Mel do Brasil

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MEL DO BRASIL

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MEL DO BRASIL AS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE MEL NO PERÍODO DE 2000/2006 E O PAPEL DO SEBRAE

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MEL DO BRASIL AS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE MEL NO PERÍODO DE 2000/2006 E O PAPEL DO SEBRAE

2008 Brasília - DF 3

2007, Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Adelmir Santana Presidente do Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae Nacional Paulo TTar ar ciso Okamotto arciso Presidente Luiz Carlos Barboza Diretor-Técnico Carlos Alberto dos Santos Diretor de Administração e Finanças Mirela Malvestiti Gerente Unidade de Capacitação Empresarial Juarez de Paula Autor Staff Art Marketing & Eventos Projeto Gráfico, Diagramação e Ilustração

P324m Paula, Juarez. Mel do Brasil : as exportações brasileiras de mel no período 2000/2006 e o papel do Sebrae / Juarez de Paula. — Brasília : SEBRAE, 2008. 98p. 1. Empreendedorismo. 2. Agronegócio. 3. Apicultura. 4. Exportação. I. Título. CDU 638.1:339.564

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Aos meus pais, Juarez e Clara, Pelo amor que sempre me dedicaram.

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Ao Professor Rodrigo Pires de Campos, Por sua valiosa orientação. A Alzira Vieira e Reginaldo Resende, Pelas informações e indicações. Ao SEBRAE, Pelo desafio, estímulo e apoio.

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“Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a Humanidade teria apenas mais quatro anos de vida”. Albert Einstein

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Resumo A apicultura brasileira, como atividade empresarial, é bastante recente. Introduzida pelos imigrantes europeus, evoluiu lentamente. Até a década de 50, o Brasil produzia somente cerca de 04 mil toneladas de mel por ano, produção esta voltada apenas para o consumo interno. A partir de 1956 foram introduzidas no Brasil as abelhas africanas, trazidas pelo geneticista Warwick Estevam Kerr, quando ocorreu, acidentalmente, o cruzamento natural com as abelhas européias anteriormente trazidas pelos imigrantes, gerando um híbrido, mais resistente às doenças e com maior capacidade produtiva. Essas “abelhas africanizadas”, como passaram a ser denominadas, representam hoje 90% das abelhas existentes no país. Essa melhoria genética possibilitou um grande salto em termos de produtividade. Num período de 50 anos, a produção brasileira de mel foi multiplicada por dez, estando no patamar de 40 mil toneladas por ano. Até o ano 2000, o Brasil ocupava apenas a 27ª posição no ranking mundial de exportação de mel, com menos de 300 toneladas/ano. No ano de 2004 o Brasil alcançou a 5ª posição entre os exportadores de mel, com mais de 20 mil toneladas/ano. O vertiginoso crescimento das exportações de mel brasileiro sofreu um grande impacto em 2006. No dia 17 de março de 2006, a União Européia estabeleceu um embargo comercial, proibindo a exportação de mel brasileiro para o mercado europeu, sob alegação de descumprimento de exigências sanitárias de controle de resíduos. O mercado europeu representava, até então, o destino de 80% das exportações do mel brasileiro. A apicultura brasileira estava diante de um desafio estratégico: continuar crescendo e exportando apesar das crescentes barreiras técnicas e políticas protecionistas que limitam o comércio mundial.

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Este estudo tenta comprovar as seguintes hipóteses: (a) o crescimento vertiginoso da participação brasileira nas exportações de mel a partir de 2000 se deu em razão de uma “janela de oportunidade” criada pelo embargo comercial das exportações chinesas e argentinas em razão da constatação da presença de resíduos de agrotóxicos e antibióticos no mel daqueles países e de medidas anti-dumping; (b) as exportações brasileiras de mel não foram resultado de uma estratégia de marketing, mas apenas uma resposta imediatista ao mercado comprador, o que implicou numa significativa redução do mercado interno e numa posição estrategicamente vulnerável no mercado externo; (c) o embargo comercial europeu contra o mel brasileiro iniciado em 2006 teve conseqüências estrategicamente favoráveis, pois obrigou o Governo Federal a tomar medidas em razão das barreiras técnicas impostas pelos importadores e obrigou o setor empresarial a buscar uma diversificação de mercados; (d) o fortalecimento da organização setorial da apicultura brasileira, apoiado em grande medida pelo SEBRAE, tem possibilitado a manutenção da trajetória de crescimento iniciada no período de 2000 a 2006. PALAVRAS-CHAVE: apicultura, exportações, SEBRAE.

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Sumário INTRODUÇÃO

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CAPÍTULO 1 – As teorias do Comércio Exterior

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O mercantilismo

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O liberalismo

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A vantagem competitiva e a política comercial contemporânea

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CAPÍTULO 2 – O comércio exterior brasileiro no período de 1984/2006 Cenários econômicos

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Análise das políticas comerciais

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Perspectivas

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CAPÍTULO 3 – Breve histórico da apicultura no Brasil A origem da apicultura

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A introdução da apicultura no Brasil

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As abelhas africanizadas e a moderna apicultura brasileira

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CAPÍTULO 4 – As exportações brasileiras de mel no período de 2000/2006 O cenário internacional

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O cenário brasileiro

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CAPÍTULO 5 – O papel do SEBRAE na organização setorial da apicultura O SEBRAE e a Rede APIS

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Os Agentes de Desenvolvimento Rural – ADR

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O embargo da União Européia às exportações brasileiras de mel

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O fortalecimento das organizações do setor apícola – CBA e ABEMEL

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A Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e Produtos Apícolas

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CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Intr odução Introdução Esta monografia foi orientada pelos seguintes objetivos: (a) investigar os fatores explicativos do vertiginoso crescimento da participação brasileira nas exportações de mel no período de 2000 a 2006; (b) investigar as conseqüências decorrentes do embargo comercial da União Européia contra as exportações de mel brasileiro iniciado em 17 de março de 2006; (c) investigar o papel do SEBRAE no apoio à organização setorial da apicultura brasileira. A questão central à qual buscamos responder foi: como o SEBRAE vem contribuindo para que a apicultura brasileira possa manter sua recente trajetória de crescimento na produção e exportação de mel, consideradas as crescentes barreiras técnicas e outras medidas protecionistas prevalecentes no comércio exterior? Acreditamos que o estudo realizado sobre a evolução das exportações brasileiras de mel no período de 2000/2006 e sobre o papel do SEBRAE na organização do setor apícola e na articulação das medidas adotadas em razão do embargo comercial europeu, oferece uma resposta satisfatória à questão colocada. Este estudo buscou comprovar as seguintes hipóteses: (a) o crescimento vertiginoso da participação brasileira nas exportações de mel a partir de 2000 se deu em razão de uma “janela de oportunidade” criada pelo embargo comercial das exportações chinesas e argentinas em razão da constatação da presença de resíduos de agrotóxicos e antibióticos no mel daqueles países e de medidas anti-dumping; (b) as exportações brasileiras de mel não foram resultado de uma estratégia de marketing, mas apenas uma resposta imediatista ao mercado comprador, o que implicou numa significativa redução do mercado interno e numa posição estrategicamente vulnerável no mercado externo; (c) o embargo comercial europeu contra o mel brasileiro iniciado em 2006 teve conseqüências estrategicamente

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favoráveis, pois obrigou o Governo Federal a tomar medidas em razão das barreiras técnicas e sanitárias impostas pelos importadores e obrigou o setor empresarial a buscar uma diversificação de mercados; (d) o fortalecimento da organização setorial da apicultura brasileira, apoiado em grande medida pelo SEBRAE, tem possibilitado a manutenção da trajetória de crescimento iniciada no período de 2000 a 2006. Para verificar essas hipóteses, o estudo divide-se em cinco capítulos, cujos temas e resumos são descritos a seguir: O Capítulo 1 – As teorias do Comércio Exterior, apresenta uma revisão da literatura sobre o mercantilismo, o liberalismo e sobre a teoria da vantagem competitiva como política comercial contemporânea. O Capítulo 2 – O comércio exterior brasileiro no período de 1984/ 2006, apresenta uma análise do cenário econômico e das políticas comerciais do período. Foi justamente nesse período que se deu uma inversão na tendência histórica da Balança Comercial brasileira, que passa a apresentar saldo comercial favorável e crescente. O Capítulo 3 – Breve histórico da apicultura no Brasil, discorre sobre a origem da apicultura e sobre a introdução da apicultura no Brasil, analisando o surgimento das abelhas africanizadas e da moderna apicultura brasileira. O Capítulo 4 - As exportações brasileiras de mel no período de 2000/ 2006, demonstra com estatísticas o cenário internacional e o cenário brasileiro do mercado de mel naquele período. A escolha desse período se explica em razão do vertiginoso crescimento das exportações brasileiras de mel, quando o Brasil sai da posição de 27° para a posição de 5° maior exportador mundial. O Capítulo 5 - O papel do SEBRAE na organização setorial da

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apicultura, trata sobre diversas formas de intervenção da instituição no setor apícola, seja através da Rede APIS, dos Agentes de Desenvolvimento Rural – ADR, das iniciativas para levantamento do embargo europeu contra as exportações brasileiras de mel, das ações de fortalecimento da CBA e da ABEMEL, como também da participação na Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e Produtos Apícolas. A Conclusão apresenta as hipóteses comprovadas e as recomendações para a manutenção da trajetória de crescimento da produção e exportação brasileira de mel.

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Capítulo 1 As teorias do comércio exterior1 O mercantilismo Os livros de história se referem ao período compreendido entre o século XVI e a primeira metade do século XVIII (entre os anos de 1500 e 1750) como a “Revolução Comercial”. Foi um período caracterizado pela consolidação dos Estados nacionais e pela expansão do comércio internacional, estabelecendo uma economia de caráter mundial. Foi também, durante esse período, que se desenvolveram as bases conceituais de todas as futuras teorias do comércio exterior. A Revolução Comercial foi antecedida por um longo período, entre o século XI e o século XIV, de expansão do comércio na Europa, de criação de cidades ao longo das rotas comerciais e de fortalecimento da burguesia comercial. As Cruzadas, iniciadas em 1096/1097, possibilitaram a reconquista do Mediterrâneo pelos europeus e a reconstituição de rotas comerciais com os mercados islâmicos do norte da África e do Oriente Médio, onde os europeus adquiriam as especiarias originárias da Ásia. Surgiram também novas rotas comerciais ligando todos os grandes centros europeus. As cidades italianas, como Veneza, Gênova e Florença, destacaramse como centros comerciais. Nestas cidades, surgiu uma nova classe 1

Este capítulo resume informações obtidas através de pesquisa bibliográfica em quatro fontes: DIAS, Reinaldo; RODRIGUES, Waldemar (Org.). Comércio exterior: teoria e gestão. São Paulo: Atlas, 2004. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de janeiro: Zahar, 1980 – 16ª edição. MAGNOLI, Demétrio; SERAPIÃO JÚNIOR, Carlos. Comércio exterior e negociações internacionais. São Paulo: Saraiva, 2006. nacional e comér cio exterior MAIA, Jayme de Mariz. Economia inter internacional comércio exterior.. São Paulo: Atlas, 2006 - 10ª edição.

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social: os mercadores. Os mercadores italianos representaram a circulação da riqueza, o trabalho livre, a profissão independente, o crescimento dos centros urbanos, o mecenato que possibilitou o esplendor do Renascimento. Os grandes ganhos obtidos com os empreendimentos marítimos logo passaram a atrair novos investidores. Era intensa a circulação de riquezas. Surgiram, assim, no século XII, também nas cidades italianas, os banqueiros, que recolhiam fundos de investimentos, criavam operações de seguro para os empreendimentos marítimos, financiavam os mercadores e posteriormente passaram a emprestar recursos para toda a nobreza e as monarquias européias. No início do século XV já era evidente a rivalidade entre a Europa ocidental e a Europa mediterrânea. A intermediação comercial dos mercadores italianos e muçulmanos impedia o acesso direto dos mercadores holandeses, portugueses, espanhóis, alemães, franceses e ingleses às especiarias asiáticas, encarecendo os produtos. O crescimento das economias do norte e do ocidente europeu dependia de uma saída pelo Atlântico. A conquista de Constantinopla em 1453 fortaleceu o posicionamento estratégico dos muçulmanos na comercialização de especiarias do Oriente com a Europa e acrescentou mais um motivo pela busca de um novo caminho para as Índias. No ano de 1498, o português Vasco da Gama, liderando uma frota com 04 pequenas embarcações e 150 tripulantes, completou o périplo da costa africana e descobriu uma nova rota até a Índia. No ano de 1500, o português Pedro Álvares Cabral liderou uma frota de 13 embarcações e 1.200 tripulantes para uma segunda expedição às Índias. No trajeto, desviou o curso para o oeste até chegar à costa brasileira. Após uma semana explorando o novo território, retomou a rota para as Índias. A conseqüência imediata da abertura do novo caminho marítimo para o Oriente foi a queda dos preços das especiarias. A nova rota portuguesa eliminou a intermediação comercial dos muçulmanos e quebrou o monopólio das cidades italianas. A chegada das naus portuguesas carregadas de especiarias transformou Lisboa no novo centro comercial da Europa, atraindo mercadores e banqueiros de

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Veneza, Gênova e Florença, como também mercadores holandeses e alemães, que participavam do financiamento das expedições. “Importante assinalar que a conquista do comércio oriental de especiarias não foi uma conquista de territórios; não se buscava ocupar as áreas produtoras, nem interferir em sua produção. Foi uma conquista que buscava estabelecer privilégios, como o do monopólio, e por isso ela, muitas vezes, se revestiu de violência. Portugal procurava substituir os antigos mercadores árabes, que, através de rotas terrestres, levavam as mercadorias ao Ocidente, e estabelecer contato direto com o produtor, eliminando o intermediário muçulmano.”2 O comércio de especiarias era uma atividade com forte caráter especulativo. Não havia interferência na produção. Não se buscava organizar a produção ou ampliar a produtividade. Portanto, não havia domínio dos povos locais. Não se buscava o povoamento, nem a colonização. Tudo se tratava de comprar as especiarias a baixos preços e vender com altos lucros, mantendo, se possível, o monopólio, ou seja, a exclusividade no acesso aos produtos. Para isso, a prática mais comum era a criação de Feitorias, pequenos armazéns fortificados, instalados em pontos estratégicos, para facilitar a compra e armazenagem das mercadorias, até a chegada dos navios. Ataques a feitorias eram uma constante na guerra comercial entre portugueses e muçulmanos, no início, e entre os diferentes mercadores europeus, posteriormente. A Revolução Comercial se confunde, portanto, com a conquista do Atlântico, que se transformou na principal fonte de acumulação de riqueza. A rota do Atlântico colocou a economia das cidades italianas, sobretudo Veneza, Gênova e Florença, em situação de colapso, obrigando os mercadores e banqueiros italianos a migrarem seus negócios para a Península Ibérica. As grandes navegações portuguesas e espanholas não teriam existido sem os investidores capitalistas italianos. Contudo, havia também uma forte concorrência com novos investidores, sobretudo holandeses e alemães, mas 2

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também ingleses e franceses, em menor medida. Lisboa (Portugal), Antuérpia (Bélgica) e Amsterdã (Holanda), tomam o lugar de Veneza, Gênova e Florença como as capitais do comércio e dos bancos. É neste contexto que surge e se desenvolve o que hoje se denomina “mercantilismo”. O mercantilismo está profundamente associado ao absolutismo monárquico do século XV. Portugal, além das condições geográficas adequadas para a conquista do Atlântico, ofereceu também o ambiente político ideal. Foi o primeiro Estado monárquico absolutista que submeteu os interesses da nobreza proprietária de terras aos interesses da burguesia comercial ascendente. Este fenômeno, progressivamente, se reproduz na Espanha, França e Inglaterra. Cabe ressaltar que quando se fala em burguesia comercial ascendente, não significa dizer que se trata exclusivamente da burguesia nacional. Pelo contrário, na maioria dos casos, trata-se de uma associação entre a monarquia nacional e os mercadores e banqueiros de qualquer nacionalidade. O mercantilismo é produto da associação de interesses entre comerciantes e burocracia estatal nas monarquias absolutistas. “Com o surgimento desses novos Estados, necessita-se de burocratas para administrá-los, e comerciantes para financiá-los. É com base nesses dois grupos sociais que surge o mercantilismo. Este se desenvolve do estreitamento do vínculo entre a riqueza dos comerciantes (a burguesia mercantil) e o Estado fortalecido. Predomina a idéia de que com o crescimento do comércio o Estado terá mais riquezas e, portanto, mais poder. Por outro lado, o poderio do Estado podia assegurar segurança e rentabilidade às rotas marítimas, bem como os monopólios exigidos pelos comerciantes.”3 Quando chegamos aos meados do século XVI, os navegadores de Portugal e Espanha já haviam dominado o mundo. Os países ibéricos introduziram no comércio internacional, sediado na Europa ocidental, uma quantidade jamais vista de especiarias orientais e de metais 3

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preciosos da América espanhola. Há relatos imprecisos de que entre 1520 e 1660, foram enviados à Europa mais de vinte mil toneladas de prata e de duzentas toneladas de ouro resultantes do saque às civilizações asteca no México e inca no Peru. A disponibilidade excessiva de metais preciosos causou uma enorme inflação, denominada, à época, de “Revolução dos Preços”. Contudo, Portugal e Espanha não conseguiram se manter, por muito tempo, como metrópoles do capitalismo comercial mundial. Ainda no século XVI a Holanda surge como uma grande potência comercial e marítima. Associados às conquistas portuguesas desde o início, no papel de financiadores capitalistas, os mercadores e banqueiros holandeses passaram a construir suas próprias frotas, que lucravam com os serviços de transporte das riquezas obtidas nos territórios sob domínio português. Logo os holandeses se associaram de forma vantajosa com os portugueses para a produção de açúcar no nordeste do Brasil e nas Antilhas. Depois, desafiando a divisão do mundo entre Portugal e Espanha, criada pelo Tratado de Tordesilhas assinado desde 1494, a Holanda passou a atacar naus espanholas e a saquear suas riquezas. A seguir, franceses e ingleses se associaram aos holandeses na pilhagem de riquezas do Novo Mundo, desafiando os interesses de Portugal e Espanha, seja fundando colônias, assaltando feitorias, ou financiando navios piratas que pilhavam as naus portuguesas e espanholas. Prevalecia, à época, a compreensão de que a riqueza das nações se expressava pelos estoques de metais preciosos mantidos em seus tesouros. Assim, um conjunto de práticas econômicas foi se difundindo entre as potências européias, buscando preservar e ampliar seus tesouros. Essas práticas econômicas, muitas vezes traduzidas em políticas oficiais, constituem o que hoje se denomina de mercantilismo, embora tal conceito jamais tenha sido utilizado pelos seus formuladores. Embora cada Estado tenha adotado medidas específicas, de acordo com suas características econômicas e seus interesses, é possível identificar princípios comuns que orientaram a política econômica

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mercantilista, em especial no que se refere ao comércio exterior. O princípio fundamental era o “metalismo”, ou seja, a concepção que identificava a riqueza das nações com a quantidade de metais preciosos mantidos em seus tesouros, o que conferia poder e soberania ao Estado. Assim, a principal tarefa do Estado deveria ser a de organizar a economia de modo a obter e manter estoques de ouro e prata. Para isso, era preciso manter uma “balança comercial favorável”, ou seja, expandir ao máximo as exportações e reduzir ao mínimo as importações, de modo a facilitar o ingresso de ouro e prata no tesouro e impedir a redução das reservas de metais preciosos. O instrumento mais comum para assegurar uma balança comercial favorável era a utilização do “protecionismo alfandegário”, ou seja, a severa taxação de produtos importados ou mesmo a proibição da importação de determinados produtos que representassem consideráveis perdas de reservas. Prevalecia, portanto, uma clara noção da necessidade de “intervenção estatal na ordem econômica”, onde cabia ao Estado ordenar a economia, de modo a ampliar e proteger o tesouro. Na prática, isso significava uma total associação entre os interesses do governo com as operações empresariais dos mercadores e banqueiros. A melhor tradução dessa associação de interesses era o “monopólio”, ou seja, a concessão estatal de exclusividade na exploração de um determinado negócio para pessoas ou empresas. “De modo geral, aquele que estivesse interessado em abrir um negócio comprava do Estado a autorização; este, em compensação, lhe concedia o monopólio do exercício da atividade, produto ou exploração de uma determinada região.”4 O “colonialismo” foi a base de sustentação do mercantilismo. 4

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Primeiro, a exploração comercial das especiarias do Oriente, depois, a extração das riquezas naturais das colônias (pau-brasil, peles, animais exóticos, ouro e prata) e por fim a produção colonial de açúcar, foram os principais negócios que alimentaram o enriquecimento das metrópoles, constituindo a acumulação primitiva de capital que possibilitou a Revolução Industrial no século XVIII. “Um aspecto essencial da política econômica mercantilista foi a conquista e exploração das colônias, que foram controladas através de uma relação de domínio político e econômico exercido pelas metrópoles européias. Esta relação, conhecida como Pacto Colonial, tinha uma regra básica, que consistia em que a colônia só podia produzir aquilo que fosse autorizado pela metrópole, e só poderia vender seus produtos a ela, a preços baixos, para que fossem revendidos a outros países com grande margem de lucro. A função das regiões colonizadas era exclusivamente servir ao enriquecimento da metrópole; sua exploração era organizada através do monopólio, constituindo-se numa região onde a potência colonial européia detém a exclusividade dessa exploração.”5 Na medida em que cresceu a população nas colônias, estas passaram a ser identificadas também como mercados cativos das metrópoles européias. As colônias foram proibidas de produzir qualquer produto manufaturado. Desse modo, se convertiam, simultaneamente, em fornecedoras de matérias-primas e consumidoras de produtos manufaturados, fazendo com que as metrópoles ganhassem duas vezes em suas relações comerciais com as colônias. A constituição das “companhias de comércio” foi a última das características comuns do mercantilismo, embora uma das mais importantes. Eram sociedades constituídas por acionistas, que detinham concessões especiais outorgadas pelos Estados, atribuindolhes privilégios e monopólios na exploração de territórios, como também funções colonizadoras, administrativas e militares, na organização e defesa desses territórios. 5

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A primeira delas foi a Companhia dos Aventureiros Mercadores, constituída por 240 acionistas, na Inglaterra, antes de 1600. A mais famosa das companhias inglesas foi a Companhia Inglesa das Índias Orientais, fundada por 101 acionistas em 1600, com direito ao monopólio do comércio com as Índias durante 15 anos. Outras que mereceram registro: Levant Company, English Moscovy Company, Royal Africa Company (que comercializava escravos), Virginia Company (que estabeleceu a primeira colônia inglesa no território norte-americano) e a Hudson Bay Company (que explorava o território do Canadá). A Holanda criou duas das mais importantes companhias de comércio. A Companhia Holandesa das Índias Orientais (Vereenidge Oostindische Compagnie – VOC), fundada em 1602, e a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie – WIC), fundada em 1621. Para se ter uma idéia do poderio da VOC, em 1614 a frota mercantil holandesa tinha mais tripulantes do que as frotas da Espanha, França e Inglaterra somadas. Além disso, metade da frota veneziana era de fabricação holandesa. Em 1669, a VOC possuía mais de 150 navios mercantes, 40 navios de guerra, 50 mil empregados e 10 mil soldados. Pagava dividendos anuais no valor de 40% dos investimentos. A WIC não teve o mesmo desempenho, mas explorou com sucesso a produção de açúcar nas Antilhas, Caribe e Brasil. Entre outros feitos, a WIC estabeleceu uma colônia, em 1626, no território norte-americano, denominada Nova Amsterdã, que foi tomada pelos ingleses em 1664 e então denominada Nova York. Também invadiu e se estabeleceu em Recife no período entre 1630 e 1654. Os holandeses foram os principais traficantes de escravos, ouro e marfim retirados da África. “O impacto da expansão holandesa foi devastador para os portugueses. A VOC estabeleceu uma supremacia incontestável na Ásia, mas a derrota no Brasil selou o destino da WIC. Depois da guerra contra Portugal, a VOC enfrentou a expansão marítima e comercial inglesa, que acabaria por destruí-la. Na segunda metade do século XVIII, as posições da Companhia foram desgastadas e enfraquecidas pelo irresistível avanço inglês. A derrota das Províncias

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Unidas na quarta Guerra Anglo-Holandesa (1780-84) representou o golpe fatal: em 1799 a VOC foi dissolvida.”6 Portugal também criou várias companhias de comércio para exploração do Brasil. A primeira delas, fundada em 1647 e denominada Companhia Geral do Comércio do Brasil, tinha o monopólio da compra do pau-brasil e da venda de vinho, azeite, farinha e bacalhau para os colonizadores que habitavam o território brasileiro. Manteve-se até 1720. A Companhia do Comércio do Estado do Maranhão, criada em 1682, teria o monopólio do comércio de escravos na região da Amazônia por 20 anos. Foi extinta em 1684 depois de provocar uma revolta dos colonizadores residentes contra o monopólio. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, que abrangia toda a região da Amazônia, foi criada em 1755 e dissolvida em 1778, tendo mantido, por todo o período, o monopólio de todo o comércio regional, tendo sido muito bem sucedida e gerado grandes lucros para seus acionistas. A Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba foi criada em 1759 e extinta em 1779. Durante 20 anos manteve o monopólio do comércio de escravos e explorou a produção de açúcar, algodão e arroz. Também foi considerado um empreendimento bem sucedido. O mercantilismo também se caracterizou pela compreensão do comércio internacional como uma guerra comercial permanente. Para assegurar uma balança comercial favorável, era preciso exportar mais do que importar, portanto, isso implicava na necessidade de que os demais países fossem privados do acesso aos produtos de que necessitavam, de modo a serem obrigados a comprá-los, transferindo suas reservas em ouro e prata através do comércio exterior. Para alcançar tal objetivo não havia escrúpulos. Utilizavase da conquista territorial, do massacre e escravização das populações nativas, do saque das riquezas naturais, do assalto a 6

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feitorias, da pirataria e da guerra aberta pelo domínio e monopólio das rotas comerciais. Portugal e Espanha foram vítimas constantes deste tipo de ataque, em razão da sua pretensão de manter um completo domínio sobre a “Carreira das Índias” e sobre as terras do Novo Mundo. No caso do Brasil, há registro de várias invasões por parte de franceses, holandeses e ingleses. Os franceses eram grandes conhecedores da costa brasileira, onde sempre mantiveram um intenso tráfico de pau-brasil. Entre 1555 e 1567, o comandante Nicolau de Villegaignon manteve uma ocupação no Rio de Janeiro, à qual os franceses denominaram de França Antártica. Entre 1594 e 1615, o francês Jacques Riffault, depois apoiado pelo oficial da marinha francesa Daniel de Latouche, manteve uma ocupação na ilha de São Luís do Maranhão. Os holandeses sempre foram aliados de Portugal na disputa com a Espanha pelas rotas comerciais. Tinham vários empreendimentos comuns e muitos produtos de colônias portuguesas eram transportados em navios holandeses. Entretanto, em 1580, houve a unificação das coroas portuguesa e espanhola e o rei Felipe II passou a dificultar os empreendimentos holandeses, chegando a confiscar navios em 1585, 1590, 1595 e 1599. Para compensar suas perdas e defender seus investimentos na produção de açúcar, os holandeses decidiram ocupar Recife, onde permaneceram no período de 1630 a 1654. Os ingleses, que não possuíam territórios coloniais, financiavam piratas que faziam pilhagens nas possessões espanholas e portuguesas. O porto de Santos foi atacado em 1583 por Edward Fenton, em 1587 por Robert Withrington e em 1591 por Thomas Cavendish, que deixou a cidade completamente saqueada. A cidade de Recife foi saqueada por Jaime Lancaster em 1595, que levou um valioso carregamento de açúcar. O mercantilismo espanhol se caracterizou pela grande disponibilidade

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de ouro e prata advindos das colônias. Assim, a Espanha podia importar todo e qualquer tipo de mercadoria e manter sua balança comercial favorável, desde que não cessasse a exportação de metais preciosos de suas colônias. Esta política comercial, a longo prazo, não foi bem sucedida. A Espanha não desenvolveu sua produção agrícola e manufatureira e transferiu boa parte de seu tesouro para outras potências européias, seja pelo comércio, seja vitimada pela pirataria. Esgotadas as riquezas minerais das colônias, a Espanha conheceu o declínio econômico e político. O mercantilismo francês se caracterizou pelo desenvolvimento de manufaturas de luxo para abastecer as necessidades da nobreza européia, sobretudo da Espanha, que possuía ouro e prata em abundância. Investiu também nas companhias de comércio e na construção naval. Assim, mesmo sem controlar rotas comerciais e mesmo sem domínios territoriais, a França teve um mercantilismo muito bem sucedido. Jean-Baptiste Colbert (1619-1683), ministro de Luís XIV, é considerado o grande mentor da política comercial francesa, que ficou também conhecida como “colbertismo”. O mercantilismo inglês se caracterizou pela atividade tipicamente comercial. Não possuindo o controle de rotas comerciais, nem domínios territoriais, nem capacidade de competir com as manufaturas francesas, os ingleses investiram na compra de matériasprimas baratas, na sua transformação com agregação de valor e na sua revenda com preços mais elevados. Foram também pioneiros na criação de companhias de comércio, nos investimentos em construção naval e nos investimentos industriais. “No final do século XVII, com a descoberta de ouro no Brasil, no atual Estado de Minas Gerais, a Inglaterra viabiliza um tratado comercial com Portugal, denominado Tratado de Methuen, celebrado em 1703, pelo qual os ingleses concediam facilidades alfandegárias para que os lusitanos exportassem vinho para a Inglaterra, e em troca receberiam facilidades para exportarem tecidos para os portugueses. Com a venda de têxteis para Portugal, a Inglaterra conseguia vencer a barreira à importação desses produtos, que

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seriam pagos em ouro. O afluxo de ouro para a Inglaterra foi de tal maneira volumoso que influenciou enormemente o aceleramento do início da Revolução Industrial inglesa no século XVIII. Deve-se destacar que o Tratado de Methuen só favorecia a Inglaterra, pois os vinhos deveriam ser importados de qualquer modo, pois os ingleses não possuíam solo, nem clima favorável à sua produção, ao passo que para Portugal o tratado impediu o desenvolvimento de uma política industrial consistente. A partir daí, em todo o território português os tecidos vendidos eram os ingleses, que eram pagos em ouro. Nas próprias Minas Gerais, as roupas que os comerciantes, escravos e mascates trajavam eram as inglesas.”7 O mercantilismo holandês combinou tanto a orientação comercial quanto a orientação industrial. Sua principal vantagem estava no controle político direto que a burguesia holandesa tinha sobre o Estado. Os holandeses formaram as mais poderosas companhias de comércio, desenvolveram a indústria naval, controlaram de forma quase absoluta o comércio marítimo internacional no século XVI, investiram na produção de açúcar e monopolizaram sua distribuição no norte da Europa, criaram o Banco de Amsterdã e a Bolsa de Valores de Amsterdã, sendo pioneiros na constituição de empresas por ações e do mercado de capitais. A Holanda foi o exemplo mais notável da completa associação entre o Estado e capital privado representado por mercadores e banqueiros. O mercantilismo português foi pioneiro, porque se iniciou ainda no século XV, enquanto as demais potências européias só o adotaram no século XVI. O mercantilismo português teve diversas fases: o período da descoberta do caminho alternativo para as Índias e da intensificação do comércio de especiarias do Oriente, o período da exploração do ouro e dos escravos das colônias africanas, o período da produção de açúcar no Brasil e finalmente o período da exploração do ouro no Brasil. Porém, como a Espanha, Portugal transferiu, ao longo do tempo, a maior parte do ouro e da prata de seu tesouro para outros países. Primeiro, para a Holanda, seu parceiro em muitos empreendimentos comerciais e na produção e distribuição do açúcar. 7

DIAS, 2004.

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Depois, para a Inglaterra, através da importação de manufaturados. O mercantilismo alemão e austríaco, conhecido como “cameralismo”, foi o que mais se caracterizou como uma política de governo, sendo orientado a partir de propósitos e objetivos do Estado. O mais importante teórico do cameralismo foi o austríaco Philip Wilhem Von Hornick (1638-1712) que propôs nove regras para a economia pública: conhecer e aproveitar todas as riquezas naturais do país; beneficiar dentro do país todos os produtos que não possam ser usados em seu estado natural; aumentar a população e buscar o pleno emprego; não permitir a exportação de ouro e prata em nenhuma hipótese; restringir o consumo aos produtos nacionais; autorizar a importação de produtos somente através da troca por produtos nacionais dispensando pagamento em ouro e prata; só importar produtos em estado natural de modo a não pagar por produtos manufaturados que têm mais valor agregado; vender os produtos excedentes e manufaturados com pagamento em ouro e prata; não autorizar a importação de nenhum produto que tenha um similar disponível no país. Conforme demonstrado, o mercantilismo é a primeira teoria econômica que atribui um papel extremamente relevante ao comércio exterior para o alcance de seus objetivos. Seus conceitos e formulações permanecem atuais, em grande medida. Corresponde também a um momento histórico de grandes transformações, sendo marcante a Revolução Comercial que integrou economicamente Ásia, África e América sob o domínio da Europa, constituindo pela primeira vez o fenômeno da globalização. O mercantilismo também é marcante na história do Brasil, pois boa parte da história brasileira está relacionada com as guerras comerciais entre as potências coloniais e mercantis européias na fase de acumulação que precede o surgimento do capitalismo como sistema econômico dominante. O liberalismo Depois do mercantilismo, a segunda grande teoria que fundamenta o comércio exterior é o liberalismo. O liberalismo tem como um de

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seus fundamentos a defesa do livre-comércio, ou seja, um posicionamento contrário a toda e qualquer intervenção do Estado na economia, deixando que o mercado se auto-regule. Desde então se instalou um forte debate conceitual que opõe protecionismo a liberalismo. O fundador do liberalismo econômico é o economista inglês Adam Smith. Adam Smith publicou, em 1776, sua obra mais importante: “An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations” (Investigação sobre a natureza e a causa da Riqueza das Nações). Na compreensão de Adam Smith, o comércio internacional decorre das diferenças existentes entre os diversos países, que buscam atender, de forma complementar, suas necessidades internas, com produtos e serviços abundantes em outros países. Assim sendo, o comércio exterior ocorre porque: (a) as diferenças de clima determinam diferenças na produção agrícola dos países; (b) a diversidade mineral dos subsolos também determina que alguns países tenham maiores dotações naturais do que outros; (c) a produção em grandes quantidades de um mesmo produto possibilita ganhos de escala e redução dos custos; (d) a divisão do trabalho gera a especialização de atividades e resulta em ganhos de produtividade com o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis; (e) os diferentes níveis de produção e consumo entre os países podem ser equalizados pelas atividades de troca no mercado. Adam Smith defendeu que se cada país produzisse somente as mercadorias para as quais reunisse as melhores condições de produtividade, poderia ter produtos em maior quantidade e por um menor custo. Assim, quando os países fizessem suas trocas de excedentes através do comércio exterior, todos estariam ganhando, pois estariam adquirindo os melhores produtos pelos menores custos. Esta teoria foi denominada “Teoria da Vantagem Absoluta”. O economista inglês David Ricardo, publicou, em 1817, sua obra mais importante: “The principles of political economy and taxation” (Os princípios da economia política e dos impostos). Seguidor da escola liberal, aprofundou as idéias de Adam Smith sobre o comércio

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exterior, criando uma abordagem mais sofisticada, onde propõe a “Teoria da Vantagem Comparativa”. Para Ricardo, os países comerciam entre si por duas razões básicas. Primeiro porque são diferentes uns dos outros, assim chegam a um entendimento pelo qual cada um exerce as atividades que tem condições de fazer melhor. Segundo, os países comerciam para alcançar economias de escala em suas respectivas produções. Cada país, ao invés de tentar fazer de tudo em pequena escala, especializase em poucas coisas e as produz, com mais eficiência, em grande escala. O que leva cada país a fazer tal escolha é o conceito da vantagem comparativa. Por exemplo, se um determinado país de clima frio decidisse produzir frutas tropicais, provavelmente gastaria menos importando estas frutas do que as cultivando em larga escala, dentro de estufas, com custos adicionais de energia para aquecimento. Além disso, para produzir as frutas tropicais, este país estaria desviando recursos que poderiam ser aplicados em outra atividade, com maior rentabilidade relativa. Ricardo denominou de custo de oportunidade ao valor representado pelo rendimento que poderia ser obtido em qualquer outra atividade comparativamente mais vantajosa do que aquela escolhida. “O fundamento da teoria das vantagens comparativas é que o comércio internacional permite a cada país se especializar nos produtos em que detém vantagem comparativa. Um país tem vantagem comparativa na produção de determinado bem quando o custo de oportunidade da produção desse bem nesse país é menor, em termos de produção de outros bens, do que nos demais países.”8 A Teoria da Vantagem Comparativa de Ricardo parte do pressuposto de que o fator decisivo para explicar as vantagens comparativas são as diferenças de produtividade do trabalho, que seriam determinantes para definir os custos de produção. Sua teoria foi criticada por desconsiderar outros fatores que interferem na definição dos custos de produção. 8

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A pretensa solução desta questão surgiu em 1933, quando da publicação da tese de doutorado do sueco Bertil Ohlin, baseada em artigo do seu professor Eli Filip Heckscher, publicado em 1919. A teoria de Heckscher-Ohlin afirma que cada país tende a se especializar e exportar mercadorias que requeiram a utilização intensiva de fatores de produção abundantes nesse país. Isso quer dizer que as vantagens comparativas dependem da combinação de um conjunto de fatores que podem ser determinantes dos custos de produção. A vantagem competitiva e a política comercial contemporânea O economista norte-americano Michael Porter publicou, em 1990, o livro “Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior”, onde introduz a Teoria da Vantagem Competitiva, que explica melhor a lógica da política comercial contemporânea e supera a falsa polêmica criada entre liberalismo e protecionismo. Na opinião de Porter, o governo de cada país deve se preocupar com a criação de um ambiente que estimule o aumento contínuo da produtividade e da competitividade das empresas. Assim, de acordo com a realidade de cada setor econômico, será necessária uma atuação governamental minimalista ou amplamente intervencionista. Os conceitos do mercantilismo e do liberalismo foram relacionados à realidade macroeconômica. A Teoria da Vantagem Competitiva se refere à dimensão microeconômica, ou seja, da empresa, do setor econômico, das instituições públicas e privadas que interferem diretamente na atividade do segmento. “Além disso, enquanto a vantagem comparativa baseia-se em fatores dados, como recursos naturais, trabalho e capital, a noção de vantagem competitiva refere-se ao estabelecimento de um ambiente empresarial propício à utilização cada vez mais produtiva desses fatores, bem como à sua otimização e à criação de novos fatores. Não se trata apenas de empregar fatores de produção já existentes, seja por razões naturais ou históricas, conforme dita a

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teoria das vantagens comparativas e que acaba sendo uma forma de pensamento determinista; e sim de fomentar um contexto local e nacional competitivo em termos de suporte ao aumento da produtividade das empresas – uma forma de pensamento que evidencia o livre-arbítrio dos países em se tornarem prósperos ou não. A geração de riqueza é função da produtividade, isto é, do valor criado por cada unidade de trabalho utilizada, de capital investido e de recursos físicos empregados. A produtividade de um setor ou empresa depende, por sua vez, de condições dinâmicas de competitividade do local e do país.”9 Porter nos leva a interrogar por que empresas de um determinado país são capazes de criar e sustentar vantagem competitiva em relação aos melhores competidores mundiais em determinados setores? Para Porter, não se trata de buscar explicar a competitividade de um país como um todo, mas de compreender as razões que explicam porque determinadas empresas dentro de um determinado país se tornaram competitivas e sustentam sua competitividade dentro de determinados setores. Nenhum país pode ser competitivo em tudo. A questão central é como um país pode construir um ambiente de negócios no qual suas empresas sejam capazes de crescer e inovar mais rapidamente do que seus rivais estrangeiros em um determinado segmento ou setor econômico. Porter identifica cinco fatores determinantes para a competitividade das empresas de um país em determinado setor: (a) a situação dos fatores de produção – infra-estrutura, mãode-obra qualificada etc.; (b) condições de demanda – a demanda doméstica para o produto; (c) setores relacionados e de suporte – qualidade dos fornecedores e setores relacionados; (d) estratégia das empresas, sua estrutura e padrão de concorrência – padrões de organização e gestão empresarial 9

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e formas de relacionamento entre as empresas do setor; (e) papel do Estado – como as políticas públicas influenciam no setor. A unidade de análise da vantagem competitiva é o setor econômico, enquanto a da vantagem comparativa é o país. São as empresas, e não os países, que competem nos mercados internacionais. Devemos procurar entender como as empresas criam a sustentam suas vantagens competitivas, para depois verificar qual é o papel do Estado nesse processo. Deste modo, a política comercial passa a ter, como um dos seus eixos principais, a criação de vantagens competitivas para setores econômicos específicos.

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Capítulo 2 O comércio exterior brasileiro no período de 1984/200610

Cenários econômicos O Brasil sempre foi reconhecido no mercado internacional como um país de “economia fechada”, quer dizer, um país pouco afeito ao comércio internacional, com baixos indicadores de importação e exportação e com saldos da Balança Comercial sempre próximos de zero. Somente a partir de 1984 o Brasil começou a apresentar uma Balança Comercial favorável, cenário que perdurou até 1994. No período de 1995 até 2000 entramos novamente numa situação de déficit comercial que somente voltou a ser superado a partir de 2001, permanecendo com saldos comerciais crescentes até o momento. Para tentar compreender as razões dessas mudanças de tendência, convém examinar o cenário político-econômico do país no período.

10 Este capítulo resume informações obtidas através de pesquisa bibliográfica e eletrônica em quatro fontes: CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. Preâmbulo de uma nova era – 1979/1989. História da República Brasileira – volume 22. São Paulo: Editora Três, 1999. no Collor CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. O Gover Governo Collor.. História da República Brasileira – volume 23. São Paulo: Editora Três, 1999. CARNEIRO, Maria Cecília Ribas. O Governo Fernando Henrique. História da República Brasileira – volume 24. São Paulo: Editora Três, 1999. .brasil.gov .br Portal do Governo Federal Brasileiro – www www.brasil.gov .brasil.gov.br

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Balança Comercial Brasileira - 1950 a 2005 - US$ bilhões FOB

O período de 1979/1985 corresponde ao Governo Figueiredo, considerado o último da Ditadura Militar (1964/1985). Foi o período da “distensão lenta, gradual e segura”, ou seja, da transição para a democracia nos termos do próprio regime. Foi o período da Anistia e do retorno ao pluripartidarismo com o fim da Arena e do MDB (1979), da fundação do PT (1980) e da CUT (1983), da Campanha das Diretas Já (1984). Foi também um período marcado pela instabilidade econômica, com duas maxidesvalorizações do cruzeiro (30% em 1979 e 30% em 1983), inflação rondando três dígitos (77,2% em 1979, 110,2% em 1980, 95,2% em 1981, 99,7% em 1982) e graves problemas com a dívida externa. Depois da moratória do México (agosto/1982) que abalou o mercado financeiro internacional, o Brasil conseguiu renegociar suas dívidas com os bancos privados (Clube de Paris) e negociou sete cartas de intenções com o FMI, que passou a monitorar diretamente nossa economia. Foram feitos ainda três “empréstimos-jumbo”: 4,4 bilhões de dólares em fevereiro/1983, 04 milhões de dólares em junho/1983 e 07 bilhões de dólares em agosto/ 1983, para equilibrar a contas públicas. O período de 1986/1989 corresponde ao Governo José Sarney. Foi um período conturbado, caracterizado pela edição de sucessivos e

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mal-sucedidos planos anti-inflacionários (Plano Cruzado, Plano Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão), como também pela sucessiva substituição de Ministros da Fazenda (Francisco Dornelles, Dilson Funaro, Bresser Pereira, Maílson da Nóbrega), o que era bastante representativo da situação de instabilidade econômica do país. Nesse período houve hiperinflação (1.765% em 1989), vários congelamentos de preços e salários, duas trocas de moeda (cruzado, cruzado novo) e uma moratória técnica da dívida externa, o que retirou credibilidade do país no cenário internacional e afastou investidores, agravando a vulnerabilidade financeira e monetária. Foi também um período de instabilidade política, resultante da frustração da Campanha das Diretas (1984), seguida pela frustração provocada pela morte de Tancredo Neves (1985), com uma situação de dualidade de poderes entre José Sarney, o presidente empossado e Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte instalada em 1987. O período de 1990/1992 corresponde ao Governo Fernando Collor. Foi igualmente um período de instabilidade econômica. Novos planos anti-inflacionários (Plano Collor 1, Plano Collor 2), nova sucessão de Ministros da Fazenda (Zélia Cardoso de Mello, Marcílio Marques Moreira), novas trocas monetárias (cruzeiro, cruzeiro real). Houve o início da adoção das políticas denominadas “neo-liberais”, com privatizações e abertura do mercado interno. Foi também um período de forte instabilidade política que culminou com o impeachment do presidente e sua substituição pelo vice Itamar Franco. O Governo Itamar Franco (1992/1994) marca o início da estabilização monetária. O Ministro Fernando Henrique Cardoso lançou o Plano Real em 1994, promovendo nova troca monetária (do cruzeiro real para o real), porém sem novos congelamentos de preços e salários. Adotou-se uma política de equilíbrio fiscal, com a redução dos gastos públicos, a ampliação das privatizações e o controle inflacionário através da elevação das taxas de juros e da facilitação das importações.

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O êxito do Plano Real possibilitou a eleição de Fernando Henrique Cardoso para dois mandatos sucessivos (1995/1998 e 1999/2002). Nesse período houve a manutenção da orientação macro-econômica iniciada no Plano Real e uma relativa estabilidade econômica, representada pela permanência do Ministro da Fazenda Pedro Malan por oito anos. Entretanto, convém destacar que foi um período caracterizado pelo baixo crescimento econômico, pelo aumento vertiginoso da dívida interna e pelo aprofundamento da dependência em relação aos investimentos externos de curto prazo. O período de 2003/2006 corresponde ao Governo Lula. Esse período se caracterizou pela melhora de todos os indicadores econômicos: elevação do PIB e do PIB per capita; redução dos índices de inflação; redução na relação dívida/PIB; superávit na Balança Comercial e resultado positivo no Saldo de Transações Correntes do Balanço de Pagamentos.

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Análise das políticas comerciais No período de 1984 até 1994, conforme já assinalado, o Brasil teve saldos positivos na sua Balança Comercial. Todavia, em razão do agravamento da sua dívida externa, o Brasil acumulou resultados negativos no Saldo de Transações Correntes do Balanço de Pagamentos, ficando numa posição de profunda vulnerabilidade econômica. Essa situação começou a ser revertida no início dos anos 90, durante os governos Fernando Collor e Itamar Franco. Buscando a estabilização monetária e a interrupção do ciclo inflacionário, operouse uma forte mudança na política comercial, abrindo o mercado brasileiro, eliminando barreiras às importações, de modo a forçar a queda dos preços pelo excesso de oferta de produtos. Isso, por um lado, expôs os produtos nacionais à concorrência direta com os produtos importados, em condições nem sempre vantajosas, o que levou diversos setores da indústria nacional a uma crise sem precedentes. Por outro lado, isso obrigou as empresas brasileiras a buscarem sua modernização, visando alcançar maior produtividade e competitividade. A mudança da política comercial teve uma considerável repercussão na Balança Comercial no período de 1995 até 2000, com sucessivos registros de déficit comercial. Isso se deu em função do aumento de importações decorrente do esforço de modernização do parque industrial brasileiro. Todavia, com o sucesso das políticas de estabilização monetária, de equilíbrio fiscal e de renegociação da dívida pública implementadas no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, criaram-se as condições favoráveis para a reversão da tendência a partir de 2001, quando se verificou um superávit comercial de 2,7 bilhões de dólares, seguido de outro, em 2002, de 13,1 bilhões de dólares. Essa reversão também é produto de uma nova mudança na política comercial operada no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, agora voltada para o fortalecimento das

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exportações. Essa política teve continuidade no Governo Lula, que além dos esforços em ampliar a competitividade, também tem buscado a abertura de novos mercados. A partir de 2003, constatamos um notável desempenho comercial brasileiro, com quebras sucessivas de recordes de exportação e com o registro dos maiores superávits comerciais brasileiros. Foram 24,8 bilhões de dólares em 2003, 33,6 bilhões de dólares em 2004, 44,7 bilhões de dólares em 2005 e um acumulado de 46 bilhões de dólares em 2006, o que indica que a tendência deverá ser mantida. Para explicar tal desempenho, precisamos considerar alguns fatores estruturais e outros de ordem conjuntural, que impactam nos resultados obtidos. O primeiro fator estrutural que podemos considerar é a melhoria de todos os indicadores macro-econômicos brasileiros, a partir de 2003. O Brasil teve um crescimento do PIB de 0,5% em 2003, saltando para 5,2% em 2004 e caindo para 2,3% em 2005, índice ainda assim superior à média alcançada no governo anterior. A inflação, medida pelo IPCA do BACEN vem caindo de 12,5% em 2002 (último ano do governo FHC), para 9,3% em 2003, 7,6% em 2004 e 5,69% em 2005. O “risco-Brasil”, calculado pelo banco JP Morgan, caiu de 2.400 pontos em setembro de 2002 para 311 pontos em dezembro de 2005. A relação dívida/PIB foi reduzida de 57,2% em 2003 para 51,1% em 2005. Todos esses indicadores sinalizam uma perspectiva de retomada do crescimento econômico com estabilidade monetária. Porém, o principal fator de inibição do crescimento econômico tem sido a excessiva elevação da taxa de juros, justificada pelo Conselho de Política Monetária do Ministério da Fazenda - COPOM em razão do controle inflacionário e da necessidade de negociação de títulos da dívida pública. Todavia, isso tem impactado negativamente o crescimento econômico, seja pelo encarecimento do crédito para o setor privado, o que reduz investimentos, seja pela redução da disponibilidade de recursos para investimentos públicos, em razão dos elevados compromissos com o serviço da dívida pública. O segundo fator estrutural é a melhoria de desempenho brasileiro

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nos agronegócios e na indústria. Nos agronegócios, o Brasil transformou-se, ao longo dos últimos dez anos, no maior exportador mundial de soja, carne bovina, carne de frango, açúcar, álcool, café, algodão, suco de laranja e tabaco. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, os agronegócios representam 37% das exportações brasileiras. Na indústria, o Brasil é muito competitivo na siderurgia, na petroquímica, na indústria automobilística, na indústria de aeronaves e na construção civil pesada (estradas, hidrelétricas, aeroportos). Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - MDIC, os principais produtos industriais exportados são: materiais de transporte, produtos metalúrgicos, petróleo e combustíveis, minérios (sobretudo minério de ferro), produtos químicos, máquinas e equipamentos, produtos elétricos, calçados e papel. Os produtos industriais são responsáveis por 57% das exportações brasileiras. O setor de serviços tem uma participação muito reduzida no comércio exterior brasileiro, mas existem grandes potencialidades nos segmentos da teledramaturgia, da música, da produção de softwares (sobretudo games e informatização bancária) e dos serviços de publicidade, onde somos fortemente competitivos em nível internacional. O terceiro fator estrutural é a mudança da política comercial brasileira, buscando a conquista de novos mercados, tais como: China, Índia, Arábia Saudita, Irã, África do Sul, Rússia. Essa iniciativa é de grande importância estratégica, pois reduz nossa dependência em relação aos nossos principais parceiros comerciais: EUA, União Européia e Japão. Todavia, fatores conjunturais precisam ser considerados, como a flutuação dos preços das commodities no mercado internacional, que é um fator de grande instabilidade no comércio exterior brasileiro. Por exemplo, tivemos um forte crescimento do mercado de aço e de produtos de construção civil (sobretudo cimento) em razão do crescimento da demanda na China, mas não se sabe por quanto tempo o mercado continuará em expansão. O forte crescimento do preço do barril de petróleo também tem favorecido as exportações

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de álcool brasileiro, inicialmente para o Japão, mas com interesses manifestos de vários outros países, inclusive os EUA. Nos agronegócios, tivemos uma significativa elevação de preços das commodities agrícolas até 2004, seguida de fortes quedas em 2005 e 2006, sobretudo para soja e algodão. A identificação de casos de febre aftosa em 2005 fez despencar nossas exportações de carne bovina em razão do embargo total ou parcial de 49 países compradores. A gripe aviária reduziu drasticamente o consumo de carne de frango em todo o mundo, afetando nossas exportações em 2006. O café, o suco de laranja e principalmente o açúcar, por outro lado, seguem com preços crescentes no mercado internacional. Tivemos, em 2004, um grande aumento de exportações para a Argentina em razão de sua recuperação econômica, seguido de forte retração comercial em 2005, em razão da adoção de salvaguardas e outras barreiras não-tarifárias, gerando inclusive uma considerável crise no Mercosul. São exemplos concretos de como fatores de ordem conjuntural podem interferir decisivamente no desempenho comercial brasileiro. Perspectivas As perspectivas para os próximos anos são de crescimento dos resultados favoráveis da nossa Balança Comercial, desde que mantidas as políticas macro-econômicas em curso, ou seja, estabilidade monetária, equilíbrio e responsabilidade fiscal, incentivo às exportações. Para isso, os seguintes fatores são decisivos: (a) redução da taxa de juros, de modo a reduzir o custo financeiro do crédito para investimentos; (b) manutenção do câmbio variável, de modo a não ceder à tentação de buscar maior competitividade de preço para os produtos brasileiros no mercado internacional através de artifícios financeiros como a desvalorização forçada do real frente ao dólar; (c) manutenção e aprofundamento da política comercial de prospecção de novos mercados;

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(d) manutenção da política industrial com foco na competitividade, na inovação tecnológica e na agregação de valor aos produtos; (e) equacionamento da crise no setor de agronegócios, decorrente de endividamentos acumulados em períodos anteriores, de aumento dos custos com insumos e combustíveis, de aumento de custos com logística de transporte e armazenagem; (f) manutenção e aprofundamento da política externa de defesa da competitividade dos produtos brasileiros e de combate aos subsídios e barreiras não-tarifárias praticados por outros países em detrimento dos nossos interesses comerciais; (g) aposta decisiva no segmento da agroenergia e dos biocombustíveis, onde o Brasil reúne grandes vantagens comparativas.

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Capítulo 3 Breve histórico da apicultura no Brasil A origem da apicultura As abelhas são espécies descendentes das vespas, que deixaram de se alimentar de outros pequenos insetos e passaram a consumir o pólen das flores quando estas surgiram há cerca de 135 milhões de anos. O processo evolutivo das abelhas deu origem a várias espécies. São conhecidas, hoje, mais de 20 mil espécies, porém, estima-se a existência de 40 mil espécies ainda não conhecidas. Calcula-se que somente 2% das espécies de abelhas seja produtora de mel. Dentre as abelhas melíferas, o gênero Apis é o mais conhecido.11 Foi demonstrado, a partir de pesquisas arqueológicas, que as abelhas já produziam e estocavam mel há 20 milhões de anos, antes mesmo do surgimento do ser humano na Terra. O homem primitivo “caçava” as abelhas, mas, não sabendo separar os produtos, consumia o favo com uma mistura de mel, pólen, cera e larvas. O fóssil de abelha melífera conhecido como mais antigo data de 12 milhões de anos e é da espécie já extinta Apis ambruster.12 Segundo os registros históricos conhecidos, os egípcios, há cerca de 2.400 a.C., foram os primeiros a dominar uma forma de manejo das abelhas, conseguindo aninhá-las em potes de barro, o que possibilitava o transporte de enxames e sua fixação próxima às residências. Todavia, a retirada do mel ainda era feita à moda primitiva. Mesmo sendo os egípcios considerados pioneiros na criação de abelhas, a origem da palavra colméia vem do grego. Os gregos conseguiam aninhar enxames de abelhas em recipientes de palha trançada, com formato de sino, denominados colmos. Desde a Antigüidade, as abelhas assumiram tal importância para a 11 12

DUARTE VILELA, 2006. EMBRAPA, 2003.

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humanidade que passaram a ser consideradas sagradas em muitas civilizações, dando origem a várias lendas e cultos. Progressivamente, passaram também a representar uma riqueza e um símbolo de poder, figurando em brasões, cetros, coroas, moedas, bandeiras, flâmulas, estandartes, mantos e outras peças da indumentária de reis, rainhas, papas, cardeais, duques, condes, príncipes e outros detentores de títulos de nobreza. No período medieval, em certos territórios europeus, as árvores passaram a ser declaradas como propriedade do governo, sendo expressamente proibida a sua derrubada, vez que constituíam um abrigo natural para os enxames de abelhas. Os enxames eram considerados como de grande importância econômica, sendo a sua propriedade registrada em cartório, constando das relações de bens deixados em herança para os descendentes. Nesta época, o roubo de enxames ou de mel era considerado um grave crime, podendo ser punido até mesmo com a morte dos infratores.13 Reconhecida a importância econômica dos enxames, pareceu cada vez mais irracional e improdutivo para os seus proprietários o sacrifício das abelhas quando da coleta do mel. Assim, ao longo dos anos, foram sendo desenvolvidas e testadas diversas espécies de colméias artificiais, visando facilitar a colheita do mel e preservar as abelhas, suas larvas e sua reserva de alimento para garantir a reprodução dos enxames. Apenas em 1851, o reverendo americano Lorenzo Lorraine Langstroth, partindo de diversos experimentos anteriores, criou a colméia de quadros móveis, utilizada até hoje como colméia padrão em escala mundial, possibilitando o manejo adequado e a criação racional das abelhas.14 A introdução da apicultura no Brasil A maioria dos estudiosos da apicultura brasileira considera que ela 13 14

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CRANE, 1987. EMBRAPA, 2003.

teve início a partir de 1839, com a introdução, pelos Jesuítas, da abelha preta européia, trazida de Portugal e Espanha, denominada Apis mellifera mellifera, depois vulgarmente denominada “abelha europa” ou “abelha do reino”. Até então, se conheciam as abelhas nativas sem ferrão, das espécies Meliponae, tais como: mandaçáia, tuiúva, tiúba, jataí, mandurí, guarupu, uruçú, jandaíra, dentre outras denominações.15 Alguns autores afirmam que a espécie introduzida pelos Jesuítas era a abelha parda, denominada Apis mellifica tipicas.16 Porém, todos concordam que em 1845 foram introduzidas no sul do Brasil, por imigrantes alemães, várias colônias de Apis mellifera mellifera, dando início à apicultura racional brasileira. Depois, entre 1870 e 1880, foram introduzidas as abelhas amarelas italianas denominadas Apis mellifera ligustica, também trazidas da Alemanha. Segundo Kerr, “o melhor histórico que conhecemos da apicultura brasileira é o feito por Nogueira Neto, em 1972. Examinando documentos científicos, conclui ele que quem introduziu a Apis mellifera no Brasil foi o Padre Antonio Carneiro Aureliano, com a colaboração secundária de Paulo Barbosa e Sebastião Clodovil de Siqueira e Mello, em março de 1839, proveniente do Porto, Portugal. Em 1845, afirma Paulo Nogueira Neto, os colonizadores alemães trouxeram consigo raças de Apis mellifera mellifera da Alemanha, introduzindo-as no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Entre 1870 e 1880, Hannemann e Schenck, Hanewn e Brunnet trouxeram as primeiras abelhas italianas para o sul do Brasil. Ainda segundo Nogueira Neto, Brunnet recebeu duas colônias de abelhas francesas e duas colônias de abelhas italianas e as introduziu em São Bento das Lages, Bahia.”17 Embora todos os estudiosos da apicultura brasileira considerem inquestionável a contribuição dos imigrantes alemães para o desenvolvimento da atividade no país, todos também concordam que nessa primeira fase a apicultura não teve caráter profissional, nem finalidade econômica, assemelhando-se mais a um hobby. A 15

KERR, 1980. GONÇALVES, 2000. 17 KERR, 1980. 16

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produção apícola nacional era muito baixa (cerca de 04 a 06 mil toneladas/ano), a grande maioria dos equipamentos apícolas era importada (centrífugas, tanques, decantadores, estampadoras de cera, desoperculadoras etc.) e o associativismo era praticamente inexistente. Apenas em 1951 surge a primeira revista brasileira dedicada à apicultura, denominada “Brasil Apícola”, dirigida pelo jurista, jornalista e apicultor paulista, Dr. Edgard Vieira Cardoso. A partir de então se inaugurou um processo mais intenso de discussão sobre os rumos da apicultura brasileira.18 Segundo Gonçalves, “neste período iniciava-se no país uma campanha em prol do desenvolvimento da apicultura racional e com o objetivo de se estimular a produção apícola nacional. Assim, em 1955, face a baixa produção de mel brasileira na época, não condizente com o tamanho do país e com suas características tropicais, que eram propícias à exploração da apicultura, tal situação chamou a atenção de algumas autoridades brasileiras. Na ocasião foi inclusive comentado o fato do país vizinho, a Argentina, tendo um clima menos propício à exploração da apicultura que o do Brasil, apresentar um grande destaque internacional, sendo considerado, na ocasião, como um dos cinco maiores produtores mundiais de mel, ao passo que o Brasil não figurava nem entre os primeiros vinte países produtores de mel. Após esses comentários e face ao interesse do Governo brasileiro em mudar a situação da nossa apicultura, foi convidado oficialmente o engenheiro agrônomo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-ESALQ, de Piracicaba-SP, o geneticista especialista em abelhas, Prof. Dr. Warwick Estevam Kerr, natural de Santana do Paraíba-SP, para que o mesmo estudasse o problema e apresentasse uma proposta ao Governo brasileiro. Dessa forma, foi feito um minucioso estudo na bibliografia mundial disponível, tendo o Prof. Kerr constatado que no continente africano havia uma abelha melífera muitíssimo mais produtiva que as existentes no Brasil: a Apis mellifera scutellata. Assim, após vários estudos, o próprio Prof. Kerr dirigiu-se à África, tendo trazido e 18

GONÇALVES, 2000.

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introduzido no Brasil, em 1956, as abelhas africanas Apis mellifera scutellata (anteriormente conhecidas como Apis mellifera adansonii, nome científico usado até aproximadamente 1975, quando o Prof. F. Ruttner propôs a mudança para scutellata), encerrando-se, com a introdução dessa nova abelha, a primeira fase da apicultura brasileira (...).”19 As abelhas africanizadas e a moderna apicultura brasileira A introdução das abelhas africanas no Brasil, a partir de 1956, é o marco de um novo momento na história da apicultura brasileira. Segundo o relato de Kerr, o principal protagonista deste episódio, os fatos se deram da seguinte maneira. “De 1950 a 1956, o Ministério da Agricultura esteve sob constante pressão de apicultores que desejavam uma abelha mais ativa e mais adaptada aos trópicos. Chegaram aqui os artigos de Virgílio de Portugal Araújo dizendo da enorme produção da abelha africana (Apis mellifera adansonii) feita a adaptação às condições tropicais. Em 1956, ganhei o 1° Prêmio Nacional de Genética André Dreyfus. Com o dinheiro ganho comprei uma máquina fotográfica, um ótimo microscópio Zeiss Standard, com equipamento fotográfico no qual se adaptava a câmara comprada, e uma passagem para a África. Fui então procurado pelo meu amigo Prof. Walter Jardim, Secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, que, em nome do Ministério da Agricultura, pediu-me que trouxesse um certo número de rainhas de Apis mellifera adansonii. Por causa disso, tive meu passaporte comum transformado em passaporte especial e recebi 06 cartas de apresentação do Itamaraty. Essas rainhas foram coletadas em número ao redor de 100 em 04 países: Angola, Tanzânia, Moçambique e África do Sul. Vivas e que deixaram descendentes foram apenas: 01 de Tabora (Tanzânia) – a mais forte e da qual foram feitas mais rainhas do que das outras – e 35 da região de Pretória e Joannesburgo (África do Sul). Da Cidade do Cabo até o Rio de Janeiro vim de navio, trazendo 70 rainhas, às quais dava uma gota de água diariamente. No Rio de Janeiro esperava-me o Dr. Aristóteles Godofredo de Araújo e Silva, em nome do Ministério da Agricultura. A ele informei que achava a subespécie 19

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muito brava e que precisava de um cuidadoso exame individual para não haver introdução de pragas. Recomendou-se então que fizesse a quarentena em Piracicaba – SP, em Camaquã (pequena vila a poucos quilômetros de Rio Claro – SP).”20 Considerando a forte agressividade da abelha africana Apis mellifera adansonii, o Prof. Kerr planejou efetuar, após o período de quarentena, uma série de cruzamentos com as abelhas italianas Apis mellifera ligustica, conhecida por seu comportamento amistoso, de modo a obter, na 3ª ou 4ª geração, uma linhagem de alta produtividade e de fácil manejo. Ocorre que, antes do final do período de quarentena, de forma acidental, ocorreu a fuga de parte das abelhas africanas. Pelo relato de Gonçalves, começa assim o processo de africanização das abelhas brasileiras. “Após as abelhas africanas terem sido transportadas para Camaquã, em 1956, para permanecerem em quarentena, em um horto florestal próximo a Rio Claro-SP, houve o já conhecido acidente provocado por um apicultor, ou seja, a retirada, inadvertidamente, das telas excluidoras que estavam na entrada das colméias com rainhas importadas. Isso permitiu que rainhas africanas puras descendentes das importadas enxameassem antes de ser realizado o programa de melhoramento genético planejado pelo Prof. Kerr. Dessa maneira, as rainhas novas fecundaram com zangões da região, iniciando-se uma hibridização, o que vem ocorrendo até os dias atuais. Desde o início, os híbridos mantiveram sempre as características morfológicas e comportamentais das abelhas puras importadas e gradualmente ocorreu a africanização das abelhas Apis mellifera de toda a América do Sul e posteriormente na América Central.”21 As chamadas “abelhas africanizadas” são polihíbridos resultantes de cruzamentos entre as abelhas africanas Apis mellifera scutellata, anteriormente denominadas Apis mellifera adansonii, com as diversas subespécies de abelhas européias existentes no Brasil e no continente 20 21

KERR, 1984. GONÇALVES, 2000.

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americano, tais como Apis mellifera mellifera (abelha real, alemã, comum ou negra), Apis mellifera ligustica (abelha italiana), Apis mellifera caucasica (originária da Rússia) e Apis mellifera carnica (originária da Áustria). “O fenômeno da hibridização relacionado ao domínio de uma subespécie de abelha (scutellata) sobre as demais subespécies européias (mellifera, ligustica, caucásica, carnica etc.) com conseqüente africanização de todas as européias, não era esperado por nenhum cientista, tendo a disseminação dessas abelhas ocorrido por todo o continente americano, registrando-se sua presença, atualmente, desde o paralelo 32 e 33 na Argentina, até o estado do Texas nos Estados Unidos. Hoje não existe na natureza, tanto no Brasil como nos demais países da América do Sul, da América Central e da América do Norte, abelhas puras européias e sim apenas as polihíbridas abelhas africanizadas (...).”22 “Mais adaptadas ao clima tropical do que as abelhas originárias da Europa, as abelhas africanas impõem várias de suas características ao híbrido brasileiro, inclusive a produtividade, a resistência a doenças e a agressividade.”23 “A abelha africanizada possui um comportamento muito semelhante ao da Apis mellifera scutellata, em razão da maior adaptabilidade dessa raça às condições climáticas do País. Muito agressivas, porém, menos que as africanas, a abelha do Brasil tem grande facilidade de enxamear, alta produtividade, tolerância a doenças e adapta-se a climas mais frios, continuando o trabalho em temperaturas baixas, enquanto as européias se recolhem nessas épocas.”24 O período de 1956 até 1970 foi caracterizado pela forte polêmica gerada em razão do comportamento agressivo das abelhas africanizadas e pela redução da atividade apícola. Os apicultores tradicionais, acostumados com a facilidade de manejo das abelhas 22

GONÇALVES, 1998. DUARTE VILELA, 2006. 24 EMBRAPA, 2003. 23

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européias e desconhecedores de técnicas de manejo adequadas para lidar com as abelhas africanizadas, passaram a abandonar seus apiários. Além disso, no mesmo período, ocorreram vários acidentes com ataques a pessoas e a animais, alguns deles fatais, amplamente difundidos pela mídia. “Surgiu nesse período o conceito de “abelha assassina” ou “killer bee”, introduzido pela mídia, tornando-se motivo ou tema para livros e filmes de terror, além de reportagens sensacionalistas sobre essas abelhas (...).”25 Entretanto, progressivamente, as características positivas das abelhas africanizadas – maior produtividade, maior rusticidade, maior capacidade de adaptação, maior capacidade de resistência às doenças – combinadas com os novos estudos sobre o comportamento destas abelhas e o desenvolvimento de técnicas adequadas de manejo, levaram os apicultores a retomar suas atividades e inclusive a dar preferência pela nova espécie. Houve progressos também no associativismo apícola: “em 1967 foi fundada a Confederação Brasileira de Apicultura, curiosamente fundada e registrada por um grupo de brasileiros que participavam do Congresso Internacional de Apicultura, em Maryland – EUA, sendo então, pela primeira vez, alçada a bandeira brasileira nos Congressos Internacionais da Federação Internacional de Apicultura – APIMONDIA.”26 Segundo Gonçalves, “em 1970 a comunidade apícola brasileira realizou seu 1° Congresso Brasileiro de Apicultura, reunindo em Florianópolis-SC aproximadamente 150 pessoas que pela primeira vez se reuniram para discutir os problemas da apicultura brasileira, em especial para decidirem o que fazer para enfrentar e controlar as abelhas africanizadas.”27 Outro aspecto relevante da história recente da apicultura brasileira ocorreu em 1979, quando da constatação de que a praga 25

GONÇALVES, 2000. GONÇALVES, 1986. 27 GONÇALVES, 1986. 26

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denominada “varroatose”, causada pelo ácaro Varroa jacobsoni, hoje conhecido como Varroa destructor, havia sido introduzida no país, provavelmente pelo Paraguai, que apresentava o problema desde 1969. A varroatose é considerada uma das mais sérias pragas da apicultura mundial, sendo responsável pelo desaparecimento de milhares de colônias em diversos países, sobretudo aqueles de clima temperado. Foi descoberta então uma nova vantagem das abelhas africanizadas. Segundo o relato de Gonçalves, “nos primeiros anos a infestação foi bastante alta, atingindo níveis de até 30%. Níveis entre 20% e 30% de varroatose normalmente causam a eliminação das colônias (...). Todavia, um fato interessante ocorreu na década de 80. Para evitar que a situação se agravasse antes de se ter uma solução satisfatória para o problema da varroatose, houve uma iniciativa de alguns pesquisadores brasileiros no sentido de orientar o Ministério da Agricultura a não aprovar a importação de acaricidas, bem como de qualquer programa nacional de combate ao ácaro, com produto químico, antes de haver um estudo detalhado sobre a real situação da praga no país, o que felizmente foi atendido pelo Ministério. Constatou-se, a seguir, que a infestação manteve-se alta apenas nos primeiros 05 a 08 anos após a descoberta da praga no país. Nos últimos anos constatou-se também que a infestação foi gradativamente sendo reduzida, até atingir os dias atuais em que ela oscila em torno de 2% a 5% nos estados mais atingidos, porém, não ocorrendo eliminação ou morte de colônias. Portanto, como nunca houve no Brasil nenhum tratamento em larga escala, coordenado por repartição pública estadual ou federal, contra o ácaro Varroa jacobsoni, nem a importação oficial de acaricidas para combater a varroatose, os pesquisadores concluíram que as abelhas africanizadas se tornaram resistentes ou tolerantes à varroatose, não sendo esta praga, hoje, um problema sério para o apicultor brasileiro. Por outro lado, como não se usou acaricidas em larga escala no país (talvez casos isolados por parte de alguns apicultores), não houve, consequentemente, nem resistência do ácaro a estes produtos, nem contaminação dos produtos das abelhas.”28 28

GONÇALVES, 2000.

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Neste momento vivemos um período de recuperação e expansão da apicultura brasileira. Desde 1970, foram realizados 16 congressos brasileiros de apicultura e 02 congressos brasileiros de meliponicultura. Criou-se e consolidou-se uma indústria brasileira de equipamentos apícolas, fazendo com que a apicultura brasileira deixasse de depender de insumos importados. A atividade apícola ganhou importância econômica, a produção brasileira de mel teve um crescimento vertiginoso, o Brasil se tornou o 5° exportador mundial de mel. Como sinal de reconhecimento desse processo de expansão, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MAPA criou e instalou, durante o 16° Congresso Brasileiro de Apicultura, realizado em 2006, a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e dos Produtos Apícolas, instituindo assim um espaço legítimo e representativo de diálogo entre o setor produtivo e o Governo Federal, para a discussão de políticas públicas setoriais.29 O Brasil é reconhecido, hoje, no cenário apícola mundial, pelo domínio da metodologia de controle e manejo das abelhas africanizadas. A rusticidade e resistência destas abelhas ao ácaro Varroa jacobsonii, hoje conhecido como Varroa destructor, dispensa os apicultores brasileiros do uso de antibióticos para tratamento das abelhas. Além disso, a grande diversidade de floradas naturais e silvestres, livres do risco de contaminação pelo uso de agrotóxicos, dá ao país uma grande vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes diretos, em razão do elevado potencial de produção de mel orgânico. Os dados sobre a produção brasileira de mel não são precisos. Mesmo assim, pelos números do IBGE, o Brasil ocupava a posição de 12° produtor mundial de mel em 2004, com 32,2 mil toneladas/ano. Segundo dados da FAO, o Brasil ocupava, em 2006, a posição de 15° produtor mundial, com 24,5 mil toneladas/ano. Qualquer que seja o número considerado, é um crescimento notável quando constatamos que na década de 1950 o país produzia apenas 04 mil toneladas/ano. A Confederação Brasileira de Apicultura – CBA estima que, em 2006, o Brasil alcançou uma produção de 40 mil toneladas/ ano, contando com cerca de 500 mil apicultores e 02 milhões de 29

DUARTE VILELA, 2006.

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colméias.30

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DUARTE VILELA, 2006.

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Capítulo 4 As exportações brasileiras de mel no período de 2000/2004 O cenário internacional A principal característica do mercado mundial de mel é sua concentração. Apenas dois países (Alemanha e Estados Unidos) são responsáveis por quase a metade de toda a importação mundial. Também são dois os países (China e Argentina) que se destacam como os maiores exportadores. Os principais países importadores de mel são a Alemanha (23%) e os Estados Unidos (23%), seguidos pelo Japão (11%) e diversos países da União Européia. Alguns países, principalmente a Alemanha, atuam como canal de distribuição para outros mercados, sendo simultaneamente grandes importadores e grandes exportadores de mel. Segundo dados da FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, referentes a 2003, vemos, no Gráfico 01, os principais países importadores, por volume importado. No Gráfico 02, vemos os principais países importadores, por valor importado. Observa-se que a Alemanha tem gastos superiores aos Estados Unidos, considerando o mesmo volume. No Gráfico 03, vemos a relação entre volume, valor total e valor unitário por quilo, evidenciando as diferenças de preço praticadas pelos países importadores.31

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SEBRAE, 2006.

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Gráfico 1 – Principais países importadores de mel (volume) - 2003

Gráfico 2 – Principais países importadores de mel (valor total) - 2003

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Gráfico 3 – Principais países importadores de mel (valor unitário) - 2003

Os principais países exportadores de mel são a China (21%) e a Argentina (18%), seguidos de longe por uma base bastante fragmentada de países produtores. Estes dois países sofreram, no período de 2001 a 2004, um embargo internacional às suas exportações. No caso da China, o embargo foi em razão de barreiras sanitárias. Foi constatada a presença, no mel, de resíduos de antibióticos usados para tratamento de doenças das abelhas. No caso da Argentina, o embargo foi em razão de medidas anti-dumping adotadas pelos Estados Unidos. O embargo das exportações de mel da China e da Argentina provocou um vazio de oferta estimado em 50 mil toneladas de mel/ano naquele período, o que significou uma excelente janela de oportunidade para a entrada de novos países no mercado exportador. Convém ressaltar que o Brasil foi o país que melhor aproveitou esta janela de oportunidade.

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O vazio de oferta decorrente do embargo já referido também afetou o preço do mel no mercado internacional. O preço historicamente praticado tem sido em torno de US$ 1.00/kg de produto. Entretanto, em razão das restrições de oferta, em 2004 o preço chegou ao patamar de US$ 2.02/kg de produto. A partir de 2005, com o retorno da China e da Argentina ao mercado exportador, o preço voltou à média histórica. Utilizando novamente dados da FAO referentes a 2003, vemos, no Gráfico 04, os principais países exportadores, por volume exportado. No Gráfico 05, vemos os principais países exportadores, por valor exportado. Observa-se que a Argentina obtém um desempenho melhor que o da China, mesmo com um volume inferior. No Gráfico 06, vemos a relação entre volume, valor total e valor unitário por quilo, evidenciando as diferenças de preço obtidas pelos exportadores. Observa-se que o Brasil ocupa o 5° lugar entre os maiores exportadores.32 Gráfico 4 – Principais países exportadores de mel (volume) - 2003

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SEBRAE, 2006.

Gráfico 5 – Principais países exportadores de mel (valor total) - 2003

Gráfico 6 – Principais países exportadores de mel (valor unitário) - 2003

Dados da FAO apontam que a produção mundial de mel atingiu 1,3 milhão de toneladas em 2004, com um crescimento anual, no período de 1994/2004, da ordem de 1,9% ao ano. A FAO estima que o crescimento do número de colméias, no mesmo período, foi da ordem

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de 1,4% ao ano, somando cerca de 61,7 milhões de unidades.33

Apesar da fragmentação da produção mundial, a China tem lugar de destaque no cenário produtivo mundial com mais de 20% do mel produzido. Entretanto, o mel chinês é de baixa qualidade, sendo usado, geralmente, para fins industriais ou para agregar volume em blend’s desenvolvidos para o mercado varejista. Por outro lado, o mel chinês tem o preço mais competitivo do mercado mundial, em razão dos baixíssimos custos de mão-de-obra.34 A seguir, destacam-se, entre os países produtores, os Estados Unidos e a Argentina, que produzem um mel claro e de qualidade superior. O Brasil participa com cerca de 2% da produção mundial.

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USAID, 2006. USAID, 2006.

O comércio internacional de mel tem crescido, segundo a FAO, a uma taxa média anual de 2,8%, no período de 1994/2004. Nos anos de 2002 e 2003 o comércio internacional de mel ultrapassou a marca de mais de 400 mil toneladas, ou seja, aproximadamente 30% da produção mundial.

China e Argentina se destacam como os maiores exportadores, apesar das restrições comerciais impostas nos últimos anos. A seguir, destacam-se o México e a Alemanha, que atua como canal de

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distribuição de mel para a Europa. O Brasil merece destaque porque soube tirar proveito da janela de oportunidade surgida em razão dos embargos à China e à Argentina, transformando-se, no intervalo de apenas 05 anos, no 5° maior exportador mundial de mel.35 O cenário internacional vinha se mostrando bastante promissor para o Brasil até 2006. Todavia, no dia 17 de março de 2006, a União Européia estabeleceu um embargo comercial proibindo a exportação de mel brasileiro para o mercado europeu, sob alegação de descumprimento dos prazos de implantação do Programa Nacional de Controle de Resíduos – PNCR. O mercado europeu representava, até então, o destino de 80% das exportações do mel brasileiro. A apicultura brasileira viu-se então diante de um grande desafio: como redirecionar sua produção para outros mercados e como manter a posição conquistada no ranking mundial de países exportadores?

O cenário brasileiro O crescimento das exportações brasileiras de mel no período de 2000/ 2006 é vertiginoso e impressionante. Segundo dados da Secretaria 35

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USAID, 2006.

de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - SECEX/MDIC, no ano 2000 o Brasil exportou 268,9 toneladas. No ano de 2001, quando do início das sanções comerciais contra a China e a Argentina, nossas exportações saltaram para 2.488 toneladas, ou seja, quase 10 vezes mais. No ano de 2002, aproveitando a janela de oportunidade aberta no mercado internacional em razão do vazio de oferta existente na ocasião, o volume exportado passa para 12.640 toneladas. Nos anos de 2003 e 2004 o Brasil chega ao topo desta escalada, exportando 19.272 toneladas e 21.029 toneladas, respectivamente. A partir de 2005, com o retorno da China e da Argentina ao mercado internacional, o Brasil estabiliza suas exportações no patamar de 14.442 toneladas, com um leve crescimento em 2006 para 14.599 toneladas.

É possível observar que mesmo com o retorno da China e da Argentina ao mercado internacional, o Brasil vem conseguindo sustentar uma fatia de mercado um pouco maior do que aquela conquistada em 2002.

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Outra constatação importante é que, apesar do embargo da União Européia às exportações brasileiras a partir de 17 de março de 2006, o Brasil conseguiu fechar o ano com um leve incremento de suas exportações, redirecionando-as da Europa, sobretudo da Alemanha, até então o nosso maior comprador, para os Estados Unidos. Percebe-se uma mudança relativamente significativa no cenário produtivo interno. O Rio Grande do Sul, pioneiro na produção de mel, vem mantendo a liderança nacional com uma vantagem expressiva em relação aos demais. Alguns estados, como o Piauí, o Ceará, o Rio Grande do Norte, o Maranhão e o Pará, vêm avançando

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posições no ranking nacional. Outros estados, como Santa Catarina, Minas Gerais e Rio de Janeiro, vêm perdendo posições.36

Esse expressivo crescimento da produção de mel na região Nordeste, de 18% para 32% da produção nacional, foi ao mesmo tempo determinado pela janela de oportunidade aberta no período de 2001/ 2004 e determinante para o crescimento das exportações brasileiras e sua estabilização no patamar atual. Por outro lado, esta rápida expansão da produção de mel baseada principalmente em pequenos produtores, com poucos conhecimentos, com poucos recursos tecnológicos, com pouca cultura associativista, isolados em áreas pouco desenvolvidas, contribuiu para a manutenção da produtividade por colméia em níveis muito baixos em comparação com as médias de outros países.37 36 37

SEBRAE, 2006. SEBRAE, 2006.

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Os preços obtidos pelas exportações brasileiras variaram segundo a relação entre oferta e demanda. Nos anos de 2003 e 2004, período mais crítico do vazio de oferta decorrente dos embargos às exportações da China e da Argentina, os preços atingiram o pico de US$ 2.36/kg e US$ 2.01/kg respectivamente. A partir de 2005, com o crescimento da oferta em razão do retorno da China e da Argentina para o mercado, os preços recuaram para níveis inferiores a 2002, mas ainda acima da média histórica de US$ 1.00/kg.38

O mercado interno de mel sofreu uma drástica redução com o aumento das exportações. Até 2000 quase toda a produção, da ordem de 20 mil toneladas, destinava-se ao mercado interno. Eventualmente, o país era inclusive obrigado a fazer pequenas importações da Argentina. Depois de 2001, em razão da significativa elevação de preços no mercado externo, toda a produção foi direcionada para a exportação, provocando uma redução do mercado interno da ordem de 50% em apenas 03 anos.39 38 39

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USAID, 2006. USAID, 2006.

O impacto foi tal que houve receio de desabastecimento no setor industrial, levando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA a editar preventivamente a Resolução N° 05/2000, que autoriza, desde então, a substituição do mel por edulcorantes e flavorizantes nos produtos lácteos. Esta medida permitiu que as indústrias de alimentos substituíssem o mel natural por substitutos químicos em bebidas lácteas, sorvetes e iogurtes. A situação atual, onde mais de 80% da produção é destinada à exportação, não é desejável e deixa o setor apícola numa condição de grande vulnerabilidade face às incertezas do mercado internacional. O exemplo do embargo da União Européia às exportações brasileiras em 2006 é bastante eloqüente. É preciso dar atenção ao fortalecimento do mercado interno. A princípio, a simples revogação da Resolução N° 05/2000 do MAPA resultaria em expressivo crescimento da demanda no setor industrial, além de beneficiar os consumidores, que estão adquirindo produtos supostamente enriquecidos com mel natural, mas que na verdade contêm aditivos químicos substitutos. Outra possibilidade para o imediato crescimento do mercado interno são as compras governamentais voltadas para a merenda escolar. Por exemplo: se cada um dos 31 milhões de estudantes do ensino fundamental da rede pública recebesse, na merenda escolar, um sachet de mel de 05 gramas por dia, em 180 dias do ano letivo escolar, seriam consumidas 28 mil toneladas de mel por ano, ou seja, o equivalente a quase duas vezes o volume exportado em 2006.

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Uma dificuldade para medir impactos no mercado interno do mel é a inexistência de estatísticas oficiais precisas, em razão da forte informalidade que prevalece no setor. Uma das maneiras de se estimar o consumo interno de mel é através da estimativa do “consumo aparente”, ou seja, a soma da produção interna com as importações, menos as exportações. Tomando uma série histórica de 1996/2004, fica evidente o aumento da produção e das exportações, como também a redução do “consumo aparente” a partir de 2001. Constata-se que em 1996, no início da série histórica, a produção era insuficiente para atender à demanda interna. No intervalo de menos de 10 anos, a demanda interna foi reduzida a 36% da produção. Percebe-se que entre 2001 e 2002, o momento paradigmático da mudança de tendência, a redução do consumo interno foi da ordem de 57,5%.40

Pesquisas sobre o perfil do consumidor de mel realizadas em quatro regiões do Brasil, pelo SEBRAE (Bahia, Pará e Sergipe), EMBRAPA Meio-Norte (Piauí, Rio Grande do Norte e Alagoas) e USP (Ribeirão Preto) demonstraram que não mais de 29% da população brasileira consome mel diariamente. O baixo consumo de mel é explicado pela falta de hábito consolidado do consumidor. A maioria utiliza o mel apenas como medicamento, portanto, são consumidores eventuais. Há uma relação direta entre o poder aquisitivo e o consumo, ou seja, 40

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consumidores de renda menor consomem pouco ou não consomem mel por considerá-lo um produto caro. “Os estudos demonstraram que, além destes, existem diversos outros fatores que influenciam o consumo de mel. Dentre eles destaca-se também a falta de informações a respeito de suas propriedades alimentares e medicinais, demonstrando que existe uma evidente carência de esforços de planejamento de divulgação e marketing no setor, como forma de incentivar o consumo de mel, a exemplo do que vem sendo feito por inúmeros outros produtos alimentícios no Brasil.”41 Os estudos de mercado realizados pelo SEBRAE indicam que o consumidor brasileiro vê o mel como medicamento, e não como um alimento ou um adoçante natural. Indicam também que o consumidor desconhece as propriedades alimentares e medicinais do mel. Constatam, ainda, que consideram o produto acessível quando identificado como medicamento, mas o consideram caro quando identificado como alimento. Portanto, para ampliar o mercado interno, será necessário planejar uma estratégia de marketing que ajude a criar uma nova percepção no consumidor, focando inclusive certos nichos de mercado, como as crianças, os atletas, os executivos, os idosos, as mulheres.

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Capítulo 5 O papel do SEBRAE na organização setorial da apicultura O SEBRAE e a Rede APIS O SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, criado em 1972, é a agência brasileira de desenvolvimento dos pequenos negócios, que atua apoiando projetos no setor industrial, no setor de comércio e serviços, como também no setor de agronegócios, sempre buscando difundir o empreendedorismo e elevar a competitividade e a sustentabilidade das micro e pequenas empresas brasileiras. O setor apícola, no Brasil, é caracterizado pela presença hegemônica de micro e pequenos empreendimentos, razão pela qual o SEBRAE sempre dedicou sua atenção a este segmento produtivo. A partir de 2001, quando das sanções comerciais impostas à China e à Argentina, criou-se um vazio de oferta no mercado internacional, tendo como conseqüência imediata o rápido crescimento dos preços ofertados pelos importadores. “Em 2001, a Comunidade Européia suspendeu as importações do mel da China e o mercado mundial passou a viver uma situação atípica, causada pela elevação dos preços internacionais do produto, que ultrapassou a barreira dos US$ 2.00 (dois dólares americanos) o quilo. Nesse mesmo período, o real é desvalorizado frente ao dólar e exportar passa a ser uma ótima opção para o setor. Nessa conjuntura, o mercado interno se vê pressionado e o mel, que era vendido pelos produtores a R$ 1,60, passa para mais de R$ 7,00 o quilo.”42

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Constata-se que o ingresso do Brasil no mercado exportador de mel deveu-se, principalmente, ao fato de que os importadores viram no mel brasileiro uma alternativa de abastecimento para suprir o vazio de oferta existente naquele período. Portanto, as exportações brasileiras de mel não cresceram em razão de uma estratégia de marketing dirigida à conquista do mercado internacional, mas simplesmente em razão de uma janela de oportunidade aberta pelo embargo do mel da China, e posteriormente da Argentina, os dois maiores exportadores mundiais, face às barreiras sanitárias da União Européia, que detectou a presença de resíduos do antibiótico clorofenicol no mel chinês e face às políticas protecionistas dos Estados Unidos, que adotou medidas anti-dumping contra o mel argentino. O SEBRAE identificou, naquela situação, uma oportunidade de mercado para o crescimento do Brasil nas exportações mundiais de mel, a partir dos pequenos produtores. Assim, por iniciativa dos SEBRAE dos estados da Região Nordeste, foi criado o Projeto APIS, de apoio à difusão da apicultura no nordeste brasileiro. Acompanhando o vertiginoso crescimento das exportações brasileiras de mel no período de 2001/2004, o Projeto APIS também cresceu e foi nacionalizado, ultrapassando as fronteiras da Região Nordeste. A partir de 2003, o Projeto APIS ganhou a denominação de Rede APIS – Apicultura Integrada e Sustentável, com o slogan “Associando recursos e integrando competências para viabilizar negócios”. O principal sentido da mudança foi a compreensão de que o fortalecimento da apicultura não poderia ser uma iniciativa isolada do SEBRAE, mas o resultado da construção de uma ampla parceria. “A perspectiva de desenvolver um trabalho em rede surgiu da constatação de que nenhuma organização, isoladamente, pode responder ao desafio de viabilizar uma ‘Apicultura Integrada e Sustentável’. O debate a respeito das dificuldades e dos desafios comuns e a troca de experiências demonstraram a necessidade da cooperação, do estabelecimento de parcerias ou de alianças estratégicas para superar obstáculos e maximizar resultados.

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Na apicultura, foi relativamente simples a assimilação da importância da articulação e da parceria, pois a atividade já traz em sua essência esse ensinamento. As abelhas são mestras naturais do conceito de cooperação, organização e divisão do trabalho. Inspirados nesse comportamento das abelhas, as pessoas, os grupos e as instituições parceiras estão superando as barreiras ao associativismo e buscando a construção conjunta, motivadas pela consciência da magnitude e complexidade da missão.”43 Assim, em 2006, a Rede APIS contava com 245 parceiros, apoiando 22 projetos, incluindo 418 municípios, atendendo diretamente 12.875 apicultores, organizados em 283 associações e 42 cooperativas, com uma produção de 7.482 toneladas de mel/ano, equivalente a mais de 23% da produção nacional de mel.44 Esses números dão a medida exata da relevância da atuação do SEBRAE e seus parceiros no setor apícola brasileiro. Os Agentes de Desenvolvimento Rural – ADR Um dos mais sérios problemas para o agronegócio brasileiro é a falta de assistência técnica e extensão rural para os pequenos produtores. Os serviços existentes, além de não serem acessíveis para os pequenos produtores, também não ofertam serviços adequados, servindo geralmente como instrumentos de difusão de pacotes tecnológicos intensivos no uso de implementos e insumos que estão fora do alcance do agronegócio de pequeno porte. Não é diferente no setor apícola. A atividade apícola, para ser competitiva, exige a adoção de boas práticas de manejo, de equipamento adequado, de conhecimento específico de tecnologias em produção e substituição de rainhas, manejo de quadros e alimentação de colméias, por exemplo. A rápida expansão da atividade apícola não possibilitou a devida profissionalização do apicultor, sobretudo nos territórios onde a 43 44

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atividade teve implantação recente. Souza afirma que “a profissionalização da apicultura passa por três grandes eixos de ações a serem perseguidos: dotar o apicultor de visão empreendedora da atividade no campo; fortalecer as indústrias apícolas de insumos, equipamentos e processamento, adequando-as para melhorias dos processos industriais e de gestão; e montar estratégias para assegurar mercado e garantir a comercialização da produção.45 O SEBRAE, na perspectiva de contribuir para a superação desta deficiência na oferta de serviços de assistência técnica e extensão rural, tem se utilizado de suas ações de inovação e acesso à tecnologia e de difusão tecnológica, para formar agentes locais capazes de disseminar as boas práticas de manejo. “Os ADR, como são chamados os Agentes de Desenvolvimento Rural, são pessoas da própria comunidade, com experiência apícola, e que receberam treinamento específico para propagar as orientações técnicas de criação de abelhas na região onde atuam. Por serem da própria comunidade, possuem trânsito livre e diálogo fácil entre os produtores, permitindo-lhes atuar de maneira mais efetiva na transformação da realidade local, proporcionando o aparecimento, no campo, da nova apicultura brasileira.”46 Os ADR costumam ser recrutados entre os jovens da própria comunidade, sendo geralmente filhos dos pequenos produtores rurais e também produtores rurais. São capacitados pelo SEBRAE e recebem acompanhamento e supervisão de profissionais de nível superior: agrônomos e veterinários. Muitas vezes são remunerados pelas Prefeituras ou pelas associações e cooperativas de pequenos produtores, contando também com valiosas contribuições de outros parceiros da Rede APIS, sobretudo da Fundação Banco do Brasil. Até 2006 havia 187 ADR de apicultura atuando em 11 estados brasileiros. Alguns SEBRAE estaduais dispõem ainda do “APISMóvel”, um veículo utilitário, tipo furgão, adaptado com um laboratório, que é utilizado como apoio ao trabalho dos ADR para 45 46

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análise da qualidade do mel nas próprias localidades. Os ADR têm se revelado um forte instrumento de inovação, acesso à tecnologia e difusão de tecnologia social. O embargo da União Européia às exportações brasileiras de mel O principal argumento da União Européia para justificar o embargo das exportações brasileiras de mel foi o descumprimento dos prazos de implementação no Plano Nacional de Controle de Resíduos – PNCR. A União Européia, através do seu Serviço Alimentar e Veterinário – FVO, realizou duas inspeções prévias, em 2003 e 2005, para examinar os processos de produção e monitoramento de produtos de origem animal e vegetal exportados pelo Brasil. Após ambas as visitas de inspeção, foram emitidos relatórios com recomendações sobre as medidas as serem adotadas pelo governo brasileiro no que se refere ao controle sanitário de produtos de origem animal e vegetal. Aparentemente, faltou um monitoramento adequado da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, pois as medidas recomendadas não foram adotadas em tempo hábil. O MAPA vinha tomando medidas de implementação do Plano Nacional de Controle de Resíduos – PNCR e um mês antes do embargo havia incluído o mel entre os produtos a serem submetidos ao controle do PNCR, mas nada disso foi suficiente. Assim, no dia 17 de março de 2006, a União Européia decretou o embargo às exportações do mel brasileiro. É importante ressaltar que os importadores de mel, sobretudo os alemães, costumam realizar testes laboratoriais no mel brasileiro, justamente porque compram o mel em tonéis, para posterior fracionamento e envase com marcas próprias, o que transfere para suas indústrias a responsabilidade pela sanidade do produto frente ao consumidor final. Nunca ocorreu a rejeição de qualquer lote de mel brasileiro por problemas de contaminação.

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Isso é fácil de explicar. As abelhas africanizadas são resistentes à maior parte das doenças que atacam as abelhas européias, razão pela qual os apicultores brasileiros não se utilizam de antibióticos para o tratamento das abelhas. Assim, não há nenhum risco de ocorrência de resíduos de antibiótico no mel brasileiro. Quanto ao risco de presença de resíduos de agrotóxicos, ele existe, porque em certas regiões do país se utilizam as abelhas para a polinização de cultivos que recebem aplicações de agrotóxicos. Entretanto, como prevalece a produção de mel com floradas nativas e silvestres, esse risco é reduzido. Mesmo assim, nunca ocorreu qualquer constatação de presença de resíduos de agrotóxicos nos testes realizados pelos importadores. Segundo Henrique Faraldo, presidente da Associação Brasileira de Exportadores de Mel – ABEMEL, “todos os entrepostos fazem rastreabilidade. O mel é embalado em tambores metálicos, do mesmo tipo usado para exportação de suco de laranja. Cada tambor recebe um número do lote e nós sabemos a história dele do princípio ao fim. Muitas empresas têm uma classificação que vai ao nível de floradas e subfloradas. Existem blends, necessários para a obtenção de determinada cor ou padrão, mas, se você abrir um tonel, você sabe exatamente o que tem ali e em que proporção.”47 Sendo verdade que o risco de contaminação do mel brasileiro é quase nulo e que as empresas exportadoras já fazem todo um controle de rastreabilidade do produto, por que então a União Européia impôs o embargo às exportações do mel brasileiro? As explicações estão para além das preocupações com a sanidade dos produtos e a segurança alimentar. Desde que a Organização Mundial do Comércio – OMC foi criada, com a finalidade de assegurar o livre-comércio, existe um combate às barreiras comerciais. Até pouco tempo atrás, as barreiras comerciais mais utilizadas eram as barreiras tarifárias, ou seja, a cobrança de impostos sobre produtos importados, de modo a favorecer a competitividade dos produtos locais, mesmo quando 47

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estes apresentavam custos de produção superiores. Assim, as barreiras tarifárias se transformaram no principal obstáculo ao livrecomércio e pouco a pouco foram sendo eliminadas através de inúmeros tratados, acordos e convenções internacionais. Todavia, foram sendo progressivamente substituídas por outros tipos de barreiras comerciais: as barreiras técnicas e sanitárias. Barreiras técnicas são especificações que impedem a entrada de produtos que não estejam de acordo com tais exigências. As barreiras sanitárias são um tipo de barreira técnica com especificações relacionadas à sanidade e segurança alimentar dos produtos. Hoje, quando determinados países querem impedir a entrada de certos produtos em seus mercados, impõem especificações técnicas que precisam ser verificadas através de testes, ensaios, análises e exames laboratoriais, nem sempre acessíveis aos exportadores. Muitas vezes, além de restringirem a entrada de produtos, ainda buscam vender os serviços de verificação, que progressivamente ficarão obsoletos e serão substituídos por outros mais sofisticados, que atendam às novas exigências, deixando os países exportadores sempre numa posição vulnerável. No caso do embargo do mel aconteceu exatamente isso. O Brasil não dispunha, na ocasião, de nenhum laboratório habilitado para fazer as análises exigidas. Aguardar pelo credenciamento europeu de laboratórios brasileiros significaria prolongar o período do embargo, penalizando todo o setor apícola nacional. Assim, o Laboratório APPLICA GMBH, da Alemanha, ofereceu os serviços e acabou sendo contratado em caráter emergencial pelo Governo Federal e pelos exportadores, através de convênio do MAPA com a ABEMEL, para fazer a análise de 420 amostras, de modo a atender as exigências da União Européia e permitir que fosse levantado o embargo comercial no menor prazo possível. O SEBRAE teve uma forte participação no apoio ao setor apícola para que as medidas necessárias fossem tomadas com a celeridade requerida pela situação. Primeiro, coube ao SEBRAE tornar possível várias reuniões entre os principais líderes do setor, representados

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pela CBA – Confederação Brasileira de Apicultura e ABEMEL, para que fosse elaborado um plano emergencial. A seguir, o SEBRAE acompanhou todas as reuniões da CBA e da ABEMEL com o MAPA, no sentido de aprovar e implementar este plano emergencial, cujo foco principal era a realização das análises laboratoriais para atender às exigências de comprovação de controle de resíduos e cujo foco complementar era a comercialização da safra de mel de 2006 com outros importadores, de modo a não impor uma paralisia no setor apícola brasileiro. Além disso, o SEBRAE fez uso do seu projeto Bônus Metrologia, através do qual subsidia até 50% do custo de certificação de produtos para micro e pequenas empresas, de modo que as empresas exportadoras ligadas à ABEMEL puderam utilizá-lo para subsidiar a parte do custo das análises laboratoriais que coube aos exportadores, dentro do convênio com o MAPA. Segundo Reginaldo Resende e Alzira Vieira, coordenadores nacionais da carteira de projetos de apicultura do SEBRAE, “após várias negociações das equipes técnicas do Ministério da Agricultura com a União Européia, contando inclusive com uma visita da equipe do MAPA a Bruxelas, no período de 27 de fevereiro a 08 de março de 2007, o Governo brasileiro recebeu os auditores da União Européia no Brasil, que vieram com o objetivo de avaliar a implementação do PNCR. Segundo o MAPA a missão foi exitosa. O MAPA conseguiu demonstrar que os laboratórios brasileiros têm expertise e proficiência para análise laboratorial dos resíduos, capacidade técnica e equipamentos para efetuar as análises exigidas, com todos os protocolos e métodos analíticos necessários. Graças ao apoio do SEBRAE, ao adaptar o Bônus Metrologia à situação de emergência que se apresentou há um ano atrás para o setor apícola, proporcionando através de convênio com a ABEMEL o custeio de 50% das análises do PNCR, o Brasil cumpriu integralmente o que foi acordado com a União Européia, com resultados auditáveis. As amostras analisadas no Brasil foram comparadas com as amostras enviadas ao Laboratório APPLICA GMBH da Alemanha e o resultado foi inquestionável. Segundo o MAPA, a questão técnica está resolvida.

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Eles estão aguardando o envio do relatório dos auditores e a publicação da suspensão do embargo no Diário Oficial da União Européia.” Porém, até o momento, o embargo não foi levantado e não está descartada a possibilidade de surgirem novas exigências. Segundo diversos empresários, o embargo foi movido por interesse dos importadores alemães em forçar a queda dos preços do mel brasileiro. Ocorre que no período do embargo ao mel da China, o mel brasileiro entrou no mercado europeu e conquistou a preferência dos consumidores, pois se trata realmente de um mel com qualidade muito superior, que atende às exigências de um consumidor cada vez mais preocupado em consumir produtos naturais e orgânicos, sobretudo na Alemanha. Entretanto, o mel brasileiro, por suas qualidades intrínsecas, tem um preço superior ao mel chinês. Os importadores alemães, que distribuem mel para vários outros mercados, têm utilizado os mais variados artifícios para desqualificar o mel brasileiro, de modo a rebaixar o seu preço ao mesmo nível do mel chinês, preservando assim suas margens de ganho. O embargo parece ser uma das formas encontradas para execução desta disputa comercial. O fortalecimento das organizações do setor apícola – CBA e ABEMEL O embargo da União Européia às exportações de mel brasileiro teve algumas conseqüências positivas. Uma delas foi chamar a atenção dos empresários do setor apícola para a necessidade de fortalecimento de suas organizações setoriais. A CBA, fundada em 1967, sempre manteve sua sede no estado do Rio Grande do Sul, pioneiro e maior produtor nacional de mel, o que lhe confere legitimidade histórica e econômica para sediar a entidade mais representativa do setor. Porém, nunca houve uma preocupação com a constituição e fortalecimento de organismos regionais. Os apicultores da região nordeste, por exemplo, que cresceram em número e importância no período de 2001 a 2004, sentiam-se pouco

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representados pela CBA. Além disso, como costuma acontecer na maior parte das organizações de representação setorial, a CBA sempre teve problemas financeiros de manutenção, não dispondo de condições materiais para ofertar serviços relevantes para os empresários do setor. Praticamente, sua principal atribuição vinha se resumindo à organização dos Congressos Brasileiros de Apicultura, que em 2006 teve a sua 16ª edição, em Aracaju – SE, nos dias 22 a 25 de maio, ocasião em que foi eleita uma nova diretoria da CBA, presidida pelo empresário José Gumercindo Corrêa da Cunha, criador de abelhas rainhas e presidente da Federação Apícola do Rio Grande do Sul – FARGS. O 16° Congresso Brasileiro de Apicultura ocorreu pouco mais de 60 dias após o anúncio do embargo europeu e, portanto, sob o forte impacto deste acontecimento. O embargo, como toda situação de crise, provocou uma intensa mobilização do setor apícola e o reconhecimento da importância de se contar com organizações de representação para dialogar com o Governo Federal e outros atores intervenientes na atividade. Foi posta em debate a representatividade da CBA, sua estrutura, sua capacidade de responder às necessidades deste setor empresarial. A conclusão unânime foi pela necessidade de trabalhar no sentido do seu fortalecimento. Outra vez, o SEBRAE teve uma contribuição relevante. Criou condições para que a nova diretoria da CBA elaborasse um planejamento estratégico, que estabeleceu várias prioridades. A primeira delas é o fortalecimento institucional da própria CBA. Para isso, o SEBRAE colaborou na elaboração e negociação de projetos com outros parceiros da Rede APIS, particularmente com a Fundação Banco do Brasil, para dotar a CBA de uma estrutura adequada de instalações e equipamentos para o seu bom funcionamento. Outra prioridade é a criação e o fortalecimento de estruturas regionais, que facilitem o acesso e a participação dos empresários do setor na CBA. Para isso, mais uma vez, SEBRAE e Fundação Banco do Brasil têm somado esforços pela realização de uma série de seminários regionais de articulação da CBA. Finalmente, foi elaborado todo um plano de trabalho no sentido de enfrentar os principais gargalos do

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setor, incluindo pontos como o levantamento do embargo europeu, a prospecção de novos destinos no mercado internacional, a ampliação do mercado interno, a elaboração de um Regulamento Nacional de Conformidade do Mel para a padronização das exigências de qualidade, a profissionalização do setor, a difusão das boas práticas de manejo e fabricação, a promoção comercial do produto com foco em determinados nichos do mercado consumidor, dentre outros. O SEBRAE decidiu investir também na CBA para desenvolver um projeto-piloto de Inteligência Competitiva setorial, que consiste no treinamento de pessoas e montagem de uma estrutura capaz de identificar, selecionar e analisar informações de importância estratégica para o setor, difundido-as através de diversos mecanismos de comunicação, de modo a orientar a tomada de decisão dos empresários. A CBA conseguirá, deste modo, prestar um serviço relevante para seus associados, podendo inclusive, através desse serviço, gerar recursos para sua própria manutenção. A ABEMEL, fundada em 2003, reúne as principais empresas brasileiras exportadoras de mel e é atualmente presidida pelo empresário Henrique Faraldo. Constituída mais recentemente, a ABEMEL tem forte representatividade no seu segmento e exerceu um papel muito importante na negociação das medidas relativas ao embargo europeu, mesmo porque as empresas exportadoras são aquelas mais imediatamente atingidas pelas restrições comerciais no mercado internacional. Coube à ABEMEL um papel mais ofensivo no sentido de cobrar celeridade do MAPA para a adoção das medidas capazes de atender às exigências da União Européia. Isso resultou na celebração de um convênio para a contratação das análises laboratoriais exigidas. O SEBRAE colaborou subsidiando 50% dos custos das análises através do Bônus Metrologia. A ABEMEL também demonstrou um grande profissionalismo e capacidade de reação em momento de crise, ao conseguir redirecionar a safra de 2006 para o mercado norteamericano, concluindo o ano, apesar do embargo, com exportações

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superiores ao ano anterior. A Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e Produtos Apícolas Outra conseqüência positiva do embargo da União Européia às exportações de mel brasileiro foi a criação da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e Produtos Apícolas pelo MAPA. O MAPA possui hoje 30 câmaras setoriais e temáticas em funcionamento. São espaços privilegiados de diálogo e concertação entre Governo e Setor Produtivo sobre as políticas públicas. Porém, até 2006, embora houvesse uma reivindicação do setor apícola, ainda não havia uma câmara setorial voltada especificamente para este setor produtivo. Acreditamos que a crise gerada pelo embargo precipitou a criação, pelo MAPA, da referida câmara setorial. A Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e Produtos Apícolas, composta por 29 instituições públicas e privadas, foi instalada no dia 22 de maio de 2006, em Aracaju – SE, dentro do 16° Congresso Brasileiro de Apicultura. O então Secretário-Executivo do MAPA, Luís Carlos Guedes Pinto, indicou para a presidência da Câmara o Sr. Joail Humberto Rocha de Abreu, então presidente da CBA. Indicou também como secretário-executivo da Câmara o Sr. Alberto Gomes da Silva Júnior, da Secretaria de Defesa Agropecuária do MAPA. A primeira reunião aconteceu no dia 23 de maio, ainda em Aracaju – SE. A partir da segunda reunião, ocorrida em 07 de julho de 2006, houve a substituição do presidente da Câmara, em razão da eleição de uma nova diretoria da CBA, ocorrida durante o 16° Congresso Brasileiro de Apicultura, quando seu presidente passou a ser o Sr. José Gumercindo Corrêa da Cunha. A Câmara constituiu um Grupo de Trabalho, responsável pela elaboração de uma Agenda de Trabalho, que apresenta um diagnóstico da situação atual do setor apícola e um conjunto de diretrizes e proposições de políticas públicas e privadas. O documento

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consta da publicação “Contribuições das Câmaras Setoriais e Temáticas à formulação de políticas públicas e privadas para o agronegócio”, de responsabilidade do MAPA.48 O SEBRAE integra a Câmara Setorial e participou do Grupo de Trabalho, tendo seus representantes, Reginaldo Resende e Alzira Vieira, coordenadores nacionais da carteira de projetos de apicultura do SEBRAE, contribuído de forma muito significativa para a elaboração do documento referido. A Câmara reconhece, no documento em questão, que “embora a apicultura brasileira tenha registrado um crescimento significativo nos últimos anos, ainda existem desafios que devem ser superados em praticamente todos os segmentos da cadeia, como a informalidade do setor, a baixa produtividade, baixo controle de qualidade dos produtos e gestão da produção, busca de novos mercados e consolidação dos tradicionais, aumento do consumo interno do mel e de outros produtos apícolas como o pólen e a geléia real, além da solução de problemas relacionados à divulgação, comercialização, infra-estrutura, oferta, armazenagem, qualidade, capacitação de produtores, financiamento e crédito e questões regulatórias.”49 A Câmara foi criada em um momento de crise, mas também em um momento de reconhecimento da necessidade de superar os problemas existentes no setor apícola. O fato de reunir os principais atores relacionados com a cadeia produtiva guarda um enorme potencial para a construção de soluções coletivas que ajudem a remeter a apicultura brasileira para um novo momento do seu processo de desenvolvimento.

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Conclusão O contexto atual do comércio exterior adquiriu tal complexidade que não consegue mais ser explicado por uma visão exclusivamente referenciada no mercantilismo ou no liberalismo. Diversos aspectos das teorias mercantilistas e liberais permanecem atuais, contudo, parece correto, conforme a visão de Michael Porter traduzida em sua “Teoria da Vantagem Competitiva”, observar que a competição não se dá mais entre países, mas entre empresas. Assim sendo, o aspecto mais relevante a ser buscado seria a criação e manutenção de um ambiente favorável ao desenvolvimento e inovação dos setores econômicos onde cada país demonstra ter maior competitividade. Isso implica em buscar identificar as condições objetivas de competitividade de um dado setor, usando, na medida do necessário, de maior ou menor intervencionismo estatal na atividade econômica, de modo a constituir um ambiente que favoreça os negócios. A análise da trajetória das exportações brasileiras de mel revela que o Brasil reúne condições de competitividade neste setor e que pode permanecer como um dos principais protagonistas no mercado internacional. Entretanto, para consolidar e dar sustentabilidade ao seu posicionamento estratégico é preciso que o setor apícola brasileiro consiga aprender com os erros e acertos de sua própria experiência. O ingresso do Brasil no mercado internacional de mel não se deu em razão de um planejamento de marketing. Não foi o Brasil que teve a iniciativa de vender o seu mel no mercado internacional. O que ocorreu foi que o mel brasileiro passou a ser comprado pelos principais importadores, como uma alternativa de abastecimento, em razão de um vazio de oferta estimado em 50 mil toneladas/ano, provocado pelo embargo europeu e norte-americano às exportações da China e da Argentina, no período de 2001 a 2004, motivado por medidas sanitárias decorrentes da constatação da presença de

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resíduos de antibióticos (clorofenicol) no mel chinês e de medidas anti-dumping contra o mel argentino. O Brasil teve o mérito de ser o país produtor de mel que melhor aproveitou esta janela de oportunidade. Entre 2000 e 2004 o Brasil teve um crescimento de suas exportações de mel da ordem de 269 toneladas/ano para 21 mil toneladas/ano, ou seja, um incremento de 7.800%. Nos anos de 2005 e 2006 as exportações brasileiras de mel se estabilizaram no patamar de 14,5 mil toneladas/ano, mesmo depois do retorno da China e da Argentina ao mercado internacional, o que significa que o Brasil conquistou uma parcela significativa deste mercado. O crescimento vertiginoso das exportações brasileiras de mel teve como conseqüência imediata a redução do mercado interno em torno de 57% entre 2001 e 2002. O risco de desabastecimento no setor industrial levou à adoção de substitutos químicos. Cerca de 90% do mel produzido se destina à exportação e até 2006, 80% do mel exportado tinha a Europa como destino. O setor apícola tomou consciência desta situação de vulnerabilidade e completa dependência em relação aos importadores quando o Brasil sofreu, a partir de 17 de março de 2006, um embargo da União Européia contra as exportações brasileiras de mel em razão do descumprimento de exigências sanitárias referentes ao controle de resíduos de antibióticos e agrotóxicos. A crise gerada pelo embargo europeu, teve, por outro lado, conseqüências positivas. Primeiro, porque forçou uma ampla mobilização do setor apícola. Segundo, porque levou os empresários do setor a fortalecerem suas principais entidades de representação, a Confederação Brasileira de Apicultura - CBA e a Associação Brasileira dos Exportadores de Mel - ABEMEL. Terceiro, porque levou o Governo Federal, por intermédio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, a acelerar a implementação do Plano Nacional de Controle de Resíduos - PNCR e a criação da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Mel e Produtos Apícolas.

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Todo o processo de inserção do Brasil no mercado internacional do mel e de reação à crise provocada pelo embargo europeu teve uma importante participação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE. A expansão da produção de mel iniciada pela Região Nordeste e disseminada por todo o país, a constituição da Rede APIS, o esforço de difusão tecnológica representado pelos Agentes de Desenvolvimento Rural – ADR, a utilização do Bônus Metrologia para custear 50% das análises laboratoriais necessárias ao levantamento do embargo realizadas através de convênio entre ABEMEL e MAPA, o fortalecimento institucional da CBA, a participação na Câmara Setorial, a contribuição decisiva no planejamento estratégico do desenvolvimento da apicultura brasileira, são exemplos concretos do relevante papel do SEBRAE na organização do setor apícola. O cenário atual se mostra favorável à manutenção da trajetória de crescimento da produção e exportação de mel do Brasil. Apesar do embargo, as exportações brasileiras de mel em 2006 foram superiores a 2005, tendo sido redirecionadas para os Estados Unidos. Analisando os resultados do primeiro trimestre de 2007, observa-se que as exportações cresceram mais de 300% em relação ao mesmo período do ano passado, o que indica que deve ser mantida a tendência de crescimento. Além disso, a conjuntura se mostra favorável ao Brasil no ambiente internacional. Há previsão de quebra de safra na China, na Argentina e no Vietnam, em razão de problemas climáticos. Os Estados Unidos começaram a aplicar, a partir de 1° de maio, medidas anti-dumping contra a China, taxando o mel chinês em 200%, o que deve reduzir a oferta deste produto no segundo maior mercado comprador. Há expectativa de que o embargo da União Européia contra as exportações brasileiras de mel deva ser levantado no segundo semestre. Recentemente, várias matérias jornalísticas têm noticiado a ocorrência de desaparecimento de enxames. O fenômeno foi denominado de “desordem de colapso de colônias”. O problema foi constatado em 24 estados norte-americanos, no Canadá, na França, na Inglaterra, na Espanha e na Suíça. As perdas de enxames variam entre 40% e 90%. As causas não são conhecidas. Caso o Brasil não seja afetado, a situação pode se transformar numa grande

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oportunidade de abertura de novos mercados. Todavia, para que o Brasil possa consolidar e dar sustentabilidade ao posicionamento estratégico conquistado no mercado internacional do mel, o setor apícola precisa continuar trabalhando no sentido de melhorar a produtividade e a qualidade dos produtos. Para isso, deve buscar facilitar o acesso dos empresários e produtores a serviços de capacitação para gestão, de capacitação em boas práticas de manejo, de acesso à inovação e à tecnologia, de difusão de tecnologias sociais. A recente preocupação demonstrada pelo SEBRAE e pela CBA em dotar o setor apícola de instrumentos de inteligência competitiva setorial, facilitando a análise de cenários, o planejamento estratégico, a prospecção e conquista de mercados, é uma iniciativa bastante promissora. Tudo isso nos leva a concluir que o setor apícola tem tido uma percepção correta sobre seus principais desafios e tem atuado na perspectiva da conquista da competitividade e da sustentabilidade da apicultura brasileira.

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