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Portuguese Brazilian Pages [290] Year 2017
Guilherme de Souza Nucci
(2.a edição L revista, atualizada e ampliada
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Habeas Corpus
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Nacional
o GEN I Grupo
Editorial Nacional - maior plataforma editorial brasileira no segmento cientifico, técnico e profissional- publica conteúdos nas áreas de concursos, ciências jurídicas, humanas, exatas, da saúde e sociais aplicadas, além de prover serviços direcionados à educação continuada.
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Guilherme de Souza Nucci
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(2.a edição revista, atualizada e ampliada
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• Capa: Danilo Oliveira
• Fechamento
desta edição: 23.02.2017
• CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Nucci, Guilherme
de Souza
Habeas Corpus / Guilherme de Souza Nucci. - 2. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017. Bibliografia ISBN 978-85-309-7125-0 1. Habeas corpus.
14-12205
2. Direito penal.
I. Título.
CDU: 342.721
APRESENTAÇÃO À 2a EDiÇÃO
A ação constitucional denominada habeas corpus é de extrema relevância para assegurar os direitos individuais, e não deve, jamais, ser cerceada por força de lei ordinária. Afirmar que o habeas corpus perturba o andamento dos trabalhos dos tribunais, em sua área criminal, é irreal, posto que se cuida de ação apresentada já com provas pré-constituídas. Diante disso, a facilidade de acesso às alegações, geralmente calcadas em questões de direito, permite o rápido julgamento dos feitos. Nunca é demais lembrar que várias situações jurídicas foram alteradas graças a habeas corpus impetrados diretamente pelo interessado, vale dizer pelo preso ou condenado. O incentivo do manejo do habeas corpus pela parte que se julga prejudicada é fundamental para o bom exercício das garantias constitucionais. A segunda edição desta obra foi atualizada, trazendo jurisprudência relevante, recente e com acréscimo de dados doutrinários, tudo para facilitar o estudo e a utilização do habeas corpus pelos estudantes e pelos operadores do Direito. Agradecemos ao GEN I Grupo Editorial Nacional, pelo apoio quanto à renovação e atualização desta obra. Ao leitor, a minha gratidão, pelas considerações e sugestões feitas ao longo da distribuição da primeira edição. São Paulo, fevereiro de 2017. O Autor
APRESENTAÇÃO À 1a EDiÇÃO
Esta é a primeira obra inédita publicada em parceria com a Editora Forense e não poderia deixar de ser relevante para o universo das ciências criminais, em particular para o Processo Penal brasileiro: Habeas Corpus. Trata-se da ação constitucional de impugnação, destinada a coibir qualquer violência ou coação no tocante à liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5.°, LXVIII, CF). No contexto dos direitos e das garantias individuais, o habeas corpus é uma garantia ao direito fundamental da liberdade, com todos os seus reflexos, que abrange outros notórios direitos humanos, como a inviolabilidade de domicílio, a intimidade, a vida privada, a integridade física, a saúde e até mesmo a vida. Essa garantia se torna um instrumento e por isso é denominado remédio heroico. Pode ser impetrado por qualquer pessoa - física ou jurídica - em favor de pessoa física, denominada paciente, quando houver constrangimento à liberdade de ir, vir e ficar. Porém, ampliou-se o alcance do habeas corpus atualmente, podendo atingir outros atos de coação ou constrangimento, vinculados indiretamente à liberdade de locomoção, motivo pelo qual agigantou-se nos Tribunais pátrios, necessitando de estudo frequente tanto sob o enfoque científico da doutrina como também pelo prisma dos julgados diários em cada Corte brasileira. Os fundamentos para ingressar com habeas corpus, embora enumerados no art. 648 do Código de Processo Penal, são abertos e vinculados à liberdade
8
I
HABEAS CORPUS - NuCCl
individual, não se podendo considerar o rol da lei ordinária como taxativo; afinal, a letra da Constituição Federal é ampla e extensiva. Temos observado que a legitimidade invulgar para impetrar habeas corpus, sem necessidade de representação do advogado, fazendo-o em nome próprio ou em favor de terceiro, tem aberto portas sobre questões controversas acerca de temas cruciais para o Direito Penal e para o Processual Penal. Exemplo disso se deu no caso do preso que, em seu próprio benefício, impetrou a ação constitucional junto ao Supremo Tribunal Federal, pleiteando o direito de progressão, pois estava condenado por delito hediondo, em regime fechado integral. Deu-se prosseguimento à demanda, inseriu-se o pedido em Plenário e, no dia 23 de fevereiro de 2006, concedeu-se a ordem para declarar inconstitucional a vedação à progressão constante da Lei dos Crimes Hediondos, permitindo a passagem ao semiaberto. O caso concreto julgado impulsionou o Poder Legislativo a alterar, em 2007, a Lei 8.072/1990 que passou a permitir então, a progressão de regime a todos os condenados por delitos hediondos e equiparados. Um habeas corpus, impetrado por cidadão leigo, réu condenado e preso, mudou a história dessa parte do Direito Penal no Brasil. Jamais se pode menosprezar o valor intrínseco à ação de habeas corpus como bandeira hasteada permanentemente no púlpito da liberdade. Esta obra foi constituída com afinco e dedicação, após cuidadosa pesquisa na melhor doutrina e valendo-se de incontáveis julgados encontrados nos vários Tribunais brasileiros, especialmente no STF e no STJ. Ingressamos na parte histórica apenas para situar o instituto, absorvendo a sua notoriedade nas letras jurídicas de várias nações, passando logo ao seu conceito e natureza jurídica, pontos interessantes de debates científicos ao longo dos anos. Estudamos as condições da ação de habeas corpus e tecemos comentários a respeito do direito líquido e certo, da liberdade de ir, vir eficar, bem como da indispensável ampliação do seu alcance para outras frentes, que lidam indiretamente com a liberdade de locomoção. Exploramos as restrições à utilização do habeas corpus, sempre apresentando a nossa posição no tocante às controvérsias, marca que assumimos desde o início de nossa carreira acadêmica, passando a analisar o interesse de agir e a legitimidade ativa e passiva. Delimitamos aspectos relativos à competência para conhecer e julgar o habeas corpus, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, trazendo à tona a responsabilidade da autoridade coatora de informar corretamente acerca do ato impugnado, fazendo-o em detalhes, com o fito de sustentar a legalidade de sua decisão.
APRESENTAÇÃO
à 1 a edição
I
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Vinculado ao estudo do habeas corpus, inequivocamente, encontra-se o seu fundamento jurídico, com particular destaque à justa causa para os atos restritivos à liberdade individual. Por isso, nesta obra, são avaliadas as várias modalidades de prisão cautelar, seus requisitos e seu alcance, para se apurar o cabimento ou descabimento de sua mantença frente ao caso concreto da pessoa presa. Associado à detenção provisória, encontra-se ajusta causa para a investigação criminal e para a ação penal, que podem ser trancadas, caso sejam infundadas e injustificadas. Um dos mais tormentosos temas atuais do Processo Penal brasileiro liga-se à duração razoável da prisão provisória, que conta com inúmeras visões da doutrina e outras variadas opiniões nas Cortes. Busca-se explorar todas as vertentes, apontando soluções e trazendo para esse cenário o importante requisito da proporcionalidade, que se vincula à razoabilidade. Avalia-se o procedimento do habeas corpus e todos os recursos a ele inerentes, ingressando nas formalidades da petição inicial, a importante questão da liminar, galgando esforços para tecer considerações sobre a produção de provas, o mérito dessa ação constitucional e a viabilidade de concessão da ordem de ofício pelo juiz ou tribunal. O derradeiro capítulo é dedicado aos pontos polêmicos e atuais do habeas corpus no cotidiano dos operadores do direito, abrangendo o ajuizamento da ação constitucional contra decisão já proferida em outro habeas corpus; a propositura contra indeferimento de liminar de habeas corpus; o seu uso como substituto da revisão criminal; o confronto com o mandado de segurança para impedir a quebra do sigilo bancário, fiscal ou telefônico; a sua utilização para garantir interesses não previstos expressamente em lei, tais como a visita íntima do preso e o cumprimento da pena próximo ao seu local de domicílio; a relevância da ampla defesa no habeas corpus, sob diversos matizes; o seu uso no procedimento do Tribunal do Júri; a questão da prisão civil do devedor de alimentos, entre inúmeros outros. Esperamos que o leitor possa apreciar esse trabalho, servindo-se dele para estudos acadêmicos e para solução de dúvidas no dia a dia da prática forense. À Editora Forense o meu agradecimento pelo empenho e pela dedicação
na produção desta obra, confirmando neste ano.
o triunfo da nossa parceria, iniciada
São Paulo, maio de 2014.
o Autor
SUMÁRIO
I.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS
17
1.1
Constituição Federal e habeas corpus
17
1.2
Aspectos históricos em breves linhas
18
1.2.1
Origem do habeas corpus
18
1.2.2
Habeas corpus no Brasil e na América Latina...................................
20
11. CONCEITUAÇÃO
23
2.1
Conceito e natureza jurídica.......................................................................
23
2.2
Espécies de habeas corpus
28
m. CONDIÇÕES 3.1
DA AÇÃO
Possibilidade jurídica do pedido................................................................
31 31
3.1.1
A questão do direito líquido e certo
35
3.1.2
Liberdade de ir, vir e ficar
37
3.1.3
Ampliação do seu alcance
38
3.104
Punição disciplinar militar
42
12
I
HABEAS CORPUS - NuCCl
3.1.5 3.2
3.2.1
46
Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente
48
3.2.3
Cessação do interesse de agir
49
3.2.4
Desnecessidade de pedido de reconsideração ao juiz para a impetração no tribunal ou de reiteração de pleito já formulado.............
49
Legitimidade
50
3.3.1
Legitimidade ativa: impetrante e paciente
51
3.3.2
Legitimidade passiva: autoridade coatora e particular
56
3.3.2.1
Tribunal como órgão coator
59
3.3.2.2
STF como órgão coator
60
3.3.2.3
Legitimidade passiva do particular.............................................
61
3.3.2.4
Membro do Ministério Público como autoridade coatora.......
64
3.3.2.5
Comissão Parlamentar de Inquérito como coatora
67
3.3.3
Intervenção de terceiros
67
3.3.4
Requisição cumprida pela autoridade policial................................
70
3.3.5
Habeas corpus de ofício
71
IV. COMPETÊNCIA 4.1
45 45
Existência de recurso legal para impugnar a decisão judicial considerada abusiva
3.2.2
3.3
Restrição ao uso do habeas corpus.....................................................
Interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade)............................
73
Jurisdição e competência 4.1.1
Erro no endereçamento......................................................................
73 74
4.2
Prevenção
74
4.3
Competência do Supremo Tribunal Federa!.............................................
76
4.4
Competência do Superior Tribunal de Justiça..........................................
79
4.5
4.6
Competência de outros Tribunais Superiores Tribunal Superior Eleitoral................................................................
80
4.5.2
Superior Tribunal Militar
82
Competências dos Tribunais Estaduais (Justiça e Militar) e Regionais (Federal e Eleitoral)
4.6.1 4.7
83
Competência da Turma Recursal......................................................
84
Competência dos juízes de primeiro grau.................................................
85
V. FUNDAMENTO 5.1
80
4.5.1
Cabimento
JURÍDICO
87 87
SUMARIO
113
5.1.1
Natureza do rol previsto no art. 648 do cpp
87
5.1.2
Justa causa
88
5.1.2.1
Prisão em flagrante
90
5.1.2.2
Prisão temporária
92
5.1.2.3
Prisão preventiva, inclusive em pronúncia e decisão condenatória
94
5.1.2.4
Trancamento de inquérito e outras investigações
111
5.1.2.5
Trancamento de ação penal.........................................................
118
5.1.3
Duração da prisão cautelar e da prisão-pena
124
5.1.3.1
Razoabilidade................................................................................
132
5.1.3.2
Proporcionalidade
143
5.1.3.3
Excesso de prazo no julgamento de recursos.............................
147
5.1.3.4
Prisão em flagrante
149
5.1.3.5
Prisão temporária
150
5.1.3.6
Prisão preventiva
151
5.1.3.6.1
Ausência ou deficiência de fundamentação da prisão cautelar...................................................................................
152
5.1.3.6.2
Final da instrução
152
5.1.3.7
Prisão-pena
153
5.1.4
Incompetência da autoridade coatora
158
5.1.5
Cessação do motivo autorizador da coação
159
5.1.6
Negativa de fiança
160
5.1.7
Nulidade do processo
161
5.1.8
Extinção da punibilidade
163
VI. PROCEDIMENTO 6.1
Petição inicial...............................................................................................
165 165
6.1.1
Concorrência do habeas corpus com o processo criminal..............
170
6.1.2
Concorrência do habeas corpus com a investigação criminal........
170
6.1.3
Termos injuriosos contidos na petição inicial.................................
171
6.2
Liminar.........................................................................................................
171
6.3
Apresentação do paciente e figura do detentor
174
6.4
Informações da autoridade coatora e do particular
175
6.5
Ônus e produção de provas.........................................................................
177
6.6
Concessão de ofício
182
6.7
Mérito...........................................................................................................
183
14
I
HABEAS CORPUS - NuCCl
6.7.1
Celeridade no julgamento e manifestação do Ministério Público
184
6.8
Não conhecimento do pedido
185
6.9
Desistência e prejudicialidade
186
6.10
Efeitos e alcance da decisão
188
6.10.1 6.11
Coisa julgada e reiteração do pedido
Processamento do habeas corpus no TribunaL.......................................
VII. RECURSOS
190 190 193
7.1
Reexame necessário.....................................................................................
193
7.2
Recurso em sentido estrito
194
7.3
Recurso ordinário constitucional..............................................................
195
7.4
Recurso especial...........................................................................................
196
7.5
Recurso extraordinário
198
7.6
Embargos de declaração
199
VIII. 8.1
PONTOS POLÊMICOS DO HABEAS CORPUS......................................
201
Aplicação do habeas corpus como recurso................................................
202
8.1.1
Ajuizamento contra decisão em habeas corpus................................
202
8.1.2
Ajuizamento contra indeferimento de liminar em habeas corpus....
208
8.1.3
Habeas corpus em lugar de revisão criminal....................................
211
8.1.4
Habeas corpus contra a suspensão condicional do processo
213
8.1.5
Habeas corpus contra suspensão condicional da pena....................
214
8.1.6
Habeas corpus contra a aplicação ou execução da pena de multa e ônus das custas
214
Habeas corpus contra a designação de audiência preliminar no JECRIM
215
8.1.8
Habeas corpus contra decisões interlocutórias
215
8.1.9
Habeas corpus contra sentença
217
8.1.10
Habeas corpus contra liminar de deserilbargador que prejudicou interesse do acusado
220
8.1.7
8.2
Habeas corpus em confronto com o mandado de segurança, no caso de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico
221
8.3
Habeas corpus no contexto da extradição no STF
224
8.4
A questão da supressão de instância no habeas corpus
225
8.5
Relevância da ampla defesa no procedimento do habeas corpus
229
8.6
Habeas corpus e provas
229
SUMÁRIO
115
8.6.1
Avaliação da prova ilícita....................................................................
229
8.6.2
Habeas corpus na produção antecipada de provas em caso de processo suspenso com base no art. 366 do Cpp
230
Indeferimento de provas
232
Habeas corpus no Tribunal do Júri
233
8.6.3 8.7
8.7.1
Para assegurar a plenitude de defesa
233
8.7.2
Em confronto à soberania dos veredictos.........................................
233
8.7.3
Excesso de fundamentação ou linguagem da decisão de pronúncia ou do acórdão
235
8.7.4
Desaforamento....................................................
236
8.7.5
Excesso de prazo após a pronúncia
237
8.7.6
Avaliação do elemento subjetivo: dolo ou culpa..............................
238
8.7.7
Intimação do réu por edital para julgamento em plenário
239
8.8
Habeas corpus e prisão do devedor de alimentos
240
8.9
Habeas corpus na execução penal
242
8.9.1
Progressão de regime..........................................................................
242
8.9.2
Penas restritivas de direitos................................................................
245
8.9.3
Visita íntima a presos..........................................................................
245
8.9.4
Cumprimento de pena no local do domicílio
246
8.9.5
Ampla defesa na execução
247
8.9.6
Execução provisória da pena
248
8.10
Habeas corpus na Justiça do Trabalho........................................................
249
8.11
Habeas corpus no cenário de medidas restritivas da liberdade
250
8.11.1
Prisão para averiguação......................................................................
250
8.11.2
Medidas cautelares alternativas à prisão...........................................
251
8.11.3
Juízo de periculosidade
251
8.11.4
Prisão cautelar substituída por medida alternativa
255
8.11.5
Regime inicial de cumprimento da pena e vedação ao recurso em liberdade...........................
259
Investigação conduzida pelo Ministério Público passível de gerar constrangimento ilegal.......................................
259
8.13
Combinação de leis penais no contexto do habeas corpus
261
8.14
Habeas corpus e princípio da colegialidade...............................................
262
8.15 Atipicidade provocada pela insignificância dando margem ao habeas corpus
264
8.16 Ausência do defensor em audiência e habeas corpus
267
8.12
16
I
HABEAS CORPUS - NuCCl
8.17
Habeas corpus e regime inicial de cumprimento de pena no tráfico ilícito de drogas.......................................................................................................
268
8.18
Cumprimento da medida de segurança em local inadequado dando ensejo ao habeas corpus...............................................................................
270
Habeas corpus para apressar processo
272
8.19
8.20 Habeas corpus e denúncia inepta - genérica ou alternativa
273
8.21
Restrições atuais ao habeas corpus
275
8.22
Busca de nulidade em relação a atos produzidos na fase investigatória ou processual................................................................................................
278
8.23 Habeas corpus contra determinação de prisão após o julgamento em 2a Instância.......................................................................................................
279
8.24 Audiência de custódia: não realização
281
BIBLI OGRAFIA
283
OBRAS DO AUTOR..................................................................................................
287
I Constituição Federal e linhas históricas do habeas corpus
Sumário: 1.1 Constituição Federal e habeas corpus - 1.2 Aspectos históricos em breves linhas: 1.2.1 Origem do habeas corpus; 1.2.2 Habeas corpus no Brasil e na América Latina.
1.1 Constituição Federal e habeas corpus A Constituição Federal é a Magna Carta dos direitos e garantias individuais, particularmente previstos no art. 5.°, constitutivos de cláusula pétrea, intocáveis por qualquer reforma constituinte derivada. Dentre os vários direitos humanos fundamentais, encontra-se o direito à liberdade, um dos principais. E, diretamente conectado a ele, instituiu-se um instrumento eficiente para assegurá-lo: o habeas corpus, chamado, vulgarmente, de remédio heroico. I Na realidade, o habeas corpus é instituto correlato ao mandado de segurança; ambos são ações constitucionais para tutelar direitos líquidos e certos,
1. "O habeas corpus é a água da vida para reviver alguém da morte da prisão" (traduzi), conforme Rolling C. Hurd (in Vicente Sabino Jr., O habeas corpus, p. 34).
18
I
HABEAS CORPUS - NucCl
que foram conspurcados por ilegalidades ou abusos de poder. Enquanto o habeas corpus visa à proteção da liberdade de locomoção (art. 5.°, LXVIII, CF), o mandado de segurança destina-se a todos os demais direitos líquidos e certos (art. 5.°, LXIX,CF), funcionando em caráter residual. Ainda segundo o art. 5.°, LXXVII, da Constituição Federal, "são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadanià: Aliás, o mesmo vem disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 61, ~ 1.0, I). A gratuidade é relevante fator de acesso facilitado ao Poder Judiciário. 1.2 Aspectos históricos em breves linhas 1.2.1
Origem do habeas corpus
o absolutismo dos reis, na Idade Média, é historicamente reconhecido como um dos males mais visíveis à liberdade individual em todos os seus aspectos.2 A cobrança abusiva de impostos, muitos dos quais possuíam nítido caráter confiscatório, associada ao poder de prender qualquer pessoa, desprovida do devido processo legal, evidenciava esse totalitarismo, que, sem dúvida, desagradou à própria elite de vários lugares. Particularmente, na Inglaterra, emergiu a Magna Carta, imposta pelos barões ao Rei João Sem Terra, para que respeitasse as liberdades mínimas dos cidadãos. Um dos mais relevantes passos nessa direção foi a instituição do Tribunal do Júri, oferecendo julgamentos imparciais, realizado por seus pares - pessoas do povo, desvinculadas do poder real -, além de estabelecer o princípio da legalidade: ninguém deve ser processado ou preso senão pela lei da terra (by the law of the land), que, posteriormente, transformou-se na expressão devido processo legal (due process of law). Direitos fundamentais - como a legalidade e o juiz imparcial- de nada serviriam a menos que se criassem instrumentos dinâmicos para assegurar os ganhos relativos à liberdade individual. Nesse cenário, surgiu o habeas corpus, hoje intitulado remédio heroico, para obter do Poder Judiciário a ordem de soltura ou o salvo-conduto, evitando-se constrangimentos ilegais. 2. "Monarquia absoluta e writ de habeas corpus são conceitos contraditórios, pois o regime absoluto não pode aceitar processo que obriga a Coroa a motivar seus atos" (Dante Busana, O habeas corpus no Brasil, p. 15).
CAPo I • CONSTITUiÇÃO FEDERAL E LINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS
119
Professa Pontes de Miranda que "os princípios essenciais do habeas corpus vêm, na Inglaterra, do ano 1215. Foi no capítulo 29 da Magna Charta libertatum que se calcaram, através das idades, as demais conquistas do pOVOinglês para a garantia prática, imediata e utilitária da liberdade física (no free man shall be taken, or imprisoned, or disseized, or outlawed, or exiled, or any wise destroyed; nor will we go upon him, nor send upon him, but by the lawful judgment of his peers or by the law of the land. To none will we deny or delay, right or justice)':3 Destaca, ainda, que, aos ingleses, cultivadores originários desse instrumento de proteção, sempre foi muito cara a liberdade física de ir e vir, porque matar um cidadão, injustificadamente, provocaria alarme social imediato, mas o encarceramento de uma pessoa "é arma menos pública. Ninguém a percebe, ou poucos poderão dela ter notícia. Oprime às escuras, nas prisões, no interior dos edifícios, nos recantos. É violência silenciosa, secreta, ignorada, invisível; portanto, mais grave e mais perigosa do que qualquer outrà:4 Afirma Thiago Bottino do Amaral que "a aristocracia inglesa, vitoriosa com a Magna Carta, mas em luta constante por sua afirmação, percebeu a necessidade de uma regulamentação que afirmasse a força do habeas corpus, enunciando, mais de quatrocentos anos depois, o Habeas Corpus Act, em 1679. (...) Com o Ato, a força do habeas corpus se revelou, então, com toda sua eficácia e energia ao se instituir um novo rito, mais célere, com previsão de multas e outras penalidades àqueles que o descumprissem, prazo para a apresentação do preso perante a Corte, proibição de transferência do preso de uma prisão para a outra sem consentimento da autoridade competente, além da proibição (hoje elementar) de que a pessoa que fosse posta em liberdade por meio de uma ordem de habeas corpus fosse presa novamente pelo mesmo motivo. (...) O Habeas Corpus Act de 1816 supriu a ausência para o sujeito que não estivesse sendo acusado da prática de um crime. Garantiu-se a liberdade de locomoção a qualquer um':s
3. História e prática do habeas corpus, p. 9-21. 4. História e prática do habeas corpus, p. 9-11 e p. 26-28. Assim também a posição de Galdino Siqueira, (Curso de processo criminal, p. 374). 5. Considerações sobre a origem e evolução da ação de habeas corpus, p. 112. ]ustificou-se o Ato de Habeas Corpus porque o disposto pela Magna Carta, no tocante à liberdade individual, "foi desrespeitada, esquecida e postergada a cada passo. Sem garantias sérias, sem remédios irretorquÍveis, estava exposta, ora às decisões covardes de certos juízes, ora às interpretações tortuosas dos partidários da 'prerrogativa'" (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 55).
20
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Em suma, o habeas corpus nasceu na Inglaterra, porém com raízes no direito romano.6 Depois, estendeu -sepor toda a parte, em constituições ou leis ordinárias, como aspiração de todos os que lutam pela liberdade individuaU Nos Estados Unidos, seguindo tradição britânica de apoio à liberdade individual, editou-se, em 1868, a XIV Emenda, preceituando que "nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis': Na lembrança de Ary Azevedo Franco, "maior amplitude teve, entretanto, o instituto do habeas corpus nos Estados Unidos da América do Norte, estendendo-lhe a jurisprudência o âmbito ao conhecimento da constitucionalidade da lei federal ou estadual, desde que seja esta a causa determinante da coação arguida pelo paciente':s 1.2.2 Habeas corpus no Brasil e na América Latina A Constituição do Império não o consagrou. Entretanto, no texto constitucional de 1824, consignou-se que "ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na lei; e nestes dentro de 24 horas contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta a extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das testemunhas, havendo-as" (art. 179, inciso VIII). Por outro lado, de maneira inexplicável, seis tipos penais incriminadores foram introduzidos no Código Criminal de 1830,todos relacionados ao habeas corpus, antes mesmo que o instituto fosse consagrado no direito brasileiro.9
6. "No Direito Romano havia um instituto que talvez tenha sido o precursor do habeas corpus. Destinava-se a garantir a pessoa livre que por qualquer circunstância tivesse sido reclamada como escravo. Se tal ocorresse havia o recurso ao interdito de homene libero, mas daí não se passou" (Antonio Macedo de Campos, Habeas corpus, p. 60). 7. Pinto Ferreira (Teoria e prática do habeas corpus, p. 3 e 23); Vicente Sabino Jr. (O habeas corpus, p. 22). 8. Código de Processo Penal, p. 359. 9. "Art. 183. Recusarem os Juizes, á quem fôr permittido passar ordens de - habeas-corpus - concedel-as, quando lhes forem regularmente requeridas, nos casos, em
CAPo I • CONSTITUiÇÃO FEDERAL E LINHAS HISTÓRICAS DO HABEAS CORPUS
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Somente em 1832, o habeas corpus foi previsto no Código de Processo Criminal (arts. 340 a 355).10 Foi estendido aos estrangeiros e ganhou o caráter preventivo pela Lei 2.033, de 187l. Após, constou da Constituição demais a partir daí editadas.
Republicana
de 1891 e em todas as
Na Constituição Federal de 1988, encontra -se previsto no art. 5. (Título dos Direitos e Garantias Fundamentais), inciso LXVIII: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder':
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Consta, igualmente, de documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Hu-
que podem ser legalmente passadas; retardarem sem motivo a sua concessão, ou deixarem de proposito, e com conhecimento de causa, de as passar independente de petição, nos casos em que a Lei o determinar. Art. 184. Recusarem os Officiaes de Justiça, ou demorarem por qualquer modo a intimação de uma ordem de habeas-corpus- que lhes tenha sido apresentada, ou a execução das outras diligencias necessarias para que essa ordem surta effeito. Penas - de suspensão do emprego por um mez a um anno, e de prisão por quinze dias a quatro mezes. Art. 185. Recusar, ou demorar a pessoa, a quem fôr dirigida uma ordem legal de - habeas-corpus - e devidamente intimada, a remessa, e apresentação do preso no lugar, e tempo determinado pela ordem; deixar de dar conta circumstanciada dos motivos da prisão, ou do não cumprimento da ordem, nos casos declarados pela Lei. Penas - de prisão por quatro a dezaseis mezes, e de multa correspondente á metade do tempo. Art. 186. Fazer remesea do preso á outra autoridade; occultal-o, ou mudai-o de prisão, com o fim de illudir uma ordem de - habeas-corpus - depois de saber por qualquer modo que ella foi passada, e tem de lhe ser apresentada. Penas - de prisão por oito mezes a tres annos, e de multa correspondente á metade do tempo. Art. 187.Tornar a prender pela mesma causa a pessoa, que tiver sido solta por effeito de uma ordem de - habeas-corpus - passada competentemente. Penas - de prisão por quatro mezes a dous annos, e de multa correspondente á metade do tempo. Se os crimes, de que tratamos tres artigos antecedentes, forem commettidos por empregados publicos em razão, e no exercicio de seus empregos, incorrerão, em lugar de pena de multa, na de suspensão dos empregos; a saber: no caso do artigo cento oitenta e cinco, por dous mezes a dous annos; no caso do artigo cento oitenta e seis, por um a quatro annos; e no caso do artigo cento oitenta e sete, por seis mezes a tres annos. Art. 188. Recusar-se qualquer cidadão de mais de dezoito annos de idade, e de menos de cincoenta, sem motivo justo, a prestar auxilio ao Official encarregado da execução de uma ordem legitima de - habeas-corpus - sendo para isso devidamente intimado. Penas - de multa de dez a sessenta mil réis': 10. Como leciona Pontes de Miranda, "habeas corpus é pretensão, ação e remédio. A pretensão data de 1830 (Código Criminal, arts. 183-188). A ação e o remédio, de 1832" (História e prática do habeas corpus, p. 128).
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manos (1948), art. 8.°; a Convenção Europeia (1950), art. 5.°, inciso 4; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7.oY Na América Latina, o habeas corpus não teve uma evolução idêntica; alguns países o inseriram em seus textos constitucionais ou legais há muitos anos, como o Brasil; outros o fizeram em época mais recente. Está presente, atualmente, na Argentina, Bolívia, Chile (recurso de amparo), Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. No México, não possui a mesma denominação, mas está inserido no processo de amparo, que abriga vários dispositivos processuais. 12
11. Antonio Magalhães Gomes Filho, O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção, p. 62; Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 126-127; Galdino Siqueira, Curso de processo criminal, p. 381. 12. Gumesindo GarCÍa Morelos (EI proceso de habeas corpus y los derechos fundamentales, p. 32).
II Conceituação
Sumário: 2.1 Conceito e natureza jurídica - 2.2 Espécies de habeas corpus.
2.1 Conceito e natureza jurídica Trata-se de ação constitucional, destinada a coibir qualquer ilegalidade ou abuso de poder voltado à constrição da liberdade de ir, vir e ficar, seja na esfera penal, seja na cÍveLJ Encontra-se prevista no art. 5.°, LXVIII, da Constituição Federal e regulada no Capítulo X do Título II do Livro III do Código de Processo Pena1,2 Na lição de Frederico Marques, o habeas
1. "O habeas corpus latino-americano paulatinamente vai se consolidando como um processo de natureza constitucional, alijando-se de seu tratamento processual penal" (Gumersindo GarcÍa Morelos, EI proceso de habeas corpus y los derechos fundamentales, p. 77, tradução livre). 2. "Quando os juízes despacham petições de habeas corpus devem ter em vista que a apresentação do paciente pode ser o maior elemento para que o caso se esclareça. Ao terem de julgar, afinal, devem ter presente ao espírito que o habeas corpus é a pedra de toque das civilizações superiores, um dos poucos direitos, pretensões, ações e remédios com que se sobrepõem aos séculos passados, mal saídos da Idade Média e dos absolutismos dos reis, os séculos de civilização liberal-democrática, nos países em
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corpus é uma ação popular, pois pode ser ajuizada por qualquer pessoa do pOVO,3o que, certamente, corresponde à sua natureza de remédio heroico e garantia constitucional. E, há muito, já dizia Oliveira Machado que "nenhum remédio é mais salutar, mais poderoso a garantir a liberdade suprimida ou cerceada que o habeas corpus, cujo fim é aliviar o paciente, com verdadeira presteza e admirável prontidão, da opressão ilegal. O habeas corpus é o salvo-conduto eficaz, a carta de crédito vigilante e defensora que preserva a liberdade contra os ataques iníquos e injuriosos".4 Não se trata de recurso, como faz crer a sua inserção na lei processual penal, no âmbito dos recursos, mas de autêntica ação autônoma, dando vida a uma relevante garantia humana fundamental. Dentre as principais razões que se podem enumerar para o seu caráter de ação - e não de recurso -, encontra-se a inexistência de prazo para o seu ajuizamento. Pode ser proposta contra decisão com trânsito em julgado. Além disso, pode ser impetrada contra ato de autoridade coatora (delegado de polícia, por exemplo) distinto de decisão judicial - contra a qual poderia caber algum recurso -, além de ser viável contra abuso de particular (internação compulsória firmada por médico, a título de ilustração). De se anotar, também, existirem decisões judiciais contra as quais não cabe recurso previsto em lei, mas que podem significar autêntico constrangimento à liberdade de locomoção, como a determinação judicial de condução coercitiva de vítima ou testemunha. Nunca é demais ressaltar o trancamento de inquérito ou ação penal, situações que não comportam recurso previsto em lei, mas o habeas corpus se torna o remédio adequado a tanto. Em suma, o habeas corpus pode até atuar como recurso, em determinadas situações, buscando corrigir em instância superior algum erro cometido por instância inferior do Judiciário, mas o seu propósito principal não é este. Eis que o motivo de sua natureza jurídica concentra-se noutro aspecto. No entanto, não deixa de ser uma ação sui generis, que possui polo ativo singular (impetrante e paciente são a mesma pessoa) ou complexo (impetrante e paciente são pessoas diversas) e polo passivo peculiar, integrado pela autoridade apontada como coatora (ou particular coator), de
que ela logrou se firmar. Fazer respeitada a liberdade física é um dos meios de servir e sustentar essa civilização, a que todos os homens, de todos os recantos da Terra, se destinam, sem ser certo que todos a logrem. Os que não a lograrem desaparecerão" (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 571).
3. Elementos de direito processual penal, p. 376. 4. O habeas corpus no Brasil, p. 10.
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quem não se exige contestação, mas somente informações (que podem ser dispensadas ou exigidas, sob pena de falta funcional e prática de crime). Não há citação de réu; em seu lugar, ingressa um ofício de requisição de informes. Pode-se, inclusive, abrir mão da requisição, impondo-se a intimação do coator para depoimento pessoal em juízo, como se dá no caso de particular, a critério do magistrado. Cuida-se de garantia individual, e não direito. Em nosso posicionamento, há diferença entre direito e garantia fundamental. O primeiro é meramente declaratório - como o direito à liberdade -, enquanto o segundo é assecuratório - como o devido processo legal. O Estado reconhece a existência do direito, afirmando-o em norma jurídica. A garantia é instituída pelo Estado, não existindo naturalmente antes da norma que a criou. Num panorama amplo, o direito é uma garantia e esta também é um direito. É in conteste que a liberdade é um direito, mas também a garantia de uma sociedade livre; o habeas corpus é uma garantia da liberdade, porém um direito do cidadão, quando deseja utilizá-lo. Entretanto, a diferença estabelecida entre direito e garantia é didática e classificatória, permitindo a mais adequada visão dos direitos e garantias humanas fundamentais. O termo habeas corpus, do latim (habeo, habere = ter, exibir, tomar, trazer; corpus, corporis = corpo), etimologicamente, significa "toma o corpo", isto é, fazer a apresentação de alguém, que esteja preso, em juízo, para que a ordem de constrição à liberdade seja justificada, podendo o magistrado mantê-la ou revogá-la. Nas palavras de Pontes de Miranda, "toma (literalmente: tome, no subjuntivo, habeas, de habeo, habere, ter, exibir, tomar, trazer etc.) o corpo deste detido e vem submeter ao Tribunal o homem e o caso. Por onde se vê que era preciso produzir e apresentar à Corte o homem e o negócio, para que pudesse a Justiça, convenientemente instruída, estatuir, com justiça, sobre a questão, e velar pelo indivíduo".5 Distingue-se o habeas corpus de outras medidas cautelares em prol da liberdade e da defesa de direitos individuais pelo fato de constituir um procedimento célere, com pronta resposta em face da violação da liberdade de alguém, por ato inconstitucional ou ilegal, viabilizando a apresentação imediata da pessoa privada do direito de ir e vir diante da autoridade judiciária, que o liberou por ordem, para que possa, sem qualquer formalismo,
5. História e prática do habeas corpus, p. 21.
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de forma oral, frente a frente, expor os argumentos e queixas em relação à sua situação pessoal. O juiz, então, haverá de resolver rapidamente.6 Embora atualmente não mais se tenha que fazer a apresentação do preso ao juiz, como regra, continua este analisando a legalidade do ato ameaçador ou constringente à liberdade de ir, vir e ficar do indivíduo. Desde a sua origem, conhecem-se várias ordens de habeas corpus para resgatar qualquer constrição à liberdade, como bem demonstra Pontes de Miranda: a) habeas corpus ad respondendum: expede-se quando uma pessoa encontra-se presa por ordem de tribunal inferior, com o fito de transferi-la para local sob competência de tribunal superior, onde deverá ser ajuizada a ação; b) habeas corpus ad satisfaciendum: busca assegurar a transferência de um preso, submetido a julgamento por determinada corte, para que se assegure a execução do julgado por outro juízo; c) habeas corpus ad prosequendum: utiliza-se para remover o preso para local de competência do juízo onde foi cometido o crime, para que seja julgado; d) habeas corpus ad testificandum: a finalidade é levar uma pessoa sob custódia para ser ouvida como testemunha; e) habeas corpus ad faciendum et recipiendum: obriga-se os juízes inferiores a apresentar a pessoa do acusado, comunicando quando foi detido e o motivo; f) habeas corpus ad subjiciendum: destinado a quem detenha outra pessoa, obrigando o detentor a apresentá-la ao juiz, comunicando data, hora e motivo da prisão. Portanto, se ilegal, o preso será restituído à liberdade.? O seu objetivo primário é conceder liberdade a quem dela se viu privado, sem justo motivo. Diante disso, a sua natureza jurídica é de ação de conhecimento, mas também denominado de remédio heroico. Aliás, o texto constitucional refere-se a ação de habeas corpus - e não recurso (art. 5.°, LXXVII, CF).
Supremo Tribunal Federal • "1. Pelo art. 5.°, inc. LXVIII, da Constituição da República, condiciona-se a concessão do habeas corpus às situações nas quais alguém sofra ou esteja ameaçado de sofrer violência ou coação na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, o que não se verifica na espécie em
6. Gustavo López-Mufloz Y Larraz, El auténtico "habeas corpus", p. 74. 7. História e prática do habeas corpus, 41-42. No mesmo prisma, Antonio Magalhães Gomes Filho (O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção, p. 60) e Galdino Siqueira (Curso de processo criminal, p. 375).
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exame. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento" (HC 133753 AgRlDF, Tribunal Pleno, reI. Cármen Lúcia, 02.06.2016, m.v.) . • "O habeas corpus não é a via adequada para questionar decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, mormente quando ausente risco iminente à liberdade de locomoção do paciente" (HC 130810 AgR/AL, La T., reI. Roberto Barroso, 02.08.2016, m.v.) . • "Vale, ainda, lembrar que a Corte, igualmente, não admite o habeas corpus quando se pretende discutir questões alheias à privação da liberdade de locomoção. Precedentes" (RHC 120571/RJ, La T., reI. Dias Toffoli, 11.03.2014, v.u.). Como bem esclarecem Ada, Magalhães e Scarance, pode-se objetivar um provimento meramente declaratório (extinção de punibilidade), constitutivo (anulação de ato jurisdicional) ou condenatório (condenação nas custas da autoridade que agiu de má-fé). Para nós, entretanto, inexiste o habeas corpus com finalidade condenatória, pois o art. 5.°, LXXVII, da Constituição prevê a gratuidade desse tipo de ação. Logo, jamais há custas a pagar. Destacam os autores supramencionados, ainda, que possui o caráter mandamental, envolvendo a ordem dada pelo juiz para que a autoridade coatora cesse imediatamente a constrição, sob pena de responder por desobediência.8 Considerando-o como autêntica ação e não recurso: Pontes de Miranda;9 Antonio Magalhães Gomes Filho;lO José Frederico Marques;ll Rogério Lauria Tucci;12 Tourinho Filho;l3 Marco Antonio de Barros;14 Dante Busana;lS Dante Busana e Laerte Sampaio;16 Mauro Cunha e Roberto Geraldo Coelho Silva;l7 Paulo Roberto da Silva Passos;18 Antonio
8. Recursos no processo penal, p. 346. 9. História e prática do habeas corpus, p. 42. 10. O habeas corpus como instrumento de proteção do direito à liberdade de locomoção, p.68. 11. Elementos de Direito Processual Penal, p. 346. 12. Habeas corpus, ação e processo penal, p. 4-6. 13. Processo penal, p. 654. 14. Ministério Público e o habeas corpus: tendências atuais, p. 119. 15. O habeas corpus no Brasil, p. 29-34. 16. O Ministério Público no processo de habeas corpus, p. 316. 17. Habeas corpus no direito brasileiro, p. 69 e 152. 18. Do habeas corpus, p. 25.
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Macedo de Campos;19 Diomar Ackel Filho;20 Vicente Sabino Jr.;21Gustavo Badaró;22 Edilson Mougenot Bonfim;23 Cesar Antonio da Silva;24Demercian e Maluly;25 Paulo Lúcio Nogueira;26 Heráclito Antônio Mossin;27 Eugênio Pacelli de Oliveira;28 Aury Lopes Jr.;29Lúcio Santoro de Constantino;30 Paulo Rangel;31 Luis Alfredo de Diego Díez.32 Em sentido contrário, sustentando Galdino Siqueira33 e Tavares Bastos.34
tratar-se de um recurso especial:
Não é demais citar o entendimento de Pinto Ferreira, para quem "o pedido de habeas corpus é pedido de prestação jurisdicional em ação, como a sua real natureza, mas pode, no sistema de duplo grau de jurisdição, assumir o caráter de recurso, pois é evidente que pode servir ainda contra decisões do juiz de 1.a instância, para que sejam revistas pelos tribunais ou pela superior instância':35 No mesmo sentido, Magalhães Noronha.36 2.2 Espécies de habeas corpus Se, em tempos pretéritos, havia múltiplas ordens de habeas corpus, como retratado no item anterior, atualmente, há basicamente duas: a) liberatório, que é o mais comum, dizendo respeito à cessação do constrangimento ilegal contra a liberdade individual, já consumado; atua em relação a qualquer espécie de coação já realizada, buscando retornar o coato à situação ante-
19. Habeas corpus, p. 75. 20. Writs constitucionais,
p. 29.
21. O habeas corpus, p. 40. 22. Processo penal, p. 675. 23. Curso de processo penal, p. 925. 24. Código de Processo Penal comentado,
p. 620.
25. Curso de processo penal, p. 438. 26. Curso completo de processo penal, p. 470. 27. Habeas corpus, p. 68. 28. Curso de processo penal, p. 754. 29. Direito processual penal, p. 1.338. 30. Habeas corpus, p. 33. 31. Direito processual penal, 874. 32. Habeas corpus frente a detenciones ilegales, p. 52. 33. Curso de processo criminal, p. 384. 34. O habeas corpus na República, p. 90. 35. Teoria e prática do habeas corpus, p. 12. 36. Curso de processo penal, p. 411.
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riar de plena liberdade; b) preventivo, mais raro, referindo-se à ordem de cautela, visando a assegurar que determinada potencial coação não ocorra. Quando liberatório, a concessão da ordem de habeas corpus leva à expedição de alvará de soltura (libertar quem está indevidamente custodiado) ou gera um ofício, contendo uma ordem, enviado à autoridade coatora para que o constrangimento cesse de imediato (trancamento de uma investigação, par exemplo). Se for preventivo, a concessão da ordem acarreta a expedição do mandado de salvo-conduto, consistente em ordem judicial para que o ameaçado não venha a sofrer qualquer constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção.3? Exemplo concreto disso já ocorreu, quando prostitutas, na cidade de São Paulo, impetraram habeas corpus contra certo delegado, que costumava determinar o seu recolhimento ao cárcere por vadiagem, a pretexto de "limpar" o centro da cidade. Deferida liminarmente a ordem, expediu-se o salvo-conduto, de modo que as beneficiárias não mais p ser detidas, a não ser em flagrante delito, por situação diversa de vadiagem. Pode expedir, ainda, uma ordem preventiva, para que alguém não se submeta a determinado ato, considerado abusivo (exemplo: impedir o indiciamento de um suspeito, nos autos do inquérito policial). Sem dúvida, o mais comum e utilizado habeas corpus é o liberatório, ajuizado contra ato de autoridade coatora já consumado. Pretende-se restituir ao paciente a liberdade individual na sua integralidade, que fora conspurcada por algum abuso ou ilegalidade. Não se deve, no entanto, desprezar a eficiência do habeas corpus preventivo. A Constituição Federal autoriza essa ação quando se verificar ameaça de violência ou coação em relação à liberdade de locomoção, hoje visualizada por amplo espectro, de alguém, em caso de ilegalidade ou abuso de poder. Esse instrumento é pouco utilizado, até mesmo por desconhecimento de seu valor e de seu alcance. Exige-se para a propositura do habeas corpus
37. O mais famoso caso de habeas corpus registrado no Brasil foi julgado pelo STF, em 5 de abril de 1919, relatado pelo Ministro Edmundo Lins, concedendo-se salvo-conduto em favor do conselheiro Rui Barbosa e alguns de seus amigos para fazerem na Bahia, sem constrangimento, a sua propaganda política, em função da eleição presidencial de 13 de abril de 1919. Aliás, consagrou-se, nessa ordem, o direito de ficar, pois os correligionários de Rui Barbosa estavam autorizados a permanecer em determinado lugar para o fim de realizar comício político (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 256).
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a existência de direito líquido e certo, seja para liberar, seja para prevenir. Por certo, a prova da ameaça (dano futuro) é mais difícil, mas não inviável. É preciso que o impetrante explicite, detalhadamente, o que pode acontecer com o paciente, caso a ordem não seja concedida, mesmo havendo dificuldade de ofertar elementos documentais imediatos. Ilustrando, são casos de habeas corpus preventivo: a) indiciamento: antes de ser formalmente apontado pela autoridade policial, como autor do delito, inscrevendo-se tais dados em sua folha de antecedentes, o suspeito pode impetrar habeas corpus preventivo, visando a obstar que tal ato se concretize, evitando-se os dissabores que daí podem advir; b) quando indiciado por um crime, o suspeito tem direito de acompanhar a direção tomada das investigações por meio de seu defensor; conforme o rumo tomado, pode impetrar habeas corpus para evitar que seja quebrado o seu sigilo bancário, fiscal ou telefônico; c) o indiciado pode questionar preventivamente a ordem da autoridade policial, quando intimado para participar da reconstituição do crime, evitando que seja conduzido coercitivamente ao local; d) caso pretenda participar da prova pericial, por meio de assistente técnico, produzida durante a fase policial, sabedor que muitos delegados não permitem esse acompanhamento, pode impetrar a ordem preventiva para que seu representante tome parte na diligência; e) da mesma forma que se admite a propositura do habeas corpus para trancar ação penal, é cabível o remédio heroico para impedir o recebimento da denúncia, por falta de justa causa; imagine-se a finalização do inquérito, remetendo-se os autos ao órgão acusatório, sem nenhuma prova a lastrear uma acusação; desde que tenha a oferta da peça acusatória, pode o indiciado impetrar habeas corpus; f) durante a instrução, designada a audiência, o réu será intimado a comparecer; porém ele tem o direito de acompanhar a instrução, e não um dever; se optar pelo não comparecimento, pode impetrar habeas corpus preventivo para não ser conduzido coercitivamente ao ato; aliás, o mesmo se dá se não pretender ser interrogado, valendo-se do direito ao silêncio; g) intimado a depor como testemunha, especialmente diante de Comissão Parlamentar de Inquérito, havendo possibilidade de se autoincriminar com suas declarações, éviávelimpetrar habeas corpus preventivo para invocar o direito ao silêncio, evitando a prisão em flagrante por falso testemunho.
III Condições da ação
Sumário: 3.1 Possibilidade jurídica do pedido: 3.1.1 A questão do di-
reito líquido e certo; 3.1.2 Liberdade de ir, vir e ficar; 3.1.3 Ampliação do seu alcance; 3.1.4 Punição disciplinar militar; 3.1.5 Restrição ao uso do habeas corpus - 3.2 Interesse de agir (necessidade, adequação e utilidade): 3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão judicial considerada abusiva; 3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente; 3.2.3 Cessação do interesse de agir; 3.2.4 Desnecessidade de pedido de reconsideração ao juiz para a impetração no tribunal ou de reiteração de pleito já formulado - 3.3 Legitimidade: 3.3.1 Legitimidade ativa: impetrante e paciente; 3.3.2 Legitimidade passiva: autoridade coatora e particular; 3.3.3 Intervenção de terceiros; 3.3.4 Requisição cumprida pela autoridade policial; 3.3.5 Habeas corpus de ofício.
3.1 Possibilidade jurídica do pedido Cabe a ação de habeas corpus quando tem por fim o resgate à liberdade individual que, por qualquer constrangimento, encontra-se restringida ou ameaçada de restrição. Esse é o fundamento jurídico, retratado no próprio texto constitucional (art. 5.°, LXVIII): "concede-se habeas corpus quando
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alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder': I Como primeira condição da ação, deve-se verificar a possibilidade jurídica do pedido, vale dizer, se a liberdade individual está em jogo. Em tese, não se tratando de liberdade de locomoção, seria juridicamente inviável ajuizar o habeas corpus. E, mesmo havendo alguma constrição a outro direito fundamental, cabível seria o mandado de segurança (art. 5.°, LXIX): concede-se mandado de segurança quando algum direito líquido e certo for violado por ato abusivo ou ilegal de autoridade. Entretanto, a viabilidade jurídica da ação de habeas corpus alargou-se sobremaneira, invadindo searas vizinhas ao direito de locomoção, desde que este, de algum modo, possa ser atingido, ainda que indiretamente. Tem-se observado, no curso da história do habeas corpus, ao menos no Brasil, a ampliação da medida de ajuizamento desse remédio heroico, de forma que é praticamente impossível delimitar, com precisão, esgotando todas as hipóteses, a possibilidade jurídica do pedido. Outro aspecto relevante diz respeito ao indeferimento liminar da petição de habeas corpus, a pretexto de não preencher a viabilidade jurídica do pleito, por se tratar de direito diverso da liberdade de ir, vir e ficar. Se assim for feito, embora tecnicamente correto, somente acarretará, na prática, dissabores tanto ao impetrante (e ao paciente) quanto ao próprio juízo. Afinal, indeferindo-se um, outro habeas corpus será impetrado, agora contra esse ato judicial de indeferimento, afirmando constrangimento, o que, muitas vezes, termina por ser reconhecido em tribunal superior. Noutros termos, deve-se reservar, para último caso, o indeferimento imediato da petição inicial. No contexto global da possibilidade jurídica do pedido, é complexa e dificultosa a sua avaliação, motivo pelo qual o mais indicado é permitir o processamento da demanda, que possui rito célere e abreviado, proferindo, se for o caso, decisão de mérito, indeferindo a ordem. Noutras palavras, a análise das condições da ação de habeas corpus deve ser feita de maneira
1. Lembrando a importância da liberdade, em todos os seus matizes, narra Pontes de Miranda ter sido "admirável, em 1943, a força serena com que o povo britânico, sob as metralhas, conservou o seu amor da liberdade e fez respeitarem-se todos os poderes. A imprensa britânica, de 1940 a 1943 e o Parlamento são o maior exemplo humano de que ser livre é mais importante do que viver" (História e prática do habeas corpus, p. 30).
CAPo 111 • CONDIÇOES DA AÇÃO
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mais flexível do que uma ação diversa. A dúvida deve favorecer o impetrante e o paciente, jamais o próprio Estado. Um dos pontos de confronto entre o texto constitucional (art. 5.°, LXVIII) e a lei ordinária (art. 647, CPP) é o termo iminência, que consta nesta última, mas não na norma da Constituição Federal. O Código de Processo Penal prevê o uso de habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência (prestes a acontecer) de sofrer violência ou coação ilegal no tocante à sua liberdade de ir, vir e ficar, salvo nos casos de punição disciplinar. A Constituição estipula a utilização de habeas corpus quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. O texto normativo do Código é mais restritivo do que o previsto na Constituição, devendo este prevalecer sobre aquele, por duas razões básicas: a) a Constituição Federal encontra-se em nível superior à lei ordinária; b) em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação mais favorável ao paciente, que se encontra de algum modo constrangido. Afinal, se há o princípio constitucional da presunção de inocência, quem sofre constrangimento torna-se vítima, considerada, a princípio, pessoa inocente. Diante disso, cabe habeas corpus preventivo sempre que alguém se achar ameaçado de sofrer coação ou violência, seja isso iminente (próximo de acontecer) ou mais distante (futuro). A lei ordinária refere-se à liberdade de ir e vir, enquanto o texto constitucional menciona a liberdade de locomoção; ambas as expressões possuem significado correlato, não sendo este um fator diferencial. No Código de Processo Penal, cita-se apenas a coação ou violência
ilegal (contra a lei em amplo sentido); na Constituição, além da ilegalidade, há referência a abuso de poder, que, no entanto, é desnecessário, visto que o abuso (excesso indevido) é sempre um ato ilegal. Configura
impossibilidade jurídica do pedido, não sendo cabível o habeas corpus, a discussão acerca do mérito da ação penal, em que o paciente figura como réu. A ação mandamental não é ambiente para se analisar se o acusado é culpado ou inocente pelas seguintes razões: a) o objetivo do habeas corpus é assegurar a liberdade de ir e vir, exceto se houver imposição de pena, com trânsito em julgado; assim sendo, combater uma sentença condenatória por meio do remédio heroico significa perverter a sua essência;
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b) para avaliar o acerto ou desacerto da decisão condenatória existe recurso apropriado - apelação; c) a ação de habeas corpus exige prova pré-constituída, sem qualquer dilação probatória; avaliar integralmente o conteúdo do processo-crime torna-se incompatível com tal celeridade e estreiteza; d) havendo o recurso próprio para contrapor a sentença, se o habeas corpus pudesse ingressar no mérito, em processo distinto, poderiam subsistir decisões diversas e, até mesmo, contraditórias. Se o direito alegado pelo impetrante em favor do paciente é tão nebuloso que depende de ampla captação de provas, ainda não existentes, torna-se impossível tecer considerações sobre o pedido formulado. Aliás, vale ressaltar que também no habeas corpus - tal como ocorre com o mandado de segurança - exige-se a evidência de direito líquido e certo, consistente no direito tão claro quanto possa ser demonstrado por prova documental ou pela informação da autoridade coatora. É líquido, pois induvidoso o pedido, sabendo o impetrante exatamente o que pretende em favor do paciente; é certo, pois claramente demonstrado pela prova documental ofertada com a inicial. Supremo Tribunal Federal • "Impossibilidade de rever, em habeas corpus, a especial gravidade dos fatos e sua repercussão em causa de aumento de pena, tendo em vista que o remédio constitucional não se compatibiliza com o reexame de fatos e provas" (HC 132029 AgR/SP, La T., reI. Edson Fachin, 02.09.2016, m.v.). • "O enfrentamento acerca do elemento subjetivo do delito de homicídio demanda profunda análise fático-probatória, o que, nessa medida, é inalcançável em sede de habeas corpus. 3. Ordem denegada, revogando-se a liminar anteriormente deferidà' (HC 121654/MG, La T., reI. Marco Aurélio, 21.06.2016, m.v.). • "O habeas corpus constitui remédio processual inadequado para a análise de prova, o reexame do material probatório produzido, a reapreciação da matéria de fato e, também, a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento" (RHC 121106/SP,2.a T., reI. Cármen Lúcia, 25.03.2014, v.u.). • "É cediço que a via estreita do habeas corpus não comporta reexame de fatos e provas para alcançar a absolvição, consoante remansosa jurisprudência desta Corte: HC 105.022/DF, reI. Cármen Lúcia, La T.,
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D/e 09.05.2011; HC 102.926/MS, reI. Luiz Fux, La T., DJe 10.05.2011; HC 101.588/SP, reI. Dias Toffoli, La T., DJe 01.06.2010; HC 100.234/ SP, reI. Joaquim Barbosa, 2.a T., D/e 01.02.2011; HC 90.922, reI. Cezar Peluso, 2.a T., DJe 18.12.2009; e RHC 84.901, reI. Cezar Peluso, 2.a T., DJe 07.08.2009" (HC 108181/RS, La T., reI. Luiz Fux, 21.08.2012, v.u.). Superior Tribunal de Justiça • ''A análise acerca da negativa de autoria é questão que não pode ser dirimida em recurso ordinário em habeas corpus, por demandar o reexame aprofundado das provas colhidas, vedado na via sumária eleita, devendo agora ser solucionada pela Corte originária, no julgamento de eventual apelo defensivo" (RHC 75042/MA, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 20.10.2016, v.u.). • "O pedido de absolvição, por alegada insuficiência das provas coligidas, além de configurar, no presente caso, supressão de instância, demandaria, necessariamente, o amplo revolvimento da matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de habeas corpus (precedentes). Habeas corpus não conhecido" (H C 363469/SP, 5.a T., reI. Felix Fischer, 06.10.2016, v.u.). • ''A alegação de legítima defesa invocada em favor do paciente exige acurado exame das circunstâncias da conduta delitiva e demanda di1ação probatória, o que é vedado na via exígua do habeas corpus" (HC 31.281/SP, 5.a T., reI. Laurita Vaz, 22.03.2005, V.u.,DJ02.05.2005, p. 383).
Tribunal de Justiça de São Paulo • ''Ataque à sentença condenatória - Matéria não passível de discussão em sede do presente writ - Precedentes do STJ - Inadequação da via eleita - Ausência de ilegalidade - Ordem não concedida" (HC 990.10.319839-5, 16.a c., reI. Newton Neves, 21.09.2010, v.u.).
3.1.1 A questão do direito líquido e certo Embora nem a lei nem a Constituição prevejam expressamente que a utilização do habeas corpus demanda a existência de direito líquido e certo, tal postura restou consagrada na doutrina e na jurisprudência, afinal, não se admite, como regra, qualquer dilação probatória.
Líquido é o que prescinde de apuração, pois já confirmado, em gênero, número e qualidade. Na verdade, é direito certo. A certeza diz respeito ao que é incontestável, incontroverso. Em verdade, dever-se-ia considerar o
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direito, primeiro, certo e, depois, líquido, pois há direitos certos, que são ilíquidos; porém, não há direito líquido que não seja certo.2 Sintetizando, diz Pontes de Miranda: "direito líquido e certo é aquele que não desperta dúvidas, que está isento de obscuridades, que não precisa ser aclarado com o exame de provas em dilações, que é de si mesmo concludente e inconcusso':3 Exigindo igualmente a constatação de direito líquido e certo, Galdino Siqueira.4
Supremo Tribunal Federal • "1. O habeas corpus não constitui via adequada para reexame dos elementos fático-probatórios que justificaram o reconhecimento da conexão instrumental e do juízo de conveniência que motivou a unidade de processamento e julgamento. Preenchida a hipótese modificativa de competência, não viola o devido processo legal 'a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados', forte na Súmula 704/STF" (HC 131164/TO, l.a T., reI. Edson Fachin, 24.05.2016, m.v.) . • "Rebater os fundamentos do acórdão combatido exigiria o exame aprofundado de provas, impossível em sede de habeas corpus, visto tratar-se de instrumento destinado à proteção de direito líquido e certo, demonstrável de imediato, que não admite dilação probatórià' (HC 135949/RO, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 04.10.2016, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça • "1. O habeas corpus não é o meio adequado para a análise de tese de negativa de autoria por exigir, necessariamente, uma avaliação do conteúdo fático-probatório, procedimento incompatível com a via estreita do writ, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária. 2. Ademais, sobreveio sentença condenatória, de modo que, se o habeas corpus não se presta à análise probatória para comprovação de elementos suficientes que denotem a autoria, com maior razão não pode se arvorar a reverter conclusão obtida pelo magistrado
2. Nessa ótica, Pontes de Miranda: "para ser líquido, o direito tem de ser certo. A certeza é qualidade conceptualmente anterior. O direito certo pode ser líquido ou ilíquido. O líquido tem, como prius, de ser certo" (Comentários à Constituição de 1967, p. 361). 3. História e prática do habeas corpus, p. 325. 4. Curso de processo criminal, p. 390.
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singular, após plena cognição de provas no curso da instrução, sob pena de converter-se em sucedâneo de apelação. 3. A superveniência do julgamento da ação penal torna prejudicada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo" (RHC 66921/SP, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 27.09.2016, v.u.). • "O que sempre sustentei e sustento é que o habeas corpus é antídoto de prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável, que se mostra de plano ao julgador. Não se destina à correção de controvérsias ou de situações que, ainda que existentes, demandam para sua identificação, aprofundado exame de fatos e provas. Precedentes" (AREsp 770535/RS, Decisão Monocrática, reI. Joel Ilan Paciornik, 25.10.2016). • "O habeas corpus, conforme reiterada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, presta-se a sanar coação ou ameaça ao direito de locomoção, possuindo âmbito de cognição restrito às hipóteses de ilegalidade evidente, em que não se faz necessária a análise de provas" (HC 243021/ SP, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 16.08.2012, v.u.). • "O habeas corpus é antídoto de prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente, incontroverso, indisfarçável, que se mostra de plano ao julgador. Não se destina à correção de controvérsias ou de situações que, embora existentes, demandam para sua identificação aprofundado exame de fatos e provas" (HC 236914/ PA, 5.a T., reI. Marco Aurélio Bellizze, 02.08.2012, v.u.).
3.1.2 Liberdade de ir, vir eficar Em primeira avaliação, a liberdade de locomoção é traduzida, pelo art. 647 do Código de Processo Penal, como o direito de ir e vir, ou seja, andar livremente por qualquer lugar almejado. Cuida-se de um postulado contra a privação da liberdade individual. Olvida-se que, no cenário da locomoção, deve-se incluir o direito de ficar em algum lugar público ou privado (nesse caso, se for seu ou quando autorizado pelo proprietário), sem ser incomodado por qualquer autoridade ou agente estatal. No contexto de ficar, encontra -se o direito de se reunir pacificamente, sem ser incomodado. É o conteúdo do art. 5. o da Constituição Federal: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
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termos seguintes: (...) XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Vale citar o habeas corpus preventivo impetrado por Artur Pinto da Rocha em favor do Senador Rui Barbosa, candidato à Presidência da República, bem como o de correligionários ameaçados, por abuso de autoridades estaduais da Bahia, em função de seu direito de reunião e livre manifestação do pensamento. O habeas corpus teve por finalidade permitir que os pacientes pudessem se reunir nas ruas, praças, teatros ou recintos, em comício em prol da candidatura de Rui Barbosa. A ordem foi concedida, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o direito de qualquer indivíduo de "permanecer em qualquer lugar, à sua escolha, desde que seja franqueado ao público; o de ir de qualquer parte para esse lugar e também o de vir, para ele, também, de qualquer outro ponto" (STF, HC 4.781, reI. Edmundo Lins, 05.04.1919, V.U., Revista Forense, v. XXXI, p. 212-216). 3.1.3 Ampliação do seu alcance Originalmente, o habeas corpus era utilizado para fazer cessar a prisão considerada ilegal - e mesmo no Brasil essa concepção perdurou por um largo período. Atualmente, seu alcance tem sido estendido para abranger qualquer ato constritivo direta ou indiretamente ligado à liberdade de locomoção, ainda que se refira a decisões jurisdicionais não concernentes à decretação da prisão.5 Ilustrando, tem-se admitido o habeas corpus para trancar o inquérito policial ou a ação penal, quando inexista justa causa para o seu trâmite, bem como quando se utiliza esse instrumento constitucional para impedir o indiciamento injustificado, entre outras hipóteses. Nada mais lógico, pois são atos ou medidas proferidas em processos (ou procedimentos) criminais, que possuem clara repercussão na liberdade do indivíduo, mesmo que de modo indireto.
5. No dizer de Rogério Lauria Tucci, o âmbito do habeas corpus envolve todas as "hipóteses de constrição, potencial ou efetiva, da liberdade física do indivíduo; vale dizer, quando, por ilegalidade ou abuso de poder, ocorra, pelas mais variadas formas que se possa conceber, privação ou comprometimento - qualquer restrição, enfim - da liberdade pessoal do ente humano" (Habeas corpus, ação e processo penal, p. 31).
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o ajuizamento de ação penal contra alguém provoca constrangimento natural, havendo registro em sua folha de antecedentes, bem como servindo de base para, a qualquer momento, o juiz decretar medida restritiva da liberdade, em caráter cautelar. Explica Florêncio de Abreu que a ampliação do alcance do habeas corpus deveu-se a "ausência, no nosso mecanismo processual, de outros remédios igualmente enérgicos e expeditos para o amparo de outros direitos primários do indivíduo':6 Confiram-se,
na jurisprudência,
alguns julgados mais restritivos:
Supremo Tribunal Federal • "O habeas corpus tem como escopo a proteção da liberdade de locomoção e seu cabimento tem parâmetros constitucionalmente estabelecidos, justificando-se a impetração sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder, sendo inadequado o writ quando utilizado com a finalidade de proteger outros direitos. Precedente: HC(AgR) 82.880/SP, Pleno, Df 16.05.2003" (HC 101136 AgR-ED/RJ, La T., reI. Luiz Fux, 21.08.2012, v.u.). • "'O habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção -liberdade de ir, vir e ficar - por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para proteção de direitos outros' (HC no AgR 82.88, reI. Min. Carlos Velloso, Df 16.5.2003). Precedentes outros" (HC no AgRg na Mc 107696/SP, La T., reI. Rosa Weber, 20.03.2012, v.u.). Apesar desse posicionamento, aparentemente, mais limitador do Supremo Tribunal Federal, verifica-se, na prática, inexistir uma tendência firme a esse respeito. Em verdade, depende muito do caso concreto e do direito posto em jogo. Os Tribunais pátrios - superiores e inferiores buscam valorizar o habeas corpus, como remédio da liberdade, dando-lhe alcance muito mais sensível do que a singela proteção direta ao direito de locomoção.?
ao Código de Processo Penal, V. V, p. 558. 7. Essa sempre foi a firme defesa do instituto feita por Ruy Barbosa: "onde se der violência, onde o indivíduo sofrer, ou correr risco próximo de sofrer coação, se essa coação for ilegal, se essa coação produzir-se por excesso de autoridade, por arbítrio dos que a representam, o habeas corpus é irrecusável. Não há, portanto, em face da nossa lei constitucional, base alguma para se circunscrever esse remédio contra os
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Entretanto, essa ampliação de seu alcance já gerou transtornos para as Cortes brasileiras, permitindo que quase todas as questões criminais sejam levadas a juízo, por meio do habeas corpus, acarretando um volume imenso de ações diariamente impetradas em todas as instâncias.8 Os excessos sempre são indevidos, pois conturbam qualquer sistema judiciário. Restringir o uso do habeas corpus para coibir os constrangimentos ilegais exclusiva e diretamente quando voltados à liberdade de ir, vir e ficar é desmerecer a importância desse remédio heroico de longa tradição de defesa dos direitos individuais. Por outro lado, alargá-lo ilimitadamente, voltando-se a questionar toda e qualquer controvérsia surgida no âmbito criminal significa vulgarizá-lo, a ponto de sobrecarregar o Judiciário, prejudicando os recursos próprios e conturbando o autêntico exame de mérito das mais sérias questões. Eis o indispensável meio-termo. O habeas corpus destina-se, basicamente, a eliminar constrições ilegais à liberdade individual de ir, vir e ficar. Paralelamente, admite-se a sua propositura para questões correlatas a esse relevante direito, justamente pela enorme chance de nele resvalar. Neste último caso, o trancamento de uma investigação criminal leviana, instaurada contra alguém, por meio do remédio heroico, é essencial, visto que, a qualquer momento, pode-se atingir a decretação infundada de prisão cautelar. Entretanto, pretender debater, na ação constitucional, aspectos de direito penal, nitidamente ligados ao mérito da causa, é contraproducente e deve ser coibido pelos juízos e tribunais. O habeas corpus é um remédio, mas não pode se tornar um veneno para as instituições, permitindo a morte de recursos expressamente pre-
abusos da força às hipóteses de constrangimento à liberdade de locomoção" Espínola Filho, Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 25).
(apud
8. Destacando o problema, Gustavo Badaró demonstra que o habeas corpus transformou-se num "amplíssimo 'agravo' cabível contra toda e qualquer decisão interlocutória proferida em processo penal. (.00) Na prática, porém, verifica-se um paradoxo. Tal medida, em princípio, parece benéfica, uma vez que amplia a possibilidade de utilização de um mecanismo para proteção da liberdade de locomoção. Todavia, de fato, a liberdade, muitas vezes, acaba sendo prejudicada. O volume de habeas corpus nos tribunais é tão grande que já não se observa uma tramitação prioritária. Não é incomum, em caso até mesmo de habeas corpus liberatório, a demora de meses e meses para o seu julgamento. Em suma, a larga utilização do habeas corpus para prevenir lesões longínquas à liberdade (que muitas vezes, razoavelmente, se estima somente ocorrerão depois de anos) acaba prejudicando a utilização de habeas corpus para tutelar a liberdade de locomoção em casos em que já existe a violação a tal direito" (Processo penal, p. 676-677).
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vistos em lei, desigualando as partes (somente o réu dele pode valer-se) e deixando o Judiciário refém de uma demanda que se apresenta numa singela petição inicial, acompanhada de alguns documentos apenas. Sob diverso aspecto, muitas questões agressivas ao direito líquido e certo de alguém deveriam ser resolvidas por intermédio de mandado de segurança. Entretanto, somente por se encontrar o prejudicado na esfera criminal, prefere ajuizar habeas corpus. E, não raras vezes, conta com a recepção positiva do Judiciário. A título de exemplo, verifique a decisão concessiva do habeas corpus para permitir o direito de visita de familiares à pessoa presa: Supremo Tribunal Federal • "A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente. Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc. Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido. 2. Ressocialização do apenado. A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5.°, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5.°, XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se
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pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social. Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes. 3. Ordem concedidà' (HC 10770l/RS, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 13.09.2011, v.u.). 3.1.4 Punição disciplinar militar O art. 142, ~ 2.°, da Constituição Federal preceitua: "não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares" (Forças Armadas e Polícia Militar). Além disso, é preciso anotar que, durante o estado de defesa (art. 136, CF) e ao longo do estado de sítio (art. 137, CF), muitos direitos e garantias individuais são suspensos, razão pela qual várias ordens e medidas podem resultar em constrições à liberdade, que terminam por afastar, na prática, a utilização do habeas corpus, por serem consideradas, durante a vigência da época excepcional, legítimas. É preciso lembrar que tais punições disciplinares, no âmbito militar, possuem diferentes matizes, abrangendo sanções privativas e não privativas de liberdade. Quanto a estas, de fato, não cabe habeas corpus, pois nem mesmo a liberdade de locomoção está em jogO.9 Eventual questio-
9. Súmula 694, STF: "não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de military ou de perda de patente ou de função pública':
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namento pode ser feito, por via de ação própria, junto à Justiça Militar Federal (punição militar das Forças Armadas) ou Justiça Militar Estadual (punição da polícia militar). Esse é o conteúdo do art. 125, ~~ 4.° e 5.°, da Constituição Federal. Ou por meio de recurso administrativo interna corporis. Confira-se na Lei 6.880/1980, art. 51, ~ 3.°:"O militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo regulamentação específica de cada Força Armada. (...) ~ 3.° O militar só poderá recorrer ao Judiciário após esgotados todos os recursos administrativos e deverá participar esta iniciativa, antecipadamente, à autoridade à qual estiver subordinado". Não há nenhuma ofensa a direito individual, quando se impõe o prévio esgotamento da via administrativa. Tribunal Regional Federal, 5. a Região • "A despeito de os arts. 142, parágrafo 2.°, da Constituição, e 647 do Código de Processo Penal estabelecerem expressamente não ser cabível habeas corpus para discutir punição disciplinar militar, ajurisprudência tem entendido que, caracterizando-se como ato administrativo, seus aspectos formais podem ser analisados pelo Poder Judiciário, sendo vedado apenas o exame do mérito da punição disciplinar militar. Precedente do TRF/5.a: RHCEXOF n.O2373/RN, Quarta Turma, ReI. Margarida Cantarelli, Dl 17.05.2006, p. 1069. 02" (RSE 2233/PE, 3.a T., reI. Janilson Bezerra de Siqueira, 02.06.2016, v.u.). Tribunal Regional Federal, 1. a Região • "Estando o militar sujeito à disciplina e à hierarquia, comprometido estará este vínculo se, antes da possibilidade de reexame de seu pleito por seus superiores, de logo buscar a decisão judicial, a pretexto de uma açodada proteção a direito supostamente violado, que pode servir à desmoralização do comando" (RHC 100033848/AM, 4.a T., reI. Hilton de Queiroz, 19.05.1998, m.v., Dl 25.06.1998, p. 168). Nessa ótica, editou-se a Súmula 694 do STF: "Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função públicà: No tocante às punições disciplinares privativas de liberdade, embora mencione-se não caber habeas corpus, trata-se da regra, mas não pode
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abranger excepcionais situações teratológicas, como a falta de competência da autoridade militar para impor a prisão ou a nítida ilegalidade do ato.
Tribunal Regional Federal, 4. a Região • "Embora o disposto no art. 142, ~ 2. da Constituição Federal de 1988, o entendimento jurisprudencial é pacífico no sentido do cabimento do habeas corpus quando o ato atacado revestir-se de ilegalidade ou constituir abuso de poder, atingindo a liberdade de locomoção do indivíduo. A única ressalva diz respeito ao mérito da sanção administrativa emanada da autoridade militar, ponto que não pode ser objeto de análise pelo Poder Judiciário. A competência para o julgamento do writ contra ato praticado por autoridade do Exército Brasileiro é da Justiça Federal, nos termos do inc. VII do art. 109 da Constituição Federal de 1988, porquanto à Justiça Militar incumbe 'processar e julgar os crimes militares definidos em lei' (art. 124, caput, da CRFB/88)" (RSE 2446/RS, 2. T., reI. Vilson Darós, V.U., 24.05.2001, Dl 13.06.2001, p. 684). 0
,
3
Sobre o tema, expressa-se Antonio Magalhães Gomes Filho: "Esse único caso de impossibilidade do pedido de habeas corpus é justificado pelos princípios de hierarquia e disciplina inseparáveis das organizações militares, evitando que as punições aplicadas pelos superiores possam ser objeto de impugnação e discussão pelos subordinados': No entanto, ressalta que a proibição não é absoluta, devendo ser admitido habeas corpus nos seguintes casos: incompetência da autoridade, falta de previsão legal para a punição, inobservância das formalidades legais ou excesso de prazo de duração da medida restritiva da liberdade. E argumenta ainda que não poderia haver proibição no capítulo reservado às Forças Armadas, pois seria uma limitação à proteção de um direito fundamental (liberdade de locomoção). Os direitos e garantias fundamentais têm hierarquia diferenciada, até porque têm a garantia da eternidade (art. 60, ~ 4. IV).1O Parece-nos correta essa visão, com a ressalva de que a utilização do habeas corpus contra a prisão disciplinar militar somente pode dar-se em casos teratológicos, como os apontados antes, jamais questionando-se a conveniência e a oportunidade da medida constritiva à liberdade. I I 0,
10. O habeas corpus como instrumento
de proteção do direito à liberdade de locomoção,
p.66-67.
11. Anote-se o mesmo posicionamento de Gilberto Nonaka (Habeas corpus e Justiça Militar Estadual, p. 251-252) e Paulo Rangel (Direito processual penal, p. 880).
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3.1.5 Restrição ao uso do habeas corpus Somente a Constituição Federal pode limitar a utilização do habeas corpus, tendo em vista tratar-se de autêntica garantia individual. Diante disso, há apenas duas possibilidades para tanto: a) nas punições disciplinares militares (art. 142, ~ 2.°, CF);12b) durante o estado de sítio, se houver declaração do estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (art. 137, 11, c.c. o art. 138, caput, CF). Não há possibilidade de suspender a garantia do habeas corpus durante o estado de defesa, pois as restrições estão elencadas no art. 136, I, da CF, não envolvendo essa ação constitucional. Igualmente, durante o estado de sítio, na hipótese de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos comprobatórios da ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (art. 137, I, CF), não se pode suspender a garantia do habeas corpus, pois o que é viável restringir encontra-se previsto no art. 139 da Carta Magna.13 3.2 Interesse de agir (necessidade,
adequação e utilidade)
o interesse de agir desdobra-se em três perspectivas: interesse-necessidade, interesse-adequação e interesse-utilidade. O interesse-necessidade configura-se pela indispensabilidade de uso da via processual para se atingir o objetivo almejado. No caso do habeas corpus, ação constitucional voltada a fazer cessar qualquer constrangimento ilegal contra o direito de locomoção, presume-se a necessidade. Sem o seu ajuizamento, inexiste viabilidade de restituir a liberdade individual do paciente, na esfera em que foi atingida. O interesse-adequação concentra-se na demonstração de direito líquido e certo a ser protegido, de modo pré-constituído, exibindo-se as provas documentais cabíveis. O foco do impetrante deve ser, sempre, beneficiar o paciente. O interesse- utilidade é a exibição de que o habeas corpus, se concedido, permitirá sanar a constrição ocorrida contra a liberdade de locomoção, direta ou indiretamente afetada.
12. Ver o item 3.1.4 supra. 13. Igualmente a posição de Dante Busana (O habeas corpus no Brasil, p. 57).
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• "O habeas corpus, como se sabe, é o antídoto invocado contra constrangimento ilegal evidente, claro, indisfarçável e que, de pronto, se revela à apreciação do julgador. Não se presta à correção de equívocos que, mesmo se existentes, têm sua percepção e reconhecimento subordinados ao exame e à consideração da prova ou de dados que tenham servido de suporte à deliberação atacada. Por tudo isso, é remédio constitucional contra ato que, ictu oculi, se percebe caracterizador de constrangimento ilegal e que, como tal, atinge direito líquido e certo do cidadão, o qual, ao ser assim atingido, tem comprometida, efetiva ou potencialmente, a liberdade. Bem por isso, tampouco serve à retificação de decisões sujeitas a recurso ou ações apropriadas, pois não se apresenta como sucedâneo destes. No caso em apreço, o paciente pretende modificar decisões com carga de definitividade, o que deveria ensejar a propositura de Revisão(ões) Criminal(is) - artigo 621 do Código de Processo Penal -, não podendo então o sucumbente, por consequência, reclamar, através desta via, a retificação dos éditos condenatórios, porque a isso não se presta o writ. 3. Por conseguinte, por revelar-se inadequada a utilização do habeas corpus para a finalidade apontada na impetração, configurando a falta de interesse de agir na perspectiva da adequação e consoante reza o artigo 663 da
lei penal adjetiva, impõe-se, de plano, o desacolhimento do pedido, indeferindo-se a petição inicial, dispensadas informações da autoridade tida como coatora e exsurgindo desnecessário o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiçà' (HC 0048685-82.2016.8.26.0000/SP, 3.a Câmara de Direito Criminal, reI. Geraldo Wohlers, 27.09.2016, v.u., grifamos). 3.2.1 Existência de recurso legal para impugnar a decisão Judicial considerada abusiva
A ação constitucional de habeas corpus independe de qualquer recurso previsto em lei para se opor à decisão judicial considerada abusiva. Entretanto, ela também não se substitui ao recurso apropriado. O meio-termo é o enfoque a ser adotado. Se a questão controversa pode ser resolvida por meio do recurso, sem afetar diretamente a liberdade de locomoção, não se deve ajuizar habeas corpus. No entanto, caso a espera, até que o recurso seja julgado, prejudique a liberdade individual, a ação constitucional torna-se necessária.
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Ilustrando, para combater uma sentença condenatória cabe apelação, logo, inexiste cabimento para a propositura de habeas corpus com o propósito de discutir o mérito da demanda criminal. Sob outro aspecto, se, na decisão condenatória, além da sanção aplicada, o juiz impedir o réu de recorrer em liberdade, de maneira injustificada, interpõe-se o habeas corpus para esse fim, vale dizer, garantir o direito de recurso em liberdade. Em suma, a apelação destina-se a debater o mérito da ação penal, enquanto o habeas corpus limita-se somente a discutir o direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado. Em qualquer hipótese, não se admite o habeas corpus, quando envolver exame aprofundado das provas, tal como ocorre, por exemplo, no caso de progressão de regime de réu condenado, por exigir a análise de laudos e colheita de pareceres. Nesta última hipótese, somente cabe a impetração e conhecimento do writ, quando a decisão de indeferimento do juiz for considerada teratológica, pois todos os exames foram feitos e todos os pareceres favoráveis já constam dos autos, sem necessidade de maior dilação probatória. Superior Tribunal de Justiça • "1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. O habeas corpus, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária, não é meio processual adequado para analisar a tese de insuficiência probatória para a condenação" (HC 273763/SP, S.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 11.10.2016, v.u.). Tribunal de Justiça de Minas Gerais • "O habeas corpus é via de restrita cognição precária para exame superficial do direito líquido e certo do paciente, e, em regra, não se apresenta como a via processual adequada para a modificação de sentença penal condenatória, sendo certo que para tanto existe recurso próprio previsto em nossa legislação - apelação -, que possui ampla cognição, capaz de permitir a análise das questões em telà' (HCC 1.0000.16.032S63-S/000/MG, 2.a Câmara Criminal, reI. Beatriz Pinheiro Caires, 09.06.2016).
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Tribunal de Justiça de São Paulo • "Pleito objetivando o afastamento da realização de exame criminológico como requisito para a concessão do benefício de progressão de regime. Ausência de interesse de agir no âmbito da via eleita - Matéria pertinente a recurso de agravo em execução - Ordem indeferida in limine" (HC 2174966-49.2016.8.26.0000/SP, 16.a Câmara de Direito Criminal, reI. Guilherme de Souza Nucci, 27.09.2016, v.u.).
3.2.2 Dúvida quanto ao interesse de agir e consulta ao paciente O habeas corpus pode ser ajuizado por qualquer pessoa em favor de outra, mesmo que ambas não se conheçam e independentemente de procuração. Por isso, por vezes, é questionável o real interesse de quem o impetra. Imagine-se um preso famoso, nacionalmente conhecido, que possa despertar a atenção da mídia. Propondo habeas corpus em seu favor, o motivo de agir pode ser somente ganhar notoriedade, desatendendo vantagem autêntica para quem está detido. Diante disso, se o paciente tiver procurador constituído, antes de conhecer e julgar o habeas corpus impetrado por terceiro estranho, deve-se consultar a defesa constituída do preso. Afinal, o julgamento do writ pode causar prejuízo à linha defensiva oficial adotada em prol do paciente pelo seu advogado. Se não houver concordância, o juízo ou tribunal deve indeferir, liminarmente, o habeas corpus, por falta de interesse de agir. Os Regimentos Internos do Supremo Tribunal Federal (art. 192, ~ 3.°) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 202, ~ 1.0) dispõem no sentido de não ser conhecido o pedido, quando houver oposição do paciente. Embora alguns prefiram indicar o não conhecimento da ação constitucional, parece-nos equivocada tal postura. Somente não se conhece do habeas corpus, quando o juízo ou tribunal for incompetente para proferir a decisão. No mais, deve-se agir como em qualquer ação indevidamente ajuizada: indefere-se o pedido, sem adentrar no mérito. Na doutrina, Pontes de Miranda sustenta que o paciente não pode recusar a impetração de habeas corpus em seu favor, por três razões: a) a Constituição proporciona legitimação processual, conferindo ao impetrante um direito constitucional; b) o Estado e o paciente devem obedecer a lei; c) é inviável a renúncia ao direito à liberdade.14 E ainda critica Bento de
14. História e prática do habeas corpus, p. 403-404.
CAPo 111 • CONDIÇÓES
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Faria, chamando a sua posição de absurda, por entender ser possível a oposição do paciente à impetração. Segundo nos parece, a resposta a essa questão não pode dar-se em pontos extremos. Por certo, há razão a quem sustenta ser juridicamente inviável renunciar à liberdade; se a oposição do paciente a ser solto, por conta da impetração do habeas corpus, for imotivada, cremos deva ser ignorada pelo juízo ou Tribunal. Entretanto, se a oposição do paciente, especialmente quando formulada por seu defensor, tiver fundamento razoável, por exemplo, não atrapalhar a sua estratégia defensiva, deve o juízo ou tribunal indeferir a ordem liminarmente. 15 3.2.3 Cessação do interesse de agir
Tratando-se de autêntica ação, é preciso que exista interesse do impetrante em conseguir o provimento jurisdicional para fazer cessar o constrangimento ilegal,já consumado ou em vias de ocorrer. Por isso, caso não mais subsista a violência ou coação, é natural que uma das condições da ação tenha desaparecido, dando ensejo à proclamação de sua prejudicialidade. Ex.: reclama o impetrante contra a prisão ilegal de um paciente, por excesso de prazo na conclusão da instrução. Enviando as informações, o magistrado demonstra que não somente findou a colheita da prova, como também já foi proferida decisão condenatória, contra a qual o réu interpôs apelação. Logo, inexiste interesse para o julgamento do writ. 3.2.4 Desnecessidade de pedido de reconsideração ao juiz para a impetração no tribunal ou de reiteração de pleito já formulado
Havendo uma decisão judicial, em qualquer sentido, impondo constrangimento ilegal a alguém, pode-se impetrar habeas corpus diretamente no tribunal competente, sem necessidade alguma de se pleitear a reconsideração do decidido em primeiro grau. Exemplificando, se o juiz mantém o auto de prisão em flagrante, reputando-o formalmente em ordem, negando ao preso a liberdade provisória, com ou sem fiança, torna-se, de imediato, a autoridade coatora. Nasce a viabilidade jurídica do pleito de habeas corpus, bem como o interesse de agir.
15. No sentido que defendemos, Antonio Macedo de Campos (Habeas corpus, p. 81); Florêncio de Abreu (Comentários ao Código de Processo Penal, p. 586).
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É integralmente
desnecessário requerer ao juiz, que manteve a prisão, a reconsideração ou o pedido de liberdade renovado. Seria o mesmo que pleitear à polícia, quando prendesse alguém sem justo motivo, que solte o detido, antes de se poder ir a juízo para propor habeas corpus. Na mesma linha, é desnecessário obrigar o interessado reiterar várias vezes o mesmo pedido de liberdade provisória, relaxamento de prisão ou outro que o beneficie. Se o magistrado havia decretado a preventiva e renovou as mesmas razões na sentença condenatória, caso estivesse pendente de julgamento pedido de habeas corpus, este não se torna prejudicado. Ao contrário, deve ser julgado quanto ao mérito da prisão cautelar.
Supremo Tribunal Federal • "1. Segundo a jurisprudência do STF, não há perda de objeto do habeas corpus quando a sentença condenatória superveniente mantém a custódia cautelar pelos mesmos fundamentos do decreto de prisão preventiva originário. Não há razão lógica e jurídica para obrigar a defesa a renovar o pedido de liberdade perante as instâncias subsequentes, impondo-lhe a obrigação de impugnar novamente os mesmos fundamentos que embasaram a custódia cautelar. O que acarreta a prejudicialidade da impetração é a sentença posterior que invoca motivação diversa do decreto prisional anterior. Precedentes. 2. Não revela suficiente, para impedir o exame da impetração, a alegação genérica e automática de que a sentença condenatória superveniente configura o surgimento de um novo título prisional (agora respaldado nos elementos de prova colhidos na instrução criminal), pois os argumentos da espécie não guardam, evidentemente, pertinência com os pressupostos de cautelaridade inerentes à prisão preventiva (art. 312 do CPP). 3. No caso, o Min. Relator do Superior Tribunal de Justiça julgou prejudicado o pedido de habeas corpus, sob o fundamento de que a superveniência de novo título teria inaugurado 'situação processual nova, diversa da apresentada à autoridade responsável pela constrição: Entretanto, a sentença condenatória manteve a segregação cautelar do paciente sob os mesmos termos do decreto de prisão preventiva anterior. 4. Ordem concedida para que o Superior Tribunal de Justiça apresente o habeas corpus a novo julgamento" (HC 119183/MG, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 25.03.2014, v.u.). 3.3 Legitimidade
Legítimo significa o que está conforme a lei; não deixa de ser sinônimo de legal. No entanto, também quer dizer algo genuíno ou autêntico.
CAP.III
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Utiliza-se essa terminologia, no âmbito das condições da ação, para determinar quem pode ingressar, em juízo, formulando um pleito, e contra quem se pode requerer algo. 3.3.1 Legitimidade ativa: impetrante e paciente
Como regra, a ação possui, no polo ativo, uma parte específica, que pretende obter algum bem de seu interesse, por meio do Poder Judiciário; no polo passivo, outra parte específica, que ficará sujeita à decisão judicial. Tal situação pode não ser preenchida pelo habeas corpus, tendo em vista a complexidade possível de seu polo ativo. Diversamente de outras demandas, a ação constitucional admite, com clareza, que qualquer pessoa pleiteie direito alheio em nome próprio.16 Essa é a razão pela qual o impetrante - quem ajuíza o habeas corpus - pode fazê-lo para si mesmo I? ou em benefício de terceiro.18 O beneficiário da ordem de habeas corpus denomina-se paciente, pessoa que sofre o constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, direta ou indiretamente. Segundo Frederico Marques, eles atuam como litisconsortes.19 Portanto, admite-se, no polo ativo, uma só parte, quando impetrante e paciente confundem-se na mesma pessoa, ou duas partes, o impetrante (requerente da ação constitucional) e o paciente (beneficiário em nome de quem se pleiteia). Além disso, admite-se, como impetrante, pessoa física ou jurídica,20 nacional ou estrangeira, com ou sem advogado. O próprio Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), reconhecendo a importância desse remédio
16. É o que se denomina de legitimação ativa extraordinária (Dante Busana, O habeas corpus no Brasil, p. 63). 17. É a legitimação ativa ordinária (Dante Busana, ob. cit., p. 63). 18. Como ensina Pontes de Miranda, "o direito de requerer habeas corpus para outrem, pressupõe, todavia, como condição imprescindível de sua legitimidade, que o requerente tenha, sincera e precisamente, por fim resguardar a liberdade daquele em cujo benefício invoca a proteção legal (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 389). 19. Elementos de direito processual penal, p. 376. Ainda assim, cuida-se de um polo ativo atípico, pois o litisconsórcio pode ser instituído sem que o paciente ingresse efetivamente na demanda ou faça qualquer tipo de pedido. 20. Em contrário, admitindo somente a pessoa física, Pontes de Miranda (História e prática do habeas corpus, p. 499); Vicente Sabino Jr. (O habeas corpus, p. 79). Ambos, no entanto, não fornecem nenhuma justificativa plausível para tal impedimento.
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constitucional, estabelece que "não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou Tribunal" (art. 1.0, ~ 1.0). Pode tratar-se de pessoa menor de 18 anos, surdo-mudo, analfabeto, interditado, enfim, não se demanda capacidade para estar em juízo, pois o habeas corpus é ação-remédio de natureza constitucional. Logicamente, exige-se, ao menos, que o impetrante possa manifestar a sua vontade.21 A procuração outorgada ao impetrante pelo paciente não deixa de ser importante, pois confirma o interesse deste último quanto ao ajuizamento do habeas corpus. Entretanto, no caso de ajuizamento por pessoa jurídica, somente se o fizer em favor de terceiro - pessoa física.22 Nessa hipótese, segundo cremos, dispensa-se advogado, do mesmo modo que ocorre com qualquer pessoa física, bastando que a pessoa jurídica seja devidamente representada, conforme seus estatutos.23 A pessoa jurídica não pode ser paciente, pois o habeas corpus protege, direta ou indiretamente, a liberdade de locomoção, o que não lhe diz respeito, mas ao ser humano.24 É bem verdade que, após a edição da Lei 9.605/1998, prevendo a possibilidade de ser a pessoa jurídica autora de crime ambiental no Brasil, pode surgir situação de constrangimento ilegal que a atinja, como ocor-
21. Identicamente, Espínola Filho (Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 214); Magalhães Noronha (Curso de processo penal, p. 418). O importante é que a peça seja assinada. No caso do analfabeto, não tem validade a aposição do dedo, mas assinaturas de pessoas a rogo. 22. Admitindo a impetração feita por pessoa jurídica em favor de pessoa física: STF,HC 79.535/MS, 2." T., reI. Maurício Corrêa, 16.11.1999, V.U., Dl 10.12.1999, p. 3. Nesse caminho, escreve Espínola Filho: "óbvio que uma pessoa jurídica pode impetrar habeas corpus em favor de pessoa natural, cuja soltura, em muitos casos, interessa diretamente àquela, como nos de prisão, ou ameaça, de diretor, sócio, associado, confrade" (Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 214). No mesmo sentido, Paulo Rangel (Direito processual penal, p. 877). 23. No mesmo sentido, pela dispensa do advogado para pessoa jurídica: Paulo Roberto da Silva Passos (Do habeas corpus, p. 34). 24. Assim também: Pontes de Miranda (História e prática do habeas corpus, p. 107); Tourinho Filho (Processo penal, p. 657); Borges da Rosa (Comentários ao Código de Processo Penal, p. 777); Bento de Faria (Código de Processo Penal, p. 381) Em contrário, defendendo a impetração de habeas corpus, Aury Lopes Jr. (Direito processual penal, p. 1357).
CAPo 111 • CONDiÇÕES DA AÇÃO
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reria com O ajuizamento de ação penal sem justa causa. Pensamos, no entanto, que, à falta de recurso próprio contra o recebimento da denúncia nesse caso, pode a pessoa jurídica valer-se do mandado de segurança, um instrumento constitucional para coibir ilegalidade ou abuso de poder não amparado por habeas corpus (art. 5.°, LXIX, CF). Assim, pode impetrar mandado de segurança visando ao trancamento da ação penal, caso fique evidente o direito líquido e certo de não ser processada.25 O membro do Ministério Público, que funcione em primeiro grau, acompanhando o desenrolar da investigação criminal ou do processo, tem legitimidade para impetrar habeas corpus em favor do indiciado ou do acusado.26 Supremo Tribunal Federal
• "1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é assente no sentido de que o MP detém legitimidade processual para defender, em juízo, violação da liberdade de ir e vir de terceiros, por meio de habeas corpus. 2. No caso em exame, porém, não restou demonstrado o prejuízo da defesa do paciente pela inobservância da competência da 17.a Vara Criminal da Comarca de Maceió/AL, máxime quando a decisão se encontra sujeita a grau recursal perante o Tribunal naturalmente competente para a causa. 3. Recurso não provido" (RHC 118999/AL, La T., reI. Dias Toffoli, 11.03.2014, v.u.). É preciso, no entanto, que ele demonstre efetivo interesse em beneficiar o réu, e não simplesmente em prejudicá-lo por via indireta. Do mesmo modo que se sustentou anteriormente, caso haja defesa constituída, é preciso consultá-la, a fim de saber se é interessante ao paciente o julgamento do habeas corpus. Supremo Tribunal Federal
• "1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o Ministério Público dispõe de legitimidade processual
25. No mesmo prisma, Dante Busana (O habeas corpus no Brasil, p. 45); Heráclito Antônio Mossin (Habeas corpus, p. 371). 26. "O órgão do Ministério Público tem competência, e mesmo por dever do seu cargo, de exercer uma das mais nobres missões - a de requerer habeas corpus, nos casos permitidos em lei, para aquelas pessoas que encontrar detidas ilegalmente nas prisões, cárceres privados, asilos etc:' (Tavares Bastos, O habeas corpus na República, p. 125).
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para defender em juízo violação à liberdade de ir e vir por meio de habeas corpus. 2. Caso em que o Ministério Público não demonstrou o prejuízo da defesa do Paciente pela inobservância da competência do juiz titular da 3.a Auditoria da 3.a Circunscrição Judiciária Militar para decidir sobre o recebimento da denúncia, limitando-se ao argumento de que a matéria seria de ordem pública e, portanto, passível de ser apresentada pelo órgão ministerial. 3. O juiz auditor substituto da 3.a Auditoria da 3.• Circunscrição Judiciária Militar absolveu o Paciente, o que demonstra a ilegitimidade do Ministério Público para a impetração do presente habeas corpus, pois veicula pretensão que favoreceria tão somente a acusação. 4. Habeas corpus não conhecido" (HC 99948/RS, V T., reI. Cármen Lúcia, 14.05.2013, v.u.). Se a coação partir do Tribunal, cabe ao órgão do Ministério Público atuante junto a essa Corte a impetração de habeas corpus em instância superior. Supremo Tribunal Federal • ''A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou não reconhecer a legitimidade de órgão do Ministério Público, que não o Procurador-Geral da República, para atuar no Supremo Tribunal Federal. 2. Embargos de declaração intempestivos. 3. Ausência de contradição, omissão e erro material. 4. É firme a jurisprudência no sentido de serem incabíveis os embargos de declaração quando a parte, a pretexto de esclarecer inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição, vem a utilizá-los com o objetivo de infringir o julgado e, assim, viabilizar um indevido reexame da causa. Precedentes. 5. Embargos de declaração não conhecidos" (HC 113715 ED/DF, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 17.12.2013, v.u.). Naturalmente, na qualidade de qualquer do povo, o promotor (ou procurador da República) pode impetrar habeas corpus em favor de quem queira sem qualquer limitação territorialY Quanto ao magistrado, somente pode ajuizar habeas corpus como cidadão, mas jamais se for o juiz responsável pela fiscalização da investi-
27. No mesmo sentido, Celso Delmanto (Da impetração de habeas corpus por juízes, promotores e delegados, p. 287).
CAPo 111 • CONDIÇÚES
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gação criminal ou pela instrução do processo-crime. Seria esdrúxula tal opção,28 uma vez que ele tem poder para fazer cessar qualquer tipo de constrangimento ocorrido contra o indivíduo, processado ou investigado. Não agindo assim, torna-se a autoridade coatora.29 Lembremos, ainda, que o juiz, detectando qualquer nulidade absoluta, pode - e deve - proclamá-la de ofício, mandando refazer o processo, o que não significa conceder habeas corpus de ofício. Ilustrando, depois de recebida a denúncia, torna-se clara a falta de justa causa para tanto. Houve um erro do magistrado. Cabe-lhe reconhecer a nulidade absoluta, tornando sem efeito o recebimento da peça acusatória. 30
28. Nas palavras de Antonio Macedo de Campos, "ninguém cometeria a heresia jurídica de imaginar que os juízes de 1.0 ou 2.0 grau de jurisdição requeiram habeas corpus, uma vez que o magistrado dentro do processo, não pede, manda; não solicita, determina" (Habeas corpus, p. 82). No entanto, o mesmo autor, narrando uma história de erro judiciário, afirma que "excepcionalmente, em circunstâncias muito especiais, o Juiz poderá conceder habeas corpus contra si próprio" (ob. cit., p. 84). O caso apresentado por Macedo de Campos ilustra uma condenação, com trânsito em julgado, em primeiro grau, sendo que, após, o magistrado percebeu a inocência do acusado, de forma insofismável. Com a devida vênia, para isso existe a revisão criminal e, inclusive, como temos defendido, a possibilidade de concessão de liminar, para a imediata soltura do sentenciado. Se ficar tão evidente a sua inocência, há instituições prontas a atuar, como a Defensoria Pública e a OAB, em benefício do acusado, propondo a referida revisão criminal, com pedido liminar de libertação. Se, em função de remediar injustiças, puder o juiz fazer qualquer coisa, como atentar contra a coisa julgada, poderia igualmente, em tese, conceder habeas corpus contra acórdão transitado em julgado, desde que a inocência do sentenciado ficasse evidente. E todos os magistrados poderiam judicar como bem quisessem, desde que no melhor interesse do réu. Ademais, no exemplo narrado pelo autor, nem mesmo o Tribunal poderia conceder habeas corpus, pois, após o trânsito em julgado, não sendo o caso de nulidade absoluta, somente a revisão criminal é viável. Em suma, jamais poderá o juiz conceder habeas corpus contra si mesmo, sem qualquer exceção. 29. Assim também pensa Frederico Marques (Elementos de direito processual penal, p. 377). Ver também o item 3.3.5 a seguir. 30. Essa decisão do juiz, reconhecendo a nulidade absoluta do recebimento da denúncia, representa, para Demercian e Maluly, a concessão de habeas corpus de ofício ("a nosso ver, outro não foi o espírito que norteou o legislador ao estabelecer a possibilidade de concessão do writ de ofício, de forma rápida e eficiente': Curso de processo penal, p. 443). Com essa postura não concordamos. Declarar a nulidade absoluta, mandando refazer os atos viciados, faz parte do dever jurisdicional de qualquer juiz, não significando reconhecer como autoridade coatora ele mesmo. A concessão do habeas corpus de ofício produz a emissão de uma ordem de cessação do constrangimento enviada a outra pessoa, que, não cumprindo, responde inclusive por crime. Nem é preciso dizer que o habeas corpus contra si mesmo representaria
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Certamente, O juiz, como cidadão, em procedimento alheio à sua jurisdição, pode impetrar habeas corpus em favor de terceiro.3l No tocante ao delegado, assim como o magistrado, somente pode impetrar habeas corpus como cidadão, e não como presidente do inquérito. Afinal, seria ilógico ajuizar ação constitucional contra si mesmo. Qualquer ato por ele praticado - indiciamento ou prisão de alguém - automaticamente o transforma em autoridade coatora. Nessa ótica, a lição de Mauricio Henrique Guimarães Pereira: "A legitimidade ativa no habeas corpus vai além dos advogados, vai além da cidadania, vai além de qualquer do povo, porque é direito das gentes, pelo que não pode ser negado ao Delegado de Polícia, como gente':32 No tocante ao paciente, exige-se que seja pessoa determinada, embora não haja necessidade de indicar, com precisão, seus dados de qualificação, lugar onde se encontra e outros elementos identificadores. Inexiste a viabilidade de habeas corpus em favor de um grupo indeterminado de pessoas (ex.: em favor dos torcedores do time X, para que não sejam detidos).
3.3.2 Legitimidade passiva: autoridade coatora e particular No polo passivo da ação de habeas corpus está a pessoa - autoridade ou não - apontada como coatora, que deve defender a legalidade do seu ato, quando prestar as informações. No entanto, é preciso destacar não se cuidar de autêntico polo passivo, como se fosse ré na demanda, devendo oferecer contestação. A autoridade coatora (ou particular coator) figura como interessado, cujo objetivo deve concentrar-se em sustentar a legalidade de seu ato. Tanto não se trata de verdadeiro polo passivo que o juiz ou relator pode dispensar as informações, julgando o mérito do habeas corpus apenas com o conteúdo da inicial e documentos apresentados pelo impetrante.33
a emissão de uma ordem, igualmente, contra a própria pessoa, provocando uma situação teratológica por si só. 31. No mesmo sentido, Celso Delmanto (Da impetração de habeas corpus por juízes, promotores e delegados, p. 287). 32. Habeas corpus e polícia judiciária, p. 242. No mesmo sentido, Celso Delmanto (Da impetração de habeas corpus por juízes, promotores e delegados, p. 287). 33. Por isso, quando há recurso em sentido estrito apresentado pelo impetrante ou pelo MP, em caso de denegação da ordem, não se ouve a autoridade coatora.
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Pode, ainda, ser um órgão estatal, como ocorre com Tribunais, Comissões Parlamentares de Inquérito e outros colegiados.34 Para Frederico Marques, no entanto, quando se tratar de autoridade, o verdadeiro sujeito passivo é o Estado.35 Parece-nos, no entanto, que, no pala passivo, está mesmo a pessoa física, ainda que seja autoridade, pois esta deveria ser condenada em custas, segundo o espírito do Código de Processo Penal, e responderá diretamente por abuso.36 Atualmente, ressalte-se, não há mais custas em habeas corpus (art. 5.°, LXXVII, CF), perdendo o efeito o disposto no art. 653 do CPP (condenação da autoridade nas custas). O Tribunal transforma-se em órgão coator, desde que julgue recurso do réu, negando provimento, quando deveria ter acolhido a pretensão, bem como quando julga recurso da acusação, concedendo ou negando provimento, mas deixando de apreciar matéria fundamental, que comportaria a concessão de habeas corpus de ofício, em favor do acusado, nos termos do art. 654, ~ 2.°, do CPP. O não conhecimento de apelação ou outro recurso do réu ou da acusação, não torna o tribunal autoridade coatora, salvo se a matéria comportasse a concessão, de ofício, de habeas corpus. As informações - uma forma similar à impugnação ao pedido formulado - gozam de presunção de veracidade, devendo ser acompanhadas das cópias pertinentes do processo ou inquérito, conforme o caso. Ressalte-se que, em muitos casos, tratando-se de autoridade, esta se limita a fazer um mero relatório do feito, deixando de sustentar a medida coercitiva empregada, o que nos soa irregular. Entretanto, se enviar cópia de decisão devidamente fundamentada, demonstrativa da legalidade da decisão tomada, supre-se a falha. Note-se que, deixando de evidenciar a correção do seu ato, pode ser a autoridade condenada nas custas (ao menos na época de edição do CPP) e processada por abuso de poder (art. 653, CPP),
34. As pessoas jurídicas de direito privado somente podem ser sujeitos passivos se o direito público a tenha reconhecido em seu seio, bem como a sua responsabilidade. Fora daí, somente a pessoa física (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 499). 35. Elementos de direito processual penal, v. IV, p. 376. No mesmo raciocínio, Dante Busana (O habeas corpus no Brasil, p. 65). 36. Assim já defendia João Mendes Júnior: "a ação de mandado de segurança, como a ação de habeas corpus, é proponível contra atos - positivos ou negativos - de autoridade, e sujeito passivo da relação jurídica processual é a própria autoridade, e não a pessoa jurídica de cujo corpo faz parte a autoridade" (Comentários à Constituição de 1967, p. 337).
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conforme o caso, tornando saliente o seu interesse de que seja considerada legal a medida determinada. Sobre o tema, professa Pontes de Miranda que, "se a autoridade coatora se esquiva a prestar esclarecimentos que lhe foram reiteradamente exigidos, deve ser interpretada tal omissão como tácita confirmação das alegações do impetrante. (...) A informação oficial é crida, salvo prova em contrário; e a autoridade informante responde pela sua veracidade, sob pena de responsabilidade':3? Comungando do mesmo entendimento, confira-se em Dante Busana: "Infelizmente, alguns magistrados consideram tarefa menor prestar informações em habeas corpus e a confiam ao escrivão, limitando-se a assinar peça por aquele redigida. Esquecem-se de que a impetração imputa-lhes ilegalidade ou abuso de poder e não tem sentido o juiz, cuja missão é cumprir e fazer cumprir a lei, transferir a terceiros a tarefa de dar contas dessa missão aos tribunais superiores': 38 É inadmissível a utilização do habeas corpus em favor de paciente indeterminado ou de um grupo indeterminado de pessoas. Nas palavras de Bento de Faria: "não tem cabimento quando se tratar de pessoas indeterminadas, v.g., os sócios de certa agremiação, os empregados de determinado estabelecimento, os moradores de alguma casa, os membros de indicada corporação, os componentes de uma classe etc., ainda quando referida uma das pessoas com o acréscimo de - e outros. Somente em relação a essa será conhecido apedido". 39 Aliás, é igualmente inadmissível a impetração contra autoridade coatora indeterminada, pois não haveria nem mesmo quem pudesse prestar as informações. Há, pois, diferença entre haver dúvida quanto à autoridade e desconhecimento da autoridade. Ilustrando, imagine-se que alguém foi preso pelo delegado do Distrito X ou do Distrito Y. Cabe a impetração contra ambas as autoridades, para se descobrir qual proferiu o ato coator indevido; as duas deverão prestar informações para o juiz. No entanto, noutro exemplo, se alguém foi preso pela polícia, mas não se tem a menor ideia de quem efetivou a detenção, não cabe impetrar habeas corpus contra toda a Polícia Civil do Estado. É preciso delimitar a responsabilidade do agente coator, a fim de saber contra quem a ação mandamental deve ser proposta.
37. História e prática do habeas corpus. Ver o item 6.4 do Capítulo VI. 38. Habeas corpus, p. 119. Ver também o item 6.4 do Capítulo VI. 39. Código de Processo Penal, v. 2, p. 381. No mesmo prisma: Espínola Filho (Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. VII, p. 216).
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Cabe a impetração de habeas corpus em favor de paciente residente ou domiciliado no estrangeiro, imaginando-se, por óbvio, a ordem preventiva, expedindo-se salvo-conduto, para que possa retornar livre ao território nacional. Não se volta a demanda para a liberação de quem estiver preso no exterior, pois o juiz brasileiro não estende o seu poder jurisdicional à nação estrangeira.40 3.3.2.1 Tribunal como órgão coator
Assim que distribuído o recurso, não mais é autoridade coatora o juiz de primeira instância. A partir desse momento, cabe ao Tribunal a responsabilidade por dar célere andamento ao habeas corpus, distribuindo-o a um relator, que assume a posição de autoridade coatora, até chegar à mesa para julgamento, quando torna o Tribunal a ser o órgão coator. Há quem diga não ser a Corte a coatora em face da simples distribuição do apelo,41ou enquanto aguarda o julgamento do recurso, mas essa visão é ultrapassada, considerando que, hoje, o Supremo Tribunal Federal tem conhecido de habeas corpus, por exemplo, contra o Superior Tribunal de Justiça, justamente baseado na demora excessiva para o julgamento do habeas corpus. Supremo Tribunal Federal
• "I - O impetrante sustenta a demora para o julgamento de habeas corpus ajuizado no Superior Tribunal de Justiça. II - O excesso de trabalho que assoberba o STJ permite a flexibilização, em alguma medida, do princípio constitucional da razoável duração do processo. Precedentes. III - Contudo, no caso dos autos, a situação caracteriza evidente constrangimento ilegal, uma vez que, passado quase um ano do oferecimento do parecer pela Procuradoria-Geral da República, o writ ainda não foi levado a julgamento. IV - A demora para o julgamento do feito naquela Corte Superior configura negativa de prestação jurisdicional e flagrante constrangimento ilegal sofrido pelo
40. Pensam assim: Bento de Faria (Código de Processo Penal, V. 2, p. 382), ressaltando que o pedido deve ter por objetivo assegurar a entrada do sujeito no País; Espínola Filho (Código de Processo Penal brasileiro anotado, V. VII, p. 216). 41. Dante Busana (O habeas corpus no Brasil, p. 67), embora baseado em jurisprudência antiga do STF, datada de 1982.
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paciente, apto a justificar a concessão da ordem para se determinar o imediato julgamento daquela ação. V - Habeas corpus conhecido, concedendo-se a ordem para determinar ao Superior Tribunal de Justiça que apresente o writ em mesa, para julgamento até a 10.a sessão, ordinária ou extraordinária, subsequente à comunicação da ordem" (HC 117166/RJ, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 20.08.2013, v.u.). Se o Tribunal não conhecer o habeas corpus, por incompetência, não se torna autoridade coatora, visto existir um juiz natural para julgar o mérito do alegado constrangimento ilegal. No entanto, se o não conhecimento for embasado em outros fatores, mormente quando se tratar de decisão infundada, é a Corte o órgão coator. Caso o Tribunal aprecie revisão criminal, indeferindo-a, torna-se fator de constrangimento, pois manteve a anterior decisão, seja de primeiro grau, seja de segundo. Afinal, se ele tinha a possibilidade de julgar procedente a revisão - e não o fez -, torna-se o órgão responsável pela sua mantença dali por diante.
3.3.2.2 STP como órgão coator Dispõe o art. 6.°, I, a, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, competir ao Plenário processar e julgar originariamente o habeas corpus, quando for coator ou paciente o Presidente da República, a Câmara, o Senado, o próprio Tribunal ou qualquer de seus Ministros, o Conselho Nacional da Magistratura, o Procurador-Geral da República, ou quando a coação provier do Tribunal Superior Eleitoral, ou, nos casos do art. 129, ~ 2.°, da Constituição, do Superior Tribunal Militar, bem assim quando se relacionar com extradição requisitada por Estado estrangeiro': Em tese, pois, quando um Ministro proferisse uma decisão monocrática, constrangendo a liberdade de alguém, tornar-se-ia autoridade coatora. Caberia habeas corpus para o Plenário. Se a Turma prolatasse uma decisão constrangedora à liberdade individual, caberia a interposição de habeas corpus também para o Plenário. Entretanto, o STF editou a Súmula 606: "não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de turma, ou do plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso':
CAP.III
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Supremo Tribunal Federal • "1. O ato jurisdicional de Ministro do Supremo Tribunal Federal é insindicável pela via do habeas corpus (Súmula n.O 606/STF). Precedentes: HC n.O 91.207/RJ, Tribunal Pleno, ReI. pl acórdão Min. Eros Grau, Pleno, D/e de 05.03.2010; HC n.O 100.397/MG, Tribunal Pleno, ReI. pl acórdão Min. Cármen Lúcia, D/e de 01.07.2010; HC n.O 104.843-AgR/BA, Tribunal Pleno, ReI. Min. Ayres Britto, D/e de 02.12.2011; HC n.O 131.309/ED, Primeira Turma, ReI. Min. Roberto Barroso, D/e de 28.06.2016; HC n.O 133.091-AgR, Tribunal Pleno, D/e de 05.08.2016; e HC n.O 105.959, Tribunal Pleno, ReI. pl o acórdão, ReI. Min. Rosa Weber, D/e de 06.09.2016. (...)" (HC 136097 AgR/DF, Tribunal Pleno, reI. Luiz Fux, 14.10.2016, m.v.) . • "Ajurisprudência desta Suprema Corte firmou-se no sentido da inadmissibilidade de habeas corpus, quando impetrado contra decisões emanadas dos órgãos colegiados desta Suprema Corte (Plenário ou Turmas) ou de quaisquer de seus juízes, inclusive quando proferidas em sede de procedimentos penais de competência originária do Supremo Tribunal Federal. Precedentes" (HC 109021 AgRISP, Pleno, Celso de Mello, 18.12.2013, v.u). O ponto fundamental é evitar a cascata de habeas corpus, um impetrado após o outro, desvinculando-se a parte interessada dos recursos cabíveis dentro da própria Corte, como é o caso do agravo regimental. Diante disso, decisões judiciais, constrangedoras à liberdade, tomadas por membros do STF, em ação penal originária ou em habeas corpus, conforme a situação, comporta a utilização de agravo regimental. Contra o relator, para a turma. Da turma, para o plenário.
3.3.2.3 Legitimidade passiva do particular A Constituição Federal não especifica, com clareza, quem pode figurar no polo passivo. Menciona caber habeas corpus em favor de quem sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Quanto a esta última hipótese, não há dúvida tratar-se de autoridade, detentor de poder estatal. No entanto, quanto ao termo ilegalidade, nada impede que seja cometida tanto por autoridade quanto por qualquer outra pessoa, incluindo o particular.
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Convencionou -se atribuir à autoridade o polo passivo do habeas corpus muito mais pelo volume dos casos encontrados na prática, que abrange, quase sempre, servidor público como coator, do que pela inviabilidade teórica da inserção do particular. Por outro lado, sabe-se que o particular, não agindo com poder estatal, quando atua contra alguém, limitando a sua liberdade de locomoção, somente pode fazê-lo em situações excepcionais. Ilustrando, pode o particular prender em flagrante o ladrão que furta a sua residência, mantendo-o em cárcere até a polícia chegar. Entretanto, se mantiver o furtado r detido e não chamar a polícia, passa a cometer o crime de sequestro ou cárcere privado (art. 148, CP). E, assim sendo, qualquer agente policial pode invadir a casa, sem ter autorização judicial, pois o delito é permanente, prendendo o particular. Em suma, não há necessidade para impetrar habeas corpus com o propósito de libertá-lo, bastando acionar as autoridades responsáveis pela segurança. Como regra, qualquer constrangimento ilegalprovocado por particular pode ser sanado pela intervenção policial em favor da vítima. Entretanto, existem situações extremadas, em que a atuação da polícia torna-se dificultosa, merecendo a intervenção judicial. O típico exemplo disso é o da internação em hospital para doentes mentais, determinada por médico. Se alguém questionar a legitimidade dessa internação, acoimando-a de indevida, torna-se complicada a atividade da polícia, pois, para libertar a pretensa vítima, deveria invadir o local, desafiando a autoridade médica, sem muitos dados técnicos acerca disso. Se estiverem errados, os agentes policiais podem responder por abuso de autoridade. Diante disso, torna-se adequado impetrar habeas corpus contra o diretor do nosocômio, havendo a intervenção do juiz, que determinará ao médico não somente a apresentação do detido, como também a prestação de informações. Em face delas, poderá o magistrado decidir se a detenção é legal ou ilegal. A ação constitucional confere maior precisão para a análise do caso. Não é demais lembrar a lição de Dante Busana nesse contexto: "A polícia pode não querer (ou não julgar prudente) intervir, como, por exemplo, nas hipóteses de internação indevida em manicômio ou outro estabelecimento destinado ao tratamento de moléstias mentais e razão não há para negar à pessoa internada sem motivo legal a proteção do remédio constitucional".42
42. Habeas corpus, p. 110.
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Nessa ótica, Ada, Magalhães e Scarance;43 Tourinho Filho;44 Mirabete;45 Demercian e Maluly;46 Magalhães Noronha;47 Greco Filho;48 Frederico Marques;49 Marco Antonio de Barros;50 Dante Busana e Laerte Sampaio;51 Mauro Cunha e Roberto Geraldo Coelho Silva;52 Pinto Ferreira;53 Paulo Roberto da Silva Passos;54 Antonio Macedo de Campos;55 Diomar Aekel Filho;56 Vicente Sabino Jr.;57Gustavo Badaró;58 Mougenot;59 Joaquim Cabral Netto;60 Celso Antonio da Silva;61 Denilson Feitoza;62 Paulo Lúcio Nogueira;63 Heráclito Antônio Mossin;64 Eugênio Paeelli de Oliveira;65 Aury Lopes Jr.;66 Magalhães Noronha;67 Paulo Rangel;68 Gumesindo GarCÍa Morelos.69
43. Recursos no processo penal, p. 357. 44. Código de Processo Penal comentado, 45. Código de Processo Penal interpretado,
v. 2, p. 465-466. p. 856-857.
46. Curso de processo penal, p. 445. 47. Curso de processo penal, p. 412. 48. Manual de processo penal, p. 392, questionando tecnicamente esse entendimento, mas acatando em nome da celeridade. 49. Elementos de direito processual penal, v. IV, p. 376. 50. Ministério Público e o habeas corpus: tendências atuais, p. 119. 51. O Ministério Público no processo de habeas corpus, p. 320. 52. Habeas corpus no direito brasileiro, p. 58. 53. Teoria e prática do habeas corpus, p. 14. 54. Do habeas corpus, p. 35. 55. Habeas corpus, p. 94. 56. Writs constitucionais,
p. 42.
57. O habeas corpus, p. 83. 58. Processo penal, p. 682. 59. Curso de processo penal, p. 930. 60. Instituições de processo penal, p. 400. 61. Código de Processo Penal comentado,
p. 630.
62. Direito processual penal, p. 996. 63. Curso completo de processo penal, p. 474. 64. Habeas corpus, p. 371. 65. Curso de processo penal, p. 768, embora com ressalva de ser mais apropriada policial. 66. Direito processual penal, p. 1350. 67. Curso de processo penal, p. 412. 68. Direito processual penal, p. 885. 69. El processo de habeas corpus y los derechos fundamentales,
p. 43.
a ação
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Em contrário: Hélio Tornaghi, sustentando que "a coação exercida por um particular configurará o crime de cárcere privado (CP, art. 148), ou de constrangimento ilegal (CP, art. 146), ou o de ameaça (CP, art. 147), e as providências contra o coator devem ser pedidas à Polícia':70 E também: Bento de Faria;7l Pontes de Miranda;72 Florêncio de Abreu;73 Aquino e NalinU4
3.3.2.4 Membro do Ministério Público como autoridade coatora A autoridade coatora pode ser processada por abuso de autoridade, caso se comprove seja mesmo responsável por constrangimento ilegal contra a vítima (paciente). Por isso, quando o promotor tomar alguma medida que possa prejudicar a liberdade individual - como requisitar inquérito contra alguém, de maneira infundada -, torna-se coator. Se o ato for considerado ilegal, ele responderá em foro privilegiado - Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, conforme o caso -, motivo pelo qual o julgamento do habeas corpus deve ser impetrado no mesmo tribunal competente para, eventualmente, processar a autoridade coatora pelo abuso.75 Adotando entendimento diverso, Paulo Rangel sustenta que o habeas corpus deve ser ajuizado junto ao juiz de primeiro grau, pelas seguintes razões: a) o Tribunal somente julga o membro do Ministério Público quando responderem a ação penal, o que não é o caso do habeas corpus; b) o ato do promotor deve ser levado ao conhecimento do juiz, assim como o oferecimento da denúncia; c) não se encontra na esfera de competência do Tribunal apreciar habeas corpus contra promotor.76
Superior Tribunal de Justiça • "O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a Constituição do Estado de São Paulo, ao estabelecer no seu art. 74, IV; que ao Tribunal de Justiça
70. Curso de processo penal, v. 2, p. 408. 71. Código de Processo Penal, v. 2, p. 381. 72. História e prática do habeas corpus, p. 444. 73. Comentários
ao Código de Processo Penal, v. V, p. 561.
74. Manual de processo penal, p. 316. 75. No mesmo sentido, Tourinho Filho (Processo penal, p. 668); Denilson Feitoza (Direito processual penal, p. 1.002); Aury Lopes Jr. (Direito processual penal, p. 1.356). 76. Direito processual penal, p. 883.
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compete processar e julgar originariamente habeas corpus quando a coação emana de Promotor de Justiça, guarda sintonia com o art. 96, I1I, da Carta Magna (RE 14l.209/SP, reI. Min. Sepúlveda Pertence, RTf 140/683). As regras de competência originária dos Tribunais, fixadas ratione personae e ratione numeris, não estabelecem rol exaustivo, mas preveem um mínimo a ser observado pelo ordenamento local, que não merece censura ao dispor sobre novas hipóteses, em especial se guarda harmonia com o direito federal" (RE 73.078/SP, 6.a T., reI. Luiz Vicente Cernicchiaro, 25.03.1996, v.u.). Quanto ao procurador da República e ao promotor de justiça do Distrito Federal, o julgamento compete ao Tribunal Regional Federal da região onde atuem.
Supremo Tribunal Federal • "Compete ao TRF da l.a Região, com base no art. 108, I, a, da CF, processar e julgar, originariamente, os membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que atuem em primeira instância. Com base nesse entendimento, a Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que afirmara a sua competência para processar e julgar habeas corpus em que a coação fora atribuída a membro do Ministério Público daquela unidade da Federação. Inicialmente, salientou-se a orientação firmada pelo STF no sentido de que a competência para o julgamento de habeas corpus contra ato de autoridade, excetuado o Ministro de Estado, é do Tribunal a que couber a apreciação da ação penal contra essa mesma autoridade. Asseverou-se que o MPDFT está compreendido no MPU (CF, art. 128, I, d) e que a Constituição ressalva da competência do TRF somente os crimes atribuíveis à Justiça Eleitoral, não fazendo menção a determinado segmento do MPU, que pudesse afastar da regra específica de competência os membros do MPDFT. Rejeitou-se, portanto, a incidência da regra geral do inciso III do art. 96, da CF, com a consequente competência do Tribunal local para julgar o caso concreto. Ressaltando que, embora se reconheça a atuação dos Promotores de Justiça do DF perante a Justiça do mesmo ente federativo, em primeiro e segundo graus, similar à dos membros do MP perante os Estados-membros, concluiu-se que o MPDFT está vinculado ao MPU, a justificar, no ponto, tratamento diferenciado em relação aos membros do parquet estadual. RE provido para cassar o acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos ao
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TRF da La Região. Precedentes citados: RE 141209/SP (DJU 10.02.1992); HC 7380l/MG (DJU27.06.1997); RE 31501O/DF (DJU31.05.2002); RE 352660/DF (DJU 23.06.2003); RE 340086/DF (DJU 01.07.2002)" (RE 418.852/DF, La T., reI. Carlos Britto, 06.12.2005, v.u., Informativo 412). Vale destacar que o deferimento, pelo juiz, de cota emanada do membro do Ministério Público não faz deste o responsável, mas aquele. Noutros termos, encampar manifestação do promotor significa assumi-la como decisão sua, tornando-se autoridade coatora. A instauração de inquérito civil pelo membro do Ministério Público não o torna autoridade coatora para fins de ajuizamento de habeas corpus.77 A meta desse procedimento não é de caráter penal, pois não visa à instrução de processo-crime. Cuidando-se de inquérito civil infundado, que possa prejudicar alguém, cabe mandado de segurança para coibir o seu andamento.78 Quanto a investigações criminais conduzidas pelo Ministério Público, em atuação isolada, sem o acompanhamento de outras instituições, somente poderiam dar-se, em nosso entendimento, em caráter excepcional, quando, por exemplo, investigam-se abusos cometidos por policiais. No entanto, o STF decidiu pela viabilidade da investigação conduzida pelo MP, embora com a fiscalização do Judiciário e com a garantia de acompanhamento pelo advogado do investigado. Diante disso, a menos que o representante do MP tome alguma atitude abusiva, durante a investigação, não cabe habeas corpus para trancar o Procedimento Investigatório Criminal.
Superior Tribunal de Justiça • "O egoSupremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE n. 593.727, matéria cuja repercussão geral já havia sido admitida, reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria,
77. No mesmo prisma, Demercian
e Maluly (Curso de processo penal, p. 449).
78. Em contrário, está a posição de Dante Busana, mencionando: "coator será, igualmente, o órgão do Ministério Público que preside inquérito civil, pois dotado de 'poderes instrutórios gerais próprios à atividade inquisitiva, como ocorre com o delegado de polícia, no inquérito policial: suscetíveis de interferir na liberdade de locomoção" (O habeas corpus no Brasil, p. 70). Não nos convence essa tese, tendo em vista que os atos investigatórios produzidos no inquérito civil, por promotor atuando na área cível, não são suscetíveis de interferir na liberdade de locomoção. Se, excepcionalmente, houver um fato isolado, por exemplo, determinando a condução coercitiva de alguém, nesse caso interpõe-se habeas corpus, mas não contra o inquérito civil, que merece ser trancado, se for o caso, por meio do mandado de segurança.
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investigações de natureza penal" (RHC 62410/MG, Fischer, 09.08.2016, v.u.).
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5. T., reI. Felix 3
• "1. O Ministério Público dispõe de atribuição para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que observados os direitos individuais do investigado e as prerrogativas do seu defensor" (RHC 66081/MG, 6. T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 02.08.2016, v.u.). 3
Tratando-se de investigação referente a crime de competência originária do Tribunal de Justiça ou Regional Federal, o chefe da instituição, quando a conduzir, torna -se autoridade coatora, devendo-se propor habeas corpus junto ao Tribunal onde atua. Exemplos disso: o Procurador-Geral de Justiça responde no Tribunal de Justiça de seu Estado (art. 74, IV, Constituição Estadual de São Paulo); o Procurador-Geral da República, no Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, i, CF); o Procurador da República, que atue em Tribunais, no Superior Tribunal de Justiça (art. lOS, I, c, CF). 3.3.2.5 Comissão Parlamentar de Inquérito como coatora O Poder Legislativo pode instaurar, no seu âmbito, a Comissão Parlamentar de Inquérito, para investigações em geral, inclusive na área criminal. Assegura a Constituição Federal que elas terão poderes investigatórios típicos das autoridades judiciárias, nos termos do art. 58, ~ 3.°, da Constituição Federal. Assim sendo, podem requisitar documentos, ouvir testemunhas, quebrar sigilo, sempre atuando em prol da investigação; caso seja abusiva a sua atividade, o prejudicado pode impetrar habeas corpus junto ao Poder Judiciário. Tratando-se de Comissão Parlamentar federal junto ao STF; no caso de Comissão Parlamentar estadual junto ao Tribunal de Justiça do Estado; no caso de Comissão Parlamentar municipal junto ao juiz da Vara da Comarca. É preciso, porém, destacar que o STF limitou a atuação da CPI, em algumas matérias, que considerou reserva de jurisdição, como a decretação de prisão. Elas não podem fazê-lo; se decretarem a custódia de alguém, configurar-se-á nítido constrangimento ilegal. 3.3.3 Intervenção de terceiros O habeas corpus possui um rito célere, sem qualquer dilação probatória; tão logo o juiz receba as informações provenientes da autoridade coatora,
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deve julgá-lo em 24 horas. Embora a lei mencione eventual interrogatório do paciente, algo que somente aconteceria caso ele fosse apresentado ao magistrado, raramente isso ocorre. Quando o pedido for formulado em primeiro grau de jurisdição, não há previsão legal para a oitiva do Ministério Público, colhendo-se o seu parecer.79 Da decisão tomada pelo magistrado deve ser o órgão ministerial cientificado, pois é parte legítima para apresentar recurso ou mesmo impetrar habeas corpus contra decisão denegatória do juiz. Além disso, cabe-lhe providenciar a apuração da responsabilidade da autoridade coatora, quando a ordem for concedida e tiver havido abuso de autoridade. Em defesa da oitiva do representante do Ministério Público em qualquer hipótese está a posição de Hugo Nigro Mazzilli: "Se o Ministério Público não for impetrante nem coator, deve, como fiscal da lei, sempre ser ouvido no habeas corpus, antes de qualquer decisão ou sentença, e em qualquer grau de jurisdição, ante a essencialidade de sua função para a prestação jurisdicional em matéria de interesses indisponíveis da coletividade".so Entretanto, ajuizado o habeas corpus em instância superior, ouve-se o Ministério Público, em parecer. Há previsão legal para tanto por meio do Decreto-lei 552/1969: "Ao Ministério Público será sempre concedida, nos tribunais federais ou estaduais, vista dos autos relativos a processos de habeas corpus, originários ou em grau de recurso pelo prazo de 2 (dois) dias. ~ 1.0 Findo esse prazo, os autos, com ou sem parecer, serão conclusos ao relator para julgamento, independentemente de pauta. ~ 2.° A vista ao Ministério Público será concedida após a prestação das informações pela autoridade coatora, salvo se o relator entender desnecessário solicitá-las, ou se, solicitadas, não tiverem sido prestadas. ~ 3.° No julgamento dos processos a que se refere este artigo será assegurada a intervenção oral do representante do Ministério Público" (art. 1.0).
79. Diz Dante Busana: "ao silenciar sobre a atuação do Ministério Público em primeiro grau, o legislador parece ter cedido ao temor de retardar o rito sumaríssimo do habeas corpus, máxime porque nas impetrações dirigidas à primeira instância o paciente está preso, ou na iminência de o ser, por ordem de autoridade administrativa ou ato de particular, impondo-se decisão urgente sobre a legalidade da coação ou ameaça". E continua, justificando a ausência do MP em primeira instância: "de se notar que no processo perante os tribunais a urgência do pronunciamento sobre a legalidade da coação ou ameaça é menor, porque o ato hostilizado é jurisdictional e não de autoridade administrativa ou de particular" (O habeas corpus no Brasil, p. 96). 80. O Ministério
Público e o habeas corpus, p. 415.
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o assistente de acusação, que acompanha o processo-crime, não intervém em qualquer espécie de habeas corpus ajuizado em benefício do réu/paciente. Inexistiria, em tese, interesse da vítima no tocante à avaliação de eventual constrangimento ilegal cometido contra o acusado. Entretanto, em nosso entendimento, deveria haver previsão legal, ao menos, para que o ofendido fosse intimado da decisão do habeas corpus, na medida em que concedesse liberdade ao acusado. E, assim sendo, por lógica, deveria haver possibilidade legal de recurso. Não se compreende o cerceamento da atividade da vítima em pleitear a mantença da custódia cautelar do réu ou mesmo a inviabilidade de trancamento da ação penal ou da investigação. Embora seja o assistente de acusação um coadjuvante do Ministério Público na ação penal, o julgamento do habeas corpus pode influir diretamente no seu interesse maior, que é a condenação do acusado, realizando-se justiça. Afinal, foi-se o tempo em que se defendia a participação do ofendido, no processo-crime, apenas para garantir a indenização civil ao final. É de reconhecer o legítimo interesse da vítima em acompanhar e lutar pelo que acha justo, no caso a procedência da demanda, com aplicação da sanção penal. O objetivo maior do Estado, ao chamar a si a pretensão punitiva na área penal, passando ao Ministério Público a titularidade da demanda, foi evitar a vingança pessoal e privada. Isso não significa anular, completamente, o desejo da vítima de participar, de maneira ativa, ao lado do Parquet, para que se atinja a punição oficial do agente do crime. Ao contrário, se o particular não pode exercer justiça com as próprias mãos, cabe ao Estado fazê-lo, mas permitindo a sua legítima participação, dentro das regras processuais vigentes. Note-se que o art. 201, ~ 2.°, do cpp preceitua que "o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão ..:: Não haveria sentido alertar a vítima da soltura do réu, a não ser que se concedesse a ela o direito de se contrapor a tal decisão. Contudo, essa falha legislativa ainda vigora, pois não há previsão de recurso. Inexiste previsão legal para o querelante (vítima) ser ouvido no habeas corpus impetrado pelo querelado, mas, como parte que é, na ação penal principal, deve ser cientificado da decisão judicial proferida, concessiva ou denegatória.sl Aliás, em particular, se o objetivo do habeas corpus visar
81. Nessa ótica, Denilson Feitoza (Direito processual penal, p. 1.004).
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ao trancamento da ação penal ajuizada, por exemplo, deve o querelante ser intimado da decisão, para recorrer, se necessário.82
3.3.4 Requisição cumprida pela autoridade policial Os juízes e membros do Ministério Público podem requisitar a abertura de inquérito para investigar determinado crime e seu autor. Se a requisição for dirigida à autoridade policial, devidamente fundamentada, apontando provas mínimas do ali narrado, por força de lei, deve o delegado instaurar a investigação. Assim o fazendo, caso inexista justa causa para tanto, o prejudicado impetrará habeas corpus contra o juiz ou o promotor requisitante. Entretanto, ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, muito menos requisição ilegal, pois seria um contrassenso. Imagine-se que um promotor requisite a instauração de inquérito, apontando o cometimento de fato atípico por determinado sujeito. Há flagrante ausência de justa causa, pois o pedido é juridicamente impossível. O delegado não deve instaurar o inquérito, sob pena de se tornar coautor do abuso de autoridade ali constatado. Todavia, ainda que o faça, a pretexto de cumprir requisição do Ministério Público, o habeas corpus deve ser ajuizado contra o promotor, embora a responsabilidade penal pertença a ambos (membro do MP e autoridade policial). Quanto aos despachos de mero expediente, proferidos pelo magistrado ao longo do inquérito, concedendo mais prazo para as investigações, há quem sustente que não se torna ele a autoridade coatora em caso de pleito para trancamento do inquérito.83 Permitimo-nos discordar. Afinal, havendo um juiz responsável pelo curso do inquérito, a ele cabe analisar, quando os autos caem em suas mãos, se há desenvolvimento regular e compatível com o que se espera desse procedimento. Verificando a existência de investigação absurda (por exemplo, de fato atípico), não pode ficar silente e omisso; ao contrário, precisa conceder habeas corpus de ofício, trancando o inquérito. Se não o fizer, torna-se coadjuvante da investigação, mesmo que por sua omissão, incorporando a veste da autoridade coatora.
82. Nessa visão, Dante Busana sustenta que a intervenção do querelante deve dar-se de maneira espontânea e facultativa, sem atrasar o rito célere do habeas corpus, logo, sem necessidade de ser intimado a tanto (O habeas corpus no Brasil, p. 99). 83. Nessa ótica, Dante Busana (O habeas corpus no Brasil, p. 66).
CAPo 111 • CONDIÇOES DA AÇÃO
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Ademais, somente para argumentar, imagine-se que o juiz, nesse caso, não fosse o coator, e sim o delegado. Ora, o suspeito ou indiciado, sentindo-se lesado pela investigação, terá que ajuizar habeas corpus àquele juiz, para o qual já foi distribuído o feito, tornando-o o juiz natural da causa. Seria estranho que o magistrado, acompanhando o andamento da investigação, sem se opor, seja o julgador do habeas corpus ajuizado para trancá-la. Alguns poderiam argumentar que os despachos de mero expediente sem a prolação de decisão interlocutória, como a decretação de prisão temporária, busca e apreensão, quebra de sigilo, entre outros - não o tornam prevento. Assim sendo, ajuizado habeas corpus contra essa investigação, haveria livre distribuição. Entretanto, não deixa de ser anômala tal situação: há um juiz responsável pelo controle do inquérito e existiria outro para analisar se deve - ou não - ser trancada a investigação, sendo ambos do mesmo grau de jurisdição. Por isso, não nos convence a ideia de que o juiz fiscalizador da investigação é autoridade estéril nesse caso, não possuindo qualquer responsabilidade pelo andamento do inquérito. É a autoridade judiciária, responsável pela investigação, a autoridade coatora, contra a qual deve ser ajuizado habeas corpus para trancar o inquérito junto ao Tribunal. Aliás, pairando qualquer dúvida a respeito, basta um simples pedido ao juiz que acompanha a investigação para que tranque o feito, concedendo habeas corpus para isso. Negado, demonstra ser realmente a autoridade coatora. 3.3.5 Habeas corpus de ofício Preceitua o art. 654, ~ 2.°, do Código de Processo Penal que "osjuízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal': A legitimação, conferida por lei, envolve matéria de ordem pública, que é a inviolabilidade da liberdade individual. Chegando ao conhecimento do juiz ou Tribunal competente, mesmo que não seja pela via processual, a ocorrência de um abuso contra a liberdade de locomoção, torna-se cabível a concessão da ordem de habeas corpus de ofício. É interessante destacar a atual postura do STP e do STJ a respeito da
interposição de habeas corpus originário contra decisão de outro Tribunal. Tem-se negado tal possibilidade, argumentando que há recurso cabível, expressamente previsto na Constituição: recurso ordinário constitucional,
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cujo processamento é automático, bastando a sua interposição. A partir desse entendimento, as Cortes Superiores passaram a não conhecer o habeas corpus originário; entretanto, analisam o conteúdo da ação e, se encontram algum abuso ou ilegalidade, concedem habeas corpus de ofício. Segundo nosso entendimento, há dois pontos a observar nessa atividade. Em primeiro lugar, não nos parece caso de não conhecimento; afinal, é ação, por meio da qual o impetrante pede a prestação jurisdicional. Se entende o Tribunal que não há interesse de agir - porque existe recurso próprio para isso -, deve indeferir liminarmente a inicial. Em segundo, soa-nos até mesmo contraditório mencionar na decisão que a Corte não conhece da ação, mas concede a ordem, de ofício, para sanar o constrangimento ilegal. Com a devida vênia, se não foi nem mesmo conhecida a questão, menos ainda seria viável adentrar no mérito para reconhecer a ocorrência de uma ilegalidade, sanando-a por meio de habeas corpus de ofício. Por isso, sustentamos que, quando faltar qualquer das condições da ação, indefere-se a inicial; nesse caso, ainda assim, pode-se conceder a ordem de ofício, pois aquele impetrante naquela circunstância pode não ter interesse de agir, mas a questão é relevante, foi conhecida, optando-se pela saída da atuação de ofício do Tribunal. Não deixa de ser importante considerar que somente pode conceder a ordem de ofício quando o juiz ou Tribunal é competente para conhecer o habeas corpus, se fosse impetrado regularmente pelo interessado. Não pode o juiz da Comarca X, tomando conhecimento de uma ilegalidade contra a liberdade individual, cometida na Comarca Y, ultrapassar as barreiras da competência e conceder ordem de habeas corpus de ofício.84 Igualmente, não cabe romper, para o mesmo fim, os limites da competência material e da competência por prerrogativa de função. O habeas corpus de ofício não significa conceder a ordem contra si mesmo, o que configuraria um autêntico absurdo jurídico. Imagine-se que o magistrado decreta a prisão preventiva de alguém; vislumbrando que se enganou, não lhe compete conceder ordem de habeas corpus para soltar o acusado, mas sim revogar a preventiva. O mesmo raciocínio se aplica ao Tribunal. Quem tem o poder de fazer, tem também o poder de desfazer.8s
84. Como diz Dante Busana, "o juiz não deve, qual verdadeiro D. Quixote, sair à cata de moinhos de vento com quem pelejar, de ilegalidades a remediar" (O habeas corpus no Brasil, p. 73). 85. Ver também o item 3.3.1 supra.
IV Competência
Sumário: 4.1 Jurisdição e competência: 4.1.1 Erro no endereçamento - 4.2 Prevenção - 4.3 Competência do Supremo Tribunal Federal 4.4 Competência do Superior Tribunal de Justiça - 4.5 Competência de outros Tribunais Superiores: 4.5.1 Tribunal Superior Eleitoral; 4.5.2 Superior Tribunal Militar - 4.6 Competências dos Tribunais Estaduais (Justiça e Militar) e Regionais (Federal e Eleitoral): 4.6.1 Competência da Turma Recursal - 4.7 Competência dos juízes de primeiro grau.
4.1 Jurisdição e competência Todo magistrado, investido no seu cargo, tem poder jurisdicional, podendo aplicar o direito ao caso concreto, dirimindo conflitos e compondo interesses, ainda que de maneira coercitiva. Entretanto, a competência é o limite da jurisdição, visando à disciplina, em escalas hierárquicas, por matéria e por território. Assim sendo, embora todo juiz tenha jurisdição (poder de dizer o direito), há fronteiras para isso e cada qual deve respeitá-las, na exata medida da sua competência.
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A ação constitucional de habeas corpus deve ser conhecida e processada no juízo competente. As regras, para tanto, encontram-se previstas no texto constitucional e na lei ordinária. Em primeiro lugar, deve-se buscar o lugar onde se deu a coação; após, avalia-se quem é a autoridade coatora (ou a pessoa coatora). Se esta tiver foro privilegiado, o habeas corpus deverá ser proposto no Tribunal. Se não possuir, caberá ao juiz de primeiro grau. Ilustrando, as autoridades (pessoas) sujeitas ao poder jurisdicional do magistrado de primeiro grau, como os policiais em geral, devem ter os seus atos coatores questionados em primeira instância. Tratando-se de juízes e promotoresl de primeiro grau, a impetração deve ser proposta no Tribunal de Justiça (autoridades estaduais) ou no Tribunal Regional Federal (autoridades federais). Quando o coator é o Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, impetra-se habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Tratando-se deste último Tribunal como órgão coator, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar o habeas corpus. No caso de mais de um juiz de primeiro grau competente territorialmente para apreciar o habeas corpus, deve-se distribuir o feito, aleatoriamente. Havendo, no Tribunal, mais de uma Câmara ou Turma competente para o julgamento, de igual forma, distribui-se. 4.1.1 Erro no endereçamento
Cuidando-se de qualquer outra demanda, poderia o juízo ou Tribunal simplesmente não conhecer o pedido, incumbindo à parte providenciar o correto ajuizamento. No entanto, no contexto do habeas corpus, que lida com a liberdade individual, garantia humana fundamental, é preciso ser receptivo e condescendente, motivo pelo qual, apesar de não conhecer a ação, o juízo ou Tribunal deve encaminhá-la, de pronto, ao órgão judiciário competente. 4.2 Prevenção
A regra da prevenção, no cenário da competência, significa que, havendo mais de um juiz ou órgão superior competente para julgar o writ,
1. Quanto aos membros do MP de primeiro grau, há controvérsia; para alguns, cabe o ajuizamento do habeas corpus perante o juiz de primeira instância. Ver o item 3.3.2.4.
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se, antes da distribuição, qualquer deles tomar conhecimento e decidir sobre questão jurisdicional relevante, torna-se prevento, isto é, o competente para o julgamento, pois primeiro analisou matéria relevante do feito. Ilustrando, durante o curso de um inquérito policial, a autoridade abusa de seu poder contra o indiciado; impetrando-se habeas corpus em seu favor, não há necessidade de distribuição, pois já existe o juiz prevento, que é o responsável pela fiscalização do andamento da investigação. Entretanto, se a autoridade policial abusa do poder antes mesmo de haver inquérito instaurado, deve-se ajuizar habeas corpus a um dos juízes da Comarca, elegendo-se o juízo por distribuição. Quando há o julgamento de habeas corpus, referido por um determinado relator no Tribunal, a interposição de outro mandamus, segue ao mesmo magistrado, por uma questão de prevenção. Portanto, mesmo que o relator seja vencido no primeiro julgamento, havendo uma segunda impetração, a ele será distribuída a ação de impugnação. Supremo Tribunal Federal
• "O Tribunal negou provimento a agravo regimental em habeas corpus interposto contra decisão da Presidência que não reconhecera a hipótese de prevenção suscitada pelos impetrantes e mantivera a relatoria do writ com o Min. Joaquim Barbosa. Na espécie, o habeas corpus fora distribuído ao Min. Joaquim Barbosa por prevenção em relação a outro, ao qual ele negara seguimento, ficando vencido, no julgamento de agravo regimental interposto contra essa decisão, em relação à preliminar de conhecimento do writ e à concessão do pedido liminar, tendo sido designado para redigir o acórdão, nessa ocasião, o Min. Eros Grau. Alegavam os ora agravantes a necessidade de redistribuição da presente impetração ao Min. Eros Grau, ao fundamento de que o provimento do agravo fora para o fim de conhecer do pedido, razão por que seria o conhecimento, e não a decisão de mérito, que firmaria a prevenção, nos termos do disposto no ~ 2.° do art. 69 do RISTP ('Art. 69. O conhecimento do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso civil ou criminal torna preventa a competência do Relator, para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução, referentes ao mesmo processo. (...) ~ 2. o Vencido o Relator, a prevenção referir-se-á ao Ministro designado para lavrar o acórdão.
[redação anterior à Emenda Regimental 34/2009]'). Entendeu-se ter sido correta a distribuição do presente writ, haja vista que, conforme ressaltado na decisão que não reconhecera a hipótese de prevenção,
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a questão preliminar debatida em sede do agravo regimental no qual o Min. Eros Grau proferira o voto vencedor - não incidência do Enunciado da Súmula 691 do STF - resultara em mudança de relatoria apenas para a lavratura do respectivo acórdão, não implicando, por isso, o deslocamento da relatoria originária quanto ao julgamento de mérito, que permanecera com o Min. Joaquim Barbosa. Precedente citado: HC 86.673/RJ (DJU O 1.10.2004)" (HC 89.306 AgR/SP, reI. Ellen Gracie, 08.03.2007, v.u., Informativo 458).
4.3 Competência do Supremo Tribunal Federal Compete
ao Supremo Tribunal
Federal julgar, originariamente,
o
habeas corpus, quando for paciente o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros, o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros de Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (art. 102, I, d, CF), bem como o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou tratando-se de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância (art. 102, I, i, CF). Por força de anterior interpretação dada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, o habeas corpus, quando o órgão coator for Turma Recursal do Juizado Especial Criminal dos Estados, considerando que não foi prevista tal hipótese no campo da competência do Superior Tribunal de Justiça, caberia, residualmente, ao Pretório Excelso o julgamento.
Supremo Tribunal Federal • "Mesmo com a superveniência da EC 22/1999, esse entendimento foi preservado pela Colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar questão preliminar pertinente a esse tema, conheceu da ação de habeas corpus promovida contra Turma Recursal existente nos Juizados Especiais Criminais: 'Subsiste ao advento da Emenda 22/1999, que deu nova redação ao art. 102, I, i, da Constituição, a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar e processar, originariamente, habeas corpus impetrado contra ato de Turma Recursal de Juizados Especiais estaduais (HC 78.317/RJ, reI. Min. Octavio Gallotti, DJU 22.10.1999 - grifei). Nesse julgamento,
CAPo IV • COMPETl:NCIA
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o Supremo Tribunal Federal - para reconhecer-se originariamente competente para processar e julgar pedido de habeas corpus impetrado contra Turma Recursal - enfatizou que a preservação da diretriz jurisprudencial anteriormente fixada, além de atender à exigência de celeridade (permitindo-se, quando utilizado o remédio heroico, o acesso imediato a este Tribunal, com a supressão dos graus jurisdicionais intermediários, em plena consonância com os critérios consagrados no art. 2.° da Lei 9.099/1995), decorre, ainda, da circunstância de as decisões emanadas das Turmas Recursais existentes nos Juizados Especiais estarem sujeitas, unicamente, em sede recursal, ao controle da Suprema Corte, mediante interposição do pertinente recurso extraordinário" (HC 79.843/MG, decisão liminar de admissibilidade do Min. Celso de Mello, 17.12.1999, citando outros precedentes da Corte, DO 15.02.2000, p. 17). A matéria foi registrada na Súmula 690 do STF: "Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais': Parece-nos correta essa interpretação, na medida em que, residualmente, seria o único órgão judiciário a receber a ação de impugnação contra medida abusiva tomada pela Turma Recursal. Não se encontra o julgamento de habeas corpus, nesses casos, na competência constitucional do STJ, nem se poderia atribuir ao Tribunal de Justiça do Estado (ou ao Tribunal Regional Federal) a apreciação da matéria, uma vez que se trata de órgão de segunda instância da esfera do Juizado Especial Criminal. Em outras palavras, o Tribunal de Justiça (ou o Tribunal Regional Federal) não é órgão revisor ou superior à Turma Recursal. Por isso, não poderia apreciar habeas corpus em virtude de ato abusivo praticado pela referida Turma Recursal. Caberia, por ausência de outra opção, ao STE Entretanto, o Pleno do Pretório Excelso modificou seu entendimento e não mais conhece de habeas corpus impetrado contra Turma Recursal, entendendo cabível o julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado (ou Tribunal Regional Federal): HC 86.834/SP,reI. Marco Aurélio, 23.08.2006, m.v., DJ09.03.2007. O argumento principal é que a Constituição é taxativa, também, quanto à competência do STE Portanto, restariam, residualmente, os Tribunais Estaduais ou Regionais Federais. Apesar disso, continua a nos soar mais adequada a interpretação anterior, ou seja, a Suprema Corte absorveria todos os casos não previstos na competência do STJ e, por uma questão de lógica, na competência dos
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Tribunais Estaduais ou Regionais Federais. Afinal, a Turma Recursal é, para todos os fins, órgão de segundo grau. Se pode o Tribunal do Estado ou da Região, a partir de agora, julgar habeas corpus contra decisão da Turma Recursal, por que o prejudicado não poderia ir, diretamente, ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, contra a decisão tomada por juiz do JECRIM (estadual ou federal)? Cria-se, na realidade, uma instância intermediária. Temos, pois, com a decisão atual do STF, duas segundas instâncias no âmbito do JECRIM. O réu pode, portanto, a partir de agora, percorrer quatro instâncias para discutir a mesma situação: Turma Recursal, Tribunal de Justiça ou Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça e, finalmente, Supremo Tribunal Federal. A nós, não parece nem privilegiar a economia processual, tampouco a melhor exegese da Constituição Federal. Ademais, como outro exemplo, não há, expressamente, no âmbito de competência do STF, na Constituição Federal, o julgamento de conflito de atribuições entre o Ministério Público Federal e o Estadual, mas, residualmente, o Pretório Excelso acolheu essa competência. Qualquer ato constrangedor à liberdade de locomoção, causado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é da competência do STF apreciar. Supremo Tribunal Federal • "A competência originária do Supremo Tribunal Federal, cuidando-se de impugnação a deliberações emanadas do Conselho Nacional de Justiça, tem sido reconhecida apenas na hipótese de impetração, contra referido órgão do Poder Judiciário (CNJ), de mandado de segurança, de habeas data, de habeas corpus (quando for ocaso) ou de mandado de injunção, pois, em tal situação, o CNJ qualificar-se-á como órgão coator impregnado de legitimação passiva ad causam para figurar na relação processual instaurada com a impetração originária, perante a Suprema Corte, daqueles writs constitucionais. Em referido contexto, o Conselho Nacional de Justiça, por ser órgão não personificado, define-se como simples 'parte formal' (Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo 1/222-223, item n. 5,4. ed., 1995, Forense; José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, p. 15-17, item n. 5, 25. ed., 2012, Atlas, v.g.), revestido de mera 'personalidade judiciária' (Victor Nunes Leal, Problemas de direito público, p. 424-439, 1960, Forense), achando-se investido, por efeito de tal condição, da capacidade de ser parte (Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil, p. 101,5. ed., 2013, RT; Humberto Theodoro
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Júnior, Curso de direito processual civil, V. V101, item n. 70, 54. ed., 2013, Forense; Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, p. 233, item n. 5,13. ed., 2013, RT, v.g.), circunstância essa que plenamente legitima a sua participação em mencionadas causas mandamentais. Precedentes. Tratando-se, porém, de demanda diversa (uma ação ordinária, p. ex.), não se configura a competência originária da Suprema Corte, considerado o entendimento prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, manifestado, inclusive, em julgamentos colegiados, eis que, nas hipóteses não compreendidas no art. 102, I, alíneas 'd' e 'q: da Constituição, a legitimação passiva ad causam referir-se-á, exclusivamente, à União Federal, pelo fato de as deliberações do Conselho Nacional de Justiça serem juridicamente imputáveis à própria União Federal, que é o ente de direito público em cuja estrutura institucional se acha integrado o CNJ. Doutrina. Precedentes" (AO 1706 AgRlDF, Pleno, reI. Celso de Mello, 18.12.2013, v.u.). Cabe-lhe, ainda, julgar em recurso ordinário constitucional o habeas corpus decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão. Cremos razoável a interpretação que inclui o habeas corpus decidido em última instância pelos Tribunais Superiores. E mais: tal possibilidade vem prevista na competência do STJ, ao falar em "única ou última instâncià' (art. 105, 11, a, CF). Cabe-lhe julgar, em recurso ordinário, o habeas corpus decidido em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória. Os dispositivos do Regimento Interno do STF que cuidam, especificamente, do habeas corpus são os seguintes: arts. 6.°, I, a, 11,c e 111,b, 9.°, I, a e 11, a, 21, XI, 52, VIII, 55, XIII, 56, I, 61, ~ 1.0, I, 68, caput e ~ 2.°, 77, parágrafo único, 83, ~ 1.0, III, 145, I, 146, parágrafo único, 149, I, 150, ~ 3.°, 188 a 199, e 310 a 312. Finalmente, vale ressaltar que a decisão, em habeas corpus, no colegiado, é tomada por maioria de votos, mas o empate, se porventura ocorrer, beneficia o paciente.
4.4 Competência do Superior Tribunal de Justiça Cabe ao Superior Tribunal de Justiça julgar, originariamente, o habeas corpus, quando o coator ou paciente for o Governador de Estado ou do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos
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Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União, que oficiem perante tribunais, bem como quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 105, I, c, CF). Lembremos que o Tribunal de Justiça Militar, componente da Justiça Estadual, especializado em julgar policiais militares e integrantes do Corpo de Bombeiros Militares, está sujeito à jurisdição do STJ, e não do STM (Superior Tribunal Militar). Este é apenas o órgão de segundo grau da Justiça Militar Federal, e não o órgão de cúpula de toda a Justiça Militar no Brasil. Nesse sentido: STF: CC 7.346, reI. Celso de Mello, 07.12.2006. Compete-lhe
julgar, em grau de recurso ordinário constitucional, "os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória" (art. 105,11, a, CF). Os dispositivos do Regimento Interno do STJ que cuidam, especificamente, do habeas corpus são os seguintes: arts. 11, 11, 12, I, 13, I, a e b, e 11, a, 64,111,67, XI, 71, 83, ~ 1.°,91, 1,177,11,180,11, 181, ~ 4.°, 201 a 210,215, e 244 a 246.
4.5 Competência de outros Tribunais Superiores2 4.5.1 Tribunal Superior Eleitoral O art. 22 do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965) dispõe: "compete ao Tribunal Superior: I - processar e julgar originariamente: (...) e) o habeas corpus (...), em matéria eleitoral, relativos a atos do Presidente da República, dos Ministros de Estado e dos Tribunais Regionais; ou, ainda, o habeas corpus, quando houver perigo de se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a impetração': Essa lei supre a ausência de lei complementar, exigida pelo art. 121 da Constituição Federal, para disciplinar a organização e competência da Justiça Eleitoral.
2. Sobre a Justiça do Trabalho e o Juízo Cível, ver o Capítulo VIII.
CAPo IV • COMPETtNCIA
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A previsão da extensão da competência ao TSE, quando houver perigo de consumação da violência antes que o magistrado competente (ou Tribunal Regional Eleitoral) possa dela tomar conhecimento, é uma exceção a todos os demais casos de constrangimento ilegal à liberdade individual. Compreende-se a preocupação, pois em época de pleito eleitoral os ânimos se acirram e muitos atos abusivos podem chegar mais facilmente ao conhecimento do Tribunal Superior Eleitoral, estabelecido na Capital Federal, do que ao juiz eleitoral competente, que pode estar em trânsito, sem ser localizado. Por outro lado, comungamos do entendimento de Dante Busana, ao expor que o Presidente da República não deveria ficar sob julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, como preceitua o art. 22 do Código Eleitoral (lei ordinária), pois a Constituição Federal o insere, sem exceção, sob tutela do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, d, CF). 3 No tocante aos Ministros de Estado, sujeitos à jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, há expressa exceção para a Justiça Eleitoral (art. lOS, I, c, CF). Em grau de recurso, compete ao TSE julgar recurso contra as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais quando denegarem habeas corpus (art. 121, ~ 4.°, V, CF).
Tribunal Superior Eleitoral • "1. Hipótese em que a autoridade coatora não é o Tribunal Regional Eleitoral, que, além de estar ainda por apreciar o recurso interposto da sentença que condenara o paciente pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, também não se pronunciou acerca da matéria objeto da impetração, qual seja, a ausência de proposta, por ocasião do oferecimento e recebimento da denúncia, da medida despenalizadora prevista no art. 89 da Lei n.O 9.099/95. 2. Na linha da jurisprudência desta Corte, não se conhece de habeas corpus em que as questões que lhe dão fundamento não se constituíram em objeto de decisão do Tribunal Regional Eleitoral, sob pena de supressão de um dos graus da jurisdição. 3. Não conhecimento do habeas corpus, com determinação de remessa dos autos ao Tribunal de origem" (HC 1224-47.2012.6.00.000/PI, reI. Laurita Vaz, 20.03.2013, v.u.)
3. O habeas corpus no Brasil, p. 89.
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4.5.2 Superior Tribunal Militar A Constituição Federal estabelece, no art. 124, parágrafo único, que "a lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar': Deve-se seguir, então, o disposto pelo art. 469 do Código de Processo Penal Militar: "compete ao Superior Tribunal Militar o conhecimento do pedido de habeas corpus". Assim sendo, todos os atos abusivos, gerando constrangimento ilegal, partindo de juízes auditores e Conselhos de Justiça, todos da esfera federal, serão julgados pelo STM. Superior Tribunal Militar • "Compete à Justiça Militar da União processar e julgar os crimes cometidos por militar da ativa contra militar na mesma situação, nos termos do art. 9.°, inciso 11, alínea 'a', do Código Penal Militar. Os atos executórios iniciados em local sujeito à Administração Militar encontram adequação típica na legislação penal castrense, conforme art. 9.°, inciso 111, alínea 'b', do Código Penal Militar, bem como no entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal Militar. Uma vez recebida a exordial, o trancamento da ação penal pela via estreita do habeas corpus é medida excepcional e somente pode se dar por inequívoca atipicidade da conduta, pela comprovada existência de causas extintivas da punibilidade do agente, ou pela ausência de indícios mínimos de autoria e de materialidade do ilícito. In casu, presentes os requisitos necessários para a deflagração da ação penal, o feito segue o seu curso normal, inexistindo violência ou coação que ameace o direito de ir e vir do paciente, bem como qualquer ilegalidade ou abuso de poder na decisão proferida pelo Juízo a quo. Habeas corpus conhecido. Ordem denegada. Decisão por unanimidade" (HC 0000069-83.2016.7.00.0000/SP, reI. Alvaro Luiz Pinto, 19.05.2016, v.u.) . • "1. A Justiça Militar da União é competente para julgar civil que pratica crime contra patrimônio sob a Administração Militar. 2. No habeas corpus, as provas têm de ser devidamente apresentadas no momento de sua impetração. Qualquer excludente de ilicitude ou de culpabilidade deverá ser arguida no curso da instrução criminal, momento adequado para a produção de provas. Ordem conhecida e denegada. Decisão unânime" (HC 0000024-84.2013.7 .OO.OOOO/CE, reI. Artur Vidigal de Oliveira, 14.03.2013, v.u.).
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4.6 Competências dos Tribunais Estaduais (Justiça e Militar) e Regionais (Federal e Eleitoral) Cabe aos Tribunais Regionais Federaisjulgar, originariamente, o habeas corpus quando a autoridade coatora for juiz federal (art. 108, I, d, CF). Cabe ao Tribunal de Justiça do Estado, nos termos do art. 125, ~ 1.0, da Constituição Federal, o seguinte: "a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiçà'. Estabelece a Constituição Estadual de São Paulo caber ao Tribunal de Justiça julgar, originariamente, o habeas corpus, nos processos cujos recursos forem de sua competência ou quando o coator ou paciente for autoridade diretamente sujeita a sua jurisdição, ressalvada a competência da Justiça Militar (art. 74, IV). Assim, cabe-lhe julgar habeas corpus cujo coator ou paciente for o Vice-Governador, os Secretários de Estado, os Deputados Estaduais, o Procurador-Geral de Justiça, o Procurador-Geral do Estado, o Defensor Público Geral e os Prefeitos Municipais. Além disso, como especificado no item 4.3 supra, cabe ao Tribunal de Justiça ou Regional Federal julgar os constrangimentos ilegais gerados por Turmas Recursais do JECRIM. Supremo Tribunal Federal
• "1. A jurisprudência desta Suprema Corte é firme no sentido de que não lhe compete julgar, em sede ordinária, recurso interposto contra decisões denegatórias de mandado de segurança ou habeas corpus proferidas por turma recursal vinculada ao sistema de juizados especiais. 2. Inadmissível a aplicação do princípio da fungibilidade ao caso dos autos, uma vez que a jurisprudência desta Corte quanto ao descabimento do recurso ordinário na hipótese vertente é pacífica e já conta de longa data, o que aponta para a ocorrência de erro grosseiro. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido" (Pet 5082 AgRlSP, 2.a T., reI. Dias Toffoli, 07.10.2016, v.u.). Dispõe o art. 29 do Código Eleitoral (Lei4.737/1965) o seguinte: "compete aos Tribunais Regionais: I - processar e julgar originariamente: (...) e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, contra ato de autoridades que respondam perante os Tribunais de Justiça por crime de responsabilidade [juízes do Tribunal de Justiça Militar, juízes de Direito e
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juízes de Direito do juízo militar, membros do Ministério Público, exceto o Procurador-Geral de Justiça, Delegado-Geral da Polícia Civil e Comandante-Geral da Polícia Militar] e, em grau de recurso, os denegados ou concedidos pelos juízes eleitorais; ou, ainda, o habeas corpus quando houver perigo de se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a impetração': Segue-se o preceituado pelo Código Eleitoral, conforme autorizado pelo art. 121, caput, da Constituição Federal. Compete-lhe, também, julgar os juízes federais, da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, além dos membros do Ministério Público da União, conforme ressalva feita pelo art. 108, I, a, da CF. Cabe ao Tribunal de Justiça Militar julgar os constrangimentos ilegais produzidos por juízes auditores e Conselhos de Justiça. Dispõe o artigo 81 da Constituição Estadual de São Paulo competir "ao Tribunal de Justiça Militar processar e julgar: I - (...) os habeas corpus, nos processos cujos recursos forem de sua competência ou quando o coator ou coagido estiverem diretamente sujeitos a sua jurisdição e às revisões criminais de seus julgados e das Auditorias Militares': 4.6.1 Competência da Turma Recursal O habeas corpus, contra decisão que gere constrangimento ilegal proferida por magistrado atuando no Juizado Especial Criminal, deve ser conhecido e julgado pela Turma Recursal. Afinal, é o órgão de 2.° grau no âmbito das infrações de menor potencial ofensivo. Assim dispõe o art. 14 da Lei Complementar 851/1998 (Estado de São Paulo). Embora opinem de maneira diversa - de que deveria ser julgado pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal -, reconhecem Ada, Magalhães, Scarance e Luiz Flávio ter vencido a posição que ora sustentamos: "No entanto, outra tem sido a orientação jurisprudencial e também a regulamentação das leis estaduais que disciplinaram os juizados: entende-se que a competência das turmas recursais inclui o habeas corpus, diante da letra do art. 82 da Lei 9.099/1995. Essa interpretação, ainda que criticável pelos aspectos antes mencionados, possui o inegável mérito de evitar decisões conflitantes a respeito de alguma questão que possa a vir a ser suscitada em habeas corpus e, posteriormente, no julgamento de apelação':4
4. Juizados especiais criminais, 5. ed., p. 202.
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4.7 Competência dos juízes de primeiro grau Aosjuízes federais compete julgar o habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento tiver origem em ato de autoridade não sujeita diretamente a outra jurisdição (art. 109, VII, CF). Fora dessa hipótese, residualmente, compete aosjuízes estaduais julgar habeas corpus contra autoridades (e particulares) sujeitos à sua jurisdição. Sabe-se, no cenário da competência, ser relativa a territorial, que, uma vez não reclamada pela parte interessada, pode prorrogar-se. Diante disso, se um juiz da Comarca X estiver fiscalizando um inquérito, que deveria pertencer à Comarca Y,ajuizado habeas corpus contra a autoridade policial, pode ele conceder a ordem, não havendo nulidade a sanar. Entretanto, não cabe ao juiz das execuções penais conceder habeas corpus no tocante a um delegado que pretende indiciar o suspeito, pois a sua atividade jurisdicional é limitada pela matéria, que não diz respeito a acompanhar qualquer tipo de inquérito policial. O mesmo se diga se o magistrado receber habeas corpus contra o Procurador-Geral de Justiça, que, por prerrogativa de foro, deve ter seus atos analisados no Tribunal de Justiça. O juiz do JECRIM terá seus atos avaliados pela Turma Recursal - e não pelo Tribunal de Justiça ou Regional Federal. Ressalte-se, ainda, a competência das Justiças Especializadas (eleitoral e militar). Aos juízes eleitorais cabe julgar habeas corpus quando a matéria for eleitoral e a autoridade coatora estiver sob sua jurisdição. Aos juízes auditores compete o julgamento de habeas corpus de matéria militar, no tocante às autoridades submetidas à sua jurisdição.
v Fundamento jurídico
Sumário: 5.1 Cabimento: 5.1.1 Natureza do rol previsto no art. 648 do CPP; 5.1.2 Justa causa; 5.1.3 Duração da prisão cautelar e da prisão-pena; 5.1.4 Incompetência da autoridade coatora; 5.1.5 Cessação do motivo autorizador da coação; 5.1.6 Negativa de fiança; 5.1.7 Nulidade do processo; 5.1.8 Extinção da punibilidade.
5.1 Cabimento
5.1.1 Natureza do rol previsto no art. 648 do cpp
o rol
é meramente exemplificativo. 1 Seria exagerado supor que a lei ordinária pudesse cercear a utilização do remédio constitucional, já que a
1. No mesmo sentido, Pontes de Miranda (História e prática do habeas corpus, p. 490); Paulo Roberto da SilvaPassos (Do habeas corpus, p. 51); Mougenot (Curso de processo penal, p. 935); Demercian e Maluly (Curso de processo penal, p. 453). Em contrário, Pinto Ferreira: "o Código de Processo Penal caracteriza com um numerus clausus as hipóteses em que a coação deve ser considerada illegal, apreciando o assunto no art. 648. Não fica a critério do juiz ou do tribunal definir o que se deve entender
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Constituição estabelece a validade de uso do habeas corpus para combater qualquer ameaça de violência ou coação na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5.°, LXVIII). Por ilegalidade, deve-se entender o que é contra o ordenamento jurídico, nas suas variadas possibilidades, desde o cerceamento do direito da liberdade individual, prendendo alguém, sem ordem judicial e ausente o flagrante delito, até mesmo quando se trata de indicar formalmente um suspeito para o indiciamento, sem base probatória. Por abuso de poder, entende-se o uso excessivo de força, emanada de autoridade, com desvio legal ou moral. Nas palavras de Pontes de Miranda, "é o exercício irregular do poder. Usurpa poder quem, sem o ter, procede como se o tivesse. A falsa autoridade usurpa-o; a autoridade incompetente, que exerce poder que compete a outrem, usurpa; a autoridade competente não usurpa, mas, de certo modo, exorbita se abusa do poder':2 Esses são os elementos genéricos para a impetração, de modo que o rol desse artigo não pode ser considerado exaustivo. Nessa ótica, explicam Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo que o inciso I, por exemplo, é capaz de abranger inúmeras hipóteses merecedoras de análise em cada caso concreto.3 Exemplo que se pode registrar, atualmente, é o disposto no art. 7.° da Lei 11.417/2006: "Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação': Portanto, nada impede que um réu ou condenado, pessoalmente, dirija -se ao STF, por meio do habeas corpus, apontando o descumprimento de súmula vinculante em relação à sua situação concreta.
5.1.2 Justa causa Desdobra-se a questão em dois aspectos: a) justa causa para a ordem ter sido proferida, que resultou em coação contra alguém, ou ser manti-
por coação, mas sim da lei" (Teoria e prática do habeas corpus, p. 45). Igualmente, Frederico Marques alega que o art. 648 do cpp prevê todas as hipóteses viáveis de constrangimento ilegal, logo, o rol é exaustivo (Elementos de direito processual penal, p. 365).
à Constituição de 1967, p. 313-314. 3. Habeas corpus e advocacia criminal: ordem liminar e âmbito de cognição, p. 135. 2. Comentários
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da, quando o que era justo perdeu a razão de ser;4 b) justa causa para a existência de processo ou investigação contra alguém, sem que haja lastro probatório suficiente.5 Nunca é demais salientar a lição da doutrina de longa data. Oliveira Machado afirma que "justa causa não pode ser definida em absoluto. Depende da inteligente e escrupulosa apreciação do juiz que, aquilatando os motivos ocasionais determinantes da prisão, qualificará a justiça ou injustiça da causa para declarar legal ou não o constrangimento corporal ou ameaça. É impossível capitular antecipadamente as causas justas, assim como não se pode definir por tese dogmática onde se terminam os atos preparatórios do crime, e onde principia a execução, assim como onde está a legítima defesa, ou onde principia o excesso. Tudo depende das circunstâncias ocorrentes e do estudo que sobre elas faz o juiz".6 Na primeira situação, a falta de justa causa baseia-se na inexistência de provas ou de requisitos legais para que alguém seja detido ou submetido a constrangimento (ex.: decreta-se a preventiva sem que os motivos do art. 312 do cpp estejam nitidamente demonstrados nos autos). Outros aspectos, considerando emergir ilegalidade após a decretação, podem ter variados fundamentos: a) embora tenha sido segregado por motivo justo, é inserido em cela inadequada, porque possui grau superior e encontra-se misturado a outros presos, considerados comuns (art. 295, SiSi 1.0 e 2.°, CPP); b) o preso provisório é colocado em cela com condenados (art. 300, CPP); c) o preso provisório é mantido em local insalubre, com superlotação, representando-lhe o cumprimento antecipado de aflição
4. No entendimento de Pontes de Miranda, "justa causa é a causa que, pelo direito, bastaria, se ocorresse, para a coação. Assim se não houve acusação por fato que constitua crime, ou contravenção, ou, se houve, a pena não é coercitiva da liberdade física,justa causa não há para a coação" (História e prática do habeas corpus, p. 468). 5. Para Frederico Marques, todas as hipóteses do art. 648 do cpp representam falta de justa causa. Seria o inciso I uma cláusula genérica ou de encerramento, funcionando como uma norma residual, onde caberiam todas as situações de injustiça. Diz o autor: "infelizmente, nem sempre (ou melhor, quase nunca) os nossos tribunais e juízes dão ao texto esse entendimento. O tradicionalismo jurisprudencial, de par com o temor de cair em censura pela prática de justiça pretoriana, tem levado a magistratura brasileira a interpretações restritivas sobre o conceito de justa causa. Com isso, muita iniquidade, que o habeas corpus podia afastar de imediato, acaba convertendo-se em verdadeiro 'dano irreparável', em detrimento do direito de liberdade" (Elementos de direito processual penal, p. 366). 6. O habeas corpus no Brasil, p. 101.
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abusiva e cruel, que nem mesmo ao condenado deve ser destinada. Essas situações eliminam a justa causa para a prisão cautelar.? Na segunda hipótese, a ausência de justa causa concentra-se na carência de provas a sustentar a existência e manutenção da investigação policial ou do processo criminal. Se a falta de justa causa envolver apenas uma decisão, contra esta será concedida a ordem de habeas corpus. Caso diga respeito à ação ou investigação em si, concede-se a ordem para o trancamento do processo ou procedimento investigatório que, normalmente, é o inquérito policial. 5.1.2.1 Prisão em flagrante Uma das modalidades de prisão cautelar, autorizada diretamente pela Constituição Federal (art. 5.°, LXI) e regulamentada pelo Código de Processo Penal (arts. 301 a 310), constrói a justa causa para a segregação de alguém, desde que sejam respeitados os seus pressupostos. As hipóteses de flagrante estão elencadas no art. 302 do CPP (quem está cometendo o delito; quem acaba de cometer; quem é perseguido logo após o cometimento; quem é encontrado com instrumentos e outros objetos do criem logo depois). São os requisitos intrínsecos da prisão em flagrante. Após efetivar a detenção, deve o condutor (aquele que deu voz de prisão ao autor do crime) apresentar o preso à autoridade policial para a formalização do ato. Respeitam-se, então, os requisitos extrínsecos da prisão em flagrante, nos termos do art. 304 do CPP. Inexiste justa causa para a prisão se alguém for detido fora das hipóteses destacadas no art. 302 do CPP; porém, igualmente, não há justa causa para manter a prisão realizada se a sua formalização deixar de ser feita nos termos precisos do art. 304 do CPP. Além disso, deve-se cumprir o disposto no art. 306 do CPP (comunicação da prisão ao juiz, ao MP, à família do preso ou à pessoa por ele indicada; entregar a nota de culpa
7. Narra Tavares Bastos o caso do habeas corpus pela fome, ocorrido no Estado do Rio de Janeiro: "por ocasião de uma das suas últimas crises financeiras em que ficaram suspensos os pagamentos do funcionalismo do Estado por muitos meses, na comarca de Macaé fora requerido um habeas corpus, baseado na falta de alimentação do paciente, visto o Estado não ter pago ao fornecedor da cadeia o que lhe devia e este resolver não mais fornecer o alimento aos presos. Impetrado o pedido, o juiz de direito da comarca Dr. B. Sampaio a concedeu, fundamentando cabalmente a sua decisão" (O habeas corpus na República, p. 141).
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ao preso em, no máximo, 24 horas; informar a defensoria pública, se o detido não tiver advogado). A falta de qualquer dessas providências retira a justa causa para a prisão cautelar, comportando habeas corpus.8 Na sequência, o juiz deve seguir as regras estabelecidas pelo art. 310 do Código de Processo Penal, a fim de viabilizar a mantença da prisão cautelar. Recebendo o auto, cabem quatro hipóteses: a) relaxar a prisão, se ela for considerada ilegal (faltar justa causa); b) converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, se estiverem presentes os requisitos do art. 312 do CPP; c) conceder liberdade provisória, com fiança, se esta for cabível; d) conceder liberdade provisória, sem fiança, se esta não for viável, mas também não estiverem presentes os elementos da preventiva. Após a reforma processual penal de 2011, inexiste possibilidade para o juiz manter a prisão em flagrante, sem a conversão em prisão preventiva. Se o fizer, configura constrangimento ilegal, viabilizando a impetração de habeas corpus. Convertido o flagrante em prisão preventiva, formalmente, estabelece-se a justa causa para a detenção, mas desde que estejam visíveis os requisitos para a referida preventiva. Ademais, se não couber a prorrogação da prisão provisória, deve o juiz conceder liberdade provisória (com ou sem fiança). Negando esse benefício, sem motivo legal, retira-se a justa causa para a detenção, comportando o ajuizamento de habeas corpus. Superior Tribunal Militar • "I - A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva foi imposta ao argumento de que se fazia necessária a observância dos princípios da hierarquia e disciplina militares, na Unidade onde serve o agente. 11- Contudo, tendo em vista a fluidez dos motivos valorados no decisum, considera-se destituída de plausibilidade jurídica a decisão do magistrado que converteu a prisão em flagrante em prisão cautelar, mesmo não estando preenchidos os requisitos do art. 255 do
8. No sentido de que a falta da nota de culpa gera constrangimento ilegal, Antonio Macedo de Campos (Habeas corpus, p. 202).
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CPPM, contrariando a manifestação do próprio titular da ação penal militar, que advertiu sobre a existência de dúvida quanto à legalidade da prisão e apresentou o requerimento de liberdade provisória em favor do paciente. III - A prisão cautelar, sob a égide do ordenamento constitucional vigente, é a exceção, o que leva à conclusão lógica de que a prisão preventiva só se dará naquelas situações mais excepcionais, conforme vêm decidindo os tribunais. Liminar confirmada e ordem de habeas corpus concedida. Decisão unânime" (HC 000003142.2014.7.00.0000/PR, reI. José Coêlho Ferreira, Dl 25.03.2014, v.u.).
5.1.2.2 Prisão temporária A prisão temporária é uma das modalidades de prisão cautelar. Regula-se pela Lei 7.960/1989 e é destinada à investigação policial, para assegurar a sua eficiência. Segundo dispõe o art. 1.0 da referida lei, cabe temporária por conveniência da investigação criminal ou quando o indiciado não tiver paradeiro ou identificação certa, desde que cometa um dos crimes relacionados no inciso III (homicídio, roubo, estupro etc.). A prisão pode ser decretada por cinco dias, prorrogáveis, excepcionalmente, se houver justo motivo, por outros cinco. Quando se tratar de crime hediondo ou equiparado (tráfico ilícito de drogas, tortura ou terrorismo), cabe a decretação por 30 dias, prorrogáveis por outros 30. Verifica-se a justa causa para a prisão temporária se houver o preenchimento dos requisitos intrínsecos supramencionados. Entretanto, à falta de qualquer desses fatores, inexiste justa causa, cabendo habeas corpus. É fundamental considerar que, nesse caso, o ajuizamento do remédio heroico pode não ter efeito útil, a menos que o relator, no Tribunal, conceda a ordem liminarmente. Lembremos que a prisão, quando decretada pelo curto prazo de cinco dias, praticamente impede o conhecimento do writ pelo Tribunal, em face do exíguo espaço de tempo. Quando o juiz decretar a temporária, o caminho mais indicado ao defensor do preso é pleitear a reconsideração - mais rápido e eficiente. Não sendo possível, cabe o ingresso de habeas corpus, com pedido liminar, contando com a pronta atuação do relator. Se este não a deferir, ao menos deve colocar o pedido em pauta na próxima sessão da Câmara ou Turma. Ainda assim, é difícil a apreciação do mérito da ação constitucional antes do esgotamento do exíguo prazo de cinco dias (mesmo que seja prorrogado por outros cinco).
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No caso de prisão decretada por 30 dias, sujeita a prorrogação por outros 30, o ajuizamento de habeas corpus torna-se mais eficaz, podendo ser levado a julgamento pelo Tribunal. Mesmo assim, caso seja denegado em 2.° grau, raramente será possível o conhecimento, a tempo, da causa por Tribunal Superior (STJ ou STF). A prisão temporária e sua justa causa tornaram-se um problema, levando-se em consideração a exiguidade do período decretado pelo juiz. Por isso, a análise da justa causa se concentra, principalmente, nas mãos do magistrado que a defere, exigindo dele atenção, cautela e prudência. Cumpre-lhe avaliar, criteriosamente, o pedido formulado pelo MP (ou representação da autoridade policial), checando se existem provas mínimas sustentáveis da materialidade e da autoria. Decretar a temporária baseado apenas na afirmação, sem qualquer outra prova, do delegado de que ela é necessária, em nosso entendimento, é temerário. Muitas vezes, quando o habeas corpus ajuizado contra a prisão temporária decretada vai à mesa do Tribunal para julgamento, o tempo já se esgotou e o detido foi colocado em liberdade. Nessa hipótese, julga-se prejudicado o pleito, por perda de objeto. Portanto, a Corte deixa de apreciar se houve abuso, restando à pessoa que foi presa, crendo-se vítima de constrangimento ilegal, tomar as medidas cabíveis, como a representação por abuso de autoridade.
Tribunal de Justiça do Pará • "1. A decretação da prisão temporária deve observar os requisitos previstos no art. 1.0, I, 11e I1I, da Lei n.O 7.960/89, quais sejam a imprescindibilidade da medida para as investigações e, no caso, a existência de indícios de autoria e materialidade do crime de homicídio qualificado, que consta no rol previsto no art. 1.0,I1I, do mesmo Diploma Legal, de modo que não há que se falar em ilegalidade de sua decretação. Ademais, o paciente se encontra foragido, o que reforça a necessidade de sua prisão. 2. Mostra-se incabível, no caso, as medidas cautelares diversas da prisão. 3. Ordem denegada à unanimidade, nos termos do voto da Desa. Relatorà' (HC 2016.03648232-68/PA, Câmaras Criminais Reunidas, reI. Vania Lucia Carvalho da Silveira, 05.09.2016,v.u., grifamos).
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Alegação de constrangimento ilegal, em razão de decisão que prorrogou a prisão temporária do paciente pela segunda vez. 1. A prisão temporária somente pode ser decretada quando há fundada suspeita
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do cometimento de crime elencado no artigo 1.0, inciso IlI, da Lei n.O 7.960/1989, cumulada com uma das situações previstas no inciso I ou lI, do mesmo dispositivo. Circunstâncias não verificadas no caso em análise. 2. Espécie de prisão cautelar que admite tão somente uma prorrogação, por prazo idêntico, somando, ao final, o período máximo de 10dias de segregação. 3. Ordem concedidà' (HC 200183164.2014.8.26.0000,2. a Câmara de Direito Criminal, reI.Laerte Marrone de Castro Sampaio, Df 31.03.2014, v.u.). 5.1.2.3 Prisão preventiva, inclusive em pronúncia e decisão condenatória A forma mais usual, tida como regra geral, para a prisão cautelar, no Brasil, hoje, é a prisão preventiva, cujos requisitos estão previstos pelo art. 312 do Código de Processo Penal.9 Dois de seus elementos são constantes para todos os casos: materialidade e indícios suficientes de autoria. Se estiverem presentes, deve-se associar a mais um fator, dentre os seguintes: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) conveniência da instrução; d) garantia de aplicação da lei penal. 10 Esses requisitos devem inspirar basicamente todas as hipóteses de prisão cautelar: a) havido o flagrante, converte-se em preventiva; b) durante a investigação ou instrução, a qualquer tempo, pode ser decretada; c) na decisão de pronúncia, pode-se impor a prisão preventiva; d) na decisão condenatória, igualmente, pode-se decretar a preventiva. A garantia da ordem pública é o mais vago de todos os fundamentos dessa modalidade de prisão. Diz respeito à segurança pública e à tranquilidade social em face do delito cometido. Naturalmente, uma das consequências da prática do crime é provocar um efeito negativo, por
9. Já dizia João Mendes Ir.: "a prisão preventiva é qualquer detenção ou custódia sofrida pelo imputado, antes ou depois da pronúncia e em qualquer estado da causa, antes de julgado definitivamente". É uma medida de segurança, uma garantia de execução, um
meio de instrução. Deve ser decretada em caráter excepcional para não se tornar uma poderosa causa de desmoralização (O processo criminal brasileiro, p. 378). 10. Detalhamos esses requisitos em nossas obras Código de Processo Penal comentado, Manual de processo penal e execução penal e Prisão e liberdade.
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vezes traumatizante, tanto no tocante à vítima quanto no que se refere a outros membros da comunidade. Se atingir níveis elevados de perturbação, pode dar margem à preventiva. A jurisprudência, em todos os níveis, tem confirmado os seguintes elementos: envolvimento do acusado com o crime organizado; ser o autor do delito reincidente ou possuidor de maus antecedentes; cometimento de crime grave, no campo concreto; execução particularizada do delito, envolvendo crueldade, premeditação, frieza, entre outros; geração de clamor social em virtude da liberdade do acusado e potencial volta à delinquência. Fora desses casos, constitui-se ausência de justa causa a decretação da prisão preventiva. A) Gravidade abstrata do delito Supremo Tribunal Federal • "Arestrição corporal cautelar reclama elementos motivadores extraídos do caso concreto e que justifiquem sua imprescindibilidade. Insuficiente, para tal desiderato, mera alusão à gravidade abstrata do crime, reproduções de elementos típicos ou suposições sem base empírica. Configura constrangimento ilegal o decreto prisional que deixa de apontar elementos fáticos concretos justificadores da indispensabilidade da custódia cautelar. Writ não conhecido, mas com concessão da ordem, de ofício, bem como extensão dos efeitos ao corréu, à luz do disposto no art. 580 do CPP" (HC 123441/SP, La T., reI. Marco Aurélio, 23.02.2016, m.v.). • "L Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, a preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime (materialidade) e indício suficiente de autoria, mais a demonstração de um elemento variável: (a) garantia da ordem pública; ou (b) garantia da ordem econômica; ou (c) por conveniência da instrução criminal; ou (d) para assegurar a aplicação da lei penal. Para quaisquer dessas hipóteses, é imperiosa a demonstração concreta e objetiva de que tais pressupostos incidem na espécie, assim como deve ser insuficiente o cabimento de outras medidas cautelares, nos termos do art. 282, ~ 6.°, do Código de Processo Penal, pelo qual a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319 do CPP). 2. Hipótese em que o juízo de origem lastreou sua decisão tão somente na gravidade em abstrato do delito, circunstância categoricamente rechaçada pela jurisprudência da Suprema Corte. 3. A pequena quantidade da droga apreendida torna
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desproporcional a decretação da prisão preventiva. Precedentes. 4. Motivação que extrapola o conteúdo do decreto prisional não se presta a suprir a carência de fundamentação nele detectada. 5. Habeas corpus concedido" (HC 135250/SP, 2.a 1., reI. Teori Zavascki, 13.09.2016, v.u.). • "Os fundamentos utilizados para decretar e manter a segregação cautelar não se revelam idôneos pois não baseados em circunstâncias concretas relativas ao Paciente, mas na gravidade intrínseca do delito. 4. Ordem concedida para deferir liberdade provisória ao Paciente até o julgamento final da ação penal à qual responde na Primeira Vara Criminal do Foro de Sorocaba/SP" (HC 1307S0/SP, 2.• T., reI. Cármen Lúcia, 06.09.2016, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça • "Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Devendo, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos do previsto no art. 319 do CPP. No caso dos autos, conforme se tem da leitura do decreto preventivo e do acórdão impugnado, não foi indicado nenhum motivo concreto a fim de Justificar a medida extrema, tendo se limitado a afirmar a necessidade de preservação da ordem pública, ressaltando a gravidade do delito, de forma abstrata, o que configura nítido constrangimento ilegal. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva dos pacientes, ressalvada a aplicação de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP, a serem definidas pelo Juiz de primeiro grau, observada a possibilidade de decretação de nova prisão, devidamente fundamentada, desde que demonstrada concretamente sua necessidade" (HC 367942/ SP, 5.a T., reI. Joel Ilan Paciornik, 25.10.2016, v.u., grifamos). • "1. É certo que a gravidade abstrata do delito de tráfico de entorpecentes não serve de fundamento para a negativa do benefício da liberdade provisória, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei n.O 11.343/2006 pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Caso em que o decreto que impôs a prisão preventiva ao recorrente não apresentou motivação concreta, apta a justificar a segregação cautelar, tendo se valido de afirmação genérica e abstrata sobre a gravidade do delito. 3. Condições subjetivas favoráveis ao recorren-
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te, conquanto não sejam garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas, quando não for demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva, máxime diante das peculiaridades do caso concreto, em que o acusado foi flagrado na posse de 26,16 g de cocaína. Precedentes. 4. Recurso provido para determinar a soltura do recorrente, sob a imposição das medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319, incisos I e IV, do Código de Processo Penal" (RHC 75590/MG, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 20.10.2016, v.u.). • '1\ privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. No caso, a decisão singular não apontou dados concretos, à luz do art. 312 do Código de Processo Penal, a respaldar a restrição da liberdade do paciente; somente faz referência às elementares do tipo penal e à gravidade abstrata do delito. Ademais, o paciente é primário, portador de bons antecedentes, mostrando-se adequada e proporcional a imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Constrangimento ilegal configurado. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, confirmando a medida liminar, revogar o decreto prisional do paciente, salvo se por outro motivo estiver preso, substituindo a segregação preventiva pelas medidas cautelares insculpidas no art. 319, I, 11 e IV, do Código de Processo Penal, sem prejuízo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentadà' (HC 366775/SP, 5." T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 20.10.2016, v.u.).
Tribunal de Justiça de São Paulo • "( ...) Note-se, que a decisão que converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva mencionou apenas que se trata de crime grave, equiparado a hediondo, concluindo pela necessidade da prisão cautelar. A prisão cautelar apenas se justifica ante a demonstração clara por parte do Magistrado de razões de cautela fundadas em elementos concretos de convicção, o que, no caso em tela não aconteceu. Deve-se considerar, ainda, a pequena quantidade de droga apreendida (1,23 grama de crack), ao lado da primariedade, o emprego lícito e endereço certo, circunstâncias que demonstram não haver a necessidade de ma-
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nutenção do paciente na prisão" (HC 2006870-42.2014.8.26.0000, La Câmara de Direito Criminal, reI. Ivo de Almeida, DJ 28.04.2014, v.u.).
Tribunal de Justiça de Minas Gerais • ''A gravidade abstrata dos crimes pelos quais o paciente foi denunciado, por si só, não é suficiente para demonstrar a periculosidade deste, sendo injustificável, pelo menos neste momento, a decretação da prisão provisória para garantir a ordem pública. É notória a precária situação do sistema penitenciário brasileiro atual, sendo poucos os presídios que possuem estrutura para atender as necessidades dos detentos, e, diante da ausência de prova contundente da periculosidade da paciente, não se justifica manter a medida excepcional de segregação cautelar. As circunstâncias que motivaram a prisão do paciente, bem como as suas condições pessoais, demonstram ser suficiente, por ora, a aplicação das medidas cautelares previstas no artigo 319, I, IV e IX, do Código de Processo Penal, quais sejam: Ordem parcialmente concedidà' (HCC 1.0000.15.103701-7/000/ MG, P Câmara Criminal, reI. Wanderley Paiva, 08.03.2016). B) Gravidade concreta do crime
Supremo Tribunal Federal • "I - A prisão cautelar foi decretada para garantia da ordem pública, ante a gravidade dos fatos narrados na Comunicação de prisão em flagrante - a demonstrar a periculosidade do paciente, pelo modus operandi mediante o qual foi praticado o delito, e, ainda, pela circunstância de ser reincidente em crime de mesma natureza. II - Essa orientação está em consonância com o que vêm decidindo ambas as Turmas desta Corte, no sentido de que a periculosidade do agente e a reiteração delitiva demonstram a necessidade de se acautelar o meio social, para que seja resguardada a ordem pública, e constituem fundamento idôneo para a prisão preventiva. III - Habeas corpus denegado" (HC 136255/PI, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 25.10.2016, v.u.). C ) Execução particularizada
do crime
Supremo Tribunal Federal • "Habeas corpus. 2. Tentativa de homicídio
duplamente qualificado. 3. Prisão preventiva. 4. Necessidade de garantia da ordem pública. Gravidade demonstrada pelo modus operandi. Periculosidade do acusado. Concreta probabilidade de reiteração delitiva. 5. Funda-
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mentação idônea que recomenda a medida constritiva. Ausência de constrangimento ilegal. 6. Ordem denegadà' (HC 113825/DF, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 13.08.2013, v.u.). D) Crime organizado Supremo Tribunal Federal • "I - A prisão cautelar foi decretada para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, ante o fato de o paciente e demais corréus dedicarem-se de forma reiterada à prática do crime de tráfico de drogas. Daí a necessidade da prisão como forma de desarticular as atividades da organização criminosa e para fazer cessar imediatamente a reiteração da prática delitiva. 11- Essa orientação está em consonância com o que vêm decidindo ambas as Turmas desta Corte no sentido de que a periculosidade do agente e o risco de reiteração delitiva demonstram a necessidade de se acautelar o meio social para que seja resguardada a ordem pública, além de constituírem fundamento idôneo para a prisão preventiva. 111- Ademais, considerando que o réu permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não se afigura plausível, ao contrário, revela-se um contrassenso jurídico, sobrevindo sua condenação, colocá-lo em liberdade para aguardar o julgamento do apelo. IV - Habeas corpus denegado" (HC 115462/RR, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 09.04.2013, v.u.). • "Agravo regimental de decisão que indeferiu pedido de extensão de liminar em habeas corpus. 2. Organização criminosa, crimes contra a ordem tributária, corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, prevaricação e lavagem de dinheiro. Operação Publicano. 3. Prisão preventiva suficientemente fundamentada. 4. Ausência de identidade fática ejurídica das situações dos agravantes com aquelas dos pacientes originários do presente writ. 5. Agravo regimental a que se nega provimento" (HC 131002 MC-Extn-segunda-AgR/PR, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 07.10.2016, v.u.). • "1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. Não há ilegalidade evidente ou teratologia a justificar a excepcionalíssima concessão da ordem de ofício na decisão que mantém prisão preventiva com base na fuga do agente, circunstância a sinalizar o fundado risco à aplicação da lei penal. 3. O delito de organização criminosa classifica-se como formal e autônomo, de modo que sua consumação dispensa a efetiva
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prática das infrações penais compreendidas no âmbito de suas projetadas atividades criminosas. Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido" (HC 131005 AgR/SP, La T., reI. Edson Fachin, 30.09.2016, m.v.).
Superior Tribunal de Justiça • ''A jurisprudência desta Corte entende que é cabível a decretação de prisão de membros de organização criminosa como forma de interromper as atividades do grupo. A posição de relevância do recorrente na estrutura da organização criminosa, apontado como 'braço direito' da líder, reforça a necessidade da sua prisão. A circunstância de a líder do bando e demais comparsas terem tentado intimidar as testemunhas, estando tais ameaças inclusive formalizadas em boletins de ocorrência, demonstra que a prisão é necessária, também, para garantir a instrução criminal. Condições subjetivas favoráveis ao recorrente não são impeditivas à decretação da prisão cautelar, caso estejam presentes os requisitos autorizadores da referida segregação. Precedentes. Mostra -se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando a segregação encontra-se fundada na gravidade concreta do delito, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública. 8. Recurso ordinário improvido" (RHC 6071l/MS, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 18.10.2016, v.u.). E) Periculosidade
do agente
Supremo Tribunal Federal • "1. Nas hipóteses envolvendo crimes praticados com violência real ou grave ameaça à pessoa, o ônus argumentativo em relação à periculosidade do agente é menor. Precedente. 2. Situação concreta em que a prisão preventiva está embasada na sentença condenatória do paciente a 26 anos e 9 meses de reclusão pela prática de latrocínio supostamente cometido com 'requintes de crueldade: 3. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a periculosidade do agente, evidenciada pela gravidade concreta do crime, constitui fundamentação idônea para a decretação da custódia cautelar. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento" (HC 135004 AgR/CE, La T., reI. Roberto Barroso, 07.10.2016, m.v.) .
• "Habeas corpus. 2. Direito processual penal. 3. Homicídio doloso. 4. Prisão preventiva. Necessidade de garantia da ordem pública e de aplicação da lei penal. 5. Gravidade demonstrada pelo modus operandi. Periculosidade concreta do acusado. Fundamentação idônea que recomenda a medida
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constritiva. 6. Réu foragido. Nítido intuito de furtar-se à aplicação da lei penal. 7. Ausência de constrangimento ilegal. 8. Ordem denegadà' (HC 133210/SP, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 20.09.2016, v.u.). • "1. Nas hipóteses envolvendo crimes praticados com violência real ou grave ameaça à pessoa, o ônus argumentativo em relação à periculosidade do agente é menor. Precedente. 2. Situação concreta em que a prisão preventiva está embasada na sentença condenatória do paciente a 26 anos e 9 meses de reclusão pela prática de latrocínio supostamente cometido com 'requintes de crueldade: 3. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a periculosidade do agente, evidenciada pela gravidade concreta do crime, constitui fundamentação idônea para a decretação da custódia cautelar. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento" (HC 135004 AgR/CE, La T., reI. Roberto Barroso, 07.10.2016, m.v.). F) Periculosidade
do agente associada à gravidade concreta do delito
Superior Tribunal de Justiça • "1. Para a decretação da prisão preventiva é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revele a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime. Precedentes do STF e STJ. 2. No caso, a prisão cautelar foi mantida pelo Tribunal estadual em razão da periculosidade do acusado, evidenciada com base nas circunstâncias concretas do crime - teria praticado o crime de roubo, em concurso de agentes e com emprego de arma de fogo, mediante grave ameaça e violência contra vítimas que se encontravam no interior de um estabelecimento comercial. As circunstâncias fáticas do crime, sobretudo a elevada ousadia no cometimento do delito, denotam a elevada periculosidade dos acusados, entre eles o ora recorrente, e justificam a preservação da medida constritiva da liberdade para a garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes. 3. Consoante o entendimento desta Corte, a regra do art. 282, Si 3. do CPP não se aplica ao decreto de prisão preventiva, ante a sua natureza emergencial, mas tão somente às medidas cautelares 0
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diversas da prisão, sendo permitido ao magistrado, inclusive, decretar a constrição cautelar de ofício no curso do processo. Precedentes. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento" (RHC 58281/SP, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 18.10.2016, v.u.) . • "No presente caso, a prisão preventiva está devidamente justificada para a garantia da ordem pública, em razão da gravidade concreta dos delitos e da periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi empregado nos crimes de homicídio consumado e tentado (por três vezes) - uso de arma de fogo e concurso de pessoas -, além da apreensão de revólver, várias munições, cocaína, maconha, balança de precisão e dinheiro trocado em poder do recorrente por ocasião de sua prisão em flagrante. Assim, não resta dúvida ser a prisão preventiva indispensável para conter a reiteração na prática de crimes e garantir a ordem pública. As condições subjetivas favoráveis do recorrente, tais como primariedade e bons antecedentes, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando evidenciada a sua insuficiência para acautelar a ordem pública. Recurso improvido" (RHC 69511/PI, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 20.10.2016, v.u.) . • "A prisão cautelar foi adequadamente motivada pelas instâncias ordinárias, que demonstraram, com base em elementos concretos dos autos, a periculosidade do paciente e a gravidade concreta do delito, evidenciadas pelo modus operandi da conduta criminosa, na qual o agente segurou ex-companheira pelo braço, forçando-a, 'juntamente com a filha do ex-casal, a entrar no carro do indiciado, que as levou para Vargem Grande, onde estuprou a vítima, na presença da filha do ex-casal, além de lhe ameaçar'. A prisão também se justifica para evitar a reiteração delitiva, em razão do histórico de violência perpetrada pelo paciente contra a vítima. 4. A presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade, domicílio certo e emprego lícito, não impede a decretação da prisão preventiva, notadamente se há nos autos elementos suficientes para justificar a cautela. 5. Inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para a manutenção da ordem pública. Habeas corpus não conhecido" (HC 36521O/R], 5.a T., reI. ]oel Ilan Paciornik, 18.10.2016, v.u.) . • "I. Mostra-se devidamente fundamentada a segregação preventiva em hipótese na qual o modus operandi do delito o reveste de especial
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gravidade. No caso, a excessiva violência utilizada pelo recorrente que, com o uso de uma espátula afiada, agrediu a vítima causando-lhe um corte profundo em seu braço, extrapola as elementares do tipo penal e revela sua acentuada periculosidade, reclamando a interferência estatal com a decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP. 2. O entendimento desta Corte é assente no sentido de que, estando presentes os requisitos autorizadores da segregação preventiva, eventuais condições pessoais favoráveis não são suficientes para afastá-la. Precedentes. 3. As circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não surtiriam o efeito almejado para a proteção da ordem pública. 4. Recurso desprovido" (RHC 74030/MG, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 18.10.2016, v.u.). • "1. Apresentada fundamentação concreta para a decretação da prisão preventiva, em sentença, embasada na garantia da ordem pública, tendo em vista que o paciente foi destacado como 'mentor intelectual, reincidente em crime doloso e com vínculo estreito com o crime organizado', não há ilegalidade a justificar a concessão da ordem de habeas corpus. 2. Habeas corpus denegado" (HC 352342/SP, 6.a T., reI. Nefi Cordeiro, 17.05.2016, v.u.). • "Na hipótese, a prisão preventiva foi decretada em razão das circunstâncias concretas colhidas do flagrante, notadamente a quantidade elevada das drogas encontradas na residência da acusada - aproximadamente 4 quilos de cocaína e 33,3 gramas de maconha - apreendida juntamente com materiais de embalo e preparo das drogas, além de duas balanças de precisão, entre outros, elementos estes que evidenciam a periculosidade da paciente, demonstrando seu profundo envolvimento com o ambiente criminoso, justificando-se, nesse contexto, a segregação cautelar como forma de resguardar a ordem pública. Eventuais condições subjetivas favoráveis à paciente não são impeditivas à decretação da prisão cautelar, caso estejam presentes os requisitos autorizadores da referida segregação. Precedentes" (HC 363240/SP, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 20.10.2016, v.u.). G) Antecedentes
Superior Tribunal de Justiça • "Não é ilegal o encarceramento provisório decretado para o resguardo da ordem pública, em razão da reiteração delitiva do ora recorrente, que, na dicção do JUÍzo de primeiro grau, possui várias anotações em
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sua folha de antecedentes criminais, 'de maneira que as suas condições pessoais lhe são desfavoráveis, revelando a sua periculosidade concreta: Nesse contexto, indevida a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, porque insuficientes para resguardar a ordem públicà' (RHC 73129/MG, 6." T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 09.08.2016, v.u.). H) Mera reiteração do crime não é motivo para preventiva
Superior Tribunal Militar • "I - O fato de o paciente ter reiterado na prática do crime previsto no art. 290 do CPM, num intervalo de 2 meses e, bem assim, a simples alegação de que a prisão preventiva do paciente é necessária para a manutenção das normas e para os princípios de hierarquia e disciplina, na unidade onde serve o agente, não são suficientes para dar suporte à aplicação dos arts. 254 e 255, alíneas 'à e 'e: do CPPM. 11- A prisão cautelar, sob a égide do ordenamento constitucional vigente, é a exceção, o que leva à conclusão lógica de que a prisão preventiva só se dará naquelas situações mais excepcionais, conforme vêm decidindo os tribunais. Liminar confirmada e ordem de habeas corpus concedida para que o paciente responda ao processo em liberdade. Decisão unânime" (HC 000024907.2013.7.00.0000/PE, reI. José Coêlho Ferreira, DJ 18.02.2014, v.u.). I) Condições pessoais favoráveis
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul • "Verifica-se que a paciente foi flagrada quando tentava ingressar em estabelecimento prisional com drogas para entregar a seu companheiro, que lá cumpre pena. Apesar da reprovável conduta, que implica inclusive aumento de pena, a teor do artigo 40-111, da Lei n.O 11.343/2006, não se pode deixar de salientar que o fato não envolve quantidade expressiva de droga (89 gramas de maconha), entorpecente dotado de baixa lesividade, tratando-se a paciente de pessoa primária e de bons antecedentes, sendo este o seu primeiro envolvimento na seara criminal, contando ela com apenas 19 anos de idade ao tempo do evento e possuindo residência fixa. Nessas condições, penso que a paciente poderá responder em liberdade ao processo movido contra si, mediante as seguintes condições, cujo descumprimento acarretará a revogação do benefício: manter endereço atualizado nos autos; fazer-se presente a todos os atos da instrução, sempre que intimada; comparecer mensalmente perante o juízo processante, para informar
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e justificar suas atividades e não se ausentar da comarca de sua residência, por mais de trinta dias, sem prévia autorização da mesma autoridade" (TJRS, HC 70058845520, 2.a Câmara Criminal, reI. José Antônio Cidade Pitrez, j. 24.04.2014, m.v.). Tribunal de Justiça do Distrito Federal • "1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mostra-se inviável a decretação da prisão preventiva para garantir a aplicação da lei penal ou a manutenção da ordem pública quando não se indica, de forma concreta e individualizada, o risco que a liberdade do paciente proporcionará à sociedade. 2. No caso dos autos, vê-se que a paciente é primária, possuidora de bons antecedentes, têm residência fixa e ocupação lícita como cirurgiã dentista, circunstâncias estas que, somadas a ausência de qualquer outro elemento robusto que indique a sua periculosidade concreta, autorizam a liberdade provisória. 3. Ordem concedidà' (HC 20160020477692/DFT, 2.a Turma Criminal, reI. Silvanio Barbosa dos Santos, 10.11.2016, v.u.). Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro • "Habeas corpus. Crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006. Pretensão de revogação da prisão preventiva pela desnecessidade e pela ausência dos requisitos legais. A liminar foi deferida com a substituição do encarceramento por outras medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. Parecer ministerial pela denegação da ordem. 1. De acordo com a denúncia, o paciente '( ...) trazia consigo e possuía, para fins de tráfico, 30 (trinta) invólucros plásticos fechados, contendo em seus interiores 60,70 g (sessenta gramas e setenta decigramas) de cannabis sativa (... 2. Infere-se dos autos que, apesar dessa conduta ser nociva à sociedade, a custódia cautelar deve restringir-se à extrema necessidade, devendo observar o princípio da homogeneidade, não podendo configurar medida mais severa que a eventual reprimenda condenatória. 3. Na presente hipótese, levando-se em conta que o acusado é primário e possui condições pessoais favoráveis e que a conduta não foi praticada com violência ou grave ameaça à pessoa, subsiste a possibilidade de que ele não seja lançado ao cárcere após formalmente reconhecida a sua culpabilidade. Ademais, não há dados concretos indicando que ela possa opor obstáculos à aplicação da lei. Em tais circunstâncias, não se justifica que fique preso quando ainda se apura se ele merece ou
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não a condenação. 4. Ordem parcialmente concedida, consolidando-se a liminar" (HC 0044746-89.2016.8. 19.0000/RJ, 5.a Câmara Criminal, reI. Cairo Ítalo França David, 10.11.2016, v.u.). J) Condições pessoais desfavoráveis Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul • "Mantida a prisão preventiva para garantia da ordem pública porquanto presentes os requisitos necessários. O paciente é reincidente e o crime grave, cometido com arma de fogo. Processo com sentença condenatória não definitiva impondo pena privativa de liberdade em regime fechado. Não há violação aos princípios da presunção da inocência, legalidade ou proporcionalidade. Prisão preventiva possui natureza cautelar e não exige condenação, só prova da materialidade e indícios de autoria, do que se dispõe nos autos" (TJRS, HC 70058832809, 7.a Câmara Criminal, reI. Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, j. 16.04.2014). Tribunal de Justiça do Distrito Federal • "1. Mesmo considerando a reduzida lesividade do delito e ausência de prejuízo para a vítima, a multirreincidência e o fato de o recorrido ter cometido o crime durante o gozo do benefício da execução penal autorizam a sua segregação cautelar. 2. Recurso provido" (RSE 20160710059707/DF, 2.a Turma Criminal, reI. Silvanio Barbosa dos Santos, 14.07.2016, v.u.). K) Irrelevância
das condições pessoais favoráveis
• TJTO: "1. Presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, a manutenção da custódia cautelar do paciente é medida que se impõe, mormente por se tratar de delito que gera enorme comoção social, o que causa um sentimento de impunidade e total descrédito com a Justiça Criminal. 2. O crime de estupro de vulnerável é considerado crime hediondo, logo a restrição à liberdade deve ser maior do que para os crimes de menor gravidade. 3. Segundo entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, eventuais condições favoráveis do agente não são garantidoras do direito subjetivo à liberdade provisória quando há outros elementos que recomendam a custódia preventiva. 4. Não se mostrando adequadas e necessárias, no caso concreto, as medidas cautelares diversas da prisão, não poderão ser aplicadas, mormente quando presentes os requisitos para a manutenção do ergástulo. 5.
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Ordem denegada" (HC 0003577-03.2016.8.27.0000ITO, Câmaras Criminais Reunidas, reI. Maysa Vendramini Rosal, 09.03.2016, v.u.).
Tribunal de Justiça de Minas Gerais • "Evidenciada a gravidade concreta do crime em tese cometido, diante da prática de dois roubos em sequência, um deles mediante emprego de arma branca (faca) e o outro mediante violência contra a pessoa, bem como do envolvimento de um menor na empreitada delitiva, mostra-se necessária a continuidade da segregação provisória para o bem da ordem pública. É incabível a alegação de que a prisão preventiva afronta o princípio da proporcionalidade, pois caberá ao juízo de primeira instância, no momento oportuno, após a análise de todas as provas, julgar a causa e, em caso de condenação, dosar a pena e fIxar o regime de cumprimento. É impossível antever neste momento o que ocorrerá ao longo da fase investigativa e principalmente da instrução processual. Eventuais condições pessoais favoráveis, como bons antecedentes, primariedade, residência fIxa e ocupação lícita, não impedem a custódia cautelar quando sua necessidade restar demonstradà' (HCC 1.0000.16.078315-5/000/ MG, La Câmara Criminal, reI. Flávio Leite, 08.11.2016). A garantia da ordem econômica une os elementos descritos no parágrafo anterior a outros, que se ligam basicamente à categoria dessas infrações penais. Consideram-se a grandiosidade do dano causado e a potencial reiteração da conduta do agente. A conveniência da instrução atrela-se, principalmente, à produção das provas, devendo dar-se de maneira honesta, correta e transparente, motivo pelo qual, havendo qualquer ameaça a testemunhas ou vítimas, bem como destruição de evidências, preenche-se esse requisito.
Supremo Tribunal Federal • "Decretada a prisão preventiva com base na gravidade concreta dos fatos implicados na ação penal e na comprovação de que, após o crime, acusado ameaçou a integridade física da vítima, inexiste ilegalidade flagrante capaz de justifIcar a concessão da ordem de ofício. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (RHC 119020 AgR/SP, La T., reI. Roberto Barroso, 11.03.2014, v.u.). A garantia de aplicação da lei penal cinge-se à viabilidade de, em caso de condenação, encontrar-se o réu para o cumprimento da pena. Por isso,
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um dos mais relevantes fatores liga-se à fuga do acusado do lugar onde o crime se consumou. No entanto, é preciso destacar que a simples ausência do processo (não comparecimento em juízo, a partir da citação) não é motivo para a prisão cautelar. É direito do acusado participar da instrução - e não dever. Ademais, se e quando o juiz precisar ouvi-lo pessoalmente, para confirmar sua identidade e qualificação, por exemplo, caso o réu se negue a comparecer, há a condução coercitiva para tanto. Por vezes, o suspeito muda sua residência, durante o inquérito, sem se dar conta de que está sendo investigado ou de que deveria comunicar tal alteração. Não se pode presumir que essa situação configura, automaticamente, fuga, motivadora da prisão provisória. Supremo Tribunal Federal • "1. O reconhecimento do excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal, em sede de habeas corpus, objetiva essencialmente evitar que o réu permaneça preso preventivamente além do período considerado razoável, nos termos estabelecidos no art. 5.°, LXXVIII, da Constituição Federal. Desse modo, 'estando o paciente em liberdade não há que se falar, em seu favor, em excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal que só teria relevância (... ) se ele estivesse preso e, por esse excesso, pleiteasse fosse solto' (RHC 80525, Relator(a): Min. Moreira Alves, Primeira Turma, Df 15.12.2000). 2. Em que pese a Constituição Federal garantir a todos os cidadãos presos ou soltos - a razoável duração do processo e que a instrução criminal, no caso, não esteja tramitando com a celeridade esperada, não se pode negar que a fuga do paciente contribui, de certo modo, para que haja certa delonga. É que a condição de foragido afasta, por exemplo, a prioridade que é imposta aos processos que possuam réus presos. Nesse contexto, não há como beneficiar o réu foragido em detrimento daqueles que se encontram reclusos e que também são merecedores da mesma garantia constitucional. 3. Ordem denegada" (HC 118552/MG, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 11.03.2014, v.u.). • "Em matéria de prisão cautelar, o Supremo Tribunal Federal exige a demonstração, empiricamente motivada, da presença dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. A mera alusão à garantia da aplicação da lei penal não justifica a prisão preventiva. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício" (HC 118763/ PE, La T., reI. Roberto Barroso, Df 18.03.2014, v.u.).
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Superior Tribunal de Justiça • ''A fuga do distrito da culpa, comprovadamente demonstrada nos autos, é fundamentação suficiente a embasar a manutenção da custódia preventiva, que se revela imprescindível para o fim de assegurar o cumprimento de eventual condenação, pois nítida a intenção do réu de obstaculizar o andamento da ação criminal e de evitar a ação da justiça. No caso dos autos, o crime ocorreu em 4.6.2012 e, mesmo tendo sido decretada a preventiva, esta nunca foi cumprida, pois o paciente encontra-se na condição de foragido. Condições favoráveis do réu, ainda que comprovadas, não têm, por si sós, o condão de revogar a prisão cautelar se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a sua necessidade" (HC 368322/PI, S.a T., reI. Ribeiro Dantas, 04.10.2016, v.u.). • ''Afuga do distrito da culpa, comprovadamente demonstrada, é fundamentação suficiente a embasar a manutenção da custódia preventiva para garantir a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal" (STJ,HC 287916/DF, S.a T.,reI. Jorge Mussi,DJ08.04.2014, v.u.). Superior Tribunal Militar • "A segregação preventiva é medida que se impõe, uma vez que o Paciente ostenta diversas ausências em suas Folhas de Alterações e, solto, pode vir a praticar nova deserção, mesmo porque não houve apresentação voluntária, mas captura, na deserção de que trata o presente writ. Ordem de habeas corpus denegada por falta de amparo legal. Unânime" (HC 0000034-94.2014.7.00.0000/RJ, reI. Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, DJ 27.03.2014, v.u.). Quanto ao juízo de periculosidade do réu, consultar o item 8.11.3. Antes da reforma processual penal de 2008, a pronúncia e a sentença condenatória levavam o julgador a decidir pela prisão cautelar do réu, para aguardar o júri ou até o conhecimento do apelo, sob bases legalmente diversas das que inspiravam a prisão preventiva - muito embora a doutrina sempre mantivesse que o art. 312 do cpp era a fonte básica da segregação provisória. Focavam-se, essencialmente, dois requisitos: a) primariedade/reincidência; b) bons/maus antecedentes. Se o acusado fosse primário e tivesse bons antecedentes, poderia aguardar em liberdade o seu julgamento pelo júri ou pelo Tribunal. Do contrário, seria levado à prisão, a título de cautela.
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Atualmente, o único alicerce para a prisão cautelar, seja a preventiva propriamente dita, seja a decisão acerca da prisão para aguardar o júri ou o julgamento do recurso, concentra-se no art. 312 do Código de Processo Penal. Supremo Tribunal Federal • ''A superveniência de sentença de pronúncia, a qual agregou novos fundamentos para a manutenção da prisão cautelar da recorrente, por sua vez, constitui novo título prisional, diverso, portanto, do decreto originário analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, o que torna prejudicado o presente recurso. 3. Segundo a jurisprudência da Corte, não tendo sido devidamente analisada nas instâncias antecedentes a temática destacada no presente writ, calcada em título prisional diverso daquele analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, não cabe à Suprema Corte apreciá-la de forma originária, sob pena de dupla supressão de instância e de grave violação das regras de competência (RHC 112.705/DF, La T., de minha relataria, DJe 21.03.2013)" (RHC 120600/SP, La T., reI. Dias Toffoli, 11.03.2014, v.u.). Superior Tribunal de Justiça • ''A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a determinação de encarceramento do réu antes de transitado em julgado o édito condenatório deve ser efetivada apenas se presentes e demonstrados os requisitos trazidos pelo art. 312 do Código de Processo Penal" (STJ, HC 289090/MG, 6.a T., reI. Rogerio Schietti Cruz, DJ 08.04.2014, v.u.). • ''A sentença condenatória, in casu, não permite considerar prejudicado o writ, uma vez que os fundamentos utilizados para manter a prisão cautelar da Paciente e negar-lhe o direito de recorrer em liberdade foram rigorosamente os mesmos exarados nas decisões ora atacadas. Toda custódia cautelar, inclusive a proferida por ocasião da prolação da sentença condenatória sem trânsito em julgado, somente poderá ser implementada com os devidos fundamentos, nos termos dos arts. 312 e 387, ~ 1.0, ambos do Código de Processo Penal. No caso, o Juízo processante, em decisum confirmado pelo Tribunal de origem, converteu a prisão em flagrante em preventiva mediante fundamentação inidônea, tão somente amparada na gravidade em abstrato do delito de tráfico ilícito de drogas. Constatação, em si, que impõe a revogação da custódia cautelar sub examine. Habeas corpus não conhecido.
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Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva da Paciente, ressalvada a possibilidade da expedição de outro decreto prisional, desde que devidamente fundamentado, ou, ainda, da adoção de outras medidas cautelares, conforme salientado no voto" (HC 271681/SP, S.a T., reI. Laurita Vaz, Dl 08.04.2014, v.u.). 5.1.2.4 Trancamento de inquérito e outras investigações
A investigação criminal é a atividade estatal inicial, desenvolvida por autoridades especialmente designadas a tanto, voltada à descoberta do crime e seu autor. Em especial,enfoca-se o inquérito policial,presidido pelo delegado de polícia, com a supervisão do membro do Ministério Público e do juiz. Como regra, a autoridade policial tem liberdade para investigar qualquer delito de ação pública incondicionada, mas também pode fazê-lo no tocante às infrações penais públicas condicionadas, se houver representação da vítima, e aos delitos de ação privada, havendo requerimento da parte ofendida. A justa causa para a investigação advém da própria lei, pois, sem o inquérito, não poderá o Ministério Público promover a ação penal, devidamente lastreado em provas pré-constituídas. O mais relevante, nesse cenário, que pode dar margem à impetração de habeas corpus, pleiteando ao juiz ou ao Tribunal, conforme o caso, o trancamento do inquérito,ll concentra-se na indicação formal do suspeito, denominado indiciado.
11. Paulo Rangel insurge-se contra o termo trancamento do inquérito, assim como contra o trancamento da ação penal; chega a se penitenciar por ter usado essa terminologia antes; afirma que esses termos são incorretos, pois, na realidade, arquiva-se o inquérito e extingue-se a ação sem julgamento de mérito. Alega que a doutrina utiliza tais termos sem previsão em lei (Direito processual penal, p. 890). Na realidade, os termos foram criações doutrinárias e jurisprudenciais, não constantes expressamente em lei, mas que fornecem o sentido exato da concessão do habeas corpus, quando o inquérito deve ser sustado e a ação, paralisada no estado em que se encontra. Nada demais. Somos levados a afirmar que também não constam em lei as hipóteses aventadas pelo autor, quando a ordem de habeas corpus atua para impedir o prosseguimento do inquérito ou da ação. O arquivamento de inquérito está previsto para o caso de o Ministério Público, de posse dos autos da investigação, resolver não denunciar. Sob outro aspecto, inexiste, em processo penal, qualquer hipótese de extinção do processo, sem julgamento de mérito. A bem da verdade, nem mesmo se fala em trancamento de processo, mas da ação penal, quando o habeas corpus é concedido. Em suma, o remédio heroico foi idealizado para combater o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, quando nem se imaginava a
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o indiciamento deve ser fundamentado pela autoridade policial, calcado em provas mínimas de autoria e alicerçado na materialidade, já apurada, do delito. Nesse ponto, concentra-se a avaliação da justa causa para a investigação, pois, caso o delegado resolva indiciar uma pessoa, sem motivos fundados em provas coletadas nos autos do inquérito, cabe o ajuizamento do habeas corpus não somente para impedir o indiciamento, mas também trancar o inquérito. Antes do apontamento do suspeito, como regra, inexiste interesse de agir por parte de alguém para pleitear a cessação da investigação. Afinal, investigar um delito é obrigação do delegado, não devendo ser coibido pelo Judiciário. No entanto, se se pretende apontar o investigado como autor, inicia-se o constrangimento ilegal, caso desprovido de provas. De outra parte, quando o inquérito inicia-se já tendo por suspeito alguém específico - por força de requerimento da vítima, requisição de autoridade ou outro meio -, embora ainda não indiciado, tem essa pessoa o direito de impetrar habeas corpus para pleitear o trancamento da investigação, desde que esta se concentre em fato atípico, nitidamente lícito ou manifestamente não culpável. Em suma, o trancamento é medida excepcional, pois a regra é a investigação, por dever de ofício da autoridade competente. Concede-se a ordem de habeas corpus para esse fim em casos extremos, v.g., atipicidade do fato. Em segundo lugar, como regra, só nasce o interesse de agir do investigado, quando for convocado para formal indiciamento, sem provas suficientes de autoria ou materialidade. Em terceiro, pode o suspeito, mesmo antes do indiciamento, ajuizar habeas corpus para cessar o inquérito, quando manifestamente ilegal o seu curso. Na essência, cada caso é um caso, merecendo do Judiciário uma análise concreta e não meramente calcada em suposições. Pode ser desagradável ser envolvido numa investigação criminal, mesmo como simples suspeito, mas é essa a atividade legal do Estado, justamente para não processar, levianamente, um inocente. Por outro lado, a atividade persecutória não deve jamais ser abusiva, constrangendo e humilhando pessoas nitidamente inocentes, quando envoltas em investigações temerárias, sem justa causa, nesse caso, interpretada como a existência plausível de um crime.12
hipótese de utilizar o habeas corpus para cessação do inquérito ou da ação penal; logo, a terminologia é supérflua nesse contexto. 12. Quanto ao trancamento de investigação conduzida pelo Ministério Público, ver o item 8.12.
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Supremo Tribunal Federal • "É firme, por outro lado, a jurisprudência consagrada pelo Supremo Tribunal de que a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ação penal em curso (bem como do antecedente inquérito policial) só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas, de plano, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria, o que não se vislumbra no caso em exame, em que a aferição da presença ou não de dolo na conduta do apontado ofensor demanda incursão no acervo fático-probatório, a qual é inviável na via estreita do writ constitucional. Precedentes" (RHC 120389/SP, La T., reI. Dias Toffoli, 11.03.2014, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça • "1. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento de inquérito policial, por conduta, em tese, tida como de sonegação fiscal, à guisa de ausência de tipicidade, não relevada, primo oculi. 2. Intento, em tal caso, que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ. 3. Recurso ordinário não provido" (RHC 39790/SP, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 20.03.2014, v.u.). • "Por outro lado, tendo em vista que já se passaram quase sete anos sem que tenha sido concluído o inquérito, tampouco realizadas diligências que tendam a desvelar a suspeita levantada em face dos suspeitos, notório o constrangimento ilegal contra os Pacientes, a ensejar o trancamento do referido inquérito policial, em razão do evidente excesso de prazo para seu encerramento, sem prejuízo de abertura de nova investigação, caso surjam novas razões para tanto. Precedentes. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para determinar o trancamento do Inquérito Policial n.O 037-00349/2007, da 37.a Delegacia Policial da Ilha do Governador/R]" (STJ, HC 209406/ RJ, 5.a T., reI. Laurita Vaz, 17.12.2013, v.u.).
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro • "O trancamento de inquérito policial pela via do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando a inocência do acusado se apresenta de forma inequívoca, assim como a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que, in casu, não se pode aferir. Tal medida envolveria acurada análise de fatos e provas, providência, em tese, incompatível com a exígua via empregada. Matéria paci-
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ficada na Jurisprudência dos Tribunais Superiores" (HC 000191849.2014.8.19.0000, 8.a Câmara Criminal, reI. Cláudio Tavares de Oliveira Júnior, 21.02.2014, v.u.).
Tribunal Regional Federal - 4. a Região • "O trancamento de inquérito policial, na estreita via do habeas corpus, somente é admissível em situações excepcionais, ou seja, naquelas hipóteses em que a parte demonstre de plano, de forma clara e induvidosa, a atipicidade da conduta descrita, a existência de causa extintiva de punibilidade ou a total ausência de elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito pelo. É prematuro o debate acerca da (a) tipicidade da conduta no procedimento investigatório, uma vez que, além do enquadramento indicado no inquérito policial, a prática verificada pode, eventualmente, configurar outro tipo penal" (HC 5019704-42.2012.404.0000, 8.• T., reI. Luiz Fernando Wowk Penteado, 03.04.2013, v.u.).
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Crime contra a ordem tributária. Sonegação. Utilização de benefício fiscal concedido pelo Estado do Mato Grosso e não reconhecido pela Fazenda Paulista. Ausência de dolo. Questão tributária que não possui reflexo no âmbito penal. Falta de justa causa. Ordem concedida para trancar o inquérito policial" (HC 02272596920128260000,5 .• Câmara de Direito Criminal, reI. Pinheiro Franco, DJ 06.06.2013, v.u.).
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul • "Não há falar em trancamento do inquérito policial se há prova do crime e indícios de autoria que recai sobre o recorrente, a permitir a investigação do caso. Inviável a análise do dolo do recorrente na via estreita do RESE oriundo de HC, por demandar dilação de provas e sob pena de se fazer um prejulgamento do feito. Não se exclui o recorrente do inquérito, vez que as decisões superiores acerca da teoria da dupla imputação não impedem a responsabilização das pessoas físicas e jurídicas de forma concomitante, apenas estabelece-se que a responsabilização de uma não depende necessariamente da responsabilização das outras. Com o parecer, recurso improvido" (RSE 0000616-28.2016.8.12.0026/MS, La Câmara Criminal, reI. Maria Isabel de Matos Rocha, 08.08.2016, v.u.).
Tribunal de Justiça de Mato Grosso • "Como as causas de pedir referentes à nulidade da prisão flagrancial, ao suposto excesso de prazo para o término das investigações e à
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alegada ausência de fundamentação idônea para a custódia possuem nítida pretensão liberatória, e tendo em vista que a prisão preventiva já foi revogada em primeira instância pela própria autoridade aqui impetrada, resta por prejudicada a ordem neste tocante. O trancamento do inquérito policial em habeas corpus somente é admitido de maneira excepcional, quando restar provada a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a inexistência da materialidade e indícios de autoria, de maneira inequívoca e sem necessidade de se revolver o conjunto fático-probatório. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Sabendo que a natureza típica das condutas imputadas ao paciente não foram descaracterizadas pela insurgência defensiva de natureza exclusivamente factual e que subsistem evidências mínimas de autoria, as investigações devem prosseguir em relação a ele e não ser encerradas de forma abrupta, até porque há pontos a serem esclarecidos e diligências requeridas pelo Ministério Público ainda pendentes de realização, justamente com a finalidade de esclarecer o ocorrido, para eventual propositura de ação penal ou manifestação pelo arquivamento das investigações. Ordem denegadà' (HC 142875/20 16/MT, 3." Câmara Criminal, Gilberto Giraldelli, 09.11.2016, v.u.). Vale ressaltar, também, que a denúncia anônima, ao chegar à autoridade policial, pode ser utilizada, validamente, para dar início à investigação; quando o delegado recolher elementos suficientes para comprovar a materialidade (prova da existência do crime) e indícios de autoria, instaura o inquérito e, conforme o caso, pode indiciar o suspeito.
Supremo Tribunal Federal • "1. A denúncia anônima é apta à deflagração da persecução penal quando seguida de diligências para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração de inquérito policial. Precedentes: HC 108.147,2." Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe 1.°.02.2013; HC 105.484, 2." Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe 16.04.2013; HC 99.490, 2." Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe 1.°.02.2011; HC 98.345, L" Turma, Redator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, DJe 17.09.2010; HC 95.244, L" Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe 30.04.2010. 2. In casu, a Polícia, a partir de denúncia anônima, deu início às investigações para apurar a eventual prática dos crimes de tráfico e de associação para o tráfico de entorpecentes, tipificados
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nos arts. 33 e 35 da Lei 11.343/2006. 3. Deveras, a denúncia anônima constituiu apenas o 'ponto de partidà para o início das investigações antes da instauração do inquérito policial e a interceptação telefônica e prorrogações foram deferidas somente após o surgimento de indícios apontando o envolvimento do paciente nos fatos investigados, a justificar a determinação judicial devidamente fundamentada, como exige o art. 93, IX, da Constituição Federal" (HC 120234 AgR/PR, La T., reI. Luiz Fux, 11.03.2014, v.u.). Por vezes, não cabe o trancamento da investigação, mas apenas o impedimento ao indiciamento. Noutros termos, há prova da existência do crime, que merece ser investigado, mas pode não haver provas suficientes para apontar, formalmente, alguém como autor do delito. Cabe, nesse ponto, habeas corpus para obstar o indiciamento. Um ponto relevante, nesse contexto, é a requisição (inadequada) feita por juízes ou promotores para que o delegado indicie determinado suspeito. Ora, o indiciamento é ato privativo do delegado, que, inclusive, deve fundamentá-lo. Ao membro do Ministério Público cabe a titularidade da ação penal, podendo denunciar quem bem entenda, sem estar vinculado a prévio indiciamento. O mesmo se diga quanto ao juiz, que pode receber a denúncia, sem estar o acusado devidamente indiciado. Depois de ajuizada a demanda criminal, feito o registro no distribuidor, perde qualquer sentido o indiciamento do réu, tendo em vista que o mais (ação penal) já foi atingido. Indiciar o acusado, após o recebimento da peça acusatória, constitui constrangimento ilegal.
Supremo Tribunal Federal • "1. Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indiciamento de determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o sistema acusatório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à persecução penal, de modo a impedir que o juiz adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei 12.830/2013.2. Ordem concedida" (HC 115015/SF, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 27.08.2013, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça • "1. Sendo o inquérito policial instrumento de investigação destinado à formação da opinio delieti, ou seja, do convencimento por parte do
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Ministério Público a respeito da autoria do crime e suas circunstâncias, com o intuito de formulação de acusação nos casos de ação penal pública, caracteriza constrangimento ilegal o formal indiciamento dos pacientes que já tiveram contra si oferecida a denúncia, a qual, inclusive, foi recebida pelo magistrado singular. 2. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para cassar a decisão que determinou o indiciamento dos pacientes, determinando-se a exclusão de todos os registros e anotações decorrentes de tal ato" (STJ, HC 235521/SP, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 11.03.2014, v.u.). No mesmo sentido: HC 254294/ SP, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 02.05.2013, v.U. • "Configura constrangimento ilegal o indiciamento formal do acusado após o recebimento da denúncia, tendo em vista que, com o recebimento da peça acusatória, encerra-se a fase de investigação policial, sendo desnecessária a referida medida. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para sustar o indiciamento formal do paciente, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal" (HC 218124/ SP, 5.a T., reI. Marilza Maynard, 07.05.2013, v.u.). • "É que ocorre no caso, pois não se admite o indiciamento de acusado para apuração dos mesmos fatos objeto de ação penal em curso, porquanto, recebida a denúncia, inaugura-se a fase judicial, restando superada a fase inquisitória. Precedentes. Writ não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício, para obstar o indiciamento formal do Paciente, relativo aos ilícitos descritos na denúncia, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal" (STJ, HC 197595/SP, 5.a T., reI. Laurita Vaz, 21.02.2013, v.u.). • "L Constitui constrangimento ilegal a determinação de indiciamento formal dos acusados após o recebimento da denúncia, por ser ato próprio da fase inquisitorial da persecutio criminis, já superada no caso em apreço. Precedentes desta Corte. 2. Pedido de extensão deferido, com fundamento no art. 580 do Código de Processo Penal, apenas para sustar o indiciamento formal dos peticionários, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal" (STJ, HC 187863/SP, 5.a T., reI. Marco Aurélio Bellizze, 28.08.2012, v.u.). • "L Não se admite a determinação de indiciamento formal do acusado, medida própria do inquérito policial, quando o feito já se encontra na fase judicial. Precedentes. 2. Uma vez ultimada a persecutio criminis pré-processual, é mais do que evidente a impertinência da medida em testilha. 3. Ordem concedida para revogar a decisão que determinou o indiciamento do paciente, com extensão dos efeitos aos
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corréus, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal" (STJ, HC 18973/SP, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 17.05.2012, v.u.). Igualmente: HC 144125/SP, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 02.02.2012, v.u.).
Tribunal Regional Federal - 3. a Região • "lI - O indiciamento é ato inquisitivo que deve ocorrer anteriormente ao recebimento da peça acusatória. III - O ato de indiciamento é praticado pela autoridade policial, no âmbito do inquérito policial, objetivando apenas identificar e qualificar o suposto autor do ilícito propiciando a propositura de uma futura ação penal pela parte legitimada. IV - Com o recebimento da denúncia encontra-se encerrada a fase investigatória, e o indiciamento do réu, neste momento, configura-se coação desnecessária e ilegal, pois consubstancia ato desprovido de qualquer utilidade jurídica para a ação penal, eis que o acusado já está perfeitamente identificado no processo penal instaurado. V Ordem concedida para tornar sem efeito o indiciamento do Paciente, estendendo os efeitos aos corréus, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal" (HC 16739/SP 0016739-72.2013.4.03.0000, 2.a T., reI. Cecília Mello, 10.09.2013, v.u.).
5.1.2.5 Trancamento de ação penal O deferimento de habeas corpus para trancar ação penal é medida excepcional. Somente deve o juiz ou tribunal conceder a ordem quando manifestamente indevido o ajuizamento da ação. A falta de tipicidade, por exemplo, é motivo de trancamento. Diversamente do inquérito, que pode iniciar do zero em busca de provas da materialidade do crime e de quem seja o seu autor, bastando que a autoridade policial tenha notícia da sua prática, a ação penal depende, desde o princípio, de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. O recebimento da denúncia (ação pública conduzida pelo Ministério Público) ou queixa (ação privada ajuizada pela vítima) deve estar lastreado pelas provas pré-constituídas, coletadas ao longo da investigação, provando-se, de antemão ao juiz, haver justa causa para o seu ajuizamento. Cabe o trancamento da ação, quando recebida a peça acusatória, não existindo prova do delito ou fundada suspeita de que o autor é o denunciado. Além disso, pode-se trancar a ação penal, quando ficar evidente, pelas provas colhidas durante a investigação, inexistir fato ilícito (estiver
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presente causa excludente de ilicitude) ou não culpável (presença de causa excludente de culpabilidade). No entanto, não se deve trancar a ação, quando se pretende discutir o elemento subjetivo do crime - ser duvidoso o dolo ou a culpa -, uma causa excludente de ilicitude ou culpabilidade não esclarecida a contento, além de outros fatores circunstanciais. Sob outro aspecto, desde a edição da Constituição Federal de 1988, quando se tornou expresso o dever de motivação do juiz no tocante às decisões proferidas, debate-se a questão relativa ao recebimento da peça acusatória. Tratando-se de decisão interlocutória simples, em tese, deveria ser motivada. Não se cuida de despacho de mero expediente, que prescinde de fundamentação. Entretanto, temos sustentado que a ausência de motivação no recebimento da denúncia ou queixa não gera nulidade, tendo em vista que a peça acusatória vem acompanhada de provas pré-constituídas. Presume-se, então, tenha o juiz lido e aceito tais provas, que, por si sós, fundamentam o recebimento. Logo, não cabe habeas corpus para trancar a denúncia ou queixa recebida sem fundamento expresso. Tribunal de Justiça de Minas Gerais
• "O despacho que recebe a denúncia não precisa ser motivado, em razão de ser uma decisão interlocutória simples, na qual mister verificar tão somente a existência das condições da ação. Ademais, o art. 516 do CPP exige fundamentação apenas quando o Juiz rejeita a denúncia ou a queixa, e não quando a recebe. A ausência de justa causa só pode ser reconhecida quando se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, mesmo porque o exame aprofundado das provas não tem cabimento no restrito âmbito do habeas corpus" (HCC 1.0000.15.100038-7/000/ MG, 3.a Câmara Criminal, reI. Paulo Cézar Dias, 24.02.2016). A exceção a tal regra se estabelece quando o denunciado é intimado a apresentar defesa preliminar antes do recebimento da peça acusatória. Ora, havendo peça defensiva, é preciso que o magistrado fundamente o referido recebimento, afastando asponderações do denunciado. Semisso,há nulidade, passível de gerar o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus.
•
Quanto ao indiciamento requisitado pelo juiz, confira-se a sua inadmissibilidade no item anterior.
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Supremo Tribunal Federal • "1. O trancamento de ação penal em habeas corpus é medida excepcional, admissível quando inequívoca a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Inocorrência na espécie. 2. Denúncia contendo adequada indicação da conduta delituosa imputada com os elementos indiciários aptos a tornar plausível a acusação. 3. Alegada ausência de justa causa dependeria da verificação da ocorrência ou não da versão apresentada na peça acusatória, o que demanda o revolvimento de fatos e provas, inviável em habeas corpus. 4. O prazo legal para término da investigação é impróprio, inexistindo consequência processual se inobservado o lapso temporal, quando solto o réu. 5. Recurso ao qual se nega provimento" (RHC 117966/ MG, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 04.02.2014, v.u.) . • "A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que a extinção da ação penal, de forma prematura, pela via do habeas corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, nas quais seja patente (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de alguma causa extintiva da punibilidade. 3. A inicial acusatória indica os elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação e, por consequência, suficientes para dar início à persecução penal, além de permitir ao paciente o pleno exercício do seu direito de defesa, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal. 4. Não há como avançar nas alegações postas na impetração, que, a rigor, pretende o julgamento antecipado da ação penal, o que configuraria distorção do modelo constitucional de competência. Assim, caberá ao juízo natural da instrução criminal, com observância do princípio do contraditório, proceder ao exame das provas colhidas e conferir definição jurídica adequada para os fatos que restarem comprovados. Não convém antecipar-se ao pronunciamento das instâncias ordinárias. 5. Ordem denegada" (HC 116781/PE, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 01.04.2014, v.u.) . • "O trancamento da ação penal por órgão diverso do juiz natural pressupõe a percepção, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e materialidade. 6. Recurso ordinário ao qual se nega provimento" (RHC 115044/BA, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 25.03.2014, v.u.) . • "A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é excepcionalís-
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simo, admitido apenas nos casos de manifesta atipicidade ou falta de justa causa, o que não se verifica na espécie. Não se exigem, quando do recebimento da denúncia, a cognição e a avaliação exaustiva da prova ou a apreciação exauriente dos argumentos das partes, bastando o exame da validade formal da peça e a verificação da presença de indícios suficientes de autoria e de materialidade. O habeas corpus não se presta ao exame e à valoração aprofundada das provas, necessários para verificação da tese defensiva que atribuiu à vítima a prática do delito de abuso de autoridade. 5. Pode-se confiar no devido processo legal, com o trâmite natural da ação penal, para prevenir de forma suficiente eventuais ilegalidades, abusos ou injustiças no processo penal, não se justificando o trancamento da ação, salvo em situações excepcionalíssimas. Deve-se dar ao processo uma chance, sem o seu prematuro encerramento" (HC 114821/MG, La T., reI. Rosa Weber, 18.03.2014, v.u.) . • "1. O trancamento da ação penal pela via restrita do habeas corpus 'é medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade' (RHC 119.607, ReI. Min. Luiz Fux). Precedentes. 2. A denúncia preenche os requisitos formais do art. 77 do CPPM e não incorre nas hipóteses de rejeição do art. 78 do CPPM. 3. Possibilidade do pleno exercício do direito de defesa, tendo em vista a existência de substrato probatório mínimo para a acusação, a impossibilitar o trancamento de ação penal. 4. Habeas corpus indeferido" (HC 115036/PE, La T., reI. Roberto Barroso, 18.03.2014, v.u.) . • "1. O crime de deserção é próprio e, por isso, somente pode ser praticado por militar. A sua consumação opera com a ausência injustificada por mais de oito dias (art. 187 do CPM). 2. A lavratura antecipada e equivocada do termo de deserção acarreta a perda da condição de militar, antes de findar o oitavo dia de ausência, passando a ostentar o Paciente a condição de civil, situação impeditiva da consumação da figura delitiva, ressaltando-se que a retificação do termo de deserção não pode produzir efeitos pretéritos prejudiciais ao administrado. 3. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal, restabelecida a decisão do Juízo da Auditoria da 6. a Circunscrição Judiciária Militar" (HC 121190/BA, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 01.04.2014, v.u.) . • "Pedido de trancamento de ação penal. 1. As decisões das instâncias precedentes estão alinhadas ao entendimento de que o trancamento de ação penal só é possível quando estiverem comprovadas, de logo, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente
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ausência de justa causa. Precedentes. 2. Atendidos os requisitos formais do art. 41 do Código de Processo Penal e existindo substrato probatório mínimo para a acusação, não é possível acolher o pedido de trancamento de ação penal. 3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento" (RHC 119244/MA, La T., reI. Roberto Barroso, 11.03.2014, v.u.). • "É firme a jurisprudência
do Supremo Tribunal no sentido de que a 'a decisão de recebimento da denúncia prescinde de fundamentação por não se equiparar a ato decisório para os fins do art. 93, inc. IX, da Constituição da República' e de que 'o princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita o vício: Precedentes" (RHC 118379/PE, La T., reI. Dias Toffoli, 11.03.2014, v.u.).
• "1. O trancamento da ação penal consubstancia medida reservada a casos excepcionais, quando indiscutível a ausência de justa causa ou quando flagrante a ilegalidade demonstrada em inequívoca prova pré-constituídà' (HC 114294/GO, La T., reI. Luiz Fux, 25.06.2013, v.u.). • "É pacífica a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal em considerar excepcional o trancamento da ação penal, pela via processualmente acanhada do habeas corpus. Via de verdadeiro atalho que somente autoriza o encerramento prematuro do processo-crime quando de logo avulta ilegalidade ou abuso de poder (HCs 86.362 e 86.786, da minha relatoria; e 84.841 e 84.738, da relatoria do ministro Marco Aurélio)" (HC 107187/SP, 2.a T., reI. Ayres Britto, 06.03.2012, v.u.).
• "É firme a jurisprudência
consagrada por esta Corte no sentido de que a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ação penal em curso só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas, de plano, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria, o que não se vislumbra neste writ" (HC 102262/RN, La T., reI. Dias Toffoli, 05.06.2012, v.u.).
• "Não cabe vulgarizar e banalizar a garantia fundamental do habeas corpus, empregando-a se não há prisão ou constrangimento atual, iminente ou pelo menos próximo à liberdade de locomoção. Mesmo se admitido o habeas corpus, o trancamento da ação penal só se justifica em casos excepcionalíssimos, quando evidenciada a manifesta atipicidade ou licitude ou a falta de justa causa" (HC 103779/SP' La T., reI. Rosa Weber, 03.04.2012, v.u.).
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• "O trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada quando evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre se a denúncia descreve conduta que configura, em tese, crime de difamação" (HC 98.703/MG, La T., reI. Ricardo Lewandowski, 06.20.2009, m.v.).
Superior Tribunal de Justiça • "Ainda que assim não fosse, o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, o que não se verifica na hipótese" (HC 285514/SP, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 01.04.2014, v.u.) . • "O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de dolo), não relevada, primo oculi. Intento, em tal caso, que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ" (HC 226471/MG, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 20.03.2014, v.u.) . • "O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é medida de índole excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se denote, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade" (HC 243453/MG, 5." T., reI. Gilson Dipp, 14.08.2012, v.u.) . • "O trancamento de ação penal pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inexistência de autoria por parte do indiciado ou a atipicidade da condutà' (HC 39.231/CE, 5.a T., reI. Laurita Vaz, 01.03.2005, V.u.,DJ28.03.2005, p. 300).
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Habeas corpus - Receptação - Pedido de trancamento da ação penal Alegação de inépcia da denúncia porque ofertada sem justa causa, sem indícios de autoria, sem comprovação do dolo - Ausência de flagrante inadequação ou ilegalidade na denúncia - Procedência da acusação
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que se relega à instrução processual penal, quando caberá à acusação provar a imputação feita - Inocência - Alegada confissão viciada e investigações incompletas por parte da autoridade policial - Matéria afeta ao mérito - Inadequação da via eleita - Ausência de citação do paciente - Nulidade não constatada - Acréscimo de outras medidas cautelares à fiança - Nulidade não configurada - Excesso de prazo Paciente que se encontra em liberdade - Ilegalidades não constatadas - Ordem denegada (voto n. 31148)" (HC 2182717-87.2016.8.26.0000/SP, 16." Câmara de Direito Criminal, reI. Newton Neves, 11.10.2016, v.u.). • "Habeas corpus - Milícia privada e homicídio qualificado - Trancamento da ação penal por ausência de justa causa - Inviabilidade - Presentes indícios de autoria e materialidade delitiva - Prosseguimento do feito que se mostra imperativo à excelência da prestação jurisdicional - Revogação da prisão preventiva - Impossibilidade - Decisão que decretou a custódia suficientemente fundamentada - Presença inequívoca dos requisitos autorizadores da segregação cautelar - Crime hediondo Gravidade exacerbada dos fatos - Testemunha protegida que ainda não foi ouvida na fase judicial - Constrição que se justifica para a garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal- Insuficiência das cautelares menos gravosas quando demonstrada a necessidade da custódia processual - Excesso de linguagem - Não verificação de vício textual - Impositiva a descrição de dados concretos nas decisões que determinam prisões cautelares - Predicados pessoais favoráveis que, por si sós, não afastam a necessidade do cárcere - Expedição de salvo-conduto - Descabimento - Mera existência da ação penal que não representa ameaça de prisão ilegal - Demais alegações voltadas à matéria que demanda dilação probatória aprofundada, inexequÍvel nesta estreita via - Não conhecimento - Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada" (HC 2244872-63.2015.8.26.0000/SP, 4." Câmara de Direito Criminal, reI. Camilo Léllis, 22.03.2016, v.u.). 5.1.3 Duração da prisão cautelar e da prisão-pena
o investigado
ou réu, quando preso, deve ter o procedimento acelerado, de modo que não fique detido por mais tempo do que o razoável. Há de se verificar tal hipótese no caso concreto. Assim, na fase policial, se uma prisão temporária é decretada por cinco dias, é esse o prazo para a conclusão da detenção, haja ou não a colheita das provas suficientes. O máximo que se admite é a prorrogação da temporária por outros cinco dias, ao final dos
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quais deve cessar a constrição. O prazo é fIxado em lei (art. 2.°, caput, Lei 7.960/1989). Não ocorrendo a soltura, confIgura -se o constrangimento ilegal. Quanto à instrução dos processos criminais, inexistia prazo específIco. Portanto, criou-se um período - obtido pela soma dos prazos previstos no Código de Processo Penal- de 81 dias, tempo considerado suficiente para o término da colheita das provas. Com o advento das Leis 11.689/2008 e 11.719/2008, fixou-se o prazo de 90 dias para a fInalização da fase de formação da culpa, no procedimento do júri (art. 412 da Lei 11.689/2008), bem como o prazo de 60 dias para a finalização do procedimento comum ordinário (art. 400, caput, CPP) e 30 dias para o procedimento comum sumário (art. 531, CPP). Voltaria à discussão a respeito dos prazos rigorosamente cumpridos, ao menos em situações de réus presos, pois o legislador, mesmo sem conhecer a realidade forense, estabeleceu um período máximo fIxo. Ocorre que a jurisprudência vinha amenizando essa discussão em torno de prazos, alegando que somente cada caso poderia ditar se haveria ou não excesso de prazo para a conclusão da instrução. Logo, já não se falava em 81 dias, mas num prazo razoável, sem culpa do juiz ou do órgão acusatório, para a conclusão da instrução. 13 Na doutrina, parece-nos válida a referência de Aury Lopes Jr. e Gustavo Henrique Badaró: ''A natureza do delito e pena a ela cominada, enquanto critérios da razoabilidade de duração do processo, representam, em essência, o critério da proporcionalidade. Processos que tenham por objeto delitos mais graves e, consequentemente, apenados mais severamente poderão durar mais tempo do que outros feitos por delitos de pequena gravidade. Todavia, embora o critério da proporcionalidade seja fundamental, na ponderação da duração do processo em relação ao binômio 'natureza do delito - pena cominadà, não poderá ser aceito, de forma isolada, como índice de razoabilidade. Levado ao extremo, delitos apenados com prisão perpétua teriam como razoável um processo que durasse toda a vida ..:: 14 Embora a lei tenha retornado ao passado, fIxando prazos para o término da instrução, parece- nos correto manter o conteúdo da matéria decidida pelos tribunais pátriOS, ou seja, devem-se obedecer a razoabilidade e a proporcionalidade para fIndar a colheita de provas, sem períodos preestabelecidos de maneira rígida.
13. Em posição peculiar, Borges da Rosa interpreta o art. 648, II, como, unicamente, o excesso da prisão-pena, e não da prisão cautelar (Comentários ao Código de Processo Penal, p. 778). Atualmente, essa posição praticamente inexiste na doutrina e na jurisprudência brasileiras.
14. Direito ao processo penal no prazo razoável, p. 56-57.
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Abaixo, seguem decisões avaliando o alcance da duração razoável do processo. Supremo Tribunal Federal Concedendo a ordem: • "O Supremo Tribunal Federal entende que a aferição de eventual excesso de prazo é de se dar em cada caso concreto, atento o julgador às peculiaridades do processo em que estiver oficiando. 2. No caso, a prisão preventiva do paciente foi decretada há mais de oito anos, sendo que nem sequer foram ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa. Embora a defesa haja insistido na oitiva de testemunhas que residem em comarca diversa do Juízo da causa, nada justifica a falta de realização do ato por mais de cinco anos. A evidenciar que a demora na conclusão da instrUção criminal não decorre de 'manobras protelatórias defensivas'. 3. A gravidade da imputação não é obstáculo ao direito subjetivo à razoável duração do processo (inc. LXXVIII do art. 5.° da CF). 4. Ordem concedidà' (HC 93.786/ES, La T., reI. Carlos Britto, 17.06.2008, v.u.). • "O prazo de prisão preventiva configura-se excessivo porque o paciente ficou em custódia cautelar por mais de dois anos, sem que tivesse sido realizada a oitiva de testemunhas arroladas pela acusação e o excesso de prazo é atribuível ao aparelho judiciário" (HC 86.850/PA, 2.a T., reI. Joaquim Barbosa, 16.05.2006, v.u.). • "Nada justifica a projeção indeterminada no tempo de uma ação criminal sem que se possa imaginar a data do julgamento. (...) Os acusados viram-se pronunciados em 26 de março de 2004 e já são passados mais de dois anos sem que fosse designada data para o Júri" (HC 89.479/PR, La T., reI. Marco Aurélio, 21.11.2006, m.v.). • ''A Turma deferiu habeas corpus em que condenado a cumprimento de pena em regime integralmente fechado pretendia o relaxamento de sua prisão, sob alegação de excesso de prazo, a fim de que pudesse aguardar, em liberdade, o julgamento da apelação por ele interposta. Na espécie, a interposição da apelação se dera em 21.08.2001, tendo sido suspenso seu julgamento, em virtude de pedido de vista. Considerou -se que o pedido de vista, apesar de legítimo, implicara novo retardamento no julgamento da apelação, e que essa demora sobrepujaria os juízos de razoabilidade, sobretudo porque o paciente já se encontrava preso há mais de 5 anos e 4 meses. Precedentes citados: HC 84.921/SP (DjV 11.03.2005) e HC 84.539 MC-QO/SP (DjV 14.10.2005)" (HC 88.560/ SP, La T., reI. Sepúlveda Pertence, 08.08.2006, V.U., Informativo 435).
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• "Por entender caracterizado excesso de prazo, a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de acusado pela suposta prática dos crimes de quadrilha ou bando [atual, associação criminosa], sequestro e homicídio qualificado, cuja prisão preventiva subsistia por quase sete anos. No caso, a custódia preventiva do paciente fora mantida, não obstante ele haver sido beneficiado, por extensão, com a anulação, pelo STJ, da sentença de pronúncia de corréu. Considerou-se não existir motivo plausível para que a prisão do paciente perdurasse aquele período. Asseverou-se que, antes da decisão do STJ,já se encontrava patenteado o excesso de prazo, apto a desconstituir qualquer fundamento do decreto preventivo. Além disso, tendo em conta a inércia do órgão judicante estadual, o Presidente da Turma, Min. Sepúlveda Pertence, deferiu requerimento do Subprocurador-Geral da República para encaminhamento de cópia integral dos autos à Presidente do Conselho Nacional de Justiça e ao Procurador-Geral da República, para que apurem eventuais desvios de comportamento que possam, em tese, configurar infrações penais ou disciplinares" (HC 87.913/PI, reI. Cármen Lúcia, 05.09.2006, Informativo 439). Negando a ordem:
• "Por fim, não obstante o paciente esteja preso há mais de três anos, rejeitou-se a alegação de excesso de prazo, tendo em conta que este não poderia ser atribuído exclusivamente ao Poder Judiciário e que a complexidade do feito justificaria a demora - homicídio envolvendo quatro réus, além de pedido de desaforamento pelo Ministério Público" (HC 85.868/RJ, reI. Joaquim Barbosa, 11.04.2006, Informativo 423). Superior Tribunal de Justiça Concedendo a ordem:
• "Configura excesso de prazo a investigação criminal que dura mais de 1 (um) ano sem que se tenha concluído o inquérito policial, muito menos oferecida a Denúncia em desfavor do paciente" (HC 228023/ SC, 5.a T., reI. Adilson Vieira Macabu, 19.06.2012, v.u.). Negando a ordem:
• "Proferida sentença, resta prejudicada a alegação de excesso de prazo na formação da culpa, pois entregue a prestação jurisdicional" (HC 364902/SP, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 20.10.2016, v.u.).
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Tribunal de Justiça de São Paulo Concedendo a ordem: • ''A paciente foi detida, em flagrante, encontrando-se presa desde 27 de março de 2009, pois surpreendida em sua residência, juntamente com seu parceiro, na posse de 59,2g (cinquenta e nove gramas e dois decigramas) de substância entorpecente vulgarmente denominada 'cocaína: na forma compactada de 'crack'. Segundo a exordial acusatória, policiais civis, em meio a investigações, receberam informações de suposto envolvimento da paciente com o tráfico de drogas. Munidos de um mandado de busca e apreensão, dirigiram-se à residência do casal, onde localizaram a droga supracitada, dinheiro, aparelhos celulares e anotações semelhantes àquelas utilizadas no tráfico. A denúncia foi oferecida em 22 de abril de 2009. Em 30 de abril do mesmo ano, foi apresentada a defesa preliminar pela paciente. Em 18 de maio de 2009 o corréu apresentou sua defesa. A audiência de instrução e julgamento foi designada para 30 de julho de 2009, porém a paciente não foi apresentada para interrogatório e seu depoimento somente foi colhido em 21 de outubro do mesmo ano, totalizando o lapso temporal de aproximadamente 3 (três) meses de mora, não ocasionada pela defesa. Em 8 de janeiro e 13 de maio de 2010, foram reiterados ofícios requisitando provas periciais à autoridade policial, estes respondidos somente em 17 de junho de p. p., restando em mora de mais de 7 (sete) meses ocasionada exclusivamente pela autoridade policial. A defesa, por seu turno, também causou mora, porquanto reteve os autos em carga por pouco mais de 20 (vinte) dias, passados os quais deixou de apresentar os memoriais, nomeando-se novo defensor. Diante do quadro, parece-nos pertinente a revogação da prisão cautelar da paciente - que perdura há mais de 1 (um) ano e 6 (seis) meses -, configurando patente excesso de prazo para conclusão do feito, porquanto sua mantença sobrepujaria os limites da razoabilidade" (HC 990.10.323344-1, 14.a c., reI. Souza Nucci, 25.11.2010, v.u.). • ''Associação para o tráfico. Paciente custodiado há quase um ano. Manifesto excesso de prazo. Demora injustificada para formação da culpa. Princípio da razoabilidade. Constrangimento ilegal existente. Ordem concedidà' (HC O 1013005420 138260000,4. a Câmara de Direito Criminal, reI. Ivana David, DJ 08.08.2013, v.u.). • "Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Paciente preso há 1 ano e 9 meses. Instrução ainda não concluída. Pendência de
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devolução de carta precatória para a oitiva de uma das duas testemunhas de acusação. Feito que não ostenta complexidade compatível com tamanho prolongamento da instrução. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva" (HC 990.10.348177-1, 16.a Câmara Criminal, reI. Almeida Toledo, 28.09.2010, v.u.). • "Tráfico de drogas. Excesso de prazo. Ocorrência. Paciente preso há quase um ano. Audiência redesignada em razão da greve dos agentes penitenciários. Inexistência de peculiaridades no caso concreto a justificar a delonga na marcha processual. Ordem concedida" (HC 0206590-58.2013.8.26.0000, 8.a Câmara de Direito Criminal, reI. Camilo Léllis, Dl 24.04.2014, v.u.). • "Aconcessão é, porém, a melhor medida. Não obstante o requerimento de instauração de incidente de dependência toxicológica ter sido suscitado por parte da defesa, não se vislumbra na instrução processual a má-fé do impetrante em criar mecanismos os quais, naturalmente, retardariam o deslinde do feito para, em seguida, alegar excesso de prazo. No mais, não se pode atribuir à defesa o peso da mora quando o próprio perito do IMESC se olvidou em responder aos quesitos apresentados pelo impetrante, forçando o digno magistrado a quo oficiar o órgão responsável a fim de complementar o laudo pericial, em 4 de maio de 2010. A súmula ora invocada não pode ser aplicada com total discricionariedade e de forma abstrata, exigindo-se para sua incidência a verificação da existência de estratégias por parte da defesa em conseguir do Poder Judiciário um alvará de soltura clausulado em razão do excesso de prazo, mais uma vez, provocado intencionalmente. Caso contrário, em vias indiretas, a defesa estaria obrigada a escolher entre requerer medidas necessárias para corroborar sua tese e, assim, exercer de fato o direito à ampla defesa e ao contraditório, ou não requerer nada para que o acusado fique o menor tempo possível encarcerado cautelarmente, porquanto eventual mora poderia lhe ser atribuída. Na realidade, questiona-se a presença ou não dos requisitos contidos no artigo 312 do Código de Processo Penal, uma vez superado o disposto pela súmula mencionada, passando-se a verificar se a prisão cautelar está embasada legalmente. Trata-se de paciente primário, portador de bons antecedentes e possuidor de residência fixa, que já está encarcerado há 1 (um) ano e 6 (seis) meses, situação essa insustentável frente às circunstâncias do caso concreto. Não há elementos nesta via liberatória autorizadores da manutenção
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da prisão cautelar, ressaltando não ser o crime hediondo, considerado em abstrato, um argumento hábil a fundamentar a gravidade de um delito. Outros fatores devem ser agregados para se caracterizar o gravame da infração penal. Consoante dados acostados à exordial, não há indícios de periculosidade do paciente, tampouco ameaça a garantia da ordem pública. Vale lembrar que o próprio Supremo Tribunal Federal, recentemente, admitiu para tráfico ilícito de entorpecente, em obediência ao princípio da individualização da pena, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, além de permitir, igualmente, a liberdade provisória, quando viável. Outrossim, imprescindível constar que, em caso de condenação pelo delito imputado ao paciente, poderá ensejar a causa de diminuição presente no ~ 4.°, do artigo 33, da Lei 11.343/2006, em seu redutor máximo, perfazendo 1 ano e 8 meses de reclusão. Afinal, paciente primário, portador de bons antecedentes, não dedicado às atividades criminosas, tampouco integrante de organização criminosa, surpreendido com 13 gramas de substância entorpecente vulgarmente conhecida como 'cocaína: O paciente encontra-se preso aproximadamente há 1 ano e 6 meses em caráter cautelar, concluindo-se pela enorme possibilidade de, no momento da sentença, já ter sua pena extinta. Destarte, nota-se discrepância entre as circunstâncias do caso e as medidas processuais adotadas. Não restou configurado nada que justificasse a manutenção da prisão cautelar do paciente e o fato de a defesa ter requerido a instauração do incidente de dependência toxicológica não autoriza a ocorrência de um desfecho tão marcante como o apresentado" (HC 990.10.342610-0, 16.a C ., reI. Souza Nucci, 19.10.2010, m.v.). • "Admite-se o direito de responder o processo em liberdade ante a custódia cautelar do réu por quase um ano sem ao menos ser interrogado, dado o perigo de violação ao Princípio da Razoabilidade" (HC 01463535820138260000, 4.a Câmara de Direito Criminal, reI. Willian Campos, Df 27.09.2013, v.u.). • "Habeas corpus. Tráfico. Prisão em flagrante ocorrida em março de 2010. Excesso de prazo. Paciente preso há oito meses, sem que tenha sido, sequer, iniciada a instrução criminal. Delonga injustificada para a notificação do réu e deliberação sobre o recebimento da denúncia. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida. (...) A hipótese é de abuso do poder estatal, pois a necessidade da prisão processuaI, à luz do princípio da razoabilidade, sucumbe ao jus libertatis. A custódia cautelar deve ser útil ao processo, não sendo um fim em si
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mesma, de modo que, em respeito à dignidade da pessoa humana, todo acusado preso deve ter o procedimento acelerado, para que não fique detido processualmente por mais tempo do que o razoável. Afinal, 'a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação' (art. 5.°, LXXVIII, da CF)" (HC. 990.10.404760-9, 16.a C. , reI. Almeida Toledo, 21.09.2010, v.u.). Tribunal de Justiça do Distrito Federal Concedendo a ordem:
• "A caracterização do excesso de prazo no encerramento da instrução criminal não exige apenas a soma aritmética de tempo para a realização dos atos processuais instrutivos, sendo necessário verificar as peculiaridades do caso concreto, impondo-se a aplicação do princípio da razoabilidade. Todavia, a demora no encerramento da instrução processual causada exclusivamente pela falta de estrutura do Poder Judiciário para dar vazão à demanda de processos criminais, ante a patente ausência de razoabilidade, configura constrangimento ilegal a ensejar a concessão de liberdade provisórià' (HC 2006.00.2.000461-4, 2.a T., reI. Benito Tiezzi, v.u., Boletim AASP 2500, p. 1.283). Tribunal de Justiça do Piauí Concedendo a ordem:
• "A demora injustificada da formação da culpa, sem colaboração da defesa, impõe o imediato relaxamento da prisão pela autoridade judiciária, atendendo-se, assim, aos preceitos do art. 648, lI, do CPP, e do art. 5.°, LXV,da Constituição Federal" (HC 2010.0001.006833-5/ PI, 2.a C.E.C., reI. Erivan José da Silva Lopes, 14.12.2010, v.u.). Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Negando a ordem:
• "No que respeita ao excesso, o Código de Processo Penal não estabelece prazo absoluto para a formação da culpa, podendo-se afirmar que o 'tempo do processo' é dado de acordo com as características próprias de cada feito, em atenção ao princípio da razoabilidade, não se permitindo a higidez de maneira a obstaculizar o exercício amplo de defesa pelo réu ou o cerceamento da acusação. No caso, trata-se
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de processo complexo, que tramita regularmente, não se verificando excesso de prazo na formação da culpà' (TJRS, HC 70058043845, 2.a Câmara Criminal, reI. Lizete Andreis Sebben, j. 24.04.2014). 5.1.3.1 Razoabilidade São dois os critérios para apurar a duração razoável da prisão cautelar: razoabilidade e proporcionalidade. Razoável significa ponderado, equilibrado, o meio-termo ideal para alguma coisa. O princípio da razoabilidade espalha-se por todas as áreas do Direito, devendo ser particularmente considerado no contexto da prisão cautelar. Na medida em que a prisão cautelar não possui prazo determinado em lei, torna-se essencial a observância do equilíbrio e da prudência para controlar o tempo de duração da segregação do acusado. A razoabilidade a) complexidade
congrega, basicamente,
os seguintes elementos:
do processo;
b) número de réus; c) volume de processos da Vara ou Tribunal; d) atuação do juiz ou do relator; e) atuação das partes. Ilustrando, sob dois possíveis prismas: processo simples, com um réu, em Vara de volume compatível de feitos, possuindo juiz atuante e partes que não conturbam: o processo deve ser julgado no menor prazo possível, seguindo-se, literalmente, o rito ftxado em lei; processo complexo, com vários corréus, em Vara de muitos feitos, com juiz de atuação ftrme e partes corretas: estende-se o prazo para suportar a instrução até quando necessário. A complexidade do processo deve ser levada em consideração na apuração da razoabilidade para a duração da prisão provisória, pois as causas penais são diversas: algumas envolvem imputações simples, merecedoras de conhecimento célere (ex.: furto simples); outras, imputações complexas, cuja instrução deve ser tão lenta quanto necessária para bem apurar a culpa ou inocência do acusado (ex.: lavagem de dinheiro e organização criminosa). Nesse caso, a responsabilidade não pode ser reputada ao Estado, que, diligentemente, deve apurar a culpa do acusado com a devida cautela. Como regra, então, não há constrangimento ilegal sanável por habeas corpus.
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Supremo Tribunal Federal Complexidade do processo • "A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não procede a alegação de excesso de prazo quando a complexidade do feito, as peculiaridades da causa ou a defesa contribuem para eventual dilação do prazo. Precedentes. Ficaram comprovadas a complexidade da ação penal e a tomada de providências necessárias ao célere andamento do feito. A dilação dos prazos processuais não pode ser imputada ao juízo que preside o andamento do feito, mas às peculiaridades do caso, bem como à atuação da defesa" (RHC 120133/PA, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 18.02.2014, v.u). • "I - O prazo para julgamento da ação penal mostra-se dilatado em decorrência da complexidade do caso, uma vez que o réu e mais três corréus foram denunciados pela prática do crime de homicídio triplamente qualificado em concurso material com o de furto. Ademais, várias testemunhas residem em comarca diversa daquela onde tramita o feito, o que demanda a expedição de cartas precatórias e provoca a dilação dos prazos processuais. II - A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não procede a alegação de excesso de prazo quando a complexidade do feito, as peculiaridades da causa ou a defesa contribuem para eventual dilação do prazo. Precedentes. III - A prisão cautelar mostra-se suficientemente motivada para a preservação da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do paciente, verificada pelo modus operandi mediante o qual foi praticado o delito. Precedentes. IV - Ordem denegada" (HC 115112/SP, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 19.03.2013, v.u.). • "Imputação do delito previsto no art. 217- A do Código Penal. Inexistência de excesso de prazo para a formação da culpa. Ordem denegada. 1. Ação penal em tramitação na origem em prazo razoável e regular, consideradas as peculiaridades do feito; necessidade de oitiva da vítima ao lado de psicólogo, demora no andamento desse processo devido à atuação da defesa. 2. Autos da ação penal na origem conclusos para a sentença. Evidência de que a prestação jurisdicional na origem está na iminência de ser exaurida. 3. Ordem denegada" (HC 119239/PI, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 18.03.2014, v.u.). Gravidade do crime e periculosidade do agente • "Habeas corpus. 2. Operação Mymba Kuera (tráfico, associação para o tráfico, lavagem de dinheiro e violação de sigilo profissional). 3. Pedido
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de liberdade provisória. 4. Alegação de excesso de prazo na formação da culpa. Não ocorrência. Complexidade da causa (pluralidade de réus). 5. Prisão preventiva. Necessidade de garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. Gravidade demonstrada pelo modus operandi e possibilidade de reiteração delitiva. Réu acusado de integrar organização criminosa conhecida por Primeiro Comando da Capital - PCc. Periculosidade concreta do acusado. Fundamentação idônea que recomenda a medida constritiva. 6. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada" (HC 132172/PR, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 26.04.2016, v.u.) . • "Habeas corpus. 2. Formação de quadrilha, receptação e estelionato. 3. Pedido de liberdade provisória. 4. Demonstrada a necessidade da segregação provisória para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, tendo em vista a comprovação da periculosidade do acusado, líder de organização criminosa. Alta probabilidade de que, em liberdade até o trânsito em julgado da ação penal, dê prosseguimento às atividades ilícitas. Precedentes. 5. Alegação de excesso de prazo na formação da culpa. Não ocorrência. Complexidade do feito (pluralidade de réus, defensores e testemunhas). Processo concluso aguardando sentença. 6. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegadà' (HC 131055/BA, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 08.03.2016, v.u.) . • "Habeas corpus. 2. Tráfico e associação para o tráfico de drogas (arts. 33, caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006). 3. Prisão preventiva. Necessidade da custódia cautelar para garantir a ordem pública. 3.1. Gravidade concreta do delito: grande quantidade de droga apreendida (4,24 kg de cocaína). 3.2. Acusado que responde a outra ação penal no mesmo juízo processante, também por crime de tráfico (real possibilidade de reiteração delitiva). 3.3. Fundamentação idônea que recomenda a medida constritiva. 4. Alegação de excesso de prazo na formação da culpa. 4.1. Pluralidade de réus e expedição de carta precatória para oitiva de testemunha. Demora justificada. 5. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada, com recomendação de celeridade no julgamento da ação penal" (HC 133056/CE, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 07.06.2016, v.u.). Superior Tribunal de Justiça Lesão à razoabilidade • "No caso, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados extraídos dos autos, que evidenciam que a liberdade do ora recorrente acarretaria risco à ordem pública, notadamente se conside-
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rada a periculosidade do recorrente evidenciada na forma pela qual o delito foi em tese praticado, em concurso de pessoas e com arma de fogo contra diversas vítimas, bem como aliciando menores para tais práticas (Precedentes). Lado outro, quanto ao apontado excesso de prazo na formação da culpa, ressalta-se que o término da instrução processual não possui características de fatalidade e de improrrogabilidade, não se ponderando mera soma aritmética de tempo para os atos processuais. A propósito, esta Corte Superior firmou jurisprudência no sentido de se considerar o juízo de razoabilidade para eventual constatação de constrangimento ilegal ao direito de locomoção decorrente de excesso de prazo, levando-se em consideração a quantidade de delitos, a pluralidade de réus, bem como a quantidade de advogados patrocinando a defesa, como ocorrido na espécie. Recurso ordinário desprovido. Expeça-se, contudo, recomendação ao d. Juízo de origem para que imprima a maior celeridade possível no julgamento da ação penal" (RHC 63853/RS, 5.a T., reI. Felix Fischer, 10.05.2016, v.u., grifamos) . • "Evidenciada a coação advinda de excesso de prazo quando o réu encontra-se recolhido há mais de 5 anos e pronunciado há mais de 4 anos e 7 meses, sem que tenha sido submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, muito embora não houvesse impedimento, inexistindo previsão de designação de data. Demonstrado que o retardo ou a delonga ultrapassaram os limites da razoabilidade e podem ser atribuídos unicamente ao Estado e ao Judiciário, de ser reconhecido o constrangimento ilegal, sanável através da via eleita. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício para substituir a cautelar da prisão pelas medidas alternativas previstas no art. 319, I, IV e V, do Código de Processo Penal" (HC 338726/RJ, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 03.05.2016, v.u.). Ausência de lesão à razoabilidade • "1. A questão do eventual excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal, à luz da jurisprudência desta Corte Especial, deve ser apreciada com base no princípio da razoabilidade de modo que o eventual constrangimento ilegal não resulta de um critério aritmético, há que ser verificado pelo julgador numa aferição do caso concreto, de acordo com as suas peculiaridades e complexidades. 2. O caso apresenta complexidade a justificar uma dilatação dos prazos processuais. A ação penal conta com pluralidade de réus, localizados em diferentes comarcas, com defensores distintos, exigindo a necessidade de expedição de cartas precatórias. Precedentes. Ademais, o relato informativo
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constante dos autos demonstra que o processo, a despeito da explicada complexidade, segue o curso normal, não havendo qualquer registro de fatos que possam indicar um retardo excessivo ou desarrazoado a justificar o relaxamento da prisão cautelar, estando o feito inclusive na fase de alegações finais para a defesa, o que atrai a incidência do enunciado n. 52 da Súmula desta Corte Superior. 3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento" (RHC 62264/SP, 6.a T., reI. Antonio Saldanha Palheiro, 16.06.2016, v.u.).
Processo complexo • "1. Os prazos para a conclusão da instrução criminal não são peremptórios, podendo ser flexibilizados diante das peculiaridades do caso concreto, em atenção e dentro dos limites da razoabilidade. 2. No caso dos autos, a ação penal vem tramitando regularmente, faltando apenas o retorno da última carta precatória em que, recentemente, foi colhido o depoimento de testemunha de acusação, não havendo notícias de que esteja ocorrendo morosidade ou retardo excessivo na implementação das fases processuais, tampouco desídia ou inércia na prestação jurisdicional, em processo que se apura a prática delitiva de narcotraficância perpetrada por 3 (três) agentes e envolvendo considerável quantidade e variedade de droga apreendida - aproximadamente 7 kg de cocaína e 7,5 kg de maconha, além de crack -, tendo sido necessária a deprecação em outras comarcas para oitiva de testemunhas, o que afasta a coação ilegal suscitada na irresignação. 3. Indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a segregação encontra-se justificada e mostra-se imprescindível para acautelar o meio social da reprodução de fatos criminosos. 4. Vedada a apreciação, diretamente por esta Corte Superior de Justiça, da tese de que a decisão judicial favorável proferida em favor dos corréus se estenda ao recorrente, extrapolação do prazo razoável da prisão preventiva, quando a questão não foi analisada no aresto combatido. 5. Recurso ordinário parcialmente conhecido e, nesta extensão, improvido" (RHC 75132/RS, 5.a T., reI. Jorge Mussi, 25.10.2016, v.u.) . • "Constitui entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça que somente configura constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, apto a ensejar o relaxamento da prisão cautelar, a mora que decorra de ofensa ao princípio da razoabilidade, consubstanciada em desídia do Poder Judiciário ou da acusação, jamais sendo aferÍvel apenas a partir da mera soma aritmética dos prazos processuais. In casu, o processo tem seguido regular tramitação. O maior prazo
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para o julgamento decorre da complexidade do feito, em que se apura a suposta prática de múltiplos delitos - tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, comércio ilegal de arma de fogo, roubo, entre outros - por 38 (trinta e oito) réus. Há notícia da realização de várias audiências de instrução e da necessidade de expedição de cartas precatórias para interrogatório dos réus e oitiva de testemunhas. Não há, pois, falar em desídia do Magistrado condutor, o qual tem diligenciado no sentido de dar andamento ao processo, não podendo ser imputada ao Judiciário a responsabilidade pela demora. Recurso em habeas corpus a que se nega provimento. Determinada, no entanto, expedição de recomendação ao Juízo de origem, a fim de que se atribua a maior celeridade possível ao julgamento da ação penal do recorrente" (RHC 74326/RS, 5. T., reI. Joel Ilan Paciornik, 25.10.2016, v.u.). • "I - Considerando que a controvérsia relativa à alegada ausência dos requisitos para a manutenção da prisão cautelar já foi apreciada no julgamento do RHC n. 54.225/SP (Quinta Turma, de minha relatoria, D/e de 25.05.2016), perdeu o objeto, nesse ponto, o presente recurso. 11- Os prazos processuais não têm as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais (precedentes). III - Na hipótese, malgrado o atraso na instrução criminal (prisão preventiva decretada em 15.04.2014), ele se justifica, tendo em vista a complexidade da causa, o elevado número de réus (31), a necessidade de expedição de cartas precatórias, oitivas de diversas testemunhas e inúmeros pedidos de revogação da prisão preventiva, cumprindo ressaltar que o ora recorrente responde a nada menos que 4 (quatro) ações penais. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente conhecido, e, nesta parte, desprovido" (RHC 68499/SP, 5. T., reI. Felix Fischer, 21.06.2016, v.u.). • "Aquestão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto. In casu, muito embora o réu esteja preso há um ano e sete meses, a complexidade do feito é evidente, diante não só da quantidade de acusados (quatro), mas do número de testemunhas arroladas pelas partes. Apenas na denúncia foram indicadas, dentre vítimas e testemunhas, dezoito pessoas. Além disso, das informações prestadas pelo juízo em que tramita o feito, verifica-se, no caso de várias delas, a necessidade de expedição de 3
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cartas precatórias. 4. Ordem denegada" (BC 351491/RJ, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 26.04.2016, v.u.).
Gravidade concreta • "1. Apresentada fundamentação concreta para a decretação da prisão preventiva, evidenciada na grande quantidade de entorpecente apreendido, tratando-se de 1.880 gramas de maconha, bem como indícios de participação da paciente em organização criminosa, como enfatizado pelo magistrado de piso, ao afirmar que 'a existência de indícios nos autos de associação criminosa entre os investigados, demonstrando um tráfico de médio porte, bem como dedicação exclusiva a atividades criminosas, sendo a prisão preventiva a custódia cautelar perfeitamente adequada ao caso em tela: não há que se falar em ilegalidade a justificar a concessão de habeas corpus. 2. Não constatada clara mora estatal em ação penal onde a sucessão de atos processuais infirma a ideia de paralisação indevida da ação penal ou de culpa do estado persecutor, não se vê demonstrada ilegalidade no prazo da persecução criminal desenvolvida. 3. Habeas corpus denegado, mas com a recomendação de que o juízo de piso confira maior celeridade à ação penal, com o fito de instruir e julgar o processo" (BC 351557/PB, 6.a T., reI. Nefi Cordeiro, 02.08.2016, v.u.).
Tribunal Regional Federal - 1. a Região Complexidade da causa • "1. A cláusula da duração razoável do processo, fundamentalmente, deve ser avaliada pela lente de observação de três critérios: a complexidade da causa, que não raro demanda maior tempo de instrução; o comportamento processual das partes e seus procuradores, que pode contribuir para o alongamento do tempo processual; e a atuação do órgão jurisdicional, que não pode atuar com desídia. 2. Situações que não se fazem presentes na espécie, que cuida da apuração de roubo, mediante uso de arma de fogo e em concurso de pessoas, contra agência da EBCT. A instrução, mesmo com dificuldades, da complexidade do feito desenvolve-se com razoabilidade, sendo o próximo passo as alegações finais. Não se registra objetivamente constrangimento ilegal. 3. Ordem de habeas corpus denegada" (BC 0037850-64.2016.4.01.0000/ MA, 4.a T., reI. Olindo Menezes, 26.07.2016, v.u.). • "O prazo para a conclusão da instrução processual serve como parâmetro geral e não tem características de fatabilidade ou de improrrogabilidade, sofrendo temperamento à luz do princípio da razoabilidade, salvo se
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comprovada desídia dos órgãos de persecução penal e/ou da instância judiciaL Instrução processual complexa e de grande envergadura, com vários réus (pessoas físicas e jurídicas), com endereços fora do distrito da culpa e advogados diversos. Curso regular, com vasta tramitação, onde se verifica a expedição de inúmeras Cartas Precatórias para fins de citação e intimação, diligências, mandados, além de grande número de petições das partes no interesse de seus direitos" (HC 007173688.2015.4.01.0000/PA,3.a T., reLMário César Ribeiro, 22.06.2016,v.u.). Tribunal de Justiça de Minas Gerais Excesso não caracterizado por atos da defesa • "1. Em decorrência do princípio da razoabilidade, as prisões de pacientes, que perduram por prazo excessivo e injustificado para o encerramento da instrução criminal, configura constrangimento ilegaL 2. Não sendo atribuível à defesa o excedimento do prazo para o encerramento da instrução criminal, caracterizada se mostra a ilegalidade das prisões processuais" (HC 1.0000.16.055859-9/000/MG, 3.a Câmara Criminal, reL Fortuna Grion, 27.09.2016, v.u.).
o número
de réus é determinante no trâmite do processo-crime, pois a ampla defesa, direito de todos eles, acarreta o cumprimento de várias intimações aos acusados e seus defensores, proporcionando espaço para que possam apresentar suas alegações, bem como produzir suas provas. Nem mesmo se diga que a defesa pode protelar o feito, de propósito, para depois alegar excesso de prazo. Nessa hipótese - grande número de réus _ o simples desenvolvimento dos atos processuais é desgastante e lento, independentemente da vontade dos defensores e mesmo do juiz. É preciso ponderar que, nem sempre, o elevado número de acusados leva à falta de razoabilidade, comportando a alegação de constrangimento ilegal contra quem está preso cautelarmente. Depende do caso concreto. Se o juiz souber conduzir corretamente o feito, havendo demora na conclusão, inexiste constrangimento ilegaL No entanto, caso a lentidão seja responsabilidade do magistrado, comporta habeas corpus para sanar a coação indevida à liberdade individuaL Supremo Tribunal Federal • "Arazoável duração do processo não pode ser considerada de maneira isolada e descontextualizada das peculiaridades do caso concreto. Elementos constantes dos autos indicativos da complexidade do feito:
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existência de organização criminosa bem estruturada, com atuação no tráfico internacional de drogas entre Bolívia e Brasil, e com ramificações para várias unidades federativas; trinta acusados, alguns presos em Estados diversos daquele do Juízo; acusados com advogados distintos; necessidade de expedição de várias cartas precatórias - fatores que justificam a demora no encerramento da instrução criminal. Excesso de prazo não caracterizado" (HC 108514-MT, La T., reI. Rosa Weber, 15.05.2012, v.u.).
o excessivo volume de processos em trâmite na Vara pode desencadear atrasos no andamento processual, no tocante a réus presos. Por certo, o segregado não tem culpa disso, pois cabe ao Estado manter juízes e funcionários em número suficiente para dar conta dos feitos em trâmite, respeitando-se os prazos legais. Entretanto, é preciso considerar a realidade brasileira, com juízes em menor número do que o ideal, já há muito tempo. Até que seja recuperado o atraso, provendo-se cargos vagos e abrindo-se novas Varas em todos os Estados, há que se buscar o meio-termo entre a necessidade da prisão cautelar e o andamento mais lento do que o normal em relação a processos de réus segregados. Essa é uma hipótese em que somente o caso concreto poderá determinar se há ou não excesso de prazo, sem razoabilidade, dando margem à concessão da ordem de habeas corpus. A atuação do juiz pode ser determinante para gerar excesso de prazo na conclusão do feito. Processos de réus presos devem ter prioridade absoluta na pauta das Varas, assim como no julgamento dos Tribunais. Por vezes, há displicência na presidência da instrução, permitindo que os atos processuais se estendam além do razoável. Cabe, por certo, a impetração de habeas corpus para sanar o constrangimento ilegal provocado. Sob outro aspecto, quando o magistrado faz tudo o que se encontra ao seu alcance para conferir celeridade ao feito, não se pode acoimar o Estado de responsável pela lentidão. Não será por esse motivo que a impetração de habeas corpus terá sucesso. Aliás, não é de hoje que se debate a postura do juiz na condução do processo; ao contrário, sempre foi uma das principais razões para justificar o ajuizamento do remédio heroico, sob o fundamento de excesso de prazo na prisão cautelar. 15
15. Oliveira Machado diz: "a simples negligência, a lentidão não justificada, a ignorância, a prevaricação, a acumulação de serviços não urgentes e adiáveis são insuficientes para escusar o juiz da obrigação, imposta pela lei, de acelerar e concluir os termos da culpa. Para se isentar da responsabilidade, o juiz deve demonstrar que fez tudo quanto lhe cabia fazer para superar os obstáculos supervenientes" (O habeas corpus
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Tribunal de Justiça de São Paulo • "O impetrante/paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 35 da Lei de Drogas, cuja pena varia entre 3 a 10 anos, no tocante à privação da liberdade. Encontra-se preso há mais de três anos, sem que a instrução tenha sido concluída. As informações do Ínclito juízo, prestadas em setembro p.p., dão conta da veracidade do alegado na inicial, sem apresentar justificativa plausível para tanto. A instrução, com réu preso, levou mais de três anos - e nem se sabe se já findou, o que, a essa altura, é irrelevante -, lembrando-se que a pena mínima para tal delito é de três anos. Feriu-se, em meu entendimento, o princípio da razoabilidade, pois, cuidando-se de réu preso, cabe ao juiz, como condutor do feito, encurtar ao máximo a instrução. Não pode - e não deve - a defesa ser acusada de procrastinação, quando se sabe não ser o defensor o presidente da instrução. Pedidos protelatórios devem ser indeferidos e jamais se pode admitir que uma colheita de provas possa ultrapassar a previsão, em abstrato, da pena mínima do delito. Lesionou-se, ainda, o princípio da proporcionalidade, visto que o paciente, se condenado ao mínimo legal, já cumpriu, integralmente, a pena no regime fechado, sem direito a progressão. Alega-se, sob outro prisma, que um dos defensores (da ré L.) levou os autos e com eles permaneceu por quase dois meses, havendo busca e apreensão (fls. 25). Ora, quem controla a saída dos autos de cartório é o juízo, de modo que não há cabimento em se aguardar tanto tempo para recuperar os autos do feito de réus presos, com instrução em andamento. (...) Ordem concedidà' (HC 0181593-79.2011.8.26.0000,16.a c., reI. Souza Nucci, 08.11.2011, v.u.). A atuação das partes pode ser determinante para gerar lentidão ao trâmite do processo. Tanto o acusador pode retardar os atos que lhe compete realizar quanto o defensor. Por óbvio, se a demora é causada pelo órgão acusatório, configura constrangimento ilegal. Quando provo-
no Brasil, p. 108). E Tavares Bastos completa: "os motivos impeditivos devem ser superiores à vontade da autoridade processante, e às vezes podem mesmo tornar esse prazo indeterminado. O juiz deve dar razões da demora na formação da culpa (... ). Os juízes superiores ao formador do processo e culpa, bem como os tribunais, jamais deveriam deixar que tal negligência tivesse lugar, instaurando o processo de responsabilidade para aquelas autoridades não diligentes. Quantos réus de crimes hediondos não são soltos pelo habeas corpus baseada a concessão na demora da formação da culpa, quando são protegidos por juízes formadores da culpa!" (O habeas corpus na República, p. 121-122).
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cada pela própria defesa, não.16 Nesse caso, o princípio regente é simples: a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpezaY Poder-se-ia dizer que o réu preso não pode arcar com a atitude antiética de seu advogado. Entretanto, quando se tratar de defensor constituído, quer-se crer tenha confiança no profissional e deva ter discutido a linha defensiva, com conhecimento da ação protelatória.18 Cuidando-se de defensor dativo, sem dúvida, deve o juiz intervir, declarando o réu indefeso, nomeando-se outro para o patrocínio da causa, antes mesmo que se possa gerar a indevida lentidão. Se, porventura, tratar-se de defensor público, também cabe ao juiz intervir, comunicando o episódio à chefia da instituição. Supremo Tribunal Federal
• "O Supremo Tribunal Federal entende que a aferição de eventual excesso de prazo é de se dar em cada caso concreto, atento o julgador às peculiaridades do processo em que estiver oficiando" (HC 110365/ SP, l.a T., reI. Dias Toffoli, 28.02.2012, v.u.). Superior Tribunal de Justiça
• "Conforme entendimento pacífico desta Corte Superior, eventual excesso de prazo deve ser analisado à luz do princípio da razoabilidade, permitido ao Juízo, em hipóteses excepcionais, ante as peculiaridades da causa, a extrapolação dos prazos previstos na lei processual penal, visto que essa aferição não resulta de simples operação aritmética" (HC 228033/SP, 5.a T., reI. Marco Aurélio Bellizze, 14.08.2012, v.u.). Tribunal de Justiça do Paraná
• "Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa, Súmula 64, STJ" (HC 928543-6, 4.a Câmara Criminal, reI. Carvilio da Silveira Filho, 26.07.2012, v.u.).
16. Súmula 64, STJ: "não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa".No mesmo sentido, Frederico Marques (Elementos de direito processual penal, p. 371).
17. Segundo Bento de Faria, "a demora pode se apresentar justificada por motivos que são relevantes da responsabilidade do Juiz, v.g. - quando for determinada pelo próprio acusado, quer usando, intencionalmente, de meios protelatórios, quer pelas dificuldades das diligências por ele próprio requeridas em sua defesa, ou, ainda, em casos que revistam os caracteres da força maior" (Código de Processo Penal, p. 373). 18. Eventualmente, se o magistrado perceber a nítida desídia do defensor constituído para realizar os atos que lhe cabem, pode considerar o acusado indefeso, em razão de estar preso há mais tempo que o devido por culpa de seu advogado.
CAPo V • FUNDAMENTO JURfDICO
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5.1.3.2 Proporcionalidade
A proporcionalidade estabelece-se nas seguintes bases: a) penas cominadas em abstrato para o crime; b) condições pessoais do réu; c) viabilidade da concessão de benefícios que mantenham o sentenciado fora do cárcere; d) potencial prazo para a progressão. Em ilustrações: imputação com base em furto simples, de réu primário, sem antecedentes, vislumbrando-se pena alternativa, calcada no mínimo legal de um ano: mesmo que haja o risco de fuga do acusado, é preciso cautela na mantença da prisão cautelar, pois a segregação seria francamente desproporcional, se comparada à pena aplicada; no entanto, tratando-se de delito grave, com réu reincidente, sem possíveis benefícios no futuro, com aplicação de regime fechado, por certo, a segregação cautelar torna-se proporcional. Não existe um panorama fIxo para compor todos esses requisitos dos dois critérios, devendo o JUÍzoou tribunal utilizar, preponderantemente, o bom senso para aferir a duração razoável da prisão cautelar. Analisar as penas cominadas abstratamente para o delito ao qual responde o acusado preso é curial para se ponderar acerca de eventual excesso de prazo para a instrução. Ilustremos com duas situações: a) o réu responde por latrocínio, cuja pena mínima é de vinte anos de reclusão; encontra-se preso preventivamente há seis meses, enquanto decorre a colheita das provas; naturalmente, não se pode ver ofensa à proporcionalidade; b) o acusado responde por ameaça contra a esposa, cuja pena máxima é de seis meses de detenção (ou multa); encontrando-se preso preventivamente há seis meses, torna-se teratológica a sua segregação, devendo ser liberado imediatamente, sem qualquer outra análise, visto ter cumprido, antes da hora, o máximo provável de sua pena. As condições pessoais do réu importam a verifIcação da proporcionalidade na exata medida em que se sabe do provável aumento de pena ao reincidente, além da viabilidade de aplicação do regime, algo completamente diferente do que ocorre com o primário, sem antecedentes. Pode-se, então, fazer um confronto com a situação futura, se houver condenação. A duração da prisão cautelar precisa ser analisada no contexto de eventual futura condenação. Se o réu responde por um delito, cuja pena privativa de liberdade comporta a substituição por restritivas de direitos, pode não ser justo mantê-lo detido durante a instrução (quando vigora seu estado de inocência) para soltá-lo assim que for condenado.
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potencial cumprimento do prazo para a progressão também é fator inerente à proporcionalidade. Caso o réu esteja respondendo por roubo praticado por duas ou mais pessoas, sujeito a uma pena mínima de cinco anos e quatro meses, encontrando-se detido há um ano, sendo esse seu único delito, já teria cumprido um sexto da possível pena. Se estivesse definitivamente condenado, poderia estar em regime semiaberto. Assim sendo, mantê-lo segregado, no fechado, pode simbolizar situação desproporcional.
Tribunal Superior Eleitoral • "A decretação de prisão preventiva não se revela medida apropriada, ponderando-se os requisitos de proporcionalidade e adequação, no caso de paciente denunciado por crime de menor potencial ofensivo (art. 39, ~ 5.°,11, da Lei n.O9.504/97 - boca de urna), especialmente quando sequer foi proferida sentença nos autos da ação penal e tendo em vista as circunstâncias de que o acusado - embora não tendo comparecido a atos processuais - possui identidade certa e parentes na localidade, a indicar a desnecessidade de adoção de custódia de restrição ao seu direito de liberdade. A pena cominada em tese ao delito (detenção de seis meses a um ano, com a alteração de prestação de serviços à comunidade em igual período) evidencia que a prisão preventiva se configura mais gravosa que um eventual decreto condenatório, a indicar a desnecessidade de tal medida. Precedente: Habeas Corpus 390, reI. Min. Eduardo Alckmin, . Df26.05.2000. Recurso ordinário não conhecido, por intempestividade. Ordem concedida, de ofício, para revogar o decreto de prisão preventiva expedido em desfavor do recorrente" (RHC 30275 - Rio de Janeiro/RJ , reI. Henrique Neves da Silva, Df 15.08.2013, v.u.).
Tribunal Regional Federal - 3. a Região • ''A prisão cautelar é medida excepcional que deve ser efetivada mediante decisão devidamente fundamentada. A decretação da prisão preventiva restou fundamentada única e exclusivamente na gravidade do delito, considerada garantia da ordem pública a gravidade do delito e a habitualidade com que o corréu exercia, aparentemente, a atividade criminosa. Os motivos declinados pela DD. Autoridade impetrada para o indeferimento da liberdade provisória não se subsistem em relação ao paciente para a manutenção da custódia cautelar. As razões para amparar a prisão preventiva devem ser de tal ordem que pressuponham concreto perigo para a ordem pública. Não bastam suposições. O perigo deve vir expresso em fatos palpáveis e definidos.
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A decisão que negou o pedido de liberdade provisória ao paciente fundamentou-se apenas na gravidade do delito perpetrado. Quanto a esse ponto, considerado o número de cédulas apreendidas, verifica-se que não se trata número significativo, a justificar a segregação cautelar. Em caso de eventual condenação pela imputada prática do crime de moeda falsa, ainda que a pena-base seja fixada em patamar acima do mínimo legal, à luz do entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, a sanção final muito dificilmente atingiria montante superior a quatro anos, que permitisse a imposição de regime de cumprimento de pena semiaberto ou fechado. Observa-se desproporcionalidade da segregação provisória no presente momento processual. Ausentes os requisitos que autorizam o decreto da prisão preventiva, é possível a concessão da liberdade provisória mediante o cumprimento das medidas cautelares diversas, nos termos do artigo 321 do Código de Processo Penal. Não sendo a motivação apresentada suficiente para a manutenção da custódia cautelar, devem ser aplicadas outras medidas cautelares menos severas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 12.403/2011. Ordem concedida" (HC 57090/SP, La T., reI. Márcio Mesquita, Df 11.03.2014, v.u.). • "Eventual condenação pela imputada prática do crime contra a ordem tributária (pena de reclusão de 2 a 5 anos), ainda que a pena-base seja fixada em patamar acima do mínimo legal, a sanção final muito dificilmente atingiria montante superior a quatro anos, que permitisse a imposição de regime de cumprimento de pena semiaberto ou fechado. Assim, observa-se a desproporcionalidade da segregação provisória no presente momento processual. 8. Ordem concedidà' (HC 57540, La T., reI. Márcio Mesquita, Df 08.04.2014, v.u.). Tribunal de fustiça de São Paulo • "Habeas corpus. Receptação e quadrilha. Prisão em flagrante. Excesso de prazo. Mais de um ano sem que se encerre a instrução criminal. Demora que não se pode imputar à defesa. Precatória para oitiva de testemunha arrolada pela acusação. Cumprimento de mais de 1/6 da pena máxima cominada em abstrato. Concessão da ordem. O paciente foi preso em 29.05.2009, e a denúncia recebida em 22.06.2009. Ocorre que, desde então, não se encerrou a instrução processual, havendo ainda testemunha a inquirir. Não se pode, porém, imputar à defesa a dilação do prazo legal, haja vista tratar-se de testemunha arrolada pela
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acusação, conforme se verifica pela certidão de fls. 66. Ad argumentandum, tem-se que a pena privativa de liberdade pela receptação é fixada entre 1 e 4 anos; e a pena da quadrilha entre 1 e 3 anos. Dessa forma, caso o juízo a quo entenda pela condenação por ambos os delitos, fixando-se a pena mínima, o paciente já teria cumprido mais da metade do somatório das penas. Por outro lado, ainda que seja condenado à pena máxima, já teria cumprido 1/6 das penas, o que lhe propiciaria a progressão de regime" (HC 990.10.044709-2, 16.a c., reI. Souza Nucci, 17.08.2010, m.v.) . • "A prisão preventiva constitui, na hipótese, medida que não atende ao princípio da proporcionalidade. Mostra-se antijurídica a prisão provisória quando se revelar mais gravosa que a sanção penal possivelmente imposta ao cabo do processo de conhecimento. Ordem concedida para deferir ao paciente a liberdade provisória" (HC 2029678-41.2014.8.26.0000,2. a Câmara de Direito Criminal, reI. Laerte Marrone de Castro Sampaio, Dl 28.04.2014, v.u.) . • "É certo que o paciente foi preso em flagrante e está sendo criminalmente processado como incurso art. 157, caput, combinado com art. 14,11, do Código Penal, crime de gravidade diferenciada. Há que se considerar, no entanto, que, pelo que verte dos autos, não houve alteração da situação fática que ensejou a concessão da liberdade provisória ao paciente, que posteriormente foi revogada. Ademais, o paciente, pelo que verte dos autos, é primário e não possui antecedente criminal. Estas circunstâncias, em tese, indicam a razoabilidade da revogação de sua prisão preventiva. Assim, em vista das circunstâncias do fato em tela, impõe-se a revogação da prisão preventiva do paciente" (HC 2018914-93.2014.8.26.0000, 10.a Câmara Criminal, reI. Nuevo Campos, 28.04.2014, v.u.) . • "Paciente que, pelas condições pessoais e circunstâncias do crime, se condenado, provavelmente será beneficiado com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, o que reforça a convicção da desnecessidade da custódia cautelar, mormente quando não estão presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Comparecimento periódico em juízo e proibição de ausentar-se da comarca sem prévio aviso ao Juízo. Fiança afastada. Situação econômica do paciente. Ordem concedidà' (HC 2069731-98.2013.8.26.0000, 1O.a Câmara Criminal, reI. Rachid Vaz de Almeida, 28.04.2014, v.u.) . • "Paciente denunciado como incurso no artigo 180, caput, do Código Penal. Liberdade provisória. Concessão. Ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva. Constrangimento ilegal. Ocorrência.
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Ausente a gravidade delitiva. Delito supostamente praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa. Paciente que não registra antecedentes criminais. Presentes fatores pessoais positivos e ausentes outros que demonstrem a necessidade da segregação provisória. A soltura do paciente teoricamente não ofende e não violenta as normas processuais e de ordem pública. Ordem concedida" (HC 2048912-43.2013.8.26.0000, 11.a Câm. Criminal, reI. Salles Abreu, 19.03.2014, v.u.). • "Prisão preventiva. Peculiaridades do caso não evidenciam a necessidade da custódia cautelar. Excepcionalidade da segregação. Registros criminais em andamento que não constituem maus antecedentes. Possibilidade de, em caso de eventual condenação, iniciar o cumprimento da pena em regime diverso do fechado. Suficiência da fiança arbitrada pela Autoridade Policial. Ordem concedidà' (HC 0177425-63.2013.8.26.0000, 13.a Câmara Criminal, reI. Renê Ricupero, 17.10.2013, v.u.). • "Pretendida revogação da prisão preventiva. Admissibilidade. Paciente primário e de bons antecedentes. Ausência de motivos concretos que justifiquem a custódia, medida extrema. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida, ratificando a liminar concedida em plantão judicial" (HC 0001561-74.2014.8.26.000, 16.a Câmara Criminal, reI. Almeida Toledo, 29.04.2014, v.u.). 5.1.3.3 Excesso de prazo no julgamento
de recursos
Dá margem a constrangimento ilegal, pois a duração razoável da prisão cautelar se aplica a todos os graus de jurisdição. O réu preso não tem culpa pela insuficiência da máquina judiciária; se a lei prevê determinado recurso para uma decisão, não deve ser processado em prazo indefinido. Assim sendo, devem-se aplicar ao caso concreto os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade para verificar a extensão da espera. Tratando-se de Tribunal Estadual ou Regional, impetra-se a ordem no Superior Tribunal de Justiça. Caso este ou outro Tribunal Superior seja o órgão competente para julgar o habeas corpus, a impetração segue ao Supremo Tribunal Federal. Certamente, dizendo respeito a este, conforme a hipótese, pode-se propor agravo regimental ao Plenário. Supremo Tribunal Federal • "É da jurisprudência da Corte o entendimento de que 'a comprovação de excessiva demora na realização do julgamento de mérito do habeas
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corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça configura constrangimento ilegal, por descumprimento da norma constitucional da razoável duração do processo (art. 5.°, inc. LXXVIII, da Constituição da República), viabilizando, excepcionalmente, a concessão de habeas corpus' (HC 101.896/SP, La T., reI. Cármen Lúcia, DJe 21.05.2010)" (HC 1l0367/DF, La T., reI. Dias Toffoli, 29.05.2012, v.u.) . • "Está sedimentado, em ambas as Turmas da Suprema Corte, que a demora no julgamento do writ impetrado ao Superior Tribunal de Justiça, por si só, não pode ser interpretada como negativa de prestação jurisdicional, não se ajustando ao presente caso as situações fáticas excepcionais. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (HC 132610 AgR/MS, 2.a T., reI. Dias Toffoli, 10.05.2016, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça Excesso existente • "1. O excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional. 2. Apesar da gravidade do crime, não se admite a manutenção de indivíduo no cárcere indefinidamente, sem a realização do julgamento em que se assegure sua ampla defesa para que, se for o caso, seguindo-se o devido processo legal, defina-se a pena a ser cumprida. No presente caso, há flagrante ilegalidade por excesso de prazo, uma vez que o recorrente encontra-se preso cautelarmente há 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses, sem notícias de previsão para a realização do Tribunal do Júri. 3. Necessária a resolução do desaforamento para que o processo possa retornar a seu andamento e viabilizar o devido julgamento. Desse modo, a projeção do prazo necessário para tal providência, pelo ritmo do trâmite processual, torna viável a hipótese de integral cumprimento da pena antes mesmo da condenação. 4. Verifica-se que a realização do Tribunal do Júri aguarda decisão quanto ao pedido de desaforamento realizado pelo Juízo da 4. a Vara Criminal de Palmeira dos Índios, fato que não pode ser atribuído à defesa. 5. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente provido para revogar a prisão preventiva do recorrente, mediante a imposição das medidas alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, sem prejuízo de que o Juízo a quo,
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de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar mais outras medidas, ressalvada a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade" (RHC 70070/AL, 5.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 25.10.2016, v.u.). • "1. É entendimento consolidado nos tribunais que os prazos indicados na legislação processual penal para a conclusão dos atos processuais não são peremptórios, de modo que eventual demora no término da instrução criminal deve ser aferida levando-se em conta as peculiaridades do caso concreto. 2. O excesso de prazo ocorrido nas instâncias ordinárias não decorreu de atitude da defesa - até porque, provido o pleito da defesa em um dos recursos, não pode essa ser responsabilizada por ter recorrido - ou da complexidade do litígio - como dito, com apenas um réu -, mas simplesmente da morosidade estatal em conferir celeridade ao feito, visto que, além de terem se passado mais de 4 anos do julgamento do segundo recurso em sentido estrito, transcorreram cerca de 2 anos para o recurso sair da primeira instância e chegar ao Tribunal de Justiça. 3. Recurso provido para reconhecer o excesso de prazo, determinando o relaxamento da prisão preventiva decretada em desfavor do recorrente na Ação Penal n. 0001010-05.2008.8.14.0009, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, caso efetivamente demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP" (RHC 63458/PA, 6.a T., reI. Rogerio Schietti Cruz, 16.06.2016, m.v.). 5.1.3.4 Prisão em flagrante
A prisão em flagrante possui etapas, desde o momento em que o autor do crime é detido até o instante em que o juiz avalia a regularidade do ato. Para o agente que se encontra cometendo o crime ou acaba de cometê-lo, dada a voz de prisão, o condutor deve encaminhá-lo imediatamente ao distrito policial mais próximo para a formal autuação (lavratura do auto de prisão em flagrante). A lei não especifica o tempo, mas é preciso uma relação de imediatidade; poderia dizer até de instantaneidade. Ilustrando, quando for preso na via pública, em alguns minutos, no máximo, horas, deve estar na frente do delegado, sob pena de se configurar constrangimento ilegal. Assim ocorrendo, nem é caso de habeas corpus, mas de apuração da responsabilidade penal de quem prendeu o sujeito e não o apresentou de imediato.
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Apresentado, deve a autoridade policial lavrar o auto de prisão em flagrante também de pronto (minutos ou horas depois; jamais superior a 24 horas). Formalizado o auto, tem o prazo de 24 horas para entregar a nota de culpa ao indiciado e enviar cópia do auto ao juiz e ao Ministério Público. Ultrapassados tais prazos, configura-se o constrangimento ilegal; mais simples do que impetrar habeas corpus é pleitear ao juiz responsável pelo conhecimento do inquérito o relaxamento da prisão; se este não atender, torna-se autoridade coatora, cabendo, então, habeas corpus no Tribunal. Chegando os autos ao juízo, se ele não relaxar a prisão, nem conceder liberdade provisória (com ou sem fiança), torna-se autoridade coatora, automaticamente, justificando a impetração de habeas corpus no Tribunal. Inexiste motivo para pleitear ao mesmo juiz, que se negou a relaxar a prisão ou deferir a liberdade provisória, a reconsideração de seu ato. Dois outros prazos são fatais, após a prisão em flagrante: a) deve a autoridade policial, em dez dias, concluir o inquérito e enviar ao Ministério Público; b) o membro do Ministério Público possui cinco dias para oferecer a denúncia. Considerando-se que a prisão é uma exceção, não se pode admitir que esses prazos sejam ultrapassados, de forma alguma, pois nem mesmo foi iniciada a ação penal. A constrição à liberdade individual, na fase extrajudicial, deve ser o mais restrita possível. Assim sendo, vencidos tais prazos, o constrangimento ilegalé evidente, sanável por habeas corpus. 19 5.1.3.5 Prisão temporária A temporária tem o prazo de cinco dias (prorrogáveis por outros cinco) para delitos comuns; trinta dias (prorrogáveis por outros trinta) para crimes hediondos e equiparados. Segundo a Lei 7.960/1989, findo o prazo, não havendo outra prisão decretada (como a preventiva), deve a autoridade policial, independentemente de ordem judicial, colocar o indiciado ou suspeito em liberdade. Se não o fizer, torna-se autoridade coatora, responsável pelo constrangimento ilegal. Contra ela pode-se ajuizar habeas corpus no juízo de primeiro grau, responsável por fiscalizar a investigação. Sempre que se instaura um inquérito, ele é distribuído a uma determinada Vara para acompanhamento (esse é o juiz natural do caso). Quando se decreta a temporária, há o juiz prevento para conhecer ações a ela relacionadas.
19. Igualmente, Diamar Ackel Filho (Writs constitucionais,
p. 32).
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Uma dúvida a lei não esclareceu. Se a autoridade policial, durante o prazo da prisão temporária, perceber que o suspeito não é o autor do delito, ou que este não aconteceu realmente, deve soltar de imediato o preso ou precisa representar ao juiz para tanto? Segundo nos parece, enquanto o prazo da prisão não se esgota, somente o magistrado pode soltar o detido (quem prende, solta). Contudo, há posição noutro sentido, permitindo que o delegado promova a soltura, diretamente, para depois comunicar o juízo. De todo modo, para fins de habeas corpus, o relevante é que, inexistindo suspeita fundada sobre o preso, ele precisa ser solto, sob pena de gerar constrangimento ilegal por parte de quem o deteve além do necessário. Tribunal de Justiça do Mato Grosso
• "Encontra-se caracterizado o excesso de prazo quando, após o decurso do prazo máximo da prisão temporária, o delegado dispõe de mais tempo para concluir o procedimento investigatório, enquanto perdura a custódia cautelar do suspeito. A delonga para o oferecimento da denúncia não pode ser considerada razoável tampouco suportada pelo paciente se não demonstrada a ocorrência de óbices processuais que a justifiquem, mostrando-se, por isso mesmo, abusivà' (HC 112796/2016/ MT, 2.a Câmara Criminal, reI. Pedro Sakamoto, 14.09.2016). 5.1.3.6 Prisão preventiva
Essa modalidade de prisão cautelar não possui prazo previsto em lei. Debate-se, inclusive, se seria viável que houvesse uma norma fixando-o. Segundo temos defendido, é praticamente impossível estabelecer um tempo em abstrato para durar a prisão preventiva. O ideal é reger-se pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, contando-se com a curial prudência do magistrado para avaliar tais requisitos. Fixar, em lei, um prazo determinado pode gerar perturbações diversificadas. Ilustrando, caso fosse estabelecido o prazo de 180 dias para réu preso. Alguns juízes conduziriam o feito com maior elasticidade, pois se sentiriam seguros dentro dos seis meses. Isso representaria um malefício ao réu. Outros, no entanto, apesar de agirem com extrema celeridade, por se tratar de processo complexo, com vários corréus, ultrapassam o período de seis meses; nem por isso gera automaticamente constrangimento ilegal, pois se trata de crime grave e há motivo para manter os acusados detidos. Um exemplo concreto disso é a previsão feita na Lei da Organização Criminosa (Lei 12.850/2013), que, no art. 22, parágrafo único, prevê
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o período de 120 dias para a instrução outros 120.
de réu preso, prorrogáveis
por
Afora essa hipótese, para outros delitos, a preventiva não tem prazo certo, devendo reger-se pela razoabilidade e pela proporcionalidade.20 5.1.3.6.1
Ausência ou deficiência cautelar
de fundamentação
da prisão
Configura-se a falta de justa causa para sustentar a medida restritiva de liberdade. É dever do juiz motivar todas as suas decisões, em particular, as que restringem ou suprimem direitos fundamentais; por isso, a constatação de inexistência ou carência de motivos para a decretação da prisão cautelar implica constrangimento ilegal. Tribunal de Justiça de São Paulo • "Habeas corpus. Liberdade provisória. Deferimento. Possibilidade. Falta de fundamentação para a prisão cautelar. Prisão cautelar que se mostra como exceção no nosso sistema. Inexistência de elementos que, concretamente, justifiquem a prisão preventiva. Liberdade provisória concedida. Ordem concedida (...) Isso porque não cuidou o Magistrado de subsumir a situação fática a ele submetida à disciplina legal acerca da prisão processual" (HC 990.10.371813-5, 16.a Câmara Criminal, reI. Newton Neves, 19.10.2010, v.u.). 5.1.3.6.2
Final da instrução
Há quem sustente que, finda a instrução,21 com a colheita da prova, estando o feito para alegações finais ou conclusos para julgamento, não se deve mais cuidar de excesso de prazo. No entanto, os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade, conforme expostos em itens anteriores, não são vencidos enquanto não for proferida a sentença. O encerramento do processo exige a decisão judicial, motivo pelo qual cremos haver viabilidade para questionar o excesso de prazo pela via do habeas corpus. Assim também se expressa João Roberto Parizatto:
20. Ver os itens 5.1.3.1 e 5.1.3.2 supra. 21. Súmula 52, STJ: "encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo".
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"inobstante estar o feito para alegações finais, ou em fase de sentença, não quer dizer que não haja mais constrangimento ilegal. Ora, o feito pode estar em fase final, mas o acusado se encontra preso em virtude de tal procedimento excessivo':22 5.1.3.7 Prisão-pena
Além da prisão cautelar, outra forma de segregação individual constitucionalmente assegurada é a prisão-sanção, decorrente da prática de crime, após o devido processo legal. Na sentença condenatória, cabe ao julgador individualizar a pena, significando a concretização da sanção adequada ao acusado. No tocante à pena privativa de liberdade, quando imposto o regime fechado, representa a inserção do sentenciado no cárcere. Entretanto, o cumprimento da pena privativa de liberdade se dá de forma progressiva, permitindo que, a cada um sexto (2/5, primários; 315, reincidentes, na hipótese de crime hediondo ou equiparado), possa o condenado ser transferido a regime mais brando - semiaberto e aberto. De qualquer modo, o sentenciado não deve ficar mais tempo do que o estritamente necessário em cada regime prisional, sob pena de configurar constrangimento ilegal à sua liberdade individual, preenchendo o disposto no art. 648, lI, do CPP. E, obviamente, quando cumprida a pena, não deve ficar um só momento detido além do tempo.23 Um dos mais graves problemas do sistema prisional brasileiro concerne a não respeitar, como determina a lei, de maneira fiel, a progressão de regime. Muitas vezes, o sentenciado requer a passagem do fechado ao semiaberto, alcança o deferimento judicial, mas o seu pleito não encontra efetivação no plano fático. Alega-se a falta de vaga em colônia penal, motivo pelo qual se cria uma fila, à qual são submetidos os condenados em regime fechado, que já possuem o direito ao semiaberto, mas devem aguardar a sua vez. A referida fila representa um autêntico constrangimento ilegal, pois significa prender alguém no rigoroso regime fechado por mais tempo do que determina a lei.
Não se trata de culpa do sentenciado se o sistema carcerário, organizado e sustentado pelo Poder Executivo, é deficiente, mal cuidado
22. Do habeas corpus. Doutrina, prática forense, jurisprudência, p. 53. 23. Como diz Pontes de Miranda, "a liberdade física do indivíduo, que já cumpriu a pena imposta, é igual à de todos os outros" (História e prática do habeas corpus, p. 476).
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e desaparelhado. falha estatal.
A liberdade individual
tem prioridade
sobre qualquer
Poder-se-á argumentar que o condenado está preso, pouco importando o regime, razão pela qual aguardar a vaga na colônia penal, detido no regime fechado, seria irrelevante. Entretanto, essa alegação faz pouco caso da liberdade alheia, pois o regime semiaberto é muito mais benéfico do que o fechado; ele está segregado, em regime celular, ao passo que, no semiaberto, estaria em alojamento coletivo, com direito a saída temporária, estudo e trabalho fora da colônia, entre outros benefícios. Nesse cenário, vale analisar o conteúdo de julgados tratando da inserção do condenado nos regimes fechado e semiaberto. Uma das posições encontradas na jurisprudência pátria enuncia que, caso o réu seja condenado a cumprir pena privativa de liberdade, no regime inicial semiaberto, constitui constrangimento ilegal inseri-lo no regime fechado até que se encontre vaga na colônia. Outra posição também evidencia constituir ilegalidade manter o sentenciado no regime fechado se ele já obteve, judicialmente, o direito de seguir ao regime semiaberto. Em ambas as hipóteses, concede-se ordem de habeas corpus para que seja imediatamente transferido ao regime cabível ou que aguarde no regime aberto a referida vaga na colônia penal. Segundo nos parece, essas posições são as corretas. Confira-se, ainda, a Súmula Vinculante 56 do STF: "A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS:'
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Impetração visando à transferência do paciente promovido ao regime prisional semiaberto, que permanece na modalidade fechada. Ordem concedida a fim de determinar a remoção no prazo de 30 dias e, caso não ocorra, o paciente deverá aguardá-la em regime aberto, na modalidade domiciliar" (HC 0009422-14.2014.8.26.0000, l.a Câmara de Direito Criminal, reI. Ivo de Almeida, DJ 28.04.2014, v.u.).
• "Habeas corpus alegando constrangimento
ilegal em razão de o paciente, promovido ao regime semiaberto, não se encontrar em estabelecimento adequado. Ressalvado o entendimento do relator, em atenção ao princípio da efetividade processual e à natureza colegiada do julgamento de segundo grau, concede-se a ordem para que o paciente seja transferido imediatamente a estabelecimento prisional adequado ou, na impossi-
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bilidade, possa aguardar pela vaga em regime aberto (prisão albergue domiciliar)" (HC 2007955-63.2014.8.26.0000, 2.a Câmara de Direito Criminal, reI. Laerte Marrone de Castro Sampaio, Dl 31.03.2014, v.u.) . • "Progressão para o regime semiaberto. A demora para a transferência do sentenciado em razão de falta de vaga ou problemas administrativos não pode sobrepor o direito reconhecido, ainda que o Magistrado tenha postulado a transferência. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem deferida para a transferência do paciente para o regime semiaberto" (HC 0194150-64.2012.8.26.0000, l1.a Câmara Criminal, reI. Alexandre Almeida, 28.11.2012, v.u.) . • "Paciente que respondeu solto ao processo. Condenado definitivamente ao cumprimento de pena em regime semiaberto, mas que permanece em regime fechado até o surgimento de vaga em estabelecimento penal adequado. Impossibilidade. Constrangimento ilegal, na hipótese, configurado. Ordem concedida, tornando-se definitiva a liminar deferidà' (HC 0197955-88.2013.8.26.000, 15.a Câmara Criminal, reI. Nelson Fonseca Júnior, 24.04.2014, v.u.). No entanto, sob outro ângulo, é possível encontrar julgados no sentido de que não configura constrangimento ilegal aguardar o sentenciado, no regime fechado, a vaga no semiaberto, em qualquer hipótese, seja como regime inicial, seja como regime de transferência. Vale mencionar a existência de uma contradição detectada neste último contexto. Há quem considere constrangimento ilegal inserir o réu no regime fechado, quando o juiz, na sentença, fixa o regime inicial semiaberto, mas não o faz quando o magistrado, durante a execução, defere a transferência do fechado para o semiaberto, mesmo que o sentenciado permaneça detido no fechado. Outras posições existem no sentido de negar o direito do sentenciado de seguir, imediatamente, ao regime semiaberto, quando deferido pelo juiz das execuções, que, em nosso entendimento, buscam contornar o problema, sem enfrentá-lo no mérito. Há quem diga não ser a autoridade coatora o juiz das execuções, mas a autoridade administrativa responsável pelo sistema carcerário; assim sendo, nega ou não conhece do pedido de habeas corpus formulado pelo condenado. Existe, ainda, quem entenda tratar-se de pedido a ser formulado ao juízo de primeiro grau, pois seria o equivalente a uma autêntica e indevida progressão por salto, vale dizer, se o preso quiser aguardar sua vaga no regime mais brando, deve pedir ao juiz das execuções. Ambas as soluções aventadas, em nossa visão, constituem equívocos. Quanto à primeira, a autoridade administrativa, que maneja o sistema car-
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cerário, submete-se, segundo a lei, à decisão judicial. Cabe a este zelar pelo cumprimento de seus julgados. Ora, se o magistrado que deferiu a progressão ao semiaberto oficiou para conseguir a vaga, nada mais faz para ver cumprido o seu veredicto, e torna-se, por omissão, automaticamente, autoridade coatora. Seria o mesmo que conceder liberdade provisória ao acusado ou relaxar o flagrante e não se importar se o seu alvará de soltura foi realmente cumprido. Quanto à segunda, há dois pontos relevantes: a) o sentenciado, ao impetrar habeas corpus, não pleiteia nenhuma espécie de progressão por salto; não pretende passar do fechado ao aberto como solução definitiva; na realidade, quer que o Estado cumpra a lei, inserindo-o no regime deferido pelo Poder Judiciário, independentemente de ficar esperando em fila, não prevista em lei; b) não conhecer ou indeferir o pedido de habeas corpus, porque o preso deveria ter dirigido seu pleito ao juiz de primeiro grau significa, simplesmente, impor-lhe uma via crucis inadequada e protelatória; afinal, foi o juiz das execuções que o transferiu para o semiaberto, mas se omitiu de fazer valer a sua decisão. Logo, significa exigir do preso que se dirija à autoridade coatora para pleitear algo que ele, por certo, não quis fazer. Fosse o magistrado interessado em solucionar o problema da falta de vagas no semiaberto, ele deveria deferir a progressão e zelar para a pronta transferência. Se não atingir seu desiderato, ato contínuo, poderia inserir o sentenciado no aberto para que aguardasse a referida vaga. Contudo, se não o fez, não se pode exigir do preso um percurso infindável até que consiga o seu direito: estar no regime imposto pelo próprio Judiciário. A vingar esse entendimento, todo preso em flagrante, não recebendo do juiz a liberdade provisória, mas, sim, a conversão da prisão em preventiva, deveria, antes de ir ao Tribunal, pedir ao magistrado que lhe conceda algo que, por óbvio, o magistrado não quis fazer. Torna-se o juiz autoridade coatora assim que converte a prisão em flagrante em preventiva, independentemente de qualquer outra declaração. Supressão de instância significa que o Tribunal conhece de assunto nunca antes discutido por instância anterior/inferior. Não é o caso do sentenciado que tem o semiaberto deferido, mas não o consegue concretamente, por omissão do juiz. Tribunal de Justiça de São Paulo • "Pretensão de aguardar em prisão albergue domiciliar a abertura de vaga em estabelecimento próprio para cumprimento de pena no regime semiaberto. Descabimento. Pedido que deve ser formulado perante o MM Juízo de primeiro grau. Impossibilidade de deferimento
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diretamente em segunda instância. Petição inicial indeferida" (HC 2052155-58.2014.8.26.0000, 3.a Câmara de Direito Criminal, reI. Cesar Mecchi Morales, Df 22.04.2014, v.u.) . • "( ...) Depreende-se da análise dos autos que foi deferido ao paciente o benefício da progressão ao regime semiaberto em 11.11.2013. Diante desses fatos, ingressou com o presente writ, com o objetivo de aguardar em prisão-albergue domiciliar a abertura de vaga no regime intermediário. O pedido não pode ser apreciado nesta sede, pois seu exame compete inicialmente ao MM. Juízo de primeiro grau, sob pena de supressão de instância. Observe-se que ao buscar antecipar ao paciente nova progressão de regime do semiaberto para o aberto ainda que transitoriamente, deparamos, na verdade, com a progressão per saltum, que não é admitido em nosso ordenamento, conforme determinado na Súmula 491 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 'É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional'. (...)" (HC 0023822-33.20 14.8.26.0000, 3.a Câmara de Direito Criminal, reI. Cesar Mecchi Morales, Df 22.04.2014, v.u.) . • "Não transferência do paciente em regime prisional para o qual obteve progressão por ausência de vaga. Constrangimento ilegal não imputável ao Juízo das Execuções, mas à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. Competência do Juízo de 1.0 Grau. Não conhecimento. É certo que o reeducando não pode arcar com os ônus decorrentes da alegada inexistência de vaga no regime prisional ao qual faz jus por decisão judicial. Não se concebe, todavia, imputar aludida demora em sua transferência ou em sua correta alocação à autoridade judicial, uma vez ser atribuição do Poder Executivo providenciar o número de postos em cada regime prisional, que sejam necessários e suficientes ao cumprimento das ordens judiciais. Na medida em que compete originariamente ao Juízo de 1.0 Grau processar e julgar os habeas corpus nas hipóteses em que a suposta coação ilegal advier de ação ou de omissão de autoridades administrativas estaduais que sejam desprovidas de prerrogativa de foro em razão de função, não se pode conhecer do pedido" (HC 0014106-79.2014.8.26.0000, 8.a Câmara de Direito Criminal, reI. Grassi Neto, Df 24.04.2014, v.u.). Há que se prestar atenção, ainda, ao descumprimento vergonhoso das leis penais e de execução penal por autoridades administrativas, impondo aos presos do regime fechado um estado de flagrante insalubridade e desrespeito à dignidade humana. De nada adianta apregoar o princípio da
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humanidade, vedando as penas cruéis, se o cumprimento da pena representar o antônimo desse quadro. Por isso, conforme o caso concreto, falece justa causa para manter alguém segregado, no contexto da prisão-pena, em completo desacordo com a expressa disposição legal. O habeas corpus é instrumento destinado a controlar e fiscalizar não somente a prisão provisória, mas também inúmeros aspectos da prisão-pena, como acima expusemos.24 Finalmente, quando estiver extinta a pena, nada mais há a questionar em matéria de liberdade de locomoção, de modo que, como regra, descabe a impetração de habeas corpus.25 Por óbvio, será legítimo o ajuizamento do remédio heroico, caso, finda a pena, não seja o sentenciado colocado em liberdade ou cessado o constrangimento ao qual foi submetido. 5.1.4 Incompetência
da autoridade coatora
Quem ordena a constrição à liberdade, por certo, precisa ter competência a tanto. Do contrário, é nítido o constrangimento ilegal, cabendo a impetração de habeas corpus. No Brasil, segundo o texto constitucional, há apenas duas espécies de prisão legal: a) em flagrante delito; b) por determinação da autoridade judiciária. A prisão em flagrante pode ser ordenada por qualquer pessoa do povo ou por agente policial; na sequência, cabe à autoridade policial formalizar a prisão, por meio do auto de prisão em flagrante. Nesse contexto, há legitimidade para as prisões. Pode-se dizer, em termos amplos, haver competência ao delegado para formalizá-la. No mais, quando a ordem de prisão partir do magistrado, há de ter competência para tanto: ser o responsável pela fiscalização do inquérito; condutor do processo-crime; relator do recurso, enfim, legalmente afeito ao caso concreto da pessoa detida. Por outro lado, propor a ação constitucional para questionar a competência de autoridade judiciária, condutora de qualquer feito criminal, não é o caminho ideal. Afinal, há recurso próprio para isso, denominado exceção de incompetência. Sem dúvida, quando se tratar de incompetência
24. "Hoje, a garantia do habeas corpus tem formado o caminho de sua mutação processual, vale dizer, não somente tutelar a liberdade contra detenções arbitrárias, mas corrigir os gravames impostos ilegalmente aos que forem privados da liberdade, ainda quando esta seja fundadà' (Gumesindo GarCÍaMorelos, El proceso de habeas corpus y los derechos fundamentales, p. 84, tradução livre). 25. Súmula 695, STF: "não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade':
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absoluta (em razão da matéria ou por prerrogativa de foro), que, se não for respeitada, gera nulidade insanável do processo, caso a exceção não seja processada, conhecida ou mesmo ajuizada a tempo, pode-se ingressar com habeas corpus, para impedir o seguimento do feito dirigido por autoridade legalmente incabível. 5.1.5 Cessação do motivo autorizador da coação
Se a prisão é uma exceção e a liberdade, a regra, deve-se considerar que, findo o motivo gerador da coação, deve esta ser revista e afastada. Exemplo disso seria a decretação da prisão preventiva por conveniência da instrução criminal, sob a alegação de estar o réu ameaçando determinada testemunha. Ouvida esta, pode não haver mais razão de manter a custódia cautelar. Tudo depende, naturalmente, do tipo de ameaça que foi feita e do réu que está em julgamento (ilustrando: acusado pertencente a associação criminosa, quando ameaça testemunha, deve continuar detido, mesmo que esta já tenha sido ouvida, pois possui contatos externos e, uma vez solto, pode valer-se de suas conexões para perseguir a pessoa que depôs, sem necessidade de contato direto com ela). Essa causa é uma das mais óbvias, pois decorre do bom senso natural da questão. Se o condenado cumpriu a pena, deve ser solto de imediato; se terminou o prazo da temporária, também; se pagou a fiança fixada, igualmente. Enfim, seria incoerente sustentar o contrário. Importante foco deve ser reservado à medida de segurança, capaz de provocar a privação da liberdade, por meio da internação, com prazo indeterminado. O motivo autorizador do constrangimento à liberdade individual concentra-se na permanência do estado de periculosidade, gerado pela enfermidade mental. Cessado este estado, é preciso que o internado seja posto em liberdade. Se tal situação não ocorrer, verifica-se constrangimento ilegal, sanável por habeas corpus. Nessa hipótese, antes de se partir para a ação constitucional, o ideal é requerer ao juiz das execuções penais a realização do exame de cessação de periculosidade. Negado o pleito, cabe agravo. Imaginando-se, porém, tenha sido realizado o exame e constatada a cessação da periculosidade, caso o juiz indefira a soltura, torna-se cabível desde logo o habeas corpus. Afinal, o agravo, mesmo que interposto, não tem a celeridade necessária para sanar, de pronto, o constrangimento ilegal. Além disso, debate-se, hoje, se o prazo da medida de segurança pode realmente ser indeterminado. Embora seja de nosso entendimento que sim,
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pois se trata de doença mental e, enquanto não curado o internado, não deve ser liberado, em seu próprio benefício, há quem sustente o contrário. Existe, inclusive, posição do STF, no sentido de que a medida de segurança, assim como a pena privativa de liberdade, não pode ultrapassar o prazo de 30 anos, fIxado no art. 75 do Código Penal. Adotando-se tal visão, atingindo-se os 30 anos de internação, não sendo o sujeito liberado pelo magistrado das execuções penais, cabe a impetração de habeas corpus. Vale citar, ainda, a Súmula 527 do STJ: "O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado:'
5.1.6 Negativa de fiança Caso a lei autorize a obtenção de fiança pelo réu detido, não há razão para a autoridade competente deixar de fIxar o valor e as condições para a obtenção do benefício. Logicamente, representa constrangimento ilegal manter no cárcere quem pode, prestando fIança, ver-se livre. A infração, quando afiançável, não tendo a autoridade policial, após a lavratura do flagrante, fIxado o seu valor, permitindo que o indiciado seja solto, evidencia-se um constrangimento ilegal. Entretanto, desnecessário, nesse caso, o habeas corpus, bastando uma petição, dirigida ao juiz competente, solicitando o estabelecimento da fiança. Trata-se de procedimento mais célere ainda, pois prescinde da requisição de informações. Impetrando-se o habeas corpus, cabe a fixação da fiança pelo magistrado, remetendo os autos do habeas corpus à autoridade policial, após a soltura do paciente, para que seja apensado ao inquérito. Outro ponto a ser considerado nesse cenário é a fIxação da fIança em elevada quantia, de modo a inviabilizar o pagamento pelo acusado ou indiciado, logo, impedindo a liberdade provisória de forma indireta. Cabe habeas corpus para solicitar o rebaixamento do valor estabelecido como fIança, além de pleitear, também, a retirada da fIança, por impossibilidade econômica.
Tribunal de Justiça de São Paulo • "AfIança, segundo foi concebida, não detém o condão de reposição patrimonial, mesmo porque é ela recolhida em prol do Estado, sem qualquer repercussão na minimização do prejuízo suportado pela vítima, devendo ater-se às características próprias do crime e, principalmente, àpossibilidade fInanceira de ser recolhida, evitando-se que o menos protegido pecuniariamente fIque preso enquanto o mais abastado seja solto. A fIança não
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é uma medida socioeconômica, mas sim mero requisito processual para incutir naquele que está sendo solto uma responsabilidade patrimonial ante o delito que cometeu" (HC 2032480-12.2014.8.26.0000, 9.a Câmara Criminal, reI. Otávio Henrique, 24.04.2014, v.u.). • "Violência doméstica. Lesão corporal e ameaça. Alega constrangimento ilegal em razão da concessão da liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança, arbitrada em valor incompatível com a situação financeira do paciente. Sustenta que ele ostenta condições pessoais favoráveis à concessão da liberdade provisória sem fiança. Admissibilidade. Ausentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, de rigor o deferimento da liberdade provisória sem fiança, mediante a imposição de medidas cautelares, nos termos do art. 319, incisos I, III, IV e V, do CPP, com sua nova redação dada pela Lei n.O 12.403/2011. Convalidada a liminar, ordem concedida" (HC 0016138-57.2014.8.26.000, 12.a Câmara Criminal, reI. Paulo Rossi, 16.04.2014, v.u.). 5.1.7 Nulidade do processo Se o processo, em andamento ou findo, for evidentemente nulo, não poderá produzir efeitos negativos ao réu ou condenado. Logicamente, somente se utiliza o habeas corpus, em lugar da revisão criminal, no caso de processo findo, quando houver prisão ou quando a situação for teratológica, passível de verificação nítida pelas provas apresentadas com a impetração. No caso do processo em andamento, somente se usará o habeas corpus, em lugar do recurso regularmente cabível, quando o prejuízo para o réu for irreparável, se houver qualquer demora. Tal pode dar-se pela lentidão no processamento do recurso interposto em se tratando de acusado preso. A hipótese prevista no art. 648, VI, trata da existência de coação ilegal, quando o processo for manifestamente nulo, vale dizer, cuidar-se de nulidade absoluta, passível de alegação e reconhecimento a qualquer tempo. Eventualmente, pode cuidar-se de nulidade relativa, desde que tenha sido alegada tempestivamente e, mesmo assim, não reconhecida ou sanada. O reconhecimento da nulidade implica, por lógica, a sua renovação, suplantando-se o vÍCio e restaurando-se o devido processo legal. Pode haver, no entanto, algum tipo de obstáculo para o recomeço da instrução, por exemplo, a ocorrência de prescrição.
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Supremo Tribunal Federal • "1. O contraditório e a ampla defesa são princípios cardeais da persecução penal, consectários lógicos do due process of law. O devido processo legal é processo pautado no contraditório e na ampla defesa, no intuito de garantir aos acusados em geral o direito não só de participar do feito, mas de fazê-lo de forma efetiva, com o poder de influenciar na formação da convicção do magistrado. 2. Nulidade da intimação que se reconhece, pois direcionada à Defensoria Pública da União, quando patrocinado o ora paciente por defensor dativo (art. 370, ~ 4.°, do Código de Processo Penal). Necessidade de realização de novo julgamento, com a intimação da defensora nomeada da data da sessão a ser designada. 3. Habeas corpus concedido" (HC 116985/PE, La T., reI. Rosa Weber, 25.03.2014, v.u.). Destoando da doutrina, mas numa visão pragmática, o Pretório Excelso tem entendido que todas as nulidades, sejam absolutas ou relativas, precisam evidenciar o prejuízo causado a qualquer das partes, para que possam ser reconhecidas e, com isso, acarretar o refazimento do processo. Distancia-se da ideia de que as nulidades absolutas, quando existentes, prescindem da prova do prejuízo, pois seria ele presumido. Evita-se a anulação de processos inteiros, quando uma falha é cometida, embora indicada como grave, geradora de nulidade absoluta, desde que se observe não tenha trazido, concretamente, prejuízo a qualquer dos envolvidos no feito.
Supremo Tribunal Federal • "O entendimento deste Tribunal, de resto, é o de que, para o reconhecimento de eventual nulidade, ainda que absoluta, faz-se necessária a demonstração do prejuízo, o que não ocorreu na espécie. Nesse sentido, o Tribunal tem reafirmado que a demonstração de prejuízo, 'a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (... ) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas' (HC 85.155/SP, ReI. Min. Ellen Gracie)" (RHC 120569/SP, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 11.03.2014, v.u.) . • "A nulidade, ainda que absoluta, não prescinde da demonstração do efetivo prejuízo dela decorrente. Precedentes: HC 110.361, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, D/e 1.°.08.2012; HC 109.577, 2.a Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, D/e 13.02.2014; HC 111.711, 2.a Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, D/e 05.12.2012" (HC 120582/SP, La T., reI. Luiz Fux, 11.03.2014, v.u.).
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• "Ainda que se pudesse concluir de modo diverso, o entendimento desta Corte é o de que, para o reconhecimento de eventual nulidade, ainda que absoluta, faz-se necessária a demonstração do prejuízo. Nesse sentido, o STF tem reafirmado que a demonstração de prejuízo, 'a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que (... ) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas' (HC 85.155/SP, ReI. Min. Ellen Gracie). V - Ordem denegada" (HC 121.157/PE, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, Dl 08.04.2014, v.u.). Outro debate relevante concerne à avaliação da qualidade da defesa do réu, em função do princípio constitucional da ampla defesa. Deve ela ser eficiente, sem jamais prejudicar o acusado. Não se deve, porém, confundir a deficiência da defesa com a sua ausência. Quando o acusado foi processado e condenado sem defensor, em caso de condenação, a nulidade é absoluta e o processo-crime deve ser integramente refeito. No entanto, existindo defensor, eventuais falhas da defesa devem ser cuidadosamente analisadas para que não se anule o processo de maneira leviana. Supremo Tribunal Federal
• 'l\legações finais. Pedido de fixação da pena no mínimo legal. Nulidade do processo. Inocorrência. 1. Em sede de alegações finais, a falta de um pedido expresso de absolvição, mas de aplicação da pena no mínimo legal, não acarreta a automática anulação do processo. 2. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que 'a postulação no vazio da absolvição pode configurar temeridade tática da defesa, da qual será lícito ao defensor furtar-se, de modo a resguardar a credibilidade da pretensão de uma penalidade menos rigorosà (RE 205.260, ReI. Min. Sepúlveda Pertence). 3. Incidência da Súmula 523/STF ('no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu'). 4. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido" (RHC 107197/MG, La T., reI. Roberto Barroso, 11.03.2014, v.u.). 5.1.8 Extinção da punibilidade
Apunibilidade é a consequência natural do reconhecimento da prática do crime, feitapelo Judiciário,após o devido processo legal.Significaa viabilidade punitiva estatal ou a concretização do poder estatal punitivo na órbita penal.
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Não constitui elemento do delito, formado por um fato típico, ilícito e culpável, mas é fundamental para dar eficácia à ação penal em seu deslinde. Entretanto, por razões de política criminal, o Estado pode estabelecer obstáculos ao exercício dessa pretensão punitiva, que são as causas extintivas da punibilidade. No Código Penal, encontram-se descritas no art. 107. Esse rol, porém, é somente exemplificativo; há outras causas constantes em diversas outras normas, tanto da Parte Especial do Código Penal como na legislação extravagante. Não havendo, para o Estado, direito de punir ou de executar a pena, é incabível manter alguém detido. Logo, caso não seja reconhecida a extinção da punibilidade do réu ou do condenado, pelo juiz do processo de conhecimento ou da execução criminal, estando ele preso, cabe a impetração do habeas corpus. Quando a punibilidade é declarada extinta, como regra, inexiste possibilidade de haver constrangimento ilegal, já que a pena foi cumprida ou existiu causa de impedimento da pretensão punitiva ou executória do Estado. Assim está a Súmula 695 do STF: "Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade". Entretanto, é possível haver constrangimento ilegal,ainda que essa hipótese tenha ocorrido, como poderia acontecer com uma anistia ou abolitio criminis, mantendo-se na folha de antecedentes o registro da condenação não excluída como seria de se esperar. Assim, poderia o interessado impetrar habeas corpus para o fim de apagar o registro constante na folha de antecedentes, que não deixa de ser um constrangimento ilegal. Pode-se ainda imaginar a impetração de habeas corpus para liberar pessoa que, embora com a punibilidade extinta, não tenha sido efetivamente liberada pelo Estado, continuando no cárcere. Enfim, a simples extinção da pena privativa de liberdade não afasta completamente a possibilidade de interposição de habeas corpus.
Supremo Tribunal Federal • "I - Este recurso ordinário em habeas corpus foi interposto quando já não mais existia pena a ser cumprida, assim, os pedidos formulados não merecem conhecimento. Incide na espécie o enunciado da Súmula 695 desta Corte, segundo a qual "Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade". 11 - A via eleita também é inadequada para se evitar os efeitos secundários da condenação. Precedente. 111- Habeas corpus não conhecido" (RHC 118988/MS, V T., reI. Ricardo Lewandowski, 11.03.2014, v.u.).
VI Procedimento
Sumário: 6.1 Petição inicial: 6.1.1 Concorrência do habeas corpus com o processo criminal; 6.1.2 Concorrência do habeas corpus com a investigação criminal; 6.1.3 Termos injuriosos contidos na petição inicial - 6.2 Liminar - 6.3 Apresentação do paciente e figura do detentor - 6.4 Informações da autoridade coatora e do particular - 6.5 Ônus e produção de provas - 6.6 Concessão de ofício - 6.7 Mérito: 6.7.1 Celeridade no julgamento e manifestação do Ministério Público - 6.8 Não conhecimento do pedido - 6.9 Desistência e prejudicialidade 6.10 Efeitos e alcance da decisão: 6.10.1 Coisa julgada e reiteração do pedido - 6.11 Processamento do habeas corpus no Tribunal.
6.1 Petição inicial Os requisitos da petição inicial são os estabelecidos no art. 654 do CPP, ressaltando-se que a peça deve ser feita em português, embora o habeas corpus possa ser impetrado por estrangeiro. Exigem-se nessa peça: a) o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de quem exercer a violência, coação ou ameaça;
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b) a declaração do tipo de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, os fundamentos de seu temor; c) a assinatura do impetrantel ou de alguém a seu pedido, quando não souber ou não puder escrever, bem como a designação de suas residências. Em suma, é preciso constar na petição inicial os nomes do impetrante e do paciente (que podem ser a mesma pessoa), com o mínimo de dados para que sejam ao menos localizados; a indicação da autoridade coatora, ainda que não se saiba o seu nome, mas pelo menos o local onde atua; o histórico do que houve, envolvendo a prisão ou o constrangimento praticado, bem como a razão pela qual se reputa ilegal tal situação; o pedido de concessão da ordem. Supremo Tribunal Federal • "1. Nos termos do art. 654 do Código de Processo Penal, a petição inicial de habeas corpus conterá a declaração da espécie de constrangimento ilegal ao direito de locomoção, ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que se funda o seu temor. 2. No caso, a insurgência a que se opõe o impetrante, em rigor, diz respeito a eventual obstáculo ao exercício de direitos políticos e não ao direito de ir e vir. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (HC 134315 AgR/ DF, Tribunal Pleno, reI. Teori Zavascki, 16.06.2016, m.v.). Lembremos que a peça inicial pode ser oferecida por qualquer pessoa, mesmo inculta e sem nenhuma formação jurídica, o que envolve a situação do preso, quando milita em seu próprio favor; por isso, o juiz há de ter complacência e flexibilidade, deixando passar certas falhas, procurando sanar, ele mesmo, as deficiências.2 Ademais, muitas ações de habeas corpus foram ajuizadas por réus ou condenados presos, em linguagem simples,
1. Na lembrança de Pinto Ferreira, "não pode ser apresentada na forma de anonimato. Pode acontecer, entretanto, que o coato seja analfabeto ou impossibilitado de assinar o requerimento. Nesse caso, alguém assinará a seu rogo, com designação da residência de ambos" (Teoria e prática do habeas corpus, p. 54). No mesmo prisma, Mougenot (Curso de processo penal, p. 928); Magalhães Noronha (Curso de processo penal, p. 419). 2. "O juiz deve preferir salvar a petição de habeas corpus a reputá-la inepta, incompleta ou contraditória. Se entende que falta algum pressuposto, ou informações, convém que mande seja satisfeita a exigência legal ou a sua" (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 510). No mesmo sentido, Dante Busana, afirmando que "predomina o entendimento de que juízes e tribunais devem ser tolerantes, conceder prazo para o suprimento das omissões e conhecer do pedido, sempre que
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com terminologia vulgar, atingindo o STF e servindo para alterar importantes matérias no campo penal. Exemplo disso foi o habeas corpus impetrado por um condenado, por atentado violento ao pudor, crime equiparado a hediondo (hoje, incorporado pelo estupro), que pretendia a progressão de regime, passando do fechado ao semiaberto, na época em que vigorava o preceito legal proibitivo da Lei dos Crimes Hediondos. O Pretório Excelso conheceu e julgou procedente o pedido, declarando inconstitucional a vedação da progressão (HC 82.959/SP, Pleno, reI. Marco Aurélio, 23.02.2006, m.v.). A partir daí, o Legislativo editou lei nesse sentido (Lei 11.464/2007), modificando o art. 2.°, ~ 2.°, da Lei 8.072/1990, autorizando a progressão de regime no cenário dos crimes hediondos e equiparados. O demasiado apego à forma, na ação de habeas corpus, prejudicaria inúmeros presos que, sozinhos, pleiteiam seu direito à liberdade, legitimados pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal. Não há dúvida de que algumas petições, constituídas por advogados, em favor de seus patrocinados, também padecem de erros e mereceriam ser indeferidas de início. No entanto, ainda assim, deve o Judiciário ser condescendente, pois a ação beneficia alguém, que não deve arcar com equívocos técnicos de terceiros. O interesse em jogo é muito mais relevante do que as formalidades processuais. A única demanda em que a técnica para a composição da petição inicial é secundária ao pedido formulado é justamente o habeas corpus.3 Exige-se a identificação do impetrante, não somente a sua assinatura, mas também a indicação de sua residência, para quem não é advogado, que pode simplesmente apontar o seu número de inscrição na OAB e o endereço do escritório. Não se aceita impetração anônima, devendo ser indeferida in limine.4 Nada impede, no entanto, conforme a gravidade do relato que a petição contiver, que o magistrado ou tribunal verifique de ofício se o constrangimento, realmente, está ocorrendo. Afinal, não se pode olvidar que o órgão jurisdicional pode conceder habeas corpus de ofício.
possível compreendê-lo ainda que com o auxílio das informações e documentos oferecidos pelo coator" (O habeas corpus no Brasil, p. 103). 3. No mesmo prisma, Antonio Macedo de Campos (Habeas corpus, p. 90). Já dizia Aureliano Guimarães: "as autoridades devem facilitar o habeas corpus, dispensando o rigor das fórmulas porque é ele uma das mais eficazes garantias à liberdade individual" (O habeas corpus, p. 15). 4. Nesta ótica, Bento de Faria (Código de Processo Penal, p. 382).
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É fundamental que a pessoa a ser beneficiada pela ordem seja apontada (paciente), podendo-se aceitar a identificação por qualquer meio, ainda que não se disponha do nome do coato. Se forem vários pacientes, é imprescindível declinar o nome de todos eles, pois não se admite generalização em matéria de habeas corpus.5 Como diz Bento de Faria, "não tem cabimento quando se tratar de pessoas indeterminadas, v.g., os sócios de certa agremiação, os empregados de determinado estabelecimento, os moradores de alguma casa, os membros de indicada corporação, os componentes de uma classe etc., ainda quando referida uma das pessoas com o acréscimo de - e os outros. Somente em relação a essa será conhecido o pedido':6 Deve ser indicada, ainda, a autoridade coatora, que exerce a violência, coação ou ameaça, ou dá a ordem para que isso seja feito. Quando não possuir o impetrante o seu nome, indica-se somente o cargo que exerce, o que é suficiente para ser buscada a sua identificação. O fundamento do habeas corpus é o corpo da petição, uma vez que expõe ao órgão julgador as razões pelas quais teria havido - ou estaria para ocorrer - um abuso, consistente em coação à liberdade de locomoção de alguém. Preceitua o art. 654, ~ 1.0, b, do CPP que deve constar na inicial "a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor': Nesse ponto, esclarece Pontes de Miranda que o termo adequado, em lugar de declaração, seria comunicação. "As nossas leis ainda se ressentem de terminologia defeituosa, em que se confundem comunicação defato, comunicação de vontade e declaração de vontade; também se declaram algumas daquelas. No texto citado faz-se clara, declara-se, a comunicação de conhecimento daqueles fatos:'7 O indeferimento liminar é cabível, desde que não estejam preenchidas as condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir ou legitimidade de parte. Pode haver, ainda, equívocos formais na petição inicial, tornando incompreensível o pedido. Lembra Oliveira Machado: "se da exposição dos motivos não se puder concluir pela ilegalidade da prisão, de modo que, pelo contrário, fique evidentemente demonstrada a legalidade, será indeferia in limine': No entanto, o mesmo autor observa que tal inépcia só deve ser reconhecida se for evidente; havendo dúvida, é mais adequado aceitar a petição, dando seguimento ao habeas corpus.8
5. Nesta visão, Espínola Filho (Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 221). 6. Código de Processo Penal, p. 38l. 7. História e prática do habeas corpus, p. 375. 8. O habeas corpus no Brasil, p. 57-58.
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A petição pode ser instrumentalizada de diversas formas: a) por escrito, distribuído em juízo ou no Tribunal; b) por telegrama, via correio; c) por meio eletrônico, via e-mail ou pelo site do juízo ou Tribunal. Quando por meio eletrônico, os documentos, que acompanham a inicial, devem ser entregues no cartório até cinco dias após a impetração. Por certo, se a petição for ininteligível, não se permitindo deduzir o que pretende o impetrante, deve ser considerada inepta e indeferida. A flexibilidade do Judiciário para avaliar a inicial do habeas corpus tem limites, que se concentram na captação mínima do fundamento da impetração, na identificação do paciente e da autoridade coatora. Do contrário, seria inviável conhecer e acolher o pleito formulado. Recebida a inicial, pelo juiz de primeiro grau, deve ser despachada em, no máximo, 24 horas, apreciando a liminar requerida (se houver) e requisitando informes da autoridade apontada como autora (ou do particular).9 No Tribunal, o mesmo prazo de 24 horas deve ser utilizado pelo relator para apreciar a liminar e requisitar informações.
9. Há quem entenda incabível requisitar (exigir legalmente) informes do particular, nos termos aventados por Paulo Roberto da Silva Passos: "intuitiva a conclusão, eis que as informações são requisitadas para se aquilatar o cerceamento, que poderá até ser legal. Ora, o particular nunca pode constranger sob pena das práticas criminosas já elencadas, logo, nada haverá a ser informado que possa beneficiá-lo. Quando o coator não se tratar de autoridade, o Magistrado poderá lançar mão das outras alternativas, quais sejam, determinar a apresentação do constrangido ou diligenciar para verificar a veracidade dos fatos trazidos no habeas corpus" (Do habeas corpus, p. 47). Com tal conclusão não podemos concordar. Em primeiro lugar, requisitar significa exigir legalmente, demandar algo de alguém porque autorizado por lei, motivo pelo qual nada impede que se dirija o pleito de informes ao particular (tanto quanto se faz à autoridade). Em segundo lugar, porque as informações servem para esclarecer o juízo de algo desconhecido do juiz, antes que tome uma decisão. No exemplo da internação de alguém em hospital de enfermos mentais, de nada adianta a simples apresentação do detido à frente do magistrado; torna-se fundamental o informe do médico responsável para se saber se há ou não doença e como ela foi detectada, além de outros detalhes. Em terceiro, pelo fato de já se estar admitindo o particular no polo passivo para facilitar a eventual liberação da vítima, razão pela qual as informações podem ser vitais para a solução do caso. Nem se alegue que a prestação de informes, pelo particular, pode servir para incriminá-lo - e ninguém é obrigado a se autoincriminar, pois a autoridade coatora também é obrigada a informar e pode cometer delito de abuso de autoridade. Lembremos que as informações não constituem uma autoacusação, mas uma justificação para a prisão realizada (ou outro ato constrangedor). Aliás, deixar de prestá-las, isto sim, pode representar uma omissão enunciativa de crime cometido, pois o ato constritivo não teria fundamento legal.
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Deve o magistrado (juiz ou relator) estabelecer um prazo para as informações serem prestadas, pois o Código de Processo Penal não o faz. O prazo de 48 horas, a partir da recepção do ofício, é um tempo razoável. É indiscutível que as informações podem ser dispensadas pelo juiz ou relator (art. 664, CPP), mas constituem uma fonte relevante para compor o quadro probatório do habeas corpus. Assim sendo, quando requisitadas, devem ser enviadas. 10 6.1.1 Concorrência do habeas corpus com o processo criminal A interposição do habeas corpus e a concessão da ordem para fazer cessar o constrangimento ilegal detectado não impedem, naturalmente, o prosseguimento da ação penal. Pode-se conceder a ordem, por exemplo, para provocar a soltura de réu preso além do prazo razoável para a instrução findar, o que não afeta em nada o andamento processual. No entanto, se o habeas corpus volta-se diretamente à falta de justa causa para a ação penal, uma vez concedida a ordem, tranca-se o processo, justamente porque há conflito entre um e outro. Aliás, sobre este artigo, manifesta-se Pontes de Miranda tachando-o de tautológico, uma vez que toda sentença somente tem como eficácia a sua.ll 6.1.2 Concorrência do habeas corpus com a investigação criminal É perfeitamente viável, caso concedida a ordem de habeas corpus para colocar fim a algum tipo de constrangimento, cometido durante a investigação policial, que esta possa prosseguir. Imagine-se um habeas corpus concedido exclusivamente para evitar o indiciamento de alguém; nada impede o prosseguimento do inquérito. Tribunal de Justiça de São Paulo • "É plenamente possível a concessão de habeas corpus preventivo, em coexistência com a continuidade da investigação policial pela auto-
10. Interessante observação faz Paulo Roberto da Silva Passos: "a apresentação do preso e as diligências suprarreferidas [para verificar a coação], determinadas ou realizadas pelo Magistrado, prendem-se à busca da verdade real, que norteia o processo penal, verdade real essa que não pode prescindir da requisição de informações quando julgá-las necessários o Juiz" (Do habeas corpus, p. 46). 11. História e prática do habeas corpus, p. 469.
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ridade constituída acerca do ato ilícito" (RHC 329.088-3-Presidente Prudente, 6.a c., reI. Haroldo Luz, 30.11.2000, v.U.,JUBI 57/01). 6.1.3 Termos injuriosos contidos na petição inicial
Não é raro que o impetrante, no afã de defender o direito à liberdade individual do paciente, teça comentários injuriosos, difamatórios ou caluniosos em relação à autoridade coatora. Independentemente da apuração à parte de eventual delito contra a honra, a ação de habeas corpus deve ser processada, conhecida e avaliada quanto ao mérito, concedendo-se ou negando-se a ordem. Mesmo que se apure ter o paciente ciência das ofensas proferidas, isso não é motivo para se afastar o conhecimento da causa.12 6.2 Liminar
A possibilidade de concessão de liminar em habeas corpus, viabilizando a pronta cessação do constrangimento apontado pelo impetrante, não se encontra prevista em lei. Trata-se de criação jurisprudencial, hoje consagrada no âmbito de todos os tribunais brasileiros. A primeira liminar ocorreu no Habeas Corpus 27.200, impetrado no Superior Tribunal Militar por Amoldo Wald em favor de Evandro Moniz Corrêa de Menezes, dada pelo Ministro Almirante de Esquadra José Espíndola, em 31 de agosto de 1964; logo, em pleno regime militar. Seus termos foram os seguintes: "Como preliminar, determino que o Sr. Encarregado do Inquérito se abstenha de praticar qualquer ato contra o paciente, até definitivo pronunciamento deste E. Tribunal, telegrafando-se ao mesmo, com urgência, para o referido fim".Tratava-se de habeas corpus voltado a impedir que o paciente fosse investigado por fato ocorrido em repartição sem qualquer relação com a administração militar. Posteriormente, no Supremo Tribunal Federal, no HC 41.296, impetrado por Sobral Pinto em favor do então Governador de Goiás Mauro
12. Como lembra Pontes de Miranda, "a petição há de ser respeitosa, mas o desrespeito não basta para que se indefira o pedido de habeas corpus, nem que se negue provimento a recurso. A respeitabilidade e o respeito das autoridades públicas são pressupostos da ordem social; porém de modo nenhum pode a exigência do respeito passar à frente da liberdade de ir, ficar e vir" (História e prática do habeas corpus, p. 409).
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Borges, foi concedida liminar pelo Ministro Gonçalves de Oliveira, em 14 de novembro de 1964, para que não fosse processado o paciente sem autorização prévia da Assembleia Legislativa do Estado. Argumentou o prolator da decisão: "O habeas corpus, do ponto de vista da sua eficácia, é irmão gêmeo do mandado de segurança. (...) Se o processo é o mesmo, e se no mandado de segurança pode o relator conceder a liminar até em casos de interesses patrimoniais, não se compreenderia que, em casos em que está em jogo a liberdade individual ou as liberdades públicas, a liminar, no habeas corpus preventivo não pudesse ser concedida, principalmente, quando o fato ocorre em dia de sábado, feriado forense, em que o Tribunal, nem no dia seguinte, abre as suas portas': 13 E mais, acresce Alberto Silva Franco poder o juiz ou tribunal conceder a tutela cautelar de ofício: "A tutela cautelar mostra-se, nesse caso, de cogente incidência, sendo aplicável até mesmo de ofício. Não se argumente no sentido de que o exercício dessa tutela possa redundar num abuso judicial. As atitudes abusivas, se ocorrentes, serão sempre extraordinárias e não poderão, por isso, representar a contenção do uso normal e regular do poder de cautela': 14 Ingressando o pleito de habeas corpus, geralmente acompanhado do pedido de concessão de liminar, deve o juiz ou tribunal, este por meio do relator, avaliar se concede, de pronto, ordem para a cessação do aventado constrangimento. Para que isso se dê, exigem-se dois requisitos básicos de todas as medidas liminares: fumus bani juris (fumaça do bom direito) e periculum in mora (perigo na demora). O primeiro deles diz respeito à viabilidade concreta de ser concedida a ordem ao final, por ocasião do julgamento de mérito. O segundo refere-se à urgência da medida que, se não concedida de imediato, não mais terá utilidade depois. Não é fácil avaliar, com precisão e certeza, o cabimento da medida liminar, pois, muitas vezes, quando concedida, ela esgota a pretensão do impetrante. Por outro lado, quando negada, prejudica o pedido logo de início. No tocante ao juiz, a medida liminar é mais simples, pois ele é o único a analisar a sua pertinência e oportunidade. No entanto, nos tribunais, a sua concessão pelo relator é mais delicada, pois ela pode ser considerada aço dada e indevida, posteriormente, pela turma ou câmara.
13. Amoldo Wald, As origens da liminar em habeas corpus no direito brasileiro, p. 804. 14. Medida liminar em habeas corpus, p. 72.
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De qualquer forma, o magistrado precisa ser destemido nessa avaliação, pois o juiz fraco, que não consegue decidir de pronto acerca de um constrangimento ilegal, pode prejudicar - e muito - o paciente. Sob outro aspecto, a liberalidade excessiva, concedendo liminar a qualquer caso, pode comprometer a segurança pública, além de vulgarizar o juízo de mérito da ação constitucional. O trâmite do habeas corpus já é célere o suficiente para permitir o julgamento do mérito, independentemente da liminar. Entretanto, em alguns casos, a medida antecipatória realmente se torna indispensável. Ilustrando, ser preso preventivamente, quando as provas dos autos indicam ter o agente atuado em legítima defesa, contrariando o disposto pelo art. 314 do CPP, requer a liminar para liberar o detido ou para impedir a prisão do acusado. Deferida ou indeferida a liminar, não cabe recurso. Afinal, logo em seguida, o feito segue à mesa para apreciação da turma ou câmara. Para contornar essa ausência de recurso, alguns interessados impetram habeas corpus no Tribunal (quando o juiz negou) para obter, de pronto, o que não conseguiu em primeiro grau. E, quando o relator nega a liminar, impetra -se o habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Negada a liminar pelo Ministro relator, vai-se ao Supremo Tribunal Federal. Essa verdadeira cascata de habeas corpus não tem nenhum sentido, salvo em situações nitidamente teratológicas. É preciso esperar que a ação constitucional, de rito célere, seja julgada quanto ao mérito. A partir daí, o caminho correto é a interposição do recurso apropriado. Por isso, o STF editou a Súmula 691, afirmando não competir a essa Corte conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerida a tribunal superior, indefere a liminar. Quer-se evitar o efeito cascata. O próprio STF, porém, já contornou a mencionada Súmula e concedeu liminar contra negativa de liminar proferida por relator do STJ. Na verdade, cada caso é um caso; havendo situação de evidente teratologia, não se pode negar ao paciente a apreciação pelo Tribunal Superior, até que se atinja o STF. No entanto, nunca é demais considerar que negar a liminar do habeas corpus é uma hipótese não somente possível, como também comum, de modo que vulgarizar a ação constitucional, permitindo a sua interposição diretamente ao Tribunal jurisdicionalmente superior, não é razoável ou lógico.1s
15. Lembra Dante Busana ser "duvidoso que o indeferimento de liminar importe em coação autônoma, distinta da denunciada na impetração, cujo pleno conhecimento
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Para isso existem recursos. E tem mais. O próprio STF pode indeferir a liminar de um habeas corpus, determinando que se aguarde o resultado das instâncias inferiores, não significando o fim da discussão, devendo o paciente esperar o deslinde das causas. 6.3
Apresentação
do paciente e figura do detentor
Trata -se de providência possível, mas totalmente inviável e em desuso. Quando a coação ilegal for evidente, basta ao magistrado, de que grau for, conceder medida liminar para a cessão do constrangimento. No caso de ser incabível a liminar, requisitam-se as informações. Determinar a apresentação do preso acarreta enorme movimentação da máquina judiciária e traz pouquíssimos benefícios. Na hipótese de o magistrado determinar a sua apresentação, não o fazendo o encarregado dessa tarefa, desde que haja dolo, é possível a sua prisão em flagrante pelo delito de desobediência, providenciando-se outros meios de fazer o paciente chegar ao lugar designado pela autoridade judiciária. Na realidade, o disposto no parágrafo único tem sentido diverso do que aparenta. O juiz expedirá mandado de apresentação (ordem, portanto) do paciente.16 Se o detentor desobedecer essa ordem, deverá ser, como já exposto na nota anterior, preso em flagrante de desobediência e processado na forma da lei. Não tem o menor sentido expedir mandado de apresentação e, caso não cumprido, expedir mandado de prisão. Seria um anômalo "mandado de prisão em flagrante': 17 Havendo a requisição para a apresentação do preso em dia e hora previamente designados pelo juiz, escusam o cumprimento da ordem as hipóteses previstas nesse artigo: enfermidade grave do paciente, equívoco
compete ao juízo ou tribunal em que aforada. (... ) Não se percebe como a existência de 'ilegalidade flagrante' possa atribuir competência a órgão judiciário que não a tem. A generosidade da orientação talvez venha a garantir-lhe, como sói acontecer em matéria de habeas corpus, marcha vitoriosa. Não sem ferir a regra da competência hierárquica e ensejar o risco de indesejável prejulgamento dos tribunais superiores de matéria que exorbita de sua competência originária" (O habeas corpus no Brasil, p. 141). 16. O mesmo procedimento - apresentação do paciente em juízo - pode ser adotado pelo relator em qualquer Corte. 17. Nessa ótica: Pontes de Miranda (História e prática do habeas corpus, p. 457).
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no encaminhamento da ordem ou determinação do comparecimento feito por autoridade incompetente. O detentor é a pessoa que mantiver preso, sob sua custódia, o paciente.18 Assim, o coator pode ser o juiz, que determinou a prisão, enquanto o detentor será o delegado que estiver com o preso no distrito, ou mesmo o diretor do presídio, onde está o paciente recolhido. Eventualmente, o coator é também o detentor. 19 Tal pode se dar quando o delegado, sem mandado judicial, prende alguém para averiguação, mantendo-o no distrito policial. Nas palavras de Pontes de Miranda, "pode ser qualquer indivíduo, brasileiro ou estrangeiro, autoridade ou simples particular, recrutador ou comandante de fortaleza, agente de força pública, ou quem quer que seja, uma vez que detenha outrem em cárcere público ou privado; ou que esteja de vigia do paciente; ou lhe impeça o caminho; ou o proíba de andar, de mover-se, ou de qualquer modo contrarie a alguém, pessoa física, o direito de ir, ficar e vir. Algumas vezes acórdãos sugerem que só a autoridade possa ser detentor; mas esse não é o conceito histórico e vigente, a respeito de habeas corpus':20 Eventualmente, o detentor pode deixar de apresentar o paciente ao juiz ou de soltá-lo. Assim fará se não o mantiver sob sua guarda ou se ele estiver gravemente enfermo, como bem lembra Florêncio de Abreu.21 De todo modo, há necessidade de comprovar essa situação ao magistrado. 6.4 Informações da autoridade coatora e do particular
O habeas corpus tem um procedimento célere e cuida de interesses relevantes, tais como os relacionados à liberdade individual; exige a apre-
18. Nas palavras de Tavares Bastos, "pelo vocábulo detentor se compreende qualquer pessoa do povo, nacional ou estrangeira que tenha feito a prisão em flagrante delito, inspetor, agente de força pública, oficial de justiça, praça ou pessoa particular que retenha o paciente em cárcere privado, o recrutador, chefe de uma escolta, oficial militar ou da guarda nacional; finalmente, toda pessoa de caráter público ou particular, que, legal ou ilegalmente tenha feito captura, ou esteja de vigia do paciente" (O habeas corpus na República, p. 116). 19. O detentor não é necessariamente o coator, mas a pessoa que, geralmente, executa as ordens deste, mantendo presa a pessoa. É considerado detentor o carcereiro, por exemplo, que mantém o sujeito detido. 20. História e prática do habeas corpus, p. 374. 21. Código de Processo Penal comentado,
p. 591.
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sentação de prova documental, não se permitindo a produção de outras provas. Diante desse quadro, na maioria dos casos, as informações prestadas pela autoridade apontada como coatora são cruciais para a decisão do mérito da demanda - legalidade ou ilegalidade do ato. As referidas informações, que são requisitadas (exigidas por força de lei) pelo Judiciário, devem ser fornecidas, sob pena de falta funcional ou mesmo crime de prevaricação.22 A multa prevista pelo art. 655 do cpp não foi atualizada, logo, é inaplicável. Tratando-se de particular, pode-se configurar o crime de desobediência. Para tanto, se não houver resposta ao ofício enviado da primeira vez, pode a autoridade judiciária determinar a intimação pessoal da autoridade coatora, a fim de prestar os informes necessários, sabendo que, não o fazendo, responderá pelo delito de prevaricação. Outra alternativa, por certo, à falta das informações é reputar verdadeiros os fatos alegados - desde que possuam verossimilhança e mínima prova documental, concedendo-se a ordem. Além disso, é mais seguro emitir a ordem coibindo eventual ilegalidade do que silenciar, justamente por omissão do coator.23 Uma terceira opção diz respeito a exigir, de imediato, a presença do paciente em sua Vara ou Tribunal, para checar a veracidade do alegado na inicial. Finalmente, a quarta hipótese concerne à requisição de outros documentos, feita pelo juiz ou pelo relator, diretamente a quem possa esclarecer - que não o coator - acerca da aventada ilegalidade. Sob o ponto de vista da autoridade coatora, a conduta adequada é prestar, devida e minuciosamente, as informações requisitadas, sustentando, por motivos sólidos, a legalidade de seu ato.24 Há quem envie simples relatório do processo, algo que o próprio impetrante já fez ou que as peças documentais juntadas à inicial demonstram. Essa singeleza não está conforme ao propósito das informações, que é alicerçar a prisão decretada ou o ato coativo determinado.
22. "A autoridade pública, coatora ou ameaçadora, mesmo judiciária, tem o dever de informação imediata, de modo que o infringe se não o faz imediatamente, ou no prazo que lhe marcou a justiça" (Pontes de Miranda, História e prática do habeas corpus, p. 431). 23. É o que sustenta Vicente Sabino Jr. (O habeas corpus, p. 83). 24. Assim também é a posição de Bento de Faria (Código de Processo Penal, p. 386).
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Quanto ao conteúdo das informações, emanadas de autoridade, gozam de presunção de veracidade.25Diante disso, eventuais falsidades cometidas geram responsabilidade pessoal da autoridade coatora.26 No tocante ao particular, não vemos nenhum óbice a exigir dele as informações. Será intimado, por oficial de justiça, a prestá-las no prazo fixado pelo juiz, que não deve exceder 48 horas, em face da celeridade demandada pelo procedimento do habeas corpus. As informações do particular não gozam da presunção de veracidade. Há quem sustente deva o particular ser convocado para depoimento pessoal;27porém, tal medida fica a critério do magistrado. 6.5 Ônus e produção de provas
O ônus (encargo, fardo, responsabilidade) de provar o alegado na inicial é do impetrante, como autor da ação, seguindo a regra geral em processo.28Embora se saiba que o interesse em jogo é a liberdade individual - direito indisponível -, tal situação não exime o autor de provar os fatos narrados em sua petição.
25. "Por se tratar de autoridade, devem ser cridas as suas informações até prova em contrário" (Florêncio de Abreu, Comentários ao Código de Processo Penal, p. 600). Igualmente, Frederico Marques (Elementos de direito processual penal, p. 391); Espínola Filho (Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 223). Em contrário, Gustavo Badaró, afirmando que conceder às informações presunção de veracidade implica reconhecer um privilégio inadequado colocando em posição superior a autoridade em detrimento da liberdade (Processo penal, p. 688). Assim não nos parece. Não se trata de colocar numa balança a autoridade versus a liberdade. Há um erro de enfoque. A autoridade deve informar ao Tribunal a verdade dos fatos, sob pena de responder pelo crime de falsidade ideológica. Somente por isso já não se encontra em posição superior ao impetrante. Este pode alegar o que bem entender, inclusive mentir quanto quiser, não respondendo por delito algum. Por outro lado, as informações não correspondem a uma contestação, como se houvesse igualdade das partes no processo. Elas servem de apoio ao Tribunal, quando emanadas de autoridade, para aquilatar a realidade dos fatos; a valoração desses fatos é coisa bem diversa. Se a prisão é legal ou ilegal, após o decurso do prazo de quatro meses de instrução, atendendo ou não o princípio da razoabilidade, é o mérito do habeas corpus. O que a autoridade vai informar com veracidade é a duração do processo em quatro meses e os motivos disso. Se é razoável ou não, decidirá o Tribunal. 26. Dependendo do conteúdo das informações, pode-se configurar o crime de falsidade ideológica. Além disso, retratando inverdades nessa peça, pode tornar clara a prática do delito de abuso de autoridade. 27. Eduardo Espínola Filho, Código de Processo Penal brasileiro anotado, p. 223. 28. No mesmo sentido, Pontes de Miranda (História e prática do habeas corpus, p. 423).
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Tratando-se o habeas corpus de procedimento célere, com a inicial devem ser ofertadas provas pré-constituídas, geralmente por via documental. Colhidas as informações, tem-se material suficiente para o julgamento.29 A dúvida não beneficia o paciente, pois não se trata de processo-crime, em que se está julgando-o pela prática de crime; ao contrário, analisa-se a legalidade ou ilegalidade de um ato proferido por autoridade, como regra.30 Em lugar da presunção de inocência do réu está-se diante da presunção de legalidade da ação de autoridade.31 Sob outro aspecto, não se produz prova, como regra, no procedimento do habeas corpus, devendo o impetrante apresentar, com a inicial, toda a documentação necessária para instruir o pedido. Pode, porventura, o magistrado ou o tribunal, conforme o caso, requisitar da autoridade coatora, além das informações, outros documentos imprescindíveis à formação do seu convencimento, cabendo, também, à autoridade coatora, de ofício, enviar as peças que entender pertinentes para sustentar sua decisão. Entretanto, nada deve ultrapassar esse procedimento, sendo incabível qualquer colheita de prova testemunhal ou pericial, desde que a questão demande urgência, como ocorre no habeas corpus liberatório. Vale lembrar a lição de Dante Busana: "a prova pré-constituída não é condição da ação de habeas corpus e sua falta pode ser suprida pelas informações e documentos com ela oferecidos e até pela falta de contestação pelo coator do fato alegado. Do ônus da prova ser do impetrante
29. Ver, ainda, o item 6.4 sobre a presunção de veracidade das informações. 30. Embora reconhecendo ser essa a posição predominante, Gustavo Badaró discorda, opinando que, em caso de dúvida, deve prevalecer o direito à liberdade (Processo penal, p. 686-688). 31. Em contrário, Paulo Roberto da Silva Passos, sustentando que, na dúvida, deve o magistrado conceder a ordem em favor do paciente, pois se trata o habeas corpus de instrumento de tutela da liberdade (Do habeas corpus, p. 48). Se dúvida, o habeas corpus é um remédio heroico para solucionar, rapidamente, constrições à liberdade individual, quando ilegais e abusivas. Não se trata de chave de cadeia, significando um alvará de soltura indeterminado constitucionalmente assegurado. No campo das autoridades públicas, no polo passivo, presume-se que seus atos sejam legais - e não o contrário. Quanto ao particular, rara é a situação que demanda habeas corpus, pois os constrangimentos nítidos à liberdade individual podem ser resolvidos pela polícia, prendendo-se o coator em flagrante, quando o caso. No entanto, se é duvidosa a detenção do paciente - como no exemplo do médico, que determina a internação de pessoa considerada enferma mental -, não deve o Judiciário, na dúvida, atropelar o parecer médico, soltando quem pode ferir ou se ferir, sem a vigilância necessária.
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não decorre, à evidência, impossibilidade de o coator produzir prova documental da regularidade de sua conduta, nem de o julgador requisitar informes complementares".32
Supremo Tribunal Federal • "Carente de instrução devida, é inviável o habeas corpus por não se ter sequer como verificar a caracterização, ou não, do constrangimento ilegal" (HC 120778 AgR/SP, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 25.02.2014, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça • "No processo penal brasileiro vigora o princípio do livre convencimento, em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela condenação, não cabendo, na augusta via do writ, o exame aprofundado de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as instâncias anteriores formaram convicção pela prolação de decisão repressiva em desfavor do paciente" (HC 214770/DF, 5.a Turma, reI. Jorge Mussi, 01.12.2011) . • "Na via estreita do habeas corpus, não se pode aprofundar a dilação probatória e, assim sendo, não há como conhecer a pretensão de causa excludente de ilicitude consubstanciada no estado de necessidade em razão de alegada crise financeira pela qual os pacientes passavam. No caso, os pacientes foram surpreendidos por policiais quando comercializavam DVDs e CDs adulterados e reproduzidos com violação de direito autoral. A tese alegada de que a conduta do paciente é socialmente adequada não deve prosperar, pois o fato de que parte da população adquire referidos produtos não leva à conclusão de impedir a incidência do tipo previsto no art. 184, ~ 2.°, do CP. Os pacientes foram condenados a dois anos de reclusão, por lhes serem favoráveis as circunstâncias judiciais e, deferida a substituição da pena por restritiva de direito, não se justifica o regime prisional fechado, devendo-se estabelecer o regime aberto. Assim, a Turma denegou a ordem pela atipicidade da conduta e expediu habeas corpus de ofício para conceder o regime aberto mediante condições a serem estabelecidas pelo juiz da execução" (HC 147.837-MG, 5.a T., reI. Napoleão Maia Filho, 16.11.2010, v.u.) . • ''A alegação de que a condenação falsos, precisamente por demandar
32. O habeas corpus no Brasil, p. 146.
está fundada em depoimentos profunda incursão no conjunto
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fático-probatório, é de todo inaceitável na augusta via do remédio heroico, mormente quando, além de desacompanhada de qualquer demonstração, já foi arredada inclusive em sede de revisão criminal" (HC 20.835-SP, 6.a T., reI. Hamilton Carvalhido, 11.06.2002, V.u., DJ 19.12.2002, p. 445) . • "É vedado o exame do material cognitivo e o minucioso cotejo da prova na via estreita do habeas corpus" (HC 15.184/PI, 5.a T., reI. Felix Fischer, 16.08.2001, V.u., RSTJ 149/440).
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Habeas corpus - Alegação de excesso de prazo - Criação jurisprudencial, avaliada à luz do princípio da razoabilidade - Inexistência de desídia da d. Autoridade Impetrada - Audiência com data designada - Ausência de constrangimento ilegal. Habeas corpus - Ausência de documentos que demonstrem os fatos alegados - Impossibilidade de dilação probatória - Ação dotada de procedimento sumário que exige prova pré-constituída - Exigência que todos os documentos necessários para a comprovação do alegado venham instruindo a inicial - Ação que exige a existência de direito líquido e certo que se demonstra de plano e, portanto, não permite produção de provas para sua existência - Indeferimento liminar" (HC 220754550.2016.8.26.0000/SP, 9.a Câmara de Direito Criminal, reI. Lauro Mens de Mello, 20.10.2016, v.u.).
Tribunal de Justiça de Goiás • "O habeas corpus, ação constitucional de natureza sumaríssima, não admite dilação probatória, cabendo ao impetrante demonstrar as suas alegações no ato de aforamento, instruindo o pedido com as provas necessárias ao exame da pretensão posta em Juízo, por meio de documentos pré-constituídos, capazes de evidenciar a ilegalidade da coação, conforme previsão contida no ~ 2.°, do art. 660, do Código de Processo Penal" (HC 201094061492/GO, 2.a Câmara Criminal, reI. Luiz Claudio Veiga Braga, 25.11.2010, v.u.). Ampliando esse entendimento, no entanto, estão as posições de Ada, Magalhães e Scarance: "Também não está excluída, por completo, a possibilidade de produção de outras provas, a testemunhal por exemplo, especialmente quando se trata de pedido visando à expedição da ordem em caráter preventivo, pois nessa situação é preferível dilatar-se o proce-
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dimento, para melhor esclarecimento dos fatos, ao invés de não conhecer do writ por falta de prova cabal da ameaçà:33 Parece-nos razoável esse entendimento, desde que efetivamente se trate de habeas corpus preventivo. Se a pessoa já está presa, deve ser suficiente a documentação existente no procedimento ou no processo para fundamentar essa medida coercitiva, sem necessidade de outras colheitas. Convém, ainda, mencionar o ensinamento de Hermínio Alberto Marques Porto, destacando que não se deve confundir falta de direito líquido e certo com questão complexa, merecedora de exame mais acurado: "O exame das provas, nos limites permissíveis para uma decisão sobre pedido em ordem de habeas corpus, certo que não pode ser aprofundado, com análises minudentes e valorativas de fontes informativas colocadas em analítico confronto. Mas, para o necessário exame de coação ilegal, tida na impetração como presente, indispensável sejam as provas - e todas elas - examinadas, ou então restaria a proteção, de fonte constitucional, restrita, com sérios gravames à liberdade individual, às hipóteses nas quais a violência ou a coação ilegal, por ilegitimidade ou abuso de poder, sejam prontamente, à primeira vista, em rápida apreciação superficial do articulado na impetração, identificáveis como ocorrendo ou com a suspeita de possível ocorrência. Não pode ser confundida a 'inexistência de direito líquido e certo com a complexidade do pleito', por isso não constituindo obstáculo a uma decisão jurisdicional de proteção reclamada, a necessidade de estudo de provas, ainda que mais profundo, para a verificação da notícia de direito denunciado como ameaçado ou violado".34Igualmente as posições de Maria Thereza Rocha de Assis Moura e Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo: "Impossível e inviável, de igual modo, no âmbito de cognição do habeas corpus, estabelecer-se o contraditório ou admitir-se dilação probatória. Esta deve vir pré-constituída e, sempre, documental. Mesmo porque, na maior parte das vezes, a coação ou o constrangimento ilegal está, intimamente, relacionado com questões, exclusivamente, de direito. Tal não significa, contudo, que o Poder Judiciário esteja impedido de examinar prova em habeas corpus, em determinadas situações':35
33. Recursos no processo penal, p. 374. 34. Procedimento
do júri e habeas corpus, p. 103.
35. Habeas corpus e advocacia criminal: ordem liminar e âmbito de cognição, p. 157.
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6.6 Concessão de ofício Repisando a narrativa constante do item 3.3.5 do Capítulo I1I, é admissível que, tomando conhecimento da existência de uma coação à liberdade de ir e vir de alguém, o juiz ou o tribunal, desde que competente para apreciar o caso, determine a expedição de ordem de habeas corpus em favor do coato. Trata-se de providência harmoniosa com o princípio da indisponibilidade da liberdade, sendo dever do magistrado zelar pela sua manutenção. Ex.: pode chegar ao conhecimento do magistrado que uma testemunha de processo seu foi irregularmente detida pela autoridade policial, para complementar suas declarações a respeito do caso. Pode expedir, de ofício, ordem de habeas corpus para liberar o sujeito. Dessa decisão recorrerá de ofício (art. 574, I, CPP). Quanto ao tribunal, pode, também, conceder a ordem sem qualquer provocação, não havendo necessidade, por ausência de previsão legal, de recorrer a órgão jurisdicional superior. Quando o pedido não for conhecido, deve o tribunal avaliar se, a despeito de cessada a coação, houve ilegalidade ou abuso de poder, determinando que sejam tomadas as providências cabíveis. Tal medida encontra-se prevista nos Regimentos Internos do Supremo Tribunal Federal (art. 199) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 209). Entretanto, em nosso entendimento, como já expusemos, a única alternativa para o não conhecimento da ação constitucional é a incompetência do juízo ou Tribunal. No mais, havendo carência de ação ou inépcia da inicial, deve esta ser liminarmente indeferida. E, havendo indeferimento, mas sendo competente o juiz ou a Corte, pode ser concedida a ordem de ofício para sanar o constrangimento ilegal detectado. Entretanto, os Tribunais têm preferido a opção pelo não conhecimento do habeas corpus, quando o consideram incabível, mas adotam a concessão de ofício, desde que vislumbrem ilegalidade ou abuso de poder. Supremo Tribunal Federal • "1. O habeas corpus ataca diretamente decisão monocrática de Ministro do STJ. Essa decisão tem o respaldo formal do art. 38 da Lei 8.038/1990 e contra ela é cabível o agravo previsto no art. 39 da mesma Lei. Ambos os dispositivos estão reproduzidos, tanto no Regimento Interno do STF (arts. 192 e 317) quanto no Regimento do STJ (arts. 34, XVIII, e 258). Em casos tais, o exaurimento da jurisdição e o atendimento ao princípio da colegialidade, pelo tribunal prolator, se dão justamente mediante o
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recurso de agravo interno, previsto em lei, que não pode simplesmente ser substituído pela ação de habeas corpus, de competência de outro tribunal. 2. A se admitir essa possibilidade, estar-se-á atribuindo ao impetrante a faculdade de eleger, segundo conveniências próprias, qual tribunal irá exercer o juízo de revisão da decisão monocrática: se o STJ, juízo natural indicado pelo art. 39 da Lei 8.038/1990, ou o STH por via de habeas corpus substitutivo. O recurso interno para o órgão colegiado é medida indispensável não só para dar adequada atenção ao princípio do juiz natural, como para exaurir a instância recorrida, pressuposto para inaugurar a competência do STF (cf.: HC 118.189, reI. Min. Ricardo Lewandowski, 2.a Turma, j. 19.11.2013; HC 97009, reI. Min. Marco Aurélio, relator(a) pl Acórdão: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, j. 25.04.2013; HC 108718-AgR, reI. Min. Luiz Fux, La Turma,j.1O.09.2013,DJe24.09.2013, entre outros). 3. No caso, entretanto, vislumbra-se flagrante ilegalidade apta a autorizar concessão da ordem de ofício. 4. O art. 319 do Código de Processo Penal traz um amplo rol de medidas cautelares diversas da prisão, o que impõe ao magistrado, como qualquer outra decisão acauteladora, a demonstração das circunstâncias de fato e as condições pessoais do agente que justifique a medida a ser aplicada. Na espécie, manteve-se a medida cautelar da fiança sem levar em consideração fator essencial exigido pela legislação processual penal: capacidade econômica do agente. Ademais, são relevantes os fundamentos da impetração acerca da incapacidade econômica do paciente. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para confirmar a liminar que concedeu a liberdade provisória ao paciente com a dispensa do pagamento de fiança, ressalvada a hipótese de o juízo competente impor, considerando as circunstâncias de fato e as condições pessoais do paciente, medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal" (HC 114731/SP, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 01.04.2014, v.u.). No mesmo sentido: HC 108141 AgR/RS, 2. a T., reI. Teori Zavascki, 11.03.2014, v.u. 6.7 Mérito A natureza jurídica da sentença concessiva de habeas corpus é mandamental, pois, julgada procedente a ação, emite-se uma ordem de soltura ou de cessação do constrangimento. Mesmo quando se tratar de habeas corpus preventivo, há um comando judicial para impedir a realização de uma prisão ou de qualquer ato constritivo à liberdade.
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Como bem esclarece Pontes de Miranda: "A sentença concessiva de habeas corpus, preponderantemente, não declara, nem constitui, nem condena, nem executa - manda. Tivemos ensejo de mostrar-lhe partes que, por exemplo, declarem, ou condenem, ou constituem; porém essa não é a sua eficácia própria, a sua força. O que em verdade ela faz, mais do que as outras, é mandar: manda soltar, manda prestar fiança, manda que se expeça salvo-conduto, ou que se dê entrada em tal lugar etc::36 O mérito do habeas corpus é a legalidade ou ilegalidade do ato impugnado pelo impetrante em favor do paciente, que pode ser ele mesmo. Não se trata de verificar se o acusado é autor do crime, que lhe é imputado, tampouco se é inocente. Esse é o mérito da demanda principal. Por certo, em algumas situações, concluindo o habeas corpus estar o paciente sendo processado por fato atípico, determinará o trancamento da ação, que, no fundo, é o mérito da causa. No entanto, cuidando-se de um debate acerca da liberdade de locomoção apenas, o mérito do habeas corpus não se confunde com o da ação penal principal.
6.7.1 Celeridade no julgamento e manifestação do Ministério Público Em primeira instância, tudo deve ser feito no menor prazo possível. Recebendo a inicial, o magistrado deve decidir a liminar (se houver) e determinar a requisição de informações, em 24 horas. Fixará um prazo para a autoridade coatora (ou particular) responder. Não deve ultrapassar cinco dias, a partir do recebimento da requisição. Recebidas, o juiz deve julgar em 24 horas. O Ministério Público, em face da celeridade do procedimento, não se manifesta. Afinal, inexiste previsão legal para tanto. Será garantida a sua intervenção, nos termos constitucionais, quando terá ciência da decisão proferida pelo julgador. Poderá então certificar-se da sua correção ou incorreção, podendo interpor recurso. Há quem sustente deva o Ministério Público ser ouvido, necessariamente, em primeiro grau, em face da sua função de custos legis.37 Entretanto, nenhum princípio ou norma, mesmo constitucional, é absoluto. Optou o legislador pela celeridade, cortando um estágio no habeas
36. História e prática do habeas corpus, p. 459. 37. Paulo Rangel (Direito processual penal, p. 891).
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corpus - oitiva do Ministério Público, antes do julgamento.
No entanto, a instituição terá ciência do julgado, de forma que continua sendo o fiscal da lei e exercendo o seu relevante papel. No mais, sustentar que a falta de manifestação do MP, antes da decisão, provoca nulidade absoluta é olvidar a natureza e a importância do habeas corpus. Imagine-se a concessão da ordem, sem oitiva do promotor; se fosse constatada a ausência, anula-se o feito e prende-se outra vez o paciente? Naturalmente, a resposta é negativa. Se algum mal houver - entre deixar de ouvir o MP e fazer cessar a coação ao paciente -, nem é preciso dizer que a primeira opção é a acertada. Impõe-se rapidez no julgamento dos pedidos de habeas corpus, podendo o tribunal incluir o feito na pauta, independentemente de prévia publicação, com ciência ao impetrante. A urgência se sobrepõe, nesse caso, à publicidade do ato, pois o defensor pode não ficar ciente. Conferir a Súmula 431 do Supremo Tribunal Federal: "É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus". Assim também: STJ: RHC 9.259-SP, 5.a T., reI. José Arnaldo da Fonseca, 07.12.1999, V.U., DOU 21.02.2000, p. 141. Entretanto, o STF apresentou entendimento mais abrangente, em consonância com o princípio da ampla defesa, determinando ao STJ que divulgasse, por meio de sua página na internet, com 48 horas de antecedência, a data do julgamento do habeas corpus, de modo a viabilizar a sustentação oral pretendida pelo advogado do impetrante (HC 92.253, La T., reI. Carlos Ayres Britto, 27.11.2007, v.u.). 6.8
Não conhecimento
do pedido
o habeas corpus é uma ação constitucional e, dessa forma, ingressando a petição inicial, se os seus requisitos formais estiverem preenchidos, deve o juízo ou Tribunal promover-lhe o andamento. Colhidas as informações, cabe-lhe julgar o mérito, avaliando se é legal ou ilegal o ato apontado como coator. Portanto, intercorrências advindas - desistência do impetrante, não concordância do paciente com o pedido, entre outros - não devem levar o juízo ou Tribunal a não conhecer o pedido. A única alternativa para o não conhecimento da ação é a incompetência do juiz ou do Tribunal. Mesmo quando o pedido for considerado
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integralmente inviável, desde a simples leitura da petição inicial, o caminho ideal é o indeferimento liminar.38 6.9 Desistência e prejudicialidade O impetrante pode desistir da ação de habeas corpus, a qualquer momento, desde que antes do julgamento de mérito. Não há necessidade de se consultar o paciente, nem a autoridade coatora. No entanto, não menos certo se torna ao juízo ou Tribunal, conhecendo do pedido, concedê-lo de ofício. Em suma, o impetrante pode desistir e o juízo ou Tribunal acolher, julgando extinto o feito. Pode, ainda, desistir e o juízo ou Tribunal avaliar, do mesmo modo, o mérito da causa, concedendo a ordem por sua iniciativa. A prejudicialidade diz respeito à perda de objeto do habeas corpus, seja porque o paciente já foi posto em liberdade ou de algum outro modo cessou a coerção que o vitimava. Por vezes, a própria autoridade coatora, em suas informações, noticia que o interesse do paciente se encontra atendido. Assim sendo, o juízo ou Tribunal julga prejudicado o pleito, determinando o arquivamento do processo. Se o pedido for renovado nas mesmas bases de pleito anterior já recusado, é caso de indeferimento da inicial, mas não de prejudicialidade.39 Além disso, a prejudicialidade pode surgir quando interposto o habeas corpus perante determinado Tribunal Superior contra decisão monocrática de componente de tribunal inferior, este termina julgando o mérito em colegiado (turma ou câmara). Não há por que o Tribunal Superior conhecer daquela ordem, uma vez que o título alterou-se. Não se trata mais de uma decisão monocrática, denegatória de liminar, por exemplo, mas agora de um julgado pelo colegiado. Supremo Tribunal Federal • STF: "1. A superveniência do julgamento do mérito de habeas corpus pela instância a quo torna prejudicada a impetração, considerando-se o advento do novo título prisional. (Precedentes: HC n.O 103.020, Primeira Turma, ReI. Min. Cármen Lúcia, Df de 06.05.2011; HC n.O
38. Em igual ótica, Florêncio de Abreu (Comentários ao Código de Processo Penal, p. 591). 39. Em sentido contrário, sustentando a prejudicialidade, está a posição de Pontes de Miranda (História e prática do habeas corpus, p. 412).
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100.567, Primeira Turma, ReI. Min. Cármen Lúcia, Df de 06.04.2011; RHC n.O 95.207, Primeira Turma, ReI. Min. Ricardo Lewandowski, Df de 15.02.2011; HC n.O99.288, Primeira Turma, ReI. Min. Cármen Lúcia, Df de 07.05.2010; e HC n.O 93.023, Primeira Turma, ReI. Min. Carlos Britto, Df de 24.04.2009). 2. Ademais, a decretação da custódia preventiva para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal justifica-se ante a gravidade in concreto dos fatos (Precedentes: RHC n.O 122.872AgR, ReI. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, Dfe de 19.11.2014; HC n.O 113.203, ReI. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, Dfe de 22.08.2014).3. In casu, inexiste excepcionalidade que permita a concessão da ordem de ofício, ante a ausência de teratologia na decisão que decretou a custódia preventiva do ora paciente, o qual teve sua prisão preventiva decretada pautada no modus operandi e periculosidade do recorrente, pois em 05.06.2015, num local público, qual seja, jogo de futebol, inopinadamente e mediante surpresa, atirou em um jogador através do alambrado, causando-lhe a morte. 4. Agravo regimental desprovido" (HC 130778 AgRlPR, 1.a T., reI. Luiz Fux, 02.08.2016, m.v.) . • "1. A Segunda Turma desta Corte, no julgamento de caso análogo (HC 128.278, de minha relatoria, Segunda Turma, Dfe de 4.2.2016), destacou que 'é preciso avaliar com cautela situações como a presente, de superveniência de um segundo decreto de prisão preventiva às vésperas de julgamento de habeas corpus relativo ao decreto prisional anterior, a fim de que não sirva um fato assim, voluntária ou involuntariamente, de empecilho ou de limitação ao regular exercício da competência jurisdicional desta Suprema Corte'. Nesse mesmo julgado, concluiu-se que perda de objeto do habeas corpus somente se justifica quando o novo título prisional invocar fundamentos induvidosamente diversos do decreto de prisão originário'. 2. No caso, encontra-se presente situação excepcional de autonomia de fundamentação entre os dois decretos de prisão, uma vez que, embora a sentença condenatória faça referência a fundamentos mencionados no decreto de prisão originário, a ela são agregados novos elementos que reforçam a necessidade de resguardar, principalmente, a ordem pública, quais sejam: o fato de ter o paciente sido, supervenientemente, (a) denunciado em outras ações penais pela prática de novos crimes de corrupção passiva; e (b) condenado à pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática do crime de fraude em licitação (art. 90 da Lei 8.666/1993), em ação penal que tramitou perante o juízo da 27.a Vara Criminal da Justiça Estadual do
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Rio de Janeiro. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (HC 134626 AgR/PR, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 21.06.2016, v.u., grifamos). Tribunal de Justiça da Bahia • "I - Trata -se de writ impetrado pelo Bel. Paulo Martins Smith, OAB/BA n.O 21.404, em favor do paciente Jaime de Jesus Almeida, com fundamento no suposto excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal. Com efeito, manejou-se o presente remédio constitucional, tendo como pleito, liminar e definitivo, que o paciente fosse colocado em liberdade, mediante a expedição do respectivo Alvará de Soltura. II - Compulsando detidamente os autos, observa-se a informação prestada pelo Juízo de piso, no sentido de que o mesmo relaxou a prisão do paciente em 16.02.2016, ao reconsiderar a decisão que anteriormente havia indeferido este pedido, em 08.01.2016. Sendo o pleito articulado no presente remédio heroico a concessão da liberdade do paciente e tendo esta sido providenciada em primeira instância, resta, pois, prejudicada a análise meritória do presente mandamus, em face da sua flagrante perda do objeto. III - Parecer da Douta Procuradoria de Justiça opinando pela prejudicialidade da ordem. IV - Ordem declarada prejudicada, na esteira do parecer ministerial" (HC 002763786.2015.8.05.0000/BA, 2.a Câmara Criminal, La Turma, reI. Jefferson Alves de Assis, publicado em 18.03.2016, v.u.). 6.10 Efeitos e alcance da decisão Estipula o art. 5.°, LXXVII, da Constituição ser gratuita a ação de habeas corpus, razão pela qual não há custas a pagar. Inexiste razão para condenar a autoridade coatora ao pagamento de quantia inexistente, embora se possa - e deva -, em caso de má-fé ou evidente abuso de poder, determinar sejam tomadas as providências criminais cabíveis, aliás, o que está previsto no parágrafo único. Prevê o dispositivo em comento que o carcereiro ou o diretor do presídio (pessoas diretamente vinculadas à prisão do paciente), o escrivão, o oficial de justiça ou a autoridade judiciária (pessoas vinculadas ao processo-crime em andamento) ou a autoridade policial (pessoa ligada, também, à prisão do paciente ou à investigação em desenvolvimento) devem cuidar do célere andamento do habeas corpus, cada qual fazendo a sua parte. Assim, deixando de apresentar o paciente, quando requisitado ou de soltá-lo, no caso do carcereiro ou diretor da prisão; deixando de provi-
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denciar, imediatamente, as informações, tratando-se do juiz; omitindo-se ou retardando o encaminhamento dessas informações, nos casos do escrivão e do oficial de justiça; bem como agindo de uma dessas formas a autoridade policial, caberia a aplicação da multa. Não sendo esta viável, somente as providências criminais pertinentes serão aplicáveis. Expede-se a ordem de soltura, em caso de concessão da ordem de habeas corpus, condicionada à não existência de outras causas que possam, legalmente, manter o paciente no cárcere. Aliás, toda vez que um juiz determinar a libertação de um indiciado ou réu, o alvará será clausulado. A concessão de ordem de habeas corpus deve ser, sempre, comunicada à autoridade coatora, para que conste no processo ou no inquérito. Constitui verdadeira garantia de que a situação considerada ilegal, contra a qual foi concedida a ordem, não tornará a ocorrer. Admite-se, atualmente, a emissão por qualquer forma, eletrônica ou não, desde que confiável, atestando-se a sua origem. Sob outro aspecto, o habeas corpus admite a extensão de seus efeitos a outros indiciados ou corréus, mesmo que estes não participem da ação constitucional, nos termos do art. 580 do CPP, que cuida dos recursos. Ilustrando, se um dos indiciados pleiteia o trancamento do inquérito, afirmando tratar-se de fato atípico, uma vez concedida a ordem para um, certamente, abrangerá os demais, beneficiando-os. Outro exemplo seria a consideração de excesso de prazo durante a instrução: se vale para um dos acusados, certamente envolverá outros, que estiverem na mesma situação. Convém destacar que esses efeitos extensivos somente abrangem aqueles que estiverem em igualdade de condições. Por vezes, ainda utilizando o exemplo do excesso de prazo, pode ter havido desmembramento do processo e o excesso para um réu não significa excesso para outro. Assim sendo, a decisão do habeas corpus não terá alcance geral. Supremo Tribunal Federal • "I - Viola os princípios da ampla defesa e do contraditório o julgamento de apelação que, a partir de elementos não constantes da denúncia e sem oitiva do réu, dá nova definição jurídica ao fato. Art. 437 do Código de Processo Penal Militar. 11- Requerente que se encontra em situação fático-processual idêntica à do paciente beneficiado neste writ. III - Extensão da ordem concedida para determinar ao Superior Tribunal Militar que proceda a novo julgamento, observados os
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princípios da ampla defesa e do contraditório, nos termos do voto" (HC 116607/RJ, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 25.03.2014, v.u.). 6.10.1 Coisa julgada e reiteração do pedido
Não há impedimento algum em ingressar com nova impetração, ainda que baseada nos mesmos fatos, uma vez que a decisão denegatória proferida não produz coisa julgada material. É lógico, no entanto, que o Tribunal, já tendo decidido exatamente a mesma questão, poderá indeferir liminarmente o pedido, por falta de interesse de agir, aguardando, por exemplo, que o indiciado, réu ou condenado cerque-se de novas provas para ingressar com o habeas corpus. Eventualmente, alterada a composição da Câmara, é possível que o pedido seja concedido. Diz Pontes de Miranda que "o pedido pode ser renovado tantas vezes quantas forem as denegações, ainda que pelos mesmos fundamentos, recorrendo-se, ou não, para a instância superior, quando a houver, ou renovando-se o pedido, quando se originar dessa a denegação. (...) Não vale, portanto, o ne bis in idem, se denegatória a decisão. A concessão pode fazer coisa julgada material':40 No mesmo prisma, Tavares Bastos: "a decisão que denega habeas corpus não pode constituir coisa julgada; e isto porque um pedido de habeas corpus indeferido pode sempre ser renovado, ainda que seja com os mesmos fundamentos, só constituindo coisa julgada a concessão do habeas corpus, porque esta é irrecorrível':41 Exemplo de formação de coisa julgada material seria a decisão que anula o processo criminal, findo ou em andamento, por falta de justa causa para a ação penal, fundada na impossibilidade jurídica do pedido. Transitada em julgado, torna-se inalterável, devendo necessariamente ser renovado o processo. 6.11 Processamento
do habeas corpus no Tribunal
o processamento é simplificado, buscando a celeridade. Distribui-se a ação de habeas corpus; o relator sorteado recebe os autos, contendo a inicial e os documentos ofertados pelo impetrante; deve decidir a respeito da liminar, se for requerida - e na maior parte dos casos é feito esse 40. História e prática do habeas corpus, p. 410-411. 41. O habeas corpus na República, p. 129.
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pedido. Concedida ou negada a liminar, o relator determina a requisição de informações à autoridade apontada como coatora (ou particular). Na sequência, os autos seguem ao Ministério Público para parecer. Espera-se que tudo seja realizado em curto espaço de tempo. O relator, retornando os autos do Parquet, coloca o feito em mesa para julgamento, independentemente da intimação à defesa. A ausência de intimação não gera nulidade alguma, pois o rito célere do writ exige presteza na solução. Aliás, a intimação da defesa teria por finalidade precípua proporcionar eventual sustentação oral diante da turma ou câmara. Na maioria dos casos, inexiste sustentação oral, motivo pelo qual não se deve tornar regra - intimação da defesa para o julgamento do habeas corpus - para atender poucas situações. Entretanto, em prestígio à ampla defesa, basta que o defensor ingresse com petição, afirmando ao relator seu intuito de fazer sustentação oral e pedindo a sua intimação da data do julgamento. Assim ocorrendo, basta que o relator, por atuação do seu gabinete, até mesmo por e-mail, informe quando o feito será colocado em mesa, conciliando celeridade e oportunidade de defesa oral. No tocante a outros recursos, a defesa deve ser intimada, pois não prevalece a mesma rapidez imposta pelo processamento do habeas corpus. Mesmo assim, quando for intimado, deve o advogado acompanhar a ordem dos julgamentos dos recursos do dia. Ademais, segundo nos parece, realizada a intimação para a sessão de julgamento, caso o defensor compareça, ficará sabendo se o seu recurso foi julgado ou não; se não o foi, também já sairá intimado da próxima sessão. Supremo Tribunal Federal
• "Cientificada a Defesa do dia designado para julgamento da apelação criminal, despiciendá a observação da ordem em que incluídos os processo na lista, sendo dever do advogado acompanhar a sessão de julgamento quando presente interesse na realização de sustentação oral" (RHC 120317/DF, La T., reI. Rosa Weber, 11.03.2014, v.u.). • "1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que, quando a parte tem mais de um advogado, basta que a intimação seja realizada em nome de um deles. Se o advogado, ao outorgar o substabelecimento com reserva de poderes, não o faz para o substabelecido acompanhar especificamente a tramitação do processo na superior instância, nem requer que o nome dele figure nas publica-
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ções, inclusive para efeito de intimação, pertinentes ao julgamento da causa, reputa-se inocorrente a invalidade da intimação. Precedentes. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento" (HC 96501 AgRl MS, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 25.02.2014, v.u.).
VII Recursos
Sumário: 7.1 Reexame necessário - 7.2 Recurso em sentido estrito 7.3 Recurso ordinário constitucional- 7.4 Recurso especial- 7.5 Recurso extraordinário - 7.6 Embargos de declaração.
7.1
Reexame necessário
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denominado recurso de ofício, na verdade, trata-se do reexame necessário ou do duplo grau de jurisdição obrigatório, significando que determinada decisão de primeiro grau somente transita em julgado quando o Tribunal avaliar o seu conteúdo, confirmando-a. Para tanto, denominou-se no Código de Processo Penal haver o recurso de ofício, representado pelo ato do juiz, que proferiu a decisão, determinando a subida dos autos à Corte superior. No contexto do habeas corpus, haverá reexame necessário, quando a sentença de primeira instância conceder a ordem (art. 574, I, CPP). Cuida-se de hipótese inserida em lei à época em que não se reconhecia legitimidade ao Ministério Público para recorrer da decisão concessiva, tendo em vista que a instituição não participava do processo, nem como custos legis. Logo, para haver um mínimo controle no tocante a tal julgado,
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impunha-se o denominado recurso de ofício. Posteriormente, admitiu-se o recurso em sentido estrito para a decisão concessiva ou denegatória do habeas corpus (art. 581, X, CPP), inclusive pelo MP, perdendo sentido o disposto no art. 574, L Portanto, ainda deve o magistrado remeter os autos ao Tribunal, quando conceder ordem de habeas corpus. Não há efeito suspensivo, mas apenas devolutivo. Este é o espelho da Súmula 423 do STF: "não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege': Mesmo que haja a interposição de recurso voluntário, pelo Ministério Público ou pelo impetrante, o recurso de ofício segue junto. No Tribunal, conhecendo-se do recurso voluntário, pode-se, depois, julgar prejudicado o reexame necessário. Em Tribunais, inexiste o reexame necessário. 7.2 Recurso em sentido estrito Dispõe o art. 581, X, do CPP caber recurso em sentido estrito contra a decisão "que conceder ou negar a ordem de habeas corpus': Trata-se de recurso exclusivo contra sentença de primeiro grau, sendo cada vez mais rara a sua interposição. Em primeiro lugar, o habeas corpus em primeiro grau é incomum; em segundo, quando o juiz nega a ordem, o processamento do recurso em sentido estrito é muito lento, motivo pelo qual se torna a mais adequada opção o ajuizamento de outro habeas corpus em segundo grau. Embora se possa alegar que, havendo recurso próprio, seria inadmissível impetrar outro habeas corpus, em segundo grau, agora apontando como autoridade coatora o juiz, esta tem sido a nítida tendência dos interessados, apoiada pela jurisprudência. São partes legítimas para interpor o recurso o impetrante, o paciente, o Ministério Público e o querelante.l Apesar de o Parquet não opinar no processo de habeas corpus, deve ser intimado da decisão tomada pelo magistrado justamente para verificar a sua legalidade. Pode apresentar recurso em sentido estrito contra a decisão (concessiva ou denegatória).
1. O querelante, como interessado na investigação ou parte na demanda principal, pode acompanhar o habeas corpus em primeiro grau e interpor recurso em sentido estrito, se a decisão for concessiva, prejudicando interesse seu (como o trancamento do inquérito). No mesmo prisma, Frederico Marques (Elementos de direito processual penal, p. 393); Denilson Feitoza (Direito processual penal, p. 1.004).
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Se O Ministério Público recorrer contra a decisão concessiva da ordem, abre-se vista ao impetrante (ou paciente) para contrarrazões. Se o Parquet recorrer contra a decisão denegatória, abre-se vista ao impetrante para igualmente ofertar suas razões. Quando o impetrante também recorrer contra a decisão denegatória, processam-se ambos os recursos. O recurso deve ser apresentado no prazo de cinco dias pela parte interessada (art. 586, caput, do CPP); após, decorridos dois dias, as razões são oferecidas (art. 588, CPP). Abre-se vista ao recorrido (se houver). Senegada a ordem, o impetrante (ou paciente) pode recorrer, abrindo-se a oportunidade para o Ministério Público de primeiro grau ofertar seu parecer, já que também foi intimado da decisão. Em tese, a autoridade coatora, parte passiva, deveria ser ouvida. No entanto, ela não é autenticamente parte na ação de habeas corpus, mas somente um interessado no deslinde da questão. Diante disso, não é ouvida, nem oferta contrarrazões. Com as razões e contrarrazões (ou sem elas), o magistrado passa pelo juízo de retratação, podendo voltar atrás na decisão, mudando-a, assim como pode mantê-la, determinando a subida do recurso. Se alterar a decisão, por simples petição do interessado, o recurso deve subir, nos termos do art. 589 do CPP. 7.3 Recurso ordinário constitucional
Negado o habeas corpus pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, cabe a interposição de recurso ordinário constitucional, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, lI, a, CF). Esse recurso era esquecido, preferindo a parte interessada ajuizar, diretamente no STJ, outra ação de habeas corpus. Atualmente, tem sido a posição dominante no STF e no STJ que, havendo recurso próprio, expressamente admitido pelo texto constitucional, não cabe o ajuizamento de outra ação no Tribunal Superior. Retoma-se, então, a sua relevância. A diferença fundamental entre o recurso ordinário e os denominados recursos especial e extraordinário concentra-se no juízo de admissibilidade. Estes dois últimos submetem-se a um filtro, realizado pelo Tribunal de origem, vale dizer, somente serão processados ao STJ (especial) ou ao STF (extraordinário) se preenchidos os requisitos constitucionais (arts. 105, II1, a, b, c, CF; 102, II1, a, b, c, d, CF). O primeiro não possui juízo de admissibilidade, a não ser a constatação da sua tempestividade; tem
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o interessado o direito de vê-lo processado para que seja conhecido pelo Tribunal Superior. Possui efeito devolutivo, permitindo o amplo conhecimento das questões aventadas no processo pela instância superior. O interessado - impetrante, paciente e MP, este último desde que em benefício do paciente - tem o prazo de cinco dias para apresentá-lo, contados do julgamento do habeas corpus pelo Tribunal a quo, nos termos do art. 30 da Lei 8.038/1990. Diversamente do recurso em sentido estrito, o recurso ordinário constitucional deve ser interposto já com as razões. Dá-se vista ao Ministério Público, que oficia no Tribunal. Ingressando no STJ, abre-se vista ao órgão do Ministério Público em atuação junto a essa Corte, passando-se o feito ao relator, que o colocará em mesa para julgamento. O mesmo procedimento se aplica, quando a decisão denegatória for proveniente do Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça ou Tribunal Superior Eleitoral. O interessado pode recorrer, em cinco dias, já com as razões. Ouve-se o Ministério Público. Segue o recurso ao STF para julgamento.
Supremo Tribunal Federal • "Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, 11, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional" (HC 1148211MG, l.a T., reI. Rosa Weber, 18.03.2014, v.u.). 7.4 Recurso especial É cabível o recurso especial, na ação de habeas corpus, nos mesmos termos em que se possa admiti-lo em qualquer outra ação penal. Segue-se o disposto no art. 105, 111,da Constituição Federal, no tocante ao seu cabimento.
O prequestionamento em habeas corpus pode ser dispensável, conforme o caso concreto, pois se trata de autêntica ação de impugnação, e não de um mero recurso. Por isso, se uma determinada questão não foi expressamente ventilada pelo réu, por exemplo, em habeas corpus impetrado ao Tribunal Estadual ou Regional, o fato de se poder retomá-la em
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recurso de habeas corpus interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça, merecendo conhecimento por parte desta Corte, não faz com que haja supressão de instância. Tal se dá quando a ilegalidade é patente, sujeita, inclusive, à concessão de habeas corpus de ofício. Em outras palavras, ainda que se ingresse com recurso ordinário constitucional, em caso de habeas corpus, apontando uma ilegalidade patente, não apreciada de ofício pelo Tribunal Estadual, é preciso que o Superior Tribunal de Justiça conheça e analise o ocorrido, até porque pode conceder habeas corpus de ofício, ao tomar ciência de ilegalidade ou coação abusiva. O mesmo se dá no contexto do Supremo Tribunal Federal. Supremo Tribunal Federal • "ATurma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para desconstituir decisão do STJ que não conhecera do writ lá impetrado sob o fundamento de que a questão nele suscitada - aplicação da atenuante relativa à confissão espontânea - não fora objeto de debate no acórdão da apelação interposta pelo paciente. Aplicou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido de que lhe compete conhecer originariamente de habeas corpus, se o tribunal inferior, em recurso de defesa, manteve a condenação do paciente, ainda que sem decidir explicitamente dos fundamentos da subsequente impetração da ordem, já que, na apelação do réu, salvo limitação explícita quando da interposição, toda a causa se devolve ao conhecimento do tribunal competente, que não está adstrito às razões aventadas pelo recorrente. Considerou-se, também, que, salvo as hipóteses de evidente constrangimento ilegal a impor concessão de ofício, a sucessão de impetrações de habeas corpus não exige o prequestionamento, mas sim que a questão tenha sido posta perante o tribunal coator, porque a omissão sobre um fundamento apresentado é, em si mesma, uma coação, e o tribunal superior, reputando evidenciado o constrangimento ilegal, pode fazê-lo cessar de imediato e não devolver o tema ao tribunal omisso. Ressaltou-se, ademais, que o acórdão objeto da impetração no STJ reconhecera expressamente a confissão do réu, que servira de base para a condenação. RHC provido para anular o acórdão recorrido, a fim de que os autos sejam devolvidos ao ST}para análise do mérito da impetração. Precedentes citados: RHC 70497/SP (D/U 24.09.1993) e HC 85237/DF (D/U 29.04.2005)" (RHC 88.862/ PA, l.a T., rel. Sepúlveda Pertence, 08.08.2006, v.u., Informativo 435).
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Cabe ao Superior Tribunal de Justiça analisar o cabimento de recurso especial, não havendo campo para a parte interessada ajuizar habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, pretendendo seja suprido por Corte Superior esse juízo de admissibilidade. Supremo Tribunal Federal
• "Não cabe habeas corpus, como regra, para rever decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade do recurso especial. Não conhecimento do writ" (HC 119565/DF, La T., reI. Dias Toffoli, Df 04.02.2014, v.u.). • "Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, em sede de habeas corpus, rever o preenchimento ou não dos pressupostos de admissibilidade de recursos de competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I1I), salvo em hipótese de flagrante ilegalidade, o que não se verifica na espécie. 4. Agravo regimental a que se nega provimento" (HC 120506 AgR/PE, 2.a T., reI. Teori Zavascki, Df 18.12.2013, v.u.). • "É firme a jurisprudência desta Casa de Justiça no sentido de que é da competência do Superior Tribunal de Justiça a análise do preenchimento, ou não, dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial. Pelo que não pode o Supremo Tribunal Federal reapreciar tais requisitos, salvo em caso de ilegalidade flagrante ou abuso de poder" (HC 112130/MG, 2.a T., reI. Ayres Britto, 27.03.2012, v.u.). 7.5 Recurso extraordinário É cabível o recurso extraordinário nos mesmos termos em que é
admitido no cenário de qualquer ação penal. Deve-se seguir o disposto pelo art. 102, I1I, da Constituição Federal. Quanto ao prequestionamento, ver o item 7.4 supra. A decisão, proferida no Tribunal de origem, negando seguimento ao recurso extraordinário, comporta agravo dirigido ao STF, mas não habeas corpus. Supremo Tribunal Federal
• "O habeas corpus não pode ser utilizado para o reexame dos pressupostos de admissibilidade de recurso especial. Precedentes" (HC 120827 AgRlSP, La T., reI. Roberto Barroso, 11.03.2014, v.u.).
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• "Habeas corpus. Condição de admissibilidade de recurso especial. Ordem denegada. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a utilização do habeas corpus para o reexame dos pressupostos de admissibilidade de recurso especial. Precedentes. 2. A documentação apresentada pelos impetrantes não infirma o teor certificado pela Coordenadoria da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça quanto às datas de divulgação e publicação da decisão que inadmitiu o agravo em recurso especial. 3. Ordem denegada" (HC 120478/SP, La T., reI. Roberto Barroso, 11.03.2014, v.u.). 7.6 Embargos de declaração Podem ser opostos, nos termos do art. 619 do CPP, em relação ao acórdão proferido por qualquer Tribunal, quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, quanto ao seu conteúdo. O mesmo se dá no que se refere à sentença de primeiro grau, conforme dispõe o art. 382 do CPP. Entretanto, observa-se, em muitos casos, o mau uso desse recurso, pois a parte interessada não deseja esclarecimento, mas revisão do julgado. Pretende valer-se dos embargos de declaração para alterar o conteúdo da decisão. Ora, os embargos não se prestam a tal papel; sua finalidade é nítida: tornar claro o que, de algum modo, encontra-se obscuro. Nada mais que isso. Sem dúvida, pode ocorrer o efeito infringente, quando se toma conhecimento e dá-se provimento aos embargos. Imagine-se tenha o juiz ou Tribunal esquecido de uma das teses da defesa; por conta dessa omissão, julga-se procedente a ação, condenando-se o réu. Quando o defensor aponta a falha, acolhendo os embargos, ingressando na tese, torna-se perfeitamente admissível a inversão do julgado, agora absolvendo o acusado. Outro ponto interessante é o número de embargos de declaração em primeiro grau e em segundo (ou em Tribunais Superiores). Em primeira instância, são mais raros, pois a parte prefere, desde logo, apresentar o recurso cabível (geralmente, apelação), sem maiores delongas. Sabe que ele será regularmente processado e há outra instância para julgar. Em segundo grau, o número de embargos cresce, pois a parte tem perfeita noção de que este é o último estágio para avaliar os fatos envolvidos na questão. Mesmo que haja recurso especial ou extraordinário, não se presta a revolver os fatos, mas à análise de matéria de direito.
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Em Tribunais Superiores, em particular pela defesa, observa-se o uso dos embargos de declaração para postergar o trânsito em julgado, ganhando-se tempo para eventual prescrição ou simplesmente atrasar a prisão do réu. É preciso utilizar o recurso com ética, pois o seu mau vezo provoca o acúmulo de processos para julgamento, causando maior lentidão no desenvolvimento dos recursos nos Tribunais. Muitos dos que reclamam do demorado trâmite dos recursos e também do habeas corpus terminam por olvidar que a interposição de embargos de declaração, meramente protelatórios, contribui para tanto. Noutros termos, algumas vozes que se levantam contra a lentidão da Justiça contribuem para isso, ajuizando medidas que sabem procrastinatórias, sem qualquer fundamento jurídico plausível.
VIII Pontos polêmicos
do habeas corpus
Sumário: 8.1 Aplicação do habeas corpus como recurso: 8.1.1 Ajuizamento contra decisão em habeas corpus; 8.1.2 Ajuizamento contra indeferimento de liminar em habeas corpus; 8.1.3 Habeas corpus em lugar de revisão criminal; 8.1.4 Habeas corpus contra a suspensão condicional do processo; 8.1.5 Habeas corpus contra suspensão condicional da pena; 8.1.6 Habeas corpus contra a aplicação ou execução da pena de multa e ônus das custas; 8.1.7 Habeas corpus contra a designação de audiência preliminar no JECRIM; 8.1.8 Habeas corpus contra decisões interlocutórias; 8.1.9 Habeas corpus contra sentença; 8.1.1 O Habeas corpus contra liminar de desembargador, que prejudicou interesse do acusado - 8.2 Habeas corpus em confronto com o mandado de segurança, no caso de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico - 8.3 Habeas corpus no contexto da extradição no STF - 8.4 A questão da supressão de instância no habeas corpus - 8.5 Relevância da ampla defesa no procedimento do habeas corpus - 8.6 Habeas corpus e provas: 8.6.1 Avaliação da prova ilícita; 8.6.2 Habeas corpus na produção antecipada de provas em caso de processo suspenso com base no art. 366 do CPP; 8.6.3 Indeferimento de provas - 8.7 Habeas corpus no Tribunal do Júri: 8.7.1 Para assegurar a plenitude de defesa; 8.7.2 Em confronto à soberania dos veredictos; 8.7.3 Excesso de fundamentação ou linguagem da decisão de pronúncia ou do acórdão; 8.7.4 Desaforamento; 8.7.5 Excesso de prazo após a pronúncia; 8.7.6 Avaliação do elemento subjetivo: dolo ou culpa; 8.7.7 Intimação do réu por edital
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para julgamento em plenário - 8.8 Habeas corpus e prisão do devedor de alimentos - 8.9 Habeas corpus na execução penal: 8.9.1 Progressão de regime; 8.9.2 Penas restritivas de direitos; 8.9.3 Visita Íntima a presos; 8.9.4 Cumprimento de pena no local do domicílio; 8.9.5 Ampla defesa na execução; 8.9.6 Execução provisória da pena - 8.10 Habeas corpus na Justiça do Trabalho - 8.11 Habeas corpus no cenário de medidas restritivas da liberdade: 8.11.1 Prisão para averiguação; 8.11.2 Medidas cautelares alternativas à prisão; 8.11.3 Juízo de periculosidade; 8.11.4 Prisão cautelar substituída por medida alternativa; 8.11.5 Regime inicial de cumprimento da pena e vedação ao recurso em liberdade - 8.12 Investigação conduzida pelo Ministério Público passível de gerar constrangimento ilegal - 8.13 Combinação de leis penais no contexto do habeas corpus - 8.14 Habeas corpus e princípio da colegialidade - 8.15 Atipicidade provocada pela insignificância dando margem ao habeas corpus - 8.16 Ausência do defensor em audiência e habeas corpus 8.17 Habeas corpus e regime inicial de cumprimento de pena no tráfico ilícito de drogas - 8.18 Cumprimento da medida de segurança em local inadequado dando ensejo ao habeas corpus - 8.19 Habeas corpus para apressar processo - 8.20 Habeas corpus e denúncia inepta - genérica ou alternativa - 8.21 Restrições atuais ao habeas corpus - 8.22 Busca de nulidade em relação a atos produzidos na fase investigatória ou processual - 8.23 Habeas corpus contra determinação de prisão após o julgamento em 2.a Instância - 8.24 Audiência de custódia: não realização
8.1 Aplicação do habeas corpus como recurso
8.1.1 Ajuizamento
contra decisão em habeas corpus
Constitui -se o habeas corpus uma ação constitucional, cujo término se dá com a prolação de uma sentença, em primeiro grau, ou um acórdão, em graus superiores. Para todas essas situações há um recurso previsto em lei. Em primeira instância, concessiva ou denegatória, cabe a interposição de recurso em sentido estrito (art. 581, X, CPP). Essa espécie de recurso, no entanto, possui um lento trâmite no Tribunal, motivo pelo qual se tornou costume - consagrado pela jurisprudência - ajuizar habeas corpus diretamente no Tribunal competente para apreciar o recurso em sentido estrito, como medida substitutiva e mais célere para verificar eventual constrangimento ao acusado, ao menos na hipótese em que a decisão é denegatória. Quando se cuida de acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, a Constituição Federal prevê o recurso ordinário
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constitucional, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, II, a). Tratando-se de acórdão do STJ, há cabimento para o recurso ordinário constitucional dirigido ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, II, a). Entretanto, durante muito tempo, os defensores ignoraram esse recurso e preferiram ajuizar habeas corpus diretamente no Tribunal imediatamente superior. Contra decisões do TJ ou TRF, seguia-se ao STJ; contra decisões deste Tribunal, dirigia-se ao STE A opção pelo ajuizamento de habeas corpus contra decisão anterior em habeas corpus deve-se ao fato de, sempre, o trâmite do remédio heroico ser mais célere e comportar liminar, duas situações não abrangidas pelo recurso ordinário constitucional. A situação gerou um imenso volume de inéditos habeas corpus nos Tribunais Superiores, particularmente, no ST] e no STE Atualmente, a l.a Turma do STF e as S.a e 6.a Turmas do ST] têm decidido não mais caber o habeas corpus originário, mas sim o recurso ordinário constitucional, que se encontra expressamente previsto na Carta Magna. A 2.a T. do STF continua admitindo o habeas corpus apresentado em lugar do recurso ordinário constitucional. Ainda assim, muitos defensores ou impetrantes continuam ajuizando o habeas corpus contra decisão denegatória anterior e, de maneira particularmente interessante, a l.a T. do STF e o STJ têm decidido pelo não conhecimento das ações ajuizadas, embora analisem o mérito, debatam o caso e terminem por conceder ou negar habeas corpus de ofício. Ora, com a devida vênia, se é para não conhecer, torna-se difícil convencer os advogados a não impetrar o habeas corpus se há, na prática, avaliação do seu conteúdo, podendo a Corte - o que vem fazendo - conceder a ordem de ofício. Vislumbra-se continuar ser vantajoso impetrar o remédio heroico junto ao STF e STJ, contra decisões proferidas em habeas corpus anteriores, julgados em instância imediatamente inferior, pois formalmente eles não são conhecidos, mas, materialmente, sim. Outro aspecto que se torna interessante nesse cenário de conflito é que a vedação estabelecida pela l.a T. do STF e pelo STJ para o ajuizamento de habeas corpus contra habeas corpus pode terminar em dupla análise do mesmo caso pelas Cortes Superiores, o que se daria da seguinte forma, em exemplo ilustrativo: denegada a ordem no Tribunal de Justiça do Estado, o acusado, por seu defensor, apresenta recurso ordinário constitucional, que será processado; enquanto isso, ajuíza, igualmente, outro habeas corpus no STJ contra tal decisão. Chegando o habeas corpus rapidamente ao STJ, esta
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Corte não o conhece, mas entra na questão para decidir se concede ou não a ordem de ofício. Se conceder, melhor para o impetrante; torna-se prejudicado o recurso ordinário. Se negar, o impetrante ainda tem outra chance, pois o STJ será obrigado a conhecer do recurso ordinário constitucional, avaliando o mérito da questão, novamente. Ora, se negou a ordem de ofício, é bem possível que considere improcedente o recurso ordinário; mas tudo pode acontecer, incluindo a mudança da composição da turma, viabilizando que a ordem, antes negada (de ofício), agora venha a ser concedida. Em suma, com a atual sistemática, o impetrante passaria a ter duas chances: pela via do habeas corpus interposto contra habeas corpus anterior e por intermédio do recurso ordinário constitucional. Entretanto, a La T. do STF e a do ST] têm negado provimento ao recurso ordinário constitucional - ou o considera prejudicado - quando já analisaram o habeas corpus, interposto concomitantemente, com precedente decisão de não conhecimento ou com a concessão de ofício da ordem. Supremo Tribunal Federal 2. a Turma admite o habeas corpus em lugar do recurso ordinário constitucional • "Conforme entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, não configura óbice ao conhecimento do writ o fato de a sua impetração ser manejada em substituição a recurso extraordinário" (HC 135949/RO, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 04.10.2016, v.u.). 1.a Turma não admite, preferindo o recurso ordinário constitucional, assim como o ST] • "1. A jurisprudência contemporânea do Supremo Tribunal não vem admitindo a impetração de habeas corpus que se volte contra decisão monocrática do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça que não tenha sido submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente (HC n.O 118.189/MG, 2.a Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski). 2. Não conhecimento do writ. 3. No caso em exame, foram cumulativamente consideradas, na primeira e na terceira fases da fIxação da reprimenda, a quantidade e a qualidade do estupefaciente trafIcado, a ensejar o reconhecimento do bis in idem. Precedentes. 4. Ordem concedida de ofício para restaurar o acórdão do Tribunal Regional no tocante à pena imposta ao paciente, determinando ao juízo da execução competente
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que fixe, à vista do que dispõe o art. 33, ~~ 2.° e 3.°, do Código Penal, o regime inicial condizente, bem como avalie a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos" (HC 119225/PR, La T., reI. Dias Toffoli, 18.03.2014, v.u.). • "1. A competência do Supremo Tribunal Federal 'somente se inaugura com a prolação do ato colegiado, salvo as hipóteses de exceção à Súmula 691/STF' (HC 113.468, ReI. Min. Luiz Fux). 2. Hipótese em que não foi exaurida a instância, tendo em vista que não fora interposto agravo regimental contra a decisão monocrática do relator no Superior Tribunal de Justiça. 3. A superveniência do julgamento do mérito do habeas corpus impetrado no Tribunal de segundo grau prejudica a análise da impetração. Precedentes. 4. Paciente preso em flagrante delito e denunciado por roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e concurso de pessoas. 5. Inocorrência de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder na prisão preventiva para a garantia da ordem pública. 6. Agravo regimental desprovido" (HC 115318 AgR/ SP, La T., reI. Roberto Barroso, 18.03.2014, m.v.).
Superior Tribunal de Justiça • ''Ajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente - a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício -, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal" (STJ, HC 277347/AM, 5.a T., reI. Marco Aurélio Bellizze, DJ 11.03.2014, v.u.). • "É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. (...) A dosimetria da pena é juízo concreto que exige, para definição do quantum da pena base, a justa medida, não podendo o julgador simplesmente dosar eventual aumento rompendo com a proporcionalidade. Por essa
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razão, diante da existência de duas circunstâncias desfavoráveis, não se concebe que a exasperação se dê em quase o dobro da pena mínima. De igual modo, à míngua de qualquer dado concreto, não se pode ter o aumento de pena previsto no art. 40, V, da Lei n.O11.343/2006, acima do mínimo de 1/6.8. Habeas corpus não conhecido, mas concedida, de ofício, a ordem para o fim de fixar a pena do paciente em 8 anos e 2 meses de reclusão, mantidas as demais cominações legais" (HC 205856/ PE, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 01.04.2014, v.u.) . • "Ajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente - a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício -, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal. C ..) Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício, ratificando-se a liminar anteriormente deferida, a fim de cassar o acórdão proferido no julgamento do Agravo em Execução n.O0063401-22.2013.8.26.0000 e restabelecer a decisão de primeiro grau que concedeu a comutação de penas ao paciente com base no Decreto Presidencial n.O 7.648/2011" (STJ, HC 282683/ SP, 5.a T., reI. Marco Aurélio Bellizze, 20.03.2014, v.u.) . • "O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso em ação cabível, salvo nas hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia jurídica. (...) Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, apenas para reduzir em parte a pena-base do paciente, tornando a sua reprimenda definitiva em 4 anos e 1 mês de reclusão, e pagamento de 394 dias-multa" (HC 229694/MG, 6.a T., reI. Rogerio Schietti Cruz, Dl 17.12.2013) . • "Ajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses pre-
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vistas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal. (...) Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício para cassar o acórdão proferido no agravo à execução, restabelecendo a decisão do Juiz das execuções que concedeu ao paciente a progressão ao regime semiaberto" (STJ, HC 272247/SP, S.a T., reI. Marco Aurélio Bellizze, 05.09.2013, v.u.). • "A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, recentemente, os HCs 109.9S6/PR (D/e 11.09.2012) e 104.04S/RJ (D/e 06.09.2012), considerou inadequado o writ, para substituir recurso ordinário constitucional, em habeas corpus julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, reafirmando que o remédio constitucional não pode ser utilizado, indistintamente, sob pena de banalizar o seu precípuo objetivo e desordenar a lógica recursal. (...) Ordem concedida, de ofício, para cassar o acórdão, proferido nos autos do Agravo em Execução Penal, e restabelecer, em consequência, a decisão de 1.0 Grau, que deferira, ao paciente, a progressão ao regime semiaberto" (STJ, HC 273940/SP, 6.a T., reI. Assusete Magalhães, 05.11.2013, v.u.). • "O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recentes pronunciamentos, aponta para uma retomada do curso regular do processo penal, ao in admitir o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário. Precedentes: HC 109.9S6/PR, La Turma, reI. Min. Marco Aurélio, D/e 11.09/2012; HC 104.04S/RJ, La Turma, reI. Min. Rosa Weber, D/e 06.09.2012; HC 108.181/RS, La Turma, reI. Min. Luiz Fux, D/e 06.09.2012. Decisões monocráticas dos Ministros Luiz Fux e Dias Tóffoli, respectivamente, nos autos do HC 114.SS0/AC (D/e 27.08.2012) e HC 114.924/RJ (D/e 27.08.2012). (...) Ordem não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para determinar que o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aprecie o mérito do writ n.O0173426-39.2012.8.26.0000, decidindo como entender de direito" (STJ, HC 262309/SP, S.a T., reI. Laurita Vaz, 05.12.2013, v.u.). • "É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada
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indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. (...) Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a decisão que extinguiu a punibilidade" (H C 269425/SP, 6. a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 18.06.2013, por maioria). 8.1.2 Ajuizamento
contra indeferimento de liminar em habeas corpus
O indeferimento de liminar em habeas corpus, em tese, comporta agravo regimental, pois trata-se de decisão de relator do habeas corpus ajuizado, agravo esse dirigido à câmara ou turma. No entanto, interposto o agravo, é bem possível que o relator coloque o habeas corpus em mesa para julgamento, tornando prejudicado o referido agravo. Em lugar, porém, do agravo, o interessado tem preferido ajuizar habeas corpus na instância superior (ex.: ingressa-se com habeas corpus, com pedido liminar, no Tribunal de Justiça do Estado contra decisão proferida pelo juiz de primeiro grau, que determinou a prisão do réu; o relator indefere a liminar; o interessado ajuíza o remédio heroico no STJ). E, caso a instância superior também negue a liminar, segue-se ao STE Essa corrente é formada de elos inadequados, pois o habeas corpus nem foi conhecido e julgado quanto ao mérito - houve somente o indeferimento de liminar -, motivo pelo qual não poderia a Corte Superior conhecer e julgar outra ordem. A competência constitucional do STF é para julgar habeas corpus "quando o coator for Tribunal Superior" (art. 102, I, i, primeira parte), não incluindo, portanto, decisão monocrática de relator. Entretanto, como já mencionamos, é costume, quando o interessado impetra habeas corpus em Tribunal Superior (por exemplo, STJ), solicitar ao relator o deferimento de medida liminar. Negada esta, em vez de aguardar o julgamento a ser feito pela Turma (órgão colegiado que representa o Tribunal), impetra diretamente habeas corpus no STF, apontando como autoridade coatora o relator. Ora, este não figura no referido art. 102, I, i, da Constituição Federal, logo, há incompetência. É o teor da Súmula 691: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar': Entretanto, convém ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado no dia 21 de outubro de 2005, rompeu a regra estabelecida pela mencionada Súmula e conheceu - bem como deferiu - habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar de Ministro do Superior
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Tribunal de Justiça, em favor de EM. (estendida a P.M.). O relator do habeas corpus, Ministro Carlos Venoso, ressaltou que a Súmula 691 do STF deve ser abrandada. O dispositivo diz que não compete o julgamento de habeas corpus contra indeferimento de liminar de tribunal superior, caso contrário, haveria supressão de instância, já que ainda não houve julgamento de mérito do mesmo pedido no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entretanto, Venoso mencionou haver, no caso concreto, flagrante ilegalidade na prisão do empresário (HC 86.864/SP, Pleno, reI. Carlos Venoso, 21.10.2005, m.v.). Com a devida vênia, não cremos ser esta a solução mais indicada. Ou há uma Súmula da Suprema Corte a ser cumprida ou não há. Não nos parece ideal o fracionamento das interpretações sumulares, aplicando, conforme o caso concreto, segundo peculiaridades de cada situação, a orientação fixada pelo próprio Colendo Supremo Tribunal Federal. Se a Súmula é inviável, parece-nos mais adequado o caminho da sua revogação. Mantê-la e, ao mesmo tempo, descumpri-Ia, conforme cada caso individualmente considerado, significa não haver, na prática, questão sumulada. Imaginemos fosse uma Súmula vinculante. O que se poderia fazer? Haveria viabilidade para os Tribunais Inferiores ou magistrados de primeiro grau, considerando o caso concreto, descumpri-Ia, a pretexto de ser um caso excepcional? O precedente aberto não se nos afigura a solução ideal. Somos levados a acrescentar, no entanto, ter sido firmada posição no STF quanto ao abrandamento, na prática e conforme o caso concreto, da referida Súmula 691. Sobre o tema, pronunciou-se o Ministro Gilmar Mendes caber a atenuação do disposto na Súmula 691 quando: "a) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento ilegal; b) a negativa de decisão concessiva de medida liminar pelo tribunal superior importe na caracterização ou na manutenção de situação que seja manifestamente contrária à jurisprudência do STF" (HC 89.178/SP, medida liminar, reI. Gilmar Mendes, 29.06.2006).
Supremo Tribunal Federal • "Sob pena de supressão de instância, não se admite a impetração de habeas corpus neste Supremo Tribunal contra decisão monocrática de Ministro de Tribunal Superior. Precedentes" (HC 135241 AgR/ES, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 23.08.2016, v.u.) .
• "Habeas corpus. Impossibilidade.
Impetração deduzida contra decisão monocrática proferida por ministro de Tribunal Superior da União. Inocorrência, na espécie, de situação de flagrante ilegalidade ou de evidente abuso de poder. Incognoscibilidade do remédio constitucional
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em exame. Ressalva da posição pessoal do relator desta causa, que entende cabível o writ nesses casos. Diretriz jurisprudencial firmada por ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus não conhecido. Recurso de agravo improvido" (HC 116804 AgR/SP, 2.a T., reI. Celso de Mello, 11.03.2014, v.u). • "As afirmações de que haveria decisões nas quais este Supremo Tribunal teria afastado a incidência da Súmula n. 691 carecem de aplicabilidade, nenhuma se amoldando à situação dos autos. 4. Eventual plausibilidade jurídica da tese suscitada na impetração - requisito necessário para o deferimento de liminar nos habeas corpus - não se confunde com a comprovação de flagrante constrangimento ilegal, imprescindível para se cogitar de impetração contra decisão precária proferida na instância antecedente. 5. Decreto de prisão preventiva do Paciente apresentado, em princípio, suficientemente fundamentado, sem eiva a justificar a superação da Súmula n. 691 deste Supremo Tribunal" (HC 97267/SP, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 25.02.2014, v.u.). • "Há óbice ao conhecimento de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática do Ministro Relator do STJ, negando seguimento ao writ impetrado naquela Corte, cuja jurisdição não se esgotou. Precedentes. (...) Habeas corpus extinto sem resolução do mérito, mas com concessão da ordem de ofício (...)" (STF, HC 116777/SC, La T., reI. Rosa Weber, Df 25.02.2014, v.u.).
• "Habeas corpus. Acórdão emanado do E. Superior Tribunal de Justiça. Oposição, contra essa decisão, de embargos de declaração ainda pendentes de exame naquela instância judiciária. Inadmissibilidade, em tal hipótese, de impetração imediata, perante o Supremo Tribunal Federal, de habeas corpus. Decisão proferida pelo relator da causa, no Supremo Tribunal Federal, que não conhece, por ser prematuro o seu ajuizamento, da ação de habeas corpus promovida perante a Suprema Corte. Legitimidade jurídica dessa decisão monocrática. Recurso de agravo improvido. Revela-se prematura a impetração de habeas corpus, no Supremo Tribunal Federal, contra decisão proferida em sede de outro processo de habeas corpus instaurado no âmbito de Tribunal de jurisdição inferior, enquanto não apreciados, definitivamente, por este (o STJ, no caso), os recursos (ou pedidos de reconsideração) que tenham sido deduzidos, naquela instância judiciária. Precedentes" (HC 115711 AgR/ES, 2.a T., reI. Celso de Mello, 09.04.2013, v.u.). • "Em princípio, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus contra decisão do relator que, em habeas corpus
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requerido a Tribunal Superior, indefere liminar, se o caso não é de flagrante constrangimento ilegal" (HC 113214/SP, 2.• T., reI. Cezar Peluso, 22.05.2012, v.u.). 8.1.3 Habeas corpus em lugar de revisão criminal A revisão criminal é ação, de fundo constitucional, para corrigir erros judiciários, constatados após o trânsito em julgado de decisão condenatória. Para o seu ajuizamento, é preciso que o interessado forneça ao Tribunal provas pré-constituídas, que podem ser conseguidas em medida cautelar apropriada, denominada justificação. A semelhança entre a revisão criminal e o habeas corpus é que ambas são ações constitucionais e podem ser ajuizadas após o trânsito em julgado. No entanto, o habeas corpus liga-se à liberdade de locomoção e, após o trânsito em julgado da decisão, somente tem cabimento nas hipóteses de nulidade absoluta (art. 648, VI, CPP). Quanto à revisão criminal, seu enfoque é o erro judiciário, necessitando maior exploração das provas, algo incompatível com o habeas corpus. 1 Supremo Tribunal Federal • "1. A presente impetração foi protocolizada mais de um ano após o trânsito em julgado do ato apontado como coator. Impossibilidade de utilização de habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, quando dependente de reexame de provas. 2. O objeto da presente impetração é o decidido, monocraticamente, pelo Ministro Ericson Maranho, do Superior Tribunal de Justiça, ao negar provimento do Agravo em Recurso Especial n. 485.753. Não interposição de agravo regimental impede o conhecimento desta impetração. Precedentes. 3. Devolvida a matéria ao exame do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, como demonstram as razões recursais da defesa, inexiste reformatio in pejus. Precedentes. 4. Fundamentação idônea para fixação da pena-base: desfavoráveis as circunstâncias do cometimento do crime e as suas consequências: proporcionalidade. 5. Na primeira fase da dosimetria da pena foi utilizado para valoração
1. Admitindo o habeas corpus para rever decisão condenatória, inclusive absolvendo o sentenciado, encontra-se a posição de Eugênio Pacelli de Oliveira (Curso de processo penal, p. 756).
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negativa de circunstância judicial o valor do prejuízo e na terceira fase se considerou a reiteração delitiva para definição do percentual de aumento pela continuidade delitiva. Ausência de bis in idem. 6. Permanecendo inalterada a pena imposta ao Paciente, fica afastada a alegação de prescrição, arguida como pedido sucessivo a ser analisado, se houvesse redução da pena. 7. Ordem denegada" (HC 133027/ES, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 05.04.2016, v.u., grifamos). • "1. O habeas corpus não pode ser manejado como sucedâneo de revisão criminal. 2. In casu, o paciente foi condenado à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito tipificado no artigo 214, c/c 224, a, do Código Penal. 3. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas "d" e "i", da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 4. Agravo regimental desprovido" (HC 134976 AgR/SP, La T., reI. Luiz Fux, 23.08.2016, m.v.). • "A ação penal transitou em julgado em 25.06.2013. Assim, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de não se admitir a impetração de habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, salvo nas hipóteses de manifesta ilegalidade ou teratologia, o que não é o caso dos autos" (RHC 118994/BA, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 01.04.2014, v.u.). Sob outro aspecto, se impetrado em favor da sociedade, e não, diretamente, em benefício do réu, torna-se uma tergiversação. Exemplo disso é o caso de assaltante de agência da Caixa Econômica Federal, que deveria ter sido julgado por juízo federal, tendo em vista o nítido interesse da União, conforme art. 109, IV; da Constituição, mas terminou apenado pela Justiça Estadual, por decisão com trânsito em julgado. O habeas corpus impetrado pelo Ministério Público Federal não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça: "Em se cuidando de habeas corpus com natureza de revisão criminal, negada pelo nosso sistema de direito positivo à sociedade, faz-se manifesto o seu in cabimento. Pelo exposto, não conheço do pedido" (HC 8.991-SP, 6.a T., reI. Hamilton Carvalhido, 21.09.2000, v.U., Dl 25.09.2000, p. 138, com os últimos grifos nossos). Quanto a impetrar habeas corpus contra decisão proferida em revisão criminal, como regra, é incabível. A única possibilidade é ter havido nulidade absoluta durante o curso da revisão. Seria o caso de aplicação do
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disposto pelo art. 648, VI, do CPP. E a competência para julgar o habeas corpus é do Tribunal superior àquele que apreciou a revisão criminal. Tratando-se do STF, como órgão julgador da revisão, a essa mesma Corte deve ser dirigido o habeas corpus. 8.1.4 Habeas corpus contra a suspensão condicional do processo Não vemos qualquer incompatibilidade para o ingresso de habeas corpus contra processo suspenso em razão do benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/1995. O denunciado pode aceitar a suspensão condicional do processo, por reputar mais favorável naquele momento, mas resolver discutir fatores relevantes, como a materialidade do delito, em habeas corpus. Se este for concedido, tranca-se a ação, finalizando, de imediato, a suspensão condicional do processo, que não deixa de ser um gravame ao beneficiário, pois há regras a respeitar. Conferir: STF: HC 89.179/RS, 1.a T., reI. Carlos Britto, 21.11.2006, V. U. Se o réu aceitar a proposta do Ministério Público, permitindo a suspensão condicional do processo, ainda assim mantém intacto o seu direito de questionar a existência da ação penal contra si. Em outras palavras, o fato de ter aceitado a proposta, evitando o desgaste do prosseguimento da instrução, não lhe retira a possibilidade de impetrar habeas corpus para questionar a injustificada propositura da ação ou a falta de justa causa para o oferecimento da denúncia. Nessa ótica: STF: HC 89.179/RS, La T., reI. Gilmar Mendes, 29.09.2006, v.U.,Df 04.10.2006. Supremo Tribunal Federal • "É cabível pedido de habeas corpus em favor de beneficiado com a
suspensão condicional do processo (Lei 9.099/1995, art. 89), porquanto tal medida, por se dar depois do recebimento da denúncia, não afasta a ameaça, ainda que potencial, de sua liberdade de locomoção. Com base nessa orientação, a Turma conheceu de writ impetrado em favor de presidente de agremiação de futebol, denunciado pela suposta prática de homicídio, na modalidade de dolo eventual (CP, art. 121 ~ 2. I), pela circunstância de, não obstante ciente da cardiopatia de atleta do clube, permitir que este jogasse, vindo a óbito durante a realização de uma partida. No caso, o STJ, de ofício, concedera habeas para assentar a incompetência do tribunal do júri para julgar o feito, ao fundamento de restar configurado não crime doloso contra a vida, mas, sim, descrita imputação culposa. Em decorrência disso, 0,
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o parquet oferecera proposta de suspensão condicional do processo ao paciente, que a aceitara. Alegava-se, na espécie, falta de justa causa para o início da persecução penal. No mérito, indeferiu-se o writ ao entendimento de que o remédio constitucional do habeas corpus - via estreita de conhecimento que se presta a reparar hipóteses de manifesta ilegalidade ou de abuso de poder - não pode substituir o processo de conhecimento. Em consequência, afastou-se a pretendida exclusão do paciente da persecução penal por se considerar que, na hipótese, o exame das alegações ensejaria o revolvimento de fatos e provas" (HC 88.503/SP, reI. Ricardo Lewandowski, 06.03.2007, v.u., Informativo 458). 8.1.5 Habeas corpus contra suspensão condicional da pena
o habeas
corpus não é meio adequado, pois a suspensão condicional da pena possui requisitos objetivos e subjetivos, que merecem análise detida feita pelo magistrado. Especialmente quanto aos aspectos subjetivos, não cabe a avaliação do seu cabimento em habeas corpus. Ademais, a concessão ou não do sursis sempre comporta recurso. Tribunal de Justiça de São Paulo • "É inidôneo o habeas corpus para obtenção do sursis, mormente quando
a denegação do benefício entra em cogitações de ordem subjetiva" (Ap. 278.696-3, Ribeirão Pires, 3.a c., reI. Segurado Braz, 30.03.1999, v.u.). 8.1.6 Habeas corpus contra a aplicação ou execução da pena de multa e ônus das custas Levando-se em consideração que a multa passou a ser considerada dívida de valor, quando transitada em julgado a sentença condenatória, devendo ser executada como se fosse dívida ativa da Fazenda Pública (art. 51, CP), não mais pode haver sua conversão em privação de liberdade. Logo, o não pagamento da multa jamais pode significar a perda da liberdade e, por via de consequência, não cabe habeas corpus para questionar a sua aplicação. É o teor da Súmula 693 do STF: "não cabe habeas corpus contra de-
cisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominadà: Quanto às custas, hoje devidas pelo réu, se perder a demanda, não cabe discutir se podem ser cobradas compulsoriamente ou não, por meio
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de habeas corpus, tendo em vista não prejudicar jamais a liberdade de locomoção. Esta é a Súmula 395 do STF: "não se conhece de recurso de habeas corpus cujo objeto seja resolver sobre o ônus das custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção': Entretanto, não pode o juiz exigir preparo dos recursos criminais, pois inexiste previsão legal para tanto. Se o fizer, ocorre constrangimento ilegal. Tribunal de Justiça de São Paulo • "Alegação de ilegalidade da decisão que julgou deserto o agravo em execução penal por falta de preparo. Ocorrência. Exigência que não abrange a ação penal pública, ao menos enquanto o feito não transitar em julgado. Inteligência do art. 806 do cpp e art. 4.°, ~ 9.°, 'à, da Lei Estadual 11.60812003. Ordem concedidà' (HC 205265731.2013.8.26.0000, 8.a Câmara de Direito Criminal, reI. Camilo Léllis, DJ 24.04.2014, v.u.). 8.1.7 Habeas corpus contra a designação de audiência preliminar no JECRIM
Na mesma ótica desenvolvida em item anterior, não encontramos óbice para impedir o ingresso de habeas corpus contra a designação de audiência preliminar (art. 72, Lei 9.099/1995). Esta, certamente, pode implicar transação, logo, em restrição a qualquer direito ou ao pagamento de multa. Porventura, pode tratar-se, ilustrando, de fato atípico. Assim, para não perder a oportunidade e por não pretender se submeter ao constrangimento de comparecer à audiência, onde se vai discutir a mencionada transação, a pessoa apontada como autora no termo circunstanciado tem o direito de, por meio de habeas corpus, apresentar suas razões para a não realização do ato processual. Lembremos, afinal, que, não obtida a transação, haverá, possivelmente, o prosseguimento da ação (art. 77, Lei 9.099/1995). 8.1.8 Habeas corpus contra decisões interlocutórias Diversamente do que ocorre na esfera cível, em que se permite a interposição do agravo para questionar as decisões interlocutórias em geral, no âmbito criminal, para contrariar as decisões proferidas pelo
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magistrado durante a instrução, torna-se essencial a expressa previsão em lei, por meio do recurso em sentido estrito. Pode-se observar que muitas decisões interlocutórias não comportam recurso em sentido estrito, razão pela qual, se disserem respeito à liberdade de locomoção, direta ou indiretamente, admite-se o ajuizamento de habeas corpus. Sob outro aspecto, mesmo cabendo recurso em sentido estrito, quando não possuir efeito suspensivo, também é viável a propositura de habeas corpus. Exemplo disso é a pronúncia, que pode conter ordem de prisão para que o réu aguarde o julgamento do júri. Embora caiba recurso em sentido estrito (art. 581, IV, do CPP), não há efeito suspensivo, motivo pelo qual é preciso ajuizar habeas corpus para evitar a prisão injustificada. Abaixo, são exemplos de habeas corpus utilizados com nítido efeito recursal, interpostos contra decisões contra as quais inexiste recurso apropriado. Supremo Tribunal Federal Embora negando, conheceu e apreciou decisão interlocutória do juiz • "1. O juízo de primeiro grau, ainda que de forma concisa, registrou a presença dos requisitos viabilizadores da ação penal, postergando as questões referentes à análise probatória para o momento adequado (= fase instrutória), não havendo falar, por isso, em nulidade da decisão por ausência de fundamentação. 2. Ademais, não se pode afirmar que a decisão que rejeitou as questões suscitadas na resposta à acusação (CPP, art. 396-A) implique constrangimento ilegal ao direito de locomoção do paciente. A defesa terá toda a instrução criminal, com observância ao princípio do contraditório, para sustentar suas teses e produzir provas de suas alegações, as quais serão devidamente examinadas com maior profundidade no momento processual adequado. 3. Recurso ordinário improvido" (RHC 120267/SP, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 18.03.2014, v.u.). • "1. Ausência de demonstração de prejuízo concreto para o Paciente pela ausência de oitiva de testemunha por ele arrolada. 2. Sem a demonstração de prejuízo, em atenção ao princípio do pas de nullité sans grief, corolário da natureza instrumental do processo, não se decreta nulidade no processo penal. Precedentes. 3. Ordem denegadà' (HC 110647/SP, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, Df 24.03.2014, v.u.).
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Tribunal Regional Federal - 3. a Região • "I - A orientação pretoriana acerca da matéria tem reiteradamente afirmado que o não atendimento, pelo acusado, no prazo legal, para o oferecimento do rol testemunhal enseja a preclusão do seu direito neste sentido, sem que possa ser alegado cerceamento de defesa ou qualquer ofensa ou afronta aos princípios constitucionais. 11- Entretanto, diversa é a hipótese dos autos, pois, quando do oferecimento da defesa preliminar, a defesa arrolou testemunhas e declinou o endereço onde localizá-las. Posteriormente, o réu foi informado da mudança de endereço da testemunha e pleiteou sua intimação no novo endereço, o que culminou com a declaração de preclusão da prova em relação à testemunha em tela. 111- Não sendo possível saber se é manobra protelatória da defesa, e existindo a possibilidade de substituição da testemunha arrolada quando não localizada, não há que se falar em prova preclusa. IV - Ordem concedida, tornando definitiva a liminar" (HC 55503, 2.a T., reI. Cecilia Mello, Df 01.10.2013, v.u.).
Tribunal Superior Eleitoral • "Não caracteriza cerceamento de defesa, nem ofensa ao devido processo legal, a decisão que, em sede de ação penal, indefere pedido de oitiva de testemunhas, de forma fundamentada, dada a impossibilidade de elas contribuírem para o esclarecimento dos fatos narrados na denúncia. Recurso em habeas corpus não provido" (HC 66851-Silva Jardim/RJ, reI. Arnaldo Versiani Leite Soares, Df 29.06.2012, v.u.). 8.1.9 Habeas corpus contra sentença Não há nenhum fundamento jurídico, nem mesmo de ordem prática, para que a apelação - recurso cabível contra sentenças condenatórias - seja substituída pelo habeas corpus.2 Por vezes, na decisão, o magistrado impede que o réu recorra em liberdade, representando um constrangimento.
2. Ainda assim, no Tribunal de Justiça, temos recebido um volume considerável de habeas corpus como substituto da apelação, para avaliar o mérito de certas condenações e o critério judicial para a aplicação da pena. Essa situação decorre da crença segundo a qual a celeridade do habeas corpus é determinante para o seu uso em qualquer hipótese, algo completamente inconsequente. Portanto, devem essas impetrações ser indeferidas liminarmente.
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Resta saber se é legal ou ilegal. Para questionar o mérito dessa ordem, impetra-se habeas corpus. O correto, no entanto, é o trâmite paralelo da apelação, para questionar o mérito da condenação e o critério da individualização da pena, enquanto a ação de habeas corpus serve para discutir a necessidade da prisão cautelar. Em síntese, o habeas corpus jamais substitui a apelação; se for preciso, ambos devem ser interpostos, mas cada qual para a sua finalidade. Supremo Tribunal Federal • 'l\pelação fundada no art. 593, I1I, d, do CPP. Juízo de cassação, e não de reforma. Legitimidade ativa de ambas as partes. Inexistência de ofensa ao princípio do in dubio pro reo. Competência do Tribunal do Júri e soberania de seus veredictos preservadas. Inadmissibilidade de utilização do habeas corpus como sucedâneo o recurso cabível. (00') A competência do Supremo Tribunal Federal é matéria de direito estrito, a rechaçar qualquer interpretação no sentido do cabimento de habeas corpus substitutivo do recurso cabível. Habeas corpus extinto, sem julgamento do mérito, por ser inviável a concessão da ordem de ofício" (HC 111867/ES, La T., rel. Luiz Fux, 26.11.2013, m.v.). • "1. Não é viável, na via estreita do habeas corpus, o reexame dos elementos de convicção considerados pelo magistrado sentenciante na avaliação das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. O que está autorizado é apenas o controle da legalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades. No caso, entretanto, não se constata qualquer vício apto a justificar o redimensionamento da pena-base nesta via recursal. Precedentes" (RHC 119816/SP,2.a T., rel. Teori Zavascki, 18.03.2014, v.u.). • "1. O superveniente julgamento do habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça torna superada a questão relativa à suposta demora daquela instância. Prejuízo da presente impetração nesta parte. 2. Conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a via sumária e documental do habeas corpus, afora casos teratológicos de erro conspícuo de direito probatório ou de abstração de fato inequívoco, não se presta a substituir por outro o acertamento judicial dos fatos na sentença condenatória das instâncias ordinárias. 3. Pela sua natureza, o habeas corpus não comporta reexame detalhado e profundo da prova para se constatar a ilegalidade de condenação criminal com
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trânsito em julgado, sem o que não se podeM suspender os efeitos da ordem de prisão que pesa contra o Paciente. 4. Ordem parcialmente prejudicada e, na parte conhecida, denegadà' (HC 118892/PE, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, DJ 18.03.2014, v.u.). Superior Tribunal de Justiça • "1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem contra acórdão de apelação, como se fosse um sucedâneo recursal" (HC 178208/SP,6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 30.06.2013, v.u.). • "I. A viabilidade do exame da dosimetria da pena por meio de habeas corpus somente é possívelquando evidenciado desacerto na consideração das circunstâncias judiciais ou errônea aplicação do método trifásico e daí resultar flagrante ilegalidade e prejuízo ao réu, o que se verifica na hipótese" (STJ,HC 227302/RJ, S.aT., reI. Gilson Dipp, 21.08.2012). Tribunal Regional Federal - 3. a Região • "1. Habeas corpus impetrado pleiteando a aplicação de regime de cumprimento de pena menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. 2. Uma vez interposto recurso de apelação, que deverá ser apreciado pela E. Turma, nele serão analisadas todas as questões postas, inclusive eventual insatisfação com a dosimetria da pena fixada no decreto condenatório e nulidades alegadas. 3. Não há como, em sede de habeas corpus, analisar as questões trazidas pelo impetrante, pois para tanto faz-se necessário amplo exame do conjunto probatóriO, com revolvimento de questões relacionadas ao mérito do feito principal, inviável na via limitada do writ. 4. O habeas corpus não se mostra como via adequada para a discussão de temas afetos à sentença, sob pena de servir de sucedâneo de recurso próprio. 5. Ordem denegadà' (HC S6348/SP, S.aT., reI. Luzi Stefanini, DJ 13.01.2014, v.u.). Tribunal de Justiça de São Paulo • "Pena. Dosimetria. Flagrante ilegalidade. Inocorrência. Via inadequada. Constrangimento ilegal. Ausência. A discussão em torno da dosimetria da pena imposta pela via do habeas corpus, só tem lugar
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se a decisão atacada se reveste de flagrante ilegalidade ou quando fixada acima do mínimo legal sem fundamentação alguma" (HC 02705147720128260000, 12.a Câmara de Direito Criminal, reI. João Morenghi, Df 02.05.2013, v.u.) . • "O habeas corpus não é recurso cabível, ante os seus estreitos limites, ao reexame de sentença, devendo a discussão ser apreciada no recurso de apelação, já interposto. Ordem conhecida em parte e, na parte conhecida, denegadà' (HC 01154608420138260000, 15.a Câmara de Direito Criminal, reI. ]. Martins, Df 20.08.2013, v.u.) . • "Habeas corpus. Pretensão de revisão da pena estabelecida em sentença. Inadmissibilidade. Dosimetria fundamentada. Impossibilidade de utilização do habeas corpus para substituir o recurso próprio. Não conhecimento da ordem neste tópico. Ordem denegada" (HC 00411882220138260000, 10.a Câmara de Direito Criminal, reI. Francisco Bruno, Df 10.05.2013, v.u.). Tribunal de fustiça de Minas Gerais • "O habeas corpus não se mostra como via adequada para valorar a do simetria da pena, pois é remédio jurídico de magnitude constitucional que se presta à defesa da liberdade de ir e vir, não servindo à universalidade de substituto recursal, mormente se há previsão legal apta a impugnar a decisão de primeiro grau. Quando a matéria aduzida no writ é também objeto de outro recurso próprio e mais amplo, em obediência ao princípio da unirrecorribilidade das decisões, não se aprecia aquela em sede desta ação constitucional de impugnação autônomà' (HC 10000130463383000, 7.a Câmara Criminal, reI. Cássio Salomé, Df 01.08.2013). 8.1.10
Habeas corpus contra liminar de desembargador, que prejudicou interesse do acusado
Novamente, poder-se-ia invocar o conteúdo da Súmula 691, no sentido de não caber habeas corpus contra decisão monocrática de integrante de tribunal inferior. No entanto, tornou-se pacífica a viabilidade de contornar a referida súmula, quando se trata de decisão teratológica (absurda, ilógica). Portanto, se o desembargador concede liminar a mandado de segurança, impetrado pelo Ministério Público, contra a decisão de primeiro
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grau, que concedia liberdade provisória ao acusado, pode o STJ,em caráter liminar, verificar o acerto ou desacerto dessa decisão, pois a questão em jogo é muito relevante. Pela decisão de primeiro grau, o réu pode aguardar o processo em liberdade. Há recurso próprio contra essa decisão. No entanto, para evitar a soltura, o MP se vale do mandado de segurança, o que, em tese, é possível. A partir disso, o desembargador relator deve ter extrema cautela ao apreciar a liminar daquele writ. Negando-a, o acusado será colocado em liberdade provisória; concedendo-a, impede de pronto a referida liberdade. Eis o motivo da alegada teratologia caso, de fato, conforme as concretas circunstâncias, não havia motivo para obstar a soltura. Superior Tribunal de Justiça
• "1. O presente remédio constitucional foi impetrado em face de decisão singular de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deferiu a liminar pleiteada no mandado de segurança lá impetrado, o que atrairia a incidência da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, impedindo o conhecimento do writ por esta colenda Corte Superior de Justiça. Contudo, admite-se a superação do óbice contido no referido verbete sumular quando a decisão impugnada contiver flagrante ilegalidade ou for teratológica. 2. Concedida liberdade provisória, não se admite a impetração de mandado de segurança pelo Ministério Público para fins de atribuição de efeito suspensivo a Recurso em Sentido Estrito, que não o detém. Precedentes. 3. Ordem concedida para confirmar a liminar deferida e afastar o efeito suspensivo deferido ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público" (HC 3S8882/SP, S.aT., reI. Jorge Mussi, 04.08.2016, v.u.). 8.2 Habeas corpus em confronto com o mandado de segurança, no caso de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico O indiciado/acusado tem à sua disposição, para combater vários tipos de coação ou constrangimento ilegal, o habeas corpus. Entretanto, este, como se sabe, deve ser impetrado para a defesa de direito ligado, direta ou indiretamente, à liberdade de ir, vir e ficar. Assim não sendo, para combater a decisão, que defere a quebra de sigilo, o ideal é usar o mandado de segurança.
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Tribunal de Justiça de São Paulo
• '~utorização de quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico no bojo do inquérito policial. Hipótese de tráfico de entorpecentes. Medida que visa apurar a prática, pelo impetrante, de lavagem de dinheiro ou sonegação fiscal. Justa causa reconhecida e presença do fumus bani juris e do periculum in mora. Segurança denegadà' (MS 409.115-3/8, São Paulo, 6.a c., reI. Ribeiro dos Santos, 13.03.2003,v.u., JUBI 83/03). Embora tenha sido denegada a segurança, autorizando, pois, a quebra do sigilo, a menção do referido julgado tem por finalidade evidenciar ser esse o instrumento adequado - e não o habeas corpus - para questionar medidas constrangedoras não vinculadas à liberdade de locomoção. Em outra posição, entendendo caber habeas corpus: STF: AI 573623 QO/RJ, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 31.10.2006, v.u. Trata-se, pois, de nítido caso para a utilização do princípio da fungibilidade dos recursos, ou seja, tanto faz a ação de impugnação utilizada pelo interessado para combater a indevida quebra do sigilo fiscal, bancário ou telefônico, pois o importante é o conhecimento pelo tribunal. É jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal, em nosso entendimento com acerto, ser viável à Comissão Parlamentar de Inquérito, com poderes investigatórios típicos de autoridade judiciária (art. 58, ~ 3.°, CF), determinar a violação dos sigilos bancário, fiscal e de dados telefônicos de investigados. Deve fazê-lo, no entanto, de modo fundamentado. Não pode atuar a CPI, no entanto, no campo denominado de reserva de jurisdição, ou seja, quando a Constituição Federal expressamente atribui ao Judiciário a possibilidade de cercear algum direito individual, por exemplo, decretar a prisão de alguém ou a interceptação telefônica. Supremo Tribunal Federal
• '~ norma inscrita no art. 58, ~ 3.°, da CF permite a qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito o poder de decretar a quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, desde que o faça em ato adequadamente fundamentado (CF: ~rt. 58. (...) ~ 3.° As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou se-
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paradamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores'). Com base nesse entendimento, o Tribunal concedeu mandado de segurança impetrado por corretora de seguros contra o Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMIICorreios) e o Relator da Subcomissão de Sindicância do IRB Brasil Resseguros S.A., pelo fato de esse órgão de investigação legislativa haver aprovado a transferência dos sigilos bancário, fiscal e telefônico' da impetrante. No caso concreto, a CPMI dos Correios, ao motivar a quebra de sigilo, acolhera a alegação feita, em requerimento, de que a impetrante estaria envolvida, direta ou indiretamente, em caso de possível favorecimento a 'Brokers'. Salientando-se que os poderes de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito se submetem às mesmas limitações que se aplicam aos órgãos do Poder Judiciário, considerou-se que, na espécie, a quebra determinada se dera mediante fundamentação genérica e insuficiente, em ofensa ao comando contido no art. 93, IX, da CF ('todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade ..:). MS concedido para invalidar o ato impugnado" (MS 25.668/DF, Pleno, reI. Celso de Mello, 23.03.2006, Informativo
420).
Segundo nos parece, frisando novamente, o instrumento adequado para impedir a violação da intimidade nessas situações é o mandado de segurança, afinal, não está envolvida a liberdade de ir e vir, mas o direito líquido e certo à preservação dos dados concernentes à vida privada. No entanto, há entendimento em sentido contrário, advindo, inclusive, do STF, recomendando a utilização do habeas corpus.3 O mais importante é que a quebra do sigilo pode, sem dúvida, representar indevida intromissão estatal na esfera da intimidade de qualquer pessoa, inclusive dos suspeitos do cometimento de infrações penais. Portanto, antes de se determinar a violação, parece-nos fundamental haver prova da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria. Os dados colhidos (bancário, fiscal ou gravações telefônicas) seriam somente um complemento às provas já existentes.
3. Nessa ótica, Gustavo Badaró (Processo penal, p. 680).
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Supremo Tribunal Federal • "O Tribunal, por maioria, deu parcial provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Joaquim Barbosa, relator, proferida nos autos de inquérito instaurado para apurar a suposta prática dos crimes de quadrilha [atual associação criminosa], peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção ativa e passiva e evasão de divisas, pela qual deferira a quebra de sigilo bancário de conta de não residente da agravante, utilizada por diversas pessoas físicas e jurídicas, determinando a remessa de informações ao STF unicamente no que concerne aos dados dos titulares dos recursos movimentados na referida conta. Entendeu-se que, em face do art. 5.°, X, da CF, que protege o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, a quebra do sigilo não poderia implicar devassa indiscriminada, devendo circunscrever-se aos nomes arrolados pelo Ministério Público como objeto de investigação no inquérito e estar devidamente justificada. Recurso parcialmente provido para que fique autorizada a remessa relativa a duas pessoas físicas e uma pessoa jurídica, deixando ao Ministério Público a via aberta para outros pedidos fundamentados. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, e Carlos Britto que negavam provimento ao recurso, por considerar que o sigilo bancário, apesar de constitucionalmente amparado, não se reveste de caráter absoluto e pode ser afastado por ordem judicial, desde que tal quebra seja concretamente necessária à apuração de fatos delituosos previamente investigados, como no caso, em que presentes fortes indícios da prática de ilícitos, ressaltando, ademais, inexistir devassa, haja vista que as informações cujo fornecimento a decisão agravada determina não incluem os valores movimentados" (Inq. 2.245 AgRlMG, Pleno, reI. Joaquim Barbosa, reI. pl o acórdão Cármen Lúcia, 29.11.2006, m.v., Informativo 450).
8.3 Habeas corpus no contexto da extradição no STF A extradição é um instrumento de cooperação internacional na repressão à criminalidade por meio do qual um Estado entrega a outro pessoa acusada ou condenada, para que seja julgada ou submetida à execução da pena. É da competência do STF (art. 102, I, g, CF), em decisão da qual não cabe recurso - pois a análise é feita pelo Plenário, composto por todos os Ministros -, julgar o pedido de extradição. Trata-se de uma ação de caráter constitutivo, visando à formação de um título jurídico que habilita o Poder Executivo a entregar um indivíduo a um país estrangeiro.
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A decisão da Suprema Corte, autorizando a extradição, não vincula o Poder Executivo, cujo ato passa a ser discricionário. Entretanto, se a decisão for negativa, não pode o Executivo extraditar o estrangeiro. a controle de legalidade do pedido extradicional não está sujeito à concordância do extraditando. De acordo com o art. 208 do Regimento Interno do STF,iniciado o processo de extradição, o extraditando deve ser preso e colocado à disposição da Corte. Não cabe, nesse caso, como regra, liberdade vigiada, prisão domiciliar, tampouco prisão-albergue domiciliar. a Supremo Tribunal Federal tem considerado essa prisão como preventiva, embora seja obrigatória. a processo de extradição, depois do habeas corpus, tem prioridade no Supremo Tribunal Federal. É sorteado um Ministro-relator para apreciar eventual pedido de prisão preventiva, quando formulado pelo Estado-requerente. Pode ocorrer, em casos de urgência, a fim de evitar a fuga do extraditando, que o Estado estrangeiro, antes mesmo da formalização do pedido de extradição, resolva solicitar a medida cautelar. Após a sua concessão, o Estado estrangeiro tem 90 dias para formalizar o pedido, salvo se outro prazo estiver previsto no tratado de extradição mantido entre o Brasil e o Estado solicitante. É o caso do tratado Brasil-Argentina, que prevê o prazo de 45 dias, após a decretação da prisão preventiva, para a formalização do pedido. A defesa do extraditando é limitada e consiste, fundamentalmente, em três itens: erro quanto à identidade da pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados pelo Estado estrangeiro e ilegalidade do pedido extradicional. Quando o relator profere seu voto, deve levar em consideração todos os elementos apresentados, nos autos, pelas partes interessadas (Estado estrangeiro-requerente e extraditando-requerido). Se um dos dois (especialmente o extraditando) omitiu fato ou direito essencial à decisão da causa, é natural que o relator não o tenha narrado aos demais ministros, influindo no veredicto, razão pela qual não cabe habeas corpus, sob a assertiva de ter havido constrangimento ilegal, com referência à decisão tomada. Nessa ótica está a Súmula 692 do STF: "Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a respeito". 8.4 A questão da supressão de instância no habeas corpus Não pode o Tribunal Superior, como regra, tomar conhecimento de um habeas corpus impetrado por réu ou condenado, tratando de questão
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não ventilada, expressamente, nem decidida no recurso julgado pelo Tribunal do Estado. Assim, o Superior Tribunal de Justiça não tem apreciado matéria não levantada pelo paciente anteriormente. Se o fizesse, estaria, em tese, suprimindo uma instância. Pode, no entanto, em caso de urgência e relevância, conceder, de ofício, ordem de habeas corpus para fazer cessar o constrangimento ilegal, bem como determinando que o Tribunal Estadual analise o ponto suscitado. Supremo Tribunal Federal • "A inexistência de manifestação do STJ sobre o mérito da impetração impede o exame da matéria por esta Corte, sob pena de incorrer-se em indevida supressão de instância, com evidente extravasamento dos limites de competência descritos no art. 102 da Constituição Federal" (HC 135949/RO, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 04.10.2016, v.u.). • ''A questão relativa à ausência de exame de corpo de delito não foi objeto de apreciação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nem no Superior Tribunal de Justiça. Desse modo, qualquer juízo desta Corte sobre a matéria implicaria dupla supressão de instância e contrariedade à repartição constitucional de competências. Precedentes. 3. Habeas corpus conhecido em parte e, nessa extensão, denegado" (HC 113127/SP, 2.a T., reI. Teori Zavascki, Df 28.04.014, v.u.). • ''A pretendida fixação da pena-base no mínimo legal não passou pelo crivo das instâncias de origem. imediato conhecimento da matéria acarretaria indevida supressão de instâncias. Precedentes" (HC 103617/ MS, La T., reI. Roberto Barroso, 18.03.2014, v.u.).
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• "Inviável a apreciação em sede de habeas corpus de questão recursal não decidida pelas instâncias anteriores, sob pena de supressão de instâncià' (RHC 120317/DF, La T., reI. Rosa Weber, 11.03.2014, v.u.). • "I - A discussão acerca da do simetria da pena imposta ao paciente foi inaugurada nesta impetração. Desse modo, o pleito não pode ser conhecido, uma vez que seu exame per saltum por esta Corte configuraria dupla supressão de instância e, ainda, evidente extravasamento dos limites de competência descritos no art. 102 da Constituição Federal. 11 - Habeas corpus não conhecido" (HC 118290/ES, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, Df 25.02.2014, v.u.). • "Quanto ao pretendido reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, anoto que o Superior Tribunal de Justiça deixou de analisar a questão, em razão de não ter sido analisada em instância
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antecedente. Portanto, sua análise, de forma originária, pelo Supremo Tribunal Federal, configuraria inadmissível dupla supressão de instância. 5. Recurso não provido" (RHC 117646/SP, La T., reI. Dias Toffoli, DJ 10.03.2014, m.v.). • "Habeas corpus. Constitucional. Processual penal. Crimes de exploração de prestígio (art. 357 do CP), tráfico de influência (art. 332 do CP), corrupção ativa (art. 333 do CP), fraude processual (art. 347 do CP) e quadrilha ou bando [atual associação criminosa] (art. 288 do CP). Nulidades aventadas no curso do procedimento inquisitorial supostamente praticadas no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3.a Região. Questões não analisadas no Superior Tribunal de Justiça. Pretendido exame per saltum. Inadmissível supressão de instância. Precedentes. Alegada falta de motivação da decisão proferida no âmbito
do Superior Tribunal de Justiça, a qual autorizou a 7.a prorrogação das escutas telefônicas pelo prazo de 30 dias consecutivos, o que estaria em desacordo com a lei de regência. Legitimidade da Corte para sua análise. Licitude da decisão de prorrogação. Precedentes. Trancamento da ação penal. Medida excepcional não demonstrada no caso. Conhecimento parcial da ordem. Ordem denegada. 1. Os atos praticados no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3. a Região e impugnados no presente habeas corpus não ensejam conhecimento per saltum por esta Suprema Corte, porquanto não apreciados pelo Superior Tribunal Justiça, importando na ocorrência de supressão de instância e de grave violação das regras de competência previstas na Constituição da República.
2. A 7.a prorrogação das escutas telefônicas, por ter sido autorizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, legitima esta Corte para sua análise. Entretanto, inexiste, na espécie, ausência de motivação da decisão que a implementou, pois, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, 'as decisões que, como no presente caso, autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento' (HC n.O92.020/DF, 2.a Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe 08.11.2010). 3. O trancamento da ação penal na via do habeas corpus é medida excepcional, justificando-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria, o que não ocorre na espécie. 4. Conhecimento parcial da ordem. Ordem denegada" (HC 100.l72/SP, Pleno, reI. Dias Toffoli, 21.02.2013, m.v., grifamos).
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Superior Tribunal de Justiça • "I - Tendo em vista que a tese acerca da ausência de fundamentação idônea da decisão que decretou a prisão preventiva do recorrente não foi apreciada pelo egoTribunal a quo, não é possível a esta Corte preceder a tal análise, sob pena de indevida supressão de instância (precedentes)" (RHC 62410/MG, 5.a T., reI. Felix Fischer, 09.08.2016, v.u.). • "1. O alegado excesso de linguagem na decisão de pronúncia não foi apreciado pela autoridade apontada como coatora, que não conheceu do writ ali impetrado, circunstância que impede qualquer manifestação deste Sodalício sobre o tema, sob pena de atuar em indevida supressão de instâncià' (STJ, RHC 44889/GO, 5." T., reI. Jorge Mussi, 25.03.2014, v.u.). • "1. Inviável a apreciação, diretamente por esta Corte Superior de Justiça, dada sua incompetência para tanto e sob pena de incidir-se em indevida supressão de instância, do aventado constrangimento ilegal em razão da inércia do Juízo de primeiro grau em determinar a realização da reconstituição do crime, tendo em vista que tal questão não foi analisada pelo Tribunal impetrado no aresto combatido. 2. Habeas corpus não conhecido" (HC 282169/SP, 5." T., reI. Jorge Mussi, DJ 11.03.2014, v.u.).
Tribunal de Justiça do Paraná • "Por outro lado, quanto ao pedido para responderem a ação em liberdade, por ausência dos requisitos autorizadores, temos que não existe notícia de pedido análogo postulado em favor dos pacientes no juízo de origem, revelando que as alegações do impetrante não tiveram a devida apreciação meritória pelo Juízo a quo, tornando-se defeso a este Tribunal examinar questão não submetida ao crivo da autoridade singular, sob pena de suprimir um grau de jurisdição, à exceção de flagrante ilegalidade a ser reparada por ordem, de ofício, o que não ocorre no caso em espécie" (HC 0632755-9/PR, 5." Câmara Criminal., reI. Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, 03.12.2009, v.u.).
Tribunal de Justiça de Minas Gerais • "Não tendo sido pleiteado o desentranhamento dos documentos perante o Juízo de primeiro grau, não cabe a este Eg. Tribunal antecipar-se à decisão do magistrado singular, examinando-o, sob pena de supressão de instância" (HC 1.0000.13.095372-2/000,3." Câmara Criminal, reI. Maria Luíza de Marilac, DJ 18.02.2014, v.u.).
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8.5 Relevância da ampla defesa no procedimento do habeas corpus Constituindo o habeas corpus um instrumento constitucional de defesa de direitos individuais fundamentais, em especial o direito à liberdade, indisponível por natureza, o ideal é que, como impetrante, atue sempre um advogado. Obviamente que a sua falta não prejudica o conhecimento do pedido, mas pode enfraquecê-lo, tornando mais débeis os argumentos. Justamente por isso é que os Regimentos Internos do Supremo Tribunal Federal (art. 191, I) e do Superior Tribunal de Justiça (art. 201, I) conferem ao relator a faculdade de nomear advogado para acompanhar e defender oralmente o habeas corpus impetrado por pessoa que não seja bacharel em Direito.
8.6 Habeas corpus e provas 8.6.1 Avaliação da prova ilícita A Constituição Federal veda a utilização, no processo, de provas obtidas por meio ilícito (art. 5.°, LVI). Quando elas forem introduzidas, a parte interessada em excluí-la deve propor o incidente de ilicitude de prova, nos mesmos termos e procedimento do incidente de falsidade documental (arts. 145 a 148, CPP). Assim sendo, o habeas corpus é via inadequada para questionar a ilicitude da prova, pois há necessidade de uma ampla visão de conjunto, possível apenas quando há instrução e produção de outras provas, a depender do caso concreto e da sua urgência.
Superior Tribunal de Justiça 1. Este Tribunal Superior não admite que os dados sigilosos obtidos diretamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil sejam por ela repassados ao Ministério Público ou autoridade policial, para uso em ação penal, pois não precedida de autorização judicial a sua obtenção. 2. O acórdão recorrido expressamente cita que a ação penal não está baseada exclusivamente na prova apontada como ilícita ou em outras dela derivadas; portanto, a alteração do entendimento firmado pela instância ordinária demandaria aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, inviável nesta estreita via. 3. Entende esta Corte Superior que o trancamento da ação penal por meio de habeas corpus ou recurso ordinário é medida excepcional e só se justifica quando
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exsurge dos autos, de forma inequívoca, a ausência de indícios de autoria e prova da materialidade, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não restou demonstrado na espécie, visto que o Tribunal foi categórico em afirmar que existem outros elementos de prova, suficientes, por si sós, a subsidiar a deflagração e o andamento da ação penal. 4. Recurso em habeas corpus improvido" (RHC 63440/ PE, 6.a T., reI. Nefi Cordeiro, 27.09.2016, v.u.). A consideração de ilicitude de determinada prova termina por estabelecer a sua exclusão do conjunto probatóriO. Assim ocorrendo, é preciso verificar se o restante autoriza a justa causa para a ação penal; do contrário, o ideal é o trancamento da demanda, evitando-se constrangimento ilegal para o réu. Tribunal de Justiça de São Paulo • "Habeas corpus. Receptação qualificada. Pedidos de liberdade provi-
sória e trancamento da ação penal. Prova ilícita e falta de justa causa. Obtenção do número de telefone utilizado pelo paciente que se deu por meio de procedimento de bilhetagem, autorizado de forma genérica pela autoridade impetrada. Incompatibilidade com a ordem constitucional. Ofensa aos direitos ao sigilo de dados e à intimidade. Fundamentação que deve demonstrar a necessidade e a adequação da medida ao caso concreto. Prova ilícita. Teoria dos frutos da árvore envenenada. Desentranhamento. Consequente insubsistência de qualquer elemento que relacione o paciente à prática delitiva. Ordem concedida para trancar a ação penal, por ausência de justa causa, com relação ao paciente, com observação" (HC 990.10.323253-4, 16.a c., reI. Almeida Toledo, 05.10.2010, v.u.). 8.6.2 Habeas corpus na produção antecipada de provas em caso de processo suspenso com base no art. 366 do cpp
Desde a edição do Código de Processo Penal até o advento da Lei 9.268/1996, quando o réu era citado por edital e não comparecia à instrução, era considerado revel e o feito prosseguia de qualquer modo. Portanto, era possível chegar ao final do processo, proferindo o julgador sentença condenatória e expedindo, quando fosse o caso, mandado de prisão. Muitos equívocos aconteceram, alguns concretizaram autênticos erros judiciários, pois a ausência do acusado limitava a produção da prova, em
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particular as que diziam respeito ao reconhecimento da autoria. Tudo isso associado ao fato de que era desprestigiada a ampla defesa. A nova redação, dada ao art. 366, passou a mencionar que, citado por edital o réu, se não comparecer, nem constituir advogado, suspende-se o processo, suspendendo-se igualmente a prescrição. Diante disso, até que fosse localizado, não seria viável a produção de atos instrutórios. Entretanto, previu-se uma exceção: em caso de provas urgentes, pode o magistrado ordenar a sua viabilização. Passou-se a debater o conceito de urgência. Alguns sustentaram que a prova testemunhal, sempre, representaria situação urgente, pois a memória, com o passar do tempo, não permanece viva, prejudicando a narrativa. Ocorre que, se tal hipótese fosse acolhida, a suspensão do processo não daria em nada, pois todas as testemunhas seriam inquiridas, não sobrando quase nada para depois do surgimento do réu. Por isso, editou-se a Súmula 455 do STJ: "a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do cpp deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo". A pretensão de ouvir testemunhas, quando o processo está suspenso, deve ser calcada em situação realmente urgente, por exemplo, pessoa enferma ou muito idosa. Se assim não for feito, gera-se nulidade absoluta, pois prejudicial ampla defesa.
à
Superior Tribunal de Justiça • "1. Nos termos do entendimento pacífico desta Corte, cristalizado no verbete sumular n.O455, a produção antecipada de provas, com base no art. 366 do Código de Processo Penal, deve ser concretamente fundamentada, não bastando a mera alegação do decurso do tempo para se ter por urgente a medida. 2. In casu, existe manifesta ilegalidade, pois a providência cautelar foi determinada sem fundamentação hábil, apenas 'a fim de impedir que detalhes do fato criminoso sejam esquecidos ou distorcidos pelo transcurso de lapso temporal considerável: 3. Recurso provido a fim de anular a colheita de prova antecipada, cujo produto deverá ser desentranhado dos autos" (RHC 73361/SP, 6.• T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 20.09.2016, v.u.) . • "Segundo a jurisprudência consolidada nesta Corte, a produção antecipada de provas pressupõe a existência de risco concreto de perecimento
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das informações necessárias ao êxito da persecução penal, mas, no caso, o Juiz de primeiro grau não apontou, objetivamente, as razões pelas quais determinou a produção antecipada de provas, sendo certo que o mero decurso do tempo não é fundamento idôneo, conforme inteligência da Súmula 455/STJ. Diante disso, revela-se adequado o reconhecimento da nulidade da sentença, devendo ser renovada a prova antecipada indevidamente. Porém, em razão da vedação à reformatio in pejus indireta, não poderão ser aumentadas as penas fixadas na sentença anulada, verificando-se já ter transcorrido lapso suficiente para a extinção da punibilidade do paciente pela prescrição. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida para anular a decisão que deferiu a produção antecipada de provas, bem como todos os atos processuais dela decorrentes, e, por conseguinte, reconhecer a extinção da punibilidade, em razão da prescrição da pretensão punitiva" (HC 170956/DF, 6." T., reI. Sebastião Reis Júnior, DJ 11.03.2014, v.u.).
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Produção antecipada de provas. Paciente revel nos termos do artigo 366 do CPP. Oitivas produzidas em relação ao corréu presente e determinadas como produção antecipada em relação a paciente, por economia processual. Fundamentação não válida. Processo desmembrado em relação à paciente. Ordem concedida, determinando-se o desentranhamento das oitivas nos autos desmembrados" (HC 2011822-64.2014.8.26.000, 16.a Câmara Criminal, reI. Pedro Menin, 29.04.2014, v.u.).
8.6.3 Indeferimento de provas • Pode-se dar de acordo com o critério judicial, pois várias provas, requeridas por qualquer das partes, têm o conteúdo meramente protelatório. Se o juiz indeferir prova essencial ao julgamento da causa, vale a interposição de habeas corpus para sanar o problema. No entanto, se o indeferimento atinge uma prova secundária, não cabe recurso, nem habeas corpus. Nessa hipótese, a parte que se julgar ofendida pode levantar uma preliminar em grau de apelação.
Superior Tribunal de Justiça • "1. Sem embargos acerca do amplo direito à produção da provas necessárias a dar embasamento às teses defensivas, ao magistrado, no curso do processo penal, é facultado o indeferimento, de forma motivada, das
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diligênciasprotelatórias, irrelevantes ou impertinentes. Cabe, outrossim, à parte requerente demonstrar a real imprescindibilidade na produção da prova requerida. Precedentes. 2. In casu, o magistrado processante motivou o indeferimento da produção de novo laudo pericial requerido pela defesa com base na não demonstração de sua necessidade, bem como na caracterização de medida meramente protelatória. 3. Para uma melhor aferiçãoacercada concreta indispensabilidade da prova requerida durante a instrução, necessário seria uma profunda incursão em todo o acervo fático-probatório dos autos, providência incompatível com a via mandamental. 4. Recurso ordinário desprovido" (RHC 44991/GO, 5.a T., reI. Ribeiro Dantas, 15.09.2016,v.u.). 8.7 Habeas corpus no Tribunal do Júri 8.7.1 Para assegurar a plenitude de defesa
A plenitude de defesa é um dos princípios informadores do Tribunal do Júri (art. 5.°, XXXVIII, a, CF), assegurando ao réu, em plenário, durante o seu julgamento, a mais vasta e completa possibilidade de defesa. Por isso, o juiz deve zelar pela qualidade da defesa técnica, não permitindo que seja esta meramente formal, sem intensidade e eficiência. Percebendo que o defensor não age a contento, no melhor interesse do réu, pode o julgador declará-lo indefeso (art. 497, V, CPP). Se isso acontecer, resolve-se o problema durante o julgamento, que será adiado. Entretanto, outras situações podem advir, ferindo a plenitude de defesa, ainda na fase de preparação do plenário, dando ensejo ao ajuizamento do habeas corpus. Imagine-se que o réu pleiteie a produção de prova essencial, nessa fase, portanto, antes do plenário e o magistrado a indefira. Não há recurso previsto no CPP para contrariar tal decisão, valendo a interposição de habeas corpus para sanar tal constrangimento. Afinal, seguir a júri, sem uma prova realmente fundamental para a defesa, pode levar à injusta condenação do acusado. Em suma, assegurar, verdadeiramente, a plenitude de defesa pode exigir o ajuizamento do remédio heroico. 8.7.2 Em confronto à soberania dos veredictos
Há duas hipóteses previstas no art. 648 (incisos I e VI) autorizando a concessão de habeas corpus, ainda que haja sentença condenatória com
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trânsito em julgado. Se o Tribunal, tomando conhecimento da impetração, verificar que inexistia justa causa para a ação penal - exemplo disso seria a nítida ausência de prova do corpo de delito -, poderia conceder a ordem para, anulando todo o processo, determinar o trancamento da persecução criminal. Excepcionalmente, surgindo novas provas nesse caso e não tendo ocorrido a prescrição, poderia o Ministério Público propor novamente a ação penal, a ser julgada no Tribunal do Júri. Não se trata de decisão de mérito propriamente dito (verificação da veracidade ou não da imputação fática realizada pelo órgão acusatório), subtraindo a competência constitucional dos jurados, implicando o acolhimento ou a rejeição do pedido, mas condição para que subsista a ação penal, possibilitando, então, o julgamento da eventual culpa do acusado. Por outro lado, pode o Tribunal, em caso de impetração de habeas corpus, igualmente, constatar a manifesta nulidade do processo, porque inexistiu, por exemplo, o acompanhamento de defensor técnico, tendo o magistrado admitido apenas a presença de estagiário de Direito. Anula-se o feito, que já contava com decisão condenatória com trânsito em julgado, porém, oferecida nova denúncia, reparado o erro, haverá normal julgamento pelo Tribunal Popular. Essas medidas são válidas, uma vez que o habeas corpus, de status constitucional, tem por finalidade justamente impedir coações ilegais, de onde quer que elas partam. Logicamente, as hipóteses supra-aventadas são raras, pois, como regra, o réu teve oportunidade de recorrer da decisão condenatória e o Tribunal já avaliou exatamente a justa causa e se houve ou não a nulidade absoluta. Entretanto, se o acusado teve defensor dativo, apenas para ilustrar, que não se preocupou em evidenciar a falta de prova da materialidade do crime, tampouco recorreu da condenação produzida pelo Tribunal do Júri, parece-nos viável a anulação do processo por habeas corpus. Não se impede, naturalmente, que o sentenciado prefira o caminho da revisão criminal para, de forma idêntica, chegar ao resultado supraexposto. Supremo Tribunal Federal
• ''A soberania dos veredictos não é um princípio intangível que não admita relativização. A decisão do Conselho de Sentença, quando manifestamente divorciada do contexto probatório dos autos, resulta em arbitrariedade que deve ser sanada pelo juízo recursal, nos termos do art. 593, inciso IH, alínea d, do Código de Processo Penal" (RHC 118197/ES, La T., reI. Rosa Weber, 11.03.2014, v.u.).
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8.7.3 Excesso de fundamentação ou do acórdão
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ou linguagem da decisão de pronúncia
A decisão de pronúncia é interlocutória mista, pois o juiz decide uma controvérsia - se o réu deve ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri - e coloca fim a uma fase do processo - formação da culpa -, inaugurando outras - preparação do plenário e julgamento de mérito. Não se tratando de sentença condenatória, o magistrado deve abster-se de proferir considerações de mérito, acerca de culpa ou inocência do réu. Além disso, deve evitar frases comprometedoras, injuriosas ou agressivas, tais como: "o réu é evidentemente autor do crime"; "não há a menor hipótese de se tratar de legítima defesà'; "o acusado é delinquente contumaz e facínorà' etc. Os jurados recebem cópia da decisão de pronúncia, quando do julgamento em plenário, motivo pelo qual podem levar em consideração as palavras do juiz para prejulgar o caso. Diante disso, o excesso de fundamentação pode gerar nítido constrangimento ilegal, sanável por habeas corpus, cuja finalidade é anular a pronúncia, desentranhando-se a peça dos autos para que o juiz profira outra em termos sóbrios. O mesmo raciocínio aplica-se ao acórdão, quando destinado a manter a decisão de pronúncia. Afinal, de nada adiantaria o magistrado pronunciar o réu em termos sóbrios e comedidos se o Tribunal se valesse de linguagem excessiva para manter a decisão de primeiro grau. Supremo Tribunal Federal
• "Inocorrência de excesso de linguagem do acórdão da Corte Estadual que determinou a realização de novo Júri com a necessária motivação que deve nortear as decisões judiciais, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, conservando o comedimento necessário para esta espécie de provimento jurisdicional" (RHC 118197/ES, La T., reI. Rosa Weber, 11.03.2014, v.u.). Superior Tribunal de Justiça
• "Não obstante o reconhecimento do excesso, em homenagem ao princípio da economia processual, impõem-se determinar que o Juízo de 1.0grau providencie o desentranhamento do acórdão que julgou o recurso em sentido estrito, arquivando-o em pasta própria, mandado certificar nos autos a condição de pronunciado do Paciente, com a menção dos dispositivos legais nos quais incurso, prosseguindo-se o
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processo. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar que o Juízo de 1.° grau providencie o desentranhamento do acórdão que julgou o recurso em sentido estrito, arquivando-o em pasta própria, mandado certificar nos autos a condição de pronunciado do Paciente, com a menção dos dispositivos legais nos quais incurso, prosseguindo-se no andamento do processo" (HC 139346/SE, 5.a T., reI. Regina Helena Costa, 03.04.2014, v.u.). Tribunal de Justiça de São Paulo • "Sentença de pronúncia que diz ter o acusado 'vida bastante afeita ao crime: Possibilidade de prejuízo a ele, quando de possível consulta aos autos feita pelos jurados. Supressão determinada. Ordem concedida" (HC 2045288-48.2014.8.26.0000, 1O.a Câmara Criminal, reI. Francisco Bruno, 28.04.2014, v.u.). 8.7.4 Desaforamento O Tribunal Popular profere o seu veredicto - culpado ou inocente - em decisão não fundamentada, baseada no princípio da livre convicção Íntima. Assim sendo, devem os jurados ser preservados de qualquer influência externa, não se submetendo a ameaças ou outra espécie de constrangimento. Sob tal fundamento, havendo dúvida quanto à imparcialidade do júri, pode o réu (ou a acusação) apresentar o pedido de desaforamento (art. 427, CPP), que significa a alteração da competência, transferindo o foro de julgamento de uma Comarca para outra. O mesmo se dá no tocante à segurança pessoal do acusado. Se este correr perigo em determinado foro (tentativa de linchamento, por exemplo), pode-se ingressar com desaforamento. Outra possibilidade é a lentidão para a ocorrência do julgamento, por excesso de serviço na Vara do Júri, provocando o excesso de duração da prisão cautelar; torna-se viável o pedido de desaforamento (art. 428, CPP). O pleito de desaforamento é apresentado ao Tribunal e, conforme os motivos alegados, pode o relator determinar a suspensão do julgamento pelo júri (art. 427, $i 2. CPP). 0,
Hipóteses de constrangimento
ilegal podem surgir a partir daí:
a) o julgamento pelo júri se aproxima e o Tribunal ainda não decidiu o mérito do desaforamento, nem suspendeu o trâmite do feito; b) descobre-se causa para o desaforamento no momento o júri, não havendo tempo hábil para o seu ajuizamento;
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c) O Tribunal nega o desaforamento; d) o Tribunal concede o desaforamento, a pedido da acusação, contra o interesse do réu. Em qualquer dessas situações, se persistir o julgamento pelo Tribunal Popular, sérios prejuízos podem advir ao acusado, desde a sua segurança pessoal ser afetada, até mesmo atingir um veredicto injusto, que ficará registrado nos autos - mesmo que haja a renovação do julgamento em plenário noutra ocasião. Cabe, pois, habeas corpus para impedir a realização da sessão de julgamento, pois o risco de dano irreparável ao réu pode dar-se. Nessa ótica, igualmente, encontra-se o magistério de Mauro Cunha e Roberto Geraldo Coelho Silva: "cabível é a impetração, constituindo o habeas corpus o meio idôneo para a manifestação desse direito, desde que a matéria possa vir a ser examinada sem grande indagação':4 O ajuizamento do habeas corpus será feito no Tribunal de Justiça, caso não tenha sido proposto desaforamento, por limitação de tempo. Nesse caso, considera-se o juiz a autoridade coatora, que conduz o feito sem atender aos interesses do acusado. Ajuíza-se no Superior Tribunal de Justiça, quando o Tribunal Estadual ou Regional negar o desaforamento à defesa ou concedê-lo à acusação. 8.7.5 Excesso de prazo após a pronúncia Dispõe a Súmula 21 do STJ: "pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução': Analisada a referida súmula na sua literalidade, chega-se à conclusão de que, em qualquer situação, pouco interessando o tempo decorrido para a instrução, durante a formação da culpa, dá-se tudo por superado. E, a partir da pronúncia, recomeça a computar novo prazo do zero. É preciso repensar o conteúdo sumular, pois o constrangimento
ilegal gerado pelo excesso de prazo, quando nítido e cristalino, durante a formação da culpa, não pode ser simplesmente ignorado. Imagine-se alguém processado por homicídio simples, sujeito a uma pena de reclusão,
4. Habeas corpus no direito brasileiro, p. 91.
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de seis a vinte anos, sendo primário e sem antecedentes, nada indicando que a pena, se aplicada, ficará além do mínimo; conte-se, ainda, que já tenha decorrido mais de um ano desde o recebimento da denúncia até a pronúncia; quando o Tribunal julgar o habeas corpus, constatará estar o acusado preso há mais de um ano, com viabilidade de receber pena de seis anos, logo, já ter cumprido um sexto do total, podendo ser inserido no regime semiaberto (ou mesmo no aberto, se o semiaberto for o inicial); somente porque acabou de ser proferida a pronúncia, esquece-se todo o tempo excessivo que o réu passou no cárcere. Tal medida não nos parece justa, ferindo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Por isso, a Súmula 21 do STJ precisa ser avaliada de modo relativo e jamais em termos absolutos. Se - e somente se - o período de formação da culpa não tiver excedido de forma abusiva o prazo para a instrução, pode-se concluir que a prolação da pronúncia supera a alegação de excesso, tendo em vista que houve a finalização da primeira fase do processo. 8.7.6 Avaliação do elemento subjetivo: dolo ou culpa
Verificar se o agente do crime contra a vida atuou com dolo ou culpa, possibilitando delimitar a competência do Tribunal do Júri para julgar a causa (delitos dolosos contra a vida) não é análise simples; demanda a colheita de provas e a sua pormenorizada avaliação. Por isso, quando houver dúvida, deve-se optar pela competência especial do júri, remetendo-se o processo para lá. Após a fase de formação da culpa (primeiro estágio do procedimento do júri), cabe ao juiz prolatar a decisão de pronúncia (quando verificar a materialidade, indícios suficientes de autoria e detectar ter sido dolo o móvel do agente) ou de desclassificação (se constatar que o elemento volitivo é a culpa). Não se deve debater esse tema na via estreita do habeas corpus, que não dispõe de dilação probatória para tanto. Supremo Tribunal Federal
• "I - O órgão constitucionalmente competente para julgar os crimes contra a vida e, portanto, apreciar as questões atinentes ao elemento subjetivo da conduta do agente aqui suscitadas é o Tribunal do Júri, vedada a esta Corte avocar tal competência. 11- A jurisprudência do STF está assentada no sentido de que o pleito de desclassificação de
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crime não tem lugar na estreita via do habeas corpus por demandar aprofundado exame do conjunto fático-probatório da causa, e não mera revaloração. Precedentes. III - Recurso ordinário não provido" (RHC 120417/AL, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 11.03.2014, v.u.). 8.7.7 Intimação do réu por edital para julgamento
em plenário
A partir da reforma processual penal de 2008, particularmente pela edição da Lei 11.689/2008, a lei passa a autorizar, de modo expresso, que o réu possa ser intimado por edital para a sessão plenária e, caso não compareça, o julgamento se dá do mesmo modo. Desde quando entrou em vigor a nova lei, sustentamos que se trata de lei processual penal, logo, possui aplicação imediata, inclusive a casos em andamento. Noutros termos, se a Lei 11.68912008 começou a viger, abrangendo um processo em andamento, onde já existe pronúncia, mas o acusado ainda não fora intimado para seu julgamento em plenário, caso ele não seja encontrado para isso, pode-se dar ciência da data pela publicação de edital. Não gera nulidade a intimação editalícia, independentemente de quando ela foi realizada, desde que após a vigência da Lei 11.689/2008. Supremo Tribunal Federal
• "1. A lei processual possui aplicabilidade imediata, nos termos do artigo 2.° do cpp ("Art.2.° A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior"). 2. A Lei 11.689/2008 é aplicada aos processos futuros e também aos processos em curso, ainda que estes tenham como objeto fato criminoso anterior ao início da vigência da própria Lei 11.689/2009 ou, ainda, da Lei 9.271/1996, que, alterando artigo 366 do CPP, estabeleceu a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional em relação ao réu que, citado por edital, não compareceu em juízo. A nova norma processual tem aplicação imediata, preservando-se os atos praticados ao tempo da lei anterior (tempus regit actum). Precedentes: HC 113.723, La Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 04.12.2013, e RHC 108.070, La Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 05.10.2012). 3. A possibilidade de o acusado que não for encontrado ser intimado por edital, independentemente de o crime ser, ou não, afiançável, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Lei 11.689, de 09.06.2008. 4. In casu, o recorrente foi pronunciado, em
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08.02.2005, pela prática do crime de homicídio qualificado (art. 121, ~ 2.°, I e IV, do CP), e, estando em lugar incerto e não sabido, teve sua prisão preventiva decretada. O processo permaneceu suspenso até o advento da Lei 11.689/2008. Em 13.09.2009, foi realizada a citação por edital do recorrente, tendo o processo prosseguido à sua revelia. Posteriormente, sobreveio sentença nos autos da ação principal, tendo o recorrente sido condenado pelo Tribunal do Júri a 14 (quatorze) anos de reclusão, em regime fechado. A condenação transitou em julgado em 19.04.2011. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento" (RHC 115563/MT, La T., reI. Luiz Fux, 11.03.2014, v.u.).
8.8 Habeas corpus e prisão do devedor de alimentos A matéria relativa aos alimentos é puramente civil, como consta do art. 1.694 do Código Civil: "podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. ~ 1.0 Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. ~ 2.° Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteià: Na mesma esteira, a execução da quantia devida, a título de alimentos, baseia-se no Código de Processo Civil, nos termos dos arts. 528 e 911 a 913 ("Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. ~ 1.0 Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517. ~ 2.° Somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento. ~ 3.° Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do ~ 1.0, decretar-Ihe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. ~ 4.° A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns. ~ 5.° O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas. ~ 6.° Paga
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a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão. ~ 7.° O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. ~ 8.° O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título lI, Capítulo I1I, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação. ~ 9.° Além das opções previstas no art. 516, parágrafo único, o exequente pode promover o cumprimento da sentença ou decisão que condena ao pagamento de prestação alimentícia no juízo de seu domicílio (...) Art. 911. Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. Parágrafo único. Aplicam-se, no que couber, os ~~ 2.° a 7.° do art. 528. Art. 912. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento de pessoal da importância da prestação alimentícia. ~ 1.0 Ao despachar a inicial, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício. ~ 2. ° O ofício conterá os nomes e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do exequente e do executado, a importância a ser descontada mensalmente, a conta na qual deve ser feito o depósito e, se for o caso, o tempo de sua duração. Art. 913. Não requerida a execução nos termos deste Capítulo, observar-se-á o disposto no art. 824 e seguintes, com a ressalva de que, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação"). Observa-se que a prisão do devedor de alimentos, decretada pelo período de um a três meses, não é pena, mas mera pressão para forçar o pagamento. Tanto é verdade que, paga a quantia, o devedor será imediatamente solto. Pode haver ilegalidade ou abuso de poder nesse procedimento, de forma que a prisão poderia caracterizar um constrangimento. Sob tal cenário, comporta o ajuizamento de habeas corpus, mas será proposto no Tribunal civil.
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Note-se que a ação constitucional - habeas corpus - é destinada a preservar a liberdade de locomoção, quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5.°, LXVIII, CF). O remédio heroico é instituto de natureza constitucional, embora disciplinado no Código de Processo Penal; não serve apenas para solucionar casos relativos a ilegalidades ou abusos penais, mas todo e qualquer constrangimento indevido à liberdade de ir, vir e ficar. Assim sendo, o uso do habeas corpus na esfera penal ou civil depende da natureza da ilegalidade ou abuso de poder. Aliás, do mesmo modo, o mandado de segurança, outra ação constitucional, utilizada para proteger todo direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, quando houver ilegalidade ou abuso de poder proveniente de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, pode ser ajuizado na esfera criminal, quando a matéria for penal, embora, na maioria dos casos, seja do âmbito civil. Em suma, as ações - habeas corpus e mandado de segurança - são constitucionais, embora parcela da doutrina prefira classificá-los como ação penal o habeas corpus e ação civil o mandado de segurança. Se a ação se caracterizasse simplesmente pela lei onde está inserida, conforme o legislador dispôs, estar-se-ia até hoje considerando o habeas corpus um recurso no âmbito penal. Sabe-se, atualmente, não se tratar de recurso, mas de ação, e não possuir natureza penal, e sim constitucional. 5 8.9 Habeas corpus na execução penal 8.9.1 Progressão de regime
Como já expusemos anteriormente, o modelo adotado no Brasil, para o cumprimento da pena privativa de liberdade, é progressivo. Se o
5. "Qualquer direito, de origem constitucional, ou legal, patrimonial ou não - que escape à tutela jurídica pelo remédio jurídico processual do habeas corpus - pode ser, se certo e líquido, amparado pelo mandado de segurança. A técnica legislativa brasileira traçou a linha divisória, de modo que, de um lado, estão os direitos que o habeas corpus protege, e, do outro, os que por isso mesmo que não são protegidos pelo habeas corpus, podem ser tutelados pelo mandado de segurança" (Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, p. 336-337, grifas no original). Assim também, Gumersindo GarCÍa Mareias (El proceso de habeas corpus y los derechos fundamentales, p. 76-77).
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início se der no regime fechado, cabe a transferência para o semiaberto e, depois, para o aberto. Logicamente, se o sentenciado começar no aberto, inexiste progressão. O único benefício seria a concessão do livramento condicional. Entretanto, na atualidade, os condenados preferem cumprir a pena no regime aberto, visto ser feito em PAD (prisão-albergue domiciliar), sem qualquer fiscalização ou obrigação. Significa, na prática, impunidade. A passagem do regime fechado para o semiaberto e deste para o aberto constitui medida relevante para o preso, afinal, o fechado é superlotado e o semiaberto, carecedor de vagas. Há dois requisitos para a transferência: objetivo e subjetivo. Objetivamente, cumpre-se um sexto (crimes comuns) ou dois quintos - para primários - e três quintos - para reincidentes (crimes hediondos e equiparados). Subjetivamente, deve o sentenciado apresentar o atestado de conduta carcerária, demonstrando bom comportamento. Em casos de delitos violentos, o juiz também pode exigir o exame criminológico. Como regra, havendo o indeferimento da progressão de regime, cabe agravo. Como, porém, esse recurso tem um trâmite lento, o interessado termina ajuizando o habeas corpus. Há que se ponderar o seguinte: a) o agravo é o recurso ideal, em particular, quando há necessidade de maior captação de provas, conversão do julgamento em diligência e outros fatores de dilação probatória;6 b) o habeas corpus pode ser a medida adequada, quando todas as provas estiverem nos autos e, mesmo assim, tenha havido o indeferimento da progressão de maneira arbitrária.7 Superior Tribunal de Justiça
• "Nos termos do art. 122 da Lei de Execuções Penais - LEP,o apenado deverá cumprir os requisitos de natureza objetiva (tempo) e subjetiva (atestado de bom comportamento carcerário) para que possa ser beneficiado com a progressão de regime prisional. O Magistrado, com base no resultado desfavorável do exame criminológico, pode indeferir a concessão do benefício, por falta do requisito subjetivo, como na hipótese dos autos. Para se desconstituir a conclusão a que chegaram
6. Se há necessidade de acurado exame de provas, é incompatível o habeas corpus. Nessa ótica: STJ: HC 41.548/SP, 6." T., reI. Hélio Quaglia Barbosa, 06.09.2005, V.U., Dl 26.09.2005, p. 467. 7. Ver também os comentários feitos no item 5.1.3.7 no Capítulo V.
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as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, é necessário o exame minucioso do conjunto fático-probatório, inviável na via eleita. Habeas corpus não conhecido" (HC 326451/SP, 5.a T., reI. Joel Ilan Paciornik, 20.10.2016, v.u.). • "Embora a via estreita do writ não se preste à análise aprofundada do tema debatido, é preciso que a ilegalidade prima facie seja afastada de forma fundamentada. Assim, não obstante a previsão de recurso próprio no ordenamento jurídico, é admissível a utilização do mandamus, quando a pretensão não demanda, em princípio, revolvimento de matéria probatória. Constitui constrangimento ilegal submeter o apenado a regime mais rigoroso do que o que foi determinado judicialmente. Se o caótico sistema prisional estatal não possui meios para manter os detentos em estabelecimento apropriado, é de se autorizar, excepcionalmente, que a pena seja cumprida em regime mais benéfico. O que é inadmissível é impor ao apenado, que deve cumprir pena em regime semiaberto, o cumprimento da pena em regime fechado, por falta de vagas em estabelecimento adequado (precedentes). Recurso ordinário não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para anular o v. acórdão impugnado e determinar que o recorrente seja imediatamente transferido para estabelecimento adequado ao regime semiaberto ou, enquanto persistir a falta de vagas, seja-lhe concedido o benefício da prisão domiciliar, salvo se estiver preso por outro motivo" (RHC 68631/SP, 5.a T., reI. Felix Fischer, 10.05.2016, v.u.). • "I - Na linha de precedentes desta Corte, constitui constrangimento ilegal submeter o apenado a regime mais rigoroso do que o que foi determinado judicialmente. Se o caótico sistema prisional estatal não possui meios para manter os detentos em estabelecimento apropriado, é de se autorizar, excepcionalmente, que a pena seja cumprida em regime mais benéfico. O que é inadmissível é impor ao apenado, que deve cumprir pena em regime semiaberto, o cumprimento da pena em regime fechado, por falta de vagas em estabelecimento adequado (precedentes). 11 - Ademais, o ego Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, consignou a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos gravoso diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas para o cumprimento no regime originalmente estabelecido em condenação penal (RE n. 641.320/RS, Plenário, ReI. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11.5.2016, Informativo n. 825/STF). Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC 341674/RS, 5.a T., reI. Felix Fischer, 02.06.2016, v.u.).
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais Demonstrando a viabilidade de se usar o habeas corpus em lugar do agravo • "Embora exista recurso próprio para se discutirem questões incidentais durante a execução, qual seja, o agravo em execução, o habeas corpus pode ser utilizado em sua substituição, desde que a questão não demande aprofundado exame fático-probatório e que haja possibilidade de lesão ao direito de locomoção do paciente" (HC 1.0000.13.0988561/000, 2.a Câmara Criminal, reI. Catta Preta, DJ 27.02.2014, v.u.).
8.9.2 Penas restritivas de direitos As penas restritivas de direitos têm caráter substitutivo em relação às penas privativas de liberdade, motivo pelo qual, na individualização da pena, o julgador fixa a privativa de liberdade cabível e, depois, preenchidos os requisitos previstos no art. 44, caput, do Código Penal, pode substituir pela restritiva adequada. Por isso, elas também são chamadas
penas alternativas. Feita a referida substituição na sentença condenatória, caso o réu fique insatisfeito, deve apresentar apelação. Não cabe habeas corpus para discutir o mérito da fixação da pena, mormente quando não gera privação imediata da liberdade de locomoção.8 Entretanto, o art. 44, ~ 4.°, do Código Penal prevê a possibilidade de se converter a restritiva de direitos em privativa de liberdade, quando decorrer o descumprimento injustificado da medida imposta. Diante disso, para essa hipótese, cabe a impetração de habeas corpus, se porventura o magistrado resolver pela conversão da restritiva de direitos em privativa de liberdade. Ou se a situação estiver na iminência de levar a tal conversão.
8.9.3 Visita íntima a presos A visita íntima não tem previsão em lei, razão pela qual inexiste direito líquido e certo a defender, quando o diretor do estabelecimento prisional
8. Para Gustavo Badaró, cabe habeas corpus assim que for fixada a pena restritiva de direitos, pois a liberdade de locomoção poderá ser violada, caso haja conversão em privativa de liberdade (Processo penal, p. 678). Assim não pensamos, pois o estabelecimento da restritiva de direitos se dá na decisão condenatória contra a qual cabe apelação e não há chance de conversão, antes do trânsito em julgado.
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não permite essa forma de visitação. Além disso, o direito de visita não tem nenhuma conexão com a liberdade de locomoção. Sob outro aspecto, temos defendido que, no plano administrativo, todos devem ser tratados de forma igualitária perante a lei. Diante disso, o coordenador do presídio, se optar pela concessão do benefício da visita íntima, deve fazê-lo em relação a todos, sem nenhuma forma de discriminação. Se conceder a uns e negar a outros, os prejudicados podem peticionar ao juiz das execuções penais para que interfira, solucionando o caso: ou todos têm ou ninguém tem. Caso o magistrado não intervenha, pode-se interpor agravo. Conforme o caso, a depender da concreta situação, até mesmo mandado de segurança pode ser ajuizado. No entanto, descabe habeas corpus.
8.9.4 Cumprimento de pena no local do domicílio Não tem o condenado o direito de cumprir pena no local de seu domicílio ou onde esteja situada a sua família. O ideal, sem dúvida, até para se garantir a mais adequada ressocialização possível, é que tal situação ocorra. Prevalece, porém, o interesse público sobre o individual. Atualmente, inclusive, presídios federais existem para abrigar pessoas de alta periculosidade, normalmente ligados ao crime organizado, para que fiquem distantes de suas originais esferas de atuação. Ilustrando: se o líder de uma organização criminosa é preso e condenado, mormente pela prática de crime hediondo ou equiparado, em Salvador, pode cumprir pena no Estado do Paraná, em presídio federal, bem distante de onde se encontra sua família e, também, seus antigos comparsas. Não há cabimento para a propositura
de habeas corpus.
Supremo Tribunal Federal • ''A Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, ao dirimir conflito de competência, indicara o juízo do local do cumprimento da pena como órgão judiciário competente para tratar sobre a sua execução. Pleiteava-se, na espécie, a transferência do paciente para estabelecimento prisional localizado no Estado em que ele fora condenado, ao argumento de lá se encontrarem seus parentes e as pessoas de seu convívio social. Considerando a periculosidade do paciente, o fato de exercer liderança sobre organização criminosa ligada ao narcotráfico e a circunstância de comandar, de dentro da penitenciária, ações contrárias
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à paz e à ordem públicas, entendeu-se que a execução da pena deveria ocorrer em jurisdição diversa daquela em que condenado. Asseverou-se que, em face da supremacia do interesse público, o Estado em que se dera a condenação seria o lugar menos apropriado para o paciente cumprir sua pena. Declarou-se, também, o prejuízo da medida cautelar pleiteada e do agravo regimental interposto" (HC 88.508, MC-AgR/RJ, 2.a T., reI. Celso de Mello, 05.09.2006, Informativo 439). 8.9.5 Ampla defesa na execução Há decisões judiciais, tomadas durante a execução da pena, que podem prejudicar o sentenciado, tais como: regressão de regime; revogação do livramento condicional ou do sursis; indeferimento de saída temporária etc. O processo penal, com todos os seus princípios constitucionais, aplica-se não somente ao processo de conhecimento, mas também à fase da execução penal. Portanto, uma das principais garantias individuais a preservar, nessa fase, é a ampla defesa, acompanhada, naturalmente, do contraditório. Quando houver necessidade de tomar uma medida contrária ao interesse do condenado, em particular, nos casos de regressão de regime, ele deve ser ouvido pelo juiz (autodefesa), assistido por defensor (defesa técnica). Não seguindo esse ritual de defesa, a decisão judicial gera constrangimento ilegal, passível de correção pela via do habeas corpus. Idealmente, caberia agravo, mas há certas decisões que não podem aguardar o lento trâmite processual desse recurso. Exemplificando, quando o juiz determina a regressão do regime aberto ao fechado, torna-se mais seguro o habeas corpus em lugar do agravo. Tribunal de Justiça de Minas Gerais • "Configura-se nula a decisão que regrediu o regime do paciente, se não houve a presença de defesa técnica em audiência de justificação, implicando, necessariamente, em lesão à ampla defesa e ao contraditório. Ordem parcialmente concedidà' (HC 1.0000.14.004664-0/000, 4.a Câmara Criminal, reI. Doorgal Andrada, DJ 09.04.2014, v.u.). Tribunal de Justiça de São Paulo • "Conversão da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade em pena privativa de liberdade, sem prévia oitiva do paciente. Necessidade de prévia oitiva do sentenciado, possibilitando justificar o
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descumprimento da obrigação. Violação ao princípio da ampla defesa. Ordem concedidà' (HC 00515603020138260000, 5.a Câmara de Direito Criminal, reI. José Damião Pinheiro Machado Cogan, Df 17.05.2013, v.u.). Quando há uma transgressão às condições impostas para o cumprimento do regime semiaberto ou aberto, havendo urgência (ex.: ocorrência de prisão em flagrante do sentenciado quando estava em saída temporária), pode o juiz das execuções penais suspender cautelarmente o regime vigente, inserindo-o no fechado, até a decisão definitiva. Para a referida suspensão cautelar não há necessidade de oitiva do preso, pois ele terá o direito de defesa assegurado antes da avaliação judicial derradeira. Tribunal de fustiça de São Paulo • "Impetração pleiteando a anulação da r. decisão que sustou cautelarmente o regime semiaberto, sem prévia oitiva do paciente. Constrangimento ilegal não configurado. Desnecessidade de prévia oitiva do sentenciado para fins de sustação cautelar. Ordem denegadà' (HC 2040603-33.2013.8.26.0000, 5.a Câmara de Direito Criminal, reI. José Damião Pinheiro Machado Cogan, Df 24.04.2014, v.u.). 8.9.6 Execução provisória da pena Há muito, esse tema deixou de ser polêmico, pois há a Súmula 716 do STF ("admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatórià') a respeito, bem como Resolução do Conselho Nacional da Justiça. Aceita-se a execução provisória da pena, em prol do réu preso, sempre a beneficiá-lo. Se o acusado é condenado à pena privativa de liberdade, sendo imposto regime inicial fechado, sem direito de apelar solto, mas apresentando ele o recurso cabível contra a decisão condenatória, tem direito que seja expedida a guia de recolhimento provisória. Assim ocorrendo, ele pode pleitear ao juízo da execução penal, enquanto tramita a sua apelação, a progressão do regime fechado ao semiaberto, desde que preenchidos os requisitos legais (tempo de cumprimento + merecimento). Embora a questão não esteja expressamente prevista em lei, tornou-se direito líquido e certo do condenado essa possibilidade. Se o juiz negar a expedição da guia, pratica constrangimento ilegal, sanável pela via do habeas corpus.
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Tribunal de Justiça de São Paulo • "Forçoso reconhecer a expedição da guia de recolhimento para a execução como um direito do réu quando estiver preso ou vier a ser preso, consoante disciplina o art. 105 da Lei de Execução Penal. Ademais, a Lei de Execução Penal, preambularmente, em seu art. 2.°, parágrafo único, estabelece: Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e
ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária. Dessa feita, o preso provisório carente de decisão transitada em julgado - partilha dos mesmos direitos e deveres do preso definitivo, cuja condenação seja irrecorrível, motivo pelo qual se torna evidente o reconhecimento da pretensão do paciente. Assim vimos defendendo: Execução provisória da pena: trata-se de uma
realidade no cenário jurídico brasileiro,já regulamentada pelos Tribunais dos Estados e também pelo Conselho Nacional de Justiça. Por isso, ojuízo da condenação, assim que o réu vier a ser preso ou se já se encontrar detido, deve determinar a expedição de guia de recolhimento, ainda que haja recurso das partes, portanto, antes do trânsito em julgado, colocando a observação de se tratar de guia de recolhimento provisória (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, 5. ed., 2010, p. 541). Assim, merece ser rechaçado o decisum a quo, pois destoante do pacífico entendimento da jurisprudência e da doutrina, ao arrepio do disciplinado pelo ordenamento jurídico. Imperioso reverberar a Súmula 716, editada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual
admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, asseverando o caráter indispensável da expedição da guia de execução provisória. Diante do exposto, nota-se a superação das argumentações sustentadas pela exordial, inclusive no que se refere à liberdade provisória, porquanto indeferida pelo magistrado a quo, em sua decisão final, esgotando a análise pela presente via. Ordem concedida para a expedição da guià' (HC 990.10.248808-0, 16.a c., reI. Souza Nucci, 05.10.2010, v.u.).
8.10 Habeas corpus na Justiça do Trabalho Atualmente, inexiste qualquer hipótese em que a Justiça do Trabalho tenha competência efetiva para julgar habeas corpus. Preceitua o art. 114, IV, da Constituição Federal: "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) IV - os mandados de segurança, habeas
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corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita
à sua jurisdição" (grifamos). A exclusiva matéria, sujeita à sua competência, era a prisão do depositário infiel na execução trabalhista. No entanto, o STF julgou inconstitucional a prisão civil do depositário infiel em qualquer situação. Dessa maneira, não possui a Justiça do Trabalho competência para julgar habeas corpus. Se um juiz do trabalho prender alguém em flagrante, lavrando o auto ele mesmo, o que é hipótese rara, torna-se autoridade coatora, mas a matéria não é trabalhista; cuida-se de tema evidentemente penal. Cabe ao TRF apreciar o habeas corpus impetrado. Aliás, vale lembrar que, quando o magistrado do trabalho dá voz de prisão a alguém, em flagrante delito, deve funcionar como condutor, buscando o Delegado Federal para lavrar o auto. Nessa hipótese, este último é a autoridade coatora e quem deve verificar a regularidade da prisão é o juiz federal. 8.11 Habeas corpus no cenário de medidas restritivas da liberdade 8.11.1 Prisão para averiguação
Dispunha o art. 153, ~ 12, da Constituição Federal de 1967, com a redação dada pela Emenda 1, de 1969, o seguinte: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. (...)': Assim sendo, argumentava-se que a autoridade policial, dispondo do poder de polícia do Estado, poderia prender alguém, sem ordem judicial, pois o texto constitucional, ao mencionar autoridade competente, permitia essa ampliação. Entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, deu-se nova redação ao dispositivo, no art. 5.°, LXI: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei': A partir daí, eliminou-se a viabilidade da prisão para averiguação, concretizada pela atuação policial, sem expressa ordem do juiz. Afinal, hoje, somente há prisão legal em caso de flagrante delito ou por decisão escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Note-se a cautela do constituinte: ordem escrita + ordem fundamentada + autoridade judicial + competência do juiz. Nem mesmo o magistrado
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pode prender alguém por ordem verbal ou por meio de decisão escrita, sem motivação; ou ainda quando for incompetente para avaliar o caso criminal. Havendo a denominada prisão para averiguação, torna-se possível o ajuizamento de habeas corpus perante o juiz contra ato ilegal da autoridade policial. 8.11.2 Medidas cautelares alternativas à prisão A Lei 12.403/2011 implantou medidas cautelares alternativas à prisão, com a finalidade de substituir os males da custódia provisória, prevendo requisitos para a sua aplicação. Noutros termos, embora a imposição das medidas cautelares seja mais benéfica que a segregação, mesmo assim são restrições à liberdade, não podendo ser aplicadas automaticamente a todos os casos.9 São requisitos para estabelecer medidas cautelares: a) necessariedade; b) adequabilidade. A necessidade se apura por um dos seguintes elementos: a.l) aplicação da lei penal; a.2) investigação ou instrução criminal; a.3) quando expressamente previsto em lei, para evitar a prática de infrações penais. A adequação é avaliada por um dos seguintes fatores: b.l) gravidade concreta do crime; b.2) circunstâncias do fato; b.3) condições pessoais do agente. São obrigatoriamente cumulativos: necessariedade + adequabilidade. Para cada um deles, basta o preenchimento de um dos três elementos que os compõem. As medidas cautelares existentes estão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. Devem ser escolhidas pelo juiz em número de uma ou mais, que podem ser aplicadas cumulativamente. Se não houver fundamento para a fixação de medidas cautelares ou se forem estabelecidas medidas incompatíveis com a situação concreta do acusado, porque são restritivas da liberdade, ainda que de modo relativo, cabe a impetração de habeas corpus para corrigir o constrangimento ilegal. 8.11.3 Juízo de periculosidade Não são raras as vezes nas quais os Tribunais fazem referência à periculosidade do réu, fundamentando nisso a decretação da custódia
9. É o que temos sustentado em outras obras nossas: Prisão e liberdade; Código de Processo Penal comentado e Manual de processo penal e execução penal.
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cautelar. É preciso destacar que esse termo é utilizado amplo, representando a potencial reiteração criminosa.
no seu sentido
Portanto, antes de tecer maiores considerações a respeito, convém enaltecer o sentido estrito do termo periculosidade. Levando-se em conta que, analiticamente, o crime significa um fato típico, ilícito e culpável, entende-se por culpabilidade o juízo de censura, incidente sobre o fato e seu autor, quando este é imputável - tem mais de 18 anos e é mentalmente são -, age com consciência potencial de ilicitude e pode atuar livremente, dentro da exigibilidade de um comportamento conforme o Direito. Sob outro aspecto, quando se trata de agente inimputável por conta de enfermidade mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, deve ser considerado perigoso, violador em potencial da norma jurídica, por ausência de discernimento ou julgamento moral. Eis a razão de lhe ser aplicada medida de segurança, internando-o ou submetendo-o a tratamento ambulatorial. A contraposição se faz justamente nesse contexto: ao criminoso, realiza-se o juízo de censura (culpabilidade), aplicando-se pena; ao autor de injustos penais (ilícitos típicos), não se faz juízo de reprovação, pois é incapaz de discernir entre o certo e o errado, incidindo, em seu lugar, o juízo de temibilidade (periculosidade). Os doentes mentais violentos são inconstantes, desequilibrados e instáveis, podendo ferir alguém a qualquer momento. Essa imprevisibilidade de seu comportamento gera a sua temibilidade, constituída pela potencialidade de reincidir a qualquer momento. As pessoas mentalmente saudáveis, que recebem pena, não sofrem juízo de periculosidade, visto ter sido substituído pelo de culpabilidade. No entanto, tal medida se dá para efeito de decisão da causa, no sentido penal: pena ou medida de segurança. Ocorre que, no âmbito processual penal, volta-se a falar em periculosidade, no sentido amplo, representando a possibilidade de um agente, plenamente capaz, reincidir na prática de delitos. Quando essas infrações penais são graves, ligadas ao crime organizado, cometidas por agente reincidente ou possuidor de maus antecedentes, gerando clamor social ef ou executadas por meio particularmente anômalo (exemplos: crueldade, tortura), faz-se o juízo de periculosidade, para fins processuais apenas, demonstrando a conveniência da prisão cautelar.
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Supremo Tribunal Federal • "I - A prisão cautelar foi decretada para garantia da ordem pública, ante a gravidade dos fatos narrados na denúncia - a demonstrar a periculosidade do paciente - e, ainda, pela circunstância de ser reincidente em crime de mesma natureza. 11 - Essa orientação está em consonância com o que vêm decidindo ambas as Turmas desta Corte, no sentido de que a periculosidade do agente e o risco de reiteração delitiva demonstram a necessidade de se acautelar o meio social, para que seja resguardada a ordem pública, e constituem fundamento idôneo para a prisão preventiva. III - Este Tribunal já firmou entendimento no sentido de que, permanecendo os fundamentos da custódia cautelar, revela-se um contrassenso conferir ao réu, que foi mantido custodiado durante a instrução, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação. No presente caso, o réu permaneceu preso preventivamente por 2 (dois) anos, até que o STJ concedesse liberdade provisória por excesso de prazo na instrução criminal. Ademais, cumpre pena por outro crime. IV - Habeas corpus denegado" (HC 117090/SP, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 20.08.2013, v.u.). • "L Os fundamentos utilizados revelam-se idôneos para manter a segregação cautelar do paciente, na linha de precedentes desta Corte. É que a decisão aponta de maneira concreta a necessidade de garantir a ordem pública, ante a periculosidade do agente (= suposto membro de uma organização criminosa dedicada ao tráfico de drogas, com condenação anterior por posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada). 2. As circunstâncias concretas do caso e as condições pessoais do paciente não recomendam a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão preventiva, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. 3. Ordem denegadà' (HC 118347/PR, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 18.03.2014, v.u.). • "1. As circunstâncias do ato imputado ao Paciente demonstram que as decisões das instâncias antecedentes harmonizam-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, segundo a qual a periculosidade do agente evidenciada pelo modus operandi e o risco concreto de reiteração criminosa são motivos idôneos para a manutenção da custódia cautelar. Precedentes. Impossibilidade de aplicação de medida cautelar diversa da prisão. 2. Condições subjetivas favoráveis não impedem a prisão, quando presentes, como na espécie, elementos concretos para a constrição da liberdade. 3. Ordem denegadà' (HC 118955/PR, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 11.03.2014, v.u.).
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• "I - A prisão cautelar se mostra suficientemente motivada para a preservação da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do paciente, verificada pelo modus operandi mediante o qual foram praticados os delitos, e o risco de reiteração delitiva. Precedentes. 11- Há também orientação assente nesta Corte no sentido de que as circunstâncias pessoais favoráveis ao paciente, por si sós, não são suficientes para afastar a prisão preventiva embasada nos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. III - Ordem denegadà' (HC 120835/SP, 2.a T., reI. Ricardo Lewandowski, 11.03.2014, v.u.). • "1. A prisão preventiva justifica-se ante a gravidade in concrecto do crime e das circunstâncias que o envolveram, bem como em razão da periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi. Precedentes: HC 117.385-AgR, La Turma, de que fui relator, D/e 13.02.14; HC 114.616, 2.a Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, D/e 17.09.2013;HC 113.793,2. a Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, D/e 28.05.2013. 2. In casu, o TJMG deu provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público para decretar a prisão preventiva do impetrante/paciente no curso da ação penal, com fundamento na gravidade concreta dos fatos em apuração e nas circunstâncias que o envolveram, bem como na periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi. A Corte Estadual ressaltou que o impetrante/paciente, 'após constatar que a vítima não possuía qualquer bem ou valor a lhe entregar, (o recorrido) teria tentado ceifar a sua vida, efetuando três disparos de arma de fogo em sua direção, não logrando êxito, felizmente, em acertá-la. A meu ver, as circunstâncias do caso são graves e demonstram a periculosidade do recorrido, que supostamente, agiu completamente em desacordo com a sua função constitucional de zelar pela proteção da sociedade, portando-se como um verdadeiro criminoso. (... ) Vale destacar, lado outro, que, segundo o Relatório de Operação da Polícia Militar, n.O2012/P2-46.o BPM (fls. 21/34), há notícias do envolvimento do recorrido em uma quadrilha [atual associação criminosa] especializada na subtração e receptação de veículos e na traficância ilícita de drogas, o que reforça a necessidade de sua prisão visando assegurar a tranquilidade social. De outro norte, a segregação cautelar do recorrido também mostra-se imprescindível pela conveniência da instrução criminal, tendo em vista a existência de fortes indicativos de que está ameaçando testemunhas do caso'. 3. Na sentença condenatória, o magistrado vedou o direito de recorrer em liberdade, sob o fundamento de que ainda persistiam os motivos que
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autorizaram a decretação da custódia cautelar. Destacou que 'a medida extrema justifica-se pela garantia da ordem pública, considerando a gravidade concreta dos fatos em apuração e as circunstâncias que o envolveram'" (HC 119321/MG, La T., reI. Luiz Fux, 11.03.2014, v.u.). Superior Tribunal de lustiça
• "1. A necessidade da segregação cautelar se encontra fundamentada na garantia da ordem pública em face da periculosidade do recorrente, caracterizada pela reiteração de práticas delituosas contra sua ex-esposà' (RHC 43493/MS, S.aT., reI. Moura Ribeiro, Dl 18.02.2014, v.u.). • "Na espécie, a manutenção da prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública, em razão da periculosidade concreta do paciente, evidenciada pela mecânica delitiva empregada, bem assim pela gravidade real da conduta, destacando o Tribunal de Justiça, outrossim, a possibilidade de reiteração criminosa e a necessidade de se resgatar a estabilidade social, notadamente considerando que as condutas foram praticadas na esfera familiar. Precedentes" (HC 282848/SP, S.aT., reI. Marco Aurélio Bellizze, Dl 11.02.2014, v.u.). • ''A necessidade da segregação cautelar se encontra fundamentada na garantia da ordem pública em razão da periculosidade do paciente, que teria logrado envolver um adolescente para atear fogo nos ônibus de um concorrente comercial. Prisão preventiva calcada, também na conveniência da instrução criminal, atendendo a outro preceito do art. 312, do CPP, porque o réu por vezes ameaçou o menor e seus familiares, o que revela fundado receio deles sofrerem retaliação. O Superior Tribunal de Justiça, em orientação uníssona, entende que, persistindo os requisitos autorizadores da segregação cautelar (art. 312, CPP), é despiciendo o paciente possuir condições pessoais favoráveis" (HC 28S481/MG, S.a T., reI. Moura Ribeiro, Dl 22.04.2014, v.u.). 8.11.4 Prisão cautelar substituída por medida alternativa É perfeitamente possível analisar o pedido de habeas corpus feito pelo impetrante, em favor do paciente, concluindo ser cabível a custódia cautelar, em princípio, mas, pelo decurso do tempo, confrontando-se com a proporcionalidade da situação, conceder a ordem parcialmente para o fim de substituir a prisão por outra medida restritiva, conforme previsão do art. 319 do CPP.
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Na mesma ótica, não é caso de, simplesmente, indeferir o habeas corpus, porque o juiz decretou, no início, de maneira fundada, a segregação cautelar, sendo que, no momento do julgamento, ela se estendeu além da conta. Igualmente, não há sentido em se conceder a ordem, liberando o paciente, sem qualquer restrição, quando estiverem presentes os requisitos do art. 282 do CPP. Em suma, uma das soluções para o julgamento do habeas corpus, quando se tratar de prisão provisória, deve ser a análise da conveniência de se conceder a ordem para o fim de se aplicar, em substituição, medidas alternativas. Estas são restritivas à liberdade, mas não têm o mesmo fardo da segregação.
Supremo Tribunal Federal • "1. Considerado o que decidido nas instâncias antecedentes e as circunstâncias em que praticado o delito, a decisão de prisão preventiva do Paciente harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou que a periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi, constitui motivo idôneo para a custódia cautelar. 2. As condições pessoais do Paciente, aliadas à circunstância dele estar preso há quase dois anos, não havendo, até o momento, previsão de data para a realização do julgamento pelo Tribunal do Júri, indicam a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão preventiva, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. 3. Ordem parcialmente concedida, para determinar ao juízo da 3.a Vara da Comarca de Bebedouro/SP que examine a possibilidade de substituição da prisão provisória do Paciente por algumas das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, atendo-se às circunstâncias do caso concreto, se for o caso e motivadamente. 4. Determinação ao Tribunal de Justiça de São Paulo para devolver os autos da Ação Penal n. 0001805-49.2012.8.26.0072 à 3.a Vara da Comarca de Bebedouro/ SP ou informar sobre eventual recurso interposto" (HC 119684/SP, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, Df 11.03.2014, v.u.).
Tribunal Regional Federal - 3. a Região • "A prisão cautelar é medida excepcional que deve ser efetivada mediante decisão devidamente fundamentada. A decretação da prisão preventiva restou fundamentada única e exclusivamente na gravidade do delito, considerada garantia da ordem pública considerando
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a gravidade do delito e a habitualidade com que o corréu exercia, aparentemente, a atividade criminosa. Os motivos declinados pela DD. Autoridade impetrada para o indeferimento da liberdade provisória não se subsistem em relação ao paciente para a manutenção da custódia cautelar. As razões para amparar a prisão preventiva devem ser de tal ordem que pressuponham concreto perigo para a ordem pública. Não bastam suposições. O perigo deve vir expresso em fatos palpáveis e definidos. A decisão que negou o pedido de liberdade provisória ao paciente fundamentou-se apenas na gravidade do delito perpetrado. Quanto a esse ponto, considerado o número de cédulas apreendidas, verifica-se que não se trata número significativo, a justificar a segregação cautelar. Em caso de eventual condenação pela imputada prática do crime de moeda falsa, ainda que a pena-base seja fixada em patamar acima do mínimo legal, à luz do entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, a sanção final muito dificilmente atingiria montante superior a quatro anos, que permitisse a imposição de regime de cumprimento de pena semiaberto ou fechado. Observa-se desproporcionalidade da segregação provisória no presente momento processual. Ausentes os requisitos que autorizam o decreto da prisão preventiva, é possível a concessão da liberdade provisória mediante o cumprimento das medidas cautelares diversas, nos termos do artigo 321 do Código de Processo Penal. Não sendo a motivação apresentada suficiente para a manutenção da custódia cautelar, devem ser aplicadas outras medidas cautelares menos severas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 12.403/2011. Ordem concedida" (HC 57090/SP, La T., reI. Márcio Mesquita, DJ 11.03.2014, v.u.).
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul • "1. A conversão da prisão em flagrante em preventiva dispensa representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público. Situação que não viola o sistema acusatório ou o artigo 282, ~ 2. do CPP. 2. Não restou evidenciado risco à ordem pública na concessão da liberdade. Embora o crime seja grave, a paciente é tecnicamente primária e os contornos do fato demonstram que a substituição da prisão por medidas alternativas se mostra suficiente. Ordem concedidà' (TJRS, HC 70058997503, 7.a Câmara Criminal, reI. Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, j. 16.04.2014, m.v.). 0,
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Tribunal de Justiça de São Paulo • "Muito embora não se verifique a existência de excesso de prazo decorrente de desídia do magistrado a quo na condução do feito porquanto expedida carta precatória em 18 de dezembro de 2012, para inquirição de testemunhas, o juízo deprecado designou audiência para o dia 9 de maio de 2013, às 14h30min, não sendo a precatória devolvida até a presente data -, tal fator não é justificativa suficiente à manutenção da prisão cautelar, a qual deve guardar respaldo em elementos concretos, idôneos ao preenchimento dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Frise-se, a prisão cautelar é excepcionalidade, cabendo, portanto, ao magistrado avaliar o caso concreto e, com fulcro nos elementos fáticos, auferir a necessidade da medida. Outrossim, embora seja impróprio o prazo de sessenta dias determinado no artigo 400 do Código de Processo Penal, não quer isso dizer que sua ultrapassagem não configura constrangimento ilegal. Ao que se infere de sua folha o réu é primário e sem antecedentes. Se condenado pela prática do roubo, dificilmente ser-Ihe-á imposta a pena máxima e, provavelmente, já terá cumprido 1/6 (um sexto) da reprimenda fixada, fazendo jus à progressão de regime. Diante do panorama, a melhor solução é a concessão da liberdade provisória mitigada por medida cautelar, consoante hipótese prevista na Lei n.O 12.403/2011, em razão de sua adequabilidade e necessariedade ao presente caso. O comparecimento mensal em juízo - que visa ao acompanhamento da vida do sujeito, durante o inquérito ou processo - se mostra suficiente. Afinal, se não cumprir ou apresentar conduta incompatível com as atividades esperadas de quem responde a processo-crime, pode ser preso preventivamente" (HC 0060660-09.2013.8.26.0000, l.a C. E., reI. Souza Nucci, 30.08.2013, v.u.) . • "Presentes os pressupostos autorizadores da liberdade provisória com aplicação de medidas cautelares diversas da prisão previstas na Lei 12.403/2011, cabível a concessão com restrições. Ordem concedida, confirmada a liminar" (HC 0010638-10.2014.8.26.000, 15.a Câmara Criminal, reI. ]. Martins, 03.04.2014, v.u.) . • "Prisão cautelar que ofende o princípio da presunção da inocência Paciente que é primária e possuidora de bons antecedentes. Inteligência do parágrafo único, do artigo 387, do Código de Processo Penal, o qual revogou o artigo 594 do mesmo estatuto processual. Concessão parcial da ordem, com a imposição das medidas cautelares previstas nos incisos I, IV e V, do artigo 319 do Código de Processo Penal,
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ratificando-se a liminar deferida" (HC 0005896-39.2014.8.26.000,16. Câmara Criminal, reI. Borges Pereira, 29.04.2014, v.u.).
3
8.11.5 Regime inicial de cumprimento liberdade
da pena e vedação ao recurso em
Uma das situações capazes de gerar constrangimento ilegal, sanável pela via do habeas corpus, é a contradição existente entre o regime aberto, para iniciar o cumprimento da pena, ao mesmo tempo em que se nega o direito de recorrer em liberdade. Ilustrando, se o julgador fixa a pena de quatro anos, em regime inicial aberto, não há cabimento em se proibir o réu de apelar em liberdade. Afinal, se, cumprindo pena - que é a situação mais grave -, ele poderá ficar praticamente solto, somente se recolhendo à noite, inexiste lógica para aguardar detido o julgamento de seu recurso. No mesmo sentido, caso o regime inicial fixado seja o semiaberto, que garante ao preso a vida em colônia penal, sem claustro, com saídas livre de vigilância, entre outras regalias, como estudar e trabalhar externamente, torna-se ilógico prendê-lo em regime fechado, enquanto seu recurso pende de apreciação. Tribunal de Justiça de São Paulo • "Em diligência realizada por esta relatoria, verificou-se ter sido prolatada sentença condenatória, cominando ao paciente pena de 3 anos, 2 meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, vedado o direito de apelar em liberdade. Tem-se, portanto, estar o paciente recolhido em regime fechado, quando em verdade, havendo trânsito em julgado, se mantida a condenação, deveria iniciar o desconto da pena em regime intermediário. É mister que se inicie a execução provisória da pena, pondo-se o paciente a cumprir não mais do que lhe foi imposto na sentença condenatória. Neste sentido é a Súmula 716 do E. Supremo Tribunal Federal: 'admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (grifamos). Concessão da ordem para sua imediata inserção no regime semiaberto'" (HC 990.10.325248-9, 14. c., reI. Souza Nucci, 25.11.2010, v.u.). 3
8.12 Investigação conduzida pelo Ministério Público passível de gerar constrangimento ilegal O Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal pública, além de atuar como custos legis, em especial nos feitos criminais. É o
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órgão fiscalizador da atuação da polícia judiciária, fazendo-o de maneira externa à instituição. Desde que a Constituição Federal de 1988 foi editada, jamais se regrou, por lei, a investigação criminal, presidida única e exclusivamente pelo Ministério Público, a não ser como órgão de apoio à Corregedoria da Polícia Judiciária, cuja responsabilidade é da competência de juiz de direito. Debate-se até hoje, sem chegar a uma conclusão definitiva, que somente poderia ser dada pelo Supremo Tribunal Federal, pela voz do seu Plenário, se tal investigação isolada, sem qualquer fiscalização de organismo judiciário, é legítima ou não. Os Tribunais pátrios, por seus colegiados, têm proferido decisões pelo sim e pelo não. Pode-se até mesmo arriscar dizer que a maioria tem validado a investigação feita pelo Parquet, embora seja imperioso afirmar que isso não se dá com frequência, vale dizer, investigações criminais, conduzidas exclusivamente pelo MP, sem registro na polícia ou no Judiciário, instruindo uma denúncia, são raras. Em outras obras de nossa autoria, 10 temos manifestado a opinião de que o Ministério Público não está legalmente autorizado a investigar, sozinho, a materialidade e a autoria de qualquer delito. 11 Pode - e deve - empreender seus esforços para, juntamente com a polícia judiciária, investigar crimes, apurar a autoria e, com isso, denunciar pessoas. Sem dúvida, durante o inquérito policial, mesmo que o faça à parte, pode requisitar informações, documentos, dados e outros elementos. Quando se tratar da investigação da própria polícia, cremos correta a instauração de procedimento administrativo junto à Corregedoria da Polícia Judiciária, sob a fiscalização de juiz, para apurar o cometimento de crimes. Se houver necessidade, em situações excepcionais, a investigação do Ministério Público deve ser realizada, embora deva ser acessível ao advogado de qualquer suspeito - tal como o é o inquérito policial.
10. Código de Processo Penal comentado; Manual de processo penal e execução penal. 11. É valioso destacar que muitos dos que sustentam posição contrária, defendendo a possibilidade investigatória do MP, esquivam-se do ponto central do debate. E este ponto concentra-se na investigação de gabinete, sem nenhuma fiscalização, sem acesso do advogado do suspeito, sem publicidade, sem registro, enfim, um "protocolado" de gaveta. É contra isso que nós temos nos insurgido - e não na escorreita investigação do Parquet, aberta o suficiente para ser fiscalizada pelo Judiciário, inclusive pela interposição de habeas corpus pelo interessado em trancá-la.
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E mesmo assim é fundamental que, pretendendo ampliar tal horizonte, envolvendo investigações mais abrangentes, é preciso a edição de lei federal, regrando a atividade persecutória. Se muitos dizem que as pessoas de bem não devem temer a investigação do Parquet, podemos sustentar, igualmente, que não se deve temer uma investigação controlada e devidamente fiscalizada. Insere-se o tema nesta obra, pois as investigações criminais, conduzidas pelo MP, de maneira infundada (ex.: imagine-se seja feita com base em fato atípico), comporta o ajuizamento de habeas corpus para provocar o seu trancamento, tal como se faz com o inquérito e com a ação penal. Supremo Tribunal Federal • "Possibilidade de investigação do Ministério Público. Excepcionalidade do caso. O poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério PÚblico, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. A atuação deve ser subsidiária e em hipóteses específicas. No caso concreto, restou configurada situação excepcional a justificar a atuação do MP: crime de tráfico de influência praticado por vereador" (HC 91613/MG, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 15.05.2012, v.u.). Superior Tribunal de Justiça • ''Admite-se que o Ministério Público realize investigações criminais, sob o crivo do Poder Judiciário" (HC 188616/RS, 5.a T., reI. Moura Ribeiro, DJ 05.12.2013, v.u.). 8.13 Combinação
de leis penais no contexto do habeas corpus
O advento de lei penal favorável faz incidir o disposto pelo art. 5.°, XL, da Constituição Federal e pelo art. 2. do Código Penal, determinando a sua aplicação de modo retroativo. Quando a novel legislação é nitidamente mais benéfica ao acusado ou condenado, inexiste dúvida: deve ser aplicada de pronto. Todavia, há hipóteses em que a lei recém-editada apresenta alguns aspectos favoráveis e outros negativos. Como aplicá-la? Surgiram, então, duas correntes: a) combinam-se as leis, retirando de cada 0
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uma (anterior e posterior) os elementos favoráveis ao réu ou sentenciado; b) não se podem combinar as leis, sob pena de se criar uma terceira, não editada pelo Legislativo, motivo pelo qual se deve optar pela mais favorável no seu conjunto, aplicando-se ao caso concreto. Esta última é a posição que temos defendido em nosso Código Penal comentado e no Manual de direito penal. Aproveitamos o ensejo para sustentar, ainda, nessas obras, que o juiz deve escolher a lei mais favorável ao réu ou sentenciado, sem combiná-las, visualizando-as no caso concreto - e não sob um prisma abstrato. Essa é a consagrada posição do Supremo Tribunal Federal. • "O Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE 600.817/RG, reI. Min. Ricardo Lewandowski) consolidou o entendimento de que não é possível a aplicação retroativa da causa especial de diminuição de pena do art. 33, ~ 4.°, da Lei 11.343/2006, em benefício de réu condenado por crime de tráfico de drogas cometido na vigência da legislação anterior (Lei n.° 6.368/1976)" (HC 103617/MS, 1.aT.,rel. Roberto Barroso, 18.03.2014, v.u.). A escolha da lei mais benéfica pode dar-se na sentença - finalização do processo de conhecimento - ou durante a execução da pena. Se o magistrado, no entendimento do réu, optar pela lei desfavorável ao seu interesse, cabe apelação (sentença) ou agravo (decisão na execução). Ocorre que ambos os recursos podem demorar para o julgamento pelo Tribunal; envolvendo a liberdade de alguém, o erro não pode aguardar, razão pela qual cabe a impetração de habeas corpus. Ilustrando, se a lei nova trouxer uma vantagem que, uma vez aplicada, leve à soltura do réu ou condenado, mas o magistrado insistir em não a aplicar, outra solução não pode haver senão o ajuizamento de habeas corpus.
8.14 Habeas corpus e princípio da colegialidade O princípio da colegialidade significa que os recursos, apresentados aos Tribunais, consagrando o duplo grau de jurisdição, devem ser julgados por um colegiado, no tocante ao mérito - jamais por um só magistrado. O fundamento do recurso é justamente assegurar o conhecimento do centro da questão controvertida não somente por um, mas por um conjunto de juízes, permitindo o debate e a votação, até que vença a ideia majoritária. Diante disso, como regra, não se admite o julgamento do habeas corpus apenas pelo relator, seja para admiti-lo ou para negá-lo. Os regimentos
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internos dos Tribunais não podem prever algo nesse sentido, sob pena de afrontar o princípio da colegialidade. Supremo Tribunal Federal • "O exame do mérito do habeas corpus não pode ser realizado pelo
Relator, monocraticamente, para denegar a ordem, sob pena de afronta ao princípio da colegialidade. Precedentes" (RHC 116544/SP, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 01.04.2014, v.u.). Entretanto, os Tribunais Superiores incluíram em seus regimentos internos a possibilidade de o relator negar seguimento a recurso (no caso, ordinário constitucional em habeas corpus) caso se trate de matéria de direito, cujo enfoque já foi analisado pelo tribunal ad quem (ao qual se destina aquele recurso) e tornou-se questão pacífica. Supremo Tribunal Federal • "1. Não ofende o princípio da colegialidade o uso pelo relator da faculdade prevista no art. 21, ~ 1.0,do Regimento Interno da Corte, o qual lhe confere a prerrogativa de, monocraticamente, negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário a jurisprudência dominante ou a súmula do Tribunal. 2. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, 'a manifestação do Ministério Público, após a apresentação da defesa prévia pelo réu, não é causa de nulidade dos atos processuais já praticados' (RHC n.O 120.384/SP,Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13.6.2014).3. Agravo regimental não provido" (HC 135173 AgR/ SP,2.a T., reI. Dias Toffoli, 02.09.2016, v.u.). • "1. A atuação monocrática, com observância das balizas estabelecidas no art. 21, ~ 1.0, RISTF, não traduz violação ao Princípio da Colegialidade, especialmente na hipótese em que a decisão reproduz compreensão consolidada da Corte. Precedentes. 2. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida" (HC 132989 AgR/SP, La T., reI. Edson Fachin, 02.09.2016, m.v.). Superior Tribunal de Justiça • "Não ofende o princípio da colegialidade a análise monocrática do habeas corpus pelo relator 'quando o pedido for manifestamente
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incabível, ou for manifesta a incompetência do Tribunal para dele tomar conhecimento originariamente, ou for reiteração de outro com os mesmos fundamentos: a teor do art. 210 do RIST] (AgRg no HC n. 258.964/MG, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, D/e 3.8.2015)" (AgRg no HC 354996/SP, 6.a T., reI. Antonio Saldanha Palheiro, 16.06.2016, v.u.). 8.15 Atipicidade provocada pela insignificância habeas corpus
dando margem ao
Um dos motivos mais relevantes para o trancamento de inquéritos e ações penais, causado pela atipicidade, concentra-se do debate relativo à insignificância. Atualmente, embora não previsto expressamente em lei, o reconhecimento do crime de bagatela, cuja consequência é o afastamento da tipicidade, tem sido uma constante nos Tribunais pátrios. Portanto, inexiste justa causa para investigar uma insignificância, nem tampouco há motivo fundado para o ajuizamento de ação penal. Configura constrangimento ilegal tal medida. O caminho para superar a ilegalidade é a propositura de habeas corpus. No entanto, o acolhimento da tese da insignificância deve obedecer os fatores estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência majoritárias: a) a lesão ao bem jurídico tutelado deve ser ínfima, tanto sob o ponto de vista da vítima quanto da sociedade; b) o agente deve ter bons antecedentes e ser primário; c) é preciso analisar o conjunto das ações desencadeadas pelo agente, pois uma só pode aparentar falta de ofensividade, embora, no conjunto, isso se torne claro. A atipicidade gerada pelo denominado crime de bagatela não é um incentivo para o cometimento de outras infrações leves, até que se possa somá-las, percebendo a gravidade da situação. Quem furta coisas de pequeno valor, em grande número, termina por subtrair patrimônio considerável, mormente quando se tratar da mesma vítima. Entretanto, cuidando-se, realmente, de insignificância, corpus para trancar o inquérito ou a ação penal.
cabe habeas
Supremo Tribunal Federal • "1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da
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conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. No crime de descaminho, o princípio da insignificância é aplicado quando o valor do tributo não recolhido aos cofres públicos for inferior ao limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto no artigo 20 da Lei 10.522/2002, com as alterações introduzidas pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda. Precedentes: HC 120.617, La Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 20.02.2014, e (HC 118.000, 2.a Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 17.09.2013) 4. In casu, o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 334, ~ 1.0,alínea c, do Código Penal (descaminho), por ter, em tese, deixado de recolher aos cofres públicos a quantia de R$ 16.863,69 (dezesseis mil oitocentos e sessenta e três reais e sessenta e nove centavos) referente ao pagamento de tributos federais incidentes sobre mercadorias estrangeiras irregularmente introduzidas no território nacional. 5. A impetração de habeas corpus nesta Corte, quando for coator tribunal superior, não prescinde o prévio esgotamento de instância. E não há de se estabelecer a possibilidade de flexibilização desta norma, desapegando-se do que expressamente previsto na Constituição, pois, sendo matéria de direito estrito, não pode ser ampliada via interpretação para alcançar autoridades - no caso, membros de Tribunais Superiores - cujos atos não estão submetidos à apreciação do Supremo. 6. In casu, aponta-se como ato de constrangimento ilegal decisão monocrática proferida pelo Ministro Campos Marques, Desembargador Convocado do TJPR, que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público. Verifica-se, contudo, que há, na hipótese sub examine, flagrante constrangimento ilegal que justifica a concessão da ordem ex officio. 7. Ordem de habeas corpus extinta, mas deferida de ofício a fim de reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, determinando, por conseguinte, o trancamento da ação penal" (HC 118067/RS, La T., reI. Luiz Fux, DJ 25.03.2014, v.u.) . • "1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado "princípio da insignificâncià' e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade
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da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que 'a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativà (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. Num juízo de tipicidade conglobante, que envolve não apenas o resultado material da conduta, mas o seu significado social mais amplo, certamente não se pode admitir a aplicação do princípio da insignificância a determinados crimes, não obstante o inexpressivo dano patrimonial que deles tenha decorrido. 4. No caso, a ação e o resultado da conduta praticada pelo paciente assumem especial reprovabilidade, pois, além do bem receptado ser uma arma pertencente à Força Aérea Brasileira, tal material bélico foi desviado por um indivíduo que ocupava posição inferior ao paciente na cadeia de comando das Forças Armadas. Nesse contexto, o crime de receptação militar atinge não só o patrimônio material das instituições militares, mas vulnera, sobretudo, a disciplina militar, traduzida na rigorosa observância e no acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar (CF, art. 142). Precedentes. 5. Ordem denegada" (HC 114097/PA, 2.a T., reI. Teori Zavascki, 01.04.2014, v.u.) . • "1. Para a incidência do princípio da insignificância, consideram-se o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 2. Inaplicabilidade do princípio da insignificância, quando a denúncia imputa ao servidor militar a prática de delito patrimonial cometido dentro de estabelecimento militar, pela presença da ofensividade e da reprovabilidade do comportamento do Paciente. Precedentes. 3. Ordem denegadà' (HC 120812/PR, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 11.03.2014, v.u.) . • "Aplicação do princípio da insignificância. Sentenciados reincidentes na prática de crimes contra o patrimônio. Precedentes do STF no sentido
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de afastar a aplicação do princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade delitiva comprovada. 7. Ordem denegadà' (HC 117083/SP, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 25.02.2014, v.u.) . • "Furto de fios elétricos praticado mediante concurso de agentes. Condenação. Pedido de aplicação do princípio da insignificância. Ausência de dois dos vetores considerados para a aplicação do princípio da bagatela: a ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta. A prática delituosa é altamente reprovável, pois afeta serviço essencial da sociedade. Os efeitos da interrupção do fornecimento de energia não podem ser quantificados apenas sob o prisma econômico, porque importam em outros danos aos usuários do serviço" (HC 118361/MG, 2.a T., reI. Gilmar Mendes, 25.02.2014, v.u.). 8.16 Ausência do defensor em audiência e habeas corpus A reforma processual penal de 2008, modificando o teor do art. 265 do CPP, passou a prever a possibilidade de se aplicar multa de 10 a 100 salários mínimos, sem prejuízo de outras sanções, ao advogado que abandonar o processo, senão por motivo imperioso, comunicando previamente o juiz. Estabeleceu, ainda, que a audiência de instrução somente pode ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer (art. 265, ~ 1.0, CPP). Incumbe à defesa demonstrar o seu impedimento até a abertura dos trabalhos; se não o fizer, o juiz não adia o ato e nomeia defensor substituto (art. 265, ~ 2.°, CPP). Temos sustentado o cuidado a ser adotado pelo magistrado para não desprezar a ampla defesa, o que aconteceria se a audiência fosse realizada com um defensor dativo ou ad hoc. A ausência do defensor constituído pelo réu, seja por qual motivo for, não pode prejudicar a eficiência da defesa, afinal, o acusado não deve ser responsabilizado por atos de seu procurador. É evidente não ter o defensor substituto o conhecimento indispensável dos autos para acompanhar a audiência e, pior, participar do término da instrução, tomando parte nos debates. É uma nítida lesão ao princípio constitucional da ampla defesa. O correto é adiar a audiência, se o defensor deixar de comparecer, sem justo motivo, declarar o réu indefeso, nomeando-lhe dativo (ou defensor público) para que patrocine a causa a partir dali. Sob outro aspecto, abandonar o processo, sem motivo fundado, é ato grave do advogado, mas, em nenhuma hipótese, pode gerar prejuízo ao acusado.
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Caso o magistrado não adie a audiência, gerando malefício à ampla defesa, cabe o ajuizamento de habeas corpus, assim que possível, buscando a anulação do ato. O mesmo se dá quando o advogado comunica a sua impossibilidade de comparecer, apresentando motivo razoável, mas o juiz o ignora, determinando a realização da audiência. Superior Tribunal de Justiça • "1. O artigo 265 do Código de Processo Penal permite que as audiências possam ser adiadas no caso de o defensor do acusado não poder a elas comparecer. 2. A documentação acostada aos autos revela que a impossibilidade de comparecimento do causídico à audiência designada pelo juízo singular se encontra cabalmente comprovada na hipótese, circunstância que evidencia o constrangimento ilegal imposto à defesa. 3. Quando da designação da audiência cujo adiamento foi requerido, o patrono do recorrente já havia sido intimado para outra audiência, em ação penal distinta que tramitava em comarca diversa, na qual atuava na defesa de réu preso, circunstância apta a comprovar a necessidade da providência requerida como garantia do devido processo legal constitucionalmente albergado. 4. Prejudicialidade da insurgência subsidiária. 5. Recurso ordinário em habeas corpus provido para declarar a nulidade da audiência realizada aos 29.8.2012 nos autos da ação penal em tela, determinando-se a renovação do ato com observância das garantias constitucionais, bem como o processo a partir das alegações finais, inclusive" (RHC 37426/PE, 5.a T., reI. Jorge Mussi, DJ 08.04.2014, v.u.).
8.17 Habeas corpus e regime inicial de cumprimento
de pena no tráfico
ilícito de drogas Inicialmente, editada a Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), impôs-se para os delitos hediondos e equiparados (dentre os quais, tráfico ilícito de entorpecentes) o regime fechado integral, ou seja, o julgador, pouco importando a quantidade da pena, deveria estabelecer o regime fechado, não se permitindo a progressão, durante a execução da pena. Em 23 de fevereiro de 2003, o STP considerou inconstitucional o art. 2.0, ~ 1.0, da Lei 8.072/1990, na parte que impedia a progressão de regime. Após, a Lei 11.464/2007 consolidou esse entendimento, permitindo claramente a progressão, embora com prazos especiais (2/5 do cumprimento da pena para primários; 3/5 do cumprimento da pena para reincidentes).
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Não bastasse, em 27 de junho de 2012, o STF tornou a considerar inconstitucional o art. 2.°, ~ 1.0, da mesma Lei, agora quanto à imposição do regime inicial fechado. Afirmou ferir o princípio constitucional da individualização da pena. Somente o juiz, no caso concreto, pode escolher o regime inicial para o cumprimento da pena. A partir daí, no cenário do tráfico ilícito de drogas, conforme cada caso concreto, o magistrado deve eleger o regime inicial adequado ao réu, conforme o disposto pelo art. 59 do Código Penal. Torna-se, pois, viável, para o traficante, o início da pena nos regimes fechado, semiaberto e aberto. Não deve o julgador optar pelo regime fechado, alegando, singelamente, que o tráfico de drogas é crime grave, tampouco visualizar nesse regime o ideal quando a quantidade não for ínfima. O cerne da escolha precisa centrar-se nas circunstâncias judiciais, tanto o art. 59 do CP quanto o art. 42 da Lei de Drogas. A opção pelo regime fechado, sem justa causa, impedindo-se o acusado de recorrer em liberdade, dá ensejo à interposição de habeas corpus.
Supremo Tribunal Federal • "I - Impetração não conhecida porque a decisão impugnada foi proferida monocraticamente. Desse modo, o pleito não pode ser conhecido, sob pena de indevida supressão de instância e de extravasamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal, o qual pressupõe seja a coação praticada por Tribunal Superior. II - No caso concreto, sequer houve fundamentação para a fixação do regime mais gravoso. Infere-se, da leitura do excerto acima destacado, que o juízo de piso baseou-se, para tal, estritamente na natureza e quantidade da droga, na espécie, uma bucha de maconha e 11 pedras de crack, bem como na gravidade abstrata do delito. III - Entretanto, todas as circunstâncias judiciais dispostas no art. 59 do Código Penal foram favoráveis aos recorrentes. Assim, a pena-base foi fixada no mínimo legal, mas com a incidência da causa especial de redução prevista no ~ 4.° do art. 33 da Lei 11.34312006 no seu grau mínimo (l/3), em razão da quantidade e da diversidade de drogas apreendidas em seu poder, o que resultou na reprimenda de 3 anos e 4 meses de reclusão. IV - Recurso não conhecido, mas ordem concedida de ofício para fixar o regime inicial aberto para o cumprimento da pena dos recorrentes e determinar que o juízo a quo proceda à substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos, se
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preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal" (RHC 120247/ MG, 2." T., reI. Ricardo Lewandowski, DJ 25.02.2014, v.u.).
8.18 Cumprimento da medida de segurança em local inadequado dando ensejo ao habeas corpus Sob a rubrica direitos do internado, o art. 99 do Código Penal preceitua: "o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento". Os enfermos e deficientes mentais, quando atestada a sua inimputabilidade, são absolvidos pelo julgador, imposta medida de segurança. Esta consiste em internação ou tratamento ambulatorial. Cuidando-se da primeira hipótese, deve ser colocado em regime fechado, mas em lugar adequado, onde possa receber tratamento. Afinal, a medida de segurança não é pena, motivo pelo qual tem o propósito curativo. Configura constrangimento ilegal manter o sentenciado a medida de segurança de internação em presídio comum, pois desatende, nitidamente, o disposto pelo art. 99 do CP supramencionado. Cabe habeas corpus para sanar esse constrangimento ilegal.
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Ação de habeas corpus questionando a não remoção do paciente para Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Absolvição imprópria. Determinação de internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Paciente aguardando vaga em estabelecimento prisional comum. Necessário o efetivo cumprimento do título executivo. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes pretorianos. Ordem concedida para determinar a imediata remoção do paciente ao estabelecimento adequado" (HC 2049116-87.2013.8.26.0000, 9." Câmara Criminal, reI. Penteado Navarro, 24.04.2014, v.u.) . • "Conforme informação acostada a fls. 95/99 e 107/108, e como verificado no sistema 'INTINFO', J. B. M. foi removido, em 26 de julho de 2011, para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico I Professor André Teixeira Lima, em Franco da Rocha. Incontestável o constrangimento ilegal que o paciente vinha sofrendo, porquanto, em 23 de abril de 2008, nos autos n.O 183/2007, o MM. Juízo da 4." Vara Criminal de São José dos Campos, absolveu impropriamente José Benedito de Morais, ante o reconhecimento de inimputabilidade, aplicando-lhe medida de segurança, consistente em tratamento
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ambulatorial pelo prazo de um ano. Posteriormente, em 4 de maio de 2010, nos autos n.O 527/2009, o MM. Juízo da 2." Vara Criminal de São José dos Campos, condenou o paciente a pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, cumulada a 3 meses de detenção, em regime semiaberto e, incoerentemente, ignorou sua já atestada inimputabilidade. Dessa feita, atenta à condição do paciente, a magistrada da Vara das Execuções Criminais de São José dos Campos, em 25 de outubro de 2010, converteu as penas privativas de liberdade em medida de segurança, consistente em internação pelo prazo mínimo de 2 anos. Diante do quadro, inconcebível permitir ao paciente permanecer em estabelecimento inadequado ao seu tratamento, restando evidente o periculum in mora. Nesse sentido, vimos entendendo: 'se o agente for colocado em estabelecimento prisional comum, sem qualquer tratamento, cabe habeas corpus para fazer cessar o constrangimento, salvo quando for reconhecidamente perigoso, situação que o levará a aguardar a vaga detido em presídio comum, se preciso' (NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal comentado, RT, 10. ed., p. 541). Ademais, o Judiciário não pode corroborar a negligente infraestrutura propiciada pela Administração Pública, em detrimento da efetivação de direitos e garantias legalmente previstas. Ordem concedida para ratificar a liminar anteriormente deferida, determinando o cumprimento da medida no hospital de custódia e tratamento psiquiátrico" (HC 0155668-81.2011.8.26.0000,16." c., reI. Souza Nucci, 21.09.2011, v.u.). • "Situação em que se aguarda o surgimento de vaga em hospital de custódia. Hipótese em que deve o paciente ser imediatamente transferido para hospital apropriado à sua situação ou ser submetido a tratamento ambulatorial enquanto aguarda o surgimento de vaga" (HC 0193597-17.2012.8.26.0000, 11." Câmara Criminal, reI. Maria Tereza do Amaral, 13.03.2013, v.u.). • "Fixação de medida de segurança. Internação em hospital de custódia e tratamento. Remoção. Demora injustificada de mais de 30 dias para a efetivação da remoção a estabelecimento adequado. Constrangimento ilegal. Caracterização. Caracteriza constrangimento ilegal, sanável por meio de habeas corpus, a demora injustificada por mais de 30 dias para a remoção, a estabelecimento adequado, de paciente submetido a medida de segurança, consistente em internação em hospital de custódia e tratamento" (HC 2042707-95.2013.8.26.000, 12." Câmara Criminal, reI. João Morenghi, 29.01.2014, v.u.).
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8.19 Habeas corpus para apressar processo Adotando uma visão superficial - e até mesmo literal - do direito tutelado pelo habeas corpus, que é a liberdade de locomoção, poder-se-ia dizer que esse remédio heroico não se destina a provocar o andamento do processo. Afinal, a lentidão seria uma falta funcional do juiz ou um problema geral da Justiça, elementos diversos do ir, vir e ficar do indivíduo. No entanto, duas questões merecem destaque: a) a amplitude do habeas corpus, hoje, é reconhecida pela quase unanimidade dos Tribunais pátrios, servindo para tutelar a liberdade de locomoção de maneira direta e também indireta; b) determinadas omissões do juiz podem provocar constrangimentos à liberdade do indivíduo, dando margem à ação constitucional. Um exemplo simples: o réu requer ao juiz a revogação da sua prisão preventiva; o magistrado recebe o processo e não profere decisão; o tempo passa e aquela omissão, sem dúvida, torna-se um constrangimento ilegal. A única solução viável é o ajuizamento de habeas corpus, pleiteando que o juiz decida. Afinal, se o acusado requerer ao Tribunal a revogação da preventiva, poder-se-á dizer que há supressão de instância; logo, pleiteia -se a decisão judicial quanto à revogação ou mantença da prisão provisória. Tribunal de Justiça de São Paulo • ''Alegação de excesso de prazo para apreciação do humanitário. Constrangimento ilegal configurado. para determinar a imediata apreciação do pedido 0005058-96.2014.8.26.0000, 5.a Câmara de Direito Damião Pinheiro Machado Cogan, DJ 10.04.2014,
pedido de indulto Ordem concedida de indulto" (HC Criminal, reI. José v.u.).
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro • "1. Das informações prestadas pela autoridade coatora, infere-se que estão sendo adotadas as providências necessárias à apreciação do pleito de progressão de regime. 2. Na hipótese em apreciação, verifica-se que o paciente foi condenado a 09 (nove) anos e 02 (dois) meses de reclusão e que, em 17.12.2015, postulou o deferimento da progressão para o regime aberto, na modalidade de prisão-albergue domiciliar. 3. A documentação acostada não nos permite aferir se o acusado possui direito líquido e certo ao seu pleito. Por outro lado, todos os processos em trâmite perante a Vara de Execuções Penais foram digitalizados e, sendo mais de 120.000 (cento e vinte mil) feitos, isto demandou bastante tempo, sendo natural que a partir de agora as
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coisas se normalizem. 4. Por ora, não subsiste qualquer ato ilegal ou arbitrário por conta da autoridade apontada coatora, razão pela qual a ordem é denegada, recomendando-se a maior brevidade possível no exame do pleito defensivo" (HC 002144S-16.2016.8.19.0000/RJ, S.a Câmara Criminal, rel. Cairo Ítalo França David, 21.07.2016, v.u.). 8.20 Habeas corpus e denúncia inepta - genérica ou alternativa A peça acusatória deve ser precisa, objetiva e clara o suficiente para permitir a ampla defesa por parte do acusado. Tal defesa se desdobra nos aspectos autodefesa e defesa técnica. A primeira, por meio do próprio réu, quando se dirige ao juiz, querendo, para dar a sua versão dos fatos que lhe foram imputados, por ocasião do interrogatório. A segunda, por meio do defensor técnico, cuja eficiência deve ser evidenciada ao longo da instrução. Para tanto, a denúncia (ou queixa) deve conter todos os elementos descritos pelo art. 41 do Código de Processo Penal. A parte fundamental diz respeito ao fato e todas as suas circunstâncias, leia-se, o tipo básico (ex: matar alguém, art. 121, caput, CP) e tipo derivado (ex.: por motivo torpe e com emprego de fogo, art. 121, ~ 2.°, I e 111,CP). A linguagem deve ser simples, mas conter todos os fatos necessários para assegurar amplo conhecimento da imputação por parte do réu. Assim sendo, não se pode admitir a denominada denúncia alternativa: imputar um determinado fato ou outro, para que o acusado diga exatamente do que se trata. Exemplo: consta que o delito foi praticado por motivo fútil ou torpe. Não cabe ao réu dizer se foi fútil ou torpe, mas à acusação, conforme as provas colhidas ao longo da investigação. A alternatividade da imputação prejudica sobremaneira a defesa. Sob outro aspecto, debate-se a viabilidade da denúncia genérica, algo concernente à autoria. Quando o órgão acusatório não consegue distinguir, com precisão, dentre vários coautores e partícipes, quem fez o quê para a prática do crime, termina por denunciar todos eles, sem estabelecer qual a específica conduta de cada um. A denúncia genérica pode ser válida ou inepta. Trata-se de mecanismo aceitável, quando o órgão acusatório descreve a conduta delituosa, em detalhes, indicando quais foram os coautores, calcado em provas pré-constituídas, que envolvetodos eles.Assim sendo, o fato de não se explicitar exatamente o que cada um fez se torna irrelevante. Ilustrando: indica-se na denúncia que A, B, C e D entraram em determinado local e desferiram tiros em E, F, G e H, matando-os. Não se sabe exatamente quem atirou
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em quem, mas a regra do art. 29 do Código Penal é aplicável: quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas. Entretanto, será inepta, constituindo constrangimento ilegal, caso recebida pelo juiz, passível de habeas corpus para trancar a ação, quando a imputação for genérica o suficiente para não permitir a defesa dos acusados. Exemplificando: aponta-se na denúncia que os sócios A, B, C e D, por constarem no contrato social da empresa, praticaram o delito de sonegação de tributos. Neste caso, inexistem provas para indicar todos eles como autores; justamente por isso, a acusação lança mão do aspecto genérico, esperando que os próprios réus indiquem, afinal, quem foi o sonegador.
Supremo Tribunal Federal • "L A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a extinção da ação penal de forma prematura, via habeas corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, quando patentemente demonstrada (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de causa extintiva da punibilidade. 2. No caso, é possível verificar que a narrativa exposta pelo Ministério Público possui relevo para esfera penal. Observado o disposto no art. 41 do CPP, ou seja, descrito o fato criminoso, com a indicação dos elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação e, por consequência, instaurar a persecução criminal, não há falar em inépcia da denúncia ou falta de justa causa. 3. Avançar nas alegações postas na impetração, sobre a veracidade das acusações, revela-se inviável nesta ação constitucional, por pressuporem o indevido revolvimento de fatos e provas da causa. Caberá ao juízo natural da causa, com observância ao princípio do contraditório, proceder ao exame das provas colhidas e conferir a definição jurídica adequada para o caso. 4. Ordem denegadà' (HC 123019/ES, 2.a T., reI. Teori Zavasck.i, 01.03.2016, v.u.).
Tribunal de Justiça de São Paulo • "Embora seja mitigada a exigência, na denúncia por crimes societários, de descrição individualizada de cada qual das condutas, não se prescinde da presença de indícios de que todos os imputados efetivamente concorreram para o evento delituoso, o que não se pode presumir, tão somente, do fato de figurarem como diretores em contrato social, máxime quando se trata de empresa comercial de grande porte, e a denúncia, sem razão aparente, omitiu outros diretores. Ordem concedida para trancamento parcial da ação penal" (HC 0195127-
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56.2012.8.26.000, 14. Câmara Criminal, reI. Hermann 12.12.2012, v.u.). 3
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8.21 Restrições atuais ao habeas corpus Alguns acontecimentos da atualidade têm feito com que a legislação de certos países busquem limitar o emprego do remédio heroico, considerando que determinados pacientes não merecem ser tutelados em sua liberdade individual da mesma forma que outras pessoas. Além disso, noutro cenário, há situações em que o próprio Poder Judiciário, sem haver modificação legal, altera a sua visão, passando a interpretar de maneira diversa o contexto do constrangimento à liberdade individual. Exemplo do primeiro tem ocorrido nos Estados Unidos - e em outros países que também sofreram atentados terroristas nas duas últimas décadas, fazendo frutificar a ideia do direito penal do inimigo, cultuada por Jakobs, que conseguiu aplicação prática. Ilustrando, o terrorista, ao colocar uma bomba em determinado local, para destruí-lo e também as pessoas que ali estão, deve ser considerado um autêntico inimigo do Estado; esse terrorista encontra-se em guerra contra o Estado e, nessa situação, inexiste aplicabilidade para o direito processual penal comum, assegurando-lhe ampla defesa, contraditório, publicidade, entre outros, em particular a restrição ao uso do habeas corpus. 12 Relato importante fazem Nancy J. King e Joseph L. Hoffman, a respeito de caso real, decorrente da época inaugurada após o ataque às torres gêmeas, em Nova York, nos EUA, em setembro de 2001. "Em outubro de 2001, Lakhdar Boumédiene, um algeriano de 35 anos, foi preso pelas autoridades locais em Sarajevo, Bósnia, e acusado, juntamente com cinco outros algerianos, de colocar bomba nas embaixadas dos EUA e da Grã-Bretanha. Boumédiene, que vivia em Sarajevo com sua esposa e duas filhas pequenas, enquanto trabalhava para Crescente Vermelha, a versão muçulmana da Cruz Vermelha, alegou ser completamente inocente, mas em vão. Embora uma corte bósnia tenha decidido em seu favor e a acusação de terrorismo foi arquivada, em janeiro de 2001, Boumédiene foi transferido para a custódia americana e foi, acorrentado, para Guantánamo, em Cuba, onde foi aprisio-
12. É o que demonstra Gumersindo Garcia Morelos, fazendo, inclusive, referência ao caso concreto da prisão de Guantánamo, onde inexiste devido processo legal aos que ali estão detidos, além de tratamentos cruéis, desumanos e degradantes (El proceso de habeas corpus y los derechos fundamentales, p. 121).
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nado como um 'combatente inimigo: Então, principiou um pesadelo de sete anos e meio. Enquanto estava em Guantánamo, Boumédiene foi interrogado repetidamente sobre sua alegada ligação com os terroristas da AI-Qaeda, incluindo - de acordo com seus cálculos - um período de 16 dias durante o qual ele foi inquirido noite e dia. Boumédiene negou saber qualquer coisa sobre terrorismo, mas seu passado - incluindo o conhecimento de vista de outro algeriano na Bósnia, que tinha sido ligado à AI-Qaeda, bem como algum tempo passado no Paquistão, durante o qual, ele disse, trabalhou numa escola para órfãos afegãos -, levantou suspeitas. Durante os dois primeiros anos de prisão, Boumédiene tentou responder as perguntas feitas a ele pelos captores americanos, mas eventualmente ele decidiu que suas palavras estavam atingindo ouvidos surdos e tornou -se menos cooperativo. Enquanto sua esposa continuava a lhe escrever cartas, essas missivas nunca chegaram a ele. Em dezembro de 2006, num esforço de última hora, para afirmar sua inocência, Boumédiene entrou em greve de fome; como consequência, ele foi forçado a se alimentar por meio de um tubo nasal, duas vezes por dia, por mais de dois anos. Entrementes, no fim de 2004, advogados voluntários atuando em prol de Boumédiene ajuizaram um habeas corpus, requerendo a uma corte federal em Washington, Capital, para verificar a legalidade da sua detenção. O Governo americano respondeu que, como um estrangeiro preso fora das fronteiras dos EUA, Boumédiene não tinha direito de impetrar habeas corpus. Inicialmente, a Vara Federal decidiu contra Boumédiene; ele perdeu, em janeiro de 2005, na corte federal distrital e novamente, em 2007, na Corte de Apelação do Distrito Federal. Em 12 de junho de 2008, contudo, a Suprema Corte decidiu, numa votação histórica de 5 x 4, que Boumédiene e outros como ele em Guantánamo tinham o direito constitucional de impetrar habeas corpus. Nos termos dessa decisão, em 20 de novembro de 2008, o juiz federal Richard Leon, nomeado pelo Presidente George W. Bush, concedeu a ordem de habeas corpus em favor de Boumédiene. Em sua opinião, o juiz Leon observou que as alegações do Governo americano contra Boumédiene que àquela altura nem mesmo incluía a alegação da bomba em Sarajevo, mas, em seu lugar, consistia inteiramente em acusações vagas no sentido de que Boumédiene planejava ir ao Afeganistão para promover a guerra santa - eram todas baseadas numa única e não corroborada fonte. O juiz Leon concluiu que a detenção de Boumédiene não poderia ser legalmente justificada numa prova tão frágil e ordenou a sua libertação da custódia.
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Após vários meses de negociações diplomáticas, a França concordou em aceitar Lakhdar Boumédiene. Ele foi, em grilhões, para Paris, onde passou dez dias num hospital, em razão dos efeitos de sua greve de fome. Em 15 de maio de 2009, Boumédiene, agora com 43 anos, estava finalmente livre e reunido com sua esposa e filhas. Eles celebraram com uma pizza num pequeno restaurante de Paris. Boumédiene, mais tarde, narrou ao jornal Washington Post: 'quando nós estávamos no restaurante, eu disse para minha esposa que, pela primeira vez, eu me sentia humano de novo, provando coisas, pegando coisas com meus dedos, almoçando com minha mulher e minhas filhas'. Numa entrevista à ABC News ele acrescentou: 'eu chorei, apenas chorei. Porque eu não conheço minhas filhas. A mais nova, quando eu fui da Bósnia para Guantánamo, tinha 18 meses. Agora, 9 anos. Agora, ela é grande": 13 O Judiciário americano demorou a reagir, aceitando a impetração de acusados de terrorismo, fazendo-o, em alguns casos, após a decisão da Suprema Corte, de 12 de junho de 2008.
habeas corpus, em favor de presos estrangeiros,
Justamente em períodos difíceis, quando os direitos e garantias individuais são mais afetados, deveria haver o enaltecimento do habeas corpus, como medida utilitária para coibir abusos e ilegalidades; porém, ocorre justamente o contrário, visualizando-se a imposição de restrições ao remédio heroico, senão por lei, mas pela própria interpretação estreita do Poder Judiciário. Exemplo do segundo se dá no cenário do Brasil. Há alguns anos, quando se instalou, na prática, o Regime Disciplinar Diferenciado, para isolar, no regime fechado, os chefes de organizações criminosas, de maneira rigorosa, em presídios especiais, inexistia lei para dar lastro a essa situação. Entretanto, em face dos acontecimentos, que demonstravam a atuação criminosa dos sentenciados, comandando ataques variados a grandes centros urbanos, não havia outra medida a não ser acolher o RDD, cuja criação se deu por medida administrativa. Por isso, inúmeros habeas corpus foram denegados, por variados Tribunais, não permitindo que se considerassem ilegais as inserções no regime disciplinar diferenciado. No entanto, é fundamental considerar que, antes do advento da Lei 11.792/2003, que implementou o RDD, na Lei de Execução Penal, os detidos nesse regime estavam sofrendo constrangimento ilegal, pois tais modalidades de prisão não estavam previstas em lei.
13. Habeas corpus for the Twenty-First Century, p. 1-2.
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o fato é que, em momentos
de crise, com ou sem leis, o habeas corpus pode não ser formalmente restringido, mas, na prática, com certeza, as ordens são denegadas, em prol do bem comum ou da segurança pública. Uma das soluções propostas seria impor aos sistemas constitucionais dos países a submissão a Convenções de Direitos Humanos, como, na América Latina, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, impedindo restrições internas ao habeas corpus. 14 Entretanto, mais parece utópica essa visão, pois submeter a Constituição Federal de um país a uma Convenção Internacional, para muitos, significa abrir mão da própria soberania. Dessa forma, na prática, inclusive no Brasil, esse modelo não tem sido acolhido. 8.22 Busca de nulidade em relação a atos produzidos ou processual
na fase investigatória
Não cabe discutir e decretar a nulidade de medidas, atos ou provas colhidas durante a investigação policial, ou de outra natureza, pois o que realmente vale para a eventual condenação do acusado é o material produzido em juízo. Porém, se alguma prova (como a pericial) for realizada na fase policial e estiver eivada de falhas, pode-se decretar a nulidade, mas isso se faz apenas quando o processo ingressa em fase judicial. Portanto, estar-se-ia anulando prova judicial, e não pré-processual. De outra parte, o STF já firmou posição que, mesmo falhas acontecidas durante a instrução judicial, somente podem ser acolhidas se, realmente, ofertarem prejuízo à parte inconformada. Supremo Tribunal Federal 1. Pelo que se tem nas razões apresentadas nos acórdãos das instâncias antecedentes, não há embasamento jurídico a sustentar os argumentos expendidos pelo Recorrente, para assegurar o êxito do seu pleito, ausentes fundamentos suficientes para a pretendida anulação do processo-crime. 2. Impossibilidade de reexame de fatos e provas em recurso ordinário em habeas corpus. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirma inviável a anulação do processo penal em razão das irregulari-
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14. Gumersinda García Morelas (El processo de habeas corpus y los derechos fundamentales, p. 122).
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dades detectadas no inquérito, pois as nulidades processuais concernem, tão somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados Na ação penal condenatória. Precedentes. 4. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita o vÍCio. Precedentes. Prejuízo não demonstrado pela defesa. 5. Recurso ao qual se nega provimento" (RHC 134182/DF, 2.a T., reI. Cármen Lúcia, 28.06.2016, v.u.).
Superior Tribunal de Justiça • "A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o reconhecimento de nulidade exige a demonstração do prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief Conforme o entendimento consolidado na Súmula/ STF n. 523, 'no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas sua deficiência só o anulará se houver prova do prejuízo para o réu: Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que 'a alegação de deficiência da defesa deve vir acompanhada de prova de inércia ou desídia do defensor, causadora de prejuízo concreto à regular defesa do réu' (RHC 39.788/SP, ReI. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 25.2.2015), o que não restou demonstrado na hipótese em apreço. Além de não ter sido comprovada a deficiência da defesa, eventual prejuízo suportado pelo réu não restou igualmente demonstrado, o que obsta o reconhecimento da in digitada nulidade do processo-crime. Deveras, dos autos se infere que o defensor constituído pelo réu estava presente na audiência de instrução e julgamento e no interrogatório, apresentou alegações finais e apelou ao Colegiado de origem, tendo o recurso sido parcialmente provido. Sentença condenatória que transitou em julgado em 01.09.2010, estando o réu cumprindo a pena imposta pela prática dos delitos apurados no bojo da ação penal em apreço, não havendo se falar em revogação da custódia preventiva ao argumento de carência de fundamento cautelar idôneo. 7. Writ não conhecido" (HC 177412/SP, 5.a T., reI. Ribeiro Dantas, 18.10.2016, v.u.).
8.23 Habeas corpus contra determinação de prisão após o julgamento em 2.a Instância Era de entendimento comum que a pena definitiva somente seria extraída após o trânsito em julgado da decisão condenatória, vale dizer, quando nenhum outro recurso fosse cabível, em qualquer instância.
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Entretanto, o STF, em duas ocasiões (HC 126.292 e ADC 43, no Plenário, este último caso por 6 votos contra 5, reI. Marco Aurélio, que ficou vencido, 05.10.2016), decidiu, por maioria de votos, ser prescindívelo trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena (alguns Ministros chegaram até a questionar o conceito de trânsito em julgado). Voltou-se à opção existente antes de 2009, quando se interpretava constituir viável essa situação, uma vez que os recursos especial e extraordinário não tinham efeito suspensivo. Logo, não era questão de transitar em julgado, mas de respeitar os ditames processuais. Após a decisão de 2.° grau, não mais existe o efeito suspensivo, motivo pelo qual o STF passou a admitir a prisão. Entendemos equivocada esta postura, mas compreendemos os motivos de política criminal daí advindos. O principal é a frequente utilização dos recursos especial e extraordinário apenas e tão somente para atrasar o trânsito em julgado, pois, quando o dano era realmente grave, a defesa jamais deixou de apresentar o habeas corpus. O órgão a utilizar os recursos especial e extraordinário era (e continuará sendo) o Ministério Público; raramente a defesa precisa disso. Quem movimentava, do ponto de vista defensivo, tais recursos tinham por fim prolongar, sem fundamento lógico-jurídico, o trânsito em julgado. Contra isso, insurgiu-se a maioria dos Ministros do STE Deve-se respeitar a atual posição do Pretória Excelso, pois a ele é dada a competência para avaliar atos e normas constitucionais. Em nosso entendimento, muito disso se deve à chamada Operação Lava Jato, que, a pretexto de combater a corrupção, vem atropelando alguns direitos humanos fundamentais. Esperamos que tal aspecto histórico brasileiro não se prolongue por muito tempo; afinal, o cidadão pobre não tem como suportar uma Justiça ágil para prendê-lo e ineficiente para apurar a verdade.
Superior Tribunal de Justiça • "1. Nos termos do disposto no art. 105, I, c, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar habeas corpus contra atos de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais. 2. No caso, muito embora o Juiz tenha garantido ao réu o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da condenação e apesar de o Ministério Público não ter recorrido nem apresentado pedido de prisão, a Câmara julgadora, ao negar provimento à apelação, determinou a imediata expedição de mandado de prisão contra o apelante. 3. Nem o
CAPo VIII.
PONTOS POLtMICOS
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recurso especial, nem o recurso extraordinário, desprovidos de efeito suspensivo, obstam o início da execução provisória da pena, uma vez que os julgamentos realizados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal não se vocacionam a permear a discussão acerca da culpa, e, por isso, apenas excepcionalmente teriam, sob o aspecto fático, aptidão para modificar a situação do sentenciado. 4. Quanto a eventuais equívocos nos juízos condenatórios proferidos pelas instâncias ordinárias, sempre haverá outros mecanismos aptos a inibir consequências danosas para o condenado, suspendendo, se necessário, a execução provisória da pena. 5. Para que seja ajuizada medida cautelar ou impetrado habeas corpus em tais circunstâncias, há de haver plausibilidade jurídica nas teses apresentadas no recurso. 6. Na espécie, não há verossimilhança das alegações deduzidas, não sendo perceptível, a propósito dos pontos suscitados, contrariedade do acórdão com a jurisprudência consolidada desta Corte, seja pela ausência de flagrante ilegalidade, seja pela inviabilidade do reexame aprofundado das provas. 7. Ordem concedida apenas para garantir a liberdade do paciente até que os embargos de declaração opostos ao julgamento da apelação sejam julgados na Corte estadual" (HC 349749/ PR, 6.a T., reI. Sebastião Reis Júnior, 24.05.2016, m.v.). • "1. O art. 283 do Código de Processo Penal, ao condicionar a prisão à sentença definitiva, sem dúvida, é corolário do art. 5.°, LVII, da Constituição Federal, que determina que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado. Contudo, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que não viola a garantia constitucional a prisão determinada após esgotadas as instâncias ordinárias. Ressalva do entendimento da Relatora quanto ao mérito da questão. 2. Diante do aludido posicionamento da Corte Suprema, não há ilegalidade na determinação da execução da pena após rejeitados os embargos de declaração formulados contra o acórdão da apelação. 3. Embargos de declaração acolhidos para sanar as omissões apontadas, sem alteração do julgado" (EDcl no HC 354.441, 6.a T., reI. Maria Thereza de Assis Moura, 01.08.2016, v.u.) 8.24 Audiência de custódia: não realização
Não gera nulidade. Em primeiro lugar, é preciso provar o prejuízo experimentado pelo preso, que não foi conduzido à referida audiência de custódia. Em segundo, o Brasil todo não se encontra aparelhado para
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a realização dessa espécie de audiência. Em terceiro, o juiz jamais deixa de tomar conhecimento do auto de prisão em flagrante e analisar a sua legalidade e também o direito (ou não) do preso à liberdade provisória. A audiência de custódia não tem sentido no Brasil, pois há o delegado de polícia - operador do direito concursado para avaliar a legalidade da prisão em flagrante em primeiro plano; segue-se a isso um segundo operador do direito - o magistrado - a chancelar a prisão ou ofertar liberdade provisória.
Superior Tribunal de Justiça • ''A não realização da audiência de custódia, por si só, não é apta a ensejar a ilegalidade da prisão cautelar imposta ao recorrente, uma vez respeitados os direitos e garantias previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Ademais, operada a conversão do flagrante em prisão preventiva, fica superada a alegação de nulidade na ausência de apresentação do preso ao Juízo de origem, logo após o flagrante. Precedentes" (RHC 69S1l/PI, S.a T., reI. Reynaldo Soares da Fonseca, 20.10.2016, v.u.).
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OBRAS DO AUTOR
Habeas Corpus. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017. vol. 1. Curso de Direito Penal. Parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2017. vol. 2. Curso de Direito Penal. Parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2017. vol. 3. Manual de Direito Penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Código de Processo Penal comentado. Código Penal comentado.
17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
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- Em busca da Constituição Federal das Crianças e dos Adolescentes. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado Leis Penais e Processuais Penais Comentadas.
10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. vol. 1e 2.
Prática Forense Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Direitos Humanos versus Segurança Pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016. Individualização
da pena. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Corrupção e Anticorrupção. Organização
Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Criminosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Prostituição, Lenocínio e Tráfico de Pessoas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Direito Penal. Parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Esquemas & sistemas. vaI. 1. Direito Penal. Parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Esquemas & sistemas.
vaI. 2.
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Direito Processual Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Esquemas & sistemas. vol. 3. Princípios Constitucionais
Penais e Processuais Penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Provas no Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Tribunal do Júri. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Crimes contra a Dignidade Sexual. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Código de Processo Penal Militar Comentado. Código Penal Militar Comentado.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
Prisão e Liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Dicionário Jurídico. São Paulo: Ed. RT,2013. Código Penal Comentado
- versão compacta.
2. ed. São Paulo: Ed. RT,2013.
Doutrinas Essenciais. Direito Processual Penal. Organizador, em conjunto Thereza Rocha de Assis Moura. São Paulo: Ed. RT, 2012. vol. I a VI.
com Maria
Tratado Jurisprudencial I e 11.
e Doutrinário.
Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. vol.
Tratado Jurisprudencial vol. I e lI.
e Doutrinário.
Direito Processual
Doutrinas Essenciais. Direito Penal. Organizador, São Paulo: Ed. RT, 2011. vol. I a IX.
Penal. São Paulo: Ed. RT, 2012.
em conjunto com Alberto Silva Franco.
Crimes de Trânsito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. Júri - Princípios
Constitucionais.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
O Valor da Confissão como Meio de Prova no Processo Penal. Com comentários Tortura. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1999.
à Lei da
Tratado de Direito Penal. Frederico Marques. Atualizador, em conjunto com outros autores. Campinas: Millenium, 1999. vol. 3. Tratado de Direito Penal. Frederico Marques. Atualizador, em conjunto com outros autores. Campinas: Millenium, 1999. vol. 4. Tratado de Direito Penal. Frederico Marques. Atualizador, em conjunto com outros autores. Campinas: Bookseller, 1997. vol. I. Tratado de Direito Penal. Frederico Marques. Atualizador, em conjunto com outros autores. Campinas: Bookseller, 1997. vol. 2. Roteiro Prático do Júri. São Paulo: Oliveira Mendes e Del Rey, 1997.
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Habeas Corpus Em todas as suas obras, Guilherme de Souza Nucci busca incessantemente o ideal de inovação. A cada trabalho, procura aprimorar o estudo das ciências criminais, acompanhando sua evolução e seu progresso, com sólido conteúdo acadêmico, o que resultou em uma produção jurídico-literária que ultrapassa 30 títulos.
A ação constitucional denominada habeas corpus é de extrema relevância para assegurar os direitos individuais, e não deve, jamais, ser cerceada por força de lei ordinária. Afirmar que o habeas corpus perturba o andamento dos trabalhos dos tribunais, em sua área criminal, é irreal, posto que se cuida de ação apresentada já com provas pré-constituídas. Diante disso, a facilidade de acesso às alegações, geralmente calcadas em questões de direito, permite o rápido julgamento dos feitos. Atualmente, o habeas corpus teve seu alcance ampliado e pode atingir outros atos de coação ou constrangimento vinculados indiretamente à liberdade de locomoção. Por esse motivo, a ação se agigantou nos Tribunais pátrios e exige estudo frequente, tanto sob o enfoque científico da doutrina como também pelo prisma dos julgados diários em cada Corte brasileira. Capítulo específico é dedicado a pontos polêmicos e atuais do habeas corpus no cotidiano dos operadores do Direito, com o objetivo de abordar tanto questões acadêmicas quanto soluções de dúvidas do dia a dia da prática forense. Esta edição foi atualizada, trazendo jurisprudência relevante, recente e com acréscimo de dados doutrinários, tudo para facilitar o estudo e a utilização do habeas corpus pelos estudantes e pelos operadores do Direito.
ISBN 978-85-309-7125-0
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