Haiti -Cultura, poder e desenvolvimento

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r Marmelo Grondin

+ As Culturas Populares no Capitalismo -- Néstor García

Canclini B Economiae Movimentos Sociais na América Latina -Diversos Autores

Colação Primeiros Passos B O que é Capitalismo -- 4#ián/o/Ue/ides Calão/

e O que é Cultura -- rosé Z.uizdos Santos e O que é Cutura Popular -- 4nfon/o 4ugusfo 4ranfes e O que é História -- Va\ryPacóeco Borgas e O que é Imperialismo-- .4/}ánlo/Ue/idesCalam/ 8 O que é Poder -- GérardLeó/un e O que é Subdesenvolvimento-- Horác/'oGonzo/ez

Colação Tudo é História

e A Afro-América -- A Escravidão no Novo Mundo Flamarion Cardoso

HAITI : cultura, poder e desenvolvimento

Cú'o

B América Central: Da Colónia à Crise Atual -- Néctar P, Brignofi

1985

CiopyrfgÀf © Marcelo Grondin Responsável editorial:

Lilia M. Schwarcz

Tradução: Beatriz A. Cannabrava Capa e ilustração:

Ettore Bottini

ÍNDICE

Revisão:

Mano Nery Elizabeth Tasiro In trodu ção

O Caribe

República Dominicana Conclusão Indicações para leitura

Editora Brasilionse S.A R. General Jardim, 160 01223 -- São Paulo -- SP Fine {011) 231-1422

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24 35 98 102

INTRODUÇÃO Nenhum branco pode sentir o que sente um ne gro. Fomos trazidos para câ como escravos'' Esta fntse de uma negra brasileira expressa. de forma concisa e brutal. a profundidade e a complexidade da relação entre cultura, poder e desenvolvimento. A presença dos negros na América é um espinho na carne dos brancos, pois essa presença perpetua a memória e. muitas vezes. a realidade

persistente

de um dos

dramas mais trágicos vividos por uma considerável parte da humanidade. E como aconteceem todos os dramas, s6 aqueles que o vivem ou viveram na prõpna carne podem senti-lo e compreendo-lo em toda a sua profundidade. O negro trazido para as plantações não somente foi separado violentamente dos elementos que forma-

vam a rede de suas relaçõesno seu país da Africa para ser transplantado a um universo diferente: ele foi trazido como escravo, situação que o negro que permaneceu na Ãfrica, embora colonizado, não co-

Marmelo Grondin

8 nheceu.

''Escravo''

e ''negro''

são termos com dois

significados diferentes que, na América, as circuns-

tâncias históricasaproximaram, até fazer com que coincidissem

(na mentalidade

colonial)

e se perpe

tuassem. E por isso que o preconceito de inferioridade e a idéia de que o negro era um ser totalmente abjeto, desprezível, ficaram finalmente grudados à sua própria pele.

Esse acontecimento, que marcou séculos de história e permitiu, em parte, a consolidação do sistema capitalista, deixou profundas raízes e marcas indeléveis no continente americano, particularmente no Caribe, região de maior concentração de população negra depois da Africa. Reconhecendo o desafio expressado pela frase inicial e respeitando os limites que o caso aconselha, este trabalho tem como finalidade analisar precisamente a cultura negra num país do Caribe, sua relação com a luta pelo poder e os condicionamentos que ela impõe aos programas de desenvolvimento.

Para qualificar a relaçãoentre cultura, poder e

desenvolvimento, foi escolhido um país da complexa

e variada região do Caribe: o Haiti, que partilha com

a RepúblicaDominicanaa ilha de São Domingos,

também chamada a Hispaniola.. A escolha deveu-se principalmente às suas características próprias, à sua história e sua trajetória, que ilustram de forma con-

.trastante o tema deste estudo.

O que é cultura? Ãs vezes, é identificada como arte ou conhecimento. Daí se diz de uma pessoa que

é ''culta''. O antropólogo A. L. Kroeber deu-se o tra-

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Haiti: Cultura. Poder e Desenvolvimento

balho do recolher definiçõesde cultura e encontrou mais de 5001 Aqui,

entenderemos

cultura

como o

conjunto integrado de formas de comportamento dos

tnembros de um grupo humano. Essas formas de

comportamento não são herdadas; são aprendidas na comunicação oral ou vivencial entre os membros, e são sujeitas a normas e valores estabelecidos pelo grupo. Tais formas de comportamento são expressão das relaçõesdos indivíduos e do grupo com a natureza (produção), com o próprio grupo (sócio-política), com a célula reprodutiva

(família)

e com o sobrena-

tural (religião, mitos, ritos). Por isso, as relaçõesde

diferentes indivíduos, dentro de um grupo humano, ajustam-se a um molde preestabelecido pelo grupo, embora evoluam juntamente com a evolução das relações mencionadas. Todos os grupos humanos estabelecem relações acerca dos diferentes fatores ou instituições que compõem a sociedade, mas se distinguem pela forma como o fazem: isso é cultura. Por esse motivo, em sociedadesdivididas em classes sociais não pode haver uma cultura comum ou uma cultura nacional, embora não sda fácil delimitar as características de cada cultura ou subcultura dessas sociedades. No Haiti, por exemplo, hâ uma diferença grande entre a cultura dos mulatos, a dos negros ricos da burguesia, a da pequena burguesia e a cultura da grande massa negra camponesa.

Não há poder sem cultura. Em um grupo humano, o mais poderosoé o membro ''culto'', aquele que conhece melhor as relações e instituições estabelecidas pelo grupo, e as normas, valores e postulados

Marmelo Grondin

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que definem o comportamentodo grupo a respeito dessas relações. Para controlar o comportamento do

grupo, é importante

controlar sua cultura

e suas ex-

pressões. Foi o caso do ditador Duvalier no Haiti. Embora fosse da burguesia negra, conhecia muito bem a cultura da massa da população negra e soube instrumentalizâ-la. Da mesma forma, o enfrentamento de grupos de interesses de uma classe para a conquista do poder -- os mulatos e a burguesia negra do Haiti,

por exemplo -- é necessariamente

vido por expressões culturais.

envol-

Desenvolvimentoé mais do que crescimento. E mudança de estruturas, ou seja, mudança dos tipos de relaçõese instituições na produção, nas classes sociais, no sistemapolítico, como foi mencionadoacima. Sendo todas essas relações imbuídas de cultura, esta poderá ser um instrumento de incentivo à mudança ou de impedimento à transformação (no ca: se dos membros de um grupo o utilizarem para proteger-se contra a infiltração alheia). Por exemplo:

a religiãovodu no Haiti foi um fator importantena luta para a abolição da escravidão e para a independência junto à metrópole. Atualmente, é um dos instrumentos conservadores face à modernização do país

O Haiti é freqüentementeconsiderado, no Ca-

ribe, como o país ''africano

por excelência''

e, na

América, o país negro, o país do vodzze da coumólfe, do tambor e do ergo/e, coberto de capas (casas típi-

cas)e animadopor costumesancestrais.Mas o Haiti

é muito mais que isso: é o país da primeira revolução

r

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

nas colónias do Sul que estabeleceu a primeira repú-

blica negra do mundo: a revoluçãode negrose escravoscontra os patrõesbrancos das plantações,o que consagrousua liberdade, sua independênciae

seu orgulho. Grande parte daqueles que lotaram por essa liberdade eram escravos nascidos na África e recém-chegados ao Haiti. Depois de conquistar sua liberdade, tiveram que continuar lutando para gozãla. Depois de quase dois séculos, a maioria de seus habitantes, camponesespobres, ainda não estão seguros de que seja deles a terra que pisam e cultivam -- uma terra que elesconquistaram --, dando a impressão de uma população que se considera ainda tanto em trânsito como em transição. Além disso, as lutas internas pelo poder e as permanentes intervenções estrangeiras de todo tipo, desde a Colónia até o presente, particularmente a francesa, a inglesa, a espanhola e a norte-americana, não permitiram a formação de uma homogeneidade compacta da população. Nem africano nem americano, profundamente caribenho, o Haiti ainda é somente

um país; não é uma nação. Essa situação de transição e de divisão se reflete nos elementos culturais da população e condiciona suas potencialidadesem relação ao desenvolvimento. O texto divide-se em três partes. A primeira, dedicada ao Caribe permite situar o Haiti nessa região,

cuja populaçãoé principalmentenegra. Ao mesmo tempo, permite mostrar como o Haiti, assim como acontece com as outras ilhas, tem uma identidade própria dentro do conjunto.

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Marmelo Grondin

A segunda parte introduz historicamente o Haiti, situando-o no seu contexto mais próximo através de uma breve descrição da República Dominicana. De fato, não se pode compreender o Haiti sem algum

conhecimentoda sua vizinha, a República Dominicana, com a qual partilha a Hispaniola. Esta vizinha

marcou profundamente a evolução política do Haiti e continua até hoje influindo em sua vida económica e em sua cultura. A terceira parte aborda aspectos da sociedade haitiana que fundamentam a cultura dos diversos setores dessa sociedade, fomentam ou facilitam as relações de poder e podem revelar-se como fatores positivos ou negativos para o verdadeiro desenvolvimento. Uma atenção particular

é dada à questão da ''negri-

tude'' e da evolução da propriedade e do uso da terra. já que estes aspectos se relacionam particularmente com as duas características que marcaram profundamente a população trazida da Âfrica: ela era escrava

Q negra .

O CARIBE A região assim denominada é mais que um mar

ou um arquipélago:é um mundo. Vinte e seteilhas

principais e quatro territórios em terra firme: trinta e dois países, colónias ou departamentos diferentes.

Embora, à primeira vista, certas característicascomuns sejam suficientes para que se considere o Caribe como um conjunto, esse conjunto é muito mais heterogéneo que homogéneo.

Características comuns O aspectocomummais evidenteno Caribe é o fato de que suas unidades,com exceçãodas três Guianas e de Benze, que estão em terra firme, são ilhas esparsasnum mar deslumbrantepor sua beleza. Essas ilhas foram habitadas originariamente por autóctones vindos do continente e conheceram um dos maiores genocídios da história, com o extermínio

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quase total de sua população em menos de cinqüenta

anos,.com exceçãode um pequenogrupo de Caribes da ilha Dominicana. O desaparecimento dessa mãode-obra gratuita obrigou os colonialistas europeus a importar mão-de-obraafricana desde o início do século XVI. Começou, então, no Caribe, o fenómeno da escravidão, que transformaria o Caribe atual numa das maiores, senão a maior, concentrações negras depois da Africa.

As ilhas do Caribe têm também em comum o fato de haverem sido colonizadas pelo sistema de plantações, embora fossem de diversos tipos. Os escravos africanos além de não terem controle sobre a produção e sobre a distribuição dos ingressos, sequer tinham direito sobre si mesmos. Essa experiência comum das ilhas -- o sistema de plantaçõescom o trabalho dos escravos -- juntamente com o fato de haverem permanecido como colónias até o século XX (com raras exceções, como o Haiti, a República Dominicana e, até certo ponto, Cuba), é, em diferentes graus, a fonte estrutural mais profunda de comunidade entre os habitantes das ilhas da região. Entretanto, essa fonte comum não supera as diferenças e não chega, necessariamente,ao nível ideológico ou emocional, como uma força suficiente para conseguir organizar o Caribe numa comunidade económica ou política.

Trabalhadores dos campos e das manufaturas, retirados de suas terras e deslocados para outras, que nunca seriam suas, os escravos eram despojados de sua própria pessoa, dos meios de produção que utili-

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

zavam e do produto que saía de suas mãos para alimentar o consumo das metrópoles, que eles desconheciam. Sistematicamentelimitados em sua possibilidade de comunicação -- o sistema misturava escravos oriundos de várias tribos --, os africanos tiveram que esquecer sua forma de produção, seus costu-

mes, sua língua, sua religião e sua música, e moldar o créoZede sua ilha, língua franca do lugar para os negros; o vodu, no Haiti, religião franca dos negros; o tambor, instrumentomusicalfranco para os negros entre as ilhas. É importante salientar que a presença dos africanos escravos nas plantaçõesera limitada unicamente à produção dentro dos limites do território de seu dono, sem nenhuma participação na dinâmica da estrutura sócio-económicae política da Colónia, da qual eram sistematicamente afastados. Essa política explica, em grande parte, a impossibilidade da formação de uma identidade nacional, enquanto sentimento de pertencer a uma nação-Estado considerada comosua e na participação de um prometo comum, de um corpo de valores e de comportamentosque servissem para unir os componentes de uma sociedade, apesar das diferenças económicas, sociais e políticas. Despojados de tudo quanto era seu pelo europeu colonialistae escravjsta, o africano ou seus descendentes, homogeneizadoscomo negros pelos brancos, apegaram-seà sua cor, pois dela não podiam ser despojados e a transformaram, em diferentes graus, no elemento unificador diante de seus exploradores, homogeneizados por eles como brancos .

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Marceto Grondin

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Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

Assim é que, nas Antilhas, as sociedadestive-

ram uma tendência a se estratificarem em duas grandes classes sócio-económicas: uma classe de plantadores e comerciantes dominantes, e uma população escravaou, mais tarde, proletária, subordinada, distinguida e apoiada pela cor (com reservas para Cuba, República Dominicana e Porto Rico). A luta entre essasduas classes resultou no confronto entre negros e brancos

(tendo,

estes últimos,

os mulatos

como

aliados), ou entre mulatos e negros, como no caso do Haiti.

Características diferentes As diferenças consideráveis entre as ilhas superam suas característicascomuns e definem não só a especificidadede cada uma delas, mas também sua estrutura e sua vida concreta. O Caribe, como unidade sócio-económica,política e mesmo geográfica não existe: o que existe são .[es Caraíbes (As Caraíbas) ou ''Tàe Carzbbean /x/amas'' (As Ilhas Caribe-

+

nhas). Geograficamente, as ilhas do Caribe se dividem em dois grandes grupos: Grandes Antilhas e Pequenas Antilhas. As primeiras agrupam quatro ilhas vizinhas (5 países) e têm extensões(lue variam entre 8897 km: (Porto Rico) e 114524 km: (Cuba),

e po-

pulações que vão de 2,2 milhões de habitantes (Jamaica) a l0,5 milhões de habitantes (Cuba).

As Pe-

quenas Antilhas são 23 ilhas espalhadasque variam

O Caribe é mais que um conjuntode ilhas, é um con junto de ilhas isoladas umas das outras.

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Mlarcelo Grondin

em extensão entre 1 779 km! (Guadalupe e dependências) e 52 km' (St. John), e têm populações que

variam entre 1000 habitantes(St. John) e 350 mil habitantes

(Martinica).

Trinidad

& Tobago

consti-

tuem uma exceção: 5 128 kmz e um milhão de habitantes. Várias ilhas com populações inferiores a cem mil habitantes, como Dominica, já são países independentes. O Caribe é mais que um conjunto de ilhas, é um conjunto de ilhas üo/abas umas das outras. Desde o início da Colónia, o ritmo das comunicações entre as ilhas, já separadas por um mar de navegação difícil, esteve na dependência do sistema administrativo das metrópoles e das guerras travadas entre elas, de suas necessidades económicas e mercantis, do contrabando e da pirataria legendária que fez do Caribe seu mar predileto. Além disso,. tais comunicações entre as ilhas se davam quase unicamente entre as classes dominantes e administrativas e não entre os escravos, trabalhadores das plantações ou pequenos produtores rurais que formavam a massa da população. Essa falta de comunicaçãoainda acontecç. Na atua[idade, é mais fácil viajar entre Canadâ, Estados ].Jnidos, Europa, América do Sul, América Central e as ilhas do Caribe que entre as próprias ilhas. As limitações da comunicação vertical com a metrópole, preferida à comunicação horizontal entre as ilhas,

influíram consideravelmenteno fortalecimento do seu caráter individualista.

As ilhas do Caribe são muito diferentesumas

das outras, tanto étnica e racialmente como cu/feira/-

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Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

mente (no sentido estrito da palavra). Os africanos que chegavam às colónias procediam de sociedades e raças totalmente diversas. Jâ nas cidades portuárias da Ãfrica os escravos eram repartidos e misturados de acordo com as limitações

habitacionais

(muitas

vezes clandestinas) e com as exigências mercantis. O controle inglês sobre a venda de escravos durante o século XVlll

acrescentou

mais um intermediário

e

introduziu uma nova etapa de repartição da mercadoria humana. Além disso, os navios negreiros não vendiamtoda sua carga numa mesma ilha (talvez tenha sido o caso do Haiti entre 17M e 1790). lam de ilha em ilha alimentandoos mercados com escravos trazidos da Ãfrica. Eram barcos de contrabando de escravos, muito numerosos nessa época. E havia tam-

bém os casos de revenda, quando os escravos eram levados de um lugar a outro de uma mesma ilha, ou de uma ilha para outra. Os proprietáriose compradores de escravos procuravam se abastecer o menos possívelde indivíduos oriundos do mesmo grupo étnico e não os colocavamjuntos numa mesma plantação. Assim, evitavamqualquer tipo de resistência ou insurreição. A desarticulação sistemática dos grupos étnicos impediu a difusão de um conjunto ou de conjuntos uniformes e integrais de organização, crenças, costumes, línguas ou outras expressões culturais. Embora vários elementos culturais específicos atuais procedam, à luz de toda evidência, de certas regiõesprecisas da Ãfrica, seria muito difícil atribuir uma parte significativa da cultura de qualquer ilha do Caribe exclusivamentea um determinado grupo

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étnico definido da Âfrica. A separação da formação social própria e a desarticulação sistemática dos grupos de escravos significou um genocídio cultural. Afastados dos níveis de decisão nos setores sócio-económicos e políticos, os escravos procuraram reorganizar-se societariamente dentro dos limites permitidos pelo sistema de plantações e reagruparam alguns de seus tão diversos elementos

''culturais''

em ex-

pressões ecléticas, mas ordenadas, de dança, música e religião. Assim, como dissemos anteriormente, a cor da pele serviu também como elemento homogeneizante. Entretanto, mesmo nesse aspecto, apareceram muitas

diversidadesi

pois, originariamente,

mestiçagem

entre eles, com os brancos

os

escravos tinham a tez de matizes muito diferentes. A variedade de cores foi acentuada posteriormente pela ou com os

asiáticos.Embora a populaçãode certas ilhas seja considerada mais ou menos negra que outras, dentro de uma mesma ilha as diferenças são também muito grandes e dão lugar a discriminações internas muito r fortes

Ê importantenotar que outros grupos raciais

importantes formaram parte da população do Caribe e colaboraram para o aumento das diversidades étnicas. Além

dos colonizadores

''oficiais'',

brancos,

aprovados pelas autoridades das metrópoles, que tomaram parte, juntamente com seus descendentes, na mestiçagem, vieram também contingentes importantes de ''voluntários''

europeus para cumprir

con-

tratos de trabalho firmados livremente ou impostos como penas compensatórias de delitos legais. Du-

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

unte a Colónia vieram também importantes grupos das Canárias para as colónias espanholas.Mas foi depoisda aboliçãoda escravatura,entre 1840e 1940 que se deram as mais significativasmigrações'não africanas para o Caribe (e também as mais importantesmigraçõesinternas). Dentro da região, grupos consideráveis de negros dos Estados Unidos emigraram para várias ilhas; uns 250 mil jamaicanos e haitianos foram para Cuba entre 1912 e 1924 e outros haitianos foram para a República Dominicana, Guadalupee Martinica; grupos das Ilhas Virgens emigraram para a República Dominicana. Entretanto, as migrações maciças mais significativas vieram do Oriente. Calcula-se que, durante o período de 1840 a 1940,135 mil chinesese 500 mil indianos emigraram para o Caribe, particularmente para as Peque-

nas Antilhas e para as Guianas. Outros vieram da Indochina, Java e de países árabes. Essas migrações

tiveram influências muito diversas. Ãs vezes ocasionaram o fechamento introvertido dos grupos raciais e

conflitosmais ou menosconsideráveis,como na

Guiana, ou deram lugar a uma nova mestiçagem que diluiu ainda mais as características sobreviventes da cultura africana. A história de cada ilha do Caribe é muito particular. O controle absoluto da Espanha sobre o Caribe durou apenas algumas décadas. A chegada, no século XVI, de outras grandes potências europeias: França, Holanda, Inglaterra, e posteriormente, dos Estados Unidos da América do Norte, ocasionouuma colonizaçãomuito diversificada. Cada uma das me-

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trópoles deixou marcas profundas em suas colónias, de acordo com o tipo de administração e exploração, com a duração da colónia e com as formas de emancipação e independência. Daí derivam os nomes Antilhas Espanholas, Antilhas Francesas, Antilhas Inglesas, Antílhas Holandesas, onde a língua oficial, a mesma da metrópole, é símbolo da influência cul-

tural transmitida. Embora as ilhas do Caribe tenham em comum o fato de haverem sido colonizadas de início como terras de cana-de-açúcar -- depois da decepção do ouro -- tanto seus produtos principais como suas formas de produção foram variando de acordo com as necessidades dos proprietários e das correntes mercantis da época. Atualmente, algumas ilhas se especializam

na produção de açúcar (Cuba, República Dominicana) ou de café (República Dominicana, Haiti) ou no turismo (Barbados).

Na maioria das ilhas, depois

do sistema colonial, escravista e mercantil, imperou o sistema de produção capitalista de tipo mercantil, estruturado basicamente em torno de uma classe minoritária de grandes proprietários, comerciantes, industriais, e uma classe majoritâria de pequenos produtores rurais, operários agrícolas, industriais e diaristas.

Politicamente,as ilhas do Caribe conheceram uma evolução muito diferente. Enquanto algumas conquistaram sua independênciapor iniciativa própria e a mantiveram (Haiti, República Dominica), outras tornaram

a sofrer o jugo colonial (Cuba,

Porto

Rico), ou se libertaram depois definitivamente dele

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

(Cuba). Muitas outras conseguiram sua independên-

cia de forma não violenta, pela pressão exercida internamente na colónia e por concessão da metrópole.

Finalmente, outras ilhas continuam ainda como colónias ou partes integrantes da metrópole, como Guadalupe e Martinica. As sociedades do Caribe apresentam características diferentes: cada ilha é única em sua identidade. Embora certas semelhanças possam permitir alguma

comparação, as diferenças definem as especificidades e particularidades que expressam as estruturas próprias. Por outro lado, a descriçãodas semelhançase diferenças permitem ver que, por força das circunstâncias que viveram, os africanos trazidos a este continente tiveram que reorganizar-se completamente, societariamente, em formações diferentes e integrando alguns elementos remanescentes da Ãfrica ou

tomados dos donos europeus. Assim, pode-se dizer que, por terem nascido societariamentena América, as sociedadesdo Caribe são africanas apenas superficialmente,e, estruturalmente, estão entre as mais genuinamente americanas.

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Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvinteltto

Redução da população indígena da ilha (1493- 1529)

REPUBLICA DOMINICANA Como dissemos na introdução, a abordagem da relação entre cultura, poder e desenvolvimentono HaKI supõe um certo conhecimento da evolução histórica da colónia que foi a Hispaniola e a importância da inter-relação entre dois países que a constituem.

Colonização e povoamento Com uma extensãode 48,734 km: , a República Dominicana (6 milhões de habitantes) ocupa os dois terços da ilha.

Em 1492, quando Cristóvão Colombo desem-

barcou, encontravam-se ali entre 300 e 500 mil habitantes autóctones. (Alguns autores sustentam que a população era de até sete milhões de habitantes.) Submetidos a um regime de escravidão disfarçada para procura do ouro, e vítimas de maus tratos e de

Evolução da produção aurífera

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Marceio Grondin

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Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

epidemias ocasionadas por enfermidades européias, os chamados ''índios'' foram rapidamente dizimados até sua destruição tota]. Em 1510restavam 50 mi] índios; eram 15 mil em 1520e 5 mil em 1530. Alguns levantes violentos como o de Enriquillo, em 1519, não obtiveram êxito contra o poder dos espanhóis. No censo de 1604, os índios já não são mais mencionados, restando deles apenas algumas recordações culturais: peças arqueológicas, cerâmicas, instrumentos musicais. Na medida em que diminuía a população indígena, os espanhóis começaram a trazer escravos africanos para substituir a mão-de-obra local, particularmente para o cultivo da cana-de-açúcar, que subs-

No séc XVll, a colónia espanhola conheceria uma decadência progressiva. Enquanto isso, os franceses passavam a ocupar.efetivamente a parte oeste da ilha, abandonada pelos espanhóis, e avançavam continuamente em direção ao leste, ocupando novas terras. Durante mais de um século, as relações entre os colonos espanhóis e os novos colonos franceses alternavam-seentre o comércio recíproco e conflitos armados. A presença dos franceses e o rápido desenvolvimento económico de sua colónia, principalmente

ração havia fracassado). Com a descoberta do ouro e

tado de miséria em que viveram durante o século XVll, apesar de ficarem muito aquém da grande prosperidade e do impressionantepoder económico

tituiu gradativamente

a procura do ouro (cuja explo-

da prata no México e nos Andes em meadosdo século XVI, e a ascensãode Cuba como posto central de administração no Caribe, os espanhóis desativaram parcialmente a colonização da Hispaniola, abandonando inclusive a região oeste da ilha, atual Haiti, e reduzindo praticamente sua colónia a um posto de abastecimento, especializado na produção de couro e de produtos alimentícios. Esse abandono relativo da

colonizaçãoda ilha, a substituiçãoda produção de cana-de-açúcar, que exige grandes contingentesde mão-de-obra, pela pecuária, que exigia pouco pessoal, e a pouca produção de alimentos, influíram consideravelmentesobre o povoamento. Depois de

uma etapa de importação maciça de escravos, o processo reduziu-se, a partir de meados do século XVI.

atravésda produçãode açúcar, comentaramo comércio de gado e couro por parte da colónia espanhola, especializada nessa produção. Esse comércio permitiu aos habitantes de São Domingos sair do es-

da co16niafrancesa. Além disso, a população do Haiti era. no final do século XVlll, seis vezes maior do que a população da colónia espanhola: 500 000 vs. 80 000.

República Dominicana

e Haiti

Em 1795a colónia espanhola foi cedida à França como consequência da derrota militar da Espanha na guerra europeia. Isto marcou o início de cinqüenta anos de conflitos entre Haiti e a colónia espanhola, cujos habitantes, na sua maioria, se negaram a aceitar o novo domínio.

Marreta Grondin

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Depois de obter sua independência, em 1804,e na qualidade de substituto da autoridade política francesa, a nova república do Haiti passou a lutar pelo controle de toda a ilha cedida anteriormente pela Espinha à França. l.Jmaprimeira ocupação, que durou somente dois anos (1804-1805),foi seguida por uma ocupação prolongada de vinte e dois anos (18221844), através da qual Haiti procurava extrair fundos para pagar a a].ta indenização de guerra exigida pela

França. Vale a pena ressaltar que este pagamento era forçado pelo bloqueioeconómicoimposto pela ex-metrópole, e apoiado pelas potências européias e pelcpsEstados Unidos.

As freqüentes violências cometidas durante esses

períodose o fato de terem sido conquistados por exescravos negros deixaram na população dominicana um sentimento de medo mesclado de desprezo em relação ao haitiano. Com o fortalecimento da República Dominicana durante o último século, o medo em relação ao Haiti foi desaparecendo; o desprezo ficou

Em 1844, a República Dominicana proclamou sua independência, vencendoa guerra de libertação

contrao Haiti. A partir de então, ao mesmotempo que o Haiti, arruinado pela guerra de independência, desorganizado pelas exigências da metrópole, e enfraquecido pelo bloqueio económico externo e pelas lutas internas pelo poder, conhecia um século e meio

de decadência, a República Dominicana conhecia uma crescenteexplosão demográfica. O número de seushabitantes superou a população haitiana e o país

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

cresceu economicamente -- o que se deveu, em grande parte, às interversões americanas e cubanas na indústria do açúcar, desde a década de 1870. Desde o final do século passado, são os haitianos

que vão à República Dominicana para o corte da cana-de-açúcar, atravessandoa fronteira freqüentementede forma clandestina,em busca de uma renda que lhes permita sobreviver. Com o governo Duvalier, foi sistematizada a importação estacional de aproximadamente 15000 cortadores de cana ao ano, pelos quais o governo do Haiti recebe uma soma em dinheiro (aproximadamente

USS 65,00 por cabeça),

e cujas condições de trabalho e de vida na República Dominicana foram denunciadas como de escravidão pela Sociedade Mundial de Luta contra a Escravidão perante as Nações Unidas.

Cor e cultura Na colónia espanhola, a mestiçagem entre europeus e africanos começou já no século XVI. Pode-se

estimar, como média, uma relação de cinco negros para cada branco ou mulatodurante aquele século. A partir de 1570, o número de mulatos vai aumentando. Essa mudança foi ocasionada, não apenas pela mestiçagem, mas pela morte, nas epidemias de

1666e 1669,de cerca de dois mil escravos negros, a maioria dos que restavam. Por outro lado, a situação

financeira extremamente precária da população branca ou mulata, obrigou a diminuir consideravel-

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híarcelo Grondin

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Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

mente a compra de novos escravos. No século XVll, a população passa a ser mulata em sua maioria. A importante migração de 4 000 canarinos no século XVlll

também contribuiu

para di-

luir mais o elementogenético africano. Em 1805,

quando houve a primeira declaração de abolição da escravatura na parte espanhola da ilha, apenas 20%o da população era formada por escravos. Pelo fato de serem minoria desprovida de poder económico e político, os negros teriam cada vez mais dificuldade de manter vivos os elementosculturais de sua origem. Além disso, as formas de produção próprias da colónia espanhola, desde meados do século XVI até o séculoXVlll, e as circunstâncias históricas nas quais se realizou a. defesa do território contra inimigos comuns, lavaram brancos, mulatos e negros a conviverem e lutarem juntos em momentos importantes para a sobrevivência da sociedade. Esses fenómenos fizeram com que a mestiçagem transcendesse o aspecto biológico para desembocar numa mestiçagem cultural, base da formação da nacionalidade dominicana, onde os elementos hispânicos e africanos iam-se transformando para dar lugar a novas características culturais, apagando gradativamenteos traços do legado cultural africano; e impediram a criação de certos mecanismos próprios de sobrevivência e de poder negro, como, por exemplo, uma língua, uma religião

ou uma música própria; Assim, todos os dominicanos falam espanhol, são católicos ou protestantes e dançam o merePzgzzee o mck.

Na República Dominicana não hâ heróis negros.

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Marceio Grondin

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Os ''pais da pátria'' são brancos. O negro, para o

dominicano, é o haitiano, o ex-escravo, o imigrante cortador de cana. ''Dominicano não corta cana'', dizem com desprezo.

O problemada cor é muito diferentedo Haiti e

se situa em dois níveis: uma afirmação de identidade por oposição e outra por imposição. O dominicano

de cor escura, embora descendentede haitiano, se afirma como estritamente dominicano, não aceita referência ao ''africano''.

Seu rechaço

ao negro res-

ponde ao seu desejo de evitar que o identifiquem como ex-escravo. O dominicano personifica essa rejeição ao negro, africano, ex-escravo, na pessoa do haitiano. Por outro lado. a minoria ''branca'' da elite, pretendedescobrir, no encontro dos espanhóis

com os índiosorigináriosda ilha, o elementomais importanteda mestiçagematual, para assim mini, mizar a importância da contribuição africana. Daí procedea importância atribuída à população autóc-

tone exterminada pelos espanhóis e ao chefe indígena rebelde Enriquillo, morto eln 1519; a colocação de estátuas ao ''índio desconhecido'' em varias partes do

território; a importância dada às pesquisas arqueológicas e às peças exibidas no Museu do Homem, em São Domingos.

A RepúblicaDominicana, nascida no século

XIX, quer ser geneticamentee culturalmente mestiça e não mulata. Além disso, toda a sua elite ''branca'' , desejando apagar os vestígios da coittribuição africana, chega mesmo a proclamar ''os direitos da República Dominicana a subsistir como povo espa-

liaiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento nhol'' (Discurso 5 1975)

do presidente

Joaquim

33

Balaguer,

Seu sistema colonial de produção, a presença de escravos negros desde o século XVI, mas em número muito menor e em condições de vida mais ''paterna-

listas'', deram ao país conotaçõesparticulares e uma população predominantemente branca e mulata. Não houve uma revolução ''negra'' na República Dominicana similar àquela do Haiti. As guerras de independência foram dirigidas por chefes brancos e mulatos claros com ascendência espanhola, apoiados por seus escravos.Todos se consideravamem terra própria e lutavam por ela. Por outro lado, pode-se

afirmar que o dominicano definiu, em parte, sua personalidade em oposição ao haitiano e ao africano. A República Dominicana é um dos poucos países onde as pessoas negras ou mulatas preferem considerar-se

írzd/ase não /negras.O povo dominicanoé um povo

arraigado e americano, pouco disposto a recordar e a retornar a seus elementosafricanos. Sua trajetória Ihe permitiu construir uma identidade própria e uma nação com alto sentido de autonomia -- porém sem eliminar as subculturas -- cuja comunidade de língua -- o espanhol -- a aproxima de vários países da

América. Tão próximose tão distantesao mesmo tempo, o Haiti e a República Dominicana ilustram bem a grande diversidadedos países do Caribe e as profundas variantes da sua vertente cultural.

Conquistada pelo poderoso Haiti no século passado, a República Dominicana superou-o durante os últimos quarenta anos e já começa a se impor pe-

34

Marcelo Gronditt

unte o país vizinho, tanto do ponto de vista económico quanto cultural. Hoje, muitos haitianos cortadores de cana e outros, além dos 50e000 haitianos que moram na República Dominical-a, já começam a se olhar atr«vés dos olhos desse novo explorador, invejando seu bem-estar económico e, n?o p(nucasve-

zes, a cor clara dz. .;ua pele. Muitos invejam também a luta d?mocrâtica de grande parte da população dominicana, que conseguiu libertar-se da ditadura de Trujillp e de Balaguer.

HAITI Povoamento O povoa'mento da parte da ilha correspondente ao Haiti de hoje teve uma trajetória completamente

opostaà da República Dominicana: a proporçãode habitantes negros foi aumentando gradualmente até a independência, em 1804. Hoje 90%odos seus cinco milhões e meio de habitantes são negro' O abandono da parte oeste da ilha por parte das

autoridadesespanholasno final do séculoXVI dei-

xou um vazio que foi aproveitado por alguns franceses a partir da primeira metade do século XVII. A crescente demanda de açúcar que começou a se manifestar a partir de então e, por outro lado, a licença concedida pela Espanha à Inglaterra, pelo Tratado de Utrecht, em 1713, para vender 144000 escravos em 30 anos, acentuaram o povoamentode São Domingos. De 13 500 habitantes em 1700, a população passou a 500000 em 1790. Entre 1700 e 1760, a ven-

HI

Marceto Grondin

36

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

37

da de africanostrouxe3000 escravospor .ano; de

1760 a 1780, 4000 por ano; de 1780 a 1790, 20000 por ano (Anglade, 1975). Esses contingentes sucessivos de escravosprovinham de populaçõese culturas

população total J

diversasda África Equatorial: Congos,lbos, Fans, Quincos, Daomeus, Kaplaou, Mandingas, Moundongos, Arados, Senegaleses, etc. Essa importação de quase 500 mil escravos em menos de cem anos, dos

quais a metade, ou soja, aproximadamente 240 mil foram trazidos nos 20 anos anteriores à independência, teve repercussões importantes no destino da ilha. Em 1789, quando aconteceu a revolução na me-

trópolesfrancesa, a colónia de Salnf-Z)omlngzzecontava com 427293 escravos negros, ou seja, 88%oda população, contra 35043 brancos (7,2%) e 23288 mulatos e negros livres (4,3%o). Entretanto, as estatísticas revelam outro fenómeno importante. Considerando-se,por um lado, que no sistemaescravista de .Salnf-l)omlngzzea taxa de mortalidade era mais elevada que a de natalidade e, por outro lado, que 200 mil escravoshaviam sido trazidos nos dez anos anteriores

à independência

(280 000 nos trinta

últi-

mos anos) pode-se deduzir que uma parte considerável, talvez a maioria dos escravos presentes no Haiti naquela época, havia nascido na Africa. A pergunta que fica é: como pôde ser tão grande o poder de mistura, de desarticulação e de trituração do sistema escravista, a ponto de conseguir fazer com que essas populações trazidas maciçamente da Ãfrica tenham perdido, em poucos anos, toda a sua identidade étnica? E isso sucedeu em tal grau que mesmo

B

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1710 17201730 174017S0 17601770 1780 1790

Anos

A população de São Domingos DE 168 À L789 1700 2 i021 32

m

6a8 l loo

%

1713

%

1715

%

9 0821 66 4 0971 30 4401 4

24 lsól 78 l 30 6491 79 5+zol i8,sl 6 ó341 i7. 9 1 404

3 6191100

.oo l 38 óa71 loo

1717 37

%

1720

80 l 51 7,21 8

%

427 293 l 88

35 0431 7.2 23 2881 4,3

38

Marceto

depois da independência

(1804),

os grupos

Gro. .din

étnicos

não puderam se refazer, e não mantiveram as línguas puramente africanas nem ao nível de /acozz(ãabífaf) das grandes famílias nem como contribuição significativa para a língua crio/e . Por outro lado, a população branca e, até certo ponto, a mulata, foi vítima de seus próprios desejos de enriquecimento. Ao contrario do fenómeno ocor-

rido na República Dominicana, os grandesplantadores e comerciantes brancos do Haiti não quiseram nem puderam absorver e integrar societária e culturalmente a migração maciça desses 50 anos. A revanche dos africanos recentemente escravizados ou dos

filhosde africanosmanifestou-se com a Guerra da

Independência: arrasaram e eliminaram os brancos da ilha, conseguindo a primeira revolução e independência das colónias do sul e estabelecendo a primeira república negra do mundo.

Classes sociais, cor e cultura A abolição da escravatura, em 1794,permitiu a estruturação e a solidificação do setor privilegiado dos negros libertos, entre eles aqueles que ocupavam altos postos no exército de libertação de Toussaint Louverture, ex-escravo cocheiro que, naquele momento, era chefe das forças armadas da independên-

cia. O controledo poder militar permitiu-lheso acesso ao poder político e, rapidamente, ao poder económico. Depois do exílio ou do extermíniodos colonia-

39

laiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

listasbrancos, os negros privilegiados: bem como os mulatos, substituíram-nos, convertendo-se em grandes proprietários de terra ou gerentes de plantações. Havia nascido o setor dos aros êp (os economicamentepoderosos) da nova oligarquia. Enquanto isso, 90%oda população, formad.. por negroscamponesas pobres e alguns artesãos, participantes da Guerra da Independência como soldados

rasos, foram obrigados, durante muitos anos, a trabalhar a terra para os novos donos do país, num regime de quase escravidão. Foi num ritmo muito lento que puderam'lchegar a ter a posse de um pedacinho de terra própria. Continuam, até hoje, explorados economicamente e marginalizados politicamente, sendo que, em 60% dos casos, possuem menos de um terço de hectare. Embora o setor da pequena burguesia tenha conhecido um crescimento-significativo

dur:nte

os úl-

timos 20 anos, a polarização da população ainda se dá em torno d,l três blocos principais: os mulatos, os negros ricos (apoiados pela pequena burguesia) e a massa da população rural (80%o da população total) formada por camponesespobres. Esses três grupos diferem profundamente nas c lracterísticas mais importantes: renda, ocupação, habitação, instrução, língua, religião, organização familiar. Entretanto, os mulatos e a elite negra compartilham muitas dessas características, numa evidente oposição às massas camponesas. O vocabulário haitiano expressa bem essa realidade quando faz distinção entre o mundo dos camponeses, chamado de /'arriêre-paus (país de

Marcelo Grondi}

laiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

trás, outro país) e o mundo da elite. Para essa elite. a capital, Port-au-Prince, e os poucos centros urbanos são ''o país''

O poder económico e o controle do poder político foram sempre fundamentais, no Haiti, para distinguir as classes sociais. Um ditado popular haitiano expressa bem essa realidade: ''Nêg rich sé mulat,

mulat póv sé nêg'' (negro rico é mulato, mulato pobreé negro). Embora, por seu lado, o mulato pobre se negue a ser considerado ''negro'', o poder económico serve também para marcar a diferença de classe entre os negros: o negro rico é ''gros nég'' (poderoso) e o negro pobre é ''ti nég'' (''negrinho''). Entretanto, desde as lutas da independência até os dias de hoje, a cor da pele sempre foi utilizada pelos dois setores da elite para marcar suas diferenças e definir suas lutas, bem como para promover, ocasionalmente, alianças intercores em busca do poder económico e da dominação política. Essa oposição manifestou-se particu-

larmentena luta pelo controle do governo: os mulatos acham que devemgovernar os mais capazes --

isto é, eles mesmos -- e os negros ricos objetam que o governo deve ser da maioria, representada por eles.

Embora nenhum dos dois setorestenha governado sem algum tipo de aliança com partes do outro setor,

o enfrentamentoe a luta interna foram sempre evidentes.

Desde as lutas pela independência, sucederam-

se no Haiti mais de 30 chefes de Estado, alternando-

se, com uma quasecompleta regularidade, os representantesde cada setor. O primeiro governador ne-

Toussaitt l Lou verture

Marcelo Grondin

42

jíaiti: Cultura. Poder e Desenvolvimento

gro, Toussaint Louverture (1791-1802) foi comba-

A dinastia Duvalier

1800); o ex-escravo J. J. Dessalines, fundador da l:epública, foi combatido e substituído pelo mulato Petion (1806-1820), responsável, em parte, pela morte

No Haiti, hâ quase três décadas impera a dinastia Duvalier. Uma breve descrição dessa família e da

tido, sem êxito, pelo general Rigaud, mulato (1797-

do rei Henri Christophe

(1806-1820),

ex-escravo ne-

gro'que reinava na parte norte da ilha. A ascensão ao poder do mulato Boyer (1820-1843)

marcou,

junta-

mente com a presidência de Petion, t, maior período

de dominaçãomulata: 37 anos. Depois da guerra com a República Dominicana (1844-1846)sobe ao poder o presidente negro Soulouque (1847-1855), que estabelece uma política ''negrista'' apoiada pela mas-

sa negra e por um corpo de polícia paralela, os Zinglins, precursoresdos Tontons-Macoutesde Duvalier. Ao presidente Soulouque sucederam os presidentes mulatos Greffard (1859- 1867) e Salnave ( 1867-

1869) e, depois de alguns anos de instabilidade e de alianças, surge o presidente negro Salomon (18791888). Depois dos anos instáveis do fim do século passado e do começo deste século, seguidos pela inva-

são e intervençãonorte-americana(1915-1934)surgeih'-ospresidentes mulatos Vincent (1940-1ç141)e Lescot, francófilo (1941-1945), seguidos pelos presidentes negros Estimé (1945-1950), Magloire (1950-

1956) favorável aos mulatos e a dinastia Duvalier

( 1957). O casamento do presidente Jean-Claude Duvalier com a filha de um dos principais membros da elite mulata faz prever a retomada do poder polí-

tico pelo setor mulato e o fim dos 40 anos de poder negro.

43

sua forma de governar permitirá ilustrar a relação entre cultura, poder e subdesenvolvimento, a importância da cor da pele para a formação de grupos de poder., e a instrumentalização da. cultura popular para o controle das massas e a legitimação do poder. Aqui aparece uma diferença marcante entre o ''papa Doc'', um mestremanipuladorda cultura, e st,u filho, que.busca em outros fatoies o apoio para a manutenção da sua ditadura.

'Papo Doc

Ao contrario de uma opinião muito corrente, o presidenteJean François Duvalier era um profissional de alta cultura intelectual, como é costume entre as pessoas da elite haitiana, formadas nas melhores instituições estrangeiras. Depois de terminal seus es-

tudos de medicina na Universidade d'Etat de Portau-Prince -- cujos títulos são automaticamente reco-

nhecidos pela Sorbonne de Paras -: Duvalier especializou-seem sociologia na própria Sorbonne, onde reforçou suas relações com os membros do movimento da ''negritude'' , particularmente com Leopold Senghor, que seria presidente do Senegal. De volta ao Haiti, surgiu como um dos principais mentores do movimento negro, pregando a volta às fontes culturais

iti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

44

africanas, a defesa dos interesses da classe majoritãria e a aliança com o setor mulato, mas sob a hegemonia negra. Seu programa político era apoiado em estudos da realidade haitiana, publicados em vários livros de sua autoria. Como empregado da Missão ''técnico-

medical'' da Embaixada norte-americana e como Ministro da Saúde. l)uvalier realizou importantes obras na zona rural, onde se diz que introduziu o uso da pe-

Nêg rica sé mulas, mulat póu sé nêg. +

nicilina, com efeitosextraordinários.Essas obras.

juntamente com sua ideologia populista e sua política da ''negritude'',

aumentaram

do culto vodu.

Perseguidos

sua popularidade

e Ihe

valeram a admiração das massas populares, que passaram a chama-lo de ''papa Doc'' (papal Doutor). Durante longos anos, François Duvalier preparou sua ascensão ao poder. A oportunidade apresentou-se em 1957. O setor mulato, dirigido por Louis Dejoie, ameaçava retomar o poder. Para vencer as eleições,Duvalier fez uma aliança com uma parte do exército e também aliou-se aos &ouPzgans,sacerdotes ferozmente .durante

40

anos, desdeos invasoresamericanos até os governos mulatosanteriores,e pela Igreja Católica, os ãotzngaPzssentiam seu culto e seus benefícios seriamente ameaçados. De acordo com testemunhas confiâveis, e também segundo a crença popular, Duvalier firmouum pacto com os #oungans, no qual se comprometia a suspender as perseguições, no caso de ascender à presidência, em troca do apoio dos sacerdotes vodus. Posteriormente,

Duvalier

foi considerado

o

Primeiro Houngan e tinha a fama, entre o povo, de possuir a capacidade de ver à distância qualquer ci-

+ Negro rico é mulato. mulato pobre é negro

45

Marcelo Grondi.

46

dadão em todo o território nado.ial. Claro que sua polícia o ajudava a ter essa boa visão! mais de um adversário político foi captado assim pelo olho do todo-poderoso ditador. Desde a construção do canal do Panamâ ( 1904),

o Haiti adquiriu uma importância estratégica particular para os Estados Unidos. Um dos objetivos da invasão americana

e df ocupação do país (1915-1934)

era precisamente assegurar o controle da linha marítima que conduzia ao canal -- o que foi feito com a eliminação das forças rebeldes e através do apoio aos governos submissos ao seu poder hegemónico. O fortalecimento da revolução cubana e seu efeito de demonstração no Caribe, ameaçando o controle norte-americano sobre a região, tendo ainda o apoio da URSS -- considerado como uma infraç=o da doutrina Monroe (''América para os americano-'') --, le-

varam os Estados Unir-,s ao rompimento de relações

com Cuba e à intensificaçãode sua vigilância sobre os países da América Central. No processo eleitoral haitiano de 1957, o mulato Dejoie, e não Duvalier, era o candidato preferido do governo no''te-americano, porque apresentava maiores garantias de continuidade das estruturas e convénios estabelecidos por este desde a ocupação militar de 1915. Mas o estabelecimento do governo ditatorial e populista de Duvalier satisfez plenamente o governo norte-americano,principalmente nos anos seguintes, quando o impacto da revolução cubana representava um perigo para seu controle sobre a região. A não ser durante o período Kennedy, os Esta-

Cultura, Poder e Desenvolvimento

dos Unidos deram pleno apoio financeiro e militar ao

dita(IAor.teria de Duvalier sobre o candidato mulato Deloie e sobre o candidato negro Fignolé, da corrente trabalhista, provocou a reação desses bois setores: o ofiprimeiro apoiado por uma parte importante dos dais do exército, e o segundo pelo nascente movimento operário e por pequenos grupos políticos de esquerda. Diante (cessa ameaça? Duvalier, apoiado pela elite negra e pela pequena burguesia, estabeleceu um regime de força: acabou com a oposição do exército eliminando os oficiais favoráveis ao setor mulato e substituindo-os por oficiais de sua corrente,

treinadospor oficiais americanos;criou o corpo de milícias ''populares'', os temidos To/zfons-Macozzfes (o nome provém de ''tio-mochila'', figura lendária

que rouba crianças e as leva em sua mochila) para equilibrar o poder do exército oficial e controlar o interior do país. Adotando uma série de medidas cada vez mais autoritárias, estabeleceuum modelo fascistade dominaçãopolítica: encarcerou, torturou e exilou seus adversários políticos, assassinou e fuzilou publicamente líderes dos grupos de oposição, mulatos influentes e intelectuais progressistas. FortDimanche, cárcere subterrâneo e principal centro de torturas é palavra ''tabu'' até hoje. Em 1971, no mo-

mento de sua morte, Duvalier tinha, hâ anos, o controle da situação e havia estabelecido no país a maior paz conhecida em muitas décadas: a paz dos cemité-

rios. Já não se torturavam as pessoas: o terror havia sido de tal forma internalizado pela população que

47

48

Marmelo Grondi.

esse método jâ era desnecessário.

Por outro lado, ao se declarar defensor dos interesses da grande maioria negra do país -- de fato, dos interesses da elite negra e da pequena burguesia -- e aparentando favorecer, com sua ideologia de ''negritude'', certos elementosculturais da massa negra, como a língua crio/e e o vodu, Duvalier manipulou as massas e proJetou-se como o presidente delas. Para se manter no poder, Duvalier submeteu o

país à hegemonia norte-americana

no Caribe:

fez do

Haiti um satélite incondicional do país do Norte, chegando inclusive a vender-lhe seu voto -- decisivo -- na

reunião da Organização dos Estados Americanos ( 1961) que excluiria Cuba da OEA, causando com isso um escândalo internacional. E com o apoio do gover-

no americano, instalou no país um regime de terror. 'Baba Doc

O filho não tinha a estatura intelectual, profissional e política do pai. Mais dedicado às diversões que aos estudos, avançava penosamente pelo segundo ano de direito quando foi surpreendido pela morte do

pai e pela pesada herança da presidência vitalícia. Afetado por um mal incurável, Duvalier, que tinha sido declarado, em 1964, presidente vitalício, fez com que a Câmara Legislativavotasseum decreto que fazia de seu filho Jean-Claude, de 19 anos, seu herdeiro na presidência vitalícia. As mâs línguas in-

49

CBitura, Poder e Desenvolvimento

sentaram imediatamente o apelido de ''Baby Doc'' , o bebé Doc, expressão tabu no Haiti. Para criar um clima de confiança e de comunicação popular, estabeleceu-se o costume de chamar familiarmente o pre-

sidente por seu primeiro nome: Jean-Claude. Completamente

despreparado

-para

um cargo

construído de forma tão complexa por seu pai, JeanClaude foi favorecido por alguns fatores que o ajudaram a sobreviver como presidente. Geralmente, o poder leva à corrupção; o poder absoluto à corrupção absoluta. Ao final da vida, Franç.ois Duvalier tinha conseguido aumentar em grande parte o poderio económico da família Duvalier e controlar vários setores da economia do país. Esse fator daria ao filho um domínio seguro sobre

uma parte importanteda elite mulata. Por outro lado, no aspecto político, o pai Ihe havia legado uma situação tranquila ao haver eliminado todos os possí-

veis adversáriose pretendentesà presidência. Os membros sobreviventes. da elite mulata nem pensavam em arriscar-se nalgum movimento de oposição, preferindo esperar sua hora em.silêncio. Quando seu pai morreu, depois de 14 anos de ditadura, a situação económica das massas não tinha melhorado. Jean-Claude, aparentementesem perceber, reconheceuo fato quando proclamou seu programa de governoe mandou publica-lo em cartazes imensos ao longo do país: ''Meu pai fez a revolução

política; eu farei a revolução económica''. Contando com a ''ajuda'' do governo norte-americano, desejoso de assegurar seu controle sobre esse importante saté-

Marmelo GrondiX

50

lite situado a apenas 90 quilómetrosde Cuba, JeanClaude contraiu consideráveis

emprésti:nos;

criou as

Zonas Francas, onde os industriais estariam livres de

impostos; abriu grandesportas às empresas industriais de subcontratação, que empregam mão-deobra barata, principalmente a feminina, no estilo de

Taiwan, Indonésia e Coréia do Sul; e convidou os grandes organismos internacionais -- Banco Mundial, BID, PNUD,

FAO,

OMS,

etc. -- e nacionais --

China Nacionalista, lsrael, Estados Unidos (AID), Canadâ (ACDI)

-- para implantar

projetos destina-

dos a modernizar o país e solucionar seu problema de miséria endémica. Porém, depois de 12 anos de numerosos programas de desenvolvimento,a renda per cáfila permanece por volta de cento e cinqüenta dólares e o Haiti

continuasendoc, único país da América a pertencer

ao Grupo dos 25 países mais pobres do mundo, criado pelas Nações Unidas. A fome generalizada, a fuga dos haitianos para outras terras, o drama dos boafpeop/es e dos cadáveres de haitianos encontrados nas praias de tantas ilhas do Caribe, demonstram que a revolução económica, depois de 12 anos, ainda não produziu seus tão anunciados efeitos benéficos.

Mas a maior ajuda recebidapelo jovem presidentefoi a onipresençade sua mãe, sem a qual o filho não teria conseguidopermanecerno governo. Depois da morte de François Duvalier, ''mama Simone'', como é cunnhecida,tomou o poder e governou por trás do pano. Mas não tão por trás. Continuação autêntica da figura do marido,

novo elemento hege-

51

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

mónicoda elitenegra e da pequenaburguesia,passou a controlar o governo, os políticos, que conhece Muito bem, os mulatos, que odeia e, particularmente, o importante corpo dos Tonto/zs-.A/acozzfes.

Quando, entre 1980 e 1982, manifestaram-se alguns movimentos de protesto, Jean-Claude e sua mãe não vacilaram em empregar as mesmas técnicas do pai para esmaga-los definitivamente.

Graças a ela, a ''re-

volução'' duvalierista continuou seu caminho. Durante muitos anos, ''mama Simone'', mulher da mesma estatura do marido, resistiu às pressões e desarticulou as intrigas dos mulatos, numerosos nos postos de governo, para afasta-la e, conseqüentemente, afastar seu filho do poder. Mas seria vencida por uma mulher, e por uma mulher mulata.

Poder chama poder. A capacidade de cresci-

mento do poder económico e político da família Du-

valier, dentro do âmbito da elite negra, aparentemente se havia esgotado. A única forma de'mantê-lo

seriaatravés de uma aliançacom a elite mulata. Uma forma muito comum de realiza-lo, e até certo ponto segura, era através do matrimónio. Apesar das muitas pressões por parte da elite negra para que escolhesseuma mulher de seu grupo, Jean-Claude decidiu casar-se com a filha -- divorciada e com dois filhos -- de um mulato considerado entre os maiores detentores de poder económico do país. Aproveitando o casamento -- verdadeiro cavalo de Traia -os mulatos galgaram os degraus do palácio presidencial. O sogrodestronoua mãee passa a governarpor trás do pano. De acordo com os rumores -- poucos

Marcelo Grondi.

52

-- que circulam no Haiti, Jean-Claude Duvalier, incapaz de governar, estaria jâ farto de seu papel de figurante e desejaria unicamente sair o quanto antes do Haiti para ir gozar a imensa fortuna acumulada por seu pai e por ele mesmo. Entretanto, a mãe não aceita perder seu ''escudo

Outro fator importante introduziu um elemento dialético na evolução da política haitiana, privando o atual presidente de uma importante base de sustentação política. Por pressão dos Estados Unidos, temerosos de uma suposta intervenção de Cuba no

morte de ''mama Simone'' será o sinal para isso. As massas populares rurais do país, marginalizadas e encurraladas no arr/êre-paus, estão completamente alheias a essas lutas, uma vez que foram completamente alojadas do processo económico e político. Nem sequer são espectadores da peça; talvez, no final, sejam chamadas para tocar o tambor.

Agricultura microfundiâria e cultura da miséria

Haiti ou do aparecimento de guerrilhas no país, o go-

verno aceitou efetuar a reestruturação e a moderniza-

ção do exército. Entretanto, muitos oficiais, vários deles formados nos Estados Unidos, já não têm, para com a família Duvalier, a mesma dedicação dos tempos do ''Papa Doc''; ou então escaparam ao controle

da família e aspiram controlara república. E mais: para reforçar o poder militar, os 7'onfons-Mkzcozlfes , agora chamados

de ''Voluntários

para a Seguran-

ça Nacional'', foram uniformizadose colocadossob o comando dos oficiais do exército, como uma corporação especial. Essa decisão originou uma luta de poder entre a velha guarda duvalierista, diri-

gida por ''mama Simone'', que via fugir de suas mãos

esse importantepoder armado, e a nova corrente antiduvalierista, resultado da aliança entre setoresda elite mulata e membros da corrente negra. Depois de 40 anos, torna a balançar o pêndulo haitiano, influenciado pelos fatores classe, cor e cul-

tura: se a elite mulata não tomar o poder agora, a

53

[aiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

O Haiti,

muito conhecido

como ''a pérola das

Antilhas'', era realmente uma jóia entre as colónias. No último quarto do século XVll, era a única colónia queproduzia, ao mesmo tempo,.açúcar, café, anil, e algodão em grande escala. Suas exportações corres-

pondiam

a 40%o do PNB da metrópole (França);

e

seu comércio em 1788, de 42 milhões de dólares, era

superiorao dos EstadosUnidos. O Haiti contava,

nessa época, com 792 engenhos (74323 hectares), 3 150 anileiras (82 147 hectares), 3 117 cafezais, 789 algodoais(20321 hectares), 69 plantações de cacau (2083 hectares), 10612 hectares de milho, 15315 hectares de batatas, 9 854 hectares de inhame, 5 877

hectaresde sorgo, 7756225de pés de bananeira,

1278 229 de pés de mandioca. Era tal a riqueza da colónia do Haiti que a França, derrotada pela Inglaterra, preferiu ceder, pelo tratado de Paria (1763), a colónia do Canadá a perder o Haiti.

54

Marceto GrottdÜ

O modo de produção capitalista mercantil e escravista estruturava-se,principalmente, em torno das grandes plantações,sendo a produção de ali-

mentos destinada principalmente à subsistência da população. À medida que crescia o mercado e a demanda na europa, os poucos proprietários das plantações aumentavam seus investimentos, introduziam tecnologias novas e adquiriam mais mão-de-obra, escrava. A conquista da independência, em 1804, liquidou com o sistema das plantações colonialistas e com a escravidão. Por isso, os negros resistiam a continuar trabalhando nas plantações para os novos chefes, mulatos ou negros privilegiados. Essa resistência durou até 1845, quando foi definitivamente eliminado o sistema colonial e se consolidou a era do pequeno produtor. Entretanto, os ex-escravosnão tiveram um acesso imediatoà terra. Depois da independência, a elite mulata e negra substituiu a antiga elite branca, apoderou-se de suas propriedades e quis manter a massa da população em condições de produção similar à da escravidão, como parceiros e como trabalhadores nas plantaçõese na,soficinas, o que fazia dizer a Dessalines: ''les noirs dont les pores sont en Afrique n'auront dono rien?'' ("os negroscujos pais estão na Africa, então, não obterão nada?''). Depois de lutar por sua liberdade contra os brancos, os ex-escravos tiveram que lutar, durante quase um século, contra os

mulatose os negrosda elite pela terra que haviam libertado. Conseguiram a posse de pequenas parcelas

55

loiti: Cultura. Poder e Desenvolvimento

de terra, mas seus direitos e títulos de propriedade são geralmente inexistentes ou duvidosos, sujeitos à intervenção dos poderosos. Em muitas partes do país, principalmente nas terras do Estado pertencentes aos colonos brancos antes da Revolução e que foram ''invadidas''

(como,

por exemplo, no vale do Artibonite), os camponeses se sentem continuamente ameaçados de expropriação e se opõem, evidentemente, ao cadastramento oficial. Além disso, o sistema de parceria é muito comum, particularmente nos vales. O processo de acesso à terra fez com que o camponês haitiano não esteja seguro de que a terra que pisa seja sua. E possuidor, não se sente proprietário. Essa situação ajudou a manter nele a impressão de que o Haiti é ainda uma terra alheia, onde ele continua vivendo ''de passagem''. Nas expressõesculturais, particularmente nos contos, nos rituais religiosos e nas canções, não se sente o enraizamento à terra por parte dos camponeses. Esse sentimento se encon-

tra, porém, na elite. Para ela, o Haiti Ihe pertence. As terras cultivadas pelos camponeses são insuficientes para manter uma família: 60%otêm menos de um terço de hectare, 88%onão chegam a três hectares, e estão situadas, em 90% dos casos, nas montanhas, freqüentementeabruptas, onde os solos são menos produtivos e sujeitos à ação da erosão. Se na República Dominicana os camponeses desenvolveram uma agricultura de subsistência, podese dizer que, no Haiti, desenvolveram uma agricultura de miséria, onde sobrevivemcom uma produção

56

Marceto Grot

abaixo do nível normal de subsistência. O tiPO de agricultura desenvolvidageralmentepelo camponês em sua terra é uma pequena policultura chamada Jardln ou grapi//age. Nesse sistema de cultivo intensivo, que utiliza cada metro do terreno, são plantados de três a sete produtos, simultaneamente, num mesmo canteiro de terra. É uma criação técnica extraordinária para assegurar a sobrevivência. Entretanto, sua generalização, em virtude do processo de minifundização permanente, foi substituindo, pouco a pouco, vários sistemas de cultivo tradicional, como, por exemplo, o chamado cotzmbííe (cultivo comunitário), uma vez que a mão-de-obrafamiliar geral-

57

Cultura, Poder e Desenvolvimento

miliar. A mudança da situação insatisfatória em que vive o pequeno produtor não pode.ser.feita por.meio de proletos agrícolas isolados, individuais e dispersos, nem com experiências destinadas a melhorar o grau/Z/age tradicional

apenas localmente. São soluções que não resolveriam,.no caso do Haiti: ' O setor rural, base da economia haitiana, onde

seencontra 80%oda população, é o principal centro da cultura popular haitiana, que conheceuuma evolução constante, na medida em que iam evoluindo as formas de produção.

Afirma-se com frequênciaque a República do

A equipe de técnicosfranceses que analisa de perto o

Haiti procede praticamente de Saflzf-.Domlizgzze (colónia). Nada menos exato no campo agrário. Transformaçõesradicais ocorreram: sfafus social, sistema de propriedade, técnicase produção. Paul Moral assinala que o que ainda subsiste de similar ao século XVlll são apenas alguns costumes, detalhes pitores-

sofrer pressões económicas ou dos ecologistas às quais

dações arqueológicas. De fato, a herança deixada pela colonização no campo é quase nula. Depois da independência, aconteceu uma grande mudança, um

mente é suficiente para o trabalho em formas de cultivo como o./ardín .

O sistema do./ardia foi, e continua sendo, objeto

de discussão por parte de técnicos e cientistas sociais .

sistema, no Centro Madian-Salagnac, considera-o uma tecnologiamuitoavançada. Alguns julgam ser uma forma adequada de o camponês trabalhar sem esta sujeito. Para outros, o sistema tem limitações muito sérias -- considerando-se sua incapacidade de controlar as condições naturais, de conquistar e utilizar eficientemente os espaços cultiváveis -- em virtude de sua tecnologia e das restrições produtivas da unidade familiar; e também por causa da impossibilidade de se ter um excedente que permita o reinvestimento. Porém, o problema mais importante ainda é

o próprio tipo de exploração através da unidade fa-

cos, elementossuperficiaisda vida cotidiana, recor-

verdadeiro

''recomeçar'',

e não um ''prosseguir''.

A

transformação da exploração colonial , que levou à forma de atividaderural contemporâneapermite medir o papel preponderanteda questãoagrária na for-

mação e no desenvolvimento da cultura. É essa evolução que é importante captar. Porque a população camponesa não é uma entidade homogênea ou estática que possa ser interpretada como um museu etnográfico. É um setor dinâmico que evo-

58

Marcelo Gron.

59

ti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

lui e muda ao ritmo da dialéticainterna, e também externa, representada pelas forças urbanas e estran. geiras .

Organizações de produção no meio rural As diversasformas da ajuda mútua ou de tra-

balho coletivo em prática no Haiti têm sido frequentemente consideradas de origem africana. As formas de associação tradicionais mais freqüentemente mencionadas para ilustrar o espírito coletivo e comunitá-

rio dos africanos são a coumbire, /'escouade. a co/on/zee a socíéfé,cuja estrutura interna e mesmo o nome mudam de acordo com as diferentes regiões.

Chamam-se também: cardo/z , ro/zde, con/zabê, mazinge, acheté-jounin, ramponneau , job, vanjou, douvanjou, dinémachette, dêsert, chame, invitation. etc. A cozzmbffe e a co/onde duram, geralmente, apenas um dia ou meio dia. A escozzadee a socféfé têm uma estrutura mais estável.

Essas associações, profundamente arraigadas

nos costumes dos camponeses, são mais próprias das

regiões onde a exploração dos recursos naturais. pouco tecnificada, exige a presença simultânea de uma abundante mão-de-obra. Geralmente elas acontecem nos lugares onde há grandes extensões de terra

e insuficiênciade mão-de-obra familiar;ou ainda, quando é preciso semear e colher mais (ou menos) num mesmo dia, e assim conseguir maiores lucros. As habitações dos camponesas durante a escra-

mentes musicais.

.

.

Com o desaparecimento do sistema das planta-

ções estabeleceu-se o sistema do /ficou, ou da família

extensa, em que muitos escravos habitavam de oito a dez casas. O cultivo era assegurado pela mão-de-obra familiar e, ocasionalmente, por grupos de ajuda mútua. O desmembramento do /ecoa e da mão-de-obra familiar extensa, substituídos pelo sistema de família nuclear, pela pequena propriedade e pela vizinhança, ocasionou o crescimento das diversas formas de ajuda

mútuaou sociedades(socféfés).Por outrolado, o

atual crescimento da minipropriedade e do ./ardín com seu sistema de grapí//age está excluindo, gradativamente, a necessidade do sistema de ajuda mútua (socíérés) em grande escala, ou mesmo o eventual uso dela, em virtude dos gastos elevados que ocasiona. A ajuda mútua extensiva tornou-se uma tecnologia limitada aos proprietários de grande extensões de terra. Os pequenos

proprietários

recorrem,

quando

é

necessário, ao.sistema de ajuda mútua de cinco ou seis pessoas. O sistema de cultivo familiar de micropropriedade ocasiona o desaparecimento de uma tecnologia coletiva que poderia ser um elemento valioso

«)

Marmelo Gron.

para o desenvolvimento.

Têm sido numerosasas discussõessobre a origem africana das associaçõesde ajuda mútua do

Haiti, pois sistemas similares existem em todo o continente africano. Entretanto, essa semelhança com sistemas africanos não contribui com elementos espe-

cíficos, uma vez que essas ''sociedades''aparecem geralmente nas regiões onde a tecnologia é pouco de-

senvolvida. Sistemas quase idênticos encontram-se na Bolívia (ayní,

mira, mfnka),

no Peru (&uq/efí,

#zzay//ay),na serra de Puebla, no México, entre os nahuas e entre os.totonacos. No vale central do Peru, a introdução do tutor esta eliminando as formas de

ajuda mútua baseadasno compadrio extenso.Formas similares de ajuda mútua (.Bi) existiam também no Canadá e duraram até a metade deste século e na França, principalmente na época da colónia do Haiti e mesmo depois, permanecendo até a época da modernização da agricultura. Num país como o Haiti, onde a capitalização e a conformação

geográfica (região montanhosa)

e eco-

lógica não permitiram uma tecnificação da agricultura em grande escala, os sistemas de trabalho coletivo poderiam ser uma técnica valiosa para assegurar um aumento de produção.

Ao lado das associaçõestradicionais, aparece-

ram, nas zonas rurais do Haiti, da República Domi-

nicana e da América Latina em geral, uma grande diversidade de instituições de ajuda mútua importadas do exterior, principalmente dos Estados Unidos e

do Canadá. Talvezos casos de maior impacto te-

61

iti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

nham sido os das cooperativase dos grupos de ''desenvolvimentoda comunidade''. O fracasso quase geral do movimento cooperativista(de tipo norteamericano ou canadense) convertido em mecanismo de exploração

das classes mais populares

pela pe-

quena burguesia foi ocasionado, em parte, por não ter sido assimilado culturalmente pelas massas populares. O mesmo pode ser afirmado sobre os programas como o de ''desenvolvimentoda comunidade'', cópia do comtzníO deve/opmenf dos Estados Unidos ou do /ood /or work, que são dedicados principalmente à promoção de serviços como a construção de escolas, postos de saúde, estudas vicinais, sistemas de encanamento de agua potável, etc., construídos por pessoas dos setores populares mas geralmente utilizados pela pequena burguesia. No Haiti, os Cb/zseí/s Commzznazzfalres

(conselhos

comunitários)

co-

mentados pelo governo através do ONAAC (Office National d'Alphabétisation et d'Action Communau-

taire) e destinadosa mobilizar as forças vivas do

campo ''para a grande coambffe do desenvolvimento económico e social do setor rural'' representam uma estrutura oficial de desenvolvimento, ocupada quase exclusivamentena criação de serviços. Estes beneficiam, principalmente, os membros que são recrutados entre os setores superiores e médios do meio ru-

ral. Por sua semelhançacom os movimentosde desenvolvimento da comunidade, os CbnseíZs CbmmtzPzazzfaíresrecebem o apoio do governo e dos organismos internacionais, e servem mais como instrumento de exploração em mãos da pequena burguesia

Marceto Gron.

62

rural, do que de desenvolvimento das massas camponesas.

63

iti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

formada por indivíduos provenientes de diferentes

do Haiti merecem um es-

tribos e :nisturada sistematicamente desde o momento da captura e armazenamento até as etapas de tra-

tencialidades. Entre elas, pode-se mencionar os grozz-

organização familiar originárias, tendo de adaptar-se

Algumas

experiências

tudo mais atentopara que sejam avaliadas suas popemenfs

communaufafres

(grupos

comunitários)

de

Laborde, formados por grupos de cinco a vinte membros, que compram ou alugam terrenospara cultivâlos em comum, utilizando novos métodos de cultivo. O projeto DRIPP

(Dévelopement

Régional

Intégré),

financiado pelos governos do Canadâ e do Haiti, apoiou a organização de uns quarenta grupos com estrutura similar. Por seu lado, o governo, com financiamento

do BID,

organizou

as ''Ilhotas

de De-

senvolvimento'' orientadas no sentido de uma administração de tipo comunitária coletiva. Entretanto, o problema fundamental de muitos desses grupos é a falta de afinidade entre seus membros e de comunidade de seus interesses e objetivos. Aparentemente,

vessiae venda -- foi destituídade suas formas de à situaçãocriada pelo escravismoe pelo sistemade plantações. A independência deu.lugar à organização familiar sobre a base do /acozz(pátio), conjunto de casas dos membros da família extensa (três ou quatro ge-

rações), situadas mais ou menos no centro de uma

propriedade de 30 ou 40 hectares. Uma das casas era o #ou/nl/õ ou o templo do culto vodu, com seu àozzrl-

gan (sacerdote). A autoridade absoluta do chefe da família extensa mantinha a solidariedade do grupo que se encarregava sozinho, ou com a colaboração das sociedades de ajuda mútua, da exploração de sua terra

uma organizaçãomoderna fundada sobr' as bases das associações tradicionais e culturais como /'es-

''A posse familiar da terra, sob a autoridade do pai de família, a estrutura patriarcal da família, a presença das associaçõesde ajuda mútua e a exten-

tretanto, são os camponeses que devem decidir suas formas organizativas, de acordo com suas necessidades e potencialidades.

era de aproximadamente45 habitantespor km2'de

cotzade reuniria maiores probabilidades de êxito. En-

Família rural e organização social A instituição familiar tem passado por transforn.ações profundas no Haiti. A população negra --

são considerável das práticas do vodu são as características principais da época do /ficou.'' (Moral, 1961) Entretanto,

o crescimento

da população

-- que

terra cultivável em 1804 e jâ chegava a 205 habitantes

por kma,no início do séculoXX --, a repartiçãoda terra, as numeFOsasguerras, o desmatamentode novas terras, e a migração das novas geraçõesocasionaram, desdeo início do séculoXX, a desarticulação do /acozz embora ele exista ainda em certas regiões,

Marceto Gron.

64

como no Artibonite. A vida rural de hoje se caracteriza mais pela existência

da micropropriedade

e

pelo grapf//age; pela família nuclear como unidade de produção e de consumo; pela mão-de-obra familiar e pela eliminação progressiva das práticas de ajuda mútua; pela redução dos ingressos e por uma miséria generalizada. Ao mesmo tempo, mudou a forma de ocupação

do espaço. Ao povoado (bozzrg,ãameazz)da plantação, sucedeu o /ficou e, depois, durante

os últimos

vizinhança.

não se de-

cinqüenta anos, o Jzabffaf disperso de vizinhos sem Efetivamente,

essa vizinhança

fine ainda como uma unidade social e geograficamente urbanizada

(povoado),

pois é constituída

de

assentamentosesparsos que não cumprem uma função comercial e administrativa. Apesar disso, poderia ser um elemento valioso para o desenvolvimento, uma vez que evoluiu e continua evoluindo de acordo com o dinamismo histórico de cada micro-região. A mulher ocupa um lugar preponderante na vida económica, social e religiosa do país e da família. Essa importância pode ter sua origem nas lutas de independência, nas numerosas guerras que se sucederam durante 40 anos e nas freqüentes guerras civis e insurreições que se repetiram até 1957. Uma breve cronologia ilustrará essesacontecimentos: 1793-1804 -- Guerra da Independência 1804-1806 -- Primeira

Guerra

e Conquista

da

República Dominicana 1806-1840-- Manutenção de um exército permanente

65

iti: Cultura. Poder e Desenvolvimento

1822-1840 -- Segunda Conquista e Controle da República Dominicana 1840-1844 -- Guerra

e Derrota

Dominicana

na República

1895-1930 -- Vários levantes e Guerra

dos Ca-

cos contra os invasores norte-americanos

1950-1957 -- Insurreições

populares

Essas lutas causaram numerosas baixas de ho-

mens em datas próximas. A manutenção de um exér-

cito permanente durante 50 anos e, todo ano, durante oitenta anos, a migração sazonal de aproximadamente mil homens para o corte de cana na República Dominicana -- o governoDuvalier recebeupor

isso 60 dólares por cabeça -- ocasionaram a ausência de muitos homens do lar, da produção agrícola e da comercialização de produtos. A diminuição periódica da presença masculina pode explicar a importância

da mulher no lar, no culto vodu, como sacerdotisa, na produção agrícola e na vida comercial. E daí se entende por que as mulheres controlam uma grande parte do comércio no Haiti. Dos 60530 comercian-

tes, 53 800 são mulheres (88%). Quase todo o comércio rural está nas mãos das .A/arfamSafa, que desenvolveram uma rede imensa de controle dos 300 mercados e dos mecanismos de compra e venda desde a 4/ozzpa e da #abífafzon, pequenos armazéns da zona rural, até o mercado da capital. Por outro lado, 60%oda mão-de-obra industrial

é constituída atualmentepor mulheres, ocupadas tanto nas indústrias nacionais como nas indústrias de

66

Marmelo Gron.

subcontratação da zona franca da capital. A participação da mulher na vida económica do Haiti e sua influência nos mecanismos fundamentais da vida social e económicado país são tão importantes que nenhum programa de desenvolvimentoque pretenda ser eficiente poderá ser realizado sem a sua presença.

Educação importada verstls cultura autóctone A educaçãoé a parte dialéticada cultura. En-

quanto a cultura é o conjunto das normas transmitidas vivéncialmente pelas instituições e estruturas sócio-económicas e políticas da sociedade (formas de

produção.,família, leis, etc.), a educaçãoformal é a

transmissão de normas externas através de uma instituição alheia aos mecanismos internos da sociedade local. É um instrumento de ideologizaçãoa serviço dos grupos de poder, que a orientam em função de seus interesses.

Esse papel da educação como instrumento de

dominação e exploração serve no Haiti como um meio de desculturação das massas rurais. Elas são integra-

das à cultura da sociedadeurbana dominadapelos grupos mulatos ou negros da burguesia e à cultura francesa (que controla a Secretaria da Educação) através de instituições como o Instituto Nacional de Pedagogia, o Instituto Francês e a UNESCO, cujos

67

ti: Cultura. Poder e Desenvolvimento

serviços são implementados por técnicos franceses. ' Durante a colónia não existiam escolas no Haiti, nem para os escravos, nem para os filhos de mulatos e brancos, que eram enviados à Fiança para sua educação. O rei Christophe e o presidente Pétion foram os primeiros a estabelecer escolas em algumas cidades. Ém 1828, o ensino dado jâ em três escolas foi decretado gratuito e, em 1848, a educação primaria foi declarada obrigatória. Por essa época jâ existiam 90 escolas rurais públicas. Em 1891 havia 500, mas apenas um terço delas estavam ativas e contavam com

uma média de trinta alunos repartidos nos três primeirosanos. Os movimentosarmados do fim do século passado e do início deste século destruíram em

grande parte o sistema de educação rural, que tardou em reestruturar-se depois da intervenção norte-americana (1915-1934). De qualquer forma, durante esses cem anos, a educação teve muito pouca influência na vida rural.

A ocupação norte-americana, eun 1915, introduziu uma perspectivanova na educação do Haiti,

com suas pretensões de ''solucionar

o caso do Haiti''

e fazer dele um país integradoà rede de educação norte-americana. Esmagada a revolta dos ''cacos'' em 1924, os ocupantes norte-americanos lançaram seu programa de educação rural, reprodução do sistema aplicado no Booker T. Washington's Tuskegee Institute, cuja finalidade principal era especializara

mão-de-obranegra do Sul dos Estados Unidos em trabalhos agrícolas ou para as indústrias do Norte. Em 1924, os norte-americanos organizaram, em Port-

68

Marceto Gron.

au-Prince, o Serviço Técnico do Departamento de Agricultura

e do Ensino Profissional,

e estabelece-

69

Cultura, Poder e Desenvolvimento

des, ao mesmo tempo que podia retardar o processo de integração da população rural à cultura mulata

ram seu sistema de escolas-granja. Em 1925, havia dez dessas escolas com 646 alunos e, em 1930, setentae oito, com 7456 alunos, dos quais 700 eram adultos. Entretanto, o sistema deu poucos resultados

urbana e, consequentemente, diminuir as possibili-

adaptou à realidade local e global do Haiti; ressentiu-se da falta de pessoal haitiano adequadamente preparado; e, finalmente, sofreu oposição dos grupos

lato, e integra-laao Departamentode Agricultura,

por diferentesmotivos:por ser importado, não se

de poder.

Embora não tivesseesseobjetivo, o novo sistema acendeua polêmicacom relação à estruturaçãoe à finalidade da educação. Os aspectos mais importantes levantados foram os seguintes: 1) num país cuja população e produção são basicamente rurais, deve existir uma instituição e um sistema de educação destinados à especialização dos produtores agrícolas, principalmente dos adultos; 2) a educação rural deve ser diferente da educação urbana; 3) o sistema de educação rural orientado para a produção agrícola deve ser efetivado pelo Departamento (ou Ministério) de Agricultura e não de Educação. Esses critérios eram tecnicamentedefendidos, mas se chocaram com a estrutura sócio-económica e política do país. O urbano era a região dos mulatos e

dosnegrosda burguesia;o rural, o mundo dos ne-

gros pobres. Criar um sistema educativo especializado para a populaçãorural significavaaumentaro poder da maioria negra pobre e favorecer sua homogeneização perante a classe mulata e negra das cida-

dades de ser explorada pela classe dominante.

Além disso, reformar a educaçãorural basean-

do-a em sua realidade, torna-la independente do De partamento de Educação, controlado pelo setor mu-

controlado pelo setor dos negros ricos e da pequena burguesia nascente, podia facilitar a hegemonia do

setornegro sobreas massasrurais -- o que contrariava os interessesdo poder urbano mulato. A educação rural começou então seu vaivém entre o Departamento de Educação e o Departamento de Agricultura, de acordo com os esforços dos mulatos e da elite negra para controla-la. Ao finalizar-se a

intervenção armada norte-americana, contrariamente às recomendações das comissões de avaliação para que se reunificasse a educação no Departamento

de Educação, toda a educação rural -- e não somente as escolas-granja-- passou para o Departamento de Agricultura, em 1931. A educação urbana permaneceu no Departamento de Educação e mantevesua estrutura e inspiração francesas. O progra-

ma das escolas-granjafoi ampliado, professoresforam mandados para o Instituto Americano de Tuskegee para que se especializassem, e o número de escolas rurais

410, em 1945).

aumentou

consideravelmente

(eram

Em 1946, sob a influência política da corrente mulata, a educação rural voltou ao Departamento de

Marmelo Gron.

70

Educação Nacional, restabelecendo-seem todas as escolas o antigo currículo de orientação francesa. Em

1947,foi criada a Direção Geral de Educação de

Adultos, transformada depois em ONEC (1958) e ONAAC

(1969). Essa reestruturação

ção organizadapelaUNESCO em 1948ou a de (1947-19S4)

71

dial, lançou seu prometode educação nacional? integrando o. setor rural ao urbano U conUito toi soiu;ionado temporariamente, depois de meses de cgn-

não evitou que

os planos de educação fossem malogrados. Certas experiências, como a grande campanha de alfabetizaMARBIAL

Cultura, Poder e Desenvolvimento

onde de certa forma foram

repetidos os mesmos erros da experiência importada pelos norte-americanos, resultaram em grandes fracassos. Em 1958, depois da vitória política da corrente negra de Duvalier, o ensino rural passou novamente para o Departamento de Agricultura. Na década de 70, o vazio de poder ocasionado pela morte de Duvalier trouxe novamente à tona a questão da educação,

a partir de estudos realizadospela UNESCO, pela

OEA e pelo llCA (Instituto Interamericano de Ciências Agrícolas). De um lado, a corrente negra do Departamento de Agricultura, apoiada pelos técnicos latino-americanos do llCA e com o financiamento do BID, lançou o prometo CEIDER (Centre d'Education Intégrée pour le Développement Rural), que retoma idéias da experiência norte-americana e do projeto de MARBIAL, mas dentro de um contexto mais amplo, visando uma reestruturação nacional da educação rural, a partir da comunidade, da produção e da cultura rural. De outro, a corrente mulata do Departamento de Educação Nacional, apoiada por técnicos franceses da UNESCO e financiada pelo Banco Mun-

pelo programa de .Educação Nacional. Este último visacriar uma ''unidade e uma identidade nacional'' a partir de um currículo escolar único (inspirado na :realidade nacional'') com a manutenção do francês comolíngua de ensino depois dos três primeiros anos, tendo ainda a orientação da estrutura do sistema educativo e de sua ideologia definida pelos franceses. Em 1980, além do sistema educativo oficial, havia no país mais de 21 organismos internacionais com programas educativos e aproximadamente 15 proüetos públicos internacionais, bilaterais ou multilaterais, sem contar as numerosas instituições privadas estrangeiras de tipo religioso ou particular que controlam quase a metade do ensino no Haiti. Mais de cento e cinqüenta anos de ensino e de gastos tiveram pouca influência na zona rural. Ali, o analfabetismo é ainda de 90%oe a escola tradicional recebeapenas 12%odas crianças da zona rural, das quais somente 1%ochega à 6a série (último ano do curso primário) e s6 0,5%o começa o curso secundá-

rio, sendoque apenascinco, em cada mil, o concluem. Dois, em cada dez mil, ingressam à Universi-

dade e menos de 1, em cada milhão, conseguetermina-la. As crianças da zona rural estão sistematicamente impedidas de galgar os graus do único sistema

Marcelo Gro}

72

de profissionalização existente.

Por outro lado, os camponeses manifestam pouco interesse por um sistema educativo elaborado para os urbanos e que não traz soluçõespara suas exigências de subsistência biológica. Pa/é/ransépa dí /esprí

poli sa (''nem por falar francêsalguém parece mais inteligente''),

contesta um dizer popular.

Além de ser

discriminatório e desadaptado às- necessidades do

camponês, o sistema escolar do Haiti é anualmente um dos mais caros do mundo, considerando-se o custo por aluno, particularmente do campo, que chega à universidade. Os camponeses pagam pela escolariza-

ção privilegiada dos filhos da burguesia e pequena burguesia, mas seus filhos não têm acesso a uma formação que poderia ajuda-los em sua emancipação. O sistema não é apenas urbano e elitista, mas também colonial, na medida em que persiste com a finalidade tradicional de formar quadros para a administração da colónia,

mantendo

uma educação

destinada à elite nacional ocidentalizada.

importada

e

Um projeto de educação realista, baseado na cultura popular integral das massas rurais e a favor de sua promoção como pretendia ser o prometoCElDER, significava um sério risco para a manutenção da dominação e da exploração dessasmesmas massas. Dentro da lógica do poder e da política, é natural que tal prometo tenha sido neutralizado. O problemafundamentalda educaçãono Haiti consiste no fato de que não pode haver um prometo

significativo de educação sem um prometopolítico de sociedade.

73

Ei: Cultura, Poder e Desenvolvimento

Idioma e identidade A língua do Haiti é o crio/e. O francês, falado apenas pela elite (10%o da população)

e, há alguns

anos, pela pequena burguesia crescente, é um dos poucos remanescentes da colonização francesa con-

servadopela elite haitiana como meio de ligação

com a ex-metrópole, que o utiliza para manter sua influência na ilha. O francês é somente a língua da elite. O crio/e é a língua própria da massa: serve para distinguir as classes sociais. O Grão/ehaitiano é uma criação dos negros escravos do Haiti. Oriundos de centenas de grupos linguísticos diferentes, misturados entre si por seus captores, vendedores, compradores e donos nas plantações, os escravosdo Haiti tiveram que criar um meio de comunicação oral e cultural entre si mesmos e entre eles e seus donos. Utilizando o francês, língua da co16nia,como base, criaram o crio/e. Não deixa de

SQrimpressionanteo fato de que 250 mil escravos nascidosna Ãfrica e trazidos para o Haiti entre 1880 é 1892, última década da colónia, não tenham podido reconstituir-se por grupos lingüísticos ou étnicos quando, alguns anos depois, chegaram à independência e passaram a ser governados por ex-escravos. E mais impressionante ainda o desaparecimento quase total de todo o vocabulário africano, do qual muito pouco foi resgatado, em forma quase ininteligível, no culto do vodu. Apesar de certas afirmações em sentido contrario, a presença de vocábulos africanos no crio/e é quase nula. Esse desaparecimento

74

Marcelo Gron.

completo das línguas e dos grupos linguísticos e étnicos mostram por si só todo o poder de desarticulação dos métodos emp.regados durante a colónia. O fato pode repetir-se hoje, embora em forma e grau diferentes, por meio dos programas de ''descreolização'' e de ''afrancesamento'' O idioma francês, simplificado ao máximo, deu origem a uma língua franca, o crio/e, que se impôs, com ligeiras variantes, em toda a colónia. Com o passar dos anos, desenvolveuuma estrutura própria e a constituiu-se em autêntica língua, completamente diferente do francês.

O crio/e foi e continuasendo a língua dos negros, embora seja falada por todos os habitantes do país desde a colónia até os dias de hoje. O crio/e foi a língua dos escravos, feitura dos negros, grudada à cor da sua pele. Na opinião de uma grande parte da elite, que fala francês, essa linguagem não passa de um vulgar dialeto de uma população sem cultura. Para a grande massa do povo -- e para os lingiiistas

iti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

Pala fransé pa di lespripou sa. +

B

Z

'$

e ©

8

esclarecidos -- o Grão/e é a sua identidade, sua forma de comunicação,

de expressão cultural e de transmis-

são da sabedoria popular através de seus inumeráveis provérbios, contos, adivinhanças (crie-Grão) e lendas. Daí vem o sentido profundo do dizer popular: pa/é

/ransé pa dí /esprípou

sa'', em clara referência à elite

mulata e aos que estão ligados a ela.

Mecanismo de defesa, de afirmação e de hegemonia das massas, o crio/e sofre, hâ 50 anos, a interferência dos programas periódicos de ''afrancesamento'' elaborados pela elite mulata, apoiada por

(+\ Nem porfalatfrancês

alguém parece mais inteligente.

75

Marcelo Gron.

76

certos organismos internacionais -- entre eles a UNESCO, defensora da cultura -- ou da cobiça da

elite negra desejosa de instrumento-la para seus propósitos hegemõnicos. Esse fenómeno aparece particularmente nos programas de escolarização e de alfabetização. A corrente negra luta pelo ensino em créo/e em todos os níveis, principalmente na escola primária, não apenas como veículo de comunicação mais eficientepara 90%odos alunos, que falam ape-

nas esse idioma, mas tambémcomo meio de aglutinação das massas em torno da burguesia negra. A ela, interessa a criação da identidade nacional sobre a base da maioria, que fala créole. A corrente

mulata pelo ensino em francês, pela sua ''popularização'' entre as massas, como meio de formação da identidade nacional em torno da língua mais ''digna''

e do grupo social mais ''valioso'',

o mu-

lato; argumentaque o Haiti, através do francês, pode assegurar a comunicação sem intérpretes com o conjunto das grandes nações. A subjugação do crio/e está ligada à subjugação das massas populares. Marginalizado quase completamente dos meios de comunicação de massa (imprensa, rádio, TV), substituído pelo francês nas es-

colas, eliminado dos discursospúblicos, o crio/e é obrigado a refugiar-seno seioda família, vendo diminuir pouco a pouco sua função social e cultural. Casos similares (que sucedem atualmente em vários países do mundo) mostram que a passagem do Grão/e de língua viva a língua morta pode dar-se tranquilamente no transcurso de apenas três gerações. Entre-

77

iti; Cultura, Poder e Desenvolvimento

tanto, grupos, movimentose certas instituiçõesjâ captaram o alto valor do crio/e, língua da massa,

comoinstrumento de desenvolvimento. Superando as diferenças de credo religioso, de tendência política ou de rivalidades regionais, o crio/e se revela como um dos maiores elementosde unidade e de identidade, capaz de mobilizar as massas para seu desenvolvimento e sua libertação.

Religião vodu e resistência Dois fatores importantes de coesão ajudaram

muito a consecução

da independência

do Haiti:

o

vodu e o crio/e, mecanismos de unidade religiosa e de comunicação. Nos grandes momentos históricos, como por exemplo, antes de desatar-se a Guerra da Independência ou na época da invasão norte-americana, esses dois fatores serviram como elementos de coesão das massas. A cem anos de distância, o presidente Duvalier, seguindo o exemplo do presidente negro Soulouque (1847), soube favorecer o culto do vodu e conseguir o apoio de seus adeptos, particularmente de seus /zozz/zga/zi (sacerdotes) para vencer a eleição que o levou à presidência em 1957. Assim comoo crio/e serviu de língua franca, o vodu serviu de religião franca entre os escravos africanos de múltiplas tribos e línguas. Entretanto, ao invés de abandonar, quase completamente, os elementosde suas religiões próprias, como aconteceu com as línguas, os escravos integraram crenças, ritos, músicas e danças

78

Marcelo Gron.

originários de suas diferentes tribos para formar uma religião sincrética, símbolo de sua unidade e diversidade. O vodu foi e continua sendo o meio de conservação por excelência dos restos culturais africanos e de ligação com o passado longínquo. Ele reúne fórmulas rituais alteradas pelo uso secular e geralmente inintelegíveis linguisticamente, nomes de espíritos ou divindades africanas, danças rítmicas diversas, específicas para cada rito definido, música de percussão de alto valor artístico e psicológico (cujo ritmo e intensidade provocam a entrada em transe), tocada em tambores, e uma arte manual de grande significado artístico e religioso. O vodu recolheu, integrou e dinamizou todos os aspectos culturais que escaparam à integração imposta pelo colonialismo. Apesar das profundas diferenças lingüísticas e de seus antagonismos, os primeiros escravos, na sua maioria originários do golfo da Guiné (Daomé e Nigéria), combinaram suas diferentes tradições e elaboraram no Haiti uma nova religião de tipo sincrético. Em sua estrutura e espírito, essa religião manteve um caráter preponderantementedaomeniano, transmi-

tido pelos #ozzngansque também se encontravam entre os escravos. Mas a chegada de contingentes de escravostrazidos do Congo e de Angola durante as últimas décadas da colónia, assim como a influência do catolicismo, modificaram e ''complicaram'' o conteúdo e a estrutura do vodu. O vodu é, basicamente, a religião e o culto aos espíritos ou divindades chamados /oa. A classificação dos /oas é muito complexa, não somente por causa da

loiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

79

grande diversidade de origem geográfica e étnica dos africanos trazidos ao Haiti, mas também pela existência de uma infinidade de divindades regionais e locais. Pode-se, no entanto, reconhecer duas grandes famílias de /oas, que constituem a base de toda a classificação: os Fada e os retro. No interior dessas duas grandes famílias, ou à margem delas, encontram-se subfamílias de /oas, tendo cada membro o seu rito particular.

A maioria dos /oas originários do Daomé ou da Nigéria pertencem à família Fada. A família pefro pertencem principalmente os /oai originários de ou-

tras regiões da Ãfrica ou do próprio Haiti. Mas a característica étnica ou geográfica dessas duas grandes famílias já foi esquecida. As distinções se fazem mais

pelo carâter geral ou pelo temperamentopróprio a cada família: os Fada são considerados de temperamento mais suave e.tranqiiilo, enquanto os Ferro são conhecidos pelo seu caráter duro, violento e de força implacável; na família retro, há loas maus, que se prestam à feitiçaria.

Cada /oa tem sua moradia particular: no mar, num rio, numa montanhaou arvore, de onde vem para ajudar seusservidoresfiéis, quando ouve suas oraçõesou o som dos tambores sagrados pedindo a sua presença. Cada /oa tem também o seu dia ou dias

próprios durante a semana. Além disso, uma cor particular distingue os grandes grupos: branco para os .gamba//aÀ,vermelhopara os Ogu, negropara os Gzzédé. Cada /oa tem também seu rito particular que tem que ser respeitado.

80

Marcelo Gron.

Os /oas são protetores dos seus servidores e os ajudam na proporção em que são bem servidos. Co. municam-se com os seus servidores por meio de en-

ti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

81

o vodu mantém uma das características funda-

carnação (transe), sonhos ou formas humanas. A for-

ma mais importante é a encarnação (ou possessão), que se manifesta pela entrada em transe durante o

rito em honra do ha. Essa possessão pelo /oa é desejada e procurada pelos servidores, que a consideram manifestação da comunicação e da proteção do /oa.

Como na maioria das religiões, a vodu também tem divindades mâs, que semeiam o medo e dão lugar a práticas de feitiçaria, embora essas últimas não constituam o essencial da religião ou dos ritos. As cerimónias do vodu são executadas em locais abertos ao público. Não são, como é dito freqüentemente, mistériosproibidos aos não iniciados. Os ritos de iniciação dos ãounsí (assistentes do #oungan) constituem uma exceção e se destinam exclusivamente aos interessados. Embora permita algumas variações, que ficam a cargo do #ozzlzgan, geralmente o rito tem um conjunto de elementos fundamentais respeitados em cada

cerimónia: saudações iniciais, desfile de bandeiras do /oa, invocações, libações, desenho dos signos do /oa no chão, ritos de orientação (pontos cardeais), sacrifício de algum animal, oferendas, transes. Essas

diversaspartes são acompanhadas de cantos e de danças apropriadas para cada família de /oas e marcadas pelo ritmo dos tambores, que varia de acordo com as indicações do #ourzgan, conforme os momentos de entrada ou saída de transe.

Ücipam de uma cerimónia de vodu: 1) o &ozzHgaPZ ou a bambo (às vezes os dois), ''pai de santo'' e ''mãe de

santo''; 2) os #otznsí, que executam os cantos e as danças: é neles que encarnam os /oas; 3) os que tocamos tambores(dois ou três, de acordo com o Zoaa ser homenageado); e 4) os assistentes, que podem ocasionalmenteencarnar os /oas, mas que não executam os cantos nem as danças. A atmosfera do rito é de confraternização. Durante toda a cerimónia, os participantes ficam na expectativa, aguardando o momento em que um /oa vai encarnar nalgum dos ãozznsíou em qualquer outro participante, pois este será favorecido pela divinuauç. A clandestinidade à qual foi obrigado o vodu, desde o tempo da colónia, conferiu-lhe um caráter secreto e misterioso. O desconhecimento favoreceu interpretações excêntricas e absurdas que nada têm a ver com uma religião, altamente comunitária, espiri-

tualista e solidária, tanto em seus rituais como em suas atividadesextra-rituais, embora se preste também eventualmente a praticas de feitiçaria. Religião especificamente rural em seu conteúdo e ligada ao /acozz por sua origem, o vodu conheceu

82

Marcelo Grondih

um enfraquecimento progressivo de suas praticas ancestrais nos últimos cinqüenta anos. A verdadeira causa disso encontra-se nas transformações do mun. do rural:

a decadência

do /acozz, ao qual estava li-

paulatina

do /acozz, centro sócio-económico

gado o culto vodu local; a ruptura e a nuclearização da família extensa e das grandes comunidades familiares; a decadência e o desaparecimento gradativo das sociedades de ajuda mútua e social ligadas anteriormente ao vodu; a pobreza generalizada, que dificulta o pagamento dos gastos rituais. A substituição e reli-

gioso, pel(i sistema de vizinhança não bem articulada, favoreceu a criação de centros regionais religiosos e de grandes templos (&ozz/pláorf) de vodu, alguns com capacidade para até duas mil pessoas. Esses novos centros rituais,

preferidos

ao #ozz/ná3 do /acotz,

têm à frente #ou/zgans ricos e poderosos. A presença desses grandes centros com suas cerimónias impo-

nentesdiminui a importância do ritual local no nível dos /ficou e contribui,

também,

para enfraquecer

o

vodu como instrumento de unidade local, de fraternidade e de solidariedade diária. Por outro lado, o enfraquecimentodo vodu como religião possibilitou o crescimento do vodu como moral, com suas superstições e proibições, o que reflete significativamente a fase defensiva e antieducativa pela qual está. passando. Somente a força e o poder contido no vodu explicam por que ele tenha sofrido proibições desde o código Negro, durante a colónia, na Primeira Constituição do Haiti e pot parte de seus primeiros chefes: Louverture, Dessalines e Christophe.

Hoiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

83

Por outro lado, desde a guerra da independência houve, periodicamente, movimentos de recuperação do vodu com fins políticos conservadores, porém seguidos de nova proibição. Por ser religião das massas e escapar ao controle dos grupos de poder, o vodu semprefoi considerado por estes como algo fora da lei, uma herança indesejável do passado, vergonhosa e inadequada ao novo estatuto político do cidadão do Haiti. Ao lado dessesgrupos encontra-se a Igreja Católica, qqe, pregando a religião oficial do Estado desde 1869, ressente-seda existência de um outro poder

religiosoque, não sendoo seu, ainda tem a capacidade de adaptar-se ao catolicismo e de integrar a seus

rituais expressõescatólicas. Em 1941, foi decretada pelo governo mulato uma campanha de destruição do vodu e de saneamentodo conteúdo do catolicismo. A campanha correspondeu a um verdadeiro empreendimentode desculturação, como nos primeiros tempos da colónia, na época da Inquisição: destruição geral de tambores (muitas vezes peças de valor artístico extraordinário), cântaros, imagens, garrafas, postes, cruzes, pedras, colares, templos.

Embora as causasprofundas do declíniovodu

tenham sido as transformações estruturais ocorridas no mundo rural, essas campanhas de destruição e de desprestígio -- juntamente com a crescente influência da cidade, a multiplicação dos meios de comuni-

cação, a penetraçãoda modernizaçãoe a influência das religiõescatólicae protestanteno campo, bem como a afluência do turismo -- colaboram para a perda progressiva da importância do papel social e

84

Marmelo Grondi

político do vodu. O vodu foi, desde o tempo da colónia, um tema de discussão, proibição, utilização ou admiração por sua capacidade de unir os haitianos, e seu poder considerável. Atualmen;teem crise, surge o questionamento sobre sua possível contribuição nos programas de desenvolvimento.

O Prometo CEIDER,

por exem-

plo, que partia fundamentalmente da cultura das massas rurais para seu programa de educação rural, considerava o vodu como um mecanismo importante dentro de seu.programa. Por outro lado, sendo o elemento económico e o processo global de produção o que fundamenta a cultura, e estando essa estrutura

em vias de transição, pode-seindagar de que forma poderá o vodu responder a essa evolução e enfrentar o fenómeno da modernização de forma dinâmica. Os principais estudos realizados nos últimos 30 anos levam a duvidar das possibilidades do vodu de acompanhar a modernização, a urbanização e a ocidentalização da sociedade. Assim sendo, o vodu se trans-

formaria num elementocultural crítico, ou seja, anticultural e antidesenvolvimentista. Os diferentes integrantes da massa popular, particularmente os rurais, é que definirão, através da sua evolução, o futuro do

vodu

Diante da crise do vodu haitiano, não serão as religiõescristãs que poderão substituí-lo. Embora

possam contribuir com um elemento espiritualista si-

milar ao do vodu, nunca poderão ocupar seu lugar nas massas como elemento de coesão cultural, em virtude das características internas e históricas do

85

[aiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

vodu. O cristianismo no Haiti, católico ou protestante -- praticado

e difundido

por estrangeiros

ocidentais

e mulatos em sua maioria, carregado de dogmas da filosofia ocidental, instituído em escolas, colégios e hospitais, e pregando contra instituições sociais nacionais como o p/açage (união matrimonial sem contrato oficial) -- veiculou um novo sistema de referência que desvaloriza os costumes e as estruturas tradicionais dos haitianos não ocidentalizados, levando-os à alienação cultural e à identificação com o branco, com o estrangeiro,

com o urbano, com a elite.

A religião católica, profundamente estrangeira

com relação a tudo o que é africano, apresenta-se como a religião da elite; ao ser a religião oficial e da

civilização ocidental, é a religião dos brancos. Oci-

dental em seu conteúdo e em suas expressões rituais, transmite a ideologia de que a verdadeira civilização é a civilização ocidental, da mesma forma como se trata de transmitir a idéia de que a verdadeira língua é a francesa. A Igreja Católica no Haiti é um instrumento homogeneizante da elite e desarticulador das massas. A influência da maioria das igrejas protestantes

é ainda mais alienantee desarticuladora,por serem elas mais definidasculturalmentee portadoras da

ideologia e da civilização da nação dominante: os Estados l.Jnidos da América do Norte. Por seu caráter estritamente religioso e espiritual, não-económico, apolítico, as religiões protestantes colaboram para destituir as populaçõeshaitianas não s6 de sua cul-

86

Marmelo Grondin

fura, mas também de sua consciência política. Juntamente com o vodu, também a música popular e as festas típicas estão desaparecendo sob o impacto

da ocidentalização

e da urbanização:

os

tambores são, pouco a pouco, substituídos pelas guitarras elétricas e pelos órgãos eletrõnicos; os ritmos do Fada pelo merengzze; o ra-ra (carnaval rural) pelo carnaval urbano de fantasias e carros alegóricos. O

flaiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento tados para as metrópoles (Estados Unidos e Europa), consideradas como os modelos de cultura e desenvol-

vimento.A influênciavem de forma direta, através de intervenções, programas de desenvolvimento,culturais ou religiosos, ou dos meios de comunicação de

massas. Tudo isso é uma condiçãodo sistemacapitalista para manter a sua sobrevivência. O sistema que foi imposto no Haiti tende a estender sempre

depende não apenas da evolução interna das estruturas que a compõem, mas também das correlações de

mais seus tentáculos para conseguir a maximização dos lucros. Os grandes centros de decisão e de poder se situam no exterior do país. Da mesma forma que a economia dos países subdesenvolvidos é dependente das metrópoles, a cultura também o é. O Haiti continua atado a uma rede de dependência múltipla, a um conjunto de relações de dominação que têm como força motriz o capitalismo em escala mundial. As possibilidades de desenvolvimento no Haiti e sua vida nacional são amplamente condicionadas pela natureza das relações que estabelece no chamado sistema internacional, mas também pela evolução desse sistema, ou seja, das correlações de força que ali se instalam, se arraigam e se transfor-

pos externos, que têm influenciado de forma considerável nessa evolução.

pole continua se sobrepondo às culturas locais ou na-

desaparecimento

gradativo

de certas formas de ex-

pressão cultural, refúgio sagrado da resistência popular no Haiti, é o indício de uma transformação cultural importante: ela ameaça tanto a permanência e

funcionalidadedos elementosculturais das massas nos programas de desenvolvimento quanto a sua participação no poder.

Influência externa A evoluçãoda cultura, em seu sentido global,

força existentesentre a sociedadehaitiana e os gruO Haiti não é uma ''ilha de RobinsonCrusoé'' Forma parte atavade uma rede mais ampla, o que

condiciona seu desenvolvimentoe, até certo ponto, o define. A cadeia de transmissão de influência do sistema pode ser composta pela elite e também pelos grupos de poder colonizados, ocidentalizados e vol-

87

mam.

Porém, nessascorrelações,a cultura da metró-

cionais, o que demonstra que os países da América Latina nunca deixaram de ser colónias, nem mesmo com a independência. A partir de meados do século XIX, eles ganharam uma nova tutela, a dos Estados Unidos. Essa hegemonia se dâ a partir de políticas ba-

88

Marcelo GrondiK

suadas em transmissões e justificativas ideológicas aculturantes: ''cooperação continental'', ''Organização de Estados Americanos'', ''defesa mútua'', ''solidariedade dos Estados Americanos'', ''boa vizinhança'' , ''Aliança

para o Progresso''

, ''Segurança

hemis-

férica'' e apoiada por uma infinidade de importantes foros e documentos para a cooperação latino-americana, americana e internacional, como por exemplo, na década de 60: Ata de Bogotá, 1960; Declaração dos Povos, 1961; Carta de Punta del Este, 1961; Carta de Altagracia,

1964; Ata económica e social do Rio

de Janeiro, 1965; Protocolo de Buenos Abres, 1967; Declaração dos Presidentes da América, 1967; Plano de Ação de Vidas del Mar, 1967; Carta de Tequendama,

1967; Declaração

de São Domingos,

1968;

Consenso latino-americano de Viíías del Mar, 1969. Esses programas políticos foram apoiados por

intervençõesde tipo militar. Assim, o Haiti sofreu um bloqueioeconómicopor parte da França, da Inglaterra, da Espanha e dos Estados Unidos, depois de conquistar sua independência em 1804, até termi-

nar de pagar à França indenizaçõespor uma guerra que havia ganhado, e por di.rectosde liberdade e in-

dependênciaque havia conquistado. Tanto o Haiti como outras ilhas do Caribe foram invadidas várias vezescom base na ''Doutrina Monroe'' e na política

do ''Big Stock'' pelas forças de ocupação norte-ame-

ricanas. A ocupaçãodo Haiti, de 1915a 1934,provocou uma prolongada resistência popular, a repressão a expressõesculturais como o vodu, a criação de tensõesraciais e transformações culturais importantes.

laiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

89

Anualmente, o maior impacto sobre as culturas locais vem, talvez, através da atuação das multinacionais, ponta de lança do capitalismo oligárquico. O Haiti, como os demais países dependentes, esta preso nas três estruturas sociais do poder: tecnologia, capi-

tal e comunicação. O seu processo embrionário de industrialização, com base na tecnologia externa, assim como o capital de financiamento e a comercialização e, especialmente, a difusão da ideologia da sociedade de Consumo são característicos do seu modelo de desenvolvimento e garantem sua dependência externa. Em países com alto grau de analfabetismo, o uso do radio e da televisão se prestam admiravelmente

para os programas de comunicação. No Haiti, esses meios são eficientes portadores de elementos desarticuladores da cultura do país e da ideologia da sociedade de consumo. Depois que os valores de consumo europeus e norte-americanos se transformaram nos objetivos básicos do crescimento económico de uma nação, ela necessita sacrificar sua capacidade de criação tecnológica. A ampliação do mercado das multinacionais exige isso. Até 1980, quando se inaugurou

o primeiro canal de TV nacional, o Haiti tinha dois canais de televisãocontrolados pela mesma companhia norte-americana, um dos quais transmitia unicamenteem inglês e o outro traduzia para o francês programas do canal em inglês, ou apresentavaprogramas da televisãofrancesa. No caso do canal em língua francesa, havia apenas cinco minutos diários de notícias em crio/e; isso, deve-se acentuar, num

90

Marcelo Grondin

país de língua crio/e, onde apenas 10%ada população fala francês e quase ninguém, a não ser um pequeno grupo de estrangeiros e uma minoria da elite haitiana, fala inglês. Os programas de televisãoconvidam continuamenteao consumo de bens fabricados por empresas estrangeiras: refrigerantes, cigarros, veículos,etc. Seusprogramas propõem como heróis os da ficção americana: o homem ou a mulher biânicos, o Super-homem, o Batman, Flash Gordon, Buck Rogers, Popeye, Pato Donald, etc. ''Uma imagem que se infiltra com clareza é a de que felicidade, realização pessoal e ser branco estão ligados entre si. Um dos efeitos dessa publicidade de que 'o branco é lindo', é o reforço dos sentimentos de inferioridade que constituem a essência de uma men-

talidade colonial politicamenteimobilizante... A mensagemsutil é: nem você, nem aquilo que você produz vale muito. Nós Ihe venderemos civilização.'' (Barret y Müller, 1980, p. 178)

Talvez seja por isso que, no Haiti, quem tem

muito dinheiro é chamado ''gros nég'' (negro grande) mas quem tem muito poder é chamado ''gros blanc'' (branco grande).

tório nacional esta coberto deles. Em 1980 havia no Haiti 80 organismos estrangeiros, entre os quais mais de 30 eram organismospúblicos. Desde a renovação da ''ajuda'' externa no início da década de 70, o Haiti

conta anualmentecom aproximadamente300 mi-

lhões de dólares e cerca de 400 especialistas internacionais -- em 1980, apenas cinco entre eles haviam aprendido o Grão/e -- para executar projetos de desenvolvimentopor parte de organismos públicos, sem contar as somas consideráveis e o numeroso pessoal investido pelos organismos privados. O Haiti é o país

da América Latina que, proporcionalmente à sua população e ao seu território, mais ajuda externa re-

e bebe

Em 1961, considerava-se urgente: questionar, honestamente, se a massa dos camponeses tinha tirado algum proveito da ''ajuda'' internacional espalhada por toda a ilha; examinar as numerosas experiências de modernização que chegaram para dar força aos programas nacionais; e estudar os sistemas que preconizavam e as concepções que inspiravam essa ''ajuda''. Vinte e quatro anos depois, com uma ''ajuda''

Organismos internacionais A influência

Haiti: Cultura. Poder e Desenvolvimento

desarticuladora

da intervenção

es-

trangeira é acrescentada pela forma como estão presentesno Haiti os organismos internacionais públicos e privados e os proletos de desenvolvimento. O terri-

externa ainda maior,

as mesmas perguntas

são tão atuais quanto em 1961. De acordo com o informe da OEA (1972) sobre o Haiti, existiam então 28 instituições públicas internacionais realizando projetos, das quais somente duas se ocupavam da agricultura. Por outro lado, o informe assinala que o camponês aceita facilmente inovações realistas que melhorem sua condição de vida ou aumentem seus ganhos. O grande problema,

91

Marcelo Grondin

92

então, çom relação aos proletos, situa-se nos próprios organismos internacionais. Nas duas etapas de ajuda externa ao Haiti(19461972e 1972-1980),multiplicaram-se os projetos vin-

dos do exterior, sendo alguns deles de considerável extensão. Por exemplo: Projet d'Education Rurale de Marbial

(UNESCO),

1949; Campanha

de Alfabeti-

zação (UNESCO), 1949; Organismo de Desenvolvi-

mentodo Vale do Artibonite(O.D.V.A.), 1949;Ser-

vice Coopératif Haitiano-Américain d'Education Rurale (SCHAER), 1948; Service Coopératif Intéramericain de Prodution Agricole (SCIPA), 1948; Institut Haitien de Crédit Agricole et Industrial (IHCAI), 1951; Institiit de Développement Agricole Intégré (IDAI), 1961; Société Haitiano-Américaine de Développement Agricole (SHADA), 1946; Centrale Sucriêre Dessalines, 1955; HABANEX (Haitian Banana Export), 1956; ODN (Organisme du Développement du Nord), 1959); ODPG (Organisme du Développe-

ment de la Plaine de Gonaives), 1974; Projet lsraélien dans la Plaine du Cul-de-Sac, 1976; DRIPP (Développement Régional Intégré de Petit-Goave et Pe-

tit-Trou de Nippes), 1976; Projet d'Education de la Banque Mondiale, 1976;CEIDER (Centre d'Education Intégré pour le Développement Rural), Haiti

é um cemitério

de projetos.

Em

1978. 1980,

quase todos os proletos financiados por programas públicos bilaterais ou multilaterais, bem como os proüetos privados de certa importância financeira,

encontravam-separalisadas ou em crise. Existem, atualmente, algumas exceções, como o caso das Ilho-

93

Haiti: Cultura, Poder e Desenvol'pimento

tas de Desenvolvimento,que buscam uma forma de desenvolvimentoaproporiada à realidade do mundo l Ulal.

A nova corrente de ''projetos de Desenvolvimento Integrado'' postergou a era dos ''Projetos de

Desenvolvimento Apropriado'' a serem elaborados com a participação de seusexecutores, de acordo com seu ritmo, sua potencialidadee sua cultura. Quarenta anos de projetos apressados, o investimento de bilhões de dólares e a contratação de milhares de especialistas internacionais não trouxeram nenhuma mudança significativa para a economia dos setores mais pobres. A opinião de Calixte Clérismé (1978) com relação ao prometoMARBIAL, merece ser lembrada para os proüetosde 1984: ''O prometoMarbial, lançado pela UNESCO em 1949-54, com o objetivo de instaurar a educação de base, a educação técnica e doméstica, e o aprendizado de novas formas de cultivo, foi mal compreendido pelos interessados. Todo o aparato técnico da UNESCO e os milhões de dóla-

res de ajuda foram postos à disposição desseprograma piloto, destinado a melhorar as condições dos agricultores do vale de Marbial e, progressivamente,

de todos os camponeses

haitianos.

Mas,

esse prometo

foi um rotundo fracasso, principalmente por causa da ignorânciado pessoalda UNESCO das normase costumes dos agricultores da região (a UNESCO é a instituição da cultural) e da indiferença da popula-

ção mal informada a respeito dos objetivos do pro-

jeto' '

A opinião anterior coincide com a de Paul Mo-

94

Marcelo Grondin

ral (1961) em sua obra clássica sobre o Haiti: ''O estabelecimento e o funcionamento do centro de Marbial deixaram uma documentação relativamente importante, numerosos informes, nos quais, entretanto, o cuidado do ínfimo detalhee da contabilidade minuciosa freqüentemente ocultam o verdadeiro alcance das realizações e o balanço crítico dos êxitos e dos fracassos. Nem sempre precisão significa sinceridade. Efetivamente, a impressão que Marbial dava, em sua melhor época, de 1950a 1953, era a de -- se nos permitem a expressão -- uma empresa de biscate rural ou pera-rural, conduzida por especialistas de boa vontade, certamente, mas que se detinham numa pedagogia amorfa pela qual os agricultores simulavam interessar-se, apenas por orgulho e por sua gentileza natural'' Além das causas de ordem interna mencionadas,

pode-seatribuir, em grande parte, o fracasso dos

proüetosa falhas estruturais dos organismos internacionais. A maioria deles trabalha com fundos de ban-

cos que exigemresultadosrápidos. Além disso, os especialistas são geralmente contratados por poucos

anos (normalmenteum ou dois) e necessitamapresentar resultadosdentro desse tempo. Cada um dos especialistas e das instituições públicas ou privadas, tanto estrangeiras como nacionais, intervém com sua própria orientação, seuprograma, sua cultura; ainda há a possibilidade de, às vezes, varias delas trabalharem numa mesma região, com orientações diferentes. Os programas e proletos se destinam, na retórica desses organismos,

''principalmente

aos mais pobres'

!aiti: Cultura, Poder é Desenvolvimento

Entretanto, as comissõesencarregadas da preparação dos proJetos, limitam-se a permanecer no país apenas algumas semanas ou meses e geralmente na capital. Os projetos são elaborados -- de forma conscienteou não -- a partir de critérios e interessesexternos. Esses proletos entrecruzam, portanto, os mais diversostipos de cultura: a do país sede do organismo, a do próprio organismo, a de cada especia-

lista segundo sua origem, a do próprio projeto e a do conjunto das culturas integradas em sua elaboração, mas não a cultura das massa rurais às quais supostamente se destinam. A cultura ocidental global, com sua tecnologia sofisticada, seu ritmo acelerado em busca de resultados rápidos, sua necessidade de exploração de k/zow-

#ow e de importação de excedentes, adapta-se mal a uma cultura tão particular como a do Haiti, com seus elementosespeciais e seu ritmo de trabalho mais lento que o ocidental.

Freqüentemente, os bloqueios ao desenvolvimento são atribuídos à falta de análise dos recursos humanos, de tecnologia, de melhoria do recurso humano nacional, de planejamento ou de reformas. Os

organismosinternacionaisse negam, na pratica, a

investir os recursos necessários para a realização de estudos prolongados e sérios, permanentes e funcionais com relação aos problemas fundamentais, aos recursos naturais e humanos e às potencialidades culturais do país. A maioria dos técnicos estrangeiros de organismos internacionais nem chegam a se inteirar da cul-

95

96

Marmelo Grandin

fura local, kledicando-se, geralmente,a uma transmissão técnica de know-Àow. No Haiti, onde 90%oda

populaçãofala exclusivamente crio/e e é a clientela

preferencial dos projetos, somente cinco entre os 400 técnicos presentes em 1980aprenderam a língua, veículo fundamental de comunicação e de conhecimento da cultura. A ineficiência dos projetos destinados aos agricultores do Haiti não se deve à falta de transferência de tecnologia e crédito ou à falta de capacidade para aceita-los (OEA, 1972); o que acontece é que os projetos, pacotes preparados fora; são lançados de pâra-

quedasnas comunidades,sem partir de sua própria cultura, de suas estruturas, de seus costumese de suas potencialidades.

Por outro lado, a inclusão da cultura nos pro-

jetos deixa outra interrogação: para que os projetos e

para quem? Os prdetos de desenvolvimento colaboraram, durante os últimos 30 anos, para um aumento substancial da produção na América Latina: quatro vezes, de acordo com o informe da CEPAL. Entretanto, de acordo com o mesmo informe, a situação de 50 a 70 por cento da população de menor ingresso não melhorou, significando que os lucros foram captados pelas camadas mais ricas que tiveram seus ganhos incrementados. Os projetos, bem como certos instrumentos de desenvolvimento,como por exemplo a organização e o desenvolvimento comunitário, são, geralmente, meios de exploração das camadas populares, e mais ainda, fazem-nas participar mais ativamente no processo de sua própria exploração.

97

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

A inclusão da cultura como elemento básico

para a elaboraçãode proüetospoderá conduzir aos mesmos resultados, se esses projetos não forem elaborados com a participação atava da população interessada e executados de acordo com seus interesses e

sob sua administração. Essa orientação, proposta pela diretoria do projeto CEIDER, em 1978, foi oficialmente rejeitada pelo BID, financiador da maior parte do prometo.Esse enfoque torna a colocar toda a

problemáticade fundo do subdesenvolvimento e do desenvolvimento:não existe uma política cultural e de desenvolvimento sem uma política de sociedade.

99

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

aosgrupos sem poder, uma cultura é esmagada. Estruturalmente, não existe cultura nacional, porque não existe unidade nacional a não ser em nível estratégico. O conceito de cultura nacional é alienante; o conceito de subculturas é dialético e pode ser inspirador de processos de transformação. O ani) de 1985 encerra a metade da quarta

CONCLUSÃO O estudo do Caribe, particularmente do Haiti e da República Dominicana, evidencia a grande variedade e complexidadedas micro-regiõese países da

região, as diferenças culturais existentesentre os mesmos e dentro de cada um deles, em virtude de sua

história particular. Não se pode, então, falar propriamente de uma cultura caribenha, porque o Caribe não constitui uma unidade. Da mesma forma, não existe uma cultura nacio-

nal em cada país do Caribe considerado como unidade económicae política. Embora seja difícil delimitar a estrutura de exploração reconhecida nestes países, existem, em cada um deles, dominantes e dominados, exploradores e explorados. E, como conseqüência, existe também uma cultura dominante e

uma cultura dominada,uma homogeneizadora e outra homogeneizada, uma alienantee outra alienada, a primeira correspondendoaos grupos de poder que se enfrentam na luta pelo poder e, e segunda,

dé-

cada de programas de desenvolvimentopara a América Latina e o Caribe, onde foram investidas somas fabulosas de dinheiro e foram empregados dezenas de milhares de especialistas. De acordo com os relatórios da CEPAL e outros organismos internacionais, foram 35 anos de fracassos. Na verdade, para o sistema capitalista, entretanto, foram 35 anos de êxitos: os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. Foram 35 anos de exploração melhor planejada, melhor programada, melhor financiada. Estamos saindo de três décadas e meia de ''desenvolvimento'' baseado em ambigüidades. Essa experiência dispendiosa é suficientemente longa e confirmada para justificar a: urgência de tomarmos uma posição crítica a respeito.

De fato, essas décadasforam orientadaspor

uma visão economicista que situava as causas do subdesenvolvimento principalmente, quando não exclu-

sivamente,na falta de estruturas apropriadas, de ciência e de tecnologiae achava que o problema poderia ser solucionado simplesmentepor meio de novas estruturas ou de transferência de know-&owe de dinheiro para compra-lo.

Porém, .a maioria dos programas destinados às

Marcelo Grondin

11

massas chocaram-se contra um muro às vezes imperceptível, mas incontomável: sua cultura. Hoje, a própria abordagem economicista começa a reconhece-lo:

no processode exploraçãoe de apropriação, a cultura sempre esteve presente; está sempre presente.

Por isso, não pode haver desenvolvimento sem cultura como não hâ subdesenvolvimentosem cultura. O sistema capitalista não pode sequer considerar a possibilidade de integrar os setores mais pobres aos setores mais ricos: a manutenção e o crescimento dos ricos exige a manutenção e o crescimento dos setores explorados. E a cultura da riqueza em oposição à cultura da pobreza. A elaboração de projetos que levem em conta a cultura e a participação dos grupos interessados exigiria dos grupos de poder local, dos governos nacionais e dos organismos internacionais e seus especialistas, a elaboração e execução de programas a partir de critérios muito diferentes dos anuais, que teriam de ser conjugados com os critérios dos grupos considerados ''desenvolvíveis'' SÓ pode haver desenvolvimento

a partir do ''en-

volvido''. A posição adversa é sinónimo de imposição, colonialismoe dependência.Mais ainda: significa. ''o desenvolvimento do subdesenvolvimento''

IJma nova política exigiria disposição para a

aculturação, para a adaptação a novos ritmos e a novos valores, diversos daqueles que representam a cultura das elites da sociedade industrial, do capital, do consumo e do avião supersónico. No fundo, o que se teria que reconhecer é que o modelo único e por ex-

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento

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celência não é necessariamente o modelo ocidental e que os proüetosnão devem ser encaminhados para imitar ou para atingir tal modelo. A mudança requerida não é apenas técnica ou estratégica: é também cultural.

A análise das culturas do Caribe e particular-

mente do Haiti, no que se refere às massas ainda exploradas e oprimidas, revela claramente o antagonismo de classes e, conseqüentemente, a dicotomia diante da qual se encontram atualmente os programas e proüetosde desenvolvimentodestinados aos setores mais pobres da população. A questão primordial não é saber se existem elementos culturais valiosose quais são, mas saber até que ponto os grupos de poder nacional e os organismos internacionais serão capazes de fomentar a cultura popular sem instrumentali2â-la, aceitando, assim, uma possível modificação do atual desequilíbrio de forças. Em última instância, a opção para a dinamização da cultura popular negra no Caribe, como um meio para obter um desenvolvimentosem alienação não é uma decisão técnica: é uma definição política. Porque rüo há projeto cultural sem prometode sociedade.

103

Haiti: Cultura, Poder e Desenvolvimento 5 Organização agrícola e social: -- Moral Paul, .[e /\zysan HàilíeB, Ed. Maisonneuve & Larose, Pa-

ria, 1961.(Obra clássicasobre Haiti. Ainda não superada.)

-- Lundahl Mats, Peasanfxand Povertp, 4 Srudy of Hàftf, Croom Helm, Londres, 1979.

6. Organizações camponesas :

-- Laguerre M. , Organisations paysannes traditionnelles en Hatti Post-au-Prince, mimeo laCA, 1976.

7.

INDICAÇÕES PARA LEITURA

vue Conjonction, no 145-146, Port-au-Prince,

9 Z,ípzgua créole:

Bebei-Gisler Dany, Za ZangueCrio/e, .brce .fzígu/ée,Ed. L'Harmattan, Paras, 1976.

autores haitianos como estrangeiros. Indicamos aqui apenas algumas das muitas obras relacionadas com o presente tema. Visão gera/ do .Hb/f/ : história e situação atual.

-- Anglade George, .[ 'ELipace Àa7ffen , Les Presses de ]'Université

Québec, Montreal, 1979.

10. Análise política :

-- Pierre-Charles Gérard, Hiziff,. Radíogr(Úa de uiva dfcfadura, Nuestro Tiempo, México, 1969.

du

-- Greene Graham, TBe Gomedfaizs.(Excelentecrítica à ditadura Duvalier.)

2. yi'sãogera/ do Cbríóe : história e culturas.

HorowitzMichael, PeopZesand Cu/furos of f&eGarríbeazz, The

11

Natural History Press, Nova lorque, 1971.

Pierre-CharlesGérard, E/ Canse Cbzzlempora/zeo, Sigla XXI,

3

México, 1981. História de Za ]gspamo/a(particularmente

1979.

8 Religião Vodu -- Métraux Alfred, l,e validou Aaíflen Gallimard, Pauis, 1958

A literatura sobre Haiti é muito abundante, tanto por parte de

l

Educação -- Lafontant Jean, ElémenZSd'une pmbZématfguede /a scolarfsa tios duns une perspectivede dé'peloppement autonome, Rê

Cultura

e sociedade':

-- Casimir Jean, Z.a czz/furaopnm/da, Nueva Imagem,México 1980.(Análise muito bem documentada.)

-- Hurbon laennec. Czz/fure ef dfcfafz4re e/z .Hkzitf, L'Harmattan Paria, 1979.

Haiti):

Cassa Roberto, .Hhfórza soez'a/yecomómfcade /a Repzíb/fca .Z)o-

mlnlcaPza,Alfa y Omega, SantoDomingo, 1978.

Moya Pons Frank, J\íanzza/ de .Hls/orz'a .Domfpzfca/za. UCMM. Santiago, República Dominicana, 1978.

Gastar Susy, l.a ocupación norteamericanade Haiti y sus con seczienclas (1915-1934), XXI, México. 1971.

4. Cor e classes :.

Prece-MarsJean, .4ílzsípar/e/'Onc/e, Pauis, 1928.(Obraclássica

da literatura sobre a nligrírtide). Depestre René e outros, /94ó-/97ó. Zrenfe ans de pouvofr ziofr ezzlrai7í. Collectif Parolos, La Salle, Qué. , 1976. Labelle Michêle, /aéo/ogü de coza/ezzr ef c/as.ses.soez'a/esen .Halfí.

Les Prestesde]'Université deMontréal, Montreal, 1978.

}

Caro leitor:

As opiniões expressas neste livro são as do autor. podem não ser as suas.Caso você acho que valha pena escrever um outro livrosobro o mesmotema, nós ostamos dispostos a estudar sua publicação com o mesmo títulocorno "segunda visão

À

A REVOLUÇÃO rARROUPILHA Sangra Jatahy Pesavento

Símbolo do espírito do bravura dos gaúchos, dez anos de oposição ao poder central.

APARTHEID

Sobre o Autor

O horror branco na Africa do Sul

Marmelo Grondin, natural do Canadá, é professor-pesquisador

da Pontifícia Universidade Católica de São Pauld(PUC) no Programa de.Pós-graduaçãoem Administração de Empresas e membro da dire-

toria do Instituto de Relações Latino-Americanas (ORLA) da mesma instituição. Cursou seus estudos acadêmicos nas Universidades de Ottawa (Canadá), Lille (França), Manchester (Inglatena) e na Universidade lbero-americana do México, cinde obteve o ãtulo de Doutor em Ciências Sociais e da qual foi catedrático

MarmeloGrondin residena América Latina há 28 anos e durante

Francisco rosé Perelra

IJma anáLIse críUca do apartheid, forma

institucionalizada do mais cruel racismo om nossos dias.

A COLUNA PRBSTnS Rebeldes errantes

esse tempo dedicou-se permanentemente a projetos de desenvolvimento e a pesquisas sócio económicas, principalmente na Bolívia, no Peru, no

rosé AugustoDrummond

FupaJ Katari y !a {ebeliótt. campesina de 1781-1783, Rebelião campo-

vida políUcabrasUojra.

México, na República Dominicana, nÕ Haiti e no Brasil. Publicou' vá rias obras, entre as quais: (lbmzz/z;dad'.4nd/na.exp/oracíó/zca/czz/ada,

nesq /za Bo/ívla, A/éfoda de QuecAua, A/éfodo de .4ymara(gramáticas portante do Peru e do Equador). Atualmente dirige estudos sobre a organização e a administração sindical na grande São Paulo.

O autor residiu dois anos na República Dominicana (1976-78) como perito internacionalcontratado pelo llCA (Instituto Interameri-

cano de CooperaçãoAgrícola) para aisessorara organizaçãodos pequenos produtores no prometoPIDAGRO

(Prcjeto Integrado de Desen-

volvimentoAgropecuârio) do governo dominicano. Também morou dois anos.no Haiti(1978-1980), contratado pela mesma instituição, como co-díretor do projeto nacional de desenvolvimento rural CEIDER (Centre .d'Education

.Intégrée tour

le Développement

Rural)

do governo do

Haiti. Foi também catedrático na Univeiiité d'Etat de Post-au-Princee noaaeInstitut des Sciences du Développementdependentedessa univ'ersi-

ã

Os significados doadoimportante capítulo tonentista clara manifestação do intervencionismo mIlItar na

A DITADURA SALAZARISTA Mana Luísa de A. Paschkes

A amarga tralotória do ''Estado Novo'' português, com todas aa singularidades do suas Instituições políticas o económicas.