História de Roma

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0 que torna grande a história de Roma é não ter sido feita por homens diferentes de nós, e sim por gente como a gente. Esses homens nada tinham de excepcional: se tivessem, não haveria razão para admirá-los tanto.

Indro Nontanellu

HISTORIA DE ROMA Publicada em capítulos na Domenica del Corriere, a História de Roma suscitou protesto de leitores indignados pela dessacralização de um verdadeiro dogma, até então intocado. No entanto, o fascínio desta abordagem simples e cordial de Indro Montanelli reside justamente aí: “O que torna grande a história de Roma não é ter sido feita por ho­ mens diferentes de nós, mas que tenha sido feita por homens como nós. Eles não tinham nada de sobrenatural. E, se o tivessem, nos faltariam motivos para admirá-los. ...César, quando jovem, foi um grande apro­ veitador, manteve-se mulherengo a vida inteira e se penteava com ‘arranjos’ porque-sentia vergonha de sua calvície. Isso não contradiz sua grandeza de general e de homem de Estado. Augusto não passou o tempo todo, como uma máquina, organizando o Império, mas tam­ bém combatendo a colite e os reumatismos, e por pouco não perdeu sua primeira batalha, aquela contra Cássio e Bruto, por causa de uma diarréia.” Os leitores desta História de Roma têm a oportunidade de travar contato com uma história viva e real, feita por homens vivos e reais, e não por símbolos abstratos e frios. Aí está todo o seu encanto.

Indro Montanelli

HISTÓRIA DE ROMA Tradução de SANDRA LAZZARIN1

RECORD _

-

GDITORK RECORD

Título original italiano ST0R1AD1 ROMA

Para Stisina Moizzi

Copyright © 1969 by R.C.S. Rizzoli Libri S.p.A., Milão

Direitos de publicação exclusivos em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 — 20921 Rio de Janeiro, RJ — Tel.: 580-3668 que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 — Rio de Janeiro, RJ — 20922

AOS LEITORES

À medida que a História de Roma era publicada em capítulos na Domenica dei Corriere, comecei a receber cartas cada vez mais indignadas. Acusavam-me de superficialidade, de levian­ dade, de derrotismo e algumas vezes até de crueldade devido à minha maneira de tratar um assunto considerado sagrado. Não me surpreendi, pois de fato até hoje, ao se falar de Roma, em italiano, jamais se usou outro estilo além do áulico e apologético. Mas estou persuadido de que justamen­ te por isso bem pouco permaneceu na mente de quem leu e de que quase ninguém, ao terminar o ensino secundário, é tentado a refrescar a memória. Não existe nada mais can­ sativo do que acompanhar uma história povoada apenas de monumentos. Eu mesmo tive de lutar um bocado contra os bocejos quando, alguns anos atrás, ao perceber que havia esquecido tudo ou quase tudo, quis estudá-la de novo. En­ tão deparei por acaso com Suetônio e Díon Cássio, os quais, por serem contemporâneos, ou pelo menos coevos, não nu­ triam um respeito tão reverente e temeroso por tais monu­ mentos. Seguindo suas pistas, comecei também a folhear outros historiadores e memorialistas italianos. Foi como dar vida à pedra. De súbito, aqueles protagonistas que na escola nos apre­ sentaram mumificados numa pose, sempre a mesma, não ho­ mens, mas símbolos abstratos, perderam sua mineral imobilidade, animaram-se, coloriram-se de sangue, de vícios, de fraquezas, de tiques, de pequenas ou grandes manias. En­ fim, tornaram-se vivos e reais. Por que devemos ter, em relação a esses personagens, mais respeito do que tiveram os próprios romanos? Será que lhes fazemos um grande favor em deixá-los sobre o pedestal, nu­ ma fria sala de museu, que só os estudantes, em função de seus exames, são obrigados pelo professor a visitar? Conheço

alguns jesuítas que, sem ferir a ortodoxia, escreveram hagiografias isentas de preconceitos, onde os santos apareciam tal como eram, homens entre os homens, com suas obstinações e extravagâncias. O fato de muitos deles terem cometido al­ guns erros e de todos, sem distinção, terem sido tentados a isso não diminui em nada sua santidade. Pelo contrário. Je­ sus Cristo fez de São Pedro um apóstolo — e este o havia re­ negado. O que torna grande a história de Roma não é ter sido fei­ ta por homens diferentes de nós, mas que tenha sido feita por homens como nós. Eles não tinham nada de sobrenatural. E se o tivessem, nos faltariam motivos para admirá-los. Entre Cícero e Carnelutti existem muitos pontos em comum. César, quando jovem, foi um grande aproveitador, manteve-se mu­ lherengo a vida inteira e se penteava com ‘arranjos’ porque sentia vergonha de sua calvície. Isso não contradiz sua gran­ deza de general e de homem de Estado. Augusto não passou o tempo todo, como uma máquina, organizando o Império, mas também combatendo a colite e os reumatismos, e por pou­ co não perdeu sua primeira batalha, aquela contra Cássio e Bruto, por causa de uma diarréia. Creio que o maior erro que podemos cometer em relação a essas pessoas seja ocultar sua verdade humana, como se re­ ceássemos vê-las diminuídas por ela. Longe disso. Roma foi Roma não porque os heróis de sua história não cometeram delitos e tolices, mas porque nem mesmo seus crimes e suas tolices, embora grandes e às vezes imensos, poderíam atingir seu direito ao primado. Não descobri nada com este livro. Ele não pretende tra­ zer novas ‘revelações’ nem oferecer uma interpretação ori­ ginal sobre a história da Urbe. Tudo o que narro aqui já foi narrado antes. Espero apenas tê-lo feito de uma forma mais simples e cordial, em um estilo mais leve e facilmen­ te aceitável pela grande maioria dos leitores, mediante uma série de descrições que ilumine os protagonistas com uma luz mais verdadeira, despindo-os dos paramentos que os es­ condiam. Alguns poderão achá-la uma ambição modesta. Eu, não. Considero-a, pelo contrário, orgulhosa. Se conseguir que uns

poucos milhares de italianos se afeiçoem à história de Roma, poderei julgar-me um autor útil, de sorte e plenamente reali­ zado — que me desculpem os que me acusam de superficiali­ dade, leviandade, derrotismo ou, até, de crueldade. INDRO MONTANELL1

Milão, novembro de 1957

SUMÁRIO

Aos leitores.................................................................................

5

Capítulo I Ab Urbe condita....................................................................

9

Capítulo 2 Pobres etruscos.....................................................................

19

Capítulo 3 Os reis agrários..................................................................... 28 Capítulo 4 Os reis mercadores...............................................................

37

Capítulo 5 Porsena.................................................................................. 46 Capítulo 6 S.P.Q.R................................................................................. 55 Capítulo 7 Pirro.....................................................................................

64

Capítulo 8 A educação...........................................................................

72

Capítulo 9 A carreira.............................................................................

80

Capítulo 10 Os deuses.............................................................................

87

Capítulo 11 A cidade..............................................................................

95

Capítulo 12 Cartago................................................................................ 104

Capítulo 13 Régulo..............................

Capítulo 14 Aníbal.............................. Capítulo 15 Cipião.............................

Capítulo 16 “Graecia capta...”.......... Capítulo 17 Catão..............................

Capítulo 18 “...ferum victorem cepit” Capítulo 19 Os Gracos Capítulo 20 Mário..... Capítulo 21 Sila....................................................................................... 180

Capítulo 22 Uma ceia em Roma............................................................. 189 Capítulo 23 Cícero................................................................................... 197 Capítulo 24 César..................................................................................... 204

Capítulo 25 A conquista da Gália............................................................213 Capítulo 26 O Rubicão............................................................................. 222

Capítulo 27 Os idos de março..................................................................230

Capítulo 28 Antônio e Cleópatra........................................................... ...

Capítulo 29 Augusto...................................................................................... 246 Capítulo 30 Horácio e Lívio......................................................................... 253

Capítulo 31 Tibério e Caligula.....................................

260

Capítulo 32 Cláudio e Sêneca...................................................................... 267

Capítulo 33 Nero............................................................................................ 273 Capítulo 34 Pompéia..................................................................................... 279 Capítulo 35 Jesus......................................................................................... 284 Capítulo 36 Os apóstolos............................................................................. 291 Capítulo 37 Os Flávios................................................................................. 297

Capítulo 38 Roma epicuréia...................................................................... 304 Capítulo 39 Seu capitalismo...................................................................... 311

Capítulo 40 Suas diversões...........................................................................317 Capítulo 41 Nerva e Trajano....................................................................... 323 Capítulo 42 Adriano..................................................................................... 331

Capítulo 43 Marco Aurélio........................................................................ 337 Capítulo 44 Os Severos............................................................................... 344

Capítulo 45 Diocleciano............................................................................... 351

Capítulo 46 Constantino.............................................................................. 358 Capítulo 47 O triunfo dos cristãos............................................................. 364

Capítulo 48 A herança de Constantino

................................................... 372

Capítulo 49 Ambrósio e Teodósio.............................................................. 380 Capítulo 50 O fim....................................................................................... 388 Capítulo 51 Conclusão............................................................................... 397

Cronologia................................................................................... 401 * índice onomástico..................................................................... 409

índice das ilustrações................................................................. 425

CAPÍTULO 1

AB URBE CONDITA

IN AO sabemos com precisão quando foram instituídas as pri­ meiras escolas regulares, isto é, “estatais” em Roma. Plutarco diz que nasceram por volta de 250 a.C., ou seja, cerca de quinhentos anos depois da fundação da cidade. Até esse mo­ mento as crianças eram educadas em casa, as mais pobres pe­ los próprios pais, as mais ricas por magistrados, isto é, professores ou instrutores, geralmente escolhidos na catego­ ria dos libertos, os escravos libertados, que por sua vez eram escolhidos entre os prisioneiros de guerra e de preferência en­ tre os de origem grega, que eram os mais cultos. Sabemos com certeza, porém, que elas deviam cansar-se menos do que as de hoje. Já sabiam latim. Se fossem obriga­ das a estudá-lo, dizia o poeta alemão Heine, não teriam tido tempo de conquistar o mundo. Quanto à história de sua pá­ tria, era contada mais ou menos assim: Quando os gregos de Menelau, Ulisses e Aquiles conquis­ taram Tróia, na Ásia Menor, e a meteram a ferro e fogo, um dos poucos defensores a se salvar foi Enéias, severamente acon­ selhado por sua mãe (certas coisas também se usavam naque­ les tempos), que era nada mais, nada menos que a deusa Vênus-Afrodite. Com uma mala nas costas, cheia de imagens 9

de seus celestiais protetores, entre os quais, naturalmente, o lugar de honra pertencia a sua boa mãe, mas sem um tostão no bolso, o pobrezinho começou a rodar pelo mundo, ao acaso E depois de não se sabe quantos anos de aventuras e desven­ turas, sempre com aquela mala sobre o lombo, foi dar na Itá­ lia, tomou a direção do norte, alcançou o Lácio, casou-se com a filha do rei Latino, que se chamava Lavínia, fundou uma cidade à qual deu o nome de sua mulher, e com ela viveu feliz e contente até o fim de seus dias Seu filho Ascânio fundou Alba Longa, tornando-a a nova capital. E depois de oito gerações, vale dizer uns du­ zentos anos depois da chegada de Enéias, dois de seus des, cendentes, Numitor e Amúlio, ocupavam ainda o trono do Lácio. No entanto, duas pessoas num só trono ficam aper tadas. E, assim, um dia Amúlio expulsou o irmão a fim de reinar sozinho, além de matar todos os seus filhos, menos uma: Réia Sílvia. Contudo, para que não trouxesse ao mun do um filho que cismasse, quando adulto, em vingar o avô, obrigou-a a tornar-se sacerdotisa da deusa Vesta, vale dizer, uma monja. Certo dia, Réia, que talvez desejasse muito um marido e não se resignava bem à idéia de não poder casar-se, tomava ar fresco junto à margem do rio, pois era um verão terrivel­ mente quente, e adormeceu. Por acaso, naquelas paragens es­ tava passando o deus Marte, que descia com freqüência à Terra, um pouco para fazer alguma guerrinha, que era a sua ocupação habitual, um pouco para ir atrás das moças, que era a sua paixão favorita. Viu Réia Sílvia. Apaixonou-se. E sem sequer acordá-la, engravidou-a. Amúlio, ao saber disso, ficou muito zangado. Mas não a matou. Esperou que ela desse à luz não um, mas dois menininhos gêmeos. Depois fê-los colocar sobre uma microscópi­ ca balsa, que entregou ao rio para que os levasse, ao sabor da correnteza, até o mar e ali os deixasse afogar. Mas não ha­ via consultado o vento, que aquele dia soprava com bastante força e que levou a pequena embarcação a encalhar nas areias um pouco mais adiante, em campo aberto. Ali, os dois rene­ gados, que choravam copiosamente, chamaram a atenção de uma loba, que correu a aleitá-los. E é por isso que esse ani

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mal tornou-se símbolo de Roma, a qual seria, depois, funda­ da pelos dois gêmeos. Os maliciosos dizem que aquela loba não era de fato um animal, mas uma mulher, Acca Larentia, chamada Loba de­ vido ao seu caráter selvático e às muitas infidelidades que co­ metia contra seu marido, um pobre pastor, indo fazer amor com todos os jovens das redondezas. Mas talvez isso não pas­ se de boatos. Os dois gêmeos mamaram o leite, depois passaram aos mingauzinhos, tiveram os primeiros dentes, receberam os no­ mes um de Rômulo, o outro de Remo, cresceram e, por fim, conheceram sua história. Então voltaram a Alba Longa, or­ ganizaram uma revolução, mataram Amúlio e recolocaram Numitor no trono. Em seguida, ansiosos por fazer alguma coisa nova, como todos os jovens, em vez de esperar pelo reino já pronto do avô, que certamente o teria deixado para eles, fo­ ram construir um novo, um pouco mais adiante. E escolhe­ ram o lugar no qual a balsa havia encalhado, em meio às colinas onde corre o Tibre, no ponto onde desemboca no mar. Ali, como quase sempre acontece entre irmãos, começaram a discutir sobre o nome a ser dado à cidade. Depois decidi­ ram que vencería quem visse mais pássaros. Remo, sobre o Aventino, viu seis. Rômulo, sobre o Palatino, viu 12: a cida­ de, portanto, seria chamada Roma. Jungiram dois bois bran­ cos, cavaram um sulco e construíram as muralhas, jurando matar qualquer pessoa que as ultrapassasse. Remo, malhumorado devido à derrota, disse que eram frágeis e com um chute, colocou um pedaço abaixo. Rômulo, fiel ao juramen­ to, abateu-o com um golpe de enxada. Tudo isso, dizem, aconteceu 753 anos antes do nascimento de Cristo, exatamente no dia 21 de abril, que ainda hoje é fes­ tejado como o aniversário da cidade, nascida, como se perce­ be, de um fratricídio. Seus habitantes consideraram essa data como sendo o início da história do mundo, até o advento do Redentor instaurar uma outra contagem. Talvez os outros povos vizinhos fizessem a mesma coisa: cada um datava a história do mundo a partir da fundação da própria capital — Alba Longa, Reate, Tarqüínia ou Arécio, fosse qual fosse. Mas não conseguiram fazer com que os ou­

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tros o reconhecessem porque cometeram o pequeno erro de perder a guerra, ou melhor, as guerras. Roma, no entanto, as venceu. Todas. A terra de poucos hectares que Rômulo e Remo sulcaram com o arado entre as colinas do Tibre tornouse, no espaço de poucos séculos, o centro do Lácio, depois da Itália, depois de toda a Terra então conhecida. E em toda a Terra então conhecida falou-se a sua língua, respeitaram-se suas leis e contaram-se os anos ab Urbe condita, ou seja, a partir do famoso 21 de abril de 753 a.C., início da história de Roma e de sua civilização. Sem dúvida, as coisas não se passaram exatamente assim. Mas assim é que os papais romanos quiseram, por muitos séculos, que fossem contadas a seus filhos: um pouco porque eles mes­ mos acreditavam nelas, um pouco porque, grandes patriotas, muito lisonjeava o fato de poderem mesclar deuses influen­ tes, como Vênus e Marte, e figuras ilustres, como Enéias, ao nascimento de sua Urbe. Percebiam, sem muita clareza, que era extremamente importante educar suas crianças na convic­ ção de pertencerem a uma pátria construída com o concurso de seres sobrenaturais, que certamente não teriam se presta­ do a isso se não fosse para conferir-lhe um grande destino. Isto emprestou um fundamento religioso a toda a vida de Ro­ ma, que de fato se desmoronou quando ele se perdeu. A Urbe foi caput mundi, capital do mundo, enquanto seus habitantes sabiam poucas coisas e eram bastante ingênuos em relação àquelas, legendárias, que lhes haviam ensinado seus papais e os magistrados-, enquanto tinham a convicção de serem des­ cendentes de Enéias, de terem em suas veias sangue divino e de serem “ungidos pelo Senhor”, mesmo que naquele tempo este se chamasse Júpiter. Foi quando começaram a duvidar que o Império começou a cair em pedaços e o caput mundi tornou-se uma colônia. Mas não nos precipitemos. Na bela fábula de Rômulo e Remo talvez nem tudo seja fábula. Talvez contenha algum elemento de verdade. Tente­ mos trazê-lo à tona, baseados nos poucos dados suficiente­ mente precisos que a arqueologia e a etnologia nos forneceram. Parece que trinta mil anos antes da fundação de Roma a Itália já era habitada pelo homem. Esse homem, os especia-

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