Maquiavel - Um Homem Incompreendido 9788501072115

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Maquiavel - Um Homem Incompreendido
 9788501072115

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autor de Leonardo: o primeiro cientista e Stephen Hawking: uma vida para a ciência

Por mais de cinco séculos, o nome Maquiavel tem sido associado ao mundo da política e do poder. Ele foi um homem extraordinário que viveu em um período fascinante da história: um intelectual e teórico brilhante, que chegou a ocupar um cargo público na administração da cidade de Florença. Em 1512, quando os poderosos Médici retornaram ao poder, Maquiavel, o grande republicano, perdeu seu emprego, foi acusado de sedição, preso e torturado. Libertado mais tarde, porém detestado pelos Médici, se aposentou e começou a escrever O principe, baseado em sua vasta experiência política. O livro, editado, lido e amplamente debatido ainda hoje, é uma das obras mais importantes já publicadas no Ocidente.

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Ão longo da vida, Maquiavel ganhou fama de figura corrupta e gananciosa, cujos escritos encorajavam os tiranos a matar e a dominar de forma cruel. Nesta surpreendente biografia, Michael White busca mudar a imagem desse homem incompreendido e enfatiza características suas polico conhecidas: marido amoroso, embora muitas vezes infiel, amigo perspicaz dos principais nomes da Renascença italiana e, acima de tudo, ousado e desprendído defensor florentino, devotado à sua cidade — de tradicional constituição republicana, em uma época de ascensão da autoridade monárquica. o

“Aqui, o aclamado biógrafo Michael White mal interpretadas e seu nome mal ap «apropriado ao longo dos séculos.

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* conta a verdadeira história da vida de Maquiavel e: revela como suas idéias foram

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Tradução de JULIAN FUKS

À EDITORA RIO

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White, Michael,

1959-

Maquiavel: um homem incompreendido / Michael White; tradução Julián Fuks. — Rio de Janeiro: Record, 2007.

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Tradução: Machiavelli: a man misunderstood Apêndices

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Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

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CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte

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Inclui bibliografia

1. Machiavelli, Niccolo, 1469-1527. 2. Ciência política. 3. CDD - 923.2 CDU — 929:32

06-3663

Título original em inglês: MACHIAVELLI: A MAN

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Cientistas políticos — Itália — Biografia. I. Título.

MISUNDERSTOOD

Copyright O Michael White, 2004

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito. Proibida a venda desta edição em Portugal e resto da Europa.

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina 171 — Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 — Tel.: 2585-2000 que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil

ISBN 978-85-01-07211-5 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL.

Caixa Postal 23.052

Rio de Janeiro, RJ — 20922-970

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ISBN 978-85-01-07211-5

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EDITORA ASTUADA

Para o nosso filho Finley Albert, nascido em 26 de setembro de 2003

Sumário

Introdução: Um homem incompreendido . Amor sim, dinheiro não

DONAS

. À Europa de Maquiavel Um desafio a enfrentar Correndo com o diabo

A Cause Célêbre de Maquiavel Viagens com um líder militar papal Às boas e as más coisas

. Preso

. Reabilitação

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O príncipe

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. Exílio

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, Os anos finais

O legado de Maquiavel

Apêndice 1: As principais obras de Maquiavel Apêndice 2: Vida e época de Maquiavel Referências

Bibliografia

Índice remissivo

11 17 35 63 8/ 127 147 169 191 217 24] 261 279 307

329 331 335 349 353

“Devemos muito a Maquiavel e a outros que escrevem o que os homens fazem, e não o que deveriam fazer.” Francis Bacon, O avanço do conhecimento, 1605

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Introdução Um

homem

incompreendido

Começo a ver um padrão nos assuntos sobre os quais escrevo. Nunca

abordei a vida de um rei ou de uma rainha, um papa ou um chefe de Estado, porque para mim os personagens interessantes não são os líderes dos homens, mas aqueles que estabeleceram os contornos do nosso mundo intelectual. Para mim, os governantes e os monarcas, os pontífices e os presidentes não são as figuras verdadeiramente im-

portantes que preenchem nosso passado e nosso presente. Sim, alguns inegavelmente grandes personagens levaram vidas repletas de cor e glamour, cheias de espetáculo, e, em alguns casos excepcionais, de ações valiosas e grandes conquistas (aqui estou pensando especialmente em Churchill e George Washington). No entanto, apesar de toda a

bravura e todos os fogos de artifício dessas vidas, os verdadeiros influentes, os que realmente fizeram época não são os que protagonizaram guerras ou criaram leis, mas sim os homens e mulheres que descobriram, retrataram, inventaram.

Quase todos esses personagens verdadeiramente importantes eram de origem bastante comum, e muitos deles sequer foram apreciados enquanto vivos. Mozart e Leonardo da Vinci, Isaac Newton e Galileu,

todos vieram de lares modestos. Dickens, Faraday e Dalton nasce-

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MAQUIAVEL

ram em famílias extremamente pobres. E, embora alguns dos criado-

res mais respeitados tenham sido reconhecidos em vida por seu gê-

nio, basta levarmos em conta Mozart, Van Gogh, Copérnico e Mendel para percebermos que muitas outras grandes figuras foram ignoradas até muito tempo depois de suas mortes. Além disso, as figuras históricas verdadeiramente grandes foram

com fregiiência subalternas dos poderosos arrogantes de seu tempo. Eles gozavam de pouco poder de influência e eram pouco valorizados por aqueles a quem serviam. Um desses grandes homens sem poder foi Nicolau Maquiavel. Ele era de origem comum, mas conquistou

coisas extraordinárias. Foi um homem que, mais do que a maioria das figuras criativas da história, tratava de alguns assuntos íntimos dos líderes e, ao mesmo tempo, sofria mais do que a maioria nas mãos dos bem-nascidos, destinados à liderança. Em seus Discursos, Maquiavel fez a seguinte observação: “Entre todos os homens prezados, são mais prezados aqueles que foram chefes e sacerdotes. Logo depois deles estão os que fundaram repúblicas e reinados. Em seguida vêm aqueles que, com seus exércitos, ampliaram seu próprio reinado ou o de seus conterrâneos. Os literatos devem ser somados a estes.”! Estava claro que ele também percebia que os artistas e os indivíduos criativos raramente sustentavam ou chegavam a ter poder de influência, o que se completa com o comentário

de sua comédia A mandrágora, escrita em 1513 ou 1514: “Para os

que não tém poder, não existe nem mesmo um cachorro que lhes ladre na cara.”

Há vários bustos e retratos remanescentes de Maquiavel, a maioria dos quais produzidos mais ou menos uma década depois de ele ter-se tornado, em 1498, secretário da Segunda Chancelaria de Flo-

rença. Contudo, a figura provavelmente mais famosa que se tem dele éa pintura de Santi di Tito hoje exposta no Palazzo Vecchio, em Flo-

rença, perto de onde Maquiavel trabalhou por diversos anos. Pintada

INTRODUÇÃO

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por volta de 1505, mostra Maquiavel vestido em seu traje de trabalho, preto e coberto por um veludo carmesim. Com a mão esquerda ele segura luvas de camurça, enquanto a direita está apoiada sobre um livro em cima da mesa, bem ao estilo homem de Estado. Suas roupas parecem ser bastante maiores do que seria apropriado para ele, e é óbvio que debaixo delas está um corpo quase esquelético. Seu rosto parece o de um animal pequeno e selvagem, talvez uma raposa ou um lince, só pele e osso. O cabelo é curto e penteado para trás, os

olhos são pequenos e de um negro sem profundidade. À boca é interessante. Ele tem lábios finos, e o sorriso é tão sutil que é impossível de perceber; é meramente uma contração dos músculos faciais, um estiramento dos lábios: um sorriso um tanto cínico. É uma pena que seu amigo Leonardo da Vinci (que ele encontrara pela primeira vez mais ou menos na época desse retrato) não tenha podido reservar um tempo para pintá-lo, pois o rosto de Maquiavel é tão enigmático e fascinante quanto o da Gioconda. O fato de Maquiavel olhar do jeito como olha, um rosto tão passível de sobreposição a um desenho do diabo, uma cabeça à qual só falta um par de chifres para que se transforme na de Mefistófeles, é uma das pequenas e estranhas coincidências da vida. Hoje o nome de Maquiavel serve de base inextricável para as palavras “maquiavélico” e “maquiavelismo”, com freqiiência escrita no mesmo sentido de “mau”, “despótico”, “tirano”, “dúplice”. As idéias de Maquiavel tor-

naram-se tão famosas que o homem que as escreveu e descreveu é

entendido por muitos como alguém que praticou aquilo que definiu. Nada poderia estar mais distante da verdade. Nicolau Maquiavel era, em muitos aspectos, um homem perfeitamente normal. Ele gostava da companhia dos amigos e bebia com eles nas tabernas florentinas. Safa com mulheres e apostava, se casou e teve filhos. Por 15 anos, acordou todas as manhãs para fazer seu trabalho de diplomata e funcionário público. Então, quando o governo a que servia

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MAQUIAVEL

foi deposto pela dinastia dos Médici, ele se tornou um pária; perdeu

seu trabalho, foi preso por um período breve e torturado, e por muitos anos foi impossibilitado de trabalhar em qualquer serviço oficial. Exilado, dedicou-se à escrita e produziu uma coleção de obras im-

portantes de análise histórica, política e militar, assim como duas peças cômicas e algumas músicas, alguns sonetos e outros versos. A mais famosa de suas obras é O príncipe, livro amplamente lido ao longo de quase cinco séculos e que ainda vende centenas de milhares de cópias todo ano. Diferentemente da crença popular, Maquiavel nunca matou ninguém, não era um político sedento por poder sobre a vida dos outros, nem o malvado conselheiro de um avarento e ardiloso chefe

militar. Apesar disso, em sua função de diplomata florentino, ele de fato afagou as costas de alguns tiranos e fanáticos, líderes de guerra

psicóticos e papas assassinos. Sendo um grande observador e analista,

dotado da mente de um poeta, quando sua vida foi despedaçada pe-

los Médici em 1513 ele resolveu transformar essas experiências e esse aprendizado num dos mais importantes livros já escritos. O príncipe era um tratado radical quando foi escrito e permanece como um tratado radical até hoje. É também um dos livros mais mal compreendidos que já existiram, e aqueles que compreendem mal sua intenção também compreendem mal o homem que o escreveu, maculando o nome do autor junto com a filosofia que ele descreve. Não consigo pensar em nenhum outro exemplo de tão extrema equivocada apreensão em toda a história da literatura, da filosofia e da política. Parte do problema deriva do caráter de Maquiavel. Como dissemos, ele era em muitos aspectos um homem comum, mas com um

velo controverso e pouco ortodoxo. Via a religião como um construto humano e não tinha qualquer fé ou convicção espiritual. Era um libertino que frequentava bordéis e casas de apostas, tabernas sombrias

INTRODUÇÃO

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e festas devassas. Misturava-se com atores e prostitutas da mesma forma que convivia com reis e pontífices, e expressava abertamente sua preferência pelo primeiro grupo. Mas sua imagem também deriva da honestidade de seus escritos. As palavras de Maquiavel são duras e cheias de força, suas idéias são como farpas, pedaços afiados de aço; não há nada de cálido e macio nas idéias de Maquiavel. Naturalmente, grande parte das pessoas não gostou disso: a maioria dos que leram O príncipe cinco sécuios atrás

não o aprovaram, e muitos dos que o lêem hoje também não aprovam. Mas nada disso tem qualquer impacto nas verdades que

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Maquiavel descreve; é só que, na maior parte das vezes, as pessoas não gostam de ser confrontadas com a verdade. Quando hoje lemos O príncipe, é importante ter em mente que a obra tem sido vastamente lida geração após geração por meio milênio. E aqui há novamente uma grande ironia (a história de Maquiavel está repleta delas), porque o único livro mais lido e por um período mais longo no mundo ocidental é a Bíblia, uma obra que oferece uma visão diametralmente oposta à expressa em O príncipe. É fácil pensar em livros que hoje sejam lidos por mais gente, mas não tão fácil lembrar de títulos que venham sendo lidos há tanto tempo. Ão compilar

alguns, é comum citar Os contos da Cantuária, de Chaucer, a República, de Platão, as peças de Shakespeare (embora estas raramente sejam lidas em livro). Nenhum deles, contudo, ultrapassa O príncipe. Usei a expressão “mundo ocidental” por conta do Corão, bem como de outros livros antigos que descrevem os ensinamentos de Buda e as idéias de Confúcio, que rivalizam com a Bíblia em popularidade. Maquiavel considerou o cristianismo em um contexto político. Viu a religião organizada como um simples mecanismo, um instrumento de controle social, e também acreditou que era danosa à evo-

lução da sociedade, por deixar as pessoas mais interessadas em uma hipotética vida após a morte do que na realidade do aqui e agora. Para

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MAQUIAVEL

Maquiavel, a Bíblia, como as obras de muitos autores clássicos, descrevia o mundo através de lentes cor-de-rosa. A filosofia de Platão, como expressa na República, é uma das que Maquiavel usou como exemplo de um conjunto de idéias que não definem o mundo real ou

Aqueles que deveriam ter-lhe mostrado respeito, os príncipes cujo comportamento ele dissecou tão brilhantemente, foram tão energicamente críticos quanto os que tinham pouca base sobre as verdades do mundo. Essa negligência se mostrava justamente como uma confirmação das idéias maquiavélicas; faz sentido que a maioria dos governantes e príncipes pouco se entusiasmasse com um livro que revelava os métodos que empregavam. Hoje não há qualquer desculpa genuína para maldizer o nome de Maquiavel, e já passa do tempo de ele ser reabilitado. Ignorância e razões escusas dirigiram a deturpação secular de sua imagem. Hoje devemos saber melhor, pois testemunhamos a acurácia das palavras frias de Maquiavel; todos vimos a verdadeira natureza dos homens. Michael White, Perth, Austrália, julho de 2004

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prático baseado na natureza humana genuína: o filósofo grego construiu suas idéias a partir de um ideal impossível. Maquiavel via a moralidade cristá sob a mesma luz do sistema ideal de Platão. Para ele, os pilares da doutrina cristã eram irrealistas, não-naturais e, portanto, de pouco valor real. Essas opiniões nunca tornariam Maquiavel popular entre a elite dominante de seu tempo, e de fato seu nome se tornou anátema assim que edições piratas e plagiárias de O príncipe começaram a circular alguns anos antes de sua morte, em 1527. Mas por essa época Maquiavel já estava bem acostumado à negligência e à ignorância.

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Amor sim, dinheiro não

Em maio de 1521, alguns dias após seu quinquagésimo segundo ani-

versário, o ex-secretário florentino Nicolau Maquiavel foi incumbi-

do pelo Otto di Pratica, um dos muitos conselhos que governavam Florença, de viajar até Carpi, uma pequena vila a uns 100 quilômetros da cidade. O propósito da viagem era discutir com a assembléia geral de franciscanos, que tinha seus quartéis na vila, a jurisdição clerical dos arredores de Florença.

Era uma tarefa estranha para Maquiavel. Durante 15 anos ele servira o governo florentino sob o regime de Piero Soderini, mas havia

sido banido e deixado de lado quando a família Médici desmantelou a República e tomou o poder em 1513. Desde então Maquiavel vinha improvisando um sustento na área rural próxima a Florença, ocasionalmente assumindo incumbências de homens de negócios ansiosos por travar uma disputa ou outra em qualquer cidade próxima. Ele estava adquirindo uma reputação de escritor sério — seu livro À arte da guerra já estava em mãos de editores —, e alguns meses antes o papa dos Médici, Clemente VII, havia lhe concedido uma prestigiosa bolsa para escrever a história de Florença. Mas a missão de

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MAQUIAVEL

resolver um problema com os franciscanos era intrigante, porque Maquiavel era conhecido por não ter qualquer afinidade com a religião ortodoxa, e muitos sabiam que ele não olhava o clero com simpatia. Todavia, Maquiavel não tinha condições de recusar a oferta e, em 11 de maio, já se lançava à tarefa, parando antes em Módena, onde

passou uma noite com seu amigo Francesco Guicciardini, o repre-

sentante papal naquela área. Logo de sua chegada em Carpi, ele e o chefe do conselho franciscano, Sigismondo Santi, instantaneamente antipatizaram um com o outro. Ialvez o franciscano tivesse ouvido histórias a respeito de seu estilo de vida e de suas crenças, mas tam-

bém parecia estar irritado por pensar que, ao enviar Maquiavel, o Otto di Pratica havia designado um oficial de baixo escalão para tratar do assunto. À situação não melhorou com o fato de Maquiavel ser forçado a frequentar missas regulares, incluindo as que ocorriam todos os dias antes do amanhecer, no monastério onde eram conduzidas as reuniões do conselho. Além disso, Santi demonstrava pouca disposição de cooperar e uma clara intenção de atrasar o processo, numa patética

tentativa de mostrar que detinha o controle da situação. Uma grande fonte de alívio para Maquiavel era a proximidade com seu amigo Guicciardini, en Módena. Guicciardini era um homem com quem ele podia confidenciar e trocar cartas em que maldizia os monges e ridicularizava Santi. Era uma figura poderosa, um burocrata

eficiente, mas também um sagaz e inteligente legislador e um devoto defensor de seu amigo Maquiavel. Em algumas ocasiões, Guicciardini pagava para que os entregadores percorressem com as cartas os 40 quilômetros até Carpi três vezes por dia. Depois de isso acontecer algumas vezes, Maquiavel

começou a notar que os monges cochichavam constantemente e que até Santi reparava no fato de aquele aparentemente desimportante servidor civil de Florença estar recebendo atenção irrestrita de uma

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poderosa figura como Guicciardini. Foi então que ele teve a idéia de pregar uma peça naqueles monges. Em uma carta a seu amigo, Maquiavel lhe pediu que a resposta fosse enviada por um besteiro de farda completa, e que o cavaleiro galopasse durante todo o trajeto para que, quando chegasse, tanto ele quanto o cavalo estivessem cobertos de suor. Mais tarde, naquele mesmo dia, um oficial uniformizado chegou sobre um cavalo de pêlos negros, brilhantes e suados, afoito por entregar uma carta a Maquiavel, que nesse momento estava no meio de uma discussão com os franciscanos. Funcionou maravilhosamente. Os monges ficaram surpresos de ver Maquiavel ser tratado com tanta reverência e sua curiosidade chegou ao extremo. Santi, que não entrou tão facilmente no jogo e se mostrou desconfiado desde o início, perguntou a Maquiavel por que ele, entre todas as pessoas, precisava receber mensagens urgentes daquela forma, naquele lugar tão distante dos centros habituais. Sem hesitar, Maquiavel retorquiu que essas mensagens eram despachos extremamente importantes que diziam respeito ao Sacro imperador romano e ao rei da França.

Santi não conseguiu contestar essa explicação. No entanto, não satisfeito com esse logro, Maquiavel pediu a Guicciardini que repetisse o truque no dia seguinte. Seu amigo seguiu as instruções e até acrescentou um pacote de cartas com um selo de Zurique bem à mostra para dar peso à manobra. No dia seguinte, Guicciardini mandou um novo pacote de papéis oficiais e documentos, junto com uma torta, que o mensageiro explicou ter sido mandada como um presente especial para o Ilustre Maquiavel. Foi tudo uma grande farra, mas, apesar de Maquiavel e Guicciardini acreditarem ter enganado os monges, nunca tiveram a certeza de que Santi tinha caído. Numa carta, escrita enquanto um grupo de monges se postava ao seu redor convencido de que ele estava dando

conselhos sobre grandes questões de Estado, Maquiavel declarou:

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MAQUIAVEL

“Cacete! Vamos ter de tomar muito cuidado com esse camarada, que

é mais ardiloso do que mil diabos!”! E de fato Santi, que Maquiavel via como um homem malicioso e naturalmente desconfiado, não demonstrou qualquer arrefecimento na antipatia que nutria por Maquiavel. Mas o truque serviu para ou-

Essa divertida história ilustra a natureza maliciosa de Maquiavel,

seu saudável senso de humor e o cinismo que marcava sua atitude em relação a beatos pretensiosos como Santi, que tanto prosperavam nas instituições corruptas daquele tempo. Mas é também uma história triste, pois, depois de uma vida de comprometimento e realizações, Maquiavel fora reduzido a responsável por resolver um assunto trivial de um grupo de monges, e mesmo nessa tarefa não obtinha o respeito de um quase-ninguém como Santi. Maquiavel tinha consciência dessa ironia, mas fazia um excelente trabalho em enterrar a dor da humilhação. Para sobreviver, usava O humor: estava sempre rindo da injustiça do mundo e da má sorte de

que era vítima. À troca de cartas com Guicciardini está permeada de autodepreciação, dividindo espaço com as pontadas que dirigia a Santi e aquele grupo. “Eu estava sentado na latrina quando seu mensageiro chegou...”, escreveu um dia depois de sua chegada em Carpi, “e justo naquele momento meditava sobre os absurdos deste mundo”?

Mas o mais irônico é o fato de que, enquanto Francesco Guicciardini mandava cavaleiros uniformizados para seu amigo zombeteiro, suas cartas estavam cheias não só de gracejos sobre os franciscanos, como também de comentários sentidos sobre o que havia de doloroso na brincadeira que estavam tramando, pois Guicciardini

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tanto respeito e medo em relação a Maquiavel que Santi começou a sentir que sua própria autoridade diminuía diante do emissário florentino, o que fez com que apressasse ao máximo o processo para adiantar a partida do visitante.

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tro propósito. No terceiro dia de despachos, os monges mantinham

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conhecia melhor do que ninguém a angústia que Nicolau estava sofrendo. “Meu querido amigo Maquiavel”, escreveu numa carta: Quando assisto às suas ações de embaixador da República entre os frades e considero com quantos reis, duques e príncipes você já negociou no passado, lembro-me do [general espartano] Lisandro, para

quem, depois de muitas vitórias e troféus, foi concedida a tarefa de

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distribuir carne para aqueles mesmos soldados que ele gloriosamente comandara; e digo: pode-se ver que, só com os rostos dos homens e algumas cores extrínsecas modificados, todas as mesmas coisas voltam; e nós não testemunhamos nenhum incidente que já não tenha sido visto em outros tempos.

Eram palavras que tinham a intenção de encorajar, e talvez até o tenham feito, mas com essas simples observações Guicciardini havia resumido a vida de Maquiavel, repleta de glória, glamour e sofrimento. Numa carta para um amigo em 1513, um Maquiavel de meiaidade declarou: “Eu nasci na pobreza e desde cedo aprendi a aturar O sofrimento, mais do que a prosperar.“ Não devemos levar esse comentário muito a sério. No momento em que o escreveu Maquiavel havia desenvolvido um razoável costume de afagar as costas dos ricaços de seu tempo e, mesmo não tendo chegado a ser propriamente abastado, já se habituara bastante a gastar seu tempo num mundo de luxo e opulência. Essa relação próxima com homens que eram em

seus dias o equivalente renascentista de um Bill Gates ou do sultão do Brunei, considerando as condições de sua origem familiar, talvez o tenham feito perder um pouco de seu senso de perspectiva. Nicolau Maquiavel era de fato nascido num lar um tanto burguês

da Toscana. Sua família fazia parte do parriciado (popolani grassi), mais ou menos equivalente à classe média de hoje. No entanto, embora o

braço dos Maquiavel em que nascera possuísse o distintivo de per-

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MAQUIAVEL

tencer a uma antiga e respeitada família, eles haviam perdido a rique-

za muito tempo antes do seu nascimento.

Os ancestrais de Maquiavel haviam sido uma das importantes fa-

mílias de guelfos engajadas em violentas batalhas contra outro pode-

roso grupo de famílias italianas, os gibelinos, durante boa parte da

Idade Média. Depois da batalha de Montaperti, em 1260, as famílias dos guelfos sobreviventes se exilaram e só retornaram seis anos mai s tarde, após a intervenção do Vaticano. Os Maquiavel estavam entre

os mais respeitados dos guelfos e eram reconhecidos por supostamente terem mantido, em algum tempo, relações familiares próximas com os governantes de Montespertoli, no vale de Pisa, logo ao sul de Florença. Essa teoria se sustenta no fato de que, no século XV, a família tinha grandes porções de terra por ali. Porém, apesar de ser possível que os primos de Nicolau Maquiavel fossem considerados ricos proprietários na região, a única herança de seu paí, Bernardo, era um

pequeno e bastante desleixado sítio em Sant Andrea, perto de San Casciano, que chegara a ele através do mais pobre e malsucedido ramo da família. (A rua principal de San Casciano hoje se chama Via Machiavelli.)

A propriedade rural de Maquiavel ainda existe hoje, um vigoroso aglomerado de pedras ladeado por construções de telha que conduzem a uma pequena via rural. À casa principal da família ficava em Florença, pequena e apertada, situada no lado oeste de uma longa rua chamada Via Romana, que começava na Ponte Vecchio e termi-

nava no portão (hoje chamado de Porta Romana) da igreja de San Piero Gatrolino. A configuração das ruas se modificou desde a infância

de Maquiavel e hoje a Via Romana se aproxima da Via Guicciardini, sendo a casa onde ele viveu perto do número 16. A casa se localizava no coração de Florença, a menos de cem metros da Ponte Vecchio e perto do Pitti Palace, que, na época do nascimento de Maquiavel ,

estava nos primeiros estágios de construção.

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Notavelmente, a casa de Maquiavel sobreviveu até a Segunda Guerra Mundial, quando foi destruída por uma bomba dos Aliados. Mas em 1469, quando Nicolau nasceu, compreendia um pequeno grupo de habitações separadas, chamadas de case, arranjadas ao longo de um pátio. Essencialmente um apartamento, cada casa consistia de um amplo hallabobadado no térreo e dois outros andares em cima. O térreo era geralmente usado como loja ou área de trabalho. O andar do meio era frequentemente dividido por partições de madeira, de modo que formava uma sala e um espaço de dormir, enquanto o andar de cima abrigava a cozinha, para que a fumaça do forno tivesse só uma pequena distância a percorrer antes de ser liberada pelo telhado. O jovem Maquiavel vivia cercado por familiares. De um lado do pátio vivia seu primo Nicolau d'Alessandro, a mulher dele e seus três filhos, além dos três irmãos e irmãs. Em outro lado, a casa era dividida por mais primos, os herdeiros do tio pouco tempo antes falecido

de Maquiavel, Nicolau d'Andrea Buo ndi. Com eles vivia Piero, filho

de outro primo, Francesco Maquiavel, junto com sua mulher e seus nove filhos.



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Florença era um grande e barulhento labirinto de vias estreitas € altos prédios de pedra. A cidade era dividida em quatro quarteirões

ou quartiere — Santa Croce, San Giovanni, Santa Maria Novella e Santo Spirito — e a casa de Maquiavel se localizava neste último. Cada quartiere era mais ou menos fechado, com suas próprias lojas, igrejas, artesãos e confrarias. Os impostos eram cobrados em cada um dos quartiere por coletores especialmente designados (um dos primos de

Nicolau do mesmo prédio tinha emprego de coletor) infra-estrutura, tendo em política e social em relação

na Via Romana, Gherardo di Giovanni, e cada quarteirão sustentava sua própria troca garantido um nível de autonomia ao governo.

Quando Nicolau nasceu, em 3 de maio de 1469, a pequena casa

da família devia estar ficando bastante lotada.” Sabemos pelo registro

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MAQUIAVEL

da cidade de Florença de 1470 que Bernardo e sua mulher, Bartolomea

di Stefano Nelli, também tinham duas filhas: Primavera, cinco anos

mais velha que Nicolau, e Margherita, de dois anos de idade quando

ele nasceu. O registro de 1480 mostra que a situação havia piorado

Em setembro daquele ano, Bernardo Maquiavel começou um /ibro di recordi, ou diário. Descoberto no final dos anos 1930, esse inestimável documento foi recuperado e transcrito por um estudioso chama-

do Cesare Olschki, e posteriormente publicado, em 1954.7 Narrando o período entre 1474 e 1487, Bernardo deixou registradas muitas minúcias de sua vida e dos assuntos familiares, da venda de um jumento às dívidas que ele parecia batalhar constantemente para pagar. O diário nos ajuda a lançar um pouco de luz sobre a infância de Nicolau e um pouco de cor na figura de seu pai. Aprendemos, por exemplo, que Bernardo nasceu em algum momento entre 1426 e 1429, que tinha um doutorado em Direito, mas que nessa época parece que já fazia bastante tempo que não exercia a profissão. Há indícios de que fosse filho ilegítimo, mas ele faz o máximo que pode

para disfarçá-lo e não há qualquer evidência remanescente para sustentar as pistas. Ele também se esforça muito por enfatizar que todos os seus filhos, inclusive Nicolau, são legítimos. Isso era extremamente importante para a classe média florentina daquele tempo, mas, sendo o registro do governo algo não muito próximo de uma ciência exata, também era um aspecto constantemente manipulado para obter

vantagens de herança. Se a ilegitimidade fosse provada, o cidadão era

proibido de participar da maior parte das associações, impossibilita-

do de se matricular na universidade da cidade e tornado inelegível para qualquer cargo governamental.

Um dos fatos mais reveladores encontrados nos ricordi de Bernardo é que ele era um specchio, um devedor de impostos. Isso é significativo, porque dever impostos também era considerado uma séria desonra

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ainda mais, porque outro filho, Totto, nascera em 1474.

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para si mesmo e para a família. Os filhos de um specchio não podiam trabalhar em qualquer serviço público, e nenhum advogado podia exercer sua profissão se tivesse qualquer tipo de dívida financeira em relação à comunidade. O fato de Nicolau ter sido mais tarde contratado como funcionário público indica que, em algum momento, Bernardo conseguiu sanar completamente suas dívidas.

Um dos aspectos mais misteriosos da família Maquiavel daquele tempo é o que exatamente Bernardo fazia. Ele era um advogado treinado e seu título de “Messere” mostra que era um doutor em Direito (o título era estritamente aplicado no século XV), e no entanto não há nenhum registro de uma prática sua na área. Ele não é menciona-

do nos registros da Associação dos Juízes e Notários de Florença, não

existe documento que o ligue a qualquer caso jurídico em que estivesse envolvido e nenhum indício de salário relacionado a isso. Parece que a única fonte de renda de Bernardo era a relativamente

minguada quantia que recebia pelo sítio da família. Como ele terminou nesse estado lamentável não está claro. É difícil imaginar o homem sobre o qual lemos no diário de Bernardo, que claramente amava os filhos e valorizava seu status social, escorre-

gando de modo condescendente rumo à pobreza. Um bloqueio sério deve ter sido colocado em suas aspirações pela convenção social ou por alguma incompatibilidade política. À explicação mais provável é que Bernardo tivesse trabalhado como advogado quando jovem, mas acabado contraindo dívidas e sendo banido. Para o jovem Nicolau, a vida em Florença nunca era sem graça.

Ele jogava bola e outros jogos nas ruas com seus amigos e testemunhava os vários desfiles e carnavais que os florentinos regularmente promoviam. Esses espetáculos combinavam rituais cristãos e pagãos e pretendiam trazer ares mais alegres para os cidadãos em diária confrontação com a morte e o sofrimento. Um dos mais animados era a festa do dia de São João Batista, o santo patrono de Florença, que

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MAQUIAVEL

acontecia no dia 24 de junho. Era um alegre e barulhento evento, nas ruas decoradas por laços, faixas multicoloridas e flores, que durava pelo menos dois dias. Nos dias de festival, companhias de teatro encenavam peças e musicais nas ruas e nas piazzas, deixando uma duradoura impressão

em Maquiavel, que, desde tenra idade, mostrava especial interesse nos espetáculos e na dinâmica do teatro. O que viu quando menino nas ruas de Florença ficou gravado nele e plantou as sementes para as peças cômicas que o tornaram famoso meio século mais tarde. O outro lado da Florença renascentista era o sombrio submundo

da morte e da doença, da fome e da guerra. Maquiavel, como a maio-

ria de seus contemporâneos, foi introduzido cedo no universo da morte. Uma terrível praga em 1479 roubou a vida de vizinhos e amigos da família. Seu próprio pai ficou gravemente doente e pensou que fosse morrer. Antes de a praga atingir seu auge, a família arrumou as coisas e partiu para uma estância rural, de propriedade da família da mãe de Nicolau, em Mugello, a alguns quilômetros de Florença. Bernardo recuperou-se e juntou-se a eles, apenas para convalescer algumas semanas mais tarde. Ainda naquele ano, enquanto os Maquiavel permaneciam em sua própria casa campestre, um exército mercenário florentino pouco tempo antes derrotado na batalha de Poggio Imperiale estava acampado numa cidade próxima, durante uma calmaria num conflito com Nápoles que já custara à República muitas vidas e uma grande soma de dinheiro. Alguns soldados se alojaram na casa da família e um Nicolau de 10 anos de idade ficou fascinado com eles e com as histórias que contavam. Também essa experiência foi uma importante influência na mente do Maquiavel adulto, que mais tarde fez campanha por um exército de cidadãos florentinos e passou um tempo nas frentes de batalha da Europa, antes de escrever o clássico

estudo À arte da guerra.

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2

Do pouco que sabemos sobre a vida doméstica da família

Maquiavel, os sinais parecem indicar que se tratava de um lar feliz. Bartolomea havia sido casada antes de conhecer Bernardo, com quem se uniu por matrimônio em 1458. Com seu primeiro marido, o boticário Nicolau di Girolamo Benizzi, que morreu em 1457, teve uma filha chamada Lionarda. Os Benizzi moravam a algumas portas de

distância de onde Bernardo cresceu com seus pais, e parece que Bernardo e Bartolomea começaram sua relação logo após a morte de Nicolau Benizzi. É certo que Lionarda foi criada pela família de seu pai, porque não há registro dela em nenhum arquivo de impostos da família Maquiavel ou em qualquer outro documento oficial. Diz-se que Bartolomea foi uma mulher devota, com gosto para a música e para a poesia. Em algum momento, quando seu filho mais velho era ainda jovem, ela aproveitou para escrever versos relígiosos. Uma cópia legível de um desses poemas, dedicado a seu filho Nicolau, foi posteriormente incluída em um livro escrito por um descendente, Giovan Battista Nelli.” A propensão de Nicolau para a literatura parece ter vindo de sua

mãe. Contudo Bernardo também era um sujeito bastante instruído e

intelectualizado, e em muitos sentidos encarnava o espírito de seu tempo. Mantinha um vívido interesse por aprender e, embora não tivesse um talento particular para a arte, a engenharia ou a filosofia, apreciava esses campos do conhecimento e os estudava cuidadosamente. Talvez seja ainda mais importante o fato de que amava os livros e gastava qualquer dinheiro restante para adquirir as mais recentes obras de estudos clássicos, traduzidas para o latim ou para sua língua vernácula. A prensa com tipos móveis havia sido introduzida em Florença em 1471, quando Nicolau tinha apenas dois anos de idade, e, apesar dos recursos modestos, Bernardo foi um dos primeiros e mais entusiasmados consumidores da imprensa da cidade. Um inventário pes-

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MAQUIAVEL

soal de sua coleção, encontrado em seus ricord i, mostra que era um homem com gostos distintos e capacidade de disc ernimento. Além

de uma extensa coleção de livros impressos sobre Direito, ele possuía

obras de Lívio, Macróbio e Prisciano, assim como um tratado sobre

Aristóteles escrito por um humanista mode rno e amigo de Lorenzo de Médici, Donato Acciaiuoli. Ele também toma va emprestados livros como Cosmologia, de Ptolomeu, Etica, de Aristóteles, e os escritos de

Justino e Plínio.

Bernardo comprou livros em fascículos e, quando tinh a dinheiro para isto, encadernava-os com o melhor material que seu orçamento permitisse. Quando podia, aumentava sua coleção da ndo algumas garrafas de vinho ou um queijo de seu pobre sítio em tr oca de uma cópia de qualquer texto clássico. Dos que possuía, o livro que Bernardo mais prezava era À história de Roma, escrito por Lívio, um volu me prodigamente ilustrado (e por isso caro), muito além de seus recursos. Ele o adquiriu em pagamento pelo serviço de organizar um índice com nomes de lugares para um editor florentino, tarefa que lhe custou nove meses de trabalho. Quando adulto, Nicolau relatou com minúcia o dia em que foi ao encontro do editor para pegar para seu pai o exemplar tão bonito da obra de Lívio, encapado com a melhor pele de bezerro e impresso no mais fino papel. Tornou-se o orgulho da coleção de Bernardo, um item venerado por toda a família. Nicolau aprenderia muito sobre história com aquele livro, que teria um papel tão significativ o em moldar seu progresso intelectual, que seus próprios primeiros escritos se baseariam nas idéias de Lívio.

Como a maior parte dos homens de sua classe e com sua educação, o paí de Nicolau era membro de uma confraria, a Co nfraria de San Girolamo sulla Costa, uma soc iedade religiosa mais usualmente referida como La Pietà. Be rnardo tinha pouco interesse na religião, mas parece que se ajustava às convenções sociai s do tempo e interpre-

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tava o papel que se esperava dele nas cerimônias tradicionais. La Pieta,

constituída por cerca de 140 homens de negócio locais e outros profissionais, era mais do que um grupo religioso, pois mantinha uma agenda política e levantava fundos para propósitos políticos, bem como para caridade. Era uma parte muito importante da infra-estrutura social de Santo Spirito, e só os que participavam da confraria podiam dedicar-se à administração do quartiere. Para a sorte dos Maquiavel, tratava-se de uma irmandade que não excluía um specchio. Tornou-se uma grande influência sobre Nicolau, que, aos 11 anos, se juntou à sua seção juvenil, a Confraria de Sant Antonio da Padova. Aos 24, passou a fazer parte da confraria de adultos e isso lhe deu a oportunidade de se misturar com muitas das figuras importantes da comunidade. Nicolau e seu pai eram muito próximos, e Bernardo via no filho

mais velho a grande esperança de futuro dos Maquiavel. As irmãs de Nicolau, Primavera e Margherita, destinaram-se a vidas bastante convencionais. Primavera casou-se com Francesco Vernaccia, cujo negócio tinha sede em Constantinopla, e a jovem Margherita casou-se com um



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tal Bernardo Minerbetti. As duas mulheres criaram famílias, fizeram o

que se esperava delas e desapareceram na história. Do irmão mais novo de Nicolau, Totto, pouco se sabe, exceto que se tornou um padre e permaneceu em Florença durante a maior parte de sua vida. À correspondência remanescente de Maquiavel mostra que os irmãos seguiram próximos e que, quando Nicolau se tornou um importante funcionário público, fez o que podia para ajudar a carreira de lotto na Igreja. Muitos aspectos aproximavam Nicolau de seu pai. Eles compartilhavam um irreverente senso de humor, um saudável cinismo a respeito de muitas das convenções sociais e uma pouco usual falta de confiança na Igreja. Este último deve ter irritado a devota e temente

a Deus Bartolomea, que dedicava diversas noites por semana ao coro de mulheres da igreja de Santa Trinitã e, em momentos quietos, com-

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MAQUIAVEL

punha seus versos religiosos. Enquanto isso, Bernardo estudava tratados humanistas e, ao menos em privado, professava um ceticismo

silencioso em relação à fé católica e à instituição da Igreja.

Evidência desse cenário é o fato de que, quando parentes morre-

sos: “Dear Bernardo, ducks and geese/ You will have bought — yet eaten none of these” (“Querido Bernardo, patos e gansos / Você pode ter comprado, mas não comeu nenhum desses.”)

Quando Nicolau era jovem, pai e filho trocavam histórias obsce-

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nas e piadas sujas, adoravam a companhia de outros homens e as conversas de taberna e tinham o costume de pregar peças inofen sivas em terceiros. Ambos eram uma atraente síntese de home ns estudiosos, boêmios e aventureiros.

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nunca usar a linguagem piedosa e indulgente de clichês religiosos, sobre Deus guiando as almas dos mortos ao paraíso ou perdoando seus pecados. Ele apenas reportava os fatos, como se a religião nem passasse por seus pensamentos. [ampouco há qualquer indicação de que tenha pedido a presença de um padre quando ele próprio estava próximo da morte no verão de 1479. Estranhamente, contudo, para um homem tão preocupado com questões materiais e assuntos mundiais, e que gastava tão pouca energia com a religião, Bernardo mantinha uma relação até que bastante próxima com um grupo de frades no convento franciscano de Santa Croce, sua igreja local. Com fregiiência, ele passava horas conversando e debatendo com eles; e, por vontade própria, passava a esses frades muito mais dinheiro do que poderia ser considerado o mínimo socialmente aceitável. Cartas remanescentes mostram que Nicolau e seu pai cultivavam uma relação quase fraternal. Uma vez, quando Bernardo estava no sítio da família, mandou para seu filho um valioso ganso. Em resposta, Nicolau lhe escreveu um soneto humorístico que incluía os ver-

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ram pela praga, Bernardo escreveu cartas transmitindo a notícia sem

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Nicolau e Totto receberam a melhor educação que Bernardo podia pagar e sabemos que eram tutorados nos rudimentos da linguagem, da matemática e da história. Há alguma confusão sobre o conhecimento de grego do menino Nicolau. Alguns estudiosos dizem que ele começou a aprender a língua aos dez ou onze anos de

idade, enquanto outros sugerem que ele a teria adquirido como autodidata quando adulto. Infelizmente, fora o poema que ele escreveu

em latim aos vinte e dois anos, nada anterior a 1497 escrito na letra

de Maquiavel sobreviveu. Entretanto está claro que era bastante lido para o tempo em que vivia; estava intimamente familiarizado com os dois escritores florentinos mais importantes, Dante e Petrarca. Quase com certeza apreciava a educação humanista convencional do Studio Fiorentino, precursor da universidade da cidade, onde teria estudado retórica, lógica e literatura. O jovem Maquiavel demonstrava uma vocação para a pintura, mas nunca chegou a ser mais do que um dedicado amador. Contudo, tinha o dom da retórica e era supremamente lógico, eloquente e perspicaz. Era um estrategista natural, um animal político por instinto, um homem para quem a mecânica da governança sobrevinha tão naturalmente como a pintura de uma paisagem para Leonardo da Vinci ou um soneto para Shakespeare. Na meia-idade, Maquiavel

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resumiu sua própria organização mental, e o modo como suas habilidades particulares o afastaram de diversas profissões ortodoxas, quan-

do confessou a seu amigo Francesco Vettori que a fortuna o havia moldado de modo a que não soubesse nada de como se faz um tecido de seda ou lã e não tivesse qualquer interesse em finanças ou negócios, lucro ou prejuízo. Suas grandes habilidades se manifestavam em ou-

tro lugar, distante dos talentos convencionais dos artesãos ou dos

banqueiros. O primeiro tutor de Nicolau foi Mateus, que ensinou ao menino os rudimentos do latim. Em seu diário, Bernardo conta que as aulas

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MAQUIAVEL

começaram em 6 de maio de 1476, logo depois do sétimo aniversá-

rio de Nicolau. O mesmo diário diz que no ano seguinte Nicolau teve um segundo tutor, Battista da Poppi, da igreja de San Benedetto, que continuou com o latim e alguns meses depois apresentou o menino

aos conceitos básicos da matemática. Esse também não durou muito

e, em 1480, um terceiro, Paolo da Ronciglione, tornou-se responsá-

estudou no Studio Fiorentino e que passou algum tempo na corte de Médici, onde se misturou com pessoas de diferentes profissões e classes. Também sabemos que era considerado um talentoso poeta e que publicou ao menos um soneto numa coleção para os Médici, por volta de 1492. Mas fora isso não há quase nenhum dado. Pistas de cartas nos informam que Nicolau lia muito e estudava

Os poetas latinos. Ele gostava de Virgílio e lia Ovídio e Tibulo. Co-

nhecia Dante e Petrarca, Lívio e Boccaccio, mas seu escritor favorito

era Lucrécio, de quem apreciava particularmente a obra De Natura Rerum (Sobre a natureza das coisas). Esse livro, escrito por volta do ano 60 a.C, inspirou muitos manifestos humanistas da Renascença €

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mas. Quando não estavam em aula, os meninos brincavam nos bosques locais ou nas ruínas próximas do castelo de Montebuiano. De volta a Florença no inverno de 1482, Primavera se casou e Margherita começou a se preparar para seu próprio casamento. Com a partida das meninas, a casa da Via Romana começou a parecer um pouco mais espaçosa. Pouco se sabe sobre a vida de Maquiavel durante a década e meia entre esse ano e 1498, quando foi escolhido para a posição de secretário da Segunda Chancelaria da República Florentina. Sabemos que

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vel pela educação de Nicolau, bem como pela de seu irmão mais novo. À maior parte dos anos de 1481 e 1482 a família Maquiavel passou fora de Florença, na área rural de Mugello. Lá, Nicolau e Totto passaram a ser educados por um grupo de padres locais, estudantes de medicina e professores aposentados que viviam nas vilas próxi-

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deu base ao holismo de Leonardo, Bruni e outros pensadores e artistas emblemáticos do período. Em 1496, morreu a mãe de Nicolau, Bartolomea, aos 55 anos.

Com suas irmãs há muito casadas e morando longe da cidade, a casa ficou habitada apenas pelos três homens da família Maquiavel. Bernardo, agora por volta dos setenta, deixou-se absorver pelo luto; Totto tinha dezenove anos e se preparava para receber as ordens sa-

cerdotais; e Nicolau quase com certeza estava trabalhando numa posição relativamente baixa do serviço civil florentino. Até esse ponto não há qualquer indício sequer do embrião da extraordinária carreira que Nicolau Maquiavel posteriormente empreenderia. Mas a Florença do século XV seria solo fértil para o florescimento de muitas coisas extraordinárias, um lugar e um tempo que nutriram o talento onde quer que ele estivesse enraizado. Maquiavel era um verdadeiro filho de Florença, um homem de seu tempo, mas também um homem que carregava dentro de si uma versão universal, atemporal. Não poderia ter havido berço melhor para seu intelecto e para sua imaginação do que a cidade que, durante os séculos XV e XVI, foi o epicentro do mundo intelectual e da vida política.

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A Europa de Maquiavel

Florença foi fundada por volta do ano 1000 d.C. Construída sobre um povoado que caíra sob o domínio dos exércitos do Sacro Império Romano, por um século ou mais continuou sendo uma minúscula cidade que tinha em seu coração a catedral de Santa Reparata e a igreja

de San Lorenzo. No entanto, a partir de 1120, Florença começou a

crescer rapidamente, logo se convertendo num centro de negócios e num pólo cultural que atraía artistas e filósofos, tanto quanto mercadores e banqueiros. Em meados do século XIII, a cidade era um Estado independente com uma população de cerca de trinta mil habitantes. Tinha sua própria moeda corrente, seu próprio sistema político idiossincrático e uma crescente reputação de ser um dos grandes centros criativos da Europa. Dante nasceu em Florença em 1265, durante a pré-alvorada da Renascença. Contudo, seu tempo foi marcado por batalhas mortais dentro da cidade, que, associadas às doenças e a embates triviais com Estados vizinhos, reduziram severamente a população da cidade e por uns anos paralisaram seu crescimento. Gradualmente, Florença foi emergindo desse tempo de morte e escuridão e entrando numa

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MAQUIAVEL

era de surpreendentes feitos, um período durante o qual se tornou rica e famosa. Isso ocorreu num momento em que toda a Europa estava

acordando para uma nova idade de progresso que se desdobrou mais

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que o império romano havia soçobrado, um milênio antes. Não há uma concordância geral sobre o preciso início ou fim do que os historiadores chamaram de “a Renascença”. Os que se preocupam com arte e literatura — por tradição, as disciplinas que definem o período — não aplicariam as mesmas datas que aplicam aqueles mais interessados em política, sociologia, ciência ou filosofia. O biógrafo de grandes artistas renascentistas Giorgio Vasari foi provavelmente o primeiro a cunhar o termo para o período durante o qual viveu, referindo-se sagazmente a ele como a “rinascita”, ou renas-

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rápido e mais plenamente do que em qualquer outro tempo desde

Durante o século XIV, a Europa fora um lugar profundamente

desagradável para se viver. A praga atacava onda em cima de onda,

tendo sua mais devastadora eclosão ocorrido no primeiro quarto do século. Essa catástrofe, que deixou 75 milhões de mortos, cerca de um terço da população do continente, realmente mereceu o nome de “Peste Negra”. O século também foi maculado por guerras. À península itálica assistiu a disputas aparentemente intermináveis entre cidades-estado, conflitos que drenaram a economia e privaram a po-

pulação dos homens jovens que haviam sobrevivido à doença. E, enquanto a Itália chafurdava em intrigas políticas e militares, a seu norte a França e a Inglaterra travavam a que ficou conhecida desde então como a Guerra dos Cem Anos, um conflito intermitente que na verdade durou mais de um século, tendo início em 1337 e fim em 1453.

Ão contrário, a era entre o nascimento de Maquiavel, em 1469, e a

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qual a Europa, tendo emergido de um período de sua história particularmente desolado e opressivo, experimentou uma nova e impressionante vitalidade.

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cimento, já que agora pensamos nesse como um tempo durante o

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DE MAQUIAVEL

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última década do século XV foi de relativa paz na Europa, eventualmente rompida pela recorrência do expansionismo francês durante os anos 1490. Mas, embora nenhuma grande guerra conturbasse a Europa durante a segunda metade do século XV, a expectativa de vida média para uma mulher era de apenas 24 anos, e só uma ínfima fração da população sabia ler e escrever. Os camponeses viviam em extensos

grupos familiares, frequentemente de vinte cabanas, mas chegando a uma só, mínima e de quarto único, de piso de palha dividido com

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seus porcos e cabras. À dieta era rasa e, um a cada quatro anos, vivia-

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se uma crise de fome durante a qual o canibalismo não era infregiente. A nobreza se protegia de algumas dessas privações das pessoas comuns, mas não de todas: eles também morriam de praga e suas mulheres também sucumbiam durante o parto. E, embora os ricos usufruíssem de uma dieta ligeiramente melhor, sofriam de algumas doenças

comuns a sua classe, como gota, males do fígado e obesidade. À sífilis

também era comum a esse grupo; Catarina de Médici, que se casou com Francisco I da França, perdeu seus pais para a doença quando tinha apenas três semanas de idade. Foi só quando os horrores do século XIV se atenuaram um pouco que o povo encontrou a energia para ser criativo e começou a fazer seu papel em avançar a cultura. Durante os mil anos entre o suspiro final de Roma e o século XIV, muito pouco havia mudado. Só uma

mínima porcentagem das pessoas do mundo sabia em que ano vivia. Detrás dos muros dos monastérios, a inovação era ativamente margi-

nalizada e com freqiiência qualquer um que sugerisse uma forma de melhorar a vida, mesmo das formas mais simples, era olhado com

suspeita. Muitos foram excluídos de suas comunidades como bruxas e magos, e outros tiveram destino ainda pior. Não é coincidência que, enquanto a vida melhorava vagarosamen-

te e a Europa se arrastava para fora do atoleiro da Idade das Trevas, a

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pintura, a literatura e o avanço das idéias começasse a ganhar impor-

tância. Num período de cem anos, uma onda de mudanças perpas-

sou a Europa, transformando a paisagem intelectual muito além dos mais selvagens sonhos daqueles que haviam sofrido a austera história recente. O ponto focal de toda essa atividade era Florença, fato esse que incitou o humanista Leonardo Bruni a escrever no início do sé-

culo XIV: “Florença abriga as grandes mentes: o que quer que elas

te durante esse período. É surpreendente perceber que, por exemplo, em 1471, quando a primeira prensa apareceu em Florença, não existiam mais do que 30 mil livros, enquanto que, no período em que Maquiavel trabalhava como secretário da Segunda Chancelaria, em 1500, estima-se que estivessem em circulação cerca de oito milhões de livros impressos. À juventude de Maquiavel foi um período de grande desenvolvimento intelectual, um tempo durante o qual a criatividade e o empenho humanos floresciam e começavam a influenciar a vida em todas as suas áreas, Quando Nicolau era criança, Leonardo da Vi nci era um aprendiz no estúdio do artista Verrocchio, a poucas centenas de metros

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Quase todas as faceras da cultura se transformaram dramaticamen-

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sofia ou ao mercado.”! De fato, a cidade era percebida por muitos dos contemporâneos de Maquiavel como talvez a mais bonita na face da Terra, inspirando um deles a escrever: “Florença é a única cidade do mundo (...) em que o olho não encontra nada feio, o nariz não cheira nada repulsivo, o pé não pisa em qualquer sujeira.”2 Por mais que seja possível aceitar a primeira afirmação dessa declaração, do todo só podemos compreender que as sensibilidades do século XV eram mais difíceis de ofender do que as nossas, e que esse cronista só descreveu Florença tão favoravelmente porque as outras cidades eram ainda mais sujas e malcheirosas.



empreendam facilmente sobrepuja todos os outros homens, esteja m estes se aplicando a assuntos militares ou políticos, ao estudo e à filo-

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dali, e, circundado pelos mesmos muros da cidade, Botticelli já era um pintor de sucesso. Quando Maquiavel tinha 23 anos, em 1492, Colombo chegava ao Novo Mundo e Copérnico, o pai da astronomia moderna, era um garoto de dezenove anos explorando os rudimentos dessa ciência como estudante de matemática e ótica. Essa revolução no aprendizado e na disseminação da cultura teve como estopim dois fatores interligados. O primeiro foi a invenção

dos tipos móveis, que levou ao desenvolvimento da prensa. O outro foi o percebimento de que um vasto corpo de conhecimento estava escondido junto com as obras dos grandes escritores clássicos da Grécia e de Roma. Essa descoberta incitou um grupo relativamente pequeno de intelectuais ricos a procurar esses escritos e cuidar para que fossem traduzidos. Os mais significativos agentes dessa tarefa eram de Floren-

ça, uma das razões primeiras para que a cidade se tornasse crucial no desenvolvimento da cultura, da ciência e da arte durante a Renascença. A procura pelos manuscritos clássicos remanescentes foi, a prin-

cípio, iniciativa do estudioso humanista Francesco Petrarca, que nasceu em 1304 na pequena cidade de Arezzo, a cerca de oitenta quilômetros de Florença. Em seu período de maior sucesso intelectual, Petrarca reuniu em torno de si um grupo de entusiastas que dividiam o mesmo amor do mestre pela tradição clássica. Eles acreditavam na existência de centenas de manuscritos e documentos em latim ou grego original, segregados em coleções privadas ou escondidos em monastérios da Europa. Muitos desses homens fizeram da busca por esses papéis a missão de suas vidas. Um dos amigos mais próximos de Petrarca era Giovanni Boccaccio, que detém o crédito de ter encontrado as Histórias, de Tácito, e parte de seus Anais. Ele próprio escreveu muitos livros aclamados, incluindo Sobre a genealogia dos deuses, e dois dicionários biográficos, Sobre a fortuna dos grandes homens e Sobre mulheres famosas.

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MAQUIAVEL Sucessivas gerações de estudiosos deram continuidade à cinética

criada por Petrarca e Boccaccio, trazendo à tona textos cada vez mais significativos da era romana. Homens como Coluccio Salutati, Giovanni

Conversini, Nicolau Niccoli e Pogeio Bracciolini recuperaram para o

mundo do conhecimento uma longa lista de alguns dos mais impor-

tantes trabalhos antigos sobre ciência e literatura, incluindo Astronô-

mica, do escritor romano Manílio, Sobre a natureza das coisas, de

Lucrécio, e muitos livros sobre mineração e agricultura, entre os quais

Silvae, de Estácio, e De re rustica, de Columella, que influenciaram figuras luminosas como Leonardo da Vinci, Brunelleschi e Alberti. O significativo desses achados foi o fato de terem sido escritos originalmente em latim, de modo que era a primeira vez que a elite florentina — do final do século XIV e início do século XV — tinha acesso às palavras exatas dos grandes pensadores da era clássica, e não a fragmentos cruamente traduzidos por monges semiletrados. Por si só esse era um tremendo avanço, mas talvez ainda mais

importante seja o fato de que, quando essas obras foram traduzidas é interpretadas, rapidamente se pôde perceber o quanto os estudiosos romanos tinham baseado seus trabalhos numa fonte ainda mais antiga: a era de ouro do conhecimento grego, entre os anos 500 e 250 a.€. O resultado inevitável foi uma nova e intensa busca pelos originais gregos. Conscientes das virtudes desse conhecimento antigo, muitas das pessoas mais ricas de Florença começaram a mandar emissários ao exterior para localizar e adquirir qualquer coisa que pudessem encontrar no grego original. Até esse momento, os únicos manuscritos originais gregos que se encontravam em mãos de europeus ocidentais eram alguns poucos fragmentos de Aristóteles e anotações de Platão, junto com alguns tratados bastante substanciosos de Euclides. Todos eram ciosamente guardados por monges ou estavam nas mãos de devotos. O próprio Petrarca tinha a reputação de possuir um manuscrito original de

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A EUROPA

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Homero, mas não podia ler nem uma palavra da obra. Ainda assim, admitindo a autoridade dos escritores romanos sobre os quais se referia, ele considerava Homero um grande poeta e beijava o livro toda noite antes de dormir. Durante as três primeiras décadas do século XV, várias centenas de manuscritos originais chegaram a Florença, sobretudo vindas do leste: onde os cruzados haviam lutado pela cristandade, agora emissários ocidentais permutavam e adquiriam capital intelectual dos turcos. Um agente florentino, Giovanni Aurispa, voltou depois de uma frutífera viagem em 1423 com nada menos que 238 manuscritos completos.

Dessa forma, a comunidade intelectual de Florença adquiriu versões completas da Política, de Aristóteles, as histórias de Heródoto, os diálogos de Platão, a Ilíada e a Odisséia, de Homero, as peças de Sófocles e os escritos médicos de Hipócrates e Galeno, entre outros dos mais importantes livros da tradição greco-romana (dos primeiros

séculos depois de Cristo), que haviam tomado seu caminho a partir da biblioteca de Alexandria até abastados colecionadores da Ásia. Ao lado desses, havia também um conjunto de livros que se tornaram enormemente influentes na forja das primeiras idéias científicas de filosofia natural da Europa renascentista. Os mais importantes eram Tetrabiblos e Geografia, de Ptolomeu, levados à Itália em 1406 pelo mercador florentino Palla Strozzi. Geografia descreve técnicas cartográficas como a medida de distâncias na superfície da Terra, uma habilidade que havia sido esquecida no Ocidente durante a bruma

da Idade das Trevas. Os florentinos possuíam agora os maiores livros da humanidade, escritos em suas línguas originais, mas um problema persistia: ninguém sabia falar ou ler o grego antigo. Já em 1360 Petrarca e Boccaccio

haviam tentado introduzir a língua em círculos intelectuais de Florença e, embora nenhum dos dois a entendesse, trataram de estabele-

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MAQUIAVEL

cer uma cadeira de grego no Studio Fiorentino. Falharam, mas duas gerações mais tarde, instigados pela deslumbrante coleção de obras originais que se encontrava à sua disposição, os herdeiros dos homens que haviam financiado a busca inicial por aqueles livros finalmente sancionaram a cadeira. O espaço logo foi ocupado por um emi nente

estudioso, Emmanuel Chrysoloras, de Constantinopla,

ça. Com traduções precisas de uma crescente coleção de textos gregos, veio a surpreendente percepção de que tudo o que os florentinos haviam alcançado culturalmente até então havia sido superado quase dois milênios antes pelos gregos. Todavia, antes de atuar como uma força destrutiva, a descoberta os inspirou a emular o conhecimento dos antigos e até a tentar implementá-lo. Em 1428 organizou-se um comitê para realizar uma série de mudanças no sistema educacional de Florença. O currículo existente consistia em medicina, astrologia, lógica, gramática e direito, e agora a essas disciplinas se somava a filosofia moral, a retórica e a poesia. Isso

resultou em um novo ensino para todos os estudantes de Florença e estabeleceu a base para o sistema que foi adotado por toda a Europa e permaneceu nas universidades da Itália, da França e da Inglaterra até o século XVTII. Paralelamente a esses avanços arrebatadores, muitos dos jovens e promissores estudantes estavam se mudando de outras partes da Itália — e até de terras longínquas da Inglaterra e da Alemanha — para estudar e ensinar em Florença; os mais procurados eram os aspirantes

a professor que falassem grego. Em compensação, a mudança de mentalidade que essa realidade proporcionou entre muitos dos mai s abastados e poderosos cidadãos teve um efeito dramático na estrutura social de Florença. Na Itália, como em todas as partes da Europa afetadas pela Re-

nascença, uma consciência do que podia ser alcançad o e uma crença

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É assim se estabelecia o primeiro dos grandes fatores de mudan-

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de que a humanidade podia se sair melhor do que vinha fazendo foram um tremendo impulso. Tratava-se de uma era de ação, de participação. Esse espírito otimista conduziu a uma idade de descoberta e ao início do pensamento científico moderno, assim como proporcionou um solo fértil para os empenhos artísticos que agora vemos como emblemáticos daquele tempo. Não há modo de hiperdimensionar a importância desse câmbio de percepção. Com algumas notáveis exceções (como o cientista e filósofo Roger Bacon, do século XIII), desde a queda de Roma as pessoas vinham paralisadas por um senso profundamente enraizado de indignidade. Como resultado da influência do dogma cristão, a maior parte das pessoas percebia os humanos como meras criaturas de Deus, títeres num mundo onde as forças da natureza e da vontade divina eram tudo. Seu mundo era de indivíduos terminantemente insignificantes. Tal pensamento não podia levar a outro lugar senão a uma sociedade estagnada e, embora a crença em Deus tenha controlado o universo e estado diretamente envolvida em todos os aspectos da existência humana até a revolução darwiniana, alguns dos personagens influentes durante a Renascença pensavam de forma bastante diferente de seus semelhantes de duas ou três gerações mais cedo. Longe de se sentirem insignificantes e impotentes, os pensadores

da Renascença acreditavam plenamente na idéia de que o intelecto humano deve ser alimentado e enriquecido. Nessa mudança, podemos ver o impacto da filosofia platônica, evoluindo em direção ao que foi chamado de “virtude humana”, um princípio central do

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humanismo ativo. No coração da filosofia platônica está o conceito

de que a humanidade pode encontrar Deus através do desvendamento dos segredos da natureza. Para Platão, foi nisso que se fundou a “inspiração”, que se tornou elemento crucial no pensamento de muitas

das melhores mentes da Renascença. Maquiavel, apesar de não ser

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ortodoxo em suas idéias religiosas, entendia e aceitava esse ideal platônico mesmo discordando de muitos outros aspectos da fj losofi a platônica. E, embora muitos intelectuais tenham requisitado a noção de “virtude”, integrando-a à doutrina cristã, sua origem é pura-

mente clássica.

Em sua Oração sobre a dignidade do homem, um dos mai s importantes humanistas da época, Pico della Mirandola, descre ve brilhan-

temente a filosofia do humanismo quando faz Deus declarar para

Adão: “Você pode ter e possuir qualquer permanência, forma ou funções que desejar. À natureza de todos os outros seres está limitada e restrita por entre os limites da lei prescrita por nós. Mas você, não restrito por qualquer limite, de acordo com o seu livre-arbítrio, nas mãos do qual nós o postamos, deve definir para si mesmo os limites de sua natureza.” Podemos imaginar essa trajetória — da aquisição do conhecimento antigo ao desenvolvimento da sabedoria como necessidade humana — como uma linha de conduta seguida por puro intelecto, mas não se pode negar que também tenha sido uma influência crucial, até esotérica, na cultura popular florentina. Uma redescoberta do valor humano que conduziu a novas formas de perceber o mundo e teve um papel enorme em influenciar o modo como Maquiavel via o mundo, ajudando-o a impregnar seu trabalho de um caráter muito moderno e bastante revolucionário. As três figuras mais importantes do mundo intelectual durante a infância de Maquiavel eram Giovanni Pico della Mirandola, Angelo Poliziano e Marsílio Ficino. Pico della Mirandola era um renomado escritor e filósofo humanista; Poliziano e Ficino eram

famosos por suas traduções de textos gregos e latinos. Todos eram

próximos de Lorenzo de Médici, que não se intimida va com esses grandes pensadores e, segundo se diz , demonstrava bastante versatilidade intelectual.

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Todos esses intelectuais (e, de fato, até o próprio Lorenzo) também eram fascinados pelo misticismo e pela metafísica, um interesse que mais tarde Maquiavel compartilhou. Por esse tempo, a astrologia era extremamente popular, a alquimia florescia, e respei-

tados acadêmicos como Ficino (cujo paí fora médico de Cosimo de Médici) escreviam livros sobre temas secretos, que eram lidos com o mesmo respeito que se tinha pelos tratados filosóficos. A maior parte das pessoas — não só intelectuais, mas também o amplo público sem educação — seguia uma estranha mistura entre carolicismo estrito, restos pagãos e um caldo de tradições ocultas e superstições. Mas deixemos um pouco de lado o cenário intelectual da vida

de Maquiavel. Um fator de igual importância para ele — na verda-

de, para todo o desenvolvimento de Florença — era a evolução política da cidade, uma complexa balbúrdia de jogos de poder, comércio e aspirações militares, que encontrou nexo em uma família

crucial: os Médici. Alguns consideraram os membros mais proeminentes dos Médici ditadores, dirigidos apenas pela corrupção e pelo interesse pessoal. Não há dúvida, no entanto, de que eles foram a família de Florença, seus cidadãos mais importantes e influentes por três séculos. Eles guiaram seu destino e dirigiram seu curso por vezes tormentoso ao longo do desenvolvimento europeu; sem eles, Florença teria sido um pálido reflexo de si mesma. O primeiro da linhagem a emergir na notoriedade pública foi Giovanni di Bicci de Médici, que, no início do século XIV, criou um banco especializado em fazer empréstimos à Igreja Católica. Foi Giovanni o responsável por conduzir os Médici de sua respeitabilidade de classe média ao status de uma das famílias mais abastadas da cidade. Quando ele morreu, deixou para seus descendentes uma fortuna estimada em cem mil florins. (Conversões de valores correntes

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em valores modernos só podem ser aproximadas, mas essa quanti a certamente não equivale a menos do que 50 milhões de libras hoje.) Cosimo de Médici, filho mais velho de Giovanni, nasceu em

1389. Embora tenha demonstrado rapidamente um aguçado sen so

para os negócios e uma vocação para tratar de números e contabi-

lidade, estava muito mais interessado em livros e no novo aprendizado. Entre 14 e 17 anos de idade, Cosimo foi educado por um

professor de grego, Roberto de Rossi, que excitou seu gosto pela antiga qualidade intelectual, ao mesmo tempo que Giovanni o preparava para tomar o bastão no banco. Encorajado por Rossi, Cosimo levou a seu pai a sugestão de que ele próprio embarcasse para o leste, com seu amigo Nicolau Niccoli, numa viagem em bus-

ca de uma coleção de antigos manuscritos sobre os quais haviam ouvido falar. Desnecessário dizer que o pedido não foi atendido. Giovanni só possuía três livros — os Evangelhos, A lenda da Santa Margarida de Antioquia e um obscuro sermão em italiano — e não via nenhum valor no entusiasmo do filho. Algumas semanas depois

de seu 18º aniversário, o relutante Cosimo tornou-se sócio da fir-

ma da família. Cosimo tornou-se um excelente banqueiro. Na verdade, superou o pai de diversas maneiras. Ele tocou o negócio da família, aumentou enormemente seu patrimônio e se tornou a figura mais respeitada e admirada de Florença; mas também se manteve fiel ao seu amor pelas artes. Ao longo de sua vida, Cosimo patrocinou artistas, escritores e músicos. Financiou sedes de ensino e pagou para que seus empregados percorressem a Europa e o leste em busca de antigos manuscritos, antes de financiar sua tradução e a produção de cópias. De sua própria maneira, esse financiador, um homem que num primeiro olhar pode parecer interessado unicamente em livros de contas e taxas de lucro, fez tanto pela Renascença quanto Ticiano, Leon ardo da Vinci e Brunelleschi.

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Maquiavel deixou claro o quanto Cosimo de Médici fora importante para a evolução cultural de Florença e de toda a Europa quando escreveu: Cosimo também era um amante e um exaltador dos homens literários; por isso trouxe para Florença Agyropoulos, um homem nascido na Grécia e muito estudado para aqueles tempos, para que a juventude florentina pudesse aprender com ele a língua grega e outros ensinamentos. Ele também abrigou em sua casa Marsílio Ficino, segundo pai da filosofia platônica, de quem gostava muito; e para que Ficino continuasse seus estudos de letras mais confortavelmente, e para que ele também pudesse usá-lo de modo mais conveniente, Cosimo lhe deu uma propriedade próximo à sua em Careggi.

Apesar de Cosimo nunca ter se tornado o líder oficial do Estado florentino, em tudo menos no nome, ele era a cabeça do Estado. Par-

ticipava de diversos comitês de que era formado o governo daquele tempo e era o mais influente dos florentinos. Além disso, fez muito para aprimorar a estrutura política de Florença e para inspecionar as finanças da cidade. Por causa das malconcebidas leis de taxação e dos meios pouco efetivos de calcular e recolher impostos, no tempo em que Cosimo estava tomando as rédeas no banco dos Médici, Florença enfrentava um sério declínio econômico. Em meados dos anos 1450, a situação se tornara tão ruim que 82% dos florentinos não pagavam qualquer imposto. Cosimo acreditava que era dever dos abastados definir os modelos para todos os cidadãos do Estado e assim ele incentivou novas leis de impostos que afetavam os banqueiros ricos e as famílias mercantis de Florença, mais do que quaisquer outras pessoas. Ao longo de sua carreira, entre 1450 e 1480, os Médici foram pagando cada

vez mais impostos. Só em 1457, a taxa pessoal que Cosimo teve de

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pagar foi de 575 florins, num ano em que apenas três outras famílias em toda Florença pagaram cem florins ou mais. O valor pago por ele nesse ano foi mais de quatro vezes superior ao que pagou o mais próximo de seus competidores de negócios. Cosimo de Médici também fez muito para prover Florença de

uma estabilidade política e social, durante seu tempo de chefe da fa-

mília. Ele formou alianças políticas fortes com os vizinhos, especial. mente Milão, mas também com outras duas cidades-estado poderosas:

Roma e Veneza. Além disso, estabeleceu sólidos vínculos com as ins-

tituições financeiras de outros países, e durante sua vida o banco dos

Médici abriu filiais na França, na Alemanha e na Inglaterra, todas elas

tendo proporcionado uma crescente prosperidade para os cidadãos de sua amada Florença. Em troca, consta que Cosimo foi amado por seu povo. Quando morreu, em 1464, muitos se puseram de luto, e o corpo judicial,

conhecido como Os Dez da Liberdade, lançou um edital em sua

homenagem com o título de Pater Patriae (Pai da Pátria). Isso foi inscrito em sua tumba, surpreendentemente ordinária, na cripta da igreja de San Lorenzo.

Piero, filho de Cosimo, sucedeu-o na liderança da família e assumiu o papel político deixado pelo paí, mas, de quase todas as maneiras, foi exatamente o oposto do Pai da Pátria. Ele era fraco tanto física quanto intelectualmente, possuía pouco carisma ou espírito aventureiro e mor-

reu prematuramente, apenas cinco anos depois de Cosimo. Isso fez com

que a condução da família Médici, bem como a da cidade de Florença,

ficasse nas mãos de um rapaz de vinte anos, Lorenzo, filho de Piero. Eram mãos bastante capazes. Lorenzo de Médici tomou lugar como chefe da família em dezembro de 1469 e, embora fosse o sucessor imediato de Piero por genes e sangue, foi um regresso ao impetuoso dinamismo do avô, passando a ser, de todas as maneiras, seu verdadeiro herdeiro. Ele até se assemelhava a Co simo na relutância

de atuar como banqueiro e como político: sua elevação à condição de

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“primeiro cidadão” e de líder do banco imais importante e rico do mundo fora bastante inesperada e o exato oposto do que ele desejava. Os retratos e esculturas de Lorenzo mostram que era um homem excepcionalmente feio, com nariz longo, lábios proeminentes e pálpebras caídas, mas compensava a falta de beleza na capacidade intelectual e na criatividade. Era um escritor talentoso e tinha como seus amigos mais próximos o extraordinário triunvirato formado por Pico della Mirandola, Marsílio Ficino e Angelo Poliziano. Um verdadeiro exemplar do gosto da Renascença pela diversidade e pelo ecletismo, Lorenzo não foi apenas altamente bem-sucedido como banqueiro e líder da cidade, como também compôs 41 sonetos de amor, escreveu várias peças aclamadas, era um bom arquiteto, tocava lira e órgão para acompanhar suas próprias composições, era o mais admirado dos patronos das artes na Europa e ficou famoso por sua filantropia. Maquiavel escreveu sobre seu líder florentino, frequentemente conhecido como Lorenzo, o Magnífico: Ele amava maravilhosamente qualquer um que fosse excelente numa arte; favorecia homens de letras (...). Logo, o conde Giovanni della

Mirandola, um homem quase divino, deixou todas as outras partes da Europa pelas quais havia viajado e, atraído pela magnificência de Lorenzo, fez de Florença seu lar. Lorenzo sentia um maravilhoso prazer com a arquitetura, a música, a poesia; e existem muitas com-

posições poéticas tanto escritas como comentadas por ele. E, para que a juventude florentina fosse treinada no estudo de letras, ele abriu na cidade de Pisa uma escola aonde os melhores homens da Itália

passaram a ir.

Vinte anos mais novo que Lorenzo de Médici, Maquiavel cresceu numa Florença completamente dominada por aquele homem. O líder magnífico da cidade, e seu cidadão mais rico, seguiu o exemplo

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do avô ao fazer tudo o que podia para manter a paz e a prosperidade: mas, apesar de todos os seus esforços, Lorenzo parecia estar destin ado a se envolver numa intriga política. Começou em 1471, quando ele tinha 22 anos de id ade. Naquele ano, um monge franciscano chamado Francesco della Rove re, de uma

pobre família rural, tornou-se papa, adotando o nome de Sisto IV.

Estava há não mais de alguns meses no ofício, quan do começou a entrar em conflito com Lorenzo, o jovem banque iro que, controlan-

do boa parte do fluxo de dinheiro da Europa, tinha o poder de enco-

rajar ou de cortar as asas dos reis e dos pontífices. Sisto pensava que deveria se tornar mais do que um líder religioso e guardião moral, Via-se como líder de um Estado profano, tão chefe militar quanto era padre. Era também um homem imensamente ganancioso e avarento, possuidor de poucos escrúpulos morais, e considerava a expansão das atribuições papais sua primeira prioridade, Poucos meses após ter ascendido ao trono papal, Sisto já ambiciona -

va comprar, ou mesmo tomar à força, grandes porções da região nordeste da Itália, conhecida como Romagna, que queria conceder ao seu sobrinho, Girolamo Riario, que planejava instalar por lá como líder de fachada atendendo às suas ordens. (A Romagna nunca foi oficialmente delimitada, mas era demarcada, aproximadamente, ao norte pelo rio Pó, estendendo-se ao sul até as proximidades de Rimini, e a oeste até os Apeninos.) Todavia tal esquema acarretava um alt o custo e, embora décadas antes o papado tivesse se tornado tão rico quanto fora no passado (em grande parte graças à ori entação provida

pelo banco dos Médici), Sisto foi obrigado a procurar Lo renzo para

pedir um empréstimo de quarenta mil ducados (atualmente, algo em torno de seis milhões de libras). No tocante a Lorenzo e aos florentino s, os planos de Sisto eram indesejados e não só comprometeri am suas rotas comerciais — que por séculos se estenderam pela Romagn a até Veneza —, como

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também ameaçavam desestabilizar a Itália depois de anos em que a cautelosa diplomacia democrática assegurara a paz na região. Logo ficou claro para todos que os planos daquele novo papa eram motivados apenas pelos seus interesses pessoais e que ele se preocupava pouco com a sensível balança de poder na Itália. Assim, Lorenzo se sentiu inteiramente justificado em recusar o pedido de Sisto. Em resposta, Sisto se sentiu igualmente justificado em se desligar

do banqueiro, coisa que fez de imediato. Mas esse movimento pouco o ajudou em seus objetivos, e ele sabia que tinha perdido a primeira

batalha. Frustrado e furioso, foi incapaz de levantar fundos em qualquer outro lugar e retirou-se para lamber suas feridas. Seu crescente ódio por Lorenzo, a quem descrevia como “um homem maldoso e irresponsável que nos desafia”, levou-o a declarar publicamente seu desejo de mudar o regime florentino e derrubar os Médici.

Por seis anos, a fricção entre Roma e Florença convulsionou a

diplomacia e o dia-a-dia da política italiana. Em 26 de abril de 1478, um domingo quente e de céu aberto, uma semana antes de seu nono aniversário, Maquiavel, junto com todos os outros sessenta mil habitantes de Florença, foi surpreendido com a notícia de que Lorenzo quase morrera numa tentativa de assassinato, a qual, se não fora exatamente arquitetada por Sisto, certamente não contara com a oposição da diocese sagrada. Quatro assassinos haviam sido contratados pelo sobrinho de Sisto, Girolamo Riario, e o plano havia sido esboçado por dois velhos clérigos. Um deles era o mais leal servidor do papa, o cardeal Rafael, e o outro era o arcebispo de Pisa, Francesco Salviari. Ainda assim, apesar do envolvimento de figuras tão poderosas, o atentado a Lorenzo de Médici foi extremamente amador e estava fadado ao fracasso antes mesmo de começar. Isso fica claro pela descrição que o próprio Maquiavel fez em seu livro Os discursos (Discursos sobre a primeira

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década de Tito Lívio), no qual ele fala do atrapalhado início da operação: Todos conhecem a conspiração dos Pazzi contra Lorenzo e Giuliano

de Médici. O plano era promover um café-da-manhã para o cardeal

de San Giorgio e matá-los naquela ocasião, para a qual já se havia

definido quem teria de matar, quem teria de dominar o palácio e

quem teria de correr pela cidade informando as pessoas de que estavam livres. Aconteceu que, quando os Pazzi, os Médici e o cardeal

estavam na catedral de Florença para a missa solene, veio à tona que Giuliano não compareceria ao café naquela manhã, o que fez com

que os conspiradores se reunissem e decidissem fazer ali mesmo, na

igreja, o que teriam de fazer na casa dos Médici. Isso perturbou toda

a organização, porque Giovambatista da Montesecco não quis par-

já haviam ouvido a terrível notícia e uma caçada aos assassinos já es-

tava em andamento. Em suas Histórias florentinas, Maquiavel nos conta

que “não houve cidadão, armado ou desarmado, que não tenha ido à

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Tendo seu plano arruinado, os assassinos atacaram com punhais, dentro da catedral, logo depois de Lorenzo e Giuliano, o irmão mais novo, terem chegado para a missa. Giuliano morreu no chão da catedral, mas a punhalada dirigida à garganta de Lorenzo foi desviada e apenas lhe fez um corte no pescoço. Temendo que a ponta do punhal estivesse envenenada, Antonio Ridolfi, amigo de Lorenzo, que acompanhara os irmãos Médici à missa, chupou a ferida para limpá-la e, carregando Giuliano com eles, escapou por uma passagem secreta que conduzia da catedral ao palácio dos Médici. Seguiu-se um pandemônio em Florença. Em poucas horas, todos

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ticipar do homicídio, pois não achava certo fazê-lo dentro da igreja. Então eles tiveram de designar novas pessoas para cada ação, que não haviam tido tempo para firmar seus espíritos e acabaram cometendo uma série de erros que impediu a execução.

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casa de Lorenzo para oferecer a si mesmo ou à sua propriedade como forma de auxílio”.” Embora isso provavelmente seja um exagero (uma observação feita para agradar ao papa dos Médici, que patrocinou o livro quarenta anos após o caso), os assassinos tinham pouca chance e logo foram apanhados. Naquele dia iniciaram-se batalhas e, durante a semana seguinte ao atentado, Florença esteve à beira de uma guerra civil. Mas os Médici eram populares demais para estar sob ameaça séria e, quando se descobriu que alguns dos conspiradores estavam ligados aos Pazzi, família rival dos Médici, a posição de Lorenzo ganhou ainda mais força.

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Os Pazzi, imensamente ricos e poderosos à sua própria maneira, pas-

saram a sofrer rejeição por seu envolvimento no assassinato de Giuliano e no atentado a Lorenzo. O nome da família foi apagado dos registros, e seu emblema, destruído. Os membros da família sobreviventes trocaram de nome, e só duas décadas mais tarde a família foi reabilitada e aceita de volta à sociedade florentina. A conspiração falhou em parte porque os Médici eram a famílialíder mais popular da cidade, mas também porque os conselheiros e protetores de Lorenzo foram rápidos e implacáveis na maneira como o persuadiram a lidar com os assassinos. Todos os conspiradores foram executados, exceto o cardeal Rafael, que se descobriu ter sido um mero instrumento em todo o caso e foi poupado pessoalmente por Lorenzo. O verdadeiro líder do atentado havia sido o arcebispo Salviati. Detido ao tentar escapar da cidade, ele foi, após um julgamento apressado, enforcado e pendurado — junto com seus mercenários — das janelas do Palazzo della Signoria, onde se reunia o conselho de ministros legisladores da cidade. O corpo foi deixado lá por vários dias, até que começou a cheirar mal, quando os aburres já lhe haviam arrancado os olhos. Durante o século XV, as crianças não eram poupadas dos fatos

terríveis do cotidiano. Assim, Maquiavel certamente terá visto o ho-

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mem enforcado e, junto com as outras crianças dos arredores da

Signoria, zombado do personagem odiado. De fato, muito poucos habitantes de Florença perderam o espetáculo. Leonardo da Vinci,

que em 1473 estudava no estúdio de Verrocchio, na Via de Agnolo, perto da catedral e da Signoria, desenhou o arcebispo balançando numa corda, imagem que sobrevive até hoje em um dos seus cadernos.

Embora a morte de seu irmão tenha sido uma tragédia para

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veio a tornar-se pontífice, com o nome de Leão X. Sob Lorenzo de Médici, Florença desabrochou e sua gente passou a viver melhor do que jamais vivera antes. Com isso, a infância de Maquiavel, embora restrita devido aos parcos bens de seu pai, foi segura e estável. Tratou-se de uma breve era pacífica, imprensada entre

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cessor, Inocêncio VIII, e em trinta anos o seu próprio filho, Giovanni,

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de idade) continuou mantendo a estabilidade em Florença e em seus domínios e, por meio da diplomacia e de manobras políticas inteligentes, venceu batalha após batalha contra Sisto. Quando o papa morreu, em 1484, Lorenzo tornou-se um aliado próximo de seu su-

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Lorenzo, o incidente fez muito por sua imagem pessoal e sua credibilidade. Nos anos seguintes de sua vida (ele morreu aos 43 anos

mundo e de seu lugar nele havia sido marcada pela paz e por relativa prosperidade. Era uma cidade linda, em que os viajantes se demoravam, € sua reputação como um grande centro de aprendizado — celeiro de artistas, escritores, músicos e filósofos — era inigualável e. altamente prezada por seus cidadãos. Mas era uma cidade completamente indefesa e aberta para abusos externos. Enquanto Lorenzo

detinha o poder, Florença era guiada cautelosamente entre as turbulentas modificações políticas da era. Quando ele morreu, de súbito

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Médici foi que Florença se tornara complacente; sua percepção do

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um mês antes do 33º aniversário de Maquiavel. O lado ruim da liderança benigna de sucessivas gerações dos

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revolução e guerras, que terminou com a morte de Lorenzo, em 1492,

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ela se tornou muito vulnerável, e, ao mesmo tempo, o poder dos Médici ficou bastante reduzido. O filho e sucessor de Lorenzo, o infeliz Piero, fora jogado no meio

do redemoinho político. Para sair da tormenta, Florença precisava de

um líder com mais talento e recursos pessoais do que ele podia ofere-

cer. Meses depois da morte de Lorenzo, um exército francês, liderado

pelo rei Carlos VIII, cruzava os Alpes e se preparava para entrar em Florença. Piero imediatamente tomou a liderança e organizou um encontro para negociação. Numa reunião bizarra em San Stefano, em 31 de outubro de 1494, o totalmente inexperiente Piero decidiu de modo unilateral aceitar cada uma das exigências de Carlos, sem questionar ou argumentar. Voltando à Florença, e deixando o monarca francês estupefato, Piero, que esperava boas-vindas de herói por ter salvado a cidade, em vez disso encontrou os portões do Palazzo Vecchio fechados para ele. Desnorteado, escapou de modo sorrateiro ao linchamento por parte de uma massa justificadamente furiosa antes de se esconder em seu palácio. Naquela noite, Piero, junto com seus dois irmãos, Giovanni e Giuliano, buscaram o exílio.

A desordem que se instalou em Florença imediatamente após a

morte de Lorenzo apenas se exacerbava pela desastrada inépcia de seu filho. Com a França caindo em cima da cidade e os florentinos num estado que beirava o pânico, foi um tempo durante o qual quase nada podia acontecer. Em tais circunstâncias, é frequente que um indivíduo com carisma extraordinário, uma mensagem forte e alguma inteligência possa segurar as rédeas do poder e se levantar mais alto e mais rápido do que qualquer um poderia ter sonhado em tempos mais

simples e calmos. Esse homem foi o frade dominicano Girolamo Savonarola, que adentrou a cena política em novembro de 1494. Pouco se sabe sobre a infância de Savonarola ou mesmo de uma trajetória na juventude. Ele nasceu em Ferrara, em 1452, e era um

Florentino adotivo, tendo chegado à cidade em 1481, depois de uma

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mas ele era eloqiiente e impetuoso, além de aparecer no momento perfeito. Com a cidade carente de lideranças e prestes a ser invadida, os nobres florentinos que formavam os elementos fraturados do governo elegeram um grupo de representantes para negociar um acor-

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passagem num monastério dominicano em Bologna. Suas Primeiras aparições públicas deixavam claro que se tratava de um extremista,

do de paz com Carlos VIII. Savonarola foi um dos cinco homens

enviados na missão e participou muito da trégua rapidamente acor-

dada. Logo em seguida ao retorno do grupo a Florença, uma nova eleição aconteceu e Savonarola se tornou o novo chefe de Estado.

À um primeiro olhar, a ascensão de Savonarola ao poder parece

sua Flistória de Florença, como “um orador elogiiente”. Mais impor-

tante que isso, contudo, era o fato de ter o apoio popular dos cidadãos de Florença, bem como o da elite política.

O carisma de Savonarola não pode ser subestimado como fator

de seu sucesso. À oratória era uma forma extremamente importante

de controle político na Florença daquele tempo. No começo de cada novo mandato, o líder da cidade falava em toscano, do terraço do Palazzo Vecchio, para multidões aglomeradas na Piazza della Signoria, e o sucesso ou fracasso do evento poderia fazer muito para determinar a opinião pública sobre o homem que controlava a cidade.

Mesmo tendo Lorenzo feito muito para aprimorar a imagem e à

reputação de Florença, e tendo trazido à cidade grande riqueza e prosperidade, Savonarola herdou um governo em desarranjo . Surpreen-

o

rentemente servia a uma autoridade maior. Ele já provara ser um hábil negociador durante os encontros com o rei francês e era extremamente carismático, descrito por Francesco Guicciardini, em

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religioso, Savonarola era visto como imparcial, um homem que apa-

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ter sido uma anomalia curiosa, mas ao mesmo tempo é fácil de entender como ocorreu. À cidade necessitava de uma figura que a encabeçasse e apaziguasse as muitas facções da classe legisladora. Por ser

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dentemente para uma cidade tão sofisticada como era Florença, não

havia constituição escrita e a estrutura de governo era volumosa e aberta para a corrupção. Florença era uma república desde 1115 e sua estrutura política se baseava muito livremente sobre uma forma primitiva de democracia que pouco se modificara em quase quatro séculos. O chefe de Estado, o gonfaloneiro, era líder da Signoria, um conselho constituído por ele e outros oito ministros. Esses ministros, ou priores, vinham das famílias mais abastadas e honradas de cada um dos quatro quarteirões da cidade e eram escolhidos por um me-

canismo de sorteio em que se retiravam os nomes de um chapéu. Como só as figuras ricas e poderosas podiam participar do sorteio, o sistema sempre fora um circuito fechado. Abaixo dessa bancada superior de governo havia um par de assembléias: o Conselho dos Comuns e o Conselho do Povo, constituídos por duzentos e trezentos cidadãos, respectivamente. Esses eram eleitos por voto popular. Entretanto o eleitorado era pequeno, consistindo em cerca de 6 mil homens chamados de “cidadãos”, todos

profissionais acima dos 25 anos e membros das corporações. Também havia um grande número de conselhos eleitos separados, que lidavam com tarefas políticas específicas. Nesses se incluíam o corpo

legislativo conhecido como os Doze Homens Bons (Buonomint) e os

Dez da Guerra (encarregado das questões militares). Encantado com a aparente modernidade desse sistema, Leonardo Bruni, um grande patriota e entusiasta de todas as coisas florentinas, declarou em 1428 que em sua cidade natal “existe liberdade igual para todos — a esperança de ter altos cargos e de ascender é a mesma para todos”.º Embora a declaração de Bruni esteja distante da verdade, o sistema florentino era, comparado com qualquer outro sistema europeu, exceto o de Veneza, o mais liberal e sofisticado da Renascença. Mesmo assim, tinha graves falhas. Primeiro, o mandato de qualquer cargo político era curto demais; um gonfaloneiro, por exemplo, só podia

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servir por dois meses. Segundo, a eleição de representantes era restri-

ta apenas às famílias mais ricas e antigas, que monopolizavam com. pletamente o sistema.

Um dos primeiros atos de Savonarola como chefe de Estado foi estabelecer um Grande Conselho (Maggior Consiglio) e uma nova

Constituição, baseada no sistema veneziano. Ele manteve o cargo de

gonfaloneiro, que equivaleria ao doge veneziano — a não ser pelo fato de que, em Florença, o líder (assim como o resto da Signoria) era

eleito por um período de apenas um ano (e não por toda a vida, como

dos da nova constituição, enquanto os Bigz se opunham completa-

mente a ela e continuavam fiéis aos Médici. Savonarola também tinha inimigos veementes, os Arrabiati, bem como seguidores próximos, os Frateschi, que se opunham aos outros três grupos. Esta última facção tinha muitos apelidos, incluindo “os chorões” (Piagnoni). À teocracia de Savonarola só durou quatro anos. Para muitos, começara como promessa, mas logo se degenerara em uma horrível

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distorção de um governo civilizado. Embora Savonarola tivesse ascendido com uma base de apoio popular, para muitos esse aspecto havia sido simplesmente uma reação de medo e incerteza relacionada aqueles tempos. Em posse do mandato e de algum apoio temporário, Savonarola aplicara sua ideologia de uma forma cada vez mais extrema. Ele sancionou a queima de livros e seus apoiadores fizeram uma caça às bruxas contra artistas, escritores e pensadores livres. Qualquer

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revisado por Savonarola, tornando-se uma versão um pouco mais moderna do paradigma veneziano, pois o Grande Conselho incluía a classe média e homens proprietários de terras, e não mais apenas os representantes de umas poucas famílias de elite. Por mais que Savonarola se esforçasse, seu governo estava longe de ser unido. Na Signoria, diferentes facções disputavam o poder. Os Bianchi eram autênticos republicanos e os mais elogientes advoga-

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no caso de Veneza). O sistema florentino de conselhos também foi

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obra de arte que se alegasse conter imagens sacrílegas era destruída, e todo empenho criativo era expurgado. Enquanto Savonarola expunha suas posições políticas a partir do seu trono de gonfaloneiro no Palazzo della Signoria, também continuava a pregar suas idéias postado no púlpito, tendo seus discursos ouvidos tanto pelos afortunados quanto pelos dementes. Seus inimigos eram aprisionados e torturados, enquanto os não-religiosos e os hereges sofriam o mesmo destino dos livros e quadros que o novo governo julgava sacrílegos: todos consumidos por chamas na Signoria. Mas Savonarola tinha alguns inimigos poderosos, e eles logo se sentiram instigados a provocar sua queda. Sem conter sua crítica

aqueles florentinos que ele considerava moralmente falidos, Savonarola atacou duas partes que tinham uma enorme influência e a desapiedada energia necessária para trucidá-lo. À primeira delas foram os ricos de Florença, que Savonarola criticara por seu materialismo. Ele pregava a idéia de que o dinheiro e a propriedade não deveriam ser acumulados pelos poucos e condenáveis comerciantes, mercadores, pequenos empresários, gerentes de bancos e de grandes empresas, fazendo inimigos quase em todas as partes da sociedade florentina — salvo os muito pobres, que não tinham absolutamente nenhum poder. A segunda parte ofendida por Savonarola foi o papa Alexandre VI. Savonarola começara a criticar Alexandre anos antes de sua eleição

para chefe do governo florentino e enfurecera a muitos no Vaticano. Ao ganhar poder, ele voltou sua invectiva genuína contra Roma, e a sustentou com sua recém-adquirida influência política, causando embaraço entre os cardeais e incitando a fúria do próprio papa. Em 1495, poucos meses depois de ter se tornado líder de Floren-

ça, Savonarola foi chamado a Roma. Mas estava familiarizado com a história da Igreja e certamente não era nenhum idiota. Ele ignorou Alexandre e permaneceu em Florença, onde intensificou de modo

e o

60

Mesmo assim, ao menos por um tempo, Savonarola foi capaz de enfrentá-lo. No verão de 1497 foi eleito para um quarto mandato, sobrevivendo graças à constante desunião no Signoria e à falta de qualquer um em Florença que pudesse se opor adequadamente a ele. O papa enfureceu-se e esbravejou, mas, tolhido pela geografia e limitado aos seus meios eclesiásticos de ação, não pôde mais ter esperanças de ganhar a batalha contra Savonarola. À raiva de Alexandre era exacerbada por imperativos políticos. Ele se opunha aos franceses, que acreditava serem uma ameaça à estabilidade da região, e por consegiência desaprovava a postura tomada pelo governo florentino, que cooperava com eles. Mais tarde, por um período curto, Alexandre se tornaria um aliado próximo da França, € seu filho, Cesare Borgia, se empregaria como um condottiere principesco do sucessor de Carlos, Luís XII. Em 1497, no entanto, sua

desconfiança em relação aos franceses, combinada com seu ódio pessoal por Savonarola, chegava ao extremo. Nos bastidores, Alexandre começou a manipular a vida política de Florença de um modo como nenhum outro papa conseguira antes. Ele sabia que seus grandes aliados na República eram as famílias de elite, que tinham raiva de Savonarola e medo de que perdessem suas reputações e fortunas caso aquele governo teocrático sobrevives-

se por mais tempo. Fabricando primorosamente uma aliança temporária entre esse grupo poderoso e outras facções que se opunham a Savonarola, o papa foi fundamental na rebelião deflagrada contra ele no início de 1498,

E

ção e pôs em perigo a alma de qualquer um que ignorasse Alexandre, ajudando o frade da forma que fosse.

=

Em 1497, incapaz de condu. de tortura em Roma, em vez da excomunhão para tentar privou Savonarola da prega-

Oe

desafiador seus comentários antipapais. zir Savonarola e submetê-lo às câmaras disso o papa utilizou a arma espiritual colocar o homem na linha. Tal decreto

T——



mem eee

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MAQUIAVEL

À EUROPA

DE MAQUIAVEL

61

Nas eleições daquela primavera, Savonarola perdeu boa parte de seu apoio político, e, crucialmente, também estava se tornando impopular com o povo florentino. O sopro final contra o regime veio em 7 de abril, quando seu aliado mais influente, Carlos VIII, morreu

subitamente, deixando o padre indefeso à selvageria. Savonarola foi preso, torturado e, junto com dois dos seus seguidores mais próxi-

mos, Fra Domenico e Fra Silvestro, queimado na Piazza della Signoria em 23 de maio de 1498. Com Savonarola fora, não houve repetição do caos de 1494. Foi como se a cidade tivesse acordado de um pesadelo. Muitos dos que haviam apoiado o clérigo fanático prontamente se livraram do espectro dos quatro anos anteriores, como se dele tivessem esquecido. Não havia nenhuma figura significativa para tomar as rédeas e, apesar dos

esforços dos Bigi, os cidadãos de Florença não tinham vontade de

aceitar o retorno dos Médici. Os florentinos haviam vivenciado pouca estabilidade desde a morte de Lorenzo e estavam cansados das convulsões. Ninguém apreciava a montanha-russa do caos político, poucos negócios prosperavam durante aqueles tempos incertos e as boas pessoas da cidade rogavam por paz, para que pudessem tocar suas vidas. Em tal ambiente, a ascensão de uma liderança conservadora e firme

com fregiiência tem o caminho desimpedido, especialmente quan-

do não há figuras políticas extraordinárias para assumir um papel

heróico. Com a morte de Savonarola, a aliança florentina com os franceses se sustentou, e boa parte da elite política da cidade voltou a sus-

peitar das intenções e maquinações do papa, cuja interferência, embora necessária, fora indesejada. As facções da Signoria permaneceram, alteradas apenas em detalhes, e um novo governo — uma próspera e

fresca república — tomou o lugar da teocracia que, em um período tão curto, tanto danificara a sociedade florentina.

62

MAQUIAVEL

Apareceram muitos novos rostos nesse governo, homens que haviam ascendido imaculados pelas fileiras políticas de Savonarola, assim como novas estrelas brilhantes no firmamento político, que aparentemente haviam surgido do nada. Um dos integrantes des se

último grupo era o novo secretário da Segunda Chancelaria, um jo-

vem chamado Nicolau Maquiavel.

5 Um desafio a enfrentar

Maquiavel não fora um admirador de Savonarola. Em carta a um amigo, em 9 de março de 1498, menos de três meses antes da execução do frade, ele descreveu seu comparecimento a um sermão de Savonarola, em que o pregador fizera um de seus típicos discursos fervorosos. Apesar de impressionado pela entrega e pela paixão do homem, Maquiavel estava cético em relação às motivações e aos objetivos dele. “Ele virou a casaca”, escreveu, “agora que entende que não mais precisa agir dessa forma [com medo dos adversários, porque os conflitos já haviam ido parar longe demais]. Então, ele os incita em direção à associação recém-criada e não menciona mais O despotismo ou a perversidade das pessoas; ele procura fazer com que

todos se desentendam com o Sumo Pontífice e, voltando seus ataques contra ele, fala sobre o papa o que podia ser dito da pessoa mais malvada que você possa imaginar. * Maquiavel torna seu julgamento ainda mais claro em O príncipe, quando dirige a Savonarola a seguinte observação: A

*



3

64

MAQUIAVEL Moisés, Ciro, Teseu e Rômulo não teriam sido capazes de fazer suas

instituições respeitadas por um longo tempo se tivessem estado desarmados, como foi o caso, em nosso tempo, do Fra Girolamo Savonarola — que veio a convalescer junto com suas novas institui-

SS

o

ções quando o povo começou a perder a fé nele e ele não tinha meios para segurar aqueles que um dia haviam acreditado ou de forçar os

——————

incrédulos a acreditar. Homens como ele têm considerável dificul-

dade para alcançar seus objetivos, e o momento mais perigoso para eles é quando ainda estão se firmando; mas, uma vez que obtêm sucesso e começam a ser venerados, tendo destruído aqueles que invejavam suas habilidades, tornam-se poderosos, seguros, respeitados e felizes.?

Aos olhos de Maquiavel, Savonarola cometera dois erros: não havia criado uma milícia para se proteger e não havia destruído, e nem o teria conseguido, todos os que se opunham a ele, especialmente o papa Alexandre VI. À medida que o regime de Savonarola rufa sobre si mesmo, muito provavelmente Maquiavel terá deixado clara sua opinião sobre o clérigo, que cometera tantos erros e provocara tanto caos. E, de fato, que Maquiavel nunca tivesse sido percebido como um seguidor de Savonarola lhe servia bastante bem. Apenas quatro dias depois da execução do frade, e com um novo governo a postos, o Conselho dos Oitenta (um grupo de velhos oficiais responsável por dar conselhos à Signoria e por apontar representantes do governo de alto cargo)

Co

ria. À Primeira Chancelaria, considerada superior à Segunda, se res-

ponsabilizava por assuntos externos e questões de guerra, enquanto à

T

Era um trabalho extremamente importante. Como secretário, Maquiavel detinha efetivamente o poder sobre a Segunda Chancela-

me

Grande Conselho da República de Florença designaram-no secretário da Segunda Chancelaria.

UM

DESAFIO

A ENFRENTAR

65

Segunda Chancelaria lidava com todas as questões ligadas aos assuntos internos e à burocracia doméstica. Contudo, embora os papéis das duas diferentes chancelarias estivessem originalmente bem delimitados dessa maneira, no momento em que Maquiavel foi indicado, em junho de 1498, as funções se sobrepunham com freqiiência. Assim, a melhor maneira de descrever seu funcionamento naquele tempo é dizer que ambas lidavam com questões de Estado, tanto domésticas quanto externas — mas, por muito tempo, sequer os secretários e funcionários dos dois departamentos sabiam afirmar precisamente quem era o responsável oficial por isto ou por aquilo. Como a maior parte dos cargos políticos do governo florentino, o de secretário de qualquer chancelaria (ou Secretaria Florentina, como

o posto de vez em quando era chamado) estava sujeito a uma reelei-

ção anual, depois de um primeiro mandato de dois anos. O detentor

da posição podia permanecer no poder por muitos anos, se tivesse bom rendimento e fosse popular. A única forma de políticos de carreira queridos, eficientes e bem-sucedidos perderem seus cargos era através de drásticas mudanças de regime. O papel primordial de ambos os secretários era apoiar o gonfaloneiro e os oito ministros da Signoria. Eles liam e filtravam a correspondência e outros documentos, preparavam sumários e rascunhavam cartas de Estado. Eles lidavam com os problemas mundanos de governo e preparavam e instruíam os líderes políticos sobre os

assuntos do dia. Para cumprir tais funções, cada secretário tinha a seu serviço uma ampla equipe de funcionários públicos e escribas. Ambos os secretários eram bem pagos, mas o fato de a Primeira Chancelaria ser vista como superior à Segunda se refletia nos salários. O chefe da Primeira Chancelaria, um homem de poder e influência no governo florentino bastante consideráveis, era nesse momento

Marcello Virgilio Adriani, que recebia 330 fiorini di suggelo ou florins

(o que hoje equivaleria a 150 mil libras) por ano. Ele rinha dois assis-

66

MAQUIAVEL

tentes, cada um recebendo 80 florins. Maquiavel ganhava um salário de 192 florins (cerca de 90 mil libras) e também tinha dois assisten.

tes, Agostino Vespúcio e Andrea di Romolo, que recebiam salários de 96 e 60 florins, respectivamente. Além disso, havia grupos de outros

executivos trabalhando abaixo dessas figuras superiores dentro da chancelaria.

Para os historiadores, o maior mistério desse início da vida de Maquiavel é como exatamente ele conseguiu um trabalho de tanto prestígio. À posição de secretário da Segunda Chancelaria era usual. mente reservada para reputados e experientes advogados e médicos que tivessem trabalhado no foro político por muitos anos. Vespucci e Romolo, os assistentes de Maquiavel na chancelaria, por exemplo,

eram ambos jovens em 1498, mas praticavam a advocacia e haviam trabalhado pelas fileiras políticas para se tornarem experientes funcio-

nários públicos. Maquiavel não era um advogado treinado e provavelmente tinha

uma experiência limitada em política. Mas o que o jovem Maquiavel

tinha era uma lista de contatos úteis e um talento para formar redes.

dos anos. Por meio da confraria, Nicolau afagou costas de membros

das famílias de elite de Florença e, ainda jovem, chegou a ter algum

papel menor na vida política de seu quartiere. Entretanto, o fator mais crucial da elevação de Maquiavel para uma carreira política foi a asso-

ciação próxima, primeiro de seu pai e depois dele mesmo, com alguns membros-chave da família Médici. É sabido que Bernardo não compartilhava muitas das vis ões políticas sustentadas por Lorenzo de Médici, mas ele nunca se opusera

eg

esperto, que sabia a importância de se tornar popular. À chave para a ascensão surpreendente de Maquiavel aos mais altos escalões do governo está na confraria de que ele e seu paí eram membros, e nas ótimas amizades que Bernardo Maquiavel cultivara ao longo

E

Além disso, era um homem eloquente, agradável e extremamente

UM

DESAFIO

A ENFRENTAR

67

abertamente ao regime. Um de seus amigos mais próximos era o político humanista Bartolomeo Scala, que havia sido secretário da Primeira Chancelaria de 1464 a 1497, um período incrivelmente longo

que o fez estar a serviço de três diferentes chefes de Estado: Piero de

Médici, Lorenzo e Savonarola.

Claramente, Scala servia como uma inestimável ligação entre as aspirações de Bernardo para seu filho e a eleição bem-sucedida de

ça

Nicolau, e é quase certo que, nos anos que precederam sua indicação,

Nicolau trabalhou próximo a ele no Palazzo Vecchio, aprendendo as manhas e adquirindo muitas das habilidades de que precisaria no futuro. Scala também proporcionou uma entrada no círculo íntimo dos Médici. Nicolau certamente conhecia e se misturava com os membros mais jovens da família e há fortes evidências de que ele tenha sido, por um tempo, membro da corte dos Médici. Em 1492, ou por volta desse ano, Maquiavel compôs um conjunto de três poemas que foram incluídos num pequeno livro em que também aparecem dez poemas de Lorenzo e um do famoso intelectual Angelo Poliziano. Um dos poemas de Maquiavel está dedicado ao adolescente Giuliano de Médici, que tinha 13 anos em 1492, e essa dedicatória implica que Giuliano e Nicolau se conheciam, mesmo que não fossem necessariamente amigos próximos. Os Médici ofereciam o contato de que Maquiavel precisava para conseguir o apoio de outras famílias ricas. Entre as figuras essenciais para sua ascensão, pode-se citar o advogado (e mais tarde diplomata)

Agostino Vespucci, que se tornou um amigo para toda a vida, e um

nobre jovem tabelião chamado Ugolino de Martelli. Tanto Vespucci

quanto Martelli trabalharam para Nicolau quando ele assumiu a posição de secretário.

Ainda mais importante foi Alamanno Salviati, o genro de Piero de Médici e um dos homens mais influentes e respeitados de Florença. Salviati continuaria sendo por muitos anos um inestimável aliado

68

MAQUIAVEL

e seguidor de Maquiavel, até que os dois saíssem, em 1506, oito anos depois da eleição de Nicolau. Igualmente influente foi o homem de cargo imediatamente superior a Nicolau, Marcello Virgilio Adriani, que substituíra o velho Bartolomeo Scala na Primeira Chancelaria. Adriani havia sido designado para o posto na última eleição de Savonarola, em janeiro de 1498, e permaneceu no poder por mais de duas décadas, sempre remando habilmente pelas marés das mudanças políticas que arrebataram Flo-

rença durante sua vida. Ele fora um acadêmico e é possível que tenha sido professor de Maquiavel no Studio Fiorentino. Adriani era outro aliado próximo dos Médici e um amigo de Bernardo Maquiavel. Mais evidências de que Nicolau e Bernardo tinham ligações com algumas das pessoas influentes vêm de um fragmento do mais antigo documento remanescente escrito à mão por Maquiavel. São duas cartas

escritas em latim, nas quais, aos 24 anos, cerca de sete meses antes de se tornar secretário florentino, ele parece ter assumido o papel de re-

do pela rica e poderosa família Pazzi (que retornara a sua antiga posição respeitada, depois da malsucedida tentativa de assassinato contra Lorenzo, duas décadas antes). Os Pazzi fizeram uma queixa ao cardeal de Perugia, Giovanni Lopez, e utilizaram seu considerável peso para anular a ordenação de Francesco Maquiavel. À carta de 2 de dezembro é um apelo formal ao cardeal par a que ele rejeite os clamores dos Pazzi, mas a carta do dia ant erior é mais interessante não só pelo modo como está esc rita, mas também pelo

fato de que nela Maquiavel está claramente fazendo um pedido de ajuda para uma figura influente de Florença. Começa com respeito-

ia

presentante da família Maquiavel. As cartas, datadas de 1º e 2 de dezembro de 1497, são sobre uma disputa a partir da ordenação de um membro da família, Francesco Maquiavel, para uma propriedade da Igreja fora de Florença. Parece que a ordenação havia sido garantida pelas autoridades regionais da Igreja, mas que isso era contesta-

+

e

e

e

e

UM

DESAFIO

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sos agradecimentos, a quem quer que fosse o receptor pretendido, pela ajuda já concedida aos Maquiavel. Em seguida, Nicolau escreve: Não escrevo por qualquer outra razão senão para encorajar, implorar

e rezar para que o senhor não cesse os esforços até que se alcance uma conclusão feliz. Para esse fim, peço-lhe que mostre a sua força, e que a use por inteiro; porque se nós, meros pigmeus, estamos atacando gigantes, está para acontecer para nós uma vitória maior do que aconteceria para eles. Para eles, acostumados a competir, será algo ínfimo a se conceder; nós, por outro lado, não devemos considerar esse um objetivo tão ignominioso, mas sim honroso o simples fato de havermos competido, especialmente por enfrentarmos um opositor fadado a ter tudo feito imediatamente após um aceno de cabeça. E é por isso que, qualquer que seja o desfecho que a Fortuna nos reserva, nós não nos arrependeremos se falharmos em tais empenhos.º Essa carta é intrigante por diversas razões. Primeiro, mostra que

Nicolau, e não seu pai, era considerado o representante da família; isso se deve muito provavelmente à sombra que ainda pairava sobre o passado de Bernardo. Ainda mais importante: joga luz sobre a visão de mundo de Nicolau pouco tempo antes de que ocupasse um dos mais importantes cargos do funcionalismo público florentino. Para ele, famílias como a dele eram meros “pigmeus”, se comparadas com as do porte dos Pazzi, que eram “gigantes”. Tal declaração mostra claramente como Maquiavel entendia bem seu lugar na organização das coisas, mas também como ele resistia a ela. Ele já tinha consciência de que teria de lutar pelo que acreditava ser certo e de que nunca poderia simplesmente recostar-se e deixar os gigantes” passarem por cima dele. É lamentável que a identidade do receptor tenha ficado encoberta, mas provavelmente se tratava de uma pessoa de importância simi-

lar à dos Pazzi, quem sabe algum Médici, que talvez pudesse ajudar

70

MAQUIAVEL

seu amigo Nicolau secretamente. Se isso for verdade, se con Juga perfei.

tamente com a evidência de que os Médici fora m as principais influên.

cias para que Maquiavel fosse indicado à posiçã o surpreendentemente altiva que ocupou pouco mais de meio ano depois desse incidente, Na verdade, foi em sua segunda tentativa que Maqu iavel conseguiu o trabalho de secretário da Segunda Chancelari a. Em fe vereiro de 1498, enquanto Savonarola se agarrava aos seus últi mos vestígios

de poder, a eleição anual levara ao cargo u m dos seguidores do frade, Alessandro Braccesi. Naquela eleição concorre ram sete candidatos, um

dos quais era Maquiavel. Quando Savonarola foi deposto e executado, um novo governo sob a influência dos Mé dici (mas não liderado

por um membro da família) foi apressadamente criado depois de uma

eleição extraordinária. Maquiavel assumiu o trabalho como se tivesse nascido pa ra isso. Cartas remanescentes trocadas entre ele e sua equipe du rante seus primeiros dias de trabalho conjunto mostram que ele tinh a o apreço

e a confiança dos funcionários. Além disso, parece não ter enco ntrado qualquer traço de inimizade entre seus colegas, o que talvez seja surpreendente, dada sua promoção acima de homens mais velh os e muito mais qualificados. As cartas também não transmitem qualquer impressão de que Maquiavel tivesse emergido das sombras plenam ente formado como grande figura política, supremo diplomat a e organi-

zador. Antes de 1498, temos acesso apenas a flashes seus, visõ es de um menino brincando pelas ruas de Florença com as ou tras crianças

da vizinhança, correndo pelos campos ao redor da cas a rural da sua família ou, como adulto, trocando piadas com o pai. Depois, frag-

mentos dele assumindo um papel em sua conf raria, escrevendo poesia na corte dos Médici, tomando resp onsabilidade pelas complicações burocráticas da família. A partir de 1498, no entanto, tudo fica bastante cla

ro. Doravante, tudo está documentado. Há centenas de car-

tas, diários e memoriais, retrospect ivas documentadas após o fim de

RR RR

UM

DESAFIO

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71

sua vida que acrescentam robustez a sua carreira, relatórios e comentários escritos por pessoas próximas a ele. De repente, a presença vital de Maquiavel pode ser sentida, e ele se torna vivo. O primeiro biógrafo de Maquiavel, Pasquale Villari, deu uma descrição de como ele pensava que era Nicolau no momento em que

assumiu o cargo de secretário florentino, que nos oferece uma clara imagem do homem. “De estatura média, corpo esbelto, olhos brilhantes, cabelo escuro, uma cabeça bastante pequena, um nariz levemente aquilino, uma boca firmemente fechada. Tudo nele transmitia a impressão de se tratar de um oblíquo e acurado observador e pensador”, escreveu Villari. “Ele não conseguiu se livrar com facilidade da expressão sarcástica que continuamente rondava sua boca e se anunciava nos olhos, que lhe davam o ar de um frio e impassível calculista; enquanto, pelo contrário, ele era frequentemente regulado por sua imaginação poderosa; às vezes conduzido por ela a uma dimensão

própria dos mais fantásticos visionários.”> Por um ano, Maquiavel teve muito o que fazer para se ajustar ao trabalho e para lidar com assuntos da cidade, mais especificamente o esforço necessário para estabilizar o Estado depois da agitação política e social dos anos anteriores. Um mês depois de sua indicação para a Segunda Chancelaria, Maquiavel tornou-se secretário dos Dez da Guerra, o comitê governamental mais diretamente responsável por lidar com assuntos externos, relações diplomáticas e campanhas mi-

litares. Esse papel foi absorvido por seu cargo na chancelaria sem adição salarial ou de benefícios, mas lhe acrescentou responsabilidades ainda maiores. Também era a parte do seu trabalho que o levava a viajar muito como um embaixador itinerante, um diplomata livre da República Florentina. A primeira missão de Maquiavel fora de Florença aconteceu em março de 1499, quando ele foi enviado para resolver um conflito que

surgira entre a Signoria e um comandante militar, Jacopo d Appiano,

DD)

MAQUIAVEL

lorde de Piombino, uma pequena cidade costeira localizada cerca de cem quilômetros a sudoeste de Florença. D'Appiano demandara um acréscimo de fundos e de homens sob seu comando, com o intuito de fazer jus a seu papel de condottiere para o Estado florentino.

Maquiavel deveria conversar com ele e deixar claro que não havia mais

dinheiro disponível e tampouco reforços a caminho; mas, ao mesmo

tempo, precisava fazer tudo de modo a que o comanda nte não se sen-

tisse malquisto nem ofendido. Maquiavel considerou o lorde de Piombino um caráter surpreen -

dentemente pouco sofisticado, e o descreveu como um homem que

uma enorme admiração por ela. (Girolamo Riario fora um dos conspi -

radores por trás do atentado contra Lorenzo de Médic e, com a ajuda i

de seu tio, Sisto IV, tomara o controle da cidade de Imola cerc a de duas décadas antes da visita de Maquiavel a Caterina .) Nos moldes de

Boudicca e com um toque de Joana d'Arc, Caterina era uma beleza famosa mesmo ao entrar na meia-idade, mas havia sido também uma mulher constantemente decepcionada e ofendida pelos homens com

E DE E

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construir sua confiança. Todavia sua segunda tarefa externa, uma visita à corte de Caterina Sforza Riario, condessa de Imola e Forli, foi um desafio bem maior. Caterina, sobrinha ilegítima do duque de Milão e viúva do conde Girolamo Riario, era uma mulher maravilhosa, e Maquiavel veio a sentir

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Esse foi um sucesso gratificante para Maquiavel e fez muito para

——- =

que o enviado florentino foi capaz de reportar a seu governo que as questões com D'Appiano haviam sido amenizadas, tendo o comandante aceitado o fato de que não havia mais dinheiro a ser gasto pela República.

OS

falava bem, julgava mal, agia pior ainda”. D'Appiano demonstrou não ser compatível com as habilidades diplomáticas de Maquiavel e foi só depois de duas discussões cautelosamente dirigidas — em um campo militar de Pontedera, uma pequena cidade próximo a Pisa —

UM

DESAFIO

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/3

os quais se associava. Seu marido, Riario, havia sido um matador ava-

rento, assassinado por uma facção de sua própria milícia. Mas Caterina tinha a coragem e o cérebro para se defender contra os inimigos de sua

família. Sob ameaça desses mesmos conspiradores, e percebendo que a

chave do sucesso deles em tomar conta dos seus domínios era a ocupa-

ção de uma fortaleza particular em Ravaldino, ela os convenceu a deixá-

la entrar na fortaleza sozinha, alegando que assim a entregaria apropriadamente a eles. Os conspiradores não confiaram nela e lhe ordenaram que deixasse seus filhos como reféns. Ela anuiu, mas, assim que entrou na fortaleza, refugiou-se em suas muralhas e provocou seus inimigos, declarando que exigia vingança contra eles. Quando eles ameaçaram executar os filhos dela, ela levantou as saias, mostrou-lhes sua genitália e declarou que eles podiam cumprir a ameaça, pois ela tinha os meios para fazer mais filhos. Notavelmente, o blefe funcionou, Caterina ganhou o dia e a rebelião foi contida. Em

1499, quando Maquiavel a encontrou pela

primeira vez, todos os seus filhos haviam crescido e ela comandava

sozinha Imola e Forli havia quase 12 anos. Contudo seu reino era pequeno, quase incapaz de se sustentar e completamente dependente dos florentinos para proteção contra vizinhos gananciosos de todos os lados. Caterina mantinha uma relação amistosa com Florença havia muitos anos, mas não gostava dos franceses, que, no verão de 1499, estavam prontos para atacar e conquistar o reino de seu tio em Milão, 250 quilômetros a noroeste. Ela sabia que estava numa posição extremamente vulnerável, mas um dos seus maiores recursos era seu

filho Ottaviano, renomado e respeitado condottiere com um pequeno mas bem-treinado e bem-equipado exército. Ele vinha lutando

como mercenário por Florença e, durante os últimos dois anos, a havia ajudado a vencer uma série de importantes campanhas. À razão da

visita de Maquiavel era a renegociação do contrato de Ottaviano com

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MAQUIAVEL

a Signoria. No entanto o assunto se complicava pelo fato de que o governo florentino, sem caixa, estava tentando fazer com que Caterina e seu filho aceitassem uma redução em seu salário. Caterina era uma mulher motivada apenas pelos princípios e não

ficou satisfeita com a sugestão de que Ottaviano, que tanto fizera por

Florença, fosse tratado como um mero servidor e tivesse seu contrato alterado para pior. Mas, ao mesmo tempo, estava numa posição peri-

gosa e precisava de Florença para lhe oferecer ao menos alguma proteção para o caso de os franceses se voltarem contra ela ou de receber uma ameaça de qualquer outro grupo. O poder do ambicioso Cesare Borgia, capitão geral do exército papal, estava se tornando cada vez mais forte na Itália central (fundada e sustentada por seu pai, Alexandre VI, bem como pelos franceses). Parece que, desde o início, Maquiavel e Caterina se deram muito bem, e duas décadas depois desse primeiro encontro ele escreveria muito elogiosamente sobre ela, tanto em À arte da guerra, quanto em Histórias florentinas. Maquiavel passou uma semana na corte de Caterina, onde foi tratado com honrarias, mas seus esforços foram

dificultados pelo fato de que a Signoria se recusava a sancionar oficialmente qualquer garantia de proteção das cidades de Imola e Forli,

caso elas viessem a ser atacadas. Essa era uma condição crucial para Caterina e, como Maquiavel não podia fazer nada para alterar a política da Signoria, ela cancelou as negociações, deixando-o sem opções

senão retornar a Florença de mãos vazias. Embora ele tivesse falhado em chegar a um final satisfatório para todas as partes, esse insucesso não provocou qualquer dano à Maquiavel. A Signoria preferiu perder Ottaviano a aumentar seu sa-

lário. Para Caterina, no entanto, aquilo seria um desastre. Seis meses depois da reunião com Maquiavel, Imola e Forli foram conquistadas

pelos exércitos de Cesare Borgia, e Caterina teve de ir acorrentada até

Roma. O papa, que a apelidara de “a Amazona de Forli”, a manteve

UM

DESAFIO

A ENFRENTAR

75

presa por um ano, até que ela finalmente renunciou a seus direitos sobre as cidades gêmeas e se mudou para Florença. Lá, casou-se com

Giovanni di Pierfrancesco de Médici e com ele teve um filho, Giovanni delle Bande Nere, que se tornou o fundador da única linha ducal da família Médici que sobrevive até hoje.

No ano seguinte, entre o verão de 1499 e julho de 1500, quase todas as energias de Maquiavel se concentraram num conflito que recentemente se havia reacendido entre Florença e Pisa, localizada sessenta quilômetros a oeste. Na verdade, o conflito havia se iniciado quase um século antes, em 1406, quando Florença tomara a cidade à força. Pisa era uma região de extrema importância para o comércio

florentino, provendo à cidade acesso às mais importantes rotas marítimas. Desde então se tornara um títere nas batalhas entre poderes maiores. Veneza estava de olho nessa região-chave da Toscana havia

anos, e com seus imensos recursos navais poderia ter tomado Pisa

muito facilmente, não estivesse esta sob controle dos franceses. Em 1494, quando Savonarola assumia a liderança em Florença,

um exército francês invadia o norte da Itália pela primeira vez. Florença se curvou diante da superioridade militar deles e, como parte das negociações de paz, Carlos VIII devolveu Pisa para os pisanos. Isso causou grande ressentimento na República e, quando Carlos

morreu, Florença imediatamente forçou para voltar a ter a posse de Pisa. Compreensivelmente, os pisanos — que sob o poder dos franceses haviam obtido um significativo grau de autonomia pela primeira

vez em cem anos — resistiram, e assim começou uma longa e san-

grenta batalha que se arrastaria por anos e causaria a morte de milhares. Desde a queda de Savonarola e a mudança de regime, no verão de

1498, Florença vinha se preocupando com questões internas, tendo deixado em banho-maria o problema com Pisa. Mas, uma vez que a cidade alcançara alguma estabilidade política, o governo decidiu que

era hora de voltar a contrair os músculos. Contudo, como não havia

76

MAQUIAVEL

nenhum exército de cidadãos florentinos, a Signoria se viu obrigada

a contratar caros e muitas vezes ineficientes mercenários. A resistên-

cia de Pisa, um exército de pisanos lutando por sua sobrevivência, se

mostrou uma sólida defesa e afastou os mercenários, forçando a Signoria a organizar contra a cidade um caro e frustrante cerco. No final do verão de 1499, depois de uma breve pausa de suas missões externas, Maquiavel foi mandado para a frente de batalha para

tentar encontrar uma maneira de dobrar os pisanos. Como secretário dos Dez da Guerra, ele agora unia as funções de diplomata e observador militar, com ordens de fazer uma avaliação clara da situação e divisar possíveis soluções. À Signoria propôs que os franceses agissem como intermediários e convencessem os pisanos a se submeter a Florença. No entanto, depois de visitar a região, Maquiavel rapidamente percebeu que esse plano não tinha qualquer chance de sucesso e sugeriu que a única maneira de recuperar Pisa seria lançando um ataque militar contra a cidade. Contudo, Vitelli, que fez um rápido avanço em direção às muralhas da cidade e poderia tê-la tomado com um movimento decisivo final, inexplicavelmente voltou atrás na última hora e desperdiçou a possibilidade. Os florentinos ficaram indignados. Vitelli foi chamado, sofreu um processo, foi considerado culpado, torturado e por fim decapitado. O papel de Maquiavel no caso de Vitelli é ambíguo. Ele certamente era um membro do comitê que julgou Vitelli, mas alguns his-

toriadores interpretam os memorandos e relatórios remanescentes do

julgamento como evidências claras de que ele era um dos principais

defensores da pena máxima para Vitelli, tendo influenciado na deci-

são de execução. Outros dizem o contrário, que ele não concordava

com o destino determinado por fim para o comandante.”

O que está claro é que Maquiavel considerava Vitelli um grande

fracasso, que causara à cidade um grande dano. À época do julgamento,

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UM

DESAFIO

A ENFRENTAR

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ele escreveu que Vitelli “merece punições sem fim”* E acreditava que, desperdiçando uma vitória fácil, o comandante custara à Florença o domínio sobre Pisa. Muitos acreditavam que o condottiere não era um fracasso, e sim um traidor, um homem que deliberadamente e com

conhecimento de causa deixara Pisa para seus defensores. Maquiavel

pode ter compartilhado essa opinião, pois se referia às ações de Vitelli

como “uma traição.? Muitos anos depois desses acontecimentos, ele escreveu sobre a reação do governo florentino ao ato de seu comandante, dizendo sobre a Signoria: “pouco depois do enorme engodo, você perpetrou a vingança completa (...) executando aquele que causou tanto dano...”!º O governo florentino ficou frustrado, mas, envergonhado com as vacilações militares, tornou as coisas ainda piores. Contrariando o conselho de Maquiavel, concordou em pagar aos franceses a exorbitante quantia de cinquenta mil scudi de ouro para contratar cinco mil suíços como homens de infantaria e para cobrir as despesas de mais dez mil homens armados, que a França queria contratar para atacar Nápoles, como parte de um novo movimento para recuperar espaço na península. Esses mercenários, liderados por um incompetente comandante francês, Hugo de Beaumont, acabaram sendo covarde e inteiramente falíveis. E a situação ruim tornou-se mais uma vez ainda pior, quan-

do a Signoria, sem dinheiro, decidiu suprir os soldados com comida e ferramentas inferiores e a adiar seus pagamentos. Não surpreende que as tropas suíças tenham se recusado a lutar e ameaçado recuar da região e permitir o fim do cerco. Maquiavel fez várias viagens a Pisa durante o inverno de 1499 ea primavera de 1500, e estava de volta lá no momento mais crítico, quando os mercenários suíços se amotinaram, em julho daquele ano. Seu principal papel era assistir dois comissários-gerais que haviam ido

até a região problemática num esforço por encontrar uma maneira

78

MAQUIAVEL

de que Florença salvasse a campanha e acalmasse os clamores das tro-

pas contratadas. Um dos comissários-gerais, Giovambattista Ridolf, era um homem com quem Maquiavel já trabalhara proxim amente e que, como ele, se opusera veementemente desde o primeiro mome n-

to à contratação das tropas suíças. Ridolfi era uma figura import ante e um grande diplomata, mas logo depois de chegar à frente de batalha, nas muralhas de Pisa, ficou doente e teve de retornar a Florença, deixando Maquiavel com o outro comissário-geral, Luca degli Alb izzi. Quando por fim Maquiavel e Albizzi começaram a encontrar um a solução diplomática para o problema, era tarde demais. Os soldados contratados, desesperados por seus salários e desdenhosos dos florentinos, capturaram Albizzi e ameaçaram matá-lo se não lhes fosse pago um resgate. Evitando por pouco a sua própria captura, Maquiavel imediatamente posicionou-se do lado de Florença, mas, antes de que pudesse convencer o tantas vezes equivocado Signoria a agir apropria-

damente, Albizzi (um homem que conhecia bem a inépcia de seu governo) conseguiu negociar seu próprio resgate e defini-lo em mil e trezentos ducados, pagando-o por sua própria conta e sendo libertado. Os suíços então desapareceram, deixando a campanha florentina em

pedaços, com a Signoria ainda mais frustrada e envergonhada do que antes, € o governo consideravelmente mais pobre. Os pisanos se alegraram com o rumo dos fatos, e mais tarde

Maquiavel escreveu sábia e prescientemente: “Estando os florentinos completamente sem forças, contrataram dez mil franceses para sub-

Jugar Pisa; por causa dessa decisão, incorreram em mais riscos do que em qualquer outro momento durante tais conflitos (...). Tropas auxiliares são fatais: constituem um exército unido, inteiramente obedie nte

às ordens de outra pessoa,”!!

À fonte real desses problemas é o fato de que Fl orença não pos-

sufa um exército próprio e sempre havia contado com mercenários, que nunca podiam receber confiança integral e eram ruinosamen te

UM

DESAFIO A ENFRENTAR

79

caros. Maquiavel percebera esse problema pouco antes da ridícula campanha de Pisa, mas o embaraço que agora sentia por sua própria

cidade adicionava substância a suas convicções e dava combustível para sua determinação de fazer o governo perceber a insensatez desse pro-

cedimento. Para a sorte de Maquiavel, ele novamente voltou de uma missão fracassada com sua reputação imaculada. No balanço final desse vergonhoso embate, ele era visto como um sujeito bastante ponderado, que aconselhara não levar adiante as ações que causaram tais problemas para a República. E, embora seus superiores também tenham tentado se esquivar de qualquer culpa que se lhes podia atribuir, du-

rante todo o conflito aceitaram que ele se diferenciasse deles. conhecimento por isso, ele foi recompensado com um bônus florins de ouro (cerca de 3 mil libras), “em pagamento pelos bores nessa ocasião e pelos perigos que passou”, de acordo Signoria.!?

Em rede seis seus lacom a

Enquanto isso, o estilhaçamento diplomático ocasionado por essa pantomima política foi considerável, e os florentinos se sentiram justificadamente lesados pelo comportamento de seus parceiros fran-

ceses, que eles — de modo acurado — perceberam como traiçoeiros e avarentos. É claro que também precisavam dividir a culpa para encobrir sua própria ingenuidade e indecisão. Poucos dias após o retorno de Maquiavel a Florença, a Signoria mandou-o à França para encontrar o rei francês, Luís XIL, num esforço de resgatar algo tangível em troca do dinheiro que haviam gastado. Designado a “ir o mais rapidamente possível, galopando enquanto tiver força para fazê-lo”, o secretário da Segunda Chancelaria e dos Dez da Guerra, acompanhado por outro emissário florentino, Francesco della Casa, estava na estrada em 18 de julho. Os dois ho-

mens haviam recebido os cavalos mais rápidos dos estábulos da

Signoria, e cada um carregava nada mais do que uma pequena mala,

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virada do século XV, a França era a nação mais poderosa do planeta,

seu poder militar se equiparava aos maiores e sua riqueza era comparável apenas à de seus vizinhos espanhóis. E em Luís XII, que sucedera Carlos VII em 1498, havia encontrado um monarca concentrado, ganancioso e forte, guiado por espertos e implacáveis conselheiros.

Em completo contraste, Florença vivia uma tal decadência eco-

nômica que o governo devia a seus cidadãos mais ricos cerca de quatrocentos mil ducados (algo em torno de 60 milhões de libras). Além disso, havia sido humilhada nas muralhas de Pisa e apenas assistira a levantes e quedas políticas desde a morte de Lorenzo, uma década antes. Seus líderes pareciam incapazes de tomar as decisões determinadas e precisas que Maquiavel sabia necessárias para que um Estado moderno pudesse sobreviver. Para complicar as coisas, os franceses não eram os únicos com os quais se devia ter cuidado. Florença estava cercada por inimigos, além de aliados pouco confiáveis e apenas presentes nos bons momentos.

Durante o ano de 1499 e a primeira metade de 1500, Luís vinha financiando as campanhas de Cesare Borgia (que recebera o título de duque Valentino, em 1498). O papa se alinhara com o novo rei francês para poder estabelecer seu próprio domínio na Itália, usando como instrumento seu filho psicopata Cesare Borgia. Este último havia aceitado o papel com entusiasmo e dominara uma faixa ao longo da Romagna, engolindo cidades-estado fracas como as de Caterina Sforza

Riario, Imola e Forli. Estava claro para todos que ele não tirava Florença de vista, o que significava que, apesar de toda a raiva que sentiam,

os florentinos precisavam dos franceses como aliados.

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única certeza era a de que enfrentariam perigos em cada esquina. Na

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contendo alguns itens pessoais, passaporte e um conjunto de docu. mentos oficiais.! Eles estavam galopando para longe da confusão e de uma cidade que parecia estar nas mãos de políticos amadores. À frente deles, a

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MAQUIAVEL

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UM

DESAFIO A ENFRENTAR

81

Embora Maquiavel fosse o homem perfeito para a missão na corte francesa, sua tarefa era enorme. Seu objetivo mais importante era alterar os termos da dívida que Florença tinha com a França, pelas tropas contratadas que os havia decepcionado tão fortemente. Mas, ao mesmo tempo, precisava renovar os laços de amizade entre Luís XII e o governo florentino e, se possível, adquirir garantias de proteção contra qualquer possível ataque do duque Valentino. Nenhum desses objetivos seria fácil de alcançar. Para começar, os franceses não estavam nem um pouco bem-dispostos em relação a Florença. Assim como os florentinos consideravam os franceses gananciosos, Luís XII colocava a culpa pela vergonha de Pisa diretamente na Signoria, que suspeitava ter deliberadamente retido o pagamento tanto para ele (para as tropas contratadas para atacar Nápoles), quan-

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to para os mercenários que ele providenciara. Porém os florentinos

não haviam pago por terem estendido o orçamento além da conta e estarem agora desesperados tentando salvar a situação, ao mesmo tempo que tratavam de encorajar Luís a protegê-los contra a ameaça imposta pelo duque Valentino. Fracos, ineficientes e desnorteados, os membros da Signoria contavam com Maquiavel para tirá-los de sua situação perigosa, Para Maquiavel, tratava-se de um enorme desafio. Ele tinha mui-

ta consciência do que estava em jogo, mas também estava passando por uma crise pessoal. Em 1500, dois meses antes dessa missão e enquanto a campanha de Pisa se encaminhava para um final ignominioso, seu pai havia morrido, deixando Nicolau e seu irmão como ocupantes solitários da casa na Via Romana. Maquiavel não tinha tempo para organizar propriamente o enterro do pai — que dirá para sofrer — e enquanto estava fora de Florença era obrigado a confiar em Totto e outros membros da família para deixar os negócios de Bernardo em ordem. Para Maquiavel, agora o chefe da família e um homem que havia adorado o pai, era um tempo doloroso e exaspe-

82

MAQUIAVEL

três dias, mas foi pontuada por inúmeros atrasos. Um dia depois de terem deixado Florença, Maquiavel e Francesco della Casa receberam

instruções para parar em Bologna e consultar, em nome da Signoria, o prefeito da cidade, Giovanni Bentivoglio. Em seguida, entre Parma e Piacenza (a menos de 160 quilômetros de Florença), eles ouviram o rumor de que um contingente de mais de mil mercenários da campanha de Pisa estavam acampados nas montanhas e deviam ser evitados a todo custo. Isso significava um comprido desvio. Para piorar, no mais forte verão, a praga era um perigo constante. Na França, tornara-se tão perigosa que Luís havia sido obrigado a manter-se sempre em movimento, permanecendo no campo para evitar a doença, que varria as cidades. Exaustos e desorientados, os dois emissários florentinos acabaram

só chegando até os franceses no dia 26 de julho, em Lyon. No início, foram recebidos educadamente e bem tratados, mas logo ficou claro para eles que seus anfitriões consideravam Florença um Estado de terceira categoria, de pequena importância real. As coisas pioraram com

o fato de que, graças à mesquinhez de seu próprio governo e a parcimônia dos ricos de Florença (que sancionavam o envio de dinheiro para os funcionários públicos no exterior), eles tinham de batalhar para apresentar uma imagem apropriada na corte. Eles haviam recebido uma quantia para as despesas, mas os franceses lhes providenciaram nada mais do que um quarto e refeições básicas e, por te-

rem apressado os cavalos ao seu encontro, foram obrigados a comprar cavalos descansados e roupas limpas, além de contratar criados. Em dois dias a quantia estava esgotada e eles já tinham de lançar mão de seus fundos pessoais para seguir na missão. Para agravar o problema,

E o

A viagem até a França deveria ter-lhes tomado não mais do que

em

rante, visto que não tinha outra escolha senão seguir com as obrigações que tinha com seu Estado, a saber, deixar a casa e ir barganhar com os franceses.

UM

DESAFIO A ENFRENTAR

83

como a corte francesa estava constantemente em viagem, Maquiavel

e della Casa tiveram de pagar por caros cavalos para acompanhar as velozes carruagens do rei e seus cavaleiros militares. Maquiavel logo compreendeu o funcionamento da corte de Luís XII. Ficou claro que o caminho para o rei era por seus protegidos e

que muitos deles, particularmente seus conselheiros mais próximos e estrategistas militares, já haviam sido subornados para se alinhar a

outros Estados italianos. Então, pelos meses seguintes, Maquiavel e

della Casa trabalharam por entre a estrutura da corte, fazendo tantos amigos quantos conseguissem e tentando atrair a atenção do rei.

Apesar de serem emissários oficiais que carregavam cartas do

gonfaloneiro e da Signoria, esses documentos pouco os ajudaram com os arrogantes franceses, e foi somente graças às grandes habilidades diplomáticas de Maquiavel e a seu dom para a comunicação que ele e seu colega finalmente conseguiram ganhar os ouvidos do mais poderoso dos conselheiros de Luís, Georges d' Amboise. Esse homem, o cardeal de Rouen, se tornou o mais útil de seus contatos nos esforços

para fazer o rei francês entender a posição florentina. O fato de a situação ser quase indefensável frustrou Maquiavel imensamente, mas ele não podia fazer nada senão persistir. Durante todo o outono de 1500, enquanto a corte se movia primeiro para Saint Pierre le Moutier, depois para Nevers e Montargis, antes parando em Nantes e Tours, ele tentou desesperadamente alcançar um acordo em que Florença pudesse recompensar os franceses da melhor forma

possível, em troca da obtenção de uma garantia escrita de proteção francesa contra o duque Valentino. No entanto parecia que, quanto mais Maquiavel e della Casa

trabalhavam, piores as coisas se tornavam. No início de outubro, os

franceses estavam perdendo rapidamente a paciência, de modo que até Georges d' Amboise se havia voltado contra eles. Em uma ocasião,

quando Maquiavel tentava convencer O cardeal de que a qualquer

84

MAQUIAVEL

momento chegaria um porta-voz da Signoria com boas notícias, o francês respondeu de modo ameaçador: “Isso é o que você disse, é verdade; mas todos estaremos mortos quando esse porta-voz Chegar. A

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No entanto cuidaremos para que outros morram antes.”14

Mesmo sob tamanha pressão e com a missão se voltando contra a

sua pessoa, Maquiavel continuava sendo mal suprido por seu gover-

no. Em meados de outubro, a situação se tornara tão ruim que ele e

della Casa não tinham dinheiro nem para mandar mensagens para Florença por um entregador especial, de modo que se perdiam dias e dias à espera de respostas da Signoria. Para aumentar sua miséria, Maquiavel soube por volta desse período que sua irmã Primavera havia morrido subitamente, depois de uma breve doença, aos 35 anos. Alguns dias depois, della Casa ficou doente e viajou até Paris para conseguir atendimento médico, deixando Maquiavel sozinho para enfrentar a implacável corte francesa. Então, no fim de outubro, quando a missão estava em seu pior momento, o governo florentino finalmente reganhou os sentidos e assegurou os fundos para pagar sua dívida com os franceses e com os mercenários suíços envolvidos na desastrada campanha contra Pisa. Esse revés na fortuna fora incitado por uma agressão. No exato instante em que Maquiavel estava fazendo seus últimos e mais desesperados esforços para chegar a termos melhores para a Signoria com um intransigente rei francês, as forças do duque Valentino haviam atravessado Rimini e sitiado Pésaro, ambos na costa que se localiza a menos

de 115 quilômetros ao leste de Florença.

É fácil imaginar o alívio que essa notícia deu a Maquiavel. Ele

estava com saudades de casa e almejava voltar para seu trabalho no

Palazzo della Signoria. Estava preocupado que sua posição estivesse

ameaçada por ambiciosos membros da Segunda Chancelaria e tinha

um desejo fervoroso de ajudar sua família nesse que havia sido um

ano desastroso para eles. Contudo, esperava-se que ficasse na corte

UM

DESAFIO

A ENFRENTAR

85

de Luís até que fosse finalizado o acordo entre França e Florença e ele pudesse voltar com uma garantia escrita da proteção militar francesa.

Em 4 de novembro, ele obteve cópias de uma carta real assinada por Luís e enviada para o duque Valentino, alertando-o de que não

fizesse qualquer tipo de incursão no território florentino. A Signoria

queria que Maquiavel ficasse mais na corte, para nutrir a relação depois de o acordo ter sido finalizado e para formar ligações diplomáti-

cas fortes com certas figuras-chave do círculo íntimo de Luís. Ele

aceitou relutantemente, mas, sem contar a seus superiores, arranjou

de deixar a França antes do Natal. Maquiavel partiu na última semana de novembro, iniciando um longo e vagaroso percurso. Logo antes do Natal e na metade do caminho até Florença, ele recebeu a indicação, enviada no dia 12 de dezembro, de que já não precisava prestar qualquer serviço na corte francesa. Em 14 de janeiro de 1501, então, depois de passar sete meses distante de sua escrivaninha na chancelaria e sentindo uma terrível

falta do ardor hospitaleiro de seu próprio lar, ele atravessou os portões

da cidade. Cansado, mas aliviado por ter concluído sua missão com

sucesso e porque Florença, por meio da diplomacia inteligente, ao menos por um tempo havia evitado mais uma vez a subjugação.

4 Correndo com o diabo

Maquiavel aprendeu muitas lições da missão na corte francesa. Em um nível pessoal, ele descobriu, com as afetuosas cartas enviadas por seus amigos e assistentes de Florença, o quanto era apreciado na Segunda Chancelaria. Eles sentiam falta de seu intelecto sagaz e penetrante, de sua camaradagem e de sua criteriosa inteligência. Como

observador e analista político, também ganhou muito. Mas talvez o

aprendizado mais importante tenha sido a noção de como se tornara vulnerável sua amada cidade. Ele havia visto em primeira mão o modo

como agiam os principais atores da Europa e como a abordagem florentina era amadora se comparada à deles. Instigado por essas revelações, Maquiavel já começava a cogitar maneiras para que Florença pudesse melhorar sua posição, proteger-se melhor, sustentar seu poder e sua influência sobre a Europa. Mas sabia que teria de esperar o momento propício para usar essas idéias, de modo que as mudanças ficassem facilitadas.

Em 1500, Maquiavel tinha 31 anos e exercia seu cargo havia apenas dois anos, mas era rápido em se tornar confiante e já tinha bastante consciência de suas extraordinárias habilidades. Embora fosse

88

MAQUIAVEL

naturalmente um diplomata, às vezes lhe era impossível controlar sua língua em assuntos que o inspiravam, mesmo quando sabia que suas

opiniões causariam ofensa. Tendo passado meses negociando com os

franceses, sentia que conhecia a medida deles e acreditava entender suas políticas. Ele ganhara certa consciência de suas estratégias, assim como de suas fraquezas.

Quando Maquiavel estava pronto para deixar a França e iniciar

seu tão esperado retorno ao lar, o cardeal de Rouen, Georges

d Amboise, comentou sarcasticamente que os italianos não sabiam

nada de guerra. Maquiavel respondeu que isso até podia ser verda-

de, mas que era igualmente verdadeiro o fato de que os franceses

não sabiam nada da arte de governar. Ainda não satisfeito com essa retaliação, ele sentiu a urgência de fazer um discurso para Amboise

(com efeito, o segundo homem mais poderoso da França) em que lhe explicava que, se Luís XII realmente queria dominar a penínsu-

la italiana, deveria dar atenção aos exemplos da História. Para conquistar uma nação com costumes e culturas diferentes dos seus, ele declarou, o rei deveria proteger e utilizar a amizade oferecida por aqueles Estados naturalmente inclinados ao seu lado — a saber, Florença, Bologna, Ferrara, Mântua e alguns outros. Em seguida, deveria trabalhar juntamente com esses aliados para suprimir o po-

der ameaçador de cidades como Veneza e, mais especialmente, do

Vaticano. Mas, acima de tudo, deveria fazer tudo quanto fosse possível para prevenir que os espanhóis (o único poderio capaz de rivalizar com a França) adquirissem qualquer tipo de pont o de apoio na Itália.

Georges d' Amboise era um cavalheiro e admirava o intelecto de 3

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a

Maquiavel. Escutou polidamente e em seguida deu a curta resposta de iafeaia Majestade o rei era excessivamente prudente”. Maquiavel se embr ou dessa troca de id idééii as e à recontou em O príncipe: .





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CORRENDO

COM

O DIABO

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Travei uma rápida conversa com Rouen, em Nantes, quando Valentino

estava ocupando a Romagna. Quando o cardeal de Rouen me disse que os italianos não entendiam de guerra, retorqui que os franceses não entendiam a arte de governar, porque, se entendessem, não deixariam

que a Igreja se tornasse tão importante. E o curso de eventos na Itália mostrou como a grandeza da Igreja e da Espanha foram provocadas pela França, e como a ruína da França foi provocadas por eles. Disso podemos deduzir uma regra geral, que nunca ou raramente falha: aquele que for o responsável pelo fato de outro se tornar poderoso está arruinando a si mesmo, porque seu poder é levado a ser ou ingênuo, ou estabelecido à força, e ambos são suspeitos para aquele que se tornou poderoso.!

Analisando agora, fica claro que Maquiavel estava inteiramente correto tanto nas avaliações como nas sugestões. Luís quase certamente não chegou nem a ouvir suas opiniões, e Amboise, por mais esperto que fosse, deve tê-las esquecido pouco depois de as ter ouvido. Os franceses fizeram o exato oposto do que Maquiavel via como o melhor caminho para eles, e em consegiiência a tentativa de conquistar a Itália resultou num sucesso apenas temporário. Escrevendo cerca de 15 anos mais tarde e tendo observado as consegiiências para a Itália da estratégia francesa, Maquiavel foi capaz de afirmar em O príncipe: Luís, portanto, cometeu cinco erros: destruiu os poderes mais fracos

(Milão e outros); aumentou o poder de alguém já poderoso na Itália (a Igreja); levou a esse país um estrangeiro muito poderoso (a Espanha); esteve pessoalmente longe da Itália; falhou em se estabelecer por lá. E mesmo esses erros, se ele tivesse vivido, não teriam sido fatais se não fosse cometido um sexto: ter desapropriado os venezianos de seu Estado. Se ele não tivesse tornado a Igreja forte, ou levado a Espanha para a Itália, teria sido razoável e necessário liquidar os venezianos.

Mas, tendo dado esses passos, nunca deveria tê-los arruinado, por-

que, enquanto permanecessem poderosos, sempre poderiam ter prevenido os outros de se erguerem contra a Lombardia.?

%

MAQUIAVEL De volta a Florença em janeiro de 1501, Maquiavel imediata.

mente retornou à velha rotina de que se aprouvera antes da partida. Não houve modificações em suas responsabilidades enquanto ele

estava fora, e seus assistentes — mais especialmente seu colega pró-

ximo e íntimo amigo Biagio Buonaccorsi — mantiveram o escritó-

rio de Maquiavel durante a sua ausência. Biagio e Nicolau eram amigos desde antes de começarem a trabalhar juntos. Eles passaram a integrar a chancelaria no mesmo dia e rapidamente estabeleceram uma produtiva relação de trabalho por lá. Biagio conhecia a mente

de Maquiavel e, quando seu mestre e confidente estava fora, eles se

corresponderam quase que diariamente. Lendo essas cartas, podese entender imediatamente a relação entre eles. Maquiavel era o chefe de Biagio, mas eles eram também amigos próximos. Biagio era bem pouco reservado em suas cartas e dizia a Maquiavel exatamente o que pensava sobre ele, muitas vezes nos termos mais ásperos; mas ao mesmo tempo era um assistente confiável, fidedigno, honesto e inteiramente dedicado. Em particular, eles usavam de uma afetuosa falta de reverência em relação aos poderosos que controlavam suas vidas, mas eram também proficientes no jogo da diplomacia, pilar central de suas carreiras. Biagio gostava de ridicularizar aqueles com os quais trabalhava. Assim, havia o “lesma”, Antonio della Valle, que era um político de média

importância e, ao menos aos olhos de Biagio, um sujeito um tanto pedante. Outro apelido que Biagio inventara para ele era “Durão,

presumivelmente por ter recusado um pedido de fundos ou despesas. Às cartas que Nicolau e Biagio trocaram durante as longas ausências do primeiro estão cheias de fofocas e piadas internas, além de refe-

rências codificadas a contemporâneos que só eles podiam entender; e, apesar de ficar claro que Biagio cobiçava a posição de Ma quiavel e tinha | inveja de| seus abundantes talent os como escritor, ele também respeitava muito seu amigo mais velho.

CORRENDO

COM

O DIABO

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Maquiavel precisava de seus amigos e assistentes para cuidar de seus assuntos domésticos enquanto ele estava fora em extensas viagens. Biagio Buonaccorsi e Agostino Vespucci eram frequentemente demandados a pagar contas ou recolher itens pessoais e roupas que pudessem ser mandadas para onde quer que ele estivesse trabalhan-

do. Eles também ajudavam a manter a casa da família em Florença,

bem como o sítio de Sant'Andrea. Numa carta escrita em 1506, Vespucci conta a seu chefe: “Acabei de voltar de sua casa, onde tomei

conta de tudo (...). Eles todos estão bem, muito bem. Marietta [a

mulher de Maquiavel] estava ansiosa para que eu lhe mandasse as saudações dela e das crianças (...) só o Bernardo [o filho do casal) está um pouco mal-humorado.*? Maquiavel tinha outras pessoas próximas no Palazzo Vecchio, homens com os quais trocava cartas amistosas enquanto estava fora, e que acompanhava às tabernas, casas de jogos e bordéis, quando estava em Florença. Os mais proeminentes desse círculo, além de Biagio, eram os colegas de trabalho Andrea di Romolo e Giuliano della Valle, e entre esses amigos ele era conhecido, num trocadilho com seu nome, como “TI Machia”, ou seja, o Homem.

Era um apelido inteiramente pertinente, pois Maquiavel era uma presença dominante em qualquer companhia. Ele era ponderado, calmo, astuto e sábio. Era capaz de formar um conceito sobre os outros rapidamente e de identificar qualquer fraqueza em pequenos detalhes. A maior parte do tempo se mantinha fechado, mas nunca tinha medo de expressar e sustentar uma opinião sincera. Ele era um diplomata par excellence, mas não se deixava suprimir. Entendia como o mundo funcionava, como a civilização se maneja, e podia fazer agudos julgamentos críticos com aparente facilidade. Mas o que os amigos apreciavam em “o Homem” era sua sagacidade, seu senso de humor irreverente, sua audácia, sua joze de vivre. Ele amava seu trabalho e o levava muito a sério. Era um homem cerebral, mas gostava de

92

MAQUIAVEL

beber vinho, comer boa comida e jogar dados, e se apaixonava facil-

mente, deixando o poeta dentro de si tomar conta. Na primavera de 1501, Maquiavel estava chegando aos 32 anos.

Ele era agora o chefe da família Maquiavel, mas, com seu irmão Totto estudando para ser padre, e seu pai, sua mãe e sua irmã Primavera

mortos, ele morava sozinho na casa da Via Romana. Claramente, era

o momento de pensar num casamento.

Não há qualquer registro do cortejo de Maquiavel em relação a sua mulher, Marietta, a filha de um tal Luigi Corsini. Sabemos, por seu modesto dote, que a família de Marietta era de uma classe similar à dos Maquiavel — na Florença dos séculos XV e XVI havia muito poucos casamentos entre pessoas de diferentes classes — mas não há documento remanescente que conte como ou quando eles se conheceram. O mais provável é que Marietta morasse perto dali e que os Corsini conhecessem os Maquiavel há um longo tempo. Se houve alguma correspondência entre Marietta e Nicolau enquanto o secretário florentino estava na França, nenhum traço dela sobreviveu.

Infelizmente, também não há registro do casamento em si, mas a

cerimônia provavelmente ocorreu no outono de 1501, talvez no fim

de setembro ou no início de outubro. Isso se sustenta numa carta datada de 25 de agosto daquele ano, do seu amigo e colega Agostino

Vespucci, que se tornara o emissário florentino em Roma. Vespucci

escreve que “quando Sua Santidade, o papa, chegar aqui [Florençal, você e qualquer outra pessoa que queira uma autorização seja para deixar ou para casar com uma mulher, poderá tê-la de bom grado... É difícil julgar o que exatamente Vespucci queria dizer com isso. Podia ser simplesmente uma referência ao desenvolvimento dos planos de casamento à medida que o grande dia piada de tom semelhante às br incadeiras tro

se aproximava ou uma

cadas entre Maquiavel

seus amigos, implicando que, se Maqu iave | já estivesse cansado de sua mulher, podia dissolver o casamento

CORRENDO

COM

O DIABO

93

De muitas maneiras, Maquiavel deve ter sido um homem difícil de conviver. Ele era muito voltado para si mesmo e independente. Era mais dado ao convívio com homens e, embora claramente

tivesse uma profunda afeição à sua mulher e eles tenham ficado juntos até que a morte os separou, o casamento deles era, ao menos

para ele, uma conveniência, quase uma obrigação. Isso significou

que, durante a primeira década que passaram juntos, enquanto ele semeava sua carreira, seu papel como marido e pai era um aspecto bastante secundário de sua vida. Por outro lado, olhando o casamento de uma perspectiva diferente, não se pode negar que Nicolau era um bom partido para Marietta. Seu novo marido era uma estrela ascendente no governo, um dos emissários que mais recebiam a confiança da Signoria, um diplomata de influência crescente que recebia um salário substancial e podia manter a mulher e a família com algum conforto. Qualquer um dos dois podia fazer pouco com relação à natureza do trabalho de Nicolau, e Marietta tinha de aceitar que o marido estivesse por perto apenas raramente. Ela se irritava e reclamava por isso e, enquanto ele estava fora, transmitia a ele esses sentimentos através das cartas dos amigos. Mesmo assim, é provável que ele tenha perdido o nascimento do primeiro filho deles, no início do verão de 1502

— uma menina que chamaram de Primerana —, porque por essa época ele estava viajando entre as dependências florentinas, em missões diplomáticas. Ele também estava ausente no parto do segundo filho deles, Bernardo, nascido no ano seguinte. Na verdade, ele passava tanto tempo fora que seus amigos faziam troça dizendo que era um “milagre” ele ter encontrado tempo para ser pai de seus filhos. Quando Bernardo nasceu, um amigo, Luca Ugolini, escreveu: “Meu muito querido compare [compadre]. Meus parabéns! Realmente a sua Madonna Marietta não o enganou, pois ele é o seu retrato escarrado. Leonardo da Vinci não teria feito um retrato melhor.”

94

MAQUIAVEL

Era um trabalho bastante exigente, mas não pode ria ter havido tempo melhor ou mais excitante para um emissário florentino trabalhar. Em 1501, a contínua batalha para recuperar Pisa foi posta de lado temporariamente, porque a Signoria se distraía com à poten-

cialmente mais perigosa ascensão de Cesare Borgia, qu e rapidamente se transformava na figura militar mais poderosa da Itália; um homem que não podia ser ignorado. O retrato de Cesare Borgia feito por Gianfrancesco Bembo, agora pendurado na parede da galeria acadêmica de Carrar a, é uma versão muito reveladora daquele que muitos consider am ter sido a encarnação do puro mal. Ele oferece a imagem de um homem boni. to com olhos pequenos e ameaçadores, sobre o qual um historiador italiano da época escreveu: “O papa ama seu filho (...) e tem um enorme medo dele.”6 Contudo historiadores modernos estão divididos quan to à acurácia dessa afirmação. Cesare tinha 17 anos quando seu pai, Rodrigo Borgia,

se tornou o papa Alexandre VI, e pai e filho formaram uma poderosa

dupla durante todo o período em que o pontífice ocupou o cargo máximo no Vaticano. O poder e a influência dos Borgia se alongaram ainda mais a partir do nervo central de sua operação no Vaticano, de modo que juntos (e ligados com Luís XII) eles dominavam completamente a vida política de toda à Itália. O próprio Alexandre VI entrou para os livros de História com uma imagem tão ultrajante quanto a de seu filho, por ter sido talvez

o mais devasso e assassino de todo s os papas

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duzir os mais difíceis afazeres”. E em seguida admite que ele tinha

“uma paixão pelo jogo de cartas, mas (...) era estritamente abstêmio em relação à comida e à bebida, e um cauteloso administrador que se tornou um dos homens mais ricos de seu tempo”.

Ele era sem dúvida bom com o dinheiro, e seu “poder de persua-

são” não pode ser negado. Todavia, o brilho sugerido pelos historia-

dores católicos é absurdo. Ão longo de uma carreira de 34 anos, primeiro como cardeal, depois como vice-chanceler (o número dois no Vaticano), Rodrigo Borgia havia acumulado uma vasta fortuna, que usou para comprar o papado em 1492. Copiando seu predecessor, o notavelmente maldesignado Inocêncio VIII, ele arrebanhou os votos com subornos e promessas — algumas das quais rapidamente renegou — e, uma vez instalado como chefe da Sagrada Igreja Romana, exerceu um domínio total e levou uma vida de plena devassidão e indulgência, muitas vezes esquecendo até de simular qualquer semblante de santidade ou piedade. Mais tarde, Maquiavel escreveria

sobre ele: “Alexandre VI nunca fez nada, ou pensou em nada, senão enganar os homens; e sempre encontrou vítimas para os seus logros.

Nunca existiu um homem capaz de tão convincentes asseverações, ou tão pronto para jurar a verdade de alguma coisa, que menos honrasse a sua palavra.”8 Não contente em manter no Vaticano um harém com quarenta cortesãs, para seu prazer privado e pessoal, e outro preparado por seus anfitriões em sua chegada a qualquer cidade que visitasse, com o avanço da idade Alexandre se tornou progressivamente interessado em extravagantes apresentações pornográficas. “O papa está sempre em seus afazeres ilícitos”, escreveu Vespucci a Maquiavel em 1501 (por essa época, Alexandre já chegava aos 71 anos). “Toda noite 25 mulheres ou mais, entre Ave Maria e uma da manhã. Elas são levadas para o palácio, poucas por vez, até que manifestamente o palácio inteiro se transforma num bordel. Mais notícias

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eu não lhe darei agora, mas, se você me responde, eu lhe escrevo para contar algumas coisas interessantes.” Em cartas escritas pouco depois

dessa, o emissário florentino a Roma faz veladas referências à predile-

ção de Sua Santidade pelo assassinato e a seu uso do veneno para livrar. se de qualquer um que se pusesse em seu caminho.!º No entanto, quem exatamente estava no comando e quem dominava quem, se era o Santo Padre ou seu filho, é um assunto que ainda

está aberto para o debate. De acordo com alguns contemporâneos,

Cesare Borgia dava demonstrações bastante públicas de sua total fal-

ta de medo e de seu desrespeito arrogante por qualquer mortal, incluindo seu próprio pai. “Ele foi o homem mais prepotente já visto”,

afirmou o diplomata Branca Tedallini. “Entre outras coisas, ele não aceitava se encontrar com ninguém, fossem cardeais, embaixadores ou governantes; ninguém podia conversar com ele, salvo Michelotto,

que era seu executor.”!! Outro historiador, Alessandro Luzio, descre-

veu como, em 12 de novembro de 1501, Borgia, “enfurecido, atacou com um punhal o peito de um clérigo na presença do papa e de muitos

prelados e, sendo severamente repreendido pelo papa, replicou com

raiva com a ameaça de que, se ele não ficasse calado, acabaria tendo o mesmo destino do outro”! Então quem era Cesare Borgia, o homem que Maquiavel imortalizou em O príncipe como o modelo do líder perfeito? Quem era esse

homem, que só pelo nome já invoca imagens poderosas de falsidade e corrupção? Nascido ilegítimo em 1475 (ou talvez em 1476), provavelmente em Roma, Cesare foi criado como filho legítimo de Rodrig o Borgia depois de Sisto IV ter redigido uma certidão a respeito de seu nasci-

mento, em 1480. Essa certidão substituía outra que o designara filho

legítimo da amante favorita de Sisto, Vannoz za de Catanei, € Domenico d'Arignano, e simplesmente estabelecia que Cesare Borgia estava is

ento de qualquer necessidade de provar a le gitimidade de seu

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nascimento. De modo crucial, isso também resultou em que Sisto,

pressionado por Rodrigo, desse a Cesare o direito sobre os benefícios eclesiásticos de várias missas. Em conseqgiiência, quando tinha 7 anos,

ele se tornou Prebenda da Catedral de Valência e, um ano depois, Protonotário Apostólico da cidade. Aos 9, ele também já havia recebido os títulos de Reitor de Gandia e Preboste de Albar e Jativa. Em

seu décimo aniversário, Cesare se tornou Tesoureiro de Cartagena.

Muito antes de se tornar pontífice, Rodrigo planejara a educação

do filho com grande cuidado para que o menino fosse de grande va-

lia para a família. A princípio tutorado em Perugia, em seguida Cesare estudou teologia na Universidade de Pisa. Em 1493, um ano depois de Rodrigo se transfigurar em Alexandre VI, seu filho de 18 anos se tornou cardeal. Considera-se que o cardeal Cesare Borgia tenha cometido seu primeiro assassinato logo depois de ascender ao sacro colégio. À vítima foi seu irmão mais novo, Giovanni. Os irmãos haviam comparecido a um jantar juntos e, depois de saírem do evento, começaram com seus criados e amigos a jornada de volta ao palácio papal. Em algum momento no meio do caminho, Giovanni aparentemente decidiu tomar um desvio, com um criado, para visitar um amigo. Na manhã seguinte, seu corpo foi recolhido do rio Tíber; ele havia sido apunhalado mais de cem vezes. O papa ficou mortificado com o falecimento de seu filho e se isolou por várias semanas. Enquanto isso, os inimigos de Cesare em Roma começaram a construir a argumentação que demonstrava que ele havia assassinado o irmão. A razão, segundo declaravam, era que Cesare

tinha ciúmes do crescimento do poder mundano de Giovanni, estava frustrado com as restrições religiosas que sofria e aspirava à liberdade e ao status de seu irmão. A evidência contra Cesare era circunstancial. Muitas testemunhas independentes descreveram dois homens atacando Giovanni e seu

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camareiro num beco escuro. O retrato falado de um dos homens era

compatível com Cesare. Outras testemunhas alegaram saber da existência de um plano secreto anterior para matar Giovanni. Conhecendo o caráter de Cesare e as coisas que faria mais tarde, é fácil acreditar que ele era o assassino de seu irmão. Também está claro que

o próprio papa acreditava nessas histórias, porque ocorreu um esfriamento muito perceptível da relação entre Alexandre e seu filho ao menos por 12 meses depois do incidente. Ainda assim, mesmo que Alexandre tivesse a certeza de que o assassino era seu filho mais velho, não podia fazer nada com relação a isso sem perpetrar danos irreparáveis à reputação da família Borgia. A alegação dos inimigos de Cesare de que ele havia cometido o assassinato por ciúme do status do irmão ganhou ainda mais força quando, um ano depois, Cesare sucedeu Giovanni em todas as posições que ele possuía e adquiriu todas as suas terras e posses. Mesmo assim, a cobiça pode ter sido apenas parte do motivo. Ao menos dois historiadores daquela época — Marino Sanudo, o Ancião, e Francesco Guicciardini — postularam que Cesare teria matado o irmão por ciúmes sexuais relacionados à irmã deles, Lucrécia, que tinha 13 anos. Qualquer que fosse o motivo, Cesare sobreviveu incólume ao cri-

me e usou seus ganhos para construir gradualmente uma base de poder ao menos comparável à de seu pai. Além disso, por trabalhar junto

com o papa e por ter se alinhado também ao todo-poderoso francês, estava livre para estender sua influência para além de Roma. Em 1498, aos 25 anos, Cesare chegara à conclusão de que devia empenhar to-

dos os seus esforços em emular seu ho mônimo e se tornar um verdadeiro “Caesar”, amealhando tanto território quanto pudesse € -

E

Eh

adotando o estilo de vida de um imperador romano.

Naquele ano, o pai concedeu a Cesare o título de duque Val entino,

e nos três anos seguintes ele passou a mai or

parte do tempo fora de Roma, junto ao seu exército, adquirindo qualquer ci dade-estado ou

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domínio suscetível a invasão. Contudo Cesare não era um guerreiro.

epref o, diss vez Em s. reai as alh bat em er olv env se de a tav gos não Ele

ria competir através do logro e da deslealdade. Usava seus agentes para assassinar opositores importantes e pagava comandantes inimigos para

lee ção trai a ava tiv cul are Ces res. líde seus de res ido tra em nar se tor

Um . dos fun dos ta por pela pre sem do ran ent s, ore tid bas gislava nos cronista dos métodos dos Borgia, Rafael Matarazzo, disse sobre ele: de nem mas ia, Itál da e ant and com o era ue duq o ca, épo la “Naque desda o mei por sim e , ada arm luta da nto ime hec con seu longe por lealdade e do poder do dinheiro; ele reduzira a guerra à traição, que cada homem aprendia com ele.” cupro pre sem are Ces , rra gue e o açã jug sub de na are da m alé a Par de nte fre Na . ria que ele o com e foss o tud que de rar egu ass tava se dezenas de vítimas, ele esfaqueou até a morte um jovem criado que fora seduzido por Lucrécia (e que pode ter sido o pai de seu primeiro filho ilegítimo). Ele também arranjou os assassinatos de dois dos o mod De . dela s nte ama de e séri uma de m alé ã, irm sua de s ido mar

ran est are Ces por os tad tra con res ado mat dos um , ame inf s mai da ain eulou o segundo marido de Lucrécia, Alfonso, Príncipe de Bisceglie, em seu quarto de dormir, dentro do palácio papal.

Quando Cesare estava em Roma, com freqiiência se entediava e,

como uma forma de entretenimento, safa disfarçado a caminhar pelas ruas. Protegido por seus seguidores, iniciava brigas com habitantes locais em tabernas ou os persuadia com adulações a dizerem algo aviltante sobre o papa e sua família. De acordo com o historiador Johannes Burckhard, que escreveu a história dos Borgia, certa vez

Cesare induziu um homem a fazer um comentário depreciativo so-

bre o filho do papa, para só então revelar sua verdadeira identidade e mandá-lo prender. Diante de uma grande platéia que se juntara em volta deles, ele cortou uma das mãos do homem, depois sua língua, e

fez com que a língua fosse presa ao toco sangrento do braço da víti-

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ma, para em seguida fazê-lo andar por dois dias pelas ruas de Roma,

como um alerta para as pessoas da cidade.

Essas histórias se tornaram quase lendas, folclore da época, e o

nome Borgia — particularmente o de Cesare Borgia — não era insí-

pido para muitos dos governantes dos pequenos Estados italianos, e sim um nome a ser temido. No verão de 1501, através do emprego

de armações e logros secretos e desavergonhados (bem como man-

tendo seu pai e Luís XII constantemente ao seu lado), Cesare — ou duque Valentino, como era agora — já ocupava regiões inteiras da Itália. Ele estava correndo com toda a força para alcançar aquele que via como seu destino. Acreditando ser o novo Caesar, ele adotara 0 lema “Aut Caesar aut nihil” (Ou Caesar ou nada).

Contudo Cesare Borgia nunca estava completamente satisfeito.

Quando menino, fora arrebatado pelo significado de seu nome cristão: acreditara de modo inquestionável que seu destino era ser um grande governante. Infelizmente para ele, apesar de seu pai ser o líder espiritual absoluto da cristandade e, nos termos de ho je, um

multimilionário, Alexandre ainda era pouco mais do que um vassalo de poderes maiores. Os verdadeiros mandantes da Europa do início do século XV eram os franceses, os espanhóis e o Sacro Império Romano. O papa cedera a sua mais silenciosa obediência a Luí s XII, que

mantinha Cesare Borgia com rédea curta, constantemente cio so de que, se ele não fosse servidor, tinha o potencial de se tornar um ini-

migo muito perigoso. Consegientemente, embora Cesare fosse suprido pelo pai e pelo francês com dinhei ro, homens e armas, Luís e seus conselheiros também se asse guravam de limitar suas ambições. (Cesare Borgia, naturalmente, tinha consciência disso e se sentia muito o que pôde para se tornar mais forte € 1503, ele até co nseguiu se casar com um a dº Albret, com quem teve

frustrado. Assim, fez tudo amolecer esse controle. Em princesa francesa, Charlotte tima chamada Louise, em homenagem

uma filha legiao rei francês. Mas suas am-

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bições eram sempre restritas pelos franceses, exceto quando seus planos os satisfaziam.)

Florença foi pega entre as ambições dos Borgia e as vontades dos franceses, que só se interessavam em acumular riqueza e poderes ainda maiores. Pelos seus conselheiros e estrategistas militares, Luís conheceu bem as fraquezas e falhas da cidade, e estava ávido por aumentar as fissuras políticas na Itália, de modo a levar adiante seus objetivos. Para Florença, os objetivos de Cesare Borgia ficaram bastante claros durante o verão de 1501. Enquanto a família de Marietta Corsini fazia os preparativos para seu casamento, e seu noivo, Nicolau Maquiavel, deixava a cidade em nome da Signoria, as tropas de Cesare avançavam pela Romagna e chegavam a Campi, faltando um trajeto curto para os

portões da própria Florença. Foi só nesse instante que as palavras ríspidas do rei francês forçaram o filho do papa a recuar de última hora.

Era uma posição terrível aquela em que Florença se encontrava, e seus habitantes o sabiam. Um cidadão comum, Francesco Pepi, do quarteirão da Santa Croce, declarou sobre a situação: “A doença da cidade é tão grave que não temos muito tempo para remédios.”!3

À crise precipitada pelo avanço do duque Valentino até o alcance dos olhos de Florença era um exemplo perfeito das grandes batalhas que estavam nos planos dos Borgia e ameaçavam a própria sobrevivência da República Florentina. À intervenção de Luís fora proporcionada por dinheiro. Não havia qualquer outra razão para os franceses exigirem do duque Valentino que afastasse seus soldados e se retirasse de todas as dependências florentinas. Para Maquiavel, isso ilustrava também como Florença havia-se tornado vulnerável. Ele podia ver que tal política de apaziguamento, assim como o sistema de comprar ajuda de Estados mais poderosos, era insustentável e perigosa, para não falar desonrosa. Não era por falta de informação ou inteligência da Signoria. Em

Roma, Agostino Vespucci era tão espião quanto diplomata. Suas car-

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tas a Maquiavel aludiam às maquinações de Alexandre e a suas pi merosas ambições, e o que ele transmitia à Signoria em mensagens codificadas era uma série de sólidos relatórios estabelecendo um Claro alerta de que Florença estava em perigo devido aos planos expansio -

nistas papais. Mas o governo florentino continuou exercendo seu jogo perigoSo, quase como se sentisse que Florença de alguma forma se mant:-

nha acima desses tristes passatempos das cidades menores, que ela

nunca seria submetida a algo tão sórdido como uma invasão; que não

fazia jus a sua dignidade copiar todos os outros e criar um exérc ito próprio. Maquiavel sabia que essa era a atitude dos superiores e privadamente previa que tal postura acabaria por destruir a República Florentina. Ainda assim, não podia fazer nada senão observar como o governo continuava a seguir os humores caprichosos do rei francês, de olho em cada movimento de Valentino. Então, no início do verão de 1501, veio uma recuperação. Forç a-

do a manter suas mãos longe de Florença, o duque Valentino resolveu ir para outro lugar e fazer conquistas mais fáceis, que ele sabia

que os franceses iriam tolerar, ao menos pelo momento. No intento de conquistar o máximo que podia antes de Luís novamente tosar suas asas, ele capturou cidade após cidade no s arredores de Florença, plenamente consciente de que, mesmo sendo forçado mais tarde a

devolver a maior parte do que conquist ava, ainda conseguiria fazer avanços a longo prazo. Mas esse cenário carregado não podia conti-

nuar por um longo tempo e, em junho de 1502, à República decidiu

tentar alguma forma de negociação por sua própria conta, arranjando um encontro entre o duque Valentin o e o mais confiável dos seus emissários, Nicolau Maquiavel. Nessa missão, Maquiavel foi acom Francesco Soderini,

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riram de Florença no dia 22 de junho, na expectativa de duque Valentino em seu acampamento, perto da cidade No meio do trajeto, na cidade de Ponticelli, encontraram que escapava em direção a Florença. Ele lhes informou

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encontrar o de Urbino. um monge que Urbino

havia caído e que o duque já estava estabelecendo sua base lá.

Vários meses antes, Vespucci alertara a Signoria de que Urbino, aliado próximo de Florença, estava sob ameaça. Agora se tornara mais um território numa lista crescente de conquistas feitas pelo duque Valentino desde o inverno, uma lista que incluía as cidades de Monte a San Savino, Cortona, Castiglione, Anghiari e Borgo San Sepolcro. Em abril, pouco antes da queda de Urbino, o estrategicamente valio-

so estado de Arezzo fora tomado por um dos capitães do duque, Vitellozzo Vitelli. Urbino era um grande prêmio. Havia sido um ducado nas mãos de uma das mais respeitadas figuras da Itália, Guidobaldo da Montefeltro, e constituía um grande bem para qualquer conquistador. Como de costume, Borgia tomara Urbino não com a força das

armas, mas por meio de logros e fraudes, neste caso com o suborno

de membros-chave da família Montefeltro, que se voltaram contra seu líder. Quando Maquiavel soube dessa notícia impressionante, mandou uma mensagem para a Signoria, antes de sair para se encontrar com o duque: “Vossas senhorias deveriam anotar esse estratagema...”, alertou, “e essa notável velocidade [de Valentino], combinada com uma extraordinária sorte”.!* O primeiro encontro entre Maquiavel e Cesare Borgia foi carregado. Os emissários chegaram em Urbino no dia 24 de junho, “na segunda hora da noite” (duas horas depois de soarem os sinos notur-

nos de Angelus), e foram escoltados imediatamente até o recém-con-

quistado palácio ducal, onde Valentino já começava a se sentir em casa. O duque confiava em pouquíssimas pessoas e estava cético em

relação às intenções florentinas. Mestre na manipulação e na estraté-

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gia, e estando no auge de seu poder, ele se comprazia muito com in. timidações e jogos políticos. Fez com que Maquiavel e Soderini fossem levados ao seu encontro diretamente de seus cavalos: as portas da sala de reuniões foram trancadas por dentro e um guarda se posicionou

em cada saída. Tudo para enervar os visitantes. Maquiavel descreveu seu primeiro encontro com o duque

Valentino numa carta escrita à Signoria imediatamente depois da reu-

nião: Este senhor é tão esplêndido e magnífico, e tão vigoroso em

questões militares, que não há empreendimento grande o bastante

que não pareça para ele uma coisa menor. Ele nunca cessa de procurar a glória ou ampliar seu Estado, e não teme nenhum esforço ou perigo: ele chega a um lugar antes que se perceba que saiu de outro; seus soldados o amam; ele recrutou os melhores homens da Itália: e tudo isso o faz vitorioso e formidável, ao que devemos agregar que é perpetuamente afortunado.” O duque não perdeu tempo explicando sua posição aos visitantes. Para ele, o único propósito de tê-los em seu palácio era deixar claras suas exigências. Ele não gostava do governo florentino em voga e gostaria de reinstalar Piero de Médici e sua família, os quais, no exílio, estavam trabalhando para ele. Piero seria um títere, com cordões

manipulados por ele. Ele também queria uma grande quantia de di-

nheiro para agir como um condottiere superior, defendendo os inte-

resses de Florença na região. “Esse governo de vocês não me agrada, € não posso confiar nele (...)”, declarou, “vocês devem mudá-lo e dar-

me a garantia de que vão observar tudo o que prometerem; senão logo

perceberão que não tenho nenhuma intenção de co ntinuar assim e, se não me querem como amigo, me enco ntrarão como inimigo”.

É fácil entender por que o duque Valentino fazia tais exi gências. Ele desejava livrar-se do governo que tinha ligações com os franceses e usar Florença como um centro de operações a partir do qual poderia estender sua influência a toda a Itá lia. É impressionante quão pa-

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recido é esse plano com o estratagema que Maquiavel aconselhara os franceses a seguir. Ele queria formar alianças com Estados italianos e exercer sua própria força no limbo entre o poder italiano e a interferência francesa. Para ele, Luís era simplesmente alguém de quem ele podia se aproveitar.

Maquiavel tinha bastante conhecimento das habilidades e do ca-

ráter implacável do homem muito antes de se encontrar com ele, mas

essa primeira reunião selou sua crença de que o filho do papa talvez fosse o homem vivo mais perigoso que existia. Os franceses eram uma ameaça constante à paz italiana, mas eram moderados pelos espanhóis em uma dupla retração superpoderosa. O próprio papa era um homem vil possuído por uma ganância ilimitada, mas seus Estados eram sempre obrigados a confiar em aliados mais poderosos para lutar por eles. Isso significava que em qualquer campanha militar tinham apenas um papel minoritário e recebiam uma recompensa modesta por qualquer vitória em que estivessem envolvidos. Através de seu filho megalomaníaco, agora Alexandre ganhava potencial para um dia gozar de um verdadeiro poder temporal e se tornar de fato um dos verdadeiros mandantes italianos. E se seu filho era capaz de criar sua

própria base de poder, podia também dispensar aqueles que eram seus

amigos só nos bons momentos.

Maquiavel percebia isso e podia visualizar o perigo que o Borgia

mais jovem representava. Respeitava o caráter forte e o dinamismo

daquele homem. Sabia que os políticos da República não teriam vez

contra ele e que, sem a França, Florença seria bastante incapaz de conter as forças dele. Essas realidades se tornaram claras para Maquiavel e Soderini durante a noite de 24 de junho, e, em resposta às exigências do duque Valentino, os emissários não podiam fazer nada além de ble-

far ao longo de toda a reunião exagerando a amizade entre Florença e a França. Mas o duque não cafa tão facilmente. “Eu sei melhor do que

vocês o que o rei tem em mente”, respondeu. “Vocês serão traídos.”

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Em particular, Maquiavel concordava. Ele tinha alguma experiên-

cia de ver a maneira como os franceses se comportavam e como enxergavam Florença, e tinha pouca fé no altruísmo de Luís. Os franceses entendiam as intenções de Cesare Borgia e suas habilidades formidá-

veis, mas estavam confiantes de que conseguiriam conter suas ambições, o que significava que Luís só protegeria a República se nela houvesse ouro suficiente para ele e se isso estivesse em concordância

com seus vastos desejos políticos. Para a sorte de Florença, a Signoria não confiava em ninguém e estava ao menos alerta em relação ao duque Valentino.

No dia seguinte à reunião, o duque mandou dois dos seus aju-

dantes mais confiáveis, os irmãos Giulio e Paolo Orsini, para conversar com os emissários florentinos. (Um terceiro Orsini, Francesco —

junto com Paolo, Vitellozo Vitelli e Giampaolo Bagliano — mais tarde romperia com o duque Valentino.) Nessa nova reunião, os Orsini alegaram que o rei francês se manteria à parte se o chefe deles atacasse Florença e assassinasse seus cidadãos, e que ele também fora assegurado de que, contanto que qualquer ataque a Florença fosse rápi do, os franceses poderiam ser convencidos a atrasar qualquer esforço de resgate que pudessem empreender. Maquiavel e Soderini ficaram tão pouco conven cidos disso quanto ficara Cesare Borgia em relação às alegações deles de terem o apoio

francês. Mas precisavam pisar cautelosamente Nesse delicado jogo

de blefe e contrablefe, Maquiavel teria de usar todas as suas capacida-

des de análise e negociação para conseguir o melhor resultado para Florença

. Numa segunda reunião com Cesare, no dia seguinte, O duque parecia irritado e frus trado com o fat o de os emissários florentinos não

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aos Médici. Se tais condições não fossem aceitas, concluiu o duque,

seu exército iria avançar para dentro da cidade no momento em que

ele decidisse. Correndo de volta à Florença e deixando Soderini para continuar

as negociações, Maquiavel transmitiu o ultimato à Signoria, que se

viu propelida a informar o rei francês sobre a ameaça do duque. Dois dias depois, tropas francesas haviam avançado por Arezzo e já estavam chegando até a fronteira: o blefe do duque Valentino fora desmascarado. Feliz por aceitar o dinheiro florentino e furioso com a ameaçadora megalomania do duque, Luís mexeu seus músculos, declatando que sua intenção de pará-lo era “uma expedição tão piedosa e

sagrada quanto qualquer outra contra os turcos” .!$ Graças a essa astuta manobra política, Florença escapara mais uma vez. A República comprara para si mais algum tempo, mas, se qualquer membro daquele governo acreditava que as ambições do duque Valentino haviam sido aniquiladas por muito tempo, Maquiavel poderia alegremente convencê-lo do contrário. Ele o vira em pessoa,

encarara-o através de uma mesa, olhara firmemente em seus olhos; o

duque Valentino, ele sabia, estaria de volta, e rápido. Percebendo que havia excedido suas possibilidades, Cesare Borgia logo cuidou de salvar alguma coisa da situação. Durante o verão e o outono de 1502, ele perpetrou um delicado jogo diplomático. Num intento de reparar a rachadura que se abrira entre si e Luís, viajou para Milão para encontrá-lo no dia 5 de agosto. Porém, antes que ele chegasse à corte francesa, muitos dos inimi-

gos de Cesare Borgia se apressaram até Luís para bajulá-lo. O duque

de Urbino foi um deles, assim como Pietro Varaon, um dos filhos do deposto lorde de Camerino. Giovanni Sforza, de Pésaro, e Francesco Gonzaga, de Mântua, também o visitaram para expressar suas quei-

xas contra o duque Valentino e para pedir a ajuda francesa em recu-

perar suas terras.

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MAQUIAVEL Luís fez para cada um deles uma promessa, em troca de ouro. Mas

os franceses também tinham consciência de que precisavam manter um

balanço de poder na Itália e que, embora fosse necessário deixá-lo sem. pre em xeque, Cesare Borgia tinha valia para eles. Por isso, quando

chegou em Milão, foi bem recebido e tratado com as devidas honrarias, Na verdade, foi tratado tão bem que os florentinos ficaram chocados

com o comportamento de Luís e alguns observadores começaram a sugerir que os franceses estavam prestes a trair a República,

Uma tal mudança de atitude dos franceses em relação ao duque Valentino também confundiu e alarmou seus próprios subcomandantes. À incerteza sobre o que havia por trás da relação era particularmente perturbadora para quatro de seus mais poderosos e influentes capitães, Paolo e Francesco Otsini, Vitellozo Vitelli (que ainda se aferrava a Arezzo, com as tropas francesas à sua porta) é Giampaolo Baglioni. Enquanto o chefe deles enlanguescia em Milão, os quatro

homens organizaram uma reunião secreta na qual decidiram romper

com ele e, mais, unir forças contrárias no momento mais auspícioso.

O duque Valentino ficou sabendo dessa conspiração enquanto combinava sua saída da corte francesa, que efetivou no dia 2 de setembro, se dirigindo agora a um novo centro de operações, localizado em uma das cidades que tomara de Caterina Sforza, Imola, oite nta quilômetros a nordeste de Florença. Antes da partida do duque, Luís

o supriu com dois mil e quinhentos soldados desarmados e mais trezentos armados, para acompanhá-lo em sua trajetória. Os Orsini, Vitelli e Baglioni haviam reuni do uma força bastante maior, consistente de cerca de nove mil soldad os e mil cavaleiros, qu e al

ém disso haviam tido tempo Para se prepar ar. Apesar de todas as suas boas idéias, no entanto, os conspira dores não possuíam a cruel-

dade de Cesare Borgia nem sua inteli gência. Quando o duque estava a ca

minho de Imola, os Orsini se aproximaram dos florentinos para ea propor uma aliança, mas a idéia foi logo rejeitada. Então se voltaram

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aos venezianos, que certamente não estavam bem-dispostos em relação a Valentino, mas, cautelosos em não tornar a França um inimigo, também eles rejeitaram as propostas dos conspiradores. Incompetentes e incapazes até de confiar um no outro (que dirá em qualquer aliado

de peso), os novos inimigos de Cesare Borgia desperdiçaram todas as

oportunidades de atacar seu antigo chefe ao longo de setembro de 1502, antes de ele ter se preparado plenamente para enfrentá-los. No fim do mês, ele já estava fora de perigo e o momento dos conspiradores havia passado. Em outubro de 1502, Maquiavel foi novamente enviado pelo governo florentino para encontrar o duque Valentino. Nessa segunda reunião, encontrou-o muito mudado em comparação ao primeiro

encontro entre eles, ocorrido quatro meses antes. No que antes o

duque fora arrogante e exigente, agora era conciliatório e paciente. Sua autoconfiança não diminuíra nem um pouco, mas ele adotara a forma de um homem razoável que preferia discutir a insistir, nego-

ciar a impingir. Ele também parecia mais relaxado, revitalizado pelas discussões bem-sucedidas que travara com Luís. Agora não houve qualquer menção aos Médici ou a dinheiro, e ele estava mais interessado em cooperar com o governo florentino. Havia dois propósitos na missão de Maquiavel na corte de Cesare Borgia, em Imola. Oficialmente, ele estava lá para dar continuidade às conversas com o duque, num esforço de construir alguma forma praticável de relação, uma aliança que fosse conveniente a Florença e oferecesse a chance de uma paz duradoura na região. À outra razão, igualmente importante, era servir de espião para a Signoria. Ficou imediatamente claro para Maquiavel que Borgia havia feito os movimentos mais acertados na corte de Luís. Também fora in-

teligente da sua parte amealhar a maior quantidade possível de terra

durante o verão de 1502, pois, embora tivesse sido obrigado a devol-

ver a maior parte dela, detinha mais agora do que antes do empenho.

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MAQUIAVEL

Maquiavel ainda tinha conhecimento de como o duque não apenas havia evitado o perigo que seus conspiradores representavam, como

rapidamente os havia utilizado a seu favor. Nunca tímido em divul.

gar seus sucessos, ele disse a Maquiavel, brandindo debaixo de seu

nariz a carta em que o rei francês prometera supri-lo com trezentos

lanceiros: “Imagine o que eu posso conseguir contra aqueles homens

que convenci o rei a ver como seus inimigos tanto quanto meus (ms

Acredite em mim no quanto isso me favorece, e que os conspiradores

podem se revelar a qualquer momento sem que isso me faça absolu-

tamente nenhum dano.” O duque estava se gabando, mas era verdade. Em apenas uns poucos curtos meses, ele revertera sua sorte com uma habilidade quase miraculosa. Não é de estranhar que Maquiavel se impresstonasse com o homem, pois ele era tudo o que os líderes florentinos não eram. A missão de Maquiavel em Imola durou quase três meses. Foi um tempo em que ele aprendeu muito sobre Cesare Borgia e sobre o refinado mundo político de que este era um dos principais atores. Em compensação, a julgar por algumas cartas remanescentes, parece que os talentos de Maquiavel também eram muito apreciados pelo duque. “Eu tenho certeza, por Deus, que você é mantido com grande honra aí (...)”, escreveu Agostino Vespucci de Roma, “você, que o próprio duque e todos os cortesãos favorecem e valorizam como homem prudente, cercando-o de honras €

de cortejos”.!8 Foi uma missão que instigou o interesse intelectual de Maquiavel mais do que qualquer outra que ele empreendera até então. Quando se deu conta de que ficaria na corte de Imol a por algum tempo, começou a fazer um Íntimo estudo de Borgia, analisando seus métodos, observando as técnicas que ele empregava e explorando as formas como dava substância aos seus pla nos. Notou como era quase para-

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nóico em relação à importância do sigilo, como usava a desinformação para ludibriar aqueles que tentavam adivinhar seus movimentos.

Observou e anotou como quase todas as suas conquistas foram feitas através de logros, da tomada de consciência das fraquezas daqueles que estavam ao seu redor — a ganância, a avareza e 0 egoísmo daqueles que identificava como homens de influência. Borgia claramente não temia, possuía uma autoconfiança inata e aliados poderosos. Além disso, não era avesso a sujar as mãos no convívio com a escória da humanidade, homens que ele empregava para seus propósitos nefandos. Mesmo assim, raramente demonstrava qualquer coragem física, e os momentos em que tomava as armas e lutava eram ainda mais

raros. Para Maquiavel, tais métodos, bastante estranhos à abordagem tradicional da maior parte dos líderes, eram a chave de sua singularidade e de seu sucesso. Muito além de seu tempo, Maquiavel perce-

beu que poucos líderes eram apropriados para lutar junto a seus

seguidores, que existia um outro tipo de comandante: o homem que medra por meio de intrigas, o mestre de xadrez que move as peças em vez de tomar pessoalmente uma posição no tabuleiro. Em todos os sentidos práticos, essa foi mais uma missão bastante difícil para Maquiavel. Numa repetição da situação que ele vivera na França dois anos antes, ele recebeu poucos fundos da Signoria e foi obrigado a recorrer às suas próprias economias para subsidiar seu estilo de vida na corte de Borgia. Como antes, ele estava nervoso com relação a sua posição na chancelaria e quase completamente dependente de seus amigos (de modo especial Biagio Buonaccorsi) para mantê-lo informado sobre os acontecimentos no mundo recluso da Signoria e para ajudá-lo no manejo das questões domésticas. Este último fator era de máxima consideração para ele. No início de outubro, enquanto se preparava para a viagem a Imola, dissera a sua mulher que estaria fora por não mais que duas semanas. Entre-

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tanto, à medida que outubro foi dando lugar a novemb ro e as semanas foram passando, pontuadas por muito menos cartas pa ra casa do que ela desejaria, Marietta foi ficando cada vez mais irr itada com ele, A frustração dela era exacerbada pelo fato de que, quas e um ano depois do casamento deles e tendo o primeiro filho pouc os meses de vida, Maquiavel ainda não pagara a Marietta todo seu dote. Durante a primeira parte da missão, Marietta tentou comunicarse com ele através de Biagio, mandando-lhe mensagens de amor e di zendo-lhe O quanto sentia sua falta. Mas depois, à medida que a tarefa se esten-

dia e não havendo notícia de quando ele es perava voltar, ela começou a se retrair e em seguida a se tornar frustrada e nervosa com o marido. “Madonna Marietta está com raiva e não quer lhe escrev er. Eu não posso fazer nada”, informou Biagio ao secretário flor entino no fim de novembro.!? Um mês depois, com o dote de Marietta ainda não pa go e ne-

nhuma idéia certa de quando a missão acabaria, Biagio reportou: “Eu vou rebolando como posso e esperando por você, por De us, muito ansiosamente, e não posso esperar. Madonna Marietta está maldizendo

Deus, e sente que jogou fora tanto seu corpo quanto suas posses. Por

sua própria saúde, arranje para ela que receba o dote como o recebem

outras mulheres, senão podemos não chegar a ver o fim disso tudo.”?º À essa altura o pró prio Biagio já perdia a paciência com Maquiavel.

Um dia depois dessa última carta amistosa, seu humor se modificara, presumivelmente porque sua última carta havi a-se cruzado com uma missiva metódica de Maquiavel. “Enf ia isso no cu”, declara Buonaccorsi numa carta de 22 de dezembro. “Nós lhe estamos mandando dinheiro e ro upa e tudo o que vo cê pede, e Madonna Marietta está desesperada.”21 de que as sementes para O Príncipe foram plantadas durante aqu ele outono de 1502 e nutridas durante as vári as reuniões de Maqu iave l

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com Cesare Borgia. À corte de Borgia era um lugar excitante e, por um curto período, também o epicentro da política italiana. Grandes líderes, militares experimentados, cardeais, diplomatas aspirantes e políticos eram todos atraídos em direção a Cesare Borgia, como mariposas a uma chama. Ele era o homem do momento.

Um dos atraídos pela excitação daquilo tudo e pelo potencial que lhe oferecia era Leonardo da Vinci. Nos seus 50 anos de idade, Leonardo estava no auge de seus poderes, sendo respeitado por toda a Itália como um grande artista e usufruindo de uma crescente reputação como engenheiro militar de gênio. Provavelmente, ele foi apresentado a Cesare Borgia pela primeira vez por Luís XII, que conhecera o artista quando os franceses invadiram Milão, em 1499. Porém alguns historiadores acham estranho esse breve contato entre Leonardo e Borgia e se perguntam como esse artista vegetariano e pacifista teria chegado até mesmo a considerar a hipótese de trabalhar para um homem renomado por sua crueldade e por sua insaciável fome de poder. Mas esse questionamento ignora o fato de que Leonardo, como quase todos os artistas da época, dependia de patronato para se sustentar. Por cerca de quinze anos, ele servira o

ditador Ludovico Sforza e, como todos os outros espíritos criativos da Renascença, não tinha condições de ser muito exigente em relação à moral de seus empregadores. Durante a maior parte de 1502, Leonardo viajou pela Itália como engenheiro de Cesare Borgia, um trabalho que o levava de uma cidade a outra, onde sugeria melhorias a serem feitas em for-

tificações e desenvolvia idéias para sistemas de defesa. Foi um ríodo imensamente satisfatório para Leonardo, que em pequeno caderno (agora chamado de Manuscrito L e mantido Institut de France, em Paris) esboçava desenhos de aparelhos

peum no de-

fensivos e de curiosas armas, questionando coisas como a melhor forma para uma pilastra ou uma muralha. Ao mesmo tempo, fa-



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zia elaboradas investigações sobre como melhor construir paredes que desviassem flechas ou protegessem de projéteis e fogo. Além

disso, criou defesas móveis, pontes que podiam ser desmontadas e transportadas por longas distâncias, mapas para túneis secretos

de escape e fortalezas com câmaras internas que permaneceriam

escondidas mesmo depois que as defesas fossem rompidas. Ao lado dessas idéias, o caderno contém descrições de invenções tão excêntricas como escudos que engolem espadas e esquemas para criar “cortinas defensivas”, capazes de desviar qualquer arma conhecida.

É provável que Maquiavel tenha encontrado Leonardo pela pri-

meira vez em novembro de 1502, em Imola, e eles se veriam em muitas

outras ocasiões subsegiientes em Florença e em Roma. Em cartas à Signoria, Maquiavel menciona “um amigo” na corte de Cesare Borgia e “outro que também está familiarizado com os segredos do lorde [Borgia]”.22 Num primeiro olhar, parece que Maquiavel e Leonardo tinham pouco em comum. Eles tinham comportamentos diferentes em muitos sentidos, pois Maquiavel fora conduzido a uma área da ativida-

de humana diametralmente o posta aos objetivos do artista. Ele estava interessado na sociedade e no poder militar; suas idéias eram gover-

nadas pela burocracia e pela busca da ordem. Contudo, olhando além dessa superfície, podemos ver muitos pontos de compatibilidade entre os dois homens. Um

nasceu

epois do outro, mas Maquiavel cresceu a alguns quarteirões de distância do estúdio 17 anos d

onde Leonardo tivera seu aprendizado. Ambos

eram florentinos €

dividiam uma história, uma cultura, um comportamento. Mais do que isso, vinham da mesma classe social, O pai de Leonardo fora um advogado, mas suas oportunidades haviam sido atrapalhadas pelo |

| gítimj o, então ele enfrenta ra as mesmas restrições que

Nicolau, cujo pai fora um de vedor de impostos. M aquiavel havia

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sido um poeta na corte dos Médici, mas sua família não apoiava as políticas deles. Leonardo não fora querido por Lorenzo, o Magnffico, e mais tarde foi altamente ignorado pelos Médici, que favoreciam seu grande rival, Michelangelo. Maquiavel era um homem de ação, um beberrão heterossexual e conquistador, enquanto Leonardo era um homossexual abstêmio que não freqientava tabernas ou bordéis. Mas Maquiavel também era cerebral e literário, com uma mente afiada. Ele era esperto,

charmoso e um maravilhoso conversador. Como Leonardo, era um autodidata e, embora sua perspectiva fosse muito diferente da maneira inspirada como Leonardo via o mundo, é muito provável que Maquiavel considerasse inspiradora a liberdade de pensamento, a intensidade e o dinamismo do artista e inventor. Eles trabalhavam em campos muito distintos, e, ao longo de sua vida, Leonardo parece não ter sentido outra coisa a não ser apatia em relação à política e às maquinações dos príncipes. Ainda assim, ele teria apreciado a clareza de visão de Maquiavel e a objetividade “científica” aplicada ao comportamento humano que mais tarde seria expresso em O príncipe. O encontro em Imola provavelmente foi breve, mas os dois homens se tornaram amigos, e Maquiavel recomendou Leonardo ao Signoria tanto como artista quanto como engenheiro. Nas últimas semanas de 1502, ciente do sentimento genuíno que existia por trás das imprecações de sua mulher e de seus amigos e sentindo saudade de casa, Maquiavel estava começando a achar que Cesare Borgia e o governo de Florença nunca poderiam trabalhar juntos. Tendo chegado a essa conclusão, ele requereu uma permissão para voltar às tarefas no Palazzo Vecchio o mais rápido possível, mas todos os seus requerimentos foram negados e disse-

ram-lhe que devia continuar observando o duque e reportando cada pedaço de informação que conseguisse, no tocante ao homem ou a

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seus movimentos. Todavia, em outra carta escrita no final de de-

zembro, o gonfaloneiro Piero Soderini disse a Maquiavel: “Alguém

será designado para tomar seu lugar lá (...) você continuará em sua

tarefa de observar bem os negócios por aí e deve escrever com fre. quência.”? Então, justo quando Maquiavel estava começando a se desespe-

rar, o duque fez um movimento inesperado contra os conspiradores que o haviam ameaçado alguns meses antes. Depois de meses de planejamento secreto, ele estava pronto para impingir sua vingança contra Vitelli e os outros. Maquiavel deixou Imola junto com as forças do duque em 20 de dezembro, viajando a cavalo até Cesena, localizada cerca de 50 quilômetros ao sudeste. Quando chegou à cidade, uma mensagem do gonfaloneiro já o esperava: “Mantenha a diligência que você exerceu até agora, ”2 Maquiavel quase nem precisava ser lembrado sobre isso e rapidamente se viu na condição de testemunha de um banho de sangue. Isso começou em 22 de dezembro. O exército do duque Valentino estava prestes a deixar Cesena a caminho de Fano, quando ele orde-

nou o assassinato de seu próprio braço direito, Remirro de Orco. De

Úrco era um capitão implacável e não menos psicótico do que o filho do papa. Desde a ocupação da Romagna pelo duque, em 1500,

ele vinha aterrorizando seus cidadãos e era, a um só tempo, temido € odiado. De Orco foi cortado em dois pedaços e despejado na praça da cidade.

Maquiavel ficou chocado com tal selvageria. Numa carta aos Dez da Guerra de Florença, declarou que o duque mostra que po de fazer e desfazer homens à vontade de acordo com seus méri tos”. Ele per-

cebeu imediatamente que, ao levar a cabo essa ação, o duqu e Valentino não estava apenas demonstrando seu poder autocrático; estava aprésentando o corpo mutilado do detestado Remirro como presente pará as pessoas que tanto sofreram sob o regime dele. Uma década depois;

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Maquiavel ainda usou o incidente como exemplo de como um líder forte mantém a ordem entre seus subordinados: Lá ele postou Remirro de Orco, um homem cruel e eficiente a quem

confiou o mais completo poder. Em pouco tempo, esse Remirro pacificou e uniu a Romagna, arrebanhando grande crédito para si mesmo. Então o duque decidiu que não havia necessidade para essa autoridade excessiva, que poderia se tornar intolerável (...). Ele se determinou a mostrar que, se crueldades haviam sido infligidas, não era por ações suas, mas causadas pela natureza severa daquele comandante. Isso deu a Cesare um pretexto; uma manhã, o corpo de Remirro foi encontrado cortado em dois no meio da piazza de Cesena, com um bloco de madeira e uma faca ensangiientada ao seu lado. A brutalidade desse espetáculo manteve o povo da Romagna apaziguado e estupefato.?

De Cesena, Borgia se dirigiu mais uma vez para o sul, em um dia de

viagem até a cidade costeira de Fano. Quando estava saindo, foi-lhe re-

portado que Paolo e Francesco Orsini e Vitelli também haviam movido suas forças. Eles haviam tomado e saqueado a pequena cidade de Sinigaglia.

O duque chegou a Fano, tomou-a sem esforço, e com um pequeno contingente saiu em direção a Sinigaglia para encontrar os conspiradores. Mandando na frente mensageiros, o duque Valentino declarou que queria agenciar a paz com seus antigos colegas. Talvez ignorantes de como era forte o exército que ele tinha ao seu comando, Vitelli e os Orsini se deixaram embalar por uma falsa sensação de segurança e

concordaram em encontrá-lo na estrada entre Fano e Sinigaglia. Nessa

reunião, o duque convenceu os conspiradores de que desejava encerrar o conflito e formar uma nova aliança. Foi o pior e último erro que os rebeldes cometeram. Uma vez passados os portões da cidade, foram rendidos pelos homens do du-

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que e aprisionados. Alcunhando-os de “dieta de falliti” (as sembléia dos fracassados”), Borgia fez com que fossem todos estrangulados,

Depois de testemunhar a deposição de Remirro de Orco em

Cesena, Maquiavel adquirira alguma noção da crueldade de Borgia, lendo seguido a ele e a seus homens até Sinigaglia, o secretário Florentino se encontrava cada vez mais no centro das coisas, à medida que o duque dava vazão a sua deslealdade. Em 31 de dezembro, CScreveu para os Dez da Guerra: “A cidade está sendo saqueada, e são

onze horas da noite. Estou extremamente preocupado. Não sei se serei capaz de encontrar alguém que lhes leve esta carta. Escreverei com mais minúcia mais tarde. Minha opinião é de que eles [os conspiradores] não estarão vivos amanhã.”2? No dia seguinte, as forças do duque seguiram para Corinaldo. Em 3 de janeiro de 1503, a força inteira chegou em Gualdo. De lá, o exército seguiu para tomar Assisi, no dia 8, e Torciano, no dia 10. No fim de janeiro parecia, para Maquiavel, que Borgia estava perdendo qualquer desejo que tivesse de trabalhar com Florença. O

emissário passara três meses tentando criar um acordo viável entre o

duque e a República e não conseguira nada. Também sentia falta de casa e estava preocupado com seu posto no Palazzo Vecchio. Depois que numerosos pedidos não encontraram ouvidos, a Signoria final-

mente aprovou o retorno de Maquiavel a Florença e acedeu ao pedi-

do do duque Valentino de negociar com um membro do governo em sl. Assim, Maquiavel se dirigia para casa e Jacopo Salviati, um a das lideranças da Signoria, assumia a ingrata tarefa de tentar criar uma

aliança entre o duque e o governo florentino.

Maquiavel voltou para casa no dia 23 de janeiro e tentou, da melhor maneira que pôde, fazer as pazes com Marietta e passar algum tempo com Primerana, que tinha só qu atro meses de idade quando ele partira para Imola. De volta à chancelaria, ele foi interrogado por Piero Soderini e seus colegas, e, quando co nseguia encontrar tempo, come-

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çava a desemaranhar a espantosa teia de eventos que vivenciara. Dessa contemplação surgiu um primeiro rascunho para O príncipe, um rela-

to detalhado dos acontecimentos de Sinigaglia intitulado Descrizione del modo tenuto dal Duca Valentino nellammazzare Vitelloso Vatelli... (Descrição do método usado pelo duque Valentino para matar Vitellozo Vitelli...). Um documento baseado nos fatos, num estilo quase

jornalístico, que resultava numa leitura bastante deprimente. O perigo que Borgia representava não havia passado: estava apeFloem m gué nin o, temp to quan Por o. temp um por te men dor nas s cese fran os com imas próx mais ções liga java dese papa O a. sabi rença os ra cont tar mili ha pan cam uma sem ças lan eles que e queria venezianos, que mais uma vez estavam fazendo incursões na convul-

sa Romagna. Chegada a primavera de 1503, Alexandre se tornara

impaciente com Luís e reclamava da intransigência do rei. Enquanto isso, a França e a Espanha estavam em conflito por Nápoles, e o papa começava a fazer aberturas clandestinas para os espanhóis. Maquiavel acreditava que esse era um desenvolvimento bastante perigoso das coisas, algo que tinha potencial para desestabilizar a frágil balança de poder. Através de Agostino Vespucci, que estava em Roma, ele empreendeu vigorosos esforços para alertar seus chefes sobre o problema que surgia, mas suas opiniões foram completamente ignoradas. Compreendendo mal o fato de que os principais poderes pareciam estar perdendo interesse em Florença, o governo florentino, para desgosto de Maquiavel, decidiu criar um exército para voltar a atacar a velha adversária Pisa, e gastar dinheiro e recursos em mais uma tentativa de reconquistar o domínio perdido. À Signoria estava ignorando o quadro maior, sem perceber que, à medida que passava o verão, o esquema de Alexandre ia se intensificando. Em julho, ele já deixava claro que agora era aliado dos espanhóis e descartava os franceses.

Vespucci manteve a Signoria informada sobre essas mudanças, mas ele simplesmente o ignorou.

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MAQUIAVEL Era Óbvio que o papa estava se preparando para uma grande de-

monstração de poder — no que teria se tornado uma das bélicas mais incendiárias da época. Tentando colocar um contra o outro, ele incitava o conflito e, se o destino não dado de interromper suas ações, poderia ter precipitado

campanhas superpoder tivesse cuiuma guerra

geral na Europa em 1503. Na noite de 10 de agosto, durante um jantar em Roma, numa tentativa de envenenar um de seus opositores políticos, o cardeal Adriano di Corneto, em vez disso Alexandre obteve sucesso em se matar e em deixar seu filho Cesare desesperada-

mente doente. O papa, num estado de abjeta agonia, levou sete dias para morrer, enquanto Cesare lutava contra uma febre e dores de estômago excruciantes. Ele conseguiu sobreviver, mas muito enfraquecido pelo veneno. Maquiavel, que ouviu com detalhes tudo sobre o incidente pelas

palavras de Vespucci, percebeu imediatamente que se tratava de um fato significativo e, convencido de que a Signoria deveria mandá-lo como emissário (e como espião), aprontou-se para partir. Porém, de

modo típico, seu governo não viu urgência particular na situação e preferiu não mandar qualquer emissário ou novo representante ao Vaticano. Outros poderes não foram tão lentos em responder ao choque pela morte súbita de Alexandre. Luís imediatamente mobilizou suas for-

ças, desviando-as de uma entrada Planejada em Nápoles para, em vez disso, confrontar os espanhóis. Poucos dias depo is da morte do papa, um grande exército francês acampava fora dos muros de Roma, esperando os resultados do conclave, a assembléia de cardeais encarregada de escolher seu sucessor.

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votos, o Colégio decidiu eleger um candidato conciliatório, o prematuramente velho e doente cardeal Francesco Piccolomini. Em 22 de setembro, ele assumiu o nome de Pio III, em homenagem a seu

tio, e foi coroado em 8 de outubro. Dez dias depois, morreu. A morte de Pio emitiu ondas de choque pela Europa e até a Signoria respondeu com prontidão. Vinte e quatro horas depois de a notícia chegar em Florença, em 20 de outubro, os Dez da Guerra recuperaram a idéia de mandar Maquiavel a Roma, e, já no amanhecer do dia 24, ele estava na estrada. Oficialmente, sua missão era ob-

servar e reportar a escolha do novo papa, mas ele levava cartas de apresentação para todas as figuras importantes de Roma. Incluindo os três principais candidatos ao papado: Giuliano della Rovere, que

agora era o favorito; Georges d Amboise, que ele já conhecia bem: e

Ascanio Sforza, o irmão de Ludovico Sforza (1/ Moro), o deposto duque de Milão. A agenda real de Maquiavel era observar Cesare Borgia como

um falcão e reportar à Signoria cada detalhe de seus movimentos, pois estava claro que o resultado da eleição selaria o destino do duque e, com ele, o futuro da República Florentina.

Maquiavel encontrou uma Roma em total sobressalto: todos os assuntos de Estado haviam sido paralisados enquanto os cardeais empreendiam o conclave. Como filho do papa morto, como poderoso agente com influência na corte francesa e como cardeal por direito, Cesare Borgia era o centro desse redemoinho político. O duque Valentino é bastante amanhado por aqueles que querem ser o papa...”, relatou Maquiavel aos Dez da Guerra logo depois de chegar à cidade; “os cardeais espanhóis, seus favoritos, e muitos outros cardeais vão ao

seu encontro todo dia no castelo, de modo que se pensa que, quem quer que se torne papa, deverá algo a ele, assim como ele vive na esperança de ser favorecido pelo novo papa”2 Borgia tinha consciência de que o resultado da eleição tanto modificaria a face da política italiana como determinaria seu próprio

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futuro. Ele sabia, assim como Maquiavel, que se tratava do embate

de sua vida. Ainda assim, desde o começo parecia haver algo de estra . nho com o jovem duque. Algo havia mudado. Provavelmente, pela primeira vez em sua vida, ele se tornara indeciso, inseguro. Maquiavel ficou chocado com essa mudança de caráter e confuso com as deliberações de Borgia sobre a eleição. Pensava que o duque

deveria ter colocado seu peso por trás de um cardeal pouco conhecido,

um homem que ele pudesse manipular para seus próprios prop ósitos. Tendo falhado essa tática, um apoio para o protegido de Luís, braç o direito do rei francês, Georges d' Amboise, talvez tivesse firm ado a relação de Borgia com a França e lhe trazido o favorecimento do rei. Porém, para a surpresa de todos, em vez disso o duque usou sua influência para ajudar a eleger o cardeal Giuliano della Rovere, um homem que sempre fora avesso aos Borgia, sujeito rancoroso que havia sido injustamente tratado por Cesare e Alexandre em numerosas ocasiões. Maquiavel sabia que esse era um grande erro e mais tarde escreveu sobre ele: “O duque só merece censura no caso da eleição do papa Júlio, pois fez uma má escolha (...). Não sendo capaz de conseguir um papa que apreciasse, ele poderia ter evitado que o papado caísse nas mãos de alguém que não apreciava; e nunca deveria ter permitido a eleição de um dos cardeais que ele havia prej udicado, ou um a quem tivesse provocado medo. Os homens provocam dan os contra você ou porque o temem ou porque o odeiam.,”?

a congregação. Para aqueles que o apoiaram na eleição, ele prometera tantas coisas que não poderia ter honrado sequer um a parte delas, nem mesmo se quisesse. Acredita-se que o preço de Ce s are Borgia tenha sido o estabele cimento de toda a Romagna como seu principado. Della Rovere O

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convencera de que seria dele, mas estava mentindo e, dessa forma,

incitando o curso de uma traição. Para o espanto de Maquiavel, Borgia, conhecido por toda a cristandade por seus métodos corruptos e traiçoeiros, colocara seu desti-

no nas mãos de um homem que sabia ser inimigo mortal de sua família e estava realmente convencido de que o cardeal manteria sua palavra.

“O duque se permite arrebatar por sua corajosa segurança e acredita

que as palavras dos outros são mais confiáveis do que as suas”,? escre-

veu aos Dez da Guerra. Novembro de 1503 foi um mês negro para Borgia, e Maquiavel não podia fazer nada senão assistir surpreso a como o homem que ele havia considerado “um esplêndido e magnífico lorde” parecia estar desorientado, confuso, e era facilmente abusado e manipu-

lado pelo novo papa. “Os negócios do duque sofreram mil mudanças...”, observou, “e é verdade que têm ido continuamente de mal a pior”?! Maquiavel não foi o único a testemunhar a súbita degeneração das fortunas de Borgia. O cardeal de Volterra, Francesco Soderini,

visitou o duque logo depois da eleição de Júlio II e o encontrou “variável, irresoluto e desconfiado, e incapaz de consistência em qualquer opinião (...) seja porque assim é por natureza, seja porque esses reversos de fortuna o deixaram estupefato”. Outro visitante escreveu que “ele estava fora de si, porque sequer sabe o que ele mesmo quer fazer, tão envolvido em si mesmo que está, e tão irresoluto”.32

Gradualmente, a perplexidade de Maquiavel converteu-se em

desprezo. Ele havia pensado que Cesare Borgia era o exato modelo do príncipe cruel e todo-poderoso, mas agora já o via como uma chama extinta. No fim de novembro, apenas três meses depois da morte

de seu pai, Cesare era, na visão de Maquiavel, um homem cujos pe-

cados “levaram pouco a pouco à penitência. E assim, polegada por polegada, o duque vai escorregando para dentro da tumba”.

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MAQUIAVEL

Borgia sabia que o jogo estava acabando. Circulavam rumores de que ele fora assassinado, de que seu corpo havia sido arrast ado pelo Tíber ou de que ele escapara de Roma para se re agrupar com seu exér. cito, quando na verdade ele estava tentando se agarrar aos últimos

vestígios de seu aceitou devolver havia derrotado Nos últimos

poder. Depois de duras negociações com Júlio, ele seus domínios na Romagna para os governantes que apenas um ou dois anos antes. dias de novembro, Borgia finalmente escapou de

Roma. Fora da cidade, encontrou-se com um pequeno ma s bem-armado exército de leais seguidores. Porém, ainda assim, nã o conseguia

decidir o que fazer, e sua indecisão lhe custou caro, Seus mu itos crimes, assim como os do seu maldoso pai finalmente vinham a público em Roma, e por toda a Furopa nobres depostos, chefes de igreja, vítimas vingativas e íntegros líderes clamavam para que ele fosse preso e escalpelado ainda vivo. Numa carta para seu governo, Ma quiavel deixou claro que a prisão de Borgia seria vantajosa para eles. “Assim que ele for preso...”, declara, “Seja vivo ou morto, cada um poderá pensar nas suas próprias questões”34 À tentativa de fuga de Borgia falhou miseravelmente, assim como tudo o mais falhara para ele naquela estação imperdoável. Para o de-

leite do exultante Júlio II, ele fo; detido não long e das muralhas da cidade e trazido acorrentado até Roma. Com genu ína ironia, este novo

papa — um homem talvez apenas um pouco menos devasso do que Alexandre ou Cesare — declarou: “Agora que ele está detido, temos à oportunidade de revelar todos os cruéis roubos , homicídios, sacriléBlos € Outros intermináveis males que por onze anos foram cometidos em Roma, contra Deus e o homem.”35 Maquiavel estava lá assistindo quando o prisioneiro foi conduzido para as prisões do Vaticano. A essa altura já recebera ordens de

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ensombrecendo um dos mais infames homens de sua e de qualquer época, acontecera em pouco mais de 18 meses. A vida negra de Cesare Borgia se aproximava do fim, e em quatro anos ele estaria morto,

assassinado em 1507 por bandoleiros na estrada, quando a caminho da corte de seu cunhado, o rei de Navarra, aonde fora enviado em exílio por Júlio, o homem a quem ele confiara tolamente seu destino. Para Maquiavel, aquela aventura inteira fizera mais para moldar seu pensamento e sua visão política do que qualquer outra coisa que tivesse experimentado até então. Para ele, o Borgia que representaria o modelo imutável para o príncipe era o que pavoneara arrogantemente pela Romagna. O homem patético e quebrado que fora danificado pelo veneno e em seguida derrubado por inimigos poderosos, que empregaram as mesmas armas que ele usara, não fazia parte do quadro. O dia em que Cesare Borgia foi aprisionado, em 5 de dezembro de 1503, foi também o dia da coroação de Júlio. A despeito de algum receio em relação à eclosão da praga, Maquiavel permaneceu em Roma o bastante para testemunhar o evento. Terminada a cerimônia, concluiu seus afazeres na cidade, cumpriu com suas obrigações finais como diplomata ao organizar futuras reuniões entre a Signoria e os novos donos do poder no Vaticano e partiu para Florença. À essa altura Maquiavel estava contente de chegar em casa. Ele havia ficado fora por quase oito semanas. Durante esse tempo, Marietta dera à luz o segundo filho deles, a que deram o nome de Bernardo, em homenagem ao pai de Nicolau. À cidade que agora Maquiavel deixava se alterara radicalmente durante os três meses desde a morte do papa Borgia, e com ela todo o mapa político da Itália mais uma vez fora redesenhado. Maquiavel havia aproveitado o privilégio de testemunhar a passagem entre duas eras. O poder dos Borgia na Itália se havia esmigalha-

do de modo surpreendentemente fácil. Os florentinos estavam

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MAQUIAVEL

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compreensivelmente aliviados com a queda inesperada do duque

Valentino, mas Maquiavel continuava justificadamente cauteloso. A transição entre duas épocas era, segundo ele entendia, um tempo

perigoso, cheio de instabilidade política e incerteza. E Flo rença, ele também sabia, havia experimentado nos últimos anos uma cota ra-

zoável de situações de alto risco. Ao conseguir ver e analisar com tal clareza, ele nunca podia descansar trangúilo ou, depois de tud o o que

aprendeu, se sentir confiante em relação à habilidade de Floren ça de escapar intacta das vicissitudes que se escondem em cada esq uina,

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5 A Cause Célêbre de Maquiavel

Ao longo do verão de 1502, entre as duas missões de Maquiavel na corte de Cesare Borgia, Florença passou por uma mudança constitu-

cional havia tempos necessária. O governo da cidade havia sido livremente baseado no sistema veneziano, em que pequenos conselhos respondiam a um grupo de ministros, a Signoria, encabeçada por um gonfaloneiro. Agora, as figuras mais influentes na vida política da

cidade, os ricos proprietários de terra e a nobreza — chamados de

ottimati, ou cidadãos principais —, adoraram refinar o sistema político e adotar uma forma de governo ainda mais próximo do paradigma veneziano, ao ter um gonfaloneiro que dispusesse do cargo de modo vitalício. Alguns dos ottimati apoiaram uma revisão completa do sistema de governo florentino, incluindo a eliminação de muitos dos conselhos e comitês e uma modernização da estrutura, talvez incorrendo

em um governo de duas bancadas, mas concordou-se que tais reformas seriam radicais demais. Em vez disso, acreditando que o novo sistema poderia guiar melhor a República na Itália moderna, estabe-

leceram uma forma de presidência em que o chefe de Estado pudesse

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MAQUIAVEL

reter a posição por toda a vida: com efeito, tratava-se da adoção do

papel do doge veneziano.

Acontecimentos recentes haviam cristalizado o pe nsamento dos

membros radicais entre os influentes ottimati e acelerado o mo vimento

em direção à reforma. À cidade acabava de passar por um dos mais violentos e tumultuados períodos de sua história. Desde a perda dos Médici — que haviam sido líderes vitalícios sem um ma ndato oficial —, Os florentinos haviam sofrido sob a tirania de Sav o narola, os ditames dos franceses, as ameaças dos Borgia e uma cor rente constante de humilhações militares e políticas. Maquiavel percebera muito tempo antes que parte dessas desditas se devia ao sistema de governo de Florença. E só agora, acometidos por tal miséria, os ref ormistas eram

capazes de começar a fazer mudanças. O homem escolhido a partir de uma lista de 236 candid atos e eleito para o posto de primeiro gonfaloneiro vitalício foi Piero Soderini. Nascido em Florença em 1452, cinco semanas depois de Leonardo da Vinci, Soderini havia se envolvido com à política desde tenra idade, Sua família havia sido grande rival dos Médici; o pai de Piero, Tommaso, fora gonfaloneiro cinco vezes no século anterior, €

seu tio, Nicolau, liderara um fracassado levante contra Cosimo de Médici, em 1465. Embora alguns dos demais otimati enxergassem essa eleição do Grande Conselho como uma escolha conciliatória,

Soderini era bastante popular entre o povo de Florença. “Vendo que 3

» Comentou o historiador coetâneo France sco “



Guicciardini, “eles pensaram que ele só podia ser mais capaz do que os outros. ! Em outras palavras. Soderi ni era considerado um político hábil e não havia sido escolhido simplesmente porque, como era c =

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2]

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omum na política florentina, es ninguém mais queria assumir a responsabilidade.

A CAUSE CELÊBRE DE MAQUIAVEL

129

Para Maquiavel, a eleição de Piero Soderini veio a ser um dos acontecimentos mais importantes de sua carreira. Maquiavel já era um bom

amigo do irmão do gonfaloneiro, Francesco Soderini, o bispo de

Volterra. Eles haviam viajado juntos à corte de Cesare Borgia em junho de 1502 e Francesco fez muito para promover a carreira do secretário e levar adiante as idéias dele. Antes de se tornar gonfaloneiro,

Piero Soderini fora uma das figuras mais poderosas do Grande Conselho e um homem que apreciava não só o discernimento político de Maquiavel, como também a elogiiência e a habilidade literária que ele costumava demonstrar em documentos e correspondências oficiais durante suas missões no exterior. Poucas semanas depois de as-

cender ao poder, já pedia a ajuda de Maquiavel e empregava suas habilidades como analista e escritor. O respeito por Maquiavel sentido pelos irmãos Soderini é muito fácil de verificar na correspondência remanescente. Ao mesmo tempo que Piero escrevia para instruir

Maquiavel a observar cada movimento feito por Cesare Borgia, o duque Valentino, durante seu tempo de emissário na corte de Imola, também escrevia comentários pessoais e se referia ao seu ajudante mais confiável como “querido amigo”, frequentemente usando o tratamen-

to familiar “tu”.? Uma das primeiras tarefas de Soderini era reorganizar o sistema político o mais inteiramente quanto a constituição permitisse. Talvez mais do que qualquer outra pessoa com exceção de Maquiavel, ele percebia que muitos dos problemas que a cidade enfrentava e aos quais sobrevivia parcamente haviam sido causados por amadorismo político. Numa carta a Maquiavel, admitiu: “Nós encontramos a cidade muito desorganizada no que concerne ao dinheiro, à distribuição e a muitas outras coisas.”? Contudo também percebia que as coisas haviam piorado pela falta de habilidade de seus pares em comunicar-se devida-

mente com os cidadãos influentes de Florença que não participavam

do governo.

130

MAQUIAVEL

Para seu próprio proveito, ele foi rápido em dar-se conta do valor e do escopo das capacidades de Maquiavel e o usou para influenciar a mentalidade de seu governo e da nobreza que o elegeu. Em novembro de 1502, o gonfaloneiro leu para o Grande Conselho um discur.

so escrito por Maquiavel intitulado Palavras a serem ditas sobre a le; de

apropriação de dinheiro, precedidas por uma pequena introdução e justificativa. Soderini precisava gerar fundos para financiar seus planos de reforma e esperava que a combinação de seus próprios poderes como orador com o dom da linguagem de Maquiavel convencesse

seus pares. À parceria foi um sucesso, e Soderini obteve aprovação e financiamento. Mas Maquiavel, apesar de empolgado com tal sucesso, via isso apenas como um dos passos a serem dados. Sim, ele percebia que ganhar dinheiro e aprovação para melhorar a máquina de governo era uma importante evolução para Florença, e uma grande possibilidade de melhora do desajeitado sistema empregado até essa reforma, Mas também sabia que a fraqueza política de Florença derivava primordialmente de sua impotência militar. Com Soderini agora no poder e do seu lado, acreditava que era o momento certo para come-

çar a fazer um lobby por reformas mais radicais.

Maquiavel certa vez alegou que Os discursos haviam sido moldados por sua “longa experiência com as coisas modernas”. Muitos anos

antes de ele poder dizer isso sobre seu mais famoso tratado, poderia ter usado a alegação igualmente bem para justificar sua convicção de que Florença precisava de um bem equipado e bem treinado

exército de cidadãos. Ele vira como o exército de Cesare Borgia havia tão facilmente varrido a Itália. Testemunhara em pr imeira mão O imenso músculo da França, o sofisticado exército de um superp oder pan-europeu, e pudera ver como Ven eza, a única outra República da Itália, havia usado com grande efeito se u poderoso exército e sua forte marinha.

A CAUSE CELEBRE DE MAQUIAVEL

13]

Embora Veneza empregasse condottieri estran geiros, a maior parte de suas forças militares estava sob o controle de comandantes

venezianos, e todos eram supervisionados de perto e cautelosamente pelo conselho legislativo e pelo doge. Em 1495, Veneza, com uma

população de cerca de 200 mil habitantes, ostentava um exército de 15.500 cavaleiros, 24 mil homens de infantaria e 3.300 membros do que hoje chamaríamos de “forças especiais”. Além disso, a cidade sustentava ainda uma equipe naval de 36 mil homens, manejando 45

galeras perfeitamente equipadas, com mais 16 mil pessoas trabalhando como construtores navais.

Durante a primeira década do século XVI, a população de Florença era quatro vezes menor do que a de Veneza, e nem Maquiavel imaginava que sua cidade poderia competir militarmente com a República Veneziana. O que ele queria era uma força independente, feita de florentinos, para proteger Florença. Deixou isso claro em O prín-

cipe, quando escreveu: “Digo que, em meu julgamento, só se sustentam os príncipes que têm suficiente poder ou dinheiro para reunir um exército capaz de rivalizar em uma batalha contra qualquer agressor,” Sabendo que seria extremamente difícil para ele convencer o governo florentino de que era necessária uma milícia, Maquiavel aproveitou todas as oportunidades que encontrou para transmitir sua opinião às pessoas mais influentes de Florença. Seu método versátil e direto era escrever discursos para o gonfaloneiro. “Toda cidade, todo Estado, deve considerar seus inimigos a todos aqueles que possam ambicionar tomar posse de seu território e contra os quais ela não pode se defender”, disse ele ao Grande Conselho através de Soderini.* “A sorte não muda o destino quando não há mudança de procedimento...”, declarou em outro discurso escrito para o gonfaloneiro, e os céus não querem ou não são capazes de proteger uma cidade determinada a cair. Sequer consigo acre-

E

MAQUIAVEL

ditar nessa queda, quando vejo que vocês são florentinos livres e que sua liberdade está nas suas próprias mãos. Pois verdadeiramente

acredito que vocês terão tanto cuidado com essa liberdade quanto o que sempre tiveram aqueles que nascem livres e esperam viver livres& Mais uma vez empregando um discurso de Soderini para o Grande Conselho, Maquiavel insistiu em alguns pontos de vista ao oferecer aos conselheiros um fragmento de história recente apresentado

como parábola. Tratava-se da queda de Constantinopla diante dos

turcos, em 1453. Pouco antes de as forças turcas atacarem, o impe-

rador suplicou para que o povo criasse, por meio de impostos, os fundos necessários para construir o exército da cidade, para que pudessem se defender contra os invasores. Em vez de apoio, tudo o que conseguiu foi ser ridicularizado. Alguns meses depois, quando as balas de canhão turcas foram lançadas e começaram a romper as muralhas da cidade, os cidadãos de Constantinopla correram em direção ao imperador para oferecer a ele quanto dinheiro quisesse: “Vão embora e morram com seu dinheiro”, disse ele, “já que não quiseram viver sem ele”? O irmão de Piero Soderini, Francesco, era o mais dedicado seguidor de Maquiavel na proposta de construir uma milícia de cidadãos,

mas tinha consciência de como o povo de Florença resistia a tal idéia. Em maio de 1504, declarou a ele numa carta: “A argumentação contrária à milícia não é boa em se tratando de uma coisa tão necessária

e tão clara, e eles não podem suspeitar dessa força, que não será cria-

da pela conveniência privada, e sim pela pública, Não desista, pois O favor que não é concedido num dia tal vez O seja em outro.'* Eram palavras encorajadoras, e Maquiavel se sentia confiante de que podia emplacar a reforma,

Mas no outono de 150 4 seus Planos pareceram afu ; nda r com pletamente, pois o apoio que Pi ero Soderini havia conseguido e

A CAUSE CELÉBRE DE MAQUIAVEL

133

até aqueles conselheiros que pareciam estar se convencendo da idéia começaram a recuar. Isso fica claro na carta de Francesco Soderini e em suas alegações de por que não deveria haver objeção ao es-

nça suspeitava Flore de povo o que é fato O avel. Maqui de uema 1 de qualquer um que pudesse amealhar um potencial para estabelecer uma ditadura. Agora tinham um gonfaloneiro com cargo vitalício e ficavam nervosos com a idéia de que ele pudesse querer criar um exército para seus próprios propósitos, mais do que para benefício da cidade. Francesco Soderini o descrevia, contudo,

como uma força criada “não pela conveniência privada, e sim pela pública”.? Mas fazia quase duzentos anos desde a última vez que Florença tivera seu próprio exército e alguns dos florentinos mais proeminentes e influentes temiam que o gonfaloneiro usasse essa possível força, como disse um nobre, “para remover os cidadãos que fossem seus inimigos”.!º Maquiavel vinha apelando aos florentinos através de parábolas, de exemplos e de uma lógica pungente organizada com palavras cautelosamente escolhidas, mas a resistência deles não era intelectual. Pelo

contrário, derivava de um medo e de uma memória mal-interpretada. Desde a morte de Lorenzo de Médici, eles haviam visto Savonarola estabelecer-se como ditador e podiam ampliar o olhar até Milão para ver a maneira como Ludovico Sforza estabelecera seu Estado autocrático. Nesse cenário, por alguma razão, escolheram ignorar o exemplo de Veneza. Piero Soderini estava na situação difícil que todo político tem de viver em algum momento de sua carreira. Ele apoiava as idéias de

Maquiavel e fizera muito para divulgá-las, mas durante o verão e o

outono de 1504 começou a perceber que a maioria dos conselheiros se opunha terminantemente ao conceito de exército independente florentino e sabia que, para salvar sua carreira política, precisava se

distanciar do esquema de Maquiavel.

134

MAQUIAVEL Francesco Soderini, agora cardeal, pediu desculpas pelo seu irmão

em cartas privadas para Maquiavel. “No que concerne ao recrutamen-

to”, escreveu em outubro de 1504, “nós temos a mesma opinião, mas lamentamos, porque a pessoa cujo entusiasmo você diz que esfriou [Piero Soderini] o fez para afastar a oportunidade daqueles que querem falar e fazer mal e interpretar o bem público como se fosse um bem privado”. Mestre em análise política, Maquiavel tinha consciência disso sem

que Francesco precisasse lhe explicar, mas tal conhecimento não aju-

dava a mudar os perigos que Florença enfrentaria se continuasse a ignorar os ventos cambiantes da política moderna. Como disse Maquiavel ao Grande Conselho através de Soderini: “A sorte não muda o destino quando não há mudança de procedimento.” Mas a sorte ainda iria ajudar Maquiavel a convencer todos, exceto os mais teimo-

sos e desconfiados, de que chegara a hora de ao menos dar uma chance ao esquema que ele propunha.

A morte do papa Alexandre VI, em 1503, transformara muito mais vidas do que a de seu amado filho. A política italiana, sempre uma combinação volátil pronta para se inflamar com a menor das faíscas, caiu em desarranjo com a eleição de Júlio II. Os delicados estados de cheque e a balança de poder cautelosamente monitorada haviam mudado, e os gananciosos e avarentos imediatamente aproveitaram

suas oportunidades de ganho pessoal. Através deles, Estados eram movidos para agir e novas incertezas afetavam a vida de cada cidadão europeu. A estabilidade da República Florentina estava mais uma vez sob ameaça de forças estrangeiras. Com Cesare Borgia efetivamente neu-

tralizado por Júlio II, os venezianos — que sempre haviam conside-

rado a Romagna quase uma extensão de seu Estado — não tiveram

qualquer receio de mandar suas forças para a reg ião, a fim de tirar vantagem daquele novo vácuo de poder. Os antigos governantes da

A CAUSE CÉLEBRE DE MAQUIAVEL

135

região, nobres insignificantes que haviam sido desapossados pelo

duque Valentino, estavam naturalmente ansiosos por tomar de volta

seus domínios perdidos e muitos haviam recebido promessas nesse feio tend mo mes via, Toda oa. pess em papa novo pelo s feita centido,

to tais promessas, Júlio agora contemplava a possibilidade de tomar a Romagna para si mesmo. Para complicar ainda mais a situação, à medida que parecia cada vez mais provável um enfrentamento entre Veneza e o Vaticano, no



fm de dezembro de 1503, três semanas após a coroação do novo papa,

a receosa paz entre os dois superpoderes da Europa, França e Espanha, chegou ao fim na batalha de Garigliano, perto de Cassino, no centro-sul da Itália. Em parte por causa da superioridade da infantaria espanhola, mas também graças às habilidades de seu comandante, Gonzalo Fernández de Córdoba, os espanhóis alcançaram uma vitória retumbante em Garigliano. (Garigliano foi o cenário de numerosas batalhas cruciais desde os tempos antigos. Seiscentos anos antes desse conflito, em 915, uma aliança entre a imperatriz Zoe Carbospina e o papa João X conduziu a uma retumbante vitória em outra batalha de Garigliano, que encerrou a ameaça arábica na Itália. Quase quinhentos anos depois da grande vitória espanhola

sobre os franceses, entre novembro de 1943 e maio de 1944, uma série de batalhas entre os Aliados e as forças do Eixo, próximo a Garigliano, permitiu que os Aliados seguissem a Roma para a consequente libertação da Itália.) Tendo Florença formado vínculos

tão próximos com Luís, a derrota dos franceses causou choque e desalento no Palazzo Vecchio. Acontecendo no mesmo instante

em que aumentava o receio em relação ao crescente interesse

veneziano na Romagna — o que colocava uma ameaça direta aos

interesses florentinos —, significava que Florença mais uma vez

estava em perigo. Os otimistas supunham que os franceses iriam

136

MAQUIAVEL

querer criar vínculos ainda mais estreitos com Florença e com outros poderes, formando alianças para resistir aos espanhóis, mas outros acreditavam que eles se fechariam para proteger seus próprios interesses, permitindo que os inimigos de Florença, especial. mente os venezianos, fizessem o que quisessem. No meio de tal tumulto, os florentinos mais uma vez decidi ram

tornar as coisas ainda piores ao voltar à velha querela com Pisa. A disputa pela cidade vinha ficando em segundo plano há anos, à medida que preocupações militares mais importantes — precipitadas pelos Borgia, por Luís, pelo papa, pelos venezianos e pelos esp anhóis — ganhavam destaque. Mas, de repente, a que stão de Pisa

estava intimamente ligada à fermentação da crise na Romagna, poi s ficava claro para a Signoria que Pisa estava completamente aberta ao ataque de Veneza, que, se bem-sucedido, seria um desastre para

Florença. Isso incitou a Signoria a colocar Pisa no topo da lista de prioridades e a tentar eximir-se dos problemas que ela causava de uma vez por todas.

Usando os caros mercenários habituais, em abril os floren tinos

cercaram Pisa, queimaram o campo ao redor da cidade e retomaram a vila vizinha Librafatta. Percebendo que nenhum sítio da cidade daria certo a não ser que os pisanos deixassem de receber

suprimentos pelo mar — os quais adquiriam dos genoveses, que queriam criar um rápido ducado —, os florentinos postaram seus

próprios barcos na boca do rio Arno, que pass a pela cidade. Mesmo assim, Os pisanos não mostraram qualquer sinal de capitula-

ção. Meses se passaram, e os florentino s começaram a se sentir Ição. Logo ficou patente que o cerco estava falhando e — tendo pouco estômago para um ataque definitivo a Pisa, que poderia acabar expondo os florentinos aos inimigos

mais poderosos de todos os lados — o gove rno percebeu que havia chegado a um impasse. Foi então que alguém propôs a idéia

A CAUSE CELEBRE DE MAQUIAVEL

137

radical de desviar O fluxo do Arno para, em vez de atravessar Pisa,

ele fosse em direção a Leghorn e transformasse em charco a terra em volta de Pisa.

É possível que Maquiavel tenha sido a fonte dessa idéia, mas, apesar de ele ter advogado pelo projeto e trabalhado duro nele durante o

verão de 1504, não há evidência documental para provar que tenha sido de sua própria autoria. O certo é que, em desespero, o governo abraçou o projeto com toda a força. Foi encorajado para isso tanto por Maquiavel quanto pelo homem que desenhou a maneira como seria possível desviar o rio, Leonardo da Vinci. Em junho de 1504, Leonardo visitou a área em volta de Pisa e desenhou mapas da região;

apesar de a Signoria ter gastado algum tempo analisando planos e propostas de outros engenheiros, foi — graças em grande parte à influência de Maquiavel — o esquema de Leonardo que acabou sendo implantado. Leonardo vinha pensando há muitos anos em usar recursos naturais em situações de guerra, tendo proposto aos venezianos, em 1500, um método de defesa contra os turcos baseado em criar uma enchente no vale de Isonzo ao represar o rio. Para o problema de Pisa, Leonardo aplicou o mesmo pensamento e sugeriu que o Arno fosse desviado para alguns quilômetros de distância da cidade. Isso provocaria, argumentou ele, o duplo efeito de privar a cidade de água e de

seu porto, o que faria com que se entregassem muito mais rápido do

que com os outros métodos empregados até então.

O esquema foi iniciado em agosto com todos os recursos que a

Signoria podia reverter de outras frentes. Inclufa construir uma imensa

barreira de madeira que cortasse o Arno e cavar dois enormes rúneis

de cerca de 13 quilômetros que levariam a água a um grande lago, e logo ao mar, cortando-a antes de que chegasse a Pisa. Em um relatório escrito alguns meses depois, o assistente do secretário florentino Biagio Buonaccorsi descreveu o início do projeto: 4

138

MAQUIAVEL Nesse ponto, considerou-se desviar o rio Arno para longe de Pisa, conduzindo-o para o Stagno di Livorno, pois ficara demonstrado com boas razões que, além de privar os pisanos de sua fonte de vida, os que estavam empreendendo este projeto ainda beneficiariam imensamente nossa cidade. Dessa forma, tomada a decisão de em-

preender o projeto, um acampamento foi armado em Riglione depois de cortada a forragem, e o Maestro d'Acque Colombino fo; convocado e indagado sobre o que seria necessário para completar o empreendimento. Ele pediu dois mil trabalhadores por dia, equipados com madeira necessária para construir uma represa, de modo a reter o rio e desviá-lo por duas grandes valas sobre as quais o Arno fluiria. Foi planejado que elas fossem até Stagno; e ele prometeu que o empreendimento poderia ser executado em trinta ou quarenta mil

jornadas [somadas as de cada trabalhador], e assim. provido de tal esperança, o projeto foi iniciado em 20 de agosto...”

Visto agora, é evidente que tal esquema quase com certeza teria

funcionado, mas era radical demais para a maioria dos que se en-

volveriam em conseguir os fundos, e também recebia a contrarie3

que estava com o exército que promovia o cerco de Pis a, expressou

o segundo ponto de vista quando declarou: “Certamente, até onde 0 julgamento humano pode ver, não podemos esperar nada senão aflição, se Ele, que salvou o povo do Egito das mãos do Faraó, não abrir para nós, no meio deste mar revolto, um inespera do caminho para a salvação, como foi aquele na ocasião. “12 Num momento crucial, e apesar dos protestos de Maquiavel, a Signoria começou à prestar atenção em homens como Bentivoglio. Os métodos de Leo-

A CAUSE CÉLEBRE DE MAQUIAVEL

139

Sob esse novo esquema, as paredes dos canais colapsavam, a bar-

reira não podia ser construída propriamente com o contingente de

homens disponível e o trabalho logo caiu em sucessivos atrasos. En-

+ão as condições climáticas se tornaram desfavoráveis, ao mesmo tem-

po que os pisanos começaram a fazer ataques súbitos cuidadosamente planejados aos trabalhadores, enquanto eles cavavam. Ainda confiante no sucesso, Maquiavel continuou ajudando a levantar recursos e a

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enviar homens para o projeto de Arno, mas pelo meio do outono a bata-

lha estava perdida, e o governo decidiu recolher-se, cancelando o projeto inteiro. Sobre esse assunto, Francesco Guicciardini, contemporâneo de

Maquiavel, escreveu em sua história da Itália: “Esse empreendimento começou com a maior das expectativas e foi perseguido com gastos ainda maiores, mas tudo acabou sendo em vão, porque, como acon-

tece com fregiiência em tais casos, mesmo sendo a avaliação baseada em provas virtualmente manifestas, a experiência as conduzirá ao fracasso; trata-se dos mais verdadeiros exemplos da distância entre o plano e a ação. ”!3

O irmão do gonfaloneiro, Francesco Soderini, escreveu uma carta de consolo a Maquiavel em que declarava: “Homem notável e muito querido compare: ocasionou-nos grande dor que, tão grande foi o erro cometido naquelas águas, que parece impossível para nós que não tenha sido por culpa dos engenheiros, que tanto se enganaram. Às-

sim, talvez também tenha sido pela vontade de Deus, para algum fim

melhor desconhecido para nós.” Maquiavel não deixou registro sobre os seus sentimentos em relação ao fracasso do plano de desviar o Arno, mas aprendeu bastan-

te com o fiasco militar que se perpetrou em 1504, e claramente tinha isso em mente quando escreveu em Os discursos: “Não há melhor maneira de arruinar uma república em que o povo tem autoridade do que lhe propor vigorosos empreendimentos, pois, se há partici-

140

MAQUIAVEL

pação do povo, eles são sempre aceitos. Quem é de op inião contrária não tem qualquer vez. E se a ruína da cidade consegue se erguer

a partir dessa situação, também se ergue, e com ma is frequência, a específica ruína dos cidadãos que participaram de tais empree ndimentos..."1

O colapso do projeto foi lamentável não apenas porque custou uma fortuna ao governo florentino e acabou com uma proposta que podia muito bem ter esgotado o conflito com Pisa de uma vez por todas, mas também porque foi uma grande perda para o futuro pode r econômico de Florença. Leonardo, sempre um homem em busca de grandes esquemas, via o desvio do Arno meramente como o primei ro passo num plano magnífico de construir um canal que atravessasse Pr ato por baixo do Monte Serravalle, Oficialmente, seu plano era uma tentativa de ajudar a terminar o conflito entre Florença e Pisa sem mais derramamento de sangue, mas, mesmo antes de os soldados co meçarem a ca-

var, ele já descrevia aquilo que, em suas fantasias, viria a ser um corredor

industrial entre as duas cidades, ao longo das margen s do Arno. Ele

visualizou moinhos e aquilo que nós chamaríamos de fábricas, que produziriam seda, papel, cerâmica e todo tipo de coisas, em pr ocessos

industriais potencializados pelas águas do rio. O tr ansporte seria facili-

tado por barcaças pelo rio, e uma série de eclusas nos principais afluen-

tes do Arno permitiriam que pequenos barcos nave gassem colinas acima

e pelas vilas menores em volta do vale pri ncipal,

Tudo isso Leonardo imaginou quase três sé culos antes da Revolu-

ção Industrial. Para ele, tratava-se de um plano inteiramente prático que muito implementaria o padrão de vida do povo da região. Acreditava que iria “aumentar o valor da terra; as cidades de Prato, Pistóia e Pisa, juntamente com Florença, alcançariam uma renda anual de » 16 duze ntos mil ducados”.!S

Em outro lugar, escreveu: “Se alguém des-

viasse o curso do Arno de cima para baixo, todos os que desejassem encontrariam um tesouro em cada pedaço de terra,”17

A CAUSE CELÉBRE DE MAQUIAVEL

141

Enquanto a República se preocupava com Pisa e o fiasco do desvio do Arno, os governantes das pequenas cidades-estado ao redor de Florença eram encorajados e financiados pelos venezianos (e possivelmente pelo papa) para fazer incursões no território florentino. O líder desse grupo era Bartolomeo d Aviano, um condottiere que comandava um pequeno exército mercenário avolumado por um de-

sorganizado grupo de descontentes e matadores, todos financiados diretamente pelos venezianos. A inteligência florentina tomou conhecimento das intenções de d'Aviano no fim do outono de 1504. Também ouviu que alguns dos governantes dos pequenos Estados próximos a Florença estavam planejando explorar a fraqueza em que a República se encontrava, agora que os franceses tinham outras ocupações. Para descobrir mais sobre esse perigo potencial, ao longo do verão e no início da primavera de 1505, Maquiavel viajou de cidade em cidade pela Romagna e pela

Toscana. Encontrou-se novamente com Jacopo d Appiano, em

Piombino, com quem ele tratara algumas questões em sua primeira missão no estrangeiro para a chancelaria, em 1499. Ele viajou até Perugia para pôr na linha o indócil Giampaolo Bagliani, prefeito da cidade, e depois seguiu para impedir os planos de Pandolfo Petrucci, prefeito de Siena, que estava tentando arrebatar terras de Florença como pagamento por informações internas que podia transmitir aos seus agressivos vizinhos.

Maquiavel obteve sucesso em descobrir algumas das intenções desses pequenos líderes, mas, estimulado por Veneza, d'Aviano con-

tinuou sendo uma genuína ameaça que não podia ser dissuadida por ele ou pela Signoria. Ele formara uma aliança informal com comandantes e líderes locais que rapidamente haviam entendido como Florença se tornara frágil, paralisada como estava entre dois grandes poderes, França e Espanha. Para eles, era uma oportunidade perfeita

de tirar vantagem da situação.

142

MAQUIAVEL

O problema veio a cabo em 17 de agosto de 1505, em San

Vincenzo, uma vila costeira a cerca de 160 quilômetros de Florença,

quando as tropas de d'Aviano se encontraram com um exército mer-

cenário florentino liderado pelo condortiere Ercole Bentivoglio. Os mercenários empregados pela República dominaram a força mais fraca liderada por d'Aviano e massacraram ou capturaram quase que o exér-

cito rebelde inteiro.

Os florentinos ficaram jubilosos com a notícia e Maquiavel com-

partilhou o alívio deles, mas, com essa vitória, seus planos para um exército florentino atingiram o ponto mais baixo. Por que, raciocinavam, a cidade deveria ter o trabalho de criar seu próprio exército permanente se uma força mercenária como a conduzida por Ercole Bentivoglio podia obter vitórias tão retumbantes? Parecia um argumento justo, mas os governantes florentinos demonstraram perfeitamente os limites desse ponto de vista e deram a Maquiavel a chance de que ele precisava. No ímpeto gerado por uma confiança malconduzida, a República se excedeu. Voltando-se novamente contra Pisa, Piero Soderini ordenou que o exército triunfante, recém-

retornado a Florença, se precipitasse até a outra cidade. Uma vez lá, estabeleceram o cerco e atacaram no dia 6 de setembro. À princípio, a batalha estava indo bem. Enormes buracos foram

feitos nos muros da cidade e, embora os bravos pisanos estive ssem

bem-dispostos para lutar, Bentivoglio pôde mandar mensagens confiantes para Florença enquanto preparava a infantari a para o empurrão final. Contudo, a vitória mais uma vez escapou por ent re os dedos dos

florentinos. Assim como acontece ra cinco anos antes, quando a Re-

pública enfrentara o mesmo inimigo e usara exatam ente o mesmo método de exército mercenário, a infantar ia contratada, que lutava apenas por ouro € não tinha interesse real nas questões envolvidas, colapsou diante da resistência dos pisanos. Lutando por suas vidas €

A CAUSE CELÉBRE DE MAQUIAVEL

143

pelo bem-estar de suas famílias, os que se defendiam não tinham nada a perder € resistiram com todo o fôlego, forçando os mercenários a escapar para O campo.

Isso veio como uma grande surpresa para aqueles que haviam, apenas semanas antes, celebrado a vitória de San Vincenzo. De repente, a proposta de Maquiavel para uma milícia independente Florentina, totalmente incompatível com o pensamento da moda, adquiriu nova vitalidade. O último fiasco militar ante as muralhas da velha inimiga Pisa era quase uma humilhação insuportável para Flo-

rença. A nova confiança que surgira com o sucesso em San Vincenzo dissipou-se, e Soderini, receoso em relação à estabilidade de seu próprio cargo, entendeu que o momento era propício para trocar de lado outra vez. Em particular, admitiu para Maquiavel que, se os florentinos pudessem experimentar um exército próprio e vissem que não have-

ria perigo para eles na existência de tal força, eles não pediriam para que fosse revogada a decisão ou para desmantelá-lo. Dando total apoio ao seu secretário, ele ignorou os tradicionais opositores do esquema,

evitou as lentas maquinações envolvidas em submeter a proposta à aprovação do Grande Conselho e de imediato conseguiu o dinheiro e a aprovação diretamente dos Dez da Guerra. Maquiavel começou a trabalhar imediatamente. Ele vinha avaliando a mecânica de seu plano há tantos anos que não precisava de tempo para pensar. Sabia que não podia criar o exército dentro da própria cidade, pois isso seria muito provocativo e perigoso. E, embora uma das alternativas fosse estabelecer a base da milícia em uma das cidades sob o controle florentino, isso, pensava ele, era também muito perigoso, porque poderia torná-la utilizável contra a Repúbli-

ca por um agressor, coisa que não faltava. Uma terceira opção era fa-

zer O recrutamento no campo ao redor de Florença, e foi a que ele adotou, baseando suas operações em duas pequenas vilas ao norte da cidade, Mugello e Casentino.

144

MAQUIAVEL

Tendo já planejado como construir a infra-estrutura necessá-

ria para tal empreendimento, Maquiavel havia começado, na vi-

rada do ano de 1506, a recrutar em cidades e vilas fora de Florença,

Na qualidade de secretário dos Dez da Guerra, ele assumiu cada

passo do processo. Conversava com aqueles que se alistavam como

voluntários e selecionava os mais adequados para o treinamento, Escrevendo aos Dez, declarou meio brincando: “Eu me fio a vos-

sas senhorias e aos ventos do norte, que me ensinam a prosseguir ape, Ainda assim, apesar de seu entusiasmo, Maquiavel logo percebeu que não tinha nem tempo nem habilidade para treinar os soldados pessoalmente. Ele requereu um homem de experiência e mais tarde, em fins de janeiro, tomou a polêmica decisão de contratar Don Michelotto (também conhecido como Miguel de Corella e Michele

Coreglia), que fora o braço direito de Cesare Borgia, conhecido por alguns como o “desconhecido de Valentino”. Não poderia haver escolha mais sediciosa, e Maquiavel sabia disso. Entretanto, tinha boas razões para eleger Don Michelotto. Tratava-se de um homem com grande experiência militar e um soldado

de primeira classe. Para conseguir emplacar sua vontade, Maquiavel primeiro convenceu Soderini da sabedoria envolvida na decisão, € o gonfaloneiro então deu conta da resistência do Grande Conselho.

No início de fevereiro, a moção estava aprovada, e Don Michelotto se tornara O mais improvável empregado do governo flo rentino. Maquiavel havia tido anos para maquinar cada de talhe de como

queria que a milícia operasse. Decidiu que precisavam se reunir para treina mento entre dez e dezesseis vezes por ano e baseou a organiza-

ção da força em modelos que vira empregados com sucesso por Cesare

Borgia e pelos líderes militares de Roma, Espanha e Fr ança. Também

tomou livremente emprestadas as estratégi as e a organização dos

A CAUSE CELEBRE DE MAQUIAVEL

145

venezianos, que ele considerava especialistas tanto em treinamento militar quanto em planejamento.

Ele próprio fez o design do uniforme — branco, com meias em vermelho e branco e um peitoral de ferro — e escolheu o Marzocco,

o leão florentino, como emblema da nova milícia. Até deliberou sobre a forma do estandarte do exército, defendendo que devia ser de

uma só cor, sóbrio e arrojado. Rapidamente, seus amigos e aqueles que haviam ficado ao seu lado o tempo todo já o louvavam e elogiavam. Um associado chamado Leonardo Bartolini escreveu de Roma para congratulá-lo. “No que concerne à nova milícia”, disse ele, estou muito contente que esteja se saindo tão bem quanto você me disse no passado que sairia. Se for apoiada como se deve, julgo que virá a ser uma coisa

maravilhosa”.! Em março, Francesco Soderini, nesse momento em Roma, escreveu a Maquiavel:

Sua longa carta nos deu um enorme prazer, porque pudemos entender claramente como sua nova idéia militar, que corresponde à nossa esperança pelo bem-estar e pela dignidade de nosso Estado, está se procedendo. Não se pode pensar que outras nações destes tempos

são superiores aos nossos soldados, a não ser por terem mantido a disciplina deles, que agora já está banida da Itália há um longo tempo. Sua satisfação não deve ser pequena com o fato de que uma coisa tão valiosa tenha sido iniciada pelas suas mãos. Por favor, persevere e leve-a ao fim desejado.”

Em 15 de fevereiro, dia de carnaval, Maquiavel estava pronto para

fazer uma apresentação pública de sua nova força. Percebendo o po-

der da pompa e de despertar O patriotismo de seus concidadãos, de-

cidiu fazer suas tropas marcharem pela cidade, num esforço planejado

MAQUIAVEL

146

especificamente para instigar o orgulho cívica. Testemunha do espe. táculo, o escritor Luca Landucci narrou o evento:

Houve um ajuntamento, na Piazza della Signoria, de quatrocentos recrutas que o gonfaloneiro havia reunido. Cada soldado trajava um

colete branco, um par de meias (metade brancas, metade vermelhas), um quepe branco, sapatos e um peitoral de ferro, e lanças, e alguns deles traziam mosquetes. Eram chamados de batalhões: recebiam um condestável para dirigi-los e ensiná-los a usar as armas. Eram soldados, mas repousavam em suas próprias casas, sendo obrigados a comparecer quando chamados, e havia ordens para que muitos milhares fizessem o mesmo por todo o Estado, de modo que não fossem mais necessários os estrangeiros. Considerou-se que essa foi a melhor coisa que já se arranjara em Florença.?!

Enquanto Maquiavel assistia aos seus soldados marchando em formação, não podia evitar de se sentir orgulhoso. Era um dos pontos altos de sua carreira, um momento em que sua análise da situação

gerara frutos. Sempre um patriota, sempre motivado por aquilo em

que acreditava sinceramente que fosse a melhor coisa para seu país, ele se deleitava com o que era indubitavelmente um moment o

glorioso.

6

Viagens com um líder militar papal

Em muitos sentidos, Júlio II era um papa improvável. Ele havia recebido uma educação franciscana tradicional e crescera pelas fileiras da Igreja, mas em sua alma era um soldado. Nascido Giuliano della Rovere, em 1443, vinha — como Maquiavel — de uma família nobre e empobrecida, e havia passado a maior parte de sua carreira eclesiástica reunindo riquezas para si mesmo através de prebendas, de modo que, ao longo dos 32 anos desde que se tornara um cardeal até ascender ao papado, acumulou grande poder e influência no Vaticano.

Como muitos papas, Júlio era um homem ganancioso, exagerada-

mente sexual, obcecado por si mesmo e violento, e há pouca evidência de que em algum momento tivesse sido genuinamente devoto. Ele se enxergava, e assim era considerado pelos observadores, como um estra-

tegista militar muito melhor do que líder espiritual, e via seu papel

muito mais como o de protetor do Estado papal: um líder militar cuja preocupação primária eram as condições de seus domínios

materiais.

A posteridade ganhou muito com o materialismo de Júlio. Ele era um grande patrono das artes, tendo financiado obras de Bramante,

148

MAQUIAVEL

de Rafael e do mais famoso Michelangelo. Foi Júlio quem pagou a bonitas de Michelangelo. (Ele parece ter tido pouco tempo para o maior rival de Michelangelo, Leonardo da Vinci, e nunca lhe deu um

centavo para nada.) Mas o lado escuro da ambição mundial de Júlio fez com que se estabelecesse um prolongado período de caos político na Itália, ocasionando que Maquiavel visse seu mandato no Vaticano como um dos mais destrutivos na longa e turbulenta história do papado. Giuliano esperara muitos anos para ganhar a tiara. Fora um dos personagens principais do papado de seu tio, Francesco della Rovere, papa Sisto IV, cabeça da Igreja de 1471 a 1484, e era um dos poderes reais por trás do trono durante o papado de Inocêncio VIIL a quem instalara no Vaticano depois de subornar o número de cardeais necessário para ganhar a eleição. Durante sua ascensão ao poder, Giuliano teve de lidar com muitos inimigos, homens cujas carreiras haviam sido impedi das por sua impetuosa ambição, bem como com aqueles que eram seus mais ardorosos rivais. O mais perigoso e o mais ca paz deste segundo grupo havia sido o cardeal Rodrigo Borgia, que assumi ra o trono papal em 1492, batendo Giuliano no concla ve que se seguiu à morte de Inocêncio VIII.

Os dois homens se desprezavam um 20 outro. Quando Rodrigo se tornou o papa Alexandre VI, Giuliano sa bia que não podia ficar em Roma por muito tempo e passou uma década na França, na Espanha e em Estados italianos distantes do alcance papal, onde tra-

balhou incessantemente para contra riar os movimentos feitos pelo

filho de Alexandre, vel para derrubar o após a coroação de truir os Borgia ao

Cesare, bem como tram próprio papa. Em 1493, Rodrigo, Giuliano quase convencer o rei francês,

ando de modo pouco mais de obteve sucesso Carlos VIII, a

incansáum ano em destomar O

E

pintura da Capela Sistina e comprou a maior parte das esculturas mais

VIAGENS

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UM

LÍDER MILITAR

PAPAL

149

Vaticano à força. O plano foi frustrado quando o papa soube das

manobras de seu inimigo e deu um jeito de subornar Carlos para que mudasse

de idéia.

Quando Alexandre VI morreu, em 1503, Giuliano não perdeu

tempo em fazer sua presença ser sentida em Roma. Poucos dias após rer recebido tal notícia, ele quebrou seu exílio auto-imposto e tomou

lugar no conclave que elegeria o papa seguinte. Porém mais uma vez seus planos foram bloqueados, quando seus colegas cardeais escolheram o convalescente Francesco Piccolomini, que morreu dias depois

de sua eleição. Durante o conclave extraordinário seguinte, Giuliano

sabia que, se queria ter sucesso naquela que certamente seria sua últi-

ma tentativa de se tornar papa, teria de usar todos os seus recursos de suborno e coerção. Balanceando com habilidade os desejos dos cardeais mais poderosos, inclusive Cesare Borgia, ele simplesmente foi prometendo e galgando seu caminho até o trono. Giuliano della Rovere entendia bem a máxima que diz que a história é escrita pelos vencedores e, uma vez tornado papa, começou a quebrar a maior parte das promessas que o haviam levado àquela posição. Com isso, mentira aos cardeais venezianos, para quem havia

prometido concessões sobre a Romagna; mentira alegremente a Cesare Borgia, que de modo tão pouco característico havia acreditado nele; e mentira à maioria dos cardeais, que haviam recebido a promessa de uma nova constituição. Tal constituição incluía as promessas de que

o sucessor de Alexandre e todos os futuros pontífices deveriam 1)

continuar promovendo uma guerra contra Os turcos; 2) restaurar a disciplina papal; e 3) assegurar que nenhuma guerra fosse empreendida sem a aprovação de dois terços dos cardeais em uma sessão estritamente monitorada do Sagrado Colégio.

Júlio, o guerreiro, jamais concordaria em ser controlado dessa

forma pelos cardeais e, um ano depois de ascender ao papado, já tomava seu próprio rumo e começava a formular suas próprias regras. E f

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150

MAQUIAVEL

No primeiro plano de suas preocupações estava o problema da Romagna, a região da Itália que assistira a anos de motins e violência, uma região percebida pelo Vaticano como papal, pelos venezianos como de sua propriedade, e tão pouco tempo antes desolada pelas campanhas de Cesare Borgia. Para os cardeais do Colégio que haviam desejado ver as cidades da Romagna de volta às mãos de seus governantes por direito, Júlio

prometera satisfação, mas em vez disso uma de suas primeiras deci-

sões como papa foi organizar um exército para retomar a região, expulsar os venezianos — que haviam se aproveitado do vácuo de poder gerado após a queda de Cesare Borgia — e arrebanhar as terras dos pequenos comandantes que ele julgava estarem atuando contra os interesses do Vaticano. Talvez mais do que qualquer pessoa, Maquiavel tinha cons-

ciência do caráter perigoso do novo papa. Ele havia permanecido em Roma até depois da eleição de Júlio para conseguir uma clareza maior sobre o novo homem na direção. Percebeu que era capaz, sabia que sua mente estava mais repleta de questões militares

do que de devoções espirituais e podia ver que Júlio era cobiçoso por territórios, por mais poder e influência. Em

1506, quando

finalmente o papa começou a se mobilizar e a tomar medidas práticas para estender seu portfólio na Itália, não foram uma total surpresa para Maquiavel as novas ordens da Signoria, determinando que ele viajasse com Júlio em seus dois papéis habituais, de emissário e de espião. Essa missão também fora incitada por uma carta que o papá

enviara pouco antes aos florentinos, na qual delineara que ajuda ele desejava deles em seu esforço de, como ele mesmo colocou, “livrar a Itália dos tiranos”. Os tiranos que ele tinha em mente eram à

*

H

a

Giovanni Bentivoglio, o governante de Bologna, e Giampaolo

Baglioni, o governante de Perugia, e queria que Florença pagasse

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UM

LÍDER MILITAR

PAPAL

151

pelos serviços de um dos seus mais aperfeiçoados mercenários, Marcantonio Colonna, e suas tropas, para assumir a tarefa de der-

rubar Bentivoglio e Baglioni.

Compreensivelmente, a Signoria não estava muito entusiasmada com essa idéia. Seus membros não compartilhavam a obsessão

de Júlio pela Romagna, acreditando (provavelmente de maneira ingênua) que, permitindo que os pequenos líderes mantivessem o

controle, seus pequenos e compactos Estados interromperiam o desassossego. Em conseqiiência, não se sentiram muito estimulados a meter a mão no bolso apenas para agradar o papa. Além disso, precisavam dos homens de Colonna para liderar mais uma tentativa de capturar Pisa.

Maquiavel deixou Florença na noite de 25 de agosto e cavalgou com toda a pressa para encontrar o ségiito do papa, na pequena vila de Nepi, em um trajeto de um dia. No caminho, tinha tempo para refletir sobre a volátil situação política e certamente não terá deixado passar despercebida a ironia que era Júlio convocar alguém para acabar com os tiranos da Romagna. Seria imprudente, percebeu ele, subestimar os perigos apresentados pelos movimentos desse papa. Em Júlio não se podia confiar; era um líder mundano com poder signifi-

cativo e um homem que tinha o potencial de causar a Florença grandes problemas. Na noite em que Maquiavel chegou em Nepi, disseram-lhe que O papa estava muito ocupado para aceitar uma audiência com o emis-

sário florentino, mas no dia seguinte Maquiavel foi convidado a se

encontrar com Júlio e explicar a posição de Florença a respeito de seu pedido de assistência militar. Instruído para usar palavras que

prezassem “a sua [do papa] intenção boa e sagrada” e de levar o maior tempo

possível

nas negociações,

ele teve de usar todo seu tato para

deixar claro que a República não seria capaz de ajudar o pontífice em sua causa.!

152

MAQUIAVEL Experiente em negociações e em política, Júlio compreendeu

já na primeira oportunidade o que estava por trás das palavras do governo florentino. Segundo o relatório de Maquiavel , ele ouviu

“atenta e alegremente” antes de responder com uma astuta análise da situação.” Os florentinos, ponderou ele, estavam com medo da empresa por três razões distintas, porém relacionadas. Primei ro, ele achava que o governo florentino não acreditava na idéia de que

o papa conseguiria garantir o apoio dos franceses, como prometia. Segundo, não acreditavam que ele estivesse tão comprometido com o plano quanto afirmava estar. E, terceiro, consideravam que ele falharia na tentativa de remover os tiranos e de que estes se indisporiam com Florença e passariam a lhe causar problemas em anos vindouros. Em um esforço para atenuar tais medos, o papa mostrou a Maquiavel cartas de Luís XII detalhando seu apoio no caso de Júlio vira precisar dele, e assegurou ao emissário que a determinação papal pelo sucesso do esquema não podia ser mais forte. Como argumento contra o terceiro ponto — de que a República poderia passar a temer algum tirano que permanecesse em seu reinado depois da tentativa

de removê-lo

—, declarou que os alvos de sua campanha não teriam

qualquer chance de permanecer em seus territórios após ele ter se encarregado deles.

Os argumentos do papa e a evidência de apoio pareciam con-

vincentes, mas havia outras razões para a inquietude da Signor ia.

O governante de Bologna, Giovanni Bentivoglio, era um amigo da República. Mantivera fortes laços diplom áticos com Florença

enquanto Baglioni acompanhara Cesare Borgia du rante suas campanhas pela região. A República não podia trair Bentivoglio, pois tal movimento enfureceria muitos dos vizinhos qu e também eram seus aliados.

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UM

LÍDER MILITAR PAPAL

153

Seguindo as instruções dos superiores, Maquiavel, o mestre da diplomacia, deixou passar O tempo, tergiversando o assunto. O papa, que também era um veterano em tais campos de batalha, tendo-os

experimentado na corte e nos conselhos papais, não esperava menos. Mas era um homem determinado e estava com pressa. Antes de a

primeira reunião terminar, já deixara sua posição perfeitamente cla«a. Se Florença não o ajudasse, ele se voltaria âquela que declarou a Maquiavel ser segunda opção: Veneza. Para Maquiavel ea República, essa legação era crucial; para o papa, havia preocupações maiores e mais urgentes. Enquanto a Signoria ponderava as questões, Júlio cavalgava como chefe de seu exército. Dentro de sua armadura, era para todo o mundo a imagem do cruzado porta-voz de Deus. Marchando em direção ao nordeste, pelas cidades de Viterbo, Orvieto, Castel della Pieve e Castiglione del Lago, ele chegou aos portões de Perugia em 13 de setembro de 1506 sem nenhum espírito contemporizador. Apesar de todos os seus defeitos, Júlio era um homem valente,

assim como um astuto estrategista militar e político. Sabia de seu próprio poder e de seu status na Europa renascentista. O tirânico Giampaolo Baglioni, antes um seguidor dos Borgia e assassino ex-

periente, não fez nada para impedir que o papa entrasse em sua ci-

dade acompanhado de uma pequena tropa de soldados. Uma vez

dentro dos muros, o papa aconselhou-o a se render às forças papais ou encarar a morte numa batalha sangrenta que ele inevitavelmente perderia. Maquiavel, que estava com o papa em Perugia e testemunhara seus procedimentos, inicialmente ficou confuso com a aparente audácia do pontífice. Escrevendo aos Dez da Guerra logo antes de Júlio en-

trar na cidade, declarou: “Se ele [Baglioni] não fizer qualquer dano

ao homem que veio para tomar seu Estado, só será por bondade e humanitarismo. Como isso irá terminar, eu não sei dizer.” ”

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MAQUIAVEL

154

Mas Maquiavel estava bastante enganado, seu raciocínio bastante

falho, e ele se arrependeu dessa declaração logo que a escreveu. Talvez

tivesse ficado muito chocado com as ações do papa ou simplesmente

tivesse reagido impulsivamente, pois logo fez a declaração mais acurada de que o líder de Perugia não tinha nada de bondoso ou de raciocí-

nio político astuto. Baglioni era simplesmente um covarde, um sujei-

to amedrontador que se desintegra quando diante de um indivíduo determinado e mais forte. Esse episódio ensinou a Maquiavel uma lição muito valiosa e revelou um conceito crucial na construção de sua visão política mundial. À religião, em particular a Igreja Católica — ele percebeu —, carregava um poder inato ao qual era muito difícil resistir. Até um homem como Baglioni fora educado dentro do catolicismo. Em respeito a Deus, assim, ele devia reverência a seu

representante na lerra. Por essa razão, o colega exterminador de Cesare Borgia não podia se permitir perpetrar qualquer dano físico contra O papa.

Mais encorajado ainda, o já confiante em excesso Júlio assistiu a

Baglioni exilando-se voluntariamente. O papa demorou-se ainda uma semana no cenário daquela conquista, antes de montar em seu cavalo

para liderar as tropas para fora de Perugia e rumo ao próximo alvo: Bologna. Lá, Bentivoglio, amigo da República florentina, era o chefe de Estado.

Nessa semana, para animar Júlio ainda mais, Os franceses man-

daram o recado de que suas tropas logo se juntariam a ele na Romagna. Luís esperara para ver em que sentido o vento estava soprando e, depois de ouvir sobre o triunfo inequívoco do papa em Perugia, resolvera descer do muro. Enquanto isso, o governo florentino ainda enrolava, e o papa estava se tornando progressi vamente mais impaciente com a Signoria. Depois de fazer um dis curso para um grupo de embaixadores nervosos e atorme ntados

VIAGENS COM UM LÍDER MILITAR PAPAL

155

mandados por Bentivoglio a Perugia, em que declarava ter “forças

para fazer toda a Itália tremer, que dirá Bologna”, Júlio deu a Flodeci a ar tom para , teria ica úbl Rep À .” final cia rtên adve uma rença

ão, o tempo que levasse para um mensageiro cavalgar direto até

Florença e voltar; se não tomasse, ele se dirigiria aos venezianos para

pedir a participação deles na campanha.

A Signoria não tinha outra escolha senão condescender. Quando Júlio recebeu a notícia de que Colonna e seus homens estavam sendo haha pan cam sua a par dos fun os que e a Pis em são mis da dos via des viam sido aprovados pelo governo, ficou encantado. Numa carta a0s Dez da Guerra, Maquiavel lhes contou como a notícia fora bem recebida e, em resposta, foi instruído a viajar à frente do papa, de modo a poder preparar as cidades ao longo da rota proposta por Sua Santidade e as tropas papais. A República tomara a nada ambígua decisão de ladear aquela que de longe era a mais poderosa força envolvida numa batalha por Bologna que muitos acreditavam que seria bastante sangrenta. Ás forças florentinas, no entanto, jamais foram usadas. Não tendo apetite para uma batalha contra o papa e seu exército, Bentivoglio escapou da cidade, deixando-a nas mãos de Júlio e seus aliados. Em 11 de

novembro, Júlio cavalgou por Bologna para declarar o retorno da cidade ao controle papal. Maquiavel estava profundamente impressionado com as ações do papa e, mesmo antes de o pontífice ter derrubado Bentivoglio, já fizera uma análise cautelosa de como Júlio alcançava seus fins. Tendo feito um escrutínio de cada movimento do papa por quase um mês,

Maquiavel concluiu que ele empregava fatores que podiam iniciar e sustentar aquilo que mais tarde ele definiria em O príncipe como 'principados eclesiásticos: a -

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156

MAQUIAVEL

Agora falta discutir os principados eclesiásticos; e aqui as dificuldades que devem ser enfrentadas ocorrem antes de o governante se

estabelecer, no sentido de que tais principados são obtidos por meio

da bravura e da fortuna, porém mantidos sem a ajuda de nenhum desses aspectos. São mantidos, na verdade, por instituições religio-

sas, de um tipo tão poderoso que, não importa como viva ou atue o

governante, elas promovem a salvaguarda de seu governo. Só os prín-

cipes eclesiásticos possuem Estados e não precisam defendê-los: possuem súditos e não os governam. E, embora seus Estados não sejam defendidos, eles não são derrubados de sua liderança; e seus súditos, permanecendo sem governo, não se preocupam com isso e não podem nem anseiam por destroná-lo em favor de um ou de outro. São mantidos por poderes mais elevados, que a mente humana não pode compreender. Eu não devo argiiir sobre eles; eles são exaltados e mantidos por Deus e, assim, só um homem precipitado e presunçoso se encarregaria de discuti-los.

Em outras palavras, líderes religiosos, absolutos em seu poder, podem fazer quase qualquer coisa que desejem e se safar. Aquilo que eles representam, mais do que seus próprios poderes pessoais ou carismas, faz inimigos escaparem deles e lhes permite governar sem ocupação. Eles lideram de modo vicarial, empregando o medo em relação a Deus que se instalou em seus súditos. Contudo Maquiavel percebeu que havia mais do que o poder eclesiástico por trás da vitória fácil de Júlio em Perugia. Numa longa carta a seu amigo Giovan Battista Soderini, o sobrinho do gonfaloneiro, explicou o que tinha aprendido. Ele com eça o documento;

comumente conhecido hoje como o Ghiribizzi (Fantasias ou Especulações), afirmando que o sucesso do papa o teri a surpreendi-

do “não fosse o fato de que meu destino me mostrou tantas € tão

variadas coisas, que sou raramente levado à sur presa ou a admitir que não provei — seja pela leitura ou pela experiência — das açõ es

VIAGENS

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UM LÍDER MILITAR PAPAL

157

dos homens e de suas maneiras de fazer as coisas”. Ele prossegue para delinear à questão: Acredito que, da mesma forma que a Natureza criou os homens com rostos diferentes, criou-os com intelectos e imaginações diferentes.

Como resultado, cada homem se comporta de acordo com seu pró-

prio intelecto e imaginação. E, como o tempo muda e o padrão dos acontecimentos difere, as expectativas de um homem podem vir a ser da forma como ele rezou para que fossem. O homem que concilia seu modo de fazer as coisas com as condições do tempo em que vive é bem-sucedido; o homem cujas ações são incompatíveis com o tempo e com o padrão dos acontecimentos é malsucedido. Por essa razão pode muito bem acontecer de dois homens atingirem o mesmo objetivo agindo de modo diferente: porque cada um deles concilia suas ações com aquilo com que se defronta, e porque há tantos padrões de acontecimentos quanto regiões e governos. Mas, como o tempo e as questões mudam com fregiência — ambos numa perspectiva geral e particular — e como os homens não trocam nem de imaginação nem de modo de fazer as coisas, acontece de um homem ter boa sorte em um momento e má sorte em outro. E, verdadeiramente, qualquer um que seja sábio o bastante para se adaptar e para entender os tempos e os padrões de acontecimentos terá sempre boa sorte ou sempre se manterá distante da má sorte; e virá a ser

verdade que o homem sábio pode controlar as estrelas e os destinos. Mas tais homens sábios não existem: em primeiro lugar, homens têm visão curta; em segundo lugar, são incapazes de dominar a fundo

suas próprias naturezas. Desse modo, segue-se que a Fortuna é ins-

tável, controlando os homens e mantendo-os sob seu jugo.”

Assim, ficou claro para Maquiavel que a tomada de Perugia le-

vava à conclusão de que a posição de Júlio como representante de Deus na Terra o provia de um poder maior do que o de qualquer

158

MAQUIAVEL

comandante mundano. Mas eram bons para Júlio e ruins clusões, Maquiavel também te patética, um homem que

ele também percebia que os tempos para Baglioni. Somando-se a tais conviu Baglioni como uma figura bastanele considerou “incapaz da grandeza”

necessária para vencer um confronto e para superar o poder conquistado por Júlio. Como de costume, enquanto estava fora, Maquiavel foi mantido a par das notícias em Florença por seu confiável assistente Biagio

Buonaccorsi. Afligia-se pelo estado de sua recém-fundada milícia e se preocupava, como sempre, com a segurança de sua posição no Palazzo Vecchio. De fato, como Biagio notou, ele se preocupava com essas coisas muito mais do que com sua mulher, seus filhos pequenos e seus amigos próximos. Não precisava ter se preocupado com a milícia, no entanto, pois ela estava indo bem sob o comando de Don Michelotto. “Comos soldados, as coisas estão indo do jeito que você quer”, Biagio reportou. Enquanto estava fora, ele inesperadamente testemunhou uma parada dos soldados do papa, quando eles acamparam em Cesena logo após a tomada pacífica de Perugia. Pouco impressionado, escreveu aos Dez da Guerra: “Se pudessem ver estes soldados do duque de Urbino

e aqueles de Nanni, vossas senhorias não se envergonhariam dos seus

recrutas ou pensariam que são de pouca valia.”

Junto com relatórios sobre assuntos de Estado, a carta de Biagio estava cheia de fofocas e ele não resistia a sua tendência à reclamar: “Assim, eu fiz pagar àqueles quatro condestáveis pelos quais você me

deixou a conta. Como se eu já não tivesse coisas demais para fazer, isso volta a surgir: não fazia nem três dias que você havia pa rtido e eu

já estava dando a volta no palácio com três deles me seguindo de perto.”10 Com as semanas passando e ele sendo requerido a tomar contã de cada vez mais pequenas tarefas e afazeres domésticos de Maquiavel,

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LÍDER MILITAR PAPAL

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— —

VIAGENS

Biagio explode: “Vá se danar.” Em seguida, nervoso com o fato de

Nicolau não ter escrito a um amigo, como prometera que faria, ele se enfurece: “Escreva de uma vez por todas se você deu carta de Alessandro a San Giorgio ou se você voltou a vê-lo depois do primeiro aviso em que lhe deu atenção. Mas você é uma tampa de latrina e qualquer um que quiser pode recolhê-lo com um pau.”!! Ainda assim, ele sempre assinava suas cartas com O afeiçoado “Irmão Bi”. (Um detalhe fascinante é que, para uma das tarefas triviais que Biagio foi designado a fazer, mandando uma pequena quantia de dinheiro para um colega de Maquiavel, o assistente empregou um jovem artista com o nome de Michelangelo que por acaso estava viajando para Volterra, onde Maquiavel estava acomodado no trem de Júlio, a caminho de Perugia.) Maquiavel levava numa boa as explosões de Biagio e com

freqiiência respondia ao menos à altura. De muitas maneiras, essas provocações eram uma espécie de alívio leve para ele, uma troca bastante distante de outras preocupações pessoais prementes.

Embora a criação da milícia tivesse sido para Maquiavel um sonho tornado realidade, parte da elite florentina, os oztimati, continuavam se opondo a ela. À frente desse grupo estava seu antigo mentor, Alemanno Salviati, o genro de Piero de Médici, que havia sido uma das figuras cruciais na nomeação do secretário. Apenas alguns anos antes, em 1502, Salviati e Maquiavel estavam

no melhor dos termos. Escrevendo para mitigar as preocupações do

secretário em relação às suas perspectivas de reeleição enquanto esta-

va em Imola, Salviati lhe assegurara: “Sua conduta tem sido e é tal

que as pessoas irão lhe implorar [para aceitar o cargo], muito mais do que você ter de implorar a elas."'? Mas, a partir de 1505, a antiga re-

lação começou a se deteriorar e, logo, a se dissolver completamente.

Salviati fora um dos ottimati que se opuseram à promoção de Piero

Soderini à posição de gonfaloneiro vitalício, e de fato os Salviati já não vinham se dando bem com os Soderini por quase uma geração.

160

MAQUIAVEL

Assim, como o gonfaloneiro e Maquiavel foram se tornando cada vez

mais dependentes um do outro, a relação de Salviati com o secretário

se esfriou com a mesma rapidez. Durante os três primeiros anos da liderança de Soderini, o gonfaloneiro e Maquiavel já haviam atritado

com Salviati a respeito de duas outras questões políticas centrais. À primeira delas era o plano para desviar o Arno, um esforço que se tornou um caro embaraço para a Signoria. À segunda, a criação da milícia, um esquema que saltou etapas dentro do processo legislativo e fora, na opinião de Salviati, impingido ao povo florentino. Maquiavel, sempre um observador e analista muito astuto, quase com certeza tinha consciência da animosidade crescente de Salviati,

especialmente após a criação da milícia, e não pode ter deixado de perceber o ressentimento do homem por ele ter estabelecido uma forte aliança com Soderini. Em 1504, Maquiavel havia publicado seu primeiro trabalho sério, um relatório de governo chamado de Primeiro decenal (Il decennale primo), que conta a história de Flo rença entre os anos de 1494 e 1504. A obra, dedicada à Salviati, foi bastante admi-

rada, mas é muito provável que Maquiavel a tenha dedicado a seu antigo tutor especificamente para bajular e talvez para salvar as reminiscências da amizade despedaçada. Salviati, entretanto, compreen-

deu o que estava por trás da dedicatória e se sentiu repelido por aquilo

que interpretou como uma ação cínica da parte de Maquiavel. À rea-

ção dele enfraqueceu ainda mais a amizade. Contudo, a fissura entre Maquiavel e Salviati era apenas em parte ocasionada por diferenças políticas. Outra fonte de conflito era mais

pessoal e enraizada numa diferença de caráter. Em 1506, Maquiavel já vinha ganhando algo como uma reputação de libertino. Quando estava em Florença, fregientava o estabelecimento de uma fam osa prostituta conhecida como La Riccia e, quando estava fora, escrevia cartas a seus amigos vangloriando-se de suas ex periências sexuais. EM

uma carta particularmente Brotesca, escrita du rante sua visita a Verona;

VIAGENS

COM

UM

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16]

descreveu a maneira como foi induzido a uma relação com uma prossituta terrivelmente feia, em um desleixado bordel:

“uma vez lá dentro, distingui na escuridão uma mulher agachada

num canto, exalando modéstia com uma toalha cobrindo a cabeça e o rosto (...) para encurtar a história, sozinho com ela naquele breu, eu a fodi. Embora sentisse as suas coxas um pouco moles e a sua xoxota desanimada — e o seu hálito era um pouco fedido —, ainda assim, excitado como estava, fui aos finalmentes com ela. Tendo

terminado, e com vontade de dar uma olhada na mercadoria, peguei um pedaço de madeira da lareira do quarto e o acendi, mas quase deixei cair das minhas mãos antes que se apagasse. Ugh! Quase caí morto com aquele borrão da visão, aquela mulher tão feia. À primeira coisa que notei nela foi um tufo de cabelo metade branco, metade preto — em outras palavras, esbranquiçado. Embora o topo de sua cabeça fosse careca (graças à calvície, era possível perscrutar alguns piolhos passeando por ali), alguns poucos e finos fios de cabelo desciam até a fronte. No meio de sua cabeça pequena e enrugada, ela tinha uma cicatriz de queimadura que fazia parecer como se ela tivesse recebido uma marca no mercado; na ponta de cada sobrancelha em direção aos olhos havia um aglomerado de lêndeas; um

olho olhava para cima, o outro para baixo — e um era maior do que o outro; seus dutos de lágrimas estavam cheios de remela e ela não tinha cílios. Tinha um nariz arrebitado incrustado baixo demais no rosto e uma das narinas estava cortada e cheia de ranho. Sua boca

parecia a de Lorenzo de Médici, mas era torta para um lado, e desse

lado escorria uma baba porque, não tendo nenhum dente, ela não

podia conter a saliva. Seu lábio superior servia de apoio para um

longo e ralo bigode. Ela rinha um queixo longo e pontiagudo um

pouco virado para cima; uma papada levemente peluda balançava

até o seu pomo-de-adão. Enquanto fiquei ali absolutamente desconcertado e estupefato olhando aquele monstro, ela tomou consciência disso e tentou perguntar “Qual é o problema, senhor?”, mas não

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MAQUIAVEL

conseguiu porque gaguejou. Assim que abriu a boca, ela expeliu um

tal fedor em seu hálito que meus olhos e meu nariz — portais vizi-

nhos para o mais delicado dos sentidos — se sentiram assaltados por ele e meu estômago ficou tão indignado que foi incapaz de tolerar esse ultraje; começou a se rebelar, e então se rebelou — de modo que vomitei em cima dela. Tendo-a ressarcido em espécie, parti. E

juro por todos os céus que, enquanto estiver na Lombardia, podem

me condenar ao inferno se pensar em voltar a ficar excitado.!3

Além de ter um gosto por prostitutas de todos os tipos, Maquiavel parece ter mantido uma amante em cada cidade para a qual viajou. Tal hábito começara já em sua primeira visita à corte do rei Luís, em 1499, quando, antes de se casar com Marietta, teve um tórtido caso com uma famosa cortesã chamada Jeanne, que ele chamava de Janna, Maquiavel não era um marido nem melhor nem pior do que outros de seu tempo. Ele também era um romântico, um poeta e um espírito livre. Isso é fácil de perceber nas páginas das cartas que trocaVa com os amigos. Um exemplo é a que ele escreveu em resposta a uma nota de Francesco Vettori, que mantinha um caso ilícito com uma mulher que morava perto dele em Roma. Maquiavel aconselhou a ele: Sou obrigado a lhe contar como eu mesmo manejei o amor. Na ver-

dade, deixei o amor fazer o que quisesse e o segui por entre colinas

e vales, bosques e prados. Descobri que, dessa forma, ele me garantiu mais encantos do que se eu o tivesse atormentado. Então, livre-se dos arreios, remova as rédeas, feche os olhos e diga: “Vá em frente, Amor, seja meu guia, meu líder (...). Assim, mestre, seja feliz, não desanime, encare a Fortuna diretament e e siga qualquer que seja O curso que os revoltos céus e as condições en viadas para você pelos

tempos e pela humanidade deixarem ao pé da sua porta.!4

VIAGENS

COM

UM

LÍDER MILITAR PAPAL

163

Maquiavel tampouco parece ter mostrado uma inclinação para esconder seu apetite sexual, atitude bastante condizente com sua vião de mundo e o forte veio rebelde de seu caráter. Havia sempre algo de romântico nele, mesmo quando fazia as tarefas mais banais de sua

profissão € seguia a convenção e a tradição. Suas cartas oficiais traziam

freqiientemente conexões laterais e observações heterodoxas e, quan-

do veio a escrever ficção, ele permeou sua obra com esses mesmos traços não convencionais. Um exemplo é o começo de sua comédia

A mandrágora, em que anuncia:

Porque a vida é breve e muitas são as dores

que, vivendo e batalhando, todos enfrentam,

sigamos nossos desejos, passando e consumindo os anos,

porque quem se priva do prazer,

para viver com angústia e preocupações,

não conhece os truques do mundo, ou por que males, e por que estranhos acontecimentos, todos os mortais são quase oprimidos."

Tal liberalismo era o aspecto da mente de Maquiavel que alicerçava seu raciocínio e sua análise sobre o prosaico. Ele era um pensador radical e fazia o máximo para viver de acordo com suas crenças. Isso fica óbvio quando observamos sua atitude em relação à religião. Ele não era meramente cético a respeito do cristianismo ou meramente

infiel; em muitos aspectos, era um anticristão, um homem que dispensava a mitologia da religião ortodoxa a partir de uma base intelectual. E, o que é mais importante, não gastava nenhum tempo com a

noção cristã de que há algum tipo de virtude em suprimir desejos fi-

164

MAQUIAVEL

sicos perfeitamente naturais. À estrutura filosófica em torno da qual

ele acabaria por constituir suas teorias políticas, em particular as dou. trinas expressas em O príncipe, colocava o poder ea liberdade do indivíduo acima de todas as coisas. Maquiavel desprezava a idéia de uma

Igreja ou um Estado controlando as vontades dos indivíduos. Nesse sentido, era um verdadeiro revolucionário, um genuíno radical filosófico. Maquiavel teve a sorte de viver na Itália em um período no qual, comparado com as gerações anteriores e posteriores a ele, havia um

grau de tolerância religiosa. Se tivesse expressado sua maneira de ver algumas décadas mais tarde, durante a Contra-Reforma, teria arriscado sua vida. Suas opiniões também teriam perturbado o establishment nos séculos XIV e XV. Mesmo assim, por mais que possa ter escapado da censura da Igreja, suas posições de fato chegaram a incomodar pessoas, e um dos mais ofendidos foi Salviati, um homem tão pudico quanto devoto.

Salviati e seus aliados fizeram tudo o que puderam para impedir

que Maquiavel usufruísse de suas atitudes sabidamente libertinas. O

ataque mais malévolo talvez tenha sido o uso do Otto di Guardia, o escritório do magistrado para justiça criminal, para o qual o público podia fazer acusações anônimas contra outros cidadãos. Em maio de 1510, tal escritório recebeu a seguinte queixa: “Senhores do Oito,

vocês estão informados por meio desta de que Nicholô [sic], filho de Bernardo Maquiavel, come o cu de Lucrécia, conhecida como La Riccia. Interroguem-na e saberão a verdade> Essas acusações eram bastante comuns e quase sempre apareciam como produto de uma vendeta pessoal menor. A maioria era ignora-

da por ser subjetiva e infundada, mas à acusação contra uma fig ura pública como Maquiavel tinha o potencial de lhe causar pro blemas. A sodomia era um crime submetido à apreciação de um esc ritório especial chamado de Ufficiali di Notte e Conservatori dei Monast er!

VIAGENS

COM

UM

LÍDER MILITAR PAPAL

165

e punido com multa. Contudo, era tolerada apesar da lei, e obvia-

mente os acusadores não podiam fazer nada para sustentar suas denúncias sem acabar incriminando a si mesmos. No caso de Maquiavel,

o magistrado parece ter engolido a denúncia com uma pitada de sal, como se nada além disso jamais tivesse sido dito sobre ele, e ele nun-

ca foi investigado por nada relacionado ao crime da perversão sexual. Apesar de se divertirem com os detalhados relatos das experiências sexuais vividas no exterior, os amigos de Maquiavel tentaram alertá-lo para que fosse mais discreto. Quando ele acompanhava Júlio pela Umbria e pela Romagna, Giovan Battista Soderini lhe escreveu para aconselhar: “Então, pode não ser uma boa idéia bobear tanto."*é Esse comentário fora incitado por sórdidos rumores que circulavam por entre a pequena comunidade de políticos de Florença e iniciados por Salviati e seus amigos. Um mês depois da carta de Soderini, Biagio Buonaccorsi escreveu para Maquiavel com suas próprias ad-

vertências:

Embora gente ao presente jantando

eu pudesse esperar até o seu retorno, não quero ser neglinão lhe contar que soube, através de alguém que estava lá e mais de um, que quando Alamanno estava em Bibbona, com Ridolfi, onde havia muita gente jovem falando sobre

você, ele disse: “Depois que fui um dos Dez, nunca mais confiei nem

um pouco naquele cafajeste”, continuando nessa linha ou pior. Anote

isso, caso ainda não tenha total clareza da opinião dele. Assegure-se

de estar aqui antes das reconfirmações de cargo. Eu poderia lhe contar um monte de outras coisas, mas contarei mais integralmente quando estivermos frente a frente.!?

O uso da palavra “cafajeste” é estranho nesse contexto. Pode-se argumentar que Salviati estivesse se referindo apenas às tramas políti-

cas de Maquiavel, mas dois elementos sugerem tratar-se de um ataque 1%

Ea

166

MAQUIAVEL

mais pessoal. Em primeiro lugar, não podia criticar Justificadamente o trabalho de Maquiavel ou suas ações em público, porque ele não

tinha feito nada de errado; Salviati e o secretário simplesmente dife. riam em suas visões políticas. Mais importante do que isso, no en-

tanto, é o fato de que, sendo usada numa reunião informal, dita depois de duas taças de vinho, talvez a palavra implique fortemente que Salviati estivesse se referindo ao que ele considerava uma falha de caráter do secretário florentino. Maquiavel pode muito bem não ter ficado preocupado com o que Salviati pensava sobre seu caráter moral, mas uma das últimas linhas da carta de Biagio deve tê-lo feito pensar: “Assegure-se de estar aqui antes das reconfirmações”, alertara o amigo. Biagio estava se referindo à eleição regular dos principais burocratas do governo, incluindo o secretário da Segunda Chancelaria e o secretário dos Dez da Guerra. Maquiavel havia sempre se preocupado com essas eleições, particularmente quando estava trabalhando fora para a República. As de 1506 devem ter sido motivo de preocupação para ele, mesmo estando seu laço com Soderini excepcionalmente forte. Seu bom relacionamento com o gonfaloneiro deve lhe ter dado alguma segurança, mas ele estava bastante ciente da natureza incons-

tante da política. Gostava de Soderini, mas o considerava apenas um operário, e irresoluto. Além disso, apesar de ele ter recebido o grande título de gonfaloneiro vitalício, Maquiavel tinha bastante idéia de que isso não significaria nada se aquele regime colapsasse. Por isso estava extremamente infeliz com o estremecimento de sua relação com Salviati e nunca parou de tentar consertar a rusga entre eles. No final das contas, o esforço foi inútil, e sua forte aliança com Soderini viria a se tornar um dos principais fatores na destruição de sua carreira política. Em 1506, entretanto, esses problemas pareciam uma pos sibilida-

de remota e Maquiavel se aproximava, ainda não estando exatamente

O UM quo

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COM

UM

LÍDER MILITAR PAPAL

167

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VIAGENS

nele, do ponto mais alto de sua carreira. Poucas semanas depois de

«eu retorno a Florença, publicou um documento detalhado, Discorso o JelVordinare lo Stato di Firenze alle Armi (Discurso sobre a organizaçã militar do Estado de Florença), em que descreve como melhor condu-

s atravé no gover do ole contr o sob -la mantê como e ia milíc «ir uma

do estabelecimento de um comitê especializado em guerra e em assuntos militares. Durante esse período, a Signoria estava considerando propostas para O estabelecimento desse departamento e não é coincidência o

fato de Maquiavel publicar sua análise da idéia precisamente no momento em que os políticos procuravam um formato adequado. Em 6 de dezembro, a nova divisão do governo foi estabelecida, com o título de Nove Ufficiali dell ordinanza e Milizia Fiorentina, ou seja, Nove Oficiais da Ordenança e Milícia Florentina ou, simplesmente, os Nove. Maquiavel foi designado seu secretário. Nenhum registro do que Salviati pensou dessa nova nomeação sobreviveu, mas outros ficaram encantados com a notícia. Não acreditamos que se tenha feito, por um longo tempo em Florença, algo tão digno e bem-fundado quanto isso”, entusiasmou-se o mais ardo-

roso apoiador de Maquiavel, Francesco Soderini.'* Quase não há dúvida de que seu irmão, o gonfaloneiro, teria escrito as mesmas pa-

lavras se tivesse tido essa oportunidade. Maquiavel era agora o secretário de três dos principais departa-

mentos governamentais: a Segunda Chancelaria, os Dez da Guerra e os Nove da Ordenança e Milícia. Sua estrela ainda estava ascenden-

do, exatamente como vinha fazendo de modo ininterrupto nos últi-

mos oito anos. Contudo, uma coisa havia mudado: Maquiavel agora tinha inimigos poderosos e, para sobreviver, teria de se manter sem-

pre atento ao que acontecesse às suas costas.

/ As boas e as más coisas

Para Maquiavel, os anos de 1507 a 1510 trouxeram uma mescla entre seus sucessos políticos mais importantes e uma coleção de problemas cada vez mais perigosos. No verão de 1507, ele tinha 38 anos, estava casado com Marietta há quase seis e era pai de três crianças. Elevara-se pelas fileiras do funcionalismo público florentino para se tornar secretário de três importantes departamentos governamentais

simultaneamente. Era considerado um aliado próximo do gonfaloneiro, Piero Soderini, e tinha amigos confiáveis e fidedignos que o amavam, homens como Biagio Buonaccorsi e Luigi Guicciardini (um amigo de dias passados que não deve ser confundido com Francesco Guicciardini). Além disso, por volta dessa época ele começava a ser

reconhecido como um dos mais eruditos teóricos políticos da Itália,

um homem que amealhara palavras de respeito tanto de tiranos quanto

de sábios.

Nesse período, no entanto, Nicolau Maquiavel estava levando uma

vida dupla, e essa existência jânica tornou-se desconfortavelmente

exposta durante seus anos mais prósperos no governo florentino. Uma face de Maquiavel era a do leal e dedicado patriota que realizava com

170

MAQUIAVEL

excelência seu trabalho. À outra, a de um homem que adorava explorar O lado mais escuso da vida; um homem que se mistur ava com

prostitutas e poetas, atores e ocultistas. A vida de Maquiavel era uma coleção de opostos. Ele era servidor civil e poeta, oficial do governo e artista, diplomata ortodoxo e analista alternativo, marido atencioso e libertino. Surpreendentemente par a um

homem que era um grande analista do espírito da época, ele foi se tornando cada vez menos cauteloso, parecendo não se importar muito com

os que ficavam sabendo a respeito de seus interesses pouco usuais. Talvez essa complacência fosse decorrente da certeza da proteção de Sod erini e da consciência de que fazia seu trabalho excepcionalmente bem, merecendo o respeito de muitos. Mas Florença era uma cidade pequena, e homens como Maquiavel — que sobreviviam com suas inteligências e habilidades, mais do que pela vantagem da riqueza — não podiam sustentar ter inimigos. Ele tinha consciência disso e se deprimia genuinamente com o conflito com seu antigo protetor. Num primeiro momento, Salviati se voltara contra o secretário pela maneira como seu projeto de milícia havia sido forçado no governo

pelo gonfaloneiro, mas fez pouco para perturbar Maquiavel, apenas difundindo rumores e censurando-o de modo bastante ineficaz. Toda-

via, à medida que a milícia de Maquiavel foi se tornando popular e ele foi apontado como secretário dos Nove, a ira de Salviati foi aumentando. Rapidamente, ele Já estava se saindo bem em colocar outras famílias aristocráticas contra Maquiavel, pintando-o como um prerensioso

burocrata que havia obtido por meios fraudulentos uma posição muito acima de suas possibilidades. Em junho de 1507, ent ão, Maquiavel recebeu sua primeira pancada mais forte precipitada pel as más intenções e pela influência política de Salviari. Depois de decidir mandar uma missão diplomática ao Sacro Im péri o Romano, a Signoria, pela

primeira vez em quase uma década, descartou Maquiavel como pri meira

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esses

a Saga

AS BOAS E AS MÁS COISAS

17]

O Sacro Império Romano não tinha qualquer coisa a ver com algo

genuinamente sagrado e só era um império no sentido mais livre da palavra. Era uma afiliação de Estados menores que se haviam reunido no século X e ocupavam partes do que são hoje o nordeste da Franca, à Alemanha, a Bélgica e Luxemburgo. Mais representante de fachada do que governante imperial tradicional, o imperador era eleito e detinha um poder limitado. Para tomar decisões políticas ou mili-

tares importantes, precisava consultar uma Assembléia Imperial, reu-

nião dos chefes dos Estados que faziam parte do império. Em

1507,

o sacro imperador

romano

era Maximiliano

1 de

Habsburgo, de 43 anos de idade. Ele havia se casado com Mary, a única

filha de Carlos, o Corajoso, duque de Burgúndia, e com essa união havia

ganhado a Holanda. Eleito imperador em 1486, ele passou sua vida em intrigas políticas e campanhas militares, mas não era carismático nem particularmente bem-sucedido como estrategista. Suas tentativas de expandir a influência do império e de competir com outros grandes poderes da Europa, sobretudo França e Espanha, não deram em quase nada,

de modo que ele acabou adquirindo a reputação — não inteiramente

justificada — de bufão. Em O príncipe, Maquiavel escreveu sobre ele: O bispo Luca, a serviço de Maximiliano, o atual imperador, disse sobre sua majestade que ele nunca consultou ninguém e tampouco fez as coisas da forma como queria; isso aconteceu porque ele fez o oposto do que eu disse acima [nunca empregar muitos conselheiros diferentes). O imperador é um homem reservado, não conta a nin-

guém seus planos e não aceita qualquer conselho. Mas, assim que

seus planos são postos para funcionar e passam a ser conhecidos,

encontram a resistência daqueles que o circundam; e dessa forma

ele é facilmente desviado de seu propósito. O resultado é que, não importa o que ele faça num dia, será desfeito no outro; o que ele

quer ou planeja fazer nunca está claro, e nenhuma confiança pode

ser depositada em suas deliberações. »

.

ne

1

172

MAQUIAVEL

Todavia, por mais incompetentes que fossem muitos dos seus es. forços militares, jamais faltava a Maximiliano a autoconfiança, Quan-

do, na primavera de 1507, ele convocou a Assembléia de Constança e clamou — em honra do Estado germânico e daquela dos que rom.

pem o poder — para que tentassem reavivar a imagem do Sacro Im-

pério Romano, obteve sucesso em reunir um grande exército e os recursos para interferir, ao menos por um tempo, na política pan-

européia. Enxergando o tamanho apoio que recebera, mesmo aqueles que viam Maximiliano como um incompetente tiveram de rever suas impressões.

Em Florença, o governo percebeu que a interferência de Maximiliano na política italiana poderia, mais uma vez, desestabilizar a frágil balança de poder da península. Maximiliano, eles se deram conta, era imprudente e tinha suficiente fome de poder para realmente acreditar que podia se sair bem-sucedido onde outros, em particular a França, haviam fracassado, e desse modo varrer toda a Itália, absor-

vendo-a para seu império. Tal proposição alarmou a todos. Os franceses ficaram imediatamente cônscios de que, mesmo se Maximiliano abrisse caminho apenas por parte da Itália, a posição deles estaria ameaçada, e sua influência, perturbada. Por sua parte, o beligerante Júlio II enxergou em Maximiliano uma ameaça mortal porque acreditava, com alguma razão, que o Sacro Imperador Romano queria acrescentar ao seu pape l o de chefe da Igreja, para se tornar o verdadeiro senhor da Europa.

Enquanto isso, os líderes de poderes menores, entre eles Florenças chegaram à conclusão de que se veriam presos, como sempre, no meio

de um duelo de titãs, e de que suas fortunas seriam prejudicadas por qualquer movimento que pudesse iniciar uma guerra. Não foi surpreendente, então, que durante o verão de 1507, imediatamente

depois da convocação da Assembléia de Constança, emissários de toda

a Itália partissem para a corte de Maximiliano.

AS BOAS E AS MÁS COISAS

173

iO comentarista Francesco Guicciardini relatou a excitação súb

es ess a av er id ns co ça an Fr da rei o e qu e ub so ra: “Quando Florença

de or e os iv at ic if gn si o] an li mi xi Ma de s õe aç in qu ma [as movimentos is em am nh ti os an zi ne ve 08 € pa pa o e qu e s, õe aç ar nara grandes prep

um de e -s ar at tr am ír lu nc co s no ti en or fl os it mu , ha an em sários na Al

nma ém mb ta m bo ia ser e qu m ra ha ac e m de or ra ei im pr de o nt su as

ia er qu e , qu ni ri de So o er Pi o de çã en rv te in da io me r Po . ém dar algu

” o. id lh co es l foi ve ia qu Ma r, ia nf co e ss de pu em qu alguém em Contudo dessa vez as coisas não foram como previsto para Maquiavel ou seu patrão. Alamanno Salviati decidiu que essa nova es qu ir nas er rf te in ele ra ta pa ei de rf pe da ni tu or op ia a ec er o of çã lega tões do gonfaloneiro. Conseguiu persuadir um grupo amplo o bastante no Grande Conselho para se opor à decisão de Soderini e para emplacar uma outra candidatura para emissário, a de um jovem nobre que, Salviati alegava, deveria receber a chance de resplandecer pela República. “Mas justo quando ele [Maquiavel] estava se preparando para partir...”, conta Guicciardini, “muitos homens de boa reputação , rpo as ad nd ma ser am vi s de oa ss pe as tr ou e qu ar am m cl a ra ça me co que havia muitos jovens decentes adequados para ir à Alemanha, e seria bom que eles ganhassem experiência” Obviamente, Salviati não se importava muito com Francesco Vettori, o jovem escolhido para ir no lugar de Maquiavel. Além disho al ab tr um er faz z de pa ca no era ti en or io fl ár et cr se o e qu a bi sa so, perfeitamente bom na Alemanha; ele apenas queria causar incômodos para Soderini e seu servidor predileto. Embora o orgulho de Maquiavel deva ter sido abalado, em mui-

tos sentidos tratava-se mais de uma contestação contra Soderini do que contra seu secretário. Maquiavel era astuto demais para mostrar qualquer mágoa em público, mas seus amigos acharam que ele precisava de apoio e lhe escreveram com palavras trangiilizadoras. “Meu

bom, e não desafortunado, Maquiavel...”, começava a carta de seu

MAQUIAVEL

174

amigo Alessandro Nasi, um comissário florentino nesse momento em Cascina a negócios, “estou contente de que tenha sido cortado da comissão imperial, pois agora você está inteiramente purgado. Acredito que seja uma coisa muito boa, particularmente para você, estar em Florença em vez de na Alemanha, como poderemos discutir quando estivermos juntos novamente”? Ironicamente, logo ficou claro para a Signoria que o problema de Maximiliano era grande demais para ser resolvido com a simples indi-

cação de um emissário inexperiente como Vettori. O jovem logo estava escrevendo da corte germânica sobre as preparações de guerra do imperador e colocando alguns florentinos em pânico. O próprio Salviati pareceu ser o mais perturbado, talvez porque estivesse recebendo mensagens privadas secretas de seu homem na corte de Maximiliano, lado a lado com as notícias dos relatórios oficiais mandados para a Signoria. Assim, quando o governo soube, em agosto, que o papa estava mandando um importante oficial ao encontro do imperador e, logo depois, que Maximiliano queria de Florença nada menos do que meio milhão de ducados para assegurar que a cidade estaria protegida de seus exércitos, o Grande Conselho prontamente concordou que Maquiavel

deveria ser mandado o mais rápido possível para ajudar Vettori. A missão de Maquiavel na corte germânica foi uma experiência desoladora. Ele estava fascinado com o estilo de vida teutônico, mas

não apreciava muito a frugalidade e os modos ásperos e severos das

pessoas que encontrava; tudo tão diferente da harmoniosa e boa vida a que se acostumara na Itália. É claro que estava lá durante um intenso inverno e nunca chegou a ver as flores da primavera nas encostas

das montanhas suíças ou a vibração das cidades alemãs coroadas pelo sol de junho, e só saber da existência dessas coisas fez pouco para aliviar seu tempo naquela corte.

Porém, por menos prazerosa que fosse a missão, era al tamente

educativa. Primeiro em Sabóia, depois em Gênova — onde Maquiavel ad

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AS BOAS

E AS MÁS COISAS

175

ia ir bu ri nt co e qu do o it mu eu nd re ap ele —, 07 15 de passou O Natal tetes r, ula tic par Em . res ita mil es tõ es qu das to en im ec para O seu conh munho u como uma cultura inteiramente diferente organizava seus s de da . ci s pe “A ci ín pr O m e so e is u br e v so e r c exércitos. Mais tarde es

ou: erv obs .”, a.. rit est irr e ad rd be li a um de m za go ha an em Al da elas controlam apenas um território limitado e só perador quando querem. Não têm medo dele e poder vizinho, porque estão tão fortificadas que seria necessária uma operação demorada e difícil

obedecem ao imnem de qualquer todos sabem que para subjugá-las.

Isso acontece porque todas têm excelentes fossos e muralhas, têm

artilharia adequada; elas sempre deixam expostos ao público estoques de bebida, comida e combustível para um ano inteiro. Além disso, cada cidade alemã, ao prover mantimentos para a população comum sem prejuízo público, sempre mantém um ano de suprimentos como recurso que possam manejar nos negócios que lhes garantem o sustento e são a fonte de energia da cidade. Seus exercícios militares sempre merecem uma posição de destaque, e eles têm muitas leis e instituições para promovê-los.í No início de 1508, Maquiavel chegou em Bolzano, onde Maximi-

liano havia estabelecido sua corte naquele ínterim. Apesar das pesarosas circunstâncias que o haviam levado ao amparo de Vettori, ele

rapidamente formou um forte e duradouro laço com o jovem embai-

xador. Desde o início, os dois imediatamente descobriram muitos elementos em comum e trabalharam muito bem juntos. Vetrori parece ter ficado feliz em deixar Maquiavel escrever os relatos das reuniões com Maximiliano e apenas os assinava antes que fossem despachados para Florença; ao mesmo tempo, Maquiavel estava afável e cooperativo, mesmo sendo oficialmente o parceiro menor da missão. »

1

AH

176

MAQUIAVEL À Signoria não estava nem um pouco interessada em pagar qual.

quer tipo de tributo a Maximiliano, mas era realista o bastante para admitir que tinha pouco espaço para manobra. A milícia flo rentina era pequena e inexperiente demais para ser útil contra as poderosas

forças que o imperador havia reunido, e assim, como sempre, a República tinha de contar com o apoio francês, no qual Soderini confiava. Salviati queria apaziguar o imperador tão plena e rapidamente

quanto possível, mas o gonfaloneiro conseguiu convencer o governo a oferecer, como resposta às exigências de Maximiliano, um pagamento simbólico de trinta mil ducados. Maquiavel sabia que essa oferta seria recebida quase como um insulto, mas não conseguiu persuadir seus superiores a reconsiderála. E assim começava outro dos impasses políticos e diplomáticos com Os quais o secretário estava tão familiarizado. O governo florentino estava tentando ganhar tempo para esperar a confirmação de apoio

francês; Maquiavel (com Vettori a reboque, tomando notas) fazi a o

jogo do apaziguamento e da tergiversação, como fora instruído a faZer; € O agressor, desta vez um imperador egoísta e bombástico, tentava acelerar as coisas e gradualmente aumentava à pressão. Às conversas transcorreram até a primavera de 1508, enquanto

Os emissários seguiam a corte pelo Tirol, passando algum tempo em

Innsbruck antes de ir a Bolzano e Trento. Vettori, que declarara numa carta aos Dez da Guerra que se sentia como se estivessem “em uma ilha perdida”, foi se deprimindo e ficou doente, deixando Maq uiavel

sozinho nas negociações.” Em março, porém, estava claro que os pla nos do imperador não se concretizari am. Os franceses não haviam

feito qualquer intervenção, embora tivessem deixado evidente que não desertariam Florença; então, depois que as forças de Maximili ano ti-

veram algum sucesso de curto prazo em intimidar os venezianos, foram humilhadas por uma séri e de derrotas que acabaram po r entregar ao inimig

o mais terras do que aquelas com que ele tinha começado.

AS BOAS

E AS MÁS COISAS

177

Os florentinos se sentiram encorajados por esse desenvolvimento

dos fatos e ganharam força no curso das negociações, embora perma-

necessem cautelosos. Alguns membros da Signoria tinham dúvidas

quanto à se Maximiliano de fato iria atacar a Itália em algum mo-

mento, e se tudo não passava de uma tática de falar grosso ou uma elaborada tentativa de extorsão. Mas os florentinos não estavam em posição de assumir tal risco, pois a República era um poder menor, vulnerável e fraca. Tudo o que podia fazer — além de ganhar tempo, acreditando que poderes maiores diluiriam a situação — era esperar que as promessas francesas fossem verdadeiras e de que eles seriam capazes de concluir favoravelmente a situação.

No fim da primavera, a incompetência de Maximiliano somada à esperteza de Maquiavel já haviam feito o preço da tranqiiilidade da República baixar para quatrocentos ducados, divididos em quatro pagamentos, sendo o primeiro pagamento longínquo o bastante para que a Signoria conseguisse esperar para ver se a sorte se voltava ao seu

favor. Com as negociações encerradas em 16 de junho, depois de cavalgar a uma velocidade vertiginosa de Bologna a Bolzano, Maquiavel retornou a Florença, nunca antes tão satisfeito de voltar a ver seu lar. Maximiliano fora constrangido pelos venezianos e impedido pe-

los franceses, mas estava claro que ele ainda não desistira de suas am-

bições na Itália. Estava exasperado pela derrota de suas forças para um exército bastante menor e enfurecido com o fato de Veneza não apenas ter mantido o território que possuía, mas ampliado seus do-

mínios à custa dele. Ao mesmo tempo, alguns membros da Signoria Começaram a argumentar que a política florentina de apaziguamento através do dinheiro duramente conquistado era tão humilhante quanto

imprevidente. Por que, alguns desejavam saber, eles haviam tido que sofrer uma controvérsia política e passar pelos gastos de estabelecer uma milícia se ela jamais seria usada? E, para piorar, durante uma

calmaria nas negociações com Maximiliano, os florentinos cumpri-

178

MAQUIAVEL

ram seu hábito de voltar as atenções a Pisa, sendo que desta vez apoiadores e oponentes da milícia de Maquiavel começa ram a reivindicar seu uso contra o velho inimigo. Em 1508, Pisa já estava cercada havia mais de uma década. Situação esta que já emoldurava a passagem de Maquiavel pela Seg unda

Chancelaria e cujas tentativas de resolução foram um dos seus primeiros trabalhos no governo. Uma das razões por que o secretário

estava tão desejoso de criar a milícia era usá-la algum dia para romper

O cerco e devolver a cidade errante para Florença. Ess e novo interesse

em Pisa, vindo não dele mas de influentes figuras da Signoria, dava a

Maquiavel exatamente a oportunidade que ele queria par a exibir sua milícia e provar sua efetividade. Ele não desapontou. Ao longo do outono de 1508. viajou pel os arredores de Florença levantando fundos para financiar a nova cam panha contra Pisa e recrutou e supervisionou o treinamento daqueles que se haviam pronunciado para os batalhões como preparados para O seu primeiro cumprimento do dever. Em 21 de agosto, os soldados marcharam até Pisa e estabeleceram um acampamento, planejando passar o inverno fora da cidade sitiada. Em meados de janeiro de 1509,

Maquiavel estava estacionado com mil soldados em Mulina di Cuosa, de onde marcharam até a boca do Fiumemorto. O Arno est ava próximo de transbordar, assim como todos os outros canais da região, as pontes estavam todas vigiadas e o cerco ago ra era total. Maquiavel estava sempre no centro dos aconteciment os. Estava em conformidade com seus homens, que o admiravam en ormemen-

te. Quando os Dez da Guerra lhe pediram que se juntasse a Nicolau

Capponi (o comandante da milícia que pouco antes substituíra Don Michelotto) num campo mais seguro, Maquiavel respondeu: “Sei que

aquele acampamento é menos perigoso e estrênuo, mas, se não quises

se perigo e trabalho duro, nem teria deixado Florença. Então, S€

Vossas Senhorias me permitem, ficarei aqui nestes campos e traba-

AS BOAS

E AS MÁS

COISAS

179

lharei com os comissários nas eventualidades que possam ocorrer; aqui posso ser de algum bom uso; lá, não seria nem um pouco útil e morreria de desespero.” Nesse trecho vemos com força plena o patriotismo e a coragem

de Maquiavel. Devemos lembrar que ele não era propriamente um

militar. Não tinha qualquer treinamento em armas e seus únicos conhecimentos sobre como ser soldado eram os que ensinara a si mesmo e os que aprendera com seus comandantes, como Don Michelotto e Capponi. Maquiavel passara a maior parte de sua vida empunhando canetas ou sentado em mesas de negociação, mas aqui o vemos discutindo para permanecer na linha de frente, por entre a sujeira, as doenças e o risco sempre presente de uma morte violenta. O Conselho tinha de admitir: “[Você] perambula por todas as partes dos exércitos (...) e nós colocamos sobre os seus ombros a responsabilidade por tudo isso.”? Fora o patriotismo de Maquiavel que o conduzira à idéia de criar a milícia e era agora o mesmo patriotismo que o compelia a enfrentar um perigo real e contradizer as ordens que recebia. Os Dez da Guerra sabiam que tipo de homem ele era, mas outros, inimigos do gonfaloneiro, queriam que houvesse lá alguém que tra-

balhasse por seus interesses, e então Salviati e outro alto funcionário público, Antonio da Filicaia, foram mandados para Pisa como co| missários para supervisionar as operações. Maquiavel e Salviati entraram em conflito de imediato. Salviati se enfureceu com o fato de os soldados demonstrarem bem mais respeito pelo secretário florentino do que por um homem tão importante quanto ele e, quase tão indiscreto quanto Maquiavel o fora em outras vezes, num surto de raiva o insultou pelas costas. Maquiavel soube do incidente e escreveu uma carta de reclamação raivosa para Salviati, que instantaneamente negou as acusações, declarando com uma amargura pouco disfarçada: “Embora eles [os soldados] queiram reconhecer sua autoridade, você não está presente em todos os luga-

180

MAQUIAVEL

res para comandá-los. Concedo que eles o amem e tenham tal estima por você, porque assim, estando com você todos os dias, eles Serão mais obedientes e saberão o que fazer.”*

Ão longo da primavera e do início do verão, as forças Horentinas atacaram repetidamente as muralhas da cidade e se chocaram contra

divisões do exército pisano nas vilas e pequenas cidades ao redor dela, O cerco se manteve firme, e isso, junto com o efeito desmor alizante dos repetidos ataques, acabou por romper a resistência dos que se defendiam, de modo que no início de junho estavam prestes a se render. Maquiavel, então, teve um papel-chave em assegurar que Pisa fosse

devolvida à República sem mais qualquer banho de sangue ou indisciplina das tropas. Quando tudo estava terminado, Agostino Ves pucci escreveu a ele: Honrado Nicolau (...) Não é possível expressar quanto prazer, quanto júbilo e alegria todo o povo daqui sentiu ao ouvir a notícia da recuperação da cidade de Pisa: em alguma medida, cada homem enlou-

queceu de exultação; há fogueiras por toda a cidade, mesmo nem sendo ainda três horas da tarde: pense no que vai ser no dia de hoje

depois que anoitecer. Repito que a única coisa que pode estar fal-

tando são os céus mostrarem também algum deleite, já que não é

possível para os homens, grandes ou pequenos, mostrar deleite maior do que estamos mostrando.

Alguns dias depois, o comissário Florentino Filippo Casavecc hia

congratulou o secretário em outra carta: “Desejo-lhe mil benefícios

pela extraordinária aquisição daquela nobre cidade. Poi s, verdadeira-

mente, é possível dizer que a sua pessoa foi, em grande medi da, à responsável por isso.”10 Políticos experientes de Florença sabiam perfeitamente que a bem-

sucedida recaptura de Pisa se devia, na totalidade, a Maquiavel. No +

sda

mass

AS BOAS E AS MÁS COISAS

181

lugar onde condottieri como Paolo Vitelli e Ercole Bentivoglio, e engenheiros com mirabolantes planos para desviar o Arno, haviam falhado, Maquiavel tivera sucesso com sua bem-treinada tropa de

homens da casa. Mas nem todos estavam satisfeitos com essa con-

quista. Os amigos e os aliados de Maquiavel o louvavam alto e bom som, mas seus inimigos — que nada podiam dizer sobre o esforço, a

habilidade e o patriotismo de Maquiavel — apenas se enfureceram mais. Isso é particularmente irônico, porque, apesar de todos os seus esforços em vencer a guerra para seu povo, Maquiavel quase não recebeu reconhecimento oficial. O gonfaloneiro e seus amigos lhe ofereceram palavras lisonjeiras, mas foram os dois comissários, Salviati e da Filicaia, que, chegando em Pisa quando a guerra estava ganha, presidiram a cerimônia de rendição e receberam os louros. Foram eles, e não Maquiavel, que tiveram — junto com Capponi — seus nomes gravados em mármore no memorial construído no local da batalha. Os amigos de Maquiavel fizeram tudo o que puderam para persuadi-lo a tentar se entender com Salviati e, mesmo ele nunca tendo feito nada deliberadamente para contrariar seus inimigos (para além das coisas que eles não aprovavam), de fato prestou-se a fazer um genuíno esforço de apaziguamento. Em setembro, escreveu com palavras cautelosamente medidas uma carta a Salviati em que, com a habilidade consumada, detalhava a situação política que Florença e a Itália enfrentavam de acordo com seu ponto de vista. Concentrandose no ponto específico de saber se Maximiliano logo tomaria a cidade de Pádua ou não, ele descreveu as possíveis manobras das figuras prin-

cipais e das reprimidas, discutiu as permutações políticas por vir e seus possíveis desfechos, e com modéstia ofereceu sugestões sobre as maneiras como Florença poderia se beneficiar mais em meio às tempestuosas correntes da vida política italiana. Ofereceu a carta como um “Pequeno presente” e tinha claramente a intenção de ajudar a acalmar as águas turbulentas existentes entre eles.

182

MAQUIAVEL Salviati, no entanto, se sentia insultado com aquilo que acr edita.

va ter sido a traição de Maquiavel. Para ele, não só o secretário se havia voltado contra aqueles que lhe haviam dado o fmpeto inicial, como ostentava modos sexuais inapropriados para um oficial de confiança, Consegiientemente, tudo o que Maquiavel recebeu em resposta aos esforços de escrever a carta foi mais um tapa na cara. À primeira vista, a resposta de Salviati parece ser uma carta perfeitamente ponderada, um pouco condescendente talvez, mas é pre-

ciso levar em conta que se tratava de um dos mais respeitados e ricos

homens da Europa, enquanto Maquiavel era, apesar de sua inteligên-

cia incisiva e de seu brilho diplomático, um homem de meios humildes, não maiores que os da classe média. Assim, analisando mais de perto fica claro que a resposta de Salviati está repleta de sarcasmo e de uma cólera finamente disfarçada, e de que seus comentários refletiam Os sentimentos relacionados a Maquiavel sustentados pelo pequeno grupo a que Salviati pertencia.” Começou a carta dizendo: “Jesus. Meu caro Nicolau. Tenho a sua

carta, muito querida para mim, especialmente porque vejo que estou em seu coração, visto que você se lembra de mim com fregiiência, pelo que fico agradecido.” E declarava em seguida: “Acredito que nosso

dever é mais para com Deus, e para rogar para que Ele deixe acontecer o que for melhor, do que ter a esperança de formar algum outro

Julgamento; embora eu não saiba se essa é uma conclusão que o satis-

fará, não porque acredite que você está faltando com a fé, mas por ter

certeza de que não lhe resta muita” Essa introdução pode ser interpretada como uma série de peque-

nas palavras amigáveis, mas devemos lembrar que por essa época 0 autor desprezava Maquiavel, de modo que o sentido real deve ser: fil

AS BOAS E AS MÁS COISAS

183

A passagem seguinte de Salviati contém um ataque mais óbvio. Devoto e depreciativo das atitudes evidentemente anticristãs de Maquiavel, o que ele está dizendo é: “Ão inferno essa sua análise. Quem você pensa que é? O destino do Homem e das nações está nas mãos

do Senhor, não das pessoas que compõem as nações, nem mesmo os líderes. Mas, claro, você não acredita em Um Deus Verdadeiro, não

é, Maquiavel?”

E, se essas indiretas não eram óbvias o bastante, Salviati deixou

seu ataque menos sutil na saudação final. “Será um prazer se eu lhe tiver satisfeito...”, declarou em referência a sua resposta ao longo discurso de Maquiavel, “e se tiver esquecido de alguma coisa, deixo que meu professor repare a falta... Deus o tenha”.!2 Em outras palavras, se a minha resposta a sua lição não for suficiente, você, ó ilustre professor, sabe o que eu terei deixado de dizer e me desculpará por isso.

Não há registro da resposta de Maquiavel a tal carta, se é que houve uma. Ele deve ter compreendido as entrelinhas e visto com bastante clareza o modo como Salviati o estava desdenhando novamente. Talvez ele simplesmente tenha aceitado o fato de que a relação entre eles já não poderia ser redimida e de que só podia deixar acontecer. Nunca houve reconciliação entre os dois homens, pois pouco depois desse contato Salviati morreu de malária, quando acampado com o exército nos pântanos ao redor de Pisa. Na época em que Maquiavel escreveu a carta e recebeu a resposta de Salviati, estava se preparando para uma nova jornada no estrangeiro. Depois de uma breve pausa, o exaustivo espetáculo de

circunvoluções da política italiana se preparava para uma nova performance. Maximiliano pressionava os florentinos pelo primeiro pagamento de seu tributo, prometido um ano antes, e mais uma vez mobilizava suas forças, movimento que voltava a causar aflições e ansiedades por toda a Europa. Maquiavel partiu para Mântua no inf-

184

MAQUIAVEL

cio de outubro e de lá cavalgou para se juntar à corte do Sacro Império Romano, em Verona.

Durante o início do verão de 1509, Maximiliano obtivera suces-

so em persuadir o rei de Aragão, Luís XII e Júlio IL a formar uma liga com ele (a Liga de Cambrai) contra os venezianos, que se comprazi am

com suas novas conquistas e zombava do inefi m ciente imperador.

Principalmente por meio do uso de armas francesas, as forças comb.

nadas da França, de Aragão, do império e do Vaticano arrasaram os

venezianos numa série de batalhas que os retirou da Normandia. Isso

incitou Maquiavel a escrever em O príncipe que “em uma batalha de um dia [aquela empreendida entre a França e os venezianos em Ghiaradadda], Veneza perdeu tudo aquilo que laboriosamente adquirira no curso de oitocentos anos”.!3 Mas esse não foi o fim do assunto. Imediatamente depois dessas vitórias na Lombardia, o papa e os reis da França e de Aragão decidiram se retirar velozmente para que pudessem se concentrar em seus próprios planos e preocupações. Acreditando de modo bastante acertado que as forças estrangeiras a que Maximiliano recorrera uma vez antes não viriam a seu resgate uma segunda vez, em poucas semanas os amargurados venezianos voltaram a recapturar os domínios

perdidos. O orgulho de Maximiliano, então, transformou-se em dureza. Agindo sem apoio, ele imediatamente enviou um grande exército através das fronteiras da Lombardia para impedir os avanços dos veneztanos, porém mais uma vez passou vergonha. Suas forças superávam numericamente às do condottiere de Veneza, mas não foram páreo para a habilidade e para as táticas superiores destas, nem para O equipamento e para a experiência em lutar na região. Seu exército foi destroçado.

Depois de entregar o tributo florentino, Maquiave l seguiu o imperador pela Lombardia enquanto suas tropas avançaram para atacar O

RA

RAS

AS BOAS E AS MÁS COISAS

185

os venezianos e depois se retraíram, vencidas. A Signoria estava preocupada, com justiça, com que O imperador, atormentado e furioso

pela humilhação perpetrada pelos venezianos, pudesse descontar na

República. Como os acontecimentos confirmariam, Maximiliano era

impulsivo, e, ao não confiarem nem um pouco nele, os florentinos

estavam agindo com sabedoria. Desse modo, sobrou para Maquiavel atuar em seu duplo papel habitual, como diplomata e espião na corte de Maximiliano, em Verona. Num relatório para a Signoria de sua visita anterior à corte imperia] na Alemanha, Rapporto delle cose dell'Alemagna (Relatório sobre a situação da Alemanha), Maquiavel havia transmitido um retrato detalhado do imperador, descrevendo-o como um “homem de incontáveis virtudes” e sugerindo que, se fosse capaz de endurecer seu

próprio caráter, poderia ser um “homem quase perfeito”. Porém, es-

tando Maximiliano em transe com as dezenas de pequenos reis e líderes locais das nações que faziam o mosaico do Sacro Império Romano, raramente podia tomar as decisões que desejava. Limitado como estava pela política interna, todos os seus planos precisavam receber a aprovação do comitê. Apenas por essa razão, acreditava Maquiavel, ele continuava sendo “um príncipe medíocre”.!t Os acontecimentos do final de 1509 ilustram muito bem essa

visão. Maximiliano estava furioso com o fracasso dos projetos que iniciara com a Assembléia de Constança. Agora ele estava praticamente

sem poder, dependente das decisões de forças maiores, em particular a França e o papa. Tendo perdido todo o apoio, em dezembro de 1509,

foi forçado a retornar para casa humilhado, seus planos em cacos.

Mesmo assim, Maquiavel não estava convencido de que a ameaça

do império de Maximiliano estivesse completamente esvaída. Durante

as semanas que passou em Verona, entediado e com tempo sobrando, começou a sentir uma alteração na estrutura política da Itália. Não era algo facilmente perceptível e, de fato, com sua fina compreensão Ea

“4.

RR i

L

186

MAQUIAVEL

das coisas, ele pode muito bem ter sido o único a discriminar O que começava a acontecer. Os choques aparentemente menores com Veneza na Lombardia haviam gerado acontecimentos muito mais sipnificativos a serem observados. Em particular, concluiu Maquiavel, aquele que era o mais tresloucado dos poderosos da Europa, Júlio,

líder espiritual da Sagrada Igreja Católica Romana, se preparava para

tirar vantagem dos fracassos de Maximiliano. Ainda ponderando sobre esse assunto, e agora com a missão em Verona encerrada, Maquiavel se dirigiu de volta a Florença, onde pla-

nejou colocar seus pensamentos no papel e apresentar seus temores aos superiores. Mas então, em 29 de dezembro, enquanto se preparava para completar o último trecho de sua viagem de volta a casa, parando brevemente em Bologna alguns dias depois de perder mais um Natal com sua família, recebeu uma carta perturbadora de Biagio Buonaccorsi que o interrompeu em seus trajetos. Endereçada a “Nicolau Maquiavel, um Honrado Irmão... Onde

Quer Que Esteja”, a carta começava da seguinte maneira: “Honrado Nicolau, fui impelido a lhe escrever esta carta porque o assunto que será narrado abaixo é de tal importância que não poderia ser maior.

Não faça gozações com ele e não o negligencie, e não se desvie do

que eu vou lhe contar por nada no mundo, pois esse será um dos mais

poderosos remédios para evitar a sua ruína e a de outros.” Biagio continuou:

Amanhã fará oito dias desde que um homem mascar ado, acompa-

nhado de duas testemunhas, foi à casa do notário dos conser vatórios [Ufficiali di Notte e Conservator; dei Monasteri] e lhe entregou

uma notificação, objetando para ele que se não a desse etc. Declara-

va que, tendo você nascido de um pai etc., não pode de fo rma algu-

ma exercer a função que exerce etc, É verdade que o problema já foi tratado no passado e que a lei é a mais favorável possível, mas a na-

AS BOAS E AS MÁS COISAS

187

«ureza dos tempos e a grande quantidade de pessoas que começaram ameaa e partes as todas por -lo divulgá a e o respeit esse a fofocar a car que, se algo não for feito etc., fazem com que o assunto não vá

muito bem e precise de bastante ajuda e de um cuidado escrupulo-

so. Do tempo em que nossos amigos me informaram do fato até agora, não poupei qualquer esforço, fosse noite ou dia, debruçan-

do-me sobre a questão, para tentar suavizar um pouco o pensamento de algumas pessoas. Onde a lei estava sendo estirada de mil maneiras e recebia sinistras interpretações daqueles que procuravam agir contra você etc., agora as coisas estão mais trangiilas. Contudo, seus adversários são numerosos e não vão parar por nada. O caso é público em tudo quanto é parte, até mesmo nos prostíbulos.

Em conclusão, um Biagio genuinamente estremecido implorava a seu amigo que ficasse onde quer que a carta o encontrasse. “Fui instado nesse ponto por alguém que o ama, uma pessoa por quem você sente imensa consideração...”, declarou, “para escrever a você e dizer-lhe que fique onde está e não volte para cá por nada, porque o assunto está se acalmando e sem dúvida terá um desfecho melhor se você não estiver aqui do que se estiver”.! O incidente citado por Biagio era, na realidade, uma tentativa bastante falha dos amigos e apoiadores de Salviari para colocar em descrédito o nome de Maquiavel. Veio à tona, porque na Florença daquele tempo

existia um estranho sistema que permitia que cidadãos proclamassem seus

sentimentos sobre qualquer coisa que quisessem ao postar suas mágoas

por escrito em caixas especialmente designadas, chamadas de tamburi (bateria) ou buchi della Verita (bocas da Verdade), espalhadas pela cidade. Os cidadãos podiam dizer o que bem entendessem sobre qualquer coisa

ou qualquer pessoa. Hoje essa inovação é vista como um subproduto da

ideologia humanista da época e como elemento do arranjo democrático embriônico para o qual Florença começava a se direcionar; mas também

era, sem dúvida, passível de abuso.

188

MAQUIAVEL Em

1476, alguém usara anonimamente o tamburi para acusar

Leonardo da Vinci de sodomia e isso conduziu a um julgamento no qual o artista finalmente foi considerado inocente. No caso de Maquiavel, podemos admitir com segurança que qualquer queixa em relação a seu ateísmo ou à moral problemática era nebulosa demais para ganhar atenção legal e que seus oponentes não queriam se engajar em uma longa batalha legal que podia resultar contrária a eles. Po. rém, na falta de algo de errado em seu desempenho no trabalho, aproveitaram a lei que declarava que, se um homem se tornava devedor

de impostos, seus filhos não poderiam exercer qualquer cargo oficial no governo. Bernardo Maquiavel havia sido exatamente esse devedor. Contudo, como esclarece Biagio, esse assunto havia sido resolvido bastante tempo antes. Em 1509, a acusação não tinha qualquer fundamentação legal. Presumivelmente, Maquiavel cobrira a dívida de seu pai antes de assumir o cargo na Segunda Chancelaria, mais de uma década antes disso, de modo que não havia queixa a ser levantada contra ele. O incidente melodramático fora fabricado inteiramente para causar a Maquiavel o maior embaraço possível. Se era esse o propósito por trás de tal esforço, ele foi bem-sucedido. Como Biagio afirmara, as notícias do incidente se espalharam

rapidamente por toda a cidade e se tornaram, ao menos por um curto período, um assunto quente. Maquiavel não sofria qualquer risco real, principalmente porque não havia nada na lei que pudesse

condená-lo, mas também porque ele tinha o apoio do gonfaloneiro,

que quase com certeza é o “alguém que o ama” que Biagio menciona

em sua carta.

Esse inesperado e malicioso ataque pessoal ao bom nome de

Maquiavel era compreensivelmente alarmante, e de fato o perturbou. Porém, apesar de tê-lo encarado com seriedade, ele só se permitiu adiar

o retorno em alguns dias. Chegando em Florença em 2 de janeiro, voltou ao trabalho na chancelaria imediatamente e fez o melhor quê

AS BOAS E AS MÁS COISAS

189

pôde para dissipar a atmosfera sombria que se havia instaurado com ao mais, para serviu lhe não dio episó o Se a ação de seus inimigos.

menos aprendera que eles estavam ficando cada vez mais arrojados e

não tinham qualquer receio em tentar diminuí-lo ou em encontrar

ou iais imparc os ncer conve de e dito, descré em cair o fazê-l de rormas

figura uma era tino floren ário secret o que de sados os desinteres

inapropriada para O importante cargo que exercia.

Mas, ao mesmo tempo que enfrentava esses julgamentos tão pes-

soais, Maquiavel se preocupava cada vez mais com o cenário mais amplo. Ele continuava analisando o que vira na Lombardia e estava combinando essas observações com as notícias diárias que emergiam da França e de outras partes da Europa. De volta a Florença, comecou a reunir conhecimento a partir de espiões florentinos como Agostino Vespucci e mesclava tais informações com suas próprias observações a respeito do papa Júlio II. Todavia, até mesmo o mestre em teoria política que era Maquiavel não poderia ter adivinhado como os esquemas de um comissário papal e o enfraquecimento de sua própria presença na cena política podiam conspirar para devastar completamente sua vida.

Preso

Maquiavel desprezava Júlio II muito antes que os movimentos políticos do papa tivessem qualquer impacto adverso em sua vida e em sua carreira. Esse ódio era em parte inspirado no caráter detestável do pontífice, mas Maquiavel sempre enxergou com desgosto o modo como os papas daquele tempo se viam como líderes militares tanto quanto guias espirituais; ele era um anticristão e se opunha à noção de que um pontífice pudesse exercer tanto um poder mundano quanto

influência sobre a vida política das nações. Quando um general francês ostentou para Maquiavel que qualquer conflito militar com as forças papais iria constituir “uma excursão para Roma, mais do que uma guerra”, ele retorquiu: “Isso de fato seria algo desejável, porque

esses padres deveriam ser obrigados a engolir alguma pílula amarga neste mundo.”! No entanto o que mais desagradava a Maquiavel eram os méto-

dos e as motivações do papa. Acima de tudo, ele admirara Cesare Borgia por sua frieza; percebia aquele homem como o máximo capitão, o príncipe e dono do poder arquetípicos. Antes de sua queda, quase com certeza precipitada por uma doença mental, o duque

192

MAQUIAVEL

Valentino havia sido impiedoso, calculista e imensamente inteligen. te. Júlio era tudo isso, mas suas ações eram obscurecidas por uma instabilidade pessoal. Ele era impaciente, indisciplinado e se deixava acometer por raivas terríveis que o levavam a tomar decisões muito

ruins, aspectos esses que levaram Maquiavel a perceber que o único recurso verdadeiro que Júlio possuía era sua posição de líder espiri-

tual. Somente isso já o elevava ao status de, como disse o historiador Guicciardini, “instrumento fatal dos males da Itália”? Sem esse dom sobrenatural, no entanto, ele teria sido quase completamente ineficaz.

Maquiavel tinha clareza sobre isso quando escreveu sobre o pontífice: “O papa Júlio II era impetuoso em tudo; e encontrou tempo e circunstâncias tão favoráveis ao seu modo de proceder que sempre foi bem-sucedido (...). A brevidade de sua vida como pontífice não o fez experimentar o contrário. Se houvesse chegado um tempo em que lhe fosse necessário agir com circunspeção, fracassaria: ele nunca teria agido de modo contrário ao seu caráter.” Em 1510, as raivas de Júlio já eram lendárias, e muitos, em Roma e além, estavam chegando à conclusão de que sua volatilidade nublava sua visão. Entre 1509 e 1510, à medida que a relação entre a França e a Itália se tornava crescentemente mais tensa, o duque de

Sabóia mandou um enviado até o papa para fazer uma oferta da assistência do duque como negociador. O desafortunado homem foi aprisionado e torturado antes de poder voltar ao seu chefe. Não muito antes, ninguém menos do que o poeta Ariosto, em seu papel

de embaixador, sofreu a ameaça de ser executado simplesmente por ter entregado uma mensagem de seu chefe contendo notícias qué Júlio não queria ouvir. Em Roma, o amigo de Maquiavel, France sco Vettori, que teste munhava o temperamento intempestivo do papa quase diariamente;

PRESO

193

aon rs pe sua de es ar li cu pe os aç tr os e e ic relatou as decisões do pontíf

lidade. Em uma missiva, disse a Maquiavel:

nFra da rei o com rra gue uma ta inci ele (...) ice tíf pon ao Passemos

ça, e até agora não se pode ver que tenha ao seu lado alguém além dos venezianos, semi-arruinados e em desespero, e começa justo 'nsultando o rei, de modo que a paz não pode acontecer muito cedo. Porque primeiro ele apanha como um ladrão o Monsignor D'Auch [um cardeal francês que Júlio havia prendido e jogado nas abjetas masmorras do Castelo Sant Angelo], por quem o rei mostrou grande estima, depois tenta fazer Gênova se rebelar contra ele por meio de palavras e ações, sendo que, antes de mandar uma frota ou qual-

quer outra coisa, diz em público que Gênova vai se revoltar, que é quase como se ele dissesse ao rei: Tome cuidado.” Aí, quando não

obtém sucesso na primeira vez, diz que quer tentar uma segunda. Ataca as posses do duque de Ferrara na Romagna e, por estarem pouco protegidas, cerca parte delas. Lá permanecia a fortaleza de Lugo, que estava sendo bombardeada: algo em torno de seiscentos

cavaleiros franceses avançaram de Ferrara e, ao mero som de seu brado, todas as tropas do papa levantaram vôo e abandonaram a artilharia, e os franceses tomaram de volta todas as cidades que já haviam tomado de Ferrara. Enfim, não entendo esse papa.

De fato, parece que poucos homens entendiam de verdade as ações do papa, mas ao menos alguns chefes de Estado europeus se preocupavam com ele. O gonfaloneiro, Piero Soderini, quase com certeza

inspirado pelo bom senso e pelos conselhos de Maquiavel, declarou

sobre Júlio II: “Embora um papa como amigo não valha muito, como inimigo pode causar um grande estrago.” No início, tal filosofia en-

corajou os florentinos a tentar um apaziguamento. Nos primeiros dias de julho de 1510, o governo tomou a decisão arriscada de permitir que Marcantonio Colonna, um condottiere que pouco antes traba-

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MAQUIAVEL

lhara para eles, ajudasse o papa a tomar Gênova e em seguida a pas sar pelo território florentino quando suas forças retornavam a Roma, em direção ao sul.

Na superfície, havia aspectos do pensamento de Júlio que os

florentinos podiam ter apoiado. O papa estava determinado q ver a

Itália inteiramente livre da influência francesa e mencionava-se que certa vez teria dito que seu dever era “livrar a Itália da servidão e das mãos dos franceses”.º Sua agressão era alimentada ainda pela morte, em maio de 1509, do cardeal de Rouen, Georges d'Amboise. O clérigo fora um dos mais confiáveis e capazes conselheiros de Luís XII, e

um homem que detinha um papel diplomático crucial na relação entre o monarca e o papa. Os florentinos não sentiam grande amor pelos franceses, vendo-os como abutres que se alimentavam da fraqueza dos outros. Luís, seus conselheiros e ministros vinham se aproveitando e explorando a fragilidade militar de Florença havia décadas. Além disso, os florentinos, como todos os italianos, ressentiam-se da

presença de qualquer ocupante estrangeiro e, quando os venezianos foram surrados pela aliança criada por Maximiliano doze meses antes, muitos Estados italianos passaram a se preocupar com o fato de a França ter adquirido tanto território na Itália. Somado a isso, desconfiavam do poder de Roma e da cada vez mais ramificada presença da Espanha, cujo interesse na Itália crescia regularmen-

te. E, por trás disso tudo, havia o medo muito realista de que à França se alinhasse com outro Estado estrangeiro poderoso pata

conquistar toda a Itália e em seguida dividir os espólios e efetivamente destruir o país. Florença estava numa posição particularmente delicada. Não podia se tornar uma aliada do papa porque era dependente da França. ÀS forças de Luís a arrasariam se houvesse qualquer indício menor de

que a República estava se voltando contra eles, Além disso, Júlio não

PRESO

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aprovava Soderini, de modo que, enquanto ele fosse chefe dos Aorentinos, qualquer união com Roma era impossível. Porém, ao mesmo tempo, ao não se pronunciar abertamente con-

tra Júlio e, mais, ajudando-o em sua campanha, a Signoria começava

conrini Sode s, lado os os amb r ilia conc de rço esfo Num . Luís ar a irrit

“inuou oferecendo uma ajuda amistosa a Júlio, mas mandou Maquiavel à corte francesa para assegurar ao rei que Florença ainda era uma aliada. Maquiavel chegou a Blois em 17 de julho e na mesma noite recebeu uma carta de instruções de Soderíni em que ele declarava com bastante desespero: “É necessário que você diga ao rei que eu não tenho outros que não estes três desejos na vida: a honra de Deus, o bemestar da minha terra natal e a prosperidade e honra de Sua Majestade o rei da França.”

A missão do secretário era complexa e delicada e, à medida que as semanas se passavam, foi se tornando cada vez mais crucial para O bem-estar de Florença. Mais uma vez, Maquiavel foi tratado como um cidadão de segunda classe por seu próprio governo, pois a Signoria não lhe providenciou dinheiro suficiente para pagar os devidos mensageiros para mandar suas cartas tão importantes para Florença, assim como não o supriu com fundos adequados para que se apresentasse bem na cena social da corte francesa. Mas no final do verão de 1510 tornava-se cada vez mais difícil

para muitos dos Estados italianos não tomar algum lado na disputa. Primeiro, Júlio conclamou seus compatriotas a seguirem seu dever

cristão no imperativo moral de apoiá-lo. Quando essa estratégia falhou, passou a aplicar táticas de maior força bruta, ameaças, interdi-

tos que efetivamente isolavam po pulações de cidades inteiras, movimento este que pretendia incitar a desobediência civil. Em Blois,

Os políticos, conselheiros € generais estrangeiros encontraram a corte francesa de mau humor. “Todos aqui estão decepcionados com o

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MAQUIAVEL

papa..., informou Maquiavel aos Dez da Guerra, “que parece estar tentando arruinar a cristandade e estabelecer as bases para a destruição da Itália”

Nesse clima de crescente tensão e violência, os franceses queriam que Florença fizesse uma declaração aberta opondo-se ao papa e parantindo seu apoio à França na guerra que se aproximava. Também

queriam que o governo florentino enviasse suas próprias tropas e pagasse para contratar exércitos para lutar ao lado da França. Essas

resoluções eram impopulares na Signoria por duas razões: primeiro, porque seria caro; segundo, e mais importante, pelo fato de que, ao comprometer suas forças com a França, a cidade se tornaria vulnerável a ataques. Foram necessários dois meses para que Maquiavel conseguisse posicionar-se de modo a ser capaz de expor devidamente o caso à corte francesa. Outros diplomatas mais respeitados e com mais influência política passaram na frente dele na ordem previamente estabelecida, mas finalmente, na última semana de agosto, ele teve a sua vez € se

endereçou ao conselho de guerra francês.

O discurso era um dos mais importantes que Maquiavel já fizera,

e ele alcançou um grau de proficiência e elogiiência que muito im-

pressionou os generais e conselheiros ali reunidos. A essência do que tinha de dizer, ditada pela Signoria (mas com a qual ele concordava

inteiramente), era que Florença era uma aliada fiel e confiável que se manteria lado a lado com os franceses, mas que seria inteiramente

errado para a República deslocar para o sul suas já limitadas forças militares para confrontar o papa. À razão para isso estava clara: a República ficaria totalmente exposta ao ataque e à ocupação, o que não apenas era uma perspectiva aterradora para todos os cidadãos

florentinos, como desastrosa para as ambiçõ es francesas. Mesmo estando a Signoria, através de Maquiavel, tent

ando per manecer em bons termos com Os franceses, continuava a realizar um

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jogo de duas faces, fazendo tudo o que podia para neutralizar os senmentos cada vez mais amargos do papa em relação ao governo

orentino. Mas, a essa altura, os políticos da República já deveriam ter percebido que seriam incapazes de apaziguar Júlio. Ele se opunha

ferrenhamente ao governo de Soderini e, assim como seu predeces-

sor, Alexandre VI, desejava reinstalar os Médici como governantes de Florença, pois acreditava que podia controlá-los e transformar a cidade em um domínio de Roma.

Contudo, à medida que se passaram os meses de 1510 ea guerra

inevitável entre a França e o papa foi se tornando cada vez mais provável, o gonfaloneiro e seus aliados continuaram a fazer o de sempre: postaram-se em cima do muro e deixaram passar O tempo, acreditando que seria pouco sábio declarar abertamente o apoio à França € considerando impossível alinhar-se ao Vaticano. Tratava-se de uma política débil e de vista curta que só podia conduzir ao desastre. Pouco impressionado com a intransigência florentina, o papa estava, no verão de 1511, chegando à conclusão de que a Signoria era

um grupo de traidores e colaboracionistas. Essa opinião ficou ainda mais forte quando o governo florentino concedeu seu apoio a Luís

na criação do Conselho Eclesiástico Universal (com efeito, uma administração católica destinada a rivalizar com o Sacro Colégio), sendo Pisa utilizada como sede para esse novo e controverso conselho. Percebendo que, ao oferecer aos franceses esse apoio, ele inadvertidado alia ser e ro neut r ado erv obs ser e entr te limi o o zad cru a havi te men

e ico pân em rou ent o tin ren flo o ern gov o ro emb set em , da França ando para alh bat ava est o nt me mo se nes que ordenou a Maquiavel ( seu reconsiderar a Luís persuadir tentasse que ser notado em Blois) . e t n e g r e v i d o h l e s n o c m u plano de s a t i u M . ar o a n v a a r n i a a i p l a t i n a a p r r e u Naquele verão, uma g

fi e ti ra nt me ta on pr e as op tr as do su za li bi mo am vi do ha cidades-esta nte po s do ta Es aos ro cla a av ix de ça en or cado tratados, enquanto Fl

198

MAQUIAVEL

cialmente rebeldes localizados em seus domínios que não Seria pie. dosa em liquidar qualquer insurreição. Todas as estradas vi ndas do

sul eram cautelosamente monitoradas por vigias e a nova m ilícia egtava em máximo estado de alerta. Maquiav el passara o inverno ante. rior recrutando mais alguns milhares de hom ens de infantaria das proximidades de Florença e a milícia tinha fundo e r ecursos garantis dos para estabelecer uma cavalaria leve para escorar ainda mais as defesas da cidade.

As missões de Maquiavel junto à corte francesa acabaram sendo apenas um sucesso parcial. Ele falhou terminantemente em sua tentativa de persuadir Luís a cancelar seus planos para o cons elho de cardeais rebeldes. Em seguida, a tentativa florentina de mover 0 con selho para qualquer outro local também falhou. Mas ele obteve sucesso em convencer o rei francês a adiar em três meses o primeiro

encontro do conselho, alegando que esse tempo permitiria que Florença fortalecesse suas defesas e, assim, pudesse ajudar melhor a França. Foi uma jogada inteligente e genuína, mas, no fim, desnecessária. Embora Luís estivesse nesse momento muitíssimo entusiasmado com

seu Conselho Eclesiástico Universal, a idéia só chegou a cativar a

imaginação de um grupo pequeno de cardeais rebeldes da França e da Espanha, dos quais Bernardino Carvajal, o cardeal de Jerusalém,

era o mais importante. Esses clérigos, apesar de incensados pela atitude bombástica de Luís, eram motivados apenas por intenções egoístas que não enganavam ninguém. Ainda assim, o pequeno e entusiasmado grupo era bastante determinado. Depois de fazer tudo o que pôde em Blois, Maquiavel foi enviado a se encontrar com os cardeais para dissua di-los de seguirem com seu intento. Aqueles homens lhe desagradavam pro-

fundamente. Para ele, eram ainda mais odioso s do que o vil papa

que presídia a fé. Cada um dos cardeais estava tão-somente interes sado em depor Júlio de modo a aumentar suas próprias chances de

PRESO

199

cucedê-lo no trono papal. Cada um deles estava usando seu poder eclesiástico para ampliar seu status mundano. Maquiavel detestava

os princípios sobre os quais aqueles homens haviam fundado seus

poderes e era ainda mais avesso à hipocrisia que lhes emprestava a

situação de influência.

Além disso, era muito difícil negociar com aqueles cardeais. Eles sabiam que ocupavam uma posição de influência e entendiam claramente que Florença se colocara em um lugar muito estranho ao permitir, de partida, que o conselho planejado se reunisse em Pisa. Ainda

assim, as habilidades de Maquiavel como argumentador e negocia-

dor foram tais, que ele obteve sucesso em chegar a um acordo em que eles adiassem a missão, interrompendo a viagem à pequena cidade de Pontremoli. Lá, eles gradualmente foram ganhando conhecimento sobre a falta de apoio que os planos recebiam e do fato de que, nesse momento, até Luís perdera o interesse pelo assunto. Depois de dois meses, finalmente concordaram em mudar de planos e partir para Milão, localizada a uma distância confortável da República. Nesse novo local, o conselho se reuniu uma única vez, em novembro de

1511, e logo se dissolveu sob uma apatia quase unânime. Por essa época, aquela que havia sido alcunhada de “guerra espiri-

tual”, instigada pelo apelo de Luís aos cardeais rebeldes, havia sido

substituída pela “guerra material”. Algo que ascendera a um novo € frenético nível quando, em outubro de 1511, Júlio conseguiu criar

aquela que ficou conhecida como a Liga Sagrada. Sob o pendão de € ra Ferra a, Venez , Roma entre a alianç uma hara ameal papa o Deus,

Aragão. Em novembro, à Liga obteve a adesão do Sacro Império Romano de Maxi miliano e dos exércitos de Henrique VIII, da Inglaterparecia mente certa que dável formi força uma ssim a do an nh ga ra,

destinada a sobrepujar os franceses — que estavam lutando longe de

sua terra € com seus recursos espalhados e, desse modo, perigosamente enfraquecidos.

200

MAQUIAVEL

À princípio, entretanto, a guerra estava sendo vencida pelos fran. ceses. Liderados pelo carismático Gaston de Foix, eles capturaram q cidade de Brescia e expulsaram de lá as forças da Liga, antes de seguirem para enfrentar uma força unida de espanhóis e soldados papais, na batalha de Ravenna, em abril de 1512. Tratava-se do ponto mais alto das ambições francesas na Itália Foix foi morto em Ravenna. Em algumas poucas semanas, a Suíça havia entrado na guerra ao lado da Liga, e Maximiliano conseguira persuadir a mudar de lado um exército de mercenários alemães que

antes estava lutando pelos franceses. Logo em seguida, os suíços to-

maram Milão e as forças papais reivindicaram Bologna, Piacenza e Parma. O suspiro final veio quando os genoveses se revoltaram contra os ocupantes franceses e, em 3 de maio, a guerra estava efetivamente terminada, tendo sido os franceses expelidos da Península e encontrando-se o vitorioso papa todo-poderoso e sem qualquer oposição. Júlio celebrou com um Conselho Laterano, num ato de aparente devoção, mas, na realidade, um exercício de exultação política. Como Guicciardini declarou de modo tão perspicaz: “Aconteceram cerimônias fascinantes e sagradas que tocariam o fundo do coração de qualquer um que acreditasse que os pensamentos e propósitos verdadeiros dos que realizavam aqueles eventos eram similares às palavras que diziam neles.”? De modo pouco surpreendente, a derrota francesa gerou um estado geral de alarme em Florença. Durante o verão e a primavera, Maquiavel havia estado ocupado com sua milícia, recrutando na

Romagna e ajudando a organizar a nova cavalaria. Em 19 de fevereiro, essa nova força desfilara pela cidade, fazendo com que o jornalis ta Luca Landucci relatasse: “Trezentos arqueiros e mosqueteiros foram recrutados aqui, todos do nosso distrito. Eles se ajuntaram na Piazza della Signoria.”'º Em março, Maquiavel recebera instru ções de começar a preparar um segundo grupo de cavalaria, mas em poucas Se-

PRESO

201

O . tes van ele irr e nt me ta le mp co o ad rn to se am vi ha manas tais "déias deia ser os; tin ren flo dos os mã nas ava est destino de Florença já não s na ma se s ma gu al ho, jun em , que a, ad gr Sa a Lig da cidido pelos líderes ente am et cr se m ra ra nt co en se io, Júl de no ra te La ho el ns Co do ois dep da co íti pol a ap o ar nh se de re e os óli esp os r idi div a par em Mântua Itália.

. o ã ç a i a l i i c c n n ê o c m e e a l m e c i a d l v m c a t e a s o r e ã O papa ago n o d n i , b a i ç o n r e p r a o o r t l t i u F n d e o r e c c e t e t n l n e e i m m b u a a t t s e tmedia e s . n e o d C a O d r a i e j s c a e u d o r q g t l i n a e u m q m a e r o a aplicaçã dos sac a t r l o e m o b a v e e d i c r e e i r v c u e i o d d d é r M s e o o u o q c n n a r o e c t lho La s , a o o d i s l n u a a e i j p i r e r e s á d t o o S n e ã d ç u a l t o i v e c m a poder, seja co a o t , i a c i s r e c é n x ê m r e i a u d l e u b ; m o o i a i t a r s r á e a s p s e, e c , e s a n e s m r a o a d d a i c p o a l r s s n e i e d o f m o l h i z m o e n d e r d panhol de algo em to mente para a Ioscana. “Quando foi decidido, numa reunião em Mãàntua, pela restauração do poder dos Médici em Florença...”, escreveu Maquiavel logo

depois do acontecimento, “as pessoas em Florença temeram enorme-

o mente que o exército espanhol entrasse na Toscana. Porém, com ninguém podia ter certeza quanto a isso, pois tudo foi tratado em

eacr em s nte ice ret m ava est tos mui mo co e o, niã reu a e ant sigilo dur ditar que o papa permitiria que O exército espanhol acalorasse a região

uer isq qua er faz sem as, lut eso irr tes men sas nos m co s mo ra (...) espe

o tud re sob a tez cer a se gas che que até o açã par pre de os outros tip aquilo”.

tergivergonfaloneiro o — última a caso, neste — vez uma Mais

as mo co o iss re sob to cri des ha ten l ve ia qu Ma sou. O que quer que

nável tio ues inq e ra cla a um m co das nta fro con m, era tiv que ões raz ameaça, coelhos nhóis — viam se

não impede que os membros da Signoria tenham agido como espaassustados pelo brilho de faróis. Em 27 de agosto, os hasob o comando de seu vice-rei, Ramón de Cardona — estabelecido em Campi, a apenas alguns quilômetros de

202

MAQUIAVEL

Florença; em desespero, Soderini escreveu, por intermédio de Biagio

Buonaccorsi, a Maquiavel, que estava acampado com sua milícia na fronteira entre Florença e Bologna: “Honrado Nicolau, você sabe quem quer que eu lhe peça que se apresse aí em encontrar algum arranjo, porque ele não gosta nem um pouco desse grupo inimigo vindo

de Campi esta noite para se alojar aí, e se surpreende com isso. Adeus Faça o que puder para que o tempo não se perca em discussõe”12 s

Nessa carta extraordinária, o chefe do Estado florentino revela em

que situação lamentável se encontrava o governo e o quanto ele con-

fiava pessoalmente em Maquiavel, sobretudo em tempos de crise. O que exatamente o gonfaloneiro sitiado pensava que o enviado seria capaz de fazer para ajudar a ele e à Signoria é impossível julgar. Antes de que tivesse a chance de receber a resposta de seu secretário, Soderini ordenou a dois mil homens da milícia de Maquiavel que fossem ao forte de Firenzuola, mas então, talvez por sugestão de Maquiavel, mudou de idéia e decidiu por recuá-los até Prato, uns 16 quilômetros ao norte da cidade, e estabelecer lá uma frente

defensiva. Essa, acreditava o governo, seria um contingente forte o

bastante para ganhar tempo nas negociações com a Espanha e com o papa. Em 28 de agosto, Soderini convocou uma reunião extraordinária do Grande Conselho para propor seu próprio afastamento e que

a cidade permitisse que os Médici (que esperavam impacientemente nas frentes espanholas, a alguns quilômetros de dis tância)

retornassem como cidadãos. A primeira proposta foi rejeitada, mas

a segunda, não. Em poucas horas, notícias sobre essas decisões chegaram a Prato e, assim, não precisando de mais motivo, as forças de

Cardona atacaram. Para a surpresa de todos, esse primeiro ataque experimentou uma resistência bem-sucedida, e os espanhóis foram for çados a se reagrupar. Por um breve momento, alguns acreditaram que poderia haver uma

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203

chance de salvação para a República. A inteligência florentina descobrira que O exército espanhol reunido nas proximidades das muralhas de Prato estava exausto e que seus suprimentos estavam se

tornando insuficientes. Seu primeiro ataque ao forte fora uma tentativa a meia potência e, com seu exército num estado tão lamentável.

Cardona teria preferido chegar a um acordo em negociação com Soderini a ter de levar o assunto a mais uma luta. Mas a resistência bem-sucedida da milícia em Prato, junto com o impulso de confiança que ganhara com o apoio do Grande Conselho, deu a Soderini uma renovada esperança e uma rígida e desencaminhada determinação. Encontrando uma resistência inesperada da milícia florentina, Cardona fez a arrojada e pouco convencional jogada de deixar os florentinos saberem que seus homens estavam passando fome e que,

pelo bem deles, ele estava disposto a negociar um acordo de paz em troca de pão. Um emissário foi enviado ao Palazzo della Signoria, onde o Grande Conselho se encontrou para discutir a proposta. Foi nesse preciso momento que Soderini tomou a pior decisão de sua vida. Encorajado, o gonfaloneiro e muitos de seus conselheiros mais próximos (com exceção de Maquiavel, que estava com sua milícia) decidiram, não por falta de boa vontade ou para não mostrar qualquer inclinação a forjar um acordo, entender a oferta de Cardona como

um sinal de sua fraqueza e rejeitá-la. A decisão custou a vida de mais de quatro mil homens, mulheres e crianças, encerrou o governo de Soderini e legou a Florença um completo caos. Em 30 de agosto, o exército espanhol, morto de fome, armado até os dentes e superando numericamente em cinco vezes o exército de camponeses que Se defendia, bombardeou a fortaleza de Prato, massacrando qualquer coisa viva que cruzasse seu caminho. Os soldados estupraram e mataram centenas de mulheres que aguardavam atrás das muralhas e em seguida destruíram a fortaleza. Maquiavel

relatou:

204

MAQUIAVEL Os espanhóis, tendo conseguido atravessar alguns dos muros, co-

meçaram a fazer os defensores recuarem e a

aterrorizá-los. De modo

que, depois de uma leve resistência, todos escaparam e os espanhóis

tomaram posse da cidade [Prato], pilharam-na e massacraram sua

população em um deplorável espetáculo de calamidade (...) mais de

quatro mil pessoas morreram; os remanescentes foram capturados e, de várias formas, extorquidos. Tampouco pouparam as vi rgens em seus claustros nos lugares sagrados, que se encheram de atos de estupro e de pilhagem.!

Em Os discursos, escritos alguns anos depois desses terríveis eventos, Maquiavel descreveu a lição que aprendera das decisões tomadas pela Signoria naquele fatídico dia: Governantes de Estado, quando atacados, não podem cometer erro maior do que recusar-se a negociar, quando as milícias que atacam são significativamente mais fortes do que as suas, sobretudo se a iniciativa é proposta pelo inimigo: pois o acordo jamais será tão duro

que não represente algum benefício para aquele que o aceita, de modo

que, num certo sentido, eles estarão dividindo a vitória (...). Teria

sido melhor para o povo de Florença que o exército espanhol consentisse com qualquer uma de suas reivindicações, em vez de terem

Os espanhóis satisfeito todas as deles, pois essa já seria uma vitória

considerável. Pois o que o exército espanhol queria era mudar a forma de governo em Florença, pôr um fim em sua ligação com a França e arrecadar algum tributo. Se, dessas três coisas, os espanhói s tivessem conseguido as duas últimas e o povo de Florença, a primei-

ra, cada uma das partes teria adquirido uma certa ho nra é uma certa satisfação.!4

Foi um fim ignominioso para a liderança de Soderini na Republica de Florença. As notícias da carnificina de Prato rapi damente

PRESO

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chegaram à cidade e causaram um pânico generalizado. Às oito da

noite de 30 de agosto, Ramón de Cardona ordenou à Signoria que

romasse uma decisão imediata. Ou o gonfaloneiro deixava o cargo ou o exército espanhol lançaria um ataque devastador à própria cidade de Florença.

Desta vez, o gonfaloneiro e seus conselheiros souberam que só

podiam agir de uma forma: Soderini não podia arriscar mais uma vez as vidas de seu povo. Com muita pressa, um representante da Signoria foi despachado ao acampamento espanhol para informar Cardona de que o governo florentino aceitaria seus termos sem qualquer ressalva. Antes que uma resposta pudesse ser enviada, Maquiavel e Francesco

Vettori fizeram ressoar a resignação de Soderini e organizaram sua escapada ao exílio. Ainda naquela noite, o gonfaloneiro sumiu em direção a Siena, protegido por uma guarda pesadamente armada.

Maquiavel jamais sentira grande consideração por Soderini e, mesmo tendo sido o gonfaloneiro seu ponto de apoio no poder, ele não respeitava muito seu modo de liderar. A maneira como Soderini lidara com a crise final de seu mandato encheu Maquiavel de desgosto e, em Os discursos, ele comenta com certo desdém: “Piero Soderini pensou que, através da paciência e da bondade, poderia suprimir o desejo dos filhos de Brutus” [isto é, qualquer opositor violentamente

radical] para voltar a uma outra forma de governo, mas nisso estava enganado. Apesar de ser um homem prudente, reconheceu a necessidade de uma ação e, mesmo tendo aqueles homens ambiciosos que estavam contra ele dado espaço para que se livrasse deles, ainda assim ele não conseguiu decidir-se por fazê-lo.”15 um de to opos emo extr o era rini Sode líder, de de cida Na capa homem como Cesare Borgia. Indeciso e fraco, ele ponderou e resistiu quando devia ter se rendido, e abriu caminho quando se tornou iminente uma demonstração de força. Para Maquiavel, o ex-

per o pl em ex o era ça ren Flo de ica úbl Rep da cio alí gonfaloneiro vit

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MAQUIAVEL

feito de como a escolha de um líder baseada quase que somente no critério de nobreza conduz com fregiiência à instabilidade e ao fra-

casso. Simplesmente, Soderini havia mostrado que não era o melhor tipo de homem para liderar o Estado, fato esse que Maquiavel ex-

pressou com imaculada brutalidade quando, em 1522, por ocasião

da morte do antigo gonfaloneiro, escreveu:

Aquela noite em que Soderini morreu, Seu espírito foi para a boca do Inferno; Plutão rugiu, “Por que ao Inferno? Esptrito bobo, Vá ao Limbo com todos os outros bebês.”

Na impressão de Maquiavel, o inferno era o lugar de direito apenas para os políticos fortes e bem-sucedidos, e seu antigo líder, Piero Soderini, não mereceu esse status. Durante os primeiros dias de setembro de 1512, a República — que Maquiavel servira por 14 anos — enfrentou uma completa revisão política, e ele sabia que seu próprio futuro agora estava repleto de incerteza. Ele havia estado mais próximo do gonfaloneiro e de suas políticas do que de qualquer outro político em Florença e, enquanto O antigo regime prosseguiu por seu tortuoso caminho, ele se manteve a salvo. Agora, contudo, as bases que haviam suportado sua vida política estavam se desmoronando: primeiro, os franceses; depois, O fim do gonfaloneiro e da antiga ordem, Eram mudanças que deixa-

vam Maquiavel exposto e vulnerável.

Florença começou a mudar muito rapidamente. Os Médici,

retornando de um longo exílio, pareciam sentir precisamente o humor do povo e não fizeram nenhum gesto imediato para assu mir O

poder. Em vez disso, estabeleceram um líder de fachada, o austero Giambattista Ridolfi, que havia sido o braço direito de Savonaro la no final dos anos 1490, Ele foi declarado gonfaloneiro por um manda; aos lo ima i

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207

ro de apenas um ano € foi sempre compreendido como uma figura

de transição. Uma assembléia do povo (parlamento) foi convocada e muitos dos mecanismos do governo florentino que haviam servido a

dos. fica modi ente calm radi ou idos abol m fora oria Sign sua e coderini Da noite para o dia, os nove oficiais da Ordenança e Milícia Florentina de Gran O l. iave Maqu de cia milí a o com m assi dos, ensa disp m fora

o, líci vita iro one fal gon de o içã pos a e , ado tel man des foi ho sel Con abolida. “No dia 16 deste mês [setembro)”, relatou Maquiavel em uma

carta escrita poucos dias após esses tumultuosos acontecimentos:

a Signoria reuniu muitos cidadãos no Palazzo [Vecchio], entre eles o magnífico Giuliano [de Médici]. Estavam discutindo a reforma

governamental quando ocorreu de ouvirem um alvoroço na Piazza.

Eram Ramazzotti [um condottiere a serviço dos Médici], seus solda-

dos e alguns outros homens que haviam cercado o Palazzo e gritavam “Palle, palle” [o tradicional grito de guerra dos Médici). A cidade

inteira foi de súbito tomada pelas armas e aquele nome ecoou por todos os lados, de modo que a Signoria foi compelida a reunir a população em uma assembléia, que chamamos de parlamento, quando uma lei foi proclamada reinstalando o Médici Magnífico com todas as honras e distinções de seus ancestrais.!º

O novo governo era conduzido por um parlamento de cingiienta cidadãos abastados, todos seguidores de Médici, e os dois irmãos que agora eram chefes da família — o cardeal de 36 anos Giovanni de Médici e seu irmão mais novo, Giuliano — eram efetivamente os

governantes da cidade. (Piero de Médici, por vezes alcunhado de

“Piero, o Desafortunado”, morrera em 1503.) Astutos e perspicazes,

eles sabiam que, depois do caos e do massacre de 30 de agosto, o mais

sábio a fazer era avivar o humor de seus companheiros florentinos. Para isso, promoveram dispendiosos carnavais e festas. Bois e cavalos

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MAQUIAVEL

cobertos com as peles de animais exóticos desfilaram em carros alegóricos adornados com tecidos dourados. Homens em lustrosas armaduras e um carro com o imperador vestido com uma toga,

acompanhado de dezenas de criados, passaram pela praça, enquanto homens vestidos como grifos e demônios saracoteavam em meio à multidão. Por entre todas as mudanças políticas, Maquiavel foi virtualmen-

te ignorado. Aparecia em seu escritório na chancelaria todas as ma. nhãs e continuava com as atividades mais prosaicas de seu trabalho, referentes à administração do governo que tinha de prosseguir mesmo quando tudo à sua volta estava em estado de fluidez ideológica.

Então, no fim de setembro, instigado pelo fato de os Médici estarem mais uma vez no comando do governo e já terem assegurado algum

apoio popular, ele escreveu uma “carta de aconselhamento” ao cardeal

Giovanni de Médici. Nela declarava que seria de grande interesse para os próprios Médici que agissem com clemência e moderação em re-

lação àqueles que haviam confiscado as terras da família, quando exila-

da em 1494. A carta foi ignorada e, então, algumas semanas mais tarde, Maquiavel escreveu um discurso ainda mais longo e detalhado para os Médici. Nesse tratado, agora conhecido como A; palleschi (To the

Mediciana) ou Memorandum aos seguidores de Médici, ele não pou-

pou pancadas. Criticou muitos dos aliados de Médici e declarou que seria extremamente insensato ir muito além e muito rápido nas re-

formas, e que difamar o antigo regime pouco ajudaria ao novo. “Por conseguinte, acredito ser necessário para sua casa ganhar amigos para seu lado e não afastá-los...”, sugeriu, antes de acrescentar: “Repit o que iria apreciar se pudesse ser amigo de sua casa, e não inimigo.”"” Desta vez, Maquiavel recebeu uma resposta. Em 7 de novembro

de 1512 foi “dispensado, desapossado e totalmente removido” de todas

as suas funções.!* Ele certamente deve ter esperado tal reação, mas à

PRESO

209

expectativa prévia fez pouco para aliviar o choque. Ele servira seu Estado fielmente e nunca havia se oposto abertamente aos Médici,

mas era percebido por eles como um anjo caído, um homem que eles haviam apoiado no passado, que de fato devia seu cargo a eles, mas que havia sido um aliado próximo de um de seus inimigos. Soderini

e os Médici, assim como haviam contribuído para que Maquiavel fizesse a sua carreira, também a haviam destruído.

E desse modo começou a rápida queda de Maquiavel das escalas

do poder. Tendo-o afastado do trabalho que amava, os Médici deci-

diram transformá-lo em exemplo e iniciaram uma sucessão de atos

cruéis. Em 10 de novembro, ele foi sentenciado pela Signoria a permanecer no território florentino por 12 meses e forçado a pagar mil florins de ouro como apólice. Na semana seguinte, o antigo secretário foi proibido de entrar no Palazzo Vecchio. Para um homem cuja vida havia girado sempre em torno de seu

trabalho e das viagens que apreciava tanto, essas eram regras dolorosas, e não há dúvida de que foram calculadas para lhe causar angústia. Essas sanções não apenas humilhavam e diminufam o ex-secretário, como também serviam para apartá-lo de qualquer meio político em que poderia ter criado algum problema para os Médici. Não contente em infligir essa punição, a Signoria, no fim de novembro, ordenou uma investigação nas contas de Maquiavel e o

acusou de desviar fundos durante seu mandato como secretário da Segunda Chancelaria. A investigação requereu que os Médici quebrassem uma norma estabelecida por eles mesmos, pois Maquiavel teve de comparecer a uma série de audiências no Palazzo Vecchio. Lá, por quatro semanas, foi questionado e interrogado por alguns de seus antigos subordinados, homens que haviam trabalhado com ele por mais de uma década. Entre eles, Nicolau Michelozzi, um homem dedicado aos Médici e assistente de primeira linha, que dirigia todas

as reuniões e liderava o inquérito judicial. Apesar dos esforços

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MAQUIAVEL

estrênuos, os investigadores não cons.guiram encontrar nada que

incriminasse Maquiavel e acabaram tendo de lhe pagar uma pequena

quantia para reparar uma falta de pagamento que ele provocara a si

mesmo alguns anos antes. O ano de 1512 terminou em miséria para os Maquiavel. Nicolau,

Marietta e as crianças se retiraram para o pequeno sítio da família em

Sant Andrea, perto de San Casciano. Em Florença, a reabilitação dos Médici agora estava quase completa, enquanto, em Roma, o cardeal Giovanni de Médici estava adquirindo novos amigos e ganhando

influência na política papal. A ascensão dos Médici parecia quase impossível de interromper.

Mas os novos governantes tinham muitos inimigos em Florença

e estavam — com justiça — preocupados com potenciais conspirações contra seu regime. No início de 1513, uma delas foi iniciada por quatro dos ativistas anti-Médici — Pietro Paolo Boscoli, Agostino Capponi, Nicolau Valori e Giovanni Folchi —, mas, para a sorte de Giuliano e Giovani, a incompetência demonstrada por esse grupo foi quase tão grande quanto seu entusiasmo. Numa incrível mostra de

inépcia, um dos conspiradores, provavelmente Boscoli, perdeu um documento que listava todos aqueles que o grupo acreditava que iriam se juntar a eles numa revolta contra os irmãos Médici. Por nenhuma outra razão, a não ser o fato de ele ter sido uma vítima bem conhecida do novo regime, o nome de Maquiavel constava na lista.

O documento chegou às mãos das autoridades e todos os que haviam tido seu nome citado foram presos pela Otto di Guardia. À declaração pública para colocar Maquiavel sob custódia dizia: “Qualquer um que tenha abrigado ou conhecido quem abrigou Nicolau, filho de Bernardo Maquiavel, deve denunciá-lo imediatamente, sob

pena de ser chamado de rebelde e de perder suas posses.”1º Maquiavel estava quase com certeza na propriedade de sua famí-

lia e houve algum atraso até que ele ouvisse a notícia de sua ordem de

PRESO

211

prisão, mas ele rapidamente se entregou. Na noite de 8 de fevereiro,

julo ar ard agu lá para ça, ren Flo de lo, gel Bar de foi atirado na prisão gamento.

A cela era incrivelmente fria e quase não tinha ar. Ele quase mordividir de a tinh e tas visi r ebe rec de são mis per ha tin não ria de fome,

ouo para lado um de m ria cor que s rato os com sua cela minúscula de xo bai s mai to pon o ida dúv sem era ele Aqu «to, fosse noite ou dia. uns alg nas ape a pav ocu ele que do mun do te tan dis to mui e «ua vida ha tin que de fato o era nia ago s mai a sav cau lhe que o E meses antes. scon os ia hec con Mal do. ona isi apr sido ia hav que por pouca noção de udoc no ia rec apa e nom seu que de a idéi nem ha piradores e não tin e a eci par nto qua to tan m ava odi o ici Méd os se mento perdido. Mas, sse tra mos que cia dên evi de aço ped imo ínf s mai o rar ont enc podiam prava esta ele , eles tra con o açã arm a num ido olv env se que ele havia ticamente liquidado. a eir dad ver uma a ido met sub foi vel uia Maq te. Aí começou o açoi no ado dur pen foi ele as, cost às dos rra ama am for ços bra tortura: seus esta ndo qua ia omp err int se só nto ime mov o e e ent rep teto, solto de não mas s, veze seis por ie bár bar essa a ido met sub Foi va rente 20 solo. Ain o. feit ia hav não que as cois sou fes con nem se deixou incriminar,

a idéi or men a ter ia pod não m, age cor sua a tod da assim, apesar de

dando e do tin men m ava est s ore rad spi con os eir dad ver os se quanto a

os pri pró seus de ção olu res na dar aju para ce pli cúm seu nome como nham de ti i on pp Ca e i ol sc Bo e qu e ub so e qu e rd ta is casos. Foi só ma e poqu a or ad in im cr in is ma sa coi a s ma , me no seu do na fato mencio e a br so s vo ti ia ec pr de s io ár nt me co to fei a vi ha ele diam dizer era que ideologia dos Médici.

sess da ti pe re de is po de e es, del ão is pr da Duas semanas depois

t, on pp Ca e i ol sc Bo o, çã ra pi ns co da s ere líd s doi sões de tortura, os de 23 de r ce he an am do es ant go Lo . ão uç ec ex à foram sentenciados

en rr co de er ng ra o pel a cel sua em do da or ac foi l ve fevereiro, Maquia

212

MAQUIAVEL

tes e pelo barulho de hinos cantados pelos frades e irmãos da Compagnia dei Neri (uma instituição de caridade dedicada ao bem.

estar dos prisioneiros condenados), enquanto os dois homens eram

levados à guilhotina.

Ouvindo esses ruídos, Maquiavel sentiu pouca piedade pelos condenados. Seus sentimentos em relação a eles eram de raiva e rancor,

permeados por autopiedade, e ele decidiu expressá-los num soneto que compôs ainda na prisão para o único homem que ele acreditava que poderia salvá-lo: Giuliano de Médici.

Pode parecer estranho imaginar Maquiavel escrevendo um sone-

to na cadeia e planejando mandá-lo para o chefe do Estado florentino para implorar pelo seu perdão, mas isso seria perder um aspecto essencial de seu caráter. Ele era, afinal, um poeta, um escritor nato. E, mais importante, quando jovem havia conhecido Giuliano de Médici e havia sido reconhecido como poeta publicado na corte dos Médici no início dos anos 1490. Ele deve ter acreditado que poderia instigar a imaginação de Giuliano e fazê-lo recordar-se dele em sua infância, fazê-lo perceber seus muitos talentos e concluir que mantê-lo preso em Bargello era um absurdo. O soneto começa: “Giuliano, eu tenho um par de algemas em minhas pernas

e seis marcas de cordas em minhas costas;

meus outros infortúnios não devo contar, pois se trata da maneira como são tratados os poetas Essas paredes estão cheias de piolhos tão grandes e gordos que parecem borboletas, e nunca houve um fedor assim em Roncesvalles ou na Sardenha, entre aqueles bosques, como nesta minha fina morada. Com um ruído que soa como Jove

e todo o Etna lançando aerólitos à Ter ra,

um prisioneiro é acorrentado e outro sol to,

PRESO

213

cadeados, chaves e pinos chocalham juntos, e outro grita: Longe demais do chão! O que me preocupa mais é que,

enquanto dormia, antes de amanhecer,

comecei a ouvir Rezamos por vocês.

Agora, deixem-nos tr.

Eu rezo para que sua clemência se volte para mim e supere a fama de seu pai e de seu avô.”

Tratava-se, é claro, de uma carta de súplica, mas escrita com desavoc pro s mai que os , eto son se des sos ver os os tod De «reza e estilo. s mo za Re ir ouv a ei mec “Co : fim do os xim pró ão est os ári ent com ram êneri exp sua a ere ref se vel uia Maq ir.” s -no xem dei ra, Ago por vocês”. a € ão, cuç exe a a par s ado lev do sen i on pp Ca e i cia de ouvir Boscol a er rev esc a ou lev O que ão vaç pro sua de o ect asp o e ess foi pio ncí pri aerv obs a ess da rni ede emp é mo co am ar nt me co já tos Mui no. Giulia iam hav ns me ho Os . fato um de são res exp s ple ção, mas se trata da sim selado seus destinos com suas ações tolas. Eram eles que haviam co-

raont enc se ra ago ele que em el rív ter ão uaç sit na l locado Maquiave zo? re sp de e qu do is ma go al s ele r po ir nt se de ia ter va; por que a do ta es pr a nh te se não ci di Mé de no ia ul Gi e qu de en re rp Não su s Ma do. ebi rec a nh te O is ma ja que el sív pos é e responder ao soneto,

ão tensen o urs rec ro out ha tin o Nã . do me m se va Maquiavel continua is ma é at , to ne so o nd gu se um eu ev cr tar de novo, de modo que es ginou uma musa visiima te Nes pri mei o ro. que do autozombeteiro zo Daz sim e u, ola Nic é não cê “Vo : -o do en nd ee pr re € tando-o na prisão enrm la pu po s ma o, nt le ta o uc po de e o ne [um poeta florentino coe tâ res amarrados e está anha calc os e as ra pe as m te is po , ] o d te aclama

. acorrentado como um lunático ter se ve de te en am rt ce , to ne so o nd gu se Se Giuliano recebeu o 931

inha ten que de cia dên evi er lqu qua há não mas ele, m co divertido

214

MAQUIAVEL

fluenciado no destino de Maquiavel. Em 21 de fevereiro, dois dias antes da execução de Boscoli e Capponi, Júlio havia morrido subitamente, aos 69 anos. Em 6 de março, os cardeais iniciaram o conclave

e no dia 11 um novo papa estava eleito. Assumiu o nome de Leão X,

mas até então era conhecido como cardeal Giovanni de Médici dos governantes de Florença e irmão de Giuliano de Médici.

UM

Florença raramente havia testemunhado qualquer coisa como as

celebrações que se sucederam a essa notícia. As lojas fecharam suas portas e parecia que todas as seções da sociedade estavam cheias de energia e excitação pela eleição de um papa florentino. Comerciantes e banqueiros perceberam rapidamente que essa mudança no curso dos acontecimentos iria aquecer os negócios enormemente; os devotos deram graças por essa nova união entre os poderes eclesiásticos e mundanos, e os Médici puderam sentir uma combinação de segurança e confiança que a família não sentia desde os tempos de Lorenzo. De repente, Giuliano e Giovanni eram amados tanto em Florença

como em Roma.

Maquiavel também tinha razões para se alegrar. Como parte das celebrações em Florença, todos os prisioneiros, exceto os dois conspiradores remanescentes — Vallori e Flochi — foram liberados. Em

12 de março, Maquiavel foi um dos primeiros a ser dispensado de

Bargello como homem livre. Uma das primeiras coisas que fez ao retornar para sua casa foi €s-

crever a seu amigo Francesco Vettori, o embaixador florentino no Vaticano, que havia tratado de utilizar sua limitada influência em

Roma para assegurar a soltura rápida de Maquiavel. Falhara completamente em seus esforços, mas Maquiavel sabia que ele era uma das poucas pessoas que poderiam abrir portas para ele no futuro e queria

expressar sua apreciação por aqueles esforços e contar-lhe como ha-

via resistido a suas penitências com firmeza. “Quanto a voltar minha

face contra a Fortuna”, escreveu ele, “gostaria que você pudesse tirar 5»

.

E



PRESO

215

este prazer a partir dos meus problemas e saber que eu os suportei tão diretamente que até me orgulhei de mim mesmo e me ví como homem maior do que jamais me vira. E se esses nossos novos mestres

acharem apropriado não me deixar jogado ao chão, ficarei feliz e, acredite, agirei de tal maneira que também eles terão razões para se orgulhar de mim”?

Para Maquiavel, esse episódio foi uma das experiências mais marcantes de sua vida. Na cadeia, ele enfrentara a dor e a morte iminente com estoicismo. Agora sentia-se merecidamente orgulhoso de ter suportado tão bem um sofrimento terrível daqueles. E, o que é ainda mais importante para o estado de sua mente e para seu futuro, descobrira grande consolo na escrita. É provável que nunca tenha considerado os sonetos para Giuliano de Médici algo mais do que tentativas desesperadas de reconquistar a liberdade, mas o fato é que se entregara inteiro a eles. No ponto mais baixo de sua vida, recorrera à palavra escrita, Sempre sentira um grande amor pela literatura e era admirado por aqueles que haviam lido suas cartas e ensaios. Como autor dos discursos de Soderini, havia buscado palavras apropriadas para serem ouvidas pelos poderosos do mundo e às vezes elas de fato

haviam sido ouvidas com atenção. Agora ele havia descoberto a possibilidade de preservar a alma através da criatividade. Tratava-se de uma das poucas coisas com as quais podia contar nesse cambiante mundo, indigno de confiança, e logo se tornaria essencial para sua sobrevivência.

A tortura física era uma coisa; a perspectiva de um futuro sem sentido ou valor, outra bem diferente, e isso era exatamente o que Maquiavel parecia estar enfrentando quando deixou a prisão, em

março de 1513. Estava sem trabalho, tinha muito pouco dinheiro e

muitos dependentes; era vítima da desconfiança de seus superiores, os governantes de Florença, tinha poucos amigos influentes e se apro-

ximava de seu quadragésimo aniversário, uma idade da qual se res-

çar come se para nto mome bom um é não mas a, iênci exper a peita de novo. Parece que, por um curto período depois de solto, Maquiavel

celebrou sua liberdade e encontrou consolo na companhia dos amigos, em sua maioria homens que também haviam perdido seus empregos e que não eram benquistos pelos governantes da cidade. Entre esses amigos, o sempre fiel Biagio Buonaccorsi, que havia, não muito

bém Tam a. espos a amad sua de e mort a com do sofri antes disso, torse tarde mais (que hia vecc Casa po Filip grupo do parte faziam naria a primeira pessoa a ler O príncipe), lommaso del Bene, um antigo empregado da chancelaria, e o comerciante e renomado li-

MAQUIAVEL

218

bertino Donato del Corno. “Toda a turma lhe manda saudações”,

escreveu Maquiavel ao amigo comum Francesco Vettori, que ainda

estava em Roma. “À cada dia visitamos a casa de alguma garota para

recuperar nosso vigor.!

Mas logo Maquiavel precisou sair de Florença, para se afastar e

observar, para deixar para trás, ao menos por um tempo, a zombaria

e as agressões de seus detratores. O retiro óbvio era o pequeno e bastante triste sítio de Sant Andrea, a apenas dez quilômetros de Floren-

ça. Era suficientemente próximo da cidade para que se pudesse ver as torres aglomeradas ao longo do Arno a partir das colinas ao lado da casa, mas distante o bastante para permitir que Maquiavel se sentisse

completamente alijado de lembranças desagradáveis. Em algum sentido, ele estava em exílio, mas, ao menos por um tempo, um pedaço

de si deliberadamente queria o isolamento; pois, se não podia fazer

parte das coisas, como fizera nos 15 anos anteriores, então preferia estar fisicamente removido da fonte de sua dor. Queria estar “distante de qualquer rosto humano”. Foi uma mudança de estilo de vida que não ocorreu nem um pouco facilmente para Maquiavel. Durante aqueles últimos 15 anos, passara menos tempo em casa do que fora de Florença, trabalhando nas cortes dos poderosos. Ele se importava com sua família, mas ser um bom marido e um bom pai não era algo que vinha naturalmente para ele. Era muito voltado para si mesmo, muito focado em seus próprios pensamentos para ser facilmente domesticado. Por um lado,

preocupava-se com os grandes assuntos da época; por outro, era apai-

xonado por conquistas varonis, bebida, prostitutas e jogos de azar.

Tinha imensos recursos internos, mas eles eram mais bem aproveita dos para lidar com questões do mundo, de modo que lhe era quase

impossível se preocupar com os problemas do dia-a-dia. Numa carta escrita cerca de nove meses depois de inicia do sel auto-exílio e logo antes de retornar com à família a Florença por UM a

o =

E-

dg

1

EXÍLIO

219

período mais longo, descreveu em detalhes a rotina que conseguira : a d i v a v o n a u s m e r e c estabele

Estou morando em meu sítio e, desde os meus últimos desastres, não cheguei a passar um total de vinte dias em Florença. Até agora

venho caçando tordos com as próprias mãos. Acordo antes do ama-

nhecer, preparo o visco para apanhá-los e saio de casa carregando tal quantidade de gaiolas nas costas que pareço Geta quando voltou do porto com os livros de Anfitrião [alusão a uma história popular da época]. Consigo capturar no mínimo dois, no máximo seis tordos. E assim passei o mês de novembro inteiro. Algum dia essa diversão, embora desprezível e estranha para mim, acabará — para meu pesar. Devo lhe contar sobre a minha vida. Acordo cedo com o sol e vou em direção a um dos bosques que andei derrubando; lá, passo algumas horas inspecionando o trabalho do dia anterior e mato algum tempo com os lenhadores, que sempre estão travando alguma disputa, seja entre eles ou com os vizinhos (...). Ao deixar o bosque, num salto vou de lá para um dos locais onde penduro minhas armadilhas para pássaros. Levo um livro sob o braço: Dante, Petrarca ou um dos poetas menores, como Tibulo, Ovídio, algum desses. Leio sobre suas paixões amorosas e sobre seus amores, lembro do meu, e essas reflexões me deixam feliz por um instante. Então tomo meu rumo pela estrada em direção à hospedaria, converso com passantes, peço notícias de suas regiões, ouço sobre vários assuntos, observo o gênero humano: a variedade de gostos, a diversidade de suas imagi-

nações. Nesse ponto já é hora de comer; com a minha família, como a refeição que este pobre sítio e meu minúsculo patrimônio podem

me proporcionar. Quando termino de comer, volto para a hospedaria, onde geralmente estão O estalajadeiro, um açougueiro, um mo-

leiro e alguns operadores de estufa. Eu me misturo com eles pelo hamil nam sio oca os jog es ess ão: gam e cca cri o and jog dia, resto do

s mai No . ões raç upe vit e s ada osc emb s vei iná erm int € as brig de res

220

MAQUIAVEL das vezes, dicutimos sobre uma ninharia; ainda assim, as pessoas podem

nos ouvir gritando até em San Casciano.

Desse modo,

engaiolado junto com esses piolhos, retiro o molde do meu cérebro e dou espaço à maldade do meu destino, contente de ser tratado dessa maneira rude apenas para descobrir se meu destino se envergonha

ou não de fazer isso comigo. Quando chega a noite, volto para casa e entro no meu estúdio;

deixo na soleira da porta minhas roupas de trabalho, cobertas de lama e sujeira, e ponho as vestimentas de corte e palácio. Vestido apropriadamente, penetro as veneráveis cortes dos antigos, onde, recebido solicitamente por eles, me nutro com aquela comida que é só minha e para a qual eu nasci; onde não tenho vergonha de questioná-los

sobre os motivos de suas ações, e eles, com amabilidade humana, me respondem. E por quatro horas de cada vez não sinto qualquer tédio, esqueço todos os meus problemas, não temo a pobreza nem a morte. Deixo-me absorver por eles completamente. E, como Dante diz que ninguém entende nada a não ser que retenha aquilo que entendeu, tomei nota daquilo com que me beneficiei nas conversas

com eles e compus um pequeno estudo, De principatibus, em que mergulho o mais profundamente quanto posso nas idéias concernentes a esse assunto, discutindo a definição de principado, as categorias de principado, a maneira como são adquiridos, retidos, é por que são perdidos.?

Maquiavel se expressa com tanta clareza que podemos facilmente imaginá-lo vivendo essa existência de alienação, um estilo de vida tão

“desprezível e estranho” para ele, como ele mesmo diz. Podemos

visualizá-lo agindo como bom diplomata nas disputas entre os lenhadores, se envolvendo em resolver esses assuntos da exata e mesma maneira com que anteriormente lidava com condes e duques, prínci-

pes e papas. Mais chocante é sua descrição de como escreveu O principe, se arrumando com vestimentas refinadas, agora que não precisavã

EXÍLIO

221

dos tor de a caç a a par s da ua eq ad as up ro as rot e cas tos de de nad a além a víd da os rn de mo es or ad rv se ob , nós a par im, ass a nd Ai io. em seu sít

sas coi sas des ção cri des sua ia ênc gii elo tal m co o sm me l, ve ia de Maqu

. vel iná mag ini se qua na tor se que ha ran est tão ão, parece, por alguma raz

tão e so mo fa tão ra ago m me ho o — l ve ia qu Ma Como podia s soa pes tas tan m ra ia nc ue fl in ias idé as cuj m me ho incompreendido, o

s so mo fa s seu eu rev esc que de des s, ulo séc co cin s mo ti durante os úl pomo Co io! sít um por o nd ea ss pa o mp te seu r ça di er sp de — livros que a vid de ilo est de a nç da mu te an oc ch e ita súb ela aqu m co ar dia lid de os jog por s rei dos a hi an mp co a do an oc tr a, av nt me ri pe agora ex taberna e discussões mesquinhas com os trabalhadores? A resposta simples é que Nicolau Maquiavel não tinha escolha. Ele não podia fazer nada senão aceitar sua fortuna e usar as preocupações efêémeras que preenchiam seus dias como contrapeso para suas noites. “Misturar-se com os piolhos” dava-lhe as bases para que pudesse trabalhar naquela que um dia seria considerada uma obra-

prima.

E, à medida que Maquiavel voltava sua mente para as cortes dos

reis e dos veneráveis antigos, as questões de Estado prosseguiam como se ele jamais houvesse existido. Quando retornou ao microcosmo de

sua casa no campo, o macrocosmo da política européia não se sobressaltou nem um pouco. As notícias sobre os acontecimentos em Florença e além chegavam através de amigos que o visitavam ou por cartas, ori. Vert sco nce Fra com o mp te e ess r po as ad oc tr as e particularment Não é difícil imaginar Biagio Buonaccorsi — que havia sido afastado de sua posição no mesmo momento que seu antigo chefe — aparecendo para uma visita; € OULOS antigos associados, os que não tinham

s. leai ram ece man per bém tam o, açã oci ass por dos ula mac ser medo de Por meio dessas fontes, assim como através dos “passantes” com quem

ele nos conta que conversava, Maquiavel se mantinha inteirado so-

bre as atualidades políticas.

MAQUIAVEL

222

Os Médici, soube ele, haviam-se tornado rapidamente um foco de poder na Europa. Um poder que se desenvolvia em torno de qua-

tro membros-chave da família. Em Roma, Giovanni de Médici fora

coroado como papa Leão X em março de 1513 e, em Florença, Giuliano de Médici seguia atuando, por um período breve, como

mandante interino. Em agosto, o sobrinho de apenas 21 anos dos dois irmãos, Lorenzo di Piero de Médici, foi designado governante de Florença por seu tio mais velho, Giovanni. Lorenzo — que se tor-

nou duque de Urbino logo depois que o papa tomou o ducado do seu proprietário de direito, Francesco della Rovere — era um líder militar mordaz que dedicava pouco tempo para qualquer coisa que não fosse a aquisição de terras e de status, e já estava adquirindo uma reputação de guerreiro empedernido, à maneira de Cesare Borgia. Giuliano era o exato oposto de seu sobrinho. Tendo mais tarde assumido o título de duque de Nemours, ele não era nem um pouco apropriado para ocupar altos cargos políticos. Era um tanto afeminado, sabidamente homossexual e muito mais interessado nas artes do que nas questões de Estado. Mesmo assim, exigiu uma função na estrutu-

ra de poder dos Médici. Preferindo uma posição lucrativa que lhe acarretasse pouca responsabilidade, mas um certo grau de grandilogiiência, ele recebeu os títulos de Patrício de Roma e Capi-

tão das Forças Militares Eclesiásticas. O quarto membro desse grupo de elite era o primo de Giuliano € Giovanni, Giulio de Médici, o mais velho dos quatro, com 35 anos

de idade. Sendo clérigo, poucas semanas após a ascensão de Giovanni ao trono papal, Giulio tornou-se arcebispo de Florença e logo cardeal, quatro meses depais, em setembro. Mais tarde ele sucederia seu

primo no papado, tornando-se papa Clemente VII, em 1523. No topo dessa nova estrutura de poder estava o papa, o que signlficava que as questões internas de Florença agora eram quase exclusi-

vamente controladas a partir de Roma. Virtualmente, Flor ença perdeu E

1

e

EXÍLIO

223

«ua independência ou qualquer forma de identidade política própria. Em vez disso, tornara-se parte de uma ampla cadeia de preocupações inte s pelo ida mov a anç mud uma de se avaTrat eclesiásticas e papais.

por«esses de Leão, mas ao mesmo tempo era bastante apropriada, que, ao menos por um tempo, protegia os interesses florentínos de

Estados estrangeiros ciosos por estabelecer alguma base de operações na Itália. No início de 1513, Luís XII, que muito fora prejudicado pelas

ações do predecessor de Leão, Júlio, e pela Liga Sagrada, obteve sucesso em formar uma tênue aliança com Veneza. Em junho, na batalha de Novara, as forças unidas da França e de Veneza tentaram conquistar Milão, mas foram sonoramente derrotadas pelos exércitos do papa e por mercenários contratados pelos antigos governantes

de Milão, a família Sforza. Isso acarretou a reinstauração de Beatrice

d'Este e Massimiliano Sforza, filho do antigo duque, Ludovico Sforza. Retirando-se desarranjadas da Itália, as tropas de Luís chegaram em suas terras tarde demais para lutar em uma outra guerra, precipitada por um ataque inesperado de Henrique VIII, da Inglaterra, que

em julho unira forças com outro aliado da Liga Sagrada, o imperador

Maximiliano I, entrara em Florença e tomara Picardy. Em agosto, Os exércitos inglês e imperial continuaram destruindo a desmoralizada hecicon ou fic te ba em e Ess . ais Cal a o im óx pr e, at eg in Gu França em do como a “Batalha das Esporas, por causa da pressa com que a ca-

valaria francesa teve de percorrer tal trajeto. os unt ass e cas íti pol as íci not de te fon a ios val s mai a l, ve ia qu Para Ma

contemporâneos era Francesco Vettori, de quem era amigo desde que

de e cort a para ou lev os iati Salv nno ama as maquinações de Al de s ante co pou 2, 151 de ro emb dez de 30 Em . 1507 em no, Maximilia

Os tra con ão raç spi con da nte ipa tic par mo co do ma «o Maquiavel ser

Médici, Vettori (junto com dois outros homens, Jacopo Salviari e Mateus . ma Ro os em tin ren es flo or ad ix ba em s trê dos um ado gn si de a Strozzi) for

224

MAQUIAVEL

Essa correspondência durou quase três anos, durante os quais Maquiavel

e Vettori se escreviam regularmente, enchendo suas cartas de discussões ricamente detalhadas e interessantes análises políticas. À troca começou com uma carta que Maquiavel escreveu logo após

sua soltura da prisão de Bargello e se seguiu com uma dúzia de cartas

referentes a seu período em Sant Andrea, sua escrita de O príncipe e Os discursos e suas muitas tentativas frustradas de conseguir um tra-

balho na Florença agora conduzida pelos Médici. São cartas fascin an-

tes, porém estranhas: estão abarrotadas de observações per spicazes,

argumentos e contra-argumentos, mas, por entre os monólogos imponentes, pode-se perceber uma espécie de competição entre os dois intelectuais, que tampouco deixam de lado fofocas e conversas leves sobre o amor, sobre sexo e sobre o cenário social romano. Além de prover Maquiavel de informações sobre as mais recentes manobras dos grandes líderes, essa troca também mantinha a política viva dentro dele. Ao mesmo tempo, Vettori, que sentia um enorme respeito pelos conhecimentos e pelo juízo crítico de seu amigo, usava as cartas como uma forma de manter seu intelecto afiado em meio à vida vazia e pouco satisfatória de Roma. Para Maquiavel, a corres pondência era um meio vital de comunicação e, mais do que isso, suas cartas em resposta às ponderações e aos questionamentos de Vettori eram uma fonte de inspiração; nada menos do que as fagulhas que acendiam o fogo para O príncipe. Quando Maquiavel se instalou no campo logo depois de ser libe-

rado da prisão, sentia-se terminantemente cansado do mundo e que ria afastar-se da política. “Resolvi não mais pensar sobre política ou

discuti-la”, disse a Vettori.! Mas isso viria a mudar rapi damente, pois

a política estava em seu sangue e, assim como não podia parar de respirar, não podia parar de pensar nela. Ao longo do ano de 1513, os dois homens discutiram as reviravoltas e o fluxo do poder político europeu e cada um fez as suas pre =

dom E

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EXÍLIO

225

l ve ia qu Ma u vo le e ad id iv at sa Es . mo co e visões sobre O que aconteceria

e, qu de ça en cr a su ar im an re a e as ci ên ri pe ex as ri óp pr a repassar suas o nã o mp te u se de ns me ho s do s õe aç as , is ta en em quesitos findam

co ou mp ta mo co s, go ti an os mp te de s do s õe aç s eram diferentes da

das es çõ no as am ir rg su í Da o. im óx pr ro tu fu m nu es nt seriam difere cI .. . 3 cc 3 “ “regras gerais» 92

4

máximas”

e “propostas

que constituiriam uma li-

a ora co, íti pol o ess suc ao ora m va va le e qu s ore derança ideal” e dos fat um possível fracasso. s l, ma ve ia qu Ma de da vi el na ív rr ho s mê um i fo 13 Agosto de 15 rias. ató isf sat s mai ias ênc eri exp s sua de a um de cio iní o ou ent res rep

ele , sto ago de 4 em ci, nac Ver ni an ov Gi ho rin sob seu a o Escrevend

a nh ni ni me a um luz à a der ta iet Mar es ant o mp te o uc conta que po que morreu três meses depois. Em seguida, ele diz: “Fisicamente eu

vez Tal . * os ct pe as ros out os os tod em mal ou est mas , bem to sin me

incitado por esse acontecimento triste e por sensações de desespero, ele começou a trabalhar em um novo projeto. Por vários meses ele Os de cio iní o ia nar tor se de tar s mai que o m co do an lh ta ba vinha pe. nci prí O que do e ent ang abr s mai co íti pol o tad tra um , discursos s seu em er pod O êm nt ma s ere líd os mo co mas for as do an pl Contem Estados e pensando sobre a maneira como um verdadeiro príncipe o deveria obter e reter seu sucesso, de repente Maquiavel foi arrebatad ria o rda abo que em eto dir € to cur o tad tra um er rev esc de ia idé a pel conceito de “governante ideal”,

4. 151 de o eir jan e 3 151 de sto ago re ent o rit esc foi O príncipe

pres sõe alu € os ári ent com de tir par à e ent ram mei pri so dis s mo Sabe vel já uia Maq , ro mb ve no Em i. tor Vet m co cia dên pon res cor na sentes

xipró go ami um a par ho cun ras ro mei pri do mostrara algumas partes

estava al Nat do a per vés na e ia, cch ave Cas o ipp Fil mo de Florença, A pri. ma Ro a par ho bal tra seu de ia cóp a um ar nd ma pronto para um o nçã ate de e da ssa ere int des te tan bas foi i tor Vet de meira reação tanto desfocada.

No fim de uma carta longa e loquaz, ele disse sim-

226

MAQUIAVEL

plesmente: “Li os capítulos do seu trabalho (...) e eles me agr adaram sobremaneira.”é Embora Maquiavel quase certamente tenha se sentido um pouco

diminuído pelo pálido elogio de Vettori, por essa época ele estava tão

empolgado com o que havia escrito que já nem se preocupava propriamente com o conteúdo de seu trabalho, e sim com o que poderia

fazer com ele. Em janeiro, na mesma época em que recebeu a resposta de Vettori, deu por encerradas as atividades no campo, também

em virtude do inverno, e retornou com sua família a Florença. Em sua mala, o manuscrito quase completo de O príncipe e uma boa parte de Os discursos.

Maquiavel tinha bastante consciência de que ao escrever O príncipe ele se valera de suas experiências nas cortes dos grandes líderes da Europa. Ele deixara isso claro em sua longa carta de dezembro de 1513, em que contava como escrevera o livro. Na carta, reiterava esse ponto com o comentário: “E, por meio desse

meu estudo, ficará evidente que, durante esses 15 anos em que vim estudando a arte de governar, nunca descansei ou deixei de levar a sério o trabalho.””

Entretanto, tão importantes quanto suas experiências passadas

eram as próprias circunstâncias de sua vida no final de 1513, pois não

restam dúvidas de que Maquiavel teria sido incapaz de escrever sua

obra-prima se ainda estivesse em seu antigo emprego. Se a carreira dele tivesse sobrevivido ao retorno dos Médici, ele nunca teria encontrado o tempo e, mais importante do que isso, a motivação necessária para destilar seus pensamentos e recapitular sua extensa dedicação à política. Nesse sentido, estava seguindo os passos de

Dante, o qual, dois séculos antes, criara sua obra mais duradoura, 4 Divina Comédia, quando no exílio de Florença. Sobre suas experiências, Dante escrevera:

EXÍLIO

227

Você deve deixar para trás tudo o que ama mais caramente, e essa é

a flecha que o arco do exílio atira primeiro. Você deve descobrir quão

amargo é o pão de outra pessoa, e quão duro é o caminho para cima

e para baixo que as escadas dela perfazem.*

Era perfeitamente compreensível que agora Maquiavel ansiasse por

ser reconhecido por aquilo que, ele sabia, era uma obra de grande

mérito e poder. O retorno da família Maquiavel a Florença se justificava pela necessidade prática de evitar o inverno no campo, mas também havia o fato de que Maquiavel queria estar na cidade para supervisionar a publicação de seu manuscrito e assegurar-se de que alcançaria algumas pessoas influentes. Além disso, sentia falta de algum contato mais humano, depois de tanto tempo imiscuído na selvageria e no isolamento rural. Ele escrevera algo que sabia ser uma excelente obra, um tratado que amealhava tudo o que havia aprendi-

do e vivido em toda sua carreira na chancelaria, e agora desejava que aquilo fosse lido. Apesar de Maquiavel ter sido completamente maltratado pelos Médici, percebeu que pouca coisa de real valor podia ser conseguida em Florença sem a ajuda deles e, ao mesmo tempo, jamais desistira totalmente da idéia de que ainda podia ser aceito por eles e com isso conseguir algum emprego mais lucrativo. Assim, pa-

recia uma idéia perfeitamente razoável usar seu tratado como demonstração de seu talento, com os quais poderia convencer a

família mais importante da Itália a contratá-lo de novo. Para isso, ele estava utilizando duas táticas. Primeiro, esperava que Vettori usasse sua influência e persuadisse o papa a dedicar-lhe novos

olhos. Segundo, pretendia dedicar seu livro a algum membro dos

Médici, na crença de que isso levaria algum deles ao menos a

lê-lo.

228

MAQUIAVEL

Ao longo de 1514, à medida que Maquiavel fazia os ajustes finais em seu tratado, trabalhava em Os discursos e contin uava sua troca de cartas com Vettori, começava a nutrir espera nças genuínas de que sua

sorte poderia mudar, e muito em breve. No fim do an o anterior, ele

já escrevera a Vettori:

Desejo que esses Médici que ora governam me empreguem, mesmo que no início seja para uma função indigna; pois, se ain da assim eu

não ganhar a confiança deles, posso culpar a mim mesmo. E se eles

lessem esse meu trabalho veriam que os 15 anos que dediquei ao estudo da política não foram em vão desperdiçados; alé m disso, todos costumam sentir prazer em usar um homem que ga nhou grande experiência à custa de outros. Quanto à minha fidelidad e, eles não precisam duvidar, pois, tendo sempre agido de boa-fé, não será agora que aprenderei a agir de modo diferente. Um homem que se manteve leal e virtuoso por quarenta e três anos, como eu, não pode mudar sua natureza; e minha pobreza é evidência da minha fide lidade e virtude.”

Mas Vettori só podia oferecer uma ajuda limitada. Em primeiro lugar, não exercia uma influência real na corte papal e, em segund o,

mesmo que alcançasse os ouvidos do papa, estaria arriscando sua própria posição ao revelar sua apreciação por um homem há pouco tem po solto da prisão, acusado justamente de conspirar contra a família

do pontífice. Com certeza os Médici tinham conhecimento do talento de Maquiavel e também sabiam que ele havia sido um membro fiel e patriota do governo anterior. Mas, ironicamente, como todos os lf-

deres bem-sucedidos, eles estavam agindo exat amente como Maquiavel recomendava em seus escr itos políticos. Em O príncipes ele afirmava:

EXÍLIO

229

É preciso ter em mente que não há nada mais difícil de manejar, mais duvidoso de obter sucesso e mais perigoso de empreender do

que mudanças na constituição de um Estado. O inovador torna inimigos todos aqueles que prosperavam na antiga ordem e só recebe um apoio desanimado daqueles que passam a prosperar na nova. Em parte, o apoio é desanimado por medo dos adversários; em parte, porque os homens são sempre incrédulos, nunca confiam realmen-

te em um novo estado de coisas a não ser que tenha sido testado por experiência. Em consegiiência, sempre que aqueles que se opõem à mudança podem fazê-lo, atacam vigorosamente, e a defesa imposta pelos outros é frágil. Assim, tanto o inovador quanto seus amigos

acabam fracassando.!º

Se lhes dedicarmos um olhar clínico, veremos que os Médici estavam sendo sábios ao deixar Maquiavel distante e isolado. Ele havia sido um apoiador leal e confiável dos antigos inimigos deles, um governante que eles haviam afastado naquilo que viera a ser um golpe de Estado, imediatamente depois da carnificina de Prato. Além disso, havia outras razões para que os Médici desconfiassem dele, ra-

zões que não tinham nada a ver com suas inegáveis habilidades como analista político e diplomata. Os Médici eram uma família materialista, mas também devota é hipócrita; viam-se como responsáveis por

estabelecer um exemplo de moralidade. As bastante difundidas opiniões de Maquiavel sobre o sexo e a religião não se adequavam a esse exemplo. Essa era, obviamente, uma injustiça que beirava o ridículo. Giuliano de Médici era famoso por seu interesse por jovens garotos, e a própria

história do papado vem a ser um catálogo de devassidão e corrupção

(era essa, em parte, a razão pela qual Maquiavel desprezava a Igreja),

mas o antigo secretário florentino perdera todo seu poder, sua influênCia, sua palavra. Ele se tornara apenas um peão no jogo dos poderosos.

230

MAQUIAVEL

Mas Maquiavel nunca deixava de ser persistente. Por Momentos, essa determinação e teimosia deixavam Vettori embaraçado, mas por um longo tempo o embaixador foi incapaz de tomar uma atitude e declarar inequivocamente que seu amigo estava esperançoso demais

quanto a sua possibilidade de ajudá-lo. Foi só em junho de 1514, mais de um ano depois da primeira vez em que ele tentou chegar aos ouvi-

dos dos Médici por meio de Vettori, que Maquiavel (ele próprio, nesse

momento, já envergonhado com a situação) finalmente perguntou diretamente a Vettori se havia qualquer chance de ele obter o obséquio do papa. Vettori aproveitou a chance para retirar-se daquela situação incô-

moda e disse a Maquiavel que não havia qualquer esperança e que, até onde ele podia ver, os Médici nunca iriam querer empregá-lo

novamente. Com a frustração fervendo em suas palavras, Maquiavel respondeu:

Então permanecerei aqui em meio aos meus piolhos, sem que ninguém se lembre dos meus serviços ou acredite que eu posso ser útil da maneira que for. Mas é impossível, para mim, continuar nessa situação por muito tempo, pois estou apodrecendo de ócio e acho que, se Deus não me ajudar, algum dia serei forçado a deixar a minha casa e assumir O emprego de tutor ou secretário de algum governante, se não achar coisa melhor, ou mesmo me estabelecer em algum lugar deserto para ensinar crianças a ler €

deixar minha família aqui para seguir vivendo como se eu estivesse morto.!!

Foi uma descoberta frustrante e desmo ralizante, mas Maquiavel

ainda não desistia completamente, e tampouco culpava seu ami-

go. Então, no fim de 1514, um golpe ainda mais forte atingiu sua

moral. Em meados de dezembro, Vettor; entrou em contato com

EXÍLIO

23]

ele com um problema cuja resolução lhe assegurou ser de grande nteresse do próprio papa. Se Maquiavel pudesse oferecer uma

Sua para itiria transm a ele i, Vettor a entav argum a, teóric jo soluç

santidade e isso quiçá poderia abrir portas para coisas maiores e melhores. “Eu sei que você é um homem de tais talentos que,

embora já faça dois anos desde que deixou a atividade, não terá

esquecido a capacidade”, escreveu Vettori. Em seguida, explicou

o problema. O papa estava procurando aconselhamento a respeito da delicada cena política européia. Os franceses, com apoio dos venezianos, haviam renovado seus esforços para retomar Milão dos Sforza. Alinhados contra eles estavam os espanhóis, os suíços e o Sacro Império Romano. O papa, disse Vettori, estava procurando dar uma unidade à Itália e começando a se ver como um agente emulsionador, um protetor dos fiéis. Mas não sabia que lado apoiar. Ele deveria colocar todo seu peso nas costas do antigo inimigo e se alinhar pessoalmente com os franceses? Ou permanecer alinhado com os outros membros da Liga Sagrada que criara para opor-se aos franceses? Ou, ainda, deveria manter a si mesmo e a seus Estados inteiramente alheios ao

conflito e aceitar a neutralidade?

Obviamente, Maquiavel não pôde recusar esse desafio intelectual e, em 10 de dezembro, compôs uma longa e detalhada análise da situação, que concluía aconselhando o papa a formar uma aliança com os franceses. De acordo com Vettori, esse estudo foi

passado ao papa, que reagiu dizendo que “todos ficaram maravi-

lhados com tamanha inteligência e prezaram o julgamento”.! Então, alguns dias depois, Vettori escreveu e admitiu para Maquiavel que o pedido da análise não fora feito por ele e sim diretamente por Leão.

Maquiavel entrou em um estado de excitação que não experi-

mentava havia anos e escreveu imediatamente um longo e mais cau-

232

MAQUIAVEL

telosamente construído ensaio sobre a situação que o papa enfren-

tava e as razões por que ele deveria formar uma alianç a com os fran-

ceses. Na carta que enviou junto com o ensaio, dizia a Vettor; que, apesar da correspondência que haviam trocado algumas sem anas

antes, ele estava, como sempre, esperançoso de ainda conseguir algum tipo de emprego com os Médici, fosse em Florença ou em

qualquer outro lugar. Entre o Natal e o Ano-Novo mais cartas foram trocadas entre

Vettori e Maquiavel, que havia retornado a Sant Andrea para uma curta estada. Então, no início de janeiro de 1515, Paolo, o irmão de Vettori, chegou a Florença a trabalho e foi visitar Maquiavel para enc orajá-lo

em nome de Francesco. Paolo Vettori era um político bem-sucedido e um associado dos Médici. Era particularmente próximo de Giuliano de Médici, que

estava prestes a tornar-se líder de quatro pequenos Estados italianos: Parma, Piacenza, Modena e Reggio — os primeiros dois tendo sido adquiridos por seu irmão Giovanni em função de suas posições estratégicas, os outros dois tendo retornado ao controle papal

em troca de favores. Paolo Vettori estava sendo preparado para se tornar braço direito de Giuliano, e ambos gostavam de Maquiavel e o admiravam.

A partir de suas conversas com Paolo Vettori, Maquiavel logo

chegou à conclusão de que estava sendo testado pelo papa. Afinal, Leão sabia que o antigo secretário era um amigo próximo dos irmãos Vettori e que seria um conselheiro bastante apropriado para o gov er-

no dos novos Estados papais. Ao menos foi disso que Maquiavel se

convenceu e, por isso, viu-se imerso em uma sensação de alívio e €Xpectativa. No dia 31 de janeiro escreveu a Vettori e lhe contou como discutira a formação do novo Soverno com seu irmão Paolo, e como em seguida Giuliano de Médici havia repassado alg umas das questões com

EXÍLIO

233

auava est vel uia Maq de nça fia con A ça. ren Flo em , ros hei sel con seus

e vit con o va era esp nas ape ra ago Ele ão. raz uma alg mentando, e com

a. lic púb a vid à ar orn ret e ma Ro à e para dirigir-s ou fic vel uia Maq so, dis vez Em . gou che ca nun e vit con tal Mas que e do era alt fora a pap do no pla o que mão a und seg em o «abend er lqu Qua as. terr as nov as m ria umi ass não i tor Vet lo Pao Giuliano e ro hei sel con de go car um par ocu vel uia Maq de sse sti exi chance que dos novos Estados se esvaíra em nada. Essa última catástrofe pessoal não representava qualquer traição

da parte de seus amigos, pois os Vettori e até Giuliano de Médici haviam agido de boa-fé. Contudo, apesar da declaração de admiração por sua capacidade de análise da cena política coetânea algumas semanas antes, o fato é que o papa nunca tivera a mais mínima intenção de empregá-lo. Quando a idéia de utilizar em qualquer capacidade o antigo secretário de Soderini foi colocada em debate no Vaticano,

o secretário papal, Piero Ardinghelli, escreveu imediatamente para Giuliano de Médici uma afiada refutação: O cardeal de Médici perguntou-me ontem muito sigilosamente se eu sabia se Sua Excelência dera serviço a Nicolau Maquiavel e, como

respondi que não estava sabendo de nada e que acreditava que não fosse verdade, o lorde disse as seguintes palavras: “Eu tampouco acredito que seja verdade, mas, como se tem falado a respeito em Florença, gostaria de recordar a ele que isso não será de seu proveito

nem do nosso. Deve ser uma invenção de Paolo Vertori (...) escreva

para ele em meu nome aconselhando-o a não se envolver com Nicolau.”13

É difícil julgar se Maquiavel percebia esses infortúnios à luz de

Suas próprias teorias políticas, mas sua situação provavelmente era uma

coisa dolorosa demais para considerar sem paixão, como um exem-

234

MAQUIAVEL

plo ou uma demonstração. Fosse como fosse, era uma dor com a qual ele tinha de lidar. Ele havia exorcizado sua amargura ao escrever duas obras-primas, O príncipe e Os discursos, mas ainda procurava Outros tipos de consolo. Talvez exausto com o mundo intelectual e à batalha

infrutífera para emplacar uma nova carreira, ele se dissociou de todas

as suas responsabilidades, privou-se daquilo que se julgava uma existência respeitável e previsível e mergulhou em um mundo repleto de luxúria e de prazeres carnais. Maquiavel sempre apreciara a companhia de prostitutas e cortesãs. Quando estava em Florença, frequentava bordéis e tinha muitos amigos sabidamente devassos, como o libertino bissexual Donato del Corno e a prostituta La Riccia. Mas, ao mesmo tempo, ele era um romântico que se apaixonava e se desligava fácil e freqientemente. Alguns meses antes de seu último episódio desastroso com os Médici, em agosto de 1514, ele conheceu uma jovem que morava perto de seu sítio e, pela maneira como a descreveu para Vettori, parece que se apaixonou perdidamente por ela. Em cartas para amigos nas quais Maquiavel conta a respeito dessa beldade local, não há nada da brutalidade e do machismo com que ele usualmente descrevia seus casos amorosos com cortesãs e seus flertes com mulheres jovens que ele conhecia durante as viagens. Agora, aos quarenta e quatro anos de idade, começava a escrever sobre o amor como se fosse um jovem

inexperiente.

“À fortuna realmente me trouxe ao lugar onde eu posso ser capaz

de retribuir suas palavras propriamente, pois aqui no campo conheci

uma criatura tão graciosa, tão refinada, tão nobre — tanto na nature-

za quanto na circunstância — que meu apreço ou meu amor por ela

ã grandes quanto ela mereceria”, ele conta à jjamais | poderãoã ser tão

Vetrori:

EXÍLIO

235

Tenho de lhe contar (...) como esse amor começou, como o Amor

me apanhou com suas redes, onde as espalhou e como elas eram; você vai perceber que, espalhadas por entre as flores, eram redes de ouro tecidas por Vênus, tão macias e suaves que, embora um coração insensível fosse capaz de manejá-las, eu me recusei a fazê-lo. Por um momento me regozijei entre elas, até que aqueles ternos fios se enrijeceram e se trancaram em nós indesatáveis. E não pense que o

Amor se tenha utilizado de meios ordinários para me capturar, pois, ciente de que seriam inadequados, ele recorreu a outros extraordinários sobre os quais eu desconhecia e contra os quais eu não quis me proteger. Suficiente dizer que, embora eu esteja me aproximando do meu qiinquagésimo aniversário [Maquiavel fregiientemente

exagerava sua própria idade durante esse período de sua vida], nem o calor do sol me aflige, nem as rudes estradas me desgastam, nem as horas escuras da noite me apavoram. Tudo parece fácil para mim: eu adapto para ela qualquer capricho, mesmo aqueles que parecem

diferentes e contrários ao que eu devo ser.!º

Maquiavel nunca se referiu à amante pelo nome verdadeiro, sempre chamando-a de La Tafani. Algumas evidências sugerem que ela

era a irmã mais jovem de um tal Nicolau Tafani, amigo de Maquiavel

que morava numa vila próxima, e que o marido da garota a abando-

nara e partira dali para iniciar nova vida em Roma. Ainda assim, por mais bonita que essa jovem possa ter sido, fica claro nas longas e tormentosas cartas a Vettori que Maquiavel não considerava aquele um caso fácil. De acordo com suas descrições, La Tafani o provocava e

brincava com ele, persuadindo-o a escrever sonetos para ela e a com-

Prar-lhe presentes que ele mal podia pagar.

É impossível afirmar com certeza se a sempre sofrida Marietta tinha

conhecimento da aventura. É provável que sim, mas, ou ela não podia fazer nada para impedi-lo, ou ela e Nicolau já não se entendiam em suas necessidades sexuais havia bastante tempo. É igualmente in-

236

MAQUIAVEL

certo como terminou o caso. O mais provável é que o marido de la

Tafani tenha voltado, ou que ela tenha se casado novamente. O que é ambíguo, contudo, é quanto Maquiavel confiava nessa aventura amorosa para ajudá-lo a lidar com seus grandes infortúnios. “Mesmo

que agora pareça que me rendi a uma grande labuta”, disse ele a Vettor;, “sinto tanta doçura nela, tanto por causa do prazer que aquelas raras

e suaves feições me provocam, quanto por ter afastado qualquer me-

mória das minhas mágoas, que por nada no mundo eu desejaria a liberdade — mesmo se pudesse obtê-la.”!5 Ainda assim, o prazer e o alívio que La Tafani lhe provocou foram passageiros. Depois que ela se foi, a sensação de vazio retornou mais forte do que nunca, de modo que 1516 e 1517 talvez tenham sido os piores anos da vida de Maquiavel. Durante esse período, não houve

qualquer indicação de melhora em sua sorte, nenhum sinal de emprego possível em qualquer parte e nenhuma inspiração nova. Lamentando tal sina para seu sobrinho Giovanni Vernacci, numa carta de

15 de fevereiro de 1516, ele declarou: “A melhor coisa que posso di-

zer é que tudo o que me resta é a minha saúde e a de toda a minha família. Aguardo a passagem do tempo para estar pronto para aproveitar a boa Fortuna, caso ela resolva aparecer; se não aparecer, estou pronto para ser paciente.”!S Em setembro ele escreveu de novo, contando a seu sobrinho: “Tornei-me inútil para mim mesmo e para meus

familiares e amigos, pois meu atroz destino assim o quis.”!? No verão seguinte, a situação ainda não se modificara. “Sou forçado a permanecer no campo por conta das adversidades que sofri e sofro”, escreveu a Vernacci em junho de 1517. “As vezes passo um mês inteiro esquecido de quem sou de verdade.”!8 Uma grande contribuição para a depressão de Maquiavel foi 3 imensa frustração que ele sentiu com relação ao acolhimento de O príncipe. Ele foi incapaz de encontrar um editor para o livro e teve de

pagar para que algumas cópias fossem feitas. (Seu amigo e antigo à$

EXÍLIO

237

to. Uma delas, tex do ias cóp as fez em qu foi i ts co ac on Bu gio Bia nte siste

sobrevida ain , esi rat Qua do ar rn Be di o sc ce an Fr es del o ig am ao dada m co r era sid con a sou pas que ão ent Foi ) ve na coleção Real Francesa. ial enc pot em o ron pat m gu al a -lo icá ded de ia idé a ade ied muita ser ia hav l ve ia qu Ma pe, nci prí O o ad in rm te ter de ois dep go apropriado. Lo claro decidido dedicá-lo a Giuliano de Médici, mas, quando ficou

nluê inf do den per e ca íti pol a vid da ndo sta afa se ava est no lia Giu que cia, ele rapidamente reconsiderou a idéia. O novo governante de Florença era Lorenzo di Piero de Médici,

o jovem sobrinho do papa. Em 1516, ele já demonstrara ser um im-

perioso líder militar e uma força poderosa na política florentina. Parecia óbvio, para Maquiavel, que aquele jovem seria alguém que apreciaria suas palavras e que, ao ler o livro, não falharia em reconhecer o seu gênio.

Depois de meses de maquinações e uso de favores, no início de

1517, finalmente Maquiavel obteve a chance de apresentar seu trabalho a Lorenzo. Francesco Vettori retornara de Florença e era agora um dos mais confiáveis servidores dos Médici. Sob a pressão de

Maquiavel, ele concordou em oferecer pessoalmente a obra de seu amigo ao líder florentino. Contudo, mesmo ele só podia apresentar O livro a seu chefe, não fazer com que lhe desse valor. Segundo a len-

da, no exato instante em que Vettori entregou o livro a Lorenzo, O governante também foi presenteado com um par de cachorros de corrida. Lorenzo apenas deu uma olhada rápida no livro sem comen-

tar qualquer coisa e logo voltou toda sua atenção aos cachorros.

Lorenzo compartilhava os sentimentos de seu tio em relação a Maquiavel. Ele havia sido educado com pompa, porém parcamente,

de modo que, mesmo se tivesse se preocupado em ler O príncipe, não teria entendido praticamente nada dele. Além disso, via Maquiavel como pouco mais do que um plebeu emergente que não estava em condições de oferecer “conselhos” aos grandes líderes do mundo. Com

238

MAQUIAVEL

essas posições, Lorenzo era um exemplo dos sentimentos de todos os

Médici dessa geração, e tal hegemonia era outra barreira para as perspectivas do antigo embaixador. Maquiavel havia sido elevado para além

de suas possibilidades pela geração anterior da família, homens que tinham uma noção maior do dever civil e da igualdade entre cida. dãos. Ele errou ao acreditar que obteria uma segunda chance dos

descendentes daqueles. O grande problema para ele era o fato de que,

uma vez tendo os Médici escolhido seus prediletos, era quase impos-

sível romper esse pequeno e exclusivo círculo.

(Maquiavel não foi o único a sofrer dessa maneira: seu amigo

Leonardo da Vinci recebeu um tratamento similarmente frio de

muitos dos membros da família Médici e nunca foi apreciado por eles da maneira como Michelangelo o era. Alguns historiadores sugerem que teria sido a homossexualidade assumida de Leonardo que impediu os Médici a dar-lhe valor, mas esse ponto de vista ignora o fato de que Michelangelo também era homossexual. Uma razão mais provável é o fato de Leonardo não ter sido realmente um homem sociável e, como Maquiavel, não tinha religião, não seguia convenções e era muito indócil para com os Médici, às vezes tão convencionais.) Mais do que qualquer outro dos infortúnios que sofrera durante esses últimos anos, a demonstração de ignorância de Lorenzo e sua

absoluta indiferença imergiram Maquiavel em uma sensação de total desespero. Agora era impossível negar o fato de que o destino, a sorte, a Fortun—a fosse qual fosse a palavra que ele escolhia para designá-

lo — não estava a seu favor. Como muitos homens daquela época,

ele acreditava em destino e confiava na astrologia, mas o que distin-

guia a posição de Maquiavel daquela tomada pela maioria era a con” vicção de que é preciso estar preparado para se aproveitar das

transformações, caso elas venham a ocorrer. Para ele, todas as coisa s, tanto as pequenas e pessoais quanto as grandes e coletivas, seguiam um padrão cíclico. Havia tempos em que imperavam os infortúnios

EXÍLIO

239

mem ho o va ia nc re fe di e qu O . ia ec ar ap e rt so a bo à e e tempos em qu

da nas ape ia end dep não am sav cas fra que es uel daq ido bem-suced o, com do mo do mas , pos tem s bon os e ant dur a agi ele mo co maneira

um s no me o nt ua “Q es. luz às o orn ret O a par a av ar no escuro, se prep

reesc o”, içã pos sua á nar tor ele te for s mai a, tun for na r fia con m Home

veu em O príncipe.”

sem a par ria ece man per dão uri esc a que a eci par , vel uia Maq a Par só que imo últ ao te men ita sub tão se douin seg o úni ort inf pre, um o sex o e r amo O . vel iná erm int eia cad a um do an rm poderiam estar fo ele e , ego fôl co pou de a fug a um o, ári por tem vio alí um iam rec lhe ofe coi das a um nh ne , tas con das fim No fé. e nça era esp de vivia apenas sas que ele fizera ou tentara fazer nos últimos quatro anos, desde sua soltura da prisão, o conduzira de volta à luz. Vettori nunca conseguiu vel uia Maq de cos íti pol os rit esc os e ici Méd os m co ele a par cha bre uma er lqu qua a par o nh mi ca um ir abr lhe e em nt me te an in rm te am har fal forma de reabilitação. Um novo meio de vida finalmente apareceu para Maquiavel, mas e nt me ta le mp co o eçã dir a um em uir seg u idi dec apenas quando ele diferente da anterior e explorar seus talentos de escritor, mais do que suas habilidades como conselheiro e estrategista político. Encontrou

essa saída ao dar as costas à nobreza, que desconfiava dele, e ao en-

es ant , Mas ça. ren Flo de ria erá lit ade nid ter fra a m co es gendrar ligaçõ

de abordarmos como isso o levou para um novo € por vezes

que o r era sid con a par ar par s mo ve de a, vid de ilo glamouroso est s seu por da ora ign a obr à — pe nci prí O em o rit esc ia hav Maquiavel contemporâneos, mas hoje «econhecida como um dos grandes feitos do Renascimento italiano.

10

O príncipe

Embora eu considere que esta obra é indigna de ser colocada diante do senhor, tenho total confiança de que será gentil o bastante para

aceitá-la, vendo que eu não podia lhe dar presente mais valioso do que os meios para que possa, em um muito curto espaço de tempo, alcançar tudo o que eu, ao longo de tantos anos e com tanta aflição e risco, aprendi e compreendi (...) Tampouco espero que seja considerado presunçoso, para um homem de baixo e humilde status, ousar discutir e declamar a lei de como os príncipes devem governar; porque, assim como os homens que pintam a paisagem descem à planície para estudar a natureza das encostas e das montanhas, e para estudar as terras baixas posicionam-se sobre os cimos das montanhas, para compreender plenamente a natureza do povo é preciso ser um príncipe, e para compreender plenamente a natureza dos

príncipes é preciso ser um cidadão comum.”

Dessa maneira, Maquiavel dedicou seu tratado para a única pes-

soa que via tanto como patrono potencial, quanto como alguém que

poderia agir a partir das palavras que ele expressava: Lorenzo de Médici. Se ignorarmos a genuflexão esperada, fica claro que Maquiavel está

242

MAQUIAVEL

sendo sincero ao menos em um aspecto: ele acreditava que se pode compreender melhor um príncipe a partir da perspectiva daquele que ele chama de “um cidadão comum”.

Maquiavel não era um cidadão comum e o que estava oferecendo a Lorenzo de Médici e à posteridade era a culminação de duas décadas de pensamentos sobre aquilo a que se referia como principalidades”, bem como a vasta experiência que ele adquirira como secretário da

Segunda Chancelaria. Ele vinha meditando a respeito de uma representação formal de suas idéias desde muito antes da queda do governo de Soderini, mas sempre estivera ocupado demais para colocar a . pena no papel. No exílio, e com as lembranças ainda frescas, ele en-

controu no outono e no inverno de 1513 o momento preciso para

coalescer e formular suas idéias. O príncipe é dividido em 26 capítulos muito curtos, começando com “Quantos tipos de principalidade existem e as maneiras como são adquiridas” e terminando com “Exortação para libertar a Itália

dos bárbaros”. Em apenas 30 mil palavras, Maquiavel consegue explicar como diferem as principalidades, como elas podem se estabelecer e, mais importante, como deve agir um príncipe para manter

seu domínio. É universalmente aceito que Maquiavel usou Cesare Borgia, 0 duque Valentino, como modelo de príncipe ideal, e ao longo de seu tratado ele faz tanto referências oblíquas quanto óbvias ao homem que lhe inspirara o conceito de “governante perfeito”. Ainda nas pri-

meiras páginas do livro, ele escreve: “Não conheço melhores preceidia a transmitir a um novo príncipe do que aqueles que se podem

tirar das ações de Cesare (.)e,seo que ele instituiu não lhe foi de

grande proveito, não foi por sua culpa e sim pela extraordinária € desordenada

malícia do destino.”2 Mais tarde,

observa:

“Tendo

resu-

lo. Creio que andei bem ao colocá-lo como exemplo, em detrimento

O PRÍNCIPE

243

de todos aqueles que adquiriram poder através da boa fortuna e das

amas dos outros. * Maquiavel conhecera aquele homem no auge de seus poderes e rambém no momento de sua queda, mas O príncipe não era simples5

piins a par gem ima sua a cav evo ele s poi , gia Bor are Ces re sob te men

ar uma outra, um homem que, ele esperava, não fosse tão vulnerável

às caprichosas marés da Fortuna. O capítulo final de O príncipeé uma exortação aos Médici, em particular ao jovem Lorenzo, para tomar O bastão e conduzir os Estados italianos à união e à glória:

Então agora, deixada sem vida, a Itália está esperando para ver quem irá curar suas feridas, dar um fim ao saque da Lombardia, à extorsão no Reinado e na Toscana, e purificar as chagas que se vêm inflamando há tanto tempo. Vejam como a Itália suplica a Deus que lhe mande alguém que a salve dessas crueldades e desses ultrajes bárbaros; vejam quão ávido e disposto está o país para seguir um estandarte, se alguém se dispuser a levantá-lo. E, no presente momento, é impossível ver em que ela pode depositar mais esperanças do que na sua ilustre Casa, que, com sua fortuna e bravura, protegida por Deus e pela Igreja, a qual agora lidera, pode conduzir a Itália à salvação.?

Em alguns aspectos, O príncipe não é inteiramente uma obra original, mas um exemplo de “livro de conselhos”, o que era bastante comum no século XVI. Também é um equívoco imaginar que Maquiavel foi o primeiro a usar a idéia de líderes e Estados “perfeitos” ou idealizados. O filósofo chinês Mencius, escrevendo

no século IV a.C., propôs uma estrutura para uma forma de governo em que um príncipe modelo (absolutamente diferente do de Maquiavel) trabalhava com o povo para produzir estabilidade social. A república, de Platão, o mais famoso e provavelmente mais antigo testamento das idéias desse contemporâneo ocidental de

244

MAQUIAVEL

Mencius, também descreve um político ideal e seu CONSstruto social. Mas é importante levar em conta que, embora Mencius tenha exercido uma imensa influência na evolução da sociedade chinesa, seus ideais quase não deixaram qualquer marca no O.

dente. Similarmente, nenhum governo na história se modelou na

república proposta por Platão, um Estado governado por uma el;.

te altamente educada e esteticamente evoluída que pudesse se

manter no poder apenas por mérito intelectual. (Entretanto é interessante notar que a Igreja Católica, entre a Idade Média e o fim da Renascença, pode ser vista como tendo incorporado alguns dos elementos do Estado imaginário de Platão. E A república também inspirou muitas sociedades fictícias, talvez mais notoriamente aquela criada pelo Prêmio Nobel de Literatura Herman Hesse em seu romance O jogo das contas de vidro, de 1943.) O príncipe e Os discursos foram classificados como pertencentes a uma tradição conhecida como “humanismo civil”, uma filosofia po-

lítica na qual o cristianismo pode ser percebido apenas como algo extra, opcional (pois não exerce nenhuma função genuína na tomada de decisões de um governante maquiavélico). Trata-se de um

modelo

social no qual o conjunto dos cidadãos desempenha um papel inte-

gral para o bom funcionamento do Estado.

Contudo, a obra mais famosa de Maquiavel difere muito de qual-

quer outra escrita antes dela em dois aspectos muito importantes. O

primeiro deles é o modo como ele combinou exemplos antigos com eventos de seu próprio tempo. Ao longo de O príncipe, encontramos figuras como Aníbal e Agátocles (rei de Siracusa durante o século IV a.C.) e, numa segiiência de dez páginas, Maquiavel compara e contrasta os imperadores romanos “bem e malsucedidos”. Em outro ttecho, ele resume as idéias e ações de um grande contingente de homens da Europa renascentista, muitos dos quais ele conhecera pessoalmente e com quem discutira assuntos de Estado.

O PRÍNCIPE

245

De fato, é o conhecimento íntimo de Maquiavel das pessoas e dos acontecimentos que ele descreve que dota O príncipe de grande auto«idade; sem ele, O leitor teria à disposição apenas um apanhado de opiniões. Como secretário florentino, Maquiavel conversara e discu-

«ira com os grandes protagonistas do final do século XV e início do XVI, de modo que pôde imbuir sua obra com enormes sabedoria e experiência, além da compreensão profunda do analista político conspícuo que era.

Descrevendo a conversa com Cesare Borgia em 1503, Maquiavel pôde escrever: “Se, quando Alexandre morreu, ele [Borgia] próprio estivesse bem, tudo lhe teria resultado fácil. E ele próprio me disse, no dia em que Júlio foi eleito, que havia pensado antes em tudo o que poderia acontecer quando seu pai morresse e encontrado uma saída para tudo, mas sem nunca ter pensado que nesse momento ele próprio estaria tão próximo da morte.* Em outra passagem, Maquiavel relembra uma troca de palavras com o cardeal Georges d' Amboise, o segundo homem mais podero-

so da França: “Quando o cardeal de Rouen me disse que os italianos

não entendiam de guerra, retorqui que os franceses não entendiam a arte de governar, porque, se entendessem, não deixariam que a Igreja

se tornasse tão importante.”é E, quando Maquiavel chama o papa Júlio

II de “im petuoso” e o sacro imperador romano Maximiliano I de “re-

servado” e “incapaz de aceitar conselhos”, podemos acreditar em suas palavras, pois ele havia estado nas cortes desses homens e havia conversado com eles, tendo-os observado e descrito em relatórios que enviava aos Dez da Guerra de Florença. O outro aspecto por que O príncipe é muito diferente de qual-

quer outra coisa escrita até então são o tom eo estilo de Maquiavel. É

comum que o livro seja referido como “o primeiro tratado político moderno”. Essa definição é bastante justificada, porque, ao contrário

de todos os que o precederam, Maquiavel escreveu sobre o que é o

246

MAQUIAVEL

que é real, e não sobre algum fabuloso ideal desejável. Ele Comenta esse fato no próprio livro: Tendo a intenção de escrever algo que possa ser útil para aquele que q apreende, parece-me mais apropriado acompanhar a verdade real de um assunto do que o modo como o imaginamos; pois muitos já imagina-

ram repúblicas e principados que jamais foram conhecidos ou vistos, e

o modo como se vive é tão diferente do modo como se deveria viver,

que aquele que negligencia o que é feito em nome do que deveria ser feito resulta mais facilmente na ruína do que na permanência; pois um homem que deseja agir inteiramente de acordo com o que toma por virtuoso logo se encontra com aquilo que o destrói, que é o mal.?

Platão e outros antigos que escreveram sobre política tentaram descrever um Estado idealizado, desejável, e não algum baseado na experiência ou em qualquer expectativa realista em relação aos homens. Essa

foi uma questão que Maquiavel constantemente repassou em seus escri-

tos. Em O príncipe afirmou que desejava “se afastar das ordens dos outros.* Em seu tratado político mais completo e detalhado, Os discursos,

declarou a intenção de “enveredar por um novo caminho, ainda inexplorado por qualquer outra pessoa”. Ele se via como um Colombo político e percebia que, na literatura e na política, as ciladas e os riscos são tão numerosos quanto aqueles que enfrentam os que exploram o mundo

físico: “Nunca foi menos perigoso descobrir novas formas e métodos do que partir em busca de novos mares e terras desconhecidas”, escreveu.! Ao contrário de Platão e de outros antecessores, Maquiavel tinha O

objetivo de produzir um livro de generalizações, criando regras perenes, oferecendo instruções e fórmulas que poderiam ser empregadas

por pessoas reais no mundo real. Ele não tinha qualquer interesse em

construções teóricas que nunca poderiam ser mais do que uma quimera para aqueles que viviam no mundo dos homens de carne e osso.

O PRÍNCIPE

247

Em O príncipe, Maquiavel trata de seis preocupações principais. dos se méto seus sar escu pode dido suce bemcipe prín um Primeiro, o(emb do Esta ou povo seu o todo de bem O para estiver trabalhando ra Maquiavel aceitasse que, ao fazer isso, o príncipe também estaria iprínc um ndo, Segu ). esses inter rios próp seus de agindo em função ou nho cami seu em fira inter ismo tian cris o que pe não pode permitir estorve suas decisões. Terceiro, os príncipes, como todos os mortais, estão sujeitos a caprichos da fortuna e devem, durante os bons tempos, para manter seus domínios, preparar-se para O pior. Quarto, um príncipe bem-sucedido deve ser tanto forte quanto astuto. Para ilustrar essa necessidade de duplicidade, Maquiavel usou as metáforas da raposa e do leão. Quinto, um príncipe só consegue ser bem-sucedido se criar e mantiver poderosas forças armadas. Sexto, finalmente, Maquiavel conclama a uma dinastia italiana que traga ordem à Península e que una os Estados da Itália ora divididos pela guerra. As quatro primeiras preocupações causam maior polêmica do que as outras porque contrariam as bases do que o leitor de hoje (ou de iacred a do rina dout foi ipe) prínc O de ta escri a e desd a époc quer qual tar, descrevendo o modo como o líder “virtuoso” deve se comportar. No capítulo XVII de O príncipe, “Crueldade e compaixão: se é melhor ser amado do que odiado ou o contrário”, Maquiavel declara: Cesare Borgia era considerado cruel; não obstante, sua crueldade

reconciliou a Romagna, unificou-a e lhe restaurou a paz e a lealda-

de. Sendo isso devidamente considerado, ele pode ser visto como

mais misericordioso do que o povo de Florença, que, para evitar uma reputação de crueldade, permitiu que Pistóia fosse destruída. Portanto, um príncipe, desde que mantenha seus súditos unidos e leais, não deve se preocupar com as repreensões por crueldade; pois, com

uns poucos exemplos, ele terá sido mais misericordioso do que aqueles que, por meio de um excesso de misericórdia, permitem que se “acometam desordens, seguidas de assassinatos e roubos; pois estes acabam por prejudicar todo o povo, enquanto aquelas execuções determinadas pelo príncipe ofendem apenas ao indivíduo."

248

MAQUIAVEL

O ponto que Maquiavel está defendendo é que aquilo que as pessoas considerariam um comportamento “bom” e “virtuoso” na tomada de decisões muitas vezes pode conduzir a uma dor maior para mais pessoas do que as ações que, no pensamento ortodoxo, poderiam

ser consideradas cruéis, assassinas ou bárbaras. Mas ele não se limita a colocar essas idéias e deixar que produzam o seu efeito: ilustra seu

ponto com vários exemplos da história romana, grega ou da Europa da época. Nesse sentido, não apenas dá peso a seu argumento, mas também alcança uma das virtudes-chave de O príncipe: sua qualidade notadamente atemporal. Trata-se de uma obra atemporal, porque

descreve o que é, o que sempre foi e o que provavelmente sempre

será, e não aquilo que os cristãos e a maior parte dos outros moralis-

tas acreditam que o mundo deveria ser. Em Os discursos, ele retornou a essa idéia com as seguintes palavras: “Homens prudentes estão acostumados a dizer, e não por acaso nem isentos de mérito, que aquele que quer ver o que tem de ser deve considerar o que foi; pois todas as coisas do mundo sempre têm sua contrapartida em tempos antigos. Isso acontece porque se trata dos feitos dos homens, que têm e sempre tiveram as mesmas paixões, e eles acabam necessariamente con-

duzindo no mesmo sentido.”!?

Uma das mais difundidas críticas que se costuma fazer a Maquiavel

é de que ele advoga pelo mal, pela corrupção e pela desonestidade. Tais opiniões derivam de numerosas passagens de O príncipe em que o autor de fato parece defender o exato o posto dos valores cristãos € daquilo que os homens sempre entenderam como ações “boas”, nO bres” e “honoráveis”. Mas essa leitura acaba por ignorar o que de principal Maquiavel estava tentando expressar. Maquiavel certamente tinha uma opinião bastante negativa dos

seres humanos e das sociedades em que vivem. Repetidas vezes em Ó

príncipe, ele rebaixa a dignidade humana com palavras afiadas e poP” tadas verbais. No capítulo XVII, ele escreve: “É possível fazer está

249

O PRÍNCIPE

gene

nme , is ve lú vo , os at gr in o sã s ele .) (.. : ns me ho ralização sobre Os

tirosos e en

ganadores, eles fogem do perigo e são ávidos por lucros;

enquanto vO cê O s trata bem, eles são seus.”!2 Mais tarde ele levanta a

déia de que “sobretudo, um príncipe deve privar-se das propriedades

s paí s seu de e rt mo a do pi rá is ma em ec qu es ns me ho alheias: porque os ob, is po de s na gi pá s ma gu Al * .! s” io ôn im tr pa us do q ue a perda de se seque menos a você, com ruins serão sempre homens “os e qu a rv se jam forçados a ser virtuosos.» Esses comentários deixaram muitos leitores ofendidos, desde os devotos do século XVI até os críticos modernos, mas tal ofensa só

pode se dever à mais pura vaidade. Maquiavel estava descrevendo o mundo que via, o mundo que todos vemos. Diferente de muitos outros analistas sociais, ele simplesmente não tinha qualquer preocu-

pação em adornar ou relativizar as observações que fazia.

É justamente pela pobreza ética da humanidade, acreditava

Maquiavel, que, para o benefício comum do povo, um príncipe deve ser forte, pouco emotivo e disposto a contrariar o que sempre tem

sido considerado correto ou bom. Mas é completamente errôneo pensar que ele defendia o uso da violência irracional e desnecessária ou o abuso de poder. “Um príncipe não deve se desviar do que é bom, se possível, mas deve saber como fazer o mal, se necessário”, escreveu.'º

Em outra parte, enfatiza: “Não pode ser considerado uma proeza O ato de matar concidadãos, trair amigos, ser desleal, impiedoso, descrente. Essas atitudes podem dar ao príncipe poder, mas não glória." Em seguida, escrevendo sobre Agátocles,

um homem

que demons-

trava a mesma calosidade de Cesare Borgia, mas possuía poucos dos

atributos que Maquiavel considerava positivos em um homem, ele

acrescenta: “A crueldade brutal e a desumanidade de Agátrocles, assim como seus incontáveis crimes, o impediram de ser admirado entre os

homens eminentes. Não podemos atribuir à fortuna ou à bravura o

que ele conseguiu sem a ajuda de nenhuma delas.”!?

250

MAQUIAVEL Relacionada a isso, outra acusação levantada contra Maquiavel é

de que, em algum sentido, ele defendia o tipo de liderança que se poderia exemplificar nos tempos modernos por homens como Hitler, Pol Pot ou Franco. Isso não poderia estar mais distante da verdade. Maquiavel era contrário à formação de um estabelecimento militar que governasse como uma junta e acreditava no conceito de uma população trabalhando com o governante para criar uma sociedade melhor para todos. Essa necessidade por uma liderança forte e clínica é o tema principal de O príncipe, mas naturalmente está inextricavel-

mente ligada ao segundo aspecto de nossa lista: os maus olhos que Maquiavel dedicava à contribuição da doutrina cristã ao estabelecimento e à condução de uma principalidade bem-sucedida. Seria um erro acreditar que Maquiavel era ativa e publicamente

anticristão. Ele fora criado em uma casa silenciosamente dividida pela

religião. A mãe dele havia sido uma fregientadora devota da igreja, enquanto o pai era privadamente cínico sobre a Igreja e desconfiado quanto às instituições que a circundavam. Maquiavel não fez grande escândalo ao se afastar da Igreja — o que lhe teria sido nocivo —, mas não tinha nada de bom a dizer sobre ela. Ele raramente freqiientava a igreja, mas seguia a convenção e criava seus filhos como cristãos (tanto para agradar Marietta como para afastar os maldizeres), mas

em privado não acreditava, postura que mantinha desde a infância.

Ele entendia que a religião tinha seus usos; segundo acreditava, à

religião desempenhava um papel importante em manter a ordem social

e servia para desautorizar os perniciosos. Mas argumentava que sé!

um bom cristão não era compatível com o exercício de uma lideran-

tantos outros não virtuosos. Assim, se um príncipe quer que suas OI”

dens sejam seguidas, deve aprender como não ser virtuoso, e fazer OU

não uso disso de acordo com a necessidade ”1º O filósofo e historia-

251

O PRÍNCIPE

dor Isaiah Berlin resumiu o que Maquiavel queria dizer com isso ao

escrever: “Um homem deve escolher (...) pode salvar sua própria alma,

ou fundar ou manter ou servir um Estado grande e glorioso; mas nem

sempre as duas coisas ao mesmo tempo.”!? De acordo com Maquiavel, a razão para essa contradição é que o

cristianismo exige a força e a resistência da pessoa, mas apenas para sofrer, não para lutar por suas crenças. Espera-se que um cristão, ob-

servou ele, seja “mais capaz de agientar o sofrimento do que de fazer algo forte .?

Ele também tinha clareza quanto à maneira como os

cristãos são condicionados a dar mais importância àquilo que ele considerava ser um pós-morte imaginário do que se concentrar no aquí e

agora, o mundo material de ambição e sucesso terreno. Além disso, a

religião, dizia, é um credo egoísta que encoraja o indivíduo a pensar em sua própria salvação em vez de se preocupar com o bem comum ou o cumprimento de suas responsabilidades como cidadão. Para Maquiavel, uma fonte de impulso religioso bem melhor era

a noção pagã de virti, em que a preocupação soberana reside na habilidade de cada indivíduo de desempenhar uma força interna. Contudo, ao expressar essa opinião, ele descartava a idéia tradicional de virtiy, descrita por Cícero e mais tarde popularizada por filósofos cristãos, que acreditavam que, para ser “virtuoso”, era preciso agir sem-

pre “honesta” e “honradamente”. A virti que Maquiavel professava

era bem diferente. Representava as inextinguíveis determinação e

ambição do verdadeiro príncipe. É um ingrediente essencial da per-

sonalidade de qualquer governante bem-sucedido. À posse dessa qua-

lidade não garante o sucesso, mas sem ela o príncipe está fadado ao

fracasso.

Essa definição de virti era o exato oposto de seu significado popular e, ao colocar tanta ênfase nela e declarar os preceitos centrais da

doutrina cristã inúteis para O verdadeiro líder, Maquiavel provocou um cstupor,

Seus

opositores

não

podiam

tolerar a idéia de que,

na avalia-

MAQUIAVEL

252

ção de Maquiavel, a ideologia cristã não era melhor do que qualquer

outro sistema de fé redundante; não podiam tolerar a idéia de que, cer. ca de quinze séculos depois de terem sido suplantadas pelo cristianis. mo, algumas definições pagãs podiam explicar tão bem as ações dos

homens. Essa rejeição da ética ortodoxa constatada em O Príncipe está

no cerne dos argumentos levantados por quase todos os pensadores e

escritores anti-Maquiavel desde o ano em que o livro apareceu.

Mais do que muitos outros, Maquiavel apreciava a idéia de destino ou daquilo que ele chamava de Fortuna. Quando começou a es-

crever O príncipe, estava passando pelo pior momento de sua vida até aquele momento. Estava enfrentando uma ruína financeira e se sentia perdido e desacreditado. Escrevendo seu tratado, estava fazendo tudo o que podia para controlar seu próprio destino, empregando sua amplitude de talentos e seus anos de experiência num esforço para reverter a má sorte. “O tempo varre tudo o que encontra pela frente e pode trazer tanto bem quanto mal, tanto mal quanto bem”, escreveu ele uma noite, quando estava sozinho a contemplar as paredes rudes de seu quarto de estudo, o estômago cheio de vinho barato da taberna local.2

Maquiavel observara de perto a maneira como Cesare Borgia che-

gara ao apogeu, para em seguida desabar tão rapidamente. Ele havia

testemunhado o surgimento e a queda de nações e a areia movediça da vida política européia. Tinha visto homens morrerem em batalha e por doenças irreprimíveis, havia perdido um filho recém-nascido; uma irmã, a mãe, o pai, uns tantos amigos queridos. Maquiavel percebia os humanos como destroços sem finalidade de um naufrágio, suas vídas nas mãos do destino, suas fortunas sempre imprevisíveis é até certa medida, fora de controle. Mas as palavras “até certa medida” são essenciais aqui. Maquiavel “

o

mr

aa

=

d

sabia que até Os reis e os príncipes, não importando o quanto fossem poderosos e brilhantes, rudes e calculistas, não eram imortais nem onipo-

253

O PRÍNCIPE

s Ma s. nó de o st re o to an qu s ei eráv ln vu o tã o sã s pe ci ín pr € is Re . rentes leva o € o ss a di ci ên ci ns co m te o” it fe e er t “p n e m a r i rdade um prínci pe ve ma a ic ún a e qu e nd te en s n e m o h s do rdadeiro líder em conta. Um ve e -s ar ar ep , pr el ív ss po o d n a u q o é, in st de do s di ar os r re a b m o c de a neir ntos. me mo ns bo os e nt ra du , ja se U O para à má fortuna,

u o c i d e d e lh e u o q t i e c n o c se Maquiavel estava tão tomado por es

“Até do in ut sc di , V) XX lo tu pí ca (o pe ci ín pr um capítulo inteiro em O

mo co e a, un rt Fo la pe as ad rn ve go o sã que ponto as questões humanas o nã a un rt fo a e qu ía lu nc co ele ui Aq . a” a Fortuna pode ser combatid O € o ss ce su o e qu ; na vi di o çã en rv te in la pe as era determinada apen e ” te or “c e tr en o çã ra te in a um a am vi de se so as frac a de to fa o e ad rd ve e nt me el av ov pr ja se e “Penso qu tro de metade das coisas que fazemos (...) devendo controlada por nós próprios."?

“ação individual”: fortuna ser o árbia outra metade ser

E assim, mais uma vez, Deus não era necessário:

do an qu , que s, oze fer s rio es uel daq um m co a tun for a o Compar

o and reg car , ios fíc edi e s ore árv do en rr va , ies níc pla as cheios, alagam se o tud e, del nte dia faz des se do Tu ro. out o a par o lad um a terra de a; eir man er lqu qua de lo táren enf de z apa inc , cia lên vio sua a rende

os que de pe im não za, ure nat sua a ess a sej ra bo em im, ass da ain e, to tan , ões vis pro am faç , vel orá fav ser a ta vol o homens, quando o temp te vol o cas , que tal a eir man a um de , ras rei bar m co nto qua s esa com def ça não seja nem for sua e al can um por em ss pa as águ as , cer nte aco a .> a.. tun for m co ce nte aco o sm me O sa. igo per tão m ne tão absoluta

o. in st de o ri óp pr seu de o tr bi ár O ser a m ve , to O homem, portan

a st ba is po , eno err rat ext or ad rv se ob um ar ur nj co de e ad Não há necessid

uca ser e so er iv un no r ga lu o ri óp pr seu de a ci ao homem ter consciên

que o nic irô É o. mp te do es ant ar par pre se a par te teloso o bastan do os an qu ho el ns co e est o ri óp pr si a do ca li ap a nh te Maquiavel não

254

MAQUIAVEL

tempos eram bons para ele, mas também é preciso ter em mente que ele jamais se viu como um príncipe; era simplesmente um pensador,

um escritor que entendia como os homens deviam agir para se torna. rem e se manterem príncipes. Faltando o benefício de recursos ex-

cepcionais ou privilégios de nascimento, ele tinha pouca chance de controlar seu próprio destino. Maquiavel também teria fracassado como príncipe, porque não possuía a crueldade ou muitos dos outros atributos que considerava

necessários para qualquer líder. Em O príncipe, ele primeiro estabelece o que é requerido para um homem

ser rei e depois declara a

moralidade tradicional e a ética incompatíveis com um poder mun-

dano genuinamente duradouro. Mas quais eram os talentos especiais

que Cesare Borgia devia possuir? Além de ser desimpedido e livre da moralidade, o que convertia um homem apropriado em um “superhomem”? Para responder a isso, Maquiavel usou uma analogia com a raposa e o leão. Isso era por si só subversivo, dados os usos que tradicionalmente se faziam a partir das características desses dois animais, mas Maquiavel escolhera as duas figuras bem e cautelosamente. À

raposa, ele nos lembra, é considerada mestra em logros e astúcias,

mas é incapaz de lutar muito bem. O leão, por sua vez, pode ser fisicamente forte, mas tem pouca astúcia ou habilidade para enga nar. É só por meio da combinação das melhores características de cada animal que um governante pode permanecer no poder e controlar seus domínios. “Assim, uma vez que o príncipe tem de aprender a agir como uma besta, deve aprender a partir do exemplo da

raposa e do leão”, afirma Maquiavel. “Aqueles que agem simples-

mente como leões são idiotas.”24

As razões para isso são claras. Algumas situações requerem mús-

culos, ao passo que outras devem ser tratadas com inteligência; 0

255

O PRÍNCIPE

eis déb e s do ta mi li são a ir ne ma a um de gir rea m be sa líderes qu e só o merecem liderar. “Se todos os homens fossem “

bons... , reitera Maquiavel, =

ti

mo “esse preceito não seria bom; mas, co

os homens são criaturas vis que em a vr la pa sua er nt ma e v de o nã s a i r p ó r p as r ca ar sf di o m o c aber «oso. Os homens são tão simples,

à

pe

.

não manterão suas palavras, você relação a eles (...). Mas é preciso ações e como ser um bom mentie tão entregues às circunstâncias,

ra pa to on pr ém gu al r ra nt co en irá re mp que aquele que engana se ser enganado.”

a nd ai s ma , er nt ma ve de pe ci ín pr um e qu a ur st Isso resume a po mo co s mo ja ve o er qu — pe ci ín pr O . te an rt po im to en em el falta um

ve esde — I XX ulo séc do l ria ust ind um ou r ita mil er líd um rei, um arm fo os it mu em m te is ex s ma ar as e a, ir ne ma ma gu tar armado de al ações rm fo in es, açõ de as cot , ro ei nh di s, re ea cl nu vas ogi s, da pa es : tos

e qu por ão raz a tr ou á est i qu (A o. ig im in um de to pei res a ais ici jud pre ter de is po de o ss ce su o uc po ve te ob o, mp te m gu al por l, ve ia Maqu o nã ”, as rm “a ha tin o nã Ele . ni ri de So de o rn ve go no o rg ca o o perdid

era rico, tinha uma habilidade que não interessava ao novo regime e não era um nobre por nascença; tudo o que tinha era seu talento, e, nas circunstâncias dentro das quais tinha passado a viver, isso era de inou r de po m gu al a, uez riq ma gu al se ies adv lhe pouco uso para que fluência.) pode e ad id ss ce ne à a ci ân rt po im de an gr a der re mp se l ve ia qu Ma , tivo cria nte, lige inte ser ia pod a, tav edi acr pe, nci prí Um tar. mili der cruel e astuto, que, ainda assim, sem um poderio militar seria quase

incapaz de fazer qualquer coisa. Irês capítulos inteiros de O príncipe são dedicados a questões militares, € Maquiavel entra em detalhes para explicar os perigos do uso de mercenários, a necessidade

de um exército formado por cidadãos e a importância de que seja

a provido de adequados fundos, organização e treinamento. Ele via capacidade militar como à pedra angular de um governo forte e como

256

MAQUIAVEL

a chave para a contínua segurança de qualquer sociedade. “As bases

principais de todo Estado (...) tanto os novos como os antigos, são

boas leis e boas armas; como não podemos ter boas leis sem boas armas, e como onde há boas armas as boas leis inevitavelmente se

seguem a elas, permito-me não discutir as leis e dedicar minha aten. ção às armas.” Se muitas das características de um príncipe haviam sido destiladas das experiências de Maquiavel com homens como Cesare Borgia, o papa Júlio II e os Médici, sua insistência com relação à necessidade

de forças armadas poderosas vinha diretamente de suas amargas experiências no próprio governo de Florença. Acreditando que muitos dos pesares que haviam abalado sua nação nos anos que antecederam a escrita de O príncipe se deviam à falta de compreensão do governo a respeito desse item específico, Maquiavel conclamou seu todo-poderoso príncipe imaginário a que não cometesse os mesmos erros. “Mercenários e tropas auxiliares são inúteis (...). Não deve ser muito necessário insistir nesse ponto, pois a presente ruína da Itália não foi

causada por outra coisa senão pela confiança depositada em tropas mercenárias por tantos anos (...) exércitos mercenários possibilitam

conquistas lentas, tardias e débeis, mas derrotas súbitas e assustadoras (...) e, como resultado disso, elas conduziram a Itália à escravidão e à ignomínia.”27 E assim, a partir desses preceitos, Maquiavel seguiu para oferecer

algumas sugestões dos homens que mais provavelmente assumiriam

do ponto onde Cesare Borgia se interrom pera e completariam o tá” balho que ele iniciara, Tendo descrito o que é necessário para ser UM grande líder e como manter os domínios uma vez conquistados» Maquiavel,

no capítulo final de O príncipe, convoca Lorenzo pará que

assuma o grande desafio:

O PRÍNCIPE

257

a e qu m se de da ni tu or op a est ar ss pa ar ix de Portanto, não se pode pode exse co ou mp Ta . or ad lv sa seu er ec ar ap a vej Itália finalmente opr s la ue aq s da to em do bi ce re ia ser ele al qu O m pressar o amor co

as, ir ge an tr es as rç fo as ss de os mã nas o nt ta am er fr víncias que so

a, com tal os im te fé tal m co , he nc va re de de se ral m co províncias ? ele ra pa a ad ch fe a ari est a rt po e Qu . as im gr lá devoção, com tais

ita e Qu a? ari orv est o eja inv e Qu ? ele a ia nc iê ed Quem negaria ob doe ess os am st te de nós s do To ? lo áge na me ho a ria ano se recusa efa tar a ess ma su as e a cas e str ilu sua ão, ent xe, Dei o. bar mínio bár com a coragem e a esperança com que todas as empresas justas são arremetidas, de modo que sob seu estandarte nosso país nativo possa se enobrecer, e sob seus auspícios possam ser verificadas as palavras de Petrarca: Virti contro al Furore Prendera V'arme, e fia il combatter corto: Che Vantico valore Negli italici cuor non e ancor morto. *

Para Maquiavel, o sistema político e a sociedade que mais perto chegaram da perfeição em toda a história humana aconteceram na República Romana, antes que ela se degenerasse em império nas mãos

de Júlio César (um líder que ele criticou impiedosamente tanto em O príncipe quanto em Os discursos). Ele acreditava que a Itália de seu

tempo podia se regenerar em uma nova república modelada a partir das linhas de Roma em seu auge, e foi exatamente essa convicção que O levou a escrever O príncipe. Sem dúvida, é verdade que Maquiavel estava procurando empre-

go e benefícios com os Médici, pois precisava sustentar a si mesmo e

à família. Seu tratado, segundo se convencera, não falharia em Wi

re po Virtude contra a fúria deve avançar a luta, e através de seu combate logo posta a voar;

que o antigo valor no coração italiano ainda não está morto.”

258

MAQUIAVEL

impressioná-los. Mas por trás dessa necessidade prática havia um projeto mais grandioso, um impulso maior, que encontrava força e ins.

piração no enraizado e duradouro patriotismo de Maquiavel. Sob 0 governo de Soderini ele havia sido um servente leal e eficiente de Florença e poderia ter servido novamente à cidade se tivesse obtido um cargo junto aos Médici. Porém, mais do que isso, de modo mais pro-

fundo do que isso, ele era um patriota italiano. Alguns dias antes de

sua morte, disse a um amigo: “Amo minha pátria mais do que a minha própria alma.”28 Na mente de Maquiavel, a imagem da Itália como um único Estado luzia brilhantemente e contagiava seu pensamento enquanto ele escrevia O príncipe. No nível mais rasteiro, O príncipe foi escrito para explicar a vida política da época, constituindo um guia para Lorenzo ou qualquer outro líder que sobreviesse naquele momento. Ilustrava como uma família poderosa como a dos Médici poderia criar uma Itália unificada. Mas transcendia essa ambição. Ele continua sendo um dos mais potentes estudos políticos de qualquer época, porque trata de assuntos humanos atemporais. Ao escrever esse livro, Maquiavel

se utilizou de pura honestidade, pura lógica, e seu trabalho é fruto

de uma razão afiada, de uma inteligência não sentimental, pois, como Maquiavel enfatiza vezes sem conta, o sentimentalismo € O

poder não podem coexistir. Nisso talvez encontremos a maior ironia de O príncipe. Ao longo dos séculos, críticos têm achincalhado Maquiavel por sua crença

de que um governante não deve ser honesto, não deve ser moral;

mas o curioso é que o escrito de Maquiavel demonstra notáveis

honestidade e pureza. Esse é um ponto que recebeu pouca atéllção em meio às inumeráveis críticas sobre o que ele tinha para dizer

Pois, não importa o que se queira pensar sobre a visão política

expressa em O príncipe, é impossível negar seu poder e sua claré” za. Em meio às farpas e a brutal ausência de sutilezas, lado a lado

O PRÍNCIPE

259

e o nu gê in to en am ns pe do o çã ga ne ta lu so e ab

a el o m o c e ad id al re da e is ál an a m u eu ec er of l ve ia qu Ma , otimista m é b m a t s ma a, id ác e ra du e is ál uma an de da vi dú m se se a t a r t era; la e p u , o a fé a i l c e n p â g a v a r t x e a a l d e a p l de uma visão humana imacu caridade.

11

Reabilitação

Em 1517, Maquiavel já fizera tudo o que podia numa mesma dire-

ção e estava pronto para encontrar uma nova. Empolgado por ter conseguido escrever O príncipe, começou a voltar suas energias para a literatura.

Entre seus primeiros trabalhos, consta uma coleção de poemas e sonetos que inclui L'Asino (CO asno), que começou a escrever em 1517, mas nunca completou. A forma era baseada em O asno de ouro (também conhecido como Metamorfose), obra do retórico e poeta Apuleio, que viveu em Roma no século II. Em seguida, Maquiavel escreveu uma novela, Belfagor arcidiavolo, conhecida em inglês como The Devil Who Took a Wife (O diabo que se casou). Ele provavelmente a escreveu em 1517, mas ela só foi publicada cerca de trinta anos depois,

dez anos após sua morte.

Escrever O asno era uma espécie de terapia para Maquiavel. Embora tivesse uma série de razões para o exercício da autopiedade, sa-

bia que o leitor consideraria desagradável conhecer diretamente as angústias do autor. Por isso mesmo preferiu a auto-ironia. Retratan-

do-se como o asno que protagoniza o livro, escreveu: “E nosso asno,

262

MAQUIAVEL

que subiu todas as escadas deste mundo para observar a mente do

homem mortal (...) nem o próprio céu pôde impedi-l o de Vociferar ” Em outras palavras, sou Maquiavel, estive no topo e aprendi as ma. nhas do mundo. Agora ninguém pode impedir-me de descrevê-lo,

Você (a nobreza florentina e, mais especialmente, os Médici) pode me ignorar, mas ouvirá meus pensamentos de qualquer maneira, E mais uma vez, referindo-se eufemisticamente ao asno, exclamou:

“Entre todas as pessoas antigas e modernas (...) nenhum homem sofreu de ingratidão e de labuta maiores.” Parte da inspiração para essas primeiras tentativas ficcionais vi-

eram da dor que Maquiavel sentia e da necessidade de se expressar de uma outra maneira, mas ele também era enormemente encora-

jado por um novo grupo de amigos com os quais passava muito tempo quando em Florença. Esse grupo de indivíduos com idéias semelhantes se reunia nos Jardins Rucellai, nos limites da cidade. Por vezes chamado de “o jardim bonito” pelos florentinos, os jardins haviam sido criados por Bernardo Rucellai no fim dos anos 1490. Bernardo vinha de uma família de humanistas e imaginara para a cidade um lugar onde filósofos e escritores poderiam se reu-

nir livremente para discussões e debates. Estátuas antigas se espalhavam ao longo das muitas veredas de cascalho e árvores exóticas haviam sido importadas e plantadas pelos jardins. Maquiavel descreveu o lugar específico onde seus amigos se encontravam como a

parte mais sombreada e secreta do jardim”, Nesse local, os intelectuais reunidos se sentavam em bancos ou na grama, “naquele lugar tão verde quanto o verde”.?

Bernardo Rucellai morreu em

no momento em qué Maquiavel se juntou ao grupo, os jardins eram coordenados po! 1514 e,

Cosimo Rucellai, sobrinho de Bernardo, que depois do ano de 1516

se tornou um de seus amigos mais próximos. Entre os outros que Sé reuniam com eles estavam o filósofo Francesc o da Diacceto e o his-

REABILITAÇÃO

263

alia hav ia hec con já vel uia Maq is qua os i, Nerl de o ipp Fil toriador s bro mem dos um era di, Nar opo Jac or, iad tor his ro Out . s o n a s n gu

on Ant e li cio Bru o oni Ant s ore rit esc os o com im ass principais, a s n e p o o e er Pi i n di n a m a l i A g i u a L t Francesco degli Albizzi, o poe s próxidor político Zanobi Buondelmonti. Desses todos, os mai

imo Cos e nti lmo nde Buo ro, Pie di ni man Ala m era vel uia Maq mos de

Rucellai. O grupo era quase inteiramente constituído por jovens ricos

provenientes de famílias nobres. Eles sustentavam posições

humanistas e liberais, não apreciavam o estilo de liderança adota-

do pelo novo governante, o duque de Urbino (Lorenzo de Médici), e eram todos excepcionalmente brilhantes e ambiciosos. Influentes e ricos, eram homens jovens que um dia ainda exerceriam funções principais na condução de Florença. Já Maquiavel estava pobre e desempregado, mas se valia de uma enorme experiência. Era um poeta talentoso e imensamente instruído, um soberbo conversador, um gregário que possuía um fino senso de humor. Era bastante natural que, não muito tempo depois, ele começasse a se perceber no papel de professor dos homens mais jovens dos Jardins Rucellai, e eles ficassem impressionados e se deixassem influenciar por suas idéias políticas. Lentamente, Maquiavel começou a ver que, envolvendo-se naquelas reuniões, ele estava encontrando uma maneira silenciosamente subversiva de mais uma vez influir na vida política. Ele nunca fora um defensor da revolução ou das rebeliões e considerava extremamente tolos aqueles que haviam tentado e falhado em usar a força e a intriga amadora para usurpar o poder, mas sempre amara a idéia de ser um

intelectual cujas idéias pudessem ser canalizadas a promover a educação política de jovens que possuíam um poder latente. Tal visão, juntamente com a

insistência de seus jovens amigos, estimulou-o a

terminar Os discursos e, mais tarde, a escrever4 arte da guerra, O ter-

264

MAQUIAVEL

ceiro volume que acaba por efetivamente engendrar uma trilo gia, lado

a lado com O príncipe e Os discursos. É provável que Maquiavel tenha começado a escrever Os discursos antes de decidir entregar-se à escrita de O príncipe, e que acabou

retornando a eles ainda no início de 1514. Incensado pelas discus-

sões dos Jardins Rucellai, agora ele concordou em realizar uma série de leituras para seus amigos, em que foi refinando as idéias expressas nos primeiros esboços do livro. Mais tarde, por volta de 1518. produziu uma versão final de Os discursos, embora a obra não tenha sido

publicada até depois de sua morte. Os discursos podem ser considerados a obra de Maquiavel que mais se relaciona com O príncipe. Contudo, enquanto O príncipe trata do comportamento dos líderes e acaba por configurar um guia para o aspirante ao governo, em Os discursos a preocupação de Maquiavel recai sobre a população ordinária e seu papel na condução e manutenção de uma sociedade bem-sucedida. É um livro mais longo e detalhado, e obra polêmica, sobretudo por ser inteiramente diferente de qualquer tratado político que a precedeu (excetuando-se O príncipe; é claro). Trata de vários dos temas com que ele se preocupou ao longo de sua carreira: a metodologia de um bom governo, a necessi-

dade de uma força militar capaz, o papel da religião e a relação entre os vários elementos de um governo. Mais uma vez, Maquiavel usa à técnica de basear-se em exemplos tirados da tradição clássica € combiná-los com a experiência política da época. Por ter sido baseada na análise dos primeiros dez livros de Tito Lívio, ao longo da obra

refere-se ao paradigma romano e chega à inevitável conclusão de que a melhor forma de governo para qualquer Estado é a república. (Lívio viveu durante o século 1 a.C. e é considerado o mais importante historiador da era romana.) No momento em que Maquiavel se pôs a retrabalhar Os dis:

cursos ele já assumira seu novo papel de educador “É o dever de

REABILITAÇÃO

um bom homem

265

ensinar a outros o bem (...)”, escreveu, “que,

uiu seg con não ele una, fort da e pos tem dos de ida ign mal Jevido à alcançar. De tal modo que, quando muitos forem capazes disso, lo.” nçáalca de z capa ser erá pod céus s pelo o rid que mais um deles seu rtir repa r deve seu era que va era sid con ele , vras pala Em outras

em ess end ent tos mui se , que por cia, riên expe sua e nto conhecime

a ter ria pode um os men ao ir, smit tran do tan ten va esta aquilo que

que do ir part a agir para ado par pre nte ame pri pro r esta e e sort boa aprendera.

Ao mesmo tempo, Maquiavel rapidamente percebeu o tamanho da dívida que tinha perante seus amigos dos Jardins Rucellai. Fora graças ao entusiasmo e ao apoio deles que ele reassumira a auto-

confiança e o auto-respeito. Simultaneamente, também começava

a perceber que homens como Lorenzo de Médici, ignorantes €

complacentes, não mereciam suas palavras e seus conselhos. Talvez

ele tivesse Lorenzo em mente quando escreveu em Os discursos: In-

fames e detestáveis são os inimigos das virtudes, das letras, e de todas as outras artes que concedem utilidade e honra à raça humana, assim como são os ímpios, os violentos, os ignorantes, Os imprestá-

veis, os indolentes, os covardes.”*

Dessa forma, em vez de oferecer seu livro a um potencial pa-

trono, como os instintos comerciais e a tradição recomendavam,

ele escolheu dedicar Os discursos a dois homens que ele considerava que mereciam muito mais: Cosimo Rucellai e Zanobi Buondelmonti. Homens por quem ele tinha um verdadeiro apreço, e não

alguém que ele devesse honrar apenas para ganhar algo em troca. “Para Zanobi Buondelmonti e Cosimo Rucellai. Meus cumprimentos”, a dedicatória começa:

266

MAQUIAVEL Dou-lhes este presente, que, se não compensa o tanto que lhes devo, é sem dúvida o melhor que Nicolau Maquiavel lhes poderia oferecer Pois nele expressei o que sei e o que aprendi através de uma longa experiên-

cia e um contínuo estudo das coisas do mundo. E, não estando nem vocês nem outros capacitados a desejar mais de mim, não lhes ofereço mais. Vocês podem muito bem reclamar da pobreza do meu empenho, visto que estas minhas narrativas são pobres, e da falácia do meu julga-

mento quando me engano em muitas partes da minha argumentação. Sendo assim, não sei qual das partes está menos obrigada perante a outra: se sou eu em relação a vocês, que me forçaram a escrever aquilo que eu, por minha conta, não teria escrito; ou vocês em relação a mim, que, tendo escrito, não os satisfiz. Aceitem isto, portanto, da maneira como todas as coisas são recebidas dos amigos, sempre a intenção do que dá sendo maior do que a qualidade do que é dado. E acreditem em mim no fato de que é grande a satisfação de saber que, mesmo que eu tenha me enganado em muitas ocasiões, não é um erro selecionar vocês, para os quais, entre todos os meus amigos, decidi dedicar estes Discursos; por mais que seja porque, ao fazê-lo, mostro alguma gratidão pelos favores que recebi, é também para desvencilhar-me do ato comum dos escritores, que geralmente dedicam suas obras a algum Príncipe e, cegos

pela ambição e pela avarícia, o louvam por todas as suas qualidades virtuosas, quando deveriam estar censurando-o por todas as suas características vergonhosas. De modo que eu, para não incorrer nesse erro, escolhi não aqueles que são Príncipes, mas os que, por suas infinitas

qualidades, mereceriam ser; não aqueles que poderiam me encher de

distinções, honras e riquezas, e sim os que, ainda que incapazes, gostariam de fazê-lo. Pois os homens, quando querem fazer bons julgamentos, devem estimar os que são generosos, não aqueles que poderiam sê-lo;

semelhantemente aos que governam o Reinado, que são os que podem, mas não têm o conhecimento necessário para isso (...). Aproveitem,

portanto, isto que vocês mesmos quiseram, seja ele bom ou ruim; € Sé persistirem no erro de que estes meus pensamentos são aceitáveis, não

lhes falharei em continuar a história de acordo com O que lhes prometi no início. Adeus.

REABILITAÇÃO

267

O que mais chama a atenção nessa dedicatória é a insistência de Maquiavel em pontuar a diferença entre aqueles que a fortuna beneficia injustamente, homens “que governam, mas não têm o conhecimento”, e os homens realmente valorosos, como seus amigos, que

realmente “sabem como governar um reinado”, mas não governam.

A identidade daqueles a quem Maquiavel se refere teria sido óbvia para qualquer leitor qualificado da época, e realmente foi algo ousado de escrever. Ele estava efetivamente dizendo aos Médici e a todos

os outros que o haviam marginalizado: “Bom, se vocês escolhem me ignorar, se preferem um cão de caça às ofertas de minha experiência e inteligência, provavelmente também não irão ler isto, então vão para

o inferno.” O terceiro livro da trilogia de Maquiavel sobre política e análise militar, À arte da guerra (Dell'arte della guerra), foi seu único livro publicado em vida. Tendo começado a escrevê-lo provavelmente em 1518, também recebeu o estímulo dos amigos dos Jardins Rucellai e foi aprimorado em leituras que fazia lá, bem como por longas horas

de discussão. Publicado em 1521, foi rapidamente aceito como um tratado imperioso sobre todos os aspectos da guerra e suas ramificações políticas.

Alguns criticaram o tratado de Maquiavel pelo fato de que não

faz menção às armas de fogo, que haviam sido introduzidas na Euro-

pa pouco tempo antes de o livro ser escrito. Contudo essa crítica es-

quece o ponto central do que ele estava tentando alcançar com seu

trabalho. 4 arte da guerra segue o mesmo paradigma de O príncipe e

Os discursos no sentido de que foi concebido como um livro de instruções, consistindo em uma descrição de idéias gerais a serem apliCadas em uma ampla variedade de circunstâncias. Organizado como diálogo ficcional entre alguns dos amigos de Maquiavel dos Jardins

Rucellai e o capitão do exército papal, Fabrizio Colonna, ele expõe aquilo que Maquiavel concebia como a melhor maneira de formar e

268

MAQUIAVEL

manter uma poderosa força militar. É um livro que pode ser entendi. do e utilizado por militares de qualquer nação e de qualquer tempo, Sobre ele, o historiador Pasquale Villari escreveu: “É um portento não

só de sua época, mas também quando considerado absolutamente ”s

Mas Maquiavel não se contentava apenas com ensinar e tampouco

estava interessado apenas em escrever sobre política e assuntos mili-

tares. Havia um outro lado de sua criatividade, o aspecto puramente

poético de seu caráter, a parte que o levava a se apaixonar tão facil-

mente e que permitia que ele decidisse enviar um soneto direto da cela da prisão para o Médici no poder. Era uma força poderosa, a parte mais velha daquele homem, o espírito criativo original que infundira em todos os seus escritos, sobre qualquer assunto. Foi o impulso que o levou a compor uma peça cômica intitulada Mandragola (A mandrágora). EscreverÀ mandrágora foi outro exercício terapêutico. Maquiavel ra para interromper as lágrimas e queria fazer outros rirem a partir de sua visão do mundo e de seus absurdos. Mas era também uma arma, uma adaga com a qual ele podia atacar sutilmente aqueles que o haviam mantido por baixo. Declarando que iria “recompensar com uma

taça de vinho quem não risse com sua peça”, continuou: “E se esta tentativa, por leve demais, não fizer jus a um homem que quer parecer sábio e sério, vocês terão de desculpá-lo, pois ele apenas está tentando, com estes pensamentos vãos, aliviar seus infortúnios, já que não tem outra coisa para fazer: pois ele já se furtou de mostrar outras

virtudes em obras diferentes, não tendo seus esforços recebido qual-

quer gratificação.” Como

todas

as outras

coisas

que

Maquiavel

escreveu, Á

mandrágora é, considerando-se a época em que foi escrita, uma cria ção inteiramente nova. Assim como suas obras “sérias”, como ele as

chamava, ela quase não tinha precedentes na tradição literária de seu tempo. Com seu próprio estilo e sua própria dicção, Maquiavel era

REABILITAÇÃO

269

completamente radical. Ele escrevia em toscano e sentia fortemente

que o vernáculo, e não o latim, deveria ser a língua da literatura italiana.

Nisso concordava com seu amigo Leonardo da Vinci, com quem compartilhava uma profunda aversão à tradicional dependência do das o mei por s fia oso fil s sua sar res exp de a tav gos ém mb ta Ele htim. comédias leves, das novelas, de peças populares e de sonetos. Assim, emA mandrágora, ele ataca a Igreja, os ricos esnobes e pouco instruídos de Florença, a santidade do casamento e os imperativos sociais da castidade e da honra. O enredo é simples e subversivo. Voltando a sua cidade natal, um jovem florentino chamado Callimaco Guadagno, um líbertino que passara alguns anos estudando fora, ouve falar de uma jovem excepcionalmente bonita, Lucrécia, casada com Messer Nicia, um homem

bem mais velho do que ela, rico mas supostamente impotente.

Callimaco vê a mulher e imediatamente se apaixona por ela, passando a desejar dormir com ela o mais rapidamente possível. Todavia Lucrécia é virtuosa e fiel. Então, com a ajuda de seu astuto amigo Ligurio, Callimaco bola um plano para seduzir a mulher que deseja. Eles rapidamente descobrem que o velho homem está desesperado para ter um filho e usam esse fato para conseguir fazer com que Callimaco se instale no quarto de Lucrécia.

Ligurio tem a confiança de Nicia e lhe diz que, para engravidar Lucrécia, ele deve fazer com que algum jovem tome uma poção com raiz de mandrágora e se deite com Lucrécia. A mulher ficará grávida, mas a mandrágora matará o jovem na mesma noite. Nicia concorda, mas ainda precisa persuadir a esposa. Callimaco e Ligurio então subornam um padre, o frei Timoteo, para convencer a jovem mulher a se submeter ao plano.

Obviamente, Callimaco não é envenenado e consegue passar a

noite com Lucrécia. Maquiavel conclui a trama sem qualquer castigo moral ou punição por aquilo que uma audiência convencional consi-

270

MAQUIAVEL

deraria a imoralidade de Callimaco. Em vez disso, Nícia concorda em

deixar o jovem viver junto com o casal em um ménage à trois Maquiavel termina a peça com outro afiado cutucão à Igreja. Na cena final, vemos frei Timoteo aceitando um outro pagamento de uma

família que quer a aprovação para realizar um aborto.

À peça certamente foi lida para o grupo de amigos humanistas de Maquiavel durante a primavera ou o início do verão de 1518 e fo; encenada para o público de Florença pela primeira vez no mesmo

verão. Iornou-se imediatamente um sucesso e no ano seguinte foi

encenada para Leão X, em Roma. Surpreendentemente, o papa a apreciou inteiramente e ela acabou fazendo muito para elevar entre os Médici a simpatia por Maquiavel. Leão, que tinha um gosto bastante simples, quase infantil, e nenhum interesse pelas altas artes ou pelas questões de intelecto, evidentemente gostou da dimensão maliciosa, quase obscena, da história e ignorou (ou deixou de notar) as

óbvias entrelinhas anticlericais e anti-Médici. Para Maquiavel, tal recepção sobreveio como uma surpresa inesperada, porém bastante bem-vinda, e marcou a primeira pequena mudança na atitude dos Médici em relação a ele. Nesse momento, já fazia cerca de seis anos desde que ele fora afastado das altas esferas do poder. Aquele havia sido o período mais produtivo de sua vida, um tempo durante o qual ele foi forçado a escavar sua criatividade e liberar a expressão de sua alma, desincumbido das responsabilidades de seu trabalho como secretário da Segunda Chancelaria. Entre 1513 € 1517, ele produziu todas as obras pelas quais hoje é mais famoso € deitou as bases para um sistema de pensamento político e para umê filosofia militar que já duram meio milénio. Foi um tempo de gran” de sofrimento e desespero para Maquiavel, mas sua escuridão funcionou como um catalisador para o surgimento de seu nome. Em 1519, as coisas já haviam começado a melhorar um pouco: Novas perspectivas estavam se abrindo e novas oportunidades apare” jato

REABILITAÇÃO

271

sme e el e qu as gr re as o id gu se l e v a i u q a M o nd te o nã o m s e m «iam. E, s

a io ár ss ce ne os rs cu re os s do to o nd te o mo estabelecera, mesmo nã a o ri sé a r va le ra pa te an st ba o o rt pe es a er e um Príncipe, ao menos el

r, de po do do ta as af i fo ni ri de o So d n a . u Q ão aç ar importância da prep o nã e qu em o nt me mo m nu a un rt fo Maquiavel foi varrido pela má

a íd tu ti bs su era a un rt fo má a e qu da di estava preparado. Agora, à me rar tu fa e s de da ni tu or op as ar it ve ro ap ra pa to on pr pela boa, ele estava o máximo que lhe fosse possível. l. À ve ia qu Ma de da vi a o it mu am ar et af es rt mo as Em 1519, du

seu çá qui o ad rn to ia hav se e qu m me ho do a mais traumática foi

s in rd Ja nos ia un re se e qu o up gr do or ad nd fu o o, ig melhor am ; ele a o it mu ia dev l ve ia qu Ma ai. ell Ruc mo si Co te en Rucellai, justam havia se revitalizado pelo interesse dele, havia sido aconselhado por

e qu do is ma a ar ud aj o ai ll ce Ru as. tic crí s sua o ad ci re ap ia hav e ele uiseg se e o qu er sp se de de s ano os e nt ra du oa ss pe ra out er qu al qu

ram à sua queda do poder, encorajando-o a escrever € a ensinar. O

fal a nc nu s poi ar, lug o sm me no o nd ra nt co en se u uo in nt erupo co tava a essa comunhão de intelectuais patronos ricos e organizadores enérgicos, mas a partir de 1519 o espírito dos encontros se trans-

formou. A outra morte, a de Lorenzo di Piero de Médici, ocorrida em 4 de maio de 1519, alguns meses antes de seu vigésimo sétimo aniversário, não teve qualquer impacto emocional para Maquiavel. Contudo ela de fato interferiu em sua vida, e num sentido positivo. Lorenzo havia sido uma grande decepção para Maquiavel, não apenas por não ter feito nada para prolongar sua carreira e por ter esnobado O príncipe, mas também porque ele havia sido um fracasso para si mesmo e uma decepção para a cidade que governara por quase seis anos. Lorenzo havia abusado do seu cargo, havia se tornado gradativamente mais obcecado por si mesmo e mais corrupto e havia conseguido colocar a maior parte dos florentinos contra ele.

272

MAQUIAVEL

Para Maquiavel, a morte prematura de Lorenzo liberou algumas amarras que ainda o prendiam e lhe permitiu uma nova esperança, Também ameaçava o controle dos Médici sobre Florença, fato este

que incitou o papa Leão X a despachar apressadamente seu primo, o

cardeal Giulio de Médici, que logo estampou sua autoridade no governo. Giulio era tudo o que Lorenzo não conseguira ser: inteligente, comedido, intelectual, um patrono das artes e um homem cuja visão

política tinha mais a ver com a de Maquiavel e seus amigos do que com a de muitos de sua própria família. De todos os Médici (talvez com exceção de Giuliano, que morrera em 1516), era o mais bem-

disposto em relação ao antigo secretário. À percepção do momento mais propício para se tomar uma atitude é tudo, e Maquiavel percebia esse fato mais do que a maioria. Anos antes, na escuridão dos dias desesperançosos que se seguiram ao seu aprisionamento, ele deve ter sabido que estava entrincheirado e prestes a viver um período de reavaliação e de mudanças lentas e dolorosas. Mudanças que calharam de ser dramáticas. Antes ele devia se conceber como um político, mas em 1519 era um membro da sociedade florentina das letras, um dramaturgo, um poeta e um analista político. Ele estava fora da política havia sete anos e, embora ainda devesse achar difícil aceitar esse fato, a literatura podia lhe oferecer uma oportunidade melhor de se reinserir na vida pública do que

qualquer status político que ele tivesse obtido antes.

A chance de reabilitação veio em março de 1520, quando um de

seus amigos mais próximos, Lorenzo Strozzi, membro de uma das mais

ricas e poderosas famílias da Itália, arranjou um breve encontro entre Maquiavel e o novo governante de Florença, Giulio de Médici. De

acordo com as testemunhas, a primeira reunião foi muito boa. Con-

tudo as recentes experiências amargas haviam deixado Maquiavel €

seus amigos bastante cientes da fragilidade de tais encontros. Todos

eles estavam receosos de confiar no resultado depois de uma única

REABILITAÇÃO

273

reunião e suspeitavam do humor do homem que realmente segurava as rédeas do poder, o papa Leão X. Eles não queriam uma repetição

dos desafortunados acontecimentos do início de 1514. Então, outro

dos amigos mais próximos de Maquiavel, Battista della Palla, que nesse

momento estava em Roma e era muito próximo do papa, fez o máxi-

mo que pôde para melhorar a imagem de Maquiavel na corte papal.

Della Palla descreveu para Leão as reuniões nos Jardins Rucellaí, colorindo-as um pouco ao descrever encontros entre homens cultos que discutiam assuntos elevados por entre o mármore e as flores, quase

como se fizessem parte de uma obra de arte clássica. Em seguida,

contou ao papa como Maquiavel estava iluminando e encantando o grupo com seu conhecimento, para depois lembrá-lo da hilária peça de Maquiavel, 4 mandrágora, com que Leão e sua corte tanto se divertiram.

Dessa vez, funcionou. Numa carta a seu irmão Lorenzo, Filippo

Strozzi, então em Roma, escreveu: “Fico muito contente que você tenha levado Maquiavel para se encontrar com Médici, pois, se ele

conseguir ganhar a confiança do mestre, será um homem em ascen-

são.”7 Algumas semanas depois, no início do verão de 1520, Maquiavel

recebeu ofertas de pequenas quantias para resolver algumas pequenas controvérsias e contendas. Algumas delas vieram de contatos de ne-

gócios, mas ele também foi contratado pelo cardeal Giulio de Médici Para visitar a cidade de Lucca e resolver alguns assuntos triviais em

nome de Florença. Um deles referente a uma discussão a respeito do

funcionamento da casa da moeda. O outro lhe requeria que resolves-

Sé uma polêmica que surgira a partir de alguns estudantes pisanos que desafiaram as autoridades e escaparam da cidade. Eram tarefas bastante aviltantes para o homem que uma vez fora o mais importante

emissário da República Florentina, mas Maquiavel as via como o que

realmente eram: testes, pequenas ofertas para suavizar o caminho para 9 que ele esperava que fosse algo de real valor.

274

|

MAQUIAVEL

É difícil julgar o que exatamente Maquiavel estava esperando nesse

estágio de sua vida. Ele havia amado seu antigo trabalho e já fazia sete

anos que sentia a falta da excitação que lhe causavam as viagens e as

responsabilidades. Ele vicejava para encontrar a resolução de um con.

flito, era franco e extrovertido; era um homem que adorava ter um público. O poder lhe apetecia e ele se empolgava quando tinha de

trabalhar com pessoas poderosas, mesmo que ele próprio não exercesse qualquer influência especial. Mas o mundo havia mudado, assim como ele mesmo. Os Médici tinham seus próprios emissários leais,

seus próprios funcionários públicos que haviam conseguido uma experiência considerável em seus cargos. Além disso, Maquiavel nunca tivera a perfeita confiança dos Médici, e já não podia esperar por uma posição em que desempenhasse algum poder de influência ou algum papel significativo na vida política da cidade. Em 1520, quando retomou o contato com os governantes de Florença, tinha cingiienta e um anos; e, mesmo no século XVI, sete anos, aqueles em que se

mantivera afastado, eram uma eternidade no mundo da política. Ele estava pobre, mas sobrevivera como um pária na maior parte da última década. Ele aprendera a aceitar a perda e se desenvolvera intelectual e emocionalmente. Talvez agora se considerasse um escri-

tor, mais do que um porta-voz político ou um diplomata. Os jovens

dos Jardins Rucellai lhe haviam sido um público, e agora tal público

se multiplicara inúmeras vezes com o sucesso obtido por sua peça-

Seu tratado À arte da guerra estava com os editores, pronto para ser

publicado, e mesmo que as teorias políticas que ele expressara em O príncipe e Os discursos estivessem sendo amplamente incompreendidas, ao menos estavam sendo discutidas e se disseminavam por entre à

comunidade intelectual. Levando em consideração todos esses fatores, estava claro que valia mais a pena abraçar o desafio de ser escritof, historiador e analista político. Os Médici e seus conselheiros obvia-

mente pensavam o mesmo, porque, em julho de 1520, Maquiavel

REABILITAÇÃO

foi mais

u

275

ma vez convidado a se encontrar com o cardeal Giulio de

se es ev cr o e es e nt el ra qu me pa ga ir pa ut um sc ra di pa Médici, desta vez . a ç n e r o l F e d a i r ó t « his e t n e e s m a t a i d e m i e l l e e e v a i u q a M a r a a t p i e f r e p a a r t e s o p o r p A empolgou com a idéia. O retorno financeiro era relativamente pelecinte er lqu qua para ra hon nde gra uma de se avatrat queno, mas as apen do ova apr o und seg o o send , anos dois de era rato cont «ual. O depois de se fazer uma avaliação da obra em construção. Oficialmente, a remuneração vinha do Studio Fiorentino e um corpo chamado de Oficiais da Universidade era o responsável por negociar o acordo, mas os Médici é que cediam os fundos e tinham a palavra final sobre o autor escolhido para a tarefa. Pediram ao próprio

Maquiavel que delineasse a forma básica do contrato e ele a enviou para Francesco del Nero, um camarada seu que por acaso era o ad-

vogado que lidaria com a comissão: “Ele [o autor] deverá ser con-

tratado por um período de ... anos, com um salário de ... por ano,

com a condição de escrever os anais ou mesmo a história das coisas

feitas no Estado e na cidade de Florença, desde o momento em que

lhe parecer mais apropriado, e na língua — latim ou toscano — que melhor lhe sirva.”º

Maquiavel deveria receber um salário anual de cem fiorini di studio

(florins de estúdio). O florim de estúdio valia apenas quatro liras, enquanto o florim de ouro valia sete. Isso significa que o salário de Maquiavel era de aproximadamente 57 florins, menos de um terço

do seu salário anual em seu primeiro ano como secretário florentino,

mais de duas décadas antes. Ele teria razão para pensar que seu trabalho valia muito mais do que isso, mas a chance de escrever a história de Florença era uma oportunidade de ouro que em nenhum momento ele pensou em recusar. Sua história seria a mais recente de uma série escrita no passado por homens estimados e poderosos, incluindo ao

menos três antigos primeiros-ministros da Signoria.

276

MAQUIAVEL

Maquiavel começou imediatamente. Na maior parte do prime. ro ano, trabalhou no sítio de Sant Andrea, assim como fizera ao Gã.

crever O príncipe. E, exatamente como ele havia feito em 1513e 15 14, viajava para Florença para obter algum contato humano e para espairecer um pouco dos pesados estudos. Desta vez, no entanto, as coisas eram muito diferentes. Ele ainda era pobre, ainda não recebia o tra. tamento respeitoso que merecia receber das pessoas mais poderosas

da Europa, mas tinha um trabalho a fazer, um trabalho que lhe fora

pedido, um trabalho que também lhe era profundamente prazeroso. Quando retornava a Florença por um dia ou dois, ou mesmo por uma semana, ele quase com certeza mantinha o hábito de visitar prostíbulos, covis de apostas e tabernas, pois ainda amava essas coisas. Mas o homem que estava escrevendo a história de Florença era, em muitos aspectos, diferente daquele que por lá afogara suas mágoas depois de ter terminado de escrever O príncipe. Maquiavel era ao menos tolerado pelos Médici e tinha amigos poderosos e devotos a ele. Em 1520, também tinha esperança e uma razão mais clara para viver, € junto com essas surgia uma renovada autoconfiança. Um indício perfeito de como a vida de Maquiavel se modificara durante o ano de 1520 pode ser visto em sua reação a uma notícia impressionante: uma carta e um convite. Em abril de 1521, o antigo gonfaloneiro Piero Soderini escreveu a ele oferecendo-lhe a posição de secretário de uma minúscula província da costa do Adriático, à República de Ragusa (próximo ao moderno porto de Dubrovnik). O

posto oferecia um salário atraente, uma residência confortável e o tipo de responsabilidade que o antigo diplomata vinha desejando havia

tempos. Apesar de lisonjeado, Maquiavel preferiu recusar a oferta. Mas

Soderini não se deixava frustrar tão facilmente e podemos cogitar Sé

ele não teria motivos ulteriores para tentar a! fastar Maquiavel de Flo-

rença no exato momento em que o interesse dos Médici por ele co

REABILITAÇÃO

277

a nd ai s ma , ta os op pr a ou or lh me e nt me da pi ra Ele meçava à crescer. . u o n i l c e d l e v a i u q a M m i ass

n u g e s u m e u c e r e f i o e n lh i r e d , o s S Então, algumas semanas depoi

no so ro de po do me no em a nh vi ta os op do trabalho. Desta vez, a pr

io iz br Fa e er ti ot nd co do o im pr um a, bre romano Prospero Colonn o eg pr em O . ra er gu da e art À ra ca di de l Colonna, a quem Maquiave

cados de du os nt ze du de o ári sal um m co e br no do o ir he el ns era de co

s do ca du os nt ze Du . nda upe est rta ofe a um Era as. ouro mais as despes

eberec l ve ia qu Ma que o ári sal o que do s mai es vez tas mui era o de our

ia rec ofe lhe go car O o. tin ren flo o rn ve go no ra rei car sua ra no auge de epod Ele a. íli fam sua a par nça ura seg mo co bem ão, taç agi e to for con ria mudar-se com sua mulher e seus filhos para Roma e esquecer de uma vez por todas a dor e o sofrimento do passado. Porém, embora deva ter se sentido extremamente tentado, Maquiavel recusou também essa proposta e permaneceu em Florença para completar seu livro. Sua decisão foi motivada pelo que ele considerava uma questão de honra. Ele concordara em escrever a história de Florença. Iratavase de um empreendimento nobre e importante, que deixaria seu nome gravado na história. Ele também acreditava que, deixando claro que continuaria trabalhando para os Médici apesar de receber fortes incentivos para não o fazer, sua lealdade seria recompensada. Maquiavel sabia que estava desperdiçando a chance de passar seus últimos anos

no conforto do palácio de Colonna e talvez uma parte dele sentisse

que merecia tal recompensa, mas agora ele estava tomado por novas

ambições. Se a proposta tivesse surgido um ano antes, talvez sua de-

cisão tivesse sido totalmente diferente. Agora, no entanto, ele estava se sentindo forte e confiante. Havia adquirido um novo ímpeto, um novo entusiasmo, e acreditava saber o melhor curso a seguir. Nisso, estava apenas parcialmente correto, pois a estrada em direção a seus últimos anos ainda estaria repleta de altos e baixos — aplausos e honras, mas também infortúnios e dor. -

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se

12 Os anos finais

Maquiavel era agora um escritor profissional, apoiado pelos Médici e pela academia. Seu 4 arte da guerra, publicado em 1521 pelo

florentino Filippo di Giunta, foi extremamente bem recebido por

analistas militares e comentaristas políticos em geral. Um dos primeiros a receber uma cópia foi o bem relacionado cardeal Giovanni

dalviati, que se orgulhava de ser “a primeira pessoa de Roma a ver

tão distinta obra”.! Ao mesmo tempo, Maquiavel estava trabalhando em suas Hlistórias florentinas, embora elas lhe estivessem causando quase tantos problemas quanto satisfações intelectuais. O aspecto mais difícil do trabalho era a necessidade de agradar aos patrocinadores, os Médici,

e simultaneamente escrever uma obra verdadeira e precisa. Isso signi-

ficava que, por vezes, Maquiavel era obrigado a maquiar a verdade,

colocando em risco sua integridade intelectual. À um amigo — o poderoso nobre e governador papal Francesco Guicciardini, com quem tinha iniciado uma íntima e frequentemente reveladora correspondência em 1521 — confessou:

MAQUIAVEL

280

Quanto às mentiras desses cidadãos de Carpi [ele acabava de retornar

de uma visita a uma comunidade de padres na cidade], posso rechaçar

uma a uma, pois já faz um tempo que me tornei um doutor nes sa

arte — bom o bastante para não ter de recorrer a Fra ncesco Martelli

[um contador de histórias da época] como um garoto de recados.

Mas agora já faz um tempo que não venho dizendo aquilo em que

acredito, ou não venho acreditando naquilo que digo; e, se às vezes chego a contar a verdade, escondo-a embaixo de tantas mentiras que fica difícil encontrá-la.?

É de fato irônico que Maquiavel, um republicano convicto, estivesse escrevendo a história dessa cidade sob pagamento dos Médici, mas ele dificilmente teria conseguido recusar o convite para escrever O livro; e, com sua esperteza habitual, realmente conseguira encontrar uma maneira de acomodar a vaidade de seus empregadores e a sua integridade pessoal. Em 1524, à medida que se aproximava do fim da tarefa, pôde escrever a Guicciardini: Aqui no campo vim me aplicando — e continuo fazendo-o — em contar a história, e pagaria dez soldi, mas não mais, para tê-lo ao meu lado para lhe mostrar em que ponto estou; pois, uma vez que estou prestes a entrar em uns certos detalhes, precisaria ouvir de você se estarei sendo muito ofensivo em minha exacerbação ou moderação dos fatos. No entanto continuarei procurando tais conselhos em mim mesmo e tentarei fazer o meu melhor para arranjá-lo de tal

modo que, ainda contando a verdade, ninguém possa ter do que

reclamar.

Ao mesmo tempo que Maquiavel escrevia essas palavras, no mun do além de seu sítio se deslocavam os políticos, reis e pontífices,

engajados em seus jogos habituais e moldando os acontecimentos que

preencheriam as páginas de futuras histórias O equilíbrio do poder

OS ANOS FINAIS

28]

duas por ara liz abi est des se do, ica del te tan bas o alg pre sem , opa Eur na

ihec con m bé am (t II do an rn Fe 6, 151 Em s. mortes nos últimos ano a li cí Si a, el st Ca , ão ag Ar de i re ra fo do como Fernando, O Católico), que

a vi ha ), 04 15 e sd de s le po Ná de te an rn ve e León (assim como go

o a par uiu seg o o an li mi xi Ma no ma ro r do ra pe im ro sac O morrido. túmulo em 1519.

, o o n lh a i fi l i m i x o a d M n e a n r e F de os an 19 de to ne Naquele ano, o

mo co , ano rom dor era imp ro sac nou tor se a, tel Cas de na de Filipe I e Joa Carlos V. tendo sido coroado rei Carlos I da Espanha três anos antes. aent res rep opa Eur da er pod de cos blo s ore mai dos s doi de ão uni a Ess e u-s cio ini 1, 152 de tir par a e, nça Fra a a par el ráv ole int aça ame va uma uma série de guerras que se estenderiam por toda uma geração. A Itália foi inexoravelmente impelida a participar dessas guerras devido a uma sucessão de papas incompetentes, a começar por Leão X (Giovanni de Médici), que teimou em ficar em cima do muro. Leão morreu em dezembro de 1521 e foi sucedido por Adrian Boyers de Utrechr, o cardeal de Tortosa, que assumiu o nome Adriano

VI. O cardeal Boyers havia sido tutor do menino que cresceu para se tornar rei da Espanha e sacro imperador romano e, por manterem uma relação próxima, sua eleição teoricamente serviria para estabili-

zar a situação política da Itália. Mas aconteceu O oposto. A eleição de Adriano foi uma má notícia para os Médici, porque concedia um inesperado impulso a todos aqueles que se opunham à família. Na frente desse grupo estava Piero Soderini, que agora podia contemplar mais seriamente seu sonho antigo de retornar a Florença, enquanto seu irmão, O cardeal Francesco Soderini, podia tentar

aumentar sua influência e alavancar seu poder em Roma. Mas, se qualquer um desses opositores ativos dos Médici cultivavam esperanças de que o ano de 1522 poderia lhes trazer o triunfo e um despertar

político da Itália, estava bastante enganado. Em vez disso, estavam prestes a encarar uma temporada de mortes incontáveis.

282

MAQUIAVEL

O verão de 1522 foi quente, e em maio a praga atacou com uma malevolência maior do que a habitual. Florença foi um dos lugares mais afetados da Itália. À cidade se fechou completamente, muitos

dos cidadãos ricos escaparam para suas terras no campo, não houve

eleições naquele ano e nem qualquer medida legislativa, e os suspeitos de estarem doentes eram obrigados a vestir uma roupa branca e a ter suas casas lacradas. O irmão de Maquiavel, Totto, foi uma das ví. timas. Por uma carta escrita em 8 de junho pelo gonfaloneiro, Roberto Pucci, Nicolau ficou sabendo que Totto estava in extremis. Ele não conseguiu visitá-lo antes que morresse, no dia seguinte, aos 47 anos. Então, em 14 de junho, o homem que havia sido o chefe de Maquiavel por muitos anos, o antigo gonfaloneiro vitalício, Piero

Soderini, morreu em Roma, possivelmente também vitimado pela praga. Soderini jamais desistira completamente da esperança de destituir os Médici e retornar glorioso a Florença e, junto com seu irmão Francesco, nos últimos dias de sua vida, havia se envolvido numa

conspiração para derrubar o papa. Piero morreu um ou dois dias de-

pois que a conspiração foi descoberta, mas antes que sua participação

fosse revelada, Francesco foi denunciado por um cardeal rival e captu-

rado antes de conseguir escapar de Roma. Preso no Castelo Sant Angelo,

foi torturado e assassinado. Enquanto isso, na mesma semana da conspiração em Roma, um grupo de rebeldes de Florença fez uma tentativa de atentado contra Giulio de Médici. Para o alarme de Maquiavel, essa conspiração ha-

via sido liderada por dois dos seus amigos mais próximos dos Jardins Rucellai, Zanobi Buondelmonti e Luigi Alammani di Piero. Embora eles tenham conseguido escapar de Florença, dois de seus colegas conspiradores, Luigi Alammani di Tommaso e Jacopo da Diacceto» não tiveram a mesma sorte. Foram capturados, torturados até con-

fessar cada detalhe do plano e prontamente degolados na Piazza della

Signoria.

OS ANOS

FINAIS

283

de ão aç ip ic rt pa da ta ei sp su a e uv ho a Estranhamente, nunc iec nh co era ele ue rq po , de en re rp su so Is o. çã ra Maquiavel na conspi as st ni ma hu is ua ct le te in de o up gr do r so es of pr ou do como um tutor aic bl pu re e nt me da bi sa a er e El . ai ll ce que se «euniam nos Jardins Ru

do ta en at m nu o ad ic pl im ra fo o, iss e qu no e, mais importante do s do to a nh Ti s. te an da ca dé a um as en ap ci di Mé conspiratório contra um ni tu or op as s da to e s re do ra pi ns co os m os motivos para agir junto co nme m re te o nã s ta is on ci di se os de to fa O dades de que necessitava.

ve de ele e qu a ic if gn si a ur rt to a em tr ex b cionado seu nome mesmo so ter tido algum álibi perfeito. e ss De l. ve ia qu Ma de s fo ra óg bi os ra pa na cu O ano de 1523 é uma la l ve ia qu Ma a s da gi ri di s te en sc ne ma re as rt ca s trê m te período só exis a um e ro Ne del o sc ce an Fr o ad nh cu u se r po as it (duas das quais escr se a nh te ele e qu é el áv ov pr is ma o e i) or tt Ve o sc ce an Fr o ig am por seu aab tr a do ua in nt co e ea dr An ' nt Sa em a it em er da vi a su ra pa do retira ai ll ce s Ru in rd Ja s s no ro nt co en s. Os na ti en or s fl ia ór st Hi as su lhar em

haviam sido interrompidos depois da conspiração fracassada do ano e o rn ve go o ra pa l ia ic of fa re ta er qu al qu fez o nã l ve ia anterior; Maqu onão há registro de que tenha via) ado para além dos domínios de Fl

rença, m ra re or , oc to os mp -i to au to en am ol is u se em a vi vi Enquanto ele

pa pa o , ro mb te se Em . ma Ro em e ça en or Fl em es çõ ma or sf an grandes tr

Adriano VI morreu e, em meados de novembro de 1524, o Colégio u o mi su as e El . pa pa vo no o mo co ci di Mé de io ul Gi eu eg o el ad Sagr nome de Clemente VII e, embora não fosse um homem corrupto, a ri ar ol eg da s le ma s e do ss ce de pa o nã e o, sid am vi ha s pa como muitos pa

e da agressividade, era indeciso € politicamente ingênuo. Aquele era um momento em que a Igreja necessitava de uma papa

forte, pois estava sob ataques de diversas partes. Martinho Lutero havia pregado suas 95 Teses na porta da Igreja de Wittenberg em 1517. Isso incitara Leão X a excomungá-lo, mas os ataques ao catolicismo ainda

284

MAQUIAVEL

surgiam de diversas direções e se tornavam cada vez mais fortes Inte. lectuais solapavam a doutrina e a ubiqiidade da impren sa talvez esti vesse se consolidando como o maior perigo, pois a grande quantidade de livros na língua vernácula oferecia uma chance de educação para

as massas: a última coisa que o clero desejava. Livros como O elo o da loucura (1509) e Diatribe sobre o livre-arbítrio (1524), do humanista Erasmo, começavam a corroer as tradições intelectuais da Igreja e aju-

davam a liberar a mente de qualquer um que se interessasse um pouco e soubesse ler.

Um perigo mais imediato vinha da política. Repetindo a história recente, Roma foi mais uma vez tomada entre dois superpoderes da Europa: a Espanha e a França. Clemente tentou imitar o papa Júlio II, que havia tratado de agir como um intermediário e manter ambos os poderes à distância. Júlio obtivera um módico sucesso por um período curto antes que seu plano colapsasse, mas Clemente era bastante diferente e numa velocidade impressionante suas políticas levaram a Itália ao massacre e à humilhação. Maquiavel não conseguiu sustentar por muito tempo a solidão e o estudo concentrado nos quais imergira em 1523. Cartas para ami80S mostram que, nas primeiras semanas de 1524, ele já começava à emergir de Sant Andrea e mais uma vez socializava e se divertia em

Florença. É por volta dessa época que uma nova figura entra em cena, um rico comerciante chamado Jacopo Fornaciaio.

Fornaciaio era muito diferente da maior parte dos seus outros

amigos e a relação que surgiu entre eles ilustra como Maquiavel era cosmopolita. Ele adorava a companhia de colegas intelectuais, mãs podia lidar socialmente com quase qualquer um. Até mesmo seus amigos mais próximos vinham de origens muito diversas. Ele era íntimo de Francesco Guicciardini,

governador papal de Mântua b

Reggio que se tornaria “presidente” da Romagna em 1524; seus

amigos dos Jardins Rucellai eram quase exclusivamente jovens pro” E

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OS ANOS FINAIS

285

já ele e ça, ren Flo de s sa ro de po e as ric s mai as íli fam venientes das fora pessoalmente muito próximo dos irmãos Soderini, que eram

im, ass da Ain s. nte lue inf e os ric e nt me sa en im rlhos de patriarcas dos ho pil tra mal s mai o com e ent rem liv sar ver con ia pod vel Maquia seu de a xim pró a ern tab na iam beb que s ore rad lav e s ore had trabal

m era lhe que dos a hi an mp co a ado eci apr ia hav pre «tio. Ele sem

ra ago e si, cor nac Buo gio Bia mo co ns me ho , tes len iva equ te men ial soc saba us” ebe “pl e s ore cad mer com o and tur mis se e nt me estava pronta tados como Fornaciaio. do ça ren Flo na nte que fre co pou era não ial soc e red la amp a Ess século XVI. Muitos nobres ricos se misturavam com os comuns ascendentes e com os homens que haviam obtido algum sucesso nas artes, na política ou na carreira religiosa, assim como pessoas bemsucedidas de origem pobre podiam adquirir algum status de aceitação social que transcendesse as classes. Por isso, não era raro encontrar

homens como Jacopo Fornaciaio, que possuía uma mansão nos arredores de Florença e organizava festas frequentadas por algumas das figuras mais ilustres da Toscana, lado a lado com artistas de sucesso,

atores, escritores e outros homens tão agitados socialmente como Maquiavel. Foi em uma dessas grandes festas na casa de Fornaciaio, em janeiro de 1524, que Maquiavel conheceu a atriz escandalosamente bonita Barbara Salutati Raffacani.

Maquiavel logo se apaixonou por Barbara e, como sempre fazia,

se entregou a esse caso amoroso com energia incontida. Escrevendo a seu amigo Vettori uma década antes, dissera: “O amor tortura apenas aqueles que tentam cortar suas asas ou aferroá-lo quando ele cai em

seus colos. Pois é um garoto jovem e volúvel que arranca os olhos, os físados e os corações de pessoas assim. Mas aqueles que se regozijam

com a sua chegada e o mimam, € deixam-no partir quando ele quer ir embora, com gratidão recebendo suas visitas de retorno, estes ele sempre reverencia e estima: sob seu comando, eles triunfam.”4

286

MAQUIAVEL

Palavras bonitas, mas, como muitas das coisas que Maquiavel es-

crevia, seus pensamentos no papel guiavam pouco suas ações concretas. Ele certamente havia amado livremente e curtido casos co m dezenas de mulheres durante toda sua vida, mas nunca estava tão per-

feitamente privado das consegiiências do amor quanto sugerem a voz de Il Machia nas cartas ou seus personagens de ficção. Além disso, à medida que envelhecia, seus casos extraconjugais lhe causavam cad a

vez mais dor. Ele ficara obcecado por La Tafani, uma garota que tinha menos da metade de sua idade, e sofreu muito quando a relaçã o

impossível entre eles se dissolveu. E agora, aproximando-se do seu 55º aniversário, enamorava-se pela linda Barbara. Em todos os sentidos, Barbara era uma mulher bastante apaixonante. Confiante, talentosa e bonita, era muito requisitada tanto nos palcos como na vida íntima, e Maquiavel não era tão tolo nem tão ingênuo para acreditar que fosse seu único pretendente. Ele teria gostado de ser, mas tudo o que tinha a oferecer era a sua reputação, seu intelecto e a admiração das mentes mais brilhantes e liberais de Florença. Estava envelhecendo, era pobre e bastante comum, ou seja,

de muitas maneiras não chegava a ser um grande achado para uma mulher como Barbara.

Ainda assim, muitas cartas remanescentes testemunham o fato de

que Maquiavel realmente chegou a ter um relacionamento sério € duradouro com ela. Na época, alguns dos que souberam do caso ficaram chocados por seu caráter bizarro e tentaram alertá-lo para que

tomasse cuidado para não fazer um papelão naquela sua mais recente folgança. Alguns até tentaram intervir. Um velho amigo, o advogado

Filippo de Nerli, escreveu a Francesco del Nero: “Sendo 'Machia' um

parente seu é um amigo meu (...) tenho de lhe contar que, em Módena, todos estão falando sobre ele e o fato de ess e “homem de família” ter se apaixonado perdidamente por “alguém cujo nome não posso dizer”. a

,

5

OS ANOS FINAIS

287

do tan ten ava est li Ner de que o nte ame cis pre r ina erm det cil É difí conseguir com essa carta. Supostamente, ele era um amigo bom e leal; sido um memia hav e ia lar nce cha na vel uia Maq ido hec con ia hav ele encom s esse r igi dir ao mas ai, ell Ruc s din Jar dos bro ativo do grupo do san cau ar est ia pod que ia sab ele ta iet Mar de vários ao irmão seu ar mud do tan ten sse ive est que el sív pos É u. ola Nic a par mas ble pro

velho amigo ao forçar um conflito com sua própria família, mas uma conclusão menos ingênua seria que ele simplesmente estava com

ciúmes.

Quaisquer que fossem as motivações de de Nerli, Maquiavel parece tê-lo ignorado completamente. Só nos resta entender que a sempre sofrida Marietta a essa altura já estava acostumada com os deslizes do marido e que simplesmente os aceitava como uma faceta inalterá-

vel de seu caráter, pois não há qualquer indício de que a intervenção

tenha modificado alguma coisa.

Durante a primavera de 1524, Maquiavel raramente foi visto em

público sem seu novo amore. Fornaciaio, por sua vez, era uma das

principais figuras da cena social florentina do início dos anos 1520 e

sentia prazer em impressionar. Era rico e gostava de ter beldades como

Barbara em suas festas, além de se deleitar com o fato de que figuras famosas e inspiradoras como Maquiavel aumentavam a sua reputa-

ção. Quanto a Maquiavel, a aceitação social o ajudava bastante para

aliviar sua angústia interna e lhe emprestava uma sensação de

pertencimento. Talvez fosse inevitável que, depois de uns poucos meses

de conhecer Barbara, ela se tornasse sua musa, levando-o a escrever uma peça para ela. Fornaciaio também se empolgou e não poupou

fundos ao arranjar uma apresentação pública da obra nos gramados

de sua propriedade. A peça, Clizia, foi apresentada pela primeira vez em janeiro de 1525. Fornaciaio contratou um famoso cenógrafo chamado Bastiano da San Gallo para criar o cenário. Um amplo espaço de seu jardim foi

288

|

MAQUIAVEL

aplainado para que se construísse um palco, e os melhores músicos

atores da Toscana foram contracenar com Barbara, que faria o papel

principal. De acordo com um observador, “todos os cidadãos impor-

tantes vieram, assim como os homens mais distintos do governo”.s Até mesmo o novo governante de Florença, Ippolito de Médici (o

filho ilegítimo de Giuliano), que o papa acabara de empossar como

chefe de Estado, estava lá. O enredo de Clizia é ainda mais carregado sexualmente do que o da

Mandrágora. Ele gira em torno do personagem de Nicômaco, um velho rico que cobiça uma jovem garota, Clizia, que havia sido criada em seu lar e sob sua tutela. O filho de Nicômaco, Cleander, também ama a ga-

rota e quer se casar com ela, mas o velho não deixa e, em vez disso, insiste para que Pirro, um jovem inquilino da casa, se case com ela. Isso se deve ao fato de que Nicômaco e Pirro chegaram a um acordo em que é permitido ao velho fazer tanto sexo quanto quiser com a jovem noiva. Na noite do casamento, o velho, tendo tomado um xarope especial recomendado pelo farmacêutico que o ajudaria a ter um bom desempenho, assume o lugar do noivo e espera pela chegada de Clizia. Contudo, a astuta esposa de Nicômaco, Sofrônia, paga um dos empregados homens para vestir as roupas de Clizia e tomar o lugar dela. Na escuridão da câmara nupcial, Nicômaco tenta repetidamente possuir aquela que ele pensa ser Clizia, conseguindo apenas ser duramente repelido pelo empregado. Por fim, ele desiste e vai dormir, sendo em

seguida sodomizado pelo servidor. Essa virada deve ter sido duplamente ultrajante e, para alguns, histericamente engraçada, porque à idéia de um homem mais velho se entregando como parceiro passivo num intercurso homossexual era repulsiva para os florentinos da época. Na cena final, o pai de Clizia aparece inesperadamente e descobrimos que, além de também ser extremamente rico, ele é compre” ensivo. Ele insiste em que permitam que sua filha se case com O homem que ela ama, Cleander, e todos vivem felizes para sempre.

OS ANOS FINAIS

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a ad nt me co foi e le da an sc de cês suc to ia ed im um A peça se tornou

a su da ma fa “A : er ev cr es a do va le foi por roda a Europa. De Nerli s la pe o ss di sei e qu e ns pe o nã e comédia se espalhou por toda parte;

esas s da to r po e qu s te an aj vi s lo pe cartas que recebo de amigos, sei de a rt Po da s õe aç nt se re ap as id rt ve di e rradas proclamam as oloriosas de sa ca da o im óx pr va ca fi e qu ça en or Fl de san Frediano [o portão a ci ên ic if gn ma tal de za de an gr a mo co e, qu de o Fornaciaio ]. Estou cert , a n a s c a s r o i T a e d t n a o r t r e i f c r às t e s n e r a m não se contento u em per ” . . . s a h n a t n o m á as ar uz m cr é b m a t , ui chegando até aq fre m co os ig am s seu e l ve ia qu Ma — mo as rc sa Se ignorarmos O um foi zia Cli e qu ro cla a fic — m to se nes tas car am av qiência troc msi era , ra go rá nd ma , À ra so es ec ed pr sua mo co m si -menso sucesso. As lirea Na as. iad var te an st ba as ci ên di au a va da ra ag e a os al nd ca es e s ple do co mi cô r to au mo co a vid em o id ec nh co is ma foi l ve ia qu Ma dade, ão aç nt se re ap ra ei im pr da a oc ép a (N sa. coi a tr ou er qu al que como qu de Clizia, uma produção de 4 mandrágora, em Veneza, teve de ser interrompida, porque o excesso de entusiasmo da platéia tornou impossível que os atores prosseguissem.)

Clizia foi também a obra mais autobiográfica e mais autozombeteira que Maquiavel escreveu. À protagonista era obviamente baseada na atriz que a interpretou, Barbara, € Maquiavel escolheu o nome Nicômaco para deixar perfeitamente claro que ele se via como esse triste e velho devasso que tenta e falha em dormir com a heroína.

Foi uma peça inspirada nas agonias que vivia em seu ruinoso amor —, co ma cô Ni — o açã cri ca éti pat sua de nte ere dif s, ma a, ar por Barb

Maquiavel quase com certeza foi bem-sucedido em satisfazer seus desejos sexuais com a bela atriz, embora a relação entre eles nunca tenha podido progredir para algo além de um caso extraconjugal.

Parte dele se regozijava com a imagem que tinha de si mesmo como um amante trágico e um gênio depravado. Por um período, ele adotou o

hábito de se apresentar nas cartas para os amigos como “Nicolau

290

MAQUIAVEL

Maquiavel, historiador, autor cômico e autor trágico”. E Certamente sabia que Barbara estava envolvida em muitas outras relações simultanea-

mente. Ele não estava tão enganado ao ver a si mesmo, através dos olhos dela, como mais um admirador com quem ela se deitava. Para seu amigo Guicciardini, ele escreveu: Quanto a Barbara e as cantoras [para uma nova apresentação de sua peça], acredito que posso trazê-la por 15 solj; ou uma lira, a menos que alguma outra consideração o impeça. Digo isso, porque ela tem certos amantes que podem bloquear o caminho; ainda assim, é possível fazer com que se mantenham quietos.”? Ao mesmo tempo, quando seus amigos não estavam tentando dissuadi-lo de tornar público seu caso com Barbara, ofereciam-lhe ajuda

para as dores do coração. “Você se acostumou com sua Barbara, que se esforça, como seu rei, para agradar a todo mundo e quer mais parecer do que ser”, comentou Guicciardini numa carta de agosto de 1525: Maquiavel quase sempre deixava seu coração mandar em sua cabeça e se deixava conduzir pela despreocupação libertina por qualquer conformidade ou convenção, mas é evidente que exercia algum poder sobre as mulheres. Barbara nunca o deixou, e eles continuaram sendo

amantes até sua morte, em junho de 1527, mais de três anos depois de terem se conhecido, e até a primavera daquele ano ela ainda lhe escre-

via com fregiência quando ele estava ausente de Florença por questões

de Estado. É certo também que Maquiavel nunca foi fiel a Barbara. Ele

tinha ao menos uma outra amante no exato momento em que fazia uma demonstração pública de seu caso com a atriz; a mais importante para ele era uma misteriosa jovem chamada Maliscotta, que ele conheceu durante uma viagem para Faenza, no verão de 1525. Aquele ano marcou uma tranformação genuína na fortuna de Maquiavel. Começou com a performance triunfante de Clizia em Florença e apenas algumas semanas mais tarde ele terminou suas

Histórias florentinas (chegando a contar até a morte de Lorenzo, º Magnífico, em 1492). Estimulado e confiante, decidiu apresentar 9

OS ANOS FINAIS

291

a bar aca que i, tor Vet a eu rev esc o iss por e a pap ao nte lme soa pes o livr

de ca bus em , VII te en em Cl de o im óx pr era e ma de retornar a Ro aconselhamento.

s mai o era não o nt me mo o e qu se dis lhe i Vettor

o, rç ma de cio iní no ão, ent s Ma ar. adi era or lh me O propício e que : eu ev cr es e el , e” ar mp co o id er qu mudou de idéia. “Meu os s poi o, livr o com da vin sua a re sob -lo lhá nse aco a eri pod Eu não

o o, lad ro out Por . tes sen pre a par e as tur lei a par ão est não tempos papa, na noite da minha chegada, depois de eu ter conversado com ele sobre um assunto de que precisava tratar, me perguntou sobre você por sua própria conta e me inquiriu quanto a se você tinha ou não terminado a História e se eu a tinha visto. Quando lhe disse que havia visto uma parte dela e que você já tinha escrito até a morte de Lorenzo, e que seria algo que lhe daria satisfação, e que você queria

trazer pessoalmente o livro até que eu o dissuadira, argumentando que o momento não era propício, ele me disse: “Ele deve vir, e eu tenho certeza de que seus livros darão prazer e serão lidos com toda boa vontade.” Essas foram as exatas palavras que ele disse para mim; mas eu não gostaria que você confiasse demais nelas e viesse para cá em seguida, para então se encontrar de mãos vazias.”

Não se pode saber a razão precisa por que Vettori ignorou as su-

gestões anteriores de seu amigo e o aconselhou a ficar em Florença. À explicação mais provável é de que estivesse com inveja de Maquiavel. Uma década antes, Vettori fizera pouco para ajudá-lo, temeroso de

que seu próprio nome se manchasse por associação. Agora, à medida

que a estrela de Maquiavel se elevava e ele não apenas adquiria fama como dramaturgo como também passava a ser admirado pelos Médici, Vettori provavelmente sentia inveja. É sem dúvida verdade que, durante Os primeiros meses de 1525,

Clemente VII estava distraído em outros assuntos. Tendo vacilado entre Carlos Bourbon e o rei francês, Francisco Í, ele se decidira por

292

MAQUIAVEL

se juntar ao lado errado ao ceder seu apoio aos franceses Justo antes

de seus exércitos serem derrotados na batalha de Pávia, em 24 de fe. vereiro. Naquele dia, doze mil tropas lideradas por Bourbon aniquilaram um contingente francês ainda maior. (Bourbon havia sido anteriormente o condestável da França. Em 1523, desertou e se juntou a Carlos V, tornando-se um dos mais importantes generais e o novo herói do Sacro Império Romano.) Milhares de membros da infantaria francesa morreram em Pávia, mas para Clemente à pior calamidade da batalha havia sido a captura de Francisco, que foi leva-

do a Madri como prisioneiro de guerra. Quando a notícia dessa humilhação chegou ao Vaticano, Clemente imediatamente decidiu trocar de lado e pôs em prática ações diplomáticas para cortejar Carlos V. Percebendo que tal movimento iria levantar suspeitas por entre os conselheiros de Carlos, o papa organi-

zou uma missão diplomática para Madri, que acreditava que serviria para demonstrar suas intenções honestas e para provar que seu apoio era genuíno. Em abril de 1525, Clemente enviou a Madri seu sobrinho, o cardeal Giovanni Salviati, e começou a procurar um secretário

adequado, um homem com experiência e conhecimento para assistir

o cardeal em sua delicada tarefa. Giovanni Salviati era um grande admirador de Maquiavel, e 0 antigo secretário enfrentara grandes penas para cultivar sua amizade

com ele. O cardeal havia sido um dos primeiros a receber uma cópia

impressa de À arte da guerra e ficara comovido com o gesto de Maquiavel. Ainda mais importante do que isso, talvez, era o fato de

que o pai de Salviati, o idoso Jacopo, sempre tivera grande admiração

por Maquiavel. Ele estava tão grato em poder ajudá-lo que ass umiu à

responsabilidade de pôr o nome de Nicolau no topo da lista de can-

didatos a secretário de seu filho. “Como secretário e como homem de quem você poderá ouvir bons conselhos...”, escreveu Jacopo à Giovanni en 3 de maio: “Nicolau Maquiavel me agradaria mais do

OS ANOS FINAIS

293

tá es ele e e ad id nt Sa a Su m co so is e br alquer outro. Já falei so qu ue q is ma s na ma se as Du !º .” ça en nv co m que se co r ze fa ar nt te u vo : so indeci

z ve a um is ma do en ev cr Es o. ad nt po sa de u co fi po «arde, tod avia, Jaco u-lhe: “Vamos ter de desistir de Nicolau Maquiavel, ” . e t n a t u l e r tá es a p a p o pois vejo que

s õe aç br cu lu as ss de da na a bi sa o nã l ve É quase certo que Maquia

ter a ess de uê rq po o o ar cl é o nã e , as ad antes de elas estarem termin te en em Cl e qu de é el áv ov pr is ma ão aç ic pl ex A sido a resolução final. tão ão nç fu a um l ve ia qu Ma a r ga le de ra pa ainda não estava preparado do da e ss ve ti o nã l ve ia qu Ma se , ue rq po , na pe a importante. Foi um é , ma Ro ra pa o ad aj vi s te an o mp te m gu al e ss ouvidos a Vettori e tive iil ib ss po sa Es . es nt re fe di m be em ss fo as is co as e qu el ív bastante poss alfin l ve ia qu Ma do an qu o, nh ju em e, qu de o fat dade se sustenta no as su ar nt se re ap ra pa e ic íf nt po o m co a ci ên di au a um ou rc mente ma r to au ao u de e qu ro liv do o nt ta ou st go pa pa s, o na ti en or s fl ia Histór um presente improvisado de cento e vinte ducados de ouro. Clemente apreciava genuinamente a escrita de Maquiavel, mas

ir ut sc di de de da ni tu or op a o nd te e, qu te en id ev te an st ba é ém mb ta

o vi ób lo do pe va ti ca foi , ele m co te en fr a te en fr ia ór st hi e ca ti lí po carisma daquele homem e por sua habilidade natural como analista político. Antes que deixasse Roma, Clemente reinstalou Maquiavel tanto como conselheiro quanto como emissário e aumentou seu salário para cem florins de ouro. Com a absoluta confusão que se tornara a situação política, Clemente necessitava desesperadamente de conselhos. Francisco ainda estava aprisionado em Madri, as tropas germânicas de Carlos V estavam se ajuntando no norte e se tornando cada vez mais ameaçadoras,

e uma guerra pan-italiana parecia cada vez mais provável. Foi nesse

momento que o papa começou à ouvir as bastante conhecidas convicções de Maquiavel de que a Itália deveria se defender com a cria-

ção de uma milícia de cidadãos, de que as defesas das cidades mais

294

MAQUIAVEL

vulneráveis (como Florença, exatamente na linha de qualquer ataque

previsível vindo do norte) deveriam ser fortalecidas e de que os exér-

citos papais deveriam ser mais bem organizados e treinados. Junho de 1525 marca o verdadeiro começo da regeneração da

carreira política e diplomática de Maquiavel. A partir desse momento e até sua morte, dois anos depois, ele escreveu muito pouc o e se

dedicou exclusivamente a uma última eclosão de ativid ade política

frenética, trocando a teoria pela prática. Ele nunca retornou às sua s Histórias florentinas. Consideradas as mais divertidas e bem escritas (se não as mais precisas) de todas as histórias dos séculos XV e XVI é um livro ainda vastamente lido hoje em dia e que continuou sendo editado por quase quinhentos anos. 4 mandrágora, por sua vez, foi apresentada para platéias eufóricas de Veneza no carnaval de 1526, e em outros lugares ainda durante a vida de Maquiavel, mas depois de

Clizia ele não escreveu qualquer outra peça. Maquiavel parou de compor sonetos € tampouco escreveu qualquer outra obra de análise po-

lítica. Em vez disso, restituído como emissário, diplomata itinerante e conselheiro militar, retornou à linha de frente das questões políticas e militares exatamente quando a Itália estava prestes a cair no

abismo da guerra generalizada.

No início de 1526, a disputa militar entre os dois grandes poderes da Europa se intensificou. Em janeiro, Francisco I assinou o Ira-

tado de Madri, alinhavado por Carlos V. Ele lhe oferecia a liberdade em troca da aceitação de quatro condições. Primeiro, ele deveria desistir de qualquer pretensão e interesse na Itália. Segundo, deveria se casar com a irmã de Carlos, Leonor da Áustria (a viúva do rei de Portugal, Manuel, o Grande, que morrera cinco anos antes). Terceiro,

deveria restaurar ao imperador o Estado da Burgúndia. E, finalmente, deveria deixar seus dois filhos, Francisco e Henrique, como ref éns

em Madri. Porém, numa jogada de puro maquiavelismo, no momento em que Francisco chegou em Paris rescindiu o acordo com Carlos,

OS ANOS FINAIS

argumentando

295

que o havia assinado sob coerção e que, portanto, era

. do li vá in e t n e m l a r o m € a prátic

, e ra er gu ão de aç ar cl de a e t m n u e a l a v i u q e o i fo so , Para Carlos is

ar it je su se to m e ei e sf t n ti e sa m a r i e t n ra i ve ti a Clemente, que nunc es da sco nci Fra eu olv abs e nt me ta ia ed im , no ma Ro o ri pé Im 10 Sacro 6, 152 de o mai em e, vez uma s mai o lad de cou tro sa, mes pro quebra de

, eza Ven a, Rom , nça Fra re ent ão uni uma , nac Cog de a Lig a formou Milão e Florença.

Essa nova união deveria ser páreo para o imperador, mas as estratégias, os planos e as ações da Liga foram malfeitos desde o início, de modo que as políticas definidas por seus membros acabaram condu-

zindo ao caos e ao desastre na Itália. Mais do que quase qualquer outra pessoa, Maquiavel estava tanto preocupado com as ações da Liga quanto certo de que os italianos não estavam preparados para a guer-

ra inevitável. “Como quer que as coisas venham a ser, acredito que a guerra na Itália é inevitável — e logo”, escreveu ele a seu amigo Guicciardini em março de 1526. Ambos vinham acompanhando os desdobramentos daquela situação da Europa com um profundo

temor, pois não conseguiam confiar que Clemente tomaria as deci-

sões corretas ou encontraria alguma saída para aquela condição. Guicciardini tinha o pontífice em mente quando escreveu a Maquiavel, no fim de 1525: “Nunca ouvi falar de alguém que, ao ver uma tempestade se aproximando, não tentasse procurar algum teto,

exceto nós, que preferimos esperar por ela no meio da estrada sem era sob a que er diz s mo re de po não ma, for sa Des ão. teç pro qualquer nia foi tomada de nós, e sim que a deixamos cair vergonhosamente de nossas próprias mãos.”13

Clemente vinha se dividindo quase desde o momento em que ascendeu ao papado. Ele havia empregado Maquiavel, porque acreditava que ele tinha idéias adequadamente agressivas para a defesa da Itália. O papa também se valia de homens inteligentes, observadores e muito

296

MAQUIAVEL

capazes como Guicciardini, colocando-os em posições de real pod er O problema, no entanto, não estava naqueles que empregava, e sim no fato de que ele, pessoalmente, era incapaz de cor responder às expecta-

tivas. Clemente estava sempre indisposto tanto com inimig os quanto

com aliados e não recebia a confiança de quase ninguém por seu com-

portamento de constante duplicidade. Para tornar as coisas ainda pio-

res, ele tomava decisões extremamente equivocadas e se confundia ao receber conselhos muito discrepantes de pessoas diversas. E, o que é mais nocivo depois de ouvir tais conselhos, toda vez escolhia o pior curso de ações. Desse modo, ele não apenas estava enfrentan do uma insubordinação da parte de alguns participantes menores da Liga (entre eles, o mais descontente era o duque de Urbino, Francesco della Rovere, que desde 1524 vinha trocando palavras duras com o papa pela disputa de algumas terras da Toscana), como ao mesmo tempo era forçado a aquiescer com as vontades do rei francês, que, depois da humi-

lhação de Pávia, estava faminto por uma revanche. Maquiavel deve ter sentido que a história se repetia. Em vez de estar atuando como secretário do indeciso e vacilante Soderini, chefe do governo florentino, ele agora servia o papa Clemente VII, que era

tanto o chefe da Igreja como o governante maior de Florença. Mais uma vez, seu chefe estava tentando lidar com os franceses e formando alianças pouco eficientes. A estimada milícia de Maquiavel,

conseguida a duras penas, se dissolvera em nada nas mãos dos Médici

ea Toscana mais uma vez estava totalmente sem defesas. A seg urança

italiana agora estava entregue a chefes de Estado incompetente s que mal mereciam seus títulos e continuavam em picuinhas à me dida que

o mais poderoso líder da Europa avançava pelos territórios da Itália. Maquiavel sabia que eles tinham pouco tempo e fez tud o o que podia para salvar alguma coisa em meio à balbúrdia. Em abril, foi

instruído pelo papa a inspecionar os muros de Florença e escreveu um relatório intitulado Provvisione per la Istituzione delPUfficio de

OS ANOS FINAIS

297

a a par o sã vi ro (P e nz re Fi di tã Cit la del ra Mu la del i cinque Provveditior s ro Mu os ra pa es nt de en nt ri pe Su o nc Ci dos te ne Instituição do Gabi va no a um r ce le be ta es à pa pa o u vo le o Iss ). ça en or Fl de da Cidade igdes foi l ve ia qu Ma l qua da s, ro Mu dos s re do magistratura, OS Cura Em e. ent ist ass ou rn to se do ar rn Be ho fil seu to an nado secretário, enqu anlev ava est o rn ve go do to en am rt pa de vo no e ess s, na ma se poucas os iv ns fe de s ro mu os s do to r ra pa re e r na io ec sp in «ando fundos para

em volta de Florença e de suas dependências.

m nu u ro nt co en se l ve ia qu Ma s, ano ze tre em vez ra ei Pela prim

o. hi cc Ve o zz la Pa no io ór it cr es um m co o, rn ve go do l cia ofi cargo ele , do ma as si tu en e o ad it ag 6, 152 de o rã ve o e a er av im Durante a pr a pel do an aj vi o, mp te o sm me ao s are lug os s do to em ar est u ce re pa . ns me ho s trê de ho al ab tr o o nd mi su as e a an sc To a pel a e di ar mb Lo As forças papais se reuniram em Piacenza, na Lombardia, a noroeste de Florença, e de lá Guicciardini escreveu ao embaixador florentino, Roberto Acciaiuoli: “Maquiavel está aqui. Ele veio para organizar a milícia, mas, vendo quão podre está, não tem qualquer esperança ou respeito por ela. Uma vez que é incapaz de remediar Os erros da humanidade, ele não fará nada a não ser rir dela.”!4

O embaixador respondeu alguns dias depois: Fico contente que

Maquiavel tenha ordenado que disciplinassem a infantaria. Seria óti-

mo se ele pudesse pôr em ação o que tem em mente (...) mas me pareceria melhor que ele retornasse a Florença e continuasse com seu dever de fortificar os muros, pois o tempo em que eles serão necessários está se aproximando

rapidamente."

É fácil detectar um indício de pânico na resposta de Acciaiuoli, mas ele apenas estava refletindo a sensação generalizada de Florença nessa obscura temporada. Ão longo do verão e do outono de 1526, a guerra foi deflagrada, com as forças de Carlos abrindo caminho a partir

do norte. Vilas e pequenas cidades da Lombardia e da Romagna

mudaram de mãos diversas vezes em uns poucos meses, mas o senti-

298

MAQUIAVEL

mento subjacente na Itália toda era de que a Liga de Cognac estava

perdendo e de que as forças do Sacro Império Romano combinadas

com as espanholas estavam gradualmente ganhando terreno.

Essa visão foi exacerbada por uma patética tentativa, realizada em

julho, de recuperar Milão das forças espanholas que a haviam ocupa-

do. O exército do duque de Urbino (que lutava nessa guerra com

pouquíssimo empenho), combinado com um pequeno contingente

de venezianos, apressara-se ao norte para atacar a cidade sem nem esperar os reforços franceses. Quando estavam prestes a cercar Milão,

Urbino inexplicavelmente ordenou uma retirada e todo o esforço

resultou em embaraço e humilhação para a Liga. Dois meses depois, e com a desgraça de Milão ainda fresca em suas memórias, a Liga celebrou uma rara vitória quando, depois de um longo cerco, suas forças recuperaram a cidade de Cremona, perto de Piacenza. Maquiavel estava lá para testemunhar o triunfo pessoalmente, parado na frente dos muros da cidade enquanto soldados franceses, venezianos e florentinos passavam com estardalhaço por seus portões. Contudo as celebrações em Cremona foram curtas, porque, quase no mesmo momento em que a cidade caía, setecentos quilômetros ao sul o papa passava por um desastre.

À medida que a guerra piorava ainda mais, € a incompetência de

Clemente ficava clara para qualquer um que quisesse enxergar, alguns dos poderosos cardeais junto com suas ricas e influentes famílias começaram a preparar uma insurreição dentro do próprio Vaticano. Em 19 de setembro, quatro noites antes da vitória em Cremona, à família Colonna, uma das mais importantes de Roma, formou uma união

traiçoeira com Hugo de Moncada (um agente do imperador) e visou

o papa. Tropas imperiais estremeceram a cidade e Clemente foi forçado a fazer uma barricada para si mesmo no Castelo Sant Angelo» O quase inexpugnável forte na periferia do Vaticano. Com o intuito de

ganhar sua liberdade, foi obrigado a assinar um inquietante tratado

OS ANOS FINAIS de paz com volvia uma rios ganhos

299

en do or ac O s. ói nh pa es os € o O Sacro Império Roman óit rr te de o çã lu vo de a e a i d r a b m completa retirada da Lo . ra er gu de o an le ue aq do to de o pela Liga ao long

a um m E o. çã lu so re a m co so to os sg de te Maquiavel ficou totalmen

iam um a u to la re e el a, lh ta ba de o mp ca carta escrita em outubro do um mo co r ta ra “t a ar ix de se pa pa o e qu , go, Bartolomeo Cavalcanti

r, ta or mp co se ve de pa pa um mo co bebê”. Ele não agira da maneira ise os gr ro er O ra te me co e as op tr as su ra pa pois não levantara fundos os , ou ic pl ex o, ss di ém Al . el áv er ln vu o de ficar em Roma totalmente

os od “t am er e rt no no r ta lu ra pa pa pa lo pe condottieri empregados ti mi mo co se es ub so e qu ém gu al do an ambiciosos e detestáveis, falt se e qu a do mo de as id un s la ênt ma € ) as op tr gar os caprichos [das tornassem uma cacofonia de cães ladrando”.!é do do ra be li do si ter te en em Cl de is po de s se me is do Pouco mais de e qu os nh ga os m co to ei sf ti sa o nã a nd ai , os rl Ca , lo Castelo Sant Ange . ça en or e Fl nt me ca fi ci pe es r ça ea am ra pa sul O ra pa obtivera, rumou troas su s, pe Al s do es ad id im ox pr s da o fri is ma a im cl do o nd vi Tendo

à m co m va ba ur rt pe se o nã , os íç su s io ár en rc me r pas, aumentadas po a que is co a tr ou er qu al m qu va ra nt co en co ou mp ta e o rn ve in chegada do ça me co ça en or Fl em os it mu e qu do mo , de ço an av e u se ss pe interrom

tam a pensar que a cidade seria invadida ainda antes do fim do ano. em pa pa do o çã la tu pi ca sa ho on rg ve la pe da ia cr ia ár or A paz temp to. en am in nf co u se de iu sa ele e qu em te an st in no ou aç ed sp Roma se de

€ es or ad ir sp on -c co us se r po ém mb ta a ad rc ce foi a A família Colonn as su as s da to ir ru st de ra pa a rç fo a um ou vi en te um colérico Clemen

o uc po , na de Mó s em to ci ér ex r os pa ru ag re de s te propriedades an

era menos de oitenta quilômetros ao norte de Florença. À situação

muito diferente da mudança original na linha de frente realizada no verão anterior, e agora as forças da Liga recuavam lenta e constante-

mente Em 25 de novembro, na batalha de Borgoforte, perto de

ni van Gio re tie dot con o , Liga pela ava lut que o dad sol hor mel o , Mãntua

300

MAQUIAVEL

de Médici (bisneto de Lorenzo, o Magnífico, e filho de Caterina Sforza) foi ferido na coxa por uma bala de mosquete e morreu cinco dias depois. Foi um golpe terrível, que enfraqueceu ainda mais os frá. geis e desorganizados exércitos que defendiam a Itália. Em sua História da Itália, escrita alguns anos depois, Francesco Guicciardini descreveu 1527 como um ano “cheio de atrocidades e acontecimentos nunca vistos há muitos séculos: derrubada de gover-

nos, enfraquecimento de príncipes, os mais espantosos saques de cidades, grandes penúrias, a mais terrível praga assolando quase a Itália inteira; tudo repleto de morte, migração e pilhagem”. Durante os primeiros meses desse ano terrível, Maquiavel estava distante de casa, nos campos de batalha, passando frio e sentindo-se ainda mais velho do que realmente era. Deprimido e frustrado com a maneira como os estranhos e crescentes conflitos se tornavam cada vez piores para a Liga, ele compartilhava com seus compatriotas 0 medo de que Florença fosse devastada pelas tropas de Carlos. Pela primeira vez desde os escuros dias em que Júlio II ameaçara a República Florentina, um novo conflito punha em risco não apenas a s0berania de Florença, mas também as vidas de seus familiares. Durante esse tempo cheio de temor, Maquiavel escreveu frequentemente para sua família e suas cartas estão permeadas por um

afeto que ele raramente demonstrara antes. Marietta estava no sítio

com o filho mais novo deles, Totto, que não tinha mais do que seis

meses de idade e estava doente (viria a morrer alguns meses mais tatde, ainda naquele ano). Com eles estava também a filha do casal,

Bartolomea, o filho mais velho, Bernardo, e os dois garotos mais novo, Guido e Piero, que estudavam na cidade; o segundo filho, Ludovico,

estava viajando a negócios. Pouco se sabe sobre a família de Maquiavel e só conhecemos 0 esquema básico de suas vidas a partir de trechos de registros oficiais

incompletos e algumas poucas cartas que sobreviveram aos últimos

OS ANOS FINAIS

301

peo ad eg rr ca se des a ci ên nd po es rr co a to an et tr quinhentos anos. En am er s ele em qu de ia idé a um e ec er of o fat de as vid s sua de “todo s ano 12 ou 11 ha tin to, Tot de is po de vo no is ma o nd gu Guido, o se seu do es alh det Os m va ra st gi re e qu os nt me cu do os em 1527. Embora ica fis oto gar um era e qu e e-s sab , os id rd pe o sid am nascimento tenh intelis mai o o nd Se . ros liv dos or ad ci re ap e o os di tu es co, mente fra

o id Gu , pai o m co do ci re pa s mai o e l, ve ia qu Ma gente dos filhos de tuera lit a a par ão aç in cl in a um ha tin e e oc ec pr te en lm ua ct era intele

ho an tr es te an st ba o sid a nh te do ar rn Be e qu se epõ ra. Dos outros, su ha tin que ro, Pie re sob da na de ro ist reg m te se o nã e as Qu . e bronco tique o ser de ém al , co vi do Lu o mã ir seu s ma , 27 15 «reze anos em nha mais tino comercial entre os filhos, também ganhara a reputação ori aut as m co s ma le ob pr u to en fr en e qu ivo ess agr o eit suj um ser de , a ea om ol rt Ba 0. 152 s ano dos os ad me em es siõ oca as ers div dades em única filha de Maquiavel, mais tarde se casaria bem, e seu marido, Giovanni Ricci, se tornaria o testamenteiro literário de seu sogro.

Da frente de batalha, Maquiavel escreveu uma série de cartas para sua esposa e para seu filho favorito, Guido. Além de uma troca de conselhos básicos e de notícias familiares sobre mulas e presentes que prometia levar para eles quando retornasse para casa, pediu a Guido que fosse carinhoso por ele com sua mãe e que se cuidasse. Também aconselhou o garoto repetidas vezes a continuar com os estudos e lhe assegurou que, se o fizesse, um dia seria “um homem respeitado”.!º Além disso, ele fez o que pôde para tranquilizar a família em relação ao andamento da guerra. Em resposta, Guido escreveu: “Nós não estamos mais

preocupados com os soldados do imperador porque você prometeu que vai tentar estar conosco se alguma coisa acontecer. Então...”, termina ele, “... a senhora Marietta não está mais preocupada.!º

Contudo, no início de abril, Maquiavel estava claramente desanimado com aquele cenário tão lamentável e com bastante vontade

de se distanciar da confusão e dos horrores da frente de batalha.

302

MAQUIAVEL

“Mande lembranças minhas para a senhora Marietta...”, ele pede a

Guido, “e diga-lhe que eu vinha querendo — e ainda quero — sair daqui qualquer dia desses; na verdade, nunca quis tanto quanto agora voltar para Florença, mas não há nada mais que eu possa fazer 2 De fato, Maquiavel não podia fazer quase nada. Ele havia se empe-

nhado e discutido, havia tentado ao máximo fazer com que o tolo e in-

deciso papa agisse com mais sensatez. Lutara para conseguir reforços a fim de organizar propriamente um exército capaz de se agientar diante dos inimigos que se impingiam contra ele. Tudo isso obtivera muito pouco resultado. Mas, exatamente como ele descrevera em suas análises de guerra e de política, a fortuna e os planos de estrategistas melhores que Clemente logo transformariam as coisas, levando junto ele próprio, sua família e o destino de Florença (para não falar no destino da Europa inteira). Em parte graças a Maquiavel, as forças imperiais não atacaram Florença como muitos esperavam que fizessem. Durante a primavera, Maquiavel e seu grande aliado, Guicciardini, obtiveram sucesso em desviar uma grande força militar da linha de frente para a proteção de Florença. Ao mesmo tempo, através de seu trabalho com os Curadores dos Muros, Maquiavel assegurara que as muralhas da cidade oferecessem uma formidável resistência a qualquer ataque esperado das forças de Carlos. Esses dois fatores foram essenciais para tornar qualquer tentativa de con-

quistar Florença uma opção arriscada. Marchando pelas margens do Arno, nos últimos dias de abril, as forças do Bourbon só chegaram a alcançar

Montevarchi, a mais de sessenta quilômetros dos muros de Florença. De lá, abruptamente rumaram para o sul e, para a surpresa de quase todo mundo, se dirigiram a toda velocidade para Roma. O assalto de Roma pelas tropas do Bourbon foi considerado, na

época, uma calamidade, uma selvageria dirigida ao centro icônico da

fé católica apenas comparável à invasão das hordas bárbaras no sécu-

lo V. E, de fato, a invasão foi efetuada com tal descuido em relaçãoà História, à religião e à vida humana, que se assemelhava à atitude dos

OS ANOS

FINAIS

303

pom ué ng ni s Ma es. ant s ano mil de s do go si vi e s saqueadores godo r. ece mer por to fei ia hav pa pa o que te en am ri se ar dia neg

O Bourbon chegou em Roma em 4 de maio, quatro dias depois de

o açã rel em s dia s doi em o ad nt ia ad s ma , sul o a «er iniciado o trajeto par e del ás atr a iad env o sid ia hav que da ma ar e nt me da sa pe o isã « uma div

o rg Bo em ma Ro de s tõe por aos que ata O a. Lig da s te pelos comandan

um de ia ênc ist res ma gu al u ro nt co en o, mai de 6 dia no o, rit e Santo Spi já o rt mo foi n bo ur Bo o e ade cid a ia nd fe de que e nt ge in nt co pequeno nesse primeiro embate. Destemido, o exército seguiu avançando e conseguiu invadir Roma, onde quase não havia resistência. Estuprando,

incendiando e pilhando, as tropas mostraram uma total selvageria. De acordo com uma autoridade anônima da época: “Os luteranos se regozijaram em queimar e aviltar tudo o que o mundo adorava. Igrejas foram profanadas, mulheres, mesmo as religiosas, violadas, embaixadores

roubados, cardeais segiiestrados, cerimônias eclesiásticas ridicularizadas; tudo isso com os soldados lutando entre eles pelo espólio.? Luigi Guicciardini (irmão de Francesco Guicciardini) foi teste-

munha ocular dos acontecimentos e relatou:

Muitos foram detidos por horas sob a mira de armas; muitos foram

cruelmente amarrados pelas partes íntimas; muitos foram suspensos pelos pés e presos no alto, acima das ruas ou da água, enquanto seus

torturadores ameaçavam cortar a corda. Alguns foram enterrados até a metade em celeiros, outros presos dentro de barris, enquanto muitos eram abominavelmente espancados e feridos; não poucos foram esquartejados por lâminas incandescentes. Alguns foram torturados em estado de extrema sede, outros por barulhos insuportáveis, e muitos tiveram seus dentes arrancados. Outros foram obrigados a comer suas próprias orelhas ou narizes, ou seus testículos assados.”

Clemente escondeu-se antes do primeiro ataque, trancando-se no Castelo Sant Angelo pela segunda vez em nove meses, enquanto Roma

304

MAQUIAVEL

era queimada e violada. Por oito dias, os invasores destruíram a cida. de, em um ato que não fora sancionado pelo sacro imperador roma-

no Carlos V, que em seguida chegou para resgatar o papa enclausurado e estabelecer algum tipo de ordem na cidade devastada.

Quando a notícia do destino do papa chegou a Florença, signif.

cou o fim do governo dos Médici. Já fazia meses que o poder de Cle. mente vinha se esfacelando em sua terra natal. Seu representante em

Florença, Silvio Passerini, o cardeal de Cortona, que era o regente dos

dois herdeiros ilegítimos dos Médici, Ippolito e Alessandro, se safar, da ameaça de uma revolução generalizada no fim de abril graças apenas à intervenção inteligente do grande diplomata Francesco Guicciardini. Guicciardini conseguira prevenir uma rebelião sangrenta contra os Médici, mas ambos os lados, os Médici e os rebeldes (mais

uma vez, estudantes e jovens de algumas das famílias florentinas mais poderosas), foram incapazes de apreciar o que ele havia feito. Por isso a tensão na cidade continuou alta e, quando a notícia do saque de

Roma finalmente chegou à cidade, no dia 11 de maio, os líderes

florentinos ficaram atordoados. Cortona rapidamente foi forçado a entregar o poder e um reformado Grande Conselho, criado a partir

do paradigma de Savonarola, foi constituído às pressas.

Ainda iludindo-se com a crença de que teria algo a dizer sobre

assunto, Clemente “concordou em alterar a Constituição de Floren-

ça . Maquiavel zombou sem piedade dessa declaração, destacando que

o tolo papa havia dado algo que não mais possuía. No dia 17 de maio, Cortona e os dois descendentes dos Médici foram expulsos de Florença, um tal Nicolau Capponi foi eleito gonfaloneiro por um ano; 2

Sala do Conselho, que havia ficado fechada por 15 anos apenas juntando pó, foi reaberta, e Florença mais uma vez voltou a ser uma te

pública. Maquiavel havia testemunhado a destruição de Roma. Ão lado

de Guicciardini, havia agido como um agente de paz na cidade € aju-

OS ANOS FINAIS

305

dado a arranjar a reabilitação do papa, que agora tinha a proteção de Carlos V, o conquistador de Roma e definitivamente o homem mais

a nte dura o, luíd conc foi alho trab esse ndo Qua do. mun do poderoso última semana de maio, Maquiavel foi dispensado para retornar a Florença e, com um pequeno grupo de oficiais do governo e militares, ele resolveu sua lenta volta para casa. Maquiavel era um homem muito inteligente e possuía uma habiação uma de as ênci egii cons as ver ante de ana hum resob e quas de lida

política. E, embora esses fossem tempos particularmente confusos e

voláteis, restam poucas dúvidas quanto ao fato de que estava bastante

preocupado com a recente mudança de governo em Florença. Ele deveria ter ficado feliz com o retorno da república, mas sabia que podia esperar muito pouco desses novos e jovens republicanos que agora estavam no poder. Diz-se que, em sua viagem de volta, ao percorrer a Toscana e as vilas dos arredores de Florença, ele apenas suspirava e

permanecia sério, enquanto outros celebravam a queda dos Médici. Seu retorno era uma mistura de dor e alívio. Ele estava feliz de voltar a encontrar sua família depois de tanto tempo e aliviado de que todos haviam sobrevivido à guerra incólumes. Mas, ao mesmo

tempo, estava bastante ciente de como era pouco bem-vindo para os novos líderes de Florença. “Todos o odiavam por causa de O príncipe..”, escreveu um historiador, “os Piagnoni [seguidores de Savonarola] o enxergavam como um herege, os bons achavam que ele era um pecador, os perversos o consideravam ainda mais perverso do que

eles, de modo que todos o odiavam.”? Para piorar, o novo governo

não o odiava apenas porque o via como autor de um livro vil, mas

também por percebê-lo como amigo dos Médici. Era a mais cruel das ironias. Lá estava um homem que a vida inteira sempre fora republicano e patriota, que havia feito tudo o que podia pela República, que fora torturado, enganado e isolado pelos Médici, que perdera seu sustento e sua brilhante carreira graças às

306

MAQUIAVEL

extravagâncias daqueles que o governo acabava de exilar; em resumo, um homem que trabalhara sem cessar por Florença. E, embora

Maquiavel soubesse que estava retornando para enfrentar mais hu-

milhação e mais dor, quando o soar do martelo se ouviu, em 10 de junho, ele se abalou. Naquele dia, um aliado dos Médici, o antigo primeiro-secretário do agora extinto Otto di Pratica, recebeu o cargo

de secretário da Segunda Chancelaria e Maquiavel foi ignorado.

Maquiavel provavelmente estava doente desde muito tempo antes

de voltar para casa. Durante os 18 meses da campanha de combate a Carlos, ele havia viajado quase que sem descanso. Ele enfrentara longas temporadas nos campos de batalha e convivera com a esqualidez, com a miséria e com a sujeira diante dos muros da cidade sitiada pela Liga, Ele assistira à morte e à destruição numa escala raramente testemunhada ao menos por toda uma geração. Ele enfrentara a praga e as armas do inimigo e vira todos os seus planos e idéias serem deixados de lado pelos ineficientes e incompetentes governantes a que servia.

Ele poderia ter vivido um pouco mais se a fortuna estivesse do seu lado, se os seus compatriotas o tivessem compreendido e tivessem compreendido aquilo que ele defendia. Mas não era assim que tinha de ser. Poucos dias depois da rejeição final que sofreu, com a maioria das figuras influentes de Florença vendo-o como um pária, ele foi levado ao leito de morte pelo que se acredita ter sido uma peritonite causada por uma úlcera infecciosa. Maquiavel morreu no dia 21 de junho, querido apenas por sua própria família e por uns poucos amigos próximos.

15

O legado de Maquiavel

a um há l, ve ia qu Ma u la co Ni de te en sc ne ma re a ci ên nd po Na corres um ro Pie ho fil seu por a rit esc o sid a nh te e põ su se que carta estranha

sede o im pr seu ao da ça re de en á Est . pai seu de e dia depois da mort gundo grau Francesco Nelli e diz: que Meu caro Francesco, tenho o lamentável dever de lhe informar es no nosso pai, Nicolau, morreu no dia 22 deste mês [sic], com dor

[Du 20. dia no u mo to que o édi rem um alg por as sad cau go estôma rante os últimos 18 meses de sua vida, Maquiavel tomava alguns comprimidos duvidosos que lhe haviam sido recomendados por um até a hi an mp co fez lhe que , eus Mat ão irm ao iu mit amigo.) Ele per sua morte, que ouvisse a confissão de seus pecados. Nosso pai nos ê voc do an Qu e. sab ê voc mo co a, rez pob da fun pro s mai na deixou m co ou Est . nte lme soa pes sas coi s mai ei tar con lhe voltar para cá, lem has min ar nd ma lhe de m alé a nad er diz lhe pressa e não posso branças. Seu parente, Piero Maquiavel!

u ola Nic de o fat ao ro Pie de ão nç me a é ta car sa nes ho ran est s O mai

de es ant s ado pec s seu de al fin são fis con a um to fei ter l ve ia qu Ma

308

MAQUIAVEL

morrer, pois, pelo que sabemos de suas opiniões sobre a rel igião, esse

ato pareceria bastante despropositado. Já se sugeriu que tal carta fosse falsa, fabricada para amenizar pos-

tumamente a obscura imagem de Maquiavel como um anticristo, De

fato, essas coisas não eram infregiientes no século XVI2 O exemplo

mais famoso é uma carta que se supunha ter sido escrita por Savonarola

e dirigida a seu pai, mas que se revelou falsa no século XVIII? Os que

defendem essa hipótese destacam o fato de o autor ter er rado a data

da morte de Maquiavel e sugerem que tal equívoco seria mais facilmente cometido por algum farsante do que pelo próprio filho daquele que faleceu. Essa, contudo, é uma evidência circunstancial e não há nenhum fato mais preciso que apóie a hipótese de que a carta de Piero seja falsa. Se for mesmo, certamente foi forjada por alguém mais distante de Maquiavel, talvez um descendente que considerasse a moralidade e a falta de religiosidade de seu ancestral pouco palatáveis. A família imediata de Maquiavel jamais se envolveria em tal artifício. Para eles, Maquiavel não era o “mau” e “corrupto” autor de O príncipe, o homem que os desinformados e desorientados percebiam como um advogado da brutalidade e dos ímpios jogos de poder. Para Marietta, Nicolau havia sido um marido afetuoso, mesmo que distante e infiel.

Para seus filhos e sua filha, ele era uma figura misteriosa, porém carinhosa, que representava um estrondo nos pequenos mundos em que

eles viviam. Uma explicação mais provável para a incongruente referência € de que a carta não é falsa e, nela, Piero está meramente relatando 08

fatos reais, tendo cometido um erro sobre a data por estar muito aba-

lado. Nesse caso, seu pai realmente teria feito a confissão final . Tal postura seria mais condizente com a personalidade de Maquiavel do que uma recusa a receber o padre. Não restam dúvidas de que

O LEGADO DE MAQUIAVEL

309

faa su a av am e va ta ei sp re ele s ma , Maquiavel não respeitava a Igreja as ss Ne . us De à e nt me te e ta vo de a mília; e Marietta, em particular, er e as qu e um st co m (u al tu ri ao o id et circunstâncias, Nicolau teria se subm iliqu an tr ra pa te en sm le mp si o) mp te e universalmente aceito naquel

e el e qu o sm me ma al a su r po do mi te am ri te es el is po a, li mí fa à zar a. nt co a ri óp pr a su r po e ss não teme er qu l se e v a i u q a M e m qu a v a t i d e r c a s oa ss pe as É claro que muit

la ue aq e, rt mo a su de s te an o sm Me o. sc «inha uma alma para pôr em ri do ha nc ma a vi ha , pe ci ín pr O , sa mo fa is ma que se tornaria sua obra sju in te an st ba a ir ne ma de , em ag im a seu nome e estabelecido su o ri óp pr 9 mo co o sm me ou ge re he de an gr tificada, como a de um

diabo. em a ri iá ag pl ão iç ed a um em is ua ct le te in Circulando por entre os as e br So de me no o m co 24 15 em s le po Ná latim, publicada em foi só ra ob a , a) id ec nh co e nt me al in ig or a er principalidades (como de e rt mo da is po de os an o nc ci , 32 15 em a ad devidamente public to Ti de da ca dé ra ei im pr a e br so s so ur sc Di us se , ra tu al sa es A Maquiavel.

l ta to um ia nd re e lh e qu o , 31 15 em , os ad ic bl pu Lívio já haviam sido o vr li o ic ún u se foi ra er gu da te ar 4 . os ad ic de três livros publ . da vi em o ad ic bl pu ) is ta en am rn ve go os ri (desconsiderando os relató

aoc e e ss re te in is ma ía ra at e qu pe ci ín pr O a er o, pi Mas, desde o princí sionava as interpretações mais errôneas.

sa mo fa s mai a obr à nou tor se pe nci prí O que É fácil entender por se fos ra bo em ém, Por . eta dir e l ica rad te, for € ta cur é Ela de Maquiavel. ro liv o do an qu nas ape foi , sia vér tro con se um tanto óbvio que causas iess agr e s nte lue inf ado Est de fes che e s ere líd foi associado a alguns

uma obra -lo erá sid con a u ço me co o pl am s mai o lic púb vos, que um mais somos uls imp s seu jar ora enc e es tor lei Os r pe capaz de corrom

brios. escreveu: historiador um príncipe, O Sobre

310

MAQUIAVEL

A princípio, a obra foi recebida quase com indiferença; sua recep-

ção imediata mal pode ser chamada de positiva ou negativa; ela fo;

tomando seu espaço vagarosamente, como era natural, até que foi

publicada; então, a religião levantou a voz e inaugurou a era de invectivas; simultaneamente, alguns bem-intencionados, porém — segundo acreditamos — desorientados esforços foram feitos para defender o livro sob a hipótese de que carregava um significado se-

creto: então a crítica recuperou a imagem do autor e pintou para ele

uma extravagante imagem de cínico e malévolo.!

Outro coetâneo, o historiador Benedetto Varchi (um escritor pago pelos Médici) teve a pachorra de dizer: “O nome feio que ele carrega se deve não apenas a sua vida licenciosa, mas a um pequeno livro chamado O príncipe.” Maquiavel foi transformado, como ressaltou um outro observa-

dor, “em um símbolo da maldade, por ter sido um grande homem e por ter sido desafortunado”.é No outro extremo, sugere-se que o primeiro biógrafo de Maquiavel, Pasquale Villari, sequer apreciava o sujeito sobre o qual escrevia. “[ele] admira seu protagonista...”, observou um cronista posterior, Pistelli, “mas não tem afeição por ele”. Tais são os frutos da má interpretação.

À reputação de Maquiavel e de seu livro mais famoso estava diretamente ligada a mudanças que aconteceram na estrutura política € religiosa da Europa depois de 1527. Após o saque de Roma, Clemen-

te VII foi forçado a ceder terras e poderes ao vitorioso Carlos V. Até

esse momento, a Igreja Católica jamais reconhecera oficialmente O

rei espanhol como sacro imperador romano, mas uma das condições da trégua era de que tal omissão fosse reparada. Conseguentemente, Carlos foi coroado imperador pelas próprias mãos de Clemente, em Bologna, em 1530.

A Terceira República de Florença não durou muito. Assim que

Clemente recuperou seu equilíbrio político, sabiamente fez tudo O

O LEGADO

DE MAQUIAVEL

311

ra au st re a u ce le be ta es e os rl Ca de o m i x ó r p r a u n i t n o c que P odia para ei im pr us se de m u o m o c a ç n e r o l F m e i c i d é M s do o d n ção d o coma a c i l b ú p e R ra ei rc Te a o, rc ce el ív rr te e o ng lo m u de s i o p e D . os ros 0D) etiv lo pe s da ra de li s a l o h n a p s e as op tr às te en fr , 30 15 de to os ag caiu, em , ho in br so u se ou al st in pa pa O m, si as ; e g n a r O de to er sb li Fe príncipe . de da ci da e t n a n r e v o g vo no o m o c , ci di Mé de o r d n a s s e l A o im ít o ileg lsu re I V X lo cu sé do io íc in no a p o r u E na as nç da u m s e r o i a m Mas as o l e p , o r e t u L o h n i t r a M r o a p d a t i p i c e r p a s o i g i l e o r ã ç a t n e m r e f a d raram or ef -r ra nt Co la pe e , ra er at gl In da I, VI e u q i r n e H a m o R ra nt co e ld rebe de ré ma a r te de ra pa ca li tó Ca ja re Ig da o er íf ut fr in o rç fo es o ma, pe do ia od a er l ve ia qu Ma , pa ro Eu va revisionismo e revolução. Nessa no re sp de e s, tã is cr ti an as ad er id ns co am er as éi id as su ue rq po s, co li tó ca los s, co li tó ca s re de lí ns gu al e qu m va ta di re zado pelos protestantes, porque ac s ca ti lí po as su do ti am vi ha , ci di Mé de na ri ta Ca l ca di ra a ar ul ic rt pa em lu nc co a um a er sa Es l. ve ia qu Ma de as sangrentas inspiradas pelas palavr inato de o assass r ta ci in na ri ta Ca de s te an são estranha, porque, treze anos o Sã de e it no da re ac ss ma o 50 mil protestantes na França, dura nte

orum br Li x de In no do ca lo co ra fo já pe ci Bartolomeu de 1572, O prín IV. o ul Pa pa pa do s) do bi oi Pr os vr Li s do Prohibitorum (Índex

O e qu m co a ic ít cr a im ss pe da s vo Tais fatos são bastante indicati ga lu ns gu al em é a nd ai te en em nt de en príncipe era recebido (e surpre

o at in ss sa as o r na io nc sa ci a Médi de s te an os an ês tr , 69 15 Em res). tornou se o” ic él av ui aq “m a vr la pa a , ça dos protestantes na Fran adutr foi pe ci ín pr O do an Qu . as éi id as inextricavelmente ligada a su

mo co do ca fi ti en id a er já u la co Ni e br zido para o inglês, em 1640,0 po . oa ss pe em o ab di O mo co do ti e ) “Old Nick” (Velho Nick

is ma é at ra er at gl In na o ad ic bl pu Apesar de O príncipe não ter sido

stante ba a ar ul rc ci já ele l, ve ia qu Ma de e rt mo de um século depois da to. fa se es m ta en st su as ci ên id ev as Du m. ti por lá em italiano e em la

io haár on ci di no va ra gu fi já o sm li ve ia qu Primeiro, o conceito de ma

e es or it cr es is pa ci in pr s do ns gu al o, nd gu Se via cerca de oitenta anos.

312

MAQUIAVEL

dramaturgos ingleses do século XVI e do início do século XVII fize-

ram referências bastante claras a Maquiavel e suas teorias, Cristopher Marlowe foi provavelmente o primeiro dramaturgo q fazer referência a Maquiavel. Em O judeu de Malta, escrito em 1 590,

ele inseriu o próprio Maquiavel na peça e fez com que o autor que o

representava discursasse no Prólogo, que começa da seguinte maneira: “Eu sou Maquiavel, E não temo qualquer homem, ou qualquer de suas palavras. Sou admirado por aqueles que mais me odeiam; Embora alguns se pronunciem abertamente contra meus livros, Ainda assim me lêem, e desse modo alcançam O trono de Pedro; e quando me rejeitam São envenenados por meus camaradas ascendentes. Considero a religião um brinquedo de criança, E defendo que não existe pecado a não ser a ignorância.”

É interessante que, apesar de nessa época a imagem de Maquiavel já estar manchada e distorcida para o lado ruim, Marlowe não fez nenhum julgamento explícito sobre ele ou sobre suas ideologias. Tam-

bém é surpreendente que o dramaturgo tenha entendido a opinião dele sobre a religião e de fato expressado bem sua filosofia pessoal: Maquiavel realmente defendia que “não existe pecado a não ser à gnorância”. O dramaturgo que mais parece ter se interessado por Maquiavel

foi Shakespeare. Ele não apenas fez referências diretas a Maquiavel

em três de suas peças, como baseou vários de seus personagens mais

poderosos no príncipe idealizado que Maquiavel retratara. Além disSo, empregou os conceitos de virti e fortuna, princípios a que

Maquiavel pessoalmente dava muito valor e que integram a estrutur? filosófica de seus escritos políticos.

O LEGADO

DE MAQUIAVEL

313

nuê fl in te en sm le mp si am er o nã a un rt fo e tu vir l, ve ia Para Maqu

vam la ro nt co o, iss e qu do is ma ; os du ví di in os e br so am di ci 'n cias que

io me por s) do pa ci in pr ou as ic bl pú re s ela m se o destino das nações (fos . ças for as ess a s ue eg tr en am av nf iu tr ou m ia fr so e qu s dos lídere

emplos ex es or lh me dos Um ia. idé a ess a av ci re ap o Shakespeare muit mlet. Ha de , as br in rt Fo é s ra ob s sua em co li vé ia qu ma em ag de person

xa dei se m me ho o l, ve ia qu Ma de lia Itá da i er ti ot nd co Como alguns dos

rma na Di a ra nt co ha an mp ca a um e im pr im Ele . conduzir pela virtiy im, ass a nd Ai o. di áu Cl de ca íti pol a br no ma a um r po do ti de é ca, mas ntra co o nd ta lu e, nt re fe di in ém nt ma se ele e, ad id rs ve ad tal de apesar

venue eg ns co te en lm na fi o, lad seu do a un rt fo a m co e, s se ne os polo

. sa ue rq ma na di a ro co a r ma to a par o is ec pr o nt me mo cer no uir seg m ce re pa que ns age son per m da un ab re pea kes Sha de as peç Nas os princípios maquiavélicos. Basta pensar em Ricardo II, Ricardo I ou vio a sej os mpl exe es hor mel dos um vez tal s Ma h. et cb Ma y mesmo Lad r era sup a par e tad von de ça for sua usa que m me ho um lo, Ote de o, lão Iag te cen e ino ent vam ati rel o ce ven con o Iag do an Qu s. ulo tác obs os os tod eu que “O ta: tes pro go eri Rod ele, m co do han bal tra uar tin con a o rig Rod devo fazer? Confesso que está entre os meus defeitos ser tão afeiçoado;

mas não está em minha virtude reparar tal defeito.” Iago replica:

“Virtude! Uma insignificância! Quer definir que sejamos isto ou aquilo. Nossos corpos são nossos jardins, dos quais nossas vontades são os jardineiros; de modo que, se plantamos urtiga ou semeamos

alface, o suprimos com um tipo de erva ou O distraímos com muitos tipos, seja para torná-lo estéril e inútil ou para adubá-lo com

nas está o tud o diss e dad ori aut el igív corr a e er pod O ora, diligência, escauma sse tive não s vida sas nos das o anç bal o Se es. tad von nossas

la de razão para equilibrar outra de sensualidade, o sangue e a baixe-

-a de nossas naturezas nos conduziriam às mais absurdas conclusões;

aguimas temos a razão para esfriar nossos impulsos ferozes, nossos

lhões carnais, nossas incontidas luxúrias, de maneira que considero o.” ert enx um ou ta sei a um r amo de ma cha ê voc que isso

MAQUIAVEL

314

Maquiavel poderia muito bem ter escrito esse diálogo por sua

própria conta se tivesse se dedicado a uma peça séria depois do suces-

so de suas comédias 4 mandrágora e Clizia. Sua influência sobre Shakespeare fica ainda mais clara na criação de dois dos mais podero-

sos personagens dele: Ricardo II e Ricardo III. Os planos e ambições deles podem ser comparados diretamente com excertos de O prínci-

pe. Por exemplo, Shakespeare prestou atenção no conselho de

Maquiavel de que “um príncipe sempre é compelido a ferir aqueles

que o tornaram o novo governante (...) pois não pode satisfazê-los da forma como eles esperariam”.º Na boca de Ricardo II, essas palavras se convertem

em:

“Northumberland, serviste de escada ao ambicioso Bolingbroke para subir ao meu trono; mas, antes que o tempo haja envelhecido muitas horas, esse crime hediondo, que se tornou abscesso, extravasará em corrupção. Acabarás por acreditar que, embora ele dividisse o reino e te outorgasse a metade, seria pouco demais por havê-lo ajudado a conquistar o todo; ele, por sua vez, pensará que tu, que sabes o meio de implantar reis ilegítimos, descobrirás, sem que haja necessidade de ajudarte muito para isto, outro meio para derrubá-lo de seu usurpado trono. ”? Em Henrique VI, por sua vez, Shakespeare baseou as ações do

duque de Gloucester nos princípios do florentino, desta vez usando a descrição de Maquiavel de como um líder bem-sucedido deve demonstrar versatilidade e flexibilidade. Maquiavel escreveu: “Ele [o príncipe] deve parecer compassivo, fiel a sua palavra, amável, sincero e devoto. E de fato deve ter essas características. Mas o arranjo deve ser tal que, se ele necessitar ser o oposto, saiba como fazê-lo

O LEGADO

DE MAQUIAVEL

315

à do an ri va , el ív ex fl ão iç os sp di a um r te ve de e el a, ir ne ma a ss De .). (..

nva Le º ”! o. nd ta di m re fo as ci medida que a fortuna e as circunstân : ar ar cl de er st ce ou Gl z fe e ar pe es do a dica em conta, Shak “Representarei O papel de orador tão bem quanto Nestor, enganarei um o com ia Tró ra out i are tom e mais astutamente do que Ulisses

em r ta lu de , ão le ma ca ao s re co r ta en sc re ac de Stnon. Sou capaz o ri ná ui ng sa o la co es à ar vi en de , eu ot Pr metamorfoses como a! Or a? ro co a r ui eg ns co o ss po o nã e o ist Maquiavel. Posso fazer e.” ng lo is ma e ss ve ti es ra bo em i, re ha an ap a Eu

em l ve ia qu Ma de ra mb so a r ve de r de en Não devemos nos surpre a a vi re sc de ele s, mo vi já mo co , is po e, cantos escritos de Shakespear s za ue aq fr e as rç fo s da ta is on cr um a er a: «ealidade do modo como a vi

s, no ma hu os ip ét qu ar s do or st pa de an humanas. E Shakespeare, o gr rpe de s ça pe as su eu ch en , na ma hu ão mestre na dissecação da condiç nme ra me ou us ma , ns bo es el em ss fo s, no ma hu sonagens sobretudo te imperfeitos.

ar nh ga a o nd ça me co va ta es l ve ia qu Ma de No século XVII, a obra es or it cr Es s. so io od Os € s co ti us cá os ar nç la defensores para contraba ar oi ap a m ra ça me co ey dn Si on rn ge Al e como James Harrington us se em ey dn Si e 6) 65 (1 na ea Oc ra ob a su em Maquiavel; Harrington Discursos sobre o governo

698). Então, uma geração depois, em suas

a ou it je re d ar ch en Tr hn Jo l ua ct le te in do Cartas de Catão, o respeita s ra ob as tr ou as ém mb ta do an is al An l. ve visão tradicional sobre Maquia , ra er gu da te ar A e s so ur sc di Os e nt me ar ul ic rt sérias do italiano, pa em is ma o it mu a vi ha e qu em er eb rc pe s re pa Trenchard fez seus s lo cu sé s no ta fei sa uo rt to a tur lei a el qu na via Maquiavel do que se anteriores.

316

MAQUIAVEL

Para livres-pensadores como Spinoza, Montaigne e Francis Bacon, homens que inspiraram o que mais tarde viria a ser o Iluminismo, Maquiavel expusera o que eles consideravam os “princípios fundamentais” na análise da natureza humana e das sociedades dos homens, À virtil, a fortuna e mais especialmente a revelação de que, por serem os homens naturalmente egoístas e inescrupulosos, a sociedade irá sem. pre tender à corrupção e à degeneração, soavam para eles bastante verdadeiras. Não mais estorvados pelo pensamento positivo dos filósofos clássicos e parcialmente livres dos confinamentos da ortodoxia religio-

sa, muitos desses pensadores revolucionários viram na honestidade e

na clareza dos escritos de Maquiavel qualidades que um sem-número de pessoas antes deles haviam ignorado ou negligenciado.

Contudo, mesmo durante o Iluminismo do final do século XVII e

início do século XVIII, havia muitos que ainda viam as idéias de Maquiavel como completamente negativas e malignas. Em 1739, Frederico, o Grande, ele próprio um famoso déspota, escreveu um

aviltante tratado intitulado Réfutation du Prince de Machiavel (por vezes referido apenas como Antimachiavel). Essa obra, no entanto, já naquela época foi vista como pouco mais do que uma tentativa bastante explícita de fazer seu próprio povo acreditar que seu autor era mais li-

beral do que verdadeiramente era. De um modo ou de outro, as opiniões de Frederico foram, em sua maior parte, obscurecidas pelos grandes intelectuais iluministas, que sustentavam muitas das considerações de

Maquiavel. Locke, Hobbes e Hume escreveram favoravelmente sobre

algumas das idéias do autor e, seguindo o espírito das próprias filosofi-

as deles, muito se deixaram convencer pelo fato de ele ter descrito 0 mundo como ele era, e não da maneira como as pessoas queriam que

ele fosse.

Maquiavel teria esperado que assim o fosse, visto que, melhor do

que ninguém, havia percebido a qualidade atemporal de suas idéias.

O LEGADO

DE MAQUIAVEL

317

Por se preocupar com as características humanas e retratar o que ha-

via observado, suas idéias não só permaneceram intocadas pelo avan-

co dos séculos, mas também têm sido constantemente requisitadas esnec suas ram sup que para m pta ada as que es, açõ ger s iva ess suc por sidades.

Hegel, o defensor do Estado-nação, utilizou o republicanismo de Maquiavel como modelo para sua própria visão. Mas Maquiavel teria discordado dele em um princípio básico de seu pensamento. Hegel via a criação do Estado-nação como a realização máxima da humanidade, como uma combinação perfeita do espiritual, do político e do prático. Maquiavel considerava a humanidade frágil demais para comportar tal idéia. Para ele, os seres humanos eram envolvidos demais com os interesses pessoais para chegarem a ser capazes de formar uma

república ideal. Os Estados-nação ou as repúblicas de Maquiavel nunca estavam destinados a durar para sempre.

Francis Bacon, o grande advogado do avanço da ciência e que acreditava na “conquista da Natureza”, aplicou as idéias de Maquiavel

em sua própria filosofia emergente. Em 1620, escreveu: Preservamse as coisas da destruição levando-as de volta aos seus princípios”, reza uma lei da Física; o mesmo vale para a Política (como Maquiavel corretamente observou), pois não há quase nada que previna melhor um estado da destruição do que a reforma e a sua redução à forma primitiva.”12

A seu próprio modo, os líderes da Revolução Francesa e os inicia-

dores da Guerra Civil Inglesa também aplicaram o que Bacon chamou de “reforma e redução à forma primitiva” em seus combates

contra o monarquismo. Como muitos outros antes e depois daquele

tempo, eles leram Maquiavel de uma maneira que os favorecia. Karl

Marx também selecionou partes específicas da ideologia maquiavélica. Seu objetivo, a libertação da classe trabalhadora, pode ser considera-

do como tendo rafzes no interesse de Maquiavel em dar poder para o

MAQUIAVEL

318

coletivo dos cidadãos, um conceito que ele explicou com meticulos;. dade em Os discursos. Há, no entanto, duas falhas fundamentais na maneira como Marx

tentou adaptar o maquiavelismo. Primeiro, e mais importante, Maquiavel não acreditava que o Estado deveria ser controlado pelo

povo. Sua visão democrática era limitada e primitiva, e estava muito ligada às práticas protodemocráticas da época. No século XVI, Elorença e Veneza possuíam os sistemas políticos mais sofisticados jamais existentes até aquele tempo, mas o “sistema democrático” desses governos pouco se assemelhava ao que chamamos de democracia no século XXI. Ambos os Estados eram governados por uma pequena

elite que colocava no poder homens ricos e proprietários de terra que

fizessem parte dela. O povo — operários e lavradores, comerciantes e soldados (e, é claro, as mulheres) — estava inteiramente excluído.

Na visão de Maquiavel para um governo ideal, o povo trabalhava com o governante. À virtude e o orgulho cívicos serviam para manter a comunidade estável. O governante tratava o povo com justiça, mas

precisava ser forte quando sob ameaça e capaz de governar com punho firme se as circunstâncias o requeressem. Num linguajar mais moderno, a visão de Maquiavel para um Estado ideal era de um tipo

de comunitarismo. Essa visão foi adaptada de modo a formar a base de muitas das sociedades do século XXI surgidas pelo crescimento da democracia liberal, o sistema político que se desenvolveu a partir do modelo parlamentar inglês. A grande diferença entre o Estado ideal de Maquiavel e as modernas democracias ocidentais de hoje é 0 nível

de participação pública no governo. Maquiavel nunca teria conseguido vislumbrar um sistema em que cada adulto tem o direito de votar pelos seus líderes e os líderes têm de confiar no povo para manter suas carreiras políticas. O outro

ponto em que Marx e Maquiavel diferiam enormemen”

te era na maneira como observavam o valor de cada visão política

319

O LEGADO DE MAQUIAVEL

ta Es um de a ir ne ma a m u as en e ap a m u a vi ha , rx Ma ra Pa . ca fi cí espe

r de po o do to e qu em la ue aq a er e qu l, do prosperar e permanecer estáve u mo ir af a nc l nu ve ia qu . Ma do ia ar et ol pr do os mã s político estiv esse na r a n o i c n o u d f a t s E m a u r e d i e n a a m c que seu modelo ideal era a úni são o rn ve go de s po ti os it mu , es iz tr re com Sucesso. Seguindo suas di de

te en fr à s lo cu sé va ta es to en possíveis. Nesse sentido, seu pensam

são mo is al ur pl O € o sm ti ma ag pr o o, sm vi ti seu tempo, pois hoje O rela

o id nt ma m te ) es iz sl de ns gu al om (c e lemas da democracia liberal qu . lo cu sé io me de is ma r po l ve tá es te en o Ocid aic st me do do si m tê l ve ia qu Ma de as éi Em décadas recentes, as id es cr a um de ão aç ic bl pu na do an lt su re , is das por líderes empresaria o nd mu o ra pa a fi so lo fi a su m ca li ap e cente coleção de livros qu na da pi rá da ha ol a Um . os ci gó ne comercial e para os grandes em ec er of e qu s lo tu tí de de da ti an qu de an gr a Amazon.com revela um ey nl ta (S ? el av ui aq aM ri fa e qu O l: ve ia qu orientação à maneira de Ma o m co r da li ra pa ca li vé ia qu ma ia ég at tr es Bing), Virando a mesa: Uma r do ra st ni mi ad o ra pa o ss ce su do ia Gu , n) ei Japão (Daniel Burnst ra st ni mi ad ou , io ár es pr em do il rf Pe ), ks ic maquiavélico (Lynn E. Gunl o sã s ele em Qu s: co li vé ia qu Ma é at e ) tt le ção maquiavélica (Alan E Bart e por que estão atrás de você (R. Christie). a nd ai es çõ ca li ap a u vo le s se es mo co s O sucesso de título ra pa co li vé ia qu ma ia Gu s: no ond da o, terais do maquiavelism ha in lh fi a mo Co : sa ce in pr À ), va no sa Ca k ic tar mulheres (N o ni lê mi vo no co li vé ia qu ma e st ne r ra pe os pr pode sobreviver e

mais laconguis-

do papai (Robert

do si a ri te te en am rt ce o, st vi e ss ve ti l ve ia qu Franklin), e um que, se Ma

cg

-

opr s re de lí ra pa ia Gu o: er cl do ca li vé ia qu ma o sã vi a o seu favorito: Um

). ly ve Lo L. on nd ra (B s ia ár nt lu vo es fissionais de organizaçõ ajum de po e nt me al re ns gu al e os id rt ve di o Alguns desses livros sã eap es el fo ra óg bi o ra pa s ma r, de po de po ti m dar o aspirante a algu s. ra ob is ta ou ir sp in e qu m e m o h do o ni gê O ar rç fo re ra nas servem pa ibr o e l ve ia qu Ma de to en am ns pe do de da li sa Elas ilustram a univer

320

MAQUIAVEL

lho com que ele destilou as características humanas e suas Motivações

fundamentais. Elas reiteram a qualidade atemporal das idéias de Maquiavel e o fato de que ele estava lidando com diretrizes gerais e universais que acabam resultando em um milhão de aplicações. Bem mais despropositada do que os esforços em aplicar as idéias maquiavélicas ao mundo dos negócios é a tentativa de destacar al.

guns personagens da História, ou mesmo algum acontecimento em

particular, e afirmar que foram diretamente influenciados pelas idéias

expressas em O príncipe e Os discursos. É raro que tais comparações

sustentem mais do que uma especulação superficial.

A primeira declaração de tal ligação foi feita por um cardeal in-

glês chamado Reginald Pole, que, num ensaio escrito em 1538, apenas 11 anos após a morte de Maquiavel, declarou acreditar que Henrique VIII havia sido motivado a romper com Roma graças às

idéias contidas em O príncipe. Pole achava que o chanceler de Henrique, Thomas Cromwell, havia lido O príncipe já em 1529 (antes mesmo de ser publicado oficialmente) e ficado tão deslumbrado pela obra que aconselhara o rei a lê-la. Pole argumentava que fora o livro de Maquiavel que encorajara Henrique a se manter firme contra Clemente VII a respeito de seu desejo de se divorciar de Catarina de Aragão e que o incentivara a exigir a dissolução dos monastérios € plantar as sementes para a criação da Igreja Anglicana. Uma geração depois, o huguenote francês Innocent Gentillet publicou um livro tremendamente popular chamada ContreMachiavel, em que colocava a culpa pelo massacre da noite de São Bartolomeu diretamente nas costas de Maquiavel, enquanto a principal responsável pelo horror, Catarina de Médici, era considerada quase como hipnotizada pelas malévolas palavras do italiano.

Embora sirvam para uma interessante conversa de gabinete, às alegações de que Hitler, Mussolini, Pol Por e Stalin se inspiraram ná leitura de O príncipe para fazer as coisas pelas quais se tornaram mal-

O LEGADO DE MAQUIAVEL

afamados são igualmente equivocadas. É vez declarou que “O príncipe é o único diz-se que ele mantinha o livro debaixo que todos Os tiranos familiarizados com

321

verdade que Napoleão certa livro que vale a pena ler” e do travesseiro; mas o fato é Maquiavel primeiro foram

que r bra lem e dev se re mp Se pe. nci prí O de es tor lei ois dep e s «irano

andur ara erv obs que o o nd ve re sc de te en sm le mp si ava est l ve Maquia

epexc o m co o iss do an in mb co e co íti pol go car m nu s ano re muitos as dar lo ícu rid É ca. ssi clá ia tór his da ha tin que to en im ec cional conh ualg sa ero pod ca íti pol ura fig er lqu qua que r eri sug e o fat e ess à tas cos de a tur lei a pel ada nci lue inf e ent alm ici erf sup que do s mai foi ma vez do l ve ia qu Ma por ada nci lue inf s mai foi as del a um nh O príncipe. Ne mco do e l ia nd mu ia tór his da s to en im ec nh co os pri pró s seu por que ver a Par es. ant o mp te to tan dos eci fal is ica rad s ere líd dos to en portam l ve ia qu Ma de s ica tát as que de o fat o r era sid con ta bas so, dis a verdade não são mais predominantes hoje do que em sua época ou no sórdido aparato da vida humana anterior a Maquiavel. nciê na a nci luê inf nsa ime a um e tev l ve ia qu Ma que é el gáv O ine rar ent não a Par . na ma hu ial soc ia tór his da e lis aná na e ca cia políti de as obr as mo co ver el sív pos é o, unt ass se nes e nt me da un of pr muito Maquiavel oferecem duas ferramentas valiosas para a nossa compre-

ensão do mundo. Primeiro, armados com o conhecimento da filosouns alg ) fez o ele mo co sim (as ar erv obs s mo de po or, aut do fia

por s do ma to s ico vél uia maq nte rme ula tic par as égi rat est e os nt movime figuras que protagonizam nosso mundo. Segundo, ao contrário das teorias políticas modernas, à filosofia política de Maquiavel vê na

história uma aliada. Podemos ver o fluxo e refluxo da sociedade, a

anos, as tendências sempre seguiram as leis de Maquiavel. Uma maneira de ilustrar isso é virar pelo avesso O príncipe e Os discursos. Quero dizer que Maquiavel construiu seus livros a partir da ele que foi os ect asp ses des tir par a Só . udo est de s ano de e ia ênc eri exp

e

==

E

os nt he in qu de so cur no o, com ar not e ão, zaç ili civ da iva lut corrente evo

A é

+"

322

MAQUIAVEL

pôde destilar regras gerais. São princípios universais e, como Já dissemos, é pueril sugerir que qualquer chefe de Estado ou home m de negócios tenha aprendido com Maquiavel, como se nunca tivesse

imaginado um lance maquiavélico antes de ler seus livros. Mas, depois do acontecimento, e empregando um processo qu e não é menos

científico do que empregar partículas subatômicas numa câmara ou uma bactéria sob um microscópio, podemos ver como essas pes soas se comportaram da maneira como as regras de Maquiavel ha viam

prescrito.

Há sete claras regras maquiavélicas que devemos levar em conta: 1. À história é escrita pelos vencedores. Essa, como todas as lições

aprendidas com Maquiavel, pode ser ilustrada com suficientes exemplos para lotar uma biblioteca, mas nos tempos mais recentes um dos melhores é a eleição presidencial dos Estados Unidos no ano 2000. A vitória de George W. Bush foi amplamente percebida como susten-

tada por bases legais bastante contenciosas, e muitos acreditavam e

ainda acreditam que ele nunca deveria ter chegado à Casa Branca. Contudo, depois do acontecimento, depois de Bush tomar posse como

o 43º presidente dos EUA, a maneira como ele chegou lá se tornou

completamente irrelevante. Aqueles que se opõem a Bush argumen-

tarão que a maneira como ele chegou ao poder não é irrelevante e

alguns irão até o túmulo insistindo em que os democratas foram roubados e que o desejo da maior parte do povo americano foi ignorado, tendo a democracia falhado. Mas tais protestos não significam nada.

A História é escrita pelos vencedores.

2. Não se pode confiar nas pessoas. Esse é um axioma que muitos aplicam na vida cotidiana, mas é também um dos princípios fund amentais para o político e para o homem de negócios . O segredo e à

espionagem existem desde o surgimento da civilização. Com o intuito de preservar a estabilidade de uma nação, líderes não podem se dar ao luxo

de confiar

em

outros.

É por isso que o conceito

de pacto foi

O LEGADO

DE MAQUIAVEL

323

issof is ma do an rn to se foi o çã za li vi ci a e qu em criado. E, na medida gaÀ . os ad at tr e s do or ac de ão aç iz il ut a ou nt me au ticada, também de po ti m gu al de ão nç te nu ma a e a nç ia nf co rantia de alguma

os it ós op pr Os e tr en m va ta es os rn ve go os e tr honestidade política en . as id Un es çõ Na as a, or ss ce su a su de e es çõ originais da Liga das Na

s. da di ce su mbe te en lm ia rc pa as en ap ro, cla é , são es Tais organizaçõ a um e o leã um e nt me ea an lt mu si ser ve de do di ce su mbe er 3. Um léd lve ta no r te rá ca de e ad id al ur pl a su em nd co es s re raposa. Alguns líde

for s sua a av us e qu o leã um era er tl Hi f ol Ad o. nã , os tr ou m: mente be

era ém mb ta s ma , os ig im in s seu ar ug bj su e r ga ma es ra pa cas militares tipar o ri óp pr seu só o nã va la pu ni ma e qu de o id nt se no sa po uma ra h et ar rg Ma mo co a ir ne ma À . ão em al vo po o ém mb do, como ta ta ei rf pe a str ilu , 82 19 em , as in lv Ma das ra er Gu a iu uz Thatcher cond ste exi a nd Ai a. ci tú as a e a rç fo a ar us a is ec pr er líd um mo co mente no ra lg o Be in nt ge ar o vi na o do nt me da un af do to ei sp re a ca mi uma polê (o ato que serviu de estopim para a guerra entre a Grã-Bretanha e a ue aq at u o no de or er líd a e m qu ta di re ac os it o mu ud nt . Co a) in nt ge Ar to li nf co er qu al qu m ia em er ec al ev as pr ic ân it br as rç fo as e o qu nd sabe o at nd o ma nd gu se a um ri ra gu se as a lhe ri tó vi a e qu e el ív ss r po milita ulres os ix ba s no da ra vi a o um nd ui eg ns a, co tr is in -m ra ei im pr como tados que vinha conseguindo nas pesquisas de opinião pública. Se isso for verdade, foi um ato brilhante de astúcia.

ra pa o ad ar ep pr ar est ve de e o lad seu do te sor a ter ve de er lid Um 4. aproveitá-la ao máximo. O próprio Maquiavel ilustrou esse quesito o íd ru st de foi e qu , ia rg Bo re sa Ce de o pl em ex o m e co nt me ta ei perf uca o nd se e ss ve ti es re sa Ce ra bo Em . pat seu de da ra pe es pela morte in

ele 03 15 em e, ad id al tu en ev er qu al qu e as qu ra pa ar ar telos o ao se prep mte s No r. ta en ii ag a di po e qu do s io ún foi ass altado por mais infort

do la u se do te sor a e tev e qu er líd de o pl em ex m bo um , os rn de mo s po

de da ra ti re da io ód is ep no o st vi ser de po la de to ei ov pr u ro e ti m ra fo s sa ce an fr e as ic ân it br as op Tr . 40 19 de o rã ve , no ue rq ue Dunq

324

MAQUIAVEL

presas pela força de ocupação de Hitler no noroeste da França. Em vez de praticar uma matança, Hitler se conteve. Isso permitiu que

Churchill conduzisse um plano de evacuação radical que acabou por salvar os exércitos britânico e francês.

5. Há momentos em que uma sociedade confia plenamente nas ações de um líder forte. Isso se mostrou verdadeiro em diversas ocasiões. Tempos perigosos com fregiiência incitam grandes líderes a tomar à dianteira e cedem a alguns poucos indivíduos uma oportunidade de se tornarem príncipes e guiarem suas nações através da emergência. Winston Churchill é um grande exemplo moderno de tal príncipe, pois seu papel pessoal foi crucial para a sobrevivência da Grã-Bretanha na década de 1940. 6. Sempre mantenha uma poderosa força militar e sempre use o seu próprio povo como soldados. Mais uma vez, essa regra geral se mostrou irrefutavelmente verdadeira ao longo da história. Quando uma nação ataca outra puramente para fins expansionistas ou como um movimento preventivo, as tropas devem ser experientes e devem estar bem-treinadas, mas, crucialmente, devem estar bem-tratadas. À

não ser que uma força militar esteja lutando por sua própria vida ou pela liberdade de sua nação, ela precisará de outras razões para lutar.

Pode ser por uma rigorosa disciplina, por uma doutrinação ou por incentivo financeiro: poucos soldados lutam simplesmente por uma

ideologia. Similarmente, quando se defendendo de um ataque inimigo, se a força de defesa for constituída por cidadãos da nação atacada, ela defenderá seu Estado com muito mais energia e urgência do que faria uma força mercenária. Isso é especialmente verdadeiro se O povo acredita em seu líder e se, antes da guerra começar, o Estado era estável e o povo feliz. 7. Uma nação deve ser unida para permanecer forte. Qualquer na-

ção que seja internamente instável estará em grande desvantagem em tempos de guerra e não tirará o melhor proveito dos tempos de

O LEGADO DE MAQUIAVEL

325

te an rt po im is ma era da na e qu va ha ac l ve ia qu Ma paz € prosperidade.

que ver il fác é je Ho . al on ci na de da li bi ta es da ua in nt do que uma co

m tê que s ela aqu são a et an pl do s da di ce su mas nações mais ricas e be tos fli con por s da di vi di es çõ Na is. áve est is ma os sistemas políticos m co ir et mp co r era esp m de po não ica étn ia nc râ tribais ou pela intole e. nt me da pi ra m be das asa atr do an rn to se am ab ac € nações estáveis

ra agi que o nh so o , ada fic uni lia Itá a ver a par eu viv não l Maquiave lia Itá A o. lid te en am st va s mai ro liv seu er rev esc a par como impulso em , to en im rg so Ri o até te en nd pe de in ou rn to se não e não se uniu i. ld ba ri Ga e i in zz Ma os an ic bl pu re tas rio pat dos a 1871. sob a lideranç de ão uç ol ev a a par is cia cru m ra fo l ve ia qu Ma de ias Entretanto as idé ti ns Co da o açã cri a foi o tiv ica nif sig s mai o pl em ex O . outras nações ênist ins a a tid par de o nt po mo co o nd ma To a. an ic tuição norte-amer do mo de em ag s no ma hu es ser os os tod e qu em l ve cia de Maquia Os is, soa pes s sse ere int s seu por e nt me ra ei im pr s do va ti mo e egoísta a um ir uz od pr de a ci ân rt po im a am er eb rc pe s paí se fundadores des pee nt me va ti la re de da ti an qu a um m ne que em ta mis ão constituiç quena de patrícios ricos, nem um grande número de plebeus, pudesio fre um mo co do agi m te ão iç tu ti ns Co a o, tid sen e ss Ne r. na se domi para as forças que naturalmente tendem a puxar para diversas direto tan dos sta afa em er nt ma se a os id Un s do ta Es os ou ud aj o iss ções, e

do fascismo quanto do comunismo.

, on lt mi Ha r de an ex Al , os id Un s do ta Es dos es or ad nd fu Um dos

em o rit esc to fle pan m nu , do an qu m be te tan bas o fat tal sou expres

is [ma cos íti pol es tor cri “Es : me Hu id Dav s ocê esc 1775, citou o filósofo ao , que ma xi má a um mo co m era lec abe est ] vel uia Maq e especialment

e s çõe ibi pro ias vár as ar fix ao e o ern gov de a tem sis er lqu qua ar planej mado to ser e dev m me ho a cad , ção tui sti Con da les tro con ios os vár pro ro out er lqu qua ha ten não que or sup e e-s dev e ife pat como um !º o. ad iv pr e ss re te in O o nã se s õe aç as pósito em su

326

MAQUIAVEL

A descrição de Maquiavel de um Estado ideal e a aplicação das regras necessárias para criá-lo e sustentá-lo foram projetadas para sua terra natal, sua amada Itália. Mas o fato de que sua análise tenha se

mantido verdadeira por meio milênio e tenha descrito com sucesso a

maneira como muitas sociedades evoluíram fez com que alguns pas-

sassem a considerá-lo um profeta. O primeiro a sugerir essa idéia foi

seu amigo Filippo da Casavecchia, que declarou que Maquiavel foi “o maior profeta que os judeus ou qualquer outro povo já tiveram”.

Todavia, acredito que o próprio Maquiavel, embora talvez lisonjeado com as palavras de Casavecchia, de nenhuma maneira teria se considerado sob esse prisma. Parece-me, inclusive, que tal engano a respeito da verdadeira natureza da obra de Maquiavel está na base da explicação de por que seu nome foi tão maldito ao longo dos séculos. Maquiavel não inventou o maquiavelismo, ele apenas o observou e, desde que os homens são homens, vêm se comportando da maneira como Maquiavel descreveu. Como um historiador recente colocou: “Se o maquiavelismo moderno fosse questionado, como de fato deveria ser, O questionamento começaria com a própria modernidade.

Pois uma coisa já deveria estar clara: atacando Maquiavel, não se pode salvar o mundo do maquiavelismo da modernidade.”!4 Assim, tendo dissecado o legado da obra e das idéias de Maquiavel, o que podemos concluir sobre quem foi Maquiavel?

É minha a asserção de que Maquiavel foi um homem notavel-

mente honesto. Para o observador casual, essa pode parecer uma noção ridícula; estamos falando, afinal, de um homem que era infiel a sua mulher, trabalhava para os inimigos do regime que antes

servira e escreveu sobre os méritos da duplicidade. Não repetirel as explicações para cada uma dessas aparentes anomalias, mas réafirmarei minha convicção de que Maquiavel era honesto, pois praticava a forma mais importante de honestidade: era honesto consigo mesmo.

O LEGADO DE MAQUIAVEL

Maquiavel

327

tinha defeitos, e nós os conhecemos. Ele amava as

mulheres e nunca conseguia se manter fiel a Marietta, com quem se preocupava e por quem fez o melhor que pôde. Sua alma era inde-

dium o, und seg em ta, poe um ar lug ro mei pri em pendente, ele era plomata; era a exata encarnação do humanista ideal. Ele não acreditava em um Deus ortodoxo e não tinha qualquer respeito pela relígião ortodoxa; na verdade, a percebia como um câncer. Era, então, quase inevitável que tal homem formulasse os princí-

a o lad ão, caç edu e ia ênc eri exp Sua . oso fam nou tor se is qua os pios pel

avam ent esc acr o, lect inte do ade erd lib l tota na nça cre sua com lado

to exa o e ent ram cla to mui era que e dad ani hum da ão vis corpo a uma em l tra Cen . das luí inc ões eiç erf imp as o and est mo, “eflexo de si mes que de a, vid a um nas ape s mo te que de to cei con o era fia oso sua fil ou o ern inf há não da, -vi pós um há não que de , -la itá ove apr devemos paraíso, só existe o mundo material. nco en a obr sua que o ad in ag im ter m be o Maquiavel pode muit a, vid sua e nt ra Du . ele a am ir gu se se que es açõ ger nas a ci ân on traria ress a av iz on ag do an qu , ez lv ta e lho bri seu por o quase não foi reconhecid as su e qu de o çã ic nv co da se es vi a nç ra pe es a ic no leito de morte, sua ún

e or lh me lia Itá a um a ir uz nd co o nt me mo m gu al em idéias poderiam

spo a e qu o ic ôn ir te en am em pr su , to an rt po É, 1um mundo melhor.

o, mp te só um a é, e qu em ag im a um ele ra pa teridade tenha pintado e ss ve ti se e, qu o, nt ta en no , ar ns pe de o st Go . da ca fi ti imprecisa e in) us mplessi l ve ia qu Ma u la co Ni , me no seu de sabido o que o futuro faria is po , to tu as o is rr so um o id ec er of e os br om mente teria encolhido os do. n u m do s o d o m os a i c e h con

Apêndice 1

l e v a i u q a M de s ra ob is pa ci in pr As

A data é referente ao período de composição.

Análise política e militar Discorso sopra le cose di Pisa (1499)

ribellati (1502) na hia dic Val a dell oli pop i tare trat di Del modo lli etc. (DescriVite zo lloz Vite e zar maz lam nel ino ent Val a Del modo tenuto dal duc

o Vitelli ozz ell Vir ar mat para ino ent Val ue duq pelo ção do método utilizado

etc.) (1502) Discorso sopra la provistone del danaro (1502) 06) (15 i Arm alle e enz Fir di o Stat lo e air din Discorso delPor

Rapporto delle cose dell 'Alemagna (1508)

Kl decennale secondo (1509) 0) Ritratti delle cose di Francia (151 ada de Tito déc ra mei pri a re sob s rso scu (Di io Liv T. Discorsi sopra la prima deca di Lívio), 3 vols. (15 13-18) K Principe (O príncipe) (1513-14) 18-20) (15 ) rra gue da arte (A rra gue a dell rte l'a Del

Discorso sopra il riformare lo stato di Firenze (1520) (1520) ca Luc di à citt a dell Sommario delle cose 25) 5 1 ( i c i r o t s t t n Framme

330

MAQUIAVEL

Provvisione per la Istituzione delPUlffrcio de'cinque Provveditori della Mura della C; Ho di Firenze (Provisão para a instituição do Gabinete dos Cinco Superintenden-

tes para os Muros da Cidade de Florença) (1526) História

Vita di Castruccio Castracani da Lucca (A vida de Castruccio Castracani da Lucca) (1520)

Etorie frorentine (Histórias florentinas), 8 vols. (1521-5)

Poemas, peças e ficção variada Il decennale primo (O primeiro decênio) (poema em terça rima, 1504) Andria (comédia traduzida a partir de Terêncio, 1513) Mandragola (A mandrágora) (comédia em prosa com cinco atos, com prólogo em versos, 1513 ou 1514)

LAsino (O Asno) (poema em terça rima, 1517) Belfagor arcidiavolo (O diabo que se casou) (novela, 1517) Clizia (comédia em prosa, 1524)

Apêndice 2

Vida e época de Maquiavel

1440: A prensa com tipos móveis é inventada. Florença tem sua primeira prensa em 1471. 1452: Leonardo da Vinci nasce em Florença. 1469, 3 de maio: Nicolau Maquiavel nasce em Florença, filho de Bernardo Maquiavel e Bartolomea di Stefano Nelli.

1475: Nasce Cesare Borgia. 1469-92:

Lorenzo de Médici (Lorenzo, o Magnífico) é de facto o governante de

Florença.

1492: Colombo descobre o Novo Mundo. 1494: O rei Carlos VIII, da França, invade o norte da Itália. 1494-8: Teocracia de Savonarola em Florença. 1496: Morre a mãe de Maquiavel. de Florença. 1498: Maquiavel se torna secretário da Segunda Chancelaria

. rza Sfo na ari Cat com ar oci neg a par i Forl à o iad env é vel uia 1499: Maq 1500: Morre o pai de Maquiavel. uiavel 1500: A primeira missão diplomática é enviada à corte francesa, onde Maq ise. mbo d'A s rge Geo en, Rou de l dea car o e conhece o rei Luís XII 1502: Maquiavel primeira vez.

Borgia pela se casa com Marietta Corsini e encontra Cesare

Primerana. , vel uia Maq de a filh ra mei pri à ce Nas 1502, verão:

”. cio alí vit o eir lon nfa “go na tor se ni eri Sod 1502, verão: Piero

332

MAQUIAVEL

1503, janeiro: Maquiavel retorna a Florença. 1503, agosto: Morre o papa Alexandre VI. 1503, outubro-dezembro: Maquiavel está em Roma para testemunhar a queda

de Cesare Borgia e a ascensão ao papado de Júlio II. 1504: Segunda missão diplomática é enviada à França. 1506: Maquiavel estabelece o primeiro exército de cidadãos de Florença em duzentos anos. 1507: Morre Cesare Borgia.

1508: 1509: 1510: 1511:

Maquiavel é enviado à corte do imperador Maximiliano 1. O papa Júlio II cria a Liga de Cambrai para atacar Veneza. Terceira missão diplomática é enviada à França. O papa Júlio II cria a Liga Sagrada para lutar contra a França.

1512: Os franceses são expulsos da Itália. Os Médici, assistidos pelo exército espanhol, retomam o poder em Florença. Piero Soderini é deposto e Maquiavel é dispensado. Ele se retira para o seu sítio em Sant Andrea. 1513, fevereiro: Maquiavel é torturado e preso pelos Médici, mas solto em 12 de março com a eleição de Giovanni de Médici como papa Leão X. 1513-4: Maquiavel escreve O príncipe. 1515: Francisco I assume o trono da França. 1513-8: Maquiavel escreve Discursos sobre a primeira década de Tito Livio. 1515: Maquiavel escreve A mandrágora. 1518, verão: A mandrágora é apresentada pela primeira vez, em Florença. 1519: Morre Leonardo da Vinci. 1520, julho: Oferecem a Maquiavel uma comissão para escrever a história de Florença. 1521: À arte da guerra é publicado. 1521: Primeira guerra entre França e Espanha em solo italiano. O imperador Carlos “ V, da Espanha, toma da França o território milanês.

1521: O papa Leão X morre e é sucedido por Adriano VI (Adrien Boyers).

1523: 1524: 1524: 1525, 1525:

O papa Adriano VI morre e é sucedido por Clemente VII (Giulio de Médici) Francisco 1, da França, recupera Milão. Maquiavel conhece e se apaixona por Barbara Salutati Raffacani, uma atriz. janeiro: Clizia é encenada pela primeira vez. Maquiavel é inteiramente reabilitado pelos Médici e retorna à vida política.

De abril de 1525 a maio de 1927, ele age como conselheiro militar de Elorença.

APÊNDICE 2

333

1527, maio: Roma é tomada pelas tropas de Carlos V. Maquiavel testemunha a devastação. 1527, maio-junho: Maquiavel é visto com suspeita pelo novo governo republicano

de Florença e ignorado pelos novos governantes. 1527, 21 de junho: Maquiavel morre em Sant'Andrea.

Referências

Introdução: Um homem incompreendido n, 1970, gui Pen ck, Cri d nar Ber org. , Livy s Titu on s rse cou Dis , vel uia Maq u ola Nic 1 Livro III.

Capítulo 1: Amor sim, dinheiro não 1, 152 de o mai de 19 , ini ard cci Gui sco nce Fra a par 1 Nicolau Maquiavel

es Jam . org e . trad ce, den pon res Cor al son Per ir The s: end Fri His Machiavelli and

, nois Illi b, Kal De s, Pres y sit ver Uni nois Illi rn the Nor B. Atkinson e David Sices, ,. p. 341 1996

1521, de o mai de 17 , ini ard cci Gui sco nce Fra a par vel uia Maq u 2 Nicola ibidem, p. 336.

maio de 1521, de 18 l, ve ia qu Ma u ola Nic a par ini ard cci Gui 3 Francesco

ibidem, p. 338. , em id ib , 13 15 de o rç ma de 18 i, or tt Ve o sc ce 4 Nicolau Maquiavel para Fran p. 225. imi, afirmam es tt Ba dei i br Li e, or Fi del a ri Ma a nt Sa de s 5 Osarquivos batismai

uiavel, nasceu às Maq do nar Ber ser mes de o filh e, hel Mic o Pier ô l que Nicco zado no dia 4. i t a b i fo e o i a m de 3 a di e do rd ta o da quatr 1480, p. 128. o, hi cc Ni e on al nf Go , ça en or Fl o, 6 Archivo di Stat r, Floie nn Mo Le i, hk sc Ol re sa Ce g. i, or ll ve ia ch do Ma ar rn Be 7 Libro di Ricordi di

rença, 1954. O original está agora na Biblioteca Riccardiana, em Florença.

336

MAQUIAVEL

8 Catherine Atkinson, Debts, Dowries and Donkeys: The Diary of Niccolô Machiavellis Father, Messer Bernardo, in Quattrocentro Florence, Peter Lang

Berlim, 2002, p. 69. 9 Giovan Battista Nelli, Discorsi di Architettura del Senatore, Florença, 175 3,P.8,

Capítulo 2: A Europa de Maquiavel 1 Nicolai Rubenstein, “Cradle of the Renaissance”, em The Age ofthe Renaissance,

org. Denys Hay, McGraw Hill, Nova York, 1994, p. 12. 2 Tradução do texto germânico do Oratio, em “Die Kultur des Humanismus”, Reden et al., Mout, Munique, 1998, p. 46. 3 Pico dell Mirandola, “Oration on the Dignity of Mar”, citado em Roger Masters, Fortune Is a River: Leonardo da Vinci and Niccolô Machiavell;'

Magnificent Dream to Change the Course of Florentine History, Plume, Nova York, 1999, p. 19. 4 Nicolau Maquiavel, Florentine Histories, org. Laura Banfield e Harvey Mansfield, Princeton University Press, 1990, Capítulo VII, p. 6.

5 Ibid., Capítulo VIII, p. 36. 6 Nicolau Maquiavel, Discourses on Titus Livy, ed. Bernard Crick, Penguin, 1970, p. 413. 7 Florentine Histories, Capítulo VIII, p. 9. 8 “Cradle of the Renaissance”, p. 18.

Capítulo 3: Um desafio a enfrentar 1 Nicolau Maquiavel para Ricciardo Becchi, Florença, 9 de março de 1498,

Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, trad. e org. James B. Atkinson e David Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Illinois, 1996 p. ,8.

2 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo VI, p. 52.

3 Mario Martelli, “Preistoria (medicea) di Machiavelli”, Studi di filologia italiana, vol. 29, 1971, pp. 377-405.

4 Nicolau Maquiavel para alguém desconhecido, 1º de dezembro de 1497, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 7.

337

REFERÊNCIAS

5 Pasquale Villari, The Life and Times of Niccolo Machiavelli, Scholarly Publications, Houston, Texas, 1972, p. 34.

6 Nicolau Maquiavel, Le Opere, 6 vols., 1873-7, Vol. II, org. P. Fanfani e G. Milanesi, Florença, 1873, p. 127.

por Cecil 7 Ver Roberto Ridolfi, The Life of Niccolô Machiavelli, traduzido

Grayson, Routledge and Kegan Paul, 8 Carta de Nicolau Maquiavel para um Lucca, Florença, no início de outubro le opere storiche e letterarie, org. Guido

Londres, anônimo de 1499, Mazzoni

1954, p. 29. Secretário da Chancelaria em em Nicolau Maquiavel, Tutte € Mario Casella, G. Barbera,

Florença, 1929, p. 78/ e seguintes.

9 Ibidem. Nova ux, Giro and us Stra r, Farra e, Smil 5 olô Nicc i, Virol izio Maur em 10 Citado York, 2000, p. 42. 11 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo VII. 12 Le Opere, Vol. I, org. P. Fanfani e L. Passerini, p. LX. intes. 13 Ibidem, Vol. II, org. L. Passerini e G. Milanesi, p. 91 e segu 14 Ibidem, p. 201. Capítulo 4: Correndo com o diabo

1 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo IL. 2 Ibidem. 1506, Machiavell de março de 14 Maquiavel, Nicolau para Vespucci 3 Agostino e on ns ki At B. es Jam . org e d. tra ce, den pon res Cor al son amd His Friends: Their Per 6, p. 121. 199 is, ino Ill b, Kal De ss, Pre y sit ver Uni is ino Ill David Sices, Northern

, p. 40. dem ibi 1, 150 de sto ago de 25 , vel uia Maq u ola Nic a 4 Agostino Vespucci par de 1503, ro mb ve no de 11 ça, ren Flo , vel uia Maq u ola 5 Luca Ugolini para Nic

p. 87. ce, den pon res Cor al son Per ir The s: end Fri His Machiavelli and m nu an ad ue usq IT XT XX CL CC MC o ann ab m aru 6 Johannes Burckhard, Liber Not di Castello. tà Cit ., ipt Scr . Ital . Rer e ion lez Col MDVI,

7 The New

Advent Encyclopaedia

of Catholic History website:

hrtp://

www newavent.org/cathen/01289a.htm.

XVIII. lo ítu Cap , nce Pri The , vel uia Maq 8 Nicolau

ho de 1501, jul de 16 , ma Ro l, ve ia qu Ma u la co Ni a par ci puc 9 Agostino Ves pondence, p. 38. res Cor al son Per ir The s: end Fri His and li vel Machia

338

MAQUIAVEL

10 Por exemplo, carta de 25 de agosto de 1501 de Vespucci para Maquiavel, Ci.

tada acima, p. 41. 11 Líber Notarum ab anno MCCCCLXXXII usque ad annum MDVI. 12 Citado em Giuseppe Portigliotti, The Borgias, traduzido por Bernard Miall, George Allen e Unwin Ltd., Londres, 1928, p. 192.

13 Citado em Roger Masters, Fortune Is a River: Leonardo da Vinci and Niccolô Machiavellis Magnificent Dream to Change the Course of Florentine History, Plume, Nova York, 1999, p. 76. 14 Nicolau Maquiavel, Le Opere, 6 vols.; 1873-7, Vol. IV, org. L. Passerini e G. Milanesi, Cenniniani, Florença, 1874, p. 4 e seguintes. 15 Carta assinada por Soderini, mas escrita pelo punho de Maquiavel e datada de

26 de junho de 1502. Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. IV, pp. 8-15.

16 Citado em Letters of Francesco Guicciardini, 10 vols., org. Counts Piero e Luigi Guicciardini, Florença, 1857-67, Vol. II, p. 43. 17 Nicolau Maquiavel, Legazioni e Commissarie, 3 vols., ed. Sergio Bercelli, Feltrinelli, Milão, 1964, Vol. I, p. 345.

18 Agostino Vespucci para Nicolau Maquiavel, 13 de outubro de 1502, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 48. 19 Biagio Buonaccorsi para Nicolau Maquiavel, Florença, 26 de novembro de 1502, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 73. 20 Biagio Buonaccorsi para Nicolau Maquiavel, Florença, 21 de dezembro de 1502, ibidem, p. 78. 21 Biagio Buonaccorsi para Nicolau Maquiavel, Florença, 22 de dezembro de 1502, ibidem, p. 79. 22 Nicolau Maquiavel para a Signoria, 1º e 3 de novembro de 1502, “Legazioni

al Duca Valentino”, Nicolau Maquiavel, Chief Works, traduzido por Allan Gilbert, Duke University Press, Durham, Carolina do Norte, 1965. 23 Ibidem, p. 77. 24 Piero Soderini para Nicolau Maquiavel, 22 de dezembro de 1502, Lettere

familiari, p. 96. 25 Nicolau Maquiavel para os Dez da Guerra, 26 de dezembro de 1502, Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. IV, p. 241 e seguintes.

26 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo VII.

27 Ibidem, p. 253 e seguintes. Carta de Nicolau Maquiavel para os Dez da Guerra, 31 de dezembro de 1502.

REFERÊNCIAS

339

Opere, Le 3, 150 de o ubr out de 30 , rra Gue da Dez os a par 28 Nicolau Maquiavel

Vol. IV, p. 312.

tulo VII. í p a , C ce in Pr e , l Th e v a i u q a u M a l o c 29 Ni

s. te in gu se e 6 2 3 p. , 03 15 o r de b m e v o n Ibidem, 4 de s. te in gu se e 4 2 4 p. , 03 15 o r de b m e v o n Ibidem, 30 de Citado em Portigliotti, The Borgras, p- 206. eOp , Le 03 15 o r de b m e v o n de , 28 a r r e u Nicolau Maquiavel para os Dez da G re, Vol. IV, p. 437 e seguintes. Ibidem, 26 de novembro de 1503, p. 436. t, or li ig rt Po em do ta ci , 03 15 de ro mb ze de de 1º de do Despacho de Júlio II data The Borgias, p. 208.

30 31 32 33

34 35

l ve ia qu Ma de e br le Cé e us Ca A 5: lo tu pí Ca Scrittorz em i, ch oc ar lm Pa R. . org e”, tin ren Fio e ori “St , ni 1 Francesco Guicciardi 251. p. VI, . Vol 1, 193 a, erz Lat i, Bar , ini ard cci Gui d'hralia, Opere di Francesco . James org e d. tra , ce en nd po es rr Co al son Per ir The s: end 2 Machiavelli and His Fri Illinois, b, Kal De ss, Pre y sit ver Uni is ino Ill rn he rt No B. Atkinson e David Sices, 1996, p. 56 et passim. pp. , dem ibi 2, 150 de ro mb ve no de 14 l, ve ia qu Ma u 3 Piero Soderini para Nicola 68-9. r IX. 4 Nicolau Maquiavel, The Prince, Chapte d, ar im ll Ga iud na Ei i, ant Viv o ad rr Co . org 1, . Vol 5 Nicolau Maquiavel, Le Opere, Turim, 1997, p. 15.

6 Ibidem, p. 16.

7 Ibidem, p. 15.

1504, Nicolau de io ma de 29 l, ve ia qu Ma u la co Ni 8 Francesco Soderini para

Maquiavel, Lentere familiari, org: Edoardo Alvisi, Sansoni, Florença, 1883, p. 115. , Machiavell: 1504 de maio de 29 l, iave Maqu lau Nico 9 Francesco Soderini para p. 101. ce, nden espo Corr onal Pers r Thei and His Friends: 1509, org. al 1378 dal ne enti Fior ie Stor , dini ciar 10 Citado por Francesco Guic 897. p. , 1933 Bari, rza, Late chi, aroc Roberto Palm 11

Biagio Buonaccorsi, Summario, traduzido por Francesca Roselli, citado em

sity of ver Uni er, Pow of e enc Sci the and do nar Leo li, vel hia Mac s, ter Mas er Rog 1998. a, ian Ind e, Dam re Not Notre Dame Press,

340

MAQUIAVEL

12 Ercole Bentivoglio para Nicolau Maquiavel, 25 de fevereiro de 1506, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 119. 13 Francesco Guicciardini, Storia d'Italia, org. Emanuella Scarano, Unione

Tipografico-Editrice Torinese, Turim, 1981, Livro VI, p. 11. 14 Francesco Soderini para Nicolau Maquiavel, 26 de outubro de 1504, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, pp. 106-7. 15 Nicolau Maquiavel, Discourses on Titus Livy, org. Bernard Crick, Penguin, 1970, Livro 1, p. 53. 16 Leonardo da Vinci, Codex Arlanticus, Biblioteca Ambrosiana, Milão, 4Sr.

17 Ibidem, 284r. 18 Nicolau Maquiavel, Le Opere, 6 vols., 1873-7, Vol. V, org. L. Passerini e G. Milanesi, Cenniniani, Florença, 1876, p. 142 e seguintes. 19 Carta de Leonardo Bartolini para Nicolau Maquiavel, 21 de fevereiro de 1506, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 118. 20 Francesco Soderini para Nicolau Maquiavel, 4 de março de 1506, ibidem, p. 120. 21 Luca Landucci, 4 Florentine Diary from 1450-1516 (Continued by an Anonymous Writer Till 1542) com notas de Iodoco del Badia, traduzido por Alice de Rosen Jervis, J. M. Dent, Londres, 1927, p. 218.

Capítulo 6: Viagens com um líder militar papal 1 Instruções da Signoria para Maquiavel, 25 de agosto de 1506, em Nicolau Maquiavel, Le Opere, 6 vols., 1873-7, Vol. V. org. L. Passerini e G. Milanesi, Cenniniani, Florença, 1876, p. 154 e seguintes. 2 Nicolau Maquiavel para os Dez da Guerra, 28 de agosto, ibidem. 3 Nicolau Maquiavel para os Dez da Guerra, 13 de setembro de 1 506, Le Opere, Vol. V, p. 184 e seguintes. 4 Nicolau Maquiavel, Discourses on Titus Livy, org. Bernard Crick, Penguin, 1970, Livro I, p. 27. 5 Nicolau Maquiavel para os Dez da Guerra, 3 de outubro de 1506, Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. V, p. 210 e seguintes. 6 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo XI. 7 Nicolau Maquiavel para Giovan Battista Soderini, 28 de setembro de 1506, Machiavelli and His Friends: Their Personal Corr espondence, trad. e org. James

B. Atkinson e David Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Illinois, 1996, p. 134.

REFERÊNCIAS

341

8 Nicolau Maquiavel, Discourses, Livro I, p. 27. 9 Nicolau Maquiavel para os Dez da Guerra, 5 de outubro de 1506, Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. V, p. 215 e seguintes.

10 Biagio Buonaccorsi para Nicolau Maquiavel, 1º de setembro de 1506, Machia-

vell; and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 127.

11 Biagio Buonaccorsi para Nicolau Maquiavel, 6 de outubro de 1506, ibidem,

p. 141, 12 Alamanno Salviati para Nicolau Maquiavel, 13 de novembro de 1502, Pasquale Villari, Niccolô Machiavelli e i suoi tempi illustrati com nuovi documenti, 3 vols., Le Monnier, Florença, 1877-82, Vol. II, p. 608n. 13 Nicolau Maquiavel para Luigi Guicciardini, 8 de dezembro de 1509, Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. 3, org. Franco Gaeta, Unione Tipografico-Editrice Torinese, Turim, 1984. É bastante provável que essa história seja pura ficção, ou ao menos um grande exagero, uma história para divertir seus amigos. 14 Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 4 de fevereiro de 1514, Machiavell: and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 278. 15 Nicolau Maquiavel, Mandrágora, canção de abertura.

16 Giovan Battista Soderini para Nicolau Maquiavel, 26 de setembro de 1506, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 137. 17 Biagio Buonaccorsi para Nicolau Maquiavel, 6 de outubro de 1506, ibidem,

p. 140. 18 Francesco Soderini para Nicolau Maquiavel, 15 de dezembro de 1506, Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. V, p. 161 e seguintes.

Capítulo 7: As boas e as más coisas 1 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo XXIII. 2 Francesco Guicciardini, The History of Florence, traduzido por Mario Domandi,

Torchbooks, Harper, Nova York, 1970, p. 271.

3 Alessandro Nasi para Nicolau Maquiavel, 30 de julho de 1507, Nicolau Maquiavel,

Lestere familiari, org. Edoardo Alvisi, Sansoni, Florença, 1883, p. 169.

4 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo X.

S Carta de 23 de fevereiro de 1508, Nicolau Maquiavel, Le Opere, 6 vols., 18737, Vol. V, org. L. Passerini e G. Milanesi, Cenniniani, Florença, 1876, p. 289 e seguintes.

342

MAQUIAVEL

6 Nicolau Maquiavel, Legazioni e Commissarie, 3 vols., ed. Sergio Bertelli, Feltrinelli, Milão, 1964, Vol. 1, p. 400-1.

7 Os Dez para Nicolau Maquiavel, 15 de fevereiro de 1509, Le Opere, Vol. V, p. 8 9

10

11

12 13 14 15

347 e seguintes. Alamanno Salviati para Nicolau Maquiavel, 29 de abril de 1506, ibidem, p. 409. Agostino Vespucci para Nicolau Maquiavel, 8 de junho de 1509, Machiavell; and His Friends: Their Personal Correspondence, trad. e org. James B. Atkinson e David'Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Illinois, 1996, p. 180. Filippo Casavecchia para Nicolau Maquiavel, 17 de junho de 1509, ibidem, p.181. Para mais sobre isso, ver Robert Black, “Machiavelli, Servant of the Florentine Republic”, em Machiavelli and Republicanism, org. Gisela Bock, Quentin Skinner e Maurizio Viroli, Cambridge University Press, 1990, p. 98. Alamanno Salviati para Nicolau Maquiavel, 4 de outubro de 1509, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 186. Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo II. “Report on the State of Germany”, 17 de junho de 1508, em Le Opere, Vol. V, p. 313-22. Biagio Buonaccorsi para Nicolau Maquiavel, 28 de dezembro de 1509, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, pp. 192-3.

Capítulo 8: Preso 1 Nicolau Maquiavel para os Dez da Guerra, 18 de agosto de 1510, Nicolau

Maquiavel, Le Opere, 6 vols., 1873-7, Vol. VI, org. L. Passerini e G. Milanesi,

Cenniniani, Florença, 1877, p. 69.

2 Francesco Guicciardini, The History of Florence, traduzido por Mario Domandi, Torchbooks, Harper, Nova York, 1970, p. 54.

3 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo XXV

4 Francesco Vettori para Nicolau Maquia vel, 3 de agosto de 1510, Machiavelli

and His Friends: Their Personal Corresponden ce, trad. e org. James B. Atkinson

e David Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Illinois, 1996,

ps 199:

5 Nicolau Maquiavel, Legazioni e Commissarie, Ear Feltrinelli, Milão, 1964, Vol. III, p. 1228.

3 vols., ed. Sergio Bertelli,

REFERÊNCIAS

343

6 Os Dez para Nicolau Maquiavel, 2 de setembro de 1510, Le Opere, Vol. VI, p. 107.

7 Nicolau Maquiavel, Legazioni e Commissarie, Vol III, pp. 1227-8. 8 Ibidem, p. 1258. 9 Francesco Guicciardini, Storia d'Ttalia, org. Emanuella Scarano, Unione Tipografico-Editrice Torinese, Turim, 1981, Livro X, p. 14. 10 Luca Landucci, 4 Florentine Diary from 1450-1516 (Continued by an Anonymous Writer Till 1542) com notas de Iodoco del Badia, traduzido por Alice de Rosen Jervis, J. M. Dent, Londres, 1927, p. 249.

11 Nicolau Maquiavel para um desconhecido nobre, depois de 16 de setembro de 1512, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, pp. 21416. A identidade do destinatário vem há muito tempo intrigando os historiadores, mas não há nenhuma evidência clara que indique quem possa ser esse nobre. O destinatário mais provável é Isabelle d"Este, de Mântua, cunhada do ex-duque de Milão, Ludovico Sforza.

12 Nicolau Maquiavel, Lettere familiari, org. Edoardo Alvisi, Sansoni, Florença, p. 212. 1883,

13 Nicolau Maquiavel para um desconhecido nobre, depois de 16 de setembro de 1512, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, pp. 214-16. 14 Nicolau Maquiavel, Discourses on Titus Livy, org. Bernard Crick, Penguin, 1970, Livro II, p. 27. 15 Ibidem, Livro III, p. 3.

16 Nicolau Maquiavel para um desconhecido nobre, depois de 16 de setembro de 1512, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, pp. 214-16. 17 Nicolau Maquiavel para Giovanni de Médici, 29 de setembro de 1512,

Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, Carta D, p. 424. 18

Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. 1, p. XXXIII e seguintes.

19 Citado em Pasquale Villari, Niccolô Machiavelli e i suoi tempi illustrati com nuovi documenti, 3 vols. Le Monnier, Florença, 1877-82, Vol. I, p. 648.

20 Nicolau Maquiavel, Tutte le opere storiche e letterarie, org. Guido Mazzoni e

Mario Casella, G. Barbera, Florença, 1929, pp. 871-2. 21 Ibidem, p. 872.

22 Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 18 de março de 1513, Machiavell; and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 222.

344

MAQUIAVEL

Capítulo 9: Exílio

1 Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 18 de março de 1513, Machiavell; and His Friends: Their Personal Correspondence, trad. e org. James B. Atkinson e David Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Ilinois, 1996, p. 223.

2 Nicolau Maquiavel para Francesco Vet tori, 30 de março de 1513, ibidem,

3

4 3 6

7 8 9

p. 224. Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 10 de dezembro de 1513. Nicolau Maquiavel, Tutte le opere storiche e letterarie, org. Guido Mazzoni e Mario Casella, G. Barbera, Florença, 1929, pp. 884 e seguintes , Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, Nicolau Maquiavel, Leztere familiari, org. Edoardo Alvisi, Sansoni, Florença, 1883, p. 241. Nicolau Maquiavel para Giovanni Vernacci, 4 de agosto de 1513, Machiavell; and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 244 . Francesco Vettori para Nicolau Maquiavel, 18 de janeiro de 1514, Nicolau Maquiavel, Lettere familiari, p. 323. Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 10 de dez embro de 1513. Nicolau Maquiavel, Tutte le opere storiche e letterarie, p. 884 e seguintes. Dante, Paradise, Canto XVII, Pp. 55-60. Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 19 de dezembro de 1513, Nicolau Maquiavel, Lertere familiari, p. 311. Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo VI.

10 11 Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 10 de junho de 1514, Machiavelli and His Friends: The Personal Correspo ndence, p. 290. 12 Francesco Vettori para Nicolau Maqu iavel, 30 de dezembro de 1514, Letter e familiari, p. 387. 13 Roberto Ridolfi, The Life of Nicc ol Machiavelli, traduzido por Cecil Grayson, Routledge and Kegan Paul, Londre s, 1954, p. 162.

14 Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 3 de agosto de 1514, Machiavelli and His

Friends: Their Personal Correspo ndence, p. 292.

15 Ibidem. 16 Nicolau Maquiavel para Giovanni Vernacci, 15 de fevereiro de 1516, Ma! chiavelli and His Friends: | Their Personal Corr espond ence, p. 314. 17 Nicolau Maquiavel para Giovanni Vernacci, 10 de se tembro de 1516, ibidem,

REFERÊNCIAS

345

18 Nicolau Maquiavel para Giovanni Vernacci, 8 de junho de 1517, ibidem, p. 398.

19 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo VI.

Capítulo 10: O príncipe 1 Carta de Nicolau Maquiavel para Lorenzo, o Magnífico, Prefácio para The

Prince.

2 3 4 5 6 7

Nicolau Ibidem. Ibidem, Ibidem, Ibidem, Ibidem,

Maquiavel, The Prince, Capítulo VII. Capítulo Capítulo Capítulo Capítulo

XXVI. VII. II. XV.

8 Ibidem, Capítulo XIV.

9 Nicolau Maquiavel, Discourses on Titus Livy, org. Bernard Crick, Penguin, 1970, Livro I, Prefácio; p. 97.

10 Ibidem. 11 Ibidem, Capítulo XVII. 12 Ibidem, Livro II, p. 38.

13 Ibidem, Capítulo XVII. 14 Ibidem. 15 Ibidem, Capítulo XXII.

16 Ibidem, Capítulo XVIII. 17 Ibidem, Capítulo VIII.

18 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo XV. 19 Isaiah Berlin, “The Originality of Machiavelli”, em Against the Current, org. H. Hardy, Clarendon Press, Oxford, 1981, pp. 29-75.

20 Nicolau Maquiavel, Discourses, Livro Il, p. 55.

21 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo III. 22 Ibidem, Capítulo XXV.

23 24 25 26

Ibidem. Ibidem, Capítulo XVII. Ibidem. Ibidem, Capítulo XIL

27 Ibidem.

346

MAQUIAVEL

28 Nicolau Maquiavel para Francesco Vettori, 16 de abril de 1527, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, trad. e org. James B. Atkinson e David

Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Illinois, 1996, p. 416.

Capítulo 11: Reabilitação 1 Nicolau Maquiavel, The Golden Ass, Capítulo 1, linha 103; Capítulo 3, linha 76. 2 Citado em Professor E W. Kent, “Gardens, villas and social life in Renaissance Florence”, 1994, www.arts.monash.edu.au/visarts/diva/kent.html

3 Nicolau Maquiavel, Discourses on Titus Livy, org. Bernard Crick, Penguin, 1970, Livro II, Prefácio. 4 Ibidem, Livro I, Capítulo 10. 2 Pasquale Villari, Niccolô Machiavelli e i suoi tempi illustrati com nuovi document, 3 vols., Le Monnier, Florença, 1877-82, Vol. II, p. 313.

6 Nicolau Maquiavel, Mandrágora, Prólogo. 7 Filippo Strozzi para Lorenzo Strozzi, 17 de março de 1520, em Oreste

Tommasini, La vita e gli scritti di Niccolô Machiavelli, 2 vols., Loescher, Roma, 1883 (Vol. 1), 1911 (Vol. 2), Vol. 2, p. 1081. 8 Nicolau Maquiavel para Francesco del Nero, 10 de setembro de 1520,

Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, trad. e org. James B. Atkinson e David Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Illinois, 1996 p. 329. ,

Capítulo 12: Os anos finais | Cardeal Salviati para Nicolau Maquiavel, 6 de setembro de 152 1, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, trad. e org. James B. Atkinson e

David Sices, Northern Illinois University Press, De Kal b, Illinois, 1996, p. 342. 2 Nicolau Maquiavel para Francesco Guicciardini, 17 de maio de 1521, ibidem, p. 336.

3 Nicolau Maquiavel para Guicciardini, 30 de agosto de 1524, ibidem, p. 351. á Nicolau Maquiavel para Francesco Vettor i, 10 de junho de 1514, ibidem, p. 290.

REFERÊNCIAS

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5 Filippo de Nerli para Francesco del Nero, Nicolau M aquiavel, Le Opere, Vol. 3, org. Franco Gaeta, Unione Tipografico-Editrice Torinese, Turim, 1984, p. 541. 6 Opere politichie e letterarie, Giannotti (org.), Le Monnier, Florença, 1850, Vol.

1, p. 228.

7 Nicolau Maquiavel para Francesco Guicciardini, 16 de outubro de 1525, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 368. 8 Francesco Guicciardini para Nicolau Maquiavel, 7 de agosto de 1525, ibidem,

9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

p. 360. Francesco Vettori para Nicolau Maquiavel, 8 de março de 1525, Nicolau Maquiavel, Lettere familiari, org. Edoardo Alvisi, Sansoni, Florença, 1883, p. 437. Archivio Storico Italiano, Florença, “Carte Strozziane, Ist ser.”, pp. 105-8. Desjardin, Négociations Diplomatiques, Vol. II, p. 840. Nicolau Maquiavel para Francesco Guicciardini, 15 de março de 1526, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 381. Francesco Guicciardini para Nicolau Maquiavel, Nicolau Maquiavel, Lettere familiari, p. 468. Francesco Guicciardini para Roberto Acciaiuoli, 18 de julho de 1526, Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. 3, Turim, 1984, p. 593. Roberto Acciaiuoli para Francesco Guicciardini, 7 de agosto de 1526, ibidem. Nicolau Maquiavel para Bartolomeo Cavalcanti, 6 de outubro de 1526, Machiavelli and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 403. Francesco Guicciardini, The History of Italy, trad. e org. Sidney Alexander, Macmillan Publishing, Nova York, 1969, p. 174. Nicolau Maquiavel para Guido Maquiavel, 2 de abril de 1527, Nicolau Maquiavel, Le Opere, Vol. 3, Turim, 1984, p. 624.

19 Guido Maquiavel para Nicolau Maquiavel, 17 de abril de 1527, Machiavelli

and His Friends: Their Personal Correspondence, p. 416.

20 Ibidem.

21 Citado em The Cambridge Modern History, org. A. W. Ward, G. W. Prothero e Stanley Leathes, Cambridge University Press, 1904-12, Vol. II, p. 55. 22 Luigi Guicciardini, The Sack of Rome, trad. e org. James H. McGregor, Italica Press, Nova York, 2003, p. 87. 23

Citado em Roberto Ridolfi, The Life of Niccolô Machiavelli, traduzido por Cecil

Grayson, Routledge and Kegan Paul, Londres, 1954, p. 248.

348

MAQUIAVEL

Capítulo 13: O legado de Maquiavel 1 Piero Maquiavel para Francesco Nelli, 22 de junho de 1527, Machiavelli and

His Friends: Their Personal Correspondence, trad. e org. James B. Atkinson e David Sices, Northern Illinois University Press, De Kalb, Illinois, 1996, p. 425.

2 Isso foi formulado pela primeira vez por Oreste Tommasini, no Vol. 1 de Za vita e gli scritti di Niccolô Machiavelli, Loescher, Roma, 1883. 3 Savonarola Lettere, org. Roberto Ridolfi, Olschki, Florença, 1933, p. XXII. 4 L. Arthur Burd, “Introduction for The Prince by Niccolô Machiavelli”, Clarendon Press, Oxford, 1891.

5 The Private Correspondence of Niccolô Machiavelli, trad. e org. Orestes Ferrara

et al., Johns Hopkins Press, Baltimore, Maryland, 1987, p. 120. 6 Gino Capponi, Storia della repubblica di Firenze, 22 edição, G. Barbera, Florença, 1876, Vol. III, p. 191. 7 E. Pistelli, Profrli e caratteri, Sansoni, Florença, 1921, p. 67. 8 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo VIII.

9 William Shakespeare, Ricardo II, ato V, cena I, em Obra completa, vol. 3, trad.

Oscar Mendes, Companhia José Aguilar Editora, 1969, p. 125-126. 10 Nicolau Maquiavel, The Prince, Capítulo XV.

11 William Shakespeare, Henrique VI, parte III, ato III, cena II, em Obra completa,

vol. 3, trad. Oscar Mendes, Companhia José Aguilar Editora, 1969, p. 543. 12 Francis Bacon, De Dignitate et Augmentis Scientiarum”, em Francis Bacon:

A Selection, org. Sidney Warhaft, Macmillan, 1965, p. 413. 13 Hamilton estava citando David Hume, “On the Independence of Parliament”,

Gerard Stourzh, Alexander Hamilton and the Idea of Republican Government,

Stanford University Press, Stanford, Califórnia, 1970, p. 77. 14 Anthony Parel, The Machiavellian Cosmos, Yale University Press, New Haven, Connecticut, 1992, p. 213.

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The Pope and the Heretic: The True Story of Courage and Murder at the Hlands of'the Inquisition, Time Warner Books, Londres, 2002

Índice remissivo

Adriani, Marcello Virgilio 65, 68

Adriano VI, Papa 281, 285 Albizzi, Luca degli 78 Alexandre VI, Papa 59-60, 94-95, 119120

Aragão, rei de 184 Ardinghelli, Piero 233 Ariosto 192

Arno, rio, desvio 136-141, 160 Arte da guerra, A 17, 74, 263, 267, 279 Asno, O 261 Aurispa, Giovanni 41 Bacon, Francis 317

Baglioni, Giampaolo 141, 150-151, 152-153 Bartolini, Leonardo 145 “Batalha das Esporas” 223 Bembo, Gianfrancesco 94

Bene, Tommaso del 217 NM) Benizzi, Lionarda (meia-irmã de

27 (primeimo la ro Gi di u la co Ni i, zz Beni 27 ro marido da mãe de NM)

Bentivoglio, Ercole 138, 142

Bentivoglio, Giovanni 82, 150, 152, 154, 155 Berlin, Isaiah 251

Bibliografia 349-351 Boccaccio, Giovanni 39-40

Bologna 150, 154, 155 Bolzano 175-176 Borgia, Cesare, duque Valentino ascensão 98

assassinato de Remirro de Orco 116 assuntos militares 81, 84, 85 Aut Caesar aut nihil 100

bajulado por candidatos ao papado 120,121

conspiração contra ele 108-109, 116-118

indecisão 121-126

líder perfeito 96 logro e traição 99-100 Maquiavel estuda e se impressiona com ele 109-113 morte 124-125

natureza malvada 93-94

354

MAQUIAVEL nome a ser temido 100 primeiro assassinato 97-98 primeiro encontro com Maquiavel 103-107

segundo encontro com Maquiavel 109-118

Urbino 103 Borgia, Giovanni 97-98 Borgia, Lucrécia 98-99

Borgoforte, batalha de 299

Braccesi, Alessandro 70 Bruni, Leonardo 38, 57 Buonaccorsi, Biagio 90-91, 111, 112, 158-159, 165-166, 186-187, 217, 221, 285

Buondelmonti, Zanobi 263, 265, 282 Buondi, Nicolau d'Andrea (tio de NM) 23 Burckhard, Johannes 99

Capponi, Agostino 210-214 Capponi, Nicolau 178, 304 Cardeais em rebelião 197-198 Cardona, Ramón de 201-202, 205 Carlos V, sacro imperador romano 281 292, 304-305 Carlos VIII, rei da França 55-56, 61, 75, 80 Carpi 1 Casa, Francesco della 79, 82, 83 Casavecchia, Filippo 180, 217, 225 Casentino 143 i

Constantinopla, queda de 132 Corno, Donato del 218

Cremona 298

cronologia 1440-1527: 331-333 Chrysoloras, Emmanuel 42

d Alessandro, Nicolau (primo de NM) 23 d Amboise, Georges, Cardeal de Rouen 83, 88, 120, 194 d Appiano, Jacopo, lorde de Piombino

Capela Sistina 148

,

conflitos entre França e Espanha 135 Confraria de San Girolamo sulla Costa 28-29, 66 Conselho Eclesiástico Universal 197198 Conselho Laterano 200-201 Constança, Assembléia de 172

Boscoli, Pietro Paolo 210-213 Botticelli 39



Clemente VII, papa 222, 291-292, 295-296, 298 Clizia 288-289, 294 condottieri 131

71-72, 141

à

d'Aviano, Bartolomeo, 141, 142 da Vinci, Leonardo 38, 54, 113-115, 137, 140, 188, 238, 269 Dante 226 della Palla, Battista 273 Dez da Guerra 143-144 Dez da Liberdade 48 Diabo que se casou, O 261

Discurso sobre a organização militar do

Estado de Florença, 167 Discurso sobre a primeira dé cada de Tito Lívio 309

ÍNDICE

REMISSIVO

Discursos, Os 32, 130, 139, 204, 225, 263-264

obras em latim 40-41 praga 26, 36, 282 prensa 38-40

Emblema de Marzocco 145

vulnerabilidade 87, 101

Família Colonna 298, 299 Família Médici banco 46-48

retorno ao poder 206

revolta contra 210-213 Família Pazzi 53, 68 Ficino, Marsílio 44-45, 47, 49

Garigliano, Batalhas de 135 Ghiribizzi 156

Giovanni, Gherardo di (primo de NM) 23

Governo de Florença aliança com a França 194-196 Conflitos entre França e Espanha

Filicaia, Antonio da 179, 181 filosofia platônica 43, 47

135 Conselho do Povo 57

Florença alianças 48 conflito com Pisa 75-79, 119, 136,

Conselho dos Comuns 57 Conselho dos Oitenta 64 Curadores dos Muros 297 Dez da Guerra, Os 57, 71

141-142, 151, 178-180

dias de festa 125-126 dívida com a França 79-85 dominada por Lorenzo de Médici 50 epicentro do mundo civilizado 33, 37-38 estados independentes 35 fama 36 Família Médici, importância da 45 famílias de elite 59, 60-61 França e Cesare Borgia 103-107 manuscritos gregos 40-42 mercenários contratados 76-78 milícia de cidadãos 131-133, 144 mudanças no sistema de educação 42-43

necessidades militares 131-132

355

dignidade de ter um exército 206207 Doze Homens Bons 57 estrutura solta 57 Foix, Gaston de 200 Fornaciaio, Jacopo 284-287 franciscanos 17-20 Francisco I, rei da França 291-292

gonfaloneiro 57, 58, 127, 207

Grande Conselho 58, 64, 207, 304 Histórias florentinas 52, 74, 275277, 279, 283, 290-291, 293

mudança constitucional 127-129 mudanças feitas pela família Médici 206

Nove Oficiais da Ordenança Florentina 167, 207-208

MAQUIAVEL

356

Otto di Guardia 164 Otto di Pratica 306

Liga de Cambrai 184 Liga de Cognac 295-296, 298 Liga Sagrada 199-200

Savonarola, Girolamo 55-61

Luís XII, rei da França 60, 80-85, 152, 154, 184, 194-197, 223

reconfirmações de cargo 165 Signoria 56, 58, 65, 127

Guerra dos Cem Anos 36 Guicciardini, Francesco 18-21, 128,

139, 192, 200, 279-280, 284, 300, 304 Guicciardini, Luigi 303

Guinegate, Batalha de 223

Hegel 317 Henrique VIII, rei da Inglaterra 199, 223

humanismo 43-44 Igreja Católica, poder inato 154, 157 Imola e Forli, condessa de, Catarina Sforza Riario 72-74, 80 Inocêncio VIII, papa 54, 95, 148 invasão espanhola 201-202

Jardins Rucellai 262 Joana, rainha de Castela 281 Júlio II, papa 122-125, 134, 147-158, 184, 186

instabilidade 192-194 morte 214 sem confiança 193-194 todo-poderoso em toda a Itália 200 Landucci, Luca 146, 200

Leão X, Papa 34, 214, 270, 272-273, 281

Lutero, Martinho 283

Luzio, Alessandro 96

Madri, Tratado de 294 Maliscotta 290 Mandrágora, A (Mandragola) 12, 163, 268-269, 273, 289, 294 Manuscrito L 113 manuscritos gregos 40-42 Maquiavel, Bartolomea (filha de NM) 301 Maquiavel, Bartolomea di Stefano Nelli (mãe de NM) 24, 27, 29, 33 Maquiavel, Bernardo (filho de NM) 91, 93, 125, 297, 300 Maquiavel, Bernardo (pai de NM) amante e colecionador de livros 2728 devedor de impostos 188 diário 24 herança 23 influência 66, 67 morte 8]

relação com Nicolau Maquiavel 29-30 trabalho legal 24-25 Maquiavel, Francesco (primo de NM) 23,68

Maquiavel, Guido (filho de NM) 300301

ÍNDICE

Maquiavel, Lodovico (filho de NM) 301 Maquiavel, Margherita (irmã de NM)

24, 29, 32 Maquiavel,

Marietta, nascida Corsini

(mulher de NM) 91, 92-93, 112, 118, 125, 225, 239, 287500

Maquiavel, Nicolau aceitação social 287 acusação de desvio de verbas 209 alertas quanto às atividades sexuais 164-165 amante anônima 234-236 amantes 162 assuntos militares alemães 175-176 características pessoais 91-92 casa conduzida por amigos em sua ausência por serviço 91 casa da família 22 Cesare Borgia com o homem vivo mais perigoso 105-106 cinismo 20, 29 conselhos à família Médici 208 conselhos ignorados para o papa Leão X 230-233 considerado representante da família 68-70 da Vinci, Leonardo 114-115 descrição pela indicação para secretário 71 dispensado de todas as funções 208

educação 30-35

escrevendo seriamente 261 escritor honesto 326

exílio auto-imposto 218-221

REMISSIVO

357

famílias guelfo 22

filosofia política e militar 270-271 gosto pelo poder 273-274 habilidade reconhecida por Cesare Borgia 109-110

história da missão florentina 275ZA

“Tl Machia” — o Homem 91 indicado secretário da Segunda Chancelaria 62, 64-66 indicado secretário dos Curadores dos Muros 297 indicado secretário dos Dez da Guerra 71 inimigos 181 Júlio II, papa 150-154

liberado da prisão 214-215

libertino 160-163 marcha da milícia 146 milícia de cidadãos 143-146

moldura crucial da visão política

125 morte 306 mulherengo 92 natureza malévola 20 origens da família 21 pensador radical 163-164 poetas latinos 32 preso 210 primeiras negociações com Cesare Borgia 103-106 principais obras 329-330 procura emprego com os Médici

228-230 prostituta feia 161-162

358

MAQUIAVEL

prostitutas 234-235 razões para indicação para secretá-

Maquiavel, Torto (irmão de NM) 24,

rio 65-68 reabilitação 272-273

maquiavélico (palavra) 311

29. dl; 22, 01; 202

Marlowe, Cristopher 312

recebimentos 65, 79, 275, 293 recrutamento da milícia 143-144 regeneração da carreira 294 rejeitado como primeira opção de emissário 170 Salviatti, Alamanno, abordado 181183 secretário de três departamentos 167 segunda negociação com Cesare Borgia 109-119 senso de humor 20, 29

sete regras 322-325 | soneto para Giuliano de Médici 212-213

tentativas de desacreditá-lo 187-188 torturado 211, 215 vida dupla 169-170 visão de Soderini 205-206 visita a Roma para a eleição papal 121

visões de outros autores sobre seus livros 311-321 Maquiavel, Piero (filho de NM) 300, 307-308 Maquiavel, Piero (filho do primo de NM) 23 Maquiavel, Primavera (irmã de NM) 24, 29, 32, 84 Maquiavel, Primerana (filha de NM)

93, 118

Maquiavel, Torto (filho de NM) 300 '

Td

altos

Martelli, Ugolino de 67

Marx, Karl 317-318 Matarazzo, Rafael 99 Mateus 31

Maximiliano 1, sacro imperador romano 171-177, 183-186, 223, 281

Médici, Alessandro de 311 Médici, cardeal Giovanni de, mais tar-

de papa Leão X 208, 210, 214, 222

Médici, Catarina de 37, 311

Médici, Cosimo de 47-48 Médici, Giovanni de 299-300

Médici, Giovanni di Bicci de 45 Médici, Giovanni di Pierfrancesco de 75 Médici, Giuliano de 67, 207,212-213, 222, 229

Médici, Giulio de, mais tarde papa Clemente VII 222, 272, 282, 283 Médici, Ippolito de 288

Médici, Lorenzo de (Lorenzo, o Magnífico) 44-45, 48-51, 52-53, 54-55

Médici, Lorenzo di Piero de, duque de Urbino 222, 237-238, 263, 265,

271-272 Médici, Piero de 48, 55, 104, 207 Michelangelo 148, 238 Michelotto, Don 144, 158, 179 Michelozzi, Nicolau 209 Milão 133, 298 Mirandola, Giovanni Pico della 44, 49 Montaigne 316

ÍNDICE

Montaperti, batalha de 22 Mugello 143 Nasi, Alessandro 174 Navarra, rei de 125 Nere, Giovanni delle Bande 75

Nerli, Filippo de 286, 289 Novara, batalha de 223

REMISSIVO

359

assassinato de Remirro de Orco 116-117

assuntos militares alemães 174-175 caráter atemporal 248, 258, 320 caráter direto 309-310 Cesare Borgia como líder perfeito 96-97

Cesare Borgia como modelo ideal de príncipe 242 combinação de acontecimentos históricos 245

Orco, Remirro de 116 Orsini, Giulio e Paolo 106 Orsini, Paolo e Francesco 117

cristianismo 250

ottimati 127-128, 159

D'Amboise,

Palavras a serem ditas sobre a lei de apropriação de dinheiro, precedidas por uma pequena introdução e justificativa 130 Pávia, batalha de 292

Perugia 150, 153-154 “Peste Negra” 36

Georges, cardeal de

Rouen 88-89 dedicação 237-241 destino 252-254 erros de Luís XII 90 escrita de 220-221, 224, 225-226 Família Médici 227-229

importância 244, 258 Índex de Livros Proibidos 311

Petrarca, Francesco 39

influência na ciência política 320-322

Petrucci, Pandolfo 141

influência na história social 321-322

Piero, Luigi Alamanni di 263, 282

Júlio II, papa 155-156

Pietã, La 28-29

leitores 14-15 liderança 250-251 “Livro de conselhos” 243

Pio III, papa 121

Platão 243-244, 246 Poggio Imperiale, batalha de 26 Poliziano, Angelo 44

Poppi, Battista da 32 praga 26,36,282 Prato, batalha de 202-204

Primeiro decenal 160 Príncipe, O

analogia do leão e da raposa 254-255

livro incompreendido 14

maior ironia 258 Maximiliano I 171

opinião negativa dos seres humanos 248

poder militar 255

primeiro tratado político moderno 245-246, 257-258

MAQUIAVEL

360

recebido pobremente 237 regras de grande alcance 246 Savonarola 63-64

Savonarola, Girolamo 55-61, 63-64 Scala, Bartolomeo 67 Sforza, Ascanio 120-121 Sforza, Ludovico 113- 133

Rafael, Cardeal 51, 53 Raffacani, Barbara Salutati 285-287, 290

Shakespeare, William 312-315

Ravenna, batalha de 200 Relatório sobre o Estado da Alemanha 185

102, 128, 131-133, 139, 145 Soderini, Giovan Battista 156,165

Ragusa, República de 276

religião e clero 28

“Renascença, A” 36-44 Ricci, Giovanni 301

Sinigaglia 117-119 Sisto IV, Papa 50-51, 96-97, 148 Soderini, Francesco, bispo de Volterra

Soderini, Piero 102,116,118,128,1321535 1295199440 1,203207,276,281-282

Strozzi, Matteo 223

Ridolfi, Giambattista 206

Ridolfi, Giovambattista 78

Roma, saque de 302-304

Romagna 50, 116, 135, 150

Tafani, La 235-236, 286 Tamburi 187 Tedallini, Branca 96

Romolo, Andrea di 91

Ronciglioni, Paolo da 32

Urbino 103

Rossi, Roberto de 46

Rovere, Giuliano della, mais tarde papa Júlio II 120 Rucellai, Cosimo 262, 265, 271

Salviati, Alamanno 67, 159-160, 164165, 173, 179-183

Salviati, Francesco, Arcebispo de Pisa 52,53 Salviari, Giovanni 292 Salviati, Jacopo 118, 223 San Vincenzo, batalha de 142 Sant Andrea 22, 210, 218, 283-284

Santi, Sigismundo 18-20

Valentino, duque ver Borgia Cesare Valle, Antonio della 90 Valle, Giuliano della 91 Veneza 57-58, 130-131, 133, 135, 141, 177, 184, 223 Vernacci, Giovanni 236 Vespucci, Agostino 67, 91, 92, 95, 103, 110, 119-120, 180

Vettori, Francesco 31, 162, 174-176, 192, 205, 214, 218,221, 223, 230231 Vettori, Paolo 232-233

Villari, Pasquale 71, 310

Vitelli, Paolo 77, 117

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) Florença durante a infância de Maquiavel. (Arquivos AlinarilBriageman, Florença al

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Cesare Borgia, O grande líder tirânico que

Maquiavel usou como modelo para seu príncipe. (Scala,

Florença)

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de Cesare Borgia, qu e fo Hum dos papas mais COrTUptos n, longa esombria história da Igreja.

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Florença)

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durante seu Sant Andrea em Percussina, Toscana. Maquiavel ficou em Sant Andrea

período de exílio, entre 1513 e 1527; foi onde escreveu O príncipe. (ANG

Maquiavel

em um de seus

mandatos como Secretário Florentino.

(Scala, Florença)

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Uma pintura de Maquiave l feira

anos antes de Sua morte, quando 55

anos.

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Maquiavel como era visto no século XVII. (Roger,

VrollertAlinari)

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O príncipe. (ARG)

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Ex officina Perri Perna. M D XXC,