Anteprojeto de Código Eleitoral que contribuiu para identificar a reforma eleitoral genérica proposta anteriormente com a feição concreta que recebeu 258  259  260  261  262 

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CPDOC, Arquivo Getúlio Vargas, GV c 1929.00.00/9, p. 1/6. Ibidem, p. 5/6. Ibidem, p. 6/6. Cabral cita essa reflexão originalmente publicada em Systemas Eleitorais, de 1929, no seu livro de 1934, Código Eleitoral, à página 12. CABRAL, J. C. R. Código Eleitoral, 1934, p. 3.

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em 1932. Como constituinte de 1891, Assis Brasil já defendia o sistema proporcional, mas não o voto secreto. Em 1932, estava favorável a ampliar a autonomia do eleitor e usou a própria variação no conceito de voto secreto como argumento para justificar sua mudança de posição. Na primeira edição do livro Democracia Representativa, de 1893, Assis Brasil defende que o eleitor deveria decidir se anuncia publicamente seu voto ou não. No corpo da obra, o político gaúcho parece ser indiferente ao voto ser aberto ou fechado. Eu sou amigo da liberdade em tudo aquilo em que ela não ofenda outra liberdade. A questão material de dar o voto, eu a deixo inteiramente ao arbítrio de cada votante, apenas com as cautelas que a lei deve estabelecer para regular a apuração e reconhecer a identidade do sufragante e do sufrágio. Penso que se pode exigir que o voto seja escrito, mas que deve deixar-se à inteira vontade do eleitor fazê-lo em casa ou no local da eleição, escrevê-lo por seu punho, ou mandá-lo escrever, fazer a leitura dele em voz alta, ou não, deitá-lo na urna aberto, ou cerrado, e no papel da cor e forma que mais lhe agradar. Esse parece-me o preceito mais liberal, sem nenhum perigo para a regularidade do processo eleitoral e com a rara virtude de não ofender a idiossincrasia de ninguém.263

Porém na “Nota” que fecha a primeira edição, ele esclarece ser contra a obrigação de o eleitor abrir seu voto. “Jornal houve que chamou-me positivista, quando eu sou democrata, e malsinou o meu trabalho, porque eu queria o voto a descoberto, o mesmo voto a descoberto cuja exigência eu profligo nas páginas da minha obra, em um dos artigos da lei que propus, e ainda no próprio discurso perante a Câmara, que valeu-me a crítica em questão.”264 Sua postura é totalmente diversa na quarta edição da obra, com prefácio de 19 de agosto de 1931265, uma semana após a entrega ao Governo Provisório do Anteprojeto do Código Eleitoral. Ali aparece defesa veemente do segredo do voto. Diferentemente do tratamento geral da quarta edição, que reproduz o texto da primeira edição e acrescenta comentários ao seu final, o capítulo sobre o voto secreto foi inteiramente revisto. “O que então apareceu teria de ser por tal modo retificado hoje, para corresponder às circunstâncias atuais e ao próprio aperfeiçoamento das minhas ideias sobre a matéria – que mais indicado se torna fazer agora obra inteiramente nova, ou quase tal”, informa Assis Brasil.266 O jurista chama atenção para o que considera ser confusão semântica sobre o que seria voto secreto no tempo da Proclamação da República. Era entendido como colocar a cédula dentro de uma sobrecarta antes de depositá-la na urna – o que, em 1931, Assis Brasil define como “voto fechado”. Nesse sistema, a cédula poderia ter sido entregue na boca da urna e o eleitor estaria sujeito a suborno, intimidação e ameaça, sem que isso fosse considerado violação do sigilo do voto. “O voto público e o voto secreto expostos e sumariamente discutidos por mim há 38 anos não são o voto público e o voto secreto que se discutem hoje e que interessam à remodelação da República”, afirma.267 Assis Brasil esclarece que não entende o voto secreto como aquele que simplesmente é envolto em sobrecarta opaca. “Essa ingênua (ou velhaca?) secrecidade equivale ao gato escondido com a cauda de fora.268 Em suas palavras: 263  264  265  266  267  268 

ASSIS BRASIL, J.F. Democracia Representativa: Do voto e do modo de votar. 1. ed. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger, 1893, p. 71-72. Ibidem, p. 174. A segunda edição é de 1894 e a terceira, de 1895. ASSIS BRASIL, 1931, p. 75. Ibidem, p. 79. Ibidem, p. 81.

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O de que se trata, a cousa essencial que interessa no caso da deposição do voto – é garantir o votante contra toda e qualquer influência que lhe suprima ou diminua a integridade de opção, e precaver a sociedade contra todo gênero de alienação, por parte do eleitor, do seu direito de escolha ou eleição, seja por compra e venda, seja por usurpação causada por intimidação, ameaça, perseguição, ou qualquer gênero de solidariedade forçada que importe eliminação virtual da liberdade do eleitor269

Voto secreto não é dado em segredo, mas em recato, sem que haja possibilidade de o leitor exibir o sufrágio durante a operação de votar. O mecanismo está muito simplificado: o eleitor (que de ter sido feito tal por modo indiscutível e trazer consigo documento fidedigno de identificação) recebe do juiz, que preside ao ato eleitoral, cercado de outros funcionários e dos fiscais dos partidos – uma das sobrecartas opacas, em tudo iguais umas às outras, que estarão disponíveis sobre a mesa; entra com ela no compartimento reservado existente ao lado; ali introduzi na sobrecarta o seu voto, que pode ter levado consigo ou escrever na ocasião ou terá achado feito impresso ou manuscrito, no compartimento; regressa com a sobrecarta fechada e a entrega ao juiz, que, reconhecida a autenticidade, deita a cédula na urna [...] Nem há mais discussão: o recato do voto tornou-se axioma da civilização moderna270

Culpando a “mentalidade um tanto informe” e a “terminologia indecisa” do final do século XIX, Assis Brasil relembra que na primeira edição havia registrado que o voto fechado não garantia a autonomia do eleitor. É no epílogo da quarta edição de Democracia Representativa que Assis Brasil dá sua contribuição mais explícita para a atribuição do formato da reforma eleitoral à Aliança Liberal. “Onde estão as garantias de que se cumpram honestamente os preceitos da lei honesta?”, questiona Assis Brasil à página 313. Ele então se remete ao suposto “compromisso público” assumido pela Aliança Liberal – “a entidade mais imediatamente responsável pela Revolução Brasileira” – em seu manifesto. Outro exemplo: editorial do principal veículo de imprensa do jornalista Assis Chateaubriand na época atribui à Aliança Liberal e à Revolução o crédito por “conquistas democráticas” consolidadas no Código Eleitoral, ainda antes de sua sanção por Vargas. Em todas as campanhas políticas anteriores o tema fora sempre vivamente debatido, mas coube indiscutivelmente à Aliança Liberal dar à reforma eleitoral posição precípua, como ponto fundamental do programa de combate à reação oligárquica. Em relação ao assunto, a política do Rio Grande do Sul assumiu compromissos formais, abrangendo o voto secreto e outras inovações tendentes a assegurar tanto a representação mais ampla do povo como métodos mais eficazes para a apuração dos resultados dos pleitos. Foram essas promessas traduzidas agora em realizações efetivas pelo Código Eleitoral. Neste figuram, como conquistas democráticas a serem lançadas a crédito da revolução, um alistamento automático, o voto feminino, o voto secreto e a representação proporcional”.271

A essa altura, o grupo de Chateaubriand apoiava o Governo Provisório. Em meados de 1932, os dois se afastariam de maneira decisiva, tendo o levante de São Paulo e a constitucionalização do regime como pivô da discórdia. Em alguma medida, o serviço estava feito: O Jornal dera sua contribuição no registro da autoria pela reforma eleitoral.

269  270  271 

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Ibidem. Ibidem, p. 83-85. O Jornal, Edição n. 4059, Título: “A missão prejudicada”, 27/01/1932, p. 4.

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Tudo considerado, documentos confidenciais, textos publicados e declarações colhidas em jornais não deixam dúvida: garantir o segredo do voto estava longe de ser um ponto central da ação efetiva que o núcleo da Aliança Liberal pretendia tomar uma vez no poder. Naturalmente, o entendimento sobre os compromissos que Vargas teria assumido durante a campanha fez parte da disputa política travada nos anos seguintes – e, em alguma medida, até pela historiografia atual. APÓS A REVOLUÇÃO, NOVO CENÁRIO Em seu discurso de posse como chefe do Governo Provisório, pronunciado em 3 de novembro, Getúlio Vargas mantém a imprecisão acerca do que conteria a reforma eleitoral que mais uma vez se comprometia a fazer. Depois de criticar o “caciquismo eleitoral” como um dos principais males do país, o novo chefe do governo mencionou as ideias centrais de seu “programa de salvação nacional”. Entre os 17 pontos constavam: 1. reforma do sistema eleitoral, tendo em vista, precipuamente, a garantia do voto; 2. reorganização do aparelho judiciário, no sentido de tornar uma realidade a independência moral e material da magistratura, que terá competência para conhecer do processo eleitoral em todas as suas fases; 3. feita a reforma eleitoral, consultar a nação sobre a escolha de seus representantes, com poderes amplos de constituintes, afim de procederem à revisão do Estatuto Federal, melhor amparando as liberdades, públicas e individuais, e garantindo a autonomia dos Estados contra as violações do governo central.272

A expressão escolhida para descrever o objetivo da reforma eleitoral – “a garantia do voto” – é, no mínimo, ambígua. Permite entender tanto a garantia de que haverá eleições, quanto de que todos os brasileiros irão votar e, esgarçando ainda mais a conotação, permite pensar que se pretenda garantir a honestidade do voto. Mais firme parece o compromisso com a fiscalização da Justiça sobre o processo eleitoral, ainda que o item 8 mencione o poder do Judiciário para “conhecer” do processo eleitoral – verbo que pode ser entendido como ter poder de decidir sobre, mais do que controlar ou organizar as eleições. No item 9, chama a atenção a maneira como o chefe do Governo Provisório evita a palavra eleições e prefere descrever a escolha de constituintes como compromisso de “consultar a nação sobre a escolha de seus representantes”. Juntos, os três pontos do programa revelam o cuidado de Vargas com essa repactuação de compromissos, aparente sobretudo na escolha de construções vagas e passíveis de entendimentos divergentes. A interpretação convencional para o Governo Provisório dá centralidade à disputa envolvendo a constitucionalização do país no período.273 Setores oligárquicos pretendiam desalojar tenentes das posições conquistadas, por meio da rearticulação das máquinas político-partidárias. “Permaneciam existindo os currais eleitorais da Primeira República, já que a revolução não conseguiu atingir o poder político dos chefes locais, fundado na grande propriedade de terra e nas condições semi-servis de trabalho no campo que garantiam a submissão política desse vasto eleitorado”, sintetizou Gomes.274 A análise de jornais da época sugere que, se a constitucionalização era fundamental para parte releBRASIL, Discurso pronunciado pelo dr. Getúlio Vargas por ocasião de sua posse como chefe do Governo Provisório da República, 1930. Disponível em: http: //www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/getulio-vargas/discursos/1930/03.pdf/view. Acesso em: 17 jan. 2019. 273  GOMES, A. C. Regionalismo e centralização política: partidos e Constituinte nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 274  Ibidem, p. 28. 272 

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vante das forças políticas, as regras eleitorais que organizariam o processo eram estratégicas para a longevidade dos ocupantes do poder. Alguns editoriais sustentam que a reforma eleitoral seria até mais relevante que a própria Constituição. Em posição publicada originalmente pel’O Estado de S. Paulo e republicado n’O Jornal, afirmava-se que: A opinião nacional vem manifestando, de Norte a Sul, de forma clara em favor da reforma eleitoral, em virtude da qual se reúna a Constituinte, para que se possa restaurar no país a ordem jurídica, normalizando-se a vida brasileira em todos os seus aspectos”. 275

O jurista Pinto Serva chega a afirmar que seria até possível manter a Constituição de 1891, desde que fossem alteradas as regras eleitorais, como se verá a seguir. O questionamento da forma como a representação política se dava na Primeira República permanece na ordem do dia durante os três primeiros anos de Governo Provisório e mesmo durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, em 1933 e 1934. Mas os dois principais grupos vitoriosos em 1930 defendiam soluções diametralmente opostas para as mazelas eleitorais do regime anterior. Para os oligarcas dissidentes, tratava-se de colocar as instituições liberais nos seus devidos lugares, ou seja, passar às mãos da Justiça o rito eleitoral e criar um novo Código Eleitoral capazes de eliminar a fraude e trazer à tona a chamada verdade eleitoral. Para os elementos ligados ao tenentismo, o problema era mais grave: o questionamento da representação política estava associado ao questionamento do próprio Estado liberal, que por seus procedimentos viciados não garantia o funcionamento da democracia.276 Esse diagnóstico não significava a negação do regime democrático. Segundo o grupo tenentista, a democracia era uma meta a ser atingida, mas para tal fim fazia-se necessário percorrer um longo caminho. Essas formulações desaguaram num pensamento que colocava o Estado como central para a formação da cidadania e que mesmo em suas versões mais progressistas não entendia a democracia em termos liberais.277 Como resultado da divergência doutrinária, o significado que as duas correntes proeminentes no cenário político do pós-1930 atribuem ao voto secreto e a outras instituições liberais tem chave oposta: para os liberais, tratava-se de sanear as práticas eleitorais; para os tenentistas, a solução não estava nessas práticas, pois o grupo questionava a representação política num sentido mais amplo. Uma síntese possível para a atuação desse segmento é a que flertava com soluções corporativas, seja a partir de um Estado autocrático que representasse os interesses da sociedade de forma orgânica, seja por meio da representação ligada ao mundo do trabalho. Estava em disputa o próprio conceito de democracia, que para os tenentistas e o pensamento autoritário que amadureceu nos anos 1930 poderia descrever um Estado capaz de interpretar e sintetizar os interesses da sociedade, que não precisaria ser expresso por meio de eleições. A proposta de renovação do modelo político defendida pelo Clube 3 de Outubro, que congrega os tenentistas, nega a possibilidade de resolução das questões políticas do país por meio de fórmulas de inspiração liberal. Para setores relevantes do grupo, são absolutamente insuficientes os procedimentos de sufrágio universal, direto ou indireto, com voto secreto e entrada da Justiça

O Estado de S. Paulo, Título: “A Reforma Eleitoral” apud O Jornal, Edição n. 3858, 06/06/1931, p. 6. SANTA ROSA, V. O sentido do tenentismo. 3a edição. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1976 [1933], p. 69-80; GOMES, A. C. Regionalismo e centralização política…, 1980, p. 429; PANDOLFI, D. C. A trajetória do Norte: uma tentativa de ascenso político. In: PANDOLFI, D. C. (Coord.). Regionalismo e centralização política: partidos e Constituinte nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 403. 277  SCHLEGEL, Rogerio. Raízes do Brasil, 1936: o estatismo orgânico como contribuição original. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 93, p. 1-36, 2017. Acesso em: 25/06/2017. 275  276 

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nas questões eleitorais, uma vez que não atingem o âmago da questão: o domínio do chefe político. Este sobrevive, sem se enfraquecer, com e apesar dessas práticas eleitorais.278 O contexto mais amplo é indispensável para entender o papel da comissão de três juristas encarregada de propor o arcabouço eleitoral para convocação da Constituinte, cujos trabalhos começam em 1931. Nos balanços escritos a posteriori sobre os trabalhos da comissão, seus integrantes sustentam que o reforço ao segredo do voto era ponto fundamental desde o início. Como já observamos, Assis Brasil e João Cabral não são defensores de primeira hora dessa medida. Ainda assim, no relato sobre os trabalhos da comissão, Cabral lista o voto “absolutamente secreto” como um dos oito princípios fundamentais “universalmente aceitos”, a partir dos quais foi elaborado o Anteprojeto do Código Eleitoral – ao lado, por exemplo, de “o poder político emana do povo” e “deve ser conferido por meio de eleição”.279 Curiosamente, ao tempo da finalização do Anteprojeto nenhum dos dois redatores principais sentia necessidade de justificar as medidas propostas para ampliar o sigilo do voto. Assis Brasil sustenta que se dedicou aos dispositivos que tratam da representação proporcional, deixando ao seu eminente colega todos os demais temas do Código. Cabral não se detém na discussão sobre o voto secreto. Chega a justificar a necessidade de sufrágio amplo – definido como “o mais ‘universal’ possível”280, apesar das exclusões promovidas —, mas dispensa a defesa do sigilo do sufrágio. Apenas menciona que é uma das três molas reais usadas como garantia contra a “deturpação e extravasamento desordenado” do sufrágio universal.281 O principal defensor do voto secreto junto à opinião pública afastou-se logo dos trabalhos da comissão, com a justificativa de que estava com problemas de saúde. “Premido por grande necessidade de repouso, imposto pela minha saúde, solicitei exoneração”, contou, após a finalização dessa etapa dos trabalhos.282 No entanto, na mesma entrevista em que apresentou essa justificativa, Pinto Serva sinaliza com motivação mais substantiva para o que parece um desacordo fundamental com a comissão: Entendi que na reforma eleitoral adotando o lema “conservar melhorando” devia fazer exclusivamente obra de emergência, sem grandes inovações por isso que quem vai legislar é a Constituinte e a legislatura ordinária porvindoura, só cabendo à Comissão atual apenas aprontar um trabalho de emergência que, o mais rapidamente possível, permita a reunião da Constituinte. Também opinei contrariamente a um Código Eleitoral, pela mesma razão de que a Comissão não está legislando, nem lhe compete legislar, mas apenas fazer obra provisória, de emergência, aproveitando a legislação existente, para rapidamente se reunir a Constituinte.283

A Comissão Revisora, instalada em dezembro de 1931 para rever o trabalho dos juristas inicialmente encarregados do Anteprojeto, não se limitou a condensar os mais de 200 artigos resultantes da fase anterior de discussão, ainda que fosse esse seu objetivo declarado inicialmente.284 Assis Brasil e João Cabral foram convidados a participar dessa rodada, mas apenas o segundo de fato se

278  279  280  281  282  283  284 

GOMES, 1980, p. 441. CABRAL, J. C. R. Código Eleitoral, 1934, p. 15. Ibidem, p. 18. Ibidem, p. 20. O Estado de S. Paulo, Edição ilegível, Notícia: “A reforma eleitoral”, 26/08/1931, p. 3. Ibidem. O Jornal, Edição n. 4031, Notícia: “A revisão do projecto de alistamento eleitoral”, 25/12/1931, p. 16.

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engajou.285 Foi Antonio Sampaio Doria, professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que assumiu as funções de relator informal nos menos de dois meses de trabalho intenso, em plena virada de ano. O protagonismo de Sampaio Doria aparece desde a primeira reunião, no dia 28 de dezembro de 1931, quando leva um parecer sobre o Anteprojeto que é distribuído a todos por ordem do ministro da Justiça, Maurício Cardoso, e serve de base para o início da revisão.286 Em pouco tempo, o parecer passa a ser tratado pelo ministro como “substitutivo” da parte do Anteprojeto relativa ao alistamento287 e, já em 7 de janeiro, Sampaio Doria fica encarregado de produzir um substitutivo para a segunda parte, a respeito de eleição e representação. Para a imprensa, passou a tratar-se do “projeto Sampaio Doria”.288 Sampaio Doria era integrante do Partido Democrático paulista, que há pelo menos uma década defendia o aumento do sigilo do voto. Sua participação foi decisiva na revisão do Anteprojeto, sobretudo no que diz respeito à implementação de mecanismos de ampliação do segredo do voto, a exemplo das questões abarcando a sobrecarta que envolveria a cédula, a distância de 100 metros para a distribuição de cédulas, o visto do mesário sobre o envelope e a numeração dos envelopes. O ministro Cardoso pertencia à força política que primeiro abraçou a ideia do sigilo do voto no Rio Grande do Sul. Era o homem de confiança de Vargas na Comissão Revisora, mas isso não significava que não possuísse ideias próprias sobre qual deveria ser a resultante da reforma eleitoral.289 No que toca à ampliação do sigilo do voto, a Comissão Revisora fez alterações relevantes. A principal delas foi retirar a possibilidade de que a cédula fosse escrita à mão pelo eleitor, aceitando apenas cédulas datilografadas ou impressas. A alegação dos patrocinadores da mudança foi de que cédulas manuscritas poderiam permitir a identificação do votante a partir do reconhecimento de sua letra.290 De toda forma, o sistema adotado tornava mais iguais os eleitores com e sem habilidades de leitura e escrita – e aqui é relevante lembrar que a participação dos analfabetos de fato e semianalfabetos era central quando se discutiam os efeitos do aumento do sigilo do voto. Comentando a alteração em obra sobre o Código Eleitoral, João Cabral considerou que, como havia previsão de que a apuração ocorresse apenas nas capitais, seria “impossível” que o autor de um voto fosse identificado, sugerindo assim que a medida era dispensável.291 A substituição do artigo 53 do Anteprojeto pelo artigo 77 do Código Eleitoral trouxe outras mudanças. A distância vedada para a “boca de urna” foi aumentada, de 50 metros para 100 metros a partir da mesa de votação. Foram suprimidos dois parágrafos: o primeiro vedava ao eleitor ostentar cédula no local de votação; o segundo previa prisão em flagrante para quem o fizesse. O quadro a seguir sistematiza essas e outras alterações. A comparação revela que, no básico, os mecanismos para ampliar o sigilo do voto foram mantidos entre um texto e outro: sobrecarta opaca, cabine indevassável, isolamento do local de votação e urna ampla. Vale observar que em nenhuma das versões da futura lei eleitoral havia previsão do voto australiano, com cédula padronizada em que constassem todos os candidatos, produzida pelo órgão encarregado da organização das eleições. Cabral amargou derrotas durante toda a revisão do Anteprojeto e virou motivo de piada na imprensa por conta disso. Um de seus procedimentos ridicularizados dizia respeito a seu apego ao texto do Anteprojeto. Quando havia divergências, Cabral empunhava a versão original e dizia: “Vejamos agora o Alcorão” – numa referência ao texto fundamental do islamismo (O Jornal, Edição n. 4034, Notícia: “O novo alistamento eleitoral”, 29/12/1931, p. 4). 286  O Jornal, Edição n. 4034, Notícia: “O novo alistamento eleitoral”, 29/12/1931, p. 4. 287  O Jornal, Edição n. 4.040, Notícia: “A situação política”, 05/01/1932, p. 4. 288  O Jornal, Edição n. 4043, Notícia: “A nova legislação eleitoral”, 08/01/1932, p. 2. 289  NETO, L. 2012. 290  O Jornal, Edição n. 4048, Notícia: “A reforma eleitoral”, 14/01/1932, p. 2. 291  CABRAL, J. C. R. Código Eleitoral, 1934, p. 115. 285 

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Envelope de papel opaco, com escudo nacional e espaço para assinaturas de mesários, numeradas de 1 a 9 à medida que são entregues aos eleitores [para evitar “corrente”*] (art. 57)

Envelope de papel não transparente, com escudo nacional e espaço para assinaturas de mesários e localização da seção (art. 39)

Cédula já encerrada na sobrecarta será colocada na urna pelo Eleitor depositará na urna a sobrecarta fechada, mas antes prepróprio eleitor (art. 65) sidente, fiscais e delegados verificarão, sem tocá-la, se é a mesma entregue anteriormente (art. 81) Local de votação terá gabinete fechado ou mesa perfeitaLocal de votação deve permitir isolamento do eleitor em gabinete mente isolada por meio de tabiques ou cortinas, onde possam indevassável, para que o eleitor escolha cédula e a feche na sobrecarta os eleitores, sem ser vistos, colocar as suas cédulas de votação ou use máquina de votar (art. 73) na sobrecarta (art.45) Deve ser quadrangular, branca, papel de 75 g/m2 e 15 a 20 Retangular, branca, de tamanho que caiba na sobrecarta quando cm aproximadamente. Impressa, datilografada ou manuscrita dobrada ao meio ou em 4, com os nomes dos candidatos impressos (art. 6) ou datilografados (arts. 58 e 71) Proibido oferecer chapas ou cédulas no local de votação e no Proibido oferecer cédulas no local de votação e no raio de 100 m (art. raio de 50 m (art. 53) 77) Não fixa teto, citando “tempo indispensável para o voto” (art. Prazo máximo de 1 minuto (art. 81) 49)

Sobrecarta

Colocação na urna

Gabinete indevassável

Cédula

“Boca de urna”

Tempo máximo na cabine

Violar ou tentar violar o sigilo do voto é crime e gera perda de cargo público (art. 77) 

Não prevista Previsão explícita de o eleitor mostrar cédula no local de votação, com prisão em flagrante por crime (art. 53)

Máquina de votar

Penas

*”Corrente” se refere à prática de um eleitor iniciar uma fraude que se completa com a ajuda dos eleitores seguintes. Por exemplo, subtraindo da seção uma sobrecarta que depois irá envolver o voto manipulado e conhecido de pessoa que vote depois dele.

Prevista junto à exigência de inscrição de candidatos até 5 dias antes da eleição

Descrição genérica

Urna

Deve ser suficientemente ampla para sobrecartas não se acumulem na ordem em que forem recebidas (art. 53) 

Código Eleitoral

Anteprojeto

Tema

Quadro 4.1 - Diferenças entre Anteprojeto e Código Eleitoral relativas ao sigilo do voto

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Encerrados os trabalhos da Comissão Revisora, o texto resultante foi inicialmente tratado pela imprensa como sendo o Código Eleitoral finalizado. Depois de algumas semanas de trabalho, a Comissão Especial “encarregada de simplificar o projeto organizado lenta e pacientemente sob a chefia do sr. Assis Brasil, entregou ao sr. Maurício Cardosos o texto definitivo do Código Eleitoral brasileiro”, afirmou editorial do Diário de Notícias.292 Mas a verdade é que na própria cerimônia que marcou o fim dos trabalhos de revisão, o ministro Maurício Cardoso já revelava que o texto seria submetido “ao exame e à apreciação do governo”.293 De 23 de janeiro a 24 de fevereiro de 1932 o texto esperou forma final e assinatura por parte do chefe do Governo Provisório. Ao final do período, Vargas repassou a Cardoso o texto da Comissão Revisora com mudanças, mas elas não diziam respeito aos mecanismos de ampliação do sigilo do voto. EFEITOS EM 1933 GERAM DISPUTA PELA PATERNIDADE Em 3 de maio de 1933, os novos mecanismos para tentar garantir o sigilo do voto foram colocados à prova na escolha dos constituintes. A versão que aparece no debate público da época, fundamentalmente consagrada pela historiografia, é de que na ocasião o Brasil adotou o voto secreto – assim, sem meios termos. Na verdade, o novo esquema ficou aquém das inovações já adotadas por outros países, em especial a cédula oficial padronizada, que só chegaria às eleições brasileiras em 1955. Além disso, não impediu que cabos e candidatos conhecessem o voto de parte dos eleitores e apresentou falhas com amplitude bastante para levar a eleição de dois estados inteiros a serem anuladas pela Justiça Eleitoral. Nada disso impediu que o chamado voto secreto tivesse sua paternidade disputada na retórica de vencedores e perdedores de 1930, além de as inovações eleitorais serem tomadas como um dos pontos de partida da reorganização institucional promovida pela Constituinte de 1933-34. Neste capítulo, nos ocupamos de mapear o impacto do aumento do sigilo do voto mobilizando evidências geradas a partir da ação da Justiça Eleitoral, dos debates parlamentares e do conteúdo de jornais próximos e de oposição ao Governo Provisório. Não foram poucas as fraudes diretamente relacionadas ao sigilo do voto denunciadas em 1933 e muitas delas foram constatadas pelo Superior Tribunal Eleitoral e geraram a anulação da votação em um número significativo de seções, como se verá nos Capítulos 7 e 9. Parte das fraudes atingiram o sigilo da escolha do eleitor. Mesmo nas áreas mais centrais do Rio de Janeiro, observadas mais de perto pela imprensa que cobria o governo federal, foram relatados casos flagrantes de burla ao voto secreto. Em jornais que não faziam oposição sistemática ao Governo Provisório, os relatos ganharam um tom benévolo: O pleito de ontem teve o seu traço mais original, indiscutivelmente, na imprevista utilização da máquina de escrever. As typewriters portáteis eram transportadas, velozmente, de um canto a outro da cidade, de seção em seção, em automóveis. Os próprios candidatos mais expeditos as conduziam nos seus carros fechados. E se paravam próximo de uma seção, era logo, dali há pouco, um ponto de convergência de eleitores, trazidos por vigilantes cabos, que prometiam àqueles um meio de fazer suas cédulas, de acordo com seus desejos, atendendo naturalmente a um modesto pedido do cabo ou de candidato. [...] Em frente ao Tesouro surpreendemos o nosso colega Povoas de Siqueira com uma máquina portátil em seu carro, quando atendia a duas eleitoras. Uma dizia: – É um achado esta máquina. 292  293 

Diário de Notícias, Edição n. 582, Notícia: “Alforria”, 24/01/1932, p. 2. Diário de Notícias, Edição n. 582, Notícia: “O codigo eleitoral”, 24/01/1932, p. 1.

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Eu não votaria em chapa oferecida. Assim vou fazer a minha, com diversos nomes, que tenho na bolsa. E o sr. Povoas se dispôs a bater a chapa. Na última linha, a eleitora, com gesto de generosidade, determinou: – Ponha agora o seu nome. O seu trabalho merece um voto. Mas a typewriter dominou também nas calçadas. Na praça Tiradentes, ao lado do Tesouro, mesmo em frente a uma perfumaria, se via, depois das 10 da manhã, uma pequena mesa com uma máquina de escrever e mais três cadeiras. Aquele escritório improvisado de datilografia trabalhou a valer. Assim, a exigência da chapa datilografada foi um achado... para os datilógrafos. Fizeram o seu biscate...294

Reportagens como essa, naturalizando a ação de intermediários na confecção de cédulas, propiciada pelo veto a votos manuscritos incluído na versão final do Código Eleitoral, apareceram lado a lado com textos tentando captar o que havia de novo naquela eleição.295 A partir da observação da apuração na capital, ganhou corpo a boutade de que o que caracterizou a votação foi o “cocktail eleitoral” ou “panaché eleitoral” – expressões destinadas a ilustrar a composição plural, em termos de forças políticas, encontradas nos votos.296 Fraudes pontuais foram apontadas em vários estados. No Rio Grande do Sul, opositores acusaram o interventor Flores da Cunha e seus aliados do Partido Republicano Liberal (PRL) de usarem sobrecarta que não era opaca o bastante, aliada a cédulas de cartolina que facilitariam a visualização a partir do exterior. “O voto secreto não passou de uma amarga decepção para quantos desejam sinceramente a reforma de nossos deploráveis hábitos políticos”, escreveu Américo Godoy, que se identificou como delegado do Partido Republicano Riograndense (PRR) em telegrama ao TRE gaúcho.297 O próprio PRL de Flores da Cunha acusou a FUG de sumir com 20.000 cédulas que haviam sido distribuídas, dentro da lei, pelas cabines de votação de Porto Alegre.298 Em Alagoas, municípios do interior não usaram cabines indevassáveis. Em um deles, Viçosa, houve seção em que o presidente da mesa entregou envelopes oficiais já fechados e com cédula da chapa governista dentro. “O voto era, pois, rigorosamente secreto; secreto até mesmo para o eleitor que votava...”, fez graça um editorial do Correio da Manhã.299 Nada se comparou em matéria de extensão e repercussão ao caso do Espírito Santo. A eleição de todo Mato Grosso foi anulada em agosto de 1933 por questões envolvendo registro de candidatos. No caso capixaba, no entanto, era o próprio voto secreto que estava em foco. Após denúncias que levaram quatro meses para ser finalmente apuradas, o Tribunal Superior Eleitoral anulou a votação em todo o estado por terem sido usadas sobrecartas transparentes. No Correio da Manhã, a notícia valeu reportagem interna com título anódino em apenas duas colunas. “Uma importante decisão do Tribunal Superior Eleitoral”, afirmava o título, que deixava para o subtítulo o que mais interessava: “Foram anuladas as eleições realizadas no Espírito Santo”. Debates e decisão do TSE trazem dois fatos que chamam a atenção. O ministro Monteiro de Salles, que desempatou a questão em favor da anulação, observou em seu voto que a perícia teria constatado que a sobrecarta do Espírito Santo

Correio da Manhã, Edição n. 11784, Notícia: “O primeiro grande passo para a volta do paiz ao regimen constitucional”, 04/05/1933, p. 1. Outro relato sobre o uso “itinerante” da máquina de escrever apareceu na reportagem “O truc da machina...” publicada pelo Diário de Notícias, Edição n. 1042, de 06/05/1933, à página 3. 296  Correio da Manhã, Edição n. 11786, Notícia: “A tarefa penosa das turmas apuradoras do pleito de 3 de maio”, 06/05/1933, p. 1. 297  Correio da Manhã, Edição n. 11790, Notícia: “As turmas apuradoras do pleito de 3 de maio abrem mais tres urnas da Candelaria”, 11/05/1933, p. 3. 298  A Federação, Edição n. 103, Título: “Duas atitudes”, 04/05/1933, p. 1. 299  Correio da Manhã, Edição n. 11795, Título: “Urbanismo Escolar”, 17/05/1933, p. 4. 294  295 

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seria menos opaca que as de Ceará, Paraíba, Sergipe e Bahia; comparada com a de Pernambuco, no entanto, seria mais opaca.300 O segundo dado notável é o fato de o relator Eduardo Espínola ter defendido a anulação no Espírito Santo mesmo entendendo que não houve fraude. Seu raciocínio era o de que não era preciso que tivesse havido quebra do sigilo do voto com consequências, sendo bastante para configurar burla ao Código Eleitoral a possibilidade de que o voto fosse conhecido. O acórdão do TSE foi publicado como jurisprudência. “São nulas as eleições que se fizerem com o uso de sobrecartas que não sejam opacas, por importar na violação do sigilo do voto, ainda mesmo que não fique provada fraude”, sintetizou a ementa da decisão.301 Pouco mais de um mês depois, as eleições de Santa Catarina tiveram o mesmo destino, também por falta de opacidade na sobrecarta, como detalham os Capítulos 7 e 9. As imperfeições na proteção ao sigilo do voto não arranharam o papel da iniciativa na legitimação do governo do dia e mesmo da Revolução de 1930. Na versão de jornais que vocalizavam interesses de diferentes forças políticas, aquelas eleições tinham presenciado a instalação do voto secreto no Brasil. Por sinal, no primeiro momento o que diferenciou jornais próximos do Governo Provisório dos de oposição foi a associação maior ou menor que fizeram entre o sucesso do voto secreto e Getúlio Vargas. O oposicionista Diário de Notícias não festejou o Governo Provisório ou a Revolução, mas apenas o voto secreto. No alto da página 3 da edição de 5 de maio, publicou o editorial A experiência satisfatória do voto secreto, no qual elogiava as eleições. “Pela reportagem dos jornais, registrando os mais incisivos aspectos do pleito de 3 do corrente, verifica-se que a experiência do voto secreto produziu ótimos resultados. Ficou assim demonstrada a praticabilidade do sistema criado pelo novo Código Eleitoral, não só do ponto de vista do rendimento da votação, como da honestidade e consciência do pleito.”302 No Correio da Manhã, que a essa altura mantinha alguma distância do governismo, sem adotar tom crítico, telegramas de congratulações eram reproduzidos. “A adoção do voto secreto assegurou plenamente a independência do eleitor e a moralidade do voto”, escreveu o advogado Aristides Lemos, de Campinas (SP), em telegrama reproduzido na edição de 6 de maio.303 “Nota-se grande entusiasmo popular pela inauguração do sistema do voto secreto”, relatou o correspondente do jornal em João Pessoa.304 A Liga Nacionalista de São Paulo anunciou a intenção de oferecer à Faculdade de Direito de São Paulo uma placa comemorativa pela “adoção do voto secreto no Brasil”.305 A cobertura do jornal gaúcho A Federação, que trazia embaixo do logotipo de primeira página duas linhas informando que era ao mesmo tempo “Diário Oficial do Governo do Estado do Rio Grande do Sul” e “Órgão do Partido Republicano Liberal”, trouxe no dia seguinte à eleição o balanço de que “todos os cidadãos tiveram os seus direitos assegurados, decorrendo o pleito num ambiente de absoluta tranquilidade”.306 Isso apesar de os textos vizinhos informarem que no município de Caçapava o delegado de polícia que também era subprefeito foi assassinado em praça pública, mais Correio da Manhã, Edição n. 11897, Notícia: “Uma importante decisão do Tribunal Superior Eleitoral”, 13/09/1933, p. 2. Boletim Eleitoral n. 142, de 21/10/1933, p. 2858. 302  Diário de Notícias, Edição n. 1041, Título: “A experiência satisfatória do voto secreto”, 05/05/1933, p. 3. Ver também o editorial “Sete dias de politica”, publicado no Diário de Notícias, Edição n. 1043, 07/05/1933, p. 2. 303  Correio da Manhã, Edição n. 11786, Subtítulo “O pleito em Campinas” na Notícia: “Como ocorreu o pleito de 3 de maio nos Estados”, 06/05/1933, p. 3. 304  Correio da Manhã, Edição n. 11786, Subtítulo “O pleito na Parahyba” na Notícia: “Como ocorreu o pleito de 3 de maio nos Estados”, 06/05/1933, p. 3 305  Correio da Manhã, Edição n. 11787, Subtítulo “Uma placa commemorativa da adopção do voto secreto” na Notícia: “As eleições para a Assembléa Nacional Constituinte”, 07/05/1933, p. 3. 306  A Federação, Edição n. 103, Notícia: “Demonstrando admirável coesão e inquebrantável disciplina, o Partido Republicano Liberal infligio aos partidos coligados do Rio Grande do Sul uma formidavel derrota”, 04/05/1933, p. 1. 300  301 

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de mil títulos de eleitores liberais desapareceram em Porto Alegre e a distribuição de cédulas dentro de locais de votação, que teria levado à prisão de um cabo eleitoral. Com a aproximação das eleições de 1934, o balanço da escolha dos constituintes realizado pelo Correio Paulistano, ligado ao Partido Republicano Paulista (PRP), revela a preocupação com a chamada panacea governista em relação ao voto secreto.307 Em editorial que avalia os resultados das eleições da constituinte, o jornal faz uma crítica à chamada “vontade popular” expressa sob as novas regras do voto secreto, já antevendo as disputas eleitorais de 1934. O jornal relata como, apesar do voto secreto, a dinâmica da disputa eleitoral do país seguia obedecendo a uma lógica distinta: Pode partir da vontade do povo u’a maioria eleita – embora sendo pelo voto secreto – pelo coronelismo dos sertões do Brasil e pelas cédulas cartonadas que o Sr. Flores da Cunha, com a esperteza que lhe é peculiar em todos os jogos, ainda mesmo que eleitoraes ou políticos, fez parecer quasi todas as urnas da ‘vontade popular’ gaucha? Pode a opinião publica consentir que o apellide de ‘vontade popular’ a uma maioria engendrada com assaltos aos collegios eleitoraes de Xique-Xique, na Bahia, e com urnas de fundo falso na Parahyba?308

No entanto, seja em jornais a favor do regime, como o carioca O Jornal, de Assis Chateaubriand, ou no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, ou seja ainda em veículos oposicionistas, como o perrepista Correio Paulistano, a ideia de que os novos mecanismos de apoio ao sigilo do voto teriam tido algum tipo de resultado benéfico para as eleições passou a ser de interesse comum.309 Em editorial crítico a Mario Pinto Serva e à paternidade do voto secreto, o Correio Paulistano reconta sua versão da história para relatar como o projeto de voto secreto do Código Eleitoral surgiu antes em São Paulo, durante o governo Jorge Tibiriçá, por meio das iniciativas do deputado João Sampaio. São Paulo e seu processo eleitoral, ao contrário do restante do país no período anterior a 1930, teria conquistado a representação de minorias antes de tudo pela forma como o sigilo do voto fora garantido nas eleições do Estado, como atestado pela eleição de diversos representantes do Partido Democrático, ou mesmo pela representação de hermistas durante a campanha civilista.310 Afinal, de acordo com essa narrativa que buscava uma nova origem e paternidade para um mecanismo que parecia ter encontrado certo consenso como legítimo, teria sido o PRP em 1917 o primeiro a propor o voto secreto na Câmara de Deputados de São Paulo.311 De fato, apesar das críticas e denúncias de fraude e violações de sigilo durante o processo eleitoral da constituinte, oposição e situação passaram a concordar em uma avaliação favorável aos novos mecanismos relativos ao que ficou acordado como voto secreto.312 Do ponto de vista das opiniões governistas, o argumento a favor dos resultados da implementação do voto secreto teria sido o sucesso na garantia de representação de minorias entre os oposicionistas. Segundo a interpretação de Assis Chateaubriand, o sistema de voto secreto passou a ter valor para o campeão do voto a descoberto, o PRP, depois que eles descobriram que poderiam ganhar as eleições em São

Correio Paulistano, Edição n. 24021, Notícia. “A Concentração de Botucatú”, 18/07/1934, p. 3. Correio Paulistano, edição. 24048. 18/08/1934, pág. 1. Editorial: “Poderá ser taxada de reaccionaria a nova Constituição Brasileira?” 309  Em 7 de fevereiro de 1934, o PRP lança manifesto de apoio à adoção do voto secreto. Em comentário sobre o manifesto, Assis Chateaubriand em notícia intitulada “Totalitario” n’O Jornal de 8 de fevereiro de 1934, comenta que a guinada pelo voto secreto do PRP teria sido uma forma oportunista de busca de legitimidade eleitoral a partir de regras a que historicamente o partido se opunha, sempre para manter hegemonia política no estado de São Paulo (O Jornal, Edição n. 4389, Editorial: “Totalitario”, 08/02/1934, p. 2). 310  Correio Paulistano, Edição n. 24016, Nota “Contra S. Paulo e contra a verdade” na Coluna: “Notas e commentarios”, 12/07/1934. p. 3. 311  Correio Paulistano, Edição n. 24089, Editorial: “O Partido Republicano Paulista e o ‘Estado de São Paulo’”, 05/10/1934, p. 1. 312  Correio Paulistano, Edição n. 24016, Nota “Contra S. Paulo e contra a verdade” na Coluna: “Notas e commentarios”, 12/07/1934. p. 3. 307  308 

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Paulo. Para Chateaubriand, seria difícil para a oposição argumentar contra o método já que eles elegeram 18 deputados, uma minoria significativa segundo ele.313 Assim, duas posições políticas sobre a efetividade dos novos mecanismos organizados no Código Eleitoral parecem ter se consolidado como dominantes no debate público após a aprovação do conjunto das novas regras eleitorais. De um lado, um otimismo mais realista dos setores ligados ao Governo Provisório, que insistiam na ideia de um tipo de “verdade eleitoral” que foi finalmente revelada no Brasil, na qual o novo Código teria sido chave para a proteção do eleitor em relação às práticas anteriores a 1930 no país.314 Nesse sentido, o voto secreto passou a ser propagandeado como o principal avanço advindo com o movimento revolucionário. Por outro lado, as críticas e o ceticismo dos grupos políticos derrotados na revolução, que denunciavam a continuidade das práticas fraudulentas durante o processo eleitoral pelos membros do Governo Provisório. Para os derrotados, os vitoriosos apenas haviam adaptado suas antigas práticas durante as eleições em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul ao contexto do novo Código, mas não obstante reclamavam para si a defesa histórica do voto secreto como medida para combate às fraudes nos pleitos.315 O fato é que nos trabalhos da Constituinte que se reuniu em 1933 e 1934 a ideia de voto secreto virtualmente não tinha mais adversários e o uso de cabine indevassável para dar autonomia ao eleitor estava consagrado.316 Na abertura dos trabalhos, Getúlio Vargas tratou de capitalizar a realização em seu discurso: “A adoção do voto secreto foi conquista de tal magnitude que, a ela se referindo, notável professor da Escola de Direito de São Paulo chegou a dizer: ‘Se mais não fizesse, valera a pena ter feito a Revolução para implantar o voto secreto’”.317 A ênfase de Getúlio evidencia a centralidade que a discussão sobre mecanismos de sigilo do voto teve nas reformas e no debate público dos anos que se seguiram a 1930. Os trabalhos constituintes são outra evidência nessa direção. O chamado voto secreto já estava previsto para o Legislativo federal no anteprojeto da Comissão Itamaraty318 e acabou estendido para o Legislativo de todos os níveis de governo na versão final da Constituição de 1934319 – os ocupantes do Executivo seriam escolhidos por voto indireto do Legislativo em todas as esferas. Também é sintomático que, após as eleições estaduais de 1934, os jornais próximos do campo governista creditavam ao voto secreto o fato de a oposição representada pelo PRP conseguir uma votação importante contra o candidato do Governo Provisório em São Paulo, o interventor Armando Salles de Oliveira. Pelo lado da oposição, o Correio Paulistano passou a defender que o problema O Jornal, Edição n. 4385, Editorial: “Em louvor do PRP”, 03/02/1934. p. 2. O Jornal, Edição n. 4288, Editorial: “Período de sedimentação”, 01/12/1933. p. 2. Para o editorial as acusações de alguns dos constituintes em relação aos vícios do processo de votação seriam falsas. A entrada da oposição “pela janela” parecia sinalizar que o sistema de votação secreta havia garantido a lisura do pleito. Ver também a Nota “Espetaculo publico” na Coluna “Notas e Commentarios”, à página 3 do Correio Paulistano de 24/10/1934, Edição n. 24080. 315  Correio Paulistano, Edição n. 24120, Coluna fixa de Renato Jardim, Título: “O Voto Secreto”, 09/11/1934, p. 3. 316  Uma exceção importante ocorreu na forma como foi questionada durante as discussões entre situação e oposição dentro da Constituinte a viabilidade das cabines como mecanismo de votação para todo o país. Deputados de alguns estados do Nordeste tendiam a argumentar que não haveria condições financeiras para a implantação das cabines no interior dos estados. Voto secreto, da forma como fora propagandeado, só estaria acontecendo de maneira limitada nas capitais dos estados. 317  Annaes da Assembléa Nacional Constituinte (1933/1934), v. 1., p. 53. 318  A comissão reunia notáveis próximos ao Governo Provisório: inicialmente Afrânio de Melo Franco, Temístocles Cavalcanti, Assis Brasil, Osvaldo Aranha, José Américo de Almeida, Carlos Maximiliano, Antônio Carlos de Andrada, Artur Ribeiro, Prudente de Morais Filho, Agenor de Roure; João Mangabeira, Oliveira Viana e o general Góis Monteiro. O artigo 22 do anteprojeto previa eleição da Assembleia Nacional por “sufrágio direto, igual e secreto” e o artigo 132 esclarecia que por voto secreto se entendia “votação (…) por processo que o torne absolutamente indevassável”. 319  Art. 181 – As eleições para a composição da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas estaduais e das Câmaras Municipais obedecerão ao sistema da representação proporcional e voto secreto, absolutamente indevassável, mantendo-se, nos termos da lei, a instituição de suplentes.  313 

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eleitoral não tinha relação direta com o sigilo do voto. O PRP e seu veículo de comunicação passam a reconhecer que o sistema de cabine tinha qualidades, o que teria garantido pleitos mais organizados na capital paulista. No balanço geral, uma diferença marcante entre os períodos anterior e posterior ao Código Eleitoral é que neste último não se encontram opiniões ou editoriais explicitamente contra os mecanismos do voto secreto. Como resultado, os argumentos sobre as fraudes no sistema que favoreceriam o governo passaram a ser analisados em outra perspectiva. Os paulistas debatiam como os mecanismos de manipulação eleitoral foram transferidos para momentos anteriores ao voto em si, ou seja, os alistamentos duplos e a falsificação de cédulas, e em um segundo momento de como a eleição poderia também ser manipulada antes da contagem dos votos por meio de interferências posteriores nas urnas.320 De outro lado, com a chegada das eleições de 1934, os jornais governistas reconheciam que o efeito dos mecanismos do Código, principalmente o voto secreto321, tinham amplitude limitada dentro do Brasil. Em geral, a forma como o sistema político brasileiro fora analisado pela imprensa era separada em duas formas. De um lado, o Brasil urbano, onde grupos que até então não participavam do processo eleitoral passaram a se sentir seguros para votar nas principais zonas eleitorais, observados por fiscais eleitorais de ambos os partidos e com garantia parcial da não interferência imediata no momento do voto. Uma classe média emergente desses centros urbanos teria sido a principal incluída, já que os principais eleitores beneficiados pelas novas regras seriam alguns funcionários públicos que teriam certa garantia para a manutenção de seus empregos. Por outro lado, todos reconheciam que a dinâmica eleitoral do Brasil rural não foi afetada da mesma forma. O efeito daquele voto secreto sobre o eleitor rural continuava a ser próximo do nulo. Inúmeras denúncias paulistas sobre os processos de votação em Minas Gerais são ironizadas em editoriais do Correio da Manhã e do Correio Paulistano.322 Na Constituinte, foram tema de debates os efeitos limitados das reformas eleitorais. “Enquanto as massas rurais permaneceram subordinadas economicamente aos chefes políticos municipais, estes serão os únicos eleitores verdadeiros, porque, com ou sem voto secreto, o eleitorado sufragará os nomes indicados por aqueles chefes”, defendeu o deputado Domingos Vellasco, do Partido Social Republicano.323 Velasco era representante de Goiás e vocalizava interesses que antes haviam mobilizado os tenentistas. Episódios de violência continuavam a acontecer nos interiores, sendo principalmente relatados em cidades menores, tanto no Nordeste como em cidades da Grande São Paulo, como em São

Correio Paulistano, Edição n. 24105, Subtítulo “Causas de Desconfiança - Fiscaes e Quartas Vias - Multiplicidade de Alistamento?” da Reportagem: “Fraudes”, 24/10/1934, p. 1. 321  Aqui cabe menção ao voto feminino, que como o voto secreto também pareceu aplicado de forma diferenciada nas zonas eleitorais centrais das grandes cidades, mas que não tiveram o mesmo efeito em outras regiões do interior do país, principalmente nas áreas rurais. 322  Em coluna assinada por Renato Jardim no Correio Paulistano de novembro de 1934 completamente dedicada ao tema do voto secreto, o autor insiste no efeito benéfico e moralizador da medida em São Paulo, apesar de ressaltar suas críticas e oposição ao regime. Afirma desconfiar de seus resultados em outras regiões do país, principalmente nas áreas rurais, em que ironiza a eficácia total do voto secreto a partir de uma leitura de resultados eleitorais em que existem eleição por quase unanimidade. Reafirma ser o PRP o iniciador do voto secreto no Brasil. O texto de opinião conclui que com o advento do voto secreto a disputa pela manipulação eleitoral passou para as campanhas e para o uso da máquina pública para conseguir votos dos funcionários públicos por meio de ameaças aos empregos (Correio Paulistano, Edição n. 24120, Título: “O voto secreto” na coluna assinada por Renato Jardim, 10/11/1934, p. 3). 323  Correio da Manhã, Edição n. 12021, Notícia: “Os debates na Assembléa Constituinte”, 04/02/1934, p. 2. 320 

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Bernardo do Campo.324 A principal diferença é que tanto a imprensa quanto o Judiciário passaram a ter uma participação mais ativa na divulgação desses casos. Outro resultado importante do novo mecanismo de votação secreta passa a ser a disputa pela participação de fiscais partidários. 325 Para membros de diferentes partidos, a quantidade de fiscais seria um dos fiéis de uma balança da disputa pelo poder e do controle das zonas eleitorais. Fiscais, nesse sentido, teriam papel fundamental em pelo menos dois mecanismos de manipulação eleitoral: duplicação de títulos eleitorais e registros múltiplos, e mobilização eleitoral dos eleitores de suas zonas.326 Já durante o ano de 1935, o processo eleitoral do ano anterior dentro da cidade do Rio de Janeiro foi amplamente denunciado como cercado de dúvidas e fraudes, permitindo dessa vez uma crítica bastante forte por parte da oposição na imprensa.327 À guisa de conclusão, vale anotar como os passos parciais dados na década de 1930 em direção ao sigilo do voto entraram para a história como a efetiva adoção do voto secreto no Brasil. Nosso capítulo evidencia que a adoção de mecanismos como a sobrecarta e a cabine indevassável foi interpretado como garantia do sigilo da escolha do eleitor e de sua autonomia, uma interpretação que tendeu a ser consensual por conta de diferentes fatores. Há sinais abundantes de que a mudança que trouxeram foi muito mais incremental do que uma ruptura definitiva com as fraudes do período anterior. De toda forma, as novidades do Código Eleitoral e das práticas que inaugurou em termos de sigilo do voto deslocaram os termos do debate posterior. A visão idealizada de que um voto secreto revolucionaria a política brasileira logo deu lugar a discussões sobre novas formas de burlar as regras e sobre os limites da democracia eleitoral. “Sou forçado a dizer [...] que mais de 60% dos nossos eleitores, com ou sem voto secreto, levam a sua cédula eleitoral sem saber perfeitamente em quem nem por que votam”, resumiu em abril de 1934 o ministro Juarez Távora, que representava o Governo Provisório na Constituinte e foi um dos articuladores da Revolução de 1930. Seguiram-se gritos de “Muito bem” no plenário.328

Denúncias foram destaque no Correio Paulistano em 29/11/1934, 21/12/1934 e 23/12/1934. A relação entre prefeituras da Grande São Paulo com a punição de funcionários públicos ganhou destaque na edição de 29 de novembro (Correio Paulistano, Edição n. 24136, Nota “O peceismo ‘regenera’ S. Bernardo” na Coluna: “Notas e Commentarios”, 29/11/1934, p. 5). Denúncias de fraude por parte do candidato Armando Salles de Oliveira foram destaque em 21 de dezembro (Correio Paulistano, Edição n. 24155, Nota “Transformação” na Coluna: “Notas e Commentarios”, 21/11/1934, p. 5). E o editorial de final de ano em 23 de dezembro anunciou a incerteza advinda com o novo Código e com a implantação do voto secreto. Em particular, a análise do jornal afirmava que o voto secreto se adaptou ao sistema antigo para manter o padrão de vantagem ao governismo nas eleições (Correio Paulistano, Edição n. 24157, Editorial: “Não barbarizemos o Brasil!”, 23/11/1934, p. 5). 325  A questão dos fiscais partidários é ressaltada em jornais de oposição e jornais favoráveis ao governo. Ver, por exemplo, Jornal do Brasil, edições de Dezembro de 1934 e Janeiro de 1935, O Jornal, edições de 1934 e Correio Paulistano, edições de 1933 e 1934. 326  Correio Paulistano,.Edição n. 24105, especialmente reservada para denúncias e críticas ao formato das eleições paulistas. Após derrota eleitoral do PRP em São Paulo, essa edição traz análise especial para demonstrar e argumentar sobre as formas da fraude na eleição em São Paulo, enfatizando sempre a experiência passada de Antonio Carlos em Minas Gerais. As críticas estavam focadas em três aspectos, nenhum diretamente relacionado ao modelo de voto secreto. Em primeiro lugar, o excesso de fiscais partidários nas eleições, e o fato de os fiscais poderem em tese votar mais de uma vez usando quartas vias; eleitores alistados mais de uma vez, e, por último, violações não perceptíveis nas urnas. 327  Correio Paulistano, Edição n. 24167, Título “Do Rio” da Coluna assinada por Plinio Travassos dos Santos,. 05/01/1935, p. 5. Plinio relata que o voto secreto foi o que se viu no Rio de Janeiro, não apenas por boatos, mas pelos inúmeros relatos de violação do sigilo do voto em vários pontos da cidade. Na coluna que assina no mesmo jornal, Lellis Vieira crava dias depois: “Onde estão os poetas do Codigo, do voto secreto e da virgindade eleitoral do Brasil depois de 1930?” A coluna faz críticas às imoralidades durante as eleições no Rio de Janeiro: “E para aquelles que de boa fé acreditaram na lisura das ultimas eleições, suppondo que os homens de governo não podiam mentir ao povo, estão vendo agora que o Codigo e o voto secreto, não passam de uma visão desfeita…” (Correio Paulistano, Edição n. 24176, Título “Visão desfeita” da Coluna assinada por Lellis Vieira, 16/01/1935, p. 4). 328  Correio da Manhã, Edição n. 12069, Notícia: “O que houve hontem na Assembléa Constituinte”, 03/04/1934, p. 5. 324 

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Capítulo 5 VOTO FEMININO: TRÂMITES LEGAIS E MOVIMENTO SUFRAGISTA Mônica Karawejczyk

INTRODUÇÃO A cidadania política feminina foi uma das primeiras lutas travadas pelas mulheres e, na América Latina, o Brasil é um dos países pioneiros a reconhecer o direito de voto para suas cidadãs.329 Tal ato ocorreu com a publicação do Código Eleitoral em 1932, após anos de lutas das/dos feministas e de várias tentativas parlamentares de estender o alistamento eleitoral às brasileiras. Este capítulo tem como objetivo desvelar parte dessa história. Procura assim identificar possíveis motivações que levaram ao reconhecimento do voto feminino em igualdade de condições com o masculino bem como apresentar a primeira participação feminina nas eleições. O fato a se destacar é que o voto feminino não foi nem só uma concessão dos homens no poder e nem só uma conquista feminina, mas um misto dos dois, que gerou debates e controvérsias, envolvendo diversos personagens ao longo do tempo. Para dar conta do tema foram consultados Anais da Assembleia Constituinte de 1890-1891, Anais da Câmara e do Senado da Primeira República, além de cartas, trabalhos acadêmicos e periódicos. Jornais de oposição e de apoio ao governo divulgaram o debate pelo voto feminino quase nos mesmos termos, motivo pelo qual foram tratados igualmente, sem distinção. 330 PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES E TENTATIVAS PARLAMENTARES No Brasil já se percebe uma movimentação em torno da questão do voto feminino a partir da segunda metade do século XIX. Tal movimentação encontrou como veículo de propagação uma imprensa feminina que estava despontando em todo o território nacional.331 As reivindicações pelo sufrágio aumentaram a partir do final da década de 1880, uma vez que havia a expectativa real

Cronologia do voto feminino, América Latina: Equador – 1929 (facultativo até 1967); Brasil 1932; Uruguai – 1932; Cuba – 1934; El Salvador – 1939 (facultativo até 1950); República Dominicana – 1942; Jamaica – 1944; Guatemala – 1945 (optativo até 1956); Trinidad Tobago – 1945; Venezuela – 1946; Panamá – 1946; Argentina – 1947; Suriname – 1948; Chile – 1949; Costa Rica – 1949; Bolívia: 1952; Guiana – 1953; Honduras – 1954; México – 1954; Peru – 1955; Colômbia – 1957; Nicarágua – 1957; Bahamas – 1964; Paraguai – 1967 (SANTOS, W. Votos e Partidos: Almanaque de Dados Eleitorais. Brasil e outros países. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 297-303). 330  Quando não houver indicações, os periódicos foram publicados no Rio de Janeiro; a grafia da época foi atualizada. 331  Além da imprensa também são encontrados manifestos isolados em prol do sufrágio feminino, tal como o Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar de Anna Rosa Termacsics dos Santos, publicado em 1868. Para mais dados, ver RIBEIRO, Cristiane de Paula. A discussão sobre sufrágio em circulação nas páginas femininas durante o Segundo Reinado do Império Brasileiro. Revista ArsHistorica – Revista do Corpo Discente da Pós-graduação em História Social – UFRJ, n. 15, p. 315-333, jul./dez. 2017. 329 

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de se aumentar o eleitorado a partir de mudanças na legislação. Em abril de 1890, por exemplo, o periódico A Família, de propriedade de Josefina Alvares de Azevedo, publicou o seguinte editorial: A velha questão já vencida do direito de voto às pessoas de meu sexo teve, ao que consta, uma solução provisória pelo governo, a mais incompatível com o regime de igualdade, como é o republicano que agora possuímos. O governo, resolvendo a questão apresentada não considera nem oportuna, nem conveniente qualquer inovação na legislação vigente no intuito de admitir as mulheres sui juris ao alistamento e ao exercício da função eleitoral. [...] A grande questão está em se saber se a mulher está ou não na letra da lei para ser admitida à qualificação, e ninguém poderá negar que a respeito não há nem uma só disposição que a impeça de poder obter o título de eleitora. Ora, não há dúvida alguma em que pela lei vigente, toda aquela que souber ler e escrever é admitida a votar, consagrando o direito em tal caso como condição indispensável a qualquer pessoa para o exercício dessa faculdade, a condição de poder exercer conscientemente o privilégio eleitoral [...] Com a inauguração do regime republicano era natural que esses vícios e defeitos da forma decaída desaparecessem também. E, no entanto, a solução de que tratamos, veio tirar-me dessa doce ilusão. A questão é momentosa e há de por força produzir os seus naturais efeitos.332

Como destacado no excerto, a questão do voto feminino era momentosa e não demorou a produzir os seus naturais efeitos. O primeiro efeito foi a apresentação de emendas em prol do alistamento feminino na Constituinte de 1890-91. A importância dada ao diálogo que ali se travou dá-se no sentido de que foi a primeira vez que o tema fora posto em discussão de modo mais sistematizado e por iniciativa dos próprios congressistas. Bom destacar que em nenhum lugar do mundo, seja ele republicano ou monárquico, o voto feminino era reconhecido.333 A primeira das seis emendas apresentadas em prol do sufrágio feminino ocorreu na sessão do dia 10 de dezembro, subscritas pelos deputados Lopes Trovão, Leopoldo de Bulhões e Casemiro Júnior. Tomando por base a mais recente lei eleitoral, em vigor desde 8 de fevereiro de 1890, eles solicitam que “as mulheres diplomadas com títulos científicos e de professora, que não estiverem sob poder marital, nem paterno, bem como as que estiverem na posse de seus bens” possam exercer o direito de alistamento.334 Apesar de essa emenda e as outras propostas apresentadas durante as reuniões da Constituinte procurarem agregar ao jogo eleitoral um número limitado de mulheres, ao solicitar o alistamento feminino com restrições, nenhuma foi aprovada. Os deputados pró-alistamento destacaram que a presença de mulheres no espaço público proporcionaria um clima de ordem e paz para o ambiente. Também salientaram ser uma questão de justiça estender o direito de voto a todos os brasileiros que pudessem comprovar renda.335 Já entre os argumentos dos que eram contrários ao sufrágio feminino destacam-se elegias ao papel feminino na família e a uma suposta fragilidade tanto física, intelectual e emocional das mulheres, ditos como empecilho, para a prática do direito eleitoral. Houve também aqueles que argumentaram que o simples ato do voto, pelas mulheres, levaria ao caos, a anarquia e a instabilidade social. 332  333  334  335 

A Família, Edição n. 54, Editorial: “O direito de voto”, 03/04/1890, p. 1, itálico no original. Até o final da Primeira Guerra o voto feminino era reconhecido na Nova Zelândia (1893), Austrália (1902), Finlândia (1907) e Noruega (1913). ACD, v. I, 1924, p. 439. Apresentam emendas favoráveis Sá Andrade, Cesar Zama e Costa Machado.

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Também foi lembrado que o sufrágio feminino não era praticado em nenhum lugar do mundo.336 Como já se destacou, nenhuma das emendas foi aprovada e, decidiu-se, na ocasião, pela seguinte redação do artigo referente ao alistamento: são eleitores os cidadãos maiores de 21 anos sendo que as únicas exclusões elencadas foram para os praças de pret, religiosos e analfabetos. As mulheres não foram excluídas de forma clara das lides eleitorais, o que suscitou posteriores debates e contestações ao uso de termo “cidadão” para negar o seu acesso ao alistamento. Ao se analisar os argumentos dos opositores do voto feminino destaca-se que, para eles, a mulher era um ser concebido para ser resguardado dos males sociais, voltada para o cuidado dos filhos e do lar. Por outro lado, os que advogaram pelo voto feminino vincularam seus argumentos a questões do público, do direito e da democracia. Um dos deputados constituintes, Joaquim Francisco de Assis Brasil, deixou conhecer seu parecer sobre a questão na obra Democracia Representativa, na qual declarou: O voto é direito político, cujo exercício a sociedade regula em vista da utilidade pública e com a condição de não destruir o seu caráter de universalidade. A utilidade pública pode aconselhar em determinado país que não seja reconhecido à mulher o exercício do voto. Resta saber se, por ser o sufrágio exercido exclusivamente pelo sexo masculino, deixará de ser universal. Resolvo pela negativa.337

Assis Brasil compartilhava da crença de que a mulher não deveria participar do mundo político por incapacidade. Incapacidade, segundo ele, devida à educação deficitária a que a mulher era submetida no Brasil, concluindo que: “a mulher ainda não tem competência para imiscuir-se em eleições, o sufrágio deve ser realmente universal, mas... só para os homens”.338 Esses são, em síntese, os principais argumentos utilizados na Constituinte e ao longo de toda a Primeira República quando a questão era o acesso feminino ao mundo político.339 O tema será retomado no Parlamento somente em 1917, graças ao movimento sufragista. O MOVIMENTO SUFRAGISTA E AS ASSOCIAÇÕES FEMININAS O aparecimento de associações femininas fez parte de um momento histórico de organização das mulheres para defender seus direitos. Mulheres instruídas, de classe média e alta se uniram para reivindicar direitos e fazer suas vozes serem ouvidas. Entre as demandas femininas da época estão: pedidos de educação de qualidade para as mulheres, condições de trabalho mais justas, acessos a cargos públicos e reivindicações sobre direitos civis e políticos. Tal feminismo, que nasceu no

Na década de 1920 um dos argumentos dos pró-voto era evocar os lugares que já o reconheciam para legitimar os pedidos. Moniz Freire, Lauro Sodré, Barbosa Lima, Serzedello e Lacerda Coutinho compartilharam o argumento de que, se aprovadas tais emendas a família estaria em risco, contribuindo para o abandono do lar e dos filhos. 337  ASSIS BRASIL, J.F. Democracia Representativa: Do voto e do modo de votar. 4a ed. Rio de Janeiro: 1931, p. 52. A obra foi originalmente publicada em 1893, momento no qual o autor declarava ser contrário a inserção feminina no mundo político, mas, como veremos, ele mudou de ideia ao longo dos anos. 338  Ibidem, p. 53. 339  Para mais uma discussão pormenorizada sobre as propostas e emendas em prol do alistamento feminino na Constituinte de 1890-1 consultar o segundo capítulo de Mônica Karawejczyk (2013). 336 

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século XVIII e desenvolveu-se ao longo dos séculos XIX e XX, é mais conhecido pela alcunha de feminismo liberal. 340 No Brasil, a primeira associação feminina que se tem notícia foi iniciada na esteira da disputa presidencial entre Rui Barbosa e Hermes da Fonseca. Na ocasião, a professora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou a Junta Feminil Hermes da Fonseca que, em 1910, seria transformada no Partido Republicano Feminino (PRF).341 Os estatutos do PRF deixam claro seus objetivos: reunir as mulheres de todo o Brasil para lutar por seus direitos e para que a elas fossem estendidas todas as “disposições constitucionais”, tais como o direito ao alistamento eleitoral e o acesso a cargos no serviço público.342 Leolinda foi bem atuante na cena pública da capital federal durante as décadas de 1910 e 1920. Para dar visibilidade aos atos do partido tanto ela quanto outras associadas procuravam ocupar o espaço público, tal como ocorreu em 1911, quando organizaram uma passeata pelas ruas da capital federal. Naquela ocasião desfilaram paramentadas com faixas e estandartes ostentando o nome do PRF chamando a atenção da imprensa que publicou que mais de mil mulheres participaram do evento.343 Outra estratégia do grupo era fazer indicações para as eleições, tal como ocorreu em 1912, quando dois candidatos são recomendados pelo PRF para concorrerem à Câmara Federal.344 Apesar de (ou por causa de) toda a agitação pública que o PRF fazia na capital federal, suas demandas não receberam uma boa acolhida da sociedade da época. A própria Leolinda acabou sendo estigmatizada como a representante de um “mau” feminismo, que deveria ser evitado pelas brasileiras, pairando sobre todo o grupo “o espectro das radicais suffragettes inglesas”.345 A despeito desses fatos no ano de 1916, ela enviou um requerimento ao Congresso pedindo a elaboração de uma lei que [...] de modo claro e explícito dê a mulher brasileira o direto de voto [...] a Constituição [...] não exclui de modo algum a mulher do número de alistáveis como eleitores [...]. Não é realmente justo que quando se dá ao homem inculto o direito de voto, de intervenção nas cousas públicas, se negue a mulher instruída (que as há em grande número, principalmente nesta capital) esse mesmo direito. [...] a requerente pede aos ilustres representantes da Nação que, tendo em vista a permissão implicitamente contida na Constituição da República, se dignem votar uma lei que de modo claro e explícito dê a mulher brasileira o direto de sufrágio.346 MIGUEL, L. F. BIROLI, F. (Org.). Teoria Política Feminista: textos centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013, p. 10. No início do século XX havia uma multiplicidade de feminismos, tais como o praticado pela classe operária, que não acreditava que a situação da mulher na sociedade poderia ser modificada por meio de mudanças nas legislações nacionais, mas apenas com a abolição de classes (RONCAGLIO, C. Pedidos e Recusas. Mulheres, espaço público e cidadania. Curitiba: Pinha, 1996). Ou, ainda o feminismo anarquista (RAGO, M. Anarquismo e feminismo no Brasil. A audácia de sonhar. Rio de Janeiro: Achiamé, 2007; LEITE, M. L. M. Outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura. São Paulo: Ática, 1984; LEITE, M. L. M. Maria Lacerda de Moura. Uma feminista utópica. Florianópolis: Mulheres; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2005). Linha diferente tomava o feminismo cristão praticado por grupos católicos. 341  Leolinda (ou Deolinda) de Figueiredo Daltro (1859-1935) foi professora, indigenista e feminista. Ao longo da década de 1910 fez várias tentativas para se alistar como eleitora. Em 1919 concorreu ao cargo de intendente municipal do primeiro distrito no Rio de Janeiro obtendo mais de 1700 votos (Correio da Manhã, Edição n. 7619, subtítulo “Revolução social, assoberbada pelas exigencias do feminismo” na Coluna assinada por Barão Ergonte: “Prophecias de Mucio Teixeira”, 08/01/1920, p.3). 342  Diário Oficial da União, 17/12/1910, p. 47-48. Assinam o estatuto 27 mulheres, entre elas a poetisa Gilka Machado. A esposa do presidente Hermes da Fonseca, Orsina, era a presidente de honra da entidade (O Paiz, Edição n. 9510, Nota na Coluna: “Viajantes.”, 19/10/1910, p.7). 343  Revista da Semana, Edição n. 594, fotografias do evento, 30/09/1911, p. 9-10; Jornal do Brasil, Edição n. 266, Fotografias do evento na Coluna: “Notas sociaes”, 23/09/1911, p. 7. 344  A Noite, Edição n. 576, Notícia: “As eleições de amanhã”, 29/01/1912, p. 2. 345  MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. Elas também desejam participar da vida pública: várias formas de participação política feminina entre 1850 e 1932. Gênero, Niterói, v. 4, n. 2, p. 149-169, 1o sem/2004, p. 163. Suffragettes era a alcunha pela qual eram conhecidas as militantes do Women’s Social and Political Union, grupo formado no Reino Unido por Emmeline Pankhurst em 1903, o grupo mais combativo e que expôs o movimento pró-sufrágio para o mundo. 346  Arquivo da Câmara dos Deputados, localização BR DFCD 1916/4/3 apud MARQUES, T. C. N. Bertha Lutz. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2016, p. 184-186. 340 

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Tal pedido recebeu uma resposta a contento, uma vez que, em 12 de junho de 1917, o deputado Maurício de Lacerda apresentou um projeto que tratava do alistamento feminino no qual de forma clara e explícita, solicitava tal direito para as mulheres acima de 21 anos de idade.347 Ao ser debatido, na sessão do dia 14 de junho, a proposta gerou desavenças entre os deputados Augusto Lima, Pedro Moacyr e Raul Cardoso. Eles divergiram acerca da condição da mulher casada e o poder marital como um impedimento para o voto feminino.348 Enquanto Cardoso e Moacyr declararam-se contrários ao voto da mulher casada, devido à obediência da esposa ao marido, Lima afirmava: [...] não vejo esse voto de obediência. No contrato de casamento as obrigações não têm categorias. Não conheço outro voto conjugal a não ser o de fidelidade recíproca e mútua assistência [...]. Elas têm medo de ser ironicamente tratadas, como tem acontecido com muitas matronas respeitáveis que tem reclamado o direito de voto. Dispenso-me de declinar nomes; mesmo aqui, no Distrito Federal, os nobres deputados conhecem uma respeitável senhora.349

A respeitável senhora em questão seria Leolinda Daltro? É provável, afinal ela era uma das únicas mulheres, na época, que ousavam fazer tal reivindicação de forma pública. A proposta de Lacerda chamou a atenção da imprensa, dando ensejo às mais variadas opiniões sobre a questão, algumas favoráveis e outras não. Contudo, a comissão designada para dar o parecer ao projeto, na sessão de 23 de julho, o considerou inconstitucional, inoportuno e inconveniente, o rejeitando sumariamente.350 Apesar de não ter passado pelo crivo da comissão, o projeto abriu um precedente para que outras propostas fossem apresentadas. O que não tardou a acontecer. Em 17 de dezembro de 1919, o senador Justo Chermont apresenta o projeto de lei n. 102, no qual procura estender o direito de alistamento às mulheres maiores de 21 anos. Na justificativa da proposta, instiga isso ser “um gesto de reparação de uma injustiça [...] é mesmo uma reivindicação; é um estímulo ao exercício do voto (que até já pensam em torná-lo obrigatório, tão necessário é ele à vida de uma nação), é um incentivo à nossa regeneração política”.351 No final da década de 1910, outra mulher, Bertha Maria Júlia Lutz surge no cenário público com o intuito de lutar pela emancipação feminina e pelo direito ao voto. Ela era filha de um renomado cientista, Adolpho Lutz, e, em 1918, havia recém retornado da Europa.352 Em 1920 ela fundou, na capital federal, a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM). Entre as primeiras associadas encontram-se nomes como: Isabel Imbassahy Chermont (esposa do senador Justo Chermont), Stella

A proximidade entre o deputado Lacerda e PRF pode ser verificada quando ele propôs uma representação sobre a questão dos funcionários públicos em nome do PRF (A Noite, Edição n. 1799, Notícia: “O Partido Feminino é pelos funccionarios”, 20/12/1916, p. 3). A proposta de Lacerda era que mulheres maiores de 21 anos alfabetizadas poderiam se alistar e serem eleitas (Diários da Câmara Federal, 13/06/1917, p. 478). 348  O Código Civil (1916) admitia que com o casamento a mulher passava a ser “companheira, consorte e auxiliar” do marido (cf. artigo 240). Ao mesmo tempo em que o marido era o “chefe da sociedade conjugal”, as casadas passam a ser “incapazes” de certos atos (cf. artigo 233), pois o marido respondia pela esposa perante a lei, passava a controlar seus bens e seu destino e o acesso dela ao mercado de trabalho sendo também o único detentor do pátrio poder. 349  ACD, Sessões de 1 a 30 de junho de 1917. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. II, 1918, p. 435-436. 350  ACD, Sessões de 2 a 31 de julho de 1917. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918, v. III, p.580-595. 351  DCN, 18/12/1919, p. 5437, grifos nossos. 352  Bertha Lutz (1894 – 1976) formou-se em Biologia na Sorbonne. Foi durante a estada na Europa que ela teria tomado contato com o movimento feminista (ALVES, Branca Moreira. Ideologia e Feminismo. A luta da mulher pelo voto no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980). Em 1919 Bertha foi aprovada em concurso público para o cargo de secretário do Museu Nacional, tornando-se a segunda mulher a ser nomeada no país. Em 1928, ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, formando-se bacharel em 15 de maio de 1933. 347 

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Guerra Duval e Jeronima Mesquita (fundadoras da entidade de assistência à maternidade e infância Pró-Matre), Maria Lacerda de Moura (professora) e Júlia Lopes de Almeida (escritora).353 Vale destacar que o PRF e a LEIM tinham propostas e táticas de ação semelhantes pois procuravam o apoio de políticos para suas demandas, enviavam cartas e manifestos para a imprensa. No entanto, as demandas da Liga passaram a ser mais bem aceitas, talvez pelo fato da maioria das associadas pertencerem ao mesmo grupo social dos homens do poder e, também, pelas transformações que estavam ocorrendo no mundo ocidental após o fim da Primeira Guerra. Em 1922 ocorreu uma mudança no rumo do movimento sufragista. Tal fato foi impulsionado pela participação de Bertha na Primeira Conferência Pan-Americana de Mulheres nos EUA, na qual ela travou contatos com Carrie Chapman Catt, importante feminista que presidia a International Woman Suffrage Alliance.354 Após essa viagem, tanto Daltro quanto o PRF passam a ser cada vez menos citadas pela imprensa. No retorno ao Rio de Janeiro, Bertha passou a ser nominada como “a ‘leader’ mais autorizada do feminismo no Brasil”355, que daria ao movimento “uma orientação salutar”.356 Em 9 de agosto a LEIM é renomeada para Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) e vinculada ao movimento internacional.357 Para sensibilizar os homens nos cargos de poder, a FBPF passou a defender certas posições estratégicas para vencer preconceitos contra a inserção feminina no mundo público. Passaram a propagar que a mulher, ao solicitar igualdade jurídica, não estaria sendo uma concorrente do homem, mas sua companheira e mais bem preparada para cuidar do lar e dos filhos. Ellen DuBois, ao apresentar os primórdios do movimento sufragista dos EUA, enfatiza que ao aceitar a centralidade do papel feminino na família as sufragistas procuravam reformar as regras, que as colocavam em franca desvantagem com os homens, e não contestar as raízes patriarcais da sociedade.358 Ao assumir essa mesma postura no Brasil, o feminismo apregoado pela FBPF passou a ser identificado com a alcunha de “bom feminismo” na época e, a posteriori, como “bem-comportado”359 e/ou “tático”.360 Também contribuiu para a causa sufragista no Brasil um pronunciamento de Rui Barbosa, proferido em março de 1919. Ao dissertar sobre a questão social e política do país ele destacou a conquista do voto feminino na Inglaterra (1918), exigindo demanda imediata no Brasil com a justificativa de ser uma questão de justiça.361 A importância de tal discurso foi no sentido de apontar uma mudança na forma de se considerar a questão no Brasil. A partir de então nenhum projeto ou emenda, visando à equiparação política feminina, foi considerado inconstitucional. É o que se pode observar na leitura do parecer do projeto Chermont, ocorrida na sessão de 11 de maio de 1921, ao Sobre a polêmica participação de Maria Lacerda de Moura na fundação da LEIM consultar LEITE, 1984 e KARAWEJCZYK, M. Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura – uma parceria inusitada. Revista Gênero. Niterói, v. 14, n. 2, 1o sem./2014. 354  Esse contato foi contínuo entre as décadas de 1920 e 1930, como atesta correspondência preservada no Arquivo Nacional. Carrie Chapman Catt (1859-1947) foi muito ativa no movimento sufragista dos EUA tendo presidido a National American Woman Suffrage Association (NAWSA) de 1900 a 1904 e de 1915 a 1920. 355  O Imparcial, Edição n. B01351, Notícia: “O feminismo victorioso”, 04/08/1922, p. 3. 356  A Noite, Edição n. 3833, Notícia: “De volta de uma grande assembléa da mulher”, 05/08/1922, p. 1. 357  Em agosto a FBPF abre filiais nas cidades de Niterói, São Paulo e Belo Horizonte e filiais em outros estados na década de 30. Logo após o período de expansão a FBPF sofreu duras críticas da Igreja Católica. Para mais informações, consultar KARAWEJCZYK, Mônica. MAIA, Tatiana Vargas. A Igreja Católica e o voto feminino no Brasil – uma questão de poder e influência. Coisas do Gênero. São Leopoldo, v. 2, n. 1, p. 90-104, jan- jul 2016. 358  DUBOIS, E. C. Woman suffrage and women’s rights. New York: New York University Press, 1998. 359  PINTO, C. R. J. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003, p. 10. 360  SOIHET, R. O Feminismo Tático de Bertha Lutz. Florianópolis; Mulheres; Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006, p. 28. 361  BARBOSA, R. A questão social e política no Brasil (Conferência pronunciada no Teatro Lírico, do Rio de Janeiro, a 20 de março de 1919). São Paulo: LTR; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1983, p. 40. 353 

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destacar: “quanto à nossa missão, por não fazer a Constituição distinção de sexo para o exercício de mandatos políticos, devemos dizer que o projeto não é inconstitucional e que, portanto, merece entrar na ordem dos nossos trabalhos”.362 Nesse sentido destaco que, até 1925, ocorreram a apresentação de mais duas emendas e dois projetos no parlamento tratando do voto feminino. A imprensa divulgava manifestações tanto contra quanto a favor da questão, sendo que Bertha Lutz era constantemente procurada para dar sua opinião sobre os projetos em tramitação. Apenas o projeto de Basílio de Magalhães, apresentado na sessão do dia 1º de dezembro de 1924, colocava interditos para a obtenção de tal direito alegando que a mulher, se casada, deveria obter consentimento do marido para poder se alistar e, se solteira, viúva ou desquitada, deveria comprovar renda própria que lhe assegurasse a subsistência.363 A FBPF redigiu cartas de repúdio a essas restrições, enviando-as tanto para a imprensa quanto para os deputados. Nessas cartas, condenava questões restritivas dessa monta como: “clamorosamente injusta e inconstitucional”.364 Como forma de exemplificar a mudança na avaliação do sufrágio feminino pelos parlamentares ao longo da década de 1920 trago duas enquetes. A primeira aplicada logo após a apresentação da proposta de Magalhães, em 1924, procurou conhecer a opinião de 65 parlamentares sobre o projeto. Já a segunda, levada a cabo após a aprovação do voto feminino no Rio Grande do Norte, em outubro de 1927, teve a participação de 56 senadores. As respostas mostram o “clima” que vigorava no Congresso na época em que foram feitas.365 A enquete de 1924 registrou que 37 dos 65 parlamentares eram contrários ao projeto, indicando que a proposta continuava controversa, mesmo com as restrições propostas por Magalhães. A resposta dada pelo deputado federal Getúlio Vargas na ocasião merece destaque: “julgo que a mulher nacional não tem a educação da norte-americana e da inglesa, onde essa teoria triunfou. Seria, além disso, desvirtuar a missão da mulher, trazê-la para os comícios eleitorais”.366

Anais do Senado Federal (ASF), Sessões de 18 de abril a 31 de maio de 1921. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922, v. I, p. 416. O projeto de Justo Chermont foi aprovado em primeira discussão, ficando à espera da próxima etapa para ser implementado. 363  ACD, Sessões de 1a 9 de dezembro de 1928. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1929, v.XVI, p. 24. 364  A Noite, Edição n. 4708, Notícia: “Voto das mulheres”, 01/01/1925, p. 5. 365  Rio Grande do Norte era o estado natal de Juvenal Lamartine, um dos mais destacados aliados da FBPF, a quem Bertha recorria quando tinha necessidade de apoio para suas demandas no meio político. 366  Gazeta de Notícias, Edição n. 295, Notícia: “A mulher e o voto”, 07/12/1924, p. 1. Na enquete de 1924, se pronunciaram favoráveis ao voto feminino sem nenhuma restrição: os senadores Adolfo Gordo, Carlos Cavalcanti, Afonso Camargo, Lauro Muller, Lopes Gonçalves, Generoso Marques, Moniz Sodré, Antonio Moniz, Modesto Leal, Ferreira Chaves, Venancio Neiva, Felippe Schmidt, Manoel Monjardim e Sampaio Correia; e os deputados Domingos Barbosa, Raul Machado, Batista Luzardo, Henrique Dodsworth, Salles Junior, Luiz Silveira, Alberico de Moraes, Nicanor do Nascimento, Nogueira Penido, Costa Ribeiro, Dorval Porto. Contrários à proposta, se posicionaram os senadores Dionysio Bentes, Vespucio de Abreu, Cunha Machado, Luiz Adolpho, Costa Rodrigues, Lauro Sodré, Hermenegildo de Moraes, Soares dos Santos, Vidal Ramos, Eusébio Andrade, Thomas Rodrigues, Bueno Paiva, José Murtinho e João Lyra; e os deputados Getúlio Vargas, Raphael Fernandes, Walfredo Leal, Collares Moreira, Gentil Tavares, Vicente Piragibe, Heitor de Souza, Eurico Valle, João Santos, Nelson de Senna, Marcellino Machado, Antunes Maciel, Fiel Fontes, Vianna Castello e Armando Burlamaqui. Levantaram restrições ao projeto: senador João Thomé e deputados Elyseu Guilherme e Bento Miranda. Não consideraram oportuno o momento: senadores Mendes Tavares, Bueno Brandão, Paulo Frontin e Antonio Freire; deputados Leopoldino de Oliveira, Tavares Cavalcanti, Francisco de Campos e Fábio Barreto. 362 

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Gráfico 5.1 - Enquetes acerca o sufrágio feminino Fonte: elaboração própria a partir das respostas dos parlamentares para o jornal Gazeta de Notícias, Edições n. 293, de 05/12/1924, n. 295, de 07/12/1924 e n. 304, de 18/12/1924 e Correio da Manhã, Edição n. 10095, Nota “...e do Senado...” na Coluna: “No mundo politico”, 10/12/1927, p. 4

A enquete de 1927 parte de uma outra situação, pois o voto feminino havia recém sido aprovado no Rio Grande do Norte e uma nova tentativa de se votar o projeto Chermont no Congresso estava em plena tramitação. Nessa nova enquete, 34 senadores se colocavam a favor do voto feminino, 15 se diziam contrários e 7 mostravam dúvidas sobre o tema, o que aponta uma tendência à aprovação do projeto no Congresso.367 Essa também era a percepção da FBPF que passou a estimular o alistamento feminino em todo o país bem como a utilizar os meios mais modernos disponíveis para a propaganda do voto feminino, tal como o rádio e a via aérea. A FBPF mantinha na época um Senadores favoráveis: Aristides Rocha, Barbosa Lima, Godofredo Vianna, Pires Rebello, Francisco Sá, Antonio Massa, Fernandes Lima, Correa de Brito, José Henrique, Juvenal Lamartine, Gilberto Amado, Antonio Moniz, Pereira Lobo, Lopes Gonçalves, Manoel Monjardim, Teixeira de Mesquita, Irineu Machado, Frontin, Mendes Tavares, Adolpho Gordo, Arnolfo Azevedo, Azeredo, Affonso de Camargo, Carlos Cavalcanti, Albuquerque Maranhão, Caiado, Olegario Pinto, Rocha Lima, Celso Bayma, Felippe Schmidt, Pereira de Oliveira, Vespucio de Abreu e Soares dos Santos. Senadores contrários: Bernardino Monteiro, Thomaz Rodrigues, Cunha Machado, Costa Rodrigues, Pedro Lago, Mendonça Martins, Lauro Sodré, Eurico Valle, Pires Ferreira, Ferreira Chaves, Venancio Neiva, Miguel de Carvalho, Bueno de Paiva, Bueno Brandão e João Lyra. Senadores indecisos: Epitácio Pessoa, Joaquim Moreira, João Thomé, Pedro Celestino, Murtinho, Manoel Duarte e Miguel Calmon. Entre os senadores consultados em 1924 e em 1927 dois que eram favoráveis ao sufrágio feminino passaram a se declarar contra e três dos que se pronunciaram de modo contrário ao alistamento feminino, dois agora se dizem favoráveis e um indeciso. E dos três dos senadores que na enquete de 1924 declararam não considerar o momento oportuno, dois mudaram de ideia e agora se proclamam a favor do voto e um se declarava agora contrário à ideia. O senador João Thomé continuava indeciso sobre a matéria. Apesar da aparente simpatia ao projeto ele recebeu o designativo de “não urgente”, o que acarretou na sua não inclusão nas discussões da casa naquele ano, bem como foram apresentadas duas novas emendas de modo que este retornou à comissão para ser reavaliado. 367 

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programa no rádio intitulado Cinco Minutos Feministas e, no ano de 1928, Bertha Lutz, Amélia Bastos e Carmem Portinho sobrevoaram o Distrito Federal lançando panfletos de propaganda de cunho sufragista sobre os edifícios da Câmara e do Senado, do Palácio do Catete e sobre diversas ruas do centro.368 As militantes do grupo, com o intuito de angariar apoio para a causa também recrudescem a ação no parlamento, reunindo-se com políticos e participando de sessões no Congresso. Em janeiro de 1929 os esforços da FBPF são reconhecidos quando o alistamento feminino é permitido em todo o Estado do Rio de Janeiro.369 Na campanha presidencial de 1929-1930, os ânimos se incendiam no país. O presidente Washington Luiz apoia o candidato paulista, Júlio Prestes, enquanto Getúlio Vargas é lançado como candidato da oposição pela Aliança Liberal.370 Uma das associadas da FBPF, Nathercia da Cunha Silveira apoiou a candidatura de Vargas, motivo pelo qual acabou saindo do grupo ao ser criticada por Bertha Lutz pelo seu posicionamento político.371 Bertha, ao que tudo indica, era favorável ao candidato paulista, que saiu vitorioso do embate, mas que acabou não sendo empossado devido ao conflito armado que se estabeleceu.372 A ELABORAÇÃO DO CÓDIGO ELEITORAL E O VOTO FEMININO Logo após a ascensão de Getúlio Vargas como Chefe do Governo Provisório, mudanças ocorreram nos meandros do poder federal e um clima de expectativa passou a vigorar no país. Expectativas que poderiam ou não ser comprovadas pelo recém-implantado governo revolucionário e, nesse interim, algumas mulheres passaram a questionar o que o futuro reservava para elas. Nathercia Silveira e Elvira Komel, por exemplo, externaram esperanças que, na esteira da Revolução, o voto fosse assegurado para as brasileiras.373 Com a mudança no poder, todas as leis do país passaram por modificações, inclusive a lei eleitoral e uma Comissão foi nomeada para tratar da reforma das leis. Contudo, devido ao sigilo em que as reuniões da subcomissão eleitoral foram cercadas, desde o início de suas atividades, quase nada se sabia sobre o teor das mudanças que estavam sendo pensadas pela subcomissão, fora especulações de que estavam sendo cogitadas algumas inovações tais como o voto feminino e o voto secreto.

O Paiz, Edição n. 15912-15913, Notícia: “A propaganda feminista por via aérea”, 14 e 15/05/1928, p. 8. A Noite, Edição n. 6175, Notícia: “O voto feminino”, 25/01/1929, p. 1 O alistamento feminino no estado do Rio foi reconhecido após o recurso de Francisca Gaya, defendido pela FBPF (Razões da Recorrida, 14/11/1928, Arquivo Nacional, Documentos Privados, Fundo FBPF - Seção Administração, Voto Feminino, Cx. 14, Pac.1) 370  Apesar das plataformas eleitorais dos candidatos não mencionarem o sufrágio feminino, o mesmo pode ser inferido, por exemplo, no Manifesto da Aliança, redigido por Lindolfo Collor. Neste encontram-se partes que indicam sua aceitação, tal como no trecho: “Todo indivíduo nascido no Brasil, ao chegar à maioridade, desde que saiba ler e escrever e não haja incorrido em pena, que lhe imponha a perda dos direitos civis e políticos, será automaticamente inscrito nos registros cívicos” (BONAVIDES, P. AMARAL, R. Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, v. IV, 2002, p. 150). 371  ALVES, 1980, p. 122. 372  Nathercia (1903 - ?), foi a primeira mulher a se formar em advocacia no Rio Grande do Sul (1926). Em 1928 estava advogando no Distrito Federal e, durante a campanha presidencial, discursou no primeiro dia do Comício Liberal afirmando “que deseja participar da propaganda das ideias liberais e do movimento do protesto contra as violências dos que se acham no poder. Nada se poderá fazer contra os direitos públicos, porque não é o terror que os sufocará e a reação será, assim, mais sadia, retemperando as perseguições a fibra do povo. Queremos a luta pacífica das urnas” (O Jornal, Edição n. 3403, subtítulo “O discurso da dra. Nathercia da Silveira” na Notícia: “O comicio liberal de hontem”, 21/12/29, p. 2). 373  A Noite, Edição n. 6873, Notícia: “As mulheres agitam-se”, 13/01/1931, p. 1. 368  369 

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A espera do anteprojeto eleitoral Em janeiro de 1931, os jornais deram destaque para a campanha iniciada por Nathercia Silveira e Elvira Komel, na capital federal. A imprensa assim as descreveu: “duas ilustres patrícias” que sustentavam “a necessidade imediata do voto para a mulher”374 e que estavam solicitando “a inclusão no projeto de reforma da nossa lei eleitoral de um artigo assegurando o direito de voto à mulher”.375 Naquele mês, elas buscaram apoio à causa sufragista com as principais lideranças do momento, tais como Getúlio Vargas, o ministro do trabalho Lindolfo Collor, o cardeal D. Sebastião Leme, o ministro da Justiça Oswaldo Aranha e o chefe da polícia Batista Lusardo. Elvira Komel não era uma novata na causa sufragista. Em 1928 ela foi a primeira eleitora mineira e, durante a Revolução de 1930, formou o Batalhão Feminino João Pessoa. Esse batalhão chegou a arregimentar 8 mil mulheres e prestou serviços variados como enfermagem e costura, além de vigílias noturnas em Minas Gerais.376 Com o fim do conflito, o grupo foi transformado na Associação Batalhão Feminino João Pessoa (ABFJP) com o intuito de assegurar o sufrágio feminino. Em 1931 a associação mantinha filiais em 55 municípios mineiros e contava com 1200 associadas na cidade de Belo Horizonte.377 Nathercia, após sua saída da FBPF, fundou em fevereiro de 1931 a Aliança Nacional de Mulheres (ANM) com sede na capital federal. A finalidade mor da entidade era a de “proteger a mulher que trabalha, em todos os ramos de atividade, amparando-a na conquista de sua independência econômica e bem assim assegurar-lhe o uso e gozo dos direitos civis e políticos”.378 Em menos de um mês de seu estabelecimento, a Aliança já contava com mais de 500 associadas379, sendo que em 1932 esse número já era de mais de 1500.380 A importância do aparecimento de novas associações para o movimento sufragista está no sentido de apontar uma divergência na condução do movimento organizado monopolizado pela FBPF. Apesar de tais associações serem reconhecidas como representantes de um feminismo bom e construtor, também recebiam críticas, tal como a proferida por Rachel Crotman: As nossas associações feministas heterógenas só conseguem interessar a mulher culta e representam um expoente numérico irrisório para os legisladores intransigentes. É preciso arregimentar a mulher de todas as profissões e formar uma masas [sic.] cujo clamor chegue a ferir os ouvidos dos nossos concidadãos. Precisamos abater a sua frieza com a Correio da Manhã, Edição n. 11067, Notícia: “A mulher brasileira e a companha pelo voto”, 16/01/31, p. 3. A Noite, Edição n. 6877, Notícia: “Duas batalhadoras do ideal feminista, no Brasil”, 17/01/31, p. 3. 376  GAMA, L. V. G. Elvira Komel. Uma estrela riscou o céu. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1987. A Noite. Edição 6873. Editorial: “A mulher militar”. 13/01/1931, p.1. 377  Correio da Manhã, Edição n. 11067, Notícia: “A mulher brasileira e a companha pelo voto”, 16/01/31, p. 3. Elvira Komel (1906-1932) diplomou-se em direito no RJ em 1929, logo abrindo banca em Belo Horizonte (GAMA, L. V. G. Elvira Komel..., 1987). Ela mantinha contato com Bertha Lutz, como atestam cartas do fundo FBPF (KOMEL, E. Carta para Bertha Lutz, Arquivo Nacional, Documentos Privados, Fundo FBPF Seção Administração, Correspondências, Cx. 17, Pac.2, Dos. 2, v. 20, 04/07/1928a). Em outubro de 1928, escreveu para Carmem Portinho dizendo que aceitava se filiar à FBPF (KOMEL, E. Carta para Carmem Portinho, Arquivo Nacional, Documentos Privados, Fundo FBPF Seção Administração, correspondências, Cx. 17, Pac.2, Dos. 2, v. 20, 22/10/1928b). Isso lança uma nova interpretação a um fato constatado por Céli Pinto quando cita o exemplo de Komel como uma das mulheres que lutaram pelo voto no Brasil sem ter qualquer relação com a FBPF (PINTO, Céli R. J. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2003, p. 26). Lélia da Gama relata que “formada [...], Elvira resolveu retornar a Minas, supondo-se de que a causa dessa decisão tenha sido um desentendimento com Bertha Lutz, por razões de discrepâncias de pensamento normativo quanto ao ‘feminismo’ ou porque Elvira via em si mesma possibilidades de liderança nos espaços regionais, dos terrenos mineiros que se abririam no futuro, para outros membros da Federação, ao nível do Brasil.” (GAMA, 1987, p. 77). 378  A Noite, Edição n. 6908, Notícia: “Alliança Nacional de Mulheres”, 19/02/1931, p. 7. 379  Correio da Manhã, Edição n. 11109, Notícia: “Alliança Nacional de Mulheres”, 07/03/1931, p. 3. 380  Correio da Manhã, Edição n. 11392. Notícia: “ A Alliança Nacional de Mulheres”, 31/01/1932, p. 23. 374  375 

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nota chocante do número. Este será o meio seguro de conquistarmos o direito ao voto e com ele os direitos políticos inerentes.381

Nos primeiros meses de 1931, além do aparecimento de novas associações femininas, chamou a atenção da imprensa um discurso proferido por Batista Lusardo na cidade de Caxambu (Minas Gerais). Na ocasião, Lusardo destacou “que era firme propósito do Governo Provisório, na próxima convocação à Constituinte, assegurar à mulher o direito de voto.382 A repercussão de tal afirmação foi imediata, em especial nas associações femininas e, entre as manifestações de apreço a Lusardo, é possível perceber um clima de disputa entre elas. De um lado, a FBPF exalta o fato de ela ser “orientadora do movimento feminista nacional organizado” alegando que o gesto do governo nada mais era do que o reconhecimento do que vinham buscando desde sua fundação.383 A ANM e a ABFJP ressaltam que as brasileiras mereciam conquistar esse direito por seu papel “saliente” na obra revolucionária.384 Em abril, o discurso de Lusardo ainda repercute na capital federal, sendo ele recepcionado na sua volta ao Rio de Janeiro por mais de 10 mil pessoas. Na oportunidade ele agradeceu as manifestações e discursou destacando, mais uma vez, que Getúlio Vargas assegurava que “a próxima reforma eleitoral consignará o direito de voto à mulher brasileira”.385 Nesse sentido, uma entrevista de Vargas para o Correio da Manhã chama a atenção por tratar dos “assuntos mais palpitantes” do momento político no Brasil e, segundo o texto, retratar “fielmente o pensamento do Chefe do Governo Provisório [pois] depois de escrita, foi revista por s.ex., que a sancionou em todos os seus pontos e palavras”.386 Getúlio ao ser inquirido sobre a repercussão da declaração de Lusardo, respondeu: “– A afirmação que fez o sr. Batista Lusardo no seu discurso em Caxambu é verdadeira. O governo simpatiza com a instituição do voto feminino, que já é uma conquista da maioria dos países civilizados”. Para Vargas “a mulher brasileira conquistou esse direito pelo papel saliente que desempenhou na propaganda de renovação”. No entanto ele se exime de garantir esse direito ao acrescentar: “o governo, entretanto, não pretende impor o seu pensamento. Depende também da aceitação da opinião nacional, que tenho a impressão de que lhe é favorável”.387 Apesar do aparente apoio do governo, ainda não se sabia se o voto feminino seria mesmo assegurado na nova lei eleitoral. Certo mesmo era que a subcomissão estava recebendo variadas sugestões para o texto em elaboração, entre elas algumas enviadas pelas associações femininas.388 A FBPF, por exemplo, enviou sua sugestão pelos jornais, destacando que não podia Diário de Notícias, Edição n. 461, Coluna especial: “O voto feminino” assinada por Rachel Crotman, 20/09/1931, p. 23. Correio da Manhã, Edição n. 11111, Notícia: “O sr. Getulio Vargas em Minas”, 10/03/1931, p.5. João Batista Lusardo (1892 – 1982) era médico e advogado. Em 1930 participou do movimento revolucionário ao lado de Vargas, pelo que recebeu o cargo de chefe de Polícia do Distrito Federal. Pelo pronunciamento favorável ao sufrágio feminino recebeu o título de sócio honorário da ANM. Exonerou-se do cargo em 1932, logo após a publicação do Código Eleitoral, por conta do empastelamento do jornal Diário de Notícias. 383  Correio da Manhã, Edição n. 11111, Notícia: “O feminismo e a projectada reforma da lei eleitoral”, 10/03/1931, p. 6. 384  Correio da Manhã, Edição n. 11112, Notícia: “A Alliança Nacional de Mulheres”, 11/03/1931, p. 3. 385  A Esquerda, Edição n. 989, Notícia: “A vibrante oração do grande tribuno agradecendo as manifestações populares”, 01/04/1931, p. 1. 386  Correio da Manhã, Edição n. 11117, Entrevista: “O chefe do Governo Provisório dirige-se á Nação”, 17/03/1931, p. 1 e 4. O trecho citado encontra-se na primeira página. 387  Correio da Manhã, Edição n. 11117, Entrevista: “O chefe do Governo Provisório dirige-se á Nação”, 17/03/1931, p. 1 e 4. Os trechos citados encontram-se na quarta página. 388  João Cabral, questionado sobre o andamento do anteprojeto, declarava: “o trabalho não podia ser feito com maior rapidez, porque a ele foram enviados numerosos memoriais e trabalhos impressos, tanto do Instituto dos Advogados, como de outros estudiosos no assunto. Tivemos que ler e apreciar todos esses trabalhos, porque não era lícito que repudiássemos uma ideia sem maior exame” (A Esquerda, Edição n. 1076, Notícia: “A reforma da legislação eleitoral”, 13/07/1931, p. 1 e 2). 381  382 

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[...] permanecer estranha aos trabalhos da subcomissão, encarregada de redigir o anteprojeto de Legislação Eleitoral. Certa de que o espírito esclarecido dos juristas que se constituem em cliwam [sic.], favoravelmente às reivindicações de justiça cívica da mulher contemporânea [...]. Está na hora de conceder o direito de voto às mulheres no Brasil.389

O mês de junho trouxe novas discussões sobre o voto feminino, tema debatido em dois Congressos Femininos ocorridos respectivamente entre os dias 20 a 30, no Rio de Janeiro, preparado pela FBPF, e na cidade de Belo Horizonte, de 22 e 27 de junho, organizado pela ABFJP e pela ANM.390 Não parece ser uma coincidência a feitura dos congressos nas mesmas datas, sugerindo certa disputa entre as associações. Embora as participantes de ambos os congressos convergissem ao afirmar que praticavam o bom feminismo percebe-se a tentativa de esvaziar o congresso alheio. Alice Coimbra, secretária da FBPF procurou destacar que o congresso do Rio e as associadas da FBPF eram filiadas ao feminismo que pugna pelos direitos da mulher e pelo bem da criança, o feminismo que não desintegra a mulher de suas crenças nem dos seus deveres no lar, o feminismo que visa colaborar com o elemento masculino pelo bem e o engrandecimento da [...] pátria.391 Por sua vez Nathercia, no discurso que proferiu na inauguração do evento em Minas, destacou: “a ação feminista não é combater os homens, mas dar à mulher direitos equivalentes aos seus esforços em favor do bem-estar da humanidade”.392 Tais afirmações demostram alinhamento no discurso das associações, mas também apontam divergências, uma vez que congresso feminino mineiro foi divulgado como sendo o encontro “no qual poderão tomar parte todas as mulheres que concorreram, moral e materialmente, para a vitória da Revolução [...] que reúne a quase totalidade das diplomadas em cursos superiores e que exercem atividade profissional nesta capital”.393 Enquanto isso, o Congresso do Rio procurava se firmar como o mais legítimo para dar voz às mulheres do Brasil declarando na imprensa: [...] sensibiliza e convence muito mais, planeja e constrói mais solidamente um grupo coeso, disposto firmemente a celebrar, na união, sacrifícios e vitórias do que vozes dispersas o fariam em pontos esparsos do país. [...]. Ouçamos todas, atentas, o toque de reunir da FBPF. Uma só força orienta a ação da mulher neste momento: a da solidariedade que prepara o poder individual e coletivo para as realizações fecundas e progressistas.394

A temática do sufrágio feminino foi discutida no dia 25 no congresso mineiro na reunião intitulada “a situação da mulher na ordem política e jurídica”. Após os debates resolveu-se pedir a revisão da Constituição e a elaboração da seguinte emenda: “I – À mulher compete o exercício do voto. II – Este direito deve ser conferido nas mesmas condições reservadas ao homem.”.395 Por sua vez, o congresso do Rio debateu o tema no dia 29, na seção Comissão Legislativa, tendo deliberado: Correio da Manhã, Edição n. 11176, Notícia: “Centenas de mulheres nos Parlamentos das grandes nações”, 24/05/1931, Suplemento, p. 3. O congresso mineiro se reuniu no Teatro Municipal de Belo Horizonte e na antiga Câmara dos Deputados e o do Rio de Janeiro nas dependências do Automóvel Club do Brasil. Branca Alves se equivoca na data do Congresso da FBPF e o localiza no mês de julho de 1931 (ALVES, 1980, p. 123). June Hahner e Susan Besse, por sua vez, somente mencionam o congresso do Rio (HAHNER, J. Emancipação do Sexo Feminino. Florianópolis: Mulheres, Santa Cruz: Edunisc, 2003; BESSE, S. Modernizando a Desigualdade. São Paulo: Edusp, 1999). A FBPF anunciou que seu congresso contaria com a participação de associações estrangeiras e de personalidades políticas como Levi Carneiro, Augusto de Lima, Mario Pinto Serva, Batista Lusardo. O congresso de Minas também divulgou a participação de Gustavo Capanema e Olegário Maciel e de grande número de adesões femininas. 391  A Noite, Edição n. 7034, Notícia: “No congresso feminista”, 26/06/31, p. 1. 392  Correio da Manhã, Edição n. 11201, Notícia: “I Congresso Feminino Mineiro”, 23/06/1931, p. 6. 393  Correio da Manhã, Edição n. 11192, Notícia: “1o Congresso Feminino – Mineiro”, 12/06/1931, p. 5. 394  A Noite, Edição n. 7001. Notícia: “O Próximo 2º Congresso Feminista”, 25/05/1931, p. 5. 395  GAMA, L. V. G. Elvira Komel..., 1987, p. 72. 389  390 

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Declarar perante a opinião pública brasileira e internacional que a mulher não é inferior ao homem nem psicologicamente nem socialmente, não cabendo num regime de equidade e de justiça qualquer restrição contra seus direitos nem discriminação de qualquer espécie cerceadoras de sua atividade.396

Assim, ambos os congressos solicitaram o voto feminino nas mesmas condições que o masculino bem como enviaram suas deliberações para serem apreciadas pelas subcomissões legislativas.397 Apesar desses fatos, João Cabral, um dos membros da subcomissão eleitoral, ao ser abordado por jornalistas no mês de julho destacou que o voto feminino seria acrescido na reforma, “mas não teremos sufrágio integral. Terão de ser formuladas algumas restrições...”.398 O teor de tais aludidas restrições não foi especificado na oportunidade. Manifestações contrárias à aprovação do voto feminino também foram proferidas pela imprensa durante esse período. Para exemplificar, trago a opinião de Othelo Rosa que, como muitos outros, não admitia a presença das mulheres nas lides eleitorais. Em um de seus artigos ele destacou: [...] estamos ainda na infância da democracia [...] a própria massa eleitoral masculina é incapaz para o exercício normal e regular do direito do voto [...] não acredito nos benefícios dessa influência enquanto nós, os cidadãos, não tivermos a dignidade de transformar as mesas eleitorais em um recinto decente, conciliável com a delicadeza e o aprumo de uma senhora [...] não há para qualquer delas missão mais importante que a de ser boa esposa e boa mãe [...] eu sou contrário ao voto feminino preferindo que as minhas patrícias, mantendo-se o tipo da mulher, ‘pot-au-feu’ dos franceses, continue a ser, em nossos lares, o soberbo exemplo de doçura, de virtude e de bondade, que já se fez, para o Brasil, um padrão de honra e de grandeza moral.399

Rosa chegou a publicar um substitutivo ao anteprojeto em elaboração no qual além de solicitar o voto somente para homens com comprovação de renda mínima, reafirma que o cenário político nacional não seria condizente com a figura feminina. Segundo ele, se as mulheres conseguissem direito ao alistamento eleitoral teriam também de arcar com o serviço militar obrigatório e participar dos tribunais do júri, argumento base dos que eram contrários ao sufrágio feminino na época. Ele conclui seu arrazoado afirmando não passar de “galanteria” estar se cogitando ampliar o voto para as brasileiras.400 Assis Brasil, outro dos membros da subcomissão eleitoral, também se manifestou sobre a questão do sufrágio feminino. Em agosto, pouco antes da divulgação do anteprojeto eleitoral, ao ser homenageado na capital federal em um almoço comemorativo, Maria Nazareth Ferraz, em nome da FBPF, fez considerações sobre a concessão de direitos políticos à mulher. Segundo os jornais, Assis

A Noite, Edição n. 7037, Notícia: “Segundo Congresso Internacional Feminista”, 29/06/1931, p. 4. Uma comissão constituída por Maria Eugenia Celso, Julia Lopes de Almeida, Bertha Lutz, Anna Amália Queiroz Carneiro de Mendonça e Maria Luiza Bittencourt, entregou diretamente para Vargas o relato do congresso do Rio. Entre as resoluções entregues estava a “igualdade dos sexos quanto a todos os direitos políticos e declaração desse princípio nos futuros textos legislativos”. A comissão foi recebida por Vargas que declarou que pediria a Assis Brasil para “incluir o direito de voto feminino na reforma eleitoral que está elaborando” (Correio da Manhã, Edição n. 11222, Notícia: “O voto feminino”, 17/07/1931, p. 3). 398  A Esquerda, Edição n. 1076, Entrevista: “A reforma da legislação eleitoral”, 13/07/1931, p. 1 e 2. O trecho citado encontra-se na segunda página. 399  Correio do Povo (Porto Alegre), s.e., Notícia: “O voto feminino”, 12/03/1931, p. 3. Othelo Rosa (1889- 1956) foi jornalista, promotor de justiça e exerceu cargos políticos no Rio Grande do Sul (SPALDING, W. Construtores do Rio Grande. v. 2. Porto Alegre: Sulina, 1969, p. 217-222). 400  ROSA, O. R. A reforma eleitoral: crítica ao anteprojeto, projeto de regulamento eleitoral, o voto feminino. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1931. Para Othelo Rosa, “alguns juízes, cedendo à dialética graciosa e subtilmente feminina da sra Bertha Lutz, ou de alguma das outras gentis legionárias da ‘Federação Brasileira pelo Progresso Feminino’, chegaram a determinar a inclusão de senhoras nos registros eleitorais”(Ibidem, p. 46), o que denota que a presença da FBPF estava impactando em outras regiões que não só o Distrito Federal. 396  397 

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Brasil afirmou que “dariam à pretensão feminista a solução que melhor consultasse aos interesses da nacionalidade”.401 Em outra oportunidade, discorrendo sobre o sufrágio feminino, ele afirmou: [...] mesmo no seio do governo, nas correntes dominadoras da situação, [há quem] pense que ele não deve ser concedido imediatamente, ou só o deve ser com grandes restrições, por entender-se que a mulher, em nosso país, geralmente não está preparada para o exercício desse direito.402

João Cabral, por sua vez, reafirmou que a subcomissão eleitoral estava divergindo sobre esse ponto, ou seja, se o voto feminino deveria ser aplicado na reforma da lei ou na futura Constituinte.403 Tal impasse foi resolvido a contento, uma vez que, em 11 de setembro, ao ser publicado a primeira parte do anteprojeto, ficou-se conhecendo que o alistamento feminino estava ali contemplado. Quanto aos direitos eleitorais foram mantidos, em linhas gerais, o sistema anterior para os maiores de 21 anos, alfabetizados. Contudo o alistamento feminino foi proposto com restrições bem severas, como se pode acompanhar na leitura das condições aferidas pela subcomissão eleitoral, pois estava sendo proposto o mesmo somente para: a. a mulher solteira ‘sui juris’, que tenha economia própria e viva do seu trabalho honesto, ou do que lhe rendam bens, empregos, ou qualquer outra fonte de renda lícita; b. a viúva em iguais condições; c. a mulher casada, que exerça efetivamente o comércio, ou seja chefe ou gerente de estabelecimento industrial, ou firma comercial, e bem assim, a que exerça efetivamente qualquer lícita profissão, com escritório, consultório ou estabelecimento próprio, ou que tenha função devidamente autorizada, ou que se presuma autorizada pelo marido, na forma da lei civil; d. as operárias ou empregadas em estabelecimento fabril ou comercial, casadas ou não, contanto que tenha economia própria.

Ainda são alistáveis, nas condições do artigo antecedente: a. a mulher separada por desquite amigável ou judicial, enquanto durar a separação. b. aquela que, em consequência de declaração judicial de ausência do marido, estiver a testa dos bens do casal, ou na direção da família. c. aquela que foi deixada pelo marido durante mais de dois anos, embora esteja em lugar sabido.

Além dessas exigências, não poderia inscrever-se como eleitora: a mulher solteira, que viva sob teto paterno, sem economia; bem como a viúva nas mesmas condições. Analisando tais restrições impostas às mulheres, alguns pontos se destacam, sendo o primeiro o fato de a subcomissão eleitoral não ter considerado o alistamento de forma igualitária para homens e mulheres. O segundo ponto a se destacar diz respeito a exigência de comprovação de renda somente para o sexo feminino, semelhante às restrições propostas durante a Constituinte de 1890-91; além do fato dessa renda ter que vir de um trabalho lícito e honesto, provável tentativa de impedir prostitutas de participar do jogo político. Também chama a atenção o fato de a subcomissão 401  402  403 

A Noite, Edição n. 7070 (2a edição), Notícia: “Um banquete que foge ás formulas convencionaes”, 01/08/1931, p. 1. A Noite, Edição n. 7076, Notícia: “A reforma eleitoral”, 07/08/1931, p. 1. A Noite, Edição n. 7077, Notícia: “As bases da reforma eleitoral”, 08/08/1931, p. 1.

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ter ignorado a redação dos projetos e emendas apresentados ao longo da Primeira República e os pedidos das associações femininas que solicitavam o sufrágio igualitário para homens e mulheres. João Cabral, em uma edição comentada do Código Eleitoral, esclareceu seu posicionamento sobre tais restrições, assim se justificando: O ponto delicado é saber em que condições se deve arrojar a mulher no turbilhão dos comícios e na agitação dos parlamentos; se, em geral, e abertamente, como os homens, aliás, também sujeitos a condições de alfabetização, meios de vida etc., ou se especificamente, sob certas condições especiais, atendendo mais à conveniência e aos costumes da atual sociedade civil, do que aos interesses ou desejos de algumas representantes do belo sexo, ou dos tendenciosos propagandistas da igualdade política entre os dois.404

Assis Brasil, por sua vez, justificou seu posicionamento sobre a questão na quarta edição de sua obra Democracia Representativa, na qual informa que era contrário à ideia do sufrágio feminino na época da Constituinte. Segundo o autor, porém, em 1931 o momento era mais propício à sua aprovação, afinal, era “uma ideia vencedora na civilização a que pretendemos pertencer”. Declarou, assim, não ter participado da elaboração do texto referente ao alistamento feminino e que esta foi obra exclusiva de Cabral. Assis Brasil, apesar de assinalar seu descrédito no interesse feminino pelo exercício do voto salientou que redigiria o texto de forma diversa, sem tantas restrições. Para ele bastaria “que [se] reconhecesse na mulher as mesmas possibilidades de exercício de sufrágio que se atribuem aos homens. Bastaria escrever no sito oportuno a advertência que tornasse claro tratar-se de ambos os sexos na expressão Cidadãos Brasileiros”. Cabral, segundo Assis Brasil, não se oporia a essa redação, “mas nisto, como em muitas outras coisas, convimos em que o essencial era oferecer ao juízo do público uma base de observação e análise, quite a cada um de nós reservar para ocasião oportuna as ressalvas doutrinárias, ou outras que nos parecerem convenientes”.405 Repercussões ao anteprojeto Entre os dias 9 e 14 de setembro Getúlio Vargas anotou no seu Diário: “foram publicados os projetos de reforma eleitoral, reforma policial e reforma de tarifas [...], estabelecido a censura da imprensa”.406 Apesar de tal censura, o anteprojeto eleitoral foi amplamente divulgado e publicou-se uma série de entrevistas e artigos discorrendo sobre o voto feminino. Partindo das manifestações publicadas na imprensa foi possível enquadrar as repercussões ao anteprojeto em quatro blocos. No primeiro encontram-se os que deliberaram que a matéria deveria ser deixada para ser resolvida pela Constituinte; no segundo os que apontaram a perfeição da proposta por restringir o voto para as mulheres economicamente ativas; no terceiro os que consideraram uma injustiça o fato das mulheres casadas dedicadas ao lar serem discriminadas e, por último, os que criticaram a falta de igualdade estabelecida entre os gêneros. Entre os críticos do anteprojeto estava um dos membros da subcomissão Mário Pinto Serva. Sua discordância referente à proposta do alistamento feminino era baseada no julgamento de que faltava competência ao Governo Provisório “para legislar sobre a matéria” e que esta deveria ter CABRAL, J. C. R. Código eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 1932. Edição Fac-similar. Brasília: Secretaria de Documentação e Informação, TSE, 2004, p. 19. 405  ASSIS BRASIL, J. F. Democracia Representativa: do voto e do modo de votar. 4. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931, p. 55-56. 406  VARGAS, Getúlio. Diário – 1930-1936. Volume 1. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995, p. 72 404 

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sido deixada para ser resolvida pela Constituinte.407 Opinião compartilhada com Thomaz Rodrigues, ex-senador da República, que apesar de elogiar a “inovação notável”, discorre que ela deveria ter sido postergada para a Constituinte.408 Chama a atenção que mais comentários receberam a exclusão da mulher casada que não trabalhava fora do que qualquer outra restrição. Uma das poucas exceções encontradas foi uma matéria na qual o articulista destaca o fato do anteprojeto não ter feito nenhuma restrição econômica ao homem e que a comprovação de “trabalho honesto” e de “renda lícita” para as mulheres deveria ser retirada da lei.409 Entre os que apontavam a restrição econômica aplicada somente às mulheres como “perfeita” estava Gilberto Amado, reconhecido advogado e político, autor da obra Eleição e Representação no qual examinava os assuntos focalizados no anteprojeto da subcomissão eleitoral.410 Outras personalidades como Levi Carneiro, Mozart Lago, Octavio Kelly e Costa Rego também opinaram sobre o tema apenas divergindo sobre o fato das mães de família não terem sido contempladas com o direito ao alistamento no anteprojeto. Clovis Bevilacqua, autor do Código Civil de 1916, considerou que o anteprojeto cometia uma “injustiça” ao não conceder o voto para as casadas e afirmou ser “injustificável que se considere o casamento, base da família, exigência da moral entre os povos cultos, uma diminuição para a dignidade da mulher”.411 A opinião das três principais lideranças femininas também mereceu atenção da imprensa.412 Bertha Lutz declarou que recebia com “grande alegria” a notícia da incorporação do voto feminino no anteprojeto, lamentando que não tivesse sido concedido de forma igualitária para homens e mulheres. Bertha, ao ser questionada se as feministas discordavam do projeto, destacou: Concordamos com o princípio básico da economia própria, necessário para ambos os sexos, afim de que possam votar conscientemente e representar fator de utilidade na comunhão social. Entretanto, o Congresso Feminista Internacional do Rio de Janeiro, votou unanimemente que a boa dona de casa tem valor econômico e representa um fator de riqueza nacional.413

Ao ser entrevistada Nathercia Silveira afirmou: “A minha impressão da lei eleitoral foi boa, embora sempre me tivesse batido pelo voto a mulher, nas mesmas condições que para o homem”. Ela também discordou das restrições impostas às casadas, assegurando que: [...] todos os nossos esforços, devem ser no sentido de solidificar os laços da família, estabelecendo maior comunhão de ideias e de aspirações entre marido e mulher, e, nunca fazer que esta pense, um momento sequer, que a condição de esposa a coloca em presumida situação de inferioridade, para o exercício de um direito.414

A Noite, Edição n. 7116, Nota na Coluna: “Écos e Novidades”, 16/09/1931, p. 2. Correio da Manhã, Edição n. 11280, Notícia: “O ante-projecto eleitoral”, 23/09/1931, p. 2. Em 1924 e 1927 o senador Thomaz Rodrigues se declarou contrário as emendas propostas pró-voto feminino. 409  Correio da Manhã, Edição n. 11272, Nota: “Feminismo estrábico”, 13/09/1931, p. 4. 410  Correio da Manhã, Edições n. 11272, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 13/09/1931, p. 5 e n. 11277, Notícia: “O ante-projecto eleitoral”, 19/09/1931, p. 3. 411  A Noite, Edição n. 7123, Notícia: “O ante-projecto de lei eleitoral”, 23/09/1931, p. 1. 412  Em setembro, Elvira divulgou a criação do Partido Liberal Feminino Mineiro, fruto da junção da Associação Feminina João Pessoa e da Legião Feminina, cujo intuito era o de assegurar a mulher seus direitos civis e políticos em igualdade com o homem, amparar e proteger a mulher e “trabalhar pelo alevantamento moral das sociedades e colaborar [...] na realização do programa revolucionário” (Correio da Manhã, Edição n. 11281, Notícia: “Um partido feminista”, 24/09/1931, p. 5). 413  A Noite, Edição n. 7114, Notícia: “A reforma eleitoral”, 14/09/1931, p.1. 414  A Esquerda, Edição n. 1130, Notícia: “O feminismo e a nova lei eleitoral”, 14/09/1931, p. 1. 407  408 

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Por sua vez, Elvira Komel assim se manifestou sobre a questão: [...] nunca duvidamos da mentalidade avançada do Governo Provisório, razão porque sempre confiamos na vitória do voto feminino, antes mesmo da Constituinte. Entretanto, achamos injustificáveis as restrições estipuladas para a mulher casada. Sendo tendência do direito moderno estabelecer perfeita igualdade entre os cônjuges, pleiteando-se até a supressão do artigo sexto, n. II, do Código Civil, que coloca a mulher casada entre os relativamente incapazes, não podemos nos conformar com uma nova lei que perpetue essa situação de desigualdade.415

A subcomissão voltou aos trabalhos para a redação final do projeto. Contudo uma nova reviravolta ocorreu quando Oswaldo Aranha foi substituído por Maurício Cardoso, o que acabou modificando o funcionamento da subcomissão e que também teve, a partir de então, todos seus atos acompanhados pela imprensa. O sigilo em que as discussões haviam sido mantidas finalmente acabou. Elaboração final da lei eleitoral O novo ministro da Justiça, partidário da constitucionalização imediata do Brasil, procurou acelerar os trabalhos da subcomissão eleitoral. Nomeou novos membros e manteve Cabral como colaborador. Cabral, ao ser inquirido pela imprensa, assegurou que o voto feminino nessa etapa de ajustes do anteprojeto necessitava somente de algumas modificações, [...] detalhando-o mais, se bem que haja muita gente partidária do contrário. Ouvi opiniões que entendiam bastante dizer-se que eram alistáveis cidadãos de ambos os sexos, desde que preenchessem os requisitos da lei. Mas, como sou professor, tenho o hábito de descer, muitas vezes, a certos detalhes, e julguei que elas não desmereceriam nesta lei...416

A primeira reunião da denominada comissão revisora ocorreu em 28 de dezembro. Na ocasião, Cabral reafirmou que o texto necessitava apenas de alguns retoques, destacando que um dos pontos que exigiriam atenção imediata da comissão dizia respeito ao voto feminino.417 Apesar de ele reiterar que o anteprojeto estava perfeito, tal opinião não era compartilhada por alguns dos novos membros da comissão. Bruno Lima e Sérgio de Oliveira, por exemplo, declararam-se contrários as restrições impostas às mulheres.418 Octavio Kelly já havia se manifestado quando da publicação do anteprojeto, deixando claro seu posicionamento: [...] não vejo razões para excluir as mulheres, que tanto concorrem para o progresso, riqueza e cultura das nações, do gozo desse direito de representação política. Não terei mesmo dúvidas em incluir entre as alistáveis a própria mulher casada, que logre obter do seu esposo autorização expressa para fazê-lo, tal como sucede a que se propõe a comercializar, porquanto a mãe de família é um fator que não deve ser desprezado na defesa dos altos interesses sociais, maximé na hora em que se acentua a emancipação de outras classes, até então estranhas a colaboração nos governos.419

A FBPF envia sugestões de emendas para a comissão revisora e solicita a reelaboração do artigo 7º do anteprojeto, com a seguinte redação: “é eleitor, sem distinção de sexo, todo cidadão que tenha A Noite, Edição n. 7137, Notícia: “O voto feminino”, 07/10/1931, p. 2. A Noite, Edição n. 7215, Notícia: “Quanto custará o alistamento para a Constituinte?”, 24/12/1931, p. 1. 417  A Noite, Edição n. 7219, Notícia: “A caminho da constitucionalização”, 29/12/1931, p. 1. 418  A Noite, Edição n. 7226, Notícia: “O Partido Libertador, sob a presidencia do Sr. Raul Pila, trata da reforma eleitoral”, 06/01/1932, p. 1, Segunda Edição; e A Noite, Edição n. 7228. Notícia: “A Reforma Eleitoral”, 08/01/32, p. 1, Segunda Edição. 419  Correio da Manhã, Edição n. 11273, Notícia: “O ante-projecto da lei eleitoral”,15/09/1931, p. 3. 415  416 

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economia própria, de 21 anos ou emancipado nos termos da lei civil”.420 De modo que a Federação passa a reivindicar que as restrições econômicas sejam aplicadas a ambos os sexos. A segunda reunião da comissão ocorreu em sete de janeiro. Na ocasião, Maurício Cardoso declarou ser favorável às restrições propostas no anteprojeto ao alistamento feminino. Sampaio Dória, eleito novo relator, sugeriu que fossem reproduzidos os artigos da extinta Constituição, sendo apoiado pelos outros membros da comissão, com exceção de Cardoso e Cabral, que manifestaram sua preferência à redação proposta no anteprojeto. Mesmo sem a anuência do ministro, o substitutivo é aprovado. Para afastar dúvidas e ambiguidades do texto a comissão decidiu acrescentar a expressão sem distinção de sexo para deixar claro que o termo cidadão deveria ser aplicado às mulheres. Todavia acabam por preferir tornar o voto facultativo para as brasileiras, sem deixar de opinar sobre a questão, tal como Dória que achou por bem destacar: “As mulheres não se alistarão” enquanto Cabral completou: “uma só mulher dará mais trabalho que dez homens para alistar-se...”.421 Justificando o fato de o alistamento feminino não ter sido considerado obrigatório Cabral, na versão comentada do Código, assinalou que a comissão decidiu: [...] não partir [...] concedendo a perfeita igualdade política dos sexos, pelo menos quanto à forma de obrigatoriedade do alistamento. Seria isso destroçar num só momento, sem uma preparação prévia, uma tradição secular e um sistema de direito privado, em que a mulher casada ainda está colocada em situação desigual à do homem no que diz respeito à chefia do casal, administração dos bens, escolha do domicílio e da profissão daquela fora do lar. Parece mais acertado principiar por conceder à mulher sui juris, os direitos políticos.422

De forma que Cabral deliberou que eles não consideraram correto “arrebentar de vez os laços ainda mantidos pelo Direito Civil [...] [de modo a] lhe impor, como dever cívico, o alistamento eleitoral, sem consideração à sua situação econômica e aos deveres de esposa”.423 O voto feminino voltou à pauta em mais duas reuniões da comissão, sendo que em ambas ocasiões recebeu a manifestação de mulheres. Na primeira delas, no dia 15 de janeiro, “Maria Amália de Faria, mineira, de Leopoldina [MG]” compareceu para destacar “que esse voto a favor da mulher é a reparação de uma lacuna, na prática do direito político brasileiro, em face da Constituição”.424 E no dia 22 um grupo de associadas da FBPF compareceu à reunião da comissão para agradecer o reconhecimento do sufrágio feminino saindo dali “alegres da vitória alcançada, mas já dispostas a consagrar a sra. Bertha Lutz, a sua primeira deputada...”425 . A aprovação do alistamento feminino também gerou críticas, tais como a de Bento de Faria, jurista, ministro do Supremo Tribunal Federal e procurador geral da República, que se queixou sobre a elegibilidade das mulheres pois, segundo ele, [...] deve sofrer exceções para evitar perigos às instituições e perturbações da ordem social. Ao direito de voto corresponde o de ser votado, mas seria de um ridículo incomensurável tornar acessível à mulher a chefia suprema da nação, permitindo-lhe a possibilidade de assumir a direção suprema das forças de terra e mar!!!.426 420  421  422  423  424  425  426 

A Noite, Edição n. 7224, Notícia: “O direito de voto feminino e o ante-projecto de alistamento eleitoral”, 04/01/1932, p. 7. Correio da Manhã, Edição n. 11372, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 1 e 4. As passagens citadas encontram-se na primeira página. CABRAL, 2004, p. 20. Ibidem, p. 21. Jornal do Brasil, Edição n. 14, Notícia: “A elaboração do Codigo Eleitoral”, 16/01/1932, p. 8. Correio da Manhã, Edição n. 11384, Notícia: “O Codigo Eleitoral ainda em phase de discussão”, 22/01/1932, p. 4, grifo no original. Correio da Manhã, Edição n. 11375, Notícia: “A Constituinte e a futura Constituição”, 12/01/1932, p. 2.

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O posicionamento de Getúlio Vargas sobre a questão pode ser conferido no livro de memórias escrito por sua filha Alzira. Ela, ao discorrer sobre o ano de 1932 conjecturou: [...] quando a nova lei eleitoral foi promulgada, a mulher brasileira passou a ter não somente acesso ao voto, mas também o direito de ser escolhida e eleita. Colaborando na vida econômica e política do país, tinha a sua vez de ser ouvida. A cooperação que a mulher pode dar e deve dar na construção de um país não seria mais desprezada. Não sei se contribuíra, através de minha insubordinação aos clássicos cânones da educação gaúcha, para que papai pendesse para esse lado. Devo ter influído, mas não estou certa disso. Ele tinha princípios e ideias próprias das quais ninguém o podia afastar. Era teimoso à sua maneira e dificilmente se deixava influenciar. Esperava sempre sua oportunidade, o momento de impor seus pontos de vista. No entanto, sempre se submetia à vontade mais forte da maioria. Nessas ocasiões, era um mero servidor da soberania popular. Quando sentia que sua opinião própria ou seus desejos pessoais estavam em desacordo com os anseios do país, engolia suas convicções para ir ao encontro das aspirações do povo. Nem sempre era o que ele considerava mais sábio, mas cedia.427

Tal reminiscência parece apontar que Getúlio Vargas, apesar de não ser um partidário do sufrágio feminino, como já havia demonstrado ao longo da Primeira República, havia se submetido à vontade alheia. Afinal, o reconhecimento do voto feminino pelo Governo Provisório partiu de uma conjuntura especial. Um grupo específico de mulheres, de classe média e alta, estava reivindicando, desde a década de 1910, novos espaços de participação na vida pública e política do país, agrupando-se em associações que, como espaços de sociabilidade, ajudaram a consolidar solidariedades e novos modos de atuar no mundo público. Tais grupos fizeram pressão para que suas demandas fossem percebidas como necessárias e válidas. Para conseguir angariar apoio, passaram a reafirmar que o papel da mulher na condução da família e na educação dos filhos, não seria prejudicado se fossem alcançados alguns direitos. Tal fato pode ter influenciado a que o apoio masculino para a demanda pelo voto começasse a se acentuar ao longo do tempo. Destaco que mesmo após a aprovação do voto, um clima de disputa ainda estava presente entre as associações femininas como se percebe, por exemplo, em artigo assinado por Maria do Patrocínio Oliveira que questionou: “Se a revolução não tivesse vencido já se teria o voto feminino? Por certo que ainda não. Pois a “leader” delas [Bertha Lutz] e elas [FBPF] combateram a revolução a que se deve a conquista do voto...”.428 Ao longo da Primeira República ocorreram posicionamentos diversos quanto a questão do voto feminino, com todas as variantes. No final, o que parece ter motivado a aprovação da lei eleitoral sem as restrições impostas no anteprojeto original, foi uma espécie de aceitação de que tal mudança pouco afetaria o processo eleitoral em gestação. Ao se decidirem pelo alistamento não obrigatório para as mulheres, os políticos parecem aceitar que tal conquista não iria prejudicar o papel tradicional da mulher na família, mas também deixam claro não acreditarem no interesse feminino em participar do mundo político. Se tal expectativa era verdadeira ou não pôde ser testada quando da estreia feminina no mundo político.

427  428 

PEIXOTO, A. V. A. Getúlio Vargas, meu pai. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro/CORAG, 2005, p.101, grifos nossos. Diário de Notícias, Edição n. 744, Notícia: “A mulher na commissão que vae elaborar o ante-projecto da Constituição”, 05/07/32, p. 3.

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A PRESENÇA FEMININA NA ELEIÇÃO DE 1933 A primeira eleição após a Revolução de outubro de 1930 gerou expectativas na população, tal como se pode ler no trecho a seguir: As eleições [...] constituem a grande e ardente preocupação do momento das populações brasileiras. Aqui na capital federal do país não parece pensar-se em outra cosia. Corram-se as listas de eleitores e nelas se encontrarão os nomes mais representativos. Cidadãos que sempre se alhearam por displicência ou descrença na vida política empenharam-se por conseguir os seus títulos eleitorais e traduzir nas urnas a sua escolha consciente de candidatos.429

O pleito de 3 de maio de 1933 foi convocado para preencher 210 vagas para deputados constituintes.430 A inédita participação feminina foi evocada pela imprensa de norte a sul do país para além da convocação do alistamento, mas, também, dando conta da presença de mulheres em todas as etapas do processo: participando em comícios, caravanas de propaganda, apresentando-se como candidatas, trabalhando como mesárias, fiscais e na apuração dos votos. O número exato de brasileiras que participaram dessas etapas ainda é desconhecido, mas tudo leva a crer que as eleições de 1933 não mobilizaram um contingente feminino elevado. Contudo o que se quer aqui salientar é que havia mulheres interessadas em participar do pleito eleitoral naquele momento histórico. Seja qual número for, fato que não pode ser ignorado, ainda mais se levando-se em conta o contexto daquele momento – nada acolhedor e convidativo para a participação feminina no mundo público e político. Afinal, em pleno século XXI, tal participação ainda é difícil, como demonstra Flávia Biroli: [...] para a participação das mulheres na esfera pública, impõem-se filtros que estão vinculados às responsabilidades a elas atribuídas na esfera privada e à construção de sentidos do feminino ainda guardam relação com a noção de domesticidade. [...] a vida doméstica, em um conjunto diferenciado de práticas que se estende da divisão sexual do trabalho à economia política dos afetos, da responsabilização desigual pelo cotidiano da vida à norma heterossexual, é desconsiderada como fator que define as possibilidades de atuação na vida pública.431

Optei, nesta parte do capítulo, por focar a análise nas eleições ocorridas no Distrito Federal com o intuito de acompanhar as candidaturas das líderes do movimento sufragista que foram destacadas ao longo deste capítulo, Bertha Lutz e Nathercia da Silveira.432 O Alistamento A qualificação dos eleitores iniciou em 3 de novembro de 1932 em todo o Brasil. No Distrito Federal foram abertos postos de alistamento em diversas partes da cidade, inclusive na sede das associações femininas. A morosidade no processo de alistamento e na entrega dos títulos eleitorais A Noite, Edição n. 7698, Nota na Coluna: “Ecos e Novidades”, 01/05/33, p. 2. Correio da Manhã, Edição n. 11785, Notícia: “As eleições para a Assembléa Nacional Constituinte”, 5/05/1933, p. 3. Os representantes classistas foram eleitos em 20 de julho e, nessa ocasião, Almerinda Faria Gama, associada da FBPF, foi a única mulher entre os eleitores. Almerinda também atuou como fiscal na eleição de maio. 431  BIROLI, F. Gênero e Desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 11. 432  Elvira Komel, que estava se preparando para disputar uma vaga na Constituinte, faleceu de forma inesperada aos 26 anos de idade, em 25 de julho de 1932, na cidade de Belo Horizonte (GAMA, 1987, p. 80-81). 429  430 

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foi uma das principais queixas encontradas nos periódicos que salientaram que, tal demora, foi devido às novas regras eleitorais que estavam sendo colocadas em prática. Por esse motivo, o prazo de alistamento foi estendido por duas vezes, tendo se encerrado em 12 de abril, quase às vésperas do pleito. A participação feminina nessa etapa assim foi noticiada: Tem ultrapassado a expectativa o alistamento feminino para a Constituinte. Havia a impressão de que Eva não concorreria com grande contingente de votos logo à primeira vez em que vai exercer os direitos políticos no Brasil. Não foi o que se deu. Alistaram-se até mesmo diversas religiosas, e, de quando em quando, se qualificam eleitores de avançada idade, o que demonstra que o entusiasmo não atingiu apenas as jovens.433

O número de eleitores inscritos em todo o país foi de 1.284.904. Os únicos dados oficiais encontrados sobre o alistamento feminino na época, até o momento, foram os publicados pela Diretoria de Estatística do Rio Grande do Norte, no qual se pode constatar que o eleitorado feminino foi de 18% do eleitorado total naquele estado.434 No entanto, tal participação também pode ser estimada pelo que foi divulgado na imprensa. No estado de São Paulo, segundo os jornais, por exemplo, alistaram-se mais de 200 mil eleitores, sendo que 40% desse total era composto por mulheres.435 Em Porto Alegre, por sua vez, o alistamento feminino foi divulgado como sendo em torno de 20%.436 E no Distrito Federal, foco da análise aqui apresentada, o alistamento feminino foi aferido pela imprensa como tendo sido em torno de 20% do eleitorado total.437 Assim, levando-se em conta o fato de o alistamento feminino ter sido considerado facultativo pelas novas regras eleitorais (recém-publicadas em fevereiro de 1932), tais dados parecem assinalar que houve certo interesse, ainda que moderado, das brasileiras em participar das eleições. As candidaturas femininas As inscrições dos cidadãos para concorrer a uma das vagas de deputado constituinte foram aceitas até o dia 28 de abril e, nesse sentido, se o número de mulheres alistadas para votar não foi muito elevado, menor ainda foi o índice das que se dispuseram a disputar uma dessas vagas. O Distrito Federal, apesar de mobilizar um número expressivo de candidatos, com 183 pessoas disputando 10 vagas de deputados, teve apenas oito mulheres candidatas dentro desse total. Também merece ser mencionado o fato de cinco das candidatas apresentarem-se como candidaturas avulsas, ou seja, por conta própria, enquanto três obtiveram a chancela de um partido, sendo uma delas Bertha Lutz, como se verifica na tabela 5.1.

A Noite, Edição n. 7671, Notícia: “Eva mobilisa-se...”, 03/04/1933, p. 3. Diário Oficial, 28/07/1933, p. 2-3. 435  Correio da Manhã, Edição n. 11766, Notícia: “São Paulo alistou 200 mil eleitores”, 13/04/1933, p. 8 e Correio da Manhã. Edição n. 11785. Notícia: “Notável o comparecimento de mulheres”, 05/05/1933, p. 3. 436  Correio do Povo (Porto Alegre), s.e., Notícia: “Realizam-se hoje em todo o paiz as eleições a Constituinte”, 03/05/33, p. 8. 437  A Noite, Edição n. 7700, Notícia: “Feriu-se hontem, em todo o paiz, um dos mais memoraveis pleitos da historia da Republica”, 04/05/1933, p. 1-5 e 7-10 e Correio da Manhã, Edição n. 11784, Notícia: “O primeiro grande passo para a volta do paiz ao regimen constitucional”, 04/05/1933, p. 1, 4 e 5. Para Rio Branco (Acre), o alistamento feminino foi estimado em torno de 22% (PACHECO, Maria da Glória Costa. Gênero e Política: conquista e repercussão do voto feminino no Maranhão (1930-1934). Outros Tempos, v.1, n. especial, p. 46-63, 2007, p.56). Agradeço a Paolo Ricci pelo envio dos dados para o Acre e Rio Grande do Norte. O número de eleitores por estado pode ser consultado no apêndice. 433  434 

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Pelo que se pode apurar, também se apresentaram para concorrer a uma vaga na Constituinte mulheres em Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro. 438 Nome Anna Vieira Cesar Bertha Lutz Georgina de Azevedo Lima Ilka Labarthe Julieta Monteiro Soares Gama

Ocupação

Filiação

Escritora, jornalista

Sem partido

Bióloga e secretária do Museu Nacional

Partido Autonomista e Liga Eleitoral Independente

Dona de casa

Sem partido

Escritora, declamadora, jornalista/radialista, professora

Partido Socialista Brasileiro e União Política Proletária

-

Sem partido

Leolinda Daltro

Professora

Partido Nacional do Trabalho

Nathercia da Cunha Silveira

Advogada

Sem partido

Thereza Rabello Macedo

Dentista

Sem partido

Tabela 5.1 - Candidatas pelo Distrito Federal Fonte: Elaboração própria com base em dados coletados na imprensa e no Boletim Eleitoral nº 111, publicado na cidade do Rio de Janeiro, de 8 de julho de 1933.

A propaganda eleitoral foi feita pela rádio e jornais bem como em comícios e caravanas. Na edição de 1º de maio o jornal A Noite destacou: “a propaganda em prol das candidaturas feministas vem sendo intensificada por vários meios. A cidade está cheia de cartazes coloridos”.439 As candidaturas de Ilka, Bertha, Georgina e Nathercia foram as que tiveram mais destaque na imprensa. O primeiro comício de propaganda, ocorrido em praça pública, foi o de Nathercia no dia 27 de abril, ocasião em que foi dado destaque, pelos que discursaram no evento, para alta missão social feminina como justificativa para sua participação na política.440 A presidente da ANM, em declarações anteriores, prometia lutar por legislação protetora do trabalho, direitos e garantias do funcionalismo público, organização da assistência social, instrução gratuita e obrigatória e pela integridade da família.441 Bertha Lutz, por sua vez, procurava discorrer que estava concorrendo com o propósito de ver Candidatas ao pleito: professora Maria Rita Burnier por Minas Gerais; médica Carlota Pereira de Queiroz por São Paulo; pelo Rio de Janeiro, professoras Guiomar Souto de Avellar, Maria Pereira das Neves, Lydia de Oliveira e Sylvia Leon Chalreu, Dra Alzira Reis Vieira Ferreira, Leontina Imbuzeiro da Costa, Catharina Valentim Sant’Anna, Elisa José Grego. Pela Bahia, Edith Mendes da Gama e Abreu e Maria Luiza Doria Bittencourt e, por Pernambuco, Edwiges de Sá Pereira e Martha de Hollanda Cavalcanti (A Noite, edições dos dias 8, 12 e 22 de abril de 1933 e Correio da Manhã, edições dos dias 20, 29 e 30 do mesmo período). Pelo Maranhão, é indicada Lucilia William Coelho de Souza (PACHECO, M. G. C. Gênero e Política: conquista e repercussão do voto feminino no Maranhão (1930-1934). Outros Tempos, Universidade Estadual do Maranhão, v.1, n. especial, p. 46-63, 2007, p. 56-57). Para outros dados sobre as eleições e a participação feminina consultar: no caso do Rio Grande do Sul, KARAWEJCZYK, M. Urnas e saias: uma mistura possível. A participação feminina no pleito eleitoral de 1933, na ótica do jornal Correio do Povo. Revista Topoi, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 204-221, jul.-dez 2010 e KARAWEJCZYK; MAIA, 2016 e, no caso de Pernambuco, SILVA, Marcelo Melo da. Votar é preciso: os movimentos feministas em Recife e a construção do eleitorado feminino (1931-1934). Dissertação (Mestrado em História). Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2016, cap. 3. 439  A Noite, Edição n. 7698, Subtítulo “A senhorita Maria F. de Azevedo, da Alliança Nacional de Mulheres, fala á NOITE sobre a candidatura da Dra. Natercia da Silveira”, Notícia: “As eleições de depois de amanhã”, 01/05/1933, Segunda Edição, p. 3 e 4. A citação encontra-se na terceira página. 440  Correio da Manhã, Edição n. 11779, Subtítulo “O primeiro comício de propaganda eleitoral” na Notícia: “A situação politica”, 28/04/1933, p. 1 e 3. A citação encontra-se na terceira página. 441  A Noite, Edição n. 7689, Notícia: “As mulheres na Constituinte”, 22/04/1933, p. 1. 438 

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[...] abolidas todas as restrições à capacidade jurídica, econômica e política da mulher. Não serão permitidas discriminações legislativas contrárias à mulher, baseadas no sexo ou no estado civil. Resumem-se na fórmula equitativa de que sempre foi o lema do movimento feminino nacional: ‘Recusar à mulher igualdade de direitos em virtude do sexo é denegar justiça à metade da população.’442

Ela, ao ser entrevistada por Rachel Prado depois das eleições, frisou: [...] a participação da mulher na vida política não deve ser um objetivo almejado pela ambição ou pela vaidade, mas um instrumento destinado a conseguir a realização do programa feminista, de igualdade jurídica e econômica dos sexos, de proteção à mocidade e à infância, de justiça social, de educação, de saúde pública, de dignificação do trabalho, de racionalização do governo, de boa organização econômica e de paz.443

Ilka Labarthe, outra participante do pleito, foi descrita pela imprensa como “líder socialista”, “secretária do Partido Socialista Radical [...], um espírito de grande independência e vontade”444 e apontada como uma “ardorosa revolucionária [que] defende ideias avançadas”.445 Sua plataforma incluía o divórcio, o Estado leigo, a livre sindicalização e o direito à educação e ao trabalho. Tanto Ilka quanto Leolinda e Nathercia, ao serem entrevistadas por Rachel Prado, declararam que se dispuseram a concorrer em nome de seus ideais sem a esperança de serem eleitas. Na ocasião Leolinda declarou: “o meu programa, se fosse eleita, seria pela defesa do fraco, das classes trabalhadoras, da laicidade do ensino e em prol do divórcio”.446 Georgina, por sua vez, era apresentada como “a digníssima esposa do ex-deputado Azevedo Lima, ora exilado”. Ela encontrava-se acamada quando foi procurada por Rachel Prado para ser entrevistada, mas, um dos seus filhos lhe assegurou ser ela “católica e não [...] feminista; sendo mãe de doze filhos, é contra o divórcio”.447 Georgina recebeu apoio de variados políticos e associações para concorrer ao pleito. Outra matéria, divulgada pelos jornais, deu destaque a certas características de sua pessoa que procuravam colocar em evidência o seu papel de mulher voltada para os interesses domésticos e sociais, como se percebe no trecho selecionado: [...] senhora de excelente virtude, portadora de um nome que muito honra ao nosso povo, esposa fiel ao seu ilustre esposo, mãe carinhosa para os seus filhos, senhora acostumada sempre a praticar o bem e a caridade, pois esta senhora é conhecida em S. Cristóvão como uma verdadeira mãe da pobreza daquele bairro e um anjo protetor da bondade e dos carinhos para todos que sofrem, que gemem e que derrama súplicas de copiosas lágrimas pela miséria e pela desgraça que avassala, encontraram sempre na senhora Azevedo Lima um verdadeiro coração de bondade [...].448

Analisando-se as plataformas eleitorais dessas candidatas, percebe-se que os problemas sociais deveriam ser o campo de atuação principal da mulher na área pública, com opção pelo trabalho de assistência e organização social e cultural, em prol da educação e proteção às mulheres e A Noite, Edição n. 7698, Subtítulo “Reivindicações feministas” na Notícia: “As eleições de depois de amanhã”, 01/05/1933, Segunda Edição, p. 3 e 4. A citação encontra-se na quarta página. 443  Revista da Semana, Edição n. 23, Notícia: “O Feminismo triumphante”, 20/05/1933, p. 20. 444  O Malho, Edição n. 1572, Notícia: “O feminismo no Brasil e o que dizem as mãos de duas liders – Nathercia Silveira e Ilka Labarthe”, 04/02/1933, p. 16. 445  Revista da Semana, Edição n. 23, Notícia: “O Feminismo triumphante”, 20/05/1933, p. 20. 446  Ibidem. Ilka Labarthe, Leolinda Daltro e Anna Cesar aparecem citadas na imprensa como associadas a ANM. Não foram encontradas mais informações sobre Tereza Macedo e Julieta Gama. 447  Revista da Semana, Edição n. 23, Reportagem: “A mulher na Constituinte”, por Rachel Prado, 20/05/1933, p. 21. 448  Jornal do Brasil, Edição n. 103, Notícia: “Manifesto politico do cidadão Pingô ao eleitorado desta capital”, 02/05/1933, p. 10. 442 

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às crianças. Poucas delas ousavam mencionar em suas plataformas eleitorais a questão do divórcio, tema polêmico na época. O dia da eleição A quarta-feira, 3 de maio, dia da eleição, recebeu atenção especial dos periódicos que procuraram destacar o clima de ordem e o entusiasmo que vigorou em todo o território nacional. No Distrito Federal o dia assim foi descrito: [...] a capital do Brasil proporcionou ontem aos seus habitantes, um esplêndido espetáculo de civismo. Convidada sua população para escolher os respectivos representantes à Assembleia Constituinte, grande foi a afluência dos eleitores [...]. Mas, além do número, deve-se assinalar a qualidade do eleitorado, composto de gente da melhor classe, dentro de todas as nossas camadas sociais, ressaltando a colaboração cívica das senhoras, que deram um cunho inteiramente novo ao pleito de ontem. O bengalão clássico desapareceu, intimidado pelo batom de rouge.449

A média de comparecimento do eleitorado, em todo o país, foi estimada entre 90 a 80%. Repórteres percorreram as cidades brasileiras destacando a participação feminina em todas as regiões replicando palavras como “viva animação”, “grande e perfeita ordem”, “atitude ordeira e pacífica”, “grande afluência de votantes”, “absoluta calma” para descrever o pleito. Na cidade de São Paulo, por exemplo, foi dado destaque para [...] o comparecimento em massa, nas diversas seções eleitorais dos distritos da Capital, do elemento feminino. Ali estava ele representado por todas as classes femininas, com entusiasmo e civismo invulgar. [...] As seções [...] apresentavam um aspecto festivo, devido ao grande número de senhoras e senhoritas. [...] As primeiras mulheres que foram chamadas para votar, fizeram-no debaixo de salvas de palmas. [...] Votavam com elegância e firmeza de convicção.450

O argumento de que a presença feminina trouxe moralidade, paz e ordem para o pleito foi tema constante na imprensa. O jornal A Noite publicou uma declaração do embaixador Macedo Soares sobre as eleições em São Paulo, na qual ele destacou: “As mulheres com a sua colaboração deram ao pleito aquele caráter de cerimônia cívica a que, em regra, o eleitor não estava habituado”.451 Comentando sobre o comparecimento do eleitorado feminino na capital federal, um jornalista descreveu que [...] as mulheres eleitoras compareceram quase em massa, na Lagoa. Foram também as primeiras a solicitar senhas, quando se abriram as portas das seções. O elemento feminino constitui quase a terça parte do eleitorado dessa circunscrição. E soube mostrar-se interessada pela sorte do país, pois quase não houve abstenções. De pé, pelos corredores ou nas imediações do recinto onde se feria o pleito, as eleitoras aguardavam alegres e resignadas a sua vez de depositar a cédula na urna [...]. Na 1ª seção [...] entre os 336 votantes, contavam-se ali nada menos de 105 mulheres, o que contribuiu para que os trabalhos se desenrolassem agradáveis, entre sorrisos e mesuras.452 Correio da Manhã, Edição n. 11784, Notícia: “O primeiro grande passo do paiz para a volta do regimen constitucional”, 04/05/33, p. 1, 4 e 5. O trecho citado encontra-se na primeira página. 450  A Gazeta, São Paulo, Edição n. 8192, Subtitulo “As mulheres nas eleições de hontem” na Notícia: “A grande competição eleitoral de hontem”, 04/05/1933, p. 1. 451  A Noite, Edição n. 7701, Subtítulo “Desembaraço de Eva” na Notícia: “Em apuração o pleito do dia 3”, 05/05/1933, Terceira Edição, p. 6. 452  Correio da Manhã, Edição n. 11784, Nota “O enthusiasmo do elemento feminino” da Notícia: “O primeiro grande passo do paiz para a volta do regimen constitucional”, 04/05/1933, p. 1, 4 e 5. A citação encontra-se na quinta página. 449 

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Em Pelotas, cidade do interior do Rio Grande do Sul, um enviado especial do jornal A Noite fez a seguinte descrição: [...] a impressão unanime é a de que nunca houve aqui pleito tão cordial e sem atropelos, correndo tudo na máxima regularidade. Quase todos os trabalhos estavam encerrados às 21 horas, em boa ordem, o que se atribui, principalmente, à proibição da cabala e de distribuição de chapas no recinto e nas proximidades das mesas eleitorais e, em segundo lugar, à presença de senhoras.453

De forma muito semelhante à presença feminina no Distrito Federal também foi evocada pelo jornal como sendo a que “contribuiu, sem dúvida, para a permanência de um ambiente sereno, em que todos por elegância e respeito, evitaram atitudes capazes de merecer censura”.454 Outro fato que mereceu destaque da imprensa foi o fato de se ter destinado uma seção eleitoral, no bairro do Meyer (Distrito Federal), exclusiva para mulheres na qual elas também atuaram como mesárias.455 A decisão de agregar mulheres nas mesas eleitorais foi oficializada no final do mês de abril, pelo Superior Tribunal Eleitoral, que destacou: “as mulheres podem e devem fazer parte das mesas, porém, indicadas pelo tribunal, não pelos partidos ou agremiações políticas”.456 Outra seção semelhante foi montada na cidade de São Paulo, no bairro de Santa Cecília, na qual [...] as duzentas e oitenta mulheres inscritas formavam uma verdadeira legião de Marias. Logo os mesários crismaram-na de Seção das Marias. Aí a votação foi cerrada: ninguém faltou. E o escrutínio se fez dentro de um ambiente disciplinado, sem que se houvesse registrado o mais leve incidente.457

Críticas também são encontradas sobre a presença feminina no pleito, tal como um artigo de Saul de Navarro, publicado na Revista da Semana. Apesar de salientar que “jamais se realizaram nesta capital e em todo o Brasil eleições com tamanha afluência de eleitores e com tanta ordem nos trabalhos”, afirmando ser tal sucesso devido “a colaboração de Eva”, Navarro acabou por destacar que: Eva dispôs-se a votar por um imperativo psicológico – a curiosidade [...]. Acredito que o seu entusiasmo decorreu da ruidosa inovação e pelo fato de ser para ela uma novidade sensacional. Cidadã bisonha, atuou na qualidade de caloura em política [...]. Foram-lhe outorgados os direitos políticos por um galanteio gaúcho dos próceres outubristas com o beneplácito pressuroso dos tenentes, ala dos namorados da Republica Nova. [...] a mulher tem o mesmo poder inefável da música: adoça os costumes; domestica as feras, que somos, e nos promove a festa dos sentidos.458

O Diário de Notícias de Porto Alegre, no dia 5, por sua vez procurou destacar outra faceta curiosa de tal eleição: Numa das seções eleitorais encontramos, à porta, a brincar com um ursinho de lã, um garoto, aparentando uns quatro anos. Perguntamos o que ali estava fazendo: -Tou sperando a mamãe, que foi votá [sic].

A Noite, Edição n. 7701, Subtítulo “Como correu o pleito em Pelotas” na Notícia: “As eleições de ante-hontem”, 05/05/1933, p. 1. A Noite, Edição n. 7700, Subtítulo “Santo Antonio” na Notícia: As eleições hontem realisadas”, 04/05/1933, p. 9. 455  A revista Fon-fon publicou uma foto dessa seção do Meyer exclusiva para eleitoras. Ver Fon-fon, Edição n. 19, ano XXVII, 13/05/ 33, p. 30. 456  Diário de Notícias (Porto Alegre), s.e., Nota: “Participação feminina na Organização das Mesas Eleitorais” da Notícia: “Nas vésperas do pleito”, 26/04/1933, p. 10. 457  A Noite, Edição n. 7701, Subtítulo “A secção das Marias” na Notícia: “Em apuração o pleito do dia 3”, 05/05/33, Terceira Edição, p. 6. 458  Revista da Semana, Reportagem: “O voto de Eva”, por Saul de Navarro, Edição n. 22, 13/05/1933, p.18. 453  454 

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Um velho conservador, que ouviu a resposta, virou-se para nós e sentenciou: - É, desse jeito, o governo terá que pôr uma vaca à porta das mesas eleitorais, para dar leite aos bebês, enquanto a mãe vota.459

O jornalista dá sua opinião sobre a proposta escrevendo em letras garrafais “OTIMA IDEIA”, talvez por concordar com o “velho conservador” que uma seção eleitoral não seria o lugar para uma mulher, que deveria se restringir ao recesso do lar, cuidando dos filhos. Apesar do tom de crítica de alguma dessas matérias, os repórteres deram destaque para a inédita presença feminina nas seções eleitorais, apontando que havia mulheres interessadas em participar do jogo político, quer como candidatas quer como eleitoras, o que deve ter frustrado as expectativas daqueles que aprovaram o Código Eleitoral. A apuração do pleito A apuração iniciou em 4 de maio, estendendo-se até 22 de junho. A propósito das eleições, um dos colaboradores da feitura do Código Eleitoral, Juscelino Barbosa, destacou: [...] faz-se uma eleição, a que compareceu 90 por cento dos eleitores de carne e osso. Na minha seção, de 332 inscritos, vi votar 326. O Brasil não conhecia dessas coisas. Verdade, que não é ainda aquela ‘unanime aclamação dos povos’ [...]. Mas num Brasil republicano em que quarenta anos de uso do cachimbo da fraude também entortava a boca de todos os políticos é um estupendo triunfo. E temos razões para congratular-nos.460

Getúlio Vargas, em telegrama enviado para Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul, assim avaliou a eleição: Pelas notícias chegadas ao meu conhecimento através dos comunicados oficiais e de informações da imprensa, verifico que o pleito de três de maio correu em todo país na melhor ordem e regularidade. Isso é motivo para mim de especial satisfação [...]. Aproveito ainda o ensejo para salientar, com louvores, o abnegado esforço da magistratura [...] pela maneira eficiente como se desempenhou da árdua tarefa que lhe foi confiada, aplicando com inteligência a lei que instituiu o voto secreto, o sufrágio feminino e o novo processo eleitoral e tornou realidade uma das mais relevantes promessas da Revolução.461

O número de eleitores que votaram no Distrito Federal foi de 71.302 eleitores, espalhados em 231 seções eleitorais, sendo que destas, 212 foram apuradas e 1.209 cédulas anuladas. O quociente eleitoral aplicado na capital federal foi de 7009, não atingido por nenhum candidato. João Jones Rocha, do Partido Autonomista, foi o único a atingir o quociente partidário, sendo considerado eleito em primeiro turno. Algumas mulheres fizeram parte das juntas apuradoras, tais como a escritora Anna Amélia Carneiro de Mendonça, associada da FBPF, no Distrito Federal462 e, em São Paulo, a advogada Maria Xavier da Silveira.463 Maria, quando questionada por repórteres sobre o trabalho, assegurou: Diário de Notícias (Porto Alegre), s.e. Notícia: “Aspectos interessantes do dia de ontem”, 05/05/1933, p.1. Correio da Manhã, Edição n. 11789, Subtítulo “Fala um dos collaboradores do ante-projecto do Codigo Eleitoral” na Notícia: “O pleito de 3 de maio”, 10/05/1933, p. 1. 461  A Noite, Edição n. 7705, Subtítulo “No Rio Grande do Sul” na Notícia: “O pleito em apuração”, 09/05/33, p. 7. 462  A Noite, Edições n. 7709, Notícia: “O pleito da Constituinte”, 12/05/33, Segunda Edição, p. 3 e n. 7711, Notícia: “Apurando o pleito no Districto Federal, 15/05/1933, Segunda Edição, p. 3. 463  A Noite, Edição n. 7726, Notícia: “Cooperação da mulher nas mesas apuradoras de São Paulo”, 30/05/33, p. 1. 459  460 

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É um trabalho que não deixa de ter a sua originalidade. Pela primeira vez na vida de São Paulo, uma mulher é chamada a colaborar com os homens, na tarefa de apuração de votos, isto significa um passo a mais na evolução dos nossos destinos políticos. O ambiente de calma e ordem em que se processou o pleito último, trará, tudo o indica, uma era de aperfeiçoamento de nossa educação cívica. Eu assim o espero, porque nas minhas meditações, na minha fervorosa inclinação para o estudo do Direito, na minha fé ardente nos destinos do Brasil, eu não tenho feito outra coisa senão esperar, impaciente, pela alvorada de glória que há de redimir o meu país.464

A votação final das candidatas do Distrito Federal pode ser conferida na tabela 5.2. Georgina obteve a maior votação entre as mulheres no primeiro turno, tendo permanecido entre os 20 primeiros candidatos mais votados por todo o período da apuração. Bertha foi a mulher com mais votos no segundo turno, ficando em 11º lugar e aclamada suplente do candidato João Jones Rocha.465 Candidata

Votação

Posição

1º turno

2º turno

895

15.756

11º

4.017

14.093

16º

Ilka Labarthe

720

3.869

44º

Nathercia da Cunha Silveira

537

3220

51º

Leolinda Daltro

12

440

135º

Anna V. Cesar

18

350

146º

Julieta M. Soares da Gama

18

68

174º

Thereza Rebello Macedo

7

56

176º

Bertha Lutz Georgina A. Azevedo Lima

Tabela 5.2 - Resultado final da apuração - candidatas do Distrito Federal Fonte: elaboração própria a partir do Boletim Eleitoral do Rio de Janeiro, 08/07/1933, p. 2409-2415. Sobre a distinção entre primeiro e segundo turno de votação ver o apêndice ao capítulo 3

Comentando sobre a “votação expressiva” de Georgina, o Jornal do Brasil creditou o resultado ao fato dela ter tido o apoio de “valiosos elementos de várias paróquias e pelo sentimentalismo”.466 Em outra ocasião o mesmo jornal destacou que Georgina “chegou mesmo a meter medo e muito medo a alguns cavaleiros que temerosos de serem derrotados pela digna senhora, levaram o seu desprimor a condenar com certo azedume o ‘sentimentalismo’ carioca”. Segundo o veículo, a derrota feminina nas urnas indicava “que a campanha feminista no Brasil ainda está a exigir muitos esforços das suas adeptas, pelo menos no terreno político”.467 O fato das candidaturas das feministas não terem recebido um número expressivo de votos pode atestar que suas demandas ainda não fossem bem aceitas pela sociedade em geral, apesar das campanhas empreendidas por elas e das reiteradas asserções de que praticavam um feminismo bom, construtor e que estavam buscando serem melhores companheiras para os homens e não suas concorrentes. A Noite, Edição n. 7726, Notícia: “Cooperação da mulher nas mesas apuradoras de São Paulo”, 30/05/1933, p. 1. Orminda Bastos, advogada da FBPF, entrou com uma ação para que Bertha fosse considerada suplente de qualquer candidato e não só do Partido Autonomista (Correio da Manhã, Edição n. 11836, Subtítulo “Supplencia... Illimitada” na Notícia: “As eleições de 3 de maio ultimo”, 04/07/33, p. 3). 466  Jornal do Brasil, Edição n. 131, Subtítulo “Na ante-Camara da Constituinte” na Coluna: “A situação politica”, 04/06/33, p. 7. 467  Jornal do Brasil, Edição n. 140, Subtítulo “Na ante-Camara da Constituinte” na Coluna: “A situação politica”, 15/06/33, p. 7. 464  465 

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Nenhuma das candidatas do Distrito Federal foi eleita, o que suscitou um desabafo por parte de Olga Mello Braga, diretora do departamento político da ANM. Olga avaliou tal derrota como sendo uma mostra tanto das dificuldades ocorridas no período do alistamento, [...] como também à atitude de indiferença inconsciente da maioria das nossas patrícias, que atribuíram intuitos ambiciosos e interesseiros a todas as candidatas femininas, cujo programa era trabalhar pela causa comum de todas as mulheres. [...] Entre candidaturas femininas, levantadas pela política masculina, tais como as das Sras Azevedo Lima e Ilka Labarthe, apresentaram-se duas feministas ao julgamento do eleitorado da capital da República. Foram elas Bertha Lutz e Nathercia da Silveira. A primeira, prevendo, pelo desinteresse no alistamento eleitoral, a indiferença com que as mulheres encarariam o pleito, filiou-se a uma das correntes masculinas. Desiludida, talvez, deixou-se dominar pelo desejo de ver realizado o seu ideal, cujo fracasso importaria numa derrota estrondosa do feminismo no Brasil. Justifico assim a sua atitude, pois sou de opinião que as mulheres só merecerão ter representação na política administrativa do país, quando se congregarem para eleger, entre elas, as que reunirem maiores qualidades morais, maior cultura e conhecimento de causa. Infelizmente, a vitória alcançada por aquela ‘leader’ feminista não é senão a expressão de uma feliz aliança política.468

Na primeira eleição que as brasileiras puderam participar, a única mulher eleita no país foi Carlota Pereira de Queiroz que concorreu pela Chapa Única de São Paulo, tendo sido eleita em primeiro turno.469 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Código Eleitoral foi publicado no dia 24 de fevereiro e, entre suas novidades, estava o voto de caráter facultativo para todas as mulheres e os homens com mais de 60 anos. O artigo aprovado assim foi redigido: é eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código. As únicas alterações à lei eleitoral feita pelos constituintes, em 1934, foi a diminuição da idade mínima para o alistamento, de 21 para 18 anos e o seguinte adendo: o alistamento e o voto seriam obrigatórios para os homens, e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada. A Constituição de 1937 repetiu, em seu artigo 117, a disposição do artigo 108 da Carta anterior, omitindo qualquer determinação quanto à obrigatoriedade do alistamento ou do voto feminino. Em 1945, com o Decreto-lei n° 7.586, tanto o alistamento quanto o voto passaram a ser obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as mulheres que não exercessem profissão lucrativa, sendo somente na Constituição de 1946 que o alistamento e o voto passam a ser obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos. Já na primeira participação feminina nos pleitos eleitorais, os jornais procuraram enfatizar o clima de disciplina e moralidade que a presença delas trouxe para o pleito. O baixo interesse feminino em participar das lides políticas foi um dos argumentos encontrados ao longo de todo o período sendo aludido, por exemplo, por Assis Brasil, Sampaio Dória e João Cabral tanto para negar quanto para aprovar o alistamento feminino. Tais críticos, contudo, parecem se esquecer de alguns fatos, 468  469 

A Noite, Edição n. 7788, Notícia: “Analysando a participação de Eva no prélio eleitoral”, 31/07/1933, p. 3. Correio da Manhã, Edição n. 586, Subtítulo “Os finalmente eleitos por S. Paulo” na Coluna: “A situação politica”, 18/7/1933, p. 2.

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entre eles de que as eleições, desde o início da era republicana, não mobilizavam nem mesmo grandes parcelas da população masculina além da alta taxa de analfabetismo entre homens e mulheres (em 1920 tal número é apontado pelo IBGE como sendo de mais de 65 % dos brasileiros acima de 15 anos). Tampouco parecem levar em conta a alta e absorvente carga de responsabilidade doméstica das mulheres na época, que acabavam cerceando seu campo de ação e sendo responsável, em parte, pelo seu menor interesse em política. Como destacou Wendy Goldman: “uma mulher dificilmente poderia compartilhar das mesmas preocupações e interesses de seu marido quando seus horizontes estavam bloqueados, dia após dia, por pilhas de lençóis e louça suja”.470 Nesse sentido, o que parece ter cristalizado no imaginário popular é que as mulheres foram incorporadas aos pleitos eleitorais mais como “massa de manobra” do que como indivíduos políticos. O comportamento político do sexo feminino passou a ser considerado como naturalmente conservador, não podendo ser descartada a hipótese de ser um efeito colateral da própria forma como os grupos femininos encontraram para fazer seus anseios serem mais bem considerados pelos homens no poder. Levando-se em conta que conservadorismo político [...] refere-se a uma tendência ideológica e a um tipo de percepção/sensibilidade/visão de mundo que pode variar grandemente: desde o apoliticismo e a rejeição a qualquer prática reivindicatória (apatia política) até a aprovação expressa de comportamentos, atitudes e percepções que não apenas são extremamente rejeitadores de qualquer mudança na arena do status quo, mas também incitariam a discriminação, a intolerância e o preconceito contra alternativas de mudança ou contra experiências de diferença.471

A atuação política e uma pretensa tendência ao conservadorismo e mesmo ao apoliticismo das mulheres necessitam de mais pesquisas para serem comprovadas ou descartadas. Lúcia Avelar, no final da década de 1980, já destacava: “as percepções sociais e políticas das mulheres, são diversas, dependendo da estrutura de papéis por elas desempenhados”.472 O espaço político, ainda hoje, é concebido como um espaço masculino e, como bem destaca Flávia Biroli, “a história do espaço público e das instituições políticas modernas é a história da acomodação do ideal de universalidade à exclusão e à marginalização das mulheres e de outros grupos sociais subalternizados”.473 Além disso, a baixa presença de mulheres em cargos eletivos não significa que elas não participem no mundo político, “mas, sim, que essa atuação é dificultada e, quando existe, ocorre em ambiente político historicamente masculino, em que predominam brancos e proprietários”.474 Pelo menos no que tange ao comportamento das mulheres que se alistaram para participar das eleições bem como às que se candidataram para o pleito de 1933 (que puderam ter suas trajetórias aqui analisadas, mesmo que de forma parcial), apesar das limitações impostas pelo período em que viveram, estavam de alguma forma questionando o status quo e querendo algumas mudanças na forma de tratamento entre os gêneros na legislação. Mas o se quer aqui salientar é que foi a partir de 1932 que as mulheres passaram a poder escolher se queriam ou não participar da vida política do país. Decisão que, até aquele momento, era-lhes vetada, tendo sido com a publicação do Código Eleitoral, que tal direito foi garantido para todas as brasileiras. GOLDMAN, W. Z. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviética, 1917-1936. São Paulo: Boitempo: Iskra Edições, 2014, p. 173. MATOS, Marlise; PINHEIRO, Marina Brito. Dilemas do conservadorismo político e do tradicionalismo de gênero no processo eleitoral de 2010: o eleitorado brasileiro e suas percepções. In: ALVES, J. E.. PINTO, C. R. J. JORDÃO, F. (Org.). Mulheres nas eleições de 2010. São Paulo: ABCP/ Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2012, p. 53. 472  AVELAR, 1989, p. 23. 473  BIROLI, 2018, p. 172. 474  Ibidem, p. 178. 470 

471 

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Capítulo 6 ORIGENS DO VOTO OBRIGATÓRIO NO BRASIL Maria do Socorro Sousa Braga Hannah Maruci Aflalo

INTRODUÇÃO A introdução de um dispositivo no sistema eleitoral é sempre uma decisão política importante, uma vez que as regras do jogo, longe de serem neutras, são cruciais para a obtenção de determinados resultados. Tais decisões são minuciosamente estudadas em seus prováveis efeitos sobre o sistema político. Não por acaso, embora o dispositivo da obrigatoriedade do voto no Brasil entre nos debates constitucionais e da opinião pública desde o século XIX, sua adoção foi postergada por anos. Há certa controvérsia quanto ao marco inicial da introdução do voto obrigatório no Brasil. Para alguns autores, em virtude da existência de multas e punições aos abstencionistas nas leis eleitorais brasileiras de 1828 e 1846, a adoção do voto obrigatório teria origem mais remota.475 Outros autores identificam a adoção do voto e alistamento obrigatórios no Código Eleitoral de 32476, atentando para a função moralizadora dessas inovações.477 Um número menor de autores defende que somente a partir da Constituição de 1934 seria introduzida a obrigatoriedade tanto do voto quanto do alistamento eleitoral.478 Não obstante, revisitando o debate entre os formuladores do Código Eleitoral de 1932, os jornais da época e as discussões entre os parlamentares na Assembleia Constituinte de 1933, a primeira constatação crucial deste capítulo é a de que a obrigatoriedade, em 1932, recaiu apenas sobre o alistamento eleitoral e não ainda sobre o voto, o qual só se tornará obrigatório com a Constituição de 1934. Como veremos, essa diferença não é trivial nem do ponto de vista das motivações dos atores nem no que diz respeito aos resultados produzidos pela medida. Advogamos que a obrigatoriedade do alistamento eleitoral foi um meio termo produto do confronto de forças que, de um lado defendiam que o voto se tornasse obrigatório e, de outro, que permanecesse facultativo. Portanto entendemos a medida adotada em 1932 como uma forma indireta de obrigar o voto e, assim, prever e controlar possíveis efeitos na eleição Constituinte de 1933, vitais para a continuidade do governo Vargas eleito indiretamente em 1934.

LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1997 (3ª edição). NICOLAU, Jairo. A participação eleitoral: evidências sobre o caso brasileiro. Apresentação no VIII Luso-Afro-Brasileiro Congresso de Ciências Sociais. Coimbra, 2004. 477  HOLLANDA C. B. H. Modos da representação política. O experimento da Primeira República brasileira. Belo Horizonte: 2009. 478  KAHN, Tulio. O voto obrigatório. 1992. 86f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Ciência Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1992. 475  476 

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As forças políticas pós-revolucionárias precisavam garantir legitimidade e estabilidade ao governo e às instituições que estavam sendo criadas. Para atingir esses objetivos se defendia que era necessário, entre outras medidas, diminuir a recorrente abstenção eleitoral e, consequentemente, ampliar o montante de comparecimento às urnas, reduzindo, assim, o questionamento da representatividade dos governantes. O reduzido conhecimento prático-político a respeito das razões da adoção da obrigatoriedade do voto no sistema político dos anos 1930, e suas consequências teóricas do ponto de vista acadêmico para o aprofundamento dos seus efeitos no arranjo institucional das democracias liberais nos motivaram a analisar neste capítulo como se deu a gênese do voto obrigatório naquele contexto. Para isso, enfrentamos o desafio de responder às perguntas que seguem. Quais foram as motivações e intenções pelas quais as elites da época decidiram introduzir a obrigatoriedade do voto naquele ambiente político? O que se esperava com essa nova regra? Por que as mulheres foram tratadas diferentemente dos homens quanto à obrigatoriedade do alistamento eleitoral? Essa medida de fato funcionou? Para isso serão examinadas as principais obras dos formuladores do Código Eleitoral de 32, os posicionamentos emitidos pelos editoriais dos principais jornais da época e os debates dos parlamentares na Assembleia Constituinte. Para organizar essa análise estruturamos o capítulo em quatro seções. Na primeira, apresentamos tanto as características do alistamento eleitoral quanto as fases que o dispositivo da obrigatoriedade do voto passou até ser instituído constitucionalmente. Na segunda seção serão discutidas as razões e finalidades da adoção dessa medida bem como investigamos os posicionamentos dos jornais mais relevantes da época, reconstruindo, assim, as origens desse debate que dividiu a opinião pública e as elites políticas desde a passagem do Império para a República. Na terceira seção, analisamos os efeitos das novas regras na participação eleitoral de 1933 e 1934, bem como avaliamos as implicações da não obrigatoriedade do alistamento e do voto às mulheres. Na quarta seção teceremos as considerações finais. A PRODUÇÃO DE ELEITORES EM CONTEXTO DE BAIXA LEGITIMIDADE POLÍTICA O diagnóstico predominante, entre atores políticos envolvidos no processo de elaboração do novo arcabouço político-institucional no início dos anos 1930, era o de que o baixo alistamento e a fraude, os quais teriam corrompido a “pureza” da composição do eleitorado, estavam na base do sistema eleitoral da Primeira República.479 Para resolver essa situação se sugeria tanto o crescimento do alistamento para a produção de um eleitorado verdadeiro como, ao mesmo tempo, alguma medida em prol da moralização das eleições. João C. de Cabral, ao comentar o anteprojeto do Código de 1932, louva-o por ter: Escolhido, adaptado e adotado um sistema de alistamento segundo o qual haverá eleitorado de verdade, independente do caciquismo, que tanto nos tem infelicitado, e liberdade de

Esse debate se inicia ainda no século XIX. Em 1868 José de Alencar afirma a necessidade da reforma eleitoral como meio de estabelecer uma verdadeira conexão entre representados e representantes. “A eleição se tornaria uma verdade do ponto de vista das ideias atuais: o deputado seria realmente o escolhido dos cidadãos votantes” (ALENCAR, J. M. O systema representativo. Rio de Janeiro, Livraria de B.L. Garnier, 1868, p. 8). Na mesma toada, Assis Brasil desenha um ciclo vicioso no qual “O que provoca mais a abstenção é a pouca confiança na verdade e na proficuidade da eleição” (ASSIS BRASIL, J. F. Democracia representativa: do voto e do modo de votar. Editora G. Leuzinger. Rio de Janeiro, 1891., p. 74) A abstenção, por sua vez, produziria a falta de verdade eleitoral. 479 

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sufrágio, assegurada também pelo voto secreto e outras medidas adotadas na parte das eleições, como a apuração destas e a proclamação dos eleitos por tribunais independentes.480

Portanto buscava-se recuperar a representação, ou seja, fabricar um processo de representação por meio de dois mecanismos: o aumento da participação e a lisura das eleições. Esses dois fatores, segundo os pais do Código, eram considerados chaves na construção de resultados eleitorais que pudessem ser considerados confiáveis. De fato, na Primeira República a taxa de participação eleitoral era extremamente baixa, sendo em média de apenas 2,3%.481 Diante do artificialismo da representação do período anterior e dos problemas que a baixa participação eleitoral poderia acarretar à legitimação do governo de Vargas, o Código buscaria inaugurar uma nova forma de representação, que surgiria com o objetivo, segundo seus formuladores, de superar as mazelas características desse processo eleitoral e revelar a “verdade das eleições”. O movimento deveria se dar no sentido contrário, com vias de aumentar o comparecimento nas urnas. Ao nosso ver, devido ao contexto conturbado da transição para o novo regime, ainda marcado pela força dos partidos republicanos estaduais e pelo clima de insatisfação entre grupos oligárquicos que apoiavam Vargas, a perspectiva da continuidade da alta abstenção na ordem política que estava em construção era motivo de preocupação, ou mesmo de ameaça, às elites políticas . Daí a necessidade de elaboração de uma legislação eleitoral que propiciasse maior segurança política, tendo em vista que o absenteísmo elevado poderia evidenciar a deslegitimação do próprio arranjo institucional que estava em gestação.482 Conforme informações do quadro 6.1 e 6.2, entre as medidas que visavam a aumentar o eleitorado, levadas a cabo paulatinamente, estavam a adoção da obrigatoriedade do alistamento no Código Eleitoral em 1932 e do voto em 1934. Esse controle de cima, consequentemente, fez com que somente gradualmente houvesse a inserção de outros setores sociais até então excluídos do sistema de representação. Esse era o caso, por exemplo, do segmento feminino.

CABRAL, J. C. R. Código eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1934. Edição Fac-similar. Brasília: Secretaria de Documentação e Informação, TSE, 2004, p. 35. 481  NICOLAU, 2004, p. 3. 482  De acordo com Pires, a convocação da Constituinte pelo Governo Provisório foi postergada para que se configurasse um contexto político partidário mais favorável ao seu interesse. Isso porque em 1931 os partidos republicanos ainda eram fortes e Vargas somente então iniciava o processo de enfraquecimento deles e, também, articulava para criar novas agremiações partidárias comprometidas com o Governo Provisório (PIRES, Juliano Machado. A invenção da lista aberta: o processo de implementação da representação proporcional no Brasil. Master Dissertation, Rio de Janeiro, Iuperj, 2009, p. 53-54). 480 

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Código Eleitoral de 1932

Anteprojeto constitucional

Substitutivo constitucional

É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código.

São eleitores os brasileiros de qualquer sexo, maiores de 18 anos, alistados na forma da lei.

São eleitores os brasileiros, de um e de outro sexo, maiores ou emancipados, na forma da lei civil, regularmente alistados.

São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistarem na forma da lei.

Não podem alistar-se eleitores: a) os mendigos; b) os analfabetos; c) as praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior. Parágrafo único. Na expressão praças de pré, não se compreendem: 1o) os aspirantes a oficial e os suboficiais; 2o) os guardas civis e quaisquer funcionários da fiscalização administrativa, federal ou local.

Não podem ser alistados: a) os analfabetos; b) as praças de pré, salvo os alunos das escolas militares de ensino superior; os que estiverem com ou cidadania suspensa, ou a tiverem perdido.

Não podem ser alistados: a) os que não saibam ler e escrever, como a legislação eleitoral exigir; b) as praças de pré das forças armadas e das policias estaduais; c) mendigos; d) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitos a votos de obediência, regra, ou estatuto que implique renúncia de liberdade individual; e) os que estiverem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos.

Não podem se alistar eleitores:  a) os que não saibam ler e escrever;  b) as praças de pré, salvo os sargentos, do Exército e da Armada e das forças auxiliares do Exército, bem como os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial; c) os mendigos; d) os que estiverem, temporaria ou definitivamente, privados dos direitos políticos.

Quadro 6.1 – Normas referentes ao alistamento

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Constituição de 1934

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Código Eleitoral de 1932

Anteprojeto constitucional

Substitutivo Constitucional

O voto é voluntário e o alistamento é obrigatório para os homens, sob as sanções e salvas as exceções, que a lei determinar.

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os homens, sob as sanções que a lei determinar.

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios, salvo para os maiores de 60 anos sob as sanções que a lei determinar.

Constituição de 1934 O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função publica remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar.

Para se alistar faz-se a qualificação ex-officio ou por iniciativa do cidadão. São qualificados ex-officio: a) os magistrados, os militares de terra e mar, os funcionários públicos efetivos; b) os professores de estabelecimentos de ensino oficiais ou fiscalizados pelo governo; c) as pessoas que exerçam, com diploma científico, profissão liberal; d) os comerciantes com firma registrada e os sócios de firma comercial registrada; e) os reservistas de 1a categoria do Exército e da Armada, licenciados nos anos anteriores. Quadro 6.2 – Normas referentes à obrigatoriedade do voto Fonte: Elaboração própria a partir do Código Eleitoral de 1932, Anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1934, v.10 e 13, Constituição Federal de 1934

No Código Eleitoral apenas o alistamento eleitoral ex-officio483 e por requerimento passou a ser obrigatório para homens maiores de 21 anos de idade, oriundos das profissões liberais, magistratura, comércio e forças armadas. Na prática o governo agiu de forma a controlar os setores que poderiam de fato compor o eleitorado por meio de duas ações. Por um lado, aboliu o corpo eleitoral anterior à sua chegada ao poder central. Por outro lado, promulgou vários decretos entre a abertura dos trabalhos para a realização do novo alistamento eleitoral, em 7 de junho de 1932, e as eleições De acordo com o dicionário Aurélio, a expressão latina ex-officio significa “por obrigação; por dever do cargo”. No Código Eleitoral de 1932, o alistamento ex-officio é uma forma de alistamento de eleitores na qual os chefes das repartições públicas federais, municipais e estaduais estavam obrigados a enviar a lista de seus funcionários para os cartórios eleitorais para que esses fossem alistados. 483 

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para a Constituinte de 1933, em 3 de maio de 1933. Entre esses decretos a maioria visava, entre outros objetivos, ampliar o número de alistados entre aqueles setores ex-offício, pois eles tinham tanto a função de prorrogar o prazo do alistamento (Decretos ns. 22.428/1933 e 22.592/1933) quanto buscavam a facilitação desse processo (Decretos ns. 22.168/1932, 22.532/1933 e 22.573/1933). No caso deste último decreto foram tomadas providências que acabaram favorecendo ainda mais o alistamento ex-offício dos sindicatos oficiais, incluindo os sindicatos rurais. Já no que se refere à adoção do dispositivo da obrigatoriedade do voto, não há referência no Código Eleitoral de 32 a esse respeito. Esse fato nos levou a concluir que o voto em 1933 era voluntário. O voto obrigatório, mas restrito aos homens, somente vai aparecer pela primeira vez no anteprojeto constitucional apresentado pelo Governo Provisório à Constituinte de 1933. Posteriormente, no conjunto de modificações que resultaria no substitutivo elaborado pela Comissão Constitucional dos 26, aprovado em bloco pelo plenário, a obrigatoriedade foi mantida para todos os eleitores alistáveis, ou seja, maiores de 18 anos ou emancipados segundo a lei, sem distinção de sexo. Por fim, no texto final da Constituição de 1934 o voto passou a ser obrigatório também para as mulheres que exercessem funções públicas ou recebessem emolumentos do Estado. Portanto, de acordo com os documentos apresentados nos quadros 6.1 e 6.2, se em 1932 o alistamento se tornou obrigatório, o voto somente passaria a ser compulsório na Constituição de 1934. Mas quem poderia ser eleitor no novo pacto político? De acordo com o quadro comparativo 6.1, o anteprojeto constitucional apresentava ao menos três alterações quando comparado ao Código Eleitoral: limitava-se a categoria cidadão àqueles brasileiros alistáveis como eleitores, ou que desempenhassem ou tivessem desempenhado legalmente função pública484; era reduzida a idade para ser eleitor, passando de 21 para 18 anos e a categoria dos que não poderiam se alistar foi ampliada entre os integrantes do aparato militar e civil administrativo. Já no substitutivo, para ser eleitor se manteria a nacionalidade brasileira já adquirida, ressalvada pelo anteprojeto485, mas o exercício dos direitos da cidadania ficou subordinado à emancipação, permanecendo o limite de idade de 18 anos.486 O discurso do deputado paulista Almeida Camargo, da Chapa Única, seguindo a argumentação do deputado João Mangabeira, destacava os seguintes aspectos para a defesa do limite de idade: i) as repartições públicas, como correios e telégrafos e Estradas de Ferro, estariam cheias de funcionários de 18 anos; ii) com 18 anos, o brasileiro era chamado a missões graves, inclusive morrer na guerra; e iii) com essa idade, poderia se casar e constituir família. Além disso, com limite maior, segundo esse deputado, se perderia a “flôr das academias”.487 Vale ressaltar que para esses constituintes a expansão do corpo eleitoral era vista como veículo da obtenção da representação real, ou seja, do eleitorado com maior conscientização política: Somos uma democracia representativa. Não adotamos, como já não mais o adotam os paízes democraticos, o sufrágio restrito, da fortuna ou da capacidade. Procuramos, antes, com o sufrágio universal a maior extensão possível ao corpo eleitoral, interessando o maior número de cidadãos na escolha de seus dirigentes.488

Ou seja, a condição de alistado com direito a ser eleitor somente cabia aos brasileiros, desconsiderando-se a representação profissional. O anteprojeto, assim, também aboliria as formas de aquisição da cidadania admitidas pela Constituição de 1891, isto é, por meio do casamento com brasileira seguido de paternidade, ou pela posse de propriedade imóvel adquirida no país. 486  Votaram, na comissão, pelo limite de 18 anos os políticos João Mangabeira, Osvaldo Aranha, Antônio Carlos, Góis Monteiro, José América, Prudente de Morais e Oliveira Vianna. 487  Anais da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), 1934, v. 13 p. 443-46; 448. 488  Ibidem, p. 444. 484  485 

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Para alguns, porém, para o Brasil ter um regime representativo não adiantava ampliar o eleitorado em termos numéricos. Para esses constituintes eram condições necessárias: educação política do eleitorado, a formação das elites políticas e a organização de partidos políticos em torno de ideias e propósitos. E se as virtudes do recente Código Eleitoral, [...], a maior conquista da Revolucão, por si sós darão uma eleição autêntica e sem fraude, não garantem, entretanto, a representação real, que só se poderia conseguir com a educação política, a formação das elites, a formação dos partidos. Temos, portanto, o dever de melhorar esse eleitorado, com uma transfusão de sangue, tratamento de emergência, antes da cura definitiva com a consciência cívica, a formação de partidos, o arejamento de idéias.489

Outra mudança importante se refere à representação profissional que não era admitida pelo anteprojeto constitucional, mas a Comissão dos 26, apesar da oposição de vários de seus membros julgou conveniente adotá-la no substitutivo, o que revela a influência da corrente tenentista nessa fase dos trabalhos constituintes. Nesse sentido, também pode ser explicada a maior restrição aos brasileiros que não teriam direito a se alistar para participar dos pleitos eleitorais. Entre esses segmentos estavam as mulheres sem remuneração e solteiras, os soldados das forças armadas e das polícias estaduais e os religiosos de qualquer denominação sujeitos a votos de obediência e os analfabetos. O deputado paulista Almeida Camargo, ao defender o direito de voto dos jovens no substitutivo, também defendia o direito de voto para as mulheres e religiosos, bem como para todo o eleitor consciente de seu papel numa democracia. O voto, adquiri-o quem está nas condições de usá-lo com independência e sabedoria. As vantagens do voto feminino são uma questão pacífica. Espero que o sejam, também, no espírito dos Senhores Constituintes os lucros da entrega do direito de voto áquêles que são os pioneiros das nossas grandes campanhas [...].490

Finalmente, no texto constitucional observamos que entre as alterações principais o exercício do direito ao voto deixou de ser subordinado à emancipação. Também seriam incorporados novos setores na categoria de eleitores como, por exemplo, os sargentos do Exército e da Armada e das forças auxiliares do Exército, os alunos das escolas militares de ensino superior e os aspirantes a oficial bem como os religiosos de todos os credos, indicando a derrota dos posicionamentos da primeira corrente. O discurso de Assis Brasil em defesa das emendas de seu grupo nos ajuda a decifrar aos menos parte de seus objetivos, quais sejam, atingir uma representação verdadeira e a justiça. Suas ideias se baseavam numa concepção pluralista.491 As emendas que apresentamos – e são bastante numerosas – giram, sobretudo em torno desse fato capital, desse eixo principal: o Brasil precisa, para ser uma nação digna desse nome, para ser digna de govêrno democrático, que parece unanimemente aceito em todas as camadas sociais, em todos os ramos da intelectualidade nacional; o Brasil, para estar, enfim, á altura de si próprio necessita, antes de tudo, de representação verdadeira, insusceptível de ser fraudada, tanto quanto as coisas humanas podem defender-se contra os artifícios do diabo. [...] O Brasil há de ter representação verdadeira, perfeita, ou não há de existir. Esta é a idéia mais profundamente ligada á consciência nacional.492 489  490  491  492 

ANC, 1934, v. 13, p. 445. Ibidem, p. 448. Para o discurso na integra, ver ANC, sessão de 21/12/1933, p. 505-514. Ibidem, p. 505, grifos nossos.

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Para ter uma representação verdadeira, Assis Brasil listava os seguintes aspectos: 1. Propuzemos, então, que era preciso fazer um instrumento, uma lei que garantisse, não só que garantisse, como obrigasse toda a gente a ser eleitor. E creio que ninguem negará que é assim, e que assim há de ser, enquanto tivermos uma atmosfera normal. 2. Que uma vez eleitor, não possa deixar de votar, desde que quizesse e mesmo não querendo, porque o voto, ainda que indiretamente, tem de ser obrigatório, ou, quando não seja uma obrigação da dignidade, seja uma obrigação cívica. Virá isso como a melhor das sanções. 3. Que os votos não serão objeto dos bicos de pena mas, sim, irão para os juizes.493

É digno de nota que, embora tivesse ocorrido amplo debate sobre a incorporação ou não de determinados setores ao corpo eleitoral, a introdução da obrigatoriedade do voto ocorreu com o apoio quase majoritário dos constituintes. Ao analisarmos os pareceres às emendas do anteprojeto verificamos que o dispositivo foi objeto de discussão de apenas 7 emendas. Dessas, apenas 3 se opuseram à obrigatoriedade com o argumento de que seria impossível realizá-lo tendo em vista o estágio embrionário da educação cívica em que se encontrava a população. Assim, por exemplo, o deputado Luis Sucupira observava que o alistamento poderia ser obrigatório, mas não o exercício do voto. Isso porque a obrigatoriedade do voto seria uma utopia que nunca poderia ser convertida em realidade. A crítica do deputado Ascanio Tubino à compulsoriedade, formalizada na justificativa do parecer sobre o artigo em 21 de março de 1934, complementava esse ponto de vista: [...] o dispositivo é digno de louvor e apreço. Na prática, o voto obrigatório é irrealizável. A Argentina decretou-o, com péssimos resultados. Foram tantos os infratores da celebrada lei Saenz Penã, que as prisões argentinas não comportariam a multidão dos transgressores. Seria um dispositivo destinado a não ser cumprido.494

As outras quatro emendas se referiam justamente à conveniência ou não da extensão da obrigatoriedade às mulheres. Entre essas, a emenda n. 353, de 18 de dezembro de 1933, afirmava que era ilegítimo a imposição da obrigatoriedade unicamente para os homens, uma vez que as mulheres, se tinham os mesmos direitos, deveriam ter os mesmos deveres. Outros deputados, em contrapartida, defendiam que seria mais conveniente não as incluir na compulsoriedade, dada a sua inexperiência na vida pública. Vale ressaltar que entre esses constituintes prevalecia o entendimento de que a política não deveria envolver a participação das mulheres sob quaisquer modalidades. O deputado Lino de Moraes Leme, na emenda n. 1170, de 12 de abril de 1934, assim buscou justificar sua posição: [...] a mulher ensaia seus primeiros passos na vida política. Sou contrário a esta idéia feminista: o voto dado pelo representante legal da vida conjugal deve corresponder ao voto da família. O lugar da mulher é principalmente no lar e, sobretudo, ela não deve participar pessoalmente de lutas que põem em perigo a paz doméstica. Como há, porém, algumas que não pensam desta forma, dê-se-lhes capacidade política, mas não se as obriguem ao voto.495

Em síntese, a análise do debate constitucional e dos quadros 6.1 e 6.2 revela que a Constituição optou ao final por uma solução intermediária entre às posições mencionadas, incorporando as sugestões das emendas ns. 569 e 1519. Nessa última emenda, de 13 de abril de 1934, o deputado Nero de Macedo defendia que “as mulheres, em qualquer idade, continuarão isentas da obrigação eleito493  494  495 

Ibidem, p. 507-508. Sobre o debate da obrigatoriedade e a influência da experiência argentina no caso brasileiro ver KAHN, 1992. Diário da Assembleia Nacional (DNC), sessão de 13/04/1934, p. 2544.

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ral, desde que não sejam pensionistas ou exerçam funções públicas. Se é remunerada pela nação, não deve furtarse ao cumprimento do dever cívico do voto. Isto é o que me parece razoável”.496 AS REGRAS DE ALISTAMENTO OBRIGATÓRIO De acordo com o que foi colocado pelo Código Eleitoral de 1932, o que era necessário para permitir o alistamento do cidadão? O Código facilitava ou realmente impunha entraves ao cadastro dos eleitores? Quais os procedimentos e os requisitos para a produção do eleitor? Como o processo de alistamento foi acelerado ou ampliado por meio do Código? Primeiramente é preciso identificar o fluxo estabelecido para a realização do direito ao voto, o qual consistia nas seguintes etapas: qualificação, inscrição, alistamento e voto.497 João Cabral explica que a qualificação trata de ato “puramente judicial, que declara o cidadão com os requisitos essenciais para o exercício do sufrágio, e a ‘inscrição’, que o inclui, depois de qualificado e identificado, no Registro Eleitoral”.498 Em relação à qualificação, o art. 36 do Código determinava que essa poderia se dar “ex-officio ou por iniciativa do cidadão”. A primeira se dava de forma automática para os seguintes cidadãos: Art. 37. São qualificados ex-officio: a) os magistrados, os militares de terra e mar, os funcionários públicos efetivos; b) os professores de estabelecimentos de ensino oficiais ou fiscalizados pelo governo; c) as pessoas que exerçam, com diploma científico, profissão liberal; d) os comerciantes com firma registada e os sócios de firma comercial registada; e) os reservistas de 1a categoria do Exército e da Armada, licenciados nos anos anteriores.

A ideia do alistamento automático, ou seja, a regra que dispensava aqueles listados no artigo 37 de provar sua cidadania e aptidão para o exercício do voto caminhava no sentido da urgência do aumento da participação. Após a Revolução Constitucionalista de 1932, o alistamento ex-officio é ampliado. O Decreto n. 22.168, de 5 de dezembro de 1932, que estabelecia “providências de emergência para facilitar o alistamento dos eleitores para a Assembléa Nacional Constituinte”, justifica novas medidas em função da perda de três meses de trabalho eleitoral devido ao que denominava de “recente movimento armado”. Dessa forma, foram considerados qualificados ex-officio de acordo com o artigo 2 do Decreto: a) os magistrados e os membros do Ministério Público; b) os militares de terra e mar; c) os funcionários e empregados públicos efetivo e contratados, federais, estaduais e municipais; ACD, sessão de 14/04/1934, p. 2613. Sobre as rotinas eleitorais ao longo da Primeira República ver os trabalhos de RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. The Meaning of Electoral Fraud in Oligarchic Regimes: Lessons from the Brazilian Case (1899–1930). Journal of Latin American Studies, 49, v. 2, p. 243-268, 2017a; RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. The politics of electoral reforms: the origins of proportional representation in Brazil and the Electoral Code of 1932. In: JORDIN, G. RENNO, L. Institutional Innovation and the Steering of Conflicts in Latin America, ECPR Press, 2017b; RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. Nem só à base do cacete, nem apenas com presentes: sobreo como se garantiam votos na Primeira República. In: VISCARDI, C. ALENCAR, J. A República Revisitada. Construção e Consolidação do Projeto Republicano Brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016. 498  CABRAL, J. C. R. Código eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1934. Edição Fac-similar. Brasília: Secretaria de Documentação e Informação, TSE, 2004, p. 87. 496  497 

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d) os professores dos estabelecimentos de ensino oficiais ou fiscalizados pelos governos federal, estaduais e municipais; e) os que exercem, com diploma cientifico, profissão liberal; f) os comerciantes que tiverem suas firmas registradas, quer em nome individual, quer como socios de sociedades mercantis; g) os reservistas de 1ª categoria do Exército e da Armada, licenciados até o fim do corrente ano; h) os membros dos sindicatos reconhecidos de acôrdo com o decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931.

Com esse decreto o Governo Provisório ao mesmo tempo que buscava facilitar a ampliação do eleitorado, ao tornar os filiados de sindicatos reconhecidos alistáveis automaticamente, também manobrava para cooptar os líderes sindicais, tendo em vista a representação das associações profissionais. Três meses depois, o Decreto n. 22.573, de 24 de março de 1933, validava as listas enviadas pelos diretores dos respectivos sindicatos oficiais, reforçando as intenções do grupo dirigente. Além disso, ficou estabelecido ainda pelo Decreto n. 22.168 que os presidentes, diretores, patrões, ou seja, os chefes dos potenciais qualificáveis ex-officio “são obrigados a fornecer, nos quinze dias imediatos a publicação dêste decreto, ao juiz eleitoral, sob cuja jurisdição estiverem, as ditas listas em uma só via, com os nomes dos cidadãos qualificaveis ex-officio”. Observando-se, portanto, a preocupação e a urgência em garantir o alargamento do eleitorado ativo nas eleições que se realizariam em 1933, mas com forte controle das autoridades eleitorais. Os outros cidadãos que não se enquadravam na possibilidade de qualificação ex-officio apresentariam requerimento de qualificaçãopor meio escrito, no qual deveriam, de acordo com o artigo 38 do Código Eleitoral de 1932, declarar seus dados pessoais, a quitação com o serviço militar e fornecer prova de sua maioridade e alfabetização. A fase seguinte, a inscrição, consistia na apresentação do qualificado, por requerimento ou ex-officio, ao tribunal ou cartório eleitoral para sua identificação, de acordo com o artigo 39. O pedido de inscrição deveria ser acompanhado de três fotografias do requerente e da prova da qualificação. Cabia ao tribunal ou ao cartório eleitoral a organização da ficha datiloscópica do alistando e a preparação de três vias do título eleitoral. Caso não fosse impugnada a inscrição, o que poderia ser feito por qualquer delegado de partido ou eleitor dentro de cinco dias depois de solicitada e noticiada a inscrição (artigo 43), o título seria expedido pelos Tribunais Regionais. Como mostramos, o processo de alistamento era longo e complexo, além de possuir exigências que consistiam em entraves, tal qual a necessidade de três fotografias do alistando, o que na época significava um custo alto. Na prática, os partidos arcariam com esses custos . As organizações partidárias passavam a ser os principais “fabricadores” de eleitores ao não somente custearem documentos necessários para o alistamento como também imprimirem a cédula eleitoral. Essa situação chamava em causa a experiência registrada na Primeira República em que os partidos se encarregavam de fazer os eleitores.499 Um artigo de opinião escrito ainda em 1912 por Gil Vidal no jornal carioca Correio da Manhã apontava para o problema do alistamento na Primeira República: “No Rio de Janeiro, raramente De acordo com Ricci e Zulini, assim se dava o processo eleitoral antes de 1930, período no qual as eleições se venciam no município e, não necessariamente, com o alistamento já que em muitas cidades nem era preciso fazer eleitores (RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. The Meaning of Electoral Fraud in Oligarchic Regimes: Lessons from the Brazilian Case (1899–1930). Journal of Latin American Studies, n. 49, v. 2, p. 243-268, 2017a). 499 

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o cidadão se vai inscrever eleitor por inspiração própria. São os chefes dos bairros ou distritos, os políticos profissionais, que lhes arranjam os documentos e os conduzem [...] até a junta”.500 Além disso, o artigo atentava para o fato de o alistamento não ser levado a sério e de serem as listas eleitorais compostas de “gente desconhecida”, frisando que os nomes “das pessoas mais em evidência da nossa sociedade” não constavam entre os alistados. O descaso com o alistamento atingia o absurdo de um candidato eleito, o marechal Hermes, não ser nem ao menos eleitor. O artigo traz à tona também os entraves relativos ao alistamento eleitoral naquele período. Segundo Gil Vidal, com o objetivo de se combater as fraudes, o processo de alistamento eleitoral foi muito dificultado, o que afastou ainda mais os eleitores das urnas. Gil Vidal sustentava que os cidadãos não julgavam valer a pena o esforço para se alistar quando sabiam que “seus votos se perdem, prevalecendo a vontade dos manipuladores das eleições nas atas e dos caciques políticos no reconhecimento de poderes.”501 Portanto o principal obstáculo à participação política não dizia respeito apenas à restrição do sufrágio, já que muitos que possuíam o direito não o faziam. As principais barreiras que levavam ao absenteísmo na Primeira República parecem ser duas: a dificuldade do alistamento e a pouca confiança dada ao voto, uma vez que os resultados seriam manipulados de uma maneira ou de outra. Diante desse diagnóstico a adoção da obrigatoriedade do alistamento ex-offício no Código de 32 foi a solução imaginada para facilitar o alistamento e, consequentemente, reduzir o absenteísmo que poderia comprometer a legitimidade do novo governo. Há ainda uma outra questão que diz respeito aos entraves de realização do alistamento eleitoral que é seu alto custo. O deputado Mauricio de Lacerda, crítico ferrenho ao anteprojeto do Código de 1932, defendia a abolição total do alistamento, argumentando que, além dos elevados custos, o alistamento favoreceria a fraude. Segundo ele, as listas eleitorais não passavam de “viveiro dos cabos”, devendo bastar para o exercício do voto a apresentação da carteira profissional, sem distinção de sexo.502 Esse argumento, porém, não era consensual. Quando a Ordem dos Advogados do Brasil se posicionou, em 1931, contra a introdução do voto obrigatório, argumentava justamente o contrário, no que diz respeito à relação entre o alistamento e as fraudes eleitorais. De acordo com a OAB, o alistamento automático aumentaria as fraudes, pois “As repartições públicas ou instituições obrigadas as remessas de listas das pessoas em condições de serem inscritas enxertarão a clientela política”.503 Defendia-se, ainda, que o Brasil não sustentaria na época nem alistamento nem voto obrigatórios. Um outro problema que foi aventado é o da divergência entre as carteiras eleitorais (assim eram chamados os títulos eleitorais na época) dos diferentes estados. Como mostrou uma matéria publicada pelo jornal O Brasil do dia 13 de dezembro de 1924, cada estado tinha seu próprio modelo.504 No caso, reproduziam-se ilustrações das carteiras eleitorais de São Paulo, Belém e Distrito Federal. O jornal argumentava que o fervor da discussão sobre o voto obrigatório não poderia deixar de lado essa “anomalia” e que a introdução dessa medida poderia ser a garantia da padronização das carteiras eleitorais, uma vez que todos teriam que votar. As carteiras divergiam inclusive quanto à presença ou ausência de foto do eleitor (só na de Belém havia um espaço para inserção do retrato). De um lado, a foto garantia que o eleitor era o portador da carteira apresentada; por outro, como já colocamos, o retrato aumentava o custo do 500  501  502  503  504 

Correio da Manhã, Edição n. 3918, Artigo: “Comparação” assinado por Gil Vidal, 10/04/1912, p. 1. Ibidem. Correio da Manhã, Edição 11274, Notícia: “O anteprojeto eleitoral”, 16/09/1931, p. 3. Correio da Manhã, Edição n. 11277, Notícia: “Instituto dos Advogados”, 19/09/1931, p. 5. O Brasil, Edição n. 951, Notícia: “Uma anomalia que nem todos conhecem”, 13/12/1924, p. 1.

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alistamento, dado que na época a fotografia tinha custos elevados e só uma parcela mínima da população podia arcar com essa despesa. Os entraves ao alistamento até 1930 e, consequentemente, à participação, iam desde a complexidade do processo até seu alto custo. Mas, embora parte dessas exigências se mantivessem com as inovações adotadas no Código Eleitoral de 32, os custos eleitorais do processo eram conduzidos pelos partidos políticos, os quais passaram a assumir de vez as funções de alistamento de eleitores nos pleitos de 1933 e 1934.505 MAPEAMENTO DO DEBATE NOS JORNAIS DA ÉPOCA: RAZÕES A FAVOR OU CONTRA O VOTO OBRIGATÓRIO Em pesquisa realizada a partir da base de dados do site Hemeroteca Digital com o uso da palavra-chave “voto obrigatório”506 pudemos identificar parte do início do debate sobre o assunto nos jornais da época. Entre 1880 e 1889 não existe praticamente nenhuma ocorrência com a palavra-chave. No entanto, ainda nos primórdios da jovem República brasileira, a partir de 1890, o debate começa a surgir. E, como veremos adiante, vai atingir seu pico nos agitados anos 1920. Na década seguinte, em pleno processo de sua instituição, nos primeiros anos do Governo Provisório de Vargas, o debate se reduz nos jornais. Sendo assim, optamos por analisar as notícias a partir de 1890, com o intuito de mapear os argumentos relativos à introdução da obrigatoriedade do voto no Brasil – que se daria, como já visto, apenas em 1934, com a promulgação da Constituição. No gráfico a seguir, verificamos o crescimento do debate a partir de 1890, atingindo seu pico no período entre 1920 e 1929, e sua descendência entre 1930 e 1937. A diminuição das ocorrências nesse último período faz sentido se considerarmos que o voto obrigatório foi adotado em 1932. Apesar de discussões acerca de sua efetividade continuarem a ocorrer, dado que ele já foi introduzido, os argumentos pró e contra se tornam menos recorrentes. Por isso, optamos por analisar as notícias relativas aos períodos entre 1890 e 1929, 1929 a 1932 e 1932 a 1934. O gráfico 6.1, a seguir, mostra a evolução das ocorrências de “voto obrigatório” nos jornais disponíveis para pesquisa no site da Hemeroteca Digital e nos serve como um indicador do debate. É importante ressaltar que, embora as ocorrências que constituam o gráfico sejam relativas a qualquer tipo de notícia, a análise qualitativa se dá apenas sobre os editoriais, pois consideramos que são esses que refletem a opinião do jornal, expressam de forma substantiva o debate e conferem mais visibilidade à discussão travada sobre o tema.

O Código Eleitoral de 1932 inclui pela primeira vez os partidos políticos na legislação eleitoral brasileira definindo-os nestes termos (artigo 99):“Consideram-se partidos politicos para os efeitos deste decreto: 1 ) os que adquirirem personalidade jurídica, mediante inscrição no registro a que se refere o art. 18 do Código Civil; 2 ) os que, não a tendo adquirido, se apresentarem para os mesmos fins, em carater provisorio, com um minimo de quinhentos eleitores; 3 ) as associações de classe legalmente constituídas”. 506  Utilizamos também a palavra-chave “obrigatoriedade do voto”, mas os resultados se mostraram bastante semelhantes aos da primeira busca. 505 

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Gráfico 6.1 - Ocorrências de “voto obrigatório” Fonte: Elaboração própria a partir de consulta à base digital da Hemeroteca Nacional.

O debate até 1909 No período entre 1890 e 1899, embora o debate seja ainda muito inicial e poucos jornais se dediquem a esse assunto, percebemos uma predominância de posicionamento a favor do voto obrigatório. Podemos elencar alguns dos principais argumentos levantados. A questão da moralização dos pleitos é central e o voto obrigatório é apresentado, por aqueles que o defendem, como uma forma de moralizar as eleições via aumento da participação, conferindo assim maior legitimidade ao processo eleitoral. Os países europeus que adotaram essa medida são constantemente trazidos como exemplo positivo. A Bélgica é usado como caso de sucesso pois foi capaz de reduzir a abstenção de 30% para 4%. Os argumentos contra se referem ao paradoxo direito/dever, afirmando que, sendo o voto um dever, não pode ser outorgado ao povo. Caso o fosse, seria um ato de tirania. Um curioso argumento apresentado pelo jornal Cidade do Rio507 e replicado pelo jornal Gazeta de Notícias508 afirmava que o voto obrigatório iria gerar uma igualdade indesejável, uma vez que a diferenciação entre aqueles que votam e aqueles que não votam é positiva pois garante que só votam aqueles que são capazes. O jornal A Notícia509 corroborava com esse argumento ao afirmar que se devesse prezar pela qualidade e não pela quantidade e que, portanto, de nada adiantaria fazer votar uma massa de ignorantes. A intensificação do debate em torno do voto obrigatório No período entre 1910 e 1919 houve um aumento na proporção de posicionamentos a favor do voto obrigatório. Tais argumentos reforçavam a ideia de que o voto era um dever, mas a ideia do voto como direito também seria compatível com o argumento de obrigatoriedade do voto. Novamente, justificava-se essa medida como única forma de combater a abstenção, como traz o jornal mineiro O Pharol: “há os que não querem usar de seu direito de voto; contra estes, um único remédio 507  508  509 

Cidade do Rio, Edição n. 173, Editorial: “Casos Diários”, 23/06/1896, p. 1. Gazeta de Notícias, Edição n. 175, Editorial: “Os jornais de hontem”, 24/06/1896, p. 2. A Notícia, Edição n. 144, Nota: “Reforma Eleitoral” no Editorial: “Echos”, 17/06/1896, p. 1.

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é possível: o voto obrigatório”.510 A questão da moralização dos pleitos é também predominante nos argumentos daqueles jornais que se posicionavam a favor do voto obrigatório, como o jornal carioca Gazeta de Notícias, o paranaense Diário da Tarde e a revista Careta.511 O Diário da Tarde argumentava que o voto obrigatório não só seria benéfico no que diz respeito à verdade eleitoral, mas que seria também econômico para os chefes políticos locais e os estados: [...] o chefe político tem que pedir com promessas e lábias a adesão do eleitor ao programa do seu partido; conseguindo isso, no dia da eleição, em geral, tem de fornecer ao eleitor de roupa, calçado, chapéu, comida e bebida. Se assim não fizer o eleitor ou abstêm-se de votar ou vai para o partido contrário. O chefe que quer vencer, [...], vê-se na dolorosa contingência de abrir a bolsa, e, apos a eleição, muitos na tortura da derrota, registrar o capital gasto para satisfazer a vontade dos malandrões sem fé politica. Com a obrigatoriedade do voto já isso não se dá. Alistado o cidadão, ele votara, ou sofrera as penas da lei, vista-se como quiser, coma se tiver o que, o caso é votar e não turgir [...] Vendo-se assim obrigado o eleitor terá simpatia por esta ou aquela facção política e daí sua firmeza de fé. Uma lei assim no Brasil seria um alívio: as rendas das municipalidades e dos Estados não seriam desfalcadas nessas épocas em que se ferem os pleitos.512

A discussão sobre o custo dos pleitos eleitorais, como veremos mais adiante, é central no debate travado durante a elaboração do Código Eleitoral de 1932, tendo sido a primeira versão de seu anteprojeto altamente criticada justamente por introduzir alguns mecanismos que elevariam o custo do alistamento. O exemplo de outros países continuava a ser usado para justificar a medida, sendo nesse período o caso argentino o mais citado. O jornal carioca O Paiz513 dedicava três editoriais para tratar da Argentina como caso de sucesso para argumentar em relação à adoção do voto obrigatório enquanto o jornal O Combate514 usava o exemplo do Paraguai. Em ambos os casos os exemplos latino-americanos eram utilizados para demonstrar o aumento do comparecimento eleitoral às urnas, reforçando o papel do voto obrigatório no combate à abstenção. A relação entre a obrigatoriedade do voto e a diminuição da abstenção era colocada como uma consequência direta e necessária. Entre os argumentos contra, o principal deles derivava da ideia do voto ser um dever. O jornal gaúcho A Federação defendia que o Rio Grande do Sul possuía o maior coeficiente eleitoral, sendo assim mais civilizado e não necessitando de tal medida. Curiosamente, e destoante dos outros jornais que traziam o exemplo argentino, o jornal gaúcho usava o caso da Argentina para sinalizar o fracasso da obrigatoriedade. Em notícia do dia 22 de outubro de 1918 o jornal trazia o dado de que na província de Buenos Aires a abstenção eleitoral teria sido de 74.000 eleitores.515 O período entre 1920 e 1929 é o que possui mais editoriais dedicados ao voto obrigatório de 17 jornais. Nesse período, surgem novos argumentos a favor do voto obrigatório além dele ser frequentemente discutido ao lado do voto secreto. Observa-se, ainda, aumento do posicionamento

O Pharol (Minas Gerais), Edição n. 122, Nota: “Editores que não votam” no Editorial: “Pelas revistas”, 26/05/1914, p. 1. Gazeta de Notícias, Edição n. 166, Nota: “Notas e Notícias”, 15/06/1916, p. 1, Careta, Edição n. 458, Artigo “As Convenções”, 31/03/1917, p. 7, e o Diário da Tarde, Edição n. 4658, Nota: “Verdade Eleitoral”, no Editorial: “Echos e Factos”, 09/04/1914, p. 1. 512  Diário da Tarde, Edição n. 2120, Notícia: “Pennadas”, 09/10/1905, p. 1. 513  O Paiz, Edições n. 10010. Notícia veiculada na primeira página sem título, 03/03/1912, p. 1; n. 11507, Notícia: “O futuro presidente de São Paulo na Argentina”, p. 1; n. 11969, Notícia: “A Margem de um livro”, 15/07/1917, p. 1. 514  O Combate, Edição n. 1358, Notícia: “Eleições no Uruguay: Todos os partidos em atividade”, 04/12/1919, p. 1. 515  A Federação, Edição n. 249, Notícia: “A questão do voto obrigatório”, 22/10/1918, p. 1. 510  511 

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contrário à obrigatoriedade do voto, quando comparado aos períodos anteriores, o que demonstra a intensificação do debate. O voto secreto era associado ao obrigatório como forma de atingir a verdade eleitoral, a qual levaria a uma democracia verdadeira. Outros jornais tais quais o Correio da Manhã516 e O Paiz517, do Rio de Janeiro, corroboravam com essa afirmação e argumentavam que o voto secreto deveria vir antes do obrigatório. A verdade eleitoral era assim buscada por duas vias: o comparecimento eleitoral e a transparência das eleições. Assim, a primeira seria garantida por meio da obrigatoriedade do alistamento, enquanto a segunda seria atingida com a instituição do voto secreto. A questão da ordem, instituindo primeiro o voto secreto, baseava-se na ideia de que era preciso primeiro garantir que não houvesse fraudes nas eleições, para então ampliar o eleitorado. O Jornal relembrava o problema da abstenção, sustentando que o voto devesse ser transformado de direito em dever para resolver a questão. Além disso, no editorial do dia 7 de agosto de 1923 o Jornal trazia um novo e curioso argumento sobre os resultados eleitorais: “As classes conservadoras, os que têm interesses reais e legítimos no governo, não devem continuar afastadas dele e divorciadas e alheias à sua Constituição”.518 Ou seja, o voto obrigatório, na visão do jornal, iria trazer os votos conservadores. Argumentava, assim, que o voto obrigatório melhoraria as representações locais. Essa era uma posição que se observou em outros jornais. A representação das minorias era trazida como uma forma de defender o voto obrigatório. O jornal carioca Correio da Manhã519 colocava o voto obrigatório como um princípio liberal que daria condição para que ocorresse a representação das minorias. Concluía que sua adoção garantiria expressão verdadeira da vontade dos eleitores. Outra questão levantada pelos jornais, especialmente pelo O Paiz520, era a relação entre obrigatoriedade e educação. O jornal citado afirmava que a obrigatoriedade dependia da previsão da educação obrigatória, deixando claro que o direito do voto não devesse se estender aos analfabetos. Assim, percebemos que muitas vezes a obrigatoriedade aparece associada a certas condições, tais quais o segredo do voto e a educação. No último caso, trata-se da qualidade da participação, ou seja, não bastava um eleitorado numeroso se ele não fosse capaz de produzir uma escolha embasada, a qual se daria, segundo esse argumento, apenas em presença de um eleitorado educado. A separação entre o ato de se alistar e o ato de votar propriamente é bastante presente nos jornais desse período. Em notícia de primeira página d’O Jornal do dia 20 de junho de 1922, afirmava-se: “compareceram aos colégios eleitorais menos de 30 mil votantes num alistamento superior a 70 mil, em uma população de mais de 1.250.000.”521 Fica evidente a distinção entre se alistar e votar. Havia já na época uma ruptura entre essas duas etapas. O jornal O Paiz522 diferenciava entre alistamento e voto obrigatório, argumentando que se o voto obrigatório não fosse possível, que se adotasse ao menos a inscrição obrigatória. Essa separação não é trivial, uma vez que o alistamento obrigatório é um mecanismo indireto de obrigar o voto, enquanto o voto obrigatório é uma medida direta. Um outro tipo de medida indireta sugerida pelo mesmo jornal523 previa a obrigatoriedade para aqueles que desejassem ingressar em cargos públicos. Argumentava-se que 70% da população possuísse esse 516  517  518  519  520  521  522  523 

Correio da Manhã, Edição n. 8864, Notícia: “Voto secreto e obrigatório”, 16/06/1923, p. 4. O Paiz, Edição n. 14190, Notícia: “O direito de voto no Brasil”, 27/08/1923, p. 3. O Jornal, Edição n. 1404, Notícia: “O voto obrigatório”, 07/08/1923, p. 1. Correio da Manhã, Edição n. 7832, Notícia: “Tópicos e Notícias”, 10/08/1920, p. 2. O Paiz, Edição n. 13817, Notícia: “Ensino Obrigatório”, 19/06/1922, p. 3. O Jornal, Edição n. 1050, Notícia: “O voto obrigatorio no Conselho”, 20/06/1922, p. 1. O Paiz, O Paiz, Edição n. 13116, Nota: “Ainda o pleito de ante-hontem” na Notícia: “Defesa Social”, 07/09/1920, p. 3. O Paiz, Edição n. 14647, Editorial: “A Edilidade Carioca”, 26/11/1924, p. 3.

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anseio, portanto isso seria suficiente para garantir o alistamento, não sendo necessárias punições aos que não comparecessem. É digno de nota sublinhar que os argumentos contrários à introdução do voto obrigatório nesse período se apresentavam menos como uma oposição total e mais como uma aceitação com ressalvas. O jornal Diário de Pernambuco524, por exemplo, era a favor do voto obrigatório em princípio, porém o julgava impraticável no Brasil da época (1922) dado que a maior parte da população não sabia ler nem escrever. O jornal gaúcho A Federação525, assim como o jornal paulista A Gazeta526, por sua vez, mostrava maior oposição ao fato de Assis Brasil ter mudado de ideia em relação ao voto obrigatório do que à medida em si. No caso da revista O Malho, houve mudanças de posicionamento. Em alguns momentos, ela se colocou contra a obrigatoriedade do voto como um todo; em outros, se declarava a favor de medidas indiretas para combater a abstenção. Com esse objetivo, defendia medidas indiretas tais quais as que valorizavam o título eleitoral, exigindo a carteira de eleitor para aqueles que quisessem concorrer a cargos públicos, ou para permitir o registro de diplomas de qualquer profissão, para a matrícula dos comerciantes e industriais, dos banqueiros, agentes de Bolsa, corretores etc.527. Em outra coluna, a valorização do voto obrigatório era mais enfática. Assim se posicionava o jornal: “Todo cidadão que se preza deve alistar-se eleitor! Ao voto obrigatório! Avante!”.528 De modo geral, os editoriais d’O Malho situavam-se a favor da obrigatoriedade ao menos indiretamente. No entanto, notam-se charges, que não necessariamente expressam a visão do jornal, posicionando-se contra o voto obrigatório e com um argumento distinto dos apresentados até aqui. Um exemplo disso é o argumento de que o voto obrigatório iria apenas ajudar os coronéis que já detinham o controle dos eleitores em muitas regiões do Brasil.529 Em síntese, seguem no quadro a seguir os principais argumentos a favor e contra a obrigatoriedade do voto. Os tópicos com asterisco dizem respeito a argumentos que estabelecem condições para a adoção da obrigatoriedade, não se colocando totalmente contra nem totalmente a favor.

524  525  526  527  528  529 

Diário de Pernambuco, Edição n.122, Notícia: “De uns e de outros”, 27/05/1922, p. 1. A Federação, Edição n. 267, Notícia: “A lepra do regimen”, 20/11/1922, p. 1. A Gazeta, Edição n. 7093, Notícia: “Cartas do Rio”, 12/09/1929, p. 2. O Malho, Edição n. 1150, Editorial: “Polític’Acções”, 27/09/1924, p. 41. O Malho, Edição n. 1150, Editorial: “Polític’Acções”, 06/12/1924, p. 42. O Malho, Edição n. 1117, Editorial: “Polític’Acções”, 09/02/1924, p. 45. O Malho, Edição n. 1504, Charge “O voto obrigatório”, 17/10/1931, p. 19.

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Tópico

A favor

Contra

Abstenção eleitoral

1) Contra a liberdade do indivíduo; 1) Aumentar a participação eleitoral; 2) Diminuiria a “qualidade” dos 2) Legitimar os pleitos. eleitores.

Moralizar os pleitos

1) Legitimar o processo eleitoral; 2) Permite democratizar as eleições.

Penas para quem não vota

Reduzir custos eleitorais.

Representação das minorias

Favorece as representações locais.

Contra a liberdade do indivíduo.

Educação*

1) É preciso educar antes de obrigar a votar. 2) Garantir a “qualidade” do eleitorado.

Segredo do voto*

É preciso antes garantir a lisura dos pleitos.

Quadro 6.3 – Argumentos em prol e contra a introdução do voto obrigatório Fonte: elaboração própria a partir da consulta aos jornais O Paiz, O Jornal, O Pharol, Correio da Manhã, A Federação, A Gazeta, A Noite, O Malho, Diário de Pernambuco, Careta, Diário da Tarde.

EFEITOS DA OBRIGATORIEDADE DO ALISTAMENTO ELEITORAL NO COMPARECIMENTO ELEITORAL EM 1933 E 1934 E A QUESTÃO DO VOTO FEMININO Alistamento e comparecimento Como colocamos anteriormente, a obrigatoriedade do alistamento estava diretamente atrelada ao combate da abstenção. Esse era um dos principais argumentos utilizados por aqueles que defendiam o voto obrigatório. Tal assunto é tratado tanto pelos políticos quanto pelos jornais da época como uma falha que contribuía para a falta de legitimidade dos resultados eleitorais. O “absenteísmo” era considerado a “causa principal de todos os nossos males políticos”.530 O secretário do Clube 3 de Outubro531, Abelardo Marinho, apresentou no jornal carioca Correio da Manhã o posicionamento do grupo na vigília da aprovação do Código Eleitoral. Entre os reparos necessários ao sistema eleitoral brasileiro destacava: “1o – Para se ter um corpo eleitoral que represente, na verdade, a nação, são necessárias as seguintes medidas: (I) Obter cifra de eleitores a mais elevada [...]” e explica que isso poderia ser atingido pelos seguintes meios “a) definindo as condições de alistabilidade; b) tornando obrigatório o alistamento dos alistáveis; c) tornando o voto obrigatório”.532 Do ponto de vista dos efeitos das medidas que tinham como objetivo o combate à abstenção, houve aumento da participação, ao menos no que diz respeito às eleições para a Assembleia Constituinte de 1933. Há uma diferença notável se compararmos o número de eleitores que votaram Correio da Manhã, Edição n. 9487, Notícia: “Ainda o banquete de hontem”, 19/12/1925, p. 6. Organização política fundada no Rio de Janeiro em 1931 por membros vinculados ao movimento tenentista e pró Getúlio Vargas. Eles defendiam a prolongação do Governo Provisório e eram inicialmente contra a reconstitucionalização do país (Fonte: CPDOC). 532  Correio da Manhã, Edição n. 11410, Notícia: “O Club 3 de outubro e a lei eleitoral”, 23/02/1932, p. 2. 530  531 

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nas eleições para presidência em 1930 com o número de votantes para a Constituinte, em 1933: “os votantes na eleição presidencial de 1930 foram 1.091.709, os da Assembleia Nacional Constituinte de 1933, que incluíam as mulheres, foram 1.466.700”.533 No entanto, dados coletados dos Boletins Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral apontam que o alistamento eleitoral não teve um aumento significativo. Apresentamos a seguir três gráficos que comparam os anos de 1930, 1933 e 1934, sendo o primeiro sobre o número absoluto de eleitores alistados, o segundo expondo a relação entre a quantidade de eleitores e o tamanho da população e o terceiro a porcentagem do comparecimento às eleições.534 No primeiro gráfico (Gráfico 6.2), se compararmos os anos de 1930 e 1933, percebemos que a quantidade de alistados não aumenta e até mesmo diminui em todos os estados. Quando nos deslocamos para o segundo gráfico (Gráfico 6.3), percebemos que a proporção de eleitores sobre a população é menor em 1933 e 1934 em respeito ao pleito de 1930. O crescimento registrado em 1934 não se mostra tão significativo, uma vez que em quase todos os estados essa porcentagem não atinge nem os 10%. O terceiro gráfico (Gráfico 6.4), porém, aponta para a novidade daquelas eleições: há um crescimento no que diz respeito ao comparecimento eleitoral.535

Gráfico 6.2 – Número de eleitores alistados por estado Fonte: Boletins Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral OLIVEIRA COSTA, Albertina. O acesso das mulheres à cidadania: questões em aberto. Cadernos de Pesquisa. Edição n. 77, 1991, p. 49. A fonte dos dados para 1933 e 1934 são os Boletins Eleitorais. Para 1930 ver o Diário do Congresso Nacional de 21 de maio de 1930, p. 545. Os dados podem ser encontrados no anexo estatístico do livro. 535  Remetemos ao nono capítulo para mais detalhes em torno da questão do comparecimento eleitoral. 533  534 

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Gráfico 6.3 – Proporção de alistados sobre a população, por estado (%) Fonte: Boletins Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral

Mas o que explica a ausência do aumento no número de alistados? Com a obrigatoriedade do alistamento e do voto (em 1934), não seria de se esperar que houvesse um aumento significativo em ambos os índices? Uma possível explicação pode derivar do fato do processo de alistamento ser, com o Código de 1932, complexo e custoso. Uma evidência disso é que após a realização das eleições para a Constituinte, o processo de alistamento ficou suspenso desde maio de 1933, praticamente por um ano. A referida notícia, publicada pelo jornal A Nação em março de 1934, elucida a questão: O Código Eleitoral exigiu o título de eleitor para todos os atos públicos de qualquer cidadão. A exigência tinha objetivos naturais, correspondendo a necessidades que se compreendem. O voto obrigatório é a tendência natural do regime, a fim de que se evitem os maus efeitos das negligências. Mas, acontece que os Tribunais Eleitorais suspenderam o alistamento a mingua de recursos, desde maio do ano passado. Até hoje não foram restabelecidos os serviços de alistamento e isto impediu que os cidadãos conquistassem o título de eleitor [...].536

Denotaria essa suspensão um temor relativo ao aumento da participação? Não é possível afirmar isso, dado que combater o absenteísmo foi um dos principais eixos que baseou a reforma eleitoral de 1932. No entanto, fica claro que havia uma preocupação específica em relação às eleições para a Constituinte e que, após conquistado o aumento do comparecimento, essa questão perde prioridade.

536 

A Nação, Edição n. 369, Notícia: “Direito de cidadania”, 27/03/1934, p. 4.

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Gráfico 6.4 – Comparecimento por estado em 1930, 1933 e 1934 (%) Fonte: Boletins Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral

SUFRÁGIO RESTRITO: ESPECIFICIDADES DA NÃO OBRIGATORIEDADE DO ALISTAMENTO E DO VOTO FEMININO A obrigatoriedade do alistamento e do voto não pode ser analisada independentemente da introdução do sufrágio feminino. Isso porque, com o Código de 1932, o alistamento torna-se obrigatório apenas para os homens alfabetizados estendendo-se, com a Constituição de 1934, para as funcionárias públicas. Essa questão apresenta controvérsias, pois argumenta-se que as funcionárias do sexo feminino não estariam isentas da obrigatoriedade já no Código Eleitoral. No texto final do Código Eleitoral de 1932 consta (art. 37): “ São qualificados ex-officio: a) os magistrados, os militares de terra e mar, os funcionarios públicos efetivos.”. Embora possamos entender que as mulheres funcionárias públicas estariam contempladas no masculino universal, o que vemos na prática é que o masculino universal se referia sempre ao homem. Na Primeira República, isso era a norma. Em carta recebida por Diva Nolf Nazario nos anos 20 com parecer desfavorável a seu alistamento, o juiz afirmava que:

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[...] as palavras ‘cidadão brasileiro’, empregadas nas leis eleitorais, designam sempre o cidadão do sexo masculino, elegível para os cargos públicos, na plenitude de sua capacidade, idôneo para o trabalho, apto principalmente para defender a pátria, pegar em armas.537

Portanto entendemos que a não especificação da funcionária pública, do sexo feminino, indica, nesse momento, a não inclusão da mulher na obrigatoriedade do voto. Isso fica mais evidente ao analisarmos a Constituição de 1934 (art. 109), a qual explicita a obrigatoriedade para homens e para mulheres: “O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam funcção publica remunerada, sob as sancções e salvas as excepções que a lei determinar”. As leis eleitorais brasileiras foram, até o momento em questão, direcionadas sempre ao cidadão do sexo masculino. Por isso, explicitar a inclusão da mulher mostra-se necessário. Se entendermos que o aumento do comparecimento era um dos objetivos da adoção do voto obrigatório, compreender por que ele não se aplica desde o início ao sexo feminino é crucial. O primeiro fato que devemos destacar é que, em 1932, estava em voga o Código Civil de 1916. O Código em questão instituía a incapacidade das mulheres, como colocado pelo artigo n. 6, igualando-as aos menores de idade: Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer: I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156). II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal. [...]

Dessa incapacidade atribuída à mulher casada decorre, portanto, sua dependência em relação aos seus maridos e a sua falta de autonomia. O artigo n. 233 determinava as atribuições do marido na sociedade conjugal, incluindo entre elas a administração dos bens da mulher e a autorização para que a mulher exercesse profissão: Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe: [...] II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, nº I, c, 274, 289, nº I, e 311). [...] IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal (arts. 231, nº II, 242, nº VII, 243 a 245, nº II, e 247, nº III). [...]

Em relação às mulheres casadas eram também colocados diversos impedimentos, dispondo o artigo 242 sobre tudo o que a mulher precisaria da autorização de seu marido para fazer: Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251): I. Praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235). II. Alienar, ou gravar de onus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens (arts. 263, nº II, III, VIII, 269, 275 e 310). III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outra. 537 

NAZARIO, D. N. Voto feminino e feminismo. São Paulo: Imprenta, 1923, p. 22.

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IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado. V. Aceitar tutela, curatela ou outro munus público. VI. Litigiar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251. VII. Exercer profissão (art. 233, nº IV). VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.

Nesse aspecto, é importante ressaltar que havia uma preocupação especial em relação à participação política das mulheres casadas baseada na ideia de que “as mulheres casadas e destituídas de economia própria não poderiam formular opiniões sobre realidades fora do lar”.538 Os políticos que declaravam-se contra o voto feminino expressavam grande anseio sobre a perda do poder marital motivada pela potencial adoção do sufrágio feminino. Ainda em 1891 o parlamentar Coelho Campos afirmava ao discutir o voto feminino: “É assunto de que não cogito; o que afirmo é que minha mulher não irá votar”.539 Cientes dessa preocupação, as militantes sufragistas construíram um discurso que tinha como objetivo garantir que os maridos não perderiam o controle sobre suas mulheres. Em entrevista ao jornal A Noite, a militante sufragista Bertha Lutz deixava claro que “essas mulheres” não sofreriam mudança alguma com a adoção do voto feminino: “Que fiquem sem receios: não são estas que se afastarão do aconchego da vida do lar para votar”.540 Na mesma linha, a sufragista paulista Diva Nolf Nazario reforçava que “nada perdeu a mulher de graça [...] nem soffreu o lar, em paiz algum, da turbação moral, ou material, com o voto feminino”.541 Tanto o Código Civil como a visão da sociedade da época não apontavam no sentido de incluir a mulher casada no corpo de eleitores, como afirma Cabral, “em relação a ela, se mantêm certas regras no Direito Civil, limitativas da sua liberdade e posição econômica (duas das qualidades exigidas, com a terceira, da capacidade moral para o alistamento do cidadão brasileiro como eleitor)”.542 Fica evidente que a mulher casada não possuía direito de escolha e que a decisão de participar da vida política não dependeria apenas de sua vontade, ainda que a lei eleitoral lhe facultasse alistar e votar. Dessa forma, entendemos que a mulher casada não possuía direitos civis que garantissem sua independência política, estando sujeita à vontade de seus maridos e dependendo de sua autorização. Por isso, a não obrigatoriedade do voto para as mulheres implica o fato de as mulheres casadas só votarem se lhes fosse permitido por seus maridos. Vale ressaltar, portanto, que a ausência da obrigatoriedade nos diz mais do que o voto obrigatório em si quando refletimos sobre a introdução da participação político-eleitoral feminina num contexto marcado pela visão ambígua da época. Isso porque a não obrigatoriedade do alistamento e do voto às mulheres casadas naquele contexto têm como principal motivação não tirar dos maridos o controle sobre as esposas. Mas, a mulher que exercia a função pública, por outro lado, possuía autonomia financeira e já ocupava de alguma forma o mundo público, não representando uma ameaça à estabilidade do lar.

HOLLANDA, C. B. Modos de representação política: o experimento da. Primeira República Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG. Rio de Janeiro: Editora Iuperj, 2009, p. 243. 539  Anais do Congresso Constituinte, sessão de 15/01/1891, p. 577. 540  A Noite, Edição n. 3175, Notícia: “Vale a pena conceder o voto ás mulheres?”, 11/10/1920, p. 1. 541  NAZARIO, 1923, p. 32. 542  CABRAL, J. C. R. Código eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro, Livraria Editora Freitas Bastos, 1934, p. 20-21.

538 

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Toda uma série de elementos favoráveis conjugaram-se nos anos iniciais da década de 1930 para que houvesse a introdução da obrigatoriedade para alguns setores sociais, primeiro, do alistamento no Código Eleitoral de 1932 e, posteriormente, do voto na Constituição de 1934. Conforme procuramos assinalar, o princípio da obrigatoriedade era necessário, como julgava-se então quase que unanimemente pelos diferentes públicos, para fazer frente aos malefícios do absenteísmo, tido como fator principal das fraudes e das experiências institucionais malsucedidas anteriormente. Na classe política, quando de sua discussão na Constituinte de 33, vimos que a maioria já se colocava ao seu lado. E aqueles deputados que se opunham ao voto obrigatório alegavam somente objeções de ordem prática, concernentes à sua factibilidade. Outro fator apontado para a adoção do dispositivo da obrigatoriedade foi o de que a baixa participação popular nos pleitos iniciais da nova ordem em construção poderia afetar sobremaneira a instável segurança política do governo imposto por Getúlio Vargas em 1930 e, mesmo, as inovações instituídas contra a fraude. O voto obrigatório, nessas circunstâncias, como atesta a quase unanimidade com que foi aceita a medida por conservadores e progressistas no processo Constituinte de 1933, iria no sentido de assegurar, portanto, os ideais que haviam motivado, ao menos teoricamente, a derrubada da Primeira República. Daí concluímos que a obrigatoriedade foi um dos dispositivos engendrados pelas forças governistas para produzir um eleitorado apto a garantir a legitimidade necessária à ordem inaugurada com o golpe de Estado. Mas se o alto absenteísmo comprometia a legitimidade daquelas forças políticas, a peça central da estratégia do governo para dar conta dessa ameaça foi focar no alargamento do direito ao voto por meio da obrigatoriedade do alistamento ex-offício, a ser feito com base nos sindicatos oficiais, incluindo os sindicatos rurais e, indiretamente, do voto. Esse objetivo esteve longe de atingir o sufrágio amplo. Pelo contrário, como sugerem os dados levantados, os alistados representaram um eleitorado mínimo, tido como qualificado, mas excluindo da participação a maioria da população analfabeta.

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Capítulo 7 POR ALÉM DO DISCURSO MORALIZADOR: OS INTERESSES POLÍTICOS E O IMPACTO DA CRIAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL EM 1932 Jaqueline Porto Zulini

INTRODUÇÃO As eleições capixabas à Constituinte de 1933 deram trabalho para a Justiça Eleitoral brasileira recém-criada pelo Código Eleitoral de 1932. Chegaram ao Superior Tribunal (TSE) sete recursos impugnando os resultados proclamados pelo Tribunal Regional do Espírito Santo (TRE/ES). Um deles protocolado por fiscais, delegados e procuradores do Partido da Lavoura que contestavam a vitória dos candidatos do Partido Social Democrático por vários motivos, inclusive por haver funcionado em toda a apuração o desembargador José de Barros Wanderley, sobrinho de dois candidatos pessedistas e primo de um terceiro deles. Portanto um ator considerado suspeito, “com interesse evidente no resultado”, segundo os lavouristas.543 O episódio ia de encontro à imagem de imparcialidade projetada na magistratura eleitoral pelos defensores das reformas adotadas em 1932. Desde o início, a propaganda da Aliança Liberal encampou um discurso reformista que defendia a necessidade de regenerar o regime representativo. Durante o famoso banquete realizado na Esplanada do Castelo a 2 de janeiro de 1930, Getúlio Vargas contextualizou a conveniência da plataforma do movimento justamente nestes termos: “Ha o intenso desejo da interferencia de fatores moraes no sentido duma renovação dos nossos costumes politicos, injectando uma onda de vida e de realidade nas ficções legaes com que envelhecemos numa Republica de 40 annos”.544 Dia após dia, a mensagem repercutiu no noticiário político: “A Alliança querendo moralizar os costumes politicos, condenando a corrupção, as violencias, o regimen da mentira, da invencionice e da fraude”.545 Até hoje, a literatura disponível encara as inovações institucionais promovidas pelo Código Eleitoral de 1932 como produto das bandeiras programáticas da Aliança Liberal.546 Uma postura que também se aplica ao caso da interpretação clássica do advento da Justiça Eleitoral, endossando-se a justificava

Boletim Eleitoral n. 124, 19/08/1933, p. 2581. O discurso de Vargas foi publicado nos jornais da época. Ver, por exemplo, o Correio da Manhã, Edição n. 10.742, Notícia: “A sucessão presidencial”, 03/01/1932, Coluna 7, p. 3. 545  O Jornal, Edição n. 3.480, Notícia: “A palavra do sr. José Bonifacio sobre o momento politico”, 21/03/1930, Coluna 5, p. 4. 546  FAORO, R. Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político Brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Globo, 2001; GOMES, A. C. (Org.). Regionalismo e centralização política: partidos e constituintes nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980; LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 2 ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975. NICOLAU, J. Eleições no Brasil. Do Império aos dias atuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. 543  544 

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da época: isto é, a necessidade de moralizar as eleições e coibir a fraude generalizada que excluía as oposições no regime republicano.547 O problema da interpretação clássica é supor que as elites no poder desde a Revolução de 1930 tenham limitado a sua própria influência no processo eleitoral quando criaram a Justiça Eleitoral. Tudo como se a intolerância dos revolucionários à fraude os levasse a preferir transferir para uma magistratura especial o direito exclusivo de cuidar das eleições, correndo o risco de saírem derrotados das urnas. Este capítulo propõe uma mudança de perspectiva ao apontar que a implantação dos tribunais eleitorais no Brasil teve o propósito de frear a histórica competição entre governo e oposição sobre o controle do conjunto dos burocratas responsáveis pelo andamento do processo eleitoral (a burocracia eleitoral). Dali em diante, apostava-se em outros mecanismos de controle sobre o processo eleitoral. Transferindo a prerrogativa de administrar as eleições diretamente para as mãos dos tribunais eleitorais, esperava-se excluir das decisões eleitorais uma gama de atores políticos antes influentes. Ao mesmo tempo, porém, não se perdia o controle sobre a magistratura. Na prática, o texto permite explorar uma percepção alternativa que considera tanto a possibilidade de a própria Justiça Eleitoral agir de forma parcial, a exemplo do caso capixaba descrito anteriormente, como também sofrer compressão governamental. A primeira seção explica como o processo eleitoral estava organizado antes da criação da Justiça Eleitoral no país e a visão que se tinha da atuação do judiciário nas eleições no contexto político anterior à promulgação do Código de 1932. O texto se vale da análise das publicações oficiais do governo e da imprensa da época para mostrar que as reformas eleitorais “moralizadoras” fizeram parte da agenda dos políticos e das demandas da sociedade durante a Primeira República (1889-1930), embora a proposta de criação de órgãos jurídicos independentes para fiscalizar as eleições parecesse absurda até pouco tempo antes da aprovação do Código de 1932. Como veremos na segunda seção, a ideia de uma Justiça Eleitoral livre não teve acolhida entre a classe política até às vésperas da sua formalização, ocorrida durante a vigência de um Governo Provisório alçado ao poder por meio da deposição do regime anterior. Portanto, em um ambiente de transição, incerteza e instabilidade política. Concatenada, a terceira seção explora como os tribunais eleitorais saíram do papel, na prática, em termos de hierarquia, infraestrutura e quadro de pessoal para regrar as primeiras eleições ocorridas sob o seu vigor, realizadas em maio de 1933 no propósito de compor uma Assembleia Constituinte que encaminhasse a restauração liberal. Dessa vez, as fontes apontam os desvios de um modelo ideal de magistratura imparcial, com episódios de interferência política, conflitos de competências e precariedade de funcionamento. A quarta seção analisa as alegações de fraude presentes nos Boletins Eleitorais do Superior Tribunal Eleitoral focando a atuação da magistratura no processo eleitoral. Por fim, o texto acompanha a discussão sobre a Justiça Eleitoral na Constituinte. Tudo considerado, as reflexões finais sinalizam para os problemas da visão romantizada que sobrevaloriza a criação dos tribunais eleitorais independentes e chama a atenção para a necessidade de se levar mais em conta os interesses políticos dos atores responsáveis pela introdução da Justiça Eleitoral.

MARCHETTI, Vitor. Governança eleitoral: o modelo brasileiro de Justiça Eleitoral. Dados, Rio de Janeiro, v. 51, n. 4, p. 865-893, 2008 (a passagem encontra-se na p. 880); SADEK, Maria Tereza. Justiça Eleitoral e a legitimidade do processo eleitoral [Apresentação]. Cadernos Adenauer, v. 15, n. 1, p. 7-9, set. 2014; SADEK, M. T. A Justiça Eleitorale a consolidação da democracia no Brasil. São Paulo: Konrad Adenauer Stiftung, 1995; VALE, Teresa Cristina de Souza Cardoso. Aspectos históricos da Justiça Eleitoral Brasileira. Cadernos Adenauer, v. 15, n. 1, p. 11-25, set. 2014. 547 

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O PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO E A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO ANTES DA CRIAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL Para entender os argumentos defendidos pelo discurso clássico sobre a adoção da Justiça Eleitoral no Brasil importa retomar o contexto político-eleitoral da Primeira República e a visão firmada ao longo do regime sobre o papel do judiciário no processo eleitoral. Esta seção desenvolve os dois pontos por meio da consulta de três fontes distintas: os Anais do Poder Legislativo, os jornais de época e a literatura secundária. Comecemos pelo processo eleitoral. Depois da outorga da Constituição Federal de 1891, quatro leis principais disciplinaram as eleições federais ocorridas na Primeira República. A lei n. 35, de 1892, regrou tais disputas até 1903, seguida de três reformas importantes: uma editada em 1904 (a lei n. 1.269, também conhecida como Lei Rosa e Silva) e duas em 1916 (as leis n. 3.139, focada somente no processo de alistamento, e n. 3.208, concentrada no trâmite da eleição). No agregado, essas normas compartilhavam o objetivo de organizar a condução das eleições a partir de três etapas burocráticas básicas. Primeiro, detalhavam a fase pré-eleitoral, que envolvia a definição dos eleitores e dos elegíveis, a realização do alistamento, a divisão das seções eleitorais, a escolha dos locais de votação e dos mesários. Na sequência, regravam a votação em si (o momento eleitoral) e a fase de apuração dos resultados. Embora constituísse a última fase do processo eleitoral, o reconhecimento dos candidatos eleitos ocorria no próprio Congresso e, por esse motivo, não era disciplinado pelas leis eleitorais, mas detalhado pelos regimentos internos das Casas Legislativas.548 Segundo a literatura, todas as fases tinham em comum o assédio de fraudes eleitorais.549 Porém os especialistas valorizam as reformas adotadas em 1916 como importantes pontos de inflexão, consideradas precursoras da Justiça Eleitoral por transferirem aos juízes algumas prerrogativas nos trabalhos eleitorais.550 Quando identificamos o perfil dos atores encarregados diretamente de guiar os trabalhos eleitorais do alistamento até o reconhecimento dos poderes, observa-se que as autoridades judiciárias concentraram durante toda a Primeira República o poder de decidir os casos controversos apresentados na forma de recursos impetrados ao alistamento, mas só detiveram exclusivamente as funções de alistar e apurar os resultados gerais das eleições federais a partir de 1916. O quadro n. 7.1 oferece uma síntese dos atores encarregados diretamente de cada uma das fases do processo eleitoral entre 1891-1930 e destaca, em cinza, as autoridades judiciárias.

548  Sobre o processo de reconhecimento dos poderes dos eleitos à Câmara dos Deputados naquela época, também chamado de verificação dos poderes e contencioso eleitoral, ver RICCI, Paolo; ZULINI, Jaqueline Porto. Quem Ganhou as Eleições? A Validação dos Resultados antes da Criação da Justiça Eleitoral. Revista de Sociologia Política, v. 21, n. 45, p. 91-105, 2013. 549  CARVALHO, José Murilo de. “Os Três Povos da República”. Revista USP, v. 59, p. 96-115, set./nov./2003 (a passagem encontra-se na p. 105); TELAROLLI, R. Eleições e Fraudes eleitorais na República Velha. São Paulo, Brasiliense, 1982. 550  NICOLAU, 2012, p. 75; PORTO, W. C. Dicionário do voto. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000, p. 251; RICCI; ZULINI, 2013, p. 94.

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Organização

Fase pré-eleitoral Decisão de recursos

Organização

Momento eleitoral

Condução Seccional

Sub-distrital Apuração

Distrital

Rec. dos poderes

Nacional

Alistamento Lei n. 35/1892 Lei n. 1269/1904 Lei n. 3139/1916 Membros do governo municipal e Membros do governo muniApenas autoridades desafiantes derrotados ao governo cipal e desafiantes derrotados judiciárias municipal ao governo municipal Eleitores Eleitores Coletores fiscais Maiores contribuintes do município Autoridade judicial Junta eleitoral (juiz Junta eleitoral (juiz seccional, Junta eleitoral (juiz seccional, seu seccional, seu subsseu substituto e procurador substituto e procurador seccional) tituto e procurador seccional) seccional) Supremo Tribunal Federal Juiz de direito Organização das mesas eleitorais Lei n. 35/1892 Lei n. 1269/1904 Lei n. 3139/1916 Junta eleitoral (Primeiro Membros do governo municipal e suplente do juiz seccional e Preferencialmente desafiantes derrotados ao governo ajudante do procurador da juízes municipal República) Lei n. 35/1892 Lei n. 1269/1904 Lei n. 3139/1916 Eleitores-mesários Eleitores-mesários Eleitores-mesários Lei n. 35/1892 Lei n. 1269/1904 Lei n. 3139/1916 Eleitores-mesários Eleitores-mesários Eleitores-mesários Prefeitos e substitutos de Prefeito do munícipio-sede do todos os municípios que distrito compunham o distrito eleitoral Membros do governo do município-sede do distrito eleitoral e Primeiro suplente do juiz desafiantes derrotados ao governo substituto do juiz seccional do referido município Somente autoridades judiciárias (juiz federal, seu substituto e o representante do Ministério Público) Regimentos internos das Casas Legislativas Candidatos

Quadro 7.1 – Atores encarregados de conduzir as fases burocráticas do processo eleitoral para cargos federais (1891-1930)* Fonte: elaboração própria a partir da consulta às leis n. 35/1892, 1.269/1904, 3.139/1916 e 3.208/1916, à CF 1891 e aos regimentos internos do Congresso Nacional *Desconsidera atores que em tese seriam coadjuvantes no processo eleitoral por deverem desempenhar atividades complementares, como transcrever atas (a exemplo dos escrivães e tabeliães), receber ou guardar cópias dos papéis eleitorais (caso de autoridades públicas como o governador estadual) e realizar o transporte de toda a papelada (função dos agentes dos Correios), entre outros.

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O quadro retrata a diversidade de atores com papéis relevantes na condução das etapas burocráticas necessárias à realização das eleições na Primeira República. Trata-se de uma burocracia eleitoral que diminuiu sobretudo após a aprovação das reformas de 1916 responsáveis pela concentração de atividades em autoridades judiciárias. Entretanto há consenso sobre o insucesso das reformas em assegurar a imparcialidade dos trabalhos eleitorais.551 Sobretudo por causa da situação dos juízes, que continuavam muito dependentes do governo.552 A razão residia na falta de estabilidade no cargo, pois a organização do Poder Judiciário na Primeira República só considerava “magistrados os desembargadores e juizes de direito. Só esses são vitalicios e, em regra, inamoviveis”.553 Dito de outro modo: a maioria da burocracia eleitoral proveniente do Judiciário era nomeada – sem, portanto, a proteção da vitaliciedade no cargo, convencionalmente interpretada como uma garantia de independência. Um ponto que ganha maior relevância levando-se em conta a hipótese de compressão governamental exercida no período das eleições sobre os funcionários públicos em geral, apontada com bastante ênfase pela literatura. No caso específico das autoridades judiciárias que integravam a burocracia eleitoral republicana, o resultado desse tipo de coerção convergia para a destituição dos juízes imparciais, estimulando o comportamento partidário dos juízes em favor do governo justamente pelo temor da destituição.554 O estudo das contestações eleitorais protocoladas na Primeira República revela que mesmo após as reformas de 1916, os juízes federais continuaram sujeitos a diversas formas de coação e pressão.555 Passando à visão de mundo republicana sobre o papel do judiciário no processo eleitoral, observa-se que a ideia de instituir uma magistratura eleitoral concursada e independente não ganhou espaço. A análise dos debates das reformas eleitorais registrados nos Anais do Poder Legislativo revela o predomínio da ideia de supervisão judicial das eleições por autoridades destacadas temporariamente aos trabalhos eleitorais. Até 1930, as denúncias de fraude eleitoral que tumultuavam o processo de reconhecimento dos poderes no Congresso estimularam discursos reformistas dirigidos à necessidade de rever as regras em vigor e a possibilidade de contar com a supervisão judicial dos trabalhos eleitorais despontou como uma saída em geral necessária, mas não suficiente. Durante a tramitação da reforma eleitoral Rosa e Silva, responsável pela entrada de juízes nas comissões de alistamento e nas juntas apuradoras, o argumento apareceu nas reflexões do senador Rosa e Silva, que acabou redigindo o substitutivo do Senado vitorioso ao projeto iniciado pela Câmara dos Deputados e se tornou alcunha da lei. Para o senador, o problema da lei eleitoral de 1892 era entregar o processo de alistamento e de escolha de mesários para os membros do governo municipal e seus desafiantes supondo que os últimos representariam as oposições e, consequentemente, trabalhariam em conjunto de forma justa. O diagnóstico de Rosa e Silva apontava que na prática predominava a unanimidade tanto nas comissões de alistamento quanto nas mesas eleitorais. Ciente do problema, a proposta de reforma FAORO, 2001; KINZO, M. D. G. Representação Política e Sistema Eleitoral no Brasil. São Paulo, Edições Símbolo, 1980, p. 77; LEAL, 1975, p. 225. KINZO, 1980, p. 77; LEAL, 1975, p. 225. 553  NUNES, J. C. Jornada revisionista: os rumos, as idéias, o ambiente. Rio de Janeiro: Almeida Marques, 1924, p. 141. 554  VELLASCO, D. Direito Eleitoral. Sistema eleitoral. Nulidades. Crítica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1935, passim. 555  RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. The Meaning of Electoral Fraud in Oligarchic Regimes: Lessons from the Brazilian Case (1899–1930). Journal of Latin American Studies, 49, v. 2, p. 243-268, 2017a. Havia um debate bastante crítico na literatura jurídica da época a respeito da relação entre as regras de provimento de cargos e a independência e imparcialidade dos membros do Poder Judiciário. Em nenhum dos estados os magistrados (isto é, os juízes de direito e os membros dos tribunais de justiça) podiam ser providos por eleição. Os demais cargos da judicatura, como os juízes distritais e municipais, não sofriam o mesmo impedimento, embora se desencorajasse o seu provimento pelo método eletivo para afastar a função judicial da político-partidária: “argumenta-se que a electividade desconhece o caracter da função judicial, que é fundamentalmente imparcial e serena, incompativel, portanto, com o espirito de partido, de seu natural apaixonado e faccioso” (NUNES, J. C. Jornada revisionista, p. 1924, p. 143). 551  552 

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iniciada na Câmara delegava a organização do alistamento para o juiz de direito, o presidente do governo municipal e o primeiro suplente do substituo do juiz seccional. Uma opção que Rosa e Silva criticava por não lhe parecer reunir “as necessarias condições de imparcialidade e garantia para a verdade do alistamento eleitoral”. Detalhando: O juiz de direito, em geral, acha-se filiado á situação dominante no Estado; e em alguns Estados, infelizmente, depende dos respectivos governos; o presidente do governo municipal e o 1o supplente do juiz substituto, em geral, pertencem também á mesma parcialidade.556

A alternativa defendida pelo senador se inspirava nas experiências das Repúblicas do Chile e da Argentina, que tinham passado para a classe dos maiores contribuintes a responsabilidade pela organização do alistamento. Uma decisão que lhe parecia melhor por não se poder, “a priori, saber quaes serão os maiores contribuintes”.557 Rosa e Silva propunha um sistema intermediário, misto. Pelo seu esquema, a comissão de alistamento ficava dirigida por uma autoridade judiciária e composta tanto de representantes das duas maiores classes econômicas da época (comércio e agricultura) quanto de elementos políticos (os populares eleitos pelos membros do governo municipal e seus desafiantes). A mesma composição era defendida pelo senador na organização das mesas eleitorais visando “evitar quanto possivel que as mesas sejam compostas de membros, pertencentes, todos, a uma só parcialidade politica”.558 Não se cogitava, porém, instituir um órgão politicamente independente para cuidar do contencioso eleitoral. Foi em 1911 que o senador Francisco Glicério lançou a ideia de criar uma magistratura especial para cuidar unicamente do alistamento. Uma proposta descartada pela comissão mista de deputados e senadores nomeada dois anos depois para estudar as diferentes propostas de reforma eleitoral que se encontravam em andamento nas duas casas do Congresso. Desaconselhava-se a medida “principalmente porque as condições financeiras do paiz impedem a decretação da avultada despeza que seria necessaria”.559 Como resultado dos seus trabalhos, a comissão ofereceu um projeto de lei que destacava apenas os magistrados para os trabalhos de alistamento.560 Mais precisamente, o texto considerava a sugestão presente em matérias já protocoladas no parlamento “de entregar a uma autoridade judiciaria o reconhecimento do direito de voto” e escolhia os juízes de direito para desempenhar essa tarefa.561 Apresentado ao exame do plenário do Senado e assinado em primeiro lugar pelo senador Bueno de Paiva, presidente da comissão mista, o material não contava com endosso integral de todos os seus redatores. O projeto de reforma do alistamento estudado pela comissão mista passou em duas discussões e dependia de parecer para seguir à terceira discussão quando a legislatura de 1912-1915 se encerrou, pondo termo ao mandato daquele órgão técnico. Partiu do senador Bueno de Paiva a solicitação para se nomear, na legislatura seguinte, uma comissão mista que desse prosseguimento aos respectivos trabalhos.562 Uma iniciativa harmônica à agenda do então presidente da República, Wenceslau Braz, conhecido o seu interesse em ver o Congresso trabalhar nesse sentido para aprovar uma legislação capaz

556  557  558  559  560  561  562 

ASF, v. I, 16/06/1904, p. 303. Ibidem, p. 303, grifo do original. Ibidem, p. 304. ASF, v. VIII, 01/11/1913, p. 4. Ibidem, p. 5-11. Ibidem, p. 4. ASF, v. III, 28/06/1915, p. 529-530.

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de garantir “o alistamento e a eleição contra os assaltos dos defraudadores”.563 O parlamento aprovou a ideia e alçou Paiva mais uma vez à presidência da comissão mista. Passado um ano, publicava-se a Lei n. 3.139/1916, não à toa informalmente batizada de Lei Bueno de Paiva. Nos anos 1920, o tema da supervisão judicial das eleições ganha novo fôlego graças a três episódios políticos. O primeiro diz respeito à hipótese de criação do chamado Tribunal de Honra: uma corte mista de deputados, senadores e membros do Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as eleições presidenciais de 1º de março de 1922. Um pedido do presidenciável Nilo Peçanha e ridicularizado pela imprensa na época.564 O segundo episódio da década de 1920 que aqueceu a reflexão sobre a supervisão judicial das eleições refere-se à tramitação da única reforma constitucional aprovada durante a Primeira República, de 1926. Isso porque o novo texto dado pela reforma ao dispositivo que regulava a intervenção federal nos estados previu a possibilidade de decretá-la para solucionar crises de representação criadas pelas chamadas duplicatas de assembleias ou de governadores. Essas duplicatas correspondiam às situações em que duas forças políticas se consideravam legalmente eleitas e diplomadas, ao mesmo tempo e no mesmo estado, reclamando o reconhecimento dos seus poderes. Impasses que andavam chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF) e sendo decididos pelos juízes colocados, portanto, diante do constrangimento de cruzar a prerrogativa das casas legislativas sobre o reconhecimento dos poderes. Para forçar o envolvimento do STF no mérito das duplicatas, os políticos geralmente recorriam à solicitação de habeas-corpus na expectativa de conseguirem proteção legal capaz de resguardar a possibilidade de assumirem o mandato. Daí a reforma constitucional ter adotado medidas que dificultavam a decisão de casos políticos pelo judiciário. Por um lado, concedeu-se competência privativa do Congresso Nacional quanto ao ato de decretar a intervenção nos estados para decidir a legitimidade de poderes em caso de duplicata.565 Por outro, restringiu-se a definição do habeas-corpus.566 O tratamento que a reforma constitucional de 1926 deu à questão do judiciário no contencioso eleitoral foi, portanto, no sentido de condenar os precedentes abertos a partir das concessões de habeas-corpus políticos feitas pelo STF. Na contramão do rumo tomado pela reforma constitucional, o senador Washington Luís desenterrou a ideia de Constituição de uma magistratura especial para fins político-eleitorais durante a divulgação da sua plataforma de candidato à presidência da República, na virada de 1925 para 1926. Destaque-se: o terceiro episódio político responsável pela manutenção da ideia de supervisão judicial das eleições continuar acalorada na década de 1920. Washington encampava a criação de “juízes privativos da Cidadania Brasileira”. A principal função deles constituiria na incumbência privativa de formar o eleitorado brasileiro. Os juízes ficariam encarregados também do julgamento de todos os delitos eleitorais, desde o alistamento até a apuração. Não teriam necessariamente que tocar, porém, a organização das mesas eleitorais: contanto se resguardasse a imparcialidade, a tarefa poderia ser realizada “por esses juízes ou seus delegados, ou por eleições com representação de todas as opiniões”.567 Acabavam aqui as funções essencialmente eleitorais desses juízes. O presidenciável ACD, v. III, 03/05/1915, p. 3. F 1891 reformada, art. 6º, incisos III e IV, §§ 1º e 2º. 564  Ciente da sua desvantagem na corrida presidencial contra Arthur Bernardes, Nilo buscava uma saída para ter assegurada uma apuração isenta dessa eleição. Uma das críticas mais ferozes ao seu pretenso Tribunal de Honra partiu d’O Paiz, Edição n. 13.676, Nota na Coluna: “Echos e factos”, 31/03/1922, p. 10. 565  CF 1891 reformada, art. 6º, incisos III e IV, §§ 1º e 2º. 566  CF 1891 reformada, art. 72º, § 22º. 567  Diario da Manhã: Orgão do Partido Constructor – ES, Edição n. 123, 10/01/1926, Notícia: “A plataforma do senador Washington Luis”, p. 6. 563  C

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desejava que eles ainda realizassem outras atividades, como atribuições exclusivas sobre o registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos, além da responsabilidade pela formação das bases para os sorteios militares e suas isenções, “tornando uma realidade insuspeitavel, essa fórma de fazer a Nação compor o Exercito” e provendo, na prática, bom subsidio para os recenseamentos.568 O teor da proposta de Washington Luís segue em linha com o padrão dos debates republicanos sobre o papel do judiciário nas eleições. À exceção do projeto de lei oferecido por Francisco Glicério que defendia a criação de uma magistratura especial para cuidar exclusivamente do processo eleitoral, predominava a defesa da supervisão judicial das eleições com o destacamento temporário dos magistrados disponíveis no serviço público para os trabalhos eleitorais preparatórios e para a fase de apuração. Mais do que isto: é importante reiterar como o discurso centrado na necessidade de reformas eleitorais moralizadoras se solidificou no decurso da Primeira República, mas não impulsionou, por conta própria, a criação de uma Justiça Eleitoral independente. A DEFESA ABRUPTA DA CRIAÇÃO DE TRIBUNAIS ELEITORAIS Dado o histórico do discurso reformista sobre o processo eleitoral amadurecido no decorrer da Primeira República, pode-se dizer que a defesa da criação de tribunais estritamente eleitorais foi abrupta no Brasil. A proposta aparece durante a tramitação da reforma eleitoral convertida no Código de 1932. Acontece em agosto de 1931, com a publicação do anteprojeto escrito pela subcomissão da reforma eleitoral nomeada pelo Governo Provisório e composta por Assis Brasil, João Cabral e Mário Pinto Serva. Para analisar o período, daqui em diante a pesquisa se vale especialmente dos jornais da época, que não somente retratavam o clima intelectual e a opinião pública sobre a conjuntura como constituíam-se em veículos de informação privilegiada da política ordinária no pós-1930, quando se suspende a publicação dos Anais do Poder Legislativo. Especialmente porque a maioria desses jornais era politicamente engajada, facilitando a identificação clara da linha ideológica e das parcialidades intrínsecas às notícias. Daí a prioridade no estudo de dois jornais de tendências diferentes – no caso, o Diário de Noticias (de oposição ao Governo Provisório) e o Correio da Manhã (que se autoproclamava independente, mas cuja linha editorial mostrava-se claramente pró-Vargas). O quadro a seguir resume a organização da Justiça Eleitoral proposta em 1931 pelo anteprojeto do Código Eleitoral.

568 

Idem.

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Quadro 7.2 – Estrutura da Justiça Eleitoral (anteprojeto de 1931) * Embora o anteprojeto não use o termo Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), daqui em diante a expressão será usada para facilitar a sua diferenciação do STE. Fonte: elaboração própria a partir da leitura do anteprojeto de 1931

A redação do anteprojeto propunha uma complexa estrutura para a Justiça Eleitoral, distribuindo diferentes organismos eleitorais pelos três níveis da federação. No topo da organização figurava o Superior Tribunal Eleitoral (STE), com sede na capital da República. Anexa ao STE previa-se a Repartição Central do Registro Cívico, também sediada na capital federal. Logo abaixo, no plano estadual, previam-se os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) sediados um na capital de cada estado do país, um sediado na capital federal e outro na sede do governo do território do Acre, totalizando vinte e dois organismos eleitorais regionais. A mesma lógica de distribuição espacial valia para as Repartições Circunscricionais do Registo Cívico, anexas aos TREs e, portanto, com sedes na capital federal, nas capitais dos estados e no território do Acre, totalizando também vinte e dois organismos eleitorais do gênero. Por fim, no plano municipal, o anteprojeto do Código estabelecia Seções Inscritoras, uma em cada sede de município. Além disso, o texto determinava a existência de Juízes eleitorais em cada comarca, distrito ou termo judiciário. A ideia de adoção de uma Justiça Eleitoral nesses termos não constava nas obras publicadas por Assis Brasil, Cabral e Serva até aquele momento. Oito dias depois, Assis Brasil lançou a quarta edição de Democracia Representativa aproveitando o espaço para comentar o anteprojeto e se defender das duras críticas recebidas. Essa quarta edição do livro também consistiu no seu primeiro esforço de advogar publicamente a transferência do contencioso eleitoral para tribunais eleitorais independentes. Contudo a imprensa desafiou a argumentação de Assis Brasil ao demonstrar que a criação da Justiça Eleitoral proposta no anteprojeto materializava mais uma passagem plagiada da lei eleitoral uruguaia de 07 de janeiro de 1924.569 Vale recuperar o trecho de uma dessas demonstrações oferecidas pela imprensa porque aqui se visualiza o momento de inserção – ou melhor, empréstimo e tradução – da ideia de tribunais Para detalhes sobre a intenção de Assis Brasil ao lançar a quarta edição de Democracia Representativa bem como a respeito da crítica da imprensa quanto ao conteúdo do anteprojeto do Código Eleitoral de 1932 ter sido plagiado da lei eleitoral uruguaia de 1924, ver o segundo capítulo: Obra de Assis Brasil? A tramitação do Código Eleitoral de 1932. 569 

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eleitorais independentes: “A ley uruguaya crêa uma ‘Côrte Electoral’ e ‘Juntas electorales’; o ante-projecto crêa o ‘Superior Tribunal Eleitoral’ e os ‘Tribunaes eleitoraes’.570 Não se trata de uma crítica gratuita: importa reconhecer que o protótipo de Justiça Eleitoral adotado em 1932 brota como parte do pacote de regras tomado de empréstimo do Uruguai e traduzido do castelhano às pressas para acabar com a cobrança pública sobre um trabalho eleitoral autoral e de qualidade. Definitivamente, nada parece amparar a transição das propostas de supervisão judicial das eleições em voga até os anos 1930 aos Tribunaes eleitoraes do anteprojeto por além da conexão direta que essa expressão mantém com as uruguaias Juntas electorales. Considerando que o retrospecto das visões sobre a relação do judiciário com o contencioso eleitoral não revelou algo próximo dos tribunais eleitorais descritos no anteprojeto, as primeiras opiniões veiculadas na imprensa a respeito desses tribunais tinham em comum dificuldade em apontar prognósticos. Na realidade, a ideia de delegar a verificação de poderes para um órgão independente foi pouco comentada e, dentre os poucos que se dispuseram a fazê-lo, teve em geral acolhida. Inclusive da parte de alguns dos defensores de uma reforma eleitoral pontual com vistas ao retorno rápido do regime constitucional, a exemplo da opinião dos Institutos dos Advogados do Brasil.571 Uma exceção emerge de matéria especial escrita para o Diário de Notícias e para a Folha da Manhã condenando a criação de uma magistratura eleitoral por considera-la uma oportunidade de atrasar propositadamente a restauração liberal: Foi mal recebida pela opinião a idéa, contida no ante-projecto da lei eleitoral, da creação de uma magistratura privativa para essa matéria. A mais forte razão que contra isso se allega é que se trata de um aparelho complexo e caro, que por esses dois motivos não se installará tão cedo. Dahi o perigo de se retardar a convocação da Constituinte, a pretexto de que primeiro será necessario formar o seu eleitorado, ao mesmo tempo que se procrastina a formação do corpo de votantes, porque o projecto exige uma organização naturalmente demorada e difficil. Corremos effectivamente esse risco, sobretudo se atentarmos a um facto inegável: a dictadura tem pouca pressa em dar por terminada a sua tarefa.572

Críticas realmente mais explícitas convergiram para a dúvida suscitada em torno da imparcialidade dos tribunais eleitorais propostos. Nestor Massena, antigo vice-diretor da secretaria da Câmara dos Deputados, externalizou esse tipo de preocupação em entrevista ao Correio da Manhã. Nas suas palavras, o anteprojeto: “é, na verdade, um completo poder judiciário eleitoral, se não quisermos denomina-lo poder judiciário politico”.573 Mais à frente, Massena condena a medida naquele momento, cuja elaboração deveria ficar a cargo de um Poder Legislativo constituído. Os críticos da introdução dos tribunais eleitorais também chamavam em causa a dificuldade de operacionalizá-los em vinte e dois estados. Uma ideia partilhada inclusive pelo do ex-senador Thomaz Rodrigues, que embora já tivesse votado contra o governo em matéria de reconhecimento de poderes, achava a criação da Justiça Eleitoral complicada e confusa.574 Na defesa que escreveu às críticas recebidas pelo anteprojeto, Assis Brasil admite a imitação da lei uruguaia. Não aborda em profundidade, porém, as objeções relativas aos dispositivos disciplinadores dos tribunais eleitorais.575

570  571  572  573  574  575 

ROSA, O. R. A reforma eleitoral: crítica ao anteprojeto, projeto de regulamento eleitoral, o voto feminino. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1931, p. 9. Correio da Manhã, Edição n. 11.283, Notícia: “Instituto dos Advogados”, 26/09/1931, p. 6. Diário de Noticias, Edição n. 457, Notícia: “Magistratura eleitoral”, 16/09/1931, p. 2. Correio da Manhã, Edição n. 11.278, Notícia: “O ante-projecto do alistamento eleitoral”, 20/09/1931, p. 4. Correio da Manhã, Edição n. 11.280, Notícia: “O ante-projecto eleitoral”, 23/09/1931, p. 2. ASSIS BRASIL, J.F. Democracia Representativa: Do voto e do modo de votar. 4a ed. Rio de Janeiro: 1931, p. 314.

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Quando a equipe formada pelo ministro Maurício Cardoso no final de 1931 com a anuência de Getúlio Vargas para rever o anteprojeto da reforma eleitoral começa a trabalhar, concentra em apenas um dia a revisão da parte relativa à estrutura dos tribunais eleitorais. Isto aconteceu na segunda reunião, a 07 de janeiro de 1932, que contou também com a presença de João Cabral e Fernando Antunes, consultor jurídico do Ministério da Justiça.576 Todas as modificações então aprovadas encontram-se sintetizadas no quadro n. 7.3. Dentre elas, importa retomar dois pontos importantes. Em primeiro lugar, um grupo de medidas que centralizava as competências eleitorais no STE, como a responsabilidade de redigir os regimentos internos dos TREs (antes proposto como prerrogativa dos próprios TREs) e a responsabilidade de julgar delitos políticos (antes competência de juízes ordinários ou especiais).577 Em segundo lugar, uma medida específica que ampliava de dois para três o número de membros do STE indicados diretamente pelo Governo Provisório. No agregado, as mudanças não deixam dúvidas de que se trate de um processo de institucionalização da Justiça Eleitoral, embora influenciado pelo governo. Entretanto há um aspecto ainda mais central relativo ao formato da Justiça Eleitoral introduzido pelo anteprojeto Assis Brasil e adotado sem mudanças substantivas no texto final do CE 1932. Refiro-me às regras que tratam da identificação dos juízes eleitorais. Afinal, quem deveriam ser eles? E, sobretudo, deveriam exercer as suas funções de forma sazonal ou permanente? As questões são fundamentais levando-se em conta tanto a possibilidade de compressão governamental sobre o funcionalismo público quanto a possibilidade de institucionalização de uma Justiça Eleitoral independente. Como vimos, pela estrutura do judiciário na época somente os desembargadores e juízes de direito gozavam de estabilidade no cargo e, portanto, estavam teoricamente independentes do governo. Quando se estuda o anteprojeto, vê-se que a aposta preliminar não é criar um cargo novo, mas adicionar a função de juiz eleitoral ao rol de competências dos juízes togados: Art. 34. Emquanto o poder competente não resolver definitivamente sobre a organização do Poder Judiciario, as funcções do Juizo Eleitoral caberão aos juízes locaes, togados, encarregados pelas respectivas organizações judiciarias do julgamento das causas civeis em primeira instancia [...].

Além disso, a proteção da vitaliciedade não aparecia como uma regra sem exceções, pelo contrário. Embora o art. 35 estabelecesse que só poderiam exercer as funções de Juiz Eleitoral os juízes togados pertencentes à magistratura e no gozo de garantias de vitaliciedade, também cravava: “O serviço eleitoral nos municipios, em cuja séde não houver juiz nas condições acima, será desempenhado pelo juiz da Comarca, do districto, ou termo judiciario mais próximo”. O texto definitivo do CE 1932 abandonou a ressalva de que essa configuração do perfil dos juízes eleitorais valeria enquanto não se realizasse a reorganização do judiciário. Ficava explícito que a ideia de criar um cargo novo, de juiz eleitoral per si, estava completamente descartada àquele momento. Haja vista a inclusão de um subsídio para abonar os juízes que desempenhassem, além de suas funções originais, também a função eleitoral.578 Uma disposição relevante porque nos alerta para o equívoco de se afirmar haver em 1932 o propósito de se criar uma Justiça Eleitoral independente no sentido de uma instituição com magistrados concursados exclusivamente para o cargo de juízes eleitorais. O estudo da tramitação do Código Eleitoral revela que inventa-se a instituição sem conferir autonomia para seus membros. 576  577  578 

Correio da Manhã, Edição n. 11.372, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 1. Correio da Manhã, Edição n. 11.372, Notícia: “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 4. Cf. art. 32 do CE 1932.

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Questão

Anteprojeto original

Número de membros escolhidos pelo Dois Executivo para compor o Superior Tribunal Eleitoral (TSE)

Anteprojeto revisto Três

Renúncia a cargo de membro do TSE

Irrenunciável sem causa justificada Questão suprimida

Quorum para funcionamento do TSE

Cinco membros, além do presidente Cinco membros, inclusive o presidente

Elaboração do regimento dos Tribunais Competência dos próprios TREs Competência do TSE Regionais Eleitorais (TREs) Julgamento de delitos políticos

Competência de juízes ordinários Competência do TSE ou especiais

Membros do TSE

Antes que se organize o novo Permite que qualquer membro do TSE regime, só poderão ser demitidos possa deixar o cargo passados dois anos ou afastados por sentença judicial de sua nomeação

Quorum para funcionamento dos TREs Quatro membros, além do Quatro membros, inclusive o presidente presidente Atribuições do TREs

Várias

Mantém todas e inclui a de cumprir e fazer cumprir as decisões e determinações do TSE

Local de publicação das resoluções de Séde do TER caráter eleitoral, nos Estados

Séde do TSE e jornal oficial do estado

Prazo máximo para, depois de sancio- 45 dias nada a lei, começarem a funcionar as seções inscritoras de eleitores

60 dias

Juízes responsáveis pelo preparo dos Juízes togados processos eleitorais

No caso das comarcas onde não houver juiz togado, caberá o preparo dos processos ao juiz mais graduado, com o recurso para o juiz togado da comarca ou termo mais próximo.

Quadro 7.3 – Modificações aprovadas pela subcomissão revisora da reforma eleitoral quanto à Justiça Eleitoral Fonte: elaboração própria a partir do Correio da Manhã, Edição n. 11.372, “A nova lei eleitoral”, 08/01/1932, p. 4

DA LEI À PRÁTICA: A IMPLEMENTAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL EM 1932 Toda legislação pode passar por grandes dificuldades na fase de implementação. Por além da instabilidade política que mantinha o Brasil sobre a direção de um Governo Provisório, a construção da Justiça Eleitoral ainda passava pelas dificuldades associadas à própria estrutura inédita dos organismos eleitorais, sem precedentes diretos na história do rito eleitoral seguido no país, e à situação econômica, em particular, recomendando a contenção de gastos. Esta seção analisa a implementação dos tribunais eleitorais por meio dos já citados jornais e dos Boletins Eleitorais do STE, criados em 1932 para dar publicidade ao dia-a-dia do órgão máximo da Justiça Eleitoral brasileira. O estudo das duas fontes revela a delicada transição dos organismos eleitorais previstos nos dispositivos do 174

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Código de 1932 para a prática em termos de hierarquia, infraestrutura e quadro de pessoal. Duas ordens principais de problemas se impõem ao projeto original: a interferência política nas decisões da Justiça Eleitoral e a precariedade de funcionamento dos tribunais eleitorais. A interferência política nas decisões da Justiça Eleitoral A interferência da política no processo eleitoral estava tão arraigada àquela época que o noticiário esperava pelos primeiros decretos do Governo Provisório nomeando todos os oito membros do STE.579 O Código Eleitoral (art. 9o e parágrafos) determinava, na verdade, que a Constituição do STE dependia do STF. Isso porque o STE tinha que ser constituído do vice-presidente do STF (no caso, o ministro Hermenegildo de Barros); de mais dois membros e três substitutos, indicados pelo STF; de dois desembargadores e de dois substitutos, indicados pela Corte de Apelação; e de três membros de escolha do chefe do Governo Provisório, entre uma lista de quinze cidadãos de notório saber jurídico e reconhecida idoneidade, também organizada pelo STF. No dia 1o de abril de 1932, o STF se reuniu para compor o STE e decidiu por sorteio tanto as indicações que lhe cabiam formalmente como também sorteou os componentes pela Corte de Apelação.580 Os nomeados por Getúlio Vargas para o STE foram Affonso Penna Junior, Prudente de Moraes Filho e Affonso Celso de Assis Figueiredo.581 Do ponto de vista formal, o Governo Provisório também deveria condicionar parte da composição dos TREs, indicando dois dos seis membros efetivos desses tribunais, além de três dos cinco membros substitutos.582 Críticas sobre a parcialidade das escolhas feitas pelo Governo Provisório invadiram a imprensa em 1932. O Correio da Manhã, por exemplo, recuperou uma notícia originalmente dada pelo Jornal do Commercio publicado em Manaus que condenava os nomes indicados para constituir o TRE/AM: [...] houve um flagrante desrespeito a lei federal que determina sejam os TREs constituídos por pessoas de notável valor jurídico, pois para o TRE/AM se indicaram professores, normalistas, médicos, comerciantes e funcionários públicos. O desembargador que fez as nomeações alega que não encontrou pessoas qualificadas, então indicou pessoas de reconhecida idoneidade moral.583

A notícia rebatia a explicação alegando que existiam muitos professores de direito, membros do instituto dos advogados e desembargadores aposentados que poderiam ser nomeados. Na mesma edição, inclusive, o Correio da Manhã apontou o comportamento partidário do próprio STE na organização da lista de 15 homens de notável saber, considerando-a de “um sentido politico evidente e da O Correio chama a atenção para esse equívoco (Correio da Manhã, Edição n. 11.439, Notícia: “O que houve hontem em novidades politicas”, 29/03/1932, p. 5). 580  Primeiro, o STF elegeu Soriano de Souza e Cardoso Ribeiro para membros efetivos do STE, ficando Eduardo Espinola e Plinio Casado como suplentes. Depois, o STF sorteou dentre os desembargadores da Corte de Apelação os senhores José Linhares e Renato Tavares para efetivos, e Leopoldo Augusto de Lima e Arthur Collares Moreira como suplentes. (Correio da Manhã, Edição n. 11.443, Notícia: “A politica e as suas novidades de hontem”, 02/04/1932, p. 1). É importante não confundir, porém, a organização do STE com a sua instalação, que acontece a 20 de maio (Correio da Manhã, Edição n. 11.485, Notícia: “Foi, hontem, instalado o Superior Tribunal Eleitoral”, 21/05/1932, p. 1). 581  Os três foram escolhidos em detrimento de Francisco Carneiro Monteiro de Salles, Alfredo Bernardes da Silva, Levi Carneiro, José de Miranda Valverde, Edmundo Muniz Barreto, Epitacio Pessoa, Astolpho Vieira de Rezende, Alberto Diniz, Alceu de Amoroso Lima, Hugo Simas, Pires e Albuquerque e Pedro dos Santos, que completavam a lista dos 15 homens de notável saber eleitos pelo STF em 1º de abril de 1932. 582  Segundo a letra do CE 1932, a presidência de cada TRE deveria ser ocupada pelo vice-presidente do Tribunal de Justiça no estado. Completariam os tribunais regionais eleitorais um juiz federal, dois membros efetivos e dois membros sorteados dentre os membros do Tribunal de Justiça local e dois membros efetivos e três substitutos nomeados pelo chefe do Governo Provisório dentre uma lista de doze cidadãos pré-indicados pelo Tribunal de Justiça local. 583  Jornal do Commercio Apud Correio da Manhã, Edição n. 11444, Notícia “As excentricidades do Tribunal Regional do Amazonas”, 03/04/1932, p. 2.

579 

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mais nitida tendência reaccionaria, em sua maioria”.584 A justificativa é direta: “Os mais conhecidos serviçaes da politicagem passada nella figuram, ao lado de máos juizes, que a Revolução mesma foi obrigada a afastar da magistratura, a bem della e no interesse da Justiça”.585 Contudo o mais polêmico episódio de ingerência do Governo Provisório sobre o STE ocorreu na definição da data de início e conclusão do alistamento eleitoral com vistas às eleições para a Assembleia Nacional Constituinte (ANC). O Código era omisso nessa questão elementar e os ministros do STE concluíram que não tinham, portanto, competência para fixar o respectivo prazo. Preferiram então, encaminhar as seguintes recomendações para Getúlio Vargas: 1) fixar uma data única para a abertura do alistamento em todo o país e 2) encerrá-lo a 3 de abril de 1933, um mês antes das eleições constituintes, marcadas para 3 de maio de 1933.586 Para frustração dos ministros do STE, o Governo Provisório descartou a primeira sugestão e liberou o início do alistamento, em cada estado, conforme o respectivo TRE se instalasse.587 A repercussão dessa decisão se mostrou penosa para o STE, teoricamente intérprete supremo do Código Eleitoral. O ministro Prudente de Moraes não se conteve: “O Tribunal não póde se conformar com semelhante lição que, além de não estar certa, vem ferir a sua autoridade. O governo devia ser o primeiro a prestigiar a Justiça Eleitoral, que ele creou.”588 Na visão do Correio da Manhã, “E não era para menos. Superpondo-se ao orgão que deve dar a ultima palavra em materia eleitoral, o governo discricionario retirou-lhe a autoridade que, em proveito da regeneração do suffragio popular, lhe devia ser integralmente mantida.”589 Tratava-se da primeira de muitas decisões do Governo Provisório que passaram por cima do prestígio legal dado ao STE pelo CE 1932. Uma série de decretos posteriores revogaram medidas que deveriam ser definidas pelo órgão supremo da Justiça Eleitoral, sinalizando a sua falta de autonomia. O primeiro decreto importante nesse sentido derrogou dos tribunais as atribuições de natureza administrativa associadas à nomeação dos serventuários para as secretarias e repartições eleitorais. Ficou decidido que a Justiça Eleitoral teria de aproveitar os funcionários públicos civis em disponibilidade, adidos ou extintos.590 Um ponto problemático quando se relembra o já resgatado debate da época em respeito à parcialidade do funcionalismo público. Ainda se resguardava aos tribunais eleitorais o recebimento da lista dos funcionários em disponibilidade e, a partir do seu estudo, a proposição de quais dos serventuários desejavam nomear para o Governo Provisório analisar e deferir. Considerando a demora envolvida em tais circunstâncias, decreto posterior guilhotinou também a possibilidade de os tribunais eleitorais conhecerem a lista de funcionários em disponibilidade, passando o chefe do Governo Provisório a designar os serventuários das secretarias independentemente de proposta.591

Correio da Manhã, Edição n. 11.444, Notícia “Contraste revoltante” na coluna “Topicos & Noticias”, 03/04/1932, p. 4. Idem. 586  Correio da Manhã, Edição n. 11.498, Notícia: “A reunião de hontem, no Superior Tribunal Eleitoral”, 05/06/1932, p. 3. O Correio da Manhã discordava do primeiro ponto sobretudo por causa do ritmo lento das instalações dos TREs pelo país: “Aguardar que todos se completem, para que se inicie o alistamento geral, é correr o risco de perder mais dois ou tres mezes, se levarmos em conta o tempo que já se evaporou” (Correio da Manhã, Edição n. 11.501, Nota na Coluna: “Topicos & Noticias”, 09/06/1932, p. 4). 587  Cf. Decreto n. 21.669 de 25 de julho de 1932. 588  Correio da Manhã, Edição n. 11.504, Notícia: “A reunião de hontem, no Superior Tribunal Eleitoral”, 12/06/1932, p. 2. 589  Correio da Manhã, Edição n. 11.504, Notícia: “O Superior Tribunal Eleitoral”, 12/06/1932, p. 4. 590  Cf. Decreto n. 21.282, de 13/04/1932. A medida atualizava para o CE 1932 o que já valia para a burocracia federal desde a promulgação do decreto n. 20.486, de 06/10/1931, pelo qual se mandava aproveitar os funcionários civis em disponibilidade nas vagas que se verificassem nas diversas repartições, de preferência nos postos iniciais. 591  Cf. Decreto n. 21.371, de 06/05/1932. 584  585 

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Outro decreto que passou por cima das prerrogativas privativas da Justiça Eleitoral refere-se ao que estabeleceu providências de emergência para facilitar o alistamento dos eleitores com vistas à Assembleia Constituinte.592 Por definição, instruções que deveriam partir do STE. Dentre as medidas aditadas pelo Governo Provisório, aparecia uma ampliação do dispositivo do alistamento ex-officio, expressão que se referia ao alistamento automático de algumas categorias profissionais como servidores públicos, magistrados, militares, professores, comerciantes e reservistas. Mais precisamente, permitiu-se que os membros dos sindicatos reconhecidos pelo Governo Provisório também entrassem na categoria de alistandos ex-officio. O ministro da Justiça, agora Francisco Antunes Maciel, tentou justificar o decreto: Devo manifestar [...] a convicção em que estou de ser materialmente impossivel realizarmos a 3 de maio vindouro a eleição para a Assembleia Nacional Constituinte, se, por uma providencia immediata, o governo não facillitar o alistamento eleitoral. [...] O projecto visa [...] apressar o allistamento, ampliando de alguma fórma, a qualificação ex-officio supprimindo certas formalidades á qualificação requerida e, de um modo geral, promovendo rápida expedição de títulos eleitoraes.593

Em dezembro de 1932, o Governo Provisório emitiu um decreto suspendendo os direitos políticos dos governistas depostos em 1930.594 A medida claramente impactava o âmbito das inelegibilidades, um tópico polêmico. Afinal, vale lembrar que as inelegibilidades faziam parte da alçada da Justiça Eleitoral segundo o anteprojeto Assis Brasil, foram revisadas pela equipe do ministro Cardoso e, de última hora, retiradas do texto final do Código Eleitoral pelo próprio Getúlio Vargas.595 A 17 de janeiro de 1933, vinha a público o Decreto n. 22.364, em que Vargas definiu as inelegibilidades à ANC. Pela norma, ficavam inelegíveis o chefe do Governo Provisório, os interventores federais, os ministros e secretários de Estado, os chefes e subchefes dos Estados-Maiores do Exército e da Armada, os magistrados e os chefes de polícia, entre outros. Trata-se de atos representativos da ingerência do Governo Provisório no terreno da Justiça Eleitoral em detrimento de uma abertura à competição político-eleitoral justa conquanto afastaram da Constituinte parte significativa dos adversários do regime. No ano seguinte, o Governo Provisório segue passando por cima de prerrogativas da Justiça Eleitoral, a exemplo dos decretos editando medidas que facilitam o alistamento eleitoral sem recomendações explícitas do STE nesse sentido.596 A condição precária de trabalhos dos tribunais eleitorais A precariedade do funcionamento dos tribunais aparecia como um obstáculo extra à afirmação da Justiça Eleitoral no Brasil. Aliás, tanto em termos de instalações físicas quanto de quadro de pessoal. O próprio presidente do STE visitou alguns prédios públicos para combinar onde se daria a sua instalação. Originalmente cogitando uma dependência da Biblioteca Nacional, acabou ficando com duas salas do Palácio da Câmara dos Deputados onde funcionavam as comissões de justiça e Cf. Decreto n. 22.168, de 05/12/1932. Correio da Manhã, Edição n. 11.658, Notícia: “A caminho da Constituinte”, 07/12/1932, p. 5. 594  Cf. Decreto n. 22.194, de 09/12/1932. 595  Cf. Correio da Manhã, Edição n. 11.413, Notícia: “As novidades politicas de hontem”, 26/02/1932, p. 4 e Diario da Manhã, Edição n. 1.467, Notícia: “A promulgação da lei eleitoral, 28/02/1932, p. 3. 596  É o caso dos decretos ns. 22.532, de 10/03/1933; 22.573, de 24/03/1933; 22.592, de 29/03/1933 e 22.631, de 07/04/1933. O problema de reconhecimento da autonomia política do STE partiu inclusive de alguns tribunais regionais que se dirigiam diretamente ao governo para o esclarecimento de questões eleitorais. A exemplo do presidente do TRE do Distrito Federal, que desrespeitava a hierarquia da Justiça Eleitoral e consultava costumeiramente o ministro da Justiça (Correio da Manhã, Edição n. 11.506, Notícia: “A justiça eleitoral”, 14/06/1932, p. 4). 592  593 

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de finanças.597 A leitura do noticiário político mostra que o STE se encontrava, porém, em condição privilegiada. Em agosto, o TRE do território do Acre estava funcionando em casa de particular porque o interventor não cedeu um prédio público.598 Nos estados do Maranhão e do Mato Grosso, a instalação formal dos tribunais eleitorais só aconteceu em novembro de 1932 – cerca de seis meses antes das eleições constituintes de 1933.599 Como antecipado, o Governo Provisório decidiu destacar para os tribunais eleitorais serventuários públicos em disponibilidade. Em teoria, uma medida “justa e vantajosa para o Thesouro”.600 Todavia a prática se mostrou polêmica. Os critérios de fixação das renumerações dos funcionários aproveitados vieram logo à pauta. De início, porque se definiu que esse aproveitamento obedeceria “tanto quanto possível” à categoria do cargo no qual o servidor público foi posto em disponibilidade ou considerado adido ou extinto e, bem assim, “às condições de idoneidade” para o exercício das novas funções. Parâmetros, portanto, afeitos à discricionariedade como apontou um funcionário público em carta aberta enviada ao Correio da Manhã: A attribuição que, nestas condições, o governo se reservou é inteiramente arbitraria, depende de sua boa ou má vontade e, assim, a situação de direito que parecia ter sido reconhecida aos funccionarios de mais de dez anos desapareceu completamente para dar logar ao criterio pessoal, tal qual succedia com as nomeações que se obtinham na Republica velha, á custa de pistolões. [...] Nas novas nomeações para os Tribunaes Eleitoraes ha toda uma variada colleção de melhorias de vencimentos, como tambem o de melhoria nenhuma para os que não têm padrinhos. Funccionarios ha, raríssimos aliás, que, recebendo na disponibillidade apenas um terço dos vencimentos effectivos, foram nomeados para cargos em que passarão a receber os 2/3 que faltavam. Outros ha que tiveram um pequeno aumento de dez, vinte, cincoenta mil réis mensaes... E, finalmente, uma terceira classe, os mais infelizes, contando muitos mais de 20 annos de serviço publico, foram aproveitados com os mesmos vencimentos da inactividade [...] e que por cima ainda são mandados para Estados longiquos, com família, para recomeçar a vida em meio extranho, sob pena de demissão.601

A falta de transparência na escolha dos serventuários em disponibilidade chamados de volta para serem integrados nas repartições eleitorais abre questionamento, inclusive, sobre a competência dos designados. Relatam-se extravagâncias que denunciam proteção demasiada ou perseguição condenável, como as nomeações de comandantes de navios e encadernadores enquanto existiam centenas de funcionários com maior expertise aguardando aproveitamento.602 Outra razão para polêmica decorreu do fato de não se ter previsto ajuda de custo aos servidores públicos inativos designados para trabalhar em estados diferentes do de origem, precisando, assim, transferirem o domicilio. Àquele momento, a praxe era conceder ajuda de custo na proporção de três meses dos vencimentos percebidos pelo funcionário. Daí a necessidade de fixá-la também nesse caso para “não haver disparidade de tratamento, obtendo uns mais do que outros [...] pois

Correio da Manhã, Edições n. 11.441, Notícia: “Nas esferas officiaes”, 31/03/1932, p. 4 e n. 11.442, Notícia: “Um dia de descanso na politica nacional”, 01/04/1932, p. 1. 598  Correio da Manhã, Edição n. 11.553, Notícia: “Os trabalhos de hontem no Superior Tribunal Eleitoral”, 07/08/1932, p. 4. 599  Cf. Boletim Eleitoral n. 96, 03/05/1933, p. 2066. 600  Correio da Manhã, Edição n. 11.456, Nota na Coluna: “Topicos & Noticias”, 17/04/1932, p. 4. 601  Correio da Manhã, Edição n. 11524, Notícia: “A disponibilidade aproveitada”, 06/07/1932, p. 2. 602  Correio da Manhã, Edição n. 11.593, Notícia: “O aproveitamento dos inactivos”, 23/09/1932, p. 4. 597 

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não é razoavel que ao funccionario mandado para o Acre se dê a mesma ajuda de custo do que foi designado para Bello Horizonte”.603 Concomitante às controvérsias do aproveitamento dos serventuários em disponibilidade seguiam-se as queixas dos tribunais eleitorais em termos de infraestrutura. Em novembro de 1932 os TREs ainda não tinham recebido a verba correspondente à aquisição de mobiliário. Também se verificavam reclamações contra a falta de pagamento do pessoal e das gratificações devidas a juízes e escrivães. Segundo o Correio, nem mesmo o recrutamento dos funcionários públicos em disponibilidade e consequente envio de muitos deles para locais distantes valeu para apressar as distribuições de crédito.604 A tabela n. 7.1 é uma reprodução dos dados divulgados em Boletim Eleitoral oficial do STE e traz duas informações que ajudam a ilustrar a situação da Justiça Eleitoral nos estados e no território do Acre até fins de 1932. Em primeiro lugar, informa a data de instalação de cada TRE. O outro dado reportado refere-se à a data em que o STE aprovou o plano de divisão eleitoral de cada região. Esse plano fazia parte das atribuições dos TREs e consistia em dividir o território em zonas eleitorais para então se tomarem decisões focadas no prosseguimento das demais etapas do processo eleitoral, como realizar a designação dos juízes eleitorais e dos oficiais encarregados do alistamento.605 Para efeitos expositivos, as informações encontram-se ordenadas segundo a data de aprovação dos planos de divisão eleitoral, em ordem crescente. Data de instalação do TRE

Data de aprovação do plano de divisão eleitoral pelo STE

Rio de Janeiro

19/05/1932

16/07/1932

Paraná

09/06/1932

23/07/1932

Distrito Federal

21/05/1932

04/08/1932

Alagoas

04/07/1932

06/08/1932

Santa Catarina

13/06/1932

13/08/1932

Espirito Santo

16/06/1932

27/08/1932

Pará

19/07/1932

03/09/1932

Sergipe

30/07/1932

03/09/1932

Pernambuco

02/08/1932

10/09/1932

Rio Grande do Sul

15/07/1932

17/09/1932

Rio Grande do Norte

05/08/1932

17/09/1932

Bahia

30/07/1932

24/09/1932

Amazonas

13/08/1932

01/10/1932

Piauí

19/08/1932

01/10/1932

Goiás

20/08/1932

08/10/1932

Paraíba

21/07/1932

22/10/1932

Região

Correio da Manhã, Edição n. 11.479, Notícia: “Os tribunaes eleitoraes e os inactivos”, 14/05/1932, p. 4. O Governo Provisório respondeu à demanda com a publicação do Decreto n. 21.568, de 23/06/1932, que fixou a ajuda de custo na importância equivalente a um mês de vencimentos dos respectivos cargos eleitorais. 604  Correio da Manhã, Edição n. 11646, Notícia: “As verbas dos tribunaes eleitoraes dos Estados”, 23/11/1932, p. 4. 605  Cf. art. 16, ponto 14 do Regimento Interno dos Tribunais Eleitorais da Justiça Eleitoral apud Boletim Eleitoral n. 11, 31/08/1932, p. 80. 603 

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São Paulo

26/05/1932

29/10/1932

Minas Gerais

30/06/1932

01/11/1932

Ceará

02/08/1932

01/11/1932

Maranhão

23/11/1932

12/11/1932

Acre

03/05/1932

13/12/1923

Mato Grosso

11/11/1932

16/12/1932

Tabela 7.1 – Situação dos TREs nos estados em 1932 Fonte: elaboração própria a partir do Boletim Eleitoral n. 96, 03/05/1933, p. 2066

Os registros revelam a situação de precariedade da Justiça Eleitoral nos estados. Embora formalmente quase todos os TREs tenham se instalado até outubro de 1932 (20 em 22), o STE validou 45,5% (10 em 22) dos planos de divisão eleitoral de outubro em diante. Muito próximo, portanto, das eleições constituintes, que ocorreriam em maio seguinte. Em retrospectiva, a implementação da Justiça Eleitoral em 1932 foi marcada por percalços e polêmicas. A questão imediata se dirige ao impacto dessa instituição na condução das primeiras eleições que regula – no caso, à ANC de 1933. Trata-se do foco da próxima seção. O IMPACTO DA JUSTIÇA ELEITORAL RECÉM-CRIADA NA CONDUÇÃO DAS ELEIÇÕES CONSTITUINTES DE 1933 Será que a existência da Justiça Eleitoral impactou, de fato, a condução das eleições constituintes de 1933? Essa seção procura responder a pergunta em termos da duração do processo de apuração final dos trabalhos eleitorais e da atuação da magistratura eleitoral no desempenho das suas atividades. O timing da Justiça Eleitoral Em respeito ao primeiro ponto importa destacar que a reclamação sobre a morosidade da finalização dos trabalhos de apuração das eleições federais realizadas durante a Primeira República era a regra. O processo de apuração da época se mostrava complexo e fracionado em fases com prazos variados, além de envolver muitos atores diferentes durante a maior parte do regime. A legislação dispunha que tudo começasse na própria seção: acabada a hora da votação, o mesário que presidisse a seção eleitoral tinha a responsabilidade de abrir a urna e apurar o resultado, registrando-o na ata da seção (primeira fase). Ficava assim estabelecido, portanto, que no mesmo dia da eleição se encerrasse a apuração da seção. Como àquele tempo os estados maiores eram subdivididos em distritos eleitorais, a Lei n. 35/1892 previa que o mesário enviasse uma cópia dessa ata para o prefeito da cidade-sede do distrito. Trinta dias após as eleições, o prefeito da cidade-sede deveria instalar com os demais membros do governo municipal e os seus desafiantes em votos uma Junta Apuradora distrital responsável por somar os votos de todas as atas seccionais recebidas, concluindo os trabalhos em até vinte dias e transcrevendo o resultado na ata geral de apuração (segunda fase). Tratava-se de uma ata utilizada para registrar a votação dos candidatos e eventuais protestos eleitorais e cuja cópia seguiria para o Congresso no propósito de dar início ao processo de reconhecimento dos poderes, em que se finalizariam os trabalhos de apuração eleitoral (terceira fase). A data do início do processo

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O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

de reconhecimento dos poderes no Congresso, porém, não se prefixava a partir da conclusão dos trabalhos das Juntas Apuradoras. O processo dos reconhecimentos se deflagrava durante as sessões preparatórias do ano legislativo (instaladas sempre no mês de abril) e seu trâmite, embora regrado por alguns prazos protocolares, não tinha prazo fixo de encerramento.606 Com a reforma Rosa e Silva, aboliu-se o prazo de vinte dias para a Junta Apuradora distrital concluir os seus trabalhos. Uma outra mudança importante consistiu no aumento considerável do número de integrantes da Junta Apuradora distrital pois se tornou obrigatória a participação de todos os prefeitos que compunham o distrito eleitoral e a presença do 1o suplente do juiz substituto do juiz seccional, encarregado de presidir as sessões da Junta. Na contramão, as reformas eleitorais de 1916 excluíram os dirigentes municipais dos trabalhos da Junta Apuradora. Dali em diante, somente uma Junta Apuradora deveria funcionar por estado, instalada na capital e entregue exclusivamente às autoridades judiciárias (no caso, composta somente por um juiz federal, seu substituto e um representante do Ministério Público). Em comum ao longo do tempo, a Junta Apuradora manteve a sua tarefa básica de se organizar trinta dias depois de encerrada a eleição para totalizar as atas da seção e encaminha-las ao Congresso para o reconhecimento dos poderes ter andamento.607 Também foi comum no decurso da Primeira República que as críticas à demora na apuração do processo eleitoral se concentrassem na atividade do Congresso, detentor da palavra final sobre os eleitos. O balanço feito pelo Jornal do Brasil a esse respeito culpava o desrespeito trivial dos prazos regimentais: “Pobre legislador! Não pensava elle [...] que os prazos só se fizeram para que os illudissem e desprezassem.”608 O processo de apuração estipulado pelo Código Eleitoral de 1932 apostava em uma lógica bem mais centralizada, tornando os TREs as únicas instâncias responsáveis pelo recebimento das urnas e apuração das eleições.609 Para disciplinar o procedimento, o STE redigiu o regimento interno dos TREs. Ficou estabelecido que cada TRE pudesse se dividir em duas ou três Turmas Apuradoras, cada uma composta de pelo menos dois juízes, para se proceder a apuração de forma simultânea.610 A apuração deveria ter início no dia seguinte às eleições e o prazo para a conclusão dos trabalhos se limitava a trinta dias.611 Entretanto, parte da imprensa não acreditava que o processo de apuração se tornaria mais ágil justamente porque as urnas teriam de seguir à sede dos TREs. Para checar se há mais agilidade com a implantação da Justiça Eleitoral podemos calcular a duração média, em dias, da apuração das eleições para deputados federais realizadas entre 19001930 e o número de dias gastos na apuração das eleições à Constituinte de 1933.612 No primeiro caso, levou-se em conta no cálculo da média o dia da eleição à Câmara dos Deputados até a data da aprovação do último parecer de reconhecimento dos poderes votado em respeito ao caso de cada

É o que se constata a partir da leitura das determinações quanto ao processo de reconhecimento dos poderes presentes no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD). 607  Cf. Leis n. 35/1892 (art. 44), n. 1.269/1904 (art. 94) e n. 3.208/1916 (art. 27). Para detalhes sobre o processo de apuração em voga na Primeira República, ver RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. (2013). Quem ganhou as eleições? A validação dos resultados antes da criação da Justiça Eleitoral. Revista de Sociologia e política, v. 21, n. 45, p. 91-105, 2013. 608  Jornal do Brasil, Edição n. 133, Coluna: “Cousas da Politica”, 03/06/1924, p. 6. 609  Cf. CE 1932, art. 86. 610  Cf. art. 85 do Regimento Interno dos Tribunais Regionais Eleitorais (RITREs). 611  Cf. RITREs, art. 84 e §1o. 612  Durante a Primeira República, a legislatura durava três anos e a primeira eleição para a Câmara Federal aconteceu em 1894. Devido à incompletude dos dados eleitorais das eleições de 1894 e 1897, a análise se centra na terceira disputa para a Câmara em diante. A esse propósito convém esclarecer que a primeira eleição considerada neste estudo ocorreu em 31/12/1899 e como a sua apuração se passa em 1900, será referida como eleição de 1900. 606 

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estado.613 Aqui, portanto, a fonte consistiu nos Anais da Câmara dos Deputados (ACD). Já os números referentes a eleição de 1933 se baseiam na diferença entre o dia da eleição e a data da ata geral de apuração elaborada por cada TRE. Nesse caso, os dados foram extraídos dos boletins eleitorais publicados pelo STE, que omitem a informação para Bahia e Paraíba (missings) e incluem os dados do território do Acre (cujas primeiras eleições ocorrem justamente em 1933). Os resultados constam apresentados no gráfico 7.1. As colunas em branco referem-se à duração média da apuração das eleições federais para a Câmara dos Deputados ocorridas entre 1900 e 1930 (cerca de 84,5 dias), muito mais dilatada comparada à duração da apuração das eleições constituintes de 1933 (de 38,5 dias em média). À primeira vista, os dados podem sugerir o caráter decisivo da adoção da Justiça Eleitoral para a abreviação dos trabalhos de apuração final das eleições. Sobretudo quando se considera que os tribunais eleitorais tinham teoricamente apenas trinta dias para concluírem a apuração em 1933 contados do dia seguinte às eleições enquanto no período 1900-1930 não somente inexistia um prazo final, como foi de 65,5 dias o tempo médio transcorrido apenas entre a data da eleição e o início do processo de reconhecimento dos poderes na Câmara. Todavia importa contextualizar como a própria Justiça Eleitoral tratou de corrigir o timing das apurações conforme constatou a dificuldade de cumprir as expectativas originais.

Gráfico 7.1 – Comparação entre a duração média, em dias, da apuração das eleições para deputados federais (1900-1930) e a duração da apuração das eleições à Constituinte de 1933 Fonte: elaboração própria a partir dos Anais da Câmara dos Deputados (1900-1930) e dos Boletins Eleitorais (1933-1934) No caso dos estados subdivididos em distritos eleitorais, selecionou-se a data do parecer distrital votado por último para se precisar o dia de encerramento dos reconhecimentos dos poderes de cada estado na Câmara. 613 

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O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Logo na apuração das três primeiras urnas, o TRE do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, verificou como a tarefa se mostrava lenta e extenuante devido à preconizada organização dos resultados eleitorais em diferentes mapas.614 Por causa da repercussão do problema, o Governo Provisório emitiu decreto uma semana após as eleições constituintes estabelecendo medidas para acelerar a apuração baseado nas instruções aprovadas pelo STE.615 Dentre as soluções adotadas constava a ampliação para dez do número de Turmas Apuradoras no caso das regiões com mais de cem seções eleitorais. Essas Turmas deveriam se constituir por “dois cidadãos de notoria integridade e independencia, eleitos pelo tribunal Regional de Justiça Eleitoral, sob a presidencia de um dos membros, effectivos ou substitutos do Tribunal”.616 Outra saída de emergência prevista pelo mesmo decreto consistia na possibilidade do presidente do TRE requisitar funcionários para ajudar nos serviços auxiliares de apuração diretamente dos interventores federais e dos chefes dos serviços públicos federais no Distrito Federal e nos Estados, se necessário.617 No final das contas, nove dos vinte e dois TREs (40,9%) encerraram a apuração das eleições dentro do prazo original de trinta dias. Segundo a interpretação do Diario de Notícias, o timing da Justiça Eleitoral brasileira deixava a desejar: “A conclusão a tirar é a de que esses processos judiciários, applicados ás eleições, podem ser muito vantajosos para a pureza do regimen, mas são, evidentemente, demorados. Em nenhum paiz do mundo se vê coisa semelhante.”618 A sentença dá margem à segunda forma de se pensar o impacto da adoção da Justiça Eleitoral em 1932: no caso, se ela atuou bem, em benefício da moralização do regime representativo. Uma resposta que varia dependendo do sentido do foco da análise. A atuação da Justiça Eleitoral Quando se enfocam as decisões definitivas do STE, parece que a nova instituição conseguiu ditar as regras do jogo e punir as tentativas de fraude eleitoral. Uma boa prova disso são as seções anuladas pela Justiça Eleitoral na apuração das eleições constituintes de 1933. O Código Eleitoral previa anulações por vários motivos, como no caso de se comprovar o comprometimento do sigilo do voto. À exceção de cinco estados para os quais faltam informações completas, observa-se que o STE anulou 260 (6,9%) das 3.756 seções eleitorais que funcionaram no Brasil a 3 de maio daquele ano.619 O gráfico a seguir apresenta a proporção desse impacto entre os estados e o território do Acre.620

“E´ que o Codigo determina que serão apurados, separadamente, os suffragios dados aos candidatos que constem da lista registrada sob a mesma legenda; os dados aos candidatos avulsos; e os dados aos candidatos de lista registrada, quando os suffragios lhes forem dados em cedulas sem legenda ou com legenda de outro partido, e ainda quando, sob determinada legenda o eleitor incluiu na cedula nome ou nomes de candidatos avulsos e de outros partidos” (Correio da Manhã, Edição n. 11.786, Manchete “A tarefa penosa das Turmas Apuradoras do pleito de 3 de maio”, p. 1). Na prática, uma dificuldade operacional potencializada com a disseminação das dúvidas das Turmas Apuradoras sobre o método correto de calcular o sistema de representação proporcional misto adotado em 1932, como bem explica o terceiro capítulo. 615  Trata-se do Decreto n. 22.695/1933. 616  Cf. Decreto n. 22.695/1933, art. n. 1o. 617  Idem, art. 2o. 618  Diario de Noticias, Edição n. 2.119, 05/11/1933, Nota “E´ preciso consertar isso” na Coluna: “Política”, p. 2. 619  Os missings são Bahia, Mato Grosso, Paraíba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 620  Agradeço a Paolo Ricci pela cessão do banco de dados eleitorais da Constituinte de 1933, que me permitiu conduzir essa análise. 614 

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Gráfico 7.2 – Proporção de seções anuladas nas eleições à Constituinte de 1933, por estados Fonte: elaboração própria a partir dos Boletins Eleitorais (1933)

O gráfico mostra que as eleições nos estados de Alagoas, Maranhão e Pará consistiram nas mais impactadas pelas anulações de algumas seções específicas. Mas a Justiça Eleitoral foi além de casos pontuais e anulou as eleições constituintes em três estados inteiros (Espírito Santo, Mato Grosso e Santa Catarina). A primeira decisão nesse sentido atingiu o Mato Grosso a 11 de agosto de 1933 porque o governo estadual anulou o registro de todos os candidatos de um partido e acabou prejudicando a representação proporcional ao colocar, na prática, uma parte do eleitorado na contingência de não poder se representar na Constituinte.621 Um desfecho que rendeu elogios do Correio da Manhã aos tribunais eleitorais: “Essa decisão fortalece a autoridade da justiça eleitoral do paiz, que assim dá aos votantes a certeza de que a sua vontade, em qualquer situação, é sempre acatada, não podendo neutralizal-a um acto mal inspirado do poder executivo”.622 Cerca de um mês depois, em 12 de setembro de 1933, o Espírito Santo também teve as suas eleições anuladas, mas por motivo diferente: a transparência das sobrecartas usadas em todo o estado comprometendo o sigilo do voto exigido pelo Código Eleitoral. Da sua parte, o Diario de Noticias Correio da Manhã, Edição n. 11.870, 12/08/1933, Nota “No Tribunal Superior Eleitoral são annulladas as eleições de Matto Grosso” na Coluna: “A situação politica”, p. 4. 622  Correio da Manhã, Edição n. 11.870, 12/08/1933, Nota “O pleito de Matto Grosso” na Coluna: “Topicos & Noticias”, p. 4. 621 

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cravou: “A anulação do pleito no Espirito Santo [...] eleva a justiça eleitoral no conceito da opinião”.623 Já o Correio preferiu polemizar reproduzindo um trecho do parecer do ministro do STE Francisco Monteiro de Salles, favorável a anulação das eleições capixabas, “para que os leitores possam tirar as suas conclusões”. A passagem transcrita dizia o seguinte: “E´ o que informa a pericia: as sobrecartas examinadas em confronto com as de Pernambuco, Ceará, Parahyba, Sergipe e Bahia revelam que são menos transparentes do que as daquele primeiro Estado, mas são mais do que as dos outros.”624 Exatamente: a notícia frisa como o ministro Monteiro de Salles lembrou, baseado na avaliação dos peritos, que as eleições pernambucanas se processaram em sobrecartas mais transparentes em respeito às usadas nas eleições capixabas. Daí o questionamento: Se as eleições do Estado de Pernambuco se realizaram de maneira mais irregular do que as do Espirito Santo e se ellas não forem tambem annulladas – parta a imputação de onde partir – não estarão virtualmente transgredidos e subvertidos os principios fundamentaes de um pleito livre?.625

Estava lançada, assim, a dúvida sobre a justiça do STE no tratamento da conclusão da apuração das eleições constituintes de 1933. Não se reabriu o caso pernambucano, que já tinha sido decidido. O último estado que teve toda a eleição à Constituinte anulada foi Santa Catarina, em 31 de outubro de 1933, também punido por causa da transparência das sobrecartas. A polêmica trazida pela reportagem do Correio da Manhã serve para introduzir justamente a outra perspectiva referente à atuação da magistratura eleitoral, centrada nas suas falhas. Nesse mérito, o estudo das alegações de fraude eleitoral presentes nos boletins eleitorais do STE de 1933 é promissor, pois nos dá uma dimensão das situações em que a própria Justiça Eleitoral agia de forma parcial. Para realizá-lo, foram computados o local e o tipo da fraude eleitoral alegada, desconsiderando a repetição dos eventos. Assim, cria-se uma proxy útil para entender o perfil das potenciais fraudes eleitorais à Constituinte de 1933. O resultado desse levantamento foi um total de 66 alegações de fraude eleitoral referentes à Justiça Eleitoral. Elas se concentram na organização das mesas eleitorais e na composição das Turmas Apuradoras (28,8%), além das decisões parciais ou arbitrárias tomadas pelas últimas no momento da apuração (37,9%). Alguns exemplos ajudam a entender os problemas mais comuns. Um dos argumentos do candidato José Epifanio de Carvalho (Aliança Piauiense) para impetrar recurso eleitoral no STE contra o resultado apurado pelo TRE/PI focava na irregularidade das mesas eleitorais de São Raimundo Nonato e Caracol, e de Castelo e São Miguel do Tapuio: “nulas radicalmente porque seus presidentes e suplentes foram nomeados por juizes distritais, no exercicio, interino, de juizes de direito, não possuindo o requisito da vitaliciedade, indispensavel para o exercício das funções de juiz eleitoral”.626 O candidato Samuel Mac-Dowell (Partido Constitucional do Pará) também decidiu entrar com um recurso no STE em causa própria se pautando, entre várias outras alegações de fraude eleitoral, na Constituição ilegal das mesas eleitorais de algumas seções. Como prova, Mac-Dowell apresentava um documento mostrando que até o dia 10 de maio de 1933 o TRE/PA não tinha recebido nenhuma comunicação pelos juízes eleitorais sobre a composição das mesas.627 623  624  625  626  627 

Diário de Notícias, Edição n. 2.070, 13/09/1933, Notícia: “Foram annulladas as eleições no Espírito Santo”, p. 1. Correio da Manhã, Edição n. 11.897, 13/09/1933, Notícia: “Uma importante decisão do Tribunal Superior Eleitoral”, p. 2. Ibidem, p. 2. Cf. Boletim Eleitoral n. 119, 02/08/1933, p. 2511. Cf. Boletim Eleitoral n. 124, 19/08/1933, p. 2564.

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O estilo das alegações de fraude na composição das Turmas Apuradoras já apareceu no caso abordado no início do capítulo, passado no estado do Espírito Santo. Outro exemplo interessante é recuperado dentre a documentação analisada pelo STE na análise das eleições pernambucanas. Trata-se do registro de um dos protestos que o candidato Aniceto Varejão apresentou às Turmas Apuradoras, reclamando da presença de “muitos fiscais e candidatos, auxiliando as turmas no serviço de contagem de sobrecartas e demais verificações”.628 Uma alegação de fraude que colocava em suspeita, portanto, os resultados eleitorais do estado inteiro apurados, nesses termos, indevidamente.629 Por fim, cabe ilustrar o tom de algumas denúncias centradas nas decisões parciais ou arbitrárias tomadas pelos tribunais eleitorais. Recorrendo ao STE contra a apuração do TRE/PE, o candidato Marcos Evangelista (Partido Liberal de Pernambuco) afirmava, entre outras coisas, ter ocorrido “a abertura 4 e 5 urnas de uma só vez, quando duas eram as turmas apuradoras”, o que “impossibilitou aos candidatos uma fiscalização eficiente das cifras parciais apuradas e suas respectivas anotações”.630 Trata-se de mais um exemplo de alegação de fraude que colocava sob suspeita a apuração do estado inteiro, justamente o objetivo do recurso. Isso vale para o peso das alegações do candidato Pedro Santa Rosa contra a apuração do TRE/MG, que pediu ao STE a anulação das eleições em todo o estado, dentre outros motivos, por ocasião de ter havido “verdadeira balburdia e confusão nos trabalhos da apuração pela incerteza, variação e multiplicidade de critérios adotados.”631 Esse retrospecto da atuação da Justiça Eleitoral nas eleições de 1933 revela uma situação ambígua. Ao mesmo tempo em que havia um compromisso no combate à fraude eleitoral também restava certa dificuldade em padronizar uma rotina processual que rompesse definitivamente com a tradição eleitoral precedente. Em tese, a ANC representaria a oportunidade de se lapidar os organismos eleitorais para garantir que eles conduzissem devidamente as eleições de 1934. A próxima seção mostra o que aconteceu na prática. A JUSTIÇA ELEITORAL NA CONSTITUINTE O que os políticos aprenderam com a experiência eleitoral de 1933 confiada à Justiça Eleitoral? A Constituinte abriu uma janela de oportunidade para mudanças radicais nessa instituição ou houve consenso de antemão sobre mantê-la nos moldes herdados do Código de 1932? O estudo dos trabalhos constituintes surpreende pela disputa aberta em torno do escopo da Justiça Eleitoral, que continuou debilitada nas eleições de 1934. Para entender a disputa aberta na Constituinte em torno do espaço institucional que deveria ser concedido à Justiça Eleitoral precisamos retomar a própria lógica de polarização operada no curso da ANC. Embora o Governo Provisório tenha conseguido condicionar a formação de uma Constituinte de apoiadores do regime sobretudo graças aos decretos n. 22.194/1932 (que cassou os direitos políticos dos líderes da Revolução Constitucionalista de 1932) e n. 22.364/1933 (a estratégica Lei de Inelegibilidades), emergiu uma clivagem de cunho federativo. Os representantes das maiores bancadas estaduais na ANC se opunham aos pares das menores bancadas na tentativa de manter os Cf. Boletim Eleitoral n. 117, 26/07/1933, p. 2471. Ver também Boletim Eleitoral n. 111, 08/07/1933, p. 2394 (Sergipe) e n. 114, 17/07/1933, p. 2435 (Mato Grosso). 630  Cf. Boletim Eleitoral n. 117, 26/07/1933, p. 2472. 631  Cf. Boletim Eleitoral n. 127, 30/08/1933, p. 2615. Ver também os boletins n. 126, 26/08/1933 p. 2600 (Rio de Janeiro); n. 127, 30/08/1933, p. 2614 (Minas Gerais); 130, 09/09/1933, p. 2659 (São Paulo); n. 119, 02/08/1933, p. 2510 (Piauí); n. 114, 17/07/1933, p. 2439 (Amazonas); 124, 19/08/1933, p. 2563 (Pará); n. 141, 18/10/1933, p. 2837 (Acre); n. 120, 05/08/1933, p. 2529 (Distrito Federal); para citar alguns. 628  629 

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privilégios criados pelo princípio federalista da Constituição de 1891.632 Uma competição que guiou os trabalhos constituintes e também contaminou o estudo da Justiça Eleitoral, além de preocupar o Governo Provisório, desde o início interessado em manter as rédeas dos rumos da ANC. De fato, assim como aconteceu com a tramitação do Código Eleitoral, a tramitação do anteprojeto da Constituição Federal de 1934 esteve sob controle do Governo Provisório. Partiu dele o pontapé inicial com a expedição do Decreto n. 21.402, de 14 de maio de 1932, criando a comissão constitucional encarregada de elaborar o anteprojeto constitucional que guiaria os estudos da ANC. Finda a Revolução Constitucionalista, o Governo Provisório expediu o Decreto n. 22.040, de 1o de novembro de 1932, regulando os trabalhos dessa comissão e justificado em termos da “necessidade de apressar” o funcionamento dela. Em retrospectiva, uma medida exemplar da ânsia do Governo Provisório em não perder o controle da constitucionalização do país. Segundo o Decreto n. 22.040/1932, o ministro da Justiça (à época, Antunes Maciel) deveria nomear uma subcomissão composta de um terço dos membros da comissão constitucional encarregando-os da redação do anteprojeto da futura Constituição que serviria de base para os estudos de toda a comissão. Essa subcomissão ficou conhecida como subcomissão do Itamarati e foi composta por treze dos trinta membros da comissão constitucional, dentre eles o próprio Assis Brasil que elaborara o anteprojeto do Código Eleitoral.633 A comissão constitucional foi instalada no dia 9 de novembro de 1932 e os trabalhos da subcomissão do Itamaraty se estenderam até maio seguinte, ficando pendente a redação final, tornada pública em novembro de 1933. Entre novembro e maio, a cobertura da sessões da subcomissão pelos jornais revela uma série de questões controversas entre os seus membros, com destaque para a disputa entre os defensores da centralização política contra os defensores da autonomia estadual, a polêmica em torno da adoção da representação classista e a questão da unidade ou da dualidade da organização judiciária.634 Na contramão, não parece haver disputa em torno da situação da Justiça Eleitoral, sequer comentada pelos jornais. O texto do anteprojeto foi apresentado à ANC na primeira sessão de 1933, realizada em 16 de novembro. Ele tinha 136 artigos e enquadrava a Justiça Eleitoral em uma seção à parte do Poder Judiciário, como um organismo independente.635 Dedicava-lhe os artigos 65o e 66o. O primeiro deles versava sobre a organização da Justiça Eleitoral e não acompanhava o Código Eleitoral quanto à forma de compor os TREs. Pela letra do Código, cada TRE deveria ser presidido pelo vice-presidente do Tribunal de Justiça de mais alta graduação e contar com um juiz federal, dois membros efetivos e dois substitutos sorteados dentre os membros do Tribunal de Justiça local e dois membros efetivos e três substitutos escolhidos pelo Chefe do Governo Provisório dentre doze cidadãos propostos pelo mesmo Tribunal.636 Porém o anteprojeto constitucional definiu que cada TRE seria presidido pelo vice-presidente do Tribunal da Relação e teria um terço dos seus membros escolhido dentre os GOMES, Angela de Castro. Assembleia Nacional Constituinte de 1934. In: ABREU, A. A. et al. (Coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010. 633  Afrânio de Melo Franco presidiu a subcomissão do Itamarati contando com a ajuda de Carlos Maximiliano na função de relator-geral e Temístocles Cavalcanti como secretário geral. Os demais membros da subcomissão foram os ministros da Fazenda Oswaldo Aranha e Viação e Obras Públicas José Américo de Almeida, o general Góes Monteiro, Antônio Carlos de Andrada, Prudente de Morais Filho, João Mangabeira, Agenor de Roure, Artur Ribeiro e Oliveira Viana. Esses dois últimos deixaram o grupo antes da finalização do anteprojeto, sendo substituídos por Castro Nunes e Solano da Cunha. 634  Sobre a autonomia estadual vs. centralização política, ver Correio da Manhã, Edição n. 11643, Notícia: “O preparo da nova Constituição”, p. 3. 635  Cf. ANC, 16/11/1933, p. 132-167. 636  Cf. Decreto n. 21.076/1932, art. 21 e parágrafos. 632 

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desembargadores da respectiva sede, outro terço dentre os juízes de direito e o restante nomeado pelo presidente da República. Já o art. 66o tratava das atribuições da Justiça Eleitoral e seguia de perto o Código Eleitoral de 1932 ao descrevê-las e assegurar aos magistrados eleitorais as garantias da magistratura togada. Porém abortava a pretensão do Código Eleitoral de criar uma categoria exclusiva de juízes eleitorais. O texto do anteprojeto era explícito: “Os magistrados vitalícios terão as funções de juízes eleitorais, segundo a lei determinar” (art. 66o). Isso significava que os magistrados continuariam sendo destacados temporariamente aos trabalhos eleitorais – como vimos, uma medida imposta pelo Governo Provisório em 1932 sob a alegação da imperiosa contenção de gastos e necessidade de incorporar os funcionários em disponibilidade. É importante destacar que a ANC teria de apreciar o anteprojeto constitucional de acordo com o regimento interno elaborado pelo próprio Governo Provisório via Decreto n. 22.621, de 5 de abril de 1933.637 Mais uma vez, o Governo Provisório interferia no processo de constitucionalização e obrigava, por esse decreto, a Constituinte a estudar e votar o texto da nova Constituição, além de julgar os atos do Governo Provisório e proceder à eleição do presidente da República, dissolvendo-se automaticamente depois.638 Seguindo o regimento interno, Antonio Carlos, representante de Minas Gerais eleito presidente da ANC, nomeou uma comissão especial para analisar o anteprojeto constitucional e as emendas que ele recebesse. Essa comissão foi composta por um representante de cada bancada estadual e, também, das classes profissionais, totalizando 26 membros – daí a alcunha de Comissão dos 26, embora também conhecida como Comissão Constitucional. À sua frente, Carlos Maximiliano, constituinte pelo Rio Grande do Sul, permaneceu presidindo os trabalhos que iniciados a 16 de novembro de 1933 se converteram em 13 de março de 1934 no substitutivo ao anteprojeto constitucional. Chegou-se ao substitutivo graças à racionalização do trabalho da Comissão dos 26. Inicialmente, Maximiliano distribuiu a relatores especiais o estudo das várias partes em que se dividia o anteprojeto, bem como das respectivas emendas. Precisamente, em quinze partes, nove delas confiadas a um par de relatores parciais e as demais sob responsabilidade de relatores únicos.639 Quando ficou patente, porém, que esse método não possibilitaria cumprir os prazos regimentais, decidiu-se delegar o estudo dos pareceres parciais à chamada Comissão Revisora, cujos componentes fixos eram o presidente, o vice-presidente e o relator-geral da Comissão dos 26, com os quais trabalhariam o(s) relator(es) do parecer em exame. Daí a Comissão Revisora funcionar no exame de cada parte, em regra, com cinco membros e, excepcionalmente, com quatro. Essa Comissão restrita (a Revisora) celebrou 27 reuniões e terminou apresentando à Comissão plena (a dos 26) um projeto substitutivo precedido de parecer ao anteprojeto do Governo. Mais detalhado, com 192 artigos, o substitutivo da Comissão representava A íntegra do regimento interno encontra-se publicada em ANC, 05/04/1933. O constituinte Henrique Dodsworth tentou mobilizar a Assembleia para elaborar um novo regimento ainda nas sessões preparatórias, mas não obteve êxito. Vale lembrar também que o Governo Provisório se utilizou do mesmo Decreto n. 22.621/1933 para fixar o número de representantes na ANC incluindo os representantes classistas, previstos pelo Código Eleitoral mas rejeitados pela Comissão Constitucional (ver GOMES, Angela de Castro. Assembleia Nacional Constituinte de 1934..., 2010). 639  Foi feita a seguinte distribuição: Parte Geral – Raul Fernandes e Pereira Lira; Divisão de Rendas – Cincinato Braga e Sampaio Correia; Poder Legislativo – Odilon Braga e Abel Chermont; Poder Executivo, Waldemar Falcão e Generoso Ponce Filho; Poder Judiciario – Levi Carneiro e Alberto Roselli; Declaração de Direitos e Deveres – Marques dos Reis e Nereu Ramos; Defesa Nacional – Góes Monteiro e Domingos Velasco, a princípio, e, depois, o primeiro e Nero Macedo; Estados e Districto Federal – Solano da Cunha; Municipios e Conselho Supremo – Cunha Melo; Funcionarios Públicos – Nogueira Penido e Fernando de Abreu; Família e Educação – Adolfo Soares; Territórios – Cunha Vasconcelos; Ordem Economica e Social – Euvaldo Lodi e Vasco de Toledo; Ministros de Estado – Pires Gaioso; Disposições Gerais e Transitórias – Deodato Maia; Justiça Eleitoral – Antonio Jorge, a princípio; depois, Idálio Sardenberg (Cf. ANC, 16/11/1933, p. 547). 637  638 

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o produto do árduo trabalho de uma revisão textual realizada à luz das 1.239 emendas recebidas ao anteprojeto do governo.640 No substitutivo se fundiram as disposições do anteprojeto aceitas com grande parte das emendas, sendo introduzidos ainda muitos textos de iniciativa da própria Comissão. Como ficou redigida a parte relativa à Justiça Eleitoral? Apresentaram-se sete emendas versando sobre ela, o relator parcial incorporou a maioria, mas ficou insatisfeito com o rumo do texto do substitutivo da Comissão. Para mapear as mudanças feitas nesse tópico é interessante entender o teor das emendas e retomar os substitutivos do relator parcial e da Comissão produzidos durante a fase inicial dos trabalhos constituintes. O quadro n. 7.4 sumariza as sete emendas e antecipa a reação dos dois substitutivos.

640 

Cf. ANC, 16/11/1933, p. 547.

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Soares Filho (representante do Rio Estendia a competência da Justiça Eleitoral às eleições estaduais e muni- Aceita em partes de Janeiro) cipais e ainda delimitava os TREs como última instância de recursos jurídicos no caso das eleições municipais.

Assis Brasil e outros (representan- Dispunha sobre uma série de artigos do anteprojeto constitucional e Aceita em partes tes do Rio Grande do Sul) propunha inclusive que a Justiça Eleitoral ficasse mantida com as suas funções contenciosas e administrativas que atualmente lhe competem até que a lei providenciasse sobre a sua organização definitiva.

Idálio Sardenberg (representante Dispunha sobre o Poder Coordenador, considerando, entre outros, os Rejeitada do Paraná) TREs como seus órgãos e, assim, valendo-se da prerrogativa exclusiva de nomear os membros deles.

Odilon Braga e outros (bancada Tornava competência privativa da Justiça Eleitoral a organização da Aceita mineira) divisão eleitoral da União e dos Estados (que só poderia ser modificado a cada dez anos) e a fixação das datas das eleições.

Clemente Mariani e outros (ban- Corrige a redação no sentido de deixar claro que a Justiça Eleitoral já Aceita cada baiana) existe e não está sendo criada com a Constituição.

374

501

807*

951

1.013

Substitutivo (Comissão)

Aceita

Aceita em partes

Rejeitada

Aceita em partes

Aceita em partes

Aceita

Ignorada

Quadro 7.4 – Emendas sobree a Justiça Eleitoral apresentadas à Comissão dos 26 *Emenda publicada na parte dos Municipios e Conselho Supremo. Fonte: elaboração própria a partir dos ANC, 16/11/1933, p. 517-518 e 587-588, 27/11/1933, p. 90-101 e 30/11/1933, p. 459-461 e 483-488

Arruda Falcão (representante de Estendia a competência da Justiça Eleitoral às eleições estaduais e Aceita Pernambuco) municipais.

Substitutivo (relator parcial)

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Assunto

Thomaz Lobo e outros (represen- Proibia o alistamento dos que não exercessem uma profissão lucrativa. Ignorada tantes pernambucanos e paraenses)

Autoria

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Emenda

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A análise dessas emendas revela duas diferenças básicas entre elas. Primeiro, o alvo do seu conteúdo: se propunham medidas substantivas impactando a organização e as prerrogativas da Justiça Eleitoral ou apenas melhoras na redação dos artigos do anteprojeto sobre o assunto. Dentre as seis emendas, somente a 1.013 era uma emenda de redação. A segunda diferença básica entre as emendas refere-se à oportunidade do seu conteúdo no campo dos tribunais eleitorais: se tratava diretamente da Justiça Eleitoral ou resvalava em temas conexos. Nessa segunda situação encontram-se apenas duas emendas, de número 117 e 807. No caso da primeira, focada na proibição do alistamento de pessoas sem profissão lucrativa, tanto parecia óbvio não dever entrar para o capítulo em que se regulasse a Justiça Eleitoral na futura Constituição que ambos os pareceres a ignoraram. Já a segunda emenda dispunha sobre o Poder Coordenador, também chamado pelo anteprojeto e por outras emendas de Conselho Supremo – uma espécie de órgão de estudo técnico dos problemas nacionais e de caráter consultivo para aconselhar os demais poderes. Por isso, a emenda foi distribuída para o relator parcial da parte dos Municípios e Conselho Supremo estudá-la. Entretanto o seu teor impactava a posição institucional e a Constituição dos tribunais eleitorais. Isso porque colocava a Justiça Eleitoral como um dos braços constitutivos do Poder Coordenador, subtraindo-a da aba do Poder Judiciário, e assim tornava prerrogativa daquele órgão consultivo nomear parte dos membros do STE e dos TREs.641 A medida acabou rejeitada nos dois relatórios por uma mudança de visão bastante interessante do seu propositor, o constituinte pelo Paraná, Idálio Sardenberg, que acabou assumindo a relatoria parcial da parte relativa à Justiça Eleitoral no decurso dos trabalhos constituintes. Esse ponto chama a atenção para as singularidades do relatório parcial da Justiça Eleitoral. Tratava-se de uma das poucas áreas que a Comissão dos 26 encarregou somente um constituinte da relatoria – um possível sinal da menor complexidade da Justiça Eleitoral comparada aos demais assuntos setorizados para estudo dos constituintes.642 Além disso, diz respeito a uma das duas exceções em que houve mudança de relator: cabendo originalmente ao colega de bancada de Sardenberg, Antônio Jorge, a responsabilidade pela redação do parecer parcial acabou transferida para o primeiro.643 O parecer de Idálio Sardenberg pretendia manter toda a matéria referente ao assunto condensada em dois artigos, criando parágrafos dentro de cada um deles para comportar os tópicos conexos. Assim, oferecia um substitutivo em que seguia a estrutura original do anteprojeto, com o primeiro artigo estabelecendo a organização da Justiça Eleitoral em linhas gerais e o segundo artigo definindo as atribuições dela. Nesse sentido, acabou realizando alterações na ordem lógica de exposição dos assuntos.644 Para além disso, fez mudanças mais substantivas nos dois artigos por conta própria. Quanto ao primeiro artigo, uma adição importante feita por Sardenberg determinava que a Justiça Eleitoral se regeria por uma lei orgânica que a ANC votasse. O relator julgava conveniente incluir essa medida “para preencher uma lacuna existente no anteprojeto, em que não se encontra, expressamente, declarado a quem compete o estabelecimento dos detalhes de Constituição e A emenda encontra-se publicada em ANC, 30/11/1933, p. 459-461. Os outros tópicos entregues à relatores únicos foram Estados e Districto Federal (Solano da Cunha), Municipios e Conselho Supremo (Cunha Melo), Família e Educação (Adolfo Soares), Territórios (Cunha Vasconcelos); Ministros de Estado (Pires Gaioso) e Disposições Gerais e Transitórias (Deodato Maia). 643  O outro caso ocorreu com a Defesa Nacional, cuja relatoria foi entregue, a princípio, à dupla Góes Monteiro e Domingos Velasco. Mas, no decurso do tempo, Nero Macedo substituiu o último. 644  Por exemplo, deslocou para o primeiro artigo os dispositivos apontados no anteprojeto referentes aos juízes eleitorais e às garantias asseguradas para a magistratura eleitoral por crer fazer mais sentido comportá-los entre os princípios gerais de organização da Justiça Eleitoral e não nas atribuições dela (onde o anteprojeto as alocava). Sardenberg também justificou em termos de ganhos em aspecto lógico, “de sequencia natural”, as mudanças realizadas na exposição das atribuições da Justiça Eleitoral, em que se procurou “seguir uma órdem por assim dizer cronológica dos acontecimentos” (ANC, 16/11/1933, p. 519).

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de funcionamento deste grande aparelho jurídico”.645 Todavia a principal alteração realizada pelo relator no primeiro artigo se relaciona com a sua mudança de opinião em relação à Constituição dos tribunais eleitorais. De fato, Sardenberg aproveita o parecer parcial para declinar francamente da sua emenda n. 807 e propor uma forma alternativa de compor os tribunais eleitorais. Ele via sentido na saída dada pelo Governo Provisório em 1932 com o destacamento temporário de juízes dos tribunais regulares do país para os trabalhos eleitorais: O Anteprojeto constitucional, seguindo, com efeitos, as linhas mestras traçadas pelo Código Eleitoral, manteve a composição dos tribunais eleitorais com elementos emprestados aos demais tribunais do País. Parece-me que, como medida de emergência, num governo de transição e numa época em que se ensaiava uma nova legislação eleitoral, com todas as dificuldades oriundas do desconhecimento dos novos processos nela estabelecidos e do aparelhamento apressado dos novos institutos nela criados, aquela orientação era não só recomendável, como também capaz de produzir os melhores resultados possíveis, como efetivamente, e para honra da nossa cultura jurídica, se verificou nas eleições de Maio do ano findo.646

Entretanto Sardenberg acreditava ser tempo de se levar a cabo a criação de uma magistratura eleitoral própria: “Passada, porém, esta primeira fase de organização e de experiencia, cumpre estabilizar o instituto, que tão proveitosos resultados produziu, tornando-o completamente independente”.647 A fórmula que o relator propunha se baseava na composição proporcional dos tribunais eleitorais, “com elementos provindos em seus dois terços da própria magistratura eleitoral, abandonando o processo atualmente em prática que consiste em desviar de seus afazeres normais, já por si numerosos e absorventes, os juízes dos tribunais regulares do País”.648 O terço seguinte dos lugares dos tribunais Sardenberg preferia reservar aos “cidadãos de ilibada reputação e notável saber jurídico, assegurando deste modo a possibilidade de se ir colher e selecionar, a bem do serviço, os elementos de valor que surgirem nos demais campos da atividade jurídica”.649 A seu ver, a vantagem que essa possibilidade de recrutar os cidadãos com reputação e domínio em assuntos jurídicos já era uma “matéria pacífica” àquele tempo. Já com relação ao segundo artigo do anteprojeto (focado nas atribuições da Justiça Eleitoral), as principais modificações indicadas no substitutivo oferecido por Sardenberg se baseavam na aceitação total ou parcial das emendas de plenário. Mais especificamente, as emendas de ns. 166, 374 e 951. A ideia contida na primeira delas, estendendo a órbita de atuação da Justiça Eleitoral às eleições estaduais e municipais, foi aceita na íntegra. Já no caso da emenda n. 374, de conteúdo alinhado com a anterior e ainda delimitando o alcance dos recursos jurídicos relativos às eleições municipais, a aceitação foi quase integral. Sardenberg incorporou a sugestão dessa emenda e que a seu ver correspondia “a uma necessidade material, pois seria humanamente impossível ao Tribunal Superior desempenhar suas altas funções se até lá pudessem chegar os recursos contra atos referentes a eleições municipais”.650 Porém o relator decidiu resguardar também nessas eleições o direito de recurso para o STE nos casos de inconstitucionalidade, habeas-corpus e mandado de segurança, “casos

645  646  647  648  649  650 

ANC, 16/11/1933, p. 519. ANC, 16/11/1933, p. 518. O parecer de Sardenberg foi firmado a 19/01/1934, mas está publicado nos ANC de 16/11/1933. ANC, 16/11/1933, p. 519. Ibidem, p. 519. Ibidem, p. 519. Ibidem, p. 520.

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que, por sua relevancia jurídica, só podem teu seu processo definitivo naquella Suprema Côrte”.651 Por fim, Sardenberg também aceitou na totalidade a emenda n. 951, tornando prerrogativas da Justiça Eleitoral cuidar da divisão eleitoral da União e dos estados (mantendo-o por um período de dez anos) e fixar a datas para as eleições quando não prevista em lei. O relator mostrava-se convencido pela erudita justificativa que acompanhava a emenda, assim defendida pelos seus autores: Na livre organização dos distritos eleitorais, sempre tiveram os temperadores de rodízios e de esguichos o meio fácil de compensar e neutralizar as minorias pertinazes que ousavam resistir aos conchavos partidários. Quem conhece os estudos feitos pelos constitucionalistas francêses, a propósito das ‘découpages’, ‘de maniére á favoriser ses ambitions électorales’, denunciados por Barthelémy Duez (Droit. Const. pág. 305), e a crônica das famosas ‘Gerrymanders’, da prática política norte-americana, compreende, desde logo, a evidente necessidade de subtrair-se a distribuição territorial do eleitorado ao perigoso arbítrio da política.652

Todavia a Comissão Constitucional não comprou parte significativa do relatório parcial de Idálio Sardenberg. O ponto de dissenso mais emblemático refere-se à composição dos tribunais eleitorais que, pelo substitutivo da Comissão, voltavam a usufruir do destacamento temporário de juízes dos tribunais regulares do país assim como previa o anteprojeto constitucional enviado à ANC pelo Governo Provisório. A Comissão inclusive tratou de redigir um artigo só para disciplinar a licença que os magistrados em função dos tribunais eleitorais poderiam tirar pelos tribunais ordinários a que pertencessem. Agora a parte relativa à Justiça Eleitoral se estruturava em três artigos: o primeiro, de n. 117o, especificava a composição da Justiça Eleitoral; o seguinte, 118o, tratava das prerrogativas dela e o último, 119o, definia justamente a licença desses magistrados.653 No caso das prerrogativas da Justiça Eleitoral, a grande derrota sofrida pelo relatório de Sardenberg refere-se ao âmbito da divisão eleitoral da União e dos estados. A Comissão reduziu a possibilidade de alteração a cada quinquênio salvo em caso de modificação na divisão judiciária ou administrativa do estado ou território, e em consequência desta. Outra perda importante para o relator parcial se refere à forma de processar e julgar os delitos eleitorais no caso das eleições municipais. Embora Sardenberg preferisse que esse encargo ficasse exclusivamente nas mãos dos magistrados eleitorais, o substitutivo da Comissão abria à lei a possibilidade de organizar juntas especiais de três membros, em sua maioria, juízes togados. Sem dúvida, uma abertura à discricionariedade. A última alteração relevante oferecida pelo substitutivo da Comissão consistia na alocação explícita da Justiça Eleitoral para a aba do Poder Judiciário.654 Como vimos, um raciocínio que Sardenberg não desafiava mais desde que declinou da ideia de entregar a Constituição dos tribunais eleitorais à alçada do Poder Coordenador. Sardenberg foi o único relator parcial que assinou o substitutivo da Comissão frisando sua posição de vencido quanto ao capítulo da Justiça Eleitoral que lhe coube relatar.655 Embora vinte e dois dos membros da Comissão dos 26 tenham assinado alguns trechos do substitutivo com restrições, a situação de Sardenberg evidenciava um grau mais elevado de conflito já que ele se dizia vencido na parte da qual esteve diretamente encarregado.

Ibidem, p. 520. ANC, 16/11/1933, p. 520. 653  Os artigos do substitutivo da Comissão ao anteprojeto constitucional referentes à Justiça Eleitoral encontram-se em ANC, 13/03/1934, p. 215-260. 654  Cf. art. 94 do substitutivo ao anteprojeto (ANC, 13/03/1934, p. 237). 655  O parecer e o substitutivo da Comissão Constitucional ao anteprojeto de Constituição e às emendas apresentadas em primeira discussão foram assinados a 8 de março de 1934, mas encontram-se publicados nos ACN, 16/11/1933, p. 547-607. 651  652 

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A Comissão decidiu apreciar em seu parecer apenas as linhas gerais do substitutivo que ofereceu e não comentou nada relativo à Justiça Eleitoral.656 Esse substitutivo foi considerado aprovado em primeira discussão da forma como estava, na íntegra, sem alterações e nenhum debate sequer, por causa de um acordo emblemático de outra intromissão do Governo Provisório na ANC. Tudo começou quando a Assembleia teve que lidar com a renúncia do líder da maioria, o ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, em dezembro de 1933.657 Instalou-se uma crise que perdurou até meados de janeiro de 1934, quando o deputado baiano Antonio Garcia de Medeiros Neto assumiu a liderança da maioria após o convite feito diretamente por Getúlio Vargas.658 O episódio “provocou reações, tanto por significar mais uma clara interferência de Vargas nos assuntos da Constituinte, quanto pelo passado político ‘pouco revolucionário’ de Medeiros Neto”.659 De fato, Vargas viu em Medeiros Neto um aliado para levar a cabo seu plano de se manter no poder e articulou com ele uma indicação para reformar o regimento interno no sentido de inverter a pauta dos trabalhos da ANC e antecipar a eleição para presidente da República, originalmente prevista para acontecer depois da outorga da nova Constituição. Trata-se da chamada Indicação Medeiros Netto, apresentada pelo líder da maioria e outros vinte e sete constituintes a 21 de fevereiro de 1934.660 Cerca de vinte dias depois, após muita negociação, a ANC aprovou um substitutivo à Indicação Medeiros Netto que se converteu no projeto de resolução n. 5, de 1934.661 Por esse texto agilizava-se a tramitação da matéria constitucional que, pelo regimento da época, precisava passar por duas discussões antes de seguir à votação final. A resolução determinava a votação em plenário do parecer e do substitutivo da Comissão ao anteprojeto constitucional que, uma vez aprovados, equivaleriam à primeira discussão. Assim a matéria poderia sofrer uma discussão única em plenário, a segunda discussão, por blocos temáticos, receber emendas e em até um mês passar à votação final. Na prática, isso significava que a promulgação da Constituição ocorreria em breve e a eleição presidencial a ela se seguiria sem rodeios e sem a necessidade de inverter a ordem dos trabalhos da ANC. Caso se descumprissem os prazos de tramitação estipulados pela resolução, o substitutivo da Comissão ao anteprojeto constitucional se converteria na forma de uma Constituição provisória para efeito da sucessão presidencial. Essa reforma do regimento marcou um divisor de águas nos trabalhos constituintes. Dalí em diante a segunda discussão e a apresentação de emendas ao substitutivo da Comissão revelaria um conflito entre maioria e minoria na ANC. As menores bancadas entrariam em oposição à orientação das maiores bancadas, cujas propostas tinham dominado os trabalhos da Comissão dos 26. Tanto que o presidente da Assembleia, Antonio Carlos, e o líder da maioria, Medeiros Netto, articulariam com outros políticos um “entendimento entre as principais bancadas para, independentemente de quaisquer dissídios partidários, estabelecerem um acordo em torno de todos os pontos com respeito aos quais não houvesse divergências essenciais”.662 Era uma forma de tentar criar emendas comuns, conciliatórias: as “emendas de coordenação” segundo o jargão parlamentar da época. O Club dos Advogados, uma entidade jurídica de grande prestígio na época que acompanhava de perto a dinâmica legislativa, teceu várias críticas do substitutivo ao anteprojeto, inclusive condenando a continuidade da aposta no destacamento temporário dos magistrados para exercer as funções eleitorais. Em uma de suas reuniões, um orador ressaltou “o inconveniente da justiça eleitoral ser exercida pelos magistrados de carreira, com prejuízo de suas funcções forenses comuns” (Correio da Manhã, Edição n. 12065, Notícia “Club dos Advogados”, 29/03/1934, p. 6). 657  A renúncia de Oswaldo Aranha foi aceita a 29 de dezembro de 1933 (Correio da Manhã, Edição n. 11989, Notícia: “Modificações no Governo”, 29/12/1933, p. 1). 658  Correio da Manhã, Edição n. 11991, Notícia: “A situação politica em face da renuncia de dois membros do ministerio”, 31/12/1933, p. 1. 659  GOMES, 2010. 660  ANC, 21/02/1934, p. 287-289. 661  ANC, 10/03/1934, p. 95-97. 662  GOMES, 2010. 656 

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A análise dessa segunda fase da tramitação do texto constitucional revela que o embate entre maioria e minoria impactou também o tema da Justiça Eleitoral. Menos pelo seu conteúdo e mais pelo seu enquadramento institucional. Protocolaram-se milhares de emendas ao substitutivo da Comissão aprovado em primeira discussão e uma das grandes polêmicas continuava girando em torno da adoção ou supressão do Conselho Supremo que, se mantido, abria disputas quanto à posição dos tribunais eleitorais – no caso, sobre a dependência do Conselho ou como órgãos do Poder Judiciário. De fato, o tópico do Conselho representou uma das pautas mais polêmicas na Constituinte. Embora o anteprojeto constitucional apresentado pelo governo à ANC previsse a criação de um Conselho Supremo com funções consultivas, políticas e administrativas, o texto era omisso quanto à alocação precisa da Justiça Eleitoral. Ela aparecia à parte, nem atrelada ao Poder Judiciário nem ao Conselho Supremo. Na primeira fase dos trabalhos da Comissão dos 26, quando Cunha Machado, constituinte pelo Amazonas, ficou encarregado de relatar e emitir parecer parcial sobre o Conselho, as críticas vieram à tona. Cunha Machado expressou seu descrédito pelo Conselho, que considerava ineficiente, custoso e sem autoridade, recomendando a sua supressão.663 A Comissão Constitucional discordou do relator parcial e propôs no seu próprio substitutivo mudar não apenas o nome do Conselho Supremo para Conselho Nacional como também restringiu-o à competência consultiva, transferindo a competência administrativa para a Câmara dos Deputados.664 Como antecipado, o substitutivo da Comissão Constitucional aprovado em primeira discussão também tratou de encaixar a Justiça Eleitoral da aba do Poder Judiciário. Contudo a segunda discussão não deu o assunto por encerrado e reavivou a controvérsia latente em plenário sobre o Conselho e que acabava resvalando na condição da Justiça Eleitoral. Prova disso é a emenda n. 1.949, uma emenda de coordenação protocolada a 13 de abril de 1934 com 59 assinaturas e que estabelecia um capítulo constitucional inteiramente dedicado à coordenação dos poderes. Um texto que considerava a Justiça Eleitoral um dos órgãos de coordenação das atividades governamentais.665 Durante a segunda discussão a ANC continuou racionalizando os trabalhos por meio da distribuição de temas às subcomissões encarregadas de emitir pareceres parciais visando dar conta dos prazos regimentais. Coube a trio formado por Odilon Braga, Pires Gayoso e Abel Chermont, que compunham a subcomissão centrada nos estudos dos dispositivos relativos ao Poder Legislativo e Conselho Nacional, dar parecer sobre a emenda n. 1.949, cujas assinaturas provinham quase todas de representantes das maiores bancadas na ANC.666 Eles justificaram o endosso das medidas nela contidas ressalvando o erro de associa-la unicamente às grandes bancadas: “Se elas fossem a expressão da vontade dos grandes Estados, certo não corresponderiam, como correspondem, aos objetivos energicamente visados pelas chamadas pequenas bancadas.”667 Daí defenderem que o nome mais justo para a matéria era emenda de coordenação, “nome que por si só as recomenda á aprovação da Assembléia”.668 A própria distribuição de assuntos às subcomissões favoreceu a profusão de pontos de vista em matéria da situação da Justiça Eleitoral. Explico. Como o texto aprovado em primeira discussão encaixava os tribunais eleitorais dentro do Poder Judiciário, outra subcomissão ficou incumbida de Cf. ANC, 16/11/1933, p. 418-420. A Comissão Constitucional justificou brevemente as suas preferências quanto ao Conselho Nacional em ANC, 16/11/1933, p. 553-554. 665  A emenda n. 1.949 foi publicada em ANC, 26/04/1934, p. 333-338. 666  Assim se distribuíam as assinaturas da emenda entre as bancadas estaduais: São Paulo (15), Minas Gerais (14), Bahia (14), Rio de Janeiro (5), Pernambuco (5), Distrito Federal (1), Rio Grande do Sul (1), Santa Catarina (1), Paraná (1) e Piauí (1). Não foi possível identificar um dos signatários. 667  ACN, 26/04/1934, p. 322. 668  Ibidem. 663  664 

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emitir parecer sobre o assunto: a subcomissão do Poder Judiciário. Ela recebeu e analisou as trinta emendas apresentadas atinentes à Justiça Eleitoral.669 Além de Idálio Sardenberg, formavam essa subcomissão os constituintes por Santa Catarina, Nereu Ramos, e pelo Rio Grande do Norte, Alberto Roselli. A maioria das emendas relacionadas aos organismos eleitorais versava sobre mudanças substantivas na composição dos tribunais ou melhorias na redação dos dispositivos que os disciplinavam. Por além disso, sobressaíram-se a emenda n. 730, estendendo a competência privativa da Justiça Eleitoral à condução de todo o processo de escolha dos representantes das classes profissionais em detrimento de qualquer interferência governamental, e a já citada emenda de coordenação n. 1.949.670 A subcomissão recomendava a aprovação de ambas, apoiando a segunda com algumas alterações e acréscimos de outras emendas também dignas do seu endosso. Os relatores da subcomissão chegaram, assim, à redação de um capítulo substitutivo disciplinando a Justiça Eleitoral e o encaminharam para consideração de outra subcomissão: a da Coordenação de Poderes.671 Afinal, os rumos da tramitação do futuro texto constitucional continuava entrelaçando o espaço institucional que a Justiça Eleitoral deveria ocupar com o dos cogitados órgãos de coordenação. No plenário, essa disputa em torno da alocação ideal dos tribunais eleitorais no texto constitucional se canalizou mediante um raciocínio relativamente simples. Aqueles que defendiam a inserção da Justiça Eleitoral no âmbito do Poder Judiciário acreditavam só assim ser possível garantir-lhe a devida autonomia. Uma interpretação militada sobretudo por Levi Carneiro, o representante das profissões liberais na ANC. Quem condenava o enquadramento da Justiça Eleitoral na aba do Poder Judiciário justificava que ela tinha sido criada para tratar de questões políticas e entrava por definição em conflito com o princípio apartidário inerente ao Poder Judiciário. A visão de Negrão de Lima, da bancada mineira, é emblemática desse raciocínio: A justiça eleitoral, como o próprio nome o define, é órgão especial, criado para resolver privativamente sôbre fatos políticos, sôbre princípios políticos, sôbre direitos políticos. Se a introduzem no Poder Judiciario não podem vedar a êste o conhecimento de questões políticas, sob pena de se permitir expressamente num dispositivo o que noutro expressamente se proíbe.672

Inclusive, é o reconhecimento de que a Justiça Eleitoral reúne tanto prerrogativas judiciárias quanto políticas a razão de vários constituintes preferirem colocá-la entre os órgãos de coordenação. Como bem sintetizou Clemente Mariani, constituinte eleito pela Bahia: “órgãos que justamente atuam nas zonas limítrofes, nas zonas indecisas, onde se manifesta a atividade dos vários poderes.”673 O texto aprovado em segunda discussão seguiria para a análise da chamada Comissão dos Três, formada por Raul Fernandes, Godofredo Vianna e Homero Pires e responsável por consolidar a redação final e emitir um último parecer. Diante da continuidade da polêmica sobre a posição institucional da Justiça Eleitoral na futura Constituição, essa comissão chamou a responsabilidade para si. Contrariando a decisão votada em plenário que incluía os organismos eleitorais entre os órgãos de coordenação de poderes e de cooperação das atividades governamentais, a Comissão dos

O parecer emitido pela referida subcomissão encontra-se publicado nos ANC, 17/03/1934, p. 177-193. As emendas propostas constam publicadas na sequência, às p. 195-290. 670  A emenda n. 730 foi oferecida por Nero de Macedo, representante eleito por Goiás, e consta publicada nos ANC, 17/03/1934, p. 215. 671  Cf. ANC, 17/03/1934, p. 191. 672  ANC, 13/04/1934, p. 425. 673  ANC, 18/05/1934, p. 243. 669 

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Três preferiu transferir a Justiça Eleitoral para o título relativo ao Poder Judiciário. Dentre as razões apresentadas, o parecer lembrava de forma taxativa: Realmente ella é – como o seu próprio nome o indica, um órgão judiciário. Suas funções principais tem caráter judicial, desde que entra na sua competência o julgamento contraditório das eleições, o processo e o julgamento dos crimes eleitorais, e o pronunciamento da perda dos mandatos políticos.674

A persuasão funcionou. A decisão final que se converteu em letra constitucional da Carta de 1934 foi de tornar a Justiça Eleitoral parte do Poder Judiciário.675 Do outro lado, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e os Conselhos Técnicos converteram-se em órgãos de cooperação das atividades governamentais.676 Embora independente de um poder coordenador, os tribunais eleitorais continuaram compostos a partir do destacamento temporário dos juízes dos tribunais comuns. Descartava-se a criação de quadros de magistrados exclusivos da Justiça Eleitoral, o mínimo necessário para a sua autonomia real. CONSIDERAÇÕES FINAIS Idealmente, a criação de uma jurisdição especial para cuidar do processo eleitoral em geral e do contencioso, em particular, visa suplantar os interesses político-partidários. A análise da introdução da Justiça Eleitoral no Brasil, em 1932, não parece compartilhar desses preceitos. Desde o início a nova elite sabia que a magistratura era politicamente orientada. Por além do mais, sua implantação encontrou dificuldades de ordem práticas. Não faz sentido pensar mudanças nas regras eleitorais sem considerar os interesses estratégicos dos reformadores. Políticos sempre visam as vitórias nas urnas. Independente do discurso, a eleição é o objetivo primário. O estudo da adoção da Justiça Eleitoral em 1932 torna-se provocativo justamente na medida em que questiona a visão convencional de pensar esse evento como uma medida importante na transição para democratização do Brasil. A análise precedente sinaliza o oposto. Nominalmente, mostra que o Governo Provisório não criou uma Justiça Eleitoral totalmente independente, indicando parte dos membros dos tribunais e desrespeitando a teórica autonomia do órgão com frequência. Uma polêmica mais facilmente compreendida se levamos em conta a pressão da época pela restauração liberal e a intenção dos revolucionários em se legitimarem no poder por meio da Constituinte. Estavam colocadas, assim, as linhas gerais do dilema vivido pelo Governo Provisório (e, pode-se dizer, comum aos autocratas). Isto é, (a) manter as regras eleitorais e fazer vistas grossas à fraude eleitoral sob o risco de sofrer críticas por não cumprirem as reformas prometidas em campanha ou (b) reformar as regras eleitorais, legitimando-se perante a opinião pública, mas adotando outras formas de garantir a vitória nas urnas. Aparentemente, a solução encontrada em 1932 convergiu para a adoção da Justiça Eleitoral como medida embutida no discurso da redução da fraude. Assim se acalmavam os ânimos das elites que pressionavam por reformas ao mesmo tempo em que se assegurava, na prática, a existência de novas maneiras de se continuar fraudando as eleições. O curso dos trabalhos constituintes revela como o Governo Provisório não estava disposto a ser surpreendido com mudanças que não tivesse projetado. Por muito pouco, inclusive, a Jus674  675  676 

Correio da Manhã, Edição n. 12143, Notícia: “O que houve hontem na Assembleia Constituinte”, 28/06/1934, p. 2. CF 1934, arts. 82 e 83. CF 1934, arts. 97 a 103.

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tiça Eleitoral não passou para uma condição de menor independência sob o escopo de um poder coordenador. Nesse sentido, os desafios colocados diante dos tribunais eleitorais pelas eleições de 1934 não causam estranheza. O STE continuou trabalhando em situações precárias.677 Assim como os TREs, com problemas para compor o quadro de pessoal e ainda sofrendo críticas porque seus trabalhos desfalcavam a justiça comum.678 Também por falta de condições materiais, o serviço de alistamento acabou mais uma vez em cima da hora.679 Denúncias de compressão governamental sobre juízes eleitorais e falta de garantias sobretudo nos estados do Norte foram notícias constantes nos jornais, exigindo medidas de emergência para assegurar a realização das eleições.680 Nem a apuração se deu sem dificuldades, continuando morosa.681 Em síntese, um quadro que desconstrói a versão romantizada vendida pela maioria dos intérpretes sobre o trunfo automático da criação da Justiça Eleitoral em 1932. Nem no papel, nem na prática, as condições dos tribunais eleitorais foram tão favoráveis como normalmente se imagina.

Correio da Manhã, Edição n. 12246, Notícia: “O que houve hontem na Camara dos Deputados”, 26/10/1934, p. 2. Correio da Manhã, Edição n. 12228, Notícia: “A situação da magistratura local”, 05/10/1934, p. 4. 679  Correio da Manhã, Edição n. 12199, Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 01/09/1934, p. 5 680  Correio da Manhã, Edições n. 12070, Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 04/04/1934, p. 2; n. 12106, Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 16/05/1934, p. 5; n. 12130, Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 13/06/1934, p. 2; n. 12169, Notícia: “Os magistrados do Acre sem garantias”, 28/07/1934, p. 7; n. 12199 Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 01/09/1934, p. 5; n. 12214, Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 19/09/1934, p. 2; n. 12220, Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 26/09/1934, p. 2; n. 12223, Notícia: “Reforma Eleitoral”, 29/09/1934, p. 2; n. 12228, Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, 05/10/1934, p. 8; n. 12232, Notícia: “A situação”, 11/10/1934, p. 3; n. 12234, Notícia: “A situação politica”, 12/10/1934, p. 3 e Notícia: “No Tribunal Superior Eleitoral”, p. 6. 681  Correio da Manhã, Edição n. 12248, Notícia: “O systema de apuração”, 28/10/1934, p. 2 677  678 

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Capítulo 8 A REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS DÉCADAS REPUBLICANAS À IMPLEMENTAÇÃO NOS ANOS 1930 Luciana Fagundes

INTRODUÇÃO No dia 2 de janeiro de 1931, em um grande almoço de confraternização das forças armadas, o presidente Getúlio Vargas afirmava que o programa da revolução era “o caminho para o ressurgimento do Brasil”.682 O almoço, realizado na capital, reuniu em torno de 1.200 militares e, segundo o jornal A Noite, que publicou o evento em sua primeira página, serviu para demonstrar “de maneira eloquente o espírito de solidariedade existente entre as classes armadas e o seu apoio completo ao Governo Provisório”. No discurso realizado no evento, o presidente fez referência pela primeira vez como chefe do executivo683 à importância da “representação por classes” como um dos itens do “programa da revolução”, junto do “aumento da produção nacional” e da “moralidade administrativa”. Segundo o presidente, a modificação do regime representativo serviria para extirpar as “oligarquias políticas”. Tratava-se de um esboço do que o Governo Provisório pretendia fazer, por meio da “colaboração eficiente de todos os bons brasileiros”, com o uso “de poderes discricionários e tendo em vista, exclusivamente, reintegrar o país na posse de si mesmo”.684 O discurso de Vargas serve como marco para pensarmos algumas questões extremamente relevantes sobre a implementação da representação profissional no Brasil. Primeiramente, o discurso alavanca o debate sobre o tema na imprensa, deixando claro a forte oposição que iria sofrer, pois, se a necessidade de incluir os trabalhadores em um novo projeto de Estado já era algo aceito, ou pelo menos admitido, a representação profissional ainda ensejava considerável rejeição. Assim, percebemos ao longo da pesquisa, que a representação profissional só foi implementada porque, no período entre 1930 e 1934, o Governo Provisório contava com os “poderes discricionários”685, mencionados por Vargas no discurso. Tais poderes possibilitaram que a representação profissional fosse inserida no Código Eleitoral e no Anteprojeto de Constituição por meio de uma ação “vinda A Noite, Edição n. 6862, Notícia: “O grande almoço de confraternisação das classes armadas”, 02/01/1931, p. 3. Em seu discurso de posse como chefe do Governo Provisório, em 3 de novembro de 1930, Vargas fez referência a um amplo “programa de reconstrução nacional”, cujo item de número sete faz referência a “reforma do sistema eleitoral, tendo em vista precipuamente, a garantia do voto; [...]”; já o item número nove dizia que, realizada a reforma eleitoral, a nação seria consultada para escolher seus representantes “afim de procederem à revisão do Estatuto Federal melhor amparando as liberdades e individuais, e garantindo a autonomia dos Estados contra as violações do governo central” (Jornal do Brasil, Edição n. 260, Notícia: “O presidente Getulio Vargas tomou posse hontem como chefe do governo da Republica”, 04/11/1930, p. 6).Ou seja, nesse discurso não há referências à inclusão da representação profissional na reforma eleitoral. Porém cabe ressaltar que o tema já havia sido alvo de debates calorosos ainda na Primeira República, como veremos nesse capítulo. 684  A Noite, Edição n. 6862, Notícia: “O grande almoço de confraternisação das classes armadas”, 02/01/1931, p. 3. 685  Sobre os poderes discricionários, ver nesta coletânea o primeiro capítulo, de Raimundo Hélio Lopes. 682  683 

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de cima”, ou seja, imposta pela cúpula do regime. Contudo, como ressalta a bibliografia, o movimento de 1930 aglutinou uma série de atores com diferentes objetivos e principalmente projetos de nação, implicando uma necessária negociação entre as elites dirigentes acerca dos próximos passos a serem seguidos.686 Nesse sentido, além do próprio Vargas, não poderíamos deixar de mencionar os tenentes, bem como, as oligarquias dissidentes, que se juntaram ao movimento de 1930 para derrubar a república instaurada em 1889, construída nesse contexto como uma “República Velha” que precisava ser suplantada. Nosso objetivo com esse capítulo é analisar as causas e consequências da implementação da representação profissional no Brasil, atentando para os seguintes pontos: o debate sobre representação profissional na Primeira República; a efetiva implementação da representação profissional durante o Governo Provisório (1930-1934); e as eleições para compor as bancadas profissionais realizadas em 1933 e 1934/1935. Para tanto, utilizamos com fonte preferencial a imprensa da época, pesquisada nos arquivos da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.687 Com relação aos “achados”, o primeiro deles é a inexistência de ocorrências no período (1889-1930) para o termo “representação classista”. Desse modo, concluímos que ela nasceu no âmbito do debate da década de 1930, provavelmente, uma derivação do termo “representação de classes”. Vale lembrar que o termo oficial utilizado na lei é “representantes de associações profissionais”. Como bem destacou Claudia Viscardi em texto recente, nos decretos sobre a representação corporativa (termo utilizado por Viscardi) foram suprimidos vocábulos que fizessem referência ao mundo do trabalho, como “luta, classe, trabalhadores, patrões, capital...”. O novo vocabulário introduzido pelas leis tinha como objetivo construir relações mais harmônicas entre esses atores, em constante conflito, desde o final da década de 1910.688 Já os termos “representação de classes” e “representação profissional” possuem ocorrências consideráveis no decorrer dessas três décadas, que se intensificam a partir de alguns eventos específicos estudados nesse capítulo. O debate sobre a representação profissional não se inicia na década de 1930. É claro que, nesse período, o tema entrou com força na agenda política, sendo debatido quase diariamente na imprensa, pois, caso implementada, a representação profissional traria uma inovação considerável ao legislativo. Portanto nosso objetivo, ao dilatar a pesquisa, abarcando todo o período da Primeira República, é iniciar uma construção histórica acerca do tema, procurando relacionar rupturas e continuidades com relação à forma como é abordado nos anos 1930, ponto abordado na primeira parte deste capítulo. Em seguida, analisamos as calorosas negociações acerca da inclusão da repreNa revisão historiográfica sobre a Revolução de 1930, publicada na década de 1970, o historiador Boris Fausto já refutava a ideia de que a revolução teria significado a tomada de poder por esta ou aquela classe social, pelo fato de que os vitoriosos compunham um quadro heterogêneo, tanto do ponto de vista social, quanto político (FAUSTO, B. A Revolução de 1930. Historiografia e História. São Paulo: Brasiliense, 1999). Para este capítulo, tomei como referência abordagens mais recentes como as de VISCARDI, C. M. R., O Teatro das Oligarquias: uma revisão da política do “café com leite”. Belo Horizonte: C/Arte, 2001; PANDOLFI, D. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 13-37 (O Brasil Republicano, v. 2.); FERREIRA, M. M. F. Em busca da idade de ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Editora Ufrj, 1994; PINTO, S. C. S. Só para iniciados... o jogo político na antiga capital federal. Rio de Janeiro: Maud X: Faperj, 2011. 687  Considerando o escopo ampliado do capítulo, optamos por realizar a pesquisa nesse acervo por meio de palavras-chave, buscando periódicos de diferentes estados brasileiros, porém priorizando (especialmente para o período 1931-1935) os jornais do Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa foi realizada a partir dos seguintes termos: “representação de classes”, “representação profissional”, “representação classista” e “delegado eleitor” no site da Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional disponível em http: //bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/, acesso em 10/04/16. Além da imprensa, trabalhamos também com a documentação disponível nos acervos do CPDOC, especialmente, a troca de correspondência entre Getúlio Vargas e seus ministros, além de figuras de destaque do cenário político da época, e com os boletins eleitorais da época. 688  VISCARDI, C. M. R. A representação profissional na Constituição de 1934 e as origens do corporativismo no Brasil. In: PINTO, A. C. MARTINHO, F. P. A onda corporativa: corporativismo e ditaduras na Europa e na América Latina. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016, p. 206. 686 

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sentação profissional no Código Eleitoral de 1932, bem como sua repercussão na imprensa. Por fim, analisamos as eleições de 1933, 1934 e 1935, com objetivo de destacar alguns aspectos pouco trabalhados pela literatura, como os mecanismos para a eleição do delegado-eleitor e as denúncias de fraudes, especialmente para a eleição de 1934/1935. O DEBATE SOBRE A REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX. Em setembro de 1891, em discurso no Senado, Quintino Bocaiuva689, defendia um sistema eleitoral que impedisse a fraude, no qual a representação fosse “mais legítima”, seria ela a “representação de classes”, não no “sentido de grupos de hierarquia social, [...] de castas”, mas a “representação de todas as classes no sentido profissional”. Bocaiuva aventava a possibilidade de uma lei eleitoral que produzisse a [...] representação verdadeiramente nacional e perfeita, patriótica e a mais competente, formada pela concorrência dos representantes de todas as coletividades ativas e produtoras, uma representação apta para a fatura de qualquer espécie de lei, pela competência de todos os especialistas das múltiplas classes e interesses nacionais.690

As apreciações de Bocaiuva são importantes para pensarmos que as ideias sobre a representação profissional são mais antigas do que pensamos, e se o debate ainda não era arraigado como o foi no pós-1930, ele definitivamente existiu. Outro nome importante a defender a representação profissional foi o intelectual, político e jurista Alberto Torres. Em seu livro A organização nacional, publicado em 1914, Torres propunha uma representação mista para o Senado, que incluiria também representantes de instituições religiosas.691 Outra ocorrência interessante é a proposta de representação de classes para o Conselho Municipal do Distrito Federal.692 A primeira proposta nesse sentido ocorreu em 1909, perpetrada por Medeiros e Albuquerque, e não chegou a ser colocada em prática pois, em 1916, Afrânio de Mello Franco entrou com nova reivindicação nesse sentido. A partir desse momento já é possível perceber um debate mais frequente sobre o assunto por meio de editoriais, contra ou a favor, nos Personagem central na campanha republicana, Bocaiuva teve lugar de destaque no período inicial do Governo Provisório (1889-1891), ocupando os postos de Ministro das Relações Exteriores e Ministro Agricultura, Comércio e Obras Públicas. No final de 1890, foi eleito senador da Assembleia Nacional Constituinte (LEMOS, R. Bocaiuva, Quintino. In: ABREU, Alzira Alves de (Org.). Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República (18891930). Rio de Janeiro: CPDOC, 2015. Disponível em http: //cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica. Acesso em: 18 de abr. de 2016). 690  O Tempo, Edição n. 113, Nota “Senado” na Coluna: “O Congresso Nacional”, 11/09/1891, p. 2. 691  Segundo Rolf Kuntz, a proposta de Torres para o Senado era a seguinte: “A casa seria formada por três grupos de representantes: cinco nomeados por todo o país, 31 escolhidos pelas províncias e pelo Distrito Federal e 37 apontados pelos seguintes grupos: três pelo clero católico; um pelos sacerdotes das demais religiões; um pela Igreja e Apostolado Positivista Brasileiros; dois pelas associações de caridade, mutualidade e fins morais, sem caráter religioso, de número limitado de membros e reconhecidas pelo governo; um pelos eleitores não religiosos; três pelas congregações, academias e associações cientificas e literárias e professores dos níveis primário e secundário; dois pelos magistrados e advogados; dois pelos médicos, farmacêuticos e dentistas; dois pelos engenheiros e industriais; cinco pelos plantadores de produtos de exportação; seis pelos produtores de gêneros de consumo nacional; um pelos operários urbanos; três pelos operários agrícolas; dois pelos banqueiros, comerciantes corretores e pessoas ocupadas em “profissões congêneres”; dois pelos funcionários civis e militares federais, estatuais e municipais; um pelos jornalistas e pelos redatores de outros órgãos de publicidade” (KUNTZ, R. Alberto Torres. A organização nacional. In: MOTA, L. D. (Org.). Introdução ao Brasil: Um banquete no trópico, v. 2. 2. ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2002, p. 273-274). 692  O Conselho Municipal e o cargo de prefeito do Distrito Federal foram estabelecidos pela Constituição de 1891, sendo os membros do conselho eleitos por escrutínio realizado na capital e o chefe do executivo municipal nomeado pelo Presidente da República. O Senado também tinha um papel especial nessa complexa arquitetura política, atuando como uma espécie de mediador entre os interesses federais e municipais, cujo objeto de tensão versava, geralmente, sobre a ingerência do governo federal nos assuntos da cidade. Sobre o assunto ver FREIRE, A. Uma capital para a República. Poder federal e forças políticas locais no Rio de Janeiro na virada para o século XX. Rio de Janeiro: Revan, 2000 e PINTO, S. C. S. Só para iniciados... o jogo político na antiga capital federal. Rio de Janeiro: Maud X: Faperj, 2011. 689 

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jornais cariocas, especialmente as colunas de Gil Vidal (pseudônimo de Leão Veloso), no Correio da Manhã.693 Em 1925, Afrânio de Mello Franco propõem novamente uma reorganização política do Distrito Federal, na qual inclui a representação de classes. Sobre tal proposta, o periódico O Jornal publicou, em 9 de abril de 1925, uma entrevista com Azevedo Sodre.694 Segundo Sodre, a implementação da “representação de classes” para o Conselho era “uma perfeita quimera”. Primeiramente, porque não havia um entendimento preciso sobre o significado do termo, algo que era preocupante, assinalava o ex-prefeito, pois era obvio que não se desejava ressuscitar [...] a velhíssima divisão política, anterior a revolução francesa e que compreendia as 3 celebres classes: - nobreza, clero e povo; tão pouco poderíamos [...] adotar a divisão ainda vigente em classes baixa, média e alta; muito menos poderíamos aceitar a acepção genérica do termo que nos levaria a pensar na classe dos janotas, dos almofadinhas, dos bolinhas, dos desocupados, e etc.695

Esse tom jocoso servia para fundamentar seu argumento: o critério para tal representação só poderia ser o profissional, “o único admissível numa democracia”. Contudo seria impossível implementá-lo no Conselho, afirmava Sodre, dado o elevado número de profissões; mesmo que fossem reunidas em grupos afins, elegendo um número de representantes proporcional ao de sua população, ocorreria outro problema, pois só as classes operárias elegeriam 10 representantes e seriam maioria no Conselho. Por fim, restava pensar como se dariam os processos de formação dos grupos, o alistamento, a eleição e a apuração.696 Porém a ideia de adotar a representação de classes foi também levantada pelo comércio carioca, segundo notícia publicada na coluna “Tribuna Social-Operária”, do jornal O Imparcial, assinada por Joaquim Pimenta, personagem importante do movimento operário pernambucano. Pimenta teria inclusive uma atuação considerável no futuro Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), criado após a Revolução de 1930.697 O intuito de Pimenta, ao ressaltar as intenções do comércio carioca, era incentivar o operariado a também perseguir a ideia da representação classista, que em um futuro muito próximo, previa ele, seria implementada por todos os governos, pois, vinha “ao encontro de uma necessidade de ordem social”, dada a incapacidade do “sufrágio popular” de cumprir suas finalidades. Afinal, afirmava Pimenta, ninguém tinha coragem de afirmar que um deputado brasileiro representava a nação, era “apenas um cidadão de imediata confiança do

Conseguimos identificar uma série de artigos publicados em 1909 e 1916, no jornal Correio da Manhã. Ver as edições do Correio n. 3038, Notícia: “Reformas e Costumes”, 10/11/1909, p. 1; n. 3041, Notícia: “Conselho Municipal”, 13/11/1909, p. 1; n. 3066, Notícia: “Eleição Municipal”, 08/11/1909, p. 1; n. 6387, Notícia: “Projeto Mello Franco”, 20/08/1916, p. 1; n. 6389, Notícia: “A Reorganização do Distrito”, 22/08/1916, p. 1; n. 6397, Notícia: “Zelos pela Constituição”, 30/08/1916, p. 1; n. 6468, Notícia: “Representação Profissional”, 09/11/1916, p. 1; n. 6479, Notícia: “O Comércio e a Política”, 20/11/1916, p. 1; n. 6493, “Teimosia Perigosa”, 04/12/1916, p. 1. 694  Foi médico e político, atuando como diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro de 1911 a 1912. Nomeado por Wenceslau Brás prefeito do Distrito Federal entre 1914 e 1918, ao deixar o cargo, foi eleito deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, exercendo o mandato até 1923. Na Câmara, integrou as Comissões de Saúde Pública e Instrução (SILVA, Izabel Pimentel da Silva. Sodré, Azevedo. In: ABREU, Alzira Alves de (Org.). Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: CPDOC, 2015. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica. Acesso em: 18 abr. 2016). 695  O Jornal, Edição n. 1933, Notícia: “A reorganização politica do Districto Federal”, 09/04/1925, p. 1. 696  Ibidem. 697  No período de 1924 a 1926, Joaquim Pimenta encontrava-se no Rio de Janeiro, onde assumiu cargo de assessor técnico do Ministro da Justiça, João Luís Alves. Retornou a Pernambuco no final dos anos 1920, quando se filiou ao Partido Democrático Nacional (PDN), tendo destacada atuação também na Aliança Liberal. Com a criação do MTIC, voltou para o Rio de Janeiro com o objetivo de colaborar na pasta; atuou junto a Agripino Nazaré, Afonso Bandeira de Melo, Evaristo de Morais, entre outros, na organização da base legislativa do novo ministério (PANTOJA, Sílvia. Pimenta, Joaquim. In: ABREU, Alzira Alves de (Org.). Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: CPDOC, 2015. Disponível em http: //cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica. Acesso em: 18 de abr. de 2016). 693 

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governador da sua província, um parente, um amigo íntimo ou um indivíduo de espinhaço arqueado pelo hábito de se curvar”.698 Outra notícia, publicada em janeiro de 1927, no periódico O Jornal, ressaltava o movimento da Associação da Comercial de Belo Horizonte para garantir a representação de classe no Congresso. No caso, o artigo define essa Associação Comercial como uma das instituições que refletiam o “pensamento das classes conservadoras”, que deveria verter para a política, ou seja, se concretizar, garantindo assim um maior controle e fiscalização do legislativo, pois, “em virtude da coparticipação, nos seus trabalhos, de delegados diretos dessas classes, o bom senso faz crer que os desmandos se atenuarão”. O propósito era justamente o “saneamento dos nossos costumes políticos”, pois, “às classes conservadoras se reserva uma incomparável missão histórica, na turva hora republicana em que vivemos”. Segundo a notícia, o movimento também era apoiado pelo comércio do Rio de Janeiro, que, como vimos na coluna de Joaquim Pimenta, já fazia planos de enveredar por esse caminho.699 Nesse contexto de defesa da representação profissional, o jornal O Imparcial publica um artigo contrário à ideia, qualificando-a como “antidemocrática”.700 O artigo, sem assinatura, caracteriza esse tipo de representação como uma ideia que de tempos em tempos era aventada por um grupo de políticos “descontentes”, que ele não identifica, como uma forma de ter mais influência no Conselho Municipal. Além do mais, se as classes queriam eleger seus próprios representantes, “só” precisavam se organizar701, não era necessário adotar um tipo de representação “antidemocrática”, que feria a igualdade de direitos civis e políticos dos cidadãos estabelecendo uma distinção. Por fim, o artigo prevê que se a alteração fosse implementada, teríamos um “Conselho de comerciantes”, pois essa era a classe que dispunha “de maior número de elementos em condições de votar”.702 Não apenas no Distrito Federal circulava a ideia de se alterar o sistema representativo, ela também foi aventada pelo presidente do estado do Ceará, Mattoso de Peixoto, em 1929. Segundo notícia publicada no periódico O Jornal, de 21 de março de 1929, Mattoso já havia realizado reformas importantes para as eleições do legislativo estadual, como a implementação do voto secreto e o sistema de proporcionalidade. Segundo o jornal, tais medidas eram uma forma de dotar a assembleia cearense “de mandatários que personifiquem realmente os diversos conjuntos de aspirações especiais da coletividade”. Sobre a ideia de implementar no Ceará a representação de classes, “uma providencia cujo alcance só pode ser apreciado pelos mais avançados observadores das tendências da política contemporânea”, define o jornal, o governador do estado não conseguiu colocá-la em prática, pois não conseguiu “conciliar interesses antagônicos”. Ao final da notícia, o periódico cheO Imparcial, Edição n. 4429, Coluna “Tribunal social-operaria” assinada por Joaquim Pimenta, 07/02/1925, p. 5. O Jornal, Edição n. 2496, Notícia: “A semanal da Associação Commercial”, 27/01/1927, p. 4. 700  O Imparcial, Edição n. 6.200, Notícia: “Uma idéia anti-democrática”, 22/07/1928, p. 3. 701  Vale acrescentar, contudo, a pouca representatividade do sistema político-partidário implementado com a República, pois, o federalismo introduzido em 1889 e a nova lógica política de Campos Sales, a partir de 1898, favoreceram o fortalecimento das oligarquias estuais, que tinham como veículo seus partidos regionais, predominando o sistema de partido único em praticamente todos os estados, reduzindo-se terrivelmente o espaço para partidos de âmbito nacional – com exceção do Partido Republicano Federal, organizado pelo paulista Francisco Glicério, em 1893; e o Partido Republicano Conservador, em 1910 (PINTO, S. C. S. Só para iniciados... o jogo político na antiga capital federal. Rio de Janeiro: Maud X: Faperj, 2011, p. 76-78). Uma organização político-partidária que gerou partidos desnacionalizados e monopolizados pelas oligarquias, além de eleições marcadas pela violência e fraude. Para uma abordagem clássica dos partidos políticos na Primeira República ver SOUZA, M. C. C. O processo político-partidário na Primeira República. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 19ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand, 1990, p. 162-226; MOTTA, R. P. S. Introdução à História dos Partidos Políticos Brasileiros. Belo Horizonte: Editoria UFMG, 1999. Para novas perspectivas acerca das eleições na Primeira República ver GOMES, A. C. ABREU, M. A nova “Velha” República: Um pouco de história e historiografia. Tempo, v. 13, n. 26, P. 1-14, jan./ 2009; RICCI, P. ZULINI, J. P.. Nem só à base do cacete, nem apenas com presentes: sobreo como se garantiam votos na Primeira República. In: VISCARDI, Cláudia; ALENCAR, J. A República Revisitada. Construção e Consolidação do Projeto Republicano Brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016. 702  O Imparcial, Edição n.6.200, Notícia: “Uma idéia anti-democrática”, 22/07/1928, p. 3. 698  699 

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gava à conclusão que era necessário valorizar mais líderes como Mattoso Peixoto, por este adotar “novas perspectivas que todos vislumbramos na política brasileira”.703 Nesse sentido, percebemos que o jornal se coloca claramente a favor da representação de classes, entendida como uma formula para a renovação da política brasileira. Percebe-se então que, quando Assis Brasil defendeu a implementação da representação profissional no Manifesto da Aliança Libertadora no Rio Grande do Sul, em 1925, ele tocava em uma questão que já vinha sendo debatida, principalmente no Distrito Federal, como vimos no caso do Conselho Municipal. Segundo o manifesto redigido por Assis Brasil, era necessário reconstituir o sistema de representação eleitoral a partir da “representação profissional”, “fazendo com que nas Municipalidades e Congressos estejam legitimamente representados todos os ramos de atividade nacional, resolvendo-se, assim, com capacidade técnica e política todos os problemas de interesse público”.704 Formada em janeiro de 1924, a Aliança Libertadora tinha como objetivos a liberdade política e fazer oposição a Borges de Medeiros. O ano de 1924 também marcou a aproximação de Assis Brasil com o movimento dos tenentes, que o designaram “o chefe civil da revolução”.705 Trata-se também de um momento relevante no movimento dos “tenentes”, no qual são redigidos importantes documentos, especialmente o Rascunho da Constituição elaborado pelos revoltosos de São Paulo, redigido em julho de 1924, porém nunca publicado. Nesse documento se falava em alterar o processo eleitoral, a partir da ideia de “censo alto”, ou seja, devido à incapacidade dos eleitores, “maculadas pelo analfabetismo e pela tutela da oligarquia”, era necessário substituir o sufrágio universal por uma elite eleitoral.706 Um ponto que, segundo Fabrícia Carla Viviani, pode ser interpretado como gênese da proposta de representação profissional defendida pelo Clube 3 de Outubro, em 1932.707 Assim, tomando como referência o debate sobre a representação profissional que acompanhamos ao longo da Primeira República, é possível corroborar uma característica do movimento já levantada por José Augusto Drummond (1986) e Anita Prestes (1999) de que o debate sobre a representação profissional não foi levantado pelos tenentes, mas apropriado por eles no pós-1930.708 Afinal, nesse período pós-Primeira Guerra Mundial experimentou-se uma série de mudanças que fizeram nascer uma nova cultura política, altamente crítica do liberalismo, que impregnava as instituições políticas e econômicas, tanto no Brasil, quanto no mundo ocidental. Nesse sentido, há uma presença relevante no noticiário internacional de artigos sobre o debate dessa temática na Espanha, Itália, França e Alemanha.709 Algo que é perfeitamente compreensível, pois, tais constitui-

O Jornal, Edição n.. 3167, Notícia: “Representação de classes, no Ceará”, 21/03/1929, p. 4. Folha do Povo, n. 14, Notícia: “Ecos da revolução. O manifesto da Alliança Libertadora chefiada pelo dr. Assis Brazil”, 17/01/1925, p. 1. 705  ASSIS BRASIL apud PASSOS, M. C. A. Entre os Direitos dos Cidadãos e o Interesse do Estado: representação política no pensamento político de Joaquim de Assis Brasil. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre: UFRGS, 2006, p. 25. 706  VIVIANI, F. C. A trajetória política tenentista enquanto processo: do Forte de Copacabana ao Clube 3 de Outubro (1922-1932). Dissertação (Mestrado). São Paulo: UFSCar, 2009, p. 131. 707  Ibidem, p. 130-131. 708  Drummond ressalta que Oliveira Vianna já defendia a representação profissional antes de 1930 (DRUMMOND, J. A. O movimento tenentista: a intervenção política dos oficiais jovens (1922-1935). Rio de Janeiro: Graal, 1986, p. 228). Já Prestes destaca que os documentos tenentistas “não apresentam nada de original” (PRESTES, A. L. Tenentismo pós-30: continuidade ou ruptura? São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 71). 709  Alguns exemplos: O Paiz, Edição n. 13373, Comunicado telegráfico: “A reorganização social da Itália”, 01/06/1921, p. 2; Diario de Pernambuco, Edição n. 267, Notícia: “A Regência Italiana de Carnaro”, 29/09/1920, p. 1; Jornal do Commercio, Edição n. 67, Nota “A situação franceza” na Coluna: “Gazetilha”, 19 e 20/03/1928; p. 3 O Paiz, Edição n. 13246, Notícias: “A democratização e o gênio político”, por Bassanio, e “Cartas da Alemanha”, 25/01/1921, p. 3; Correio da Manhã, Título “A modernização do Estado. Como se organiza uma república parlamentar-sindicalista”, coluna de Heitor Moniz, 25/07/1928, p. 2. 703  704 

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ções tiveram considerável influência sobre nossas elites políticas e intelectuais.710 Como apontou Claudia Viscardi, em países como o México (1916) e Alemanha (1919), já se adotava o modelo de representação corporativa, que, como vimos teve representantes apaixonados no Brasil. Enfim, a estrutura liberal, montada nos primórdios da república implantada em 1889, recebia uma avalanche de críticas, advindas da burguesia emergente e da segunda geração republicana – representada por Gustavo Capanema, Flores da Cunha, Oswaldo Aranha, Francisco Campos, entre outros.711 O gesto de Assis de Brasil, de incluir a representação de classes no manifesto, dialogava com toda uma tendência nacional e internacional, cujo objetivo era a reformulação do sistema representativo nas democracias ocidentais.712 E, assim como ocorria em outros países, a representação profissional era apresentada como uma evolução do sistema representativo, especialmente sob viés consultivo, ou seja, com a introdução de Conselhos Consultivos específicos, que trabalhariam junto ao Legislativo. Já a proposta da representação profissional de caráter deliberativo, ou seja, que defendia a atuação desses representantes na Câmara, com poder de veto ou aprovação, igual aos eleitos via sufrágio universal, enfrentaria muito mais críticas e oposição. Nessa breve análise acerca do debate na Primeira República, podemos concluir que os defensores da representação profissional eram variados e que seus mais entusiásticos representantes, os tenentes, só passam a empunhar essa bandeira no pós-1930. Considerando também a oposição que enfrentava, era compreensível que a implementação da representação profissional demandasse certo grau de negociação, aspecto que veremos a seguir. A IMPLEMENTAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL: A AÇÃO DO GOVERNO PROVISÓRIO E O DEBATE NA IMPRENSA. A intervenção do Governo Provisório em prol da implementação da representação profissional ocorreu em dois momentos específicos: 1) no início de 1932, com a comissão do Código Eleitoral; 2) em janeiro de 1933, quando a Comissão do Itamaraty veta sua inclusão no anteprojeto da Constituição. Meu objetivo nesse item é analisar esse curto e intenso período do Governo Provisório, durante o qual a representação foi finalmente implementada. Em 4 de maio de 1931, Vargas voltou a tocar no tema da representação profissional. A ocasião era a recepção no Palácio do Catete das subcomissões legislativas, estabelecidas pelo decreto nº. 19.684, de 10 de fevereiro de 1931. Em seu discurso, o presidente reforçou a importância da representação profissional: A época é das assembleias especializadas, dos conselhos técnicos integrados à administração. O Estado, puramente político, no sentido antigo do termo, podemos considera-lo, atualmente, entidade amorfa, que, aos poucos, vai perdendo o valor e a significação.713

Vargas ressaltou também as medidas tomadas com relação às organizações sindicais: Sobre o assunto, ver CEPEDA, V. A. Contexto político e crítica à democracia liberal: a proposta de representação classista na Constituinte de 1934. Perspectivas, São Paulo, v. 35, p. 211-242, jan./jun. 2009 e VISCARDI, 2016. 711  VISCARDI, 2016. 712  Vale lembrar, como apontou José Luis Bendicho Beired, que o tema da crise da civilização ocidental foi constante entre aqueles que pensavam o Brasil e a Argentina no período entre guerras (BEIRED, José Luis Bendicho. Sob o signo da nova ordem. Intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina (1914-1945). São Paulo: Edições Loyola, 1999). 713  Correio da Manhã, Edição n. 11159, Notícia: “A Commissão Legislativa foi recebida hontem, no Palacio do Cattete, pelo chefe do governo”, 05/05/1931, p. 1-2. A citação está na segunda página. 710 

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As leis, há pouco decretadas, reconhecendo essas organizações, tiveram em vista, principalmente, seu aspecto jurídico, para que em vez de atuarem como força negativa, hostis ao poder público, se tornassem, na vida social, elemento proveitoso de cooperação, no mecanismo dirigente do Estado. Explica-se, assim, a conveniência de faze-las compartilhar da organização política, com personalidade própria, semelhante à dos partidos, que se representam, de acordo com o coeficiente das suas forças eleitorais.714

Muito provavelmente, Vargas fazia alusão à lei que criou o MTIC e à lei de Sindicalização, de 19 de março de 1931. Ações que tinham como objetivo deixar clara a mudança nas relações entre Estado e sociedade civil, bem como a regulamentação do processo de sindicalização. Associadas à proposta de representação profissional, tinham como objetivo transformar a massa de trabalhadores “de elementos hostis em elementos de colaboração do Governo”, ressalta Angela da Castro Gomes.715 Sobre tal ponto, Viscardi enfatiza que tais medidas faziam parte da proposta corporativa, mencionada por Vargas no discurso realizado no banquete das Forças Armadas, em janeiro de 1931 (o mesmo que utilizamos na abertura desse capítulo) “era uma demonstração clara do controle que o Estado pretendia exercer sobre a sociedade civil organizada”.716 Nesse sentido, a lei de sindicalização provocou reações intensas, entendida pelos sindicatos mais combativos justamente como uma forma de controle. Porém se é possível compreendê-la como um aspecto essencial para a implementação da representação profissional, essa última não estava presente no anteprojeto do Código Eleitoral. Composta pelos juristas Assis Brasil, João Crisóstomo da Rocha Cabral e Mário Pinto Serva, a comissão instituída em fevereiro de 1931 para a elaboração do Código foi alvo de críticas constantes. No capítulo 2, Jaqueline Zulini destaca que a imprensa criticou de uma forma geral a morosidade dos trabalhos da Comissão Legislativa e das subcomissões, dentre elas a subcomissão encarregada da Legislação Eleitoral. Contudo o que mais nos interessa na análise de Zulini é sua apreciação dos posicionamentos divergentes dentro da subcomissão. Segundo a autora, Assis Brasil e Cabral visavam “uma reforma eleitoral abrangente”, Serva defendia “uma lei eleitoral de emergência, minimalista”. Uma divisão que vem à tona especialmente após a divulgação do anteprojeto.717 Sobre tais posicionamentos divergentes, encontramos uma entrevista com Mario Pinto Serva no Correio da Manhã, em 24 de julho de 1931, na qual o jurista não fez referência à inclusão na reforma eleitoral da representação profissional, ressaltando apenas que os principais focos da comissão eram o voto secreto e a Justiça Eleitoral.718 No mês seguinte, o jornal A Noite destacava o andamento dos trabalhos sobre a reforma eleitoral apontando a chegada de Assis Brasil ao Rio de Janeiro, que tinha vindo se encontrar com João Cabral para dar “últimas demãos às bases fundamentais da futura lei”. Ao final da notícia, o jornal afirmava que a “questão da representação de classes tem dado ensejo a reflexões e estudos, parecendo que será consagrada na futura lei eleitoral”.719 Porém, no final de agosto, foi divulgada somente a primeira parte do trabalho da subcomissão, referente ao alistamento dos eleitores, sob o Registro Cívico Nacional720, sem referências à representação profissional, afinal, esse não era o objetivo dessa primeira parte do Código. 714 

Ibidem. GOMES, Angela de Castro. A Representação de Classes na Constituinte de 1934. In: GOMES, Angela de Castro (Coord.). REGIONALISMO e centralização política: partidos e constituinte nos anos 1930. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 431 716  VISCARDI, C. M. R., A representação profissional na Constituição de 1934..., 2016, p. 203. 717  Ver Capítulo 2, p. 53. 718  Correio da Manhã, Edição n. 11228, Notícia: “A reforma eleitoral”, 24/07/1931, p. 4. 719  A Noite, Edição n. 7076, Notícia: “A reforma eleitoral”, 07/08//1931, p. 1. 720  Diário Oficial da União, 11/09/1931, p.18-21. Disponível em https: //www.jusbrasil.com.br/?ref=logo Acesso em: 20 out. 2017. 715 

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No final do ano de 1931, Maurício Cardoso assume o Ministério da Justiça, no lugar de Oswaldo Aranha. Tal alteração remete justamente às crescentes tensões políticas, que se refletiam na campanha pela constitucionalização do país, capitaneada pelos paulistas, e que, partir de 1931, agregou também importantes líderes gaúchos contra os tenentes e a tendência à centralização do poder. A entrada de Cardoso, líder gaúcho e notório defensor da constitucionalização, é interpretada justamente como uma estratégia para acalmar tensões, assinalando o compromisso do Governo Provisório com a Constituinte.721 Mudanças significativas são colocadas em práticas por Cardoso, como o fim da censura à imprensa e a reformulação da subcomissão encarregada do Código, com a nomeação de novos nomes para compô-la.722 Por fim, os trabalhos são concluídos em 24 de janeiro de 1932723 e “A Nova Lei Eleitoral” divulgada na imprensa, com seus 144 Artigos, sem a representação profissional, que seria “inserida” por Vargas. Na bibliografia sobre representação profissional, apenas Álvaro Augusto de Borba Barreto faz referência a tal fato, destacando a autonomia que gozava o Governo Provisório para a inserção da medida e a importância dela no jogo político, pois, segundo o autor, “era um desses recursos estratégicos capazes de garantir a preservação dos interesses dos novos governantes”.724 Contudo, ressalta Barreto, era necessário que a medida tivesse apoio no governo, em que precisava vencer resistências e também “redundar em dividendos políticos efetivos, o que, naquela circunstância, significava ampliar e consolidar a base de apoio na futura Constituinte, mas também o modelo de organização sindical que vinha sendo implantado”.725 Era compreensível, conclui Barreto, que a medida enfrentasse uma oposição ferrenha, resultando em dificuldades para sua efetivação. Complementando a análise de Barreto, acrescentamos que a representação profissional nunca foi um consenso (como vimos no primeiro tópico que apresentamos), sendo mais aceita em seu caráter mais light, ou seja, na forma de Conselhos Consultivos, já que a concessão do voto de caráter deliberativo era vista com muitas ressalvas. Uma dessas perspectivas apontava a incompatibilidade da representação profissional com representação política liberal. Segundo Barreto, o próprio Código seguiu uma linha liberal, daí a exclusão da representação profissional de sua primeira versão, pois ela configurava uma “flagrante contradição com os princípios que moviam o Código Eleitoral de 1932”.726 Crítico da atuação de Assis Brasil à frente do Código, especialmente por conta de sua lenti727 dão , o jornalista Costa Rego parabenizou Mauricio Cardoso justamente pela rapidez com que conduziu os trabalhos da comissão. Segundo Costa Rego, Cardoso demonstrou a todos que “O caso não era tão difícil quanto se dizia”, e que o ministro havia entregue “um verdadeiro código eleitoral, [...] a melhor coisa que a Revolução teria obtido em favor da reinstauração da ordem legal” e não fez referências à ausência da representação profissional.728 O questionamento sobre tal ausência ficou por conta do interventor do estado do Rio de Janeiro, Ary Parreiras. Junto a Oswaldo Aranha, Juarez Távora, Pedro Ernesto Batista, José Américo A Era Vargas: dos anos 20 a 1945. Verbete “Maurício Cardoso”. Disponível em: tps: //cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/mauricio_cardoso. Acesso em: 24 nov. 2017. 722  Sobre a recomposição da comissão ver o segundo capítulo nesta coletânea. 723  Correio da Manhã, Edição n. 11386, Notícia: “A Nova Lei Eleitoral”, 24/01/1932, p. 1. 724  BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. A representação das associações profissionais e os primeiros passos da Justiça Eleitoral (1932-1935). Revista Brasileira de Ciência Política, n. 19. Brasília, janeiro - abril de 2016, p. 226. 725  BARRETO, Álvaro Augusto de Borba. A representação das associações profissionais, 2016, p. 227. 726  Ibidem. 727  Sobre essas críticas ver o texto de Jaqueline Zulini nesta coletânea. 728  Correio da Manhã, Edição n. 11387, Título “A lei eleitoral” na coluna assinada por Costa Rego, 26/01/1932, p. 2. 721  ht

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de Almeida e João Alberto Lins de Barros, Parreiras integrou o chamado “Gabinete Negro”. A alcunha foi construída pela imprensa, justamente para designar o grupo de tenentes e revolucionários civis (ou, tenentes civis) que se reunia no Palácio do Catete em torno de Vargas para decidir os rumos do governo.729 A crítica veio em uma entrevista dada ao jornal A Noite, na qual Parreiras reforçou a representação profissional como uma das demandas dos revolucionários, defendendo sua inclusão no Código Eleitoral, afinal, a “Revolução Brasileira” não poderia encerrar “o seu quadro de renovação” sem implementar tal reforma, que causava sim certo “desassossego e a inquietação”, mas que era necessária, devido aos desiquilíbrios provocados pela Primeira Guerra Mundial, cuja correção encontrava-se na “revisão dos fatos sociais”, passiveis assim de reorientar “a marcha da civilização e os princípios evolutivos do Estado”.730 Assim: A justa compreensão desses deveres, que assistem aos responsáveis do movimento de outubro, e a certeza da inutilidade de quaisquer esforços reconstrutores, que não se inspirem, diretamente, nas necessidades econômicas do país, levam-me a sugerir ao Governo Provisório a adoção do único critério real para a solução do problema de representação popular na Assembleia Constituinte.731

Prossegue assinalando que havia uma incompatibilidade das condições da sociedade brasileira naquele contexto com o legislativo, “calcado no princípio do “sufrágio universal” ou da representação ‘quantitativa e indiferenciada’”. Era necessário corrigir todos os “erros da política”, caso contrário: [...] os vícios oriundos dos costumes partidários que impediram os surtos espontâneos do progresso moral e material do país, voltariam, sem maior esforço, a revelar-se em uma assembleia exclusivamente composta de mandatários das antigas seções eleitorais, avezadas à fraudes e corrupções, que aceleravam a ação revolucionária em 1930.732

Citando o jurista francês Pierre Marie Nicolas Léon Duguit, Parreiras ressalta que a representação proporcional não seria uma reforma eleitoral suficiente, pois o sistema continuaria o mesmo, representando apenas os indivíduos ou, no máximo, os agrupamentos de indivíduos em partidos políticos e sociais. Se se quer aproximar do ideal, que deve tender a realizar toda a representação política; se se quer assegurar, no parlamento, a representação de todos os elementos da vida nacional, é mister colocar, ao lado da assembleia eleita pelos indivíduos proporcionalmente as forças numéricas dos diversos partidos, uma assembleia eleita pelos grupos profissionais.733

Parreiras afirmava ainda que a representação profissional era uma “consequência lógica da vontade soberana da nação” e que o parlamento não seria representante do país, se não compreendesse os dois elementos que o constituíam: “o elemento individual e o elemento coletivo”.734 Para reforçar seu argumento, Parreiras cita Oliveira Vianna735 e Alberto Torres; do primeiro, Parreiras traz o argumento referente à importância que os conselhos técnicos ganhavam na Europa, algo que Verbete “Gabinete Negro”. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/gabinete-negro. Acesso em: 10 dez. 2017. A Noite, Edição n. 7246, Notícia: “A lei eleitoral e a Constituinte”, 26/01/1932, p. 1 e 5. A citação está na primeira página. 731  Ibidem. 732  Ibidem. 733  A Noite, Edição n. 7246, Notícia: “A lei eleitoral e a Constituinte”, 26/01/1932, p. 1 e 5. A citação está na quinta página. 734  Ibidem. 735  Vale lembrar que no pós-1930, o interventor quis indicar Vianna para prefeito de Saquarema, mas ele recusou, sendo empossado no Conselho Consultivo do Rio de Janeiro, em 1931; em 1932, Oliveira Vianna tornou-se Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho (CARVALHO, José Murilo de. A utopia de Oliveira Viana. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 4, n. 7., 1991 p. 82-99). 729 

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estaria “revolucionando o velho mundo”; do segundo, retira a ideia de que era “dever nosso examinar atentamente a realidade brasileira e suas possibilidades”.736 Parreiras, como membro do “Gabinete Negro”, integraria sua sucessão, ou seja, o Clube de 3 de Outubro, criado em maio de 1931, no qual ocupou a vice-presidência. O Clube congregou as correntes tenentistas.737 favoráveis ao aprofundamento das reformas instituídas pela revolução, servindo também para facilitar a atuação dos tenentes fora do Exército.738 Nesse sentido, vale lembrar que, em princípios de 1932, o Clube 3 de Outubro tinha grande força política, sendo seus sócios mais eminentes: Oswaldo Aranha e Góis Monteiro, que assumiriam uma posição de defesa da representação classista. O clube foi presidido por Góis Monteiro e depois por Pedro Ernesto, uma das lideranças do “tenentismo civil”, assim como Oswaldo Aranha. Tal organização, junto à União Cívica Nacional739, teve importante atuação na campanha em prol da representação profissional, apesar de os tenentes serem contra a democratização do país, pois acreditavam que era necessário primeiramente consolidar o regime, para depois convocar uma Constituinte.740 No mesmo mês em que é promulgado o Código, o Clube 3 de Outubro aprovou um novo estatuto no qual a representação profissional constitui-se ponto chave – “única fórmula capaz de assegurar uma verdadeira organização política nos moldes exigidos pela moderna evolução social”.741 Segundo o programa defendido pelo Clube, seriam criadas duas Câmaras, uma política e outra profissional, sendo que, esta última, poderia eleger um “vice-presidente técnico”. Nesse sentido, a entrevista de Parreiras procura reforçar a importância da representação profissional como uma das principais ‘bandeiras da Revolução’. A reação do jornal Diário de Notícias às declarações do interventor foi enfática. O editorial de 28 de janeiro, dois dias depois da publicação da entrevista, enfatizava o “ponto de vista radical” do interventor, por defender a “supressão da representação popular e política, para ser substituída pela de classes ou profissões”, algo que não fica claro na entrevista de Parreiras; podemos perceber aqui uma certa confusão do jornal, já que esta era a perspectiva defendida pelo Clube 3 de outubro. A seguir, o editorial afirma que somente os conselhos econômicos apresentavam-se como solução viável para o problema, sendo adotado em diversos países, afinal, a política deveria ficar a cargo apenas dos políticos: “Só o verdadeiro político, isto é, o homem de espírito amplo e universal, poderia realizar uma séria obra legislativa e parlamentar. É que em política só um técnico pode ser

A Noite, Edição n. 7246, Notícia: “A lei eleitoral e a Constituinte”, 26/01/1932, p. 1 e 5. A citação está na quinta página. Segundo José Augusto Drummond, a grande marca do tenentismo pós-1930 esteve na “grande diversidade de experiências e reflexões” (DRUMMOND, 1986, p. 210). Um exemplo do caráter heterógeno que assume o movimento nesse período pode ser encontrado na análise do historiador Raimundo Helio Lopes sobre um de seus ícones: Juarez Távora. Lopes identifica outros interesses que permearam a atuação da elite revolucionária no Norte e que ultrapassavam a conexão com o movimento tenentista, articulando outros fatores referentes à identidade do grupo, como o apoio ao presidente Getúlio Vargas e a Juarez Távora. Segundo Lopes, “analisar esse grupo político tendo como referência apenas seus vínculos tenentistas obscureceria dois elementos fundamentais que pautavam seus posicionamentos: o pertencimento ao Norte, como espaço e como objeto de luta; e o reconhecimento da liderança de Juarez Távora” (LOPES, R. H. Um Vice-reinado na República do pós-30: Juarez Távora, as interventorias do Norte e a Guerra de 32. Tese (doutorado) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, 2014.p. 43). 738  Segundo José Murilo de Carvalho, o Exército apresentou-se bastante fragmentado nesse período, pois uma parte da corporação não aceitava o tenentismo (CARVALHO, J. M. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005). 739  A União Cívica Nacional foi uma coligação de partidos estaduais, fundada em fevereiro de 1933, cujo objetivo era constituir uma frente na Assembleia Nacional Constituinte, agregou muitos interventores, não apenas no Norte, a ponto de ser denominada pela imprensa de “partido do Catete”, uma referência a sua posição de apoio ao governo (LOPES, 2014, p 267-8). 740  VISCARDI, 2016, p. 202. 741  Correio da Manhã, Edição n. 11411, Notícia: “A reorganização social e economica do paiz no programa do Club 3 de Outubro. Algumas ideias do gremio revoluvionario da extrema esquerda”, 24/02/1932, p. 4. 736  737 

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chamado a decidir – o político”.742 No início de fevereiro, o mesmo jornal volta a falar do assunto, afirmando que “a ala esquerda da corrente revolucionaria”, pleitearia na Assembleia “a substituição da representação democrática pelos conselhos técnicos”743, sem mencionar, contudo, a possível inserção da representação profissional no Código Eleitoral. Porém outros jornais noticiam versões diferentes sobre o assunto. Nesse momento, início de fevereiro de 1932, Vargas já estava com o anteprojeto do Código Eleitoral e, segundo os jornais, faz algumas alterações no conteúdo. Sobre o novo Código, noticia o Correio da Manhã: “parece que algumas modificações lhe foram feitas à última hora, de maneira a permitir a representação de classes, como sempre foi ideada por certos elementos revolucionários”.744 A citação deixa óbvio que a representação profissional foi devidamente “inserida” pelo chefe do Governo Provisório, motivada pelos desejos dos “revolucionários”. Sobre esses, vale relembrar que os atores políticos em ação no pós-1930 eram extremamente heterogêneos, constituindo um verdadeiro “saco de gatos”. Além das oligarquias dissidentes e dos tenentes, elementos em constante oposição, havia ainda elementos do movimento sindical, do emergente setor industrial, setores médios e intelectuais, que apoiaram a Aliança Liberal em busca de uma mudança efetiva no país. E assim, no pós-1930, como bem assinalou Viscardi. “Esses setores e seus discursos comporiam um governo de coalização, cujo tom seria o da instabilidade permanente entre projetos em luta. E a representação seria um dos objetos de disputa”745. Em uma carta a Getúlio Vargas, de 4 de abril de 1933, o então Ministro da Justiça, Antunes Maciel afirmava que a “inovação” foi consagrada no Código Eleitoral por sugestão de Oswaldo Aranha.746 Já Amaral Peixoto em entrevista dada ao CPDOC, afirma que Mauricio Cardoso era contra a representação profissional e que foi a pressão dos tenentes que possibilitou sua inclusão. Também Abelardo Marinho, na sessão de 6 de março de 1934 da Assembleia Constituinte, afirmou a proeminência dos tenentes na questão.747 A existência de uma efetiva “hegemonia dos tenentes”748 sobre o governo no pós-1930 é criticada por estudiosos do tenentismo que argumentam que apesar de os tenentes fazerem parte do novo grupo que havia tomado o poder, eram mantidos sob o comando de Vargas, Oswaldo Aranha e Góis Monteiro.749 Todavia, ao focar o contexto específico da assinatura do novo Código, podemos perceber a delicada situação em que se encontrava o Governo Provisório e como era deveras importante ponderar concessões. No começo de 1932, as tensões com São Paulo vinham num fluxo crescente. Exemplo disso é a fundação da Frente Única Paulista, em fevereiro de 1932, coligação política formada pelo Partido Democrático, pela “ala moça” do Partido Republicano Paulista e pela Liga de Defesa Paulista. A Frente era contra a representação profissional, assim como boa parte da imprensa paulista. Porém, Diário de Notícias, Edição n. 586, Editorial “Representação profissional”, 28/01/1932, p. 1. Também publicado no Jornal do Commercio, Edição n. 25, Nota “Representação profissional” na Coluna “PUBLICAÇÕES A PEDIDO”, 29/01/1932, p. 11. 743  Diário de Notícias, Edição n. 591, Notícia: “Representação profissional”, 02/02/1932, p. 2. 744  Correio da Manhã, Edição n. 11413, Notícia: “As novidades politicas de hontem”, 26/02/1932, p. 4. 745  VISCARDI, 2016, p. 201. 746  Correspondência entre Antunes Maciel e Getúlio Vargas, 04/04/1933. Classificação: GV c 1933.04.02/1 Sé rie: c – Correspondência. Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC/FGV. Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC/FGV. Disponível em https://cpdoc.fgv.br/. Acesso em 20 maio 2017. 747  MARINHO apud BARRETO, 2016. 748  CONNIFF, M. Os Tenentes no Poder: uma nova perspectiva da Revolução de 30. In: FIGUEIREDO, E. L. (Coord.). Os Militares e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 141. 749  PRESTES, 1999, p. 61. José Augusto Drummond chega inclusive a afirmar que não considerava a inclusão da representação profissional no legislativo “como uma conquista ou vitória do tenentismo” (DRUMMOND, J. A. O movimento tenentista, 1986, p. 229). 742 

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caso Vargas não incluísse a inovação no Código, poderia perder o apoio de elementos importantes que compunham a base de apoio do governo, associados aos movimentos dos tenentes. Assim, levantamos a hipótese de que Vargas procurava agradar a “gregos e troianos”, promulgou o Código, mas incluiu a representação profissional. Em novembro de 1932, reuniu-se, finalmente, a comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto de Constituição, formada por: Afrânio de Melo Franco, Oliveira Viana, Antônio Carlos de Andrada, Carlos Maximiliano, Prudente de Moraes Filho, Agenor Roure, Arthur Ribeiro, Gois Monteiro, Temístocles Cavalcante, João Mangabeira, Oswaldo Aranha e José Américo. Enquanto isso, o debate na imprensa sobre a representação profissional seguia intenso e caloroso. O trabalho executado por Raul Fernandes, segundo o jornal Correio da Manhã, a pedido do governo, sobre “as representações de classe e profissional” 750, teve intensa repercussão.751 Fernandes começava seu estudo criticando enfaticamente a ideia de que houvesse uma câmara política, representando os indivíduos e as opiniões, ao lado de uma câmara econômica, que representando os interesses. Uma distinção que classifica de “impossível”, pois “tudo marcharia bem desde que a câmara política deixasse a câmara econômica resolver os negócios de sua competência, sob benefício de reciprocidade quando se tratasse de questões não econômicas”. Contudo, afirmava Fernandes, não existia questão “exclusivamente econômica”. Assim, “a câmara econômica se encontrará diante de problemas políticos que ela deverá resolver, do mesmo modo que resolverá os da sua especialidade”. Das duas uma: ou a câmara “improvisará uma opinião”, ou tomará uma decisão “embebida em ideias gerais”, “faltando ao seu mandato e à sua missão e entrando em conflito com os seus comitentes”. E prossegue: “A representação profissional é, na própria terminologia dos seus adeptos, uma representação dos interesses de classes, ou de profissões, isto é, de interesses peculiares aos grupos representados”. Como o “interesse coletivo não só é diverso, é também oposto ao interesse particular”, “uma câmara legislativa emanada de classes ou profissões equivaleria à organização de um conflito de interesses permanente e insolúvel”.752 Assim, conclui Fernandes, somente o representante eleito por todos – e não apenas por categorias profissionais – gozaria de “inteira liberdade moral para descobrir e realizar o interesse coletivo”. Para justificar sua conclusão, usa como exemplo a Alemanha, onde, segundo ele, a Constituição de Weimar rejeitou vários projetos de câmara legislativa profissionalista, mesmo o mais moderado, segundo o qual se dava ao trabalho e ao patronato uma parte igual na representação. Somente o Conselho Econômico teria sido instituído pela Constituição, porém restava ainda sua regularização. Uma medida que estaria ameaçada, destaca Fernandes, pela “onda de reação conservadora que se espraiou nos últimos tempos na Alemanha”.753 No mês seguinte, o jornal publica outro longo artigo assinado por Oliveira Vianna754, intitulado “O problema da representação profissional”.755 Segundo Vianna, era necessário irmos mais devagar e começar a implementação da representação profissional a partir dos municípios, para Correio da Manhã, Edição n. 11645, Notícia: “As representações de classe e profissional”, 22/11/1932, p. 3. Com participação ativa na Aliança Liberal, Raul Fernandes foi nomeado de consultor-geral da República, cargo que exerceu até novembro de 1932. Em 1933, como deputado na Assembleia Constituinte, foi relator-geral da Comissão Constitucional e integrou também a Comissão Revisora Constitucional (PECHMAN, R. Fernandes, Raul. In: ABREU, A. A. (Org.). Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: CPDOC, 2015. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/dicionario-primeira-republica. Acesso em: 18 abr. 2016.), momento no qual se opôs ao caráter deliberativo do voto classista, indicação que já constava no trabalho publicado no Correio de Manhã em 1932. 752  Correio da Manhã, Edição n. 11645, Notícia: “As representações de classe e profissional”, 22/11/1932, p. 3. 753  Ibidem 754  Correio da Manhã, Edição n. 11656, Notícia: “O problema da representação profissional”, 04/12/1932, p. 4. 755  O artigo integrou o livro O Idealismo da Constituição, publicado em 1939. 750 

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depois incluí-la nos Estados, e só então pensar em aplicá-la ao nível federal. Utilizando como base de seu argumento a sua tese sobre o “insolidarismo” presente na sociedade brasileira, Vianna afirmava que seria impossível “corrigir” tal “problema” a partir de “uma simples disposição de lei, por uma decisão imperativa da Carta Constitucional”. Somente o “tempo”, a “evolução econômica” e as “forças sociais e espirituais” poderiam solucioná-lo. Acelerar esse processo, criaria, segundo Vianna, “um espetáculo enganador e especioso de uma súbita floração de pseudo-sindicatos, de pseudo-federações, de pseudo-confederações”. Assim, para que pudéssemos implementar a representação das classes era necessário: [...] preparar o ambiente para que essas novas forças políticas, que são as associações de classes, cresçam, se desenvolvam e possam, justamente pela força e desenvolvimento adquiridos, penetrar no campo da vida política e colaborar, ao lado das organizações partidárias, na obra legislativa e administrativa do Estado, como está acontecendo na Europa; mas, por enquanto, não me parece prudente construir um edifício político, que se vá assentar sobre uma presunção que não tem, no momento, nem o terá tão cedo, nenhum fundamento sólido na realidade nacional.756

Ou seja, Vianna não se colocava contrário à ideia “da representação das classes ou dos interesses”, porém achava que ela só era possível como “consequência da organização prévia das classes no plano da vida profissional e privada”, que ocorreria “por meio de uma evolução demorada”, pois tinha como base “a integração social”, “fenômeno de evolução lenta”.757 Compreende-se então o voto contrário que deu a sua implementação, como membro da comissão do anteprojeto de Constituição, que acabou por vetar a inclusão da representação profissional no anteprojeto, em 6 de janeiro de 1933. Dada a rejeição da representação profissional pela comissão, o Clube 3 de Outubro organizou outra comissão para estudar a questão e uma outra proposta foi encaminhada a uma Comissão Especial do governo e depois ao Superior Tribunal Eleitoral, que também a rejeitou. Novamente, atores políticos importantes marcavam suas posições contrárias à implementação desse tipo de representação na Constituinte. Em uma carta a Vargas, de 5 de março de 1933, Flores da Cunha não recomenda a sua implementação758; o líder paulista, José Carlos de Macedo Soares, também se mostra contrário; assim como Olegário Maciel, presidente de Minas Gerais. Como apontou Angela de Castro Gomes, a negação da representação classista tinha ligações estreitas com o projeto de manutenção da autonomia dos estados e a representação proporcional, ou seja, com a manutenção do regime federativo, contrapondo-se à tendência centralizadora.759 Contudo, em 1o de abril de 1933, foi realizada uma reunião ministerial, na qual ficou decidida a instituição da representação de classes. Em 5 de abril é elaborado o Regimento Interno da Constituinte incorporando-a à composição da Assembleia Nacional Constituinte. O impacto dessa aprovação pode ser medido pela carta de José Carlos de Macedo Soares a Getúlio Vargas, em 2 de abril de 1933, na qual ele faz referência à “impressão penosa causada em S. Paulo pela notícia ontem divulgada de que possivelmente a Assembleia Constituinte será constituída por representação política e representação de interesses”.760 Amparado no “conceito da indivisibilidade da soberania”, Macedo reforça a ideia de que a representação profissional não poderia ser Correio da Manhã, Edição n. 11656, Notícia: “O problema da representação profissional”, 04/12/1932, p. 4. Ibidem 758  Carta de Flores da Cunha a Getúlio Vargas, 05/03/1933. Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC/FGV33.01.17/31 apud GOMES, 1980, p. 487. 759  GOMES, 1980. 760  Correspondência entre José Carlos de Macedo Soares e Getúlio Vargas, 02/04/1933. Classificação: GV c 1933.04.02/1. Série: c – Correspondência. Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC/FGV. Disponível em: https: //cpdoc.fgv.br/. Acesso em 20 maio 2017. 756  757 

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adotada no Brasil, pois o país não apresentava “classes sociais definidas”, não sendo possível saber “quais os que merecem representação, dosar esta representação, e ainda classificar os cidadãos entre as diferentes classes quando eles têm ostensivamente mais de um interesse”. Assim, a atuação dos representantes de classes era “desejável mas não no terreno deliberativo, e sim no consultivo”. Macedo termina apontando que eram esses os “argumentos que estou ouvindo uniformemente de paulistas serenos e desinteressados”.761 Contudo o documento mais interessante e esclarecedor sobre as negociações levadas a cabo nesse momento é, sem dúvida, o trabalho do Ministro da Justiça, Antunes Maciel, escrito em 4 de abril de 1933, a pedido do presidente, cujo objetivo era contrapor as objeções levantadas sobre o assunto por Olegário Maciel. Assim, após a inclusão da representação de classes no Código Eleitoral, segundo Maciel, por influência de Oswaldo Aranha, como já citado anteriormente, a decisão da comissão do anteprojeto colocou o governo diante das seguintes opções: ou contrariava “as aspirações da ala amiga, derrogando o dispositivo do Código”, ou cedia “a seus apelos, consentindo na ‘representação de classes’”.762 O documento de Antunes Maciel é citado por Angela de Castro Gomes como representativo da posição delicada na qual se encontrava o Governo Provisório, pois além das pressões contrárias de paulistas, mineiros e gaúchos, havia, do outro lado, o Bloco do Norte, que defendia a representação classista como forma de romper o domínio dos estados do Sul e seus partidos no legislativo; sendo a União Cívica Nacional seu grande marco.763 Enfim, após a análise das intensas dificuldades que permearam todo o processo de implementação da representação profissional, focamos o impacto dela, tratando das eleições para a composição das bancadas, realizadas em julho de 1933, para integrar a Assembleia Constituinte, e no final de 1934 (eleição dos delegados-eleitores) e início de 1935 (eleição dos representantes classistas) para a Câmara Federal. AS ELEIÇÕES DE 1933 E 1934/1935 Implementada a representação profissional, restava definir a forma como ela ocorreria, o que foi determinado pelos decretos promulgados entre o final de abril e início de maio de 1933. O decreto número 22.653, de 20 de abril de 1933, se encarregou de estabelecer a forma como seriam escolhidos os representantes das associações profissionais. Ficou estabelecido que seriam eleitos 40 representantes, 20 deles correspondente aos empregados, e 20 para os empregadores; sendo incluído nessa última categoria um representante das profissões liberais e dois para os funcionários públicos. O segundo artigo do decreto estabelecia a forma como seriam realizadas as eleições: estas ocorreriam na capital, sob presidência do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio; porém o julgamento de recursos caberia ao Tribunal Superior de Justiça Eleitoral. Uma inovação importante que, segundo Barreto, foi interpretada pela literatura como uma forma de facilitar as fraudes. Discordando dessa interpretação, Barreto afirma que tal inovação era, na verdade, uma forma de diferenciar as duas representações; já que a Justiça Eleitoral havia sido criada para lidar apenas com a representação tradicional. Assim, segundo Barreto, “Inexistiu fraude disseminada no pleito classista com vistas a 761 

Ibidem. Correspondência entre Antunes Maciel e Getúlio Vargas, 04/04/1933. Classificação: GV c 1933.04.02/1 Sé rie: c – Correspondência. Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC/FGV. Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC/FGV. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/. Acesso em: 20 maio 2017. 763  GOMES, 1980, p. 436. 762 

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inflar a bancada governista porque ela não era necessária, e não porque o Governo não se dispusesse a realizá-la”.764 Isso porque a maioria dos representantes classistas já teria aderido ao governo, por conta da legislação trabalhista que vinha sendo implementada.765 Vale lembrar também que o terceiro artigo do decreto estabelecia que apenas os sindicatos, as associações profissionais liberais e funcionários públicos reconhecidos pelo MTIC poderiam eleger representantes. Ou seja, o próprio reconhecimento, ou não, de sindicatos e associações já era uma forma de controlar o acesso à representação classista por elementos considerados de oposição, como ficará explicito mais adiante. Continuando, o quarto artigo do decreto definia que a eleição dos representantes profissionais ocorreria separadamente, “por escrutínio secreto, votando cada eleitor em lista de tantos nomes quantos foram os delegados que devem ser eleitos”.766 Ou seja, não predeterminava inscrição de candidaturas, deixando a disputa “em aberto”, como definiu Barreto, dificultando a costura de acordos prévios e confirmando o protagonismo do governo.767 Para tanto, contribuiu também o fato de o pleito ser realizado em data única, na capital. Assim, os candidatos teriam apenas que preencher os requisitos legais para serem eleitos como, por exemplo, estar “a mais de dois anos, no exercício da respectiva profissão”.768 Com relação aos delegados-eleitores, estabelecia o artigo sexto, parágrafo segundo, que poderiam ser eleitos “pelos sindicatos, ou pelas associações, os sindicalizados, ou os membros das mesmas associações”.769 Em 11 de maio de 1933, quando as eleições para os deputados constituintes já haviam sido realizadas, novo decreto estabelecia mais detalhadamente as regras para a escolha dos representantes profissionais, bem como definia a data limite de 30 de junho de 1933 para a eleição de todos os delegados-eleitores, por parte dos sindicatos e associações, e as datas para as eleições dos representantes: Parágrafo único. A eleição dos representantes das associações profissionais, de que trata este artigo, – empregados, empregadores, profissões liberais e funcionários públicos, – será realizada nesta capital, no Palácio Tiradentes, às 12 horas, respectivamente, nos dias 20, 25 e 30 de julho e 3 de agosto vindouros.770

Poderiam ser eleitos representantes classistas os brasileiros maiores de 25 anos, sem distinção de sexo, que soubessem ler e escrever, estivessem na posse dos seus direitos civis e políticos, ou seja, fossem também eleitores, e que exercessem a respectiva profissão a mais de dois anos.771 Quanto às eleições para delegado-eleitor, o decreto indicava que: Art. 2º. Em cada sindicato ou associação, a eleição dos delegados-eleitores se realizará em assembleia geral e dentro das normas e de acordo com as disposições estabelecidas nos respectivos estatutos para a eleição da diretoria, cabendo a cada sindicato ou associação eleger um só delegado-eleitor. Parágrafo único. No mesmo dia em que se realizar a eleição, a diretoria do sindicato ou associação comunicará, por telegrama, o nome do eleito ao Ministro do Trabalho, BARRETO, 2016, p. 237. Ibidem. 766  Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Representação de associações profissionais na Constituinte. DECRETOS. N. 22.653, de 20 de abril de 1933 e N.22.696, de 11 de maio de 1933. Tip. do Dep. Nacional de Estatística. Rio de Janeiro, 1933. Encaminhado por Salgado Filho a Antunes Maciel. GV c 1933.05.16/2. Série c – Correspondência. Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC/FGV. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/. Acesso em 20 maio 2017. 767  BARRETO, 2016, p. 239. 768  Ibidem. 769  Ibidem. 770  Cf. Decreto nº 22.696, de 11/05/1933. Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio... CPDOC/FGV. 771  Cf. Decreto nº 22.696, de 11/05/1933, art. 18. 764  765 

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Indústria e Comércio, sem prejuízo da remessa imediata ao mesmo titular da cópia da ata devidamente autenticada.772

O artigo seguinte definia então que todos os delegados-eleitores deveriam chegar à capital, pelo menos, 8 dias antes das eleições, em posse dos seguintes documentos: [...] que possam elucidar o estudo e o reconhecimento de seus poderes de delegado-eleitor, inclusive prova de que esteja há mais de dois anos no exercício da respectiva profissão, cópia da ata da reunião em que tiverem sido eleitos e um exemplar dos estatutos do respectivo sindicato ou associação, tudo autenticado pelas respectivas diretorias.773

Porém ainda foram expedidos mais dois decretos: um em 24 de maio, que estendeu o prazo do MTIC para reconhecimento de sindicatos e associações; e o de 14 de julho, que procurou clarificar e complementar algumas instruções.774 Definidas as regras, começam a “pipocar” na imprensa notícias sobre as diversas assembleias realizadas com objetivo de eleger delegados-eleitores. Sabe-se muito pouco sobre tais eleições, pois a literatura focou mais o processo posterior, ou seja, a eleição dos representantes classistas pelos delegados-eleitores. Compreende-se a escassez de trabalhos, afinal, além da dificuldade de acesso às fontes, foram inúmeras as assembleias realizadas, em diversas cidades e capitais do país. De tal forma, escolhemos acompanhar tal processo por meio da imprensa, selecionando casos por ela mencionados a partir dos quais é possível vislumbrar algumas das características dessa eleição. As notícias sobre as eleições dos delegados-eleitores são muito sucintas, porém foi possível perceber que o personagem escolhido para delegado-eleitor era geralmente caracterizado como uma pessoa de prestígio dentro da profissão, com muitos anos de atuação. No caso dos empregados, todos os representantes que foram eleitos para a Constituinte eram delegados-eleitores, como apontou Barreto.775 Selecionamos alguns exemplos publicanos pelo Jornal do Brasil. A eleição do delegado-eleitor do Sindicado dos Lojistas (RJ) foi publicada com destaque pelo jornal, contando inclusive, com uma foto do evento. Foi eleito, por “quase unanimidade do grande número de sócios que enchia o grande salão do Sindicato”776, o então presidente do sindicato, Milton de Souza Carvalho: [...] nome que em si encerra todo um programa de ação de defesa enérgica e decidida dos interesses da classe que tão honrosamente representa. Conhecido o resultado da eleição, o Sr. Milton de Carvalho disse expressivas palavras de agradecimento a seus consócios, por mais aquela prova de apoio e confiança na sua obra.777

Com relação ao funcionalismo, o jornal noticiou que estava em alta o nome de Agenor de Roure: “Funcionário e jornalista com estudos especializados sobre nossa organização é um candidato que pode pleitear o mandato. Toda a sua carreira até chegar a presidente do Tribunal de Contas foi feita na classe, de promoção a promoção”.778 Em 27 de junho de 1933, o jornal publicou a eleição do delegado-eleitor do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Adalberto Camargo:

Ibidem, art. 2o. Ibidem, art. 3o. 774  Cf. Decretos n. 22.745, de 24/05/1933 e n. 22.940, de 14/07/1933. Ver Jornal do Commercio, Edições n. 128, Notícia: “A representação de classes na Constituinte”, 01/07/1933, p. 4; e n. 197, Notícia: “Representação de Classe”, 20/08/1933, p. 10. 775  BARRETO, 2016. 776  Jornal do Brasil, Edição n. 120, Notícia: “A representação de classes na Constituinte”, 23/05/1933, p. 7. 777  Ibidem. 778  Ibidem. 772  773 

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Um dos elementos de mais valor e expressão como expoente das suas atividades [...] Funcionário do Banco do Brasil, exercera antes o jornalismo. Teve durante anos intensa atuação na imprensa recifense, e como jornalista se empenhou em agitada campanha política. Tem desenvolvido grande atividade em favor da sua classe e foi um dos fundadores e o primeiro presidente do sindicado dos bancários, gozando de geral estima e o melhor conceito em todo o comercio pernambucano.779

Já sobre a eleição do delegado-eleitor da Sociedade Beneficente dos Empregados Municipais: O pleito correu admiravelmente bem, sem que houvesse tempo para a necessária propaganda, mesmo assim o número de votantes foi além da expectativa [...] foi proclamado eleito, numa ruidosa manifestação de simpatia, o Sr. Rocha Leão, figura de real prestígio entre a numerosa classe de servidores municipais.780

Outra referência importante para se analisar as eleições para delegado-eleitor é a Comissão de Representação de Classe do Ministério do Trabalho, criada sob a presidência de Afonso Costa, que contava ainda com Otto Prazeres (secretário da presidência da Câmara dos Deputados) e Costa Miranda (oficial de gabinete do MTIC), e que tinha como objetivo emitir pareceres sobre as consultas efetuados por diversos sindicatos e associações acerca dos pleitos de delegado-eleitor. Selecionei algumas consultas e os pareceres publicados no jornal paulista A Gazeta e no carioca Jornal do Brasil. Em 10 de junho de 1933, A Gazeta publicou uma consulta feita à comissão pelo Centro dos Operários e Empregados da Light e Cias Associadas, que consistia no seguinte questionamento: A eleição do delegado eleitor implica na sua eleição para representante da classe à Constituinte ou é facultado eleger-se para representação qualquer associado no gozo de seus direitos e de conformidade com o estabelecido com o regulamento vigente?781

O parecer dado pela comissão procurou esclarecer a “confusão”, retomou as condições para a eleição do representante profissional, presentes no artigo 18 de decreto n. 22.696, de 11 de maio de 1933, relembrando que a eleição para delegado-eleitor não implicava eleição para representante profissional à Constituinte. De acordo com essa consulta, é possível sugerir de que não estavam claras as funções do delegado-eleitor, por exemplo. Outra consulta, publicada pelo Jornal do Brasil, em 30 de junho de 1933, aponta para uma outra questão: o fato de que o MTIC, a princípio, não tinha controle sobre a eleição do delegado-eleitor. O caso é referente à eleição para delegado-eleitor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal, na qual foi eleito o professor Cornelio José Fernandes. Após o pleito, foi apresentada à Comissão um protesto por parte de Jorge de Menezes Werneck, que alegou certas irregularidades na eleição. Seriam elas: havia tomado parte no pleito um professor que era sócio ou dono de um colégio, ou seja, era empregador, e não empregado; sócios estrangeiros haviam votado; e por último, o número de votantes foi menor do que o número de cédulas. Ao protesto de Jorge de Menezes, a Comissão dá o seguinte parecer: [A Comissão] Não pode, deve, nem tem [...] meios de saber se cada um dos sócios de cada sociedade eleitora é, devida ou indevidamente, do quadro dessa sociedade. A lei só exige que a comissão examine e exija prova de que o delegado-eleitor é sócio efetivo da sociedade e se está no exercício da profissão há mais de dois anos. Rara é a sociedade que não possui sócio de atividade diversa da maioria da agremiação e tais sócios, tendo Jornal do Brasil, Edição n. 150, Notícia: “A representação profissional, 27/06/1933, p.9. Jornal do Brasil, Edição n. 153, Nota “A Sociedade Beneficente dos Empregados Municipaes escolheu o seu delegado-eleitor” na Coluna: “A situação politica”, 30/06/1933, p. 7. 781  A Gazeta (SP), Subtítulo “A representação de classes na Constituinte” na Notícia: “O pleito de3 de Maio”, 10/06/1933, p. 3. 779 

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o direito de votar, gozam, é lógico, do direito de eleger o delegado-eleitos, embora, não possam ser eleitos para esse cargo.782

O parecer demonstra que o controle do MTIC se estendia apenas ao reconhecimento, ou não, dos sindicatos e associações, pois, quanto à eleição em si, poderia apenas indeferir o candidato eleito se ele não preenchesse as normas para ter seus poderes reconhecidos. Com relação aos sócios estrangeiros, diz que por lei era permitido que sindicatos tivessem até um terço de sócios que não fossem brasileiros natos ou naturalizados. Sobre um dos votantes ser diretor ou dono de um colégio, o máximo que a comissão poderia fazer era “descontar um voto do candidato mais votado”, e “mesmo descontados todos os votos de eleitores impugnados pelo contestante, ainda assim ficaria com um total de sufrágios acima do segundo sufragado”. Enfim, sobre a quantidade de cédulas, aponta que o fato não era motivo para se considerar nula eleição, pois, “somente cédulas a mais constituem presunção de fraude, dando lugar a nulidade”.783 Por fim, o parecer sugere que o protestante, Jorge de Menezes Werneck, agiu de comum acordo com o professor Amélio Dias de Moraes, que também competiu no pleito, e perdeu. Concluiu a comissão que era válido o pleito. Findo o prazo para a eleição dos delegados-eleitores, o Jornal do Brasil publicou um artigo de Otto Prazeres784, membro da Comissão de Representação de Classe do Ministério do Trabalho, no qual ele traçava um mapa, por meio dos telegramas recebidos pelo MTIC785, dos delegados-eleitores eleitos pelo país. Segundo Otto, o MITC havia recebido telegramas de 566 instituições, porém sete telegramas ainda não tinham sido validados, assim, tomou como base o número de 558 associações, cujos delegados-eleitores já haviam sido reconhecidos. A partir da análise dos telegramas, Otto chega a algumas conclusões: o sul do Brasil estava muito mais representado que o norte; o Estado de Goiás não tinha enviado nenhum representante; a capital predominava com o maior número de delegado-eleitores (1/3 do total) e junto a São Paulo, compunha metade de delegados. Mesmo com essa disparidade regional, Otto avaliava positivamente o resultado da eleição, pelo fato de terem sido eleitos cerca de cinco centenas eleitores; segundo ele, número semelhante ao total de eleitores dos Estados Unidos. O artigo de Otto ressalta uma questão deveras importante: as disparidades regionais que aparecem nas eleições dos delegados-eleitores, ponto já explorado pela bibliografia, especialmente por Angela de Castro Gomes. Gomes ressalta que dos 74 delegados-eleitores patronais, mais da metade provinha da capital e de São Paulo, demonstrando a grande defasagem em termos econômicos do restante do país em referência a essas regiões. Isso comprometia, assim, o objetivo central da representação classista de ser um “contrapeso às bancadas políticas dos grandes estados – basicamente São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul –, assegurando a posição dos pequenos estados e, é claro, a do próprio Governo Provisório”.786 A autora afirma que a representação patronal reforçou a representação desses estados; que fizeram inclusive pressão para a extinção da inovação, como foi o caso dos paulistas na Assembleia Nacional Constituinte. Com a bancada classista dos empregadores praticamente dominada pelo Sudeste, coube ao Bloco do Norte apenas um representante, sugerido por Oswaldo Aranha. Já com relação aos empregados, Gomes ressalta o sucesso alcançado Jornal do Brasil, Edição n. 153, Nota “Preparando a representação profissional á Constituinte” na Coluna: “A situação politica”, 30/06/1933, p. 7, grifo nosso. 783  Ibidem. 784  Jornal do Brasil, Edição n. 159, Notícia: “A representação de classes”, 07/07/1933, p. 9. 785  Cada sindicato ou associação deveria enviar ao MTIC, finda sua assembleia, um telegrama, contendo o nome associado eleito como delegado-eleitor. 786  GOMES, 1980, p. 448. 782 

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pelo Bloco do Norte, mobilizado por Juarez Távora, que conseguiu eleger 6 deputados, os outros 14 provinham de várias regiões do Brasil. Porém tal distribuição tem relação com outras questões que veremos a seguir. No final de abril de 1932, o jornal Diário de Notícias iniciou uma série de entrevistas com delegados-eleitores patronais, das profissões liberais e dos empregados.787 As entrevistas contavam com uma breve biografia do delegado, privilegiando sua atuação profissional, e seguia para as questões centrais que deveriam ser respondidas pelos entrevistados, a saber: 1) sua opinião sobre a representação profissional; 2) como deveria ser feita a escolha para os deputados de classe (qual critério); 3) sua opinião sobre interferência da política partidária na representação profissional. Começamos pelas entrevistas dos dois representantes dos empregadores entrevistados que apresentam uma série de coincidências importantes. Francisco de Oliveira Passos, presidente da Confederação Industrial do Brasil, era uma figura de destaque no meio comercial e industrial brasileiro, e delegado-eleitor do Centro dos Industriais de Serraria do Distrito Federal. Para ele, a representação profissional era uma “obra proveitosa e eficiente a bem dos interesses do país”, pois os “elementos propriamente políticos, por mais capacitados que sejam”, não poderiam se manifestar sobre “questões de natureza puramente técnica ou profissional”. Assim, a função dos representantes classistas seria contribuir “com a sua experiência e capacidade técnica, cada um na sua especialidade”. Sobre o critério de escolha, era importante que fossem indicados elementos de diferentes grupos, “ligados às atividades econômicas das diferentes regiões do país”.788 Quanto à questão da interferência da política partidária, acreditava que não era possível ocorrer. O outro delegado patronal entrevistado foi Milton de Carvalho, representante do Sindicato dos Lojistas do Rio de Janeiro, cuja eleição foi alvo do Jornal do Brasil, como comentado anteriormente. Carvalho inicia sua entrevista ressaltando o papel central de Vargas à frente da representação profissional, vencendo “sérios obstáculos para que fosse concedida”, inclusive o próprio Tribunal de Justiça Eleitoral. A medida era vista positivamente pelo delegado-eleitor como um incentivo ao desenvolvimento da organização sindical, “despertando o espírito associativo do povo”. Além disso, as “assembleias legislativas também vão ganhar com experiência profissional e competência técnica”, compensando o excesso de “vacuidade doutrinária e de inútil verbosidade”. Ou seja, assim como Oliveira Passos, Carvalho reforça o aspecto técnico da inovação. Com relação à escolha dos deputados, ressaltava que deveria atender aos seguintes critérios: 1) competência profissional do candidato; 2) levar em consideração as diferentes “classes indústria, comercio, lavoura”, evitando o predomínio de uma só; 3) compor uma chapa que contemple as diferentes regiões do país, levando em conta a relevância econômica e a produção. Sobre a interferência da política partidária, Carvalho

Francisco de Oliveira Passos, delegado-eleitor do Centro dos Industriais das Serrarias do Distrito Federal, publicada no Diário de Notícias, Edição n. 1099 e 6, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 04/07/1933, p. 1; Manoel Barbalho, delegado-eleitor do Sindicato dos Barbeiros, publicada no Diário de Notícias, Edição n. 2000, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 05/07/1933, p. 1 e 6; Milton de Carvalho, delegado-eleitor do Sindicato dos Lojista do Rio de Janeiro, publicada no Diário de Notícias, Edição n. 2001, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 06/07/1933, p. 1 e 6; Antônio Neves da Rosa, delegado eleitor do Sindicato dos Trabalhadores em Moinhos, publicada no Diário de Notícias, Edição n. 2006, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 11/07/1933, p. 1 e 6; João Jorge Cordeiro e Elbe Pospissil, União dos Empregados do Comercio de Curitiba e o Sindicato dos Gráficos do Paraná, publicada no Diário de Notícias, Edição n. 2007, Notícia: “O Paraná na convenção de classes”, 12/07/1933, p. 1 e 6; Edmundo Miranda Jordão, delegado-eleitor do Instituto dos Advogados do Rio de Janeiro, publicada no Diário de Notícias, Edição n. 2010, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 15/07/1933, p. 1 e 6; Alberto Vidal, delegado-eleitor do Sindicato dos Contadores de São Paulo, publicada no Diário de Notícias, Edição n. 2015, Notícia: “A representação profissional”, 20/07/1933, p. 1. 788  Diário de Notícias, Edição n. 1099, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 04/07/1933, p. 1 e 6. As citações reproduzidas encontram-se na primeira página. 787 

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acreditava que ela já estava sendo feita, articulada entre diversas associações, sindicatos, e núcleos regionais no intuito de orientar a escolha dos candidatos.789 Das profissões liberais foram entrevistados Edmundo Miranda Jordão, delegado-eleitor do Instituto dos Advogados do Rio de Janeiro e Alberto Vidal – delegado-eleitor do Sindicato dos Contadores de São Paulo.790 Definitivamente a entrevista de Miranda Jordão, segundo o jornal, “um dos mais destacados profissionais do Distrito Federal”, é a mais interessante. Miranda inicia sua fala relembrando sua ação e a de seus companheiros de profissão, logo após a Revolução de 1930, quando, segundo ele, foram os primeiros a reclamar o retorno do país à normalidade constitucional, apelo que, infelizmente, não foi atendido por Vargas, derivando desse ato as grandes dificuldades que o país atravessa. Dos entrevistados, é o menos entusiasmado com a representação profissional, avaliando que ela provavelmente “não dará maus resultados”, pois não era “de todo condenável a sua experiência”, contudo adverte que boa parte dos seus colegas de profissão e do Instituto dos Advogados se manifestaram contrários à inovação. Conclui, todavia, que era favorável à experiência, desde que, “não seja desvirtuada em sua finalidade genuinamente profissional”. Quanto ao critério de escolha, não demonstra tanta preocupação quanto à distribuição igualitária da representação, era apenas a favor de uma representação “livre”, ou seja, da eleição de “um profissional digno e independente”.791 Opiniões bem diferentes possuíam os delegados dos empregados. Manoel Barbalho, delegado-eleitor do Sindicato dos Barbeiros, ressaltava que a representação profissional havia sido “incontestavelmente, uma grande conquista do proletariado”, apesar da pressão contrária à sua implementação por parte “das classes dominantes e principalmente do profissionalismo político”, cujo objetivo era impedir que o proletariado tivesse acesso à Constituinte. E, embora a representação tivesse sido implantada, Manoel reclamava que ela veio “com o nome trocado e ultra-subdvidida”, mesmo assim, a inovação iria contribuir para que fosse ouvida a voz do trabalhador. Sobre a interferência da política partidária, o barbeiro afirmava que ela já estava presente no meio operário “com os seus clássicos processos de corrupção”, porém ele confiava nos delegados-eleitores, que saberiam escolher os deputados mais aptos, utilizando como critérios de escolha “a folha corrida de serviços prestados à causa do proletariado” e privilegiando elementos de diferentes categorias profissionais e regiões do país.792 A entrevista mais relevante é com certeza a de Antônio Neves da Rosa, delegado eleitor do Sindicato dos Trabalhadores em Moinhos, segundo o jornal, “um dos elementos mais representativos da Federação do Trabalho”. Primeiramente, destacava Antônio Neves que ele não era candidato a deputado e, assim, afirmava se sentir à vontade para dizer algumas “verdades”. Primeiramente, destacava Antônio Neves, era preciso ficar claro que a “representação profissional” instituída pelo Governo Provisório não era a mesma “representação de classe” pleiteada pelo proletariado, pois esta tinha “um sentido político que aquela pretende desvirtuar, insinuando que o papel da representação proletária na Constituinte é simplesmente de colaboração técnica e profissional na feitura da Constituição”. O objetivo de tal alteração, explicava o delegado-eleitor, era modificar o papel dos deputados dos trabalhadores, ao invés “de porta-vozes dos sentimentos e interesses dos trabalhadoDiário de Notícias, Edição n. 2001, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 06/07/1933, p. 1 e 6. As citações literais reproduzidas encontram-se na sexta página. 790  É a entrevista mais curta, na qual o delegado expõe seus objetivos (reivindicar os direitos de sua classe, despertando para ela o interesse das autoridades), sem fazer referências às questões propostas nas outras entrevistas. 791  Diário de Notícias, Edição n. 2010, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 15/07/1933, p. 1 e 6. 792  Diário de Notícias, Edição n. 2000, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 05/07/1933, p. 1 e 6. 789 

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res”, seriam apenas “conselheiros privados dos sábios legisladores”. Não era possível concordar com essa “atribuição secundária”, reclamava Antônio Neves, daí a importância de eleger à Assembleia apenas candidatos com “passado de militantes”, ou seja, “uma representação genuinamente de classe”. Antônio Neves alertava para a presença de “elementos diletantes e adesistas de última hora, que só se lembraram da sindicalização quando lhes foi feito o aceno sedutor das posições bem destacadas e melhor remuneradas”. Na sua visão, elementos esses que “se aproximam hoje do oficialismo, afim de lhe conquistar as boas graças e desse modo pretenderem obter uma cadeira de deputado”; eram os “elegantes “proletários de pena”. Quanto ao critério de escolha, além da “ficha corrida” dedicada à causa proletária, o delegado-eleitor também demandava uma distribuição equitativa dos assentos na Assembleia, a partir de quatro zonas (Norte, Centro, Sul e Distrito), havendo uma distribuição de candidaturas correspondente ao número das representações pelas mesmas enviadas.793 Por fim, temos as entrevistas dos delegados-eleitores do Paraná, João Jorge Cordeiro e Elbe Pospissil, representando União dos Empregados do Comercio de Curitiba e o Sindicato dos Gráficos do Paraná. Segundo o jornal, Pospossil era um “velho militante do proletariado paranaense, um dos iniciadores do movimento de sindicalização no Estado”, tido como um dos grandes nomes do movimento trabalhista no estado. Já João Jorge Cordeiro não estava há tanto tempo no movimento sindical; porém é ele que dá a entrevista mais longa, detalhando incrivelmente quais deveriam ser, enfim, os critérios para as escolhas dos deputados. Além dos critérios básicos já mencionados, como o comprometimento e dedicação do candidato à causa, Cordeiro acrescenta que no congresso operário realizado no Paraná foi decidido que seria exigido um compromisso solene por parte do candidato, como a “assinatura da renúncia prévia do mandato e o da concessão de pelo menos metade do subsidio em favor do proletariado”. Também foi resolvido que seria adotado o critério da “proporcionalidade das representações enviadas à convenção do dia 20”, relativa à divisão do país em três zonas: norte, centro e sul. O delegado havia inclusive feito o cálculo da divisão a partir dos dados publicados pelo MTIC acerca do número de delegados que iriam comparecer para votar.794 Finalmente, sugere que a escolha dos candidatos seja feita em convenções separadas pelas referidas zonas.795 A partir das entrevistas podemos perceber alguns pontos: 1. O caráter técnico dado à representação é uma característica marcante do discurso patronal, que procura despi-la de seu caráter de classe social, aspecto que estaria presente também no discurso desses representantes na Assembleia Constituinte; 2. Por outro lado, o discurso dos representantes dos empregados é fortemente impregnado pelo discurso de classe, inclusive reivindicando a implementação da representação profissional como uma vitória sua (sem mencionar outros defensores do projeto, como os tenentes, por exemplo); 3. É reivindicada a aplicação de um critério proporcional para a eleição dos deputados, algo que não estava determinado na lei, e, a princípio, parece não remeter à intromissão do governo, mas à organização dos próprios trabalhadores que elegeram como dois critérios máximos para a escolha dos candidatos a dedicação à causa operária e a proporcionalidade.

Diário de Notícias, Edição n. 2006, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 11/07/1933, p. 1 e 6. Segundo Cordeiro, “fazendo uma divisão proporcional teremos aproximadamente para o Norte 4 deputados e 2 suplementes; para o Centro, 8 deputados e 4 suplementes; para o Centro, 8 deputados e 4 suplementes e para o Sul, 6 deputados e 2 suplementes” (Diário de Notícias, Edição n. 2007, Notícia: “O Paraná na convenção de classes”, 12/07/1933, p. 1 e 6). A citação encontra-se na sexta página. 795  Diário de Notícias, Edição n. 2007, Notícia: “O Paraná na convenção de classes”, 12/07/1933, p. 1 e 6. O argumento é defendido na sexta página. 793  794 

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Nesse sentido, cabe retomar um ponto já colocado pela historiografia que é o controle exercido pelo Ministério do Trabalho sobre as eleições dos representantes classistas. No caso, segundo Gomes, tal controle era exercido junto ao Ministério da Justiça, e é bem mais expressivo nas eleições para os representantes dos empregados, ocorrendo especialmente por meio da atuação de Luís Aranha, que recebeu diversas comissões de delegados-eleitores em sua sala no Ministério da Justiça.796 Sobre isso encontramos inclusive uma notícia, publicada no Jornal do Brasil, em 23 de julho de 1933, que ressalta a atuação de Luís Aranha como “coordenador” dos delegados-eleitores dos empregados, cujo resultado foi a formulação de “uma chapa que se chamou de oficial e que afinal foi vitoriosa no pleito realizado no dia 20”, afirmava o jornal. Ainda segundo a notícia, Aranha tentava realizar o mesmo feito com os delegados-eleitores dos empregadores.797 Porém o discurso que se consolida, às vésperas das eleições, era de que o voto do delegado-eleitor era livre. Segue como exemplo uma nota publicada pelo Comitê Central dos delegados eleitores do proletariado do Distrito Federal: Segundo o que ficou deliberado em sua última reunião realizada na Federação do Distrito Federal, o proletariado repelirá energicamente todas as tentativas de absorção de elementos estranhos aos trabalhos preliminares para a escolha dos representantes dos trabalhadores na futura Constituinte. O comitê avisa aos dignos delegados dos Estados que o Governo Provisório, por intermédio do Ministério do Trabalho fornecerá passagens aos referidos companheiros. Portanto, é necessário que estes delegados recusem quaisquer oferecimentos de origem suspeita que o são feitos para forçar o proletariado a firmar compromissos atentórios a honra do trabalhador. O Governo Provisório não tem preferencias por este ou aquele candidato, seguindo a lei, e não prestigiará por isso oficialmente nenhuma corrente. O voto dos senhores delegados é inteiramente livre. Para receber os Srs. Delegados e fornecer-lhes todas as informações precisas foi eleita uma comissão composta dos seguintes membros: Eugenio Monteiro de Barros, União dos Empregados no Comércio; Cornelio Fernandes, Sindicato dos Professores; José Custini, União dos Trabalhadores Metalúrgicos; Joaquim Pereira Diniz, Centro dos Empregadores do Cais do Porto; Gastão Possolo, Sindicato B. de Bancários. Essa comissão ministrará informes sobre o processo das eleições em sua sede provisória na Federação do Trabalho, à Praça Tiradentes, n. 60, 4º andar.798

O mesmo discurso era reiterado pelo então Ministro do Trabalho, Salgado Filho, que, ao receber os delegados eleitores de São Paulo, Minas Gerais e Bahia, proferiu o seguinte discurso: [...] o Governo Provisório jamais desprezou a cooperação e assistência dos proletários. O fato de lhes dar ocasião de participar dos trabalhos da Constituinte era uma demonstração bem nítida do desejo de sua colaboração. Vai ter o prazer de presidir a eleição em que os delegados expressarão seus votos. Não quer saber dos nomes que serão escolhidos, nem conhecer as pessoas preferidas pelos votos, pois lhes agradará somente a surpresa das urnas. Fazia votos para que os operários soubessem escolher nítidas e patentes expressões de seu

796  797  798 

GOMES, A. C. A Representação de Classes na Constituinte de 1934..., 1980, p. 437. Jornal do Brasil, Edição n. 173, Notícia: “A representação das classes na Constituinte”, 23/07/1933, p. 7. Jornal do Brasil, Edição n. 159, Nota “A representação de classe e o proletariado” da Coluna: “A situação politica”, 07/07/1933, p. 9.

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meio para que na Assembleia tenham verdadeiros técnicos nos assuntos e nas questões que mais interessam aos trabalhadores do Brasil. 799

Sobre tal ponto vale destacar ainda a interessante a entrevista dada ao Jornal do Brasil por Dario Corrêa Lima, em 21 de julho de 1933, o delegado-eleitor do Instituto de Advogados do Ceará, sobre como exerceria o seu voto: [...] exercerei o meu direito de voto livremente, porque não trago nem aceitaria um mandato imperativo, que me tolhesse a liberdade de pensamento. Por tais motivos, estou procurando orientar o meu voto dentro do espírito de classe, sem a influência de preconceitos regionalistas nem de política partidária, mas em torno de nomes que sejam uma expressão de cultura e de probidade profissional e que reflitam, primacialmente, a nossa tendência liberal porque a tenho como uma tradicional realidade brasileira. 800

Com relação ao tema, vale analisar uma carta do delegado-eleitor do Paraná, João Jorge Cordeiro, publicada no jornal Diário de Notícias, de 27 de julho de 1933. A carta procurava “esclarecer” a questão, revelando que a “coordenação” de Luís Aranha não passou de simples chancela oficial da escolha já anteriormente feita pelas próprias delegações dos Estados. Assim, segundo Cordeiro: Falaram em coação oficial na organização da chapa. Eu, no entretanto, que desde os primeiros momentos estive em contato com as diversas correntes e que mantive certa ligação com o dr. Luiz Aranha, posso afirmar que a sua atuação foi apenas de conciliação, pois, em todas as reuniões que tivemos, notei com satisfação que o dr. Luiz Aranha não dava um aparte sobre o delegado a ser apresentado na chapa. Feitas as escolhas nas diversas delegações, conforme ata apresentada pela maioria delas, esses nomes eram apresentados para a chapa conciliatória. Devo dizer que chamo de conciliatória ao invés de oficial, como erroneamente chamam por aí, é mais justo e mais sincero.801

Explica o delegado que “a chapa conciliatória” foi organizada em reuniões no gabinete de Luiz Aranha, surgindo apenas algumas restrições a um dos nomes presente na chapa, “alegando que apenas desejava coordenar as diversas bancadas”. Um exemplo dessa “coordenação” ou “conciliação” do ministro é relatada por Jorge Cordeiro: Eu havia, também, sido escolhido para figurar como suplemente na chapa conciliatória. Desisti [...] em favor de Minas Gerais, vendo que a divergência era grande e não conseguíamos chegar a um acordo na organização da chapa de suplementes. Assim sendo, depus a minha indicação nas mãos do dr. Luiz Aranha, que a cedeu àquele grande Estado. Graças a essa minha atitude tudo ficou resolvido e chegamos a um acordo satisfatório. Estamos, pois, no Paraná, satisfeitos com o resultado do pleito. 802

Assim, se o governo incentivou a criação de sindicatos no Norte e Nordeste para contrabalançar as eleições, existindo inclusive denúncias nesse sentido, publicadas no final de 1933, fato é que predominou uma lógica proporcional dentre as regiões, algo já requisitado pelos próprios delegados antes das eleições, e não necessariamente uma questão técnica.

799  800  801  802 

Jornal do Brasil, Edição n. 163, Nota “Os delegados-eleitores visitam o sr. Ministro do Trabalho” na Coluna: “A situação politica”,12/07/1933, p. 7. Jornal do Brasil, Edição n. 171, Notícia: “O Ceará e a Constituinte”, 21/07/1933, p. 7. Diário de Notícias, Edição n. 2022, Notícia: “A representação profissional á Constituinte”, 27/07/1933, p. 3. Ibidem.

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Com a promulgação da Constituição de 1934, a representação profissional foi finalmente reconhecida junto à representação política tradicional803, sendo que novas regras foram adotadas e a Justiça Eleitoral passou a regular as eleições para ambas as representações. O número de deputados foi elevado para 50, pois deveria ser proporcional ao número de deputados eleitos por sufrágio universal, que também foi elevado. Outra novidade foi a inclusão de uma nova categoria: a imprensa. Novamente, a votação ocorreria na capital federal.804 Assim, já no início de outubro de 1934, sindicatos e sociedades diversas começaram a realizar suas assembleias para escolher novamente seus delegados-eleitores, que em janeiro de 1935 escolheriam os novos representantes classistas da legislatura ordinária. Contudo essa segunda eleição teve um caráter diverso, sendo marcada por inúmeras denúncias de fraude. São abundantes na imprensa as notícias sobre os casos de fraudes nas eleições para representante classista de 1934/1935, sendo a “minoria proletária”, eleita no pleito de 1933, e analisada por Thiago Mourelle, um dos principais canais de denúncia dessas fraudes, além da imprensa. Não apenas as fraudes, mas também a violência policial contra o movimento operário, que cresceu consideravelmente no final do ano 1934 e início de 1935. O caso que mais chamou atenção da imprensa foi a denúncia feita pelo próprio Ministro do Trabalho, Agamemnon Magalhães. De acordo com Mourelle, o caso começa com a publicação de uma notícia pelo jornal O Globo, que alertava para criação de associações e sindicatos com objetivos exclusivamente eleitoreiros, evento que demandava ação urgente do Ministério, cassando esses registros irregulares. A notícia é lida no plenário da Câmara, em novembro de 1934, pelo deputado governista Abelardo Marinho, líder da bancada classista.805 Segundo Mourelle, a ação do deputado pode parecer, a princípio, uma crítica ao governo, mas, na verdade, era uma forma de promover uma verdadeira “caça às bruxas”, pois, fornecia a justificava ideal para cassar o registro de organizações mais radicais e impugnar eleições de opositores.806

Os debates na Constituinte sobre o tema da representação profissional foram alvo do estudo de Angela de Castro Gomes e a atuação desses representantes no período seguinte, entre 1934 e 1935, foi estudada por Thiago Mourelle em sua tese sobre a Câmara dos Deputados (MOURELLE, T. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de História, 2015). O texto de Angela é importante para compreendermos como também na Constituinte foram intensos os debates pró e contra a representação profissional, que enfrentou ali sua última batalha e venceu a guerra, pois, foi finalmente incluída na Constituição. A partir da análise das diferenças entre a atuação das bancadas de empregadores e empregados na Assembleia, Gomes discorda em suas conclusões de interpretações que percebem essa experiência como mero “instrumento nas mãos do Governo Provisório”, mesmo considerando-se a interferência do governo nas eleições, aponta a historiadora (GOMES, A. C. A Representação de Classes na Constituinte de 1934..., 1980, p. 485). Todavia, a partir do exposto no capítulo, acreditamos ser possível matizar tal compreensão acerca da interferência do governo, pelo menos para pleito de 1933. Nesse sentido, é possível compreender a eleição de elementos altamente críticos ao governo e que efetivamente utilizaram a representação de classes para dar voz ao movimento operário: foi a chamada “minoria proletária”. 804  “Art. 17. Na primeira eleição, a realizar-se no dia 5 de janeiro de 1935, tomarão parte os delegados-eleitores da classe de empregados e os da de empregadores do grupo Lavoura e Pecuária para elegerem sete representantes e quatro suplentes cada classe; na segunda eleição, a realizar-se no dia 12 de janeiro do mesmo ano, os das mesmas classes do grupo da Indústria para elegerem sete representantes e quatro suplementes cada classe; na terceira eleição, a realizar-se no dia 19 de janeiro do mesmo ano, os das mencionadas classes do grupo do Comércio e Transportes, para elegerem sete representantes e quatro suplementes cada classe; na quarta eleição, a realizar-se no dia 24 de janeiro, do mesmo ano, os do grupo das profissões liberais para elegerem quatro representantes e três suplementes; na quinta e última eleição, a realizar-se no dia 26 de janeiro do mesmo ano, os do grupo dos funcionários públicos para elegerem quatro representantes e três suplementes”. Boletim Eleitoral, 14/09/1934, Ano III, n. 94. Instruções para a realização das eleições dos representantes profissionais, na primeira legislatura nacional, aprovadas pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, em sessão de 11/09/1934. Capítulo II. Da Eleição dos Representantes. p. 3521. 805  “Sufrágio profissionalista”, O Globo. 13/10/1934 (apud MOURELLE, 2015, p. 88). 806  Ibidem. 803 

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Encontramos publicações enfáticas a esse respeito em outros jornais, o A Noite por exemplo publica uma série de notícias com manchetes dramáticas sobre o caso.807 A origem estava nas eleições realizadas em Belo Horizonte, que contavam com a eleição de um inspetor regional do trabalho no Estado de Minas Gerais, João Fleury, a delegado-eleitor da União dos Empregados do Comercio de Belo Horizonte, e a criação de cerca de 42 associações de classe suspeitas, “todas com a mesma denominação – Sociedade Representativa e Beneficente dos Funcionários”. Segundo a fala do Ministro, publicada no jornal, a fraude, no tocante à improvisação de associações profissionais para fim eleitoral808, estava assumindo “proporções alarmantes”, e as denúncias vinham não apenas da capital mineira, mas de vários estados, “onde se constituíram associações de classe liberal e de funcionários públicos, que atingem cifras astronômicas”.809 Em outro artigo, o jornal publica mais informações provenientes do escândalo na capital mineira que atingia também a Administração dos Correios e Telégrafos de Minas Gerais. A instituição contava com uma dezena de associações representativas, sendo que uma delas representava dois funcionários encarregados de estudo da Legislação Postal, outra o Serviço de Datilografia e Mimeografia, e mais uma para a Secretaria das Finanças.810 Recolhemos mais algumas denúncias ocorridas em outros estados, publicadas no Diário de Notícias de 18 de novembro de 1934 e feitas ao Supremo Tribunal de Justiça Eleitoral pela Coligação dos Sindicatos Proletários de São Paulo e pela Federação Proletária do Estado do Rio de Janeiro contra dois delegados-eleitores, que também eram deputados classistas, e pretendiam se reeleger.811 O primeiro caso é do delegado-eleitor Francisco Moura, do Sindicato dos Operários na Fabricação de Gás, com sede em São Paulo. O motivo da denúncia era de que Moura já fazia parte do Sindicato dos Químicos de São Paulo, mas há cerca de dois meses havia se inscrito também no Sindicato dos Operários na Fabricação de Gás com o objetivo de ser eleito seu delegado-eleitor. Como lembra a denúncia, isso era irregular porque a inscrição nos sindicatos era por profissão e não por local de trabalho. O outro caso é do deputado classista Sebastião Luiz de Oliveira, que como não conseguiu se eleger delegado-eleitor no sindicato ao qual pertencia, fundou outro na cidade vizinha, em Niterói. Tratava-se da Sociedade de Resistencia dos Trabalhadores em Trapiches de Café, pelo qual conseguiu finalmente ser eleito. Contudo, além de violar a lei, que exigia o período mínimo de dois anos no local do sindicato, a denúncia também arrola uma série de irregularidades nas eleições, como nenhuma garantia do sigilo do voto, e cédula já preenchidas com o nome do fundador do sindicato. Talvez o ponto mais interessante dessas denúncias é o esforço desses personagens para Ver A Noite, Edições n. 8252, Notícia: “Tentaram fraudar a representação profissional! Graves irregularidades apontadas pelo Sr. Agamemnon Magalhães, ministro do Trabalho, ao Tribunal Superior”, 13/11/1934, p. 1 e 3; n. 8253, Notícia: “Politicagem e fraude! Como em Minas se improvisavam sociedades para aumentar o número de delegados-eleitores. Crescem as proporções da burla escandalosa”, 14/11/1934, p. 1 e 3; n. 8255, Notícia: “Assegure-se a legitimidade da representação profissional. É preciso repelir, energicamente, as tentativas de fraude que ameaçam desvirtua-la”, 16/11/1934, p. 1. As fraudes também foram noticiadas no Diário de Pernambuco, Edição n. 253, Notícia: “As irregularidades do pleito para a escolha de delegados eleitores”, 15/11/1934, p. 1. 808  É considerável o crescimento de associações reconhecidas pelo Ministério se compararmos o período 1933/1934. No caso, em julho de 1933, foram reconhecidas 346 associações de empregados e 79 de empregadores; já para 1934, foram reconhecidas 710 de empregados e 274 de empregados (Cf. Boletim Eleitoral, n. 3, Ano IV, Rio de Janeiro, 06/01/1935 e Boletim Eleitoral, Ano IV, Rio de Janeiro, 12/01/1935). 809  A Noite, Edição n. 8252, Notícia: “Tentaram fraudar a representação profissional! Graves irregularidades apontadas pelo Sr. Agamemnon Magalhães, ministro do Trabalho, ao Tribunal Superior”, 13/11/1934, p. 1 e 3. A citação literal consta na primeira página. 810  A Noite, Edição n. 8253, Notícia: “Politicagem e fraude! Como em Minas se improvisavam sociedades para aumentar o número de delegados-eleitores. Crescem as proporções da burla escandalosa”, 14/11/1934, p. 1 e 3. No Boletim Eleitoral de 17/11/1934 encontramos uma série de eleições para delegado-eleitor que foram anuladas por irregularidades, dentre os motivos constam a participação de analfabetos, o fato do delegado eleitor e dos associados não serem sindicalizados, a insuficiência de participantes no ato da votação (inferior a 12, número mínimo) e o não reconhecimento do sindicato (Cf. Boletim Eleitoral, n. 118, Ano III, Rio de Janeiro, 17/11/1934). 811  Diário de Notícias, Edição n. 2431, Notícia: “Escandalos da representação profissional”, 18/11/1934, p. 7. 807 

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serem eleitos delegados, já que essa não era condição para ser eleito deputado, todavia é possível aventar que ampliassem chances de vitória dos candidatos.812 O caso mais bizarro, noticiado pelo Diário de Notícias, foi o do ex-Ministro do Trabalho, Salgado Filho, que se candidatou ao cargo de representante classista do grupo das profissões liberais. Segundo o jornal, a candidatura, “a despeito dos esforços do atual ministro ‘quebrando lanças para fazê-lo deputado classista’”, não empolgou e estava sendo repudiada pela classe. Porém Salgado Filho foi sim eleito deputado classista das profissões liberais no pleito realizado em janeiro de 1935, mas sua candidatura não passou impune de denúncias, pois os seus colegas de profissão (Salgado Filho era advogado) entraram com um recurso pedindo a impugnação de seu diploma, tendo em vista que o ex-ministro não exercia há mais de dois anos a profissão!813 Por último, vale incluir os casos denunciados pela “minoria proletária”, analisados por Mourelle, a partir do exame dos Anais da Câmara, que apontavam as constantes intervenções do Ministério do Trabalho nas eleições dos delegados-eleitores. Em discurso em meados de fevereiro, João Vitaca denunciou que o Ministério do Trabalho pressionou delegados eleitores, dando hospedagem somente a quem julgou ser a favor do governo, declarando nulas eleições legítimas de delegados-eleitores, desaparecendo com títulos eleitorais e elegendo inclusive funcionários do próprio Ministério.814 Também o deputado Acir Medeiros, em 13 de abril de 1935, tomou a palavra para denunciar irregularidades no pleito ao qual concorria como delegado-eleitor. Segundo Medeiros, o ministro Agamenon Magalhães deu ordens expressas para que fossem monitoradas de perto a assembleia para delegado-eleitor a que Medeiros estava concorrendo. Após várias denúncias de fraudes, finalmente Medeiros conseguiu ser eleito, porém o resultado não foi aceito pelo ministro, que ordenou um novo pleito, do qual ele saiu derrotado.815 Enfim, é significativo que os representantes da “minoria proletária” não tenham sido eleitos no pleito seguinte. Tais ações do governo tiveram seu impacto, elegendo uma bancada mais dócil e transformando a representação profissional em motivo de chacota por parte de imprensa. A inexpressiva atuação da bancada é percebida nas inúmeras críticas sobre a representação profissional que, ao final de 1935, é definida como uma “farsa bem triste”816, e em 1937 já era tratada como uma experiência que fracassou. Vale acrescentar também que, na nossa visão, parte dessa crítica barulhenta à representação profissional, especialmente nos anos de 1935 e 1936, é reflexo dos ataques ao governo Vargas. Ou seja, era um dos elementos utilizados para criticar o governo, para o qual muito auxiliam as denúncias de fraude, de intervenção do Ministério do Trabalho e a inexpressividade da bancada. Porém um exemplo significativo do controle realizado pelo Ministério do Trabalho aparece na entrevista de Heitor Moniz, que trabalhou no Ministério, junto do diplomata Afonso Bandeira de Melo, na época em que Agamemnon Magalhaes era ministro: Então o Agamenon tinha uma relação dos sindicatos que ele queria reconhecer, votar, e de outros que ele não queria reconhecer, porque estava com elementos infiltrados, comunistas etc. etc. Eu me lembro de que uma vez, em dois casos idênticos, o Agamenon deu dois Ibidem, p. 7. Diário de Notícias, Edição n. 2516, Notícia: “A impugnação do diploma do sr. Salgado Filho”, 28/02/1935, p. 4. 814  Diário do Poder Legislativo. 140ª sessão legislativa da Câmara dos Deputados, 19/01/1935, p. 446. (Apud MOURELLE, 2015, p. 87). Segundo Vittaca, as denúncias nem sequer foram investigadas e a representação que Vittaca apresentou no Superior Tribunal de Justiça Eleitoral foi indeferida (Ibidem, p. 125). 815  MOURELLE, 2015, p. 91-92. 816  Diário de Pernambuco, Edição n. 227, Nota “Acção Unida Commercial” na Coluna: “Solicitadas”, 27/09/1935, p. 6. 812  813 

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despachos diferentes: um, ele botou o arquive-se; outro, ele botou o concedo. E o Bandeira de Melo ficou assim sem jeito e disse: “Ministro, eu acho que houve aqui um equívoco de sua parte”. “Mas qual é o equívoco, dr. Bandeira?” “É que estes dois casos são iguais, aqui o senhor botou arquive-se, aqui botou deferido.” Ele disse: “Dr. Bandeira, o senhor acha que eu estou aqui para fazer justiça, o senhor está pensando que isto aqui é Tribunal de Justiça?” E o Bandeira ficou muito sem jeito, porque o Bandeira não tinha sensibilidade política nenhuma. Ele era um homem de Senso de Justiça. Então ele disse: “Está tudo igual, preencheu a formalidade, por que que não dá?” [Bandeira] Achava que tinha que dar. Então o Agamenon explicou a ele: “Isto aqui é política, dr. Bandeira”.817

Na fala de Heitor Moniz percebemos claramente um dos mecanismos mais eficientes para controle das eleições dos representantes classistas colocados em prática pelo governo: o reconhecimento, ou não, dos sindicatos. Outros mecanismos seriam a influência de homens do governo na eleição, a de Luis Aranha em 1933, além da própria ação baseada na violência denunciada pela “minoria proletária” no final de 1934. Contudo, mesmo considerando a intromissão do governo nas eleições, especialmente para a classes dos empregados, é possível considerar, a partir das entrevistas com delegados-eleitores publicadas no jornal Diário de Notícias que os trabalhadores se apropriaram da representação profissional, reafirmando seu caráter de classe e sua importância como instrumento de luta por direitos. CONCLUSÃO Entendida como uma evolução do sistema representativo, a representação profissional foi adotada no Brasil após um intenso debate que permeou todo o período da Primeira República e se intensifica no pós-Primeira Guerra Mundial, quando o sistema liberal de uma forma geral é posto em xeque, denunciado como incapaz de incorporar a classe trabalhadora à sociedade. Nesse contexto, a representação profissional indicava um caminho possível para essa incorporação, para o controle dessa classe, assim como sua transformação em base de apoio para o governo, e que seria elemento essencial do estado corporativista. E se a implementação da representação pode ser vista como fruto dos amplos poderes do Governo Provisório, percebemos que ela demandou uma ampla dose de negociação por parte do governo, que procurou assegurar aos elementos contrários a novidade que exerceria certo grau de controle sobre quem seria eleito. Nesse sentido, percebemos que se havia regras claras para quem poderia ser eleito ou não, tanto para delegado-eleitor, quanto para representante classista no legislativo, somente para o segundo pleito (1934) é que verificamos a interferência mais direta do governo nessas eleições, como denunciado pela “minoria proletária”. Aliás, o próprio fato desses deputados terem sido eleitos, mas não terem conseguido reeleição, implica aventarmos a possibilidade de uma mudança na postura do governo, procurando intervir mais enfaticamente nas eleições. Algo também comprovado pela fala de Heitor Moniz sobre a ação de Salgado Filho relativa ao reconhecimento ou não de determinado sindicato, ou seja, era uma questão política e não técnica. Aliás, o lado político da representação, e não meramente técnico, era constantemente afirmado pelos delegados-eleitores dos empregados, em suas declarações à imprensa, reforçando o caráter classista da representação. Assim, se é difícil identificar um certo modos operandi para utilização dos termos “representação classes” e “representação profissional” na imprensa, é possível dizer que para representantes dos MONIZ, Heitor. Heitor Muniz (depoimento, 1978). Rio de Janeiro, CPDOC, 1992. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista111.pdf. Acesso em: 10 ago. 17. 817 

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empregados como Antônio Neves da Rosa, delegado eleitor do Sindicato dos Trabalhadores em Moinhos, elas não eram sinônimas. Também na compreensão desses delegados entrevistados pelo Diário de Notícias um dos atores, indicado como responsável pela implementação da representação classista, não é mencionado. Referimo-nos aos tenentes. Nesse sentido, fica clara a dificuldade de atribuir a implementação da representação exclusivamente a esse grupo, sendo importante ponderar outros elementos, como a própria compreensão da representação profissional como elemento chave na evolução dos sistemas políticos, bem como a ação de figuras influentes no momento, como Oswaldo Aranha. Por fim, cabe ressaltar o caráter lacunar do tema, especialmente no âmbito regional, pois constatamos ao longo da pesquisa inúmeras denúncias de que estados como Maranhão, Santa Catariana e Minas Gerais não estavam cumprindo a determinação da Constituição Federal de inserir a representação profissional em suas assembleias, assunto praticamente inexplorado na literatura, assim como as eleições para vereadores classistas. Esperamos que esse capítulo tenha servido não apenas para expor material inédito, mas também para abrir novas veredas e instigar novos estudos acerca da representação profissional principalmente no âmbito do legislativo estadual e municipal. Só assim poderemos ter uma noção mais clara do que foi efetivamente a experiência da representação profissional para a sociedade brasileira dos anos 1930.

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Capítulo 9 AS ELEIÇÕES DA ERA VARGAS: QUE REGIME REPRESENTATIVO É ESSE? Paolo Ricci

INTRODUÇÃO Que regime é aquele inaugurado com a revolução de 1930? A maioria dos trabalhos usa o termo Era Vargas para se referir a um período amplo iniciado em 1930 e terminado em 1945. Aqui, Vargas é o elemento definidor do regime. Se o Estado Novo caracteriza, nos termos de Francisco Campos, a efetivação da Revolução de 1930, o que de fato representaria o período entre 1930 e 1937? Sem uma reflexão que o qualifique, o risco é considerá-lo mero parênteses entre o fim da Primeira República e o início da ditatura varguista como se o Estado Novo fosse um produto natural da revolução de 1930. Esse capítulo visa responder à pergunta trazendo para o centro da análise as eleições. Defenderei que essa é uma das dimensões cruciais que caracteriza o regime que se inicia em 1930 e termina em 1937, com o Estado Novo. Denominarei esse período de autoritarismo competitivo, isto é, um regime em que existem formalmente instituições democráticas, as oposições competem por cargos, mas quem está no governo abusa de sua posição para permanecer no poder. A importância das eleições é facilmente entendida se olharmos para o calendário eleitoral daqueles anos, repleto de eventos significativos. Em fevereiro de 1932 foi aprovado o Código Eleitoral. Em maio de 1933 os eleitores foram convocados para o primeiro pleito após a revolução de outubro de 1930 elegendo 214 deputados constituintes. Em 14 de outubro de 1934 uma nova eleição ocorreu para a escolha simultânea dos novos representantes da Câmara dos Deputados e a eleição dos deputados estaduais constituintes; estes últimos incumbidos de selecionar os representantes ao Senado. Após um novo Código Eleitoral, aprovado em 1935, entre 1935 e 1937, em todos os estados, houve eleições municipais para vereadores e prefeitos. A pergunta segue quase que naturalmente: que regime representativo era esse? Para responder à pergunta esse capítulo explora as duas dimensões que caracterizam o regime autoritário: legitimação e respeito das minorias. De um lado, o regime de 1930 buscou se legitimar internamente pela via eleitoral e o Código Eleitoral é a expressão formal mais importante do processo de legitimação da revolução. Aqui, é fundamental enfatizar o aspecto da participação eleitoral: o alistamento/voto obrigatório.818 Exigir a presença dos eleitores no ato do voto era uma formalidade nova em respeito ao regime anterior, cujas eleições eram frequentemente questionadas por terem sidos feitas a bico de pena ou por eleitores fantasmas. De outro lado, o reconhecimento da representação das minorias, como na época eram denominadas as oposições. O sistema semi-proporcional inspirado 818 

Como vimos no capítulo 6, o alistamento obrigatório foi adotado em 1932 enquanto o voto se tornou obrigatório pela Constituição de 1934.

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na obra de Assis Brasil foi o mecanismo que garantiu a representação das oposições no Congresso. Pode-se dizer que o novo regime se tornara mais participativo e representativo ao mesmo tempo. Entretanto a valorização dessas duas componentes da dimensão eleitoral não deveria ser associada a um regime democrático. No que tange à participação eleitoral, o demos não decide. O eleitor “revolucionário” não se alista de forma autônoma, nem vota por decisão própria. Ele é apenas mobilizado pelos partidos políticos de forma mais ampla para conferir legitimidade ao processo eleitoral. Nesse sentido, o povo em sua maioria é coadjuvante. Continua a sê-lo, conforme o modelo participativo adotado na Carta Constitucional de 1891. O acesso às minorias, por sua vez, se choca com o mecanismo que organiza e estrutura a competição política na época, isto é, a fraude eleitoral. Apesar das demais inovações institucionais previstas pelo Código – isto é, voto secreto e Justiça Eleitoral–, a manipulação do voto é ainda constitutiva do processo eleitoral. Definitivamente, a democracia não estava em pauta. Nas seções a seguir analiso separadamente as duas dimensões, a legitimação e o direito das minorias e, sucessivamente, retomo o tema da fraude descrevendo quais eram os mecanismos que os políticos se serviam para fazer a eleição. Nas conclusões discuto em mais detalhes o tipo de regime que denominei de autoritarismo competitivo. PRIMEIRA DIMENSÃO: A LEGITIMAÇÃO PELA VIA ELEITORAL A análise empreendida no livro tem deixado claro que as elites revolucionárias optaram por um modelo de governo representativo. Até aqui, não há novidade alguma. Desde o Império o Brasil recorria às eleições para a escolha de seus representantes.819 Em 1889, logo após a adoção da República, a preocupação dos republicanos é organizar uma Assembléia Constituinte para poder definir as regras fundamentais do novo regime. Assim, o Governo Provisório rapidamente redigiu o regulamento Alvim para a eleição da Constituinte. A preocupação dos revolucionários de 30 é diferente. Não bastava definir uma data para a eleição da Assembleia Constituinte e adotar uma nova lei eleitoral. Afinal, a Revolução havia sido feita a partir de um modelo de governo representativo alternativo à Primeira República. Logo após os eventos de outubro de 1930, nos jornais que circulavam diariamente no país o termo escolhido para tratar do regime anterior era República Velha em contraposição ao que já era denominada de República Nova.820 Nesse processo em busca de uma identidade nova, alternativa, distintiva, relativamente ao regime anterior, o elemento eleitoral não passava despercebido. Daí a necessidade de se reunir em torno de um projeto nacional de governo representativo diferente da Primeira República. Entretanto os elementos concretos desse projeto não estavam claramente delineados desde o começo. Esse foi um processo gradual, repletos de obstáculos, devido à contínua ameaça de quem se opunha a qualquer tentativa de constitucionalizar a revolução como, também, em função das divergências acerca de quais reformas eleitorais deveriam ser adotadas. De forma Para uma história do voto no Brasil, ver os textos de Jairo Nicolau (NICOLAU, J. História do voto no Brasil. Zahar, 2002; NICOLAU, J. Eleições no Brasil. Do Império aos dias atuais. Rio de Janeiro: Zahar, 2012). 820  Ver, entre outros, o Correio da Manhã, Edição n. 11005, Artigo: “Monologo de um veterano” assinado por Demetrio Ribeiro, 05/11/1930, p. 2; Diario da Noite, Edição n. 327, Notícia: “Procurando sondar os ambientes sportivos sobre as possibilidades dos jogos de amanhã”, 25/10/1930, p. 7; O Estado (Santa Catarina), Edição n. 5172, Notícia: “O bonito de la’ e o bonito de ca’”, 24/12/1930, p. 1; A Esquerda, Edição n. 884, Coluna: “Da Esquerda”, 24/11/1930, p. 2. Para uma reflexão em torno do uso da noção de República Velha e da importância de desqualificar aquela experiência do ponto de vista político e cultural ver GOMES, Angela de Castro. ABREU, Martha. A nova “Velha” República: Um pouco de história e historiografia. Tempo, v. 13, n. 26, jan. 2009. Para considerações similares ver SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O sistema oligárquico representativo da Primeira República. Dados-Revista de Ciências Sociais, v. 56, n. 1, p. 9-37, 2013. 819 

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simplória, podemos afirmar que esse é o resultado de uma disputa entre as elites em torno de duas formas de entender o novo regime.821 De um lado, quem, como os tenentistas, defendia um projeto de Estado forte, distante dos cânones liberais do governo representativo. Inclusive, sem eleições. Por outro lado, quem acreditava que a revolução devesse caminhar para a constitucionalização, adotando uma nova forma de representação que promovesse a “verdade das urnas”. Como sabemos, a segunda tese prevaleceu. Pode-se sintetizar em três etapas o processo reformista que culminou na aprovação do Código. Inicia-se ainda na Primeira República, na campanha eleitoral para o pleito de outubro de 1930. As oposições, organizadas em torno da chapa Vargas-Pessoa, retomam a bandeira da moralização das eleições. Esse era um tema já amplamente debatido na opinião pública republicana. O programa da Aliança Liberal anunciava que defendia a adoção do “sistema da representação proporcional, adotada hoje em dia pelas legislações mais avançadas do mundo”, juntamente com o voto secreto.822 Ainda que apenas duas medidas – voto secreto e representação proporcional – fossem mencionadas, a campanha da Aliança Liberal foi mais ampla e se estruturou em torno do questionamento do modelo representativo republicano, marcado pela fraude imperante e o desrespeito à representação das minorias, como na época eram chamadas as oposições. Tudo considerado, nada de inovador e desconhecido. Como os vários capítulos do livro evidenciaram, as propostas reformistas já estavam na pauta desde pelo menos a instauração da República, em 1889. Talvez mera retórica eleitoral. Talvez realismo político, antecipando a derrota eleitoral no pleito de março de 1930 quando o candidato paulista Julio Prestes escolhido pelo então presidente Washington Luís se saiu vitorioso. Isso é irrelevante para a discussão. O que importa é o reconhecimento de que as elites em oposição se articularam ainda em 1929 em torno de uma proposta ampla cravada no debate já existente sobre um novo formato de governo representativo. A segunda etapa é pós-revolucionária. Formalmente se inicia com a criação da comissão incumbida de escrever as novas regras eleitorais. O tema foi discutido no segundo capítulo do livro. Essa comissão é nomeada pelo decreto nº 19.684, de 10 de fevereiro de 1931, e se compõe de três especialistas no tema; Joaquim Francisco de Assis Brasil, João Chrysostomo da Rocha Cabral e Mario Pinto Serva. Todos eles eram autores conhecidos na opinião pública por seus posicionamentos em prol de reformas eleitorais. Por além do mais, o trio comungava de um passado oposicionista. Notória era a figura de Assis Brasil que chegou a se caracterizar no Rio Grande do Sul por aberta hostilidade nos anos 1920 ao domínio de Borges de Medeiros. A comissão Assis-Cabral-Pinto apresentou um anteprojeto em agosto de 1931 inspirado claramente na lei eleitoral do Uruguai (Ley de Registro Cívico Nacional, de 1924). A terceira etapa do processo reformista diz respeito à tramitação das propostas na comissão até a publicação do Código, em fevereiro de 1932. Aqui, o episódio-chave foi a entrada em cena de Mauricio Cardoso, o novo Ministro da Justiça, em dezembro de 1931. Inicialmente os trabalhos da comissão se prolongaram demasiadamente. Inclusive, umas das críticas principais direcionada à subcomissão era a demora da edição de uma lei que permitisse a reconstitucionalização do país. Não custa lembrar o time dos trabalhos na comissão. A comissão foi criada em fevereiro de 1931. O anteprojeto, apresentado em agosto daquele ano, ficou engavetado até dezembro quando Mauricio Cardoso, um defensor da reconstitucionalização do país, assume o Ministério da Justiça. Dois dias Para mais detalhes ver o primeiro capítulo do livro. Jornal do Comercio, Edição n. 226, Subtítulo “Regime eleitoral” na Notícia: “A convenção liberal”, 21/09/1929, p. 3 e 4. A citação encontra-se na quarta página. 821  822 

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após a posse, em comunicado à imprensa, informava que a subcomissão de reforma eleitoral havia sido ampliada, incluindo outros juristas e experts.823 Trabalhando em ritmo apressado para rever o anteprojeto de reforma eleitoral de agosto de 1931, em menos de dois meses a nova comissão concluía uma revisão substantiva do texto e o enviava para a revisão final do Vargas. Ainda que no mesmo período a ala tenentista atuasse energicamente contra a convocação da Constituinte, é um fato que a mudança do Ministro da Justiça acelerou o processo de adoção final do Código Eleitoral. Em maio de 1932, portanto, e bem antes das inquietudes dos paulistas se traduzissem numa revolta com desdobramentos nacionais, por meio de decreto se fixava a data das eleições constituintes para o dia três de maio de 1933. Em síntese, a aprovação do Código Eleitoral em fevereiro de 1932 era uma medida conveniente para o Governo Provisório dada a construção de uma narrativa que desde 1929 havia defendido a necessidade de renovar as instituições. Voltar atrás teria causado uma perda de credibilidade e, também, exacerbado as tensões internas entre quem havia apoiado a revolução e agora queria constitucionalizá-la. A introdução da Justiça Eleitoral, do sistema eleitoral semi-proporcional, do voto feminino, das garantias para o voto, e o alistamento obrigatório eram sinais claros que evocavam uma mudança de rumo. Aqui, gostaria de enfatizar esta última inovação: o alistamento obrigatório. Essa medida é central para (re)pensar o tema da participação eleitoral nos anos 1930. A ideia de introduzir uma medida que regulasse a participação compulsória do eleitor era defendida publicamente como forma para garantir que os eleitores comparecessem às urnas. Em 1934, a Assembleia Constituinte passou a considerar a obrigatoriedade não apenas do alistamento, mas também do voto. Não é particularmente difícil entender o ponto. Eleições sem eleitores deslegitimam o regime representativo. E, como era denunciado na época, a coação, a violência e a fraude afastavam os eleitores das urnas. Eram os chefes locais que eram incumbidos de organizar os eleitores e fazê-los votar. Daí a adoção de uma medida que reduziria os níveis de absenteísmo típicos dos pleitos da Primeira República. O alistamento obrigatório parecia uma boa resposta. Mas quais os efeitos práticos dessa medida? O box-plot a seguir mostra os níveis de eleitores inscritos e os votantes, isto é, o comparecimento eleitoral, comparando dois pleitos da Primeira República (1912 e 1930) e os dois da Era Vargas (1933 e 1934).824

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Correio da Manhã, Edição n. 11359, Notícia: “A situação política”, 24/12/1931, p. 1. Os eleitores representam a proporção de alistados sobre a população total. Os votantes indicam os que compareceram ao pleito entre os alistados.

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Gráfico n. 9.1 – Eleitorado e comparecimento eleitoral (em %) Fonte: elaboração própria a partir da consulta ao Anuário Estatístico do Brasil (1908-1912), Rio de Janeiro: Directoria Geral de Estatistica, v. 1, p. 67), ao jornal A República (Curitiba), 14/03/1930, p. 3 e aos Boletins Eleitorais da Justiça Eleitoral (13/07/1933 e 22/02/1936)

Observação: o box-plot é de fácil leitura. Cada retângulo, ou caixa, inclui 50% dos dados. A linha horizontal que corta o retângulo representa o valor mediano de todos os casos. As abas abaixo e acima do retângulo (denominadas de bigodes) incluem cada uma delas 25% dos casos examinados. Os casos fora do retângulo e das abas são considerados outliers. Em relação à Primeira República, o que de fato muda são os níveis de comparecimento eleitoral, e não o número de eleitores inscritos.825 Como explicar isso? A resposta é simples. Na época, o eleitor não se alistava nem votava autonomamente. Ele era inscrito nas listas eleitorais pelos partidos políticos. Em geral, há evidências de que a participação eleitoral não fosse individual, mas grupal. Ou seja, os eleitores eram organizados coletivamente pelos agentes partidários para ir votar no dia da eleição. Um fenômeno observado em outros países e que configura uma forma de representação coletiva diferente da dos dias atuais.826 Eis aqui o papel dos partidos e a diferença crucial com relação Cabe lembrar que o gráfico se utilizou de dados oficiais. Isso significa que os valores do comparecimento relativos aos pleitos de 1912 e 1930 são sobrestimados. Sabe-se que na época era comum a prática de fazer a eleição a bico de pena, isto é, permanecendo a seção eleitoral fechada no dia da eleição, de modo a impedir o voto, os partidos no poder se reuniam na residência de um correligionário e preenchiam a mão as rubricas eleitorais e a ata final da seção eleitoral, contendo as assinaturas dos eleitores fantasmas e o resultado. Um indício em linha com essa interpretação surge da análise das contestações apresentadas perante o Congresso Nacional entre 1900 e 1930 que tem revelado denúncias de comparecimento elevado. 826  A ideia da representação coletiva se fundamenta na análise de como os eleitores votavam no século XIX. Três características qualificam aquela representação: o voto era um ato local, isto é, territorialmente limitado, era um ato público (por ser facilmente rastreável) e era coletivo, já que concretamente produzido a partir da ação conjunta de vários eleitores. Para mais detalhes ver RICCI, P. Political Representation as Collective Representation. Considerations Based on the Brazilian Case. Representation - Journal of Representative Democracy, p. 1-19, 2019. 825 

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à Primeira República: ainda que os partidos sempre tenham cumprido esse papel, em 1933 e 1934 a máquina partidária montada para as eleições garantiu uma mobilização maior dos eleitores no dia da eleição. Esse achado deixa claro que o alistamento/voto obrigatório teve a função de garantir não a entrada de novos eleitores, mas a participação efetiva dos velhos. Voltarei a esse ponto nas conclusões, mas queria enfatizar o que me parece ser indefectível: há um elemento simbólico na previsão da obrigatoriedade que diz respeito à exigência de legitimar o regime pela via da participação eleitoral, mas há outro, mais importante, que nos obriga a pensar a ação dos partidos como agentes de mobilização eleitoral. A meu ver, algo inédito. Ou seja, precisamos ir além da retórica da discussão em torno do problema do absenteísmo eleitoral como razão principal da fixação de regras para o alistamento obrigatório. As novas regras institucionalizam a entrada no cenário eleitoral dos partidos como agentes de mobilização em massa dos eleitores. SEGUNDA DIMENSÃO: O RESPEITO DAS MINORIAS Quando o tema é partidos e eleições, na literatura ainda prevalece uma cisão clara entre o que vem antes de 1945, reconhecidamente autoritário, e o pleito de 1945 que inaugura o primeiro regime democrático no Brasil. A cisão é construída em torno da ideia de que os pleitos anteriores a 1945 não são competitivos. Cabe aprofundar a questão. Vejamos. Com relação à Primeira República, falou-se explicitamente em congelamento da vida política nos estados, apontando para o predomínio hegemônico de um partido.827 Estudos recentes têm oferecido um panorama diferente com relação à dimensão da competição eleitoral. Numa perspectiva revisionista, historiadores têm explorado a centralidade dos partidos como instituições de conciliação entre as elites, o voto como moeda de troca, as estreitas relações entre políticos e juízes e administradores locais, as disputas intra-oligárquicas e assim por diante.828 Mais recentemente, estudos conduzidos sobre as eleições para a Câmara dos Deputados permitiram identificar níveis mediamente elevados de competitividade entre partidos e candidatos avulsos em alguns anos eleitorais.829 A disputa se dava sobretudo pelo controle da burocracia eleitoral. Ou seja, o controle das diversas fases eleitorais, do alistamento até a contagem dos votos, representava o principal terreno em que se desdobrava a disputa eleitoral. O terceiro capítulo apresentou evidências consistentes de que os níveis da competição política aumentaram significativamente nos pleitos dos anos 1930. Como vimos no estudo das eleições de 1933 e 1934, o novo sistema eleitoral produziu dois resultados que merecem destaque: i) em alguns estados os partidos dos interventores perdem a eleição e ii) nos demais, ainda que as oposições sejam amplamente derrotadas, alguns de seus candidatos são LESSA, R. A invenção republicana. São Paulo: Vértice, 1988; LIMA JUNIOR, Olavo Brasil. Eleições presidenciais: centralidade, contexto e implicações. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 11-30, jun. 1999; MOTTA, R. P. Introdução à História dos Partidos Políticos Brasileiros. Belo Horizonte, UFMG Editora, 2008. 828  Decerto o elenco não será exaustivo, mas essas foram as referências principais que parecem encaixar-se melhor no sentido geral de uma abordagem alternativa quando o tema é eleições: PINTO, S. C. S. Só para iniciados... o jogo político na antiga capital federal. Rio de Janeiro: Maud X: Faperj, 2011; PINTO, S. C. S. A correspondência Nilo Peçanha e a dinâmica política na Primeira República. Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998; FREIRE, A. Uma capital para a República. Poder federal e forças políticas locais no Rio de Janeiro na virada para o século XX. Rio de Janeiro: Revan, 2000; SCHNEIDER, M. Justiça e política na Primeira República Justiça e política na Primeira República: história do Tribunal de Justiça de São Paulo. Editoria Singular, 2007; FERREIRA, M. M. A República na velha província. Rio de Janeiro: CPDOC/Editora FGV/Rio Fundo, 1989; REIS, F. Grupos Políticos e estrutura oligárquica no Maranhão. São Luís: UNIGRAF, 2007; FRANCO, Y. G. A ordem republicana em Mato Grosso: disputas de poder e rotinização das práticas políticas – 1889-1917. Curitiba, Editora CRV, 2016; BORGES, V. L. B. A batalha eleitoral de 1910: imprensa e cultura política na Primeira República. Apicuri, 2011; SARMENTO, S. N. A Raposa e a Águia: JJ Seabra e Rui Barbosa na política baiana. Salvador: SciELO-EDUFBA, 2011. 829  RICCI, Paolo e ZULINI, Jaqueline Porto. Partidos, competição política e fraude eleitoral: a tônica das eleições na Primeira República. Dados, v. 57, n. 2, p. 443-479, 2014. 827 

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eleitos. Comparativamente à Primeira República esse é o aspecto que chama a atenção: as oposições, anteriormente sempre derrotadas, conseguem cadeiras na Câmara dos Deputados, algo que, nas palavras de Victor Nunes Leal, seria “um fato inconcebível na Primeira República”.830 Entretanto esse quadro deve ser ponderado a partir da análise das práticas eleitorais. O termo chave, aqui, é liberdade. Vejamos se isso pode explicar o sucesso relativo das oposições. A LIBERALIZAÇÃO PODE EXPLICAR ALGO? Na literatura, basta recorrer a Robert Dahl para lembrar que a caracterização da democracia (ou poliarquia, nos termos do autor) se define pelo grau de contestação pública, mas também deve estar acompanhada de outro requisito fundamental: a liberalização. O que é liberalização e, ainda, como mensurá-la? Na impostação clássica de Robert Dahl a competição está estritamente vinculada à presença de direitos civis, em particular a liberdade de expressão, de voto, de se reunir e, diria Dahl, das condições que permitam ao cidadão “expressar suas preferências”.831 Muitos autores recorrem a tais aspectos da liberdade para classificar os regimes.832 Nesse trabalho eu delimito o campo da liberalização ao momento eleitoral. Ou seja, a liberdade é pensada em termos de condições minimamente aceitáveis para que o voto do eleitor seja dado de forma livre. Partir dessa perspectiva me permite dialogar com quem adota uma outra ideia de democracia. De acordo com uma definição minimalista de democracia e amplamente aceita por muitos cientistas políticos, um país é democrático quando os incumbentes aceitam a derrota eleitoral caso percam a eleição.833 Aqui a dimensão crucial é a alternância no poder. Dito de forma mais clara: apenas quando os incumbentes aceitam a derrota eleitoral, tornando-se oposição, é que podemos afirmar que o governo representativo é democrático. Nota-se que, aqui, há um desvio de atenção muito forte. Os eleitores saem de cena. A diferença crucial em respeito à definição de democracia clássica não está em quantos votam, mas no princípio da aceitação da derrota eleitoral.834 Nas palavras de Adam Przeworski: “Embora os perdedores estivessem em melhor situação no curto prazo se rebelando, em vez de aceitar o resultado da eleição, se eles tiverem uma chance suficiente para ganhar e uma vantagem suficientemente grande nas próximas rodadas eleitorais é melhor aceitar o veredicto do sorteio em vez de lutar pelo poder”.835 Ou seja, a esperança de se tornar governo, nas próximas eleições, é uma expectativa real. Para um partido derrotado nas urnas, em que consiste a expectativa de reverter o quadro no futuro próximo? A questão é mais bem ilustrada por Nadia Urbinati. Ao endossar a definição minimalista de democracia de Przeworski, a autora observa que no fundo tudo se sustenta quando existe um consenso de base entre os competidores. Ou seja, “o minimalismo parece ser o resultado teórico de um processo mais ou menos bem-sucedido de compartilhamento de uma gramática comum”.836 LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1997, p. 282. DAHL, Robert Alan. Polyarchy: Participation and opposition. Yale: Yale University Press, 1973. 832  Ver, por exemplo, a Freedom House, que classifica os regimes contemporâneos em função dos níveis de liberdades políticas e civis. 833  PRZEWORSKI, A. et al. Democracy and development: political institutions and well-being in the world, 1950-1990. v. 3. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. 834  Obviamente isso não significa anular completamente a importância da variável relativa ao direito de voto. A expansão da cidadania importa, mas ela não é suficiente por si só para definir um regime como democrático. 835  PRZEWORSKI, Adam. Minimalist conception of democracy: a defense. In: SHAPIRO, I. CORDÓN, C. Democracy’s value. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 45-46 836  URBINATI, Nadia. O que torna a representação democrática. Lua Nova, v. 67, n. 7, 2006, p. 73. 830  831 

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Przeworski não explicitou o argumento, mas é evidente que ao falar em termos de chances reais de ganhar em pleitos futuros implicitamente admite algum pré-requisito da liberalização. Qual? Não se trata de voltar a Dahl e às multíplices formas de pensar a liberalização, mas importa pensar nas condicionantes que garantam de fato o exercício da liberdade. Nos termos de Przeworski “agir livremente na política implica condições favoráveis, tanto institucionais quanto sociais”.837 Apesar de o autor admitir teoricamente a presença de algumas condicionantes desse tipo, infelizmente ele não as considera para sua definição de democracia. A seguir introduzo a ideia de que a esperança de se tornar governo depende de um requisito mínimo: regras que impedem a fraude eleitoral. Assim, a chance de se tornar governo nas próximas eleições é real apenas em presença de uma competição livre, sem intervenção no processo eleitoral. Explico. Minha posição é excluir as condicionantes sociais. Se adotarmos essa perspectiva, o foco recai quase que naturalmente na questão clássica do atraso econômico e da pressão exercida pelos chefes locais sobre os eleitores daquela época. Posto nesses termos, pouco teria mudado na passagem da Primeira República para a Era Vargas. O próprio Leal admite que a mudança daqueles anos “não atingiu a base de sustentação do coronelismo, que é a estrutura agrária”.838 Dentro dessa perspectiva, abundam os estudos que enquadram a modernização como condição necessária para que possamos pensar em eleições livres e honestas. Não há dúvida de que essa é no Brasil a perspectiva dominante na academia, continuamente evocada para tratar dos pleitos antes de 1945. Entretanto, como sugere Fernando Limongi: Tomar as qualidades dos eleitores como requisitos ao funcionamento do governo representativo implica adentrar um campo necessariamente minado. De pouco adianta substituir a propriedade pela educação como condição necessária ao exercício adequado ou virtuoso do direito de votar. Não há como estabelecer a priori e de forma objetiva as condições materiais e/ou cognitivas necessárias ao exercício do voto.839

Dito de outra forma, a questão não é a educação do eleitor, mas as condições institucionais efetivas que lhe permitem expressar livremente seu voto. Quais seriam as condições de liberdades mínimas para que as oposições tivessem incentivos para disputar o poder pela via eleitoral e não pela violência? Minha resposta é que a liberdade política se faz presente quando a probabilidade de os políticos e os partidos concorrerem e ganharem não é ameaçada pela fraude nas eleições. Como aponta a literatura recente sobre governos autoritários, os governantes podem se valer de um “menu de manipulação” amplo para reduzir o risco de perder as eleições840, inclusive em presença de um eleitorado suficientemente hábil para decidir livremente. Assim, me distancio do debate que enfatiza as condições socioeconômicas individuais e me concentro no estudo dos mecanismos institucionais que permitem (ou não) o controle das fases eleitorais. Conforme mostrarei na seção seguinte, a ausência da fraude eleitoral não é o elemento mais importante para distinguir entre os pleitos da Primeira República e os dos anos 1930. Vejamos em detalhe.

PRZEWORSKI et al., 2000, p. 34. LEAL, 1997, p. 284. 839  LIMONGI, Fernando. Eleições e Democracia no Brasil. Victor Nunes Leal e a Transição de 1945. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 55, n. 1, 2012, p. 131-163. 840  SCHEDLER, Andreas. The menu of manipulation. Journal of democracy, v. 13, n. 2, 2002, p. 36-50. 837  838 

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A FRAUDE ELEITORAL COMO MECANISMO DE DISPUTA POLÍTICA841 O que é fraude eleitoral? Os cientistas políticos entendem com esse termo “qualquer ato que potencialmente afeta os resultados eleitorais infringindo a lei”.842 A expressão “qualquer ato” é muito ampla e precisa ser melhor definida. Nesse trabalho adoto uma definição mínima de fraude que se refere às distorções no processo de votação, do alistamento até a contagem dos votos.843 É uma definição minimalista porque se concentra sobre as violações inerentes ao mero processo eleitoral. Vários autores têm desenvolvido inúmeras abordagens para estudar o fenômeno sob esse ângulo, enfatizando os desvios provocados pelos atores envolvidos no processo de administração das eleições.844 No caso da América Latina, essa definição de fraude segue a formulação empregada por Natalio Botana décadas atrás quando, ao descrever o caso argentino, introduzia a noção de gobierno elector.845 A expressão revela a imagem de um controle burocrático-administrativo do processo eleitoral garantido por uma rede de atores, em sua maioria com funções públicas, que atuava em diferentes níveis, do alistamento até a fase da diplomação dos deputados. Juízes, delegados de polícia, membros das comissões de alistamento, membros das comissões responsáveis pela contagem dos votos são, todos eles, atores que, agindo parcialmente, manipulam o resultado eleitoral. Botana reconhece que quem detêm o monopólio da burocracia eleitoral é o governo. No Brasil, ainda que esta seja a prática observada na Primeira República, vários estudos têm mostrado que as oposições também adotavam estratégias de disputas visando o controle da burocracia eleitoral.846 Por essa razão prefiro adotar o termo burocracia eleitoral, mais neutro em respeito ao gobierno elector. Essa forma de definir a fraude está sujeita a uma crítica principal. No caso, a de excluir qualquer outro ato capaz de condicionar a liberdade do ato do voto e que é praticado fora do âmbito da burocracia eleitoral. A violência física, a coação e a intimidação, a compra de votos, são alguns dos mecanismos mais lembrados pela literatura para descrever as práticas finalizadas ao controle dos indivíduos. Tais práticas não se restringem ao momento eleitoral. O ponto merece ser aprofundado. Em primeiro lugar, vale lembrar que, como mostrou para o caso inglês o influente estudo de Frank O’Gorman847, muitas práticas que hoje julgamos como privativas da liberdade individual faziam parte na época de um ritual em que o voto era percebido como moeda de troca. Vendia-se o voto, em troca de benefícios materiais. Como discutido para o caso latino americano, estudar a corrupção eleitoral no século XIX implica em não contemplar as relações de clientelismo e patronage, já que “nem as relações de deferência nem as clientelistas implicam necessariamente a distorção da vontade dos eleitores”.848 Portanto, ao focar a fraude no âmbito da burocracia eleitoral, defino o modo de fazer e ganhar as eleições, independentemente do nível do contexto social e econômico em que os eleitores se encontram. Retomo aqui algumas considerações amplamente desenvolvidas no texto RICCI, Paolo e ZULINI, Jaqueline Porto. The Meaning of Electoral Fraud in Oligarchic Regimes: Lessons from the Brazilian Case (1899–1930). Journal of Latin American Studies, 49, v. 2, p. 243-268, 2017a. 842  LEHOUCQ, Fabrice. Electoral fraud: Causes, types, and consequences. Annual Review of Political Science, v. 6, n. 1, 2003, p. 235. 843  SCHEDLER, 2002. 844  BENSEL, R. F. The American ballot box in the mid-nineteenth century. Cambridge: Cambridge University Press, 2004; LEHOUCQ, F. E. MOLINA, I. Stuffing the ballot box: fraud, electoral reform, and democratization in Costa Rica. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. 845  BOTANA, N. La tradición republicana. Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1977. 846  LEAL, 1997; RICCI; ZULINI, 2017a. 847  O’GORMAN, F. Voters, Patrons, and Parties: The Unreformed Electoral System of Hanoverian England, 1734-1832. Oxford: Oxford University Press, 1989. 848  POSADA-CARBÓ, Eduardo. Electoral juggling: A comparative history of the corruption of suffrage in Latin America, 1830–1930. Journal of Latin American Studies, v. 32, n. 3, 2000, p. 630. 841 

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Em segundo lugar, vale lembrar que a intimidação e a coação não eram fenômenos isolados do processo eleitoral. Os próprios mecanismos previstos pela lei eleitoral eram frequentemente usados como forma de pressionar ou coagir os eleitores. Como lembram Mozaffar e Schedler, as regras da administração das eleições podem favorecer certas práticas coativas.849 No caso do Brasil, por exemplo, o Código Eleitoral não introduziu de fato o Australian ballot, já que não foi prevista a cédula oficial. Ainda que os eleitores votassem em uma cabine fechada, as cédulas eram impressas e distribuídas pelos partidos fora do lugar de votação. Como observado recentemente, o voto secreto não foi tão eficaz como se pensa na eleição de 1933 e os políticos encontraram na própria legislação outros mecanismos para manter o controle sobre os eleitores.850 Assim, uma definição mínima de fraude centrada sobre o processo eleitoral é capaz de capturar os fenômenos da coação e da intimidação, ainda que de forma indireta. A FRAUDE E O CÓDIGO ELEITORAL: O QUE MUDA? Muitas das considerações referentes ao impacto do Código de 1932 assumem a existência de efeitos positivos diretos sobre a manipulação do voto. Em particular, duas medidas garantiriam esse resultado. De um lado, o voto secreto. Por meio dele o voto ganhava garantias verdadeiras e contribuiria para a redução da “violência nas disputas eleitorais” permitindo atingir a “verdade eleitoral”.851 Em segundo lugar, a Justiça Eleitoral. A introdução de uma instância administrativa vinculada ao judiciário seria o principal mecanismo que contribuiu para a diminuição da influência partidária sobre o processo eleitoral.852 Uma grande mudança em respeito ao processo de reconhecimento dos diplomas, de competência do Congresso Nacional. Na Primeira República os próprios parlamentares tinham de pronunciar um juízo definitivo sobre os diplomas expedidos pelas instâncias locais. Isso facilitava a prática da degola – isto é, o não reconhecimento do diploma dos candidatos oposicionistas expedidos no âmbito local.853 Com o Código Eleitoral esse processo de contagem final dos votos ficou a cargo da Justiça Eleitoral, retirando dos partidos a influência direta sobre o processo eleitoral. A visão positiva a respeito do impacto do voto secreto e da Justiça Eleitoral já deveria ser mitigada ao considerar a experiência de outros países. Pensemos no papel da governança eleitoral. Como alertam Mozaffar e Schedler, “novas instituições eleitorais podem ser fracas e ineficazes”.854 Como nos ensina o caso mexicano, a autonomia das cortes eleitorais foi gradual e não aconteceu de um dia para outro.855 Por além do mais, o fato de que novos mecanismos sejam previstos pelas leis eleitorais com o escopo de reduzir a fraude não significa que os políticos deixem de recorrer a outros estratagemas para manter o controle do processo eleitoral. Ou seja, há de se ponderar se MOZAFFAR, Shaheen. SCHEDLER, Andreas. The comparative study of electoral governance – introduction. International Political Science Review, v. 23, n. 1, 2002, p. 5-27. 850  RICCI, Paolo. ZULINI, Jaqueline Porto. The politics of electoral reforms: the origins of proportional representation in Brazil and the Electoral Code of 1932. In: GORDIN, G. RENNO, L. Institutional Innovation and the Steering of Conflicts in Latin America, ECPR Press, 2017b. 851  SADEK, M. T. A Justiça Eleitorale a consolidação da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Fundación Konrad Adenauer, 2010, p. 27. 852  SADEK, 2010; LEAL, 1997. 853  Estudo recente tem mostrado que o nível de degolas não era na verdade tão elevado, limitando-se a menos de 10 % dos diplomas entre 1899 e 1930 (RICCI, Paolo; ZULINI, Jaqueline Porto. ‘Beheading’, Rule Manipulation and Fraud: The Approval of Election Results in Brazil, 1894–1930. Journal of Latin American Studies, v. 44, n. 3, 2012, p. 495-521). O processo de verificação dos poderes funcionava como uma forma de solucionar os conflitos locais que as esferas inferiores não foram capazes de garantir. 854  MOZAFFAR; SCHEDLER, 2002, p. 21. 855  EISENSTADT, T. A. Courting democracy in Mexico: party strategies and electoral institutions. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. 849 

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tais reformas sejam imediatamente eficazes. No Reino Unido, a delegação aos juízes das responsabilidades para julgar as eleições, em 1868, é associada a uma redução das práticas de corrupção.856 Entretanto sua eficácia não é considerada imediata, e outras medidas, como o Corrupt Practices Bill, em 1881857 e o voto secreto858 foram necessárias. O capítulo sobre a Justiça Eleitoral mostrou claramente os obstáculos iniciais na sua organização para o pleito de 1933, por além da influência dos interventores nas fases em que o judiciário estava se estruturando nos estados. O mesmo argumento pode ser expandido para o voto secreto. Sabe-se que a previsão do voto secreto em outros países significou a adoção de técnicas alternativas para manter o controle sobre os eleitores. A adoção do Australian ballot nos USA, no século XIX, levou os partidos a abandonar a compra de votos e adotar outras táticas centradas sobre a supressão do voto.859 Para o caso inglês, estudos recentes mostram que a adoção do voto secreto teve impactos significativos sobre a compra de votos mudando o comportamento dos candidatos, do suborno para a obtenção de empregos.860 Na Argentina a lei Sáenz Peña de 1912 introduz o quarto escuro, mas como denunciava um deputado da época, “el fraude se perfecciona, adquiere nuevos matices y las previsiones de la ley son insuficientes a veces para evitarlo”.861 Esses casos alertam-nos para um tratamento mais cuidadoso dos possíveis efeitos positivos produzidos pelo Código de 1932 quando se observam os resultados eleitorais. Para tanto, a seguir apresento uma análise para o pleito de 1933 buscando observar em que medida a fraude eleitoral mudou em respeito à Primeira República. O PLEITO DE 1933 E A FRAUDE ELEITORAL: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS Para se observar as práticas fraudulentas analiso as denúncias apresentadas perante a Justiça Eleitoral pelos candidatos/partidos no pleito de 1933. Trata-se de 886 alegações de fraudes eleitorais registradas nos Boletins Eleitorais do TSE relativas às eleições de 1933.862 O TSE era a instância máxima da Justiça Eleitoral e devia resolver os recursos provenientes das instâncias inferiores –

EGGERS, Andrew C. SPIRLING, Arthur Spirling. Ministerial responsiveness in Westminster systems: Institutional choices and House of Commons debate, 1832–1915. American Journal of Political Science, v. 58, n. 4, 2014, p. 873-887. 857  RIX, Kathryn. ‘The Elimination of Corrupt Practices in British Elections’? Reassessing the Impact of the 1883 Corrupt Practices Act. The English Historical Review, v. 123, n. 500, February 2008, p. 65-97. 858  KAM, Christopher. The secret ballot and the market for votes at 19th-century British elections. Comparative Political Studies, v. 50, n. 5, 2017, p. 594-635. 859  Ver, por exemplo, ARGERSINGER, Peter H. New perspectives on election fraud in the gilded age. Political Science Quarterly, v. 100, n. 4, 1985, p. 669-687 e COX, G. W. KOUSSER, J. M. Turnout and rural corruption: New York as a test case. American Journal of Political Science, 1981, p. 646-663. 860  KAM, 2017. 861  Citação extraída de Privitellio, ¿ Qué reformó la reforma? La quimera contra la máquina y el voto secreto y obligatorio. Estudios Sociales, 22(43) 2012, p. 57. 862  Só não incluí os dados para o estado da Paraíba, pois não foram encontrados recursos publicados nos Boletins Eleitorais sobre as eleições lá realizadas. Doravante, os Boletins Eleitorais serão identificados pela sigla BE. Para mais detalhes ver Ricci e Zulini, RICCI, Paolo; ZULINI, Jaqueline Porto. The politics of electoral reforms: the origins of proportional representation in Brazil and the Electoral Code of 1932. In: JORDIN, G. RENNO, L. Institutional Innovation and the Steering of Conflicts in Latin America, ECPR Press, 2017b. 856 

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no caso, os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), além de ter a prerrogativa exclusiva de julgar os recursos contra a expedição de diplomas ou reconhecimento de candidatos.863 De acordo com a definição de fraude adotada no texto, considerei apenas as alegações referentes ao processo eleitoral. Excluí, portanto, 31 alegações de fraude que denunciavam apenas a coação e a intimidação dos eleitores sem especificar eventuais violações no processo eleitoral e outras 20 alegações de fraude centradas na aplicação do método proporcional para conversão de cadeiras em votos. Retirando os missings, fiquei com 825 observações no banco de dados.864 Como defendido anteriormente, a exclusão das alegações que não tratam especificamente do processo eleitoral não implica perda substantiva de informações. Isso porque a coação do eleitor se utilizava de mecanismos inerentes ao processo eleitoral. Basta pensar que das 164 denúncias de coação dos eleitores, em 133 delas o denunciante especificava também o mecanismo da violação do segredo do voto por meio do qual os políticos pressionavam de fato os eleitores. Isso mostra a validade da definição de fraude adotada. Vale também notar que como cada denúncia podia incluir mais de um tipo de fraude tem-se um total de 1001 denúncias analisadas. A seguir apresento os quatro mecanismos principais que os políticos usaram para fraudar as eleições. Mecanismo número 1: fraude no alistamento Há 24 registros que denunciam irregularidades no processo de alistamento eleitoral (2,4% do total). Metade delas referem-se às reclamações do candidato Samuel Mac-Dowell (Partido Constitucional do Pará) sobre o alistamento ex-officio feito pelas associações profissionais filiadas à Federação do Trabalho do Pará. O candidato alegava, entre várias coisas, [...] que das 45 associações filiadas á “Federação do Trabalho do Pará”, 25 são insuscetíveis de reconhecimento legal; além dessas, tres não estavam reconhecidas a 25 de março, quando se encerrou o período da qualificação “ex-officio”; entretanto, todos os seus membros foram assim qualificados; si, na melhor das hipóteses, apenas 17 associações estavam em condições de qualificar “ex-officio” os associados, o certo é que, em 26 de maio, a Federação só tinha em seu quadro 11 sindicatos reconhecidos.865

Outra denúncia de fraude com grandes proporções condena o alistamento eleitoral realizado em todo o estado de Sergipe “porque grande parte do eleitorado é composta de gente que dificilmente desenha o nome.”866 As outras denúncias de fraude rementem a eleitores alistados fora do prazo, menores de idade inscritos e alistamento realizado por incapaz.

A estratégia de detectar o tipo de fraude pela leitura das denúncias já foi explorada em outros casos. Ver, por exemplo, estudos sobre os Estados Unidos (BENSEL, 2004), Costa Rica (LEHOUCQ; MOLINA, 2002); Alemanha Imperial (ZIBLATT, Daniel. Shaping democratic practice and the causes of electoral fraud: the case of nineteenth-century Germany. American Political Science Review, v. 103, n. 1, 2009, p. 1-21; MARES, I. From open secrets to secret voting: democratic electoral reforms and voter autonomy. New York: Cambridge University Press, 2015); Reino Unido (KAM, 2017); Suécia (TEORELL, Jan. Partisanship and Unreformed Bureaucracy: The Drivers of Election Fraud in Sweden, 1719–1908. Social Science History, v. 41, n. 2 2017, p. 201-225). No Brasil, observa-se o uso sistemático dessas fontes com relação à Primeira República (RICCI; ZULINI, 2017a) e preliminarmente para as eleições de 1933 (RICCI; ZULINI, 2017b). 864  Trinta (3,4%) das alegações de fraude não informam o que se denuncia ou representam denúncias muito genéricas e, por esse motivo, foram desconsideradas da análise. 865  BE n. 124, 19/08/1933, 2563. 866  BE n. 111, 08/07/1933, p. 2395. 863 

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Mecanismo número 2: formalidades burocráticas A legislação eleitoral na Primeira República brasileira era bastante detalhista sobre o processo eleitoral. Nesse aspecto, o Código Eleitoral seguiu a mesma linha: cheio de dispositivos que discriminavam o passo-a-passo necessário para se considerar a eleição legal. Uma simples revisão dos procedimentos que os presidentes das seções deveriam cumprir no encerramento das votações ajuda a ilustrar bem o ponto. Segundo o Código, o presidente da seção tinha que tomar uma série de providências após declarar encerrado o ato eleitoral. Primeiro, selar a abertura da urna com uma tira de papel forte que levasse sua assinatura, bem como a dos fiscais de candidatos e delegados de partidos, os quais também podiam pôr suas impressões digitais na tira. Na sequência, o presidente da seção precisava assinar a lista dos eleitores da seção e convidar os fiscais e delegados presentes a fazerem o mesmo, além de riscar os nomes dos eleitores que não compareceram. Ao pé dessa lista de eleitores, o presidente da seção ainda mandava lavrar uma ata informando o número, por extenso, dos votantes e a menção de quaisquer protestos ou ocorrências que a lei exigisse consignar. Assinar essa ata da seção constituía outra responsabilidade do presidente da seção, mas partilhada com os demais mesários, com os candidatos, seus fiscais ou delegados de partido que quisessem. O próximo encargo do presidente da seção era entregar a urna à secretaria do TRE, ou à agência do correio mais próxima, pessoal e imediatamente, sob recibo, com a indicação da hora, e dentro de uma sobrecarta rubricada por ele, e pelos fiscais e delegados que o quisessem, todos os documentos do ato eleitoral. Cabia também ao presidente da seção enviar o recibo da entrega ao TRE, em sobrecarta à parte. Por fim, o presidente da seção ficava encarregado de garantir a segurança dos agentes do correio até que as urnas e os documentos por eles recebidos chegassem ao TRE em segurança.867 O exemplo vale como a regra de cada etapa do processo eleitoral definido pelo Código no sentido da complexidade dos atos burocráticos: focados no registro preciso de detalhes. Esse era o mesmo nível de detalhamento de qualquer outra fase do processo eleitoral: do alistamento à apuração dos votos. Daí as alegações de fraude eleitoral em geral se aterem, justamente, às formalidades burocráticas para tentarem provar as irregularidades que apontavam no processo eleitoral. Afinal, encontrava-se nas regras o fundamento para se alegar os desvios. Embora existisse a possibilidade de que um erro ou omissão formal não fosse mal-intencionado, algumas formas de intervir eram claramente fraudulentas. 375 das alegações de fraudes registradas nos Boletins Eleitorais do TSE tratavam desse tipo de fraude (37,5% do total). São três os tipos de fraude que se pude identificar: i) irregularidades nas formalidades previstas em lei que organizavam os trabalhos nas seções eleitorais no dia de votação (189 casos); ii) irregularidades na composição das mesas eleitorais (119 casos); iii) o voto de eleitores de outras seções sem o cumprimento das devidas formalidades legais (54 casos). O primeiro caso é o mais numeroso e, ao mesmo tempo, extremamente heterogêneo. Como a lei eleitoral especificava uma série de detalhes considerados fundamentais para o prosseguimento legal do rito eleitoral, as supostas violações se multiplicavam. Ata da seção fora das formalidades, votação encerrada antes da hora legal e folhas de votação irregulares dominam o teor da maioria das alegações que se encontram nesse primeiro caso. Por exemplo, a falta de informações completas nas atas eleitorais das seções baseou alegações de fraude referentes a treze estados.868 Recorrendo contra Cf. CE 1932, art. 85 e § 2º. Nomeadamente: Acre, Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina. 867 

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a expedição de diplomas ou reconhecimento dos deputados, três candidatos às eleições maranhenses reclamavam, entre outras coisas, que os documentos enviados ao TRE/MA estavam incompletos pois faltava a folha de votação dos fiscais.869 Um candidato do Partido Liberal de Pernambuco arguiu de forma semelhante em recurso do gênero às eleições do seu estado, na segunda seção do Cabo: “não acompanhou a ata de início de votação, documento substancial que constataria, o dia, o mês, a hora e o edifício em que se realizou a eleição”.870 Já alegações de fraude referentes a oito estados apontavam que o horário de realização da votação predeterminado pelo Código Eleitoral, das 8h às 18h (sem interrupções), foi descumprido.871 Um candidato às eleições no Alagoas, por exemplo, apresentou recurso ao TRE/AL afirmando que “Os respectivos trabalhos se tinham encerrado às 14 horas e 30 minutos”.872 No estado do Rio de Janeiro, porém, encontram-se referências a recursos julgados pelo TRE/RJ reclamando tanto o encerramento das eleições tanto antes como depois do prazo legal.873 No que se refere às denúncias de fraude fundadas em folhas de votação regulares, encontram-se observações para seis estados.874 Tanto em um recurso interposto ao TRE/RN quanto em outro formalizado ao TRE/SP reclama-se da presença, nas cédulas de votação, de dizeres estranhos e vedados em lei.875 O que importa frisar é que as denúncias baseadas em irregularidades burocráticas tornavam os mesários diretamente envolvidos. Isso porque vinha deles a autoria dos vícios e irregularidades encontrados nas atas das seções e nas folhas de votação além de serem responsáveis por fazer respeitar o horário de abertura e encerramento da seção eleitoral. O segundo tipo de fraude identificado questionava a lisura do processo eleitoral pela sua organização. Segundo a letra do Código, o presidente da mesa eleitoral era nomeado pelo TRE, assim como os secretários, “de preferência, magistrado, membro do ministério público, professor, diplomado em profissão liberal, serventuário de justiça formado em direito, contribuinte de imposto direto”.876 Não existem estatísticas oficiais que apontem o valor exato dos presidentes vinculados à magistratura. A leitura das alegações de fraude revela, porém, que a legitimidade das mesas era frequentemente questionada por ter sido presidida por pessoas não previstas na lei, como delegados de polícia, funcionários públicos, agentes fiscais do governo ou até mesmo os próprios candidatos. Encontrei descrições do gênero para doze estados.877 Candidatos do Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso e Piauí impetraram recursos contra a expedição de diplomas ou reconhecimento dos candidatos alegando que funcionários demitidos ad nutum tinham sido nomeados indevidamente como presidentes de mesas eleitorais, em detrimento do prescrito pelo Código.878 O simples fato de que fosse o Tribunal Regional Eleitoral a nomeá-los sinaliza para a dubiedade com que tais nomeações eram feitas e para a parcialidade em selecionar indivíduos desvinculados das intrigas governistas. Na

Cf. BE n. 118, 29/07/1933, p. 2487. Cf. BE n. 117, 26/07/1933, p. 2472. 871  No caso, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. 872  BE n. 128, 02/09/1933, p. 2638. 873  Cf. BE n. 126, 26/08/1933, p. 2596-2599. 874  A dizer: Alagoas, Maranhão, Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paolo. 875  É o caso da identificação da profissão dos candidatos ou de chapas de partidos que não estavam registradas na Justiça Eleitoral. Cf. BE n. 127, 30/08/1933, p. 2626 (RN) e BE n. 130, 11/09/1933, p. 2656 (SP). 876  Cf. CE 1932, art. 65, § 1º. 877  Nomeadamente: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro e Sergipe. 878  Cf. BE n. 141, 18/10/1933, p. 2836 (Acre); BE n. 114, 17/07/1933, p. 2439 (Amazonas); BE n. 118, 29/07/1933, p. 2486-2487 (Maranhão); BE n. 114, 17/07/1933, p. 2435 (Mato Grosso) e BE n. 119, 02/08/1933, p. 2511 (Piauí). O Código vedava a possibilidade de um funcionário demissível ad nutum, isto é, demissível a qualquer momento, poder ser nomeado presidente de seção eleitoral ou servi-la como mesário (cf. CE 1932, art. 65, §1°, letra c). 869  870 

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prática, a interferência dos agentes públicos a serviço dos interventores podia resultar em vantagens significativas para os partidos no governo. Por fim, as denúncias centradas nos casos de eleitores votando em seções diferentes das preestabelecidas. Ainda que permitido por lei, a prática era denunciada porque em geral se contestava haver motivo para um grupo de eleitores votar em lugar distinto do previsto. As alegações de fraude a esse respeito abrangem treze estados.879 Um candidato do Acre que apresentou recurso contra a expedição de diplomas ou reconhecimento dos candidatos reclamou terem votado em algumas seções “eleitores em avultado número, a ela[s] não pertencente[s] e nem devidamente autorizados”.880 Trata-se de uma denúncia semelhante à impetrada em situação equivalente no Maranhão, onde votaram “eleitores de outras zonas, sem ressalva do juiz competente”.881 Essa alegação de fraude esconde um modus operandi das eleições que replica a prática eleitoral da Primeira República, em que os eleitores eram organizados em grupos e levados à seção eleitoral por cabos eleitorais que seguiam ordem do chefe político local. Votar em seções diferentes daquelas de inscrição era uma forma para os cabos eleitorais diminuir os custos da eleição, aumentando ao mesmo tempo o controle sobre os eleitores. Mecanismo número 3: apuração parcial dos votos Em substituição ao mecanismo de verificação dos poderes da Primeira República em que o Congresso Nacional tinha a última palavra sobre a validade dos diplomas, o Código de 1932 estabelecia que os respectivos Tribunais Regionais apurassem os sufrágios e proclamassem os eleitos. Para agilizar os trabalhos, previa-se que a apuração fosse feita em duas os três Turmas Apuradoras. Entretanto o Código era vago com relação à composição dessas Turmas, limitando-se a prever a “presença mínima de dois membros do Tribunal” (art. 82), sem determinar as características dos demais membros. O Tribunal Eleitoral Superior se acordou em abril de 1933 para que não fizessem parte da Turma Apuradora membros do diretório de partidos políticos e juízes que tivessem irmãos ou cunhados candidatos às eleições.882 Apesar da medida moralizadora, vários partidos acabaram por questionar o trabalho das Turmas Apuradoras (48 casos encontrados, correspondendo a 4,5% das fraudes) apontando: i) irregularidades na composição das Turmas Apuradoras (12 casos) e ii) fraudes na contagem dos votos (36 casos). Quanto à composição irregular das Turmas Apuradoras, as denúncias provêm de cinco estados.883 Em Pernambuco, questionou-se a composição da Turma Apuradora, que na apuração “colaboraram muitos fiscais e candidatos, auxiliando as turmas no serviço de contagem de sobrecartas e demais verificações”.884 Uma situação similar motivou o recurso de um candidato no Espírito Santo: [...] por haver funcionado em toda a apuração o desembargador José de Barros Wanderley, procurador-geral do Tribunal Regional, parente dos candidatos – Drs. Jeronimo Monteiro, Manoel Alves de Barros Junior e Carlos Monteiro Lindemberg, sobrinho afim dos dois e primo afim do último, portanto, com interesse evidente no resultado.885 No caso, Acre, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, São Catarina, e Sergipe. 880  BE n. 141, 18/10/1933, p. 2838. 881  BE n. 118, 29/07/1933, p. 2487. 882  A decisão foi tomada após consulta feita ao TSE. Ver BE 24/06/9133, p. 2356. 883  A saber: Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Pernambuco e Sergipe. 884  BE, 26/07/1933, p. 554. 885  BE n. 124, 19/08/1933, p. 2581. 879 

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O baixo número de fraudes encontradas não deve enganar. Diferentemente das demais, a denúncia da parcialidade das Turmas Apuradoras sinalizava para um tipo de fraude que se manifestava não no nível local, isto é, nas seções eleitorais, mas praticada no estado, após o encerramento da votação. Portanto um tipo de fraude crucial na medida em que o resultado eleitoral podia ser revertido nessas instâncias. Com relação à contagem dos votos, as alegações de fraude referem treze estados.886 Em seu recurso contra a expedição de diplomas ou reconhecimento dos candidatos, um candidato às eleições pernambucanas assim justificava o seu incomodo com o processo de apuração: “a abertura de 4 a 5 urnas de uma só vez, quando duas eram as turmas apuradoras, impossibilitou aos candidatos uma fiscalização eficiente das cifras parciais apuradas e suas respectivas anotações”.887 A completa desordem baseou um recurso do gênero impetrado em Minas Gerais: “Houve verdadeira balburdia e confusão nos trabalhos da apuração pela incerteza, variação e multiplicidade, de critérios adotados”.888 Mecanismo número 4: violação do sigilo do voto Conforme antecipado, o modelo de voto secreto adotado no Brasil em 1932 não consistia no Australian ballot. Segundo o Código Eleitoral, o sigilo do voto ficava garantido pelas seguintes formalidades. Primeiro, o uso da sobrecarta oficial, vale dizer, um envelope uniforme e opaco entregue pelo presidente da seção para o eleitor depositar a cédula de votação. Para manter o sigilo do voto, o presidente da seção ficava encarregado de numerar as sobrecartas de 1 a 9 e rubricá-las. O eleitor deveria, então, entrar em um espaço fechado (denominado cabine indevassável) para depositar a sua cédula dentro do envelope recebido do presidente da seção. Quando saísse da cabine indevassável, o eleitor teria de mostrar ao presidente da seção a sobrecarta para que o segundo conferisse a identidade dele, sua numeração e sua rubrica. Além disso, exigia-se que toda seção contasse com uma urna suficientemente ampla não se acumularem as sobrecartas na ordem de depósito.889 Os estratagemas usados para burlar o sigilo do voto eram variados e coincidem com 363 denúncias formais (36,3% do total). Elas incluíam: i) irregularidades na numeração e rubrica das sobrecartas (95 casos); ii) sobrecartas de tamanho e cor diferente do oficial (36 casos); iii) maior número de sobrecartas depositadas na urna em respeito ao número de eleitores que votaram (151 casos); iv) problemas no envio das urnas eleitorais e outros documentos formais aos Tribunais Eleitorais, como extravio da urna, atraso indevido (77casos).890 No primeiro caso, a numeração irregular das sobrecartas era um claro mecanismo de controle de como o eleitor votava. Encontram-se alegações do gênero em treze estados.891 A explicação mais elucidativa provém de um recurso interposto ao TRE/PA. Segundo o recurso, [...] as sobrecartas foram a princípio numeradas seguidamente, e depois, riscados os números, numeradas em séries. Ainda mais, acompanhando a urna, veio uma folha de votação, sem ser enviada pelo juiz, da qual consta a numeração seguida dos eleitores que votaram, Acre, Alagoas, Amazonas, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Minais Gerais, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. 887  Cf. BE n. 117, 26/07/1933, p. 2472. 888  BE n. 127, 30/08/1933, p. 2615. 889  Cf. CE 1932, arts. 57, 70 e 81. 890  32 fraudes foram classificadas na categoria “outras” por terem características diferentes das demais. 891  Explicitamente: Alagoas, Ceará, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. 886 

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coincidindo assim a numeração das sobrecartas com a lista referida, ocasionando, portanto, a violação do sigilo do voto.892

O segundo tipo de violação do segredo do voto era mais descarado. Embora o Código exigisse o uso de sobrecartas opacas893, alegações de fraude versam sobre a utilização de sobrecartas transparentes – ou de cor e dimensões diferentes dos parâmetros oficiais. No Espírito Santo, um recurso contra a expedição de diplomas ou reconhecimento dos candidatos afirmava diretamente: A eleição em todo o Estado do Espirito Santo é nula de pleno direito, de vez que não houve sigilo absoluto de voto porquanto as sobrecartas oficiais distribuídas nos serviços eleitorais eram por demais transparentes ou translúcidas, de modo a deixar ver os nomes dos candidatos do partido do governo, cujas chapas eram de dimensões exageradas e impressas em letras garrafais.894

Depois de estudar o caso, o TSE definiu pela anulação das eleições no estado em 12 de setembro de 1933. As eleições em Santa Catarina tiveram o mesmo desfecho. Os delegados do Partido Evolucionista apresentaram uma série de alegações de fraude argumentando que as sobrecartas utilizadas no estado não eram opacas nem uniformes.895 Como resposta, o TSE decidiu anular as eleições catarinenses em 31/10/1933. Mais uma vez, trata-se de um tipo de fraude cujos casos são caracterizados pela coparticipação do presidente da mesa eleitoral. A lei determinava que ao sair da cabine de votação o eleitor apresentasse a sobrecarta perante o presidente, os fiscais de partido e os delegados que “verificarão, sem tocá-la, si a sobrecarta que o eleitor vai depositar na urna é a mesma que lhe foi entregue”.896 Caso fosse verificada a discordância o eleitor teria mais uma chance, sendo convidado a utilizar o envelope oficial, mas se a discordância se mantivesse o eleitor deixava de ser admitido a votar. É evidente que as diferentes formas de burlar o sigilo envolviam o conúbio entre presidente da seção, demais mesários, fiscais e delegados. Afinal, era difícil passar despercebida uma sobrecarta de cor diferente ou, ainda, de tamanho fora do padrão exigido. Como tudo tinha que ser provado, incumbia ao denunciante apresentar os laudos periciais sobre as sobrecartas. Por fim, as denúncias referentes ao envio das urnas eleitorais sinalizavam para o envolvimento dos agentes de correio. O fato é interessante porque ilumina sobre o momento pós-eleitoral, antes da entrada em cena das Juntas Apuradoras. Terminada a votação, as urnas eram enviadas lacradas para as sedes dos respectivos Tribunais Eleitorais. Nessa passagem era crucial o papel dos agentes de correio que atuavam atrasando o envio das urnas, de modo a favorecer a substituição de eventuais cédulas ou até da própria urna. Em síntese, o exame das denúncias formais para a eleição de 1933 mostra um quadro em que a fraude eleitoral ainda é elevada e, em certa medida, replica as formas conhecidas na Primeira República de intervir no processo eleitoral. Aliás, é bem provável que os níveis de intervenção sobre a burocracia eleitoral sejam subestimados. As denúncias eleitorais, por exemplo, minimizam as eventuais interferências no ato do alistamento eleitoral.

892  893  894  895  896 

BE n. 124, 19/08/1933, p. 2567. CE 1932, art. 70. BE n. 124, 19/08/1933, p. 2582. BE n. 138, 07/10/1933, p. 2781-2783. CE 1932, art. 81, § 6º.

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O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS 1930: IMPLICAÇÕES E REFLEXÕES FINAIS Voltemos à pergunta de abertura do capítulo: que regime é aquele inaugurado com a revolução de 1930? Para responder à pergunta desenvolvi um argumento que traz para o centro da atenção a representação política. Sugeri que o período entre 1930 e 1937 deveria ser repensando tendo em mente a centralidade do processo eleitoral. Recomendei também ir além das questões clássicas que se discutem na academia quando o tópico é eleições. Até agora, a discussão tem girado em torno de uma vertente que pensa normativamente a cidadania e outra que estuda o exercício prático da própria cidadania. Dito de forma mais clara: quem tem direito ao voto e como se vota. Quem se deteve sobre o primeiro aspecto teve facilidade em condenar as experiências eleitorais anteriores a 1945 em virtude da ausência de amplos direitos políticos. Sob esse ângulo todo e qualquer analista acaba por enfatizar o mesmo resultado: o falseamento da representação em virtude da participação limitada. Quem se deteve sobre a segunda face, insistiu sobre as dinâmicas sociais, em particular o clientelismo e o mandonismo, acabando por cair no jargão comum de que apenas a modernização poderia mudar essa situação. Em ambos os casos, o diagnóstico é negativo. O problema principal é que tais abordagens são incapazes de observar as diferenças entre a Primeira República e o período pós-revolucionário. A meu ver é necessário fugir dessa intepretação simplória. Alternativamente, sugeri repensar aqueles pleitos tendo em mente o seguinte ponto de partida: o Código Eleitoral produziu efeitos notáveis claramente identificais, isto é, i) maior comparecimento eleitoral e ii) chances reais de derrota do governo. Como explicar esse resultado? Com relação ao comparecimento registrado em 1933 e 1934, é central o papel do partido político. Isso significa que em condições de ausência de um eleitorado ideologicamente orientado e independente, a dimensão-chave para compreender a ampla participação que caracteriza os pleitos de 1933 e 1934 passa a ser a capacidade de mobilizar o eleitor. Nesse sentido, fazer eleitores é a chave do sucesso eleitoral e isso exige coordenação. Concretamente isso significa atribuir centralidade à ação dos partidos. Trata-se de entender as características organizativas, as formas de recrutamento dos candidatos, a campanha eleitoral e o papel dos interventores que ocupam uma posição central nesse processo. As considerações feitas no livro e nesse capítulo nos obrigam, inevitavelmente, a deixar de lado qualquer afirmação que admita a existência dos partidos apenas para a democracia de 1945. Aqui, não tenho dúvidas: repensar as eleições de 1933 e 1934 significa estudar seriamente o papel dos partidos. Como relação às chances reais de derrota dos candidatos dos interventores, a análise das denúncias eleitorais tem confirmado o que vimos em outros países. Ou seja, apesar da adoção das inovações institucionais, as práticas fraudulentas não se estinguem. Na prática, elas se adaptam ou persistem, retomando padrões e técnicas adotadas na Primeira República. Provavelmente a vitória das oposições se explique pela incapacidade dos partidos dos interventores organizarem as eleições e, em última instância, manterem o controle sobre os eleitores. Portanto voltemo-nos para a pergunta inicial que motivou esta reflexão: que regime é aquele inaugurado com a revolução de 1930? Minha resposta é de que se trata de um regime que pode ser enquadrado na tipologia dos autoritarismos competitivos. Tais regimes se caracterizam pela presença de instituições formalmente democráticas pelas quais há competição partidária, mas onde os incum-

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bentes tiram vantagem de sua posição sobre os adversários. Portanto tais regimes são competitivos, mas não garantem a liberdade.897 O Código Eleitoral inovou nas regras, mas o que de fato aconteceu é que as elites políticas buscaram manter o controle sobre o processo eleitoral. Pode-se argumentar que isso não agrega muita informação quando comparado ao regime oligárquico competitivo da Primeira República.898 Tendo em mente as considerações feitas até aqui, é evidente que nos anos 1930, assim como no período republicano, não existiam as condições minimamente aceitáveis para o exercício livre do voto. Entretanto, se deslocarmos a ênfase para a competição as mudanças entre um regime e outro são mais perceptíveis. O termo oligarquia expressa a ideia de uma disputa entre poucos. Ou seja, só admite uma disputa entre famílias, grupos de elites, setores da sociedade com características similares. Sabemos que esse não é o panorama político-eleitoral dos anos 1930. Talvez o feito mais relevante seja justamente o nível de competição alcançado pelos pleitos de 1933 e 1934. Algo que antecipa de certa forma as eleições de 1945.

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PAOLO RICCI (ORG.)

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ANEXOS ANEXO I - ATOS DO GOVERNO PROVISÓRIO EM MATÉRIA ELEITORAL 1931-1934899

1930 DECRETO 19.398, de 11/11/1930. Institue o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providencias. Institui o Governo Provisório, define suas prerrogativas e competências, dissolve o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas, Camaras municipais, e atribui competências ao papel do interventor. DECRETO 19.459, de 06/12/1930. Institue a Comissão Legislativa. Esta comissão deveria preparar os projetos de revisão de várias matérias, como as legislações civil, comercial e penal, entre outras (art. 1o) criando subcomissões compotas por três membros. 1931 DECRETO 19.950, de 04/05/1931. Extingue vinte e cria três cargos no Juízo de Direito do Alistamento Eleitoral. Extingue 19 lugares de escrevente juramentado e um de oficial de justiça do Juízo de Direito do Alistamento Eleitoral do Distrito Federal e cria três lugares, de porteiro, correio e contínuo do mesmo Juízo. DECRETO 20.083, de 08/06/1931. Providencia quanto ao pagamento do pessoal do Juízo de Direito do Alistamento Eleitoral do Distrito Federal. Estipula como será custeada a despesa dos pagamentos dos funcionários do Juízo de Direito do Alistamento Eleitoral do Distrito Federal.

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O Anexo foi organizado pelos alunos do curso de Ciências Sociais da Usp Caio Martins, Fernanda Aparecida Cimetta Lopes, Karen Rizzato Pires.

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PAOLO RICCI (ORG.)

1932 DECRETO 21.076, de 24/02/1932. Decreta o Código Eleitoral. É o decreto de publicação do Código Eleitoral elaborado pela comissão composta por Assis Brasil, Joao Cabral e Antonio Pinto Serva. DECRETO 21.282, de 13/04/1932. Altera o Código Eleitoral quanto às atribuições administrativas a que se referem os seus Arts. 14 e 23, e dá outras providências. Faz alterações no corpo do Código Eleitoral. Estipula que: As atribuições de natureza administrativa contidas nos ns. 2 e 3 do art. 14, bem como as constantes dos ns. 2, 3 e 4 do art. 23 ficam a cargo dos presidentes dos Tribunais Eleitorais; serão aproveitados os funcionários federais que se achem nas condições previstas pelo art. 1.0 do decreto n. 20.486, de 6 de outubro de 1931 na organização das secretarias; o art. 17 do Código Eleitoral fica redigido: “Tem a Secretaria um diretor e os funcionários julgados necessários.” DECRETO 21.302, de 18/04/1932. Estabelece as importâncias de subsídio para os juizes do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais Eleitorais, por sessão a que compareçam; abre o crédito especial de 5. 699:140$0 para despesas com a execução do Código Eleitoral no período de maio a dezembro de 1932, e dá outras providências. Estabelece os subsídios dos juízes do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais Eleitorais por sessão; decreta que enquanto não forem instaladas as Assembléias Legislativas Estaduais, funcionarão os Tribunais nos prédios a elas destinados; fornece crédito especial para despesas de pessoal e material, delimitando suas finalidades. DECRETO 21.321 de 26/04/1932. Modifica o código eleitoral quanto à formação do Tribunal Regional do território do Acre, e dá outras providências. O decreto faz modificações no texto do Código Eleitoral para se adequar às “atuais condições de vida política e administrativa do Território do Acre” DECRETO 21.371, de 06/05/1932. Dispõe sobre a organização das Secretarias dos Tribunais Eleitorais, e dá outras providências. Dispõe sobre a alocação dos funcionários públicos para as Secretarias dos tribunais Eleitorais.

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O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

DECRETO 21.402, de 14/05/1932. Fixa o dia 3 de maio de 1933 para a realização das eleições à Assembléia Constituinte e cria uma comissão para elaborar o ante- projeto da Constituição. O decreto cria a comissão encarregada de redigir o anteprojeto da Constituição (art.1) e fixa a data da Assembleia Constituinte (art. 3). DECRETO 21.411, de 17/05/1932. Derroga o art. 1.325 do Código Civil, quanto à alínea II, com relação aos membros dos Tribunais Eleitorais, Superior e Regionais nomeados pelo Governo entre os cidadãos eleitos pelo Supremo Tribunal Federal, pelos Tribunais Judiciários dos Estados, do Distrito Federal e do Território do Acre, mas tão somente nas causas em que não tenham de intervir como juizes eleitorais. Derroga a alínea II do art. 1325 do Código Civil (que impede que sejam procuradores em juízo juízes em exercício) com relação aos membros dos Tribunais Eleitorais, Superior e Regional, em causas em que não tenham que intervir como juízes eleitorais. DECRETO 21.412, de 17/05/1932. Regula a incompatibilidade de que trata o art. 10 do decreto n. 21.076, de 1931. O decreto regula os casos a que se aplica o art. 10 do Código Eleitoral (“Não podem fazer parte do Tribunal Superior pessoas que tenham, entre si, parentesco até o 4º gráu; sobrevindo este, exclue-se o juiz por último designado.”). DECRETO 21.485, de 07/06/1932. Abre o crédito especial de 2.808:050$0, para atender à despesa com a identificação eleitoral, e dá outras providências. Define os gastos para os identificadores, designados pelos Juizes eleitorais de cada estado. Fornece uma planilha contento o número de identificadores por estado, o gasto pessoal e de material técnico. DECRETO 21.568 de 23/06/1932. Dispõe sobre a concessão de ajuda de custo aos funcionários nomeados para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais. Determina a concessão de ajuda de custo a funcionários das Secretarias dos Tribunais Eleitorais que tenham de transferir o domicílio a fim de assumir suas novas funções, correndo a despesa à conta do crédito aberto pelo decreto n. 21.302, de 18 de abril de 1932. DECRETO 21.660, de 20/07/1932. Cria, no Distrito Federal três cartórios privativos de alistamento eleitoral, abre no Ministério da Justiça e Negócios Interiores o respectivo crédito e dá outras providencias. Constatando as dificuldades em fazer o alistamento no Distrito Federal o decreto cria três cartórios, prevendo despesas pessoais e competências relativas.

263

PAOLO RICCI (ORG.)

DECRETO 21.669, de 25/07/1932. Dispõe sobre a abertura dos trabalhos de alistamento eleitoral, em cada uma das Regiões Eleitorais em que está dividido o país Decreta que a abertura dos trabalhos de alistamento eleitoral se deem no dia imediato ao que seja publicada em cada região a aprovação, pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral. da divisão de cada região em zonas eleitorais. DECRETO 21.722, de 11/08/1932. Atribue aos presidentes dos Tribunais Regionais a no- meação de funcionarias interinos para as respectivas secretarias até serem empossados os efetivo. Autoriza os presidentes dos Tribunais Regionais a nomearem funcionários interinos para cargos que ainda não foram preenchidos até a posse dos efetivos. DECRETO 21.808, de 12/09/1932. Suspende a execução do disposto no n. VIII do art.13 do decreto n. 20.348, de 29 de agosto ·de 1931, durante a fase do alistamento eleitoral. Suspende a execução do item VIII do art. 13 do decreto n. 20.348, de 29 de agosto ·de 1931, durante a fase do alistamento eleitoral. Tal artigo dispõe sobre a formação de conselhos consultivos estaduais e municipais; o item em questão suprime a necessidade de conselhos consultivos em municípios que não atinjam coeficientes, definidos pelo decreto, em relação à renda do estado. DECRETO 21.836, de 15/09/1932. Abre ao Ministerio da Justiça e Negocias Interiores o crédito especial de 19:410$000, afim de ocorrer ás despesas com a adaptação do predio da Avenida Mem de Sá n. 152, para o funcionamento dos cartorios eleitorais do· Distrito Federal. Concede crédito especial ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores para despesas de adaptação de prédio a servir como cartório eleitoral. DECRETO 22.040, de 01/10/1932. Regula os trabalhos da comissão encarregada de elaborar o ante-projeto da futura Constituição Brasileira. Regula os trabalhos da comissão redatora da Constituição, delimitando as atribuições do presidente e das subcomissões, as diretrizes de distribuição do texto da Constituição e dos pareceres, entre outras previsões. DECRETO 22.150, de 28/10/1932. Abre, ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o crédito especial de 100:000$$000, afim de ocorrer ás despesas com a aquisição de moveis e utensílios para os Tribunais Regionais Eleitorais. Concede crédito especial ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores para despesas de aquisição de móveis e utensílios para os Tribunais Regionais Eleitorais.

264

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

DECRETO 22.168, de 05/12/1932. Estabelece providências de emergencia para facilitar o alistamento dos eleitores para a Assembléa Nacional Constituinte Adoção de medidas emergenciais visando facilitar o processo de alistamento para as eleições da Assembleia Constituinte. Define normas para o alistamento ex-oficio, dispensa a identificação datiloscopica em locais onde nao haja instituto oficial de identificação. DECRETO 22.249, de 23/12/1932. Prorroga até o dia 20 de janeiro de 1933 o prazo legal para o fornecimento das listas dos cidadãos qualificaveis “ex-officio”, nos termos do decreto n 22.168, de 5 do corrente. Considera o prazo posterior insuficiente para a organização das listas de eleitores de todos os sindicatos, prorrogando, por isso, até dia 20 de janeiro de 1933 o prazo para o fornecimento das listas de cidadãos qualificáveis ex-officio. 1933 DECRETO 22.364, de 17/01/1933. Determina os casos de inelegibilidade para a Assembléa Nacional Constituinte. Define quais categorias de cidadãos são inelegíveis a cadeiras na Assembleia Nacional Constituinte. DECRETO 22.397, de 26/01/1933. Crêa postos eleitorais, no Distrito Federal, e dá outras providencias. Regulariza a possibilidade de instalação de postos eleitorais em sedes das repartições públicas, federais e municipais, das associações de classe culturais, industriais c comerciais, que o requererem e disponham de local e mobiliário adequados, desde que tais postos se destinem aos respectivos funcionários, associados, empregadores e empregados, qualificados ex-officio; regulamenta os funcionários destinados a tais trabalhos. DECRETO 22.451, de 09/02/1933. Abre o crédito especial de 624:103$300, afim de ocorrer ao pagamento das gratificações que competem, em 1932, aos juízes e aos escrivães eleitorais. Concede crédito especial destinado ao pagamento de gratificações aos juizes e aos escrivães das 1.409 zonas eleitorais. DECRETO 22.532, de 10/03/1933. Dispensa provisoriamente, para a qualificação requerida, a publicação — na imprensa e no “Boletim Eleitoral — exigida pelo art.25 do Regimento Geral dos Cartórios e Juízos Eleitorais; e dá outras providências. Decreta, como medida de emergência, dispensada a publicação da lista de alistandos na imprensa oficial, salvo no caso de alistamento ex-officio. 265

PAOLO RICCI (ORG.)

DECRETO 22.535, de 13/03/1933. Outorga as funções de escreventes dos cartórios eleitorais aos funcionários públicos postos á disposição do presidente do Tribunal Regional no Distrito Federal para auxiliarem o alistamento. Considerando o número insuficiente de escreventes dos cartórios eleitorais privativos no Distrito Federal, estabelece que todos os funcionários titulados postos à disposição pelos diretores das repartições públicas, federais e municipais, para auxiliarem os trabalhos de alistamento, poderão ser realocados como escreventes dos cartórios eleitorais. DECRETO 22.560, de 20/03/1933. Prorroga o prazo de inscrição e dá outras providencias. Partindo da desproporção entre o número de cidadãos já qualificados e o daqueles que têm conseguido a respectiva inscrição em todo o território nacional define medidas que prorrogam o prazo de inscrição para eleitores já qualificados. DECRETO 22.621, de 05/04/1933. Dispõe sobre a convocação da Assembleia Nacional Constituinte; aprova o seu Regimento Interno; prefixa o número de deputados á mesma e dá outras providências. Fixa o número de Deputados por estado, em proporção que não exceda um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado; define que a Assembleia Nacional Constituinte será convocada por decreto especial; delimita a atuação da Assembleia Constituinte a assuntos que digam respeito à elaboração, à aprovação dos atos do Governo Provisório e à eleição do Presidente da Republica. DECRETO 22.627, de 07/04/1933. Aprova as instruções para a realização da eleição para a Assembleia Nacional Constituinte. Lista todas as instruções referentes às eleições, abrangendo atos preparatórios, Constituição e funcionamento de mesas receptoras, apuração, modelo de gabinete indevassável e de folha de votação. DECRETO 22.631, de 07/04/1933. Prorroga até 15 do corrente o prazo para inscrições eleitorais no Distrito Federal. O decreto prorroga o prazo das inscrições eleitorais no Distrito Federal. DECRETO 22.653, de 20/04/1933. Fixa o número e estabelece o modo de escolha dos representantes de associações profissionais que participarão da Assembléia Constituinte. Estabelece a participação na Assembleia Constituinte de quarenta representantes de associações profissionais, vinte empregados e vinte empregadores; dispõe sobre o método de escolha de tais representantes.

266

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

DECRETO 22.671, de 26/04/1933. Considera feriado nacional o dia 3 de maio próximo, profixado para as eleições á Constituinte. Torna feriado o dia da eleição da Assembleia Constituinte. DECRETO 22.672, de 26/04/1933. Altera, únicamente para a próxima eleição á Constituinte, o disposto no art.59 do Código Eleitoral. Modifica as condições de elegibilidade estabelecidas pelo art. 59 do Código Eleitoral (“São condições de elegibilidade: 1º) ser eleitor; 2º) ter mais de quatro anos de cidadania.”); adiciona ser necessário, além disso, se inscrever nos Tribunais Regionais, mediante prova de ter sido qualificado para fins eleitorais. DECRETO 22.695, de 10/05/1933. Estabelece medidas para abreviar a apuração da eleições á Assembléia Constituinte. Estabelece medidas visando a abreviação do processo de apuração, regularizando o trabalho de turmas apuradoras nas regiões que tenham mais de cem seções eleitorais. DECRETO 22.696, de 11/05/1933. Aprova as instruções para a execução do decreto n. 22.653, de 20 de abril de 1933, que fixa o número e estabelece o modo de escolha dos representantes de associações profissionais que participarão da Assembléia Nacional Constituinte. Lista as instruções referentes ao decreto 22.653, de 20 de abril de 1933, a respeito da eleição de representantes de associações profissionais a tomar parte na Assembleia Constituinte. DECRETO nº 22.745, de 24/05/1933. Dispõe sôbre o reconhecimento dos sindicatos cujos pedidos tiverem sido recebidos até 20 de maio de 1933, e dá outras providencias. Dá os parâmetros operacionais das eleições dos delegados-eleitores. DECRETO 22.790, de 01/06/1933. Abre o crédito de 140:985$000 para ocorrer a despesas com o serviço eleitoral. Concede crédito especial para despesas com serviço eleitoral, discriminando cargos e seus respectivos valores. DECRETO 22.903, de 08/07/1933. Declara feriado, no Estado de São Paulo, o dia 11 do corrente, para realização de eleições. Torna feriado o dia 11 de julho, data estipulada para a realização de novas eleições nas seções que foram anuladas no pleito de 3 de maio. DECRETO 22.940, de 14/07/1933. Esclarece e completa as instruções aprovadas pelo decreto n. 22.696, de 11 de maio de 1933. Diz respeito à participação dos delegados-eleitores na Mesa. 267

PAOLO RICCI (ORG.)

DECRETO 22.967, de 19/07/1933. Crêa a Secretaría da Procuradoria Geral da Justiça Eleitoral e dá outras providencias. O decreto anuncia a criação da Procuradoria Geral da Justiça Eleitoral, composta por um secretário, um datilógrafo e um contínuo. Estipula também os vencimentos dos três funcionários. DECRETO 23.017, de 31/07/1933. Altera a composição do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral e dá outras providencias. Reduz o número de membros efetivos do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral e dispõe sobre o preenchimento das vagas de juízes efetivos. DECRETO 23.018, de 31/07/1933. Abre ao Ministerio da Justiça e Negocios Interiores o crédito especial de 150:000$000, para atender ás despesas da Secretaria da Assembléa Constituinte. Concede crédito especial para despesas da Secretaria da Assembleia Constituinte. DECRETO 23.094, de 18/08/1933. Derroga, para novas eleições à Assembléia Nacional Constituinte, o prazo a que se referem os artigos 58-1° do Codigo Eleitoral e 3°, § 1º, do decreto n. 22. 364, de 17 de janeiro de 1932 Para estados cujas eleições tenham sido anuladas (por exemplo, o Mato Grosso) estabelece que as listas de candidatos pelos partidos sejam registradas até 15 dias antes do pleito. DECRETO 23.102, de 19/08/1933. Convoca a Assembléia Nacional Constituinte. Convoca a instalação da Assembleia Nacional Constituinte na Capital, no dia 15 de novembro às 14 horas, no Palácio Tiradentes. DECRETO 23.299, de 30/10/1933. Organiza a Secretaria da Assembléia Nacional e abre o crédito necessário ao seu funcionamento. Lista o quadro de funcionários da Secretaria da Assembleia Nacional e seus respectivos vencimentos. DECRETO 23.300, de 30/10/1933. Abre o crédito especial de 2.530:700$000 para ocorrer a despesas com o funcionamento da Assembleia Nacional. Concede crédito especial para as despesas da Assembleia Nacional, delimitando o destino dos valores definidos.

268

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

1934 DECRETO 24.035, de 23/03/1934. Prorroga por um ano os prazos a que se refere o art. 119, letras a e b, do Código Eleitoral. Prorroga por mais um ano as disposições do art. 119 do Código Eleitoral (O cidadão alistável, um ano depois de completar maioridade ou um ano depois de entrar em vigor este Codigo, deverá apresentar seu titulo de eleitor para poder efetuar os seguintes átos: a) desempenhar ou continuar desempenhando funções ou empregos públicos, ou profissões para as quais se exija a nacionalidade brasileira; b) provar identidade em todos os casos exigidos por lei, decretos ou regulamentos.”) DECRETO 24.071, de 02/04/1934. Abre ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores o crédito especial de 3.645:674$, para pagamento de subsídio dos deputados e outras despesas relativas à Assembleia Nacional Constituinte, no segundo trimestre do corrente ano. Concede crédito especial para as despesas da Assembleia Nacional, delimitando o destino dos valores definidos. DECRETO 24129, de 16/04/1934. Dispõe sobre o alistamento e a organização dos arquivos eleitorais, e dá outras providências. Modifica dispostos do Código Eleitoral de 1932 (arts. 20 e 29 e na Parte Terceira, arts. 36 a 55) para acelerar o alistamento. DECRETO 24.197, de 07/05/1934. Abre ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores o crédito especial de 24:000$, para pagamento de ajuda de custo a novos Deputados à Assembleia Nacional. Concede crédito especial destinado a novos deputados da Assembleia Nacional. DECRETO 24.468, de 27/06/1934. Declara efetivados nos cargos que, em comissão, atualmente exercem, 21 escreventes dos cartórios privativos do Serviço Eleitoral, nomeados nos termos do decreto n. 21.660, de 20 de julho de 1932. Lista os escreventes de cartórios privativos efetivados nos cargos anteriormente exercidos em comissão. DECRETO 24.527, de 02/07/1934. Fixa os subsídios dos juízes do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais e dá outras providências. Fixa os subsídios anuais dos juízes do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais.

269

PAOLO RICCI (ORG.)

DECRETO 24.629, de 09/07/1934. Abre ao Ministerio da Justiça e Negocias Interiores o crédito especial de 7.291:348$, para pagamento de subsídio dos deputados e outras despesas relativas à Assembleia Nacional Constituinte no 2º semestre do corrente ano. Concede crédito especial para pagamento de despesas relativas à Assembleia Nacional Constituinte, fixando os gastos previstos. Atos do Poder Legislativo durante o Governo Provisório em matéria eleitoral 1935 Decreto 5, de 24/01/1935. Dispõe sobre o funcionamento e funcionários do Ministério Público Eleitoral. Tribunal Superior de Justiça Eleitoral poderá realizar até três sessões ordinárias por semana (art.3). Decreto 38, de 04/04/1935. Define crimes contra a ordem política e social. Decreta crime contra a ordem política tentar alterar por meios violentos a Constituição da República (art.1); incitar diretamente o ódio entre as classes (art.14); instigar as classes sociais a luta(art.15); instigar ou preparar a paralisação de serviços públicos (art.18). Decreto 48, de 04/05/1935. Modifica o Código Eleitoral São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos (art.2); alistamento e voto obrigatório para homens e mulheres (art.4); incumbe a secretaria do Tribunal Superior Eleitoral publicar o Boletim Eleitoral (art.18); compete aos Tribunais Regionais Eleitorais dividir em zonas a região eleitoral do respectivo Estado e dividir a região em círculos eleitorais para apuração das eleições municipais (art.27); incumbe a secretaria dos Tribunais Regionais distribuir o material para as eleições (art.32). Decreto 78, de 03/07/1935. Abre crédito especial para pagar a juízes e procuradores dos Tribunais da Justiça Eleitoral. 1936 LEI 230, de 31/07/1936. Providência sobre a organização dos arquivos eleitorais. Institui que os arquivos eleitorais deverão ser organizados seguindo padrão em até 12 meses, incluindo o registro e atualização de óbitos de eleitores.

270

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

1937 LEI 374, de 07/01/1937. Organiza o quadro de funcionários da Secretaria do Tribunal Superior da Justiça Eleitoral, assim como dos Tribunais Regionais Eleitorais. A lei sancionada institui que o Tribunal Superior da Justiça Eleitoral compor-se-á de vinte e sete funcionários (art.1); o quadro de funcionários dos Tribunais Regionais da Justiça Eleitoral dependerão do número de eleitorado (art.2). LEI 451, de 23/06/1937. Estabelece a proporção de Deputados para o Legislativo entre 1938-1942. O número de Deputados na Câmara dos Deputados será de um por cento e cinqüenta mil (1/150.000) habitantes, até o máximo de 20 em relação a cada Estado Decreto Legislativo 117, de 02/10/1937. Autoriza o Presidente da República a declarar estado de guerra em todo o território nacional por 90 dias.

271

ANEXO II – ESTATÍSTICA ELEITORAL

Ano

Cargos em disputa

Data da eleição

1933

Deputados constituintes

1934

Deputados federais e deputados 14/10/1934 estaduais constituintes

1935

1936

1937

03/05/1933

Prefeito e vereadores

03/05 Distrito Federal 31/08 Amazonas 09/09 Paraíba 12/09 Paraná 27/09 Piauí 08/10 Pernambuco 14/10 Sergipe 15/10 Goiás 17/11 Rio Grande do Sul 30/11 Pará 15/12 Alagoas 15/12 Espírito Santo

Prefeito e vereadores

15/01 Bahia 01/03 Santa Catarina 15/03 São Paulo 29/03 Ceará 07/06 Minas Gerais

Prefeito e vereadores

20/01 Mato Grosso 12/03 Maranhão 16/03 Rio Grande do Norte 22/06 Acre

Tabela 1 – Calendário eleitoral (1933-1937) Nota: os prefeitos das capitais dos estados e de instâncias hidrominerais eram nomeados pelos respectivos governadores. Fonte: elaboração própria a partir das constituições estaduais

273

274

191.145 4.628.553 809.886 630.171 554.934 1.649.023 441.350 1.325.929 424.308 1.682.736

Mato Grosso

Minas Gerais

Pará

Paraíba

Paraná

Pernambuco

Piauí

Rio de Janeiro

Rio Grande do Norte

Rio grande do Sul

1.206.530

13.651

168.130

24.172

123.119

14.765

73.903

23.405

66.240

38.673

25.983

61.168

275.289

8.774

32.973

18.287

19.295

25.246

45.437

106.894

16.662

24.464

Eleitores alistados (B)

629.113

7.590

73.906

14.260

57.375

11.362

46.850

15.795

37.198

18.346

14.029

30.118

128.710

3.645

15.780

10.674

10.081

10.834

24.389

76.976

6.840

14.355

Comparecimento (C)

4,92

3,20

4,54

5,21

7,32

3,48

5,57

5,30

4,02

6,97

4,12

7,55

5,95

4,59

4,82

4,27

5,32

2,59

3,85

3,89

4,40

2,88

B/A

52,14

55,60

43,96

58,99

46,60

76,95

63,39

67,49

56,16

47,44

53,99

49,24

46,75

41,54

47,86

58,37

52,25

42,91

53,68

72,01

41,05

58,68

C/B

Tabela 2 – Eleitorado e comparecimento eleitoral (1912) Fonte: elaboração própria a partir do Anuário Estatístico do Brazil 1908-1912, 1916. Rio de Janeiro: Directoria Geral de Estatística, v. 1, p. 67 para alistados e comparecimento eleitoral e p. 258-259 para a população

24.531.791

683.645

Maranhão

Brasil

428.661

Goiás

426.234

362.409

Espirito Santo

Sergipe

975.818

Distrito Federal

463.997

1.179.197

Ceará

3.700.350

2.746.443

Bahia

São Paulo

378.476

Amazonas

Santa Catarina

848.526

População (A)

Alagoas

Estados

PAOLO RICCI (ORG.)

974.273 2.869.814 809.508 1.996.899

Paraná

Pernambuco

Piauí

Rio de Janeiro

2.941.778

28725

516651

75351

367782

26810

167999

33124

117171

100496

61969

91838

645521

21900

61311

23906

48708

144744

124835

227694

19350

35893

Eleitores alistados (B)

1.900.256

17.344

367.439

46.018

297.532

17.171

90.296

22.728

72.082

53.129

42.126

62.372

369.766

13.693

41.185

18.749

26.463

64.442

89.529

163.995

5.886

18.311

Comparecimento (C)

Tabela 3 – Eleitorado e comparecimento eleitoral (03/03/1930) Fonte: elaboração própria a partir do Diário do Congresso Nacional, 21 de maio 1930, p. 545.

40.158.925

1.322.069

Paraíba

Brasil

1.432.401

Pará

547.965

7.442.243

Minas Gerais

Sergipe

349.857

Mato Grosso

6.399.190

1.140.635

Maranhão

São Paulo

712.210

Goiás

948.398

661.416

Espirito Santo

Santa Catarina

1.468.621

Distrito Federal

738.889

1.626.025

Ceará

2.959.627

4.135.894

Bahia

Rio Grande do Sul

433.777

Amazonas

Rio Grande do Norte

1.189.214

População (A)

Alagoas

Estados

7,33

5,24

8,07

7,95

12,43

3,63

8,41

4,09

4,08

10,32

4,69

6,41

8,67

6,26

5,38

3,36

7,36

9,86

7,68

5,51

4,46

3,02

B/A

64,60

60,38

71,12

61,07

80,90

64,05

53,75

68,62

61,52

52,87

67,98

67,92

57,28

62,53

67,17

78,43

54,33

44,52

71,72

72,02

30,42

51,02

C/B

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

275

276

4.203.033 1.650.991 1.711.466 691.169 738.146 1.168.167 364.070 7.583.673 1.499.213 1.367.172 1.014.177 2.949.634 831.737 2.038.943 764.070 3.052.009 986.855 6.634.389 551.887 41.560.147

Bahia

Ceará

Distrito Federal

Espirito Santo

Goiás

Maranhão

Mato Grosso

Minas Gerais

Pará

Paraíba

Paraná

Pernambuco

Piauí

Rio de Janeiro

Rio Grande do Norte

Rio Grande do Sul

Santa Catarina

São Paulo

Sergipe

Brasil

1.466.700

23.460

299.074

36.187

231.194

18.959

69.522

10.462

69.318

34.844

29.664

28.990

311.374

8.788

12.432

16.114

29.731

84.892

30.478

91.118

4.389

1.222.534

20.203

261.678

26.205

194.388

16.907

56.956

9.526

55.530

25.338

24.973

23.254

265.147

5.698

10.203

12.123

21.376

75.242

24.659

69.712

3.497

18.050

1.869

Comparecimento (C)

3,53

4,25

4,51

3,67

7,58

2,48

3,41

1,26

2,35

3,44

2,17

1,93

4,11

2,41

1,06

2,18

4,30

4,96

1,85

2,17

1,00

1,97

1,75

B/A

83,34

86,12

87,50

72,42

84,08

89,18

81,93

91,05

80,11

72,72

84,19

80,21

85,15

64,84

82,07

75,23

71,90

88,63

80,91

76,51

79,68

76,03

94,97

C/B

Tabela 4 – Eleitorado e comparecimento eleitoral (03/05/1933) Fonte: elaboração própria a partir de várias fontes. Para a população Anuário Estatístico do Brasil, 1936. Rio de Janeiro: IBGE, v. 2, 1936 (ano de 1935); para os alistados e o comparecimento ver Boletim Eleitoral do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, v. III, 13 de junho de 1934, suplemento ao nº 34, tab. VI

438.691

Amazonas

23.742

1.968

115.451 1.205.204

Acre

Eleitores alistados (B)

População (A)

Alagoas

Estados

PAOLO RICCI (ORG.)

986.855 6.634.389 551.887 41.560.147

Santa Catarina

São Paulo

Sergipe

Brasil

2.659.221

45.657

534.487

88.839

327.264

47.402

158.574

40.959

122.849

64.208

51.452

46.774

530.654

21.888

45.658

33.691

51.994

136.085

75.509

185.483

9.884

34.780

5.130

Eleitores alistados (B)

1.992.952

38.658

416.958

74.714

220.243

37.184

126.510

34.257

91.936

47.320

26.472

33.374

392.162

16.660

32.713

23.325

38.882

110.400

52.923

147.560

8.330

18.338

4.033

Comparecimento (C)

6,39

8,27

8,06

9,00

10,72

6,20

7,78

4,92

4,16

6,33

3,76

3,12

7,00

6,01

3,91

4,56

7,52

7,95

4,57

4,41

2,25

2,89

4,44

B/A

74,94

84,67

78,01

84,10

67,30

78,44

79,78

83,64

74,84

73,70

51,45

71,35

73,90

76,12

71,65

69,23

74,78

81,13

70,09

79,55

84,28

52,73

78,62

C/B

Tabela 5 – Eleitorado e comparecimento eleitoral (14/10/1934) Fonte: elaboração própria a partir de várias fontes. Para a população Anuário Estatístico do Brasil, 1936. Rio de Janeiro: IBGE, v. 2, 1936 (ano de 1935); para alistados e comparecimento ver Boletim Eleitoral 22/02/1936

764.070

2.038.943

Rio de Janeiro 3.052.009

831.737

Piauí

Rio Grande do Sul

2.949.634

Pernambuco

Rio Grande do Norte

1.014.177

Paraná

1.168.167

Maranhão

1.367.172

738.146

Goiás

Paraíba

691.169

Espirito Santo

1.499.213

1.711.466

Distrito Federal

Pará

1.650.991

Ceará

364.070

4.203.033

Bahia

7.583.673

438.691

Amazonas

Minas Gerais

1.205.204

Alagoas

Mato Grosso

115.451

População (A)

Acre

Estados

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

277

PAOLO RICCI (ORG.)

Estados

Partidos políticos

Votos

Acre

Chapa Popular Legião Autonomista Acreana (interventor)

965 902

Alagoas

Partido Nacional em Alagoas Partido Socialista de Alagoas Partido Economista Democrata de Alagoas

9885 1562 870

Amazonas

União Cívica Amazonense (interventor) Aliança Trabalhista Liberal Avante União Amazonense

1256 894 5 0

Bahia

Partido Social Democrático (interventor) Baía Ainda é a Baía Outros (1)

44640 6864 117

Ceará

Liga Eleitoral Católica Partido Social Democrático (interventor) Partido Integral Nacionalista Partido Republicano Democrata Partido Agrário do Ceará Ceará Irredento Partido Economista

10633 5529 1509 680 204 188 78

Distrito Federal

Partido Autonomista (interventor) Partido Economista Partido Democrático União Política Proletária Convenção Proletária Carioca Partido Democrático Socialista Outros (2)

10604 4330 1274 885 880 676 1583

Espirito Santo

Partido Social Democrático do Espírito Santo (interventor) Partido da Lavoura

11853 3047

Goiás

Partido Social Republicano de Goiás (interventor) Democratas

9216 650

Maranhão

Partido Republicano União Republicana Liga Católica Partido Socialista

2503 2292 854 505

Mato Grosso

Partido Liberal Matogrossense (interventor) Correntes Constitucionalistas Liga eleitoral Católica

3528 2162 161

278

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Estados

Partidos políticos

Votos

Minas Gerais

Partido Progressista (interventor) Partido Republicano Mineiro Partido Economista do Brasil Partido Trabalhista Mineiro Partido Civilista da Mocidade

158477 43959 1191 614 133

Pará

Partido Liberal do Pará (interventor) Partido Constitucional do Pará Outros (3)

15766 2522 missing

Paraíba

Partido Progressista (interventor) Partido Republicano Libertador Liga Pró-Estado Leigo Partido Popular

16697 3205 440 30

Paraná

Partido Social Democrático (interventor) Partido Liberal Paranaense Partido Republicano Paranaense

12101 5217 2679

Pernambuco

Partido Social Democrático de Pernambuco (interventor) Partido Republicano Social de Pernambuco Liberdade Trabalhador ocupa seu posto Partido Liberal Pernambucano Outros (4)

24261 4866 2751 2277 1961 67

Piauí

Partido Nacional Socialista (interventor) Hugo Napoleão Aliança Piauiense Partido Republicano Liberal

2707 2422 2110 256

Rio de Janeiro

Partido Popular Radical União Progressista Fluminense Partido Socialista Fluminense Partido Constitucionalista Partido Nacional Fluminense Partido Proletário Partido Economista do Brasil Outros partidos (5)

13270 12188 6411 3628 1909 1047 504 952

Rio Grande do Norte

Partido Popular do Rio Grande do Norte Partido Social Nacionalista (interventor)

9221 7136

Rio Grande do Sul

Partido Republicano Liberal (interventor) Frente Única (Partido Republicano e Libertador) Pró-Estado Leigo

132056 37430 1103

279

PAOLO RICCI (ORG.)

Estados

Partidos políticos

Votos

Santa Catarina

Partido Liberal Catarinense (interventor) Partido Republicano Catarinense Partido Social Evolucionista Legião Republicana Catarinense Pró-Estado Leigo

10758 5326 3083 3048 456

São Paulo

Chapa Única por São Paulo Partido Socialista Brasileiro Partido da Lavoura (interventor) Professorado Paulista Outros (6)

167260 35852 30196 2165 1177

Sergipe

Liberdade e civismo (interventor) União Republicana Social Progressista

7324 5509 1451

Tabela 6 – Lista de partidos e votação final (eleição de 03/05/1933) Observações: - Os votos de cada partido representam os votos de legenda no 1º turno, excluídos eventuais preferencias obtidas pelos candidatos em cédulas avulsas. Os votos aqui coletados expressam a contagem final feita pelos Tribunais Regionais Eleitorais para o pleito de 03/05/1933. Os dados do Rio de Janeiro foram extraídos do jornal A Noite, do dia 2 de junho de 1933. Os dados do Rio Grande do Norte foram extraídos do jornal A República (várias edições). Os dados da Paraíba foram extraídos do Jornal A União (várias edições). - Em itálico os partidos diretamente organizados e apoiados pelo interventor. Notas: (1) Outras siglas incluem A Baía Não Se Dá; Para a Assembleia Nacional Constituinte; Agripino Nazareth (2) Outras siglas incluem União Sindical do Brasil (26 votos), Liga Eleitoral Independente (11 votos); Partido União Operária e Camponeza do Brasil (329 votos); Partido Nacional do Trabalho (72 votos); Ação Cívica Nacional (39 votos); Partido Liberal Carioca (31 votos); Partido Trabalhista do Brasil (58 votos); Partido Trabalhista do Brasil (303 votos); Partido Unionista do Empregado no Comércio (358 votos) (3) Outras siglas incluem Partido Republicano Conservador e Legenda “Pelo Brasil” (4) Outras siglas incluem Partido Economista de PE (40 votos) e Partido Socialista de Pernambuco (27 votos) (5) Outras siglas incluem o Partido Liberal Social Fluminense (366 votos); união Cívica (305 votos); Partido Democrático Socialista (172 votos); Cinco de Julho (109 votos) (6) Outras siglas incluem Integralismo (925 votos) e União Operaria e Camponesa do Brasil (250 votos).

280

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Estados

Partidos políticos

Acre

Chapa Popular Legião Autonomista Acreana (interventor)

Alagoas

Partido Republicano Partido Nacional em Alagoas (interventor) Liga Eleitoral Católica Partido Integralista

Votos para a Câmara Votos para a Assembleia dos Deputados Legislativa Estadual 1896 2128

No Acre não havia Assembleia Estadual

10595 3024 Missing Missing

10718 2867 missing 338

Amazonas

Pelo Amazonas Redimido (interventor) Partido Trabalhista Amazonense Partido Republicano do Amazonas Partido Liberal do Amazonas Outros (1)

4786 1220 572 66 Não compete

4337 1124 604 121 53

Bahia

Partido Social Democrático (interventor) Legenda Governador Octavio Mangabeira Aliança Trabalhista Comercio e Trabalho Integralismo Proletários uni-vos

88222 46589 440 Não compete Não compete Não compete

85836 46830 1787 389 300 100

Ceará

Liga Eleitoral Católica Partido Social Democrático (interventor) Campanha Legionária A união faz a Força Outros (2)

27014 23715 611 359 99

27949 23574 549 Não compete 472

Distrito Federal

Partido Autonomista (interventor) Frente Única União O Camponesa Nacional Evolucionista Revirando a Affronta Integralismo Educação, Justiça e Trabalho Congresso Master Outros (3)

34145 19793 3877 3593 1968 1299 506 435 752

41328 18898 3690 3539 2244 1322 592 335 876

Espírito Santo

Partido Social Democrático (interventor) Partido da Lavoura Partido Proletário Integralista Partido Trabalhista Partido Conservador Municipal Pelo Espirito Santo Unido

15230 12313 1665 1096 111 7 Não compete

14955 11767 1554 1002 125 4 1

Goiás

Partido Social Republicano (interventor) Coligação Libertadora

14299 7786

13910 7827

281

PAOLO RICCI (ORG.)

Estados

Partidos políticos

Votos para a Câmara Votos para a Assembleia dos Deputados Legislativa Estadual

Maranhão

Partido Republicano Partido Social Democrático (interventor) União Republicana Maranhense Liga Eleitoral Católica Partido Socialista Brasileiro Ação Comercial Trabalhista Integralista Proletário

Mato Grosso

Partido Evolucionista de Matto Grosso Partido Liberal Mattogrossense (interventor) Liga E. Catholica Por M.G. Unida e Forte

Minas Gerais

Partido Progressista (interventor) Partido Republicano Mineiro Partido Novo Inconfidentes Integralismo Coligação Duque de Caxias Partido Popular Regenerador Ferroviários

251590 132907 3900 959 474 126 42

258454 127444 3160 655 224 127 22

Pará

Partido Liberal do Pará (interventor) Frente Única Paraense Outros (4)

20756 10097 missing

Missing missing missing

Paraíba

Partido Progressista (interventor) Partido Republicano Libertador Trabalhador vota em ti mesmo Partido Democrático Integralismo

19890 4157 799 Não compete Não compete

19987 3915 772 139 28

Paraná

Partido Social Democrático (interventor) União Republicana Paranaense Partido Social Nacionalista Estado Leico Consolidação cívica Integralistas Outros (5)

13786 8943 8621 856 715 475 358

22441 8964 8416 737 672 453 429

Pernambuco

Partido Social Democrático (interventor) União Libertadora Dissidência Pernambucana Trabalhador! Ocupe teu posto Integralismo Monarquia Pelo Cristianismo Social

48594 14439 13419 2103 237 75 Não compete

49818 28145 Coligado com União Lib. 1995 227 211 3111

282

11523 11427 5573 1937 1105 932 102 91

11517 10850 5633 1974 1082 888 104 116

7116 6410 218 49

7032 6298 252 46

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Estados

Partidos políticos

Votos para a Câmara Votos para a Assembleia dos Deputados Legislativa Estadual 19753 11366 455 Não compete Não compete

17466 10844 575 420 112

Piauí

Partido Nacional Socialista (interventor) Coligação Piauhyense Legenda Vaz da Costa Voz Proletária Partido Republicano Piauhyense

Rio de Janeiro

União Progressista Partido Radical Partido Socialista Partido Evolucionista Partido Republicano Oposição Camponeza Integralismo Lib. Trabalho Frente Única

41071 40722 16049 7488 3963 1847 1665 245 29

41712 41158 16212 7371 3848 1806 1602 Não compete Não compete

Aliança Social (interventor) Rio Grande do Partido Popular Norte União Operaria e Camponesa do Brasil Integralismo

14726 11726 154 missing

14547 11735 160 92

Partido Republicano Liberal (interventor) Frente Única Rio Grande do Integralismo Sul Liga Eleitoral Proletária Trabalhador ocupa seu posto

133150 76695 2242 2073 347

124618 76021 2266 2192 missing

Santa Catarina

Partido Lberal Catharinense (interventor) Aliança por Santa Catarina Integralismo Liga dos Trabalhadores de Santa Catarina

35915 35503 2362 Não compete

34934 35391 2343 184

São Paulo

Partido Constitucionalista (interventor) Partido Republicano Paulista Colligação Proletária Ação Integralista Colligação dos Independentes Voluntarios Alliança Socialista Uni]ao Operaria e Camponesa Liberdade e Justiça

209464 152831 9437 8448 4767 3242 2449 1924 Não compete

208634 152671 9334 8214 470 3154 2110 1911 3725

Sergipe

Republicano-Progressita (interventor) União Republicana Partido Social Democrata de Sergipe Integralismo

18549 11777 8022 95

18500 11472 8124 92

Tabela 7 – Lista de partidos e votação final (eleição de 14/10/1934)Observações:

283

PAOLO RICCI (ORG.)

- Os votos de cada partido representam os votos de legenda no 1º turno, excluídos eventuais preferencias obtidas pelos candidatos em cédulas avulsas. Os votos aqui coletados expressam a contagem final feita pelos Tribunais Regionais Eleitorais para o pleito de 14/10/1933. Os dados do Espirito Santo foram extraídos do jornal Diário da Manhã do dia 15 de novembro de 1934. Os dados do Paraná foram extraídos do jornal Gazeta do Povo do dia 2 de novembro de 1934. Os dados de São Paulo foram extraídos do jornal Folha da Manhã do dia 5 de dezembro de 1935. - Em itálico os partidos organizados e apoiados diretamente pelo interventor. (1) outras siglas Tudo pelo Amazonas (52 votos) e Amazonas (1 voto) (2) outras siglas (deputados federais): Josué Luiz de Castro (18 votos); Ceará Irredento (2 votos); Partido Republicano Socialista (15 votos); Partido Liberal evolucionista (64 votos): Outras siglas (deputados estaduais): Partido Republicano Socialista (325 votos); Partido Liberal Evolucionista (64 votos); Legenda Erico de Paiva Motta (81 votos); Legenda Ceará Irredento (2 votos) (3) outras siglas (deputados estaduais): Trabalhadores Unidos (115 votos); Republicano Regenerador (72 votos); Coligação de Independentes (69 votos); Democratico socialista (55 votos); Julho de 1932 (36 votos); Tudo pela Patria (24 votos); Iguais e Fortes (20 votos); Segurança Nacional (16 votos); 9 de Julho (15 votos); Liberal Carioca (10 votos); Ação Civica (5 votos); Cruzeiro do Sul (2 votos); P. Proletario (zero votos). Outras siglas (vereadores): Miguel Couto (165 votos); Pol. Independente (98 votos); Trabalhadores Unidos (163 votos); Republicano Regenerador (86 votos); Coligação de Independentes (85 votos); Democratico Socialista (64 votos); Julho de 1932 (43 votos); Tudo pela Patria (5 votos); Igueis e Fortes (19 votos); Segurança Nacional (46 votos); 9 de Julho (14 votos); Liberal Carioca (29 votos); Ação Cívica (5 votos); Cruzeiro do Sul (54 votos); Partido Proletário (zero votos) (4) outras siglas: trabalhador para o trabalhador; Deus Patria e Familia; Do povo para o povo (5) Outras siglas (deputados federais): Concentração Trabalhista (237 votos), Proletario (120 votos), Universitario Independente (1 votos) Outras siglas (deputados estaduais): Concentração Trabalhista (216 votos), Proletario (211 votos), Universitario Independente (2 votos) Estado

284

Cadeiras

Partidos

Cadeiras

Acre

2

Chapa Popular

2

Alagoas

6

Partido Nacional em Alagoas

6

Amazonas

4

União Cívica Amazonense Aliança Trabalhista Liberal

3 1

Baía

22

Partido Social Democrático Baía Ainda É A Baía

20 2

Ceará

10

Liga Eleitoral Católica Partido Social Democrático

6 4

Distrito Federal

10

Partido Autonomista Partido Economista Partido Democrático Avulso

6 2 1 1

Espírito Santo

4

Partido Social Democrático Partido da Lavoura

3 1

Goiás

4

Partido Social Republicano

4

Maranhão

7

Partido Republicano União Republicana

5 2

Mato Grosso

4

Partido Liberal Matogrossense Partido Constitucionalista

3 1

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Estado

Cadeiras

Partidos

Cadeiras

Minas Gerais

37

Partido Progressista Partido Republicano Mineiro

31 6

Pará

7

Partido Liberal do Pará

7

Paraíba

5

Partido Progressista

5

Paraná

4

Partido Social Democrático Partido Liberal Paranaense

3 1

Pernambuco

17

Partido Social Democrático Partido Republicano Social Avulso

15 1 1

Piauí

4

Partido Nacional Socialista Hugo Napoleão

3 1

Rio de Janeiro

17

Partido Popular Radical União Progressista Fluminense Partido Socialista Fluminense Partido Constitucionalista

10 4 2 1

Rio Grande do Norte

4

Partido Popular do Rio Grande do Norte Partido Social Nacionalista

3 1

Rio Grande do Sul

16

Partido Republicano Liberal Frente Única (Partido Republicano e Libertador)

13 3

Santa Catarina

4

Partido Liberal Catarinense Partido Republicano Catarinense

3 1

São Paulo

22

Chapa Única por São Paulo Unido O Partido Socialista Brasileiro Partido da Lavoura

17 3 2

Sergipe

4

Liberdade e Civismo União Republicana

3 1

Tabela 8 – Distribuição das cadeias na Assembleia Constituinte (eleição de 1933) Estado Acre

Cadeiras

Partidos

Cadeiras

2

Chapa Popular

2

Alagoas

8

Partido Republicano Partido Nacional Liga Eleitoral Católica

6 1 1

Amazonas

4

Pelo Amazonas Redimido

4

Bahia

24

Partido Social Democrático Legenda Governador Octavio Mangabeira

17 7

Ceará

11

Liga Eleitoral Católica Partido Social Democrático

7 4

285

PAOLO RICCI (ORG.)

Estado

Cadeiras

Partidos

Cadeiras

Distrito Federal

10

Partido Autonomista Frente Única

8 2

Espírito Santo

4

Partido Social Democrático Partido da Lavoura

3 1

Goiás

4

Partido Social Republicano Coligação Libertadora

3 1

Maranhão

7

Partido Republicano ou Aliança Liberal Partido Socialista Brasileiro

6 1

Mato Grosso

4

Partido Evolucionista de Matto Grosso Partido Liberal Mato-grossense

3 1

Minas Gerais

38

Partido Progressista Partido Republicano Mineiro

27 11

Pará

9

Partido Liberal do Pará Frente Única Paraense

7 2

Paraíba

9

Partido Progressista

9

Paraná

6

Partido Social Democrático Partido Social Nacionalista

4 2

Pernambuco

19

Partido Social Democrático de Pernambuco Dissidência Pernambucana União Libertadora

15 2 2

Piauí

5

Partido Nacional Socialista Coligação Piauiense

4 1

Rio de Janeiro

17

União Progressista Partido Radical Partido Socialista Partido Evolucionista

9 5 2 1

Rio Grande do Norte

5

Partido Popular Aliança Social

3 2

Rio Grande do Sul

20

Partido Republicano Liberal Frente Única

14 6

Santa Catarina

6

Partido Liberal Catarinense Aliança Por Santa Catharina

4 2

São Paulo

34

Partido Constitucionalista Partido Republicano Paulista

22 12

Sergipe

4

União Republicana Republicano-Progressista

3 1

Tabela 9 – Distribuição das cadeias na Câmara dos Deputados (eleição de 1934)

286

O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Estado

Cadeiras

Partidos

Cadeiras

30

Partido Republicano Partido Nacional Partido Integralista Avulso

24 4 1 1

Amazonas

30

Pelo Amazonas Redimido Partido Trabalhista Amazonense Partido Republicano do Amazonas

24 4 2

Bahia

42

Partido Social Democrático Legenda Governador Octavio Mangabeira

29 13

Ceará

30

Liga Eleitoral Católica Partido Social Democrático

18 12

Distrito Federal

24

Partido Autonomista Frente Única

20 4

Espírito Santo

25

Partido Social Democrático Partido da Lavoura Partido Proletário

16 8 1

Goiás

24

Partido Social Republicano Coligação Libertadora

16 8

Maranhão

30

Partido Social Democrático Partido Republicano União Republicana Maranhense Liga Eleitoral Católica

14 10 5 1

Mato Grosso

24

Partido Evolucionista de Mato Grosso Partido Liberal Mato-grossense

13 11

Minas Gerais

48

Partido Progressista Partido Republicano Mineiro

34 14

Pará

30

Partido Liberal do Pará Frente Única Paraense

21 9

Paraíba

30

Partido Progressista Partido Republicano Libertador Partido Democrático

27 2 1

30

Partido Social Democrático Partido Social Nacionalista União Republicana Paranaense

20 5 5

Pernambuco

30

Partido Social Democrático de Pernambuco União Libertadora Pelo Cristianismo Social

20 9 1

Piauí

24

Partido Nacional Socialista Coligação Piauiense

17 7

Alagoas

Paraná

287

PAOLO RICCI (ORG.)

Estado

Cadeiras

Partidos

Cadeiras

Rio de Janeiro

45

União Progressista Partido Radical Partido Socialista Partido Republicano Partido Evolucionista

Rio Grande do Norte

25

Aliança Social Partido Popular

21 4

Rio Grande do Sul

32

Partido Republicano Liberal Frente única

21 11

Santa Catarina

31

Partido Liberal Catarinense Aliança “Por Santa Catharina”

17 14

60

Partido Constitucionalista Partido Republicano Paulista Integralismo Coligação Proletária e Partido Socialista Brasileiro

36 22 1 1

30

Republicano-Progressista União Republicana Partido Social Democrata de Sergipe

14 11 5

São Paulo

Sergipe

19 15 5 4 2

Tabela 9 – Distribuição das cadeias nas Assembleias Constituintes Estaduais (eleição de 1934) 1933

1935

Data eleição

Vagas

Data eleição (1)

Vagas

Empregados

20 de julho

18

5, 12, 19 de janeiro

21

Empregadores

25 de julho

17

5, 12, 19 de janeiro

21

Profissões liberais

30 de julho

3

24 de janeiro

4

Funcionários públicos

3 de agosto

2

26 de janeiro

4

Grupos de profissões

Tabela 10 – Representação profissional (1): dia 5 se realizou a eleição para a classe de empregados e empregadores do grupo Lavoura e Pecuária; no dia 12 se realizou a eleição para a classe de empregados e empregadores do grupo da Industria; no dia 19 se realizou a eleição para a classe de empregadores e empregados do grupo do Comercio e Transportes

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SOBRE OS AUTORES Glauco Peres da Silva É professor livre-docente no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (DCP/ USP). É autor do livro Desenho de Pesquisa para a coleção didática organizada pela Enap e de vários artigos em revistas cientificas também entre os quais “Preparing the Terrain: Conditioning Factors for the Regionalization of the Vote for Federal Deputy in São Paulo” publicado na Brazilian Review of Political Science. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0001-5800-8222 Hannah Maruci Aflalo Doutoranda e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora no projeto Mulheres e Eleições 2018 da Fundação Getulio Vargas (FGV). Pesquisadora e cofundadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política (GEPÔ/DCP/USP). Contato: [email protected] Orcid: 0000-0002-4820-2942 Jaqueline Porto Zulini É professora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV/CPDOC). Doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo, fez pós-doutorado no Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (Cepesp/FGV). Já atuou como pesquisadora do Centro Brasileira de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais (Neci/USP). Tem expertise no estudo das instituições políticas brasileiras com ênfase em eleições, comportamento parlamentar e relações Executivo-Legislativo. É autora de artigos em revistas nacionais e internacionais, como Dados, Revista de Sociologia e Política e Journal of Latin American Studies. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0001-6153-7328 Josué Nobrega É doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP). Possui Master of Arts (MA) in Political Science - Comparative Politics and Political Methodology pela University of California-Los Angeles (UCLA) e também é mestre em Ciência Política pela USP. Bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Foi bolsista da Fulbright Foundation e atualmente é fellow da Fundação Lemann. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0002-7031-2267

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PAOLO RICCI (ORG.)

Luciana Pessanha Fagundes É formada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez mestrado em História Social na mesma instituição, possui doutorado em História, Política e Bens Culturais pelo Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Possui pós-doutorado em História da Música na Primeira República, realizado na Escola de Música da UFRJ. Terminou recentemente seu segundo pós-doutorado na Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), onde pesquisou os impactos da Primeira Guerra Mundial no cenário musical brasileiro. Atuou como docente no CPDOC, como professora convidada no Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Música da UFRJ e como professora substituta de História do Brasil Republicano na Universidade Federal Fluminense (UFF). É autora do livro “Do exílio ao panteão: D. Pedro II e seu reinado sob olhares republicanos”, publicado em 2017 pela editora Prismas. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0003-3936-7435 Maria do Socorro Sousa Braga É professora e Pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atua nos seguintes temas: sistema de governo, partidos políticos, eleições, representação política e comportamento eleitoral. É coordenadora do Núcleo de Estudo dos Partidos Políticos Latino-americanos (Neppla) e da Área Temática Eleições e Representação Política da ABCP (2018-2020). Foi pesquisadora visitante do Centro Latino Americano (LAC) da Universidade de Oxford (2009), com bolsa Fellowship da Academia Britânica. Publicou diversos artigos em periódicos da área e os livros O Processo Partidário-Eleitoral Brasileiro: Padrões de Competição Política (1982-2002). São Paulo: Humanitas, 2006, e, em coautoria com KINZO, Maria D´alva Gil (Org.) Eleitores e Representação Partidária no Brasil. 1. ed. São Paulo: Humanitas, 2007. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0003-2141-9778 Mônica Karawejczyk É doutora em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora, professora colaboradora e pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRSs), entre 2013 e 2015 pesquisadora residente da Fundação Biblioteca Nacional com bolsa de pesquisa da instituição. Publicou artigos em revistas cientificas como Revista Estudos Feministas, Locus: Revista de História, História: Debates e Tendências, Topoi. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0001-7921-7365

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O AUTORITARISMO ELEITORAL DOS ANOS TRINTA E O CÓDIGO ELEITORAL DE 1932

Paolo Ricci É professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (DCP/USP) desde 2008. Possui graduação pela Universidade de Bologna (Itália), mestrado e doutorado em ciência política pela USP. Suas áreas de interesse são partidos políticos, sistemas eleitorais, representação, comportamento político, política comparada. Publicou em revistas de área nacionais (Dados, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Revista de Sociologia e Política, Opinião Pública, Bib) e internacionais (Journal of Latin American Studies, Journal of Modern Italian Studies, Latin American Research Review, Representation). É autor de Instituições políticas nos estados brasileiros: governadores e Assembleias Legislativas no Brasil contemporâneo (São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2018) em co-autoria com Fabricio Tomio e de Normas regimentais da Câmara dos Deputados. Do Império aos dias de hoje (Brasília: Câmara dos Deputados, 2017), em co-autoria com Luciana Botelho Pacheco. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0003-2920-4536 Raimundo Helio Lopes É historiador, licenciado (2006) e mestre (2009) pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e doutor (2014) em História pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Dedica-se ao estudo do Governo Provisório, da Guerra Civil de 1932 e das correntes políticas do pós-30. Atualmente é professor do Instituto Federal Fluminense (IFF). Contato: [email protected] Orcid: 0000-0002-1581-7035 Rogerio Schlegel É professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole/Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEM/Cebrap). Tem mestrado e doutorado em Ciência Política pela USP. Atuou como visiting scholar na Universidade de Columbia (2018-2019) e na Universidade de Cambridge (2012-2013), fez estágio de pesquisa na Universidade de Edimburgo (2010) e foi junior visiting scholar na Universidade de Oxford (2008-2009). Desenvolve pesquisas sobre a democratização desigual, do ponto de vista territorial, ocorrida no Brasil do século XX e a trajetória da federação brasileira no período republicano, ambas financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Tem publicado artigos e capítulos sobre autonomia do eleitor, centralização da federação e pensamento político brasileiro na primeira metade do século XX. Contato: [email protected] Orcid: 0000-0002-1297-0819

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