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Portuguese Pages 562 Year 2012
FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA DA CltNCIA
FUNDAMENTO DO DIREITO NATURAL SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA DA CIÊNCIA
Johann Gottlieb Fichte
Tradução e Notas de JOSÉ LAMEGO
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Reservados todos os direitos de acordo com a lei Edição da Fundação Calouste Gulbenkian Av. de Berna I Lisboa
2012 ISBN 978-972-3 1-1455-3
NOTA SOBRE A TRADUÇÃO
A presente tradução de Fundamento do Direito Natural
segundo os Princípios da Doutrina da Ciência tem por base a edição histórico-crítica das obras de Johann Gotdieb Fichte promovida pela Academia das Ciências da Baviera, sob a orientação de Reinhard Lauth , Hans Jacob e Hans Gliwitzky (Estugarda - Bad Cannstatt: editora FrommannHolzboog, 1.9 62 e segs.). Indicamos em notas de margem a correspondência da paginação desta edição. A edição da obra completa de Fichte, promovida pela Academia das Ciências da Baviera, desenvolve-se em quatro séries: a série I abarca as obras publicadas por Fichte, a série II contém as obras inéditas em vida do autor, a série III diz respeito à correspondência e a série IV recolhe transcrições das lições de Fichte levadas a cabo por discípulos seus. Nesta edição, a "Primeira Parte" de Fundamento do Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina da Ciência vem publicada no vol. 3 da série I (págs. 313-460) e a "Segunda Parte", no vol. 4 da mesma série (págs. 5-165). Decidimos juntar, no final, um conjunto de notas explicativas, que consideramos poderem ser de alguma utilidade, bem como uma cronologia da vida e da obra
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de Fichte. Com o mesmo propósito de enquadramento, juntamos um pequeno texto de apresentação da obra, sublinhando a sua importância não apenas no quadro da filosofia jurídica e política, mas também como marco fundamental na evolução do idealismo pós-kantiano.
Lisboa, verão de 2011
Ü TRADUTOR
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APRESENTAÇÃO O Fundamento do Direito Natural e o sistema do idealismo transcendental A "Primeira Parte" de Fundamento do Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina da Ciência foi dada à estampa em março de 1796, e a "Segunda Parte" ou Direito Natural aplicado em setembro de 1797, pelo mesmo editor, Christian Ernst Gabler, em Jena e Leipzig. Existe, pois, uma quase coincidência temporal entre a publicação da "Primeira Parte" de A Metafisica dos Costumes, de lmmanuel Kant (1724-1804) , Princípios metafisicas da doutrina do Direito, que teve lugar em janeiro de 1797, e a publicação de Fundamento do Direito Natural segundo os Princípios da Doutrina da Ciência 1• 1 À altura, a publicação de ensaios sobre o Direito natural no esplriro da fi losofia critica era abundante. Só em 1795, ano em que Fichte realiza as investigações que irão culminar na publicação de Fundamento do Direito Natural, são publicados na revista Philosophisches journal einer Gesellschaft Teutscher Gelehrten, de que Fichte era co-editor, entre o utros, os seguintes ensaios: Johann Paul Anselm Feue rbach (1755-1833) , «Yersuch über den Begriff des Rechts>>; Salomon M aimon (1754-1800), «Ueber die ersten G ründen des Narurrechts»; Johann Benjamin Erhard (1 766-1827), .
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nenhum objeto, sem, ao mesmo tempo, na mesma síntese indivisa, se atribuir uma atividade causal. b) Mas ele não pode atribuir-se qualquer atividade causal sem ter posto um objeto a que esta atividade causal se deva reportar. A posição do objeto como algo determinado por si mesmo e, nesta medida, como inibidor da atividade livre do ser racional, tem de efetuar-se necessariamente num momento temporal anterior e é só mediante este momento temporal anterior que se torna presente o momento temporal em que é apreendido o conceito de atividade causal. c) Todo o conceber está condicionado por um pôr da atividade causal do ser racional, e toda a atividade causal está condicionada por um conceber precedente desse pôr. Por conseguinte, cada momento possível da consciência está condicionado por um momento precedente da consciência e a consciência é pressuposta como efetiva logo na explicação da sua possibilidade. Só se pode explicar de forma circular; não se pode, portanto, de todo em todo, explicar e aparece como impossível. 34 1 A tarefa consistia em mostrar como é possível esta autoconsciência. A isto, respondemos: a autoconsciência é possível se o ser racional se pode atribuir num momento único e indivisível uma atividade causal e se pode opor algo a essa atividade causal. Vamos supor que isto ocorre num determinado momento, Z. Pergunta-se agora também sob que condição é possível aquilo que acabamos de exigir; e aí é, então, claro que a atividade causal a pôr só o pode ser em relação com um qualquer objeto determinado, A, a que essa atividade diz respeito. Não tem de se dizer que poderia pôr-se uma atividade causal em geral, uma atividade causal meramente possível; pois isso seria um pensamento indeterminado e já causou bastante dano à filosofia argumentar a partir
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de pressuposições gerais. Uma atividade causal meramente possível ou uma atividade causal em geral põe-se apenas mediante abstração a partir de uma atividade causal concreta ou de qualquer atividade causal efetiva; mas, antes de se poder abstrair de algo, esse algo tem de ser posto, e aqui, como sempre, o conceito indeterminado de algo em geral é precedido pelo conceito determinado de algo efetivo determinado, estando o primeiro condicionado pelo segundo. Tão-pouco se poderia dizer que a atividade causal pode ser posta como atividade causal reportada ao objeto B a pôr no próprio momento Z, uma vez que B é posto como um objeto apenas na medida em que nenhuma atividade causal a ele se reporta. Assim sendo, o momento Z deve ser explicado a partir de outro momento em que o objeto A tenha sido posto e concebido. Mas A só pode ser concebido sob a condição em que B poderia ser concebido, quer dizer: o momento em que é concebido só é possível sob a condição de um momento precedente, e assim até ao infinito. Não encontramos qualquer momento possível a que pudéssemos ligar o fio da autoconsciência, por meio do qual toda a consciência se torna possível, e, assim, a nossa tarefa não está resolvida. No interesse da ciência completa que deve aqui ser estabelecida, importa conseguir uma perspetiva clara sobre o raciocínio que acabamos de levar a cabo. II . O fundamento da impossibilidade de explicar a autoconsciência sem a pressupor sempre como já existente consistia em que, para pôr a sua atividade causal, o sujeito da autoconsciência deveria ter já posto um objeto, simplesmente como tal: e, assim, do momento ao qual quiséssemos ligar o fio éramos remetidos para um momento anterior ao qual ele teria de estar já ligado. Este fundamento tem de ser
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afastado. Mas ele só deve ser afastado na medida em que se admita que a atividade causal do sujeito está sinteticamente unida com o objeto num e no mesmo momento; a atividade causal do sujeito seria ela própria o objeto percebido e conceptualizado, o objeto não seria senão esta atividade causal do sujeito e assim seriam ambos o mesmo. É só mediante uma tal síntese que evitamos ser remetidos para uma síntese anterior; é somente ela que contém tudo o que condiciona a autoconsciência e que fornece um ponto a que se pode ligar o fio da autoconsciência. Só sob esta condição é possível a autoconsciência. Por isso, tão certo como deve ter lugar a autoconsciência, tão certo temos de aceitar o que acaba de ser apresentado. A demonstração sintética rigorosa está, assim, acabada; pois aquilo que foi descrito vê-se corroborado como condição absoluta da autoconsciência. Resta apenas a questão do que pode significar a síntese apresentada, o que deve por ela ser entendido e como é possível aquilo que é nela exigido. Por isso, de ora em diante, só temos de passar a analisar aquilo que foi demonstrado. III. Parece que a síntese que foi levada a cabo, em vez da pura incompreensibilidade que pretendia eliminar, nos dá a impressão de uma contradição completa. Aquilo que foi por ela estabelecido deve ser um objeto; mas a natureza de um objeto consiste em a atividade livre do sujeito ser posta como inibida aquando da sua apreensão. Este objeto deve, porém, ser uma atividade causal do sujeito; mas é da natureza de uma tal atividade causal que a atividade do sujeito seja absolutamente livre e se determine a si própria. Aqui, as duas devem estar unidas; as naturezas de ambos, sujeito e objeto, devem ser preservadas, sem que nenhuma delas se perca. Como pode ser isto possível?
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Ambas estão completamente unidas, se pensarmos um ser determinado do sujeito para a autodeterminação, uma exortação ao sujeito para que se decida a uma atividade causal. Na medida em que aquilo que é exigido é um objeto, tem de ser dado na sensação, mais precisamente na sensação externa - não na interna, pois toda a sensação interna surge unicamente mediante a reprodução de uma sensação externa; a primeira pressupõe a segunda e, assim sendo, a autoconsciência seria novamente pressuposta como já existente; mas é a possibilidade da autoconsciência que deve ser explicada. - Mas o objeto não é nem pode ser concebido de outro modo senão como uma mera exortação ao sujeito para agir. Consequentemente, tão certo como o sujeito compreende o objeto, tão certo ele tem o conceito da sua própria liberdade e autonomia, e, na verdade, como um conceito que lhe é dado desde fora. Ele recebe o conceito da sua atividade causal livre, não como algo que é no momento presente, pois que isto seria uma verdadeira con- 343 tradição, mas como algo que deve ser no futuro. (A pergunta era: como pode encontrar-se o sujeito a si próprio como um objeto? Para se encontrar a si próprio, ele só se poderia encontrar como espontâneo; de outro modo, não se encontraria a si próprio; e, uma vez que não encontra absolutamente nada, a não ser que exista e não existe a não ser que se encontre a si próprio, resulta que não encontra verdadeiramente nada. Para se encontrar como objeto (da sua reflexão), não poderia encontrar-se como determinando-se para a espontaneidade (do ponto de vista transcendental, não se pergunta como pode ser em si a questão -não é isso que está aqui em causa-, mas somente como é que ela tem de se apresentar ao suj ei to sob investigação), mas antes como determinado a ela por um embate(l 4l exterior que tem, no entanto, de lhe deixar a sua inteira liber-
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dade de autodeterminação; pois que senão perde-se o primeiro ponto e o sujeito não se encontra como Eu. A fim de esclarecer melhor este último ponto, antecipo algo a que vamos mais tarde retornar. O sujeito não pode achar-se constrangido a agir efetivamente, nem sequer em termos gerais; pois que então não seria livre, nem seria um Eu. Ainda menos, se quer decidir-se a agir, pode o sujeito achar-se constrangido a agir deste ou daquele modo particular; pois que então, uma vez mais, não seria livre, nem seria um Eu. Como e em que sentido está ele determinado para a atividade causal para encontrar-se com um objeto? Unicamente na medida em que se encontra como algo que poderia operar aqui, que é exortado a operar, mas que também poderia abster-se de o fazer.) IV. O ser racional deve realizar a sua livre atividade causal; esta exigência que lhe é dirigida faz parte do conceito de ser racional e logo que ele apreenda o conceito que buscamos, ele cumpre essa exigência, por um dos dois modos: Ou mediante um agir efetivo. Requer-se apenas atividade em geral; mas faz expressamente parte do conceito de uma tal atividade que, na esfera das ações possíveis, o sujeito deve escolher uma delas por livre autodeterminação. O sujeito só pode agir de um modo; a sua faculdade de sensação, que aqui é uma faculdade de produzir efeitos no âmbito sensível, só a pode determinar de um ü nico modo. Na exata medida em que age, escolhe por autodeterminação absoluta este único modo e é, por conseguinte, absolutamente livre, é um ser racional, e põe-se como tal: Ou mediante um não agir. Também aqui é livre; pois que, de acordo com a nossa pressuposição, deve ter apreendido o conceito da sua atividade causal como algo que lhe é
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exigido ou que é esperado dele. Se procede agora contra esta expectativa e se abstém de agir, é igualmente com liberdade que ele escolhe entre agir e não agir. O conceito estabelecido é o de uma livre atividade 344 causal recíproca, no seu sentido mais rigoroso: o conceito não é, pois, nada mais que isto. Posso associar pelo pensamento uma reação livre a uma ação livre qualquer, como sendo uma reação contingente: mas isto não corresponde ao conceito exigido em toda a sua precisão. O conceito deve ser determinado com precisão: ação e reação não podem ser pensadas em separado. Ambas têm de constituir as partes integrantes de um todo. Algo assim é postulado como condição necessária da autoconsciência de um ser racional . Tem de verificar-se, de acordo com a nossa demonstração. É somente a algo deste género que o fio da autoconsciência se pode atar e que poderá depois, sem dificuldade, estender-se também aos outros objetos. É pela nossa apresentação que este fio é atado. De acordo com a presente demonstração, o sujeito pode e tem de pôr-se como ser que opera livremente sob esta condição. Se se põe como tal, então pode e tem de pôr um mundo sensível; e pôr-se a si próprio em contraposição a esse mundo sensível. - E agora que está solucionada a tarefa principal, todas as operações do espírito humano podem proceder sem mais dificuldade, de acordo com as suas próprias leis. V. A nossa análise da síntese estabelecida foi até agora meramente explicativa; tínhamos de clarificar aquilo que tínhamos entendido sob o conceito dessa síntese. A análise vai ainda continuar, mas de agora em diante será dedutiva, quer dizer, o sujeito tem de, porventura, em consequência da influência posta sobre si, pôr ainda muitas outras coisas:
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como sucede isto ou o que é que ele põe, de acordo com as leis do seu ser, como consequência do seu pôr inicial? A influência sobre o sujeito, que descrevemos, era condição necessária de toda a autoconsciência; se ela ocorre, então ocorre também necessariamente a autoconsciência, ela é, portanto um foctum necessário. Se, de acordo com as leis necessárias do ser racional, tem de se pôr, a par dessas leis necessárias, algo mais, então o pôr dessas leis é igualmente um foctum tão necessário como o primeiro. Na medida em que a influência descrita é algo sentido, é uma limitação do Eu e o sujeito tem de tê-la posto como tal; mas não há limitação sem algo que limite. Daí que o sujeito, tal como pôs aquela limitação, tenha de ter posto ao mesmo tempo algo exterior a si como o fundamento de determinação da mesma; este algo exterior a si é o algo que é sentido e compreende-se sem qualquer dificuldade. Mas esta influência é algo determinado e, mediante o pôr dessa influência como algo determinado, não é posto somente um fundamento em geral, mas um fundamento determinado dessa influência. Que género de fundamento tem este de ser, que características lhe devem ser 345 atribuídas se ele deve ser fundamento dessa influência determinada? Esta é uma questão que nos vai ocupar ainda um pouco mais longamente. A influência foi concebida como uma exortação ao sujeito a uma atividade livre e- é disto que tudo dependeela não poderia ser concebida de outro modo, não poderia sequer ser concebida se não fosse concebida assim. A exortação é a matéria do operar e o seu fim último é uma atividade causal livre do sujeito a que ela apela. O ser racional de modo algum deve ser determinado, forçado , a agir mediante a exortação, como sucede no conceito de causalidade com o causado em relação à causa; ao invés, ele deve determinar-se a si próprio a agir na sequência apenas
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dessa exortação. Mas se o ser racional o vier a fazer, tem de previamente compreender a exortação e concebê-la, tendo assim em conta um conhecimento prévio dela. A causa da exortação, posta fora do sujeito, tem, portanto, pelo menos de pressupor a possibilidade de o sujeito a poder compreender e conceber, pois de outro modo a sua exortação não tem qualquer fim que seja. A finalidade da exortação está condicionada pelo entendimento e pela liberdade do ser a que ela se dirige. Daí que esta causa tenha necessariamente de ter o conceito de razão e de liberdade; pelo que esta causa tem de ser um ser capaz de conceitos, uma inteligência e, como acaba de ser demonstrado, não sendo isto possível sem liberdade, também um ser livre e, portanto, um ser racional, e é como tal que deve ser posto. À conclusão aqui estabelecida, que se funda necessária e originariamente na essência da razão e que foi seguramente eferuada sem qualquer intervenção deliberada da nossa parte, iremos acrescentar algumas palavras a título de clarificação. Suscitou-se legitimamente a questão: quais são os efeitos que apenas são explicáveis por referência a uma causa racional? A resposta "aqueles que têm necessariamente de ser precedidos por um conceito dos próprios" é uma resposta que é verdadeira, mas não suficiente, pois que fica sempre por responder a questão mais elevada, algo mais difícil: quais são, então, os efeitos em relação aos quais se tem de ajuizar que só são possíveis de acordo com um conceito previamente elaborado? Qualquer efeito pode ser perfeitamente concebido, na medida em que exista, e o diverso nele encaixa na unidade do conceito tão mais adequada e mais conseguidamente quanto mais entendimento possua o observador. Ora, esta é uma unidade que o observador, ele próprio, introduziu no diverso graças àquilo que Kant
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denomina de "faculdade do juízo reflexiva"(lSl, unidade essa que ele tem necessariamente de introduzir para que para o observador possa existir um efeito em geral. Mas quem é que garante ao observador que, do mesmo modo que ele ordena agora o real diverso sob o conceito, tenham sido anteriormente ao efeito ordenados por um entendimento sob o conceito de unidade que ele se representa os conceitos do diverso que ele percebe?; e o que é que o poderia legitimar a uma tal conclusão? Tem, portanto, de ser aduzido um fundamento de justificação superior ou, a não ser assim, a conclusão sobre a causa racional é completamente infundada e - seja dito de passagem - seria até, de acordo com a lei compulsória da razão, fisicamente impossível usar de modo ilegítimo uma tal conclusão, pois que se ela não tivesse sido produzida corretamente numa qualquer esfera do conhecimento, então a conclusão não estaria em absoluto presente no ser racional. Não existe dúvida alguma: uma causa racional, tão certo quanto o seja, elabora o conceito do produto que deve ser realizado pela sua atividade e segundo o qual ela se dirige no agir e a que, de certo modo, se atém continuamente. Este conceito chama-se conceito de fim. Mas um ser racional não pode apreender nenhum conceito da sua atividade causal sem que tenha um conhecimento do objeto desta atividade causaL Pois não pode determinar-se a uma atividade - bem entendido, com a consciência desta autodeterminação, pois que só assim ela se torna uma atividade livre - se não pôs essa atividade como obstruída; mas aquilo que ele põe quando põe uma atividade determinada como obstruída é um objeto exterior a si. Por isso - seja dito de passagem -, mesmo que se quisesse atribuir inteligência e liberdade à natureza, não se lhe poderia atribuir a faculdade de apreender um conceito de
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fim (e é precisamente por isso que, ao invés, se lhe teria de den egar inteligência e liberdade) , uma vez que não existe nada exterior sobre o qual a natureza possa operar. Tudo aquilo sobre o qual se pode operar é natureza. Um critério seguro de identificação de algo como ação causal de um ser racional seria, assim, o de que a ação causal só pudesse pensar-se como possível sob condição de um conhecimento do seu objeto. Ora, não existe nada que possa pensar-se como possível apenas mediante o conhecimento, e não mediante a simples força natural, a não ser o próprio conhecimento. Portanto, se o objeto - e aqui também o fim - de uma ação causal só pudesse ser o de produzir um conhecimento, então seria necessário admitir uma causa racional da ação causal. Mas, neste caso, a assunção de que se trata de um conhecimento que se visa, teria de ser necessária, quer dizer, não se teria de pensar nenhum outro fim do agir e a própria ação seria incompreensível e não se deixaria compreender senão como uma ação que visa um conhecimento. 347 - Assim, diz-se que a natureza nos oferece este ou aquele ensinamento, mas com isto não quer de modo algum dizer-se que o evento natural não tem outros fins; quer, antes, dizer-se que se o quisermos e se dirigirmos a nossa livre consideração para este fim , então também poderíamos, entre outras coisas, retirar dele ensinamentos. Aqui entra o caso descrito. A causa da influência que se exerce sobre nós não tem, em absoluto, qualquer fim que seja, se não tiver como fim o de que nós a reconheçamos como tal; tem, portanto, de se admitir um ser racional como causa dessa influência. Está agora demonstrado o que devia ser demonstrado. O ser racional não pode pôr-se como tal a menos que sobre ele tenha lugar uma exortação para agir livremente, de acordo com I-IV Mas se sobre ele tem lugar uma tal
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exortação, então tem de pôr fora dele necessariamente um ser racional como a causa da dita exortação e, portanto, tem de pôr em geral um ser racional fora dele, de acordo com V.
Corolários
1. O homem (e todos os seres finitos em geral) só se torna homem entre os homens; e uma vez que o homem não pode ser senão um homem e que não seria nada se não o fosse - se devem em geral existir homens, então deve existir mais do que um. Esta não é uma opinião aceite arbitrariamente, assente sobre a experiência anterior ou sobre outros fundamentos de probabilidade, mas uma verdade rigorosamente demonstrável a partir do conceito de homem. Mal se determine completamente este conceito, é-se logo conduzido, a partir do pensamento de um indivíduo, a admitir um segundo, a fim de poder explicar o primeiro. O conceito de homem não é, portanto, de modo algum, o conceito de um indivíduo, pois este é impensável, mas é o conceito de um género. A exortação à espontaneidade livre é o que se chama educação. Todos os indivíduos têm de ser educados para ser homens, pois que de outro modo não o seriam. Coloca-se aqui a qualquer um a questão: se fosse necessário admitir uma origem do género humano na sua totalidade e, assim, um primeiro casal de seres humanos - o que é, de resto, necessário num certo ponto da reflexão -, então quem é que educou o primeiro casal de seres humanos? Educados era preciso que o fossem; pois que a demonstração levada a cabo é universal. Não pôde ser um homem que os educou, 348 uma vez que eles deviam ser os primeiros homens. É, portanto, necessário, que tenha sido um outro ser racional, que não um homem, a educá-los - bem entendido, só até ao
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ponto em que eles fossem capazes de se educar reciprocamente. Um espírito tomou-os a seu cargo, tal como relata um antigo e venerável documenro06l, que encerra, em geral, a sabedoria mais profunda e sublime e que estabelece os resultados a que, no final, toda a filosofia tem de retornar. 2. O carácter distintivo da humanidade, por via do qual somente qualquer pessoa se confirma de modo irrefutável como ser humano, é unicamente a interação livre mediante e segundo conceitos, aquele dar e receber conheClmenros. Se há um homem, então também há necessariamente um mundo, e precisamente um mundo tal como o nosso, que contém objetos destituídos de razão e seres racionais. (Não é aqui o lugar apropriado para ir mais além e demonstrar a necessidade de rodos os objetos determinados na natureza e a sua classificação necessária, a qual, todavia, se pode confirmar de igual modo que a necessidade de um mundo em geral). * A pergunta sobre o fundamento da realidade dos objetos responde-se assim: a realidade do mundo - bem entendido, para nós, isto é, para roda a razão finita é condição da autoconsciência; pois que não nos podemos pôr a nós próprios sem pôr algo exterior a nós, a que temos que atribuir a mesma realidade que concedemos a nós próprios. É contraditório perguntar por uma realidade que deva permanecer depois de se ter abstraído de toda a razão; pois aquele que pergunta é provido de razão, pergunta impelido por um motivo racional e quer uma resposta racional; ele não abstraiu, portanto, da razão. Não podemos sair do círculo da nossa razão; da coisa em si já se tratou, a
* Quem não puder perceber isto que renh a paciência e não conclua da sua in co mpreensão se não aquilo que dela deco rre, ou seja, que não pode compreendê-lo.
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filosofia quer somente conseguir que saibamos isso e não devemos ter a ilusão de ter saído desse círculo, uma vez que, como é evidente, estamos sempre enclausurados nele.
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§ 4. Terceiro teorema: O ser racional finito não pode admitir a existência de outros seres racionais finitos fora de si sem se pôr com eles numa relação determinada, que se chama relação jurídica
Demonstração
I. O sujeito tem de se diferenciar, mediante oposição, do ser racional que, na sequência da demonstração antecedente, admitiu fora dele. O sujeito pôs-se como um ser que contém em si o fundamento último de algo que há nele (esta era a condição da ego idade, da racionalidade em geral); mas pôs igualmente um ser fora de si como fundamento último do que nele acontece. Ele deve poder diferenciar-se desse ser: de acordo com a nossa pressuposição, isto só é possível na medida em que ele possa distinguir naquele ser dado em que medida é que o fundamento desse ser reside nele e em que medida reside fora dele. No que à forma diz respeito, quer dizer, em relação a que se age em geral, o fundamento da atividade causal do sujeito reside simultaneamente no ser que lhe é exterior e nele próprio. Se o ser que lhe é exterior não tivesse agido causalmente e, com isso, exortado o sujeito à atividade causal, então este também não teria agido causalmente. O seu agir como tal está condicionado pelo agir do ser fora dele. Está também condicionado quanto à matéria: ao sujeito está assinalada a esfera do seu agir em geral. Mas o sujeito realizou uma escolha dentro desta esfera que lhe foi assinalada; deu-se a si próprio, de modo abso-
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luto, a determinação mais precisa que delimita o seu atuar. O fundamento desta última determinação da sua atividade causal reside unicamente nele. Só assim pode o sujeito pôrse como ser absolutamente livre, como fundamento exclusivo de algo, só assim pode separar-se completamente do ser livre que lhe é exterior e atribuir-se apenas a si próprio a sua atividade causal. De entre as possibilidades que se encontram dentro do círculo que vai do ponto limite do produto do ser que lhe é exterior, X, até ao ponto limite do seu próprio produto, Y, o sujeito realizou uma escolha: a partir destas possibilidades e compreendendo-as como o conjunto das possibilidades que ele teria podido escolher, o sujeito constitui a sua liberdade e autonomia. No âmbito da esfera descrita ter-se-ia que realizar uma 350 escolha, para que o produto Y possa ser possível como algo particular na esfera dos efeitos que ela oferece. Mas no âmbito desta esfera só o sujeito e não o outro pode ter realizado a escolha; pois, de acordo com a nossa pressuposição, ele deixou-a indeterminada. Aquele que escolheu exclusivamente no âmbito desta esfera é o seu Eu, é o indivíduo, o ser racional determinado por oposição a outro ser racional; e este está caracterizado por uma expressão determinada da liberdade, que lhe pertence em exclusivo.
II. Nesta diferenciação por oposição, o conceito de si próprio como ser livre e o conceito de um ser racional que lhe é exterior, igualmente como um ser livre, são determinados e condicionados reciprocamente pelo sujeito. Não poder haver oposição se no mesmo momento indiviso da reflexão os opostos não estão num plano de equiparação e referidos um ao outro, se não se comparam entre si; esta é uma proposição teórica formal, que foi 51
demonstrada rigorosamente no momento próprio