Grego Diário [1º Edição] 9786556895703

O devocional perfeito para quem quer estudar grego todos os dias e descobrir os tesouros escondidos do Novo Testamento e

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Portuguese Pages 174 Year 2023

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Sobre o Autor
Mestre (M.Th.) em Estudos Bíblicos, Universidade de Edimburgo, 2016; Mestre em Divindade (M. Div.), Seminário Teológico Servo de Cristo, 2013; Bacharel em Relações Internacionais, PUC-SP, 2005; Atuou no mercado financeiro por 10 anos. Foi Evangelista do Departamento Educacional da Igreja Sinam. É pastor auxiliar na Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Serve também como diretor da Escola Didaskalia de Bíblia e Teologia.
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Grego Diário [1º Edição]
 9786556895703

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Houve um tempo em que se usava a frase “Ele está falando grego” para se referir a alguém que dizia algo absolutamente incompreensível a todos ao redor. Isso certamente tem mudado. O desenvolvimento tecnológico tem muita influência nesse cenário, uma vez que democratizou o aprendizado que agora flui naturalmente em canais do Youtube e nas diversas redes sociais. Nesse sentido, o querido reverendo Paulo Won tem sido um dos grandes responsáveis para que isso se torne cada vez mais evidente. Seu livro Grego diário é uma prova disso, trazendo, de forma eficaz, objetiva e ao mesmo tempo suave, a possibilidade de conhecermos a importância dos vocábulos e da gramática da língua grega para uma boa observação exegética e uma consequente aplicação prática do texto bíblico ao nosso cotidiano. Rev. Rodrigo Leitão, pastor presbiteriano, executivo da APECOM (Agência Presbiteriana de Evangelização e Comunicação) e professor de Homilética e Prática de Pregação no Seminário Presbiteriano do Sul em Campinas Como pastor e professor da área de estudos bíblicos por mais de uma década, descobri que as línguas originais do texto bíblico são extremamente importantes para um ministério fiel de exposição e ensino das Escrituras Sagradas. Quando se trata do Novo Testamento, o grande desafio para o jovem pastor ou líder de igreja local é criar uma rotina que o ajude a perseverar e a se aprofundar no estudo da língua grega. O livro de Paulo Won supre de forma magistral essa lacuna. Com uma linguagem clara e analisando os elementos da gramática grega, o autor oferece setenta estudos de trechos do Novo Testamento que ajudam a manter um leitura regular do texto grego, mostrando como a morfologia, a sintaxe e as ligações canônicas nos ajudam a entender melhor o texto e a aplicá-lo de forma adequada. Como eu gostaria de ter um livro como esse quando me formei no seminário! Recomendo fortemente a leitura e o estudo de Grego diário! Tiago Abdalla T. Neto, professor da área de estudos bíblicos do Instituto Missionário Palavra da Vida, da Escola Teológica Charles Spurgeon e do Seminário Servo de Cristo, é mestre em teologia e exposição do Antigo Testamento pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida e em ciências da religião pela Universidade Metodista de São Paulo, além de membro do Comitê de Tradução da NVT e do Comitê de Revisão da NVI Um dos grandes desafios que todo estudante de teologia enfrenta em sua formação é aprender as línguas originais das Escrituras. E um desafio ainda maior é usá-las de forma efetiva e constante ao longo dos anos de ministério. Por isso, Grego diário, de Paulo Won, é um recurso necessário e imperdível para todos os que reconhecem a importância da leitura do texto primário do Novo Testamento durante o preparo de estudos bíblicos e sermões. Nessa obra prima e exclusiva em nosso país, Paulo Won, de forma brilhante e didática, nos oferece doses diárias de grego bíblico que estimulam os leitores ao uso constante da língua grega no estudo bíblico. Adrien Bausells, pastor associado da New Hope Reformed Church, em Mississauga, no Canadá, e professor de pregação no Seminário Teológico Servo de Cristo e na Escola Didaskalia Grego não é fácil. Desculpe desapontar, mas aprender uma língua bíblica não é coisa de criança. Exige dedicação, sofrimento e muito esforço mental. São noites não dormidas, saídas com a família canceladas, descansos adiados em nome do aprendizado. Ninguém aprende grego em alguns fins de semana. No seminário teológico, dizíamos que as matérias de idiomas separavam homens de meninos.

É no grego e no hebraico que muitos desistem dos estudos. Por isso, é muito notável que haja quem não apenas domine o grego bíblico como idioma, mas também saiba ensiná-lo de modo claro e popular — mais que isso: que saiba extrair lições preciosas e claras para a edificação de cristãos comuns. Paulo Won é um desses notáveis. Cada geração tem alguns punhados de mentes brilhantes o bastante para transformar em matéria popular, prática e agradável aquilo que era inalcançável e geralmente aprisionado em torres de marfim de um academicismo distante. Como professor de grego, aprendo com Paulo Won e suas doses diárias de grego e posso atestar que seus talentos provêm de habilidade acadêmica, mas desaguam em serviço devocional para a igreja de Cristo. Sou grato em saber que mais e mais cristãos poderão ouvir lições que vêm da voz de Deus na língua em que ele decidiu se revelar. Yago Martins, autor; mestre em teologia sistemática pelo Instituto Aubrey Clark, bacharel em teologia pela Faculdade Teológica Sul-Americana e pós-graduado na primeira turma da Escola Austríaca de Economia, do Centro Universitário Ítalo Brasileiro; presidente do conselho diretor da Missão GAP; diretor do Instituto Schaeffer de Teologia e Cultura; apresentador do canal Dois Dedos de Teologia no YouTube, com mais de meio milhão de inscritos; organizador do Fórum Nordestino de Cosmovisão Cristã; pastor na Igreja Batista Maanaim Existe diferença entre ler as Escrituras pelos manuscritos originais e pelas traduções em nosso vernáculo? Certamente sim. Embora as duas leituras nutram a alma, estudar a Bíblia pelos originais nos torna mais sensíveis aos temperos e aromas peculiares de cada passagem. A tradução pode nos dar a mesma refeição, mas não a mesma sensação. Se você quer não apenas se alimentar da Palavra de Deus, mas também aprender a degustar cada nota de seu tempero, recomendo com alegria as setenta receitas contidas em Grego diário, produzidas pelo chefe Paulo Won. Em cada capítulo, ele nos convida a adicionar um pouco mais de tempero àquelas expressões populares do Novo Testamento à luz do grego. Bom apetite! Rev. Jean Francesco, PhD em teologia sistemática pelo Calvin Theological Seminary, professor de teologia e pastor da First Byron Center CRC, em Michigan O estudo do Novo Testamento grego é disciplina fundamental ao expositor que deseja se aprofundar na interpretação das Sagradas Letras. Nessa obra ímpar em solo nacional, o professor Paulo Won disponibiliza uma abordagem sintética, objetivando o aprofundamento da koiné para assim guiar os estudiosos a uma reflexão clara e eficaz. A didática utilizada pelo professor Won reflete a intenção de servir quem deseja obter conhecimento de categorias gramaticais, fluência sintática e um breve alcance semântico de principais verbetes. É evidente que o alvo é o anseio em equipar o intérprete nos fundamentos essenciais, para poderem entender a comunicação do autor a seus leitores originais. O labor exegético deve sempre ser a prioridade do estudioso para depois tornar o texto possível na vida. Quem acessa essa obra tem à disposição setenta possibilidades de aprimoramento de breves descritivos exegéticos em textos selecionados, numa estrutura facilitadora e conduzindo o movimento do grego a uma efetiva aplicação pessoal. Marcos de Almeida, mestre em ciências da religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduado em teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo, com especialização em Grego Ático pela Universidade de São Paulo, atua principalmente nas seguintes disciplinas: Grego Koinē Instrumental, Exegese do NT, Hermenêutica Geral e Aplicada, Teologia Bíblica do NT, Teologia Sistemática e Estudo do Contexto do Novo Testamento

Copyright ©2023, de Paulo Won Todos os direitos desta publicação são reservados por Vida Melhor Editora LTDA. As citações bíblicas são da Nova Versão Internacional (NVI), a menos que seja especificada outra versão da Bíblia Sagrada. Citações bíblicas com indicação in loco foram extraídas da Nova Versão Transformadora (NVT), da Almeida Revista e Atualizada (ARA), da Almeida Século 21 (A21) e da Bíblia de Jerusalém (BJ). Os pontos de vista desta obra são de responsabilidade de seus autores e colaboradores diretos, não refletindo necessariamente a posição da Thomas Nelson Brasil, da HarperCollins Christian Publishing ou de sua equipe editorial.

Publisher Editor Produção editorial Preparação Revisão Diagramação Capa Produção de ebook

Samuel Coto André Lodos Tangerino Fabiano Silveira Medeiros Guilherme Guimarães Caio Barrios Medeiros e Gabriel Ortiz Sonia Peticov Rafael Brum S2 Books

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (BENITEZ Catalogação Ass. Editorial, MS, Brasil) W74g Won, Paulo 1.ed. Grego diário : 70 estudos do Novo Testamento em grego / Paulo Won. – 1.ed. – Rio de Janeiro : Thomas Nelson Brasil, 2023. 176 p.; 12 x 18 cm. ISBN 978-65-56895-70-3 1. Bíblia – Novo Testamento – Estudo e ensino. 2. Bíblia – Traduções – Grego. I. Título.

11-2022/37

CDD:230 Índice para catálogo sistemático 1. Bíblia : Novo Testamento : Estudo e ensino 230 Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129

Thomas Nelson Brasil é uma marca licenciada à Vida Melhor Editora LTDA. Todos os direitos reservados à Vida Melhor Editora LTDA.

Rua da Quitanda, 86, sala 218 — Centro Rio de Janeiro — RJ — CEP 20091-005 Tel.: (21) 3175-1030 www.thomasnelson.com.br

SUMÁRIO Capa Folha de rosto Créditos Prefácio, Marcelo Berti Agradecimentos Introdução 1. Aquele que é a Palavra • João 1:1a 2. A Palavra com Deus • João 1:1b 3. A Palavra era Deus • João 1:1c 4. Manifesto em carne • 1Timóteo 3:16a 5. Justificado pelo Espírito • 1Timóteo 3:16b 6. Visto pelos anjos • 1Timóteo 3:16c 7. Pregado entre as nações • 1Timóteo 3:16d 8. De Nazaré da Galileia • Marcos 1:9a 9. O batismo no rio Jordão • Marcos 1:9b 10. Orem assim • Mateus 6:9a 11. Pai nosso • Mateus 6:9b 12. Santificado seja • Mateus 6:9c

13. Venha o teu reino • Mateus 6:10a 14. Seja feita a tua vontade • Mateus 6:10b 15. Na terra como nos céus • Mateus 6:10c 16. Nosso pão diário • Mateus 6:11 17. Nosso perdão • Mateus 6:12a 18. Como perdoamos • Mateus 6:12b 19. Tentação • Mateus 6:13a 20. Maligno • Mateus 6:13b 21. Doxologia • Mateus 6:13c 22. O evangelho de Jesus • Marcos 1:1 23. Deus amou o mundo • João 3:16a 24. Deus deu o seu único Filho • João 3:16b 25. O propósito da salvação • João 3:16c 26. A vida eterna! • João 3:16d 27. Sal da terra • Mateus 5:13a 28. Sal da terra • Mateus 5:13b 29. Pisado pelas pessoas • Mateus 5:13c 30. Os pobres de espírito • Mateus 5:3 31. Os que choram • Mateus 5:4 32. Os mansos • Mateus 5:5 33. Os que ardentemente desejam justiça • Mateus 5:6

34. Os misericordiosos • Mateus 5:7 35. Os puros de coração • Mateus 5:8 36. Os promotores da paz • Mateus 5:9 37. Os perseguidos pela justiça • Mateus 5:10 38. Introdução epistolar • Atos 15:23a 39. Introdução epistolar • Atos 15:23b 40. Alegrem-se sempre! • 1Tessalonicenses 5:16,17 41. Orem incessantemente! • 1Tessalonicenses 5:18 42. Tu és o Cristo! • Mateus 16:16 43. Creia no Senhor Jesus • Atos 16:31 44. Ame! • Lucas 10:27 45. Um monte na Galileia • Mateus 28:16 46. Adoração hesitante • Mateus 28:17 47. A supremacia de Cristo • Hebreus 1:1 48. Toda autoridade é de Jesus • Mateus 28:18 49. Façam discípulos • Mateus 28:19 50. Ensinem a guardar • Mateus 28:20a 51. Promessa • Mateus 28:20b 52. Todos pecaram • Romanos 3:23 53. Três virtudes cardeais • 1Coríntios 13:13 54. Coisas do alto • Colossenses 3:2

55. Vem, Senhor! • Apocalipse 22:20 56. Caminho, verdade e vida • João 14:6 57. Conhecereis a verdade • João 8:32 58. Tudo para o Senhor • Colossenses 3:23 59. Salvação só em Jesus • Atos 4:12 60. A fé vem pelo ouvir • Romanos 10:17 61. Amor maior • João 15:13 62. Nova criação • 2Coríntios 5:17 63. Estou crucificado com Cristo • Gálatas 2:19 64. Dom de Deus • Efésios 2:8 65. Justificados • Romanos 5:1 66. Alfa e Ômega • Apocalipse 1:8 67. Fiel até as últimas consequências • Apocalipse 2:10 68. Filhinhos • 1João 2:1a 69. Temos advogado • 1João 2:1b 70. Nossa propiciação • 1João 2:2 Posfácio, Guilherme Nunes

PREFÁCIO Não há nada igual ao Novo Testamento grego para rejuvenescer o mundo — o mesmo mundo que emergiu da Idade das Trevas com o Testamento grego em mãos. Erasmo escreveu no Prefácio de seu Testamento Grego a respeito de seu entusiasmo: “Estas páginas sagradas convocarão a imagem viva de Sua mente. Elas lhe darão o próprio Cristo, falando, curando, morrendo e ressuscitando — o Cristo inteiro em uma palavra. Este texto O entregará a você em uma intimidade tão próxima que Ele seria menos visível para você se estivesse diante de seus olhos”. O Novo Testamento grego é o Novo Testamento. Todo o resto é tradução. Jesus nos fala em cada página do texto grego. Muitas de suas ipsissima verba estão aqui preservadas para nós, pois nosso Senhor muitas vezes falava em grego. Para obter essas palavras de Jesus vale a pena enfrentar a gramática e continuar até o fim. [ 01 ]

Archibald Thomas Robertson (1863-1934) foi, sem sombra de dúvida, o maior gramático de sua geração [ 02 ]. Versado como ninguém no grego koinē, escreveu a principal gramática grega de seus dias enquanto lecionava no The Southern Baptist Theological Seminary (SBTS), em Louisville, no Kentucky. Sua obra continha pouco mais de 1.200 páginas e representava a mais importante síntese acadêmica da época. É impossível ler suas páginas sem ficar impressionado com a profundidade e a abrangência de seu conhecimento. Contudo, lecionando em um seminário, Robertson se via em um dilema: de um lado, entendia que pastores nem sempre teriam tempo ou condições para estudar o grego com profundidade acadêmica; de outro, sabia que era fundamental que seus alunos conhecessem as palavras do Novo Testamento em seu idioma original; afinal, era ali que as ipissima verba de Jesus seriam ouvidas de forma plena. Para Robertson, as antigas palavras gregas do Novo Testamento eram intimamente ricas em significado, porta aberta ao ensino de Jesus, convite a ouvi-lo ensinar. Por essa razão, Robertson dedicou-se a escrever, para pastores e estudantes, a mais influente de suas obras, Word pictures in the New Testament [Quadros em forma de palavras no Novo Testamento] (1933). Trata-se de uma coleção de seis volumes em que

Robertson examinou os mais importantes vocábulos e expressões de todos os livros do Novo Testamento em seu contexto e, a partir daí, esforçou-se para tornar acessível o sentido e o significado do texto original para leigos e iniciantes no estudo do grego neotestamentário. Em decorrência desse esforço no período final de sua carreira, Robertson continua a influenciar jovens estudantes do texto grego do Novo Testamento até os dias de hoje. Mesmo depois de seus quase noventa anos de publicação, esse livro continua sendo profundamente valioso. A razão para isso é que ler o texto do Novo Testamento em seu idioma original é aproximar-se ainda mais do sentido de sua mensagem, algo que nem mesmo as melhores traduções podem fazer. É por isso que nós, brasileiros, precisamos tanto de um livro como este que você tem em mãos, o qual o ajudará a fortalecer seus passos no estudo do texto grego e oferecerá um renovado desejo de aprofundar seu conhecimento pela Escritura e pelo Senhor. Paulo Won é um amigo de longa data, alguém a quem acompanho de perto e com quem aprendo muito. No que se refere ao ensino do grego na internet, é um pioneiro e, devo confessar, um dos melhores professores que temos no Brasil. Com formação acadêmica de ponta, o Paulo sempre manteve uma postura humilde de quem sabe ser servo de Cristo antes de ser professor de teologia. Ele é, sem dúvida alguma, a pessoa mais indicada a nos conduzir no estudo do texto grego do Novo Testamento. Em certo sentido, Paulo faz, a seu modo, o que Robertson fez no passado: convida seus leitores a estudar o texto do Novo Testamento de modo acessível, com a intenção de fazê-los enxergar a beleza do texto grego em sua forma original. É evidente que existem diferenças importantes entre os dois: aqui encontramos doses diárias do estudo de algumas passagens do Novo Testamento, ao passo que Robertson apresentou uma análise de todo o Novo Testamento. Mas, ainda assim, o convite para um estudo aprofundado do texto grego é encontrado em todas as páginas deste livro. Além disso, aqui você encontrará estudos de importantes versículos que abordam vocabulário, gramática, conteúdo e aplicação. Os comentários exegéticos apresentados servirão de introdução ao versículo estudado e serão uma fonte de recursos para aquele que desejar se aprofundar no estudo do texto grego. Em alguns casos, Paulo incluiu até mesmo análises de variantes textuais, com simplicidade e precisão não vistas em livros introdutórios. Por essas razões, parece justo dizer que, no Brasil, esta obra é sem precedentes.

Assim, acredito que este pequeno livro, com pequenas reflexões diárias, terá grande impacto na vida do leitor que se debruçar sobre ele para estudá-lo. Afinal, será ao mesmo tempo um projeto devocional e educacional, no qual adoração e reflexão andarão de mãos dadas. É por isso que meu desejo e expectativa é que neste livro os leitores possam iniciar sua jornada de escutar as ipsissima verba de Jesus e dos apóstolos; afinal, “para obter essas palavras de Jesus vale a pena enfrentar a gramática e continuar até o fim”. Que o Senhor abençoe seus estudos! Em Cristo, MARCELO BERTI São Paulo, 2023

AGRADECIMENTOS Tenho muitas pessoas a agradecer. Começo com dois professores muito importantes na minha jornada como cristão e teólogo, que despertaram em mim a paixão pelas línguas originais: meu amigo Valdomiro Aurélio dos Santos, que durante seus anos de seminarista serviu a minha igreja e me conheceu nos anos de adolescência, tendo me introduzido ao conhecimento básico do grego; e o dr. Estevan Kirschner, que conheci mais de uma década depois, no Seminário Servo de Cristo, e me ensinou o grego que hoje conheço. Agradeço às centenas de alunos que tive e ainda tenho nos meus cursos online de grego. Fui cético em relação a essa forma de ensino até que mergulhei em uma experiência sem volta. A pandemia da COVID-19 consolidou minha convicção de que podemos, sim, oferecer um ensino de qualidade utilizando os meios digitais de que dispomos. Esses meus alunos “virtuais” foram as minhas “cobaias”. É por causa deles que estou aqui. Não poderia faltar minha mensagem de gratidão a tantos que desde o começo do projeto Grego diário me incentivaram a não parar. Nos períodos de pausa, muitos mandaram mensagens pedindo que eu voltasse a produzir e disponibilizar conteúdos. Procurei atender à expectativa retornando cada vez com formas mais didáticas. A finalidade nunca foi oferecer um conhecimento complexo e inalcançável, mas um recurso que pudesse ajudar pastores e mestres a ensinar a palavra de Deus de forma mais qualificada. Espero que tenha ajudado, dentro dos meus limites, a esses irmãos. Expresso minha gratidão à equipe da Thomas Nelson Brasil: ao meu editor, André Tangerino, que se animou com a ideia de transformar o Grego diário em livro, mesmo sabendo que não se tornaria um best-seller. Sei que este livro é para aqueles que realmente gostam do grego e querem nele se aprofundar. Mas, entre esses poucos, espero que possamos ter servos de Deus qualificados a servir na seara de Cristo. Expresso carinho também ao Samuel Coto, nosso publisher, que desde o meu primeiro livro, E Deus falou na língua dos homens (Thomas Nelson Brasil, 2020), sempre me incentivou a

continuar. Estendo meu agradecimento ao Marcelo Berti e ao Guilherme Nunes (e a Deus por eles), dois homens que lidam diariamente com o texto grego do Novo Testamento de forma brilhante. Eles escreveram o prefácio e o posfácio, respectivamente, abrilhantando a presente obra. Por fim, agradeço à minha família. À Juliana, minha sempre presente e paciente esposa. Aos meus meninos, Theo, Nathan e Christian. Aos meus pais. Claro, não poderia deixar de agradecer à minha família espiritual, todos os meus irmãos e irmãs da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, onde desde 2019 tenho a alegria de servir. REV. PAULO WON Domingo da Ressurreição do nosso Senhor Jesus Cristo Cuiabá, 2022

INTRODUÇÃO Bem-vindo ao mundo do texto grego do Novo Testamento! Pronto. Essa frase inicial por si só pode ter gerado em alguns leitores um desconforto imenso, porque, afinal, estamos falando de uma língua “intragável” (aliás, diz-se que alguém está “falando grego” quando não se entende nada do que está sendo dito). Para outros, porém, o convite pode ter soado música aos ouvidos. A você, querido leitor, que está com este livro em mãos, minha esperança é que pertença ao segundo grupo, seja por disposição natural ou porque gradativamente se convenceu de que é melhor dele fazer parte. O motivo da minha esperança está no incrível fato de o Novo Testamento ter sido escrito originariamente em grego. Acessar o texto original nos aproxima mais daquele mundo e das pessoas que fizeram parte das maravilhosas narrativas que estamos acostumados a ler em nossas traduções. Quero deixar claro que para mim nossas traduções em língua portuguesa são ótimas. Entretanto, mergulhar no texto primário, escrito em grego, é uma experiência essencial a todos os que almejam conhecer mais a palavra de Deus. Estou consciente do fato de que muitos podem considerar o aprendizado do grego uma utopia. Entre o aprendizado do alfabeto e a competência de ler o texto em grego com fluência razoável, há um abismo que poucas pessoas conseguem transpor. Como no aprendizado de toda língua, fatores como disciplina, interesse e uso constante e frequente da língua são fundamentais. Nesse sentido, nosso objetivo com este livro é suprir uma lacuna importante no cenário brasileiro, e mais especificamente de língua portuguesa: um recurso que estimule o “uso constante” da língua grega no estudo bíblico. O projeto Grego diário nasceu quando eu estava terminando o mestrado em estudos bíblicos na Universidade de Edimburgo, em 2016. Já com as provas feitas e a dissertação entregue, surgiu, numa manhã, um vazio no meu coração. Esse vazio estava relacionado às alternativas, até então restritas, da minha futura atuação como professor de teologia ao retornar ao Brasil. Foi nesse momento de angústia e frustração que veio ao meu coração o desejo de

proporcionar recursos didáticos e conteúdos diários para estudantes de línguas bíblicas originais. O formato que adotei foi, então, inspirado no trabalho online do dr. Robert Plummer, Daily dose of Greek [ 03 ] [Dose diária de grego]. Decidi, no entanto, ir um passo além e produzir um material que fosse um pouco mais analítico. Daí veio o site www.gregodiario.com (desativado, no momento), onde, por mais de dois anos, publiquei estudos diários sobre quase 300 versículos do Novo Testamento e da Septuaginta (LXX). Recentemente, depois de uma pausa para reavaliação da metodologia e de um estudo para aprimorar o conteúdo, voltei com o Grego diário, publicando online vídeos em temporadas estruturadas como os estudos que compõem este livro. O uso constante dos recursos didáticos é o segredo para aprender e manter a mente em constante aprendizado. Estou cansado de ver pastores e leigos formados em teologia que aplicaram muitas horas para aprender o grego bíblico e, depois de se formar, simplesmente se esqueceram de tudo. É evidente que entendo as demandas dos nossos pastores e sei, pela própria experiência pastoral, que é impossível passar horas e horas estudando o grego do Novo Testamento tendo à porta do gabinete uma fila imensa de pessoas para atender, casamentos para celebrar, ofícios fúnebres para dirigir etc. Por isso, apresento a essência do nosso trabalho neste Grego diário: 70 estudos do Novo Testamento em grego. Diário pressupõe pequenas porções e aponta para um constante labor. De forma resumida, a verdade é que “devagar e sempre” chegaremos na almejada fluência na leitura do grego bíblico! É importante lembrar que a língua grega utilizada no Novo Testamento não é a mesma falada nas ruas da Grécia hoje, mas a que historicamente classificamos como grego clássico. Há uma discussão entre os estudiosos se o grego do Novo Testamento é, de fato, tão diferente do mais erudito, tal como vemos nas obras de Platão ou de Aristóteles. Por um lado, a resposta é sim, pois o grego do Novo Testamento é mais coloquial. Mas, por outro, não, pois o grego chamado koinē, ou comum, possivelmente é um dialeto separado do grego clássico, ou ático. Nesse sentido, se você tem um conhecimento do grego clássico, não terá dificuldades em ler o Novo Testamento. E, se conhecer apenas o grego do Novo Testamento, também não estranhará tanto assim o grego dos filósofos. Por ser uma língua difundida por todo o mundo antigo a partir do expansionismo grego com Filipe II e Alexandre, o Grande,

é óbvio que o “grego” falado de região para região tinha certas diferenças (como os tipos de sotaque e a grafia ou pronúncia de algumas palavras). [ 04 ] Outra discussão interessante, mas não tão relevante para a leitura e compreensão do texto original do Novo Testamento, diz respeito a qual seria a pronúncia do grego nos tempos de Jesus e na região onde ele viveu. A resposta curta e direta é: não sabemos ao certo. Temos certos indícios, por meio de documentos antigos e achados arqueológicos, que podem nos direcionar a uma forma ou outra do que seria a pronúncia. Hoje temos, de forma geral, duas metodologias de pronúncia: a erasmiana (também chamada etacista) e a moderna (também chamada iotacista, mais próxima ao grego moderno). Aqui não é o lugar para aprofundarmos essa análise, mas é importante considerar dois pontos: em primeiro lugar, adoto aqui a pronúncia erasmiana, por considerá-la pedagógica e de uso mais comum dentro da academia. Em segundo lugar, para fins de leitura e compreensão deste texto, tanto faz se você, leitor e estudante, adotar o padrão erasmiano ou moderno. Como disse antes, provavelmente nenhuma das duas formas de pronúncia é igual à que saiu da boca de Cristo e dos apóstolos. Como não temos registros em áudio desse tempo, a discussão a respeito de uma pronúncia “verdadeira” é desnecessária aqui. O texto grego do Novo Testamento é constituído de 24 letras. Muitas delas você provavelmente já conhece, pois são usadas como variáveis no estudo das ciências exatas. Mas vale muito a pena você se atentar à tabela abaixo, que dará uma visão geral das letras e dos sons, bem como suas respectivas transliterações [ 05 ]. Algumas letras do alfabeto grego não têm correspondência direta com as letras e fonemas da língua portuguesa. Por exemplo, χ tem som aproximado a “rr”, mas é mais gutural — em termos gerais, o som “sai da garganta”. A letra θ e υ correspondem, respectivamente, ao th inglês e ao ü alemão. Além disso, há vogais que se distinguem quanto à duração: ε e η (breve e longo, respectivamente), bem como ο e ω (breve e longo, respectivamente). LETRA

NOME EM GREGO

NOME EM PORTUGUÊS

SOM

TRANSLITERAÇÃO

Α, α

ἄλφα

alfa

a de “amor”

a

Β, β

βῆτα

beta

b de “bola”

b

Γ, γ

γάμμα

gama

g de “gato”

g

Δ, δ

δέλτα

delta

d de “dado”

d

Ε, ε

ἒ ψιλόν

épsilon

e de “época”

e

Ζ, ζ

ζῆτα

zeta

z de “zelo”

z

Η, η

ἦτα

êta

e de “escola”

ē

Θ, θ

θῆτα

thêta

th de “think”

th

Ι, ι

ἰῶτα

iota

i de “igreja”

i

Κ, κ

κάππα

kapa

c de “carro”

k

Λ, λ

λάμβδα

lâmbda

l de “limão”

l

Μ, μ

μῦ

my

m de “mesa”

m

Ν, ν

νῦ

ny

n de “navio”

n

Ξ, ξ

ξῖ

csi

x de “taxi”

cs

Ο, ο

ὂ μικρόν

ómicron

o de “óculos”

o

Π, π

πῖ

pi

p de “pato”

p

Ρ, ρ

ῥῶ



r de “caro”

r

Σ, σ, ς

σίγμα

sigma

s de “sinal”

s

Τ, τ

ταῦ

tau

t de “tatu”

t

Υ, υ

ὖ ψιλόν

ypsilon

ü de “über”

y

Φ, φ

φῖ

fi

f de “faca”

ph

Χ, χ

χῖ

chi

≈rr de “carro”

kh

Ψ, ψ

ψῖ

psi

ps de “psicologia”

ps

Ω, ω

ὦ μέγα

ômega

o de “ovo”

ō

É claro que conhecer o alfabeto é apenas o começo. Mas você poderá acompanhar a leitura dos textos com o auxílio das transliterações. Assim, você terá a noção de como as palavras são lidas. Um último adendo à forma de leitura: todas as palavras gregas são acentuadas (´, `, ˜, ¨). Basta que você considere a sílaba acentuada a sílaba tônica da palavra, expressando isso na sua leitura. Para tirar ainda mais proveito de seu estudo, você deve ter em mãos um léxico grego-português. Temos várias boas opções produzidas em português — tanto livros físicos quanto também softwares bíblicos como o Logos, da Faithlife. Busque mais informações sobre essas ferramentas importantes.

Aqui deixo também uma última palavra para você que, após ler este livro, tiver interesse em se aprofundar no estudo do grego bíblico. Em primeiro lugar, busque a gramática Noções do grego bíblico, de Lourenço Stelio Rega e Johannes Bergmann (Vida Nova). É, na minha opinião, o melhor manual básico do grego neotestamentário. A partir dessa obra, em um segundo momento, você pode acessar o curso completo de grego Hellenike, oferecido pela Escola Didaskalia, de forma totalmente online. [ 06 ] A respeito das fontes textuais aqui utilizadas, nos 70 estudos diários uso o texto crítico da Nestlé-Aland em sua 28.ª edição. Para os textos da Septuaginta, uso a edição de Rahlf. Nas citações em hebraico, utilizo o texto da Biblia hebraica stuttgartensia. As três edições supracitadas foram publicadas pela Deutsche Bibelgesellschaft (Sociedade Bíblica Alemã). Esses mesmos textos são publicados no Brasil pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). A metodologia dos capítulos é simples: começo com o texto na língua original com a respectiva transliteração, que tem como objetivo ajudá-lo a ler o texto de forma adequada; em seguida, apresento o vocabulário mais importante do texto. Essa lista de palavras não é exaustiva. Também evito repetir palavras que os capítulos anteriores já trouxeram. Isso, de alguma forma, tem como intuito forçar a memorização. Depois, apresento as traduções, quase sempre com a minha tradução primeiro e depois outras disponíveis em língua portuguesa (NVI, NVT, BJ, A21 etc.). A seguir, teço breves comentários gramaticais, destacando um ou no máximo dois pontos importantes. Esse exercício é importante porque é no trabalho da vida real com o texto que você vê a gramática em ação. É apenas dessa forma que os conceitos gramaticais deixam de ser mera teoria e passam a ser mais reais e palpáveis. Cada capítulo termina com considerações exegéticas e aplicações, onde busco ampliar a visão do leitor para o que está além dos versículos. Por fim, é importante dizer que a escolha dos textos (versículos) que fazem parte desta obra não obedece a uma ordem cronológica ou teológica. Alguns textos são expostos em sequência; outros não. Busquei usar textos que já foram temas dos conteúdos que produzi e estão disponíveis tanto no site como no nosso canal do YouTube. Minha oração, por fim, é por você, querido leitor. Que este pequeno livro possa incentivar pastores, estudantes e todos os que amam a Palavra de Deus a manter acesos o interesse e a curiosidade, o contato e o manuseio das

línguas originais; neste caso, o grego. Não tenho dúvidas de que, enquanto a igreja estiver firmada na Palavra, sempre voltando à fonte primária, ad fontes, estaremos seguros e enfrentaremos com vitória as tempestades que se avizinham nestes tempos tão difíceis. Deus falou em português, com certeza, mas antes falou em grego: seja bem-vindo a esse antigo mas tão presente mundo!

1 AQUELE

QUE É A

PALAVRA

JOÃO 1:1A

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, En archȩ̄ ēn ho logos, VOCABULÁRIO

ἡ ἀρχή (hē archē, 55x): princípio, começo (substantivo) εἰμί (eimi, 2.462x): ser, existir (verbo) ὁ λόγος (ho logos, 330x): [a] palavra, [o] verbo (substantivo) GRAMÁTICA

O caso nominativo é sobretudo empregado para exprimir a função do sujeito da oração. O termo vem do latim casus nominativus, que quer dizer, literalmente, “caso de nomeação” ou “caso nominal”, uma vez que todo sujeito pressupõe um “nome” ou “substantivo” em seu núcleo, ainda que seja um verbo com valor nominal. O “nome” (ou substantivo) está, portanto, sempre presente no sujeito, para identificá-lo como sujeito da oração, ou ainda em outros elementos sintáticos diretamente relacionados a ele (e.g., no predicado nominal, no aposto etc.). O sujeito nominativo que rege a oração grega que estamos analisando aqui — Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, — é ὁ λόγος (substantivo acompanhado de artigo definido). TRADUÇÃO “No princípio, era a Palavra” “No princípio, aquele que é a Palavra já existia” (NVT) “No princípio era o Verbo” (ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O texto grego que abre o Evangelho de João está diretamente relacionado a outro texto, que, na Septuaginta, importante versão grega das Escrituras

hebraicas, abre o primeiro livro da Bíblia. Em Gênesis 1:1, lemos Ἐν ἀρχῇ ἐποίησεν ὁ θεὸς τὸν οὐρανὸν καὶ τὴν γῆν (En archē epoiēsen ho theos ton ouranon kai tēn gēn, “No princípio Deus criou os céus e a terra”). O ἀρχῇ de João 1:1 situa Jesus, aquele que é chamado λόγος, já na criação. No princípio, quando Deus criou o Universo, o λόγος já estava presente (observe o uso de ἦν, de aspecto imperfectivo). APLICAÇÃO

Essa declaração inicial de João serve perfeitamente ao propósito de seu Evangelho: demonstrar que Jesus não somente é o Messias esperado por Israel, mas que também é Deus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade (cf. João 20:28,30,31). Como o apóstolo Paulo confirma posteriormente, “Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio (ὅς ἐστιν ἀρχή, hos estin archē) e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia” (Colossenses 1:17,18). Jesus não é apenas o princípio no sentido de que vem antes de tudo, mas no sentido de que é a origem de tudo o que foi feito (Hebreus 1:2).

2 A PALAVRA

COM

DEUS

JOÃO 1:1B

καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, kai ho logos ēn pros ton theon, VOCABULÁRIO

εἰμί (eimi, 2.462x): ser, existir (verbo) ὁ θεός (ho theos, 1.317x): Deus (substantivo) GRAMÁTICA

Em grego, a ideia comunicada pela preposição dependerá também do caso da palavra que lhe segue, bem como do contexto em que ela ocorre. O substantivo θεόν está no caso acusativo, que marca o objeto direto de determinada ação ou estado; a palavra de caso acusativo é sempre afetada por outra. Quando a preposição πρός antecede uma palavra no caso acusativo, ela pode indicar, como é o caso do segmento de frase que estamos analisando aqui, uma ideia de associação ou companhia (no que chamamos “acusativo de associação”). Desse modo, a combinação de πρός com o substantivo acusativo τὸν θεόν (uma formação do artigo acusativo τὸν com o substantivo acusativo θεόν) pode ser traduzida por “com Deus” ou “junto com Deus”. TRADUÇÃO “e a Palavra estava com Deus” “Ele estava com Deus” (NVI) “A Palavra estava com Deus” (NVT) “e o Verbo estava com Deus” (BJ, ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O λόγος não apenas já existia no momento da criação de todas as coisas (cf. Gênesis 1:1), mas também estava associado a Deus. Ao usar a palavra λόγος,

que expressa um conceito importante para várias correntes filosóficas gregas, é provável que João tivesse traduzido para o grego a expressão hebraica ‫ְדַּבר‬ ‫( ֱא ִהים‬deḇar ʾelōhim, “palavra de Deus”), que expressa a convicção de que o mundo foi criado pela palavra de Deus (cf. Salmos 33:6-9; Hebreus 11:3). Portanto, João associa Jesus não somente a Deus, mas ao próprio evento da Criação, o que fica ainda mais claro em João 1:3. APLICAÇÃO

Ao relacionar Jesus a Deus no evento da Criação, João demonstra a divindade da “Palavra de Deus”, fato que fica ainda mais claro em João 1:3. Se a intenção de João foi associá-lo à expressão hebraica “palavra de Deus”, isso mostraria não apenas que Jesus estava presente, assim como Deus, no ato da criação (João 1:1a), mas também que a criação foi feita por seu intermédio: Jesus é a Palavra de Deus que estava com ele no princípio para dar origem a todas as coisas criadas. O mundo foi criado por ele, para ele e por intermédio dele (Romanos 11:36).

3 A PALAVRA

ERA

DEUS

JOÃO 1:1C

καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος. kai theos ēn ho logos. VOCABULÁRIO

ὁ θεός (ho theos, 1.317x): Deus (substantivo) εἰμί (eimi, 2.462x): ser, existir (verbo) ὁ λόγος (ho logos, 330x): [a] palavra, [o] verbo (substantivo) GRAMÁTICA

A conjunção grega καί é a palavra mais recorrente em todo o Novo Testamento (mais de 9.000 ocorrências). Entre outras funções, a que se destaca é a conferência de fluidez à narrativa. Podemos estranhar a abundância de καί no texto grego, uma vez que em português a conjunção coordenativa aditiva “e” é utilizada de forma moderada, para que se evite repetições; no entanto, no texto grego, em muitos casos, a conjunção é usada para marcar uma pausa e pode ser traduzida por uma vírgula ou um ponto-evírgula: “No princípio era a Palavra; ela estava com Deus e era Deus”. TRADUÇÃO “e a Palavra era Deus” (NVT) “e era Deus” (NVI) “e o Verbo era Deus” (BJ, ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Podemos analisar a oração καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος de duas formas. Em primeiro lugar, é possível que um predicado nominal que preceda um verbo de ligação (no caso, ἦν, no tempo imperfeito) seja um predicado nominal anártrico (ou seja, sem artigo) e expresse sentido definido (lit., “e Deus era a Palavra” ou “e a Palavra era Deus” [NVT]). Em segundo lugar, o próprio contexto de

João 1:1 leva à conclusão lógica de que o θεός anártrico só se pode referir ao Deus de Israel, aquele a quem João se refere como Pai de Jesus Cristo — o λόγος (João 1:14); por isso, θεός é traduzido corretamente pelo substantivo Deus, sem o artigo indefinido “um”. APLICAÇÃO

Muito se tem debatido a respeito da divindade de Cristo tendo por base esse tecto. Há quem considere que a ausência do artigo definido torne o substantivo necessariamente generalizador (“era um deus”). Entretanto, como vimos acima, o Deus e Pai de Jesus Cristo é referido por um substantivo específico associado à pessoa de Jesus Cristo, “o Verbo que era Deus”. Se examinarmos este texto à luz dos demais escritos joaninos, podemos concluir que sua intenção era, sem dúvida, estabelecer a divindade e eterna existência de Jesus Cristo junto ao Pai.

4 MANIFESTO

EM CARNE

1TIMÓTEO 3:16A

καὶ ὁμολογουμένως μέγα ἐστὶν τὸ τῆς εὐσεβείας μυστήριον· ὃς ἐφανερώθη ἐν σαρκί, kai homologoumenōs mega estin to tēs eusebeias mystērion: hos ephanerōthē en sarki, VOCABULÁRIO

ὅς (hos, 1.407x): que, aquele que (pronome relativo) φανερόω (phaneroō, 49x): manifestar, aparecer (verbo) ἡ σάρξ (hē sarx, 147x): [a] carne, [o] corpo (substantivo) GRAMÁTICA

Na língua grega, o pronome relativo substitui um termo mencionado na oração anterior, na maioria das vezes com valor nominal ou pronominal, e estabelece uma relação entre as duas orações. O pronome relativo nominativo grego ὅς se refere, na frase, à identidade daquele que é o cerne do “grande mistério da piedade” (τὸ τῆς εὐσεβείας μυστήριον), ou seja, Cristo. Observe que o próprio pronome ὅς é o sujeito (observe que está no nominativo), que rege o verbo principal ἐφανερώθη. TRADUÇÃO “Aquele que foi manifestado em carne” “Cristo foi revelado em corpo humano” (NVT) “Deus foi manifestado em corpo” (NVI) “Ele foi manifestado na carne” (BJ) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

As traduções da passagem na NVT e na NVI divergem em razão de um problema de crítica textual. Os manuscritos de tradição bizantina e as correções escribais de códices importantes como ℵc, Ac, C2 e D2 leem θεός

no lugar de ὅς. Já os manuscritos antigos e relevantes, como ℵ, A, C, F e G, trazem o pronome relativo nominativo ὅς. Qual a razão dessa diferença? Os manuscritos em questão foram escritos em letra maiúscula, sem espaçamento e sem pontuação. Além disso, certas palavras foram escritas de forma abreviada, como o substantivo θεός, que era grafado ΘϹ (um dos nomina sacra, títulos e nomes divinos comumente abreviados em manuscritos gregos); o pronome relativo ὅς era grafado OC (ambas as abreviações utilizam o sigma crescente, utilizado em tradições orientais). Há uma grande chance de o copista (escriba) ter copiado de forma errada a abreviação de ὅς, escrevendo ΘϹ em vez de ΟϹ, ou seja, dizendo θεός quando pretendia dizer ὅς. Seja qual for a forma original do texto da passagem (que desconhecemos), a mensagem final não é afetada. APLICAÇÃO

Como o contexto deixa claro, a intenção de Paulo nesse versículo não é destacar tanto a divindade, mas a realidade da encarnação de Cristo. É precisamente por esse motivo que qualquer possível problema de crítica textual não afeta a mensagem final. É pressuposto que Jesus é Deus, e, nesse versículo, a intenção principal é falar tanto da realidade quanto do mistério da manifestação carnal (física) de Cristo entre nós.

5 JUSTIFICADO

PELO

ESPÍRITO

1TIMÓTEO 3:16B

ἐδικαιώθη ἐν πνεύματι, edikaiōthē en pneumati, VOCABULÁRIO

δικαιόω (dikaioō, 39x): justificar (verbo) τὸ πνεῦμα (to pneuma, 379x): [o] espírito (substantivo) GRAMÁTICA

Uma preposição ajuda a expressar o significado de um substantivo conforme o caso, mas pode auxiliar a elucidar a função que o substantivo desempenha na oração de acordo com o contexto em que ocorre. No grego, há momentos em que o contexto da passagem exerce um papel mais decisivo na elucidação do significado da preposição — e, consequentemente, no do substantivo — do que o caso do substantivo. A locução prepositiva ἐν πνεύματι admite pelo menos duas traduções: “no Espírito” (sentido locativo, referente a um lugar) e “pelo Espírito” (sentido de agência, referente a quem age). Entretanto, à luz do contexto da passagem, a tradução da preposição ἐν por “pelo” é favorecida. TRADUÇÃO “justificado pelo Espírito” (NVT) “foi justificado em espírito” (ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O texto da passagem que analisamos apresenta várias dificuldades de tradução e interpretação. Além de haver mais de uma forma de traduzir a locução prepositiva ἐν πνεύματι, como vimos acima no item Gramática, o significado do verbo ἐδικαιώθη também gera dificuldades de ambiguidade para a tradução. O verbo δικαιόω pode significar tanto “justificar” quanto

“ser vindicado”. Considerando que o verbo δικαιόω está relacionado ao versículo anterior (ἐν πνεύματι, “pelo Espírito”), o fato de Jesus ter se manifestado em carne — assumindo forma humana — parece contrastar com a “vindicação” pelo Espírito (observe que a ARA traz “espírito”); ou seja, o contraste é com a própria ressurreição. Portanto, a relação entre Jesus e a “carne” está associada à sua morte, e a relação entre Cristo e o Espírito está associada à sua ressurreição. APLICAÇÃO

O cristão que conhece a Bíblia está especialmente acostumado a ler o verbo “justificar” no sentido paulino encontrado principalmente em Romanos, o sentido forense, de sermos declarados justos por Deus pelos méritos da obediência de Cristo apesar de pecadores. Nesse sentido, o leitor que depara com a noção de “Cristo justificado” neste texto de Paulo a Timóteo pode ficar confuso em relação à intenção comunicativa do apóstolo. É por esse motivo que a associação entre o verbo δικαιόω e o versículo anterior é tão importante para a compreensão da mensagem: em Cristo, por meio do Espírito, manifestou-se um poder que testificou sua divindade. Ou seja, a divindade de Cristo foi espiritualmente reconhecida e tornada evidente, apesar da fragilidade da carne.

6 VISTO

PELOS ANJOS

1TIMÓTEO 3:16C

ὤφθη ἀγγέλοις, ōphthē angelois, VOCABULÁRIO

ὁράω (horaō, 454x): ver, enxergar (verbo) ὁ ἄγγελος (ho angelos, 175x): [o] anjo, [o] mensageiro (substantivo) GRAMÁTICA

O tempo verbal aoristo é, em termos gerais, a forma mais simples, genérica e frequente de designar a ação expressa por um verbo no grego koinē. Seu aspecto temporal não é imperfectivo nem perfectivo, pois define um evento ocorrido em um ponto fixo do tempo, sem indicações de continuidade ou descontinuidade. É, de certa forma, um tempo verbal padrão. O aoristo se apresenta de duas formas, e para diferenciá-las costuma-se falar em primeiro aoristo e segundo aoristo. São duas maneiras de escrever as formas verbais que têm o mesmo significado e devem ter a mesma tradução. No segundo aoristo, o radical de um verbo é alterado sensivelmente. Esse é o caso do aoristo passivo indicativo ὤφθη, cuja forma lexical é ὁράω — formada pelo radical ὁρά- —, junto com o morfema que indica passividade -θη-. Observe que o dativo, ἀγγέλοις, expressa ideia de objeto indireto do verbo principal. TRADUÇÃO “visto por anjos” (NVT) “contemplado por anjos” (ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Tal como no versículo anterior, não fica claro apenas pelo texto o que Paulo quer dizer. Existem duas possibilidades de tradução. A primeira traduz ἀγγέλοις (dativo plural) da forma mais usual, ou seja: “pelos anjos”.

Entretanto, considerando que ἄγγελος também carrega o sentido de “mensageiro enviado”, é possível que seja uma referência aos próprios apóstolos (que vem para o português de ἀπόστολος, “enviado”). APLICAÇÃO

O texto de Paulo a Timóteo apresenta uma gradação que busca provocar, no interlocutor, um efeito tanto de imaginação quanto de admiração: “manifestado em corpo, justificado no Espírito, visto pelos anjos, pregado entre as nações, crido no mundo, recebido na glória” (NVI). Independentemente de qual seja a melhor opção de tradução, a progressão desse hino cristológico relaciona essa visão a um evento posterior à ressurreição, que culmina na glória de Cristo. Sejam anjos ou apóstolos que o estejam vendo ou contemplando, o foco está no objeto da contemplação: o Cristo ressurreto e glorificado!

7 PREGADO

ENTRE AS NAÇÕES

1TIMÓTEO 3:16D

ἐκηρύχθη ἐν ἔθνεσιν, ἐπιστεύθη ἐν κόσμῳ, ἀνελήμφθη ἐν δόξῃ. ekērychthē en ethnesin, episteuthē en kosmō̧, anelēmphthē en doxȩ̄. VOCABULÁRIO

κηρύσσω (kēryssō, 61x): pregar, proclamar (verbo) τὸ ἔθνος (to ethnos, 162x): [a] nação (substantivo) πιστεύω (pisteuō, 241x): crer (verbo) ὁ κόσμος (ho kosmos, 186x): [o] mundo (substantivo) ἀναλαμβάνω (analambanō, 13x): receber, levar (verbo) ἡ δόξα (hē doxa, 166x): [a] glória (substantivo) GRAMÁTICA

O significado que uma preposição assumirá depende, como vimos anteriormente, do caso da palavra seguinte à que ela está associada e do contexto em que ocorre. No caso dessas três orações, a preposição ἐν associada a substantivos que estão no caso dativo expressa ideia locativa: a posição ou local no qual uma ação se realiza (o que chamamos de “dativo locativo”; uso mais comum do caso dativo no texto do Novo Testamento grego). TRADUÇÃO “pregado entre as nações, crido no mundo e recebido na glória” (NVI) “anunciado às nações, crido em todo mundo e levado para o céu em glória” (NVT) “proclamado às nações, crido no mundo, exaltado na glória” (BJ) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

De acordo com o hino cristológico de Paulo, o papel dos gentios no enredo redentivo de Cristo Jesus é muito importante. O Jesus que nascera como o

Messias de Israel é o mesmo que assume a missão que outrora o povo de Israel falhou em concretizar: ser luz das nações (cf. Isaías 42:6; 49:6, Lucas 2:32). Nesse sentido, o Evangelho alcança todas as nações, chamando dentre todos os povos o verdadeiro povo de Deus. APLICAÇÃO

Os gentios, chamados pejorativamente ‫( גּוֹ ִים‬goyim) [ 07 ] no Antigo Testamento, são convidados por meio da nova aliança em Cristo a fazer parte do Novo Israel. Se o Israel antigo era definido por laços sanguíneos (a família de Abraão), o novo povo da nova aliança é formado por meio daqueles que creem no Senhor, que estão espalhados por todo o mundo (ἐπιστεύθη ἐν κόσμῳ). Cristo não foi apenas “pregado entre as nações”, mas também crido pelos seus povos. Aqui vemos a poderosa eficácia da proclamação do evangelho. Quanto aos gentios, o Senhor diz por meio do profeta Isaías: “O povo que caminhava em trevas viu uma grande luz” (Isaías 9:2).

8 DE NAZARÉ

DA

GALILEIA

MARCOS 1:9A

Καὶ ἐγένετο ἐν ἐκείναις ταῖς ἡμέραις ἦλθεν Ἰησοῦς ἀπὸ Ναζαρὲτ τῆς Γαλιλαίας Kai egeneto en ekeinais tais hēmerais ēlthen Iēsous apo Nazaret tēs Galilaias VOCABULÁRIO

γίνομαι (ginomai, 669x): tornar-se, acontecer (verbo) ἐκεῖνος (ekeinos, 265x): este, aquele (pronome demonstrativo) ἡ ἡμέρα (hē hēmera, 389x): [o] dia (substantivo) ἔρχομαι (erchomai, 632x): ir, vir (verbo) GRAMÁTICA

A expressão καὶ ἐγένετο é frequentemente usada em textos narrativos (principalmente nos Evangelhos e em Atos) para expressar o início de uma nova seção narrativa ou de um novo tópico. O seu uso é muito semelhante ao verbo ‫הי‬ ִ ְ ַ‫( וי‬wayhi) no hebraico, um wayyiqtol [ 08 ] que funciona como marcador de transição na linha secundária do perfil discursivo da narrativa histórica. Nesse sentido, a expressão καὶ ἐγένετο pode ser compreendida como uma espécie de sinal de abertura de parágrafo, e não precisa ser traduzida necessariamente; é uma marca textual. Dentre as traduções, a única que mantém a literalidade dessa expressão é a da BJ (“Aconteceu, naqueles dias, que Jesus veio de Nazaré da Galileia”). TRADUÇÃO “Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galileia…” “Certo dia, Jesus veio de Nazaré da Galileia” (NVT) “Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galileia” (ARA)

OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Marcos faz questão de enfatizar o fato de que Jesus vem da cidade de Nazaré, que faz parte da região da Galileia. Embora Jesus tenha nascido na cidade de Belém (cf. Mateus 2:1), Nazaré é a cidade onde Jesus passou a viver com a sua família depois do exílio no Egito (Mateus 2:23). A região da Galileia, chamada Galileia dos gentios em Isaías 9:1 (‫ְגִּליל ַהגּוֹ ִים‬, gelil haggôyı̂m) fazia parte da região que, no oitavo século a.C., era dominada pelos Assírios. Tal como a Samaria, a Galileia não gozava de muita simpatia por parte dos judeus, por ser considerada um território de influência e presença constante de gentios. Natanael, ao ouvir sobre Jesus, disse: “pode algo bom vir da Galileia?” (João 1:45). APLICAÇÃO

Os judeus não esperavam que seu Messias viesse de Nazaré, uma vez que não se encontra menção ao nome da cidade no Antigo Testamento. O fato de Marcos ter enfatizado, na transição da narrativa, a origem geográfica no percurso de Jesus, demonstra seu interesse teológico — associar Jesus, um judeu de ascendência real, aos gentios. Este é mais um relato, dentre vários, que mostra como Jesus viveu e exerceu seu ministério de um modo diferente daquilo que os judeus religiosos esperaram. Assim como o Salvador nasceu em uma manjedoura, também uma coisa boa veio da Galileia.

9 O

BATISMO NO RIO

JORDÃO

MARCOS 1:9B

καὶ ἐβαπτίσθη εἰς τὸν Ἰορδάνην ὑπὸ Ἰωάννου. kai ebaptisthē eis ton Iordanēn hypo Iōannou. VOCABULÁRIO

βαπτίζω (baptizō, 77x): batizar (verbo) Ἰορδάνης (Iordanēs, 15x): Jordão (nome próprio) GRAMÁTICA

Como vimos anteriormente, o significado que uma preposição dependerá do caso da palavra seguinte à que está associada e do contexto em que ocorre. Na oração em questão, a locução prepositiva εἰς τὸν Ἰορδάνην (acusativo) expressa a ideia de localidade (acusativo locativo). Em seguida, vemos a locução prepositiva ὑπὸ Ἰωάννου, em que o substantivo é de caso genitivo, que indica origem, posse, agência etc.; é muitas vezes empregado para indicar o objeto de uma preposição. Aqui, a locução apresenta a ideia de agência (genitivo de agência). TRADUÇÃO “e ele foi batizado no rio Jordão por João” “e por João foi batizado no rio Jordão” (ARA) “e João o batizou no rio Jordão” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A ideia que se observa pela leitura do versículo na íntegra é que Jesus foi imerso por João Batista no rio Jordão. A lavagem cerimonial era algo comumente praticado na tradição mosaica, tanto pelos sacerdotes quanto pelo povo. Esse costume ganhara contornos ainda mais diversos por causa de sua adoção, por exemplo, pelos essênios que habitavam as regiões de Cumrã, onde foram encontradas grandes “piscinas” em que essas lavagens de

purificação eram realizadas. O batismo de João simbolizava, para aqueles que o buscavam, o arrependimento e a lavagem espiritual. Isso ajuda a explicar a relutância de João Batista em batizar Jesus (cf. Mateus 3:14,15). APLICAÇÃO

O texto destaca o tipo de rito (batismo), o ministrante do batismo (João), o local do batismo (o rio Jordão) e o receptor do batismo (ele; Jesus). Todas essas informações, em conjunto, não apenas apontam para o fato de que Jesus “cumpriu toda a justiça”, como ele mesmo disse (Mateus 3:15), mas também ressaltam a historicidade do batismo de Jesus Cristo. Além disso, os detalhes do texto também contribuem para robustecer o relato do cumprimento das profecias sobre Jesus e João Batista. Por fim, o relato também contribuiu para situar histórica, cronológica e teologicamente o batismo de Jesus como o início formal de seu ministério.

10 OREM

ASSIM

MATEUS 6:9A

Οὕτως οὖν προσεύχεσθε ὑμεῖς· Houtōs oun proseuchesthe hymeis; VOCABULÁRIO

οὕτως (houtōs, 208x): assim, dessa maneira (advérbio) προσεύχομαι (proseuchomai, 85x): orar (verbo) ὑμεῖς (hymeis): vós, vocês (pronome pessoal) GRAMÁTICA

A conjunção coordenada conclusiva (inferencial) οὖν, cujo significado predominante é “pois”, “portanto” ou “então”, nunca aparece no início de uma frase; ou seja, nunca será a primeira palavra, mas sempre a segunda. A essa posição da conjunção dá-se o nome de pospositiva. O texto da oração dominical é introduzido por uma oração que tem essa conjunção, que expressa sentido de conclusão; no contexto, a conjunção aponta para a resposta de Jesus diante da demanda de seus discípulos. TRADUÇÃO “Portanto, orem assim:” “Vocês, orem assim” (NVI) “Portanto, orai deste modo:” (A21) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Em Lucas 11:1-4 temos um relato paralelo sobre a instrução da oração dominical. Enquanto Mateus registra o ensino de Jesus do Pai-Nosso no contexto da oração no Sermão do Monte (Mateus 5—7), em Lucas, uma versão mais compacta da oração é ensinada em resposta ao questionamento dos discípulos sobre a oração: “Senhor, ensina-nos a orar, como João

ensinou aos discípulos dele” (A21). É por isso que o Pai-Nosso lucano começa de forma diferente: “Ὅταν προσεύχησθε λέγετε,” (Lucas 11:2b: “quando vocês orarem, digam:”). APLICAÇÃO

Conjunções são importantes para a compreensão do texto e de sua estrutura comunicativa particular e geral, mas muitas vezes podem parecer teologicamente irrelevantes. No entanto, o uso da conjunção pospositiva οὖν nos lembra que a instrução sobre a forma correta de orar, expressa na oração do Pai-Nosso, é consequência do que vinha sendo ensinado a respeito da oração na unidade anterior (v. 1-8). Várias instruções sobre como “não se deve orar” antecedem a forma correta de orar expressa no Pai-Nosso. A conjunção pospositiva presente no início do versículo 9 contrasta o que foi dito com que será dito a seguir, de modo que a ênfase teológica recai de forma marcante sobre o modo correto de orar, em contraposição ao modo incorreto anteriormente relatado.

11 PAI

NOSSO

MATEUS 6:9B

Πάτερ ἡμῶν ὁ ἐν τοῖς οὐρανοῖς· Pater hēmōn ho en tois ouranois; VOCABULÁRIO

ὁ πατήρ (ho patēr, 413x): [o] pai (substantivo) ἡμεῖς (hēmeis): nós (pronome pessoal) ὁ οὐρανός (ho ouranos, 273x): [o] céu (substantivo) GRAMÁTICA

O artigo definido, dependendo da função sintática que exercer na estrutura da oração, pode assumir o papel de um aposto (termo que se junta a outro, este segundo de valor substantivo ou pronominal, para especificá-lo melhor). A utilização do artigo definido como pronome relativo é, dentre os casos alternativos de sua aplicação, a mais atestada dentro da língua grega (tanto clássica quanto nos diferentes dialetos helênicos). Assim, o artigo definido ὁ é um aposto nominativo na oração πάτερ ἡμῶν ὁ ἐν τοῖς οὐρανοῖς: “Pai nosso, que (aquele que) estás nos céus”. TRADUÇÃO “Pai nosso, que estás no céu” “Pai nosso, que estás nos céus” (NVI) “Pai nosso que estás nos céus” (BJ) “Pai nosso que estás no céu” (A21, NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Dos versículos 9 a 10, temos a parte da petição da oração dominical (invocatio, lit., “invocação“). No judaísmo dos tempos de Jesus (Judaísmo do Segundo Templo), era incomum alguém dirigir-se a Deus como Pai.

Entretanto, essa era a forma preferencial que Jesus usava para se dirigir a Yahweh. APLICAÇÃO

A invocação inicial (πάτερ, de caso vocativo) da oração dominical é o convite de Jesus a também chamarmos Deus de Pai, como Ele próprio estava acostumado a fazer. Observe que a questão comunitária se faz presente de forma constante: esse Pai a quem Jesus ensina a invocar na oração é nosso. Nesse sentido, a oração dominical não é meramente uma reza individual; é a oração do povo de Deus, dos discípulos de Jesus Cristo, da comunidade do Espírito Santo.

12 SANTIFICADO

SEJA

MATEUS 6:9C

ἁγιασθήτω τὸ ὄνομά σου· hagiasthētō to onoma sou; VOCABULÁRIO

ἁγιάζω (hagiazō, 28x): santificar (verbo) τὸ ὄνομα (to onoma, 231x): [o] nome (substantivo) σύ (sy): tu, você (pronome pessoal) GRAMÁTICA

Talvez você estranhe notar, em um primeiro momento, que o verbo usado na petição do Pai-Nosso está no modo imperativo. Será que isso significa, de forma implícita, que ao orarmos o Pai-Nosso devamos ordenar que Deus faça alguma coisa? Certamente não. Dentro de alguns contextos, particularmente quando temos uma oração dirigida ao Senhor, o modo imperativo é usado para expressar pedido, súplica ou clamor. Assim, ἁγιασθήτω introduz a parte da petitio (petição) na oração dominical. TRADUÇÃO “Santificado seja o teu nome” “Santificado seja o teu Nome” (BJ) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Era inconcebível para um judeu pronunciar o nome santo de Deus, revelado a Moisés em Êxodo 3:13-15, que grafamos YHWH (‫יהוה‬, “SENHOR” nas versões em português). Por isso, ao longo do tempo, foram desenvolvidas maneiras de contornar o problema de ler essa palavra em qualquer parte do Antigo Testamento. Uma delas foi substituir a leitura de ‫ יהוה‬por “o Nome” (‫ַהֵשּׁם‬, haššēm). Observe que a palavra “céu” é associada, principalmente por

Mateus, a Deus. Enquanto Mateus opta pela expressão “Reino dos céus”, por exemplo, os demais sinópticos optam por “Reino de Deus”. APLICAÇÃO

O terceiro mandamento do decálogo dizia: “Não tomarás em vão o nome do SENHOR, o teu Deus, pois o SENHOR não deixará impune quem tomar o seu nome em vão” (Êxodo 20:7, NVI). Jesus ensina a seus discípulos que o cumprimento desse mandamento exige a santificação do nome de Deus, o que significa tratar o nome e, consequentemente, a pessoa de Deus com a mais alta honra e respeito, adorando-o e glorificando-o. É no contexto da oração que a comunidade de Jesus engrandece a Deus Pai pelo que ele é e pelos seus feitos.

13 VENHA

O TEU REINO

MATEUS 6:10A

ἐλθέτω ἡ βασιλεία σου· elthetō hē basileia sou; VOCABULÁRIO

ἔρχομαι (erchomai, 632x): ir, vir (verbo) ἡ βασιλεία (hē basileia, 162x): [o] reino (substantivo) σύ (sy): tu, você (pronome pessoal) GRAMÁTICA

Uma das regras mais elementares de sintaxe na língua grega é a seguinte: na maioria das ocorrências de uma palavra (substantiva ou pronominal) no caso nominativo, ela terá a função de sujeito da oração. Assim, ἡ βασιλεία é o sujeito que rege o verbo principal ἐλθέτω (aoristo imperativo). A tradução literal é “venha teu Reino”, ou, numa forma que facilita a visualização dessa relação, “[que] o teu Reino venha”. TRADUÇÃO “que o teu Reino venha” “Venha o teu Reino” (NVI, A21, BJ, NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O reino que Jesus ensina a pedir que seja estabelecido tem duas dimensões. A primeira, mais genérica, é o estabelecimento da soberania de Deus sobre todas as coisas no presente. De forma paralela, o Pai-Nosso reflete também a expectativa de um reino que o próprio Deus estabelecerá no fim dos tempos. O interessante é que dentro do judaísmo, a mesma expectativa escatológica é expressa, por exemplo, na tradicional oração kaddish, onde temos: ‫ְוַיְמִלי‬ ‫( ַמְלכוֵּתהּ‬weyamlikh malkhuteh, “que ele estabeleça seu Reino…”).

APLICAÇÃO

A leitura mais comum do judaísmo em relação ao Reino de Deus diz respeito a um empreendimento político. Até mesmo João ficou confuso em relação às características da manifestação messiânica, considerando haver um abismo entre sua expectativa e leitura das profecias e o que Jesus estava realizando (Mateus 11:2-6). Mesmo depois de algum tempo andando com Jesus, os discípulos ainda nutriam a expectativa de um domínio político e geográfico liderado por ele (Atos 1:6). A oração do Pai-Nosso reflete a expectativa do “já e ainda não” em relação à manifestação do Reino de Deus. Trata-se de uma oração que molda o coração do discípulo para crer na soberania e no domínio divino agora, na era presente, e também mantém seu coração aquecido para a manifestação e consumação do fim dos tempos.

14 SEJA

FEITA A TUA VONTADE MATEUS 6:10B

γενηθήτω τὸ θέλημά σου, genēthētō to thelēma sou VOCABULÁRIO

γίνομαι (ginomai, 669x): cumprir, satisfazer (verbo) τὸ θέλημα (to thelēma, 62x): [a] vontade (substantivo) σύ (sy): tu, você (pronome pessoal) GRAMÁTICA

Na grande maioria das vezes, o caso genitivo é empregado no grego para expressar relação de posse. É o caso do versículo em questão: o pronome pessoal no genitivo (σοῦ) se conecta ao substantivo com artigo definido (τὸ θέλημα), estabelecendo uma relação de posse: “seja feita a tua vontade”. Ou seja, a vontade em questão é a vontade do Pai Celestial. TRADUÇÃO “Seja feita a tua vontade” (NVT e ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Podemos identificar paralelismos presentes na oração dominical. Esse recurso literário é a base da poesia hebraica e consiste em uma complementação (ou contraste) de pensamento em versículos paralelos. [ 09 ] Assim, o versículo γενηθήτω τὸ θέλημά σου complementa a ideia expressa pelo versículo anterior ἐλθέτω ἡ βασιλεία σου (paralelismo sinônimo). APLICAÇÃO

A vinda do Reino de Deus está diretamente relacionada ao cumprimento da vontade do Pai, o Rei, tanto na terra quanto nos céus, da mesma forma. Pedir

que a vontade de Deus feita nos céus seja reproduzida na terra é o mesmo que pedir seu governo e sua forma de governar entre nós. É um clamor para que o Senhor dos céus reine sobre nós na terra. Ao pedir que o Reino venha, não estamos apenas dando voz a nossa esperança escatológica do cumprimento pleno do governo do Senhor, mas também pedindo que essa vontade suprema já seja aplicada por Deus na vida dos crentes hoje e vivida na realidade da igreja de Cristo. Assim, a igreja é convidada a viver a realidade do Reino divino na tensão do “já e ainda não”.

15 NA

TERRA COMO NOS CÉUS MATEUS 6:10C

ὡς ἐν οὐρανῷ καὶ ἐπὶ γῆς· hōs en ouranō̧ kai epi gēs; VOCABULÁRIO

ὁ οὐρανός (ho ouranos, 273x): [o] céu (substantivo) ἡ γῆ (hē gē, 250x): [a] terra (substantivo) GRAMÁTICA

O advérbio ὡς (“como”, “assim como”) relaciona γενηθήτω τὸ θέλημά σου (Mateus 6:10b) às locuções prepositivas (conectadas por conjunção) ἐν οὐρανῷ καὶ ἐπὶ γῆς do ponto de vista da comparação. Assim, a estrutura gramatical da terceira petitio expande o sentido da “vontade do Pai” para uma que se estabelece sobre todo o cosmo. TRADUÇÃO “como no céu, também sobre a terra” “assim na terra como no céu” (ARA, NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A menção da vontade do Pai (petição que é omitida por Lucas em Lucas 11:2) está associada ao próprio estabelecimento do seu Reino (cf. Mateus 6:10a). Em outras palavras, a plenitude do cumprimento da vontade do Pai — nos céus e na terra, i.e., em todo o cosmo — é uma realidade que pode ser experimentada no presente, mas que será vivenciada na sua perfeição apenas com a vinda do Reino escatológico de Deus. APLICAÇÃO

O Deus que “no princípio criou os céus e a terra” é o Deus que, por meio de Cristo, reconciliou “consigo todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu” (Colossenses 1:20). A realidade completa da redenção inclui a unidade da criação de Deus: “céus e terra” sob sua vontade soberana. O estabelecimento da vontade de Deus entre nós inclui a realidade presente, ainda incompleta, que ruma para a consumação vindoura através da manifestação de Jesus Cristo em sua segunda vinda. Assim, enquanto pedimos pelo cumprimento da vontade do Pai em nosso cotidiano, expressamos nossa esperança em fazer parte da realidade escatológica da manifestação completa e absoluta do Reino de Deus.

16 NOSSO

PÃO DIÁRIO

MATEUS 6:11

τὸν ἄρτον ἡμῶν τὸν ἐπιούσιον δὸς ἡμῖν σήμερον· ton arton hēmōn ton epiousion dos hēmin sēmeron; VOCABULÁRIO

ὁ ἄρτος (ho artos, 97x): [o] pão (substantivo) ἡμεῖς (hēmeis): nós (pronome pessoal) ἐπιούσιος (piousios, 2x): diário, para hoje (adjetivo) δίδωμι (didōmi, 415x): dar, conceder (verbo) σήμερον (sēmeron, 41x): hoje (advérbio de tempo) GRAMÁTICA

Uma das regras gramaticais mais elementares do grego do Novo Testamento é a seguinte: o adjetivo atributivo (simples qualificação de uma palavra) sempre concordará com a palavra relacionada (com valor substantivo ou pronominal) em gênero, número e caso. Por isso, o adjetivo com artigo definido τὸν ἐπιούσιον (masculino, singular, acusativo) concorda com o substantivo com artigo definido τὸν ἄρτον (masculino, singular, acusativo), ao qual está relacionado. TRADUÇÃO “o pão nosso diário dá-nos hoje” “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (ARA) “Dá-nos hoje o pão para este dia” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O pedido pelo pão diário nos remete à narrativa do Êxodo quando Yahweh alimentou diariamente o seu povo no deserto com maná (‫מן‬ ָ , man) durante quarenta anos (cf. Deuteronômio 8:3). O maná era a prova diária da provisão

e do cuidado de Deus para com Israel (como comunidade). É por isso que o pronome atrelado à petição está na primeira pessoa do plural (nós). APLICAÇÃO

Jesus nos ensina a pedirmos a Deus pela mesma graça da provisão que se manifesta de forma diária (ἐπιούσιον, σήμερον) e comunitária (ἡμῶν, ἡμῖν). A o cuidado de Deus não está restrito a uma experiência pessoal, individual, mas se manifesta no também no coletivo. Além disso, a experiência dessa provisão divina deve ser cotidianamente vivenciada. A oração, portanto, é uma confissão da dependência diária de Deus.

17 NOSSO

PERDÃO

MATEUS 6:12A

καὶ ἄφες ἡμῖν τὰ ὀφειλήματα ἡμῶν, kai aphes hēmin ta opheilēmata hēmōn, VOCABULÁRIO

ἀφίημι (aphiēmi, 143x): perdoar (verbo) ἡμεῖς (hēmeis): nós (pronome pessoal) τὸ ὀφείλημα (opheilēma, 2x): [a] dívida, [a] ofensa, [o] pecado (substantivo) GRAMÁTICA

O acusativo é, eminentemente, o caso da língua grega que indica o objeto direto. Assim, o substantivo acompanhado de artigo τὰ ὀφειλήματα, que está no acusativo, é o objeto direto do verbo principal da oração ἄφες (observe que esse verbo segue o padrão daqueles conjugados em -μι). Observe também que temos um jogo de palavras envolvendo τὰ ὀφειλήματα e ἄφες (palavras cognatas, ou seja, palavras que se originam de um mesmo radical). TRADUÇÃO “e perdoa-nos as nossas dívidas” “e perdoa-nos as nossas dívidas” (ARA) “e perdoa nossas dívidas” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Tanto o substantivo τὸ ὀφείλημα quanto o verbo ἀφίημι, dentro do contexto, expressam a ideia de pecado. Essa relação é reforçada pelo paralelo em Lucas 11:2, onde o substantivo τὰς ἁμαρτίας é usado em lugar de τὸ ὀφείλημα. Entretanto, no texto de Mateus há o sentido de pecado como uma dívida,

analogia comum na literatura pós-exílica e na literatura rabínica posterior (‫חוָֹבא‬, ḥôbā’). APLICAÇÃO

Na oração dominical, o pecado é comparado a um débito que contraímos em relação ao nosso Pai, débito que só ele tem condição de saldar e anistiar. Comparando com Lucas, o pedido da oração de Mateus é que o Senhor perdoe nossos pecados assim como nós perdoamos aqueles que nos devem dinheiro. Para fins didáticos, associa-se o pecado à imagem da dívida monetária. Como bem sabemos, esse pedido de oração foi atendido por meio da morte e ressurreição de Cristo Jesus: “... a escrita de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz” (Colossenses 2:14).

18 COMO

PERDOAMOS

MATEUS 6:12B

ὡς καὶ ἡμεῖς ἀφήκαμεν τοῖς ὀφειλέταις ἡμῶν· hōs kai hēmeis aphēkamen tois opheiletais hēmōn; VOCABULÁRIO

ἡμεῖς (hēmeis): nós (pronome pessoal) ἀφίημι (aphiēmi, 143x): perdoar (verbo) τὸ ὀφείλημα (opheilēma, 2x): [a] dívida, [a] ofensa, [o] pecado (substantivo) GRAMÁTICA

A conjunção aditiva καί é a palavra mais frequente dentro do Novo Testamento grego (9.160x). Sua função principal é ser um conectivo (uma cópula). Dependendo do contexto em que ela é empregada, porém, καί pode trazer uma ideia de ênfase. Nesse sentido, junto com a conjunção comparativa ὡς, a conjunção καί pode ser traduzida pelo advérbio “também”. TRADUÇÃO “como também nós perdoamos aos nossos devedores” “assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (ARA) “assim como perdoamos os nossos devedores” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Diante do perdão divino (cuja dívida é insolúvel), o discípulo de Cristo deve perdoar os pecados cometidos pelo seu semelhante (uma dívida muito menor do que a saldada pelo Pai Celestial). Esse é o único pedido que tem seu sentido explicado por Jesus em Mateus 6:14,15. APLICAÇÃO

Em vários lugares dos Evangelhos, Jesus relaciona o perdão divino ao perdão humano. O perdão divino não é condicionado de forma alguma pelo perdão humano. Entretanto, o perdão humano deve ser reflexo da graça divina em perdoar o pecador. Assim, aquele que perdoa vive a graça de Jesus e está disposto a estender a mesma mão de favor àqueles que eventualmente pecaram contra si.

19 TENTAÇÃO MATEUS 6:13A

καὶ μὴ εἰσενέγκῃς ἡμᾶς εἰς πειρασμόν, kai mē eisenenkȩ̄s hēmas eis peirasmon, VOCABULÁRIO

εἰσφέρω (eispherō, 8x): levar, guiar, induzir (verbo) ἡμεῖς (hēmeis): nós (pronome pessoal) ὁ πειρασμός (ho peirasmos, 21x): [a] tentação, [a] provação (substantivo) GRAMÁTICA

A partícula negativa μή (também classificada como advérbio de negação) ocorre sempre junto com um verbo no modo subjuntivo (εἰσενέγκῃς). Quando se combina com um verbo no aoristo do subjuntivo, μή expressa um imperativo negativo, ou seja, de proibição. TRADUÇÃO “e não nos leves à tentação” “e não nos deixes cair em tentação” (ARA, NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A palavra πειρασμός, dependendo do contexto onde é empregada, pode transmitir uma de duas ideias. A primeira está relacionada a sedução ou tentação, que tem por alvo a destruição do crente. A segunda expressa a ideia de teste ou provação, cujo objetivo é a edificação. Embora Deus não tente (cf. Tiago 1:13), ele pode nos testar (e.g., Gênesis 22). Portanto, o sentido de πειρασμός na oração dominical é a sedução promovida pelo Maligno. A petição consiste no pedido de proteção do Pai Celestial contra as seduções do Diabo. A última frase do Pai-Nosso, “livra-nos do Maligno”, reforça essa ideia.

APLICAÇÃO

É importante ressaltar que “não sermos levados” à tentação é um pedido legítimo e faz parte da oração ensinada por Jesus. Não devemos desejar estar “próximos” do lugar onde o Maligno possa nos alcançar; mais ainda do que isso, devemos orar para sermos mantidos distantes dele. Por isso, não sermos conduzidos à tentação é um pedido para que Deus nos mantenha longe e protegidos das “armadilhas do diabo” (2Coríntios 2:11).

20 MALIGNO MATEUS 6:13B

ἀλλὰ ῥῦσαι ἡμᾶς ἀπὸ τοῦ πονηροῦ. alla rhysai hēmas apo tou ponērou. VOCABULÁRIO

ῥύομαι (rhyomai, 17x): livrar, resgatar, salvar (verbo) ἡμεῖς (hēmeis): nós (pronome pessoal) πονηρός (ponēros, 78x): mal (adjetivo), [o] Maligno (adjetivo substantivado) GRAMÁTICA

Como já abordado, o significado que uma preposição assumirá dependerá do caso da palavra seguinte à que está associada, assim como do contexto em que ocorre. A preposição ἀπό só ocorre junto a palavras no caso genitivo, e de acordo com o contexto pode ser traduzida de um modo que permite transmitir diferentes ideias: origem, causa, parte, agência etc. No texto em questão, ἀπό transmite uma ideia de separação: “livra-nos do mal”. Ademais, ῥύομαι é classificado como um verbo depoente (ou defectivo), uma vez que a sua forma expressa voz passiva (ou média) mas seu significado é expresso em voz ativa. TRADUÇÃO “mas livra-nos do Maligno” “mas livra-nos do mal” (ARA, NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O adjetivo πονηρός pode ser traduzido de duas maneiras. A tradução mais usual é “mal”, um adjetivo neutro. A segunda é considerar πονηρός um adjetivo substantivado masculino: “Maligno” (cf. Mateus 13:19, 38; 1João 5:18). Não há uma indicação clara de como essa palavra deva ser traduzida.

Entretanto, levando em consideração um paralelismo existente entre a ideia transmitida no versículo καὶ μὴ εἰσενέγκῃς ἡμᾶς εἰς πειρασμόν e o texto deste capítulo, parece-nos razoável relacionar πονηρός àquele que promove a tentação, ou seja, ao Maligno (i.e., Satanás). APLICAÇÃO

O pedido para que o Pai livre-nos do “mal” pode parecer, de certa forma, impreciso e subjetivo. Entender que Jesus intencionava ensinar que pedíssemos para sermos livres do “promotor do mal” (o Maligno) faz uma enorme diferença e lapida a oração de modo que a subjetividade inerente ao ser humano em relação à compreensão dos pares semânticos bem e mal e bom e mau seja posta de lado. Além disso, também somos lembrados da realidade de Satanás e de suas obras. Embora não haja uma igualdade em competição de forças espirituais, as obras do diabo são reais, a ponto de Jesus ensinar os discípulos a orar para que se vejam livres dele. Um exemplo disso é a oração que Jesus fez pelos discípulos após o diabo ter pedido para “peneirá-los” (Lucas 22:31,32 [NVI]).

21 DOXOLOGIA MATEUS 6:13C

ὅτι σοῦ ἐστιν ἡ βασιλεία καὶ ἡ δύναμις καὶ ἡ δόξα εἰς τοὺς αἰῶνας. ἀμήν. [ 10 ] hoti sou estin hē basileia kai hē dynamis kai hē doxa eis tous aiōnas. amēn. VOCABULÁRIO

ἡ βασιλεία (hē basileia, 162x): [o] reino (substantivo) ἡ δόξα (hē doxa, 166x): [a] glória (substantivo) αἰώνιος (aiōnios, 71x): eterno (adjetivo) ἀμήν (amēn, 129x): ‘é verdadeiro!’, ‘assim seja!’ (interjeição litúrgica) GRAMÁTICA

Algumas palavras hebraicas transliteradas para o grego foram utilizadas no texto grego do Novo Testamento. Esse fenômeno é chamado hebraísmo. O ἀμήν litúrgico, uma interjeição, significa “isto é verdadeiro” ou “que assim seja”. Já em Apocalipse 3:14, ἀμήν significa “aquele que é verdadeiro”, tendo sido tornado em substantivo em um processo de substantivação. TRADUÇÃO “porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém.” “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!” (ARA) “Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém.” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

As edições críticas do Novo Testamento grego (NA28 e UBS5) não trazem a doxologia final no corpo do texto do Pai-Nosso. As nossas versões em português ou omitem a doxologia ou a colocam entre colchetes (veja NVI, A21, ARA). A razão disso é que o texto em questão não está presente na

maioria dos manuscritos mais antigos e relevantes disponíveis (‫א‬, B, D). Entretanto, a doxologia final está presente em alguns manuscritos posteriores (como L, W, Δ e Θ). É provável que o trecho doxológico tenha sido acrescentado à oração dominical pela igreja, numa época posterior, para uso nas celebrações litúrgicas. APLICAÇÃO

Problemas de crítica textual, como esse apresentado na observação exegética acima, podem trazer alguma apreensão a cristãos zelosos, principalmente no caso de textos como o do Pai-Nosso, tão conhecido, recitado, orado e crido por nós. Contudo, não há motivos para apreensão: a doxologia final, ainda que talvez não seja original e tenha sido acrescentada posteriormente, encontra base teológica no restante da Escritura e expressa verdades que podem ser derivadas e depreendidas de vários outros textos bíblicos. A inclusão posterior, se realmente ocorreu, nos lembra o fato de que orações geralmente eram concluídas com doxologias. Se a doxologia final do PaiNosso não nos trouxer nenhuma novidade teológica (e não traz), ao menos nos lembra um padrão litúrgico da igreja dos primeiros séculos: orar e adorar.

22 O

EVANGELHO DE

JESUS

MARCOS 1:1

Ἀρχὴ τοῦ εὐαγγελίου Ἰησοῦ Χριστοῦ [υἱοῦ θεοῦ]. Archē tou euangeliou Iēsou Christou [huiou theou]. VOCABULÁRIO

ἡ ἀρχή (hē archē, 55x): [o] início, [o] começo, [o] princípio (substantivo) τὸ εὐαγγέλιον (to euangelion, 76x): [o] evangelho, [as] boas notícias (substantivo) ὁ Χριστός (ho Christos, 529x): [o] Cristo, [o] ungido (nome honorífico) ὁ υἱός (ho huios, 377x): [o] filho (substantivo) GRAMÁTICA

O caso genitivo pode indicar uma relação existente entre duas palavras e os conceitos que carregam. Em Ἰησοῦ Χριστοῦ υἱοῦ θεοῦ, a expressão υἱοῦ θεοῦ traz duas palavras de caso genitivo de segunda declinação, denominado genitivo de relacionamento (também chamado genitivo de subordinação — não uma subordinação ontológica, mas de função), uma vez que expressa, dentro do contexto, uma relação pai-filho (relacionamento familiar). TRADUÇÃO “Começo das boas notícias de Jesus Cristo, filho de Deus” “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (ARA) “Este é o princípio das boas-novas a respeito de Jesus Cristo, o Filho de Deus” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Marcos, dentre os evangelistas, é o único a definir sua narrativa como “evangelho”. Essa palavra é emprestada do seu contexto greco-romano; era usada para comunicar notícias relevantes relacionadas principalmente à pessoa do imperador romano, o César — coisas como seu nascimento, seu

aniversário e suas vitórias militares. A expressão Filho de Deus, por outro lado, era entendida dentro do contexto judaico como uma referência ao Messias, ou seja, ao ungido (gr. Cristo) de Israel. É interessante notar que foi escolhido o substantivo υἱός para expressar a filiação com Deus e não palavra τέκνον (teknon), que é um sinônimo, mas geralmente utilizada para expressar filiação humana. APLICAÇÃO

Ao empregar εὐαγγέλιον em seu escrito, Marcos exibe de forma clara que está a serviço de Senhor (κύριος, kyrios) que não é César, mas Jesus Cristo. Diferentemente das biografias da época (denominadas bios no contexto grego, e vita no contexto latino), Marcos reconhece esse Jesus, figura central de seu relato, como não apenas humano, mas também divino. Isso deve fazer toda a diferença ao lermos os Evangelhos, uma vez que não estamos lendo relatos da vida de qualquer um dos grandes personagens da história, que morreu e merece ser relembrado por seus feitos. Estamos nos lembrando de Jesus, o Senhor, que permanece vivo e cuja obra redentora, quando apresentada em forma narrativa, é a mesma que todo o que crê experimenta dentro da sua realidade individual íntima.

23 DEUS

AMOU O MUNDO JOÃO 3:16A

οὕτως γὰρ ἠγάπησεν ὁ θεὸς τὸν κόσμον, houtōs gar ēgapēsen ho theos ton kosmon, VOCABULÁRIO

οὕτως (houtōs, 208x): então, dessa forma, de tal forma (advérbio) ἀγαπάω (agapaō, 143x): amar (verbo) ὁ κόσμος (ho kosmos, 186x): [o] mundo, universo (substantivo) GRAMÁTICA

Nessa oração podemos observar o ordenamento sintático padrão — e mais predominante — das palavras na língua grega: verbo, sujeito, objeto (VSO). Nesse sentido, o verbo principal ἀγαπάω (ἠγάπησεν, no tempo aoristo) tem como sujeito o substantivo masculino acompanhado de artigo ὁ θεός e tem como seu objeto direto o substantivo acompanhado de artigo τὸν κόσμον (acusativo). É importante lembrar que uma das funções principais do caso acusativo é marcar o objeto direto de um verbo. TRADUÇÃO “Pois Deus amou tanto o mundo” “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira” (ARA) “Porque Deus amou tanto o mundo” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Quanto ao aspecto verbal, a aktionsart [ 11 ] do aoristo denota uma ação pontual, sem a definição exata de quando, com que intensidade ou ao longo de quanto tempo aconteceu. É a forma verbal mais frequentemente utilizada no Novo Testamento. Ao contrário do senso comum, o verbo ἀγαπάω – e tampouco seu cognato ἀγάπη (a g a p ē ) – não significa um amor especificamente divino dentro do contexto mais geral do Novo Testamento,

embora utilizado dessa forma nesse texto. É o contexto que define quem é o autor, de fato, do ato de amor evocado pelo verbo principal em questão. APLICAÇÃO

Ao reforçar o peso do verbo ἠγάπησεν com o advérbio de intensidade οὕτως, e ao ligar a ação a uma dimensão cósmica, o autor expressa que o amor de Deus não foi um amor ordinário. Esse amor é expresso no texto em sua intensidade máxima e seu espectro é definido como um amor que abrangeu literalmente todo o universo: todos seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus, e por meio deles, todo o restante da criação.

24 DEUS

DEU O SEU ÚNICO

FILHO

JOÃO 3:16B

ὥστε τὸν υἱὸν τὸν μονογενῆ ἔδωκεν, hōste ton huion ton monogenē edōken, VOCABULÁRIO

ὥστε (hoste, 83x): que, de forma que (conjunção) δίδωμι (didōmi, 415x): dar, presentear (verbo) μονογενής (monogenēs, 9x): unigênito (adjetivo) GRAMÁTICA

Quanto à sintaxe da língua grega, a oração ὥστε τὸν υἱὸν τὸν μονογενῆ ἔδωκεν está atrelada à oração inicial Οὕτως γὰρ ἠγάπησεν ὁ θεὸς τὸν κόσμον, na primeira parte do versículo, na forma de uma oração subordinada de resultado. Isso quer dizer que o verbo ἠγάπησεν tem como resultante a ação de dar, ἔδωκεν (ambos os verbos estão no aoristo, indicando sequência lógica). TRADUÇÃO “que deu o seu filho unigênito” “que deu o seu Filho unigênito” (ARA) “que deu o seu filho único” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Essa oração nos revela dois elementos importantes para o desenvolvimento progressivo da cristologia de João. Em primeiro lugar, Jesus se coloca como o Filho de Deus. Em segundo lugar, ele se apresenta como Filho unigênito, no sentido de ser o único filho natural, ou seja, participante da natureza divina de Deus Pai. Esse Jesus, o Filho Unigênito, é o objeto da ação resultante do amor de Deus, expresso pelo verbo ἔδωκεν (aoristo).

APLICAÇÃO

Devemos destacar a ação de Deus em “dar-se” através da doação do Filho. Temos não apenas a indicação do Pai dando o Filho, mas de Deus dando a si mesmo. Ademais, a divindade de Cristo está profundamente associada à natureza de sua filiação. O fato de ele ser o Filho de Deus é o que caracteriza sua divindade. Além disso, a salvação por meio de Cristo depende de sua divindade: é porque Jesus Cristo é Deus que ele pode salvar.

25 O

PROPÓSITO DA SALVAÇÃO JOÃO 3:16C

ἵνα πᾶς ὁ πιστεύων εἰς αὐτὸν μὴ ἀπόληται hina pas ho pisteuōn eis auton mē apolētai VOCABULÁRIO

πᾶς (pas, 1.243x): todo, inteiro, todo aquele que (adjetivo) πιστεύω (pisteuō, 241x): crer (verbo) ἀπόλλυμι (apollymi, 92x): destruir, matar, perecer (verbo) GRAMÁTICA

A conjunção ἵνα (para que, de forma que) introduz a oração subordinada final ἵνα πᾶς ὁ πιστεύων εἰς αὐτὸν μὴ ἀπόληται, atrelada à oração anterior ὥστε τὸν υἱὸν τὸν μονογενῆ ἔδωκεν. Assim, a oração apresenta um sentido de finalidade e de propósito, do que decorre o seguinte: o motivo pelo qual Deus enviou o seu Filho Unigênito ao mundo foi para que aquele que crê Nele não seja destruído. TRADUÇÃO “para que todo aquele que crê nele não pereça” “para que todo o que nele crê não pereça” (ARA) “para que todo o que nele crer não pereça” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O particípio substantivado ὁ πιστεύων vem do verbo πιστεύω, que se repete 241 vezes em todo o corpo do Novo Testamento. A fé (πίστις) à qual João se refere não diz respeito apenas a uma adesão subjetiva a uma crença, ou seja, não é apenas algo subjetivo, mas principalmente objetivo. APLICAÇÃO

A fé, conforme João registra as palavras de Jesus, é o meio para que o ser humano possa ser alcançado pela graça divina da salvação que vem de Jesus Cristo. Não diz respeito a mero assentimento racional, mas principalmente a uma submissão em obediência e fidelidade e em lealdade ao Filho Unigênito, aquele que é Deus e Senhor, por meio de quem todo o universo foi criado (cf. João 1:3).

26 A

VIDA ETERNA! JOÃO 3:16D

ἀλλ̓ ἔχῃ ζωὴν αἰώνιον. all’ echȩ̄ zōēn aiōnion. VOCABULÁRIO

ἔχω (echō, 708x): ter, possuir (verbo) ἡ ζωή (hē zōē, 135x): crer (verbo) αἰώνιος (aiōnios, 75x): eterno, característica temporal de duração indeterminada (adjetivo) GRAMÁTICA

A conjunção ἀλλά (cuja forma no texto é abreviado em ἀλλ̓, pois a palavra seguinte começa com vogal) expressa contraposição e introduz a oração coordenada adversativa ἀλλ̓ ἔχῃ ζωὴν αἰώνιον. Nessa oração gramatical, duas ideias são contrapostas: aquele que crê no Filho não é destruído, mas tem a vida eterna. Assim, o efeito da fé em Cristo é duplo: o crente é poupado da destruição decorrente de seu pecado ao mesmo tempo em que lhe é concedida a dádiva da vida eterna. TRADUÇÃO “mas tenha a vida eterna” “mas tenha a vida eterna” (ARA, NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Deus enviou seu filho por amor ao mundo (cosmo), mas o efeito desse ato, que começa na encarnação e passa pelo sacrifício vicário na cruz e pela ressurreição, é efetivo — em termos salvíficos — apenas àqueles (“todo aquele que”) creem na obra de Jesus Cristo. A dádiva concedida aos crentes é

a vida eterna, ao passo que a punição natural para os descrentes é a destruição (morte). APLICAÇÃO

João 3:16 é o versículo mais amado da Bíblia; é um texto que revela o atributo do amor divino em relação ao ser humano caído, amor que foi a motivação do envio do Filho Unigênito, Jesus Cristo, por meio da encarnação. Devemos ter em mente que o amor de Deus pelo mundo (cosmo) não implica logicamente a salvação de todo o mundo. Todo aquele que crê no Filho Unigênito não perece, mas tem a vida eterna. Assim, embora o convite seja para todos, apenas aqueles que creem e se entregam por completo a Jesus podem experimentar a realidade da salvação e da vida eterna.

27 SAL

DA TERRA

MATEUS 5:13A

Ὑμεῖς ἐστε τὸ ἅλας τῆς γῆς· Hymeis este to halas tēs gēs; VOCABULÁRIO

τὸ ἅλας (to halas, 8x): [o] sal (substantivo) ἡ γῆς (hē gēs, 250x): [a] terra (substantivo) GRAMÁTICA

A estrutura sujeito + verbo de ligação + predicativo (do sujeito) — a estrutura SVO/P — é comum na língua grega. Na maioria dos casos, no entanto, há supressão do verbo εἰμί ou do pronome pessoal ὑμεῖς (como sujeito) quando ocorrem nessa estrutura. A dupla aparição tanto do pronome como do respectivo verbo de ligação aponta para a linguagem enfática que Mateus usa ao citar o ensino de Jesus em discurso direto. É como se o próprio Jesus estivesse dizendo essas palavras apontando para cada um de seus ouvintes, tornando-os objetos do ensino. TRADUÇÃO “Vocês são o sal da terra” “Vós sois o sal da terra” (ARA) “Vocês são o sal da terra” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O sal tinha um valor muito alto na Antiguidade. Era usado como moeda de troca e como soldo dos soldados romanos (daí vem a palavra salarium, que era um pagamento em sal). Além do uso monetário, o sal era largamente utilizado como conservante, evitando que os alimentos se deteriorassem. Entretanto, a despeito da multiplicidade de usos do sal, o ensino de Jesus

considera função principal do sal dar sabor. O sabor é a marca principal do sal, sem a qual ele perde totalmente sua utilidade como tempero. A ideia da perda de sua capacidade de salgar também indica inadequação para os demais usos que tem. APLICAÇÃO

Uma das possíveis aplicações do sal na Antiguidade era sua parte na composição de uma mistura que possibilitava a pavimentação de estradas romanas. Esse era um uso legítimo do sal, mas secundário. O uso primário era dar sabor e conservar os alimentos. Quando Jesus aplica a metáfora aos discípulos, a comparação faz referência ao uso primário do sal (dar sabor e conservação). Já o uso secundário (ser parte de uma mistura para pavimentação) é utilizado por Jesus como ilustração de como um hipotético sal sem gosto seria inútil para seu fim principal; assim, deveria ser jogado fora e pisado pelas pessoas.

28 SAL

DA TERRA

MATEUS 5:13B

ἐὰν δὲ τὸ ἅλας μωρανθῇ, ἐν τίνι ἁλισθήσεται; ean de to halas mōranthȩ̄, en tini halisthēsetai? VOCABULÁRIO

μωραίνω (mōrainō, 4x): ser/tornar-se insípido (verbo) τίς (tis, 555x): quem?, o quê? (pronome interrogativo) ἁλίζω (halizō, 2x): salgar, temperar com sal (verbo) ἐάν (ean, 351x): se (conjunção) GRAMÁTICA

A conjunção subordinativa grega ἐάν geralmente introduz um verbo do modo subjuntivo. A oração expressa, dessa forma, uma ideia de possibilidade ou hipótese. Observe que a conjunção ἐὰν introduz por inteiro a oração subordinada δὲ τὸ ἅλας μωρανθῇ, conectando-a à ideia presente na oração principal ὑμεῖς ἐστε τὸ ἅλας τῆς γῆς· (Mateus 5:13a). Assim, estabelece-se a seguinte lógica no texto: proposição — os discípulos de Jesus (vocês) são o sal da terra; hipótese (retórica) — se o sal eventualmente perder o sabor, o que o tornará salgado novamente? TRADUÇÃO “Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo?” “ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor?” (ARA) “Mas se o sal perder o sabor, para que servirá? É possível torná-lo salgado outra vez?” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Uma vez que o sabor do sal é inerente à sua composição química, [ 12 ] Jesus nos apresenta uma possibilidade aparentemente absurda: o sal, cuja caraterística principal é o sabor, que não tem nenhum sabor.

APLICAÇÃO

O discípulo de Jesus tem associadas a si uma identidade e uma função: é sal e deve dar sabor à terra (e consequentemente preservá-la). Na mente de Jesus é impossível ser, portanto, discípulo e desprovido da qualidade de dar sabor; assim como é impossível “salgar” novamente o sal que perdeu seu sabor. Aqui temos um grande desafio da parte do mestre: olhar para nós mesmos e sondar se temos expressado o sabor adequado do evangelho e do Reino de Deus àqueles que estão ao nosso redor.

29 PISADO

PELAS PESSOAS

MATEUS 5:13C

εἰς οὐδὲν ἰσχύει ἔτι εἰ μὴ βληθὲν ἔξω καταπατεῖσθαι ὑπὸ τῶν ἀνθρώπων. eis ouden ischyei eti ei mē blēthen exō katapateisthai hypo tōn anthrōpōn. VOCABULÁRIO

ἰσχύω (ischuō, 28x): estar a serviço de, servir (verbo) βάλλω (ballō, 122x): lançar, jogar (verbo) καταπατέω (katapateō, 5x): ser pisado GRAMÁTICA

Se por um lado a conjunção ἐάν (“se”) geralmente introduz um verbo no modo subjuntivo, a conjunção εἰ, que tem o mesmo significado, é utilizada junto com a partícula negativa μή para expressar ideia de exceção. TRADUÇÃO “Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelas pessoas” “Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (ARA) “Será jogado fora e pisado pelos que passam, pois já não serve para nada” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A utilidade do sal é o que, no fim das contas, define o sal, tanto no uso quanto no valor. Jesus, mais uma vez, lança mão de um argumento ad absurdum, [ 13 ] enfatizando que da mesma maneira que o sal não pode perder o sabor e ser assim considerado pó a ser pisado pelas pessoas, também o discípulo do Senhor não pode perder a qualidade que lhe é inerente. APLICAÇÃO

Um discípulo que não vive e expressa a qualidade de “salgar” para nada serve, ou seja, deixa de ser discípulo para ser, no fim, qualquer outra coisa sem utilidade ou cuja utilidade é diferente daquela para a qual foi originalmente projetado. Jesus deixa claro que um dos parâmetros para o juízo é a forma que o discípulo vive a realidade do seu chamado (sal e luz) dentro de sua realidade e contexto. O não ser discípulo de Cristo, e o consequente juízo sobre isso, é algo definido pelo próprio Senhor, e não pelo discípulo.

30 OS

POBRES DE

ESPÍRITO

MATEUS 5:3

Μακάριοι οἱ πτωχοὶ τῷ πνεύματι, ὅτι αὐτῶν ἐστιν ἡ βασιλεία τῶν οὐρανῶν. Makarioi hoi ptōcho̡̡i tō̧ pneumati, hoti autōn estin hē basileia tōn ouranōn. VOCABULÁRIO

μακάριος (makarios, 50x): feliz, bem-aventurado (adjetivo) πτωχός (ptōchos, 34x): pobre, mendigo, pessoa de condição econômica desfavorável (adjetivo) τὸ πνεῦμα (to pneuma, 379x): [o] espírito (substantivo) ὁ οὐρανός (ho ouranos, 273x): [o] céu (substantivo) GRAMÁTICA

O uso do adjetivo μακάριοι + substantivo de caso nominativo acompanhado de artigo definido οἱ πτωχοί indica uma estrutura predicativa. Nesse sentido, o adjetivo μακάριοι funciona como predicativo do sujeito do nominativo com o qual está relacionado, e o verbo de ligação εἰμί (oculto no texto) é pressuposto. Assim, a tradução de μακάριοι οἱ πτωχοί fica: “felizes [são] os pobres...”. TRADUÇÃO “Felizes são os pobres de espírito, porque o Reino dos céus é deles” “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus” (ARA) “Felizes os pobres de espírito, pois o reino dos céus lhes pertence” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A expressão οἱ πτωχοὶ τῷ πνεύματι era associada, no contexto do judaísmo do Segundo Templo, à identidade do povo piedoso de Deus. Nos Manuscritos

do Mar Morto, por exemplo, a expressão (‫ענוי רוח‬, ῾nwy rwḥ) [ 14 ] é associada aos “filhos da luz” (cf. IQM 14:7). Embora a palavra πτωχός tenha o sentido primário de pobreza material, quando associada ao qualificativo τῷ πνεύματι ela expressa uma ideia mais ampla semanticamente (nesse contexto, a condição de necessidade em relação ao que é espiritual, ou do Espírito). APLICAÇÃO

A humildade cristã muitas vezes foi associada à autocomiseração. No entanto, como Jesus propõe, a bem-aventurança consiste em “fazer-se” pobre, mendigo, pelas coisas do Espírito (ou espirituais), o que significa nunca estar plenamente satisfeito da pessoa de Deus e das coisas a ele relacionadas. Nesse sentido, os pobres no espírito são aqueles que se colocam em uma condição de humildade e submissão a Deus e à sua vontade, dependentes dele em todas as coisas.

31 OS

QUE CHORAM MATEUS 5:4

μακάριοι οἱ πενθοῦντες, ὅτι αὐτοὶ παρακληθήσονται. makarioi hoi penthountes, hoti autoi paraklēthēsontai. VOCABULÁRIO

πενθέω (pentheō, 10x): lamentar, chorar, sentir-se culpado (verbo) παρακαλέω (parakaleō, 109x): consolar, confortar, exortar (verbo) GRAMÁTICA

Por vezes, os verbos gregos expressam funções que extrapolam a simples designação de uma ação. No caso de Mateus 5:4, vemos que πενθέω assume função substantiva (e de sujeito da própria oração). Essa forma do verbo é chamada particípio. Uma dica para a visualização desse particípio substantivo é a presença do artigo que o antecede, que o substantiva: οἱ πενθοῦντες (aqueles que choram). TRADUÇÃO “Felizes são os que choram, porque eles serão consolados [por Deus]” “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (ARA) “Felizes os que choram, pois serão consolados” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

No texto de Isaías 61 lido por Jesus na sinagoga de Cafarnaum (Lucas 4:18ss) enxergamos a mesma situação descrita nessa bem-aventurança em particular. Aqueles que choram (οἱ πενθοῦντες) são os mesmos que em Isaías 61:2 (Septuaginta) aparecem como alvo da graça divina do consolo (παρακαλέσαι πάντας τοὺς πενθοῦντας, “para consolar os que choram”). Nesse sentido, Jesus assume a função messiânica de trazer esse conforto divino aos que lamentam e choram por sua miséria e exposição às vicissitudes desse mundo. Isso é reforçado pelo uso do que é denominado passivo divino — uma

categoria teológico-gramatical que indica verbos na voz passiva de ação divina. O passivo divino παρακληθήσονται indica que o consolo é, ao mesmo tempo, uma ação passiva e advinda de Deus sobre aquele que chora. APLICAÇÃO

O consolo decorre do luto, da dor e da tristeza, fatores que são constantes na vida do discípulo. Assim, o consolo prometido na bem-aventurança não nos torna imunes às vicissitudes da vida; antes, nos oferece os braços divinos do conforto, onde poderemos, nessa vida, chorar e ser consolados à luz do consolo derradeiro que teremos no dia final. Nesse texto, considerando a referência que Jesus faz ao Antigo Testamento, ele comunica a esperança de que apenas nele é possível obter o verdadeiro consolo (cf. Apocalipse 21:4). A presença de Jesus entre o povo apontava para o início do plano de Deus para consolar os que choram.

32 OS

MANSOS

MATEUS 5:5

μακάριοι οἱ πραεῖς, ὅτι αὐτοὶ κληρονομήσουσιν τὴν γῆν. makarioi hoi praeis, hoti autoi klēronomēsousin tēn gēn. VOCABULÁRIO

πραΰς (praus, 4x): manso, gentio, benevolente (adjetivo) κληρονομέω (klēronomeō, 18x): adquirir, receber a posse de (verbo) GRAMÁTICA

Os adjetivos gregos funcionam como os adjetivos em português, no sentido de que qualificam a palavra com a qual estão relacionados. Entretanto, acontece por vezes no grego um fenômeno de substantivação do adjetivo em determinados contextos. Isso acontece especialmente quando um adjetivo faz referência à qualidade de um grupo em particular. Nesse caso, a forma de identificar a substantivação é pela presença do artigo que precede o adjetivo. No texto, temos οἱ πραεῖς, “os mansos”. TRADUÇÃO “Felizes são os humildes, porque receberão como herança a terra” “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (ARA) “Felizes os humildes, pois herdarão a terra” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Essa bem-aventurança é uma citação quase literal de Salmos 36:11 na Septuaginta: οἱ δὲ πραεῖς κληρονομήσουσιν τὴν γῆν (“os mansos herdarão a terra”). O interessante é que a palavra πραύ̈ς é a tradução do hebraico ‫ֲﬠָנ ִוים‬ ( ᷾ănāwı̂m), que significa “pobres”, e em Isaías 61:1 é traduzido por πτωχοί. Nesse sentido, há uma aproximação de ideias entre a primeira bem-

aventurança e a terceira, tendo como foco a pobreza (mesmo campo semântico de “manso”). A promessa da posse da terra também é mencionada em Isaías 61:7: κληρονομήσουσιν τὴν γῆν (klēronomēsousin tēn gēn, “eles herdarão a terra”). APLICAÇÃO

A mansidão não é apenas uma faceta da personalidade de uma pessoa calma, mas uma disposição de sempre se manter em submissão à vontade de alguém; neste caso, à vontade de Deus. Significa, portanto, viver em humildade. A posse da terra, que no contexto de Isaías é uma referência à Palestina geográfica, para os discípulos de Jesus tem contornos escatológicos, indicando a própria Nova Criação.

33 OS

QUE ARDENTEMENTE DESEJAM JUSTIÇA MATEUS 5:6

μακάριοι οἱ πεινῶντες καὶ διψῶντες τὴν δικαιοσύνην, ὅτι αὐτοὶ χορτασθήσονται. makarioi hoi peinōntes kai dipsōntes tēn dikaiosynēn, hoti autoi chortasthēsontai. VOCABULÁRIO

πεινάω (peinaō, 23x): ter fome, ter desejo forte por algo (verbo) διψάω (dipsaō, 16x): ter sede, ter desejo forte por algo (verbo) ἡ δικαιοσύνη (hē dikaiosynē): [a] justiça (substantivo) χορτάζω (chortazō, 16x): satisfazer (verbo) GRAMÁTICA

O futuro do indicativo na voz passiva tem uma forma muito peculiar. Enquanto o presente do subjuntivo e o futuro do subjuntivo têm desinências iguais na voz média e na passiva (mas que marcam sentidos diferentes, observados contextualmente), o futuro do indicativo na voz passiva tem a forma parecida com a do aoristo quando, logo após o radical do verbo, há uma inserção do infixo -θη- acrescido do morfema característica do tempo futuro — σ. Dessa forma, o aspecto morfológico do verbo χορτασθήσονται explica-se pelos seguintes elementos: o radical χορτάζ(σ)-; o morfema característico de voz passiva -θη-, seguido do indicador de futuro -σ-; a terminação -ονται (terceira pessoa do plural). Três verbos em Mateus 5:3-12 aparecem nesse tempo: παρακληθήσονται (5:4); χορτασθήσονται (5:6) e ἐλεηθήσονται (5:7). TRADUÇÃO “Felizes são os que ardentemente desejam justiça, pois serão satisfeitos” “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos” (ARA)

“Felizes os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A palavra δικαιοσύνη ocupa um lugar especial no Novo Testamento. É uma tradução direta do termo ‫( ְצָדָקה‬ṣeḏāqāh), e expressa, contextualmente, o anseio daqueles que desejam ardentemente o estabelecimento da ordem de Deus em todo o universo. A bem-aventurança tem paralelos muito próximos com Salmos 106 (Septuaginta), onde há menção a sede e fome (v. 5) e à satisfação que Deus concede aos seus. Nesse sentido, χορτασθήσονται expressa um passivo divino, expressão da esperança daqueles que esperam em Deus a restauração de todas as coisas. APLICAÇÃO

Justiça não é apenas o acerto pelo qual ansiamos diante da injustiça sofrida pelo povo de Deus no mundo. É, de forma mais ampla e abrangente, a justiça divina, ou seja, sua retidão como atributo e como expectativa de padrão de ação nos últimos tempos. A vida do discípulo de Jesus no mundo está vulnerável às injustiças, mesmo as decorrentes do fato de sermos cristãos. A completa satisfação do nosso anseio ardente pela justiça de Deus, quando ele mesmo vingará a nossa causa e estabelecerá todas as coisas em seu devido lugar, é uma esperança escatológica.

34 OS

MISERICORDIOSOS MATEUS 5:7

μακάριοι οἱ ἐλεήμονες, ὅτι αὐτοὶ ἐλεηθήσονται. makarioi hoi eleēmones, hoti autoi eleēthēsontai. VOCABULÁRIO

ἐλεήμων (eleēmōn, 2x): misericordioso, compassivo (adjetivo) ἐλεέω (eleeō, 28x): ter misericórdia, ser misericordioso (verbo) GRAMÁTICA

Cognato é um termo que se refere a palavras que têm origem comum, normalmente para destacar pares de palavras de duas línguas (ou dentro da mesma língua) que têm origem comum e grafias parecidas, mas que evoluíram de forma diferente, total ou parcialmente, quanto ao significado. Nesse caso, o verbo ἐλεέω e o adjetivo ἐλεήμων têm um mesmo radical, de onde vem seu sentido mais básico: ελε. Em quatro instâncias no Novo Testamento, o verbo ἐλεέω também ocorre na forma ἐλεάω (Romanos 9:16; 12:8; Judas 22, 23). TRADUÇÃO “Felizes são os misericordiosos, pois serão alvo da misericórdia” “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (ARA) “Felizes os misericordiosos, pois serão tratados com misericórdia” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O conceito de misericórdia (ἐλεημοσύνη) expressa o ato de uma pessoa em benefício de outra, que em geral se encontra em situação econômica e social desfavorável. Em Provérbios 14:21 (Septuaginta), por exemplo, temos: ἐλεῶν δὲ πτωχοὺς μακαριστός (“aquele que demostra compaixão receberá misericórdia”). A partir do período interbíblico, a ideia misericórdia foi pouco

a pouco sendo atrelada ao ato da caridade (aliás, ἐλεημοσύνη passou a ser traduzida também como “caridade”). APLICAÇÃO

Jesus demonstra que nossos atos de misericórdia, de cuidado aos desprovidos e cujas condições são inferiores à nossa própria, são reflexo da misericórdia que Deus tem para com o seu povo. Nesse sentido, nossa misericórdia é um ato que reflete a misericórdia divina (cf. Mateus 18:33).

35 OS

PUROS DE CORAÇÃO MATEUS 5:8

μακάριοι οἱ καθαροὶ τῇ καρδίᾳ, ὅτι αὐτοὶ τὸν θεὸν ὄψονται. makarioi hoi katharoi tȩ̄ kardiᾳ, hoti autoi ton theon opsontai. VOCABULÁRIO

καθαρός (katharos, 27x): puro, limpo (adjetivo) ἡ καρδία (hē kardia, 156x): [o] coração (substantivo) ὁράω (horaō, 454x): ver, contemplar (verbo) GRAMÁTICA

Os casos no grego dizem respeito às diferentes funções que as palavras assumem no contexto onde ocorrem. Neste versículo, temos o dativo τῇ καρδίᾳ, que pode ser interpretado de duas formas. Podemos analisá-la como um dativo locativo (ou de locativo), que expressa relação de localidade. Nesse sentido, a tradução de οἱ καθαροὶ τῇ καρδίᾳ seria “os puros no coração”, ou seja, uma pureza que reside no coração do indivíduo. Alternativamente, τῇ καρδίᾳ pode ser interpretado como genitivo de referência e ser traduzido por “os puros de coração”. TRADUÇÃO “Felizes são os puros de coração, pois eles verão a Deus” “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus” (ARA) “Felizes os que têm coração puro, pois verão a Deus” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A pureza é um elemento central dentro na teologia do Antigo Testamento. Apenas aqueles que eram moralmente e cerimonialmente puros podiam ter um relacionamento pleno com Yahweh. O uso discursivo que Jesus faz da pureza em relação ao coração se refere à disposição e à condição daqueles que obedecem ao que ele mesmo está ensinando, e à materialização da ética

do reino expressa no Sermão do Monte como um todo. A expressão οἱ καθαροὶ τῇ καρδίᾳ também pode expressar a ideia de inteireza do coração, ou seja, integridade em contraposição ao ânimo dobre (cf. Tiago 4:8). Nesse sentido, o puro de coração é aquele que cumpre os mandamentos divinos: ἀγαπήσεις κύριον τὸν θεόν σου ἐξ ὅλης τῆς καρδίας σου (agapēseis kyrion ton theon sou ex holēs tēs kardias sou, “amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração”, Marcos 12:30). É claro que o “ver” a Deus não significa vê-lo em sua plenitude, mas contemplar sua glória e fazer parte de sua aliança de forma ativa. APLICAÇÃO

A pureza de coração contrasta com a pureza cerimonial física e externa preconizada pela Lei do Antigo Testamento. Do mesmo modo que Jesus ensinou que o pecado vem “do interior do coração” (Marcos 7:21), a pureza requerida não é “externa”, mas a que vem do coração. Como observado acima, a bem-aventurança também é consequência de um coração totalmente entregue a Deus, o que, obviamente, não inclui apenas “sentimentos para com Deus”, mas todas as áreas da vida.

36 OS

PROMOTORES DA PAZ MATEUS 5:9

μακάριοι οἱ εἰρηνοποιοί, ὅτι αὐτοὶ υἱοὶ θεοῦ κληθήσονται. makarioi hoi eirēnopoioi, hoti autoi huioi theou klēthēsontai. VOCABULÁRIO

εἰρηνοποιός (eirēnopoios, 1x): pacificadores, aqueles que promovem a paz (adjetivo) καλέω (kaleō, 148x): chamar, considerar (verbo) GRAMÁTICA

Em termos lexicográficos, dá-se o nome de hapax legomenon (ἅπαξ λεγόμενον, “dito apenas uma vez”) àquele termo que ocorre apenas uma vez em um corpus de texto. Nesse versículo, a palavra εἰρηνοποιοί só ocorre aqui, embora um verbo de mesma raiz ocorra também em Colossenses 1:20 (εἰρηνοποιέω ). Em muitos casos, palavras de ocorrência única trazem consigo dificuldades de tradução. No caso deste versículo que analisamos, no entanto, a solução é relativamente simples, uma vez que εἰρηνοποιός é, em termos morfológicos, uma construção a partir de duas palavras conhecidas e frequentes no Novo Testamento: εἰρήνη (“paz”) e ποιός (“aquele que faz, promove algo”). É interessante mencionar que εἰρηνοποιός é uma palavra de uso raro também na literatura grega clássica mais ampla. TRADUÇÃO “Felizes são os que promovem a paz, pois serão considerados filhos de Deus” “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (ARA) “Felizes os que promovem a paz, pois serão chamados filhos de Deus” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Paz, no contexto imediato do texto, estava relacionada à paz social, uma vez que na época de Jesus a sociedade judaica, sob domínio romano,

experimentava momentos de tensão por causa da atuação de grupos revoltosos como, por exemplo, os zelotes. Aliás, Simão, um dos doze discípulos de Jesus, era zelote. A bem-aventurança desse versículo aponta para o estabelecimento do Reino de Jesus com base na paz, no mesmo sentido da palavra hebraica šālom (‫)ָשׁלוֹם‬, ou seja, uma vida de plenitude e felicidade que pode ser experimentada apenas dentro da aliança com o Deus de Israel. APLICAÇÃO

Jesus, que é o príncipe da paz (cf. Isaías 9:6), estabelece seu Reino de prosperidade e estabilidade de forma diferente dos reinos desse mundo. Enquanto a paz humana é um mero intervalo entre conflitos inevitáveis decorrentes de nossa própria pecaminosidade, a paz divina é decorrente da comunhão com o próprio Deus, em quem experimentamos uma vida plena e absoluta. Assim, aqueles que promovem a paz — os agentes da paz e da reconciliação — refletem o próprio ministério de reconciliação de Jesus Cristo (cf. 2Coríntios 5:18-20).

37 OS

PERSEGUIDOS PELA JUSTIÇA MATEUS 5:10

μακάριοι οἱ δεδιωγμένοι ἕνεκεν δικαιοσύνης, ὅτι αὐτῶν ἐστιν ἡ βασιλεία τῶν οὐρανῶν. makarioi hoi dediōgmenoi heneken dikaiosynēs, hoti autōn estin hē basileia tōn ouranōn. VOCABULÁRIO

διώκω (diōkō, 45x): perseguir (verbo) ἕνεκα (heneka, 24x): por causa de, em razão de (preposição seguida de caso genitivo) GRAMÁTICA

A preposição imprópria ἕνεκα, também grafada por vezes ἕνεκεν, acompanhada sempre de substantivo no genitivo, introduz a causa ou base (“por causa da justiça”) de um verbo. Mais adiante, em Mateus 10:22, a mesma expressão ocorre como ἕνεκεν ἐμοῦ, referindo-se ao próprio Cristo. Observe também o uso substantivado do particípio masculino nominativo οἱ δεδιωγμένοι (aqueles que são perseguidos). TRADUÇÃO “Felizes são os perseguidos por causa da justiça, pois o reino dos céus é deles” “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (ARA) “Felizes os perseguidos por causa da justiça, pois o reino dos céus lhes pertence” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Da mesma maneira que em 5:3, Mateus repete a fórmula ὅτι αὐτῶν ἐστιν ἡ βασιλεία τῶν οὐρανῶν. “Reino dos céus” é uma expressão usada por Mateus com o sentido judaico comumente atribuído ao termo. Desde pelo menos o período interbíblico, como se observa, por exemplo, na literatura de

1Macabeus, o uso do substantivo οὐρανός passou a substituir o uso da palavra ‫יהוה‬, pronunciada “adonay”. Essa forma de qere e ketiv (sistema em que se lê uma palavra e se pronuncia outra) foi utilizada para salvaguardar a santidade do nome sagrado de Deus. É também seguindo essa lógica que a Septuaginta traduz como κύριος o tetragrama. Vem daí a nossa tradição de traduzir ‫ יהוה‬por SENHOR. É interessante notar que no mesmo Sermão do Monte, Jesus relaciona o conceito de justiça ao Reino de Deus: ζητεῖτε δὲ πρῶτον τὴν βασιλείαν [τοῦ θεοῦ] καὶ τὴν δικαιοσύνην αὐτοῦ (zēteite de prōton tēn basileian [tou theou] kai tēn dikaiosynēn autou, “busquem primeiramente o reino [de Deus] e sua justiça”, Mateus 6:33). Os perseguidos por causa da justiça de Deus serão recompensados pela herança de seu Reino. APLICAÇÃO

Encontrar alegria na perseguição e no sofrimento é um dos mistérios do cristianismo. A “justiça” do Sermão do Monte foi interpretada durante muito tempo como “a justiça comum exercida pelo Estado”. No entanto, a justiça à qual Jesus faz referência é a justiça que vem da Lei e caracteriza o Reino de Deus. Portanto, o ensino de Jesus aponta na direção da perseguição que viviam (e viveriam) aqueles que andassem “na justiça de Deus”. Contudo, há a real possibilidade de haver “alegria no sofrimento” por causa de Cristo (2Coríntios 12:10).

38 INTRODUÇÃO

EPISTOLAR

ATOS 15:23A

γράψαντες διὰ χειρὸς αὐτῶν· Οἱ ἀπόστολοι καὶ οἱ πρεσβύτεροι ἀδελφοὶ grapsantes dia cheiros autōn: Hoi apostoloi kai hoi presbyteroi adelphoi VOCABULÁRIO

ὁ ἀπόστολος (ho apostolos, 80x): [o] apóstolo, [o] enviado (substantivo) ὁ πρεσβύτερος (ho presbyteros, 66x): [o] presbítero, [o] ancião (substantivo) ὁ ἀδελφός (ho adelphos, 343x): [o] irmão (substantivo) GRAMÁTICA

Por vezes, substantivos fazem parte do texto sem ter relação natural com algum verbo, assumindo sentido completo em si. No segmento de frase οἱ ἀπόστολοι καὶ οἱ πρεσβύτεροι ἀδελφοὶ, os substantivos estão no caso nominativo. Como expressam uma ideia completa e definida, os substantivos acompanhados de artigo definido são chamados nominativos absolutos; exercem função, aqui, considerando a estrutura epistolar clássica, de remetente. Merece atenção que a frase οἱ ἀπόστολοι καὶ οἱ πρεσβύτεροι funcione também como aposto do nominativo ἀδελφοὶ. É interessante notar que em manuscritos da tradição bizantina, lemos καὶ οἱ ἀδελφοί. Nesse caso, οἱ ἀδελφοί seria classificado como o terceiro nominativo absoluto da frase. TRADUÇÃO “... os irmãos, ou seja, os apóstolos e os presbíteros” “... os irmãos, tanto os apóstolos como os presbíteros” (ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

As cartas da antiguidade clássica tinham duas grandes características: a primeira era sua concisão e comprimento, característica da qual as cartas do Novo Testamento destoam (à exceção da epístola resultante do presbitério de Jerusalém); em segundo lugar, elas tinham uma estrutura fixa, em divisão tripartite: 1) introdução epistolar, 2) corpo epistolar e 3) conclusão epistolar. No caso da introdução, temos uma formulação simples: de A para B e as saudações (A τῷ B, χαίρειν; ou seja, A a B, saudação). Na parte seguinte, desenvolve-se a apresetação do motivo da carta; por fim, conclui-se com uma breve conclusão, contendo uma súplica de benção e uma saudação final. Todas as cartas do Novo Testamento se enquadram nesse padrão estrutural. APLICAÇÃO

O remetente de uma carta do Novo Testamento pode parecer não apresentar nenhuma função importante para a pregação da Palavra, mas é importante atentar-se aos detalhes. A presença da informação de que os remetentes são apóstolos e presbíteros tem pelo menos duas funções importantes: garantir a fidedignidade e confiabilidade da carta e demonstrar a autoridade de seus autores.

39 INTRODUÇÃO

EPISTOLAR

ATOS 15:23B

τοῖς κατὰ τὴν Ἀντιόχειαν καὶ Συρίαν καὶ Κιλικίαν ἀδελφοῖς τοῖς ἐξ ἐθνῶν χαίρειν. tois kata tēn Antiocheian kai Syrian kai Kilikian adelphois tois ex ethnōn chairein. VOCABULÁRIO

τὸ ἔθνος (to ethnos, 162x): [a] nação, [a] etnia (substantivo) χαίρειν (chairein): saúde! (interjeição; infinitivo de χαίρω — alegrar-se) GRAMÁTICA

Na introdução da estrutura epistolar clássica, após o uso do nominativo absoluto (com função de remetente), era convenção indicar o destinatário da carta por meio de caso gramatical. Assim, o dativo que marca o artigo τοῖς passa a ideia de destinação. Outro ponto importante é que a frase dativa τοῖς [...] ἀδελφοῖς τοῖς ἐξ ἐθνῶν (aos [...] irmãos dentre os gentios) governa a locução prepositiva composta κατὰ τὴν Ἀντιόχειαν καὶ Συρίαν καὶ Κιλικίαν. Nesse caso, o uso da preposição κατά + acusativo expressa ideia de localidade: “os gentios na Antioquia, na Síria e na Cilícia”. TRADUÇÃO “... aos irmãos dentre os gentios na Antioquia, Síria e Cilícia. Saúde!” “... aos irmãos de entre os gentios em Antioquia, Síria e Cilícia, saudações” (ARA) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A decisão do colegiado apostólico ao abrir as portas da irmandade para os gentios convertidos ao cristianismo foi endereçada principalmente à região da Síria, importante por ter sido um dos principais focos de conversão dos não

judeus ao evangelho. Junto com os apóstolos, os presbíteros — as lideranças que os auxiliavam e a eles estavam ligados — enviaram por meio de Barnabé e Paulo sua carta. A referência às três localidades pode ser organizada da seguinte maneira: a Síria era a província Romana que incluía a região da Cilícia e tinha a cidade de Antioquia como sua capital. A Antioquia, aliás, permaneceria sendo a base missionária de Paulo durante pelo menos duas de suas viagens missionárias. APLICAÇÃO

As referências aos destinatários nas epístolas auxiliam na compreensão da organização e funcionamento do governo da igreja, assim como no melhor entendimento da expansão missionária. Por meio de informações como essas também aprendemos como os cristãos da igreja primitiva se relacionavam e como concebiam a missão e vida da igreja local.

40 ALEGREM-SE

SEMPRE!

1TESSALONICENSES 5:16,17

Πάντοτε χαίρετε, ἀδιαλείπτως προσεύχεσθε, Pantote chairete, adialeiptōs proseuchesthe, VOCABULÁRIO

πάντοτε (pantote, 41x): sempre (advérbio) ἀδιαλείπτως (adialeiptōs, 4x): incessantemente (advérbio) προσεύχομαι (proseuchomai, 85x): orar (verbo) GRAMÁTICA

Um advérbio exerce a função, sobremodo, de modificar um verbo, exprimindo alguma circunstância — tempo, modo, lugar, qualidade, causa etc. No texto, o verbo principal χαίρετε (no presente do imperativo) é modificado pelo advérbio temporal πάντοτε. Observe que o verbo χαίρω, na tradução para o português, fica na voz passiva sintética: é um pedido/ordem para o sujeito se sentir alegre, e não para que alegre (uso ativo). Da mesma forma, ἀδιαλείπτως modifica o verbo προσεύχεσθε. TRADUÇÃO “Alegrem-se sempre! Orem incessantemente” “Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar” (ARA) “Estejam sempre alegres. Nunca deixem de orar” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O verbo χαίρω ocorre 74 vezes no Novo Testamento. Nas outras ocasiões em que o apóstolo Paulo exorta sua audiência à alegria, ele se refere à natureza e procedência divina dessa alegria, que não é circunstancial, mas condicionada a uma posição. Em Filipenses 4:4, o mandamento da alegria é relacionado a estar “no Senhor” (ἐν κυρίῳ, dativo circunstancial), e em Romanos 14:17 o

sentimento de alegria se dá “no Espírito Santo” (χαρὰ ἐν πνεύματι ἁγίῳ). Já o direcionamento relacionado à oração está em conformidade com o que o próprio Paulo expressa em Efésios 6:18 e ao que o Senhor Jesus ensinou em Lucas 18:1. O sentido da expressão ἀδιαλείπτως προσεύχεσθε não diz respeito a uma prática de oração ininterrupta, mas de uma vida de oração perseverante e, por isso, incessante. Ambos os advérbios πάντοτε e ἀδιαλείπτως carregam a ideia de que o estado de alegria e de oração independem das circunstâncias. APLICAÇÃO

A busca humana por alegria geralmente é um movimento de fora para dentro. A busca cristã por alegria, por outro lado, é obra do Espírito Santo dentro do cristão, pois é fruto do Espírito (Gálatas 5:22). Não por acaso a exortação à “vida de oração” (“Orem incessantemente!”) é sugerida após a exortação à alegria, pois a alegria cristã produzida pelo Espírito é experimentada em grande medida por meio da oração.

41 OREM

INCESSANTEMENTE! 1TESSALONICENSES 5:18

ἐν παντὶ εὐχαριστεῖτε· τοῦτο γὰρ θέλημα θεοῦ ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ εἰς ὑμᾶς. en panti eucharisteite; touto gar thelēma theou en Christō̧ Iēsou eis hymas. VOCABULÁRIO

εὐχαριστέω (eucharisteō, 38x): eu agradeço, dou graças (verbo) GRAMÁTICA

Nesse versículo vemos o uso da preposição ἐν em duas situações, com diferentes sentidos. A locução prepositiva ἐν παντί, em primeiro lugar, é classificada como um dativo circunstancial e indica que o ato expresso pelo verbo no imperativo εὐχαριστεῖτε se estende a todos os momentos da vida, ou seja, em todas as circunstâncias. Essa disposição (τοῦτο) é a vontade de Deus ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ, locução prepositiva em que o dativo é locativo. Em outras palavras, aqueles que participam da comunhão com Cristo (ὑμᾶς) como seu povo são os que cumprem a vontade de Deus. TRADUÇÃO “Sejam gratos em todas as coisas, pois essa é a vontade de Deus em Cristo Jesus para vocês” “Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (ARA) “Sejam gratos em todas as circunstâncias, pois essa é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O texto apresenta uma sequência verbal que segue uma progressão na vida daqueles que estão em Cristo: alegrar-se, orar e ser grato. A gratidão a Deus é expressa de forma particular, na visão de Paulo, por meio da oração

(1Tessalonicenses 1:2, cf. Filipenses 4:6). Essa gratidão deve ser uma oferta por toda a experiência de vida do cristão, desde aquilo que gera alegria até coisas penosas, como perseguições e injustiças. APLICAÇÃO

O apóstolo Paulo utiliza o verbo θέλημα também em 4:3 no sentido de essa vontade incluir o processo de santificação dos que estão em Cristo, por meio da ação do Espírito Santo. Nessa perspectiva, a vontade de Deus expressa nesse versículo não é uma vontade genérica, mas aquela que é testificada em nosso coração por meio do Espírito santificador, que, no mesmo momento que expressamos a Deus nossa gratidão, nos molda e conforma à semelhança do Filho, em que essa vontade plenamente se manifesta.

42 TU

ÉS O

CRISTO!

MATEUS 16:16

ἀποκριθεὶς δὲ Σίμων Πέτρος εἶπεν· σὺ εἶ ὁ χριστὸς ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ τοῦ ζῶντος. apokritheis de Simōn Petros eipen: sy ei ho christos ho huios tou theou tou zōntos. VOCABULÁRIO

ἀποκρίνομαι (apokrinomai, 231x): responder (verbo) ζάω (zaō, 140x): viver (verbo) GRAMÁTICA

A partícula δέ é utilizada para estruturar e evidenciar o fluxo da narrativa. Nesse sentido, Pedro responde a partir da pergunta que Jesus fez no versículo anterior. Observe que na primeira oração o verbo no particípio ἀποκριθείς complementa o verbo principal εἶπεν (no aoristo) e dessa forma introduz discurso direto; ou seja, o ato de Pedro dizer foi na forma de resposta a Jesus. Na segunda oração, σὺ εἶ ὁ χριστὸς ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ τοῦ ζῶντος, faz-se uso do pronome pessoal enfático σύ, e ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ serve de aposto para o nome honorífico ὁ χριστὸς. Por fim, o particípio ζῶντος (de caso genitivo) é utilizado em forma de adjetivo a fim de qualificar o substantivo de caso genitivo acompanhado de artigo τοῦ θεοῦ. TRADUÇÃO “Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” “Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (ARA) “Simão Pedro respondeu: ‘O senhor é o Cristo, o Filho do Deus vivo!’” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

De forma enfática, Pedro oferece uma resposta diametralmente oposta a todas as alternativas que haviam sido previamente apresentadas pela opinião popular: João Batista, Elias, Jeremias ou algum outro profeta. Nesse sentido, o apóstolo responde utilizando o pronome pessoal σύ, indicando que Jesus, aquele mesmo que estava perguntando, era verdadeiramente o Cristo. Observe que o título honorífico χριστός, uma tradução do hebraico ‫ָמִשׁיַח‬ (māšîaḥ, “ungido”), está relacionado a um descendente de Davi; logo, está relacionado à posição de seu detentor como aquele que cumpre a aliança feita em 1Samuel 7:4-16. É interessante também notar que é a primeira vez que χριστός é utilizado no contexto de um discurso direto. Essa figura messiânica não é apenas mais um descendente de Davi, mas tem também caráter divino, uma vez que, além de ser filho de Davi, é filho do Deus vivo. Por fim, vale sublinhar que a utilização do particípio adjetivo ζῶντος denota que o cumprimento da aliança davídica era tão certo quanto Deus estar vivo. APLICAÇÃO

A resposta de Pedro associa Jesus à figura do messias esperado e ao mesmo tempo lembra do cumprimento das promessas do Deus que vive eternamente. O que estava acontecendo diante dos discípulos era um evento singular na história da humanidade: Jesus, o Deus encarnado, era desvelado diante dos discípulos pela revelação do Espírito como a esperança tão aguardada pelo povo de Israel. O messias é a esperança e a confirmação da fidelidade de Deus e do seu amor pelo seu povo.

43 CREIA

NO

SENHOR JESUS

ATOS 16:31

οἱ δὲ εἶπαν· πίστευσον ἐπὶ τὸν κύριον Ἰησοῦν καὶ σωθήσῃ σὺ καὶ ὁ οἶκός σου. hoi de eipan: pisteuson epi ton kyrion Iēsoun kai sōthēsē sy kai ho oikos sou. VOCABULÁRIO

ὁ κύριος (ho kurios, 717x): [o] Senhor (substantivo) σώζω (sōzō, 106x): salvar (verbo) ὁ οἶκος (ho oikos, 114x): [a] casa, [a] família (substantivo) GRAMÁTICA

O artigo οἱ é utilizado nesse contexto como pronome pessoal (plural) para se referir a Paulo e Silas (observe que a partícula δέ indica troca de sujeito) e, assim, pode ser traduzido simplesmente como “eles”. O discurso direto introduzido pelo aoristo εἶπαν é um imperativo dirigido ao carcereiro. O verbo principal πίστευσον está atrelado à locução prepositiva ἐπὶ τὸν κύρ ιον. O verbo πιστεύω é frequentemente utilizado sozinho e também acompanhado de preposições como ἐπί, ἐν ou até εἰς. Essa variação de formas não altera seu sentido — crer ou confiar — nem sugere gradação de intensidade. TRADUÇÃO “Então responderam: ‘Creia no Senhor Jesus e você e sua família serão salvos’” “Responderam-lhe: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa” (ARA) “Eles responderam: ‘Creia no Senhor Jesus, e você e sua família serão salvos’” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Diante da pergunta do carcereiro, “Senhores, que devo fazer para que seja salvo?” (Atos 16:30), Paulo e Silas respondem que, em primeiro lugar, a salvação depende da fé individual em Jesus, o que significa que o objeto da fé é Cristo. Há uma dúvida a respeito do quanto o carcereiro compreendia a ideia de “salvação”. De qualquer forma, Paulo responde de acordo com o evangelho a partir de seu referencial judaico. Em segundo lugar, essa salvação abrangeria toda sua casa. A melhor tradução para o termo οἶκος é “família”, mas no sentido de um núcleo expandido que incluía, no contexto greco-romano, até mesmo os escravos. Embora alguns enxerguem aqui a promessa normativa de uma fé que salva necessariamente a família inteira, não podemos esquecer que, na estrutura familiar da antiguidade, a religião adotada pelo paterfamilias seria naturalmente a religião de todo restante da família. Portanto, a “conversão coletiva” da família era um resultado social muito mais natural naquele contexto, e não implica uma doutrina da salvação da família nuclear do cristão. APLICAÇÃO

Entender o aspecto individual da crença em Cristo e a estrutura da οἶκος no contexto greco-romano são essenciais para que não nos desviemos daquilo que é mais essencial na passagem: Jesus Cristo é o objeto da fé, e a salvação de uma pessoa ocorre pela confissão individual de arrependimento e fé no Senhor Jesus Cristo. Ainda que toda a família do carcereiro tivesse de seguilo em sua escolha religiosa, a salvação dos membros da família dependia de “crerem no Senhor Jesus”.

44 AME! LUCAS 10:27

ὁ δὲ ἀποκριθεὶς εἶπεν· ἀγαπήσεις κύριον τὸν θεόν σου ἐξ ὅλης [τῆς] καρδίας σου καὶ ἐν ὅλῃ τῇ ψυχῇ σου καὶ ἐν ὅλῃ τῇ ἰσχύϊ σου καὶ ἐν ὅλῃ τῇ διανοίᾳ σου, καὶ τὸν πλησίον σου ὡς σεαυτόν. ho de apokritheis eipen: agapēseis kyrion ton theon sou ex holēs [tēs] kardias sou kai en holē tȩ̄ psychē sou kai en holē tȩ̄ ischyi sou kai en holē tȩ̄ dianoia sou, kai ton plēsion sou hōs seauton. VOCABULÁRIO

ἀγαπάω (agapaō, 143x): amar (verbo) ὅλος (holos, 109x): inteiro, completo (adjetivo) ἡ ἰσχύς (hē ischus, 109x): força (substantivo) ἡ διάνοια (hē dianoia, 12x): mente (substantivo) πλησίον (plēsion, 17x): perto, próximo (advérbio) GRAMÁTICA

A resposta de Jesus inicia-se por ἀγαπήσεις, no futuro do indicativo, que expressa um imperativo. Embora o uso do futuro em um imperativo não seja normal na língua grega, vemos a reprodução da tradução da Septuaginta. Observe que a locução prepositiva ἐξ ὅλης + substantivo de caso genitivo acompanhado de artigo definido expressa ideia de instrumentalidade. Ademais, a partícula ὡς denota ideia de comparação: “e ao teu próximo como a você mesmo”. TRADUÇÃO “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, toda a tua vida, toda a tua força e toda a tua mente. [E ame] teu próximo como a ti mesmo” “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (ARA)

“‘Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de toda a sua força e de toda a sua mente’ e ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Jesus cita o texto de Deuteronômio 6:5 a partir da Septuaginta, com o acréscimo da locução prepositiva καὶ ἐν ὅλῃ τῇ διανοίᾳ σου. A intensão de Jesus é chamar a atenção de seu público para a essência principal da Lei, que está no amor a Deus e na expressão desse amor ao próximo. A resposta partiu do desafio que os intérpretes da Lei propuseram: τί ποιήσας ζωὴν αἰώνιον κληρονομήσω; (ti poiēsas zōēn aiōnion klēronomēsō?, “o que devemos fazer para ter a vida eterna?”, Lucas 10:25b). APLICAÇÃO

O texto nos mostra uma junção do maior mandamento com a dimensão horizontal desse amor por meio da citação resumida de Levítico 19:18. Nesse sentido, o próximo não é apenas o compatriota judeu, mas também todos que se encontram perto, ao alcance do ato amoroso do discípulo de Jesus. Observe que na parábola do samaritano, em Lucas 10:25-37, o samaritano também é chamado por Jesus de próximo.

45 UM

MONTE NA

GALILEIA

MATEUS 28:16

Οἱ δὲ ἕνδεκα μαθηταὶ ἐπορεύθησαν εἰς τὴν Γαλιλαίαν εἰς τὸ ὄρος οὗ ἐτάξατο αὐτοῖς ὁ Ἰησοῦς, Hoi de hendeka mathētai eporeuthēsan eis tēn Galilaian eis to oros hou etaxato autois ho Iēsous, VOCABULÁRIO

ἕνδεκα (hendeka, 6x): onze (numeral) ὁ μαθητής (mathētēs, 261x): [o] discípulo (substantivo) πορεύομαι (poreuomai, 153x): ir (verbo) τὸ ὄρος (ho oros, 63x): [a] montanha, [o] monte, [a] colina (substantivo) τάσσω (tassō, 8x): indicar, apontar (verbo) GRAMÁTICA

A partícula δέ, como já tratamos, é comumente usada para estruturar e direcionar o fluxo contínuo da narrativa em relação ao que foi anteriormente narrado. Observe que o verbo ἐπορεύθησαν, embora em tempo aoristo e na voz passiva, é traduzido na voz ativa, por ser πορεύομαι um verbo depoente (cuja forma lexical também pode ser πορεύω). Por fim, por duas vezes temos a locução prepositiva εἰς + acusativo, construção que expressa ideia de direção. TRADUÇÃO “E os onze discípulos foram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes indicara” “Seguiram os onze discípulos para a Galileia, para o monte que Jesus lhes designara” (ARA) “Então os onze discípulos partiram para a Galileia e foram ao monte que Jesus havia indicado” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

É a primeira vez nos Evangelhos que o grupo de discípulos é chamado οἱ ἔνδεκα e não οἱ δώδεκα, uma vez que na seção precedente (28:11-15) a exclusão de Judas desse grupo é explicada. O versículo 16, então, continua a narrativa a partir do versículo 10, em que Jesus mesmo disse a Maria Madalena e à outra Maria que fossem à Galileia, onde ele encontraria os demais discípulos. Assim, vemos que os discípulos, obedientes à ordem expressa em 28:10, foram para o local de encontro apontado por Jesus: um monte. Tradicionalmente, esse monte tem sido identificado como o monte Tabor, também chamado Monte da Transfiguração. APLICAÇÃO

É interessante notar o uso frequente do “monte” como ponto de revelação de Cristo aos seus discípulos, uma clara ligação e referência às revelações de Yahweh feitas a seu povo no Antigo Testamento. Observe, também, o fato de que a Grande Comissão vem após os onze serem direcionados para o monte. A missão entregue num monte na Galileia — tudo isso se assemelha ao padrão de Deus no Antigo Testamento e ganha um complemento adicional: “nuanças do histórico humilde de Jesus e do tema da missão para os gentios”. [ 15 ]

46 ADORAÇÃO

HESITANTE

MATEUS 28:17

καὶ ἰδόντες αὐτὸν προσεκύνησαν, οἱ δὲ ἐδίστασαν. kai idontes auton prosekynēsan, hoi de edistasan. VOCABULÁRIO

προσκυνέω (proskyneō, 60x): se prostrar em adoração (verbo) διστάζω (distazō, 2x): duvidar, hesitar (verbo) GRAMÁTICA

A narrativa segue por meio do uso da conjunção καί. O particípio aoristo ἰδόντες (forma irregular do verbo ὁράω) complementa o verbo principal προσεκύνησαν no sentido de localizar temporalmente a ação; ou seja, quando os onze viram Jesus, eles o adoraram (particípio adverbial temporal). Em contraste (observe o uso adversativo da conjunção δέ), os mesmos discípulos (οἱ) duvidaram. Nesse caso, temos o uso pronominal do artigo definido (relacionado a οἱ δὲ ἕνδεκα). TRADUÇÃO “Quando eles o viram, adoraram. Mas eles hesitaram” “E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram” (ARA) “Quando o viram, o adoraram; alguns deles, porém, duvidaram” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A tradução da frase οἱ δὲ ἐδίστασαν é um tema complexo. Gramaticalmente, a tradução mais direta é: “mas eles duvidaram”. Entretanto, ao interpretarmos que todos os onze estavam incrédulos em relação a Jesus, como explicar que todos eles o adoraram? Uma solução é considerar o verbo διστάζω não como expressão de uma incredulidade absoluta, mas de hesitação misturada com uma sensação de perplexidade. É interessante notar que o mesmo verbo é

usado em Lucas 14:31 quando Pedro se afoga no mar e Jesus lhe pergunta: “por que você duvidou?”. Nesse sentido, é possível pensar em uma alternativa de tradução que seja diferente das oferecidas pela ARA ou NVT, que leem οἱ como “alguns”. Se considerarmos que gramaticalmente οἱ seja uma referência aos onze, então podemos traduzir ἐδίστασαν como “hesitar”. APLICAÇÃO

O problema da dúvida e da hesitação permanece, ainda que consideremos “alguns” e não os onze. Se considerarmos que alguns duvidaram, e não os onze, teremos de deparar com discípulos próximos que por algum motivo desconhecido duvidaram e hesitaram diante da aparição de Jesus. É importante notar também que todos os onze diversas vezes não entenderam o plano de Deus, duvidaram da ressurreição ou fraquejaram na fé em alguns momentos. A aparição de Jesus após a ressurreição foi mais um desafio à fé dos discípulos, mesmo àqueles mais experimentados – o que mais uma vez nos reforça que a fé é dom de Deus, e não algo dependente de nosso status ou esforços.

47 A

SUPREMACIA DE

CRISTO

HEBREUS 1:1

Πολυμερῶς καὶ πολυτρόπως πάλαι ὁ θεὸς λαλήσας τοῖς πατράσιν ἐν τοῖς προφήταις Polymerōs kai polytropōs palai ho theos lalēsas tois patrasin en tois prophētais VOCABULÁRIO

πολυμερῶς (polymerōs, 1x): em várias vezes (advérbio) πολυτρόπως (polytropōs, 1x): em várias partes, formas (advérbio) πάλαι (palai, 6x): anteriormente (advérbio) λαλέω (laleō, 296x): falar (verbo) GRAMÁTICA

No primeiro versículo de Hebreus, observamos claramente um recurso de estilo que chamamos aliteração. Trata-se de uma sequência de palavras com semelhanças sonoras e, muitas vezes, semânticas. Todas as palavras que iniciam com a letra π, a saber, πολυμερῶς, πολυτρόπως, πάλαι, πατράσιν, προφήταις, foram deliberadamente dispostas pelo autor desconhecido para dar, em primeiro lugar, uma fluidez eufônica ao texto, facilitando, entre outras coisas, sua leitura e fixação. Em textos como esses, percebemos que a preocupação dos autores bíblicos estava também relacionada à beleza estilística do texto. TRADUÇÃO “Por muitas vezes e de muitas formas Deus falou anteriormente aos pais por meio dos profetas” “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas” (ARA) “Por muito tempo Deus falou várias vezes e de diversas maneiras a nossos antepassados por meio dos profetas” (NVT)

OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A dupla de advérbios de frequência utilizados, πολυμερῶς e πολυτρόπως, são únicos no Novo Testamento. Relacionados ao verbo principal, λαλέω recapitula as diversas maneiras que Yahweh se revelou verbalmente aos “pais”, ou seja, aos patriarcas e a seus profetas. Ao mesmo tempo que essa variedade é salientada, prepara-se o caminho para a afirmação do versículo seguinte de que essas formas antigas de revelação perderam a proeminência diante da excelência da revelação de Deus por meio do Filho (ἐν υἱῷ, en huiō), ou seja, de Jesus Cristo. Nesse sentido, a revelação em Jesus é superior à mediadas até mesmo por anjos. Assim, desde o início, o autor desconhecido de Hebreus reforça sua defesa da supremacia de Cristo e da provisoriedade e limitação da revelação do Antigo Testamento. APLICAÇÃO

A centralidade e a supremacia de Cristo Jesus sobre todas as coisas é o tema central de Hebreus. Nesse livro, entendemos que Jesus assumiu, de forma definitiva e perfeita, o cumprimento de todos os preceitos da antiga aliança. Esse versículo, junto com os seguintes, até o versículo 14, por meio das citações em corrente de textos veterotestamentários, consolida a visão de que Jesus é superior aos patriarcas, aos anjos e a todas as antigas formas de revelação da vontade divina, o que inclui visões, experiências extáticas etc. Em Cristo, hoje, na nova aliança, vivemos a realidade do que os “pais” vislumbraram de longe por fé.

48 TODA

AUTORIDADE É DE

JESUS

MATEUS 28:18

καὶ προσελθὼν ὁ Ἰησοῦς ἐλάλησεν αὐτοῖς λέγων· ἐδόθη μοι πᾶσα ἐξουσία ἐν οὐρανῷ καὶ ἐπὶ [τῆς] γῆς. kai proselthōn ho Iēsous elalēsen autois legōn: edothē moi pasa exousia en ouranō kai epi [tēs] gēs. VOCABULÁRIO

προσέρχομαι (proserchomai, 86x): aproximar-se (verbo) λαλέω (laleō, 296x): falar, dizer (verbo) ἡ ἐξουσία (hē exousia, 102x): autoridade (substantivo) GRAMÁTICA

O particípio προσελθών é utilizado especificamente antes do verbo principal ἐλάλησεν para indicar progressão de ação: Jesus se aproximou dos seus discípulos e então, depois de aproximar-se, falou-lhes. Veja que o verbo ἐδόθη é classificado como um passivo divino, ou seja, quem deu (δίδωμι) toda a autoridade a Jesus foi Deus (embora Deus seja um sujeito pressuposto pelo contexto). TRADUÇÃO “e ao aproximar-se deles, Jesus falou: ‘Toda a autoridade nos céus e na terra me foi dada’” “Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: ‘Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra’” (ARA) “Jesus se aproximou deles e disse: ‘Toda a autoridade no céu e na terra me foi dada’” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A aproximação de Jesus aqui não sugere repreensão em relação à hesitação dos discípulos em adorá-lo. Pelo contrário, o que vemos é uma chegada que

os conforta e anima, de maneira que Jesus se apresenta como aquele que tem toda a autoridade conferida por Deus. A autoridade (ἐξουσία; cf. Mateus 11:26) de Deus já estava presente durante o ministério de Jesus, de forma que o povo reconhecia isso nele. Entretanto, agora, pela ressurreição, ele recebeu πᾶσα ἐξουσία ἐν οὐρανῷ καὶ ἐπὶ [τῆς] γῆς, cumprindo-se, entre outras coisas, a expectativa messiânica como encontrada em Daniel 7:14. APLICAÇÃO

A ressurreição é o marco da vindicação plena do Filho de Deus e do estabelecimento de sua autoridade absoluta e divina sobre todas as coisas (a junção de céu e terra expressa uma noção cósmica). Sem a ressurreição, a própria fé cristã não faria sentido algum. Paulo mesmo afirma a relação da fé com a ressurreição em 1Coríntios 15:12-23. Assim, devemos compreender que a ressurreição de Jesus foi a marca da sua vitória sobre a morte e o diabo como Deus (ou seja, como segunda pessoa da Trindade). E é por isso que ele tem toda a autoridade, como Senhor, sobre todas as coisas.

49 FAÇAM

DISCÍPULOS

MATEUS 28:19

πορευθέντες οὖν μαθητεύσατε πάντα τὰ ἔθνη, βαπτίζοντες αὐτοὺς εἰς τὸ ὄνομα τοῦ πατρὸς καὶ τοῦ υἱοῦ καὶ τοῦ ἁγίου πνεύματος, poreuthentes oun mathēteusate panta ta ethnē, baptizontes autous eis to onoma tou patros kai tou huiou kai tou hagiou pneumatos, VOCABULÁRIO

μαθητεύω (mathēteuō, 4x): fazer discípulo (verbo) τὸ ἔθνος (hē ethnos, 162x): [a] nação, [a] etnia (substantivo) βαπτίζω (baptizō, 77x): batizar (verbo) ἅγιος (hagios, 233x): santo (adjetivo) τὸ πνεῦμα (to pneuma, 379x): [o] espírito (substantivo) GRAMÁTICA

O particípio πορευθέντες, por preceder o verbo principal imperativo μαθητεύσατε, empresta o sentido imperativo para si. Tal função é classificada como particípio de atendente circunstancial. Nesse sentido, πορευθέντες deve ser traduzido como um imperativo: “ide”. Ademais, o particípio βαπτίζοντες complementa o sentido do verbo μαθητεύσατε: “façam discípulos... batizando-os...”. TRADUÇÃO “Portanto vão e façam discípulos em todas as etnias, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (ARA) “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (NVT)

OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A conjunção conclusiva (inferencial) οὖν reflete a ideia de que a autoridade absoluta de Jesus, conferida por Deus, é a base e a razão de ser do chamado dos discípulos (agora apóstolos), a saber, o discipulado de outras pessoas. O objeto direto do verbo μαθητεύσατε, que é πάντα τὰ ἔθνη, aponta para o escopo da missão: todas as pessoas de todos os lugares. O substantivo ἔθνος tem um campo semântico mais abrangente do que apenas nação (conceito, aliás, anacrônico em relação à realidade política dos tempos de Jesus). É interessante notar que no texto paralelo em Marcos 16:15 o verbo κηρύξατε (preguem) é usado para apresentar um enfoque diferente, porém complementar, à ênfase que Mateus dá ao discipulado. APLICAÇÃO

A autoridade de Cristo proveniente de sua vitória sobre a morte é a base da missão universal de proclamação do evangelho. É nessa autoridade que os novos discípulos de Cristo são chamados pela graça e incluídos na família de um Deus que já é uma comunidade perfeita, ou seja, Pai, Filho e Espírito Santo. Portanto, o batismo por meio da fórmula trinitária não é um mero rito, mas expressa a maravilhosa realidade de que, por meio da autoridade de Cristo e do seu evangelho, do seu sacrifício redentor e ressurreição, somos incluídos para ser o povo de Deus e para experimentar comunhão com esse Deus Triúno.

50 ENSINEM

A GUARDAR

MATEUS 28:20A

διδάσκοντες αὐτοὺς τηρεῖν πάντα ὅσα ἐνετειλάμην ὑμῖν· didaskontes autous tērein panta hosa eneteilamēn hymin; VOCABULÁRIO

διδάσκω (didaskō, 97x): ensinar (verbo) τηρέω (hē tēreō, 70x): guardar (verbo) ἐντέλλω (entellō, 15x): ordenar, comandar (verbo) GRAMÁTICA

Continuando a corrente de particípios iniciada no verbo principal μαθητεύσατε, seguido do particípio βαπτίζοντες, temos διδάσκοντες, um particípio que complementa o sentido expresso pelo verbo imperativo. Importante notar que o sentido de διδάσκοντες é especificado pelo infinitivo τηρεῖν: “ensinando a guardar”. TRADUÇÃO “ensinando-os a guardar tudo o que tenho ensinado a vocês” “ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (ARA) “Ensinem esses novos discípulos a obedecerem a todas as ordens que eu lhes dei” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A ordem derradeira para que os apóstolos ensinassem vem diretamente do exemplo que Jesus deixou a eles anteriormente. Em muitos momentos, particularmente em Mateus, Jesus aparece ensinando as multidões (4:23; 5:2; 7:29; 9:35; 11:1; 13:34; 21:23; 26:55). Também temos uma referência a Mateus 5:19: “Portanto, quem desobedecer até ao menor mandamento, e ensinar (διδάξῃ) outros a fazer o mesmo, será considerado o menor no reino dos céus. Mas aquele que obedecer à lei de Deus e ensiná-la será considerado grande no reino dos céus”. Jesus, por fim, especifica qual é o conteúdo do

ensino dos apóstolos, a saber, todas (πάντα) as palavras e os ensinos do Mestre. É interessante notar que o verbo τηρέω, frequentemente usado na Septuaginta com relação à guarda e obediência à Torá, é usada por Jesus em relação a seus ensinos. Novamente, vemos implicitamente a intenção de Mateus de apresentar Jesus como o novo e perfeito Moisés. APLICAÇÃO

A grande comissão de proclamação universal do evangelho não consiste, como muitos pensam, em apenas proclamar o evangelho de forma aleatória e pontual, mas em um “programa de ensino do evangelho”, ideia implícita no ato contínuo de Jesus de ensinar as multidões e os discípulos. Seus discípulos deveriam “ensinar” e esta é a base do discipulado. Fazer discípulos, portanto, consiste em ensiná-los tanto a entender as palavras do mestre quanto a praticar (guardar) essas mesmas palavras.

51 PROMESSA MATEUS 28:20B

καὶ ἰδοὺ ἐγὼ μεθ’ ὑμῶν εἰμι πάσας τὰς ἡμέρας ἕως τῆς συντελείας τοῦ αἰῶνος. kai idou egō meth’ hymōn eimi pasas tas hēmeras heōs tēs synteleias tou aiōnos. VOCABULÁRIO

ἰδού (idou): vejam! (interjeição) ἡ συντέλεια (hē synteleia, 6x): [a] consumação, [o] fim (substantivo) ὁ αἰών (ho aiōn, 15x): [a] eternidade, palavra que expressa tempo de duração ilimitada (substantivo) GRAMÁTICA

A interjeição ἰδού é frequentemente utilizada no Novo Testamento para chamar a atenção do ouvinte ou leitor para algo importante a ser comunicado em seguida. A oração ἐγὼ μεθ’ ὑμῶν εἰμι, além de ser enfática por apresentar o pronome pessoal nominativo e o verbo de ligação εἰμί, apresenta também uma ênfase na companhia de Jesus com os seus (μεθ’ ὑμῶν, genitivo de associação ou companhia). Por fim, a preposição ἕως + substantivo definido genitivo τῆς συντελείας expressa ideia de extensão temporal. TRADUÇÃO “Vejam: eu mesmo estarei com vocês todos os dias até o fim dos tempos” “E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (ARA) “E lembrem-se disto: estou sempre com vocês, até o fim dos tempos” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O evangelho de Mateus termina com uma promessa, associada à missão dos apóstolos: Jesus, ele mesmo (ἐγὼ ... εἰμι) estaria junto aos seus enviados a partir daquele momento em diante. A expressão συντελείας τοῦ αἰῶνος está relacionado à realidade escatológica do “fim dos tempos” (cf. 13:39, 40, 49; 24:3). Por fim, Mateus, um evangelho cuja linguagem é fortemente judaica e cheia de referências ao Antigo Testamento, termina com a ordem de Cristo em avançar com o evangelho às nações (πᾶσαι αἱ φυλαὶ τῆς γῆς, “todas as famílias da terra”) como cumprimento da promessa maior feita a Abraão em Gênesis 12:3. APLICAÇÃO

O tempo derradeiro mencionado (“fim dos tempos”) está relacionado ao fim da presente era, com o advento do Filho do Homem manifestando-se para julgar vivos e mortos. Está implícita nessa promessa a garantia da recompensa nos últimos dias àqueles que se mantiverem fiéis ao chamado do mestre. A menção a todas as famílias da terra aponta para a inclusão posterior dos gentios no “povo de Deus” e na necessidade do cumprimento da missão aos gentios iniciada em Abraão.

52 TODOS

PECARAM

ROMANOS 3:23

πάντες γὰρ ἥμαρτον καὶ ὑστεροῦνται τῆς δόξης τοῦ θεοῦ pantes gar hēmarton kai hysterountai tēs doxēs tou theou VOCABULÁRIO

ἁμαρτάνω (hamartanō, 43x): pecar (verbo) ὑστερέω (hystereō, 16x): estar separado, destituído, ter falta (verbo) GRAMÁTICA

O versículo apresenta dois verbos em tempos distintos. O primeiro verbo, ἥμαρτον, está no aoristo, e o segundo, ὑστεροῦνται, está no tempo presente. Essa variação indica que uma ação é decorrente da outra, ou seja, o ato de pecar tem por consequência imediata a separação da glória de Deus. TRADUÇÃO “Pois todas as pessoas pecaram e estão separadas da glória de Deus” “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (ARA) “Pois todos pecaram e não alcançam o padrão da glória de Deus” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Dento do argumento de Paulo estabelecido nos primeiros capítulos de Romanos, ninguém, sejam judeus, gentios, pessoas que têm a Lei em alta estima ou aqueles que não a têm, todos são nivelados pelo pecado que teve início na Queda conforme relatada em Gênesis 3. APLICAÇÃO

O pecado impede a todos de ter um relacionamento com um Deus santo e nos faz separados da glória e do esplendor da grandeza de Deus. Entretanto, essa

situação é revertida pela graça salvadora que se manifestou em Cristo em favor dos seres humanos (cf. Romanos 3:24-26).

53 TRÊS

VIRTUDES CARDEAIS 1CORÍNTIOS 13:13

νυνὶ δὲ μένει πίστις, ἐλπίς, ἀγάπη, τὰ τρία ταῦτα· μείζων δὲ τούτων ἡ ἀγάπη. nyni de menei pistis, elpis, agapē, ta tria tauta; meizōn de toutōn hē agapē. VOCABULÁRIO

μένω (menō, 118x): permanecer (verbo) ἡ ἀγάπη (hē agapē, 116x): [o] amor (substantivo) ἡ ἐλπίς (hē elpis, 53x): [a] esperança (substantivo) τρεῖς (treis, 86x): três (numeral cardinal) μέγας (megas, 243x): grande (adjetivo) GRAMÁTICA

O uso do verbo μένει na terceira pessoa do singular junto com as três virtudes πίστις, ἐλπίς, ἀγάπη indica que, no contexto, devem ser vistos como uma unidade de sentido único. Entretanto, quando comparadas umas a outras (observe o adjetivo comparativo μείζων), elas são novamente analisadas em sua variedade (τὰ τρία ταῦτα). Observe que a segunda conjunção δέ expressa um sentido adversativo de contraposição das ideias que vêm antes com as que vêm depois dela. TRADUÇÃO “Pois agora permanece fé-esperança-amor. O maior dos três, porém, é o amor” “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor” (ARA) “Três coisas, na verdade, permanecerão: a fé, a esperança e o amor, e a maior delas é o amor” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O advérbio temporal νυνί (agora), refere-se ao presente tempo da nossa existência na terra. Durante a vida ordinária do discípulo de Jesus, as três virtudes cardeais devem permanecer de forma unida e coesa: a fé, a esperança e o amor. Entretanto, quando Paulo as compara entre si, elenca o amor como a maior delas. O uso de νυνί pode fornecer uma explicação para isso: durante a sua vida no mundo, as três virtudes convivem de forma harmônica no sentido de formar o caráter de Cristo no crente. Entretanto, o amor é o maior porque, dentre os três, é o único que será experimentado em sua plenitude no mundo por vir. APLICAÇÃO

De acordo com a observação exegética que vimos acima, tanto a fé como a esperança são virtudes relacionados à expectativa bíblica do porvir que são exercidas no tempo presente, agora (νυνί). O exercício do amor é algo que nunca deixará de existir. A conclusão de exaltar o amor é a que pode ser inferida de todo o arrazoado que Paulo faz acerca do verdadeiro amor em 1Coríntos 13, conhecido também como a carta do amor.

54 COISAS

DO ALTO

COLOSSENSES 3:2

τὰ ἄνω φρονεῖτε, μὴ τὰ ἐπὶ τῆς γῆς. ta anō phroneite, mē ta epi tēs gēs. VOCABULÁRIO

ἄνω (anō, 9x): sobre, acima (advérbio) φρονέω (phroneō, 26x): pensar, lembrar (verbo) GRAMÁTICA

Temos na expressão τὰ ἄνω um fenômeno interessante: o artigo faz com que o advérbio espacial exerça a função de um substantivo: “aquilo que é do alto”. Essa função substantiva do artigo é muito comum, principalmente quando ele é associado a adjetivos e particípios verbais. Nesse sentido, τὰ ἄνω (acusativo) é o objeto direto do verbo φρονεῖτε (imperativo) que, na segunda oração, está implícito. TRADUÇÃO “Pensem nas coisas do alto e não nas coisas sobre a terra” “Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra” (ARA) “Pensem nas coisas do alto, e não nas coisas da terra” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Aquilo que Paulo chama “coisas do alto” está diretamente associado à supremacia celestial de Cristo (cf. v. 1). Observe que, no versículo anterior, Paulo urge seus leitores a procurarem (ζητεῖτε) pelas coisas do alto. No versículo 2, o verbo é trocado para φρονεῖτε. Em nada esse tipo de pensamento se assemelha à concepção helênica, particularmente platônica, onde a realidade material é considerada algo a ser repudiado em favor da realidade das ideias.

APLICAÇÃO

A ênfase do texto em questão é salientar a realidade de que a forma e o conteúdo dos nossos pensamentos determinam como alguém deve viver: ou como aquele que busca e se concentra nas coisas pertinentes a Cristo e sua supremacia, ou naquelas que fazem parte da dimensão natural, carnal e física. O ponto que Paulo defende é que a realidade celestial de Cristo é tão certa e palpável que o discípulo de Cristo deve buscá-la e basear nela toda sua forma de pensar e raciocinar.

55 VEM, SENHOR! APOCALIPSE 22:20

Λέγει ὁ μαρτυρῶν ταῦτα, Ναί, ἔρχομαι ταχύ. Ἀμήν, ἔρχου κύριε Ἰησοῦ. Legei ho martyrōn tauta, Nai, erchomai tachy. Amēn, erchou kyrie Iēsou. VOCABULÁRIO

μαρτυρέω (martyreō, 76x): testemunhar (verbo) ναί (nai, 33x): sim, certamente (partícula afirmativa) GRAMÁTICA

A partícula afirmativa ναί tem dois usos básicos. O primeiro está relacionado à afirmação positiva, e pode ser traduzido simplesmente como “sim” em português. Entretanto, quando junto de um verbo, a partícula enfatiza a ação expressa por esse verbo. Nesse sentido, na frase Ναί, ἔρχομαι ταχύ temos duas formas de enfatizar a ação de “vir”: o uso do ναί e o uso do advérbio temporal: “certamente, venho rapidamente”. TRADUÇÃO “Aquele que dá testemunho destas coisas diz: Certamente, venho sem demora. Amém! Vem, Senhor Jesus!” (ARA) “Aquele que é testemunha fiel de todas essas coisas diz: ‘Sim, venho em breve!‘. Amém! Vem, Senhor Jesus!” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Aquele que é chamado por João ὁ μαρτυρῶν certamente é o próprio Senhor Jesus (cf. 1:5; 3:14). Ele expressamente afirma que sua vinda certamente será em breve. É interessante notar que, por um lado, Cristo afirma à igreja seu retorno com a partícula ναί. A igreja, por sua vez, responde a essa afirmação

com um ἀμήν litúrgico (cujo uso é sinônimo ao ναί grego). A promessa solene de Cristo é crida pelo seu povo com a mesma certeza daquele que fez a promessa. A declaração final da igreja ἔρχου é um presente futurístico, ou seja, a afirmação da convicção do fato futuro (escatológico) como ocorrendo no presente momento. A expressão ἔρχου κύριε Ἰησοῦ assemelha-se à expressão aramaica transliterada por Paulo em 1Coríntios 16:22, Μαράνα θά (Marana tha, ‫)מרן אתא‬. Essa é a expressão que condensa toda a esperança da igreja em todos os tempos: encontrar-se fisicamente com seu Senhor. APLICAÇÃO

O texto apresentado se assemelha a uma doxologia final que aponta para a esperança futura da igreja. As partículas afirmativas (ναί e ἀμήν) pretendem reforçar essa expectativa e esperança da igreja quanto à redenção e consumação de todas as coisas por meio de Cristo. A verdadeira esperança da igreja está na promessa de Jesus, ou seja, nosso Amém é derivado do Sim de Jesus.

56 CAMINHO,

VERDADE E VIDA JOÃO 14:6

λέγει αὐτῷ [ὁ] Ἰησοῦς, Ἐγώ εἰμι ἡ ὁδὸς καὶ ἡ ἀλήθεια καὶ ἡ ζωή· οὐδεὶς ἔρχεται πρὸς τὸν πατέρα εἰ μὴ δι’ ἐμοῦ. legei autō [ho] Iēsous, Egō eimi hē hodos kai hē alētheia kai hē zōē; oudeis erchetai pros ton patera ei mē di’ emou. VOCABULÁRIO

ἡ ὁδός (hē hodos, 101x): [o] caminho (substantivo) ἡ ἀλήθεια (hē alētheia, 109x): [a] verdade (substantivo) ἡ ζωή (hē zōē, 135x): [a] vida (substantivo) οὐδείς (oudeis, 227x): ninguém (adjetivo) ἔρχομαι (erchomai, 632x): ir, vir (verbo) GRAMÁTICA

O versículo traz um ordenamento das palavras simples: Sujeito, verbo, predicado do sujeito. Nesse sentido, a utilização da expressão ἐγώ εἰμι governa os três predicados nominativos: caminho, verdade e vida. Observe que a utilização do pronome pessoal é dispensável na língua grega, a menos que se queira dar alguma ênfase. TRADUÇÃO “Disse-lhe Jesus: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém vem ao Pai se não for por mim’” “Respondeu-lhe Jesus: ‘Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim’” (ARA) “Jesus disse: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém pode vir ao Pai senão por mim’” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Embora Jesus se defina por meio da utilização de três termos, a saber, caminho, verdade e vida, claramente o primeiro deles, ἡ ὁδὸς, recebe a devida ênfase. Diante da negativa dos discípulos à afirmação de Jesus “ὅπου [ἐγὼ] ὑπάγω οἴδατε τὴν ὁδόν” (“vocês sabem o caminho para onde eu vou”), Jesus explica que ele mesmo é o caminho que seus discípulos devem trilhar para ir ao Pai. Por fim, o adjetivo indefinido οὐδείς reforça a ideia de que o ato de “ir ao Pai”, com uma conotação salvífica, depende tão somente da mediação de Jesus. APLICAÇÃO

Quando Jesus fala que ele é o caminho até o Pai, estão implícitas as ideias que: 1) o próprio Jesus conduz os seus discípulos para junto Dele; 2) Jesus estabelece o meio pelo qual temos acesso ao Pai; e, por fim 3) Jesus se coloca como detentor do monopólio para o acesso a Deus: “Ninguém pode vir ao Pai senão por mim”.

57 CONHECEREIS

A VERDADE

JOÃO 8:32

καὶ γνώσεσθε τὴν ἀλήθειαν, καὶ ἡ ἀλήθεια ἐλευθερώσει ὑμᾶς. kai gnōsesthe tēn alētheian, kai hē alētheia eleutherōsei hymas. VOCABULÁRIO

γινώσκω (ginōskō, 222x): conhecer, reconhecer (verbo) ἐλευθερόω (eleutheroō, 7x): libertar (verbo) GRAMÁTICA

A declaração de Jesus é formada por duas orações nas quais cada verbo tem seu respectivo objeto direto. O primeiro verbo, γνώσεσθε (futuro médio), tem a frase acusativa τὴν ἀλήθειαν como seu objeto direto. Já o segundo verbo, ἐλευθερώσει (futuro ativo), tem o pronome ὑμᾶς como um tipo de objeto, que pode ser classificado como oblíquo. De qualquer forma, vale lembrar que uma das principais funções sintáticas do acusativo é ser o objeto direto de um verbo. TRADUÇÃO “E conhecereis a verdade, e a verdade libertará vocês” “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (ARA) “Então conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A questão principal desse texto é definirmos o que é a “verdade”. Conceito recorrente dentro dos escritos clássicos, o termo ἀλήθεια não é definido filosoficamente, como a busca de informações ou de conceitos sublimes ou isentos de erro. Também não pode ser aplicado a qualquer fato verdadeiro que consideremos como tal. A “verdade” a qual Jesus se refere está relacionada ao que ele diz no versículo anterior: “Se vós permanecerdes na

minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos” (João 8:31). Ou seja, τῷ λόγῳ τῷ ἐμῷ (“na minha palavra”) é a verdade. Em João, a palavra ἀλήθεια ganha uma semântica claramente cristológica e cristocêntrica. APLICAÇÃO

A verdade a qual Jesus se refere é tão somente sua palavra (a mesma que ele disse aos discípulos que deveriam ensinar aos novos discípulos, cf. Mateus 28:20) e é nela que devemos permanecer, ou seja, depositar a totalidade da nossa vida. Nesse sentido, a verdade de Cristo sempre é singular, ou seja, algo que sendo exclusivo a ele não pode nem proceder e nem pertencer a ninguém. A verdade referida por Cristo não é apenas o oposto lógico do falso, ou uma simples proposição racional. A verdade é o padrão de retidão estabelecido por Deus decorrente de sua natureza verdadeira e absoluta. Portanto, a verdade que liberta é apenas e tão somente Jesus e sua palavra, e nada mais.

58 TUDO

PARA O

SENHOR

COLOSSENSES 3:23

ὃ ἐὰν ποιῆτε, ἐκ ψυχῆς ἐργάζεσθε ὡς τῷ κυρίῳ καὶ οὐκ ἀνθρώποις, ho ean poiēte, ek psychēs ergazesthe hōs tō kyriō kai ouk anthrōpois, VOCABULÁRIO

ποιέω (poieō, 568x): fazer (verbo) ἐργάζομαι (ergazomai, 41x): trabalhar (verbo) GRAMÁTICA

A expressão ὃ ἐὰν (pronome relativo ὅς + partícula ἐάν) — igual em sentido à expressão κατὰ πάντα do versículo anterior — indica, na maioria de suas ocorrências, que o verbo estará no modo subjuntivo (ποιῆτε). Nesse caso pode ser traduzido como “tudo que” ou simplesmente como “tudo”. TRADUÇÃO “Que tudo o que vocês fizerem, seja feito de coração como se fosse para o Senhor e não para os homens” “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens” (ARA) “Em tudo que fizerem, trabalhem de bom ânimo, como se fosse para o Senhor, e não para os homens” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Direcionado à comunidade na cidade de Colossos, Paulo exorta-os a fazerem tudo, ou seja, todos os afazeres normais da vida, o que inclui principalmente as relações de trabalho, de “alma”, ou seja, de coração. O apóstolo certamente estava se dirigindo também aos que eram escravos e mesmo nessa situação

haviam recebido o evangelho. É estabelecido um contraste entre κύριος, o Senhor Jesus, e os ἀνθρώποις, ou seja, os senhores deste mundo, os patrões. APLICAÇÃO

A exortação de Paulo tem como objetivo lidar com a transformação da atitude dos indivíduos de modo que eles percebessem que o que fazem no cotidiano é, em última análise, um serviço dedicado ao Senhor. O contraste entre Jesus como Senhor e os senhores deste mundo visa provocar nos crentes uma atitude mais dedicada no trabalho e ajudá-los a entender que não devem ser negligentes nos seus trabalhos, como se fossem realizados apenas para homens.

59 SALVAÇÃO

SÓ EM

JESUS

ATOS 4:12

καὶ οὐκ ἔστιν ἐν ἄλλῳ οὐδενὶ ἡ σωτηρία, οὐδὲ γὰρ ὄνομά ἐστιν ἕτερον ὑπὸ τὸν οὐρανὸν τὸ δεδομένον ἐν ἀνθρώποις ἐν ᾧ δεῖ σωθῆναι ἡμᾶς. kai ouk estin en allō oudeni hē sōtēria5, oude gar onoma estin heteron hypo ton ouranon to dedomenon en anthrōpois en ōh dei sōthēnai hēmas. VOCABULÁRIO

ἡ σωτηρία (hē sōtēria, 101x): [a] salvação (substantivo) ἄλλος (allos, 155x): outro (adjetivo) δεῖ (dei, 101x): “ser necessário” (verbo; indicativo potencial, de δέω) GRAMÁTICA

O verbo δεῖ (indicativo) é classificado gramaticalmente como um indicativo potencial, uma vez que, junto com um verbo no infinitivo (σωθῆναι) expressa uma ideia de obrigação ou desejo. Assim, a expressão δεῖ σωθῆναι ἡμᾶς pode ser traduzida como “devamos ser salvos”. TRADUÇÃO “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (ARA) “Não há salvação em nenhum outro! Não há nenhum outro nome debaixo do céu, em toda a humanidade, por meio do qual devamos ser salvos” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O uso do adjetivo οὐδείς e do advérbio de negação οὐδέ evocando as dimensões humanas e cósmicas reforça a ideia da exclusividade da pessoa de Jesus, em cujo nome aqueles que creem são salvos. É interessante notar

também que a palavra σωτηρία é comumente utilizada por Lucas não apenas em Atos (6x), mas também em seu evangelho (4x). Dentre as ocorrências em Lucas, 3 ocorrem no cântico de Zacarias (Benedictus, Lucas 1:68-79) com referência à obra do messias de salvar e libertar o seu povo do julgo dos seus inimigos e perdão dos seus pecados. APLICAÇÃO

Pedro testifica diante das autoridades judaicas, ou seja, do Sinédrio, que Jesus Cristo, a quem eles mesmos haviam levado para ser crucificado, ressuscitara e seu nome, ou seja, sua pessoa, obtivera autoridade para salvar. O vocabulário de salvação, associado ao Messias esperado, é aplicado a Jesus para lembrar o povo judeu de que em Jesus se cumpriram as profecias messiânicas.

60 A

FÉ VEM PELO OUVIR ROMANOS 10:17

ἄρα ἡ πίστις ἐξ ἀκοῆς, ἡ δὲ ἀκοὴ διὰ ῥήματος Χριστοῦ. ara hē pistis ex akoēs, hē de akoē dia rhēmatos Christou. VOCABULÁRIO

ἡ ἀκοή (hē akoē, 24x): [o] ouvir (substantivo) τό ῥῆμα (to rhēma, 68x): [a] palavra (substantivo) GRAMÁTICA

A partícula ἄρα denota, primeiramente, a transição de uma ideia para outra por sequência natural; e, em segundo lugar, expressa inferência lógica. Observe que a expressão ἡ πίστις ἐξ ἀκοῆς dispensa a necessidade do verbo, uma vez que a locução prepositiva ἐξ ἀκοῆς (genitivo) já expressa por si uma ideia de procedência. Da mesma forma, a locução prepositiva διὰ ῥήματος (genitivo) expressa ideia de agência. TRADUÇÃO “Então, a fé vem do ouvir, e do ouvir da palavra de Cristo” “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (ARA) “Portanto, a fé vem por ouvir, isto é, por ouvir as boas-novas a respeito de Cristo” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O contexto do capítulo 10 de Romanos está relacionado com a incredulidade dos judeus diante da realidade de Cristo e da angústia de Paulo em relação à salvação dos seus patrícios. Essa incredulidade concernente a Cristo é diretamente relacionada à obstinação do coração dos judeus que, embora tenham a Lei revelada por Deus a eles, não entenderam que o fim (τέλος), ou seja, que o cumprimento da lei é Cristo. Paulo afirma o caráter incompleto da Lei de Moisés, que produz uma fé incompleta. Somente por meio da audição,

ou seja, a obediência à palavra de Cristo, é que temos a fé que conduz à salvação APLICAÇÃO

Podemos exercer o “ouvir” de várias maneiras, todas elas relacionadas à palavra de Deus: desde a nossa leitura devocional detida e constante, até nossa participação nos cultos e na audição atenta da proclamação do evangelho: tudo isso é ouvir. Entretanto, o ouvir não é, dentro da concepção bíblica, um mero reflexo fisiológico passivo: inclui a disposição ativa em ouvir e obedecer. O poder da palavra de Cristo que gera fé nos seus ouvintes está, portanto, relacionado ao poder do próprio Cristo que opera por meio do Espírito Santo, para que os ouvintes sejam convencidos da veracidade da Palavra pregada e transformados por ela.

61 AMOR

MAIOR

JOÃO 15:13

μείζονα ταύτης ἀγάπην οὐδεὶς ἔχει, ἵνα τις τὴν ψυχὴν αὐτοῦ θῇ ὑπὲρ τῶν φίλων αὐτοῦ. meizona tautēs agapēn oudeis echei, hina tis tēn psychēn autou thē hyper tōn philōn autou. VOCABULÁRIO

μέγας (megas, 24x): grande (adjetivo) ὁ φίλος (ho philos, 24x): [o] amigo (substantivo) GRAMÁTICA

O adjetivo μείζονα está na sua forma comparativa e exerce a função de objeto direto do verbo principal ἔχει. O maior é comparável, nesse caso, àquele que dá a sua vida em favor de seu amigo. Observe que a locução prepositiva ὑπὲρ τῶν φίλων expressa ideia de benefício, ou seja, em favor dos amigos. TRADUÇÃO “Ninguém tem um amor maior do que este: de alguém dar a sua vida em favor dos seus amigos” “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (ARA) “Não existe amor maior do que dar a vida por seus amigos” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O amor maior é comparável a alguém que dá a sua vida em favor dos seus amigos. Essa ideia de um amor (i.e., uma paixão) que faz com que se ofereça para a morte está presente em alguns filósofos gregos como Platão: “apenas aqueles que estão apaixonados (οἱ ἐρῶντες) desejam morrer por outros” (Sym., 179b). A linguagem comparativa do amor está ligada diretamente ao

grande mandamento dado por Jesus no versículo anterior: αὕτη ἐστὶν ἡ ἐντολὴ ἡ ἐμή, ἵνα ἀγαπᾶτε ἀλλήλους καθὼς ἠγάπησα ὑμᾶς. APLICAÇÃO

Jesus nos apresenta o amor perfeito, superior. Esse amor de Cristo é um amor sacrificial, uma vez que ele mesmo dá a vida em favor dos seus discípulos para remi-los. Ao mesmo tempo, esse é o mesmo padrão de amor que Jesus requer daqueles que o seguem. O mandamento de Cristo é um mandamento de amor sempre direcionado ao outro (altruísta). A linguagem da amizade é utilizada como o ambiente onde esse amor de Cristo para com os seus é demonstrado.

62 NOVA

CRIAÇÃO

2CORÍNTIOS 5:17

ὥστε εἴ τις ἐν Χριστῷ, καινὴ κτίσις· τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν, ἰδοὺ γέγονεν καινά. hōste ei tis en Christō, kainē ktisis; ta archaia parēlthen, idou gegonen kaina. VOCABULÁRIO

καινή (kainē, 41x): nova (adjetivo) κτίσις, ἡ (hē ktisis, 19x): [a] criação (substantivo) ἀρχαῖος (archaios, 11x): antigo (adjetivo) παρέρχομαι (parerchomai, 29x): passar (verbo) GRAMÁTICA

A conjunção subordinativa εἴ introduz uma estrutura condicional em que o trecho εἴ τις ἐν Χριστῷ é a prótase (ou seja, a condição) e o trecho καινὴ κτίσις é a apódose (a consequência da condição). Toda essa estrutura é iniciada pela conjunção ὥστε que nos dá uma ideia de conclusão. A segunda parte, τὰ ἀρχαῖα παρῆλθεν, ἰδοὺ γέγονεν καινά, amplifica em sentido o que foi posto na estrutura condicional precedente. TRADUÇÃO “Portanto, se alguém está em Cristo, é uma nova criação. Aquilo que é antigo passou: eis-que tudo se tornou novo!” “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (ARA) “Logo, todo aquele que está em Cristo se tornou nova criação. A velha vida acabou, e uma nova vida teve início!” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

A expressão ἐν Χριστῷ é frequentemente evocada pelo apóstolo Paulo para transmitir a ideia da comunhão que Cristo tem com os seus. Particularmente, estar “em Cristo” nesse contexto está relacionado à participação na morte e ressurreição de Cristo (2Coríntios 5:14-16). Então, apenas aqueles que morreram e ressuscitaram com Cristo, e assim vivem no presente momento nele, podem ser considerados um novo ato de criação de Deus. O uso da palavra κτίσις nos remete para o ato criativo de Deus em Gênesis, que em Cristo é refeito, de modo que as coisas antigas (τὰ ἀρχαῖα), ou seja, tudo aquilo que pertencia ao ser humano antes de estar em Cristo, passaram. APLICAÇÃO

A novidade de vida que vivemos no presente em Cristo é a antecipação da novidade de vida plena que viveremos quando efetivamente a Nova Criação acontecer, quando Cristo restaurar todas as coisas. Se é uma antecipação, os discípulos de Jesus são convidados a viver a presente vida já com a perspectiva da redenção final. E isso é colocado em prática de uma forma simples, no argumento de Paulo: esqueçam da vida antes de Cristo e vivam a partir de agora segundo sua Palavra e Vontade. Assim, o crente pode viver no hoje a antecipação do que acontecerá em plenitude no bendito mundo por vir.

63 ESTOU

CRUCIFICADO COM

CRISTO

GÁLATAS 2:19

ἐγὼ γὰρ διὰ νόμου νόμῳ ἀπέθανον, ἵνα θεῷ ζήσω. Χριστῷ συνεσταύρωμαι· egō gar dia nomou nomō apethanon, hina theō zēsō. Christō synestaurōmai; VOCABULÁRIO

ὁ νόμος (ho nomos, 194x): [a] lei, [a] Torá (substantivo) ἀποθνῄσκω (apothnēskō, 111x): morrer (verbo) συσταυρόω (systauroō, 5x): ser crucificado com outro (verbo) GRAMÁTICA

Em muitos casos dentro do Novo Testamento os autores bíblicos fazem um jogo de palavras para expressar melhor suas ideias. No caso, o ordenamento das palavras no segmento de frase διὰ νόμου νόμῳ ἀπέθανον produz uma repartição da palavra νόμος cujas funções sintáticas são diferentes. A locução prepositiva διὰ νόμου é um genitivo de agência e o dativo νόμῳ é o objeto indireto (dativo de relação) do verbo ἀπέθανον: “eu morri por meio da lei e para a lei”. Ademais, observe o uso enfático do pronome pessoal ἐγώ. TRADUÇÃO “Porque eu mesmo por meio da lei, morri para a lei a fim viver para Deus. Foi crucificado com Cristo” “Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo” (ARA) “Pois, quando procurei viver por meio da lei, ela me condenou. Portanto, morri para a lei a fim de viver para Deus” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O contexto de Gálatas 2 está relacionado à tensão entre o evangelho pregado por Paulo, um evangelho que comunicou que a justificação é pela fé, e o falso evangelho resumido na ênfase na necessidade de guardar e cumprir a Lei de Moisés para ser um cristão verdadeiro. A morte de Paulo para a antiga ordem é expressa de forma forte na imagem do próprio apóstolo crucificado junto com Cristo (Χριστῷ συνεσταύρωμαι). APLICAÇÃO

Como conclusão de seu argumento, Paulo traz à tona o próprio exemplo, como aquele que antes foi zeloso em relação à Lei, mas que agora encontrava-se em outra posição: ele havia morrido por meio da Lei e para a Lei. Entretanto, essa morte não estava baseada nos eventuais méritos de Paulo, mas unicamente na sua participação no evento Cristo, ou seja, na sua morte e crucificação. Nesse sentido, para vivermos a vida de Cristo, devemos participar antes da sua morte, que é morrer para a Lei. Viver, portanto, a vida de Cristo é viver para Deus.

64 DOM

DE

DEUS

EFÉSIOS 2:8

τῇ γὰρ χάριτί ἐστε σεσῳσμένοι διὰ πίστεως· καὶ τοῦτο οὐκ ἐξ ὑμῶν, θεοῦ τὸ δῶρον· tē gar chariti este sesōsmenoi dia pisteōs; kai touto ouk ex hymōn, theou to dōron; VOCABULÁRIO

ἡ χάρις (hē charis, 155x): [a] graça (substantivo) σῴζω (sōzō, 106x): salvar (verbo) τό δῶρον (to dōron, 19x): [o] dom, [o] presente (substantivo) GRAMÁTICA

A primeira parte do versículo nos apresenta uma construção gramatical importante. A locução verbal ἐστε σεσῳσμένοι (presente de εἰμί + perfeito passivo de σῴζω) expressa tanto o ato de Deus em salvar aquele que crê como também a posição, o status de salvo do crente. O uso da locução prepositiva τῇ … χάριτί (dativo instrumental) também enfatiza a ideia de que a fé é o meio para essa salvação, que é um dom divino (θεοῦ τὸ δῶρον) e não algo que advenha de qualquer esforço ou mérito humano (ἐξ ὑμῶν, genitivo ablativo). Observe que o pronome demonstrativo τοῦτο se refere a toda a frase anterior, ou seja, a salvação como dom de Deus. TRADUÇÃO “Pois vocês são salvos pela graça por meio da fé: isto não vem de vocês, [mas] é dom de Deus” “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (ARA) “Vocês são salvos pela graça, por meio da fé. Isso não vem de vocês; é uma dádiva de Deus” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O versículo 8, de forma conclusiva (observe o uso da conjunção pospositiva γάρ), diz que a salvação é decorrente, em primeiro lugar, do favor de Deus, ou seja, da sua graça. Essa graça acompanha a manifestação da misericórdia divina (Efésios 2:4) em salvar aqueles que estavam mortos em pecados por meio da morte e da ressurreição de Jesus. É pela fé que não somente essa posição é alcançada, mas também a participação dos benefícios de estar em Cristo pode ser vivida em sua plenitude (Efésios 2:6). APLICAÇÃO

A graça se manifesta na concessão da salvação aos que pelos seus méritos jamais poderiam ser justificados por Deus. E a esses a quem a graça é dirigida, a fé funciona como um instrumento para que a obra redentora de Cristo na cruz seja creditada neles. Assim, a graça de Deus é o fundamento da salvação e a fé é o meio pelo qual ela se torna efetiva na vida daqueles que são chamados segundo o propósito divino.

65 JUSTIFICADOS ROMANOS 5:1

Δικαιωθέντες οὖν ἐκ πίστεως εἰρήνην ἔχομεν πρὸς τὸν θεὸν διὰ τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ Dikaiōthentes oun ek pisteōs eirēnēn echomen [ 16 ] pros ton theon dia tou kyriou hēmōn Iēsou Christou VOCABULÁRIO

δικαιόω (dikaioō, 39x): justificar (verbo) ἡ εἰρήνη (hē eirēnē, 92x): [o] dom, [o] presente (substantivo) GRAMÁTICA

O aoristo particípio causal δικαιωθέντες antecede o verbo principal no presente do indicativo ἔχομεν como um particípio adverbial causal, ou seja, o ato de justificação, ato esse expresso de forma passiva, ou seja, um passivo divino, resulta a ação expressa por ἔχομεν de termos paz com Deus. Observe que, nesse sentido, a agência de Cristo é o meio para que a paz com Deus seja atingida (διὰ τοῦ κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ, genitivos de agência). TRADUÇÃO “Pois uma vez que fomos justificados pela fé, temos paz com Deus por meio do nosso Senhor Jesus Cristo” “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (ARA) “Portanto, uma vez que pela fé fomos declarados justos, temos paz com Deus por causa daquilo que Jesus Cristo, nosso Senhor, fez por nós” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O uso da conjunção γάρ expressa a conexão entre esse versículo e o anterior e relaciona a bondade de Deus com a graça de sua salvação a nós aplicada. É

interessante notar o uso da locução prepositiva διὰ πίστεως em comparação com o uso mais comum de Paulo da expressão sinônima ἐκ πίστεως. Em ambos os casos, a fé é colocada como o meio para receber a graça da salvação. Entretanto, a fé (πίστις) não é apenas uma adesão simples ao evangelho, mas a completa confiança em Deus e na fidelidade de Cristo. APLICAÇÃO

Em termos conclusivos, a salvação é um dom de Deus. Assim, graça e fé são elementos inseparáveis na forma em que a salvação é concedida por Deus. Isso fica evidente em como Paulo expõe a fonte da salvação: “οὐκ ἐξ ὑμῶν, θεοῦ τὸ δῶρον”, ou seja, a salvação é ato gracioso de Deus, que não depende de nenhuma ação do ser humano. O substantivo τὸ δῶρον é usado apenas aqui no corpus paulino. [ 17 ]

66 ALFA

E

ÔMEGA

APOCALIPSE 1:8

Ἐγώ εἰμι τὸ Ἄλφα καὶ τὸ Ὦ, λέγει κύριος ὁ θεός, ὁ ὢν καὶ ὁ ἦν καὶ ὁ ἐρχόμενος, ὁ παντοκράτωρ. Egō eimi to Alpha kai to Ō, [ 18 ] legei kyrios ho theos, ho ōn kai ho ēn kai ho erchomenos, ho pantokratōr. VOCABULÁRIO

Ὦ: referência à letra ômega (ὠμέγα) ὁ παντοκράτωρ (ho pantokratōr, 10x): [o] todo-poderoso, [o] onipotente (substantivo) GRAMÁTICA

A expressão ἐγώ εἰμι, recorrente dentro da literatura joanina, reforça e enfatiza a própria identidade divina de Deus: nesse caso, Ἄλφα καὶ τὸ Ὦ tem a função de predicado divino. É interessante notar que a seguir o verbo εἰμί é apresentado como um particípio substantivado (ὁ ὤν, ou seja, “aquele que é”) e no imperfeito (ἦν, era): essa sequência demonstra a eternidade de Cristo. Esse mesmo Jesus onipotente é aquele que virá (uso participial do verbo ἔρχομαι, lit., “aquele que vem”). TRADUÇÃO “‘Eu sou o alfa e o ômega’, diz o Senhor Deus, ‘aquele que é, era e que virá, o Todo-Poderoso’” “‘Eu sou o Alfa e Ômega’, diz o Senhor Deus, ‘aquele que é, que era e que há de vir, o TodoPoderoso’” (ARA) “‘Eu sou o Alfa e o Ômega’, diz o Senhor Deus. ‘Eu sou aquele que é, que era e que ainda virá, o Todo-poderoso’” (NVT). OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O predicado divino Ἄλφα καὶ τὸ Ὦ ocorre mais duas vezes em Apocalipse, uma em relação a Deus (21:6) e outra em relação a Cristo (22:13). Essa expressão indica a soberania divina sobre todas as coisas, incluindo a ideia de que ele é a causa e o fim de tudo. É interessante notar que a palavra ‫ֱאֶמת‬ (ʾemet) [ 19 ] no hebraico expressa, dentro do simbolismo judaico, a ideia de que Deus é o começo (‫)א‬, o meio (‫)מ‬, e o fim (‫ )ת‬de todas as coisas. APLICAÇÃO

Por meio da apresentação de três predicados, a saber, “alfa e ômega”, “aquele que era, é e virá” e “Todo-Poderoso”, João descreve a grandeza e a majestade de Cristo diante das forças diabólicas que fazem parte, em primeiro lugar, da sua realidade, e também de toda a história da igreja até o retorno glorioso desse Cristo vitorioso e reinante. Em outras palavras, João nos apresenta o Cristo em sua máxima extensão de poder, grandeza e beleza.

67 FIEL

ATÉ AS ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS APOCALIPSE 2:10

γίνου πιστὸς ἄχρι θανάτου, καὶ δώσω σοι τὸν στέφανον τῆς ζωῆς. ginou pistos achri thanatou, kai dōsō soi ton stephanon tēs zōēs. VOCABULÁRIO

γίνομαι (ginomai, 669x): ser, tornar-se (verbo) ὁ στέφανος (ho stephanos, 18x): [a] coroa (substantivo) GRAMÁTICA

A estrutura do versículo indica uma linguagem de mandamento atrelado a uma promessa. Veja que γίνου (imperativo de γίνομαι) antecede o verbo δώσω (δίδωμι no futuro), ou seja, o ato de ser fiel (γίνου πιστὸς) até a morte gera o cumprimento da promessa da concessão da vida eterna expressa pela figura de linguagem da coroa da vida. Observe que o substantivo definido τῆς ζωῆς é um genitivo epexegético (apositivo) em relação ao substantivo definido τὸν στέφανον (que é o objeto direto do verbo δώσω). TRADUÇÃO “Seja fiel até as últimas consequências, e te darei a coroa da vida” “Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (ARA) “Mas, se você permanecer fiel mesmo diante da morte, eu lhe darei a coroa da vida” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

Diante do imperativo de ser fiel, como podemos entender a expressão formada pela preposição impropria ἄχρι junto com o genitivo θανάτου? Em primeiro lugar, por meio da tradução mais natural: “até a morte”, no sentido de considerar a morte física como o preço a ser pago pela fidelidade (veja a tradução da ARA). Outra forma de traduzir é considerar uma extensão mais

subjetiva e geral: ser fiel até as últimas consequências (veja a tradução da NVT). APLICAÇÃO

Dentro do contexto de perseguição que a igreja no mundo mediterrâneo estava vivendo, “até a morte” significa ser fiel a Cristo às custas da própria vida. Embora o preço da fidelidade seja a própria vida do crente, essa morte se contrasta com a recompensa prometida por Jesus ao seu povo: eu lhe darei (um futuro absoluto) a coroa da vida, ou seja, a vida eterna.

68 FILHINHOS 1JOÃO 2:1A

Τεκνία μου, ταῦτα γράφω ὑμῖν ἵνα μὴ ἁμάρτητε. Teknia mou, tauta graphō hymin hina mē hamartēte. VOCABULÁRIO

τὸ τεκνίον (teknion, 106x): [o] filhinho (substantivo no diminutivo) γράφω (graphō, 191x): escrever (verbo) GRAMÁTICA

O apóstolo João é o único que usa o diminutivo τεκνία (vocativo de τεκνίον) para se dirigir a sua audiência. Trata-se de um recurso de proximidade do autor com os leitores, comum também no uso na língua portuguesa. O pronome demonstrativo ταῦτα refere-se ao conteúdo específico da carta em 1:6-10. Observe que temos dois indicativos para o uso do subjuntivo: a conjunção subordinada final ἵνα junto com a partícula negativa μή. TRADUÇÃO “Meus filhinhos, escrevo estas coisas para que vocês não pequem” “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis” (ARA) “Meus filhinhos, escrevo-lhes estas coisas para que vocês não pequem” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O apóstolo João usa o verbo na primeira pessoa (tanto no pronome μοῦ como no verbo γράφω) como forma de expressar uma exortação. No capítulo anterior (1:6-10), João explica sobre o perdão divino e sobre a purificação que temos em Cristo. Entretanto, ao abrir o capítulo 2, o apóstolo deixa claro que o que foi escrito anteriormente foi para que o leitor não pecasse, uma vez que a mensagem de perdão poderia soar como um indulto para uma vida de pecados. Ao mesmo tempo que a oração subordinada final ἵνα μὴ ἁμάρτητε

não aponta para uma vida isenta de pecados, expressa o completo repúdio que o discípulo de Cristo deve ter em relação aos pecados. Essa atitude é ação do Espírito Santo fiado na obra de Cristo na cruz, que está intercedendo pelos seus à destra do Pai. APLICAÇÃO

Não é o que João escreve que sobrenaturalmente produz nos cristãos a capacidade de evitar o pecado, mas é a instrução que proporcionará que os cristãos evitem a prática do pecado. Trata-se de uma advertência e instrução para observação. João assume a possibilidade real de o cristão cometer pecados, mas os adverte e instrui sobre como evitar e sobre como perseguir o cumprimento do mandamento é uma forma de identificar o verdadeiro cristão.

69 TEMOS

ADVOGADO

1JOÃO 2:1B

καὶ ἐάν τις ἁμάρτῃ, παράκλητον ἔχομεν πρὸς τὸν πατέρα Ἰησοῦν Χριστὸν δίκαιον· kai ean tis hamartē, paraklēton echomen pros ton patera Iēsoun Christon dikaion; VOCABULÁRIO

ὁ παράκλητος (paraklētos, 5x): [o] advogado, [o] conselheiro (substantivo) τις (tis, 555x): alguém (pronome indefinido). GRAMÁTICA

A conjunção καί é melhor traduzida em seu sentido adversativo, uma vez que o trecho anterior expressa uma ideia diferente. A conjunção subordinativa ἐάν tem o uso igual ao εἰ expressando uma ideia de possibilidade ou hipótese, e é seguida por verbo no subjuntivo (ἁμάρτῃ). Observe também que o adjetivo δίκαιον exerce função de acusativo apositivo em relação ao nome Ἰησοῦν Χριστὸν que, por sua vez, é o acusativo apositivo do substantivo παράκλητον (acusativo). TRADUÇÃO “Mas, se alguém pecar, temos um advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o justo” “Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (ARA) “Se, contudo, alguém pecar, temos um advogado que defende nossa causa diante do Pai: Jesus Cristo, aquele que é justo” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O uso da expressão ἵνα μὴ ἁμάρτητε não indica uma ausência plena do pecado na vida do crente na terra. O substantivo παράκλητος é

exclusivamente joanino e aparece apenas aqui e no evangelho (14:16,26; 15:26; 16:7). Embora haja várias traduções possíveis, pelo contexto o termo “advogado” ou “intercessor” é mais adequado, confirmado pela expressão de associação ao Pai (πρὸς τὸν πατέρα). APLICAÇÃO

João abre a possibilidade de que na vida do cristão ainda existam atos pecaminosos. Entretanto, essa possibilidade também tem uma solução em Cristo baseada na fé de que Ele é, em primeiro lugar, o nosso advogado. Ou seja, a imagem do texto é que Jesus está junto a Deus exercendo o seu papel propiciatório em favor dos crentes, ou seja, por aqueles que, mesmo tendo um repúdio pelo pecado, caem eventualmente em atos pecaminosos por causa da sua natureza ainda não plenamente redimida.

70 NOSSA

PROPICIAÇÃO 1JOÃO 2:2

καὶ αὐτὸς ἱλασμός ἐστιν περὶ τῶν ἁμαρτιῶν ἡμῶν, οὐ περὶ τῶν ἡμετέρων δὲ μόνον ἀλλὰ καὶ περὶ ὅλου τοῦ κόσμου. kai autos hilasmos estin peri tōn hamartiōn hēmōn, ou peri tōn hēmeterōn de monon alla kai peri holou tou kosmou. VOCABULÁRIO

ὁ ἱλασμός (hilasmos, 2x): [a] propiciação, [a] expiação (substantivo) ἡ ἁμαρτία (hē hamartia, 173x): [o] pecado (substantivo) μόνος (monos, 44x): apenas, somente (advérbio) ὅλος (holos, 109x): todo, tudo, inteiro (advérbio) GRAMÁTICA

O pronome αὐτός é usado de forma enfática: Ele mesmo. O substantivo ἱλασμός está associado à locução prepositiva περὶ τῶν ἁμαρτιῶν (genitivo de associação). Na sequência, a partícula οὐ nega a associação restrita aos “nossos”, ou seja, de João e de seus leitores (comunidade joanina), mas (ἀλλά) ao mundo inteiro. TRADUÇÃO “e ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro” (ARA) “Ele mesmo é o sacrifício para o perdão de nossos pecados, e não apenas de nossos pecados, mas dos pecados de todo o mundo” (NVT) OBSERVAÇÃO EXEGÉTICA

O pronome enfático αὐτός refere-se a Jesus Cristo, o justo (Ἰησοῦν Χριστὸν δίκαιον). João amplia o papel de Jesus no processo de remissão dos pecados

não apenas como aquele que defende a causa do seu povo, mas também como aquele que por meio da sua morte propiciou, expiou e pagou o preço do pecado. A palavra ἱλασμός está diretamente relacionado ao sangue de Jesus, derramado na cruz (1:7b) e remete também à imagem do sangue que na Antiga Aliança era aspergido no dia do Perdão (yom kippur) sobre o propiciatório (hebr., ‫כּפּ ֶֹרת‬ ַ , kapporeṯ; gr., ἱλαστήριον, cf. Hebreus 9:5 e Levítico 16:14). O uso do substantivo mundo (κόσμος) é corretamente entendido na suficiência que há no sangue de Jesus em cobrir os pecados de todos os seres humanos. Entretanto, o mesmo sangue é eficaz apenas para aqueles que creem nele para perdão de pecados e expiação. APLICAÇÃO

Primeiro, João consola a igreja com relação ao tamanho da obra da expiação: “dos pecados de todo o mundo”. Não há limites para o sangue de Cristo, ele é poderoso para todos os pecados existentes em todo o mundo ainda que o nosso pecado seja maior do que achemos que ele possa perdoar. Segundo, João lembra que Jesus é a “propiciação” pelos nossos pecados como se estivesse lembrando aos crentes que “nenhum sacrifício adicional era necessário”. Por último, a ideia hebraica por trás do termo remete também à reconciliação com Deus operada por meio da morte de Jesus Cristo.

POSFÁCIO UM PLANO PARA O ESTUDO DIÁRIO DO GREGO BÍBLICO

O estudo do grego é para a vida toda. Essa proposição inicial contém dois aspectos. Primeiro, nem mesmo professores de grego ou grandes especialistas da área param de estudar a língua, pois o campo de pesquisa — que inclui manuscritos e a análise de palavras e padrões sintáticos — tem muito material a ser investigado. Em segundo lugar, se estudar grego é para a vida, deve haver enfoque em uma constância diária, nos hábitos que formamos, na integração do estudo da língua em nossa rotina de vida. A pergunta que surge dessas duas implicações da proposição inicial é: “Como integrar de forma constante os estudos do grego no dia a dia?”. Respondê-la é o propósito deste posfácio. Mas, antes de explicar minha proposta aqui, existe outra proposição que é um suplemento à primeira: o estudo do grego serve para conhecer melhor a Deus durante toda a vida. Essa proposição é um suplemento à primeira pois traz à luz o elemento que motiva a integração do grego à vida como um hábito. Quando entendemos que por meio do estudo podemos nos aproximar mais ainda das palavras do nosso Senhor, então teremos, todos os dias, motivos suficientes para estudar um texto da Escritura e prosseguir no conhecimento do nosso Deus. Agora que lançamos o fundamento para o estudo do grego, podemos avançar no objetivo de fazer do estudo do grego um hábito diário, marcado pela consistência de um coração que deseja conhecer mais a Palavra de Deus. Para isso, desejo ensinar de forma geral como tenho prosseguido nesse caminho. Minha proposta se chama micro e macroprocesso de aprendizagem (MMPA). Para entender o que quero dizer com MMPA, pense nesta analogia. Imagine que você foi convidado para participar do seguinte desafio: ser deixado sozinho numa floresta com o objetivo de encontrar a saída. Você sabe que

para isso terá de andar por entre árvores, e a melhor coisa nesse momento será ter um mapa em mãos que lhe dê uma visão geral de toda a floresta. A visão micro, em nossa analogia, é aquela que você tem ao caminhar pela floresta; a macro, por outro lado, é a visão satélite — de águia — do mapa que você tem em mãos. É evidente que com um mapa em mãos tudo fica mais fácil durante a caminhada; em nosso caso, durante o processo de aprendizagem. Essa analogia serve para mostrar como estudantes do grego podem maximizar seus estudos das pequenas porções de um texto. Quando temos as duas perspectivas — e digo isso por experiência como estudante e professor de grego —, temos um aprendizado mais ativo e positivo, tendo em vista que, mesmo que a visão micro seja mais complicada e um guia de estudos seja tão primordial, da perspectiva macro o aluno deve explorar sozinho, criando suas pesquisas e alimentando sua motivação, como veremos adiante. Mas como isso funciona na prática? MICROPROCESSO

Essa etapa do estudo é chamada microprocesso por enfocar o estudo de pequenos trechos do texto, e acontece por meio da memorização de vocabulário, do aprendizado e da revisão da morfologia das palavras e de exercícios de tradução, em que uma análise da relação entre as palavras (sintaxe: sujeito, verbo, objeto direto e indireto etc.) é necessária. Assim, simplificando, o aluno nesse processo abordará os seguintes pontos: aprender e revisar o vocabulário; aprender e revisar os paradigmas; praticar a análise morfológica; fazer exercícios de tradução. Vamos descompactar brevemente cada um desses passos: Vocabulário Existem três formas de memorizar palavras do seu Novo Testamento grego. O primeiro método é a memorização por frequência: aprender e memorizar primeiramente as palavras mais usadas do grego do Novo Testamento

(GNT). [ 20 ] Minha dica aqui é aprender as 330 palavras que ocorrem 50 vezes ou mais no GNT. [ 21 ] Para esse método, o hábito diário será memorizar uma quantidade fixa de palavras por dia ou por semana (p. ex., 15 palavras por semana). O uso de flashcards é bem-vindo, mas uma alternativa é escrever num papel várias vezes as palavras do dia, e sempre no dia seguinte revisar as palavras do dia anterior. A partir desse método, o estudante lançará as bases para ler diretamente sem dicionário ou outro auxiliar; por isso, é um bom método para quem começa do zero. O segundo método consiste em memorizar as palavras por grupos semânticos, usando o Léxico grego-português do Novo Testamento: baseado em domínios semânticos, de Johannes Louw e Eugene Nida (São Paulo: SBB, 2013). Um grupo semântico é um grupo de palavras com relações muito próximas de sentido/significado. [ 22 ] Por exemplo, palavras que designam emoções, ou atividades, ou objetos materiais etc. Esse método tem a vantagem de se aproximar da forma “real” do aprendizado de vocabulário de uma língua nativa. Os falantes nativos de uma língua guardam as palavras na memória por grupos de sentido, não por ordem alfabética. Esse método pode ser utilizado depois que o estudante tiver aprendido as palavras de maior frequência, como explicamos anteriormente. O terceiro método é a memorização de vocabulário por livro, partindo do livro com vocabulário mais fácil e seguindo na escala de complexidade. Uma boa sequência inicial é a seguinte: [ 23 ] LIVROS

NÚMERO DE PALAVRAS

1João

132

2João

37

3João

53

2Tessalonicenses

152

Filemom

80

O processo é simples: o estudante deve estudar apenas um trecho por dia de um livro do NT, no qual aprenderá o vocabulário somente daquele trecho. [ 24 ] Esse é um método que tem um benefício muito importante, que é fazer com

que o aluno tenha o prazer imediato de ler e entender o texto grego, além de fazer com que ele chegue, ao longo do processo, à proficiência de leitura. Esse método pode ser empregado junto com o primeiro ou o segundo, ou ser utilizado sem ser acompanhado pelos outros dois. Paradigmas O processo de aprendizado de paradigmas acontece por meio de aulas ou no estudo das gramáticas, e passa pela exposição a tabelas de verbos, casos, particípios e assim por diante. Diariamente, o aluno deve ser desafiado a memorizar uma porção de padrões morfológicos. Na minha experiência como aluno, o início é o mais complicado e pesaroso, mas, ao longo do processo, aprender a identificar facilmente a forma de uma palavra torna-se muito prazeroso. Análise morfológica Se no aprendizado de paradigmas o estudante deve aprender os padrões de cada termo gramatical, na análise morfológica o enfoque é a classificação cada forma no texto estudado. No paradigma, temos os padrões de formas mais regulares, mas, na prática da análise morfológica, as formas têm variações que a cada estudo vão ficando mais claras e lógicas. Para facilitar o processo, o aprendizado e a revisão podem ser feitos no estudo das porções de análise do livro que o leitor tem em mãos — e também durante a memorização por livro, que explicamos anteriormente, ou por meio de aplicativos. [ 25 ] Assim, enquanto se aprende o vocabulário da parte de um livro, uma análise morfológica das principais formas das palavras pode ser feita. Exercícios de tradução Essa certamente é a parte dos estudos em que há maior frustração entre estudantes de grego. Mas entendo que uma possível razão para isso sejam as expectativas equivocadas na realização desses exercícios. Logo, permita-me primeiro ajustar as expectativas. Primeiro, o aprendizado do grego não tem por alvo principal a tradução, mas a interpretação. Muitos alunos se frustram pelas dificuldades que encontram ao tentar traduzir, e esquecem que esse é um processo que pode ser muito difícil dependendo do livro ou do trecho estudado. Segundo, não pense que

você fará exercícios de tradução com toda a técnica de um tradutor profissional. O nível de tradução que se espera nesses exercícios é o básico, que reflita um razoável entendimento gramatical do texto. Trago três dicas simples para esse tipo de exercício. [ 26 ] Em primeiro lugar, aqueça a mente antes de fazer a tradução, lendo uma parte do Grego diário. Depois, faça o exercício a partir do livro que está sendo usado para memorizar o vocabulário (2João, 3João, 2Tessalonicenses etc.). Por último, no seu estudo individual, comece pelos verbos, fazendo o seguinte tipo de pergunta básica: quem fez o quê a quem? Dessa forma, você encontra os principais elementos: o sujeito e os complementos verbais. O ato de estudo micro deve acontecer de forma diária, escolhendo um desses quatro elementos para enfocar durante o dia. MACROPROCESSO

Essa etapa dos estudos preocupa-se com grandes porções do texto, ou mesmo com um livro inteiro. O foco é na pesquisa quantitativa, num olhar mais amplo dos elementos textuais. Vamos explorar como isso funciona na prática, mas antes ressaltaremos a importância dessa visão macro do texto. Essa abordagem dará uma visão geral de como o autor organizou seu discurso, e assim teremos mais noção do que nos aguarda na análise micro. Essa estratégia é bem conhecida na disciplina de análise do discurso, em que o intérprete deve entender o texto como um produto (algo pronto, terminado — a visão macro) e como um processo (micro: a análise de cada palavra, cada forma gramatical). Agora, como proceder e quais os benefícios práticos? Primeiro, escolha um livro do NT. Sugiro começar por uma epístola Paulina, como Efésios. Escolhido o livro, o segundo passo é analisar todos os verbos da carta. É imprescindível que o aluno entenda que o centro da gramática grega são os verbos; não é à toa que a ordem padrão das orações no grego do NT é verbo-sujeito-objeto (VSO). Nesse ponto, o uso de um software se torna importante, pois uma pesquisa simples apresenta todos esses resultados em poucos segundos. A importante prática dessa análise é que, ao enxergarmos a tendência da distribuição dos verbos em todo o discurso, podemos entender melhor a estrutura da carta. Por exemplo, em relação a tempo verbal, a tendência

paulina geral é usar muitos aoristos na seção mais doutrinária da carta, e usar verbos no presente na parte mais prática. Os verbos no tempo perfeito são reservados para as partes em que o autor deseja empregar destaques, e, nos lugares da carta em que encontramos muitos desses verbos, talvez fique mais evidente o tema da carta. Ao analisar essas tendências, temos uma visão do todo e podemos entender melhor o aspecto estrutural do livro ou mesmo algumas estratégias do autor. Depois dos verbos, o estudante pode focar nas conjunções. Elas servem para mostrar como o autor conecta suas ideias. O uso do Logos Bible também torna o trabalho bem mais simples, pois rápidas pesquisas em lote podem ser feitas. Agora, diante de tantas possibilidades de conjunções, todas devem ser analisadas? A resposta é não. Existem duas conjunções que no macroprocesso devem ser analisadas, καί e δέ. O emprego de καί geralmente indica momentos que o autor está falando de uma mesma ideia, e δέ é utilizado predominantemente para introduzir novos pontos no raciocínio ou para dividir subtópicos do argumento. Ter essa visão do todo ajuda o leitor a observar o desenvolvimento das ideias por parte do autor. Quanto a tempo de dedicação, o macroprocesso faz parte de um estudo mais livre. O estudante pode separar um dia ou mais dos seus estudos semanais para enriquecer sua percepção dos padrões linguísticos do GNT. CONCLUSÃO: DESAFIOS

O estudo do grego é para a vida toda. Foi com essa proposição que iniciamos este posfácio. Em seguida, adicionamos que o estudo do grego tem por alvo conhecer melhor a Deus. Com a segunda proposição, aprendemos como pode ser prazeroso conhecer a Deus enquanto estudamos grego, e, com a primeira proposição, aprendemos que não precisamos de pressa. Antes, devemos criar hábitos e uma rotina constante. Mas nem sempre será fácil; afinal, como qualquer outra coisa na vida, o estudo do grego não virá sem suas batalhas. Logo, o estudante terá de aprender a lidar com as fases de desmotivação, com as complexidades de muitos dos tópicos, com a correria do dia a dia etc. Nesse sentido, como aluno que também sou, gostaria de compartilhar algo que tem me ajudado a lidar com essas dificuldades e, espero, lhe traga ajuda e consolo.

No início da minha caminhada, o grego não era algo prazeroso de estudar. No entanto, ao longo do tempo, conforme prossegui com os estudos, o grego se tornou um lugar de descanso mental: uma espécie de mundo fantástico para minha mente. Aqui está a lição: fazer do grego um lugar de descanso. Mesmo que no início da caminhada a coisa não seja assim, é essa a chave para fazer do grego uma jornada para a vida. GUILHERME NUNES Fortaleza, 2023

[ 01 ] A. T. Robertson, A grammar of the Greek New Testament in the light of historical research (B&H Academic, 1914), p. xix, grifo na citação. [ 02 ] Desacostumado a elogiar teólogos conservadores, E. J. Goodspeed teria dito: “O professor Robertson pôs todos os estudantes sérios do NT grego sob obrigações duradouras, reunindo e organizando os resultados do estudo filológico moderno e materiais arqueológicos em uma gramática do NT que, por seu escopo abrangente e ponto de vista moderno, pode ser chamada incomparável” (William Baird, History of New Testament research [Minneapolis: Fortress, 2003], vol. 2: From Jonathan Edwards to Rudolf Bultmann, p. 414). [ 03 ] Disponível em: https://dailydoseofgreek.com/, acesso em: 5 nov. 2022. [ 04 ] Para entender o porquê de o grego ser a língua do Novo Testamento, leia Paulo Won, E Deus falou na língua dos homens (São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2020), p. 93-111. [ 05 ] Por transliteração entendemos a representação de uma letra estrangeira em vernáculo corrente. Nesse caso, a representação dos caracteres gregos por meio das letras do alfabeto português. [ 06 ] Acesse www.didaskalia.com.br/ondemand para mais detalhes. [ 07 ] A palavra hebraica ‫( גּוֹ ִים‬goyim) muitas vezes é traduzida por “nações” (cf., p. ex., Isaías 8:9; 36:20), enquanto para Israel a palavra mais comum é ‫ﬠם‬ ַ (povo). (N.E.) [ 08 ] Forma verbal finita; também chamado waw consecutivo. [ 09 ] Os paralelismos mais comuns na poesia hebraica do Antigo Testamento são o sinônimo (Salmos 19:1), o antitético (Salmos 1:6) e o sintético (Salmos 19:7-9). (N.E.) [ 10 ] Texto da revisão do Textus Receptus, de Scrivener (1894), TR1894. [ 11 ] Nos estudos lexicais, aktionsart diz respeito ao aspecto lexical do verbo, ou seja, à forma em que o verbo está estruturado em emprego no contexto em relação ao tempo ao qual faz referência. (N.E.) [ 12 ] A composição do sal de cozinha é NaCl (cloreto de sódio). Um grama de sal tem 400 mg de sódio e 600 mg de cloro. O sódio praticamente não tem sabor. Portanto, é a presença do cloro associado ao sódio que produz o sabor salgado do sal. (N.E.) [ 13 ] Em lógica, uma hipótese é descartada quando sua consequência é absurda (uma hipótese falsa não pode resultar em algo verdadeiro). Uma hipótese absurda que leva a uma conclusão absurda é o tipo de hipótese que deve ser descartada. Esse tipo de argumento lógico é chamado “redução ao absurdo” (redutio ad absurdum). (N.E.) [ 14 ] Pobre de espírito. (N.E.) [ 15 ] D. A. Carson, O comentário de Mateus, trad. Lena Aranha; Regina Aranha (São Paulo: Shedd, 2010), p. 685. [ 16 ] Em alguns manuscritos (‫*א‬, A, B*, C, D etc.), temos ἔχωμεν (echōmen) no presente do subjuntivo: “tenhamos”. [ 17 ] Corpus paulinum é o termo comumente usado para se referir aos textos escritos pelo apóstolo Paulo. (N.E.) [ 18 ] Verdade, fidelidade, estabilidade. [ 19 ] Verdade, fidelidade, estabilidade. [ 20 ] Esse é o método padrão das nossas gramáticas gregas em português para iniciantes. Qualquer gramática para iniciantes pode ser usada nesse passo.

[ 21 ] Uma boa gramática que indicará a frequência das palavras em grego é a de Wiliam Mounce, Fundamentos do grego bíblico (São Paulo: Vida, 2009). [ 22 ] Um bom livro de referência em inglês é Mastering New Testament Greek vocabulary through semantic domains, de Wilson Mark (Kregel Academic, 2003). [ 23 ] A ordem de dificuldade segue da seguinte maneira: 1Tessalonicenses, Colossenses, Filipenses, Efésios, Gálatas, Judas, Tiago, João, 2Pedro, Apocalipse, 1Pedro, Marcos, Tito, 1 e 2Timóteo, 1Coríntios, Romanos, 2Coríntios, Hebreus, Mateus, Lucas, Atos. [ 24 ] O aluno pode usar o LogosBible. Para saber como, https://www.youtube.com/watch?v=Iky3izr98rw, acesso em: 20 abril 2022).

veja

esse

tutorial:

[ 25 ] O melhor app que conheço para isso está em inglês e é chamado Greek Verb Parsing. Ou então o LogosBible, que, quando se coloca a seta do mouse sobre uma palavra, logo abaixo aparece a análise morfológica do termo gramatical. [ 26 ] Os exercícios das gramáticas também podem ser feitos várias vezes antes de tentar o processo diretamente no texto grego. Além disso, ter uma gramática de sintaxe ao lado, como a Gramática grega, de Daniel Wallace, é muito importante.

Table of Contents 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28.

Capa Folha de rosto Créditos Sumário Prefácio, Marcelo Berti Agradecimentos Introdução 1. Aquele que é a Palavra • João 1:1a 2. A Palavra com Deus • João 1:1b 3. A Palavra era Deus • João 1:1c 4. Manifesto em carne • 1Timóteo 3:16a 5. Justificado pelo Espírito • 1Timóteo 3:16b 6. Visto pelos anjos • 1Timóteo 3:16c 7. Pregado entre as nações • 1Timóteo 3:16d 8. De Nazaré da Galileia • Marcos 1:9a 9. O batismo no rio Jordão • Marcos 1:9b 10. Orem assim • Mateus 6:9a 11. Pai nosso • Mateus 6:9b 12. Santificado seja • Mateus 6:9c 13. Venha o teu reino • Mateus 6:10a 14. Seja feita a tua vontade • Mateus 6:10b 15. Na terra como nos céus • Mateus 6:10c 16. Nosso pão diário • Mateus 6:11 17. Nosso perdão • Mateus 6:12a 18. Como perdoamos • Mateus 6:12b 19. Tentação • Mateus 6:13a 20. Maligno • Mateus 6:13b 21. Doxologia • Mateus 6:13c

29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60.

22. O evangelho de Jesus • Marcos 1:1 23. Deus amou o mundo • João 3:16a 24. Deus deu o seu único Filho • João 3:16b 25. O propósito da salvação • João 3:16c 26. A vida eterna! • João 3:16d 27. Sal da terra • Mateus 5:13a 28. Sal da terra • Mateus 5:13b 29. Pisado pelas pessoas • Mateus 5:13c 30. Os pobres de espírito • Mateus 5:3 31. Os que choram • Mateus 5:4 32. Os mansos • Mateus 5:5 33. Os que ardentemente desejam justiça • Mateus 5:6 34. Os misericordiosos • Mateus 5:7 35. Os puros de coração • Mateus 5:8 36. Os promotores da paz • Mateus 5:9 37. Os perseguidos pela justiça • Mateus 5:10 38. Introdução epistolar • Atos 15:23a 39. Introdução epistolar • Atos 15:23b 40. Alegrem-se sempre! • 1Tessalonicenses 5:16,17 41. Orem incessantemente! • 1Tessalonicenses 5:18 42. Tu és o Cristo! • Mateus 16:16 43. Creia no Senhor Jesus • Atos 16:31 44. Ame! • Lucas 10:27 45. Um monte na Galileia • Mateus 28:16 46. Adoração hesitante • Mateus 28:17 47. A supremacia de Cristo • Hebreus 1:1 48. Toda autoridade é de Jesus • Mateus 28:18 49. Façam discípulos • Mateus 28:19 50. Ensinem a guardar • Mateus 28:20a 51. Promessa • Mateus 28:20b 52. Todos pecaram • Romanos 3:23 53. Três virtudes cardeais • 1Coríntios 13:13

61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78.

54. Coisas do alto • Colossenses 3:2 55. Vem, Senhor! • Apocalipse 22:20 56. Caminho, verdade e vida • João 14:6 57. Conhecereis a verdade • João 8:32 58. Tudo para o Senhor • Colossenses 3:23 59. Salvação só em Jesus • Atos 4:12 60. A fé vem pelo ouvir • Romanos 10:17 61. Amor maior • João 15:13 62. Nova criação • 2Coríntios 5:17 63. Estou crucificado com Cristo • Gálatas 2:19 64. Dom de Deus • Efésios 2:8 65. Justificados • Romanos 5:1 66. Alfa e Ômega • Apocalipse 1:8 67. Fiel até as últimas consequências • Apocalipse 2:10 68. Filhinhos • 1João 2:1a 69. Temos advogado • 1João 2:1b 70. Nossa propiciação • 1João 2:2 Posfácio, Guilherme Nunes