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português Pages 54
Ricardo Maranhã
O GOVERNO
JUSCELINO KUBITSCHEK
1981
CbpyrzkÀf(Ê) Ricardo Maranhão
r
123(antigo 27) Artistas Gráficos Caricaturas
:
Emílio Damiani
Revisão :
José E. Andrade
INDICK Um mineiro quefez barulho A caminho da presidência Militares na briga pela posse O plano de metas e o grande capital Com cldireita, luvas de pelica Com a esquerda, jogo de cintura
Vãos e sonhos panamericanos
Democracia
e uma batata quente
Indicações para leitura
editora brasil pense s.a.
01042 -- rua barão de itapetininga, 93 sâo paulo
brasil
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93 98 103
UM MINEIRO QUE FEZ BARULHO
REGINA,
HELENA,
e CAETANO
Este livro vai para meu amor permanente meu presente e futuro
VELOSO,
que deu a idéia
'Sobre a cabeça os aviões Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões meu nariz. . . Eu organizo o movimento Eu oriento o carnaval
Eu inauguro um monumento no planalto central do país 7}'opfcá/fa -- Caetano Veloso
''O burro
tinha sido substituído
pelo jipe.
Os
trilhos, abertos pelas antas, haviam desaparecido, cedendo lugar às novas rodovias. Onde antes existia
um monjolo, acionadopor uma bica d'água, fumegava uma chaminé. E os morros pretos, que faiscavam ao sol, órfão de qualquer vegetação,eram rasgados pelas escavadeiras, lavados em seus entu-
lhos, convertidos,enfim, em fontes inesgotáveisde riquíssimos minérios.'' Juscelino Kubitschek de Oliveira fala sobre sua obra como governadorde Minas Gerais. Refere-sea um final de mandatoem que jâ
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tinha os olhos cobiçosos na cadeira de Presidente da República.
Em poucas palavras,
dâ a sua visão .po/í-
ffca do desenvolvimento nacional. Não faz mal que as palavras tenham sido escritas em 1975, e trabalhadas
pela elaboração de texto de Carlos Heitor Cony. O que importa é perceber aí a ideologia ''desenvolvimentista'' de JK, misturada ao mesmo tempo com a imagem nacfona/ que ele projetou de sua conduta política. O mineiro de Diamantina, além de trabalhar em silêncio como convém, conseguiu fazer um barulho dos diabos sobre alguns velhos sonhos da classe média brasileira, como o ''desenvolvimento
autónomo'', a ''industrialização'' e a ''democracia''. Sonhos que a classeoperária também almejou, com outro sentido e com séria desconfiança, e que a burguesia, apesar de faturar em ,cima, escoimou depois de alguns anos com suas atitudes autoritárias. Todos os elementosque figuram nas palavras de JK fazem parte de um linguajar ideológico que recupera várias décadas de aspirações políticas nacionais.
Até mesmoa abra, figura-símbolode uma das vertentes literárias do Modernismo, carregada de um patriotismo verde-amarelo e que desembocou em posições extremamentereacionârias, está presente. E, em oposição ao velhojumento que servia no passado ao Jeca-Tatu, se colocamvárias das Metas que seriam o prato principal da devoração antropofágica e ao mesmo tempo progressista do país durante o qüin-
qüênio de JK: a Energia, os Transportes, as Máquinas, a Mineração. O texto contém até, ironicamente, uma antevisão das preocupações anuais dos
O Governo Juscelino Kubitschek
defensores ecológicos da natureza, diante da própria expansão do capitalismo ''selvagem'': os morros ''órfãos de qualquer vegetação''
O estilopolítico Oito horas da manhã do dia 24 de agosto de
1954. Belo Horizonte vive a agitação nervosa e agressiva do povo à espera de definições e propostas diante
do fato trágico do suicídio de Getúlio Vargas. Os membros da oposição àquele que foi, a partir de
1930,o estadistamais marcante da História do Brasil, estão apavorados com a possível reação da massa popular que, se até então legitimava Getúlio, naquele momento o idolatra e pede vingança por sua morte. No Rio, a multidãojâ inicia a destruiçãoe o saque de jornais e instituiçõesdos inimigos de Vargas
O governador de Minas Gerais chega preocupado à Avenida Afonso Pena. Ali, populares exaltados se concentram.A vaga humana se aproxima das escadarias da Igreja de São José, onde oradores improvisados procuram descarregar toda a tensão e a
dor que tomam conta da massa, ao mesmo tempo estimulando a rebelião. Debaixo das sobrancelhas
apertadas, os olhos pequenos do governador não
param de se mover, até que encontraalguéme o manda chamar: é um deputadotrabalhistaque, em discurso rápido, expressa o ódio da multidão. O
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governantedo estado retoma sua calma habitual, fazendo o deputado dirigir o povo para o Palácio da Liberdade, sede do governo, onde espera na escadaria. Depois de alguns discursos inflamados, o governador fala, pedindo calma. E consegue. O mineiro Juscelino conseguiacontornar a crise e manter sua autoridade de chefe do Executivo estadual. Anos depois, ele comentaria, sobre a conduta da massa rebelde: ''Convidei-os, em seguida, a entrar para o parque do palácio, onde lhes seriam servidosrefrigerantes. Com essa atitude, consegui que a multidão
se acalmasse,desfazendoo tumultoque poderia gerar fatos graves. Às onze horas da noite, tomando o avião, rumei para o Rio''
'Voar, voar, voar'', sentencia a canção de Juba Chaves sobre o comportamento de JK. Ao mesmo tempo, ela o chama de ''Presidente Bossa-Nova'', mesmo sem anotar a admirável qualidade política de Juscelino, no que se refere ao trato com a população. Com uma cordialidade efusiva e generosa, mas seM perder o suti] distanciamento que a vontade de poder e a educaçãoconservadorano SeminárioDiocesano imprimiram ao seu caráter, JK nutria uma extrema capacidade de se relacionar com as massas. Estas o chamavam carinhosamente de ''Nona''. Ao mesmo tempo, via-as com um certo desdém: não perderia nunca seu talhe elitista, inevitável num homem com a formação de militar-médicoe membro do velho PSD. Suas origens na classe média, sua juventude de
modesto funcionário dos Correios, pouco têm a ver com a definição do seu estilo. Este é muito mais um
Juscelino, cordial e generoso, mas sem perder o sutil distanciamento.
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produto da convivência com a oligarquia mineira que formaria o PSD, e que o levaria ao cargo de deputado
ainda em 1934,aos 32 anos de idade. Convivência com pessoas como Benedito Valadares (de quem foi
çoso dé muitos dos pessedistas mineiros; antes, se
aproximariado tino oportunistade um outro mineiro, Antânio Carlos, autor da famosa frase de iVJU: ''l'açamos a Revolução antes que o povo a Juscelino, surgindoem época mais modema.
levaria as atitudes do tipo da de Antânio Carlos"às alturas dos seus frequentes vãos de avião: procuraria ernizar e renovar sempre, para galgar o .poder e mantê-lo. Antes mesmo que se pensasse em disputas
eleitorais,
durante
a ditadura
do Estado
Novo.
fez
como prefeito de Belo Horizonte (cargo que assumiu em 1939) uma série de obras públicas de repercussão
popular. Delas, passou a extrair a imagem do homem que substitui ''o burro pelo jipe'', imagem
multiplicada ao máximo durante sua gestão de governador eleito de Minas a partir de 1950. Será ndo de base para seu ideário ''desenvolvimentista'', a gestão à frente do governo de Minas contribuiu também para
consolidar sua imagem de político ''Populista'' e capaz de se relacionar com habilidade com as classes populares. Inteligente e versátU, Kubitschek logo se preparou na escola do mando, sem perder o salofrlbfre e a
O Governo Juscelino Ku bitschek
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elegância da boa cozinha mineira que fariam as delícias de um certo eleitorado feminino; acostumou-se à aliança permanente com os exploradores da classe operaria, como os seus amigos do Grupo .Antunes, sem perder a capacidade de ser apoiado pelos comunistas nas eleições presidenciais de 1955; e manteve sempre a habilidade de se cercar de um bom slaW de assessorese técnicos, que Ihe forneciam dados capazes de transformar suas promessas de comício em propostas racionais e expressas em números e estatísticas. Levando ao êxtase a eficácia pessedistaem
fazer grandes transformaçõessem mudar nada de essencial, JK acabou por provocar, durante sua presidência, mudanças significativas na realidade política e social. Foi brilhante na sua capacidade de facilitar, na chefia do Estado, a reprodução e ampliação das relaçõescapitalistas, sem ampliar o uso da violência e demonstrando notável tino para mascarar ainda mais o carâter de dominação e exploração do
Estado brasileiro. Antes de tudo, agiu como um burguês democrata, num país onde a burguesia sempre se caracterizou pela repulsa à democracia. Até mesmo a realização que o imortalizou, Brasília, ''monumento de papel crepom e prata'', como diz Caetano
Veloso, ele teveo cuidadode atribuir a uma aspiração popular; disse que a ideia Ihe veio como resposta a um pedido feito num comício em uma cidadezinha do sertão de Goiâs. Comício, aliás, que dava início a uma série interminável de discursos e manifestações públicas de um presidente que parecia estar
permanentementeem campanha, depois de jâ eleito
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e empossado;porque, nas instáveisestnituras polí-
tiças brasileiras, JK sabia que era preciso fazer muita política para assegurar sua legitimação permanente. A compreensão dessetipo de atitude é essencial. Muito diferentemente da opinião dos que odeiam ou não compreendem a política, a dominação burguesa
e a exploraçãocapitalistapodem ser feitas com erige/zÀoe erre. Isso não as toma menos odiosas; mas a percepção disso abre caminho para o aprendizado dos princípios e afazeres da ação política, indispensáveis para derrotar qualquer forma de dominação e
exploração. Conseguindo imenso prestígio e razoável estabilidade política durante sua presidência, JK passou para a história como o estadista da anistia, que duas vezesconcedeu por iniciativa própria; como o governante brasileiro de maior prestígio intemacional, sabendo extrair dividendos políticos mesmo de propostas diplomáticas fracassadas como a Operação PanAmericana; como o chefe de Executivo que abriu as portas ao capital estrangeiro, ao mesmo tempo que afirmava posições independentes e nacionalistas. rompendo com o Fundo Monetário Intemacional (FMI). Antes de mais nada, passou com fortes tintas a imagem do homem que agitou e despertou o ''gigante adormecido'', com a construção do ''monumento no Planalto Central'' e o fervor desenvolvimentista. Do Pb/ír/co, enfim, que, sem fazer revolução alguma, soube capitalizar para seu prestígio todos os aspectos positivos das importantes mudan-
ças da sociedadebrasileira, no difícil parto de seu
O Governo Juscetino Kubitschek
processo de industrialização. Na sua pratica de usar e devorar os mitos históricos nacionais, JK chegou mesmo a refazer na soli-
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dão do cerrado, onde se construía Brasília, a Primeira Missa, na mesma data de 3 de Maio em que Cabral a fez rezar quando do Descobrimento.Frei Henrique de Coimbrã foi substituídopor D. Cardos Carmelo de Vasconcelos Mota; aliás, como na pintura famosa de Vitor Meirelles, na Primeira Missa brasiliense também comparecem, trazidos pela FAB, uns atónitos índios carajâs. . .
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Belo Horizonte vira a instalação de muitas novas unidades fabris durante seu governo. Criando empresas governamentais como a CEMIG, que ampliou bastante a produção e distribuição de energia elétrica, e a FERTISA, destinada à produção de matériasprimas para fertilizantes, o mineiro de Diamantina
ampliava a imagem de administrador eficaz que havia granjeado com a urbanizaçãoda Pampulha,
A CAMINHO DA PRESIDÊNCIA Juscelino nos conta, em suas memórias, uma
reve[ação que [he teria sido feita por Amaram Peixoto: ''Certa vez, pouco antes da crise de agosto (de 1954),
discutia-se no Catete a futura sucessão, com referências aos prováveis candidatos. A palestra era a mais íntima possível. Vergas, reclinado numa poltrona, ouvia semnada dizer, fumando o seu charuto. Diversos políticos foram citados, e ele, interrompendo a enumeração, atalhou significativamente: 'Já que estão discutindo nomes, será bom não esquecer o do governador
de Minas' ''.
Não é de surpreenderque o tino políticode
Varias o levassea expressar essa posição. Sabia do prestígio de Kubitschek no pape/ de golpernador.
Como chefe do Executivo mineiro, ele desenvolvera um plano de industrialização do estado, consubstanciado no binómio ''Energia
e 'Ftansportes'',
com ra-
zoável eficiência: a Cidade lq-dustrial próxima de
quando ainda era prefeito de Belo Horizonte. A capacidade de JK de transformar a eficiência em votos, e a oratória capaz de entusiasmar as mul-
tidões, eram critérios que não deixariam de impressionar Varias e leva-lo a pensar no nome mineiro
para seu sucessor.Até mesmopor intuição: assim como muita gente do povo chamava Getúlio de ''Gegê'', também Kubitschek tinha o apelido carinhosode ''Nona''. Mais do que tudo isso, porém, e considerando a realidade da política brasileira, sempre pensada pelos seus dirigentes como algo de cima
para bizüo, pesariamna indicaçãode JK as suas excelentes relações com os próceres do mais poderoso
partido político de 1945 a 1964: o Partido Social Democrático, PSD. Depois de completar seus estudos de medicina, ter-se especializadona Fiança e trabalhar como capitão-médico no Exército, Juscelino aproximou-se do interventor mineiro Benedita Valadares, tomando-se secretariode seu govemoem 1933. Sob a égide do poderoso Valadares, elegeu-se deputado à Consti-
tuinte em 1934, e foi nomeado prefeito em 1939.
A partir de 1945,Valadaresfoi um dos principais
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mentores da organização do PSD; isso facilitou a JK, deputado em 1946, a proximidade com as figuras essenciais do pessedismo, como os mineiros Tancredo Nevese José Mana Alkmin, ou o político fluminense almirante Amaral Peixoto, genro de cargas. O pessedismo mineiro, verdadeiro pilar da política brasileira, garantiu o governo do estado a Juscelino. Entretanto, no plano nacional, ele tinha condi-
e os interessesdo empresariado(não apenas os vinculados ao capital estrangeiro, como os que dependiam de créditos, pois a política financeira permaneceu controlada pelo PSD), e das novas camadas urbanas, mobilizadaspela redistribuiçãodas vantagens advindas com o desenvolvimentoeconómico tO Governo Kubitschek -- Desenvolvimento Econõ-
poderosa, que venceu a quase totalidade dos pleitos
ça, não se pode esquecera sua importânciaao nível do poder Legislativo.No plano das instituições,o
ções de reproduzir a articulação partidária mais
durante o período democrático-liberalde 1945 a 1964:a grandeherança de Vargas, a coligaçãoPSD-
PTB. Político da elite com grande repercussão entre as massas, JK parecia talhado para expressar pessoalmente esse complexo partidário.
A aliançaPSD-PTB No quadro histórico do regime vigente à época de JK, não é possívelpensar os mecanismos de fun-
cionamento e as articulações de interesses sem enten-
der a articulação PSD-PTB como cepzrra/,tanto no poder Executivo como no Legislativo. Sobre o qüinqüêniode Nona, diz Mana Vitória Benevides:''o governo representava, objetivamente, os interesses da maioria parlamentar. Esses interessesestavam representados na aliança PSD-PTB: os da elite rural preservados, uma vez que o sistema de poder e propriedade no campo permanece intocável na sua essência,
mfco e Esfabf/idade
Po/íffca, Paz e Terra,
Rio, 1976).
Para compreender o funcionamento dessa alian-
Legislativo teve um peso nada desprezível, apesar de perder continuamente sua capacidade decisória (essa
perda, como se veria depois, no governoJogo Goulart, não implica redução da capacidade de obsfmção do Congresso, por exemplo com relação à Reforma Agrária). A margem de autonomia decisória
do Congresso se revelava principalmente na possibilidade de controlar o orçamento (coisa que o pós-64 rapidamente Ihe retirou), inclusive parte das verbas especiais da Presidência. O Congresso podia também derrubar vetos presidenciaise instituir Comissões Parlamentares de Inquérito de razóavel eficiência. Por isso mesmo, a força da aliança PSD-PTB
no
Congresso garantia a continuidade do mando político, assegurava a legitimação desse mando no jogo parlamentar, e fornecia munição ideológica para o governo e a imprensa. Ao mesmo tempo, fazia o
Congresso funcionar como canal de circulação de demandas setoríais dos grupos sociais de apoio ao governo: os deputados da aliança dominante tinham
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tanto a possibilidade de fazer passar proJetos de lei favoráveis a suas bases regionais, quanto o sucesso de
frequentar gabinetes ministeriais para assegurar obras, empregose mais votos nas eleiçõesfuturas. Esse tipo de ação política, q/7caz na reprodução do mando, era mais poderoso dentro do PSD. Abelardo Jurema, um de seus líderes, conta como um membro da UDN se referia a isto: ''Seu Jurema, a UDN não sabe de nada, vocês do PSD é que sabem de tudo, dos cargos e vagas existentes, dos comandos
úteis à política, das oportunidadesde ação em favor do partido. ..''. Mas todos os partidos brasileiros sabiam praticar, bem ou mal, essejogo de trocas de favores políticos, mesmo os udenistas, que tinham um discurso moralista de condenação a tais praticas. O PSD apenasera mais eficaz por ter a tradição de mando mais arraigada, por ter reunido desdeo final do Estado Novo as oligarquias agrárias com altos burocratas, ex-''tenentes'', homens da alta finança e antigos interventores nos estados.
Mas o PTB tambémfazia bem essejogo, no
âmbito do Ministério do Trabalho e na máquina'da
Previdência Social. Em seu estudo .Sfndíca/&mo no Processo PÓ/írlco no .Brasa/ (Brasiliense, São Paulo,
1979), Kenneth Paul Ericsson mostra como o clien-
telismo e o empreguismo foram utilizados pelas petebistas, não apenas como moedas de troca de favores políticos, mas também como elemento de cooptação
de lideranças sindicais. ''A importância do Ministério do Trabalho como fonte de empregos públicos pode ser avaliada se observarmos a distribuição dos
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servidores civis no Brasil. Dos 700 013 serüdores civis federais registrados em 1966 no censo dos servidores públicos, 121328estavamna esfera do Ministério do Trabalho, e 95 619 destes trabalhavam na burocracia da Previdência Social.''
Essa participaçãodo PTB no aparelhode Es-
tado não só garantia sua permanência no núcleo de
poder ao nível do Executivo, como facilitava sua continuidade eleitoral no Legislativo. Isso teria importantes consequências no próprio plano sindical, com limitações à própria democracia nesse plano;
mas, no nívelparrfdárfo, essa situação dava ao PTB possibilidades tanto de um contínuo crescimento quantode uma legitimaçãocomo ''porta-voz''das classes trabalhadoras, uma necessidade do jogo populista. Isso permitiu tomar um pouco mais complexa a aliança dominante, pelo afluxo de um apoio de esquerda a ela.
Esse apoio não provinha apenas da chamada
''esquerda nacionalista'', de extração pequeno-burguesa, formada de intelectuaise de membros da burocracia do Estado. Também os comunistasentraram nesseapoio depois de 1954. A partir de 1952, com a revogaçãodo ''atestado de ideologia'' para as eleições sindicais, já se registravam alianças tâticas entre o PCB e os petebistasna base sindical. Mas, com a morte de Vergas e a explosãopopular decorrente, ficou claro para os comunistasque a aliança com o PTB deveria ter um carâter mais profundo e duradouro. Aprofundou-se a prática de apresentar candidatos comunistas às eleições parlamentares
Ricardo Maranh ào
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atravésda legendado PTB, e a negociaçãoda presença de comunistas nas campanhas petebistas e na cúpula sindical se intensificou .
Por um lado, isso tendeu a deslocar o PTB para o que Ericsson chama de ''populismo radical'', mesmo sem alterar a essência das práticas petebistas; por outro lado, isso facilitou o carreamento de votos para o PTB, na medida mesma do crescimento das massas operárias urbanas e das lutas trabalhistas nas cida-
des. Aliás, enquantoo PSD, ao longo de sua exis-
tência, se limitou a ma/zfer (com pequenos acréscimos) o número da sua representação parlamentar, o PTB cresceusempre: de 22 deputados federais em
194S,passou para 51 em 1950,56 em 1954, 66 em 1958, saltando para 116em 1962, quando supera a
UDN e passa a disputar com o PSD o lugar de maior partido nacional. Imbatível e poderosa, a aliança PSD-PTB tinha que se ''atualizar'' em função das conjunturas. Durante o interregno Café Filho, ela esteve fora do governo (embora
não estivesse completamente
fora do
poder), e no planoparlamentarera majoritâria, mas não agia sempre em consonância, nem tratava de campanhas comuns. Nesses anos de 1954 e 1955, o que uniu pessedistas e petebistas foi a defesa da herança comum do
getulismo,ameaçadapela UDN e por partidos menores. Como criaturas e herdeiros do getulismo, tratava-sede defender, mais do que as posiçõesideológicas da carta-testamento, as posições políticas conquistadas, preparando-separa a volta ao poder nas
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O Governo Juscelino Kubitschek eleições de 1955. Como diz Jurema,
''Vargas
coman-
dava, do túmulo, os acontecimentos.Tudo passou a correr sob sua batuta imaterial. A sua carta-testamento era uma bíblia. O seu nome, um hino.. . A vingança do morto se fazia sentir, dia a dia, mês a mês, até que Juscelino Kubitschek assume, levantando de novo, de fato e de direito, a bandeira PSD & PTB, sob a égide da imagem de Varias''
Articulações e obstáculos da candidatura Não foi fácil desenvolver ás jogadas necessárias
para JK ser indicado candidato à Presidência. As eleiçõespresidenciais se dariam em 3 de outubro de 1955, apenas um ano e pouco depois dos trágicos acontecimentos do suicídio de Vargas. Guindado
momentaneamente ao poder pela subida de seu aliado Café Filho (embora Café evitasse assumir publicamente essa aliança, seus primeiros gestos foram no sentido de colocar em postos-chave do Executivo elementos da UDN), os udenistas clamavam pela necessidade de se adiar as eleições. Desde a primeira derrota eleitoral do seu candidato Brigadeiro Eduardo Gomos, em 1945, a UDN se deslocavacada vez mais para a direita, denunciando o regime liberal-democrático recém-instalado como ''corrupto'', e atacando violentamente as táticas eleitorais ''populistas''. Derrotado novamente o Brigadeü'o em 1950,
os udenistaspassaram a pregar abertamenteum
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Ricardo Maranhão '
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0 GovemoJuscelino Kubitschek
golpe militar, capaz de ''regenerar'' as instituições.
campanha antes que a idéia do ''candidato único''
velho presidente ao gesto extremo.
necessitava do apoio decidido do PTB na luta contra
Na oposição a Getúlio, foram os principais responsáveis políticos pela sucessão de fatos que levariam o Aproximando-se do poder, os udenistas radicais
desejavamexpurgar dele toda a herança do getulismo, através de meios extralegais como a suspensão
das eleições. Entretanto, os chefes mais experimentados da direção do partido tentaram primeiro uma tática que não violasse completamenteas regras do
ganhasse corpo.
Para consolidara força de sua candidatura, JK
a manobra. AÍ residia um problema: por motivos regionais, o herdeiro da chefia nacional do PTB, Jogo Goulart, havia sido derrotado nas eleições do seu próprio estado, o Rio Grande do Sul; abatido, retirara-sedo primeiro plano do jogo político, dei-
jogo: a escolha, por consenso das lideranças de todos os partidos, de um ca/zdldafo zínfco que expressasse o
xando seu partido meio órfão naquele momento crítico. Mas a habilidade do mineiro Tancredo Neves se incumbilia de encontrar um interlocutor petebista à
nova, nem deixaria de ser usada no futuro por políticos desejosos de ''remédios'' que excluem o povo das decisões. Através.do influente Marechal Cordeiro
cordou, negociandocom Tancredo e JI(, em consolidar a aliança entre os dois partidos, como elemento
desejode ''pacificação nacional''. A tâtica não era
de Farias, a UDN ganhoupara a idéia o líder pesse-
dista pemambucano Etelvino Lins, que logo no final de agosto de 1954procurou JK e a direção do PSD para defendo-la. Juscelino percebeu no mesmo instante a manobra para afasta-lo da indicação à Presidência. Se o ''candidato
único''
tinha que ser alguém
''neutro
e
consensual'', obviamente isso se destinava a impedir que houvesse combate eleitoral, no qual as chances de JK eram grandes, e a dos udenistas, pequenas (isso ficaria claro pela queda de votação udenista nas eleições para o Congresso em outubro de 1954). Diante da trama, só restava a JK apresentar-se como o defensor da legalidade e da democracia, exigindo o cumprimento do calendário eleitoral e atirando-se à
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altura: o líder gaúcho Osvaldo Aranha, revolucionário de 1930e de grande projeção. Aranha conaté mesmo de reforço e reorganização do PTB, preju-
dicado pelo govemo Café e traumatizada ainda pelo suicídio do seu fundador. Café Filho também manobrava contra ''Nona'', insistindo na tese do candidato único e acenando com a ameaça de um golpe militar caso ela não fosse
aceita. De fato, boa parte da oficialidadeera favo-
rável à suspensão da consulta popular, influenciada pela pregação dos udenistas mais radicais como Carlos Lacerda. Como veremos, os fatos posteriores mostraram que essesoficiais não eram a maioria. Mas o medo de uma solução armada balançou até mesmo os arraiais pessedistas:o próprio Valadares, o antigo chefe de Juscelino, com a imensa carga de prudência, moderação e conciliação que anos de pessedismo
1-'
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Rícardo .4/aranÃâo[ ' O Governo Jusce/fno .KublfscÀek
mineiro Ihe conferiram, começou a se interessar pelo
dustrial mineira, estabeleceu boas relações também
''candidatoúnico". Com um trabalho de formiga,
com empresas multinacionaiscom a Mannesmann.
Os udenistas,na imprensae na tribuna, debla-
do país. JK contava também com excelentesrelações com alguns órgãos de imprensa bastante inf[uentes: o (]orre]o da M2zn&ãdo Rio de Janeiro, por exemplo, de atuação política nacional desde a década de vinte, a partir de janeiro de 1956chegava a suspender a impressão do jornal, em plena madru-
em que era especialista, passou a minar a candidatura JK nas suas próprias bases.
teravam sistematicamente contra JK, contra as eleições e contra tudo que lembrasse o getulismo. Como diz Kubitschek,
''como
a UDN
poderia
disputar
livremente as eleições, se o fantasma de Varias ron-
dava a cabeceira de seus líderes, numa presença quase física, transformando-lhes o sono numa suces-
são de pesadelos?'' Nas hostes que tinham a cabeça mais fria, a resposta à pretensãopresidencial do mi-
neiro de Diamantina,já agitada em todo o país, chegou a ser a de uma chapa de composição em que o general udenista Juarez Távora seria presidente, e Juscelino o vice. Logo foi ironizada com o nome de ' 'Chapa
Juju'' .
Essas relações seriam decisivas para o financiamento de seus incansáveis vãos de campanha de norte a sul
gada, para registraruma declaraçãodo líder mineiro. A ]b/anc&ere, na épocauma das revistasde maior circulação nacional, estampada frequentemente em suas paginas a fisionomia simpática de 'Nona''. Ele se valia também das excelentes relações que mantinha com o clero conservador de seu estado, fiador da imagem de homem ordeiro e religioso. A ausência de alternativas para a expressão das massas que votavam no PTB, por outro lado, desviava para o ca-
risma popular juscelinista as atençõesdesse partido.
Consolidação das articulações
mentos públicos e privados de grande envergadura.
Em fins de outubro de 1954, JK declarou-se totalmente em campo, na ofensiva. Voava sem parar de um lado para o outro, com seus articuladores arrancando diariamente declarações dos mais remotos municípios mineiros em favor de sua candidatura (afinal, o PSD controlava300das 400 prefeituras do
Antunes, cuja gigantescaempresa de mineração de
teza suficiente
As pretensões presidenciais de Juscelino tinham,
entretanto, bases mais sólidas. Do ponto de vista social, havia parcelas significativas da burguesia que
se interessavampor suas propostas de empreendi-
Tinha, por exemplo,boas relaçõescom o Grupo manganés no Amapá, a ICOMI,
seria prestigiada em
uma de suas primeiras viagens da campanha presidencial. Ao estimular os investimentos na Cidade In-
estado,e Valadares não conseguiuagir com a prespara esvazia
''Nona'').
Logo surgi-
ram também manifestos de estudantes, intelectuais e empresários a seu favor. A jogada decisiva, porém, foi a sua eficácia
em encaminhar
corretamente
o
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problema da sucessãomineira. De acordo com a Constituição vigente, ele devia se afastar da govemança estadual dez meses antes da eleiçõespresidenciais, ou seja, em janeiro de 1955, deixando seu posto para Clóvis Salgado, vice-governador e membro do PR (Partido Republicano), velha sobrevivência oligárquica da Primeira República. Ocorre que o antigo chefedessepartido, Artur Bemardes
(que foi presidente da República
de 1922
a 1926), com insuspeita jovialidade pretendia usar os instrumentos de poder estadual para pleitear o Executivo mineiro para o PR, se necessário em aliança com a inimiga UDN. Valadares passou a usar des-
sa pretensãopam espalhar que JI(, candidatandose à Presidência, estaria ''entregando o governo ao PR''. Isso assustava muitos líderes locais do PSD,
mais afeitos às disputas domésticas,para quem o
Palácio da Liberdade ficava mais próximo que o inatingível Palácio do Catete. Juscelino conseguiu aliarse ao próprio filho primogénitode Artur Bemardes, esvaziando as propostas do velho; dessa forma, conseguiu com muito esforço que o PR desistisse do mando estadual, tirando ao mesmo tempo uma resolução de apoio à sua candidatura à Presidência da República, desde que o PSD o lançasse. A 25 de novembro, com apoio de inúmeros diretórios do partido, o Diretório Nacional do PSD aprovava a candidatura de JK, por 123 votos contra 36. Faltava apenas a homologação do nome pela Con-
vençãoNacional. Um último obstáculo,porém, e da maior gravidade, se interpôs. Os três ministros mili-
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O Governo Juscelino Kubitschek
tares, acompanhadospela assinatura dos mais importantes generais das Forças Armadas, entregaram em 31 de dezembro a Café Filho um manifesto. Nele, com uma linguagem equívoca e fluida, típica dos documentos coletivospara cuja redução se têm enormes dificuldades de obter consenso, os militares apontavam para uma solução política que contemplasse o ''espírito de colaboração interpartidária'', necessária à ''preservação da ordem". Descartavam claramente a hipótese de uma candidatura militar, e apelavam para o fim dos ''ódios e dissensões". Não se tratava de um veto a Kubitschek, mas Café Filho passou a usâ-lo com esse.sentido, ameaçando o candidato. Os golpistas da UDN exultaram, e não foram poucos os pessedistas que balançaram de vacilação.
Mas JK já havia dado o tom de sua conduta, na
mensagem de Ano Novo: ''Calúnias não me farão recuar... Poupou-me Deus o sentimento do medo!'' Respondendo no afo às conspirações contra si, Jusce-
lino deu andamentoà campanha nacional, que ja iniciara em dezembrocom comícios no Norte. Em
janeiro,
devidamente desincompatibilizado,
conti-
nuou a voar pelo país. Café Filho tentoujogar pesado, com um discursooficial na .Hora do .Brasa/de 27 de janeiro, em que fazia violentas acusações ao candidato, atribuindo-lhe a responsabilidade por prováveis
''convulsões''
sucessórias,
caso insistisse.
Com ousadia,JK desmentiupublicamenteo presidente interino no dia seguinte, e tocou o barco. Logo depois, a:Convenção Nacional de seu partido homologou seu nome e a campanha tomou um ritmo deli-
Ricardo Maranhão
30
unte.
Juscelino
''organizava
o movimento'',
''orien-
tava o Carnaval'' e apontava ''seu nariz contra os chapadões''. À UDN só restou oficializar a candidatura de Juarez Távora, enquanto o paulista Adhemar
de Barcos também se lançava, para tentar colher votos em áreas sensíveis ao discurso ''populista''. Mas a vitória de ''Nona'' era inevitável. Em primeiro
lugar pelo poder de sua aliança partidária, carac-
terística do próprio regime vigente e mantida praticamente intacta pelo interregno Café Filho. Mas também pela capacidade particular de JK e do núcleo de mando do PSD mineiro, associada à vontade política do filho de Diamantina. A força do PSDPTB era um fenómenoesfmfura/; mas a anãol,o/unfárfa e conUtznrura/de JK foi decisiva para manter e atualizar essa determinação histórica. Em 3 de outubro de 1955 Kubitschek obteve
36% dosvotosnacionais, contra 30%ode Juarez Távora, 26%ode Adhemar de Barcos e 8%odados ao ridículo e insistenteex-líder fascista Plínio Salgado. Há um detalhe que é interessante notar: mostrando a
força crescentedo PTB, o candidato a vice Jogo Goulart obtevemais votos que o presidente: recebeu 3 591409, enquanto l(ubitschek era sufragado por 3 077411 eleitores. Deve-se levar em conta, porém, que o eleitorado de tipo ''populista'' de São Paulo descarregou quase qtzafro vezes mais votos presiden-
ciais em Adhemar de Baços do que em JK, nesse estado de grande peso eleitoral. Na área popular, Janto não teve adversários suficientemente fortes.
MILITARES NA BRIGA PELA POSSE Conhecidos os resultados do pleito de 3 de ou-
tubro de 1955,podia-seler em vários jornais que o eleitorado de JK era ''formado pela massa ignorante,
sofredora, desiludida, trabalhada pela mais sórdida das demagogias e envenenada pela propaganda so-
lene do Partido Comunista''.Tratava-sede uma nota da Cruzada Brasileira Anticomunista, uma das primeiras manifestações da interminável série de
combates que a direita brasileira moveria contra a posse dos eleitos JK e Jango. A cruzada tinha pouca expressão, a não ser num restrito círculo de militares e civis de nítida vocação fascistóide. Mas sua pregação era encampada também pelos mais radicais da UDN, como CardosLacerda, que clamava pelo ca-
ráter ''comunista'' dos sufrágios do presidente eleito. A maioria da opinião pública não entrava nessa jogada: sabia-se quanto o PCB estava enfraquecido desde a sua cassação em 1947, enfraquecimento
Ricardo Maranhão
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agravado, durante o govemo de Varias, pela incapacidade do partido em perceber o fenómeno de massas que o getulismo representava. Com o suicídio
do velho estadista, essa posição comunista tendeu a se modificar, e efetivamente a direção do PCB, apro-
ximando-semais do petebismo, apoiou a chapa Kubitschek-Jango e chegou a manter entendimentos diretos com o PTB sobre o problema. Mas sua capacidade de cartear votos, como todo mundo sabia, era pequena. Esse argumento dos golpistas da UDN contra a posse de JK entrava ''de contrabando'' numa justificação um pouco mais ''sólida'': o novo presidente obtivera um pouco mais de um terço dos votos nacionais, e a Constituição, diziam, exigia que o Chefe da Nação tivessea maioria absoluta. Mas isso também era um canto de sereias envelhecidas:jâ em 1950, o argumento da maioria absoluta fora usado
pela UDN contra Vargas, sem sucesso.Por isso mesmo,
enquanto
esbravQjavam
na imprensa,
os
udenistas radicais preparavam o caminho ilegal e
antidemocrático: o golpe militar contra a posse, articulado junto aos jovens oficiais antigetulistas e de direita que Lacerda influenciava. Esses jovens oficiais contavam pressionar o Alto Comando para a conspiração; o generalato, entretanto, era mais sensívelà pregação menos radical de militares udenistas como o Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Eduardo Games, e o Marechal Cordeiro de Farias. O primeiro havia procurado logo depois de
3 de outubroo Ministro da Guerra, General Hen-
O Governo Juscelino
Kubitschek
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rique Teixeira Lott, para pedir apoio à solução legal de se impedir a posse dos eleitos através de uma decisão do Superior Tribunal Eleitoral. Lott deixou claro que não concordava com a manobra, apoiando a posse de JK na data prevista. E na firmeza com que tomou essa posição jâ se podia vislumbrar seu comportamento nas semanas seguintes: ele chegaria a dar um contragolpemilitar em ll de novembropara assegurar a ordem constituída e a passagem da faixa presidencial ao mineiro de Diamantina. Para se compreender os acontecimentos de 11 de novembro, é necessáriocompreender duas coisas: a
posiçãode Café Filho e a dos militares. Café não
participava diretamente da conspiração contra JK, mas não seopunha a ela. No fim de outubro, chegou a cometer um lapso significativo ao solicitar o apoio
do líder pessedistaJosé Mana Alkmin para uma
determinada atitude de política financeira, argumen-tando com o ânus que essa atitude evitaria para as finanças da União, e dizendo: ''não seria justo lançar essa carga sobre os ombros de quem quer que seja o
futuro presidente".Alkmin manifestousua estranheza, poisja havia um eleito,e retirou-separa alertar seus correligionáriosdo PSD. Alias, nas articulaçõesde JK para garantir a posse, Alkmin teveum papel essencial, movimentando-se incansavelmente
nos meios políticos e nos gabinetes militares para minar a conspiração golpista. Café Filho não viveria diretamente os difíceis eventos de ll de novembro pois, no dia 3 desse
mesmo mês, teve um ataque cardiovascular que o
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Ricardo
Maranh ãa
levou a se internar no hospital, com prescrição de repouso absoluto. Velhas raposas, os pessedistas-do sra# de JK nunca acreditaram muito na importância da doença do presidenteinterino. Preferiram atribuí-la a mais uma manobra da conspiração udenistamilitar para afastar o General Lott, obstáculo essencial para que os eleitos fossem afastados do poder.
A compreensão da posiçãode Lott e dos mili-
tares envolvidosnos acontecimentosde novembro exigeo entendimentodo próprio papel dos militares na política brasileira. Para a sua atuação futura, esses acontecimentos não foram apenas uma crise passageira.
O poder militar O episódio de ll de novembro tem uma impor-
tância das mais fundamentais,na medida em que afzza/lzou para a década de 1950 um componente
estrutural decisivoda política brasileira: o Poder Militar. Este não pode ser concebido da mesma forma que no modelo liberal clássico, como corpo profissional que constitui um aparelho dos mais importantes dentro do Estado, voltado principalmente para a afirmação da soberania perante o Exterior. No Brasil, desdea guerra do Paraguai o Exército, principalmente nos seus escalões mais altos, é um importante centro de ação e decisão política l/zfema. O Império pagou caro por tentar manto-lo excluído dos
emoJuscetino Kubitschek
centrosde poder; o Estado da Primeira República, depois de consolidado com Campos Sales, teve que negociar com a chefia militar a legitimação e o apoio ao poder oligárquico (outro não foi o significado, por exemplo, das concessõesde altos cargos políticos a
chefes do Exército durante as ''Salvações'' do govemo Hermes da Fonseca). Após a Revolução de 1930,a crise de hegemoniaque se instaurou concedeu ao Poder Militar um papel ainda mais decisivo em um Estado relativamente mais autónomo; e não
se pode esquecerque, se Getúlio Varias não se adiantasse como sempre aos acontecimentos, aliando-se ao Alto Comando, o golpe de 1937 seria dado pelo Exército de Góis Monteiro.
No períodode 1945a 1964,o papel do Poder Militar tem uma importânciaóbvia ao nível dos fatos, e não só por ter sido o general Dutra o primeiro
presidente;é importantelembrar que a estrepitosa campanha que levou Getúlio em 1950 à vitória eleitoral e à Presidência teve um n/#f/ obsraf prévio do
Alto Comando militar. Da mesma forma, esseAlto Comando exigiu o fim do governo Varias em agosto de 1954, levando-o ao suicídio.
Alguns autorestendem a ver essa importância do Poder Militar, no período, de um ponto de vista que nos parece incompleto porque meramente operacfona/. É o caso de Alfred Stepan, segundo o qual os militares exerceriam, na política, um papel moderador. Eles seriam freqüentemente cooptados pelas elites políticas, atraídos para o apoio a posições dominantes, e chamados a intervir diretamente
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Ricardo
Maranh
quando os civis não conseguem solucionar satisfatoriamente uma crise política. Depois de ''moderar'' a crise e pâr ordem na casa, eles se retirariam novamente aos quartéis (Os .A/f/ífareslza Po/ífíca, Artenova, Rio, 1975). Ora, parece-nos que as chefias militares não são ''cooptadas''
pela elite política,
e sim Fere/icem
a
ela. Não é por outra razão que a imensa maioria dos soldados que sobem aos postos superiores ao de coronel, o fazem por meio de uma conquista política, muito mais que por acúmulo de pontos profissionais
ou antiguidade.Chegarao Alto Comandoimplica em adentrar o núcleo de poder dentro do Estado, com raras exceções.E embora esse núcleo de poder
tenha sofrido modificações ao longo de 1945 a 1964, não há dúvida de que as principais chefias militares tiveram dentro desse núcleo uma razoável capacidade de permanência, maior do que a maioria das elites civis. Se é verdade que os petebistas se mantiveram, de 1950a 1964,enquistados no Estado através do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, sem grandes abalos, não é menos verdadeiro que os generais que se destacaram no final dos anos 40, entre os comandos do Exército e o Clube Militar, mantiveram no mesmo período um alto poder decisório, não apenas ao nível do apare/Ào militar, mas também das ações do Executivo. Mantiveram-se no núcleo de poder e foram elite política durante todo o governo Juscelino, e reorientaram momentaneamente as próprias instituições, de agosto de 1961até o início de 1963,no governoJogo Goulart.
ãa
O Governo Juscetino Kubitschek
Parece-nos exatamente esse o caso do General Henrique Teixeira Lott.. Ele está no centro do sistema político pelo menos desde 1946, quando foi nomeado
para o importantecargo de Adido Militar em Washington e delegado da Junta Interamericana da Defesa
-- cargo que, na época, era mais importanteainda que hoje, num momento de rearticulação do sistema de poder mundial dos EUA no pós-guerra, em pleno
início da Guerra Fria. E que resultou, por exemplo, na constituiçãoem 1948da famosa ComissãoMista Brasil-EUA. Por isso mesmo, em agosto de 1954 foi necessária a assinatura de Lott, mesmo que em po-
sição secundária, no Manifesto dos Generais que exigiu o fim do governoVargas. Muitos autores consideram que, no ll de novembro, Lott nada mais fez que manter uma posição ''legalista'', derrubando Carlos Luz para assegurar a legalidade constitucio-
nal da posse de Juscelino Kubitschek. Para esses analistas, Lott teria conseguidoreunir forças para apoiar seu contragolpejustamentepor ser ''apolí-
tico'', alguém a quem só interessava defender a lei. A miopia estratégica desse raciocínio é por si só evidente. Mas, ao nível dos fatos, a ''apoliticidade de Lott é ainda mais inconsistente. Participando intensamente dos grandes debates políticos do momento, jâ como Ministro da Guerra de Café Filho. Lott desenvolveu uma série de articulações pela apro-
vaçãoparlamentarda ''cédulaúnica'' para as eleições presidenciais de 3 de outubro de 1955. Chegou a
ser atacado, pelo Corre/o da M2zn/zãdo Rio de Janeiro, por fazer pressão direta sobre o Legislativo
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Rlcardo ]Uaran/zâo
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para a aprovação do dispositivo legal.
A razão por que Lott conseguiu tanta força,
apoio e consenso militar para o ll
de novembro
também mereceum pouco mais de atenção, na medida em que chefes militares prestigiosos, como os generais Canrobert Pereira da Costa, Cordeiro de Farias, Juarez Távora e outros também se opunham à posse de Juscelino Kubitschek. Não se pode deixar de afirmar que Lott agiu mais consentaneamente
com a ''lógica do aparelho'' militar de Estado que com a lógica dos posicionamentos civis. Num mo-
mento em que a crise política polarizava e radicalizava as posições partidárias, Lott se apresentava a nível público como o homem que ''defende a ordem acima das paixões políticas''; enquanto isso, Juarez se posicionava claramente de maneira partidária, como candidato presidencial da UDN e do antigetu-
lismo; Cordeiro de Farias havia abandonadosuas posições habitualmente moderadas (que Ihe valeram
até recentementeo papel de ''decano'' dos articuladorespolíticosdo Exército), para fazer em agosto de 1955 um pronunciamento contrário à realização de eleições, em coro com os antigetulistas como Carlos Lacerca. Canrobert, até o dia 31 de outubro de 1955, em que faleceu, mantinha a sua postura parti-
dária de antigetulistafanático. Do outro lado, os militares que defenderam mais claramente Getúlio,
comoseu Ministro da Guerra Zenóbioda Costa, estavam ''queimados'' depois do 24 de agosto. Nos intermináveis debates de 1955, os oficiais ocupavam com frequência incomum as páginas dos jornais; mas
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Governo Jusce/frio KtzbílscÀek
Lott se resguardava,evitandotomar partido a não ser pela ''defesa da Constituição'' e limitando seus
pronunciamentos. Mas Lott agia assim não por estar ''neutro'' no jogo, e sim por perceber que a clara tomada de uma posição pública ao /ado de um parffdo clvf/ não era tão claramente simpática à ''maioria silenciosa'' dos comandos militares. Na ''lógica do aparelho'', era
mais importante assegurar a posição majoritâria espec#icamenfemí/ífar, garantindo-secom o auxílio do mito da ''coesão das Forças Armadas'', procurando parecer mais solidário com o esprff de coros interno ao Exército do que com um partido dos ''paisanos''. Da mesma forma, em 1963, o próprio chefe do golpe de 31 de março de 1964, General Humberto
de Alentar Castelo Branco, procuraria manter-se no plano público com uma imagem não identificável com qualquer dos grupos civis em crescente conflito: identificado então apenas com um grupo espec#íca-
menfeml/ífar: a ''Sorbonne'', elite da Escola Superior de Guerra. Mesmo a maneira como Lott se tornou Ministro
da Guerra diz respeitoa essa posição. No dia 25 de agosto de 1954, Café Filho jâ empossado, os que
mais conspiravam contra Vergas exigiram a cabeça do General Zenóbio da Costa e discutiram quem põr no seu lugar: o próprio Coronel BizarTia Mamede, publicamente o mais antigetulista, sugeriu o nome de Lott, que não pertencia ao grupo vitoriosocom a morte de Vargas, mas podia garantir a unidade militar. O mesmo Mamede acabaria por sofrer, com o
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40
Ricardo Maranh ão
seu excesso de partidarismo ''civil'', pelas mãos do próprio homem que indicara: em lo de novembro de 1955, fez no enterro de Canrobert o discurso contra a posse de JK que provocou as iras de Lott.
O ll de novembro Até o dia lo do mês decisivo,Lott fizera tudo
para preservar a sua imagem legalista. Concordara em punir Zenóbioda Costa, ex-ministrode Vargas, pelo pronunciamentoque este fizera em favor do cumprimentoda Constituiçãoe, portanto, da posse dos eleitos. Momentos depois, porém, puniu também o General Etchegoyen, de posição oposta. Como, diante desta última punição, vários dos militares antigetulistas haviam feito manifestações públicas, Lott não teve dúvida em penaliza-los, exonerando cinco generais e vários coronéis de seus postos. Mas no dia lo de novembro derramou-se a gota
d'água das definições do Ministro da Guena. No enterro do General Canrobert Pereira da Costa, o Coronel Jurandir Bizarria Mamede falou em nome
do Clube Militar, na presençade Lott. Exaltou as virtudes anticomunistas e antigetulistas do falecido, atacando a ''pseudolegalidadeimoral e corrompida'' e classificando a eleição de JK como ''vitória de uma minoria'', que não podia justificar a posse. Lott ouviu calado, mas no momentoseguinteexigiu a punição do coronel. Ocorre que, por estar designadopara
J
O Governo Juscelino Kubitschek
o Estado-Maior da Escola Superior de Guerra, Mamede deveria ser punido pelo próprio presidente
Café. Este procurouadiar o problema,enquantoa
imprensa pró-udenista jogava lenha na fogueira com as repercussõesdo discurso do coronel. Intemandose no hospital no dia 3, Café tinha o acesso à sua pessoa vetado por ordem médica, enquanto os quartéis fervilhavam com a crise. Durante uma curta estada no Rio, Juscelino procurou reunir o máximo de forças entre os políticos, enquanto Alkmin intensificava seus contatos com o Movimento
Militar Constitucionalista(MMC)
,
oposto aos udenistas, e com Lott. No dia 8, declarado pelos médicos como impossibilitado temporariamente de exercer seu mandato, Café passou a Presidência a seu substituto constitucional, o Presidente da Câmara Carlos Luz.
A conspiraçãoandavarápida. Luz era clara-
mente alinhado aos golpistas: na tarde do dia 9, falou claramente para Lott que não aceitava punir
Mamede.Em protesto,o Ministroda Guerra anunciou sua demissão, e já no dia 10 Luz preparava, junto com Eduardo Gomes, com o udenista da Pasta da Justiça Prado Kelly e com o recém-nomeadotitular da Guerra, General Fiúza de Castra, uma longa lista de comandos militares a serem transferidos (cf. Thomas
Skidmore,
.Brasa/ -- de Geftí/ío
a (lbsre/o,
Saga, Rio, 1969). As rádios transmitiam sem parar informativos agitados e opiniões candentes sobre o assunto. SÓ à uma hora da manhã do dia 11, porém, Lott tomaria
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Ricardo Maranhàa
a decisão, pressionadopelo General Odílio Denys e pelos oficiais do MMC, entre outros adversários da IJDN. O ministro demissionário rumou para seu gabinete e convocou com urgência as chefias do Exército. Às duas e meia da madrugada já havia tropas se deslocando pelas ruas desertas do Rio de Janeiro e ocupando postos estratégicos, sob o co-
mando de Lott. Ao mesmotempo, Alkmin reunia seus aliados do PSD e do PR, além de Osvaldo Ara-
nha, do PTB, e da liderança do PSP. Nessa rápida articulação, conseguiucom que o presidente substituto da Câmara, o velho gaúcho Flores da Cunha, convocasseo Legislativofederal para uma reunião de emergência às nove horas da manhão do dia ll. A velocidade do contragolpe tornou-o uma realidade inelutável, jâ ao alvorecer. O General Fiúza de Castro jâ estava preso, as bases da Aeronáutica e o Palácio do Catete cercados, a Central de Polícia ocu-
pada. Carlos Luz e seu sfal# conseguiramfugir por pouco, refugiando-seno Arsenal da Marinha. Ali, juntando-se a Carlos Lacerda e a outros líderes da direita, como o Almirante Pena Bato, da Cruzada Anticomunista, Luz e a UDN ainda fizeram uma tentativa inútil: o rocambolesco episódio do embar-
que no navio Tamandaré, que zarpou rumo a São Paulo para tentar estabelecer lá, em vão, um governo provisorio. Cumprindo o ritual constitucional, a Câmara de maioria pessedista-petebista destituiu Luz e entregou
o governoao presidentedo Senado, Nereu Ramos. A aliança dominante, fechada com o setor majoritário
O Governo Juscelino
Kubitschek
do alto oficialato, garantiu dessa forma a possede JK emjaneiro seguinte. Não deixava de ser uma vitória contra os inimigos da democracia. Juscelino se valeria brilhantemente das instituições que o contragolpe preservou, para assegurar e desenvolvero domínio do capital, na sua forma liberal-democrática.
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O Governo Juscetino Kubitschek
O PLANO DE METAS E O GRANDE CAPITAL Se Brasília foi a grande arma simbólica da presidência de Kubitschek, sua grande arma política foi o desenvolvimentismo. Mas o sucesso no seu manejo só foi possívelgraças à grande alavanca estratégica: o
Plano de Metas, ou Programade Metas. De posse dessa alavanca, o presidentefoi capaz de remover os obstáculosao seu triunfo, remanejar parte do próprio sistema político para conseguir maior eficácia, e consolidar seu prestígio e influência. Entretanto, o Plano foi possível graças a um conjunto de determinações históricas da sociedade brasileira, no quadro de um processo de industrialização e de transforma-
ções capitalistas cujo início vem ainda dos anos 30. Desde aquela época, a mudança de nossa fisionomia social, de um sistema agrário-exportador para uma formação capitalista industrial dependente, contou com a crescentementedecisivaparticipação do Es-
Jusceiino e o novopadrão de acumulação
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46
Ricardo Maranhão
tado na economia. Como chefe de Estado, JI( ampliou intensamente essa participação, ao mesmo tempo que estimulou como nunca o investimento
privado, abrindo principalmente as portas ao capital estrangeiro.
Mas o Plano tambémfoi aplicadonum mo-
mento em que uma série de transformações, até no próprio padrão de acumu]ação capita]ista no Brasi], estavam se operando; e numa situação em que o grande capital monopolista, em escala internacional, acelerava o processo de integração de economias periféricas dependentes, exportando crescentemente
capitaispara sua indústria. Contandocom um vasto contingente de mão-de-obra barata, submetido à miséria secular dos países ex-coloniais, o Brasil passava
a ser um.terreno cada vez mais atraentepara as
grandes empresas multinacionais. Mas o país não teria essa característica, se não fosse a situação histórica específica de seu processo de industrialização.
Substituição de importações Não hâ dúvida de que o período que estamos analisando, apesar de apresentar mudanças no padrão de acumulação capitalista, tem uma dinâmica de crescimento industrial cuja forma é ainda a do processo de ''substituição de importações'', que atinge seus limites e se esgota nessa etapa. Desde as décadas anteriores, o crescimento dentro desse pro-
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0 Governo Juscetino Kubitschek
cesso é bastante visível: de 1940 a 1961 a produção industrial brasileira quase que sextuplicou, e teve um ritmo de crescimentomaior do que o dobro do ritmo de crescimento global da economia. Particularmente de 1955 a 1959, a expansão industrial superou de longe os marcos de outra nação latino-americana em processo rápido de industrialização: tomando-se para 1955 o índice 100, em 1959 essa taxa se elevou no Brasil para 197 (quase
dobrando
em quatro
anos),
enquanto no México a taxa foi a 134. Tendo limitadas as possibilidades de se basear essencialmente no setor agrário-exportador, pelas restrições que o mercado internacional impunha ao crescimento efetivo do valor das exportações, o capitalismo
brasileiro
voltou-se cada vez mais para
a
diversificação industrial. ''A industrialização ocorreu aproveitando-se o mercado interno já existente para produtos industriais importados, que eram substituídos por produtos fabricados no país. Tivemos assim uma drástica redução do coeficientede importações, que baixou de 12,6%ono período 50-54 para 8,6%o no período
55-61. . . Os empresários
industriais,
nesse
período, não tinham dificuldades maiores em decidir em que setor investir, quais produtos importar. Bastava que examinassemnossa pauta de importações para saberem onde investir'' , afirma Bresser Pereira (Z)escava/vfmenfo
e Crise /zo .Brasa/, Brasiliense,
São
Paulo, 1976). Ora, no processo de substituição de importações, afirma-se claramente a presença crescente do Estado na economia, como elemento necessárioao
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Ricardo Maranhõo 0 Governo Juscelino Kubitschek
48
processo,
desde os anos 30. Mas
deve-se anotar
o
papel cada vez mais po/íflco dessa intervençãodo Estado, seja como planejador, seja como proprietário
de meios de produção. Ao procurar, desde o final dos anos 30, garantir
as condições
para o processo in-
dustrial, o Estado não se afirma apenas como elemento central no plano económico: torna-se também o centro político decisivo para o qual se dirigem os interesses e as demandas dos setores produtivos. É evidente que esta característica não constitui
uma especificidadebrasileira: efetivamente,em todos os Estados capitalistas o centro do sistema político é também o realizador efetivo dos interesses e demandas dos setoresprodutivos, enquanto tais demandas dizem respeito à reprodução das relações de
produção e dominação na sociedade global. Mais ainda, na etapa monopolista do capitalismo essa presença do Estado, garantindo a reprodução do capital, é muito mais decisiva.
Entretanto, a especificidadepolítica do Estado brasileiro, no que se refere às suas ligações com os setores produtivos, esta em que os empresários de tais setoresmantêm uma forte dependência das ações do Estado. Não constituindo formas sólidas de articulação na sociedade civil pelas quais pudessem veicular seus interesses, os setores empresariais têm necessidade de um acesso mais direto ao Estado, do qual dependeme dentro do qual são incapazes de estabelecer uma hegemonia efetiva de classe ou fração de classe. É notório que, apesar do intenso
desenvolvimentoindustrial dos anos 1956a 1960, a
burguesia industrial não conseguiu estabelecer sua hegemonia na sociedadepolítica. Dependeu do Es-
tado, que Ihe asseguroua necessáriaparcelade transferência de renda da agricultura para a indústria, mas sem subordinar o setor agrícola; esse Estado Ihe asseguroucapitais extemos para a expansão do parque industrial, mas garantiu essa entrada mo-
vido também por outra defermípzação. de caráfer í/zfernaclo/za/, como veremos, o que levaria à cres-
cente subordinação da burguesia industrial a esse capital extemo. Um Estado, enfim, que não pertencia efetivamente a essa burguesia, mas representava também interessesdo setor agrário e dos grupos exportadores/importadores,
além de precisar .asse:
gurar migalhas da renda e pequenos benefícios à classe trabalhadora,
para legitimar
e fortalecer
o
grupo no poder. Trata-se de uma situação que, no essencial, havia definido suas características desde os anos 30, e que é assim analisada por Francisco Wef-
fort: ''Resultandoem parte da Revoluçãode 30,...
esse processo deveria conduzir a uma 'crise de hegemonia'. . . Abaladas as bases de poder das velhas classes agrárias, e na ausência de altemativas de outras classes fundamentais', entre as quais a burguesia industrial e a classe operária, a crise deveria receber precisamente esta solução que Gramsci designa como 'transformista',
ou seja, a preeminência
do Estado
sobre a sociedade civil com a projeção dos detentores do aparelho de Estado para a condição de árbitros do instável compromisso entre os grupos dominantes,
que desde então passaria a caracterizar o regime
Ricardo Maranhàa
50 brasileiro''
(Paridos,
Sírzdfcafos e Z)emagrecia,
Paulo, 1975,mimeog.,p. 65).
São
É necessário observar sob esta ética alguns as-
pectos decisivos da ação do Estado no período; e não
apenas a política desenvolvimentistade Kubitschek, mas também um fato anterior que a facilitou, a controvertidaInstrução 113da SUMOC, de 1955.
Gudin e a Instrução 113 O governo Café Filho foi, pelo menos no plano
dos fatos políticos e das aparências, um governo
O Governo Juscetino
51
Kubitschek
b.monetário Internacional
(FMI)
no plano económico,
Gudin tentou atacar de rijo a inflação crescente, por ele apontada como a herança mais trágica da política de Vargas, através de uma forte restrição de crédito e da contenção dos gastos públicos. Não teve êxito na aplicação de suas medidas drásticas, pois o governo não era suficientementeforte para isso; além das críticas dos nacionalistas, ele teve que enfrentar os protestos dos empresários das indústrias de bens de ca-
pital dependentesde créditosdo Estado, dos cafeicultoresque não aceitavamsuas idéias de acabar com o programa de apoio ao café e, finalmente, dos bancos comerciais que não aceitaram sua exigência de que metade dos novos depósitos fosse recolhida
frágil, classificado como ''transitório'' até mesmo por alguns de seus integrantes. Dois mesesapós a posse
na SUMOC (Superintendência da Moedae do Cré-
1954 haviam mostrado o avanço da oposição petebista (de 51 para 56 cadeiras) na Câmara dos Deputados, o recuo eleitoral da UDN aliada ao presidente (de 84para 74 cadeiras), e a manutençãoda maioria pessedista, que não apoiava o governo. Entretanto, a existência de um governo fraco
ideário
de Café, as eleições parlamentares de 3 de outubro de
não significanecessariamente que o Estado não
intervenha nos rumos da economia. Efetivamente, o primeiro ministro da Fazenda de Café Filho, Eugênio Gudin, marcou decisivamente em sua gestão o capitalismo brasileiro, assinalando a preeminência do Estado mesmo durante um governo transitório. Conservadorno plano político, udenista, e favorável às medidas ''monetaristas'' preconizadas pelo Fundo
dito) l
Mas não é essaa importânciade Gudin. Seu ''monetarista''
permaneceu
como referência
para todas as práticas futuras desse gênero ''antiinflacionista'', criando uma verdadeira ''escola''; o mais importante, porém, é o problema de /findo em que a sua política económicase inseria e ao qual ele daria uma nova solução. A política económica, como a dos govemos brasileiros desde os anos 30, se movia entre interesses ora complementaresora conflitantes, do setor agrário-exportador e do setor industrial. O primeiro era sempre atendido, por exemplo, nos seus interesses de proteção estatal à renda do café, ou no desejo de que
não se alterasseo sistema de propriedade da terra (no qual nenhum governo até 1964 tentou tocar, a
Ricardo Maranhão
52
não ser Jango, pouco antes de ser derrubado). O segundo setor tinha a garantia, por exemplo, de que o Estado Ihe proporcionasse crédito (e Gudin acabaria caindo em abril de 1955 por tentar restringe-lo),
e
ajudasse a prover o capital necessário ao aparelhamento do parque industrial (nesse sentido, foi importante a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico -- BNDE --, em 1952). Uma das questõesque ocuparam o período Café Filho (e vários momentos posteriores) foi a de se se deveria suspender ou não o ''confisco
cambial''
sobre o café, me-
diante o qual o Estado desviava parte dos lucros cambiais, em exportações, para áreas de investimento consideradas prioritárias ao desenvolvimento económico.
Não se tratava de um efetivoconflitoentre a
indústria e a agricultura; a problemática era mais referente a uma contradição do padrão vigente de acumulação do capitalismo brasileiro, assim colocada por Francisco de Oliveira: ''a contradição... resulta do fato de que, ao mesmo tempo em que se fazia mister transferir parte do excedenteda produção cafeeira para o setor industrial (estatal e privado), era necessáriopreservar a rentabilidadeda empresa agroexportadora,já que era ela a única a proporcionar os meios de pagamento intemacionais indispensáveis''ao suprimento da oferta interna de bens de capital'' e insumos básicos (''Padrões de Acumulação, Oligopóliose Estado no Brasil -- 19501976'', ín Estado e Ckzpífa/esmo no .eras//, HucitecCEBRAP,
São Paulo, 1977).
53
O Governo Juscelino Kubitschek
No momentoem que Gudin assumiuo Minis-
tério da Fazenda, a questão se agravava, pois a venda internacional do café estava em baixa; isso graças ao
boicote imposto por Nova lorque ao produto brasileiro, como represália aos seuspreços mínimos considerados altos.
Sem procurar
''resolver'' essa contradição
(cujos
efeitos se manteriam em nível ''aceitável'' dentro da política económica ''branda'' dos ministros da Fazenda seguintes, José Mana Whitaker e Mário Câ-
mara), Gudin atacoupor outro lado, com uma medida que atingiria o próprio padrão de acumulação cáfila/lsfa brasa/eira:a Instrução 113 da SUMOC,
com a qual se vai procurar o recurso ao capital externo de investimento
direto,
''de risco'',
para o
financiamentoda acumulação. É claro que isso jâ existia na indústria brasileira, desde o seu início; mas, até então, o financiamento da acumulação in-
dustrial se dava prioritariamente através do deslocamento de excedentes da própria economia brasileira ou de créditos extemos obtidos a nível de govemo.
Além disso, no artigo citado, Francisco de Oliveira chama a atençãopara o fato de que, a partir daí, hâ
uma expansãosem precedentesde um setor que praticamente não existia no Brasil, o de bePzsde con-
sumo dtzrávefs,e tudo isso constitui-senuma mudança do próprio padrão de acumulação capitalista, a ser implementadode maneira nítida no governo Kubitschek. A Instrução 113, baixada no início de 1955pelo fiel partidário de Gudin e chefe da SUMOC Otâvio
Ricardo Maranhão
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Gouveia de Bulhões, permitia investimentosestrangeiros diretos sem cobertura cambial, assegurando ao investidor estrangeiro a importação de equipamentos industriais segundo uma classificação prioritária dada pelo governo. Mantida essa tendência no período Kubitschek, ela obrigaria os industriais brasileiros a se associarem a estrangeiros, abrindo para estesuma ampla gama de facilidades. Juscelino permitiu, nos seus ''Cinqüenta Anos em Cinco'', a instalação da indústria de bens de consumo duráveis, ampliando também a de bens de produção como setor decisivo.
O capital monopolista Não há dúvida de que a adoção dessa política
corresponde também a outra derermfnação, externa,
a da nova etapa de expansão do grande capital monopolista em direção ao investimento industrial direto nos países subdesenvolvidos,configurando a nova fase do imperialismo. Mas, no plano das decisões internas, não há dúvida de que a adoção dessa medida, e pouco depoiso Plano de Metas de JK, constituem ações do Estado moldadas pelas suas peculiaridades em nossa formação social. Mantendo uma autonomia relativa diante das forças sociais em conflito, o Estado redireciona a economia sem alterar essencialmente os padrões de funcionamento dos setóreseconómicospreexistentes, sem alterar a corre-
O Governo Juscetino Kubitschek
cação de forças entre as classes dominantes, sem
tocar no delicado equilíbrio de alianças e compromissos entre setores produtivos. Promovendo um intenso crescimento industrial, não procura solucionar as agudas contradições do desenvolvimento, particularmente as do campo, cuja miséria e atraso acabam por permitir a drenagem de mão-de-obra barata para os centros urbanos em processo de industrialização. E mais, essa autonomia relativa do Estado, trabalhada por um grupo de poder nascido das peculiares alianças do ''pacto populista'', permite ao governo usar como instrumento de legitimação popular o próprio ''desenvolvimentismo'' industrial; as concessões aos trabalhadores, embora restritas, fazem o resto em matéria de legitimidade. Mesmo que as massas populares discutam a legitimidade deste ou daquele governante, tende a reforçar-se entre elas a
noção de que um Estado poderoso, mesmo sem a
participação popular nas decisões, pode ser ocupado por um ''bom'' governante que resolva suas necessidades imediatas e históricas. A compreensão do caráter das práticas demo-
cráticas do período JK passa por essa visão, bem como a compreensão de seus limites. As instituições
que viabilizaram o desenvolvimentono período levaram necessariamente ao fortalecimento do Estado, mas principalmente ao do poder Executivo: é o caso dos ''organismos paralelos'' de desenvolvimento, ligados diretamente ao Executivo Federal, que permitiram ao presidenteda República ''passar por cima'' de seus limites constitucionais e adquirir mais pode-
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57
Ricardo Maranhão IFt O GovernoJuscelino Kubitschek
res para a execuçãoda políticaeconómicae da ''racionalização administrativa'' Juscelino foi capaz de sobreviver com êxito às tensões criadas por um capital monopolista
que, se-
gundo Florestan, tem necessidade de ''capturar''
para os dinamismos e controles das economias centrais todos os setoreseconómicosdo país. E que por isso tem de superar os obstáculos à ''satelitização'' da própria ação económicado Estado. O mais irónico é que governoscomo o de JK tiveram a possibilidade de se valer de um discurso
''nacionalista''
para se
legitimar, ao mesmo tempo em que a ''satelitização'' avançava: mas quando o discurso nacionalista fosse levado a sério por alguns setores políticos e ameaçasse tornar-se uma prática, transformar-se-ia num obstáculo a ser destruído.
Segundoo próprio Juscelino, o Programa visava ''acelerar o processode acumulação, aumentando a produtividade dos investimentos existentes e aplicando novos investimentosem atividades produto ras''. O objetivo último era o de elevar o nível de vida da população, através de novas oportunidadesde emprego. Apresentavam-se 31 metas, distribuídas em seis grandes grupos: a) energia (metas de l a 5): energia elétrica, nuclear, do carvão, do petróleo (esta dividida em
produção e refinação); b) franspodes (metas de 6 a 12): reequipamen
tos de estudas de ferro, construçãode estudas de ferro, pavimentaçãode estudas de rodagem, portos e barragens, marinha mercante, transportes aéreos; c) a/íme/zfaçâo (metas de 13 a 18): trigo, arma-
As praticas do Plano O exame da prática centra/ do govemo JK mos-
tra como este pode levar até o limite o equilíbrio contraditório entre o discurso nacionalista-desenvol-
vimentistae a realizaçãode aberturasao capital
monopolistaestrangeiro.Na sua origem, o Plano, ou o Programa de Metas, tem base e inspiração nas análisesdo grupo CEPAL-BNDE, formado em 19S2 por membros da Comissão Económica para a América Latina e do recém-criadoBanco de Desenvolvimento.
zéns e silos, frigoríficos, matadouros, mecanização da agricultura,
fertilizantes ;
d) í/zdzísfrlaide bale (metasde 19 a 29): aço,
alumínio, metais não ferrosos, cimento, álcalis, papel e celulose, borracha, exportação de ferro, indústria de veículos motorizados, indústria de construção
naval, maquinaria pesada e equipamentoelétrico; e) educação (meta 30).
.D consfmção
de .Brmí7fa (meta-síntese).
(Cf.
Mana Vitória Benevides, O Governo .KtibííscÀek -Desenvolvimento Económico e Estabilidade Política ,
Paz e Terra, Rio, 1976).
Para a execuçãodo Plano, Kubitschek deveria dispor basicamentede dois tipos de recursos: emis-
ITr
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Rfcardo ]Waran#âo T O mover/zoJaspe/fno Ktzbifsc/zek
sões govemamentais e financiamentos extemos. É claro que, para a obtenção das emissões, ele precisou
antes de mais nada superar as resistências dos que preconizavam a restrição dos gastos públicos como forma de combater a inflação. Essas resistências ''monetaristas'' não se encontravam apenas na gran: de imprensa e na oposição udenista: dentro do pró-
prio governo,Lucas l.npes, presidente do BNDE, era favorável à reforma cambial e à contenção inflacionâria, apoiado por outros membros da equipe governamental, como Roberto Campos e Paulo Pook Correia. Até março de 1956, houve inúmeras reuniões a nível ministerial para encaminhar o problema, na
medida em que o líder pessedistae ministro da Fazenda José Mana Alkmin era contrário a Lucas Lopes, preconizandoa manutenção de uma taxa moderada de inflação(13,5%oao ano, conformeo Programa), e a melhoria da balança comercial através da defesa dos preços do café. SÓ em 17 de março é que JK optou claramente por Alkmin, assegurando os recursos governamentaispara a vitória do Programa. Quanto aos recursos externos, havia dificuldades geradas pela resistência
do FMI
(Fundo
Mone-
tário Internacional)em aceitar uma política económica não adequada aos seus parâmetros. O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), subordinado ao FMI, não manifestou muito boa acolhida aos pedidos do governo brasileiro, dando início a uma série de divergênciasque culminariam no rompimento com o Fundo por parte de JK.
Mas este conseguiu obter logo um financiamento de 125 milhões de dólares do Import-Expert Bank de Washington, pelo interesse que essa instituição de-
monstrou nas metas sobre renovação do equipamento ferroviário e reaparelhamento e dragagem de portos.
Além disso, os governos europeus
como o
alemãoe o francês,e o governojaponês,se inte-
ressaram pelos planos de Juscelino: isso era resultado
direto dos interessesde grupos monopolistas sediados nesses países e que viam boas perspectivas de lucro em investimentosno Brasil. É o caso dos grupos Krupp e Daimler-Benz da Alemanha, que desde o início do governo passaram a investir aqui, bem como dos gruposjaponesesque vieram a fundar a siderúrgica USIMINAS. Em pouco tempo, ficaria claro para as grandes empresas multinacionais,
mes-
mo para as sediadas nos EUA, que a política do presidente era extremamente benéfica para a reprodução ampliada de seuscapitais em nosso país.
Para ampliama captaçãode recursos, Kubits-
chek propôs também ao Congresso a criação do Fundo de Marinha Mercante, do Fundo Federal de Eletrificação e a revisão da legislação do Imposto Único sobre combustíveis. SÓ esta última medida proporcionaria um orçamento de 25.bilhões no qüinqüênio para o Departamento Nacional de Estudas de Rodagem. A meta de construção de rodovias, uma das de maior sucesso de JK, ficaria assim amplamente facilitada. É claro que, para a aprovação dos ambiciosos planos juscelinistas, havia dificuldades em um Con-
'l 'rF 60
Ricardo .A/aranÀão
grosso que, à época, tinha um poder razoável sobre questões financeiras (que o regime pós-1964 Ihe iria tirar). Os udenistas se esgoelavamcom grande pertinácia na tribuna, acusando o presidente de levar o país à bancarrota e considerandoBrasília um sonho delirante. Mas a eficácia da coalizão PSD-PTB, como veremos, só aumentoucom o Programa de Metas, no sentido de fazer aprovar os gastos públicos. Para o PSD, cuja cúpula era bastante sensível às pressões das grandes empreiteiras, as obras monu-
mentaiseram um verdadeiroprato para efeitode negociaçõespolítico-eleitorais. As rodovias, centrais elétricas, açudes, etc. passavam, é claro, pelo crivo
de interessesregionaise locais; por isso mesmo, o PSD procurava interferir no sentido de que sua localização fosse a mais po/írfca possível. Para o PTB, o
fato de que a inflação comia sistematicamente os
reajustes salariais dos trabalhadorespoderia ser um problema: um partido que pretendia ser da classe trabalhadora não podia permitir que essa classe fosse (como efetivamente
foi) a principal
fornecedora
de
valores para os custos extras do desenvolvimento. Ao mesmo tempo, porém, o Programa de Metas aumentou bastante o nível de emprego, o que podia ser agitado como um benefício do governo às massas; e, apesar de tudo, é inegávelque desde 1944 até 1959 os índices de salário mínimo real em São Paulo e no Rio foram maiores exatamente no governo Kubitschek (ver Francisco de Oliveira, ''Crítica à Razão Dualista'', ín Esftzdos Cebrap no 2, São Paulo, 1972,
pp. 47 e 53). Na verdade, uma série de medidas
'l
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O Governo Jusce/í/zo .Ktzbífscáek
governamentaisde contençãoartificial do custo de vida atenuaramos efeitosdas perdas salariais: as subvenções para importação de petróleo e trigo, por
exemplo, atenuaram os custos do transporte e do pão, ao mesmo tempo que se procurou conservar o valor nominal dos aluguéis e as tarifas das ferrovias. Por tudo isso, o Programa pede ser apoiado pelo
PTB sem que este perdesse ressonânciajunto às massas urbanas; ao mesmo tempo, dava margem à pregação de tipo ''nacionalista'' , que identificava fndtzstrialização com desenvolvimentonacional autónomo.
A ''Administração Paralela'' Mais importante que as manipulaçõesno Congresso, a alavanca decisivapara a execução tranquila do Plano de Metas foi a criação dos órgãos de ''administração paralela'' diretamente subordinados à Presidência. Na verdade, elesforam os elementosessen-
ciaispara o fortalecimento do Executivoe para o aumento da autonomia relativa do Estado. Subordinados ao Conselho de Desenvolvimento(criado um dia após a posse de JK), essesórgãos eram os Grupos
de Trabalho e Grupos Executivosprevistosno Programa para incentivar, de maneira uniforme e centralizada, investimentosde capital em setores considerados estratégicos. Antes do governo JK,
os principais
''órgãos
paralelos'' eram o BNDE, a Carteira de Comércio Exterior (CACEX)
e a SUMOC. Juscelino percebeu a
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Ricardo Maranhão
63
O Governo Juscelino Ku bitschek
utilidade de dispor de várias outras instituições que Ihe fossem diretamente subordinadas, operando à margem do complexojogo político de interessesdo
construção naval, o GELA, para a indústria automo-
outras instituiçõesforam mantidas intocadas para permitir a negociaçãopolítica corrente e não preju-
bém, com atuação importante, o Conselho de Polí-
Parlamento
e da administração
dicar interesses criados.
''tradicional'';
estas
bilística. e o GEIMAPE, para o setor de bens de capital e maquinaria pesada. Finalmente, entre os órgãos da ''administração
paralela'',
JK criou tam-
tica Aduaneira.
Mas as decisões efetivas fo-
ram cada vez mais sendo preparadas no silêncio dos gabinetes de tecnocratas, embora estes estivessem
sob o comando do presidente e dos políticos do grupo de poder mais íntimo do Palácio. Os Grupos de Trabalho, ligados ao Conselho de Desenvolvimento, se incumbiam de preparar prole-
tos de leis e decretos, e se formavam cada um segundo as Metas específicas do Programa. Contavam sempre com a participação de representantes de setores decisivosda administração, podendo assim elaborar proletos que tivessem de antemão razoável via-
bilidade, quanto a verbas, implementação,etc.
Membros de Grupos de Trabalho participavam também dos Grupos Executivos que davam aprovação aos proletos. Estes órgãos foram criados por decreto,
fugindo à discussão do Parlamento e dispondo de completa autonomia financeira. Nos Grupos Executivos participavam administradores do Estado e também das empresas privadas, em geral técnicos. A oferta às empresas, de tecnologia e financiamentos (quase sempre de origem estrangeira), era controlada por estes Grupos em função dos horizontes do Programa de Metas. Os mais importantes foram o GElCON, encarregado de implementar a indústria de
Sucessos e problemas Os êxitos do Programa de Metas de Juscelino são inegáveis, do ponto de vista do crescíme/zfo.Os investimentos em infra-estrutura permitiram, por exemplo, estender mais de 20 mil km de rodovias novas, quando a meta no 8 previa a construção de 10 mil km. O Estado brasileiro optava claramente pelo transporte rodoviário, e os anos subsequentes assistiriam à continuidade e ampliação dessa opção, com o país sendo rasgado em todas as direções por tiras de terra vermelha e asfalto. Em compensação, o tradicional e barato transporte ferroviário ganhou apenas 826 km a mais de trilhos (cf. Juscelino Kubitschek, .A/etzCamln#o para .Brasa/fa, Bloch, Rio, 1978, vol. 111, pp. 447-448). O negócio passou a ser
a estrada de rodagem, e a Belo Horizonte--Brasília
de JK foi apenaso começode um vasto lequeque permitiria cortar a Amazânia e os cerradões do Brasil Central, abrindo o caminho para a chegada do grande capital à agricultura e à mineração nos mais remotos rincões. No setor energético, houve claro sucesso. A po-
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Ricardo Maratthãa
tência das centrais elétricas, de 1955, era de 3 milhões de kw; em 1961, a capacidade instalada já atingia 4 milhões e 750 mil kW e havia uma série de hidrelétricas em construção, particularmente as poderosas centrais de Fumas e Três Manas. Mais visível ainda foi a dinâmica de crescimento da produção de petróleo: de 2 milhões de barris por ano em 1955,
ela chegou a 30 milhões em 1960, enquanto quase triplicava a refinação. O petróleo, cujo crescimento decorria principalmente da criação da Petróbrás em 1953, tinha uma importância decisiva nos planos económicos ''desenvolvimentistas'': a perspectiva da produção interna de combustíveis, importante para abastecer a crescente frota de veículos visada pela meta de implantação da indústria automobilística. Dentro do setor de bens de produção, consolidado e bastante ampliado no qüinqüênio JI(, teve
especialdestaquea siderurgia:a produçãode aço passou de [ mi]hão e 150 mi] tone]adas em 1955para 2 milhões e 500 mil em 1960; nesse ano, estavam em construção usinas que, uma vez concluídas, permi-
tiriam à produçãoatingir 3 mi]hõese 500 mi] tone-
ladas de aço em 1964. É fundamental perceber que o desenvolvimento de todos esses setores mantinha estreita relação com a perspectiva de implantação da indústria automobilística, núcleo central do departamento de bens de consumo durável que, como dissemos, se estrutura no contexto de uma mudança do padrão de acumulação, durante o govemo JK. O Estado faz os poderosos investimentosde infra-estrutura, mas o novo
65
0 Governo Juscetino Kubitschek
departamento é de propriedade dos grandes grupos privados estrangeiros: Mercedes-Benz, Volkswagen, General Motors, etc., e mesmo a Ford, que no início do govemo se opusera à idéia. Os investimentos pnvt: legiados dessesgrupos permitiram que a meta de 100 mil veículos para 1960 fosse amplamente superada, atingindo-se a produção de 321 150 veículos motori-
zados, com 90%ode suas peças e acessóriosfabricados no Brasil. E.ssa indústria automobilística representou quase um símbolo característico da.integração brasileira ao capitalismo monopolista internacional, ao mesmo tempo que se apresentava como uma vitória da Nação na luta pela independência económica.
Ü
isto representa um belo desempenho, não hâ dúvida de que uma série de ''fracassos parciais'' oconeram em várias metas. No artigo citado, Lafer atribui tais fracassos a uma estimativa falha das necessidades futuras, enquanto o sucesso decorreu do controle dos planejadores governamentais incerteza'' da economia.
sobre
as ''zonas . .
de
Obviamente, numa economia capitalista é im-
possível ter-se um controle estrito do desempenho de todos os setores e menos ainda um planejamento completo. Por isso mesmo, não nos interessa muito a analise dos fracassos e sucessos do Programa de Jus-
O Governo Juscelino Kubitschek
celino. Importa mais considerar, como o fazem J. M. Cardoso
de Melão e L. G.
Belluzzo,
que ''o capi-
talismo monopolista de Estado se instaura, no Brasa, ao término do período Juscelino, que marca a última fase da industrialização. Isto porque só então são constituídas integralmente as bases técnicas necessárias para a autodeterminaçãodo capital, cristalizadas no estabelecimento de relações entre os Departamentos de Bens de Produção, Bens de Consumo do Assalariado e Bens de Consumo Capitalista, o que impõe uma dinâmica especificamentecapitalista ao processo de acumulação'' (''Reflexões sobre a Crise
Atual'', flzEscn'ra-.Ensaü, ano 1, no 2, São Paulo, 1977,P. 18).
A ideologia desenvolvimentista e nacionalista veiculada pelo governo JK tentava ocultar, com relativo sucesso, esse processo de implantação de uma dinâmica monopolista submetida a centros externos, essa subordinação do capital nacional ao estrangeiro. É bem verdade que o próprio chefe de governopreferia dar ênfase maior no discurso sobre ''desenvolvimento'' do que no discurso sobre ''nacionalismo''; e que, enquanto JK parecia acreditar na relaçãopaís desenvolvido/país subdesenvolvido como uma relação de ''inferioridade'' e não de exploração, a vertente nacionalista veiculada por alguns setores e agências govemamentais tendia a ver nacionalismo como combate ao capital estrangeiro. Entretanto, mesmo a noção de ''desenvolvimento'' veiculada pela
propagandapresidencialnão podia ocultar que os êxitos do período estiveram associados ao aumento
das disparidades regionais, das desigualdadesde
renda, dos focos de tensão, dos bolsões de miséria, e isto se utilizarmos apenas a linguagem do próprio discurso desenvolvimentista.
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.T
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O Governo Juscelino Kubitschek
COM A DIREITA, LUVAS DE PELICA No dia ll de fevereirode 1956,mal havia começado o governo, Juscelino recebeu um comunicado urgente do ministro da Guerra. Interrompendo seu almoço, Lott avisava o Presidente de que vários aviões da Força Aérea Brasileira haviam decolado do
Campo dos Afonsos, no Rio, em atitude de rebeldia.
Comandadospelo Major Haroldo Veloso, um punhado de oficiais da Aeronáutica se dirigiu para
Jacareacanga, no Para, destruindo equipamentos de comunicação de vários campos de pouso, se decla-. bando em aberta rebelião contra o governo e controlando a área delimitada por Belterra, ltaituba, Jacareacanga e Santarém.
Uma rebeliãologo no início do mandato, par-
quando o ministro daquela Arma, Brigadeiro Alves Seco, convocadoàs pressas, Ihe afirmou que nada podia fazer, pois os oficiais da FAB ''não obedeceriam às ordens da Presidência''. Nos dias subsequentes, muitos membros de bases aéreas em Salvador, Belém e Fortaleza chegaram a ser presos por solidarizar-se com a rebelião. Ao tomar providências para reprime-la,contando com o Exército e um pequeno núcleo de oficiais-aviadoresseus aliados, JK sentiu enormes dificuldades para organizar suas forças: até mesmoum comandanteda Marinha (outra Arma descontente) recusou-se a transportar tropas de Belém para o local conflagrado. A imprensa udenista deu vasta repercussãoao fato, visto como evidência da falta de apoio do novo governo, e exagerou os números,
selva.
fa]ando
em ''cinco
mi] homens''
na
Na verdade, o Major Veloso, representandoa
corrente mais extremada da direita do udenismo militar, contava com pouco mais de 20 soldados armados de metralhadoras, um punhado de civis e, para acrescentar uma nota tragicõmica e tropicalista, alguns índios meio desentendidos com seus arcos e flechas. Obviamente, o apoio de outras guarniçõespoderia transformar o incidente em problema grave; muitos oficiais do próprio campo dos Afonsos recusaram-se a seguir para o Norte para reprimir
o le-
tindo de um setor como a Aeronáutica, descontente com o regime desde a primeira derrota do Brigadeiro
vante. A ação rápida dos paraquedistasdo Exército e
não podia deixarde preocuparJK. Ainda mais
resultar num golpe de direita; mas só no dia 29 de
Eduardo Gomes, e sensívelà pregaçãode Lacerda,
o apoioum tanto constrangidodos oficiaisda FAB
não partidários conseguiu conter aquilo que poderia
I'r'p''
Rícardo .A/aran&âo il'
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O Gol,ermo /usce/fno Ktzbífschek
fevereiro os rebeldes de Jacareacanga se renderam, e o Capitão José Chaves Lameirão e o Major Paulo
Vector, que tambémhaviam decoladopara a selva paraense em apoio ao movimento, refugiaram-se na Bolívia. Veloso foi preso.
A aventura de Jacareacanga excitava alguns
apetites românticos dos radicais de direita. Juscelino, porém, não os reprimiu: esvaziou-os, decretando em seguida uma anistia geral para todos os que tivessem conspirado contra o governo desde 10 de novembro
de 1955.O jogo da anistiatinha endereçoscertos. Em primeiro lugar, os militares, a quem não interessava uma onda de represálias, retaliações e, menos ainda, investigaçõessobre quem conspiravaou não contra o governo. Kubitschek cortejou intensamente as Forças Armadas em seu governo, independentementeda posição política respectiva dos oficiais. O segundo endereço era a UDN: JK deixava clara a não aceitação das provocações incendiárias daquele partido, apresentando-se como o presidente da Paz e da Concórdia. Ele tratou durante todo o seu mandato a oposição de direita com os mesmos tapas
com luvas de pelica, impedindo a todo custo a radicalização dos conflitos. Dessa forma, manteve os udenistas na função específica de oposição direitista
e reacionária,semlhesdar espaçono Poder, mas sem aniquila-los.
A funçãoda UDN Para os brasileiros que liam jornais entre 1945 e
O golpismo de Curtos Lacerda
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Ricardo Maranhão
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1964, o que impressionava e passava como reacionârio era o tom virulento com que os udenistas com. batiam as articulações dos pessedistas e dos populistas, emocionalmenteirritados com os sucessoseleitorais daqueles e com os seus próprios fracassos nas sucessivas eleições presiden.dais. Algumas de suas manifestações
contra as eleições ''viciadas''
e o elei-
torado ''ignorante e manipulado'' eram verdadeiras pérolas de reacionarismo. Na campanha contra Juscelino Kubitschek, o líder udenista Jogo Agripino chegou a desenhar um lúgubre retrato do ''abuso
de
liberdade'' nas eleiçõese na política, dizendo que a
liberdade no Brasil era a de ''corromper e roubar'', e
que seria melhor ''viver limpo num cárcere do que livre nessa podridão'
É verdade que as intervenções udenistas às vezes se pautavam por extremado liberalismo, em nome da destruição da tutela do Estado sobre a sociedade brasileira. Mas suas praticas apontavam sistematicamenteno sentido de um go/pomo que substituísse o processo eleitoral e instaurasse uma ditadura ''rege-
neradora'', que seria seguida pela verdadeira demo-
cracia. Essa era a fala sistemáticado mais popular dos udenistas, Carlos Lacerda. A postura conservadora da UDN não se explica de maneira nítida apenas por sua composição social, bastante complexa em termos de representação de interesses. Paul Singer a define como composta ''por grupos da grande burguesia, tanto industrial como latifundiária, tanto nacional quanto estrangeira; grupos da pequena burguesia, tanto empresarial (peque-
O Governo Juscelino Kubitschek
nos e médios industriais, comerciantes, lavradores) como profissional (profissionais liberais, altos tecno-
cratas e gerentes de indústrias'. ''A Política das Classes Dominantes'' , fn Po/íffca e Rapo/tição .Socfa/ rzo .Brasa/, Civilização Brasileira, Rio, 1965, p. 83). Seguramente dela não faziam parte representantes de setores populares expressivos, do operariado ou do campesinato, mas na busca de fotos a UDN ganhava setores de classe média, através do seu mora-
lismo, e Lacerda não deixava de praticar um certo ''estilo'' populista.
Mas, na hora dos votos, ''o ser-
tão'', os interesses regionais da oligarquia agrária pesavam bastante, para definir o conservadorismo dominante dentro da UDN. Além disso, o e/ífümo do comportamento udenista era decisivo para afastar dela as grandes massas populares e defina-la como o partido ''dos cartolas''
O fato é que, se no momentode sua fundação,
em 1945, a UDN ainda colocava no horizonte propó-
sitos renovadores numa perspectiva liberal, isso se esvaiu desde o período em que sua liderança ficou com Otávio Mangabeira, um nome de oligarca pro-
veniente da República Velha, e outros do mesmo naipe. E, ao longo do período que analisamos, o golpismo da agremiação foi sua tónica constante, ao lado do combate à ''infiltração comunista'' e à fantasiosa ameaça de implantação de uma ''república sindicalista'' por parte dos trabalhistas. Ao longo do governo JK a UDN permaneceu minoritária, oposicionista e favorável a um golpe
militar. Muitos de seus dirigenteschegaram a apoiar
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Ricardo Maranhão
a revolta de Jacareacanga, embora esse radicalismo
esbarrasse sempre na aura de populista e político hábil do presidente. Juscelino conseguia sempre aparecer como o homem ''da anistia'', sempre perdoando os rebeldes, e convencendo os políticos mais
''pragmáticos'' da oposição de que era melhor conviver com a aliança PTB-PSD que combata-lade maneira radical. A margem de manobra que JK possuía ampliou-
se ainda mais com a construçãode Brasília, em-
preendimento suficientementegrande para permitir
''sócios'' de matizes variados. Assim, à exceção dos udenistas ''radicais'' como Lacerda, a UDN não punha efetivamente em cheque a aliança política dominante, ao mesmo tempo que os setores empresariais e financeiros que apoiavam o partido não deixavam de se beneficiar dos ganhos da política ''desenvolvimentinta'' S Por outro lado, o udenismo não deixavade funcionar como agente legitimador do regime, mesmo que pelo lado negativo: existindo uma liberdade de imprensa quase absoluta, os jornais da oposição podiam malhar impiedosamenteo governo, desde um ponto de vista conservador. Ora, isso permitia ocultar das massas populares o conservadorismo ínfimo ao governo, representado pelos principais setores do PSD; se as massas populares continuavam excluídas do processo decisório, o governo não assumia a defessa dessa posição: o ónus da política elífísfa ficava com a UDN, que ''não confiava nas massas''. No debate sobre a política económica, Kubitschek, que
O Governo Juscelino Kubitschek
escancarou as portas ao capital estrangeiro, passou como mais ''nacionalista'' e faturou alto em prestígio popular, enquanto a UDN ficou como a única ''entreguista
PSD e PTB a todo o vapor No plana das lutas partidárias, a garantia principal de que JK poderia ''tourear'' a direita e a UDN era a eficácia da sua aliança de sustentação. Os udenistas viviam a preparar jogadas contra as tendências
de JK, ou contra Brasília, mas nas Comissõese no plenário do Congresso pessedistas e petebistas se uniam para desfazê-las.
Em termos de distribuição de funções, já durante as articulações pré-eleitorais de 1955 JK dei-
xava claro que o PTB, ao colocarJanto na vicepresidência, levava também o direito ao controle das pastas do Trabalho e da Agricultura, bem como de todas as autarquias e órgãos ligados a elas. Durante o governo, apesar de algumas rusgas iniciais em que o PSD tentou interferir nos ministérios ''de propriedade'' dos petebistas, a aliança entre os dois partidos atingiu seu ponto ''ótimo'', segundo o citado trabalho de Mana Vitória Benevides. No poder Executivo, as ''áreas'' de comando de cada partido ficaram bem definidas. E, no Legislativo, a aliança garantia maioria para a apresentação e aprovação dos projetos mais polêmicos, incluindo alguns aspectos do Plano de Metas. Assegurava-se, inclusive, por essa via, a
75
Ricardo Maranhãa
76
autonomia crescente do Executivo que marcou o período. Para compreendercomo se garante essa autonomia, é necessário especificar que o preenchimento
de cargosao nível executivotinha uma dualidade funcional: a maioria dos cargos era alocada de ma-
neira 'jtradicional'', isto é, era garantida para as indicaçõesdos partidários do PSD e do PTB. As novas tarefas do Executivo exigiam, no entanto, um crescimento do número de cargos ''modernos'', sqa para técnicos, seja para burocratas subordinados diretamente ao presidente. Ora, a própria nomeação 'tradicional'' dos cargos destinados a elementos par-
tidários constituía elemento de barganha para JK exigir apoio da aliança partidária, podendo criar cargos novos e novas entidades, como a SUDENE. Assim, sem mexer no clientelismotradicional, o presidente assegurava o crescimento de sua autonomia político-administrativa,
próprio Estado.
bem como da autonomia
do
No cotidiano do PSD-PTB dentro do governo,
a ''otimização'' da aliança não implicava na ausência de conflitos. Pelo contrário, o caráter policlassista da composição não podia ocultar a necessidade de opções govemamentais diante das tensões sociais, crescentes com o caráter contraditório do processo de
desenvolvimento. Como diz José Comes Talarico,
''as questões sociais provocaram muitos choques e confrontos dentro do governo, resultando, em muitos ensejos, em discordâncias entre o presidente, de um lado, e o vice-presidentee os ministros trabalhistas,
77
O Governo Juscelino Kubitschek
de outro. O PSD pregava uma chamada política de
conciliação, de entendimentoentre as classes patronais e os trabalhadores, e o PTB apoiava Q direito de greve, as reivindicações salariais, melhores condições
de vida e participaçãode trabalhadoresem áreas governamentais... Consumadas as paralisaçõesde trabalho, as autoridades deparavam:ge com o apoio, solidariedadee participação de trabalhistas ao lado dos grevistas e no enfrentamento de situações. Em 1958, numa greve de motoristas que tinham instalado seu comando na sede da UNE, num esforço de contornar esse movimento, levei ao Palácio do Catete, numa tentativa de demover o presidente de uma posição contra os grevistas, os membros da Diretoria do Sindicato dos Motoristas. O chefe da Nação não quis receber os líderes sindicais e, à saída do Palácio, eram todos presos, inclusive eu, deputado federal. É evidente que horas depois éramos libertados e aí o presidente e o governo pressionados por Jango e pelo PTB buscaram uma solução para aquele movimento'' (citado por Abelardo Jurema, Jusce/Ino & Jalzgo,
PSD &P7'B, Artenova,Rio, 1979,p. 186).
Talarico exagera quando diz que o PTB defen-
dia a ''participação
de operários
em áreas governa-
mentais''; na verdade, defendia a participação crescente de petebistas, eventualmente dirigentes sindicais. Talarico está mais certo quando diz que pretendia ''contornar'' o movimento dos motoristas, jâ que o petebismo era uma arma para tentar manipular o movimentooperário, em troca de concessões a este. De qualquer forma, para crescer, o PTB tinha
Ricardo Maranhão
78
de fazer concessõescada vez maiores aos trabalhadores, esbarrando no conservadorismopessedista, o que criava conflitos. Mas a margem de manobra de JI( era suficientementegrande para contomâ-los.
79
O Governo Juscetino Kubitschek xínio Bittencourt,
da corrente
''nacionalista''
e de
grande atuação no ll de novembro, na chefia do
Conselho Nacional de Petróleo, não quer dizer que só os elementos diretamente partidários de Lott fossem
contemplados. ''Na Petrobrâs militares assumem todos os postos-chave. A presença militar é também
Manobrando com os militares O contragolpe de Lott havia sido capaz de renovar a presença decisória dos militares no núcleo de poder político, como elemento que reforça e dá significado à autonomia relativa do Estado no período.
Entre outras coisas, o apoio à política económica ''desenvolvimentista''
de JK por parte dos militares
importante nos órgãos de planejamentoregional, como a.SUDENE e a SPVEA. A participação de militares na SIJDENE intensificou-se a partir da missão secreta do Coronel Ramagem, cujo relatório... deu origem à constituição de uma comissão com elementos do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) para estudo e planejamento de obras contra a seca. Cabe ao exércitotambém a iniciativa de criação da SEAPE
(Serviço Agropecuária),
Agricultura'' 186)
Vitória
inicia-
pouco tem a ver com demandas da sociedade civil: diz respeito mais às necessidadesde modernização do equipamento militar, mais viáveis com o desenvol-
tiva condenada pela oposição lacerdista como 'incursão em seara alheia', no caso o Ministério da
ílzferna.ao.Eirado, JK manteve também o apoio dos militares da corrente ''nacionalista'', herdeiros do General Horta Barbosa e da Campanha do Petróleo, e que resolveram assumir Lott como seu novo ídolo.
Um grande número de outros postos, inclusive de nível ministerial, foram ocupadospor militares, o que esvaziou bastante a oposição dos quartéis que não concordaram com o ll de novembro. SÓ mesmo setores mais radicais, não pertencentes ao núcleo de
vimento industrial. Com a satisfação dessa demanda
atraindo-o para suas posições. O governo de Juscelino
fez da aliança
com o
comando militar um importante fatos de estabilidade política. Lott foi o artífice dessa aliança, e por isso mesmo se manteve como ministro da Guerra até o final do governo. Nessa aliança, foi possível a JK
incorporar em postos govemamentais um grande nú-
mero de altos oficiais. A presença do Coronel Ale-
(Mana
Benevides,
op. cíf.,
p.
poder, estimuladospor Carlos Lacerda e a UDN,
persistiram em ações diretas contra JK. Por outro lado, é importante acentuar que essa presença militar aumentou a autonomia e a eficácia dos aparelhos de Estado. Ao mesmo tempo, deu a seus ocupantes um desempenho mais decisivo e um preparo mais acurado para traçar estratégias do pró-
Ricardo Maranhão
80
prio Estado. O EMFA passou a opinar sobre todos os problemas atinentes ao desenvolvimento económico
do país, e muitas de suas comissõespassarama monopolizar as informações sobre atividades estratégicas como a extração de minérios.
Tem-seaqui, mais uma vez, uma evidênciado crescimentodecisivodo poder de uma burocracia de Estado sobre o conjunto da sociedade. Essa burocracia não tem, porém, uma autonomiatão grande que fuja às determinações de classe: ela se propõe a reproduzir e ampliar o caráter capitalista do Estado, procurando viabilizar a própria realização plena do capitalismo no Brasíl. Entretanto, ela não se liga ou privilegia um setor determinado da burguesia. Como
a política económica de que ela é autora, a burocracia não procura
resolver as tensões internas
à
classe dominante, e sim busca pzorecurso eiclemo os elementos necessários à expansão e desenvolvimento
do capital. Nesse sentido, em que pese a linguagem nacionalista de alguns de seus setores, esse conjunto militar-burocrático é agente, independente de sua vontade, do capital monopolista. Para agir dessa forma. é necessário ao referido conjunto impor /ímífes à democracia, impedir que as varias forças sociais participem
do processo decisório .
Assim como a criação de órgãos administrativos diretamentesubordinados à Presidência reduz objetivamente o poder do Parlamento, é óbvio que a presença do aparelho militar nesses órgãos reforça o superfortalecimento do Executivo, e deixa mais longe
dos olhos e das mãos das forças políticas civis (e
O Governo Juscelino Kubitschek
particularmente das forças populares) o sistema de decisões. Da mesma forma, é objetivamente antidemocrática a participação direta do Exército na repressão a manifestações políticas, como a que foi posta em pratica em maio de 1956 contra os estudantes que lutavam pela redução de tarifas de bondes no Rio; ou a que se fez para reprimir a ''Marcha da Produção'' , manifestação reivindicatória de cafei-
cultorespaulistas, mineiros e paranaenses, em maio de 1957. Entretanto, com tino e habilidade, JK conseguiu passar para a História como um presidente capaz de se relacionar democraticamente com as forças populares.
81
O Governo Juscelino Kubitschek
meda: ''Basta V. Exa. desembainhar a espada e três milhões de trabalhadores do Brasil inteiro se levantarão ao lado de V. Exa.!'' O envolvimento de Lott com a esquerda não podia deixar de preocupar as hostes pessedistas. Não apenas pelo seu conservadorismo de base, mas tam-
bém por saber que o fato reacenderia dentro dos quartéis as iras e ódios anticomunistase antipopulistas tão penosamente contornados pelo govemo na crise de Jacareacanga. No dia da manifestação-mons-
COM A ESQUERDA,
JOGO DE CINTURA
tro programada pela ''Frente de Novembro'' para comemorar o aniversário do contragolpe de Lott, o General Humberto de Alencar Castelo Branco, da
Liderado pelo inefável Carlos Lacerda, formouse nos primeiros meses do mandato juscelinista o ''Clube
da Lanterna'',
organização
de claros propó-
ESG, lançavaumanotadenunciando o perigoda formação de uma ''força popular e nacionalista'' de ''soldados e trabalhadores A manifestação ocorreu, apesar dos insistentes
sitos direitistas e golpistas; Leâncio Basbaum disse
recados de Juscelino ao seu ministro para que não
cistas e senhorashistéricas''. Como reação a essa articulação de direita, setores petebistas e de esquerda, particularmentecomunistas, formaram a Frente de Novembro'', que procurava mobilizar as massas contra o golpismoe em favor do naciona-
tantes uma espada de ouro); de imediato, desenca-
um dia que o ''Clube''
era ''um aglomerado
de fas-
lismo. Tendo como presidente de honra o vice de JK, Jango,
a ''Frente''
tentou com algum êxito atrair a
simpatia de Lott: transformado em baluarte da luta contra o reacionarismo e o entreguismo, o ministro da Guerra chegou a ser saudado durante uma manifestação na Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria
(CNTI)
com uma oração
infla-
aceitasse a homenagem (Lott recebeu dos manifes-
deou-se uma crise político-militar que chegaria até a ameaça de publicação de um manifesto do Almirantado da Marinha em advertência ao governo, num claro ato de indisciplina forjado pela direita. JK trabalhou o assunto da mesma maneira com que se relacionada com a esquerda durante todo o seu governo: dando uma no cravo e outra na ferradura.
ChamandoJanto para uma conversa,o presi-
dente Ihe fez ver a necessidadede proibir a ''Frente de Novembro'',
como elemento de ''agitação''; ao
83
Ricardo Maranhão
84
mesmo tempo, deixava claro que fecharia também o ''Clube
da Lanterna''.
O vice-presidente
advertiu-o
para o risco de magoaro General Lott, principal homenageado dos novembristas, mas JK teve u®a saída que contemplavatambém o ministro da Guerra. Fez uma gravíssima ameaça ao Almirantado, tradicional adversário de Lott: se seus membros publicassem o anunciado manifesto, seriam lodos punidos com base nos regulamentosdisciplinares. Enquanto os almirantes se viam obrigados a suspender sua declaração, ele decretou o fechamento das duas agremiações opostas e saiu-se por cima da contenda, em nome da tranquilidade e da paz.
Estado e movimento operário Num Estado capitalistacomo o brasileiro, que
não pertencia especificamente a nenhum dos setores dominantes da burguesia, a chefia de govemo teria que jogar com o movimento operário, dando-lhe concessões,para ter maior apoio de massa frente a seus adversários
da classe dominante.
Juscelino,
sem se
confundir com os getulistas, principais mentores desse tipo de conduta, não deixou de oferecer uma série de concessõesconcretas ao movimento operário, onde se concentrava a parcela da esquerda que tinha efetivamente alguma importância. Como vimos, em seu governo as perdas dos trabalhadores com a inflação, se não eram compensadas, ao menos eram
O GovernoJuscelinoKubitschek bem atenuadas com os reajustes salariais concedidos. O presidente também permitiu crescer o peso dos
dirigentessindicaisem uma certa faixa de decisões sociais: basta ver a Lei Orgânica da Previdência Social de 1960,que assegurouum terço dos cargos nos órgãos dirigentes da Previdência para representantes dos sindicatos. É claro que isso não eliminava a clássica exclusão dos setorespopulares das decisõespolíticas efetivas. Entretanto, isso permitia manter boas relações com um movimento operário que, na época, lutava por um espaço de atuação junto ao Estado. Desde 1952,o movimentooperário é carreado cada vez mais para de/irra dos sindicatos, sendo esta a orientação predominante na esquerda operária, por sua vez influenciada majoritariamente pelo PCB. Do ponto de vista estritamente político, isso exigia dessa esquerda algumas concessões políticas, particularmente aos dirigentes sindicais patrocinados pelo trabalhismo. Composições ao nível de diretorias sindicais, entre comunistas e trabalhistas, tomaram-se uma constante; ao nível da política parlamentar,
como vimos, isso se refletia numa aliança mais duradoura entre os dois setores, que tendiam às vezes a se confundir na ação concreta.
Essas condutas por parte da esquerda eram
moeda de troca por concessõesque os petebistas obtinham ao nível de governo, para o conjunto da mas-
sa operária. Rejeitamosa idéia de que a política
populista era mera ''manipulação'' dos trabalhadores. Antes, os líderes sindicais e operários de esquerda obtinham concessõesobjetivas dos governospopu-
85
Ricardo Maranhão
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listas, tanto ao nível salarial, quanto ao nível da aquisição de cargos políticos (e a jâ citada Lei Orgâ-
nica da Previdência Social de 1960 é um óbvio exemplo disso). Manipulação pura e simples de massas havia, sim, mas por parte principalmente das díreçõespefebfsfas, que nesse aspecto se diferenciavam bastante tanto da esquerda comunista quanto da própria esquerda petebista. Basta ver a declaração particular feita por Jogo Goulart, anos depois, contra seu ministro Almino Affonso, líder da esquerda petebista: ''quem desce dos morros com trabalhadores para me
apoiar não é o 'nosso Almino', é o Talaricol Quem manuseia os sindicatos, evita greves de esquerda, contrapõe-se à liderança comunista, é o Cochratt de Sá. Esta que é a realidade política. ..''
É óbvio que as possibilidades de manipulação dependiamde concessõesconcretas. Mas também é verdade que as lideranças operárias que não deixaram de lutar pela democracia e a liberdade sindical, ao optar por lutar ''por dentro'' da estrutura, tiveram uma limitação: a aliança com os petebistas implicava em atenuar as críticas contra a subordinação dos sindicatos ao Ministério do Trabalho. Isso não impediu o movimento operário de aproveitar os espaços abertos nos vaivéns do pacto populista para avançar em organização e arrancar melhorias, independentementedo Estado. A greve de 400 mil trabalhadores, em outubro de 1957 em São Pau-
lo, foi um exemplodisso, embora sua vitóriafosse apenas parcial. Na conjuntura específica daquela
O Governo Juscelino Kubitschek
87
Ricardo Marcarão
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greve, a disputa entre setorespolíticos de corte populista facilitou a U'eve: janistas e petebistas disputa-
vam o controledos sindicatose o apoio da importante massa operaria daquela região industrial, estes últimos em aliança com os comunistas. Essa conjuntura permitiu que os vários setores políticos do sindi-
calismo se unissem através de uma coordenação intersindical englobando sete órgãos de classe distintos da Capital. Na organizaçãoda greve, tevepapel fundamental um tipo de organismo que marcaria o padrão dos movimentos operários mais decisivos da época: um organismo intersindical ''paralelo'' , ilegal nã medida em que contrariava a legislaçãocorporativa e vertical vigente, mas que havia sido formado na pratica desde1953:o Pacto de Unidade Intersindical
(PUI) Ao longodo processoda greve,um fator de importância pesou: a adesão de um contingente grevista mais amplo qué o esperado, adesão até certo ponto espontânea, e que fez o movimento quase escapar do controle dos sindicatos. Ao mesmo tempo, o então governador
Jânio
Quadros
não reprimiu
o
movimento, para manter o apelo aos setores organizados dos trabalhadores. As lideranças sindicais desenvolverama percepção de que poderiam valer-se das conjunturas políticas para deflagrar movimentos de grande porte: tanto é que elas não abandonaram
as práticas intersindicais,criando no lugar do PUI de São Paulo o Conselho Sindical de São Paulo; no futuro, desenvolver-se-iamoutros organismos intersindicais, chegando-seaté o Comando Geral dos Tra-
O GovernoJuscelinoKubitschek
89
balhadores (CGT) de 1962. É claro que, para aproveitar
as ''brechas''
da
política populista, as lideranças sindicais de esquerda tinham que percorrer canais perigosos nas farpas do aparelho de Estado, já que atenuaram o combate ao atrelamento de seus órgãos de classe. Para se com-
preender isso, é necessáriolembrar que dentro do período JK, mesmo com os petebistas no Ministério
do Trabalho, as grevesnem sempreeram aceitas.
A greve da paridade de novembro de 1960, de ferroviários, portuários e marítimos, pela equiparação das escalas salariais entre servidores civis e militares desses setores, é um exemplo. Juscelino reagiu violentamente à greve, ameaçando mandar ao Congresso um pedido de estado de sítio. O pedido não se consumou, pois ao mesmo tempo a bancada governista no Congresso fez com que fosse votada rapidamente a Lei da Paridade, satisfazendo os trabalhadores e encerrando a parede. A partir daí, tratou-se para as lideranças sindicais de esquerda de tentar politizar o poder resultante do controle que exerciam sobre as greves.
As esquerdas Cabe assinalar que, na qualificaçãodo que seriam as ''esquerdas'' no período, um setor decisivoé exatamente o da liderança sindical de que estamos falando. Os comunistas integram essa categoria, embora sejam distintos dos ''nacionalistas'' ou ''pete-
bistas de esquerda'' pelas suas perspectivas estraté-
Ricardo Maranhão
90
gicas ou de longo prazo. Mas o fato é que, no plano tático, suas perspectivasde aliança com os ''setores progressistas da burguesia nacional'' os alinhavam
l
formas profundas de estrutura política. Por isso mesmo, os comunistas dos sindicatos, durante a greve de 1957, haviam inserido nas suas propostas, ao lado das reivindicações salariais, a rejeição da Instrução 135 da SUMOC (que criava dificuldades creditícias
tarde a ser conhecidos como ''bigorrilhos'',
para as empresas), reivindicação pouco operaria,
Um pouco menos à direita se encontravam os
oportunistas
nacionais contra as estrangeiras, embora as primeiras, por sua posição económicacada vez mais frágil, fossem justamente as mais intransigentes em conce-
em ocasiões
po\s o PTB tinha dentro do próprio Estado uma
Muitas vezes ele o fazia sem eficácia, perdendose nos descaminhos de uma ''aliança com a bur-
exclusi-
imperialista e ofensivo, era apoiada pelos votos comunistas, mas constituía minoria dentro da direção. Dentro do panorama das esquerdas, seria importante situar também o movimento estudantil e particularmente seu órgão máximo, a UNE. Desde o seu XIX Congresso em 1956, essa entidade havia
específicas, dos interesses reais dos trabalhadores,
rtas
dedicados
por ser comprometidacom um nacionalismoanti-
vinha justamente da proximidade com as massas organizadas. Os petebistaspodiam até certo ponto
parcela de sua força e legitimidade. Mas o PCB s6 podia entrar no jogo graças à sua capacidade de mobilização e, para mantê-la, precisava defender efetivamente os interesses reais de suas bases operá-
mais ''fisiológicos'',
vamente ao jogo de favores e cargos. Esses talvez constituíssem a maioria da direção do PTB, apresentando elementoscomo lvete Vargas e Cochratt de Sá. A posição petebista chamada ''de esquerda'',
der aumentos aos seus operários. O que diferenciava os comunistas operários dentro da aliança ''nacionalista radical'', em luta pelas reformas de base'', era que sua legitimidade propor cima'',
por ade-
rir aos vitoriosos de 31 de março de 1964.
mas muito ''nacionalista'' no contexto da época. Em todo o período, defenderam as empresas
ou ''passar
guesia'' muito mal formulada, ou nos corredores periféricos do aparelho de Estado. Mas não podia deixar de defender a classe operaria de maneira decisiva, sob pena de desaparecer como força política. Quanto aos petebistas, antes de mais nada cabe esclarecer que boa parte deles não estava na ''esquerda nacionalista''. Vários deles fechariam com a direita nas articulações parlamentares, e viriam mais
junto com a esquerdanacionalista,em luta por re-
''manipular''
91
O Governo Juscetino Kubitschek
l
eleito para a direção elementos da esquerda nacionalista, e a ênfase de suas campanhas se concentrava nas questõesdo ensino e na luta antiimperialista. Ela
não tinha o mesmo peso que viria a adquirir nos primeirosanos da décadade 60, e seu prometode intervenção política tinha muitas relações com um
órgão ligado ao Estado e que reunia basicamente intelectuais: o Instituto Superior de Estudos Brasa
Ricardo Maranhão
92
leiras (ISEB)
.
O ISEB, com a pretensiosaproposta de focar
uma ideologia para a luta pelo desenvolvimento nacional, reunia um espectrovariado de ideólogos. Mas sua tendência era a de levar ao máximo de refina-
mento ''a luta do Povo-Naçãocontra o atraso e o domínio estrangeiro'', mesmo que vários de seus
integrantes procurassem apenas, como Hélio Jaguaribe, a formulação de um moderado projeto nacional de desenvolvimentoautónomo. O govemo JK nunca deixou de permitir o fornecimento de verbas para a instituição, enquanto dentro dela a esquerda procurava ganhar hegemonia. Concomitantemente, desenvolviam-se no país os debates sobre a política externa
a ser levadapor um governocomprometidocom o ''desenvolvimento autónomo''
vOOs E SONHOS PANAMERICANOS A musiquinha de Juba Chaves na época do início
do governo JK, ''Presidente
Bossa-Nova'',
insiste em
que eleera chegadoa ''voar, voar, voar'', ''voar até Versalhes'', etc. Ela revelauma perplexidadebemhumorada da população diante de um presidente que não fazia nada de muito surpreendente,para quem acompanha as andanças dos modernos chefes de Estado latino-americanos. Mas a perplexidade brasileira era explicável: o paradigma máximo de esta-
dista brasileiro, Getúlio Varias, nunca viajara ao exterior como presidente. . . Varias
não fizera sequer
a peregrinação tradicional dos presidentes eleitos da República Velha, antes de tomar posse. Hábito que
JK retomou antes de receber a faixa presidencial conquistada
a duras penas, fazendo uma rotzrnée
pelos Estados Unidos e Europa, não Ihe faltando a
.h
inefável visita a Versalhes, onde ''duas mineirinhas' (suas filhas) ''valsinhag dançam como debutantes.. .'',
Ricardo Maranhão \ O Governo Juscelino Kubitschek
94
dizia Juca.
{
Uma vez na presidência,
''Nona''
não viajaria
muito para fora do país, preferindo voar ''nestevasto
territórionacional''.Uma de suas viagens,já no
ocaso do mandato, em 1960, foi a Portugal, cuja diplomacia de defesa das prerrogativas colonialistas ele sempre apoiou, para a alegria dos conservadores.
Essa fotzrnéenão teve maior importânciado que a afirmação
de um
velho
sfafus
qzzo intemacional,
e
pouco mais significou do que a retribuição da visita que o presidente luso Craveiro Lopes fizera ao Brasil em 1957.
Mas houve uma viagem ao Exterior, ainda em
19S6, que Ihe abriria a mente para a importância de associar seus projetos intemos de desenvolvimento com uma política externa um pouco mais independente dos EUA, mais afastada da tradicional filiação automática da nossa diplomacia aos desígnios do Pentágono e da Casa Branca. Trata-se da Conferência de Presidentes Americanos, realizada em ju-
lho de 1956no Panamâ. Ali, JK conferenciaem
particular com o presidente dos EUA, Eisenhower, e se manifesta depois preocupado pela desinformação do chefe da maior potência capitalista com as díspares realidades ao sul do Rio Grande. Quase dois anos depois, em maio de 1958, essa ignorância fica mais clara por ocasião da visita do Vice-presidente Richard Nixon a vários países latino-americanos, onde é repudiado e mesmo apedrejado em manifestações públicas. JK aproveita o ensejo para lançar uma idéia
95
nova, em carta a Eisenhower: o descontentamento
manifestodurante a viagem de seu vice não seria uma conseqüência da miséria, atraso, subdesenvolvimento e, portanto, descontentamento das popula-
ções do continente? Não seria o caso de se pensar numa nova política norte-americana,em colaboração com os governos latino-americanos, para erradicar tais fatoresde atraso? A carta tem acolhidamínima do poder da Casa Branca, que envia um subsecretário de Estado ao Brasil para ''explicar'' a JI( que o problema que Nixon enfrentou foi um mero fruto da ação do ''comunismo internacional'' Percebendo a pobreza do raciocínio, JI( parte para sua grande jogada diplomática: a ''Operação Pan-Americana''
(OPA).
No dia 20 dejunho
de 19S8,
os jornais e rádios passaram a estampar a idéia do
presidente de uma cooperação multilateral dos países do continente e mesmo do restante do Hemisfério Ocidental, no sentido de erradicar o subdesenvolvi-
mento. Ousada projeção internacional de sua visão ''desenvolvimentista''
, a OPA tentava envolver o sis-
tema político central do imperialismo em uma luta pelo desenvolvimentoefetivodas economias que Ihe eram subordinadas. A repercussãoda propostana
América Latina, causadape]o peso do Brasi] e o prestígio granjeado por JK, criaram a necessidade de
se mandar ao nosso país o próprio secretáriode Estado, John Foster Dulles; este veio ''explicar'' de novo a doutrina vigente da Guerra Fria, segundo a qual os latino-americanos precisavam mesmo era de segurança policial-militar para combater a subversão
Ricardo Maranhão
96
comunista... Nos embates diplomáticos, JK obteve algumas pequenas satisfações, mas no conjunto a OPA revelou-se inviável.
Isso não levou Kubitschek a uma radicalização antinorte-americana. Tendo em vista a situação de dependênciabrasileira, era difícil para a elite dominante chegar a cogitar sobre uma atitude dessas. Entretanto, as necessidadesinternas do próprio desenvolvimento capitalista dependente de nossa economia levariam a uma atitude relativamente drás-
tica: o rom.pimentocom o Fundo Monetário Internacional.
As propostas
''monetaristas''
do Fundo
colidiam cada vez mais com os gastos públicos necessários ao Programa de Metas, ao mesmo tempo em que a política de câmbio e comércio exterior de JK, consentânea com as necessidades de seu Programa, era cada vez mais atacada pelo FMI. Em 1960, em meio a difíceis negociações, os dirigentes do Fundo condicionaram a concessão de um prometido crédito de USS 300 milhões ao Brasil à rígida aplicação das normas ''monetaristas''. Juscelino não teve outra saída para continuar o plano de desenvolvimento: rompeu estrepitosamente, em 17 de junho daquele ano, com o órgão intemacional. As dificuldades de crédito iriam avolumar-se; mas os ganhos políticos do mineiro de Diamantina
no último ano de seu govemocompensavama jogada. Logo após seugesto, uma multidão arregimentada pelos nacionalistascompareceu ao Catete, para aplaudir e ouvir o presidente dizer: ''O desenvolvimento do Brasil não é pretensão ambiciosa, um des-
O GovernoJuscelinoKubitschek vario, um delírio expansionista,
97
mas uma necessi-
dade vital''. A briga com o FMI rendeu muito mais em faturamento político do que a fracassada OPA. E o mais irónico é que não se prejudicava objetivamente o investimento direto de empresas multinacionais no Brasil.
O GovernoJuscetinoKubitschek Partido
DEMOCRACIA E UMA BATATA QUENTE
Comunista,
99
a exclusão
da
tais conquistas
não
participação
l:!Áe-
fÍva das camadas populares no processodecisório. O que se pode dizer em favor de JK nesse campo é que seu governo tolerou as ações dos comunistas, em varias ocasiões, não aplicando dispositivosrepressivos mais drásticos; permitiu que a esquerda tivesse órgãos de imprensa próprios; não aplicou de maneira sistemática a legislação antigreve; e tolerou a formação de organismos intersindicais proibidos por lei. Obviamente,
existiriam
se o
Com o orgulho característico de quem passa
movimento popular não viesse desde 1952-1953em uma crescente acumulação de forças; e se deve também levar em conta que a democracia que JK deixou como herança para seu sucessor se devia também à participação do PTB no governo, bem mais sensível
político como Janto Quadros), Juscelino transmitiu seu cargo em 1961, na recém-inaugurada e monumental Brasília, com as seguintespalavras: ''Tenho como razão de maior orgulho poder entregar a V. Exa. o Governo da República em condiçõesmuito
em oposição ao esquema pessedista, se deveu à ampla liberdade de expressãodemocrática do processo eleitoral, que permitiu inclusive a composição do vice petebistaJogo Goulart com o candidato presidencial
uma faixa presidencial
(mesmo para um adversário
diversas daquelas em que o recebi, no tocante à esta-
bilidade do regime. Está consolidada entre nós a democracia, e estabelecidaa paz...'' Não há dúvida de que o governo Kubitschek foi estável e que, do ponto de vista da democracia liberal, permitiu um alto grau de liberdade política e de expressão. Entretanto, os aspectos antidemocráticos do re-
gime vigente não foram alterados na essência durante seu governo: a estrutura sindical corporativa e atrelada ao Estado, a proibição da vida legal do
às pressõesdo movimentopopular do que o PSD. A própria conduçãode Jânio Quadrosà Presidência,
da oposição.
Os êxitos económicos do qüinqüênio, sob a palavra de ordem dos ''Cinqüenta Anos em Cinco'', são inegáveis, como vimos. Entretanto, JK esgotou as possibilidades de sucesso daquele estilo de desenvolvimento. Em primeiro lugar, porque a clara inserção do Brasi] na etapa do capitalismo monopolista gerava uma série de novos problemas: Os mais visíveis se deviam ao agravamento de disparidades regionais, ligadas à coexistência orgânica de setores avançados
Ricardo Maranhão
100
da indústria de bens de consumo durável e de bens de capital, com bolsõesde atraso e baixa produtividade, bem como à manutenção e crescimento da miséria no
campo e sua transferênciapara as grandescidades. Mas os problemas mais profundos diziam respeito ao
próprio fato de que o grande capital monopolista faria novas exigências, inclusiveno plano da política económica, incompatíveis com as possibilidades de jogo político do regime liberal-democrático. Como diz Florestan Femandes, sobre as novas e abrangentes exigências do capital monopolista, ''ao adaptar-se às estruturas e dinamismos de economias capitalistas dependentes e subdesenvolvidas, ele se associa a velhas iniquidades e gera, por sua vez, iniquidades
económicasnovas,atraindopara si velhose novos descontentamentossociaise políticos'' (.4 Rel,o/tição
.Burguê3a-no P 270)
.Brasa/, Zahar,
Rio de Janeiro,
1976,
No regime liberal-democrático vigente, com as conquistas que os setores populares conseguiram, os descontentamentos tenderiam a colocar problemas e obstáculos à tranqüila dominação e exploração do
grande capital. Até mesmono campo, as tensõesno final do governoJK jâ se expressavamem movimentos como as nascentes Ligas Camponesas. Por outro lado, a dinâmica iniciada com a formação dos ''orga-
nismos de administraçãoparalela'', retirando do Legislativouma parcela de seu poder decisório, só poderia ter continuidadecom a reduçãocada vez
maior do próprio Legislativo,o que não seria possível sem graves problemas políticos.
O Gover"tlo Juscetino Kubitschek
101
Juscelino deixou para seu sucessor uma taxa de inflação de 30,9%o, muito acima dos 13,6%oprevistos no Programa de Metas. Isso era apenas um aspecto de um problêina mais geral. Como dizem Mana da ConcepçãoTapares e José Serra, ''há a partir de 1960 uma redução da taxa de investimento,ligada a uma 'desaceleração'
do processo económico,
para a qual o
crescimento da inflação contribuía fortemente. Até então, a inflaçãotinha um papel 'funcional' no sistema, pois permitia um amortecimentodas tensões entre os salários e os lucros; além de garantir uma taxa 'ilusória' de lucro para muitos investimentos,
ela era um componentedo 'jogo' populista no plano da política económica, na medida em que essejogo permitia um crescimento de salários bem próximo do crescimento dos preços, mantendo a legitimidade do sistema nesseplano. Porém, no período crítico, não só passa a ocorrer uma série de estrangulamentos financeiros das empresas, como o acelerado ritmo de aumento de preços levou a uma intensificação das pressões trabalhistas. . . limitando assim as possibilidades de uma redistribuição
forçada''
(''Além
da
Estagnação'', in Z)a Subsfírtifçãode /mporfações ao Cáfila/
.Fina/zcefro, Zahar,
Rio de Janeiro,
1978,
n I'\X) Ao deixar o govemo, JI( deixava claro que pretendia voltar em 1965, apoiado no seu bom conceito de estadista, de construtor de Brasília, de democrata com grande prestígio popular. Mas a ''batata quente'' representada pelos graves problemas políticos e económicos que o padrão de desenvolvimento man-
102
Ricardo Maranhão
tido durante os ''Cinqüenta Anos em Cinco'' deixou, queimada não só as pretensõesde poder do notável político, como reduziria a cinzas em 1964a própria democracia.
b
INDICAÇÕES PARA LEITURA É escassa a bibliografia específica sobre o assunto. O livro fundamentale mais importante até
agora é o de Mana Vitória Benevides, O Goverpzo Kubitschek -- Desenvolvimento Económico e Esta-
bl/idade Po/íffca (Paz e Terra, Rio, 1976). Há uma contribuição no plano da análise ideológica, em Míriam Limoeiro Cardoso, laca/orla do Z)escavo/l,ímenfo
--
.Bus//:/KIQ
(Paz
e Terra,
Rio,
1977).
Sobre a ascensão de JK ao poder, ver Roland Corbisier, JX e a lura pe/a Presfdêncía
(Duas
Cidades,
São Paulo, 1976), e Munhoz da Rocha, Radfogr({»a de AXol,ombro(Civilização Brasileira, Rio, 1961). Hâ uma série de.#asÀessobre o cotidiano da política no período em Abelardo Jurema, Jusce/fno &Janto, .P5Z) & P7B (Artenova,
Rio, 1979).
E importante ler as memórias de Juscelino Ku-
À
bitschek,
.A/ezz Cam/n#o
para
.Brasa/fa (Bloch,
Rio,
1976 a 1978). Apesar de serem um tanto apologéticas
Ricardo Maranhão
104
e cansativas(três volumesde quase 500 páginas cada, em formato grande), elas reúnem uma importante massa de informações, em grande parte nunca publicadas numa só e mesma obra. Tendo Carlos
Heitor Cony como g&osf-wrffer,a leitura se torna mais amena e agradável.
As obras que abrangemperíodosmais largos
não trazem quase nada mais efetivo sobre o governo JK. Uma exceção é Thomas Skidmore, .Brasa/, de Gefzí/ío a CasfeZo (Saga, Rio, 1969). Finalmente, quanto à questão do Plano de Metas. há o trabalho básico de Celso Laser, T#e P/a/zning Process and the Politicas System in Brazil: A Sfudy ofKubífscÀek Tarxef P/an (Dissertation Series no 16, Cornell University, 1970). Hâ uma série de informações também em Betty Mindlin Lafer, P/ane-
Jamenfo/zo.Braif/(Perspectiva,São Paulo, 1973);em Octâvio lanni, Estado e Plandamenfo
Eco/zõmfco
no .Brasa/ (.1930-70) (Civilização Brasileira, Rio, 1971), e Carlos Lassa, Quinze .Anos de .Po/íffca .Econó-
mica (Brasiliense,São Paulo, 1975).Não se pode deixar de citar, devido à importância do período do ponto de vista económico, trabalhos que abrangem sob esse ponto de vista períodos maiores, dan-
do um peso importante à economia no qüinqüê-
nio JK: Mana da Conceição Tavares e José Serra, Z)a Substituição de Importações ao Capital Financeiro (Zahar, Rio, 1978), e Francisco de Oliveira e Frederico Mazzuchelli, ''Padrões de Acumulação,
Oligo-
pólios e Estado no Brasil -- 1950-1976''(fn Estado e Ctzplfa/Esmo /zo .eras//, de Cardos Estejam Martins
O Governo Juscelino Kubitschek
(org.), Ed. CEBRAP-Hucitec, tre outros.
105
São Paulo, 1977), en
COLEÇÃO TUDO É HISTÓRIA' 1 -- As Independênciasna América Latina -- l.eon Pomar 2 -- A Crise do Escravismoe a Grande Imigração --
PaRIa
Beiguelman
3 -- A Luta Contra a Metrópole(Ásia e África)
-- Murta Yedda Lineares 4 -- O Populismo na América Latina -- A4arla l,feia Prado 5 -=- A Revolução Chinesa l)arie/ ,4arão Reis FÍ//zo 6 -7 --
Sobre o Autor
8 --
O Cangaço -- Car/os .4/berço Dóría Mercantilismo e Transição -- Francísco
As Revoluções
Burguesas
--
A/odesfo
9 -- Paras ]968: As Barricadas do Desejo -- O/pária C. F. Abafos 10 -- Nordeste Insurgente (1850-1890)-- Ha171i//o/z de À/af/os À/o/zfefro
Ricardo Maranhão, historiador, jornalista e cientista político,
nasceu em Piracicaba, São Paulo, em 194S. Fez seus estudos superiores
na Universidade de São Paulo, onde obteveo grau de Bacharel em História e o de-Mestreem Ciência Política. Prepara atualmente seu Douto-
11
A Revolução
14 -15 --
O Governo juscelino Kubitschek -- Ricardo Maranhão O Movimento de 1932 -- A4arfa He/e/la Ccípe/afo
12 -13 --
ramento. Trabalho comojornalista, desde 1966, nas .Fb/Àas, n'O Estado de S. Paulo, em Opínfão e Movlmenfo. Ê colaborador de várias publicações, enfie as quais /sfo É, Senhor, e ]VossoSécti/o. De 1976 a 1978. foi membro do Conselho Consultivo do Instituto de Estudos Políticos. Económicos e Sociais do MDB. Atualmente é membro
Os Quilombos O Coronelismo
Industrial
--
Frapzcfsco /gléslas
c a Rebelião Negra -- C'/óvls -- Afarlu de l,ourdes /ano/íf
A Abolição
da Escravidão -- Sue/í R. Reis Acumulação Capitalista na América Latina -- Hecfor Bruit Balaiada A4arfa c/e Z.ourdes /ci/lolrí
A
soria).
A A Burguesia Brasileira -- /acob Gorender
de Estudos, Produções Editoriais e Asses-
Entre seus trabalhos publicados tem os livros Sfndfca/os e .Demo-
crafízação(Brasiliense,São Paulo, 1979),Os Trabalhadorese os Par
A
Cabanagem
publicados Como professor, lesionou História desde 1966 em vários colégios e
A
Economia
Estadual de Campinas(UNICAMP).
h
--
Duice
Heletla
Passou
de Oueiroz (Séc. XIX)
Ramos
A Comuna dc Pauis -- Florác'fo Go/zicí/ez A Construçãodo Socialismona China -- Dance/.barão Reis F A Crise de ]929 -- ,4/bafio /Warsolz A Cultura na Era de Vargas -- Car/os Guí/ber/ne À4o/fa
lidas (Semente, São Paulo, 1981) e a obra coletiva da qual é um dos organizadores,junto com Antonio Mendes Jr. : BrasfJ -- /ll'sróna, Tufo e Gonsu/fa (Brasiliense, São Paulo, 1976 a 1981), com 4 volumes já cursos pré-vestibularesda capital paulista, além de ter sido professor assistenteda Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São José dos Campos. Atualmente, é professor de Ciência Política na Universidade
.Votara
16 -- A América Pré-Colombiana -- Giro F/alnarío/i Cardoso
do ConselhoEditorial das editorasAlfa-Omegae Oboré. Ê membro tambémdo CEPEA(Centro
Falc017
F/orenzano
C
Cafeeira
--
/osé
/?. ,'amara/
l,apa
A Guerra Civl Americana -- Pe/er Efsenberg A Guerra Fria -- Déa Fei?e/on A História do Espetáculo e Encenação -- Ferrando Pelxofo A História do Movimento Estudantil -- ,4n/onío À4epzdes /r.
A História do Trabalho Fabril -- Esgar de Decca A l ndustrialização Brasileira -- FRUI?c isco Jg/ésías A Inquisição no Brasil -- Álzífa Novínskí A Intentona Comunista -- Marca He/ena Gare/afo A Questão Árabe -- A,faria yec/(/c/ l,ílz/lares A Primavera de Praga - Soda Goldfeder * Títulos
numerados,
já publicados