Filosofia da Linguagem [1 ed.] 9724425193, 9789724425191

Esta introdução à Filosofia da Linguagem apresenta as principais questões e teorias deste ramo da filosofia, centrando-s

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Portuguese Pages 388 [176] Year 2022

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Filosofia da Linguagem [1 ed.]
 9724425193, 9789724425191

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Introdução: significado e referência

Sinopse Que certos tipos de marcas e ruídos são dotados de significado, e que seres humanos como nós os apreendem sem mesmo pensar sobre isso, são factos notáveis. Uma teoria filosófica do significado deve explicar o que é isso de uma sequência de marcas ou ruídos ser dotada de significado e, mais em particular, o que é isso em virtude do qual a sequência tem o significado distinto que tem. A teoria deve também explicar como é possível que os seres humanos produzam e compreendam elocuções dotadas de significado, fazendo-o sem qualquer esforço. Uma ideia comum sobre o significado é que as palavras e outras expressões linguísticas mais complexas são dotadas de significado porque representam coisas no mundo. Apesar de sensata e à primeira vista atraente, mostra-se muito facilmente que esta teoria referencial do significado é inadequada. Para começar, comparativamente poucas palavras representam efectivamente coisas no mundo. E depois, se todas as palavras fossem como os nomes próprios, servindo apenas para seleccionar coisas individuais, não conseguiríamos começar por formar frases gramaticais.

Sentido e compreensão Muitas pessoas não sabem que, em 1931, Adolf Hitler foi aos EUA, visitou vários pontos de interesse, teve em Keokuk, Iowa, um caso amoroso com uma senhora de nome Maxine, experimentou peyote (o que o fez ter alucinações com hordas de rãs e sapos que calçavam botinhas vermelhas e cantavam o Horst Wessel Lied), infiltrou-se numa fábrica de munições perto de Detroit, encontrouse secretamente com o vice-presidente Curtis para tratar de futuros compromissos comerciais relativos às peles de foca e inventou o abre-latas eléctrico. Há uma boa razão para não haver muitas pessoas que saibam de tudo isso: nenhuma daquelas coisas é verdade. Mas o que há de notável é que agora mesmo, à medida que lia essa frase — chamemos-lhe frase 1 —, o leitor compreendeu-a perfeitamente, independentemente de estar disposto a aceitá-la ou não, e fê-lo sem qualquer esforço consciente. Notável, afirmei. Provavelmente não lhe parece notável nem surpreendente, mesmo depois de se ter dado conta do facto. O leitor está tão habituado a ler palavras e frases e a compreendêlas imediatamente que lhe parece quase tão natural quanto respirar ou comer ou caminhar. Mas como compreendeu o leitor a frase 1? Não foi por tê-la visto antes; estou certo que nunca na história do universo alguém escreveu ou proferiu aquela frase particular, até eu o ter feito. Nem a compreendeu o leitor por ter visto outra frase muito semelhante, pois duvido que alguém tenha alguma vez produzido uma frase remotamente parecida a 1. Poderá o leitor dizer que compreendeu 1 porque fala português e porque 1 é uma frase portuguesa. Isso é em certa medida verdade, mas limita-se a empurrar o mistério um pouco mais para

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a frente. Como consegue o leitor “falar português,” dado que falar português envolve conseguir produzir e compreender não apenas expressões elementares como “Tenho sede,” “Cala a boca” e “Mais molho,” mas frases novas como 1? Essa capacidade é verdadeiramente espantosa, e muito mais difícil de explicar do que a capacidade para respirar, comer ou caminhar, que os fisiólogos compreendem já razoavelmente bem. Uma pista é perfeitamente óbvia depois de alguma reflexão: 1 é uma sequência de palavras, palavras portuguesas, que o leitor compreende individualmente. Assim, parece que o leitor compreende 1 porque compreende as palavras que ocorrem em 1 e compreende algo sobre o modo como essas palavras estão agregadas entre si. Como veremos, esse é um facto importante, mas para já é apenas sugestivo. Falámos até agora da capacidade humana para produzir e compreende o discurso. Mas considere-se as próprias expressões linguísticas, enquanto objectos de estudo por si mesmas. 2)

w gfjsdkhj jiobfglglf ud

3)

É perigoso espalhar gasolina pela sua sala de estar.

4)

Bom de fora pedante o um um porquê.

1-4 são todas sequências de marcas (ou de ruídos, se forem ditas em voz alta). Mas diferem radicalmente entre si: 1 e 3 são frases dotadas de significado, ao passo que 2 e 4 não dizem coisa com coisa. 4 difere de 2 por conter palavras portuguesas individualmente dotadas de significado, mas as palavras não estão ligadas de modo a constituir uma frase, e colectivamente nada significam. Certas sequências de ruídos ou marcas têm então uma característica simultaneamente de natureza escassa e que precisa urgentemente de explicação: significam algo. E cada uma destas sequências tem a propriedade mais específica de significar algo em particular. Por exemplo, 3 significa que é perigoso espalhar gasolina pela sua sala de estar. Assim, o nosso estudo filosófico da linguagem começa com os dados seguintes: 

Algumas sequências de marcas ou ruídos são frases dotadas de significado.



Cada frase dotada de significado tem partes que também são dotadas de significado.



Cada frase dotada de significado significa algo em particular.



Os falantes competentes de uma linguagem têm a capacidade de compreender muitas das frases da linguagem em causa, sem esforço e quase instantaneamente; e produzem também frases do mesmo modo.

Todos estes dados precisam de explicação. Uma sequência de marcas ou ruídos é dotada de significado em virtude do quê? O que é isso em virtude do qual uma sequência significa o que distintamente significa? E, uma vez mais, como conseguem os seres humanos compreender e produzir um discurso apropriadamente dotado de significado?

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A teoria referencial Há uma explicação atraente e de senso comum de todos os factos anteriores — tão atraente que as pessoas, na sua maior parte, pensam nela quando têm por volta de dez ou onze anos. A ideia é que as expressões linguísticas têm os significados que têm porque representam coisas; o que significam é o que representam. Deste ponto de vista, as palavras são como etiquetas; são símbolos que representam, designam, nomeiam, denotam ou referem itens no mundo: o nome “Adolf Hitler” denota (a pessoa) Hitler; o nome “cão” refere cães, tal como a palavra francesa “chien” e a alemã “Hund.” A frase “O gato sentou-se no tapete” representa o sentar-se de um dado gato num dado tapete, presumivelmente em virtude de “o gato” designar esse gato, “tapete” designar o tapete em questão e “sentou-se no” denotar (se quisermos) a relação de se sentar. As frases espelham assim os estados de coisas que descrevem, e é desse modo que significam essas coisas. Na sua maior parte, é claro, as palavras estão arbitrariamente associadas às coisas que referem; alguém decidiu simplesmente que Hitler se chamaria “Adolf,” e a inscrição, ou som, “cão” poderia ter sido usada para significar qualquer coisa. Esta teoria referencial do significado linguístico explicaria o significado de todas as expressões em termos de terem sido convencionalmente associadas a coisas ou estados de coisas do mundo, e explicaria a compreensão que um ser humano tem de uma frase em termos de essa pessoa saber o que referem as palavras componentes. É uma perspectiva natural e apelativa. Na verdade, pode parecer obviamente correcta, pelo menos até ver. E seria muito difícil negar que a referência ou nomeação é a relação mais clara e familiar entre uma palavra e o mundo. Contudo, ao examinála, a teoria referencial enfrenta desde logo sérias objecções.

OBJECÇÃO 1 Nem todas as palavras nomeiam ou denotam um objecto efectivo. Primeiro, temos os nomes de itens inexistentes, como Pégaso ou o Coelhinho da Páscoa. “Pégaso” não denota coisa alguma porque na realidade não existe qualquer cavalo alado que esse nome possa denotar. (Discutiremos no capítulo 3 estes nomes algo detidamente.) Ou considere-se pronomes de quantificação, como o seguinte: 5)

Ninguém viu o João.

Seria uma piada gasta tomar “ninguém” como um nome e responder: “E onde é que ele o viu?” (Lewis Carroll: “Passaste por alguém na estrada?” […] “Ninguém” […] “Então é claro que ninguém caminha mais devagar do que tu.”1 E o poema de e. e. cummings “anyone lived in a pretty how 1

Alice’s Adventures in Wonderland and Through the Looking Glass (Londres: Methuen, 1978), p. 180.

[As Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho, trad. Margarida Vale de Gato. Lisboa: Relógio d’Água, 2000.]

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town”2 faz pouco sentido até o leitor se aperceber que cummings está a suar perversamente expressões como “anyone” e “noone” como nomes de pessoas individuais.) Segundo, considere-se uma frase simples sujeito-predicado: 6)

O Raul é gordo.

Apesar de “Raul” poder nomear uma pessoa, o que nomeia ou denota “gordo”? Não é com certeza um indivíduo. Não denota com certeza o Raul; ao invés, descreve-o ou caracteriza-o (injustamente ou não). Poderíamos sugerir que “gordo” denota algo abstracto; por exemplo, este e outros adjectivos poderiam referir qualidades de coisas (ou “propriedades,” “atributos,” “qualidades,” “características,” etc.). Poder-se-ia dizer que “gordo” nomeia a gordura em abstracto ou, como Platão diria, O Gordo em Si. Talvez seja isso que 6 diz: que o Raul tem ou exemplifica ou é um espécime da qualidade da gordura. Nessa interpretação, “é gordo” significaria “tem gordura.” Mas então, se tentarmos pensar no significado sujeito-predicado como uma questão de concatenar o nome de uma propriedade com o nome de um indivíduo usando a cópula “é,” precisaríamos de uma segunda entidade abstracta que o “é” representasse, digamos, a relação de “ter,” dado ser o indivíduo que tem a propriedade. Mas isso tornaria por sua vez 6 significar algo como “O Raul detém a relação de posse em relação à gordura,” de modo que precisaríamos de uma terceira entidade abstracta para relacionar a nova relação de “deter” com o indivíduo original mais a relação e a propriedade, e assim por diante — sem fim, para todo o sempre. (Foi Bradley 1930: 17-18 quem fez notar esta regressão infinita.) Terceiro, há palavras que são gramaticalmente substantivos mas que intuitivamente não nomeiam nem coisas individuais nem tipos de coisas — nem sequer “coisas” inexistentes ou itens abstractos como qualidades. Quine (1960) dá os exemplos de “prol,” “bel” e “mor.”* Por vezes fazemos algo em prol de algo ou a nosso bel-prazer, mas não como se um prol ou um bel fosse um tipo de objecto que se possa levar a passear na rua por uma trela. Ou faz-se algo por mor da liberdade; mas um mor não é uma coisa nem um tipo de coisa. (Nunca soube com certeza o que é um “imo” ou uma “súcia.”) Apesar de serem substantivos, palavras como estas certamente não são dotadas de significado por referirem tipos particulares de objectos. Parecem dotadas de significado apenas por mor de ocorrerem em construções mais longas. Por si, dificilmente se pode afirmar que signifiquem seja o que for, apesar de serem palavras, e até palavras dotadas de significado. Quarto, muitas partes do discurso além dos substantivos não parecem sequer referir coisas de qualquer género ou de qualquer modo: “muito,” “de,” “e,” “o,” “um,” “sim” e, já agora, “hei” e “abrenúncio.” Contudo, claro que tais palavras são dotadas de significado e ocorrem em frases 2

Complete Poems, 1913-1962 (Nova Iorque: Harcourt, Brace, Jovanovich, 1972).

*

“Sake,” “behalf” e “dint,” no original de Quine, foram adaptados como indicado na edição brasileira

do seu Palavra e Objeto (trad. Sofia Stein e Desidério Murcho, Petrópolis: Vozes, 2009).

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que qualquer falante competente de português compreende. (Nem toda a gente está convencida de que a teoria referencial esteja assim tão decisivamente refutada, mesmo com respeito ao último grupo das palavras mais claramente irreferenciais. Na verdade, Richard Montague (1960) dedicou-se a construir uma teoria sofisticadíssima e muito técnica na qual mesmo a palavras como estas se atribui efectivamente referentes de um género muitíssimo abstracto, sendo essas palavras dotadas de significado, pelo menos em parte, por referirem o que supostamente referem. Teremos mais a dizer sobre o sistema de Montague no capítulo 10.)

OBJECÇÃO 2 Segundo a teoria referencial, uma frase é uma lista de nomes. Mas uma mera lista de nomes não diz coisa alguma. A sequência 7)

Frederico Marta Elísio Filipe

não pode ser usada para asserir seja o que for, mesmo que a Marta ou o Elísio seja uma entidade abstracta e não um objecto físico. Poder-se-ia supor que se o nome de um indivíduo for concatenado ao nome de uma qualidade, como em 8)

O Raul gordura,

a sequência daí resultante teria um significado sujeito-predicado normal, afirmando que o Raul é gordo. (No início da sua carreira, Bertrand Russell sugeriu que, ao escrever uma lista de nomes dos géneros adequados de coisas e na ordem certa, formar-se-ia o nome colectivo de um estado de coisas.) Mas na verdade 8 é agramatical. Para lhe dar um significado sujeito-predicado normal seria necessário inserir um verbo, 9)

O Raul {tem/exemplifica} gordura,

o que daria origem uma vez mais à regressão de Bradley.

OBJECÇÃO 3 Como iremos ver e discutir nos próximos dois capítulos, há fenómenos linguísticos específicos que parecem mostrar haver mais aspectos quanto ao significado do que a referência. Em particular, os termos co-referenciais muitas vezes não são sinónimos isto é, dois termos podem partilhar o seu referente mas ter diferentes significados — como “Joseph Ratzinger” e “o Papa”, por exemplo. Parece que devemos concluir que tem de haver pelo menos uma maneira de uma expressão ser dotada de significado que não em virtude de nomear algo, aplicando-se isto até possivelmente a algumas expressões que realmente nomeiam coisas. Há várias teorias do significado que vão além da teoria referencial, apesar de todas as teorias enfrentarem as suas próprias dificuldades. Veremos

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algumas das teorias e respectivas dificuldades na Parte II. Primeiro, nos próximos três capítulos, examinaremos melhor a natureza da nomeação, referência e noções semelhantes, em parte porque a referência continua a ser importante em si, apesar das imperfeições da teoria referencial do significado, e em parte uma discussão da referência ajudar-nos-á a introduzir alguns conceitos que serão necessários para avaliar as teorias do significado.

Sumário 

Algumas sequências de marcas ou ruídos são frases dotadas de significado.



É um facto espantoso que qualquer pessoa normal consiga apreender instantaneamente até mesmo o significado de uma frase muito longa e nova.



Cada frase dotada de significado tem partes que também são dotadas de significado.



Apesar de ser inicialmente atraente, a teoria referencial do significado enfrenta objecções poderosas.

Questões 1.

Consegue pensar em objecções complementares à teoria referencial tal como foi formulada?

2.

Serão as objecções 1 e 2 inteiramente justas, ou haverá réplicas plausíveis que o defensor da teoria referencial poderia apresentar?

Leitura complementar 

Provavelmente o crítico mais persistente da teoria referencial é Wittgenstein (1953: Parte I). Uma ofensiva wittgensteiniana mais sistemática encontra-se em Waismann (1965a: cap. 8).



Argumentos do género que subjazem à objecção 3 encontram-se em Frege (1892a) e (1892b).



A regressão de Bradley é discutida por Wolterstorff (1970: cap. 4) e Loux (1998: cap. 1).

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Descrições definidas

Sinopse Ainda que a teoria referencial do significado não se aplique a todas as palavras, poder-se-ia pensar que se aplicaria pelo menos a termos singulares (termos que intentam referir indivíduos singulares, como os nomes próprios, pronomes e descrições definidas). Mas Gottlob Frege e Bertrand Russell argumentaram energicamente que as descrições definidas, pelo menos, não significam o que significam em virtude de denotar o que denotam. Ao invés, defendeu Bertrand Russell, uma frase que contém uma descrição definida, como “A mulher que vive ali é bioquímica,” só superficialmente tem uma forma de sujeito-predicado, sendo na verdade — logicamente — um trio de generalizações: é equivalente a “Pelo menos uma mulher vive ali, e no máximo uma mulher vive ali, e quem vive ali é bioquímica.” Russell argumenta a favor da sua análise quer directamente quer mostrando que permite solucionar quatro ultrajantes quebra-cabeças lógicos: o problema da referência aparente de inexistentes, o problema dos existenciais negativos, o quebra-cabeças de frege sobre a identidade e o problema da substituibilidade. Levantaram-se várias objecções à teoria das descrições de Russell. P. F. Strawson sublinhou que não se coaduna com os nossos hábitos linguísticos habituais: apesar de uma frase que tenha “o actual Rei de França” como sujeito pressuponha haver pelo menos um Rei de França, não é falsa se não houver qualquer Rei; ao invés, nesse caso não pode sequer ser usada para fazer uma afirmação apropriada, e por isso não tem valor de verdade. E a teoria de Russell ignora o facto de que a maior parte das descrições estão ligadas a um dado contexto, denotando um só objecto apenas num cenário local circunscrito (“Dá-me o livro que está em cima da mesa”). Strawson argumenta mais em geral que Russell trata as frases e as suas propriedades lógicas de uma maneira demasiado abstracta e celeste, esquecendo-se de como são realmente usadas por pessoas de carne e osso na prática conversacional concreta. Keith Donnellan nota que mesmo tendo Russell razão quanto a alguns usos das descrições, ignorou um género comum de caso no qual uma descrição é usada “referencialmente,” para indicar apenas uma pessoa ou coisa particular, independentemente dos atributos desse referente. Por fim, há outros usos das descrições, chamados “anafóricos,” que podem por em causa o tratamento russelliano.

Termos singulares Em português ou em qualquer outra linguagem natural, os dispositivos paradigmáticos de referência são termos singulares, expressões que intentam denotar ou designar pessoas, lugares e outros objectos particulares individuais (contrastando com os termos gerais como “cão” ou “castanho”

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que se podem aplicar a mais de uma coisa). Os termos singulares incluem os nomes próprios (“Jane,” “Winston Churchill,” “Jacarta,” “7,” “15:17 horas”), descrições definidas (“a Rainha de Inglaterra,” “o gato que está no tapete,” “a penúltima reunião do departamento”), pronomes pessoais singulares (“tu,” “ela”), pronomes demonstrativos (“isto,” “aquilo”) e alguns outros. Mesmo que a teoria referencial do significado não seja inteiramente verdadeira, é razoável ter a expectativa de que seja verdadeira com respeito aos termos singulares. Mas Gottlob Frege (1892a, 1892b) e, na sua esteira, Bertrand Russell (1905, 1918, 1919) mostraram definitivamente que a teoria não é verdadeira com respeito às descrições definidas, e levantaram sérias dúvidas se seria verdadeira com respeito a outros termos singulares comuns. Frege e Russell apresentaram quatro quebra-cabeças sobre termos singulares, sendo que os primeiros três retomam objecções levantadas no capítulo 1 contra a teoria referencial do significado.

O PROBLEMA DOS INEXISTENTES APARENTES Considere-se o seguinte: 1)

James Moriarty é calvo.

(O Professor Moriarty é o arqui-inimigo de Sherlock Holmes, sendo descrito de modo mais completo na história “O Problema Final,” de Conan Doyle.1 O seguinte conjunto de afirmações é inconsistente (isto é, sob pena de se entrar em contradição, as afirmações não podem ser todas verdadeiras): J1. 1 é dotada de significado (significa algo, não é destituída de significado). J2. 1 é uma frase sujeito-predicado. J3. Uma frase sujeito-predicado é dotada de significado (apenas) em virtude de seleccionar uma coisa individual e de lhe atribuir uma propriedade qualquer. J4. O termo sujeito de 1 não selecciona ou denota algo existente. J5. Se 1 é dotada de significado apenas em virtude de seleccionar uma coisa e de lhe atribuir uma propriedade (J1, J2, J3) e se o termo sujeito de 1 não selecciona algo existente (J4), então ou 1 não é afinal dotada de significado (contrariamente ao que afirma J1) ou 1 selecciona uma coisa que não existe. Mas: J6. Uma “coisa inexistente” não existe.

O inconveniente é que todas as afirmações, de J1 a J6, parecem verdadeiras.

1

The Adventures of Sherlock Holmes, Vol. I, org. E. W. Smith, Nova Iorque: Heritage Press, 1950. Um

facto curioso sobre Moriarty é ter um irmão, um coronel do exército, também chamado James. (Se o leitor for um fã de Holmes e não sabia ainda disto, terá gosto em verificá-lo.) [As Aventuras de Sherlock Holmes: Memórias, trad. Maria Teresa Pinto Pereira, Mem Martins: Europa-América, 2001.]

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O PROBLEMA DAS EXISTENCIAIS NEGATIVAS Este é um caso especial do quebra-cabeças anterior mas, como veremos, um caso exacerbado. Considere-se o seguinte: 2)

Pégaso nunca existiu.

2 parece verdadeira e parece ser acerca da montada de Belerofonte, Pégaso. Mas se 2 é verdadeira, não pode ser acerca de Pégaso, pois não existe tal entidade para que 2 possa ser sobre isso. Analogamente, se 2 for acerca de Pégaso, então é falsa, pois Pégaso terá em algum sentido de existir. Vale a pena atentar numa solução prévia para os problemas da referência aparente de inexistentes e das existenciais negativas, rejeitada por Frege e mais tarde ainda mais veementemente por Russell. J1 não é controversa; J2 parece óbvia; J4 é apenas um facto; e J5 é trivialmente verdadeira. Alexius Meinong (1904) deu o salto corajoso de negar J6, insistindo à la S. Anselmo que qualquer objecto possível de pensamento — até mesmo um objecto autocontraditório — tem um ser de um certo género, apesar de só algumas coisas terem a sorte de existir também na realidade. Moriarty tem um ser desse género e pode ser objecto de referência, apesar de — para sorte da Inglaterra e do mundo — não ter a propriedade de existir.2 Na posse dessa distinção inexplicada, Meinong podia lidar airosamente com as existenciais negativas em particular. Uma frase desse género diz, de uma entidade que (é claro) tem ser, que essa entidade carece de existência. Secretariat, Seabiscuit e Smarty Jones foram cavalos que existiam mas careciam de asas; Pégaso tinha asas mas não existia. Acontece. Menos implausivelmente, o próprio Frege lidou com a Referência Aparente de Inexistentes rejeitando J3: postulou objectos abstractos a que chamou “sentidos” e argumentou que um termo singular é dotado de significado em virtude de ter um desses objectos além do seu referente — ou, no caso de um termo singular irreferencial, em vez de um referente. As soluções de Frege para as Existenciais Negativas e para os outros dois problemas serão brevemente examinadas no próximo capítulo.

OS QUEBRA-CABEÇAS DE FREGE SOBRE A IDENTIDADE Uma afirmação de identidade como 3)

Mark Twain é Samuel Langhorne Clemens

contém dois termos singulares, sendo que ambos (se a afirmação for verdadeira) seleccionam ou denotam a mesma pessoa ou coisa. Parece, então, que a afirmação diz simplesmente que essa pes2

Foi ao argumentar que a existência é uma perfeição, em particular, que Anselmo pretendia provar a

existência de Deus.

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soa é idêntica a essa pessoa, que essa pessoa é idêntica a si mesma. Nesse caso, a afirmação é trivial; 3 não diz mais do que “Mark Twain é Mark Twain.” Contudo, 3 parece não ser trivial, por duas razões: primeiro, 3 é informativa, pois alguém pode aprender algo novo lendo-a (quer porque descobre a verdadeira identidade de Twain, quer porque descobre que Clemens era o famoso autor); segundo, 3 é contingente, como dizem os filósofos — o facto que 3 afirma poderia não ter ocorrido; a realidade poderia ter sido diferente. Assim, parece pelo menos um dos termos singulares que figuram em 3 tem de ter um tipo qualquer de significado para lá do seu referente, com o qual contribui para o significado geral da frase.

O PROBLEMA DA SUBSTITUIBILIDADE A função de um termo singular é seleccionar uma coisa individual e introduzir essa coisa no discurso. Ainda que não se vá tão longe quanto a teoria referencial do significado, poder-se-á pensar que é em virtude desse papel denotativo que os termos singulares são de todo em todo dotados de significado. Logo, seria de esperar que quaisquer dois termos singulares que denotem uma e a mesma coisa fossem semanticamente equivalentes: poderíamos tomar qualquer frase que contenha um dos termos e fazer substituir o outro por esse sem mudar o significado ou pelo menos sem mudar o valor de verdade da frase. Mas considere-se o seguinte: 4)

O Alberto acredita que Samuel Langhorne Clemens tinha menos de um metro e meio de altura.

Suponha-se que 4 é verdadeira. Ora, o Alberto não está ciente de que Clemens escreveu romances e histórias sob o nome literário de “Twain.” Não podemos fazer “Mark Twain” substituir “Samuel Langhorne Clemens” em 4 sem mudar o seu valor de verdade; o resultado é uma frase falsa, dado que (suponhamos) o Alberto viu uma fotografia de Twain e está convicto de que ele era de estatura mediana. Na terminologia de W. V. Quine (1960), a posição frásica ocupada pelo nome em 4 é referencialmente opaca — ou “opaca” apenas, para abreviar — em vez de ser referencialmente transparente (“opaca” quer dizer apenas que inserir um termo singular diferente na posição em causa pode mudar o valor de verdade dessa frase). O que causa a opacidade é a construção “acredita que,” dado que a frase “Samuel Langhorne Clemens tinha menos de um metro e meio de altura,” por si mesma, é transparente: se Clemens tinha menos de um metro e meio de altura, então é evidente que também Twain tinha menos de um metro e meio de altura, dado tratar-se da mesma pessoa.

A teoria das descrições de Russell Russell formulou inicialmente os quatro quebra-cabeças em termos de descrições definidas e não de nomes próprios, porque estava interessado na lógica da palavra “o.” (“Pode parecer excessivo dedicar dois capítulos [de Introdução à Filosofia Matemática] a uma palavra, mas para o matemático filosófico é uma palavra de imensa importância: como o gramático de Browning com o enclítico

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, eu daria a doutrina desta palavra se estivesse “morto da cintura para baixo” e não apenas preso”3 (1919: 167).) Russell argumentou com base nos quebra-cabeças, o que não é surpreendente, que as descrições definidas são dotadas de significados que ultrapassam os seus referentes e que contribuem para o significado geral da frase. A sua teoria das descrições, como tem desde então sido apelidada, assume a forma de uma definição contextual da palavra “o” tal como ocorre nas descrições definidas típicas. Isto é, em vez de definir a palavra explicitamente (como se faria para completar a fórmula “o =def …”?), Russell oferece uma receita para parafrasear tipos canónicos de frases completas que contêm “o,” de modo a exibir indirectamente o papel desempenhado por “o,” revelando aquilo a que chamava as “formas lógicas” das frases. (Russell não aborda os usos plurais de “o,” nem os seus usos genéricos, como “A baleia é um mamífero.” Note-se que se pode formar descrições definidas por meio de possessivos, por exemplo, como em “o meu irmão” ou “A sanduíche de salada de ovo da Doris,” que em inglês se exprimem sem artigos definidos.)* Eis a definição contextual de Russell de “o.” Tomemos uma frase paradigmática da forma “O F é G”: 5)

O autor de Waverley era escocês.4

5 parece uma simples frase sujeito-predicado, referindo-se a um indivíduo (Sir Walter Scott) e predicando-lhe algo (ser escocês). Mas as aparências são enganadoras, afirma Russell. Note-se que o termo singular ostensivo, “O autor de Waverley,” contém a nossa problemática palavra “o” à frente de uma expressão predicativa, e note-se também que o significado dessa expressão desempenha um papel crucial na nossa capacidade para reconhecer ou seleccionar o seu referente; para encontrar o referente temos de procurar alguém que tenha realmente escrito Waverley. Russell sugere que “o” abrevia uma construção mais complexa que envolve o que lógicos e linguistas chamam quantificadores, palavras que quantificam termos gerais (“todos os adolescentes,” “algumas bananas,” “seis gansos,” “a maior parte dos polícias,” “nenhumas lâmpadas,” etc.). Na verdade, Russell pensa que, tomada no seu todo, 5 abrevia uma conjunção de três afirmações gerais quantificadas, nenhuma das quais faz referência a Scott em particular: 5a) Pelo menos uma pessoa escreveu Waverley. 5b) No máximo uma pessoa escreveu Waverley.

3

Não, desculpe, terá de obter esta história das biografias de Russell.

*

Note-se também que em português se usa os termos “o” e “a” não para exprimir uma descrição

definida, mas apenas familiaridade, como quando dizemos que a Maria foi à praia, contrastando com a afirmação de que Ruth Barcan Marcus é uma filósofa importante. N. do T. 4

Russell usou o termo Scotch em vez de Scotish. (Desde finais do séc. XX que Scotch é um tipo de

whisky, na verdade o único tipo que pode escrever-se dessa forma em vez de se escrever whiskey.)

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5c) Quem escreveu Waverley era escocês.

Cada uma das afirmações 5a-5c são intuitivamente necessárias para a verdade de 5. Se o autor de Waverley era escocês, então tal autor existiu; se houve mais de um autor, o “o” não devia ter sido usado; e se o autor era escocês, segue-se trivialmente que seja quem for que escreveu o romance também era escocês. E, tomadas em conjunto, 5a-5c parecem certamente suficientes para a verdade de 5. Assim, parece que estabelecemos um conjunto de condições individualmente necessárias e separadamente suficientes para 5; e isso é em si um argumento poderoso a favor da análise de Russell. Na notação lógica canónica, faça-se W representar o predicado “… escreveu Waverley” e S representar “… era escocês.” Então, as três condições de Russell são as seguintes: a)

(‫׌‬x) Wx

b)

(x)(Wx  (y) (Wy  y = x))

c)

(x) Wx (Wx  Sx)

a-c são conjuntamente equivalentes a d)

(‫׌‬x) (Wx & ((y) (Wy  y = x) & Sx))

A posição de Russell é que d expressa correctamente a forma lógica de 5, contrastando com a sua forma gramatical. Já encontrámos um exemplo desta distinção, no capítulo 1, ilustrada pela frase “Ninguém viu o João.” Superficialmente, essa frase tem a mesma forma que “Eu vi a Marta” — sujeito + verbo transitivo + objecto. Contudo, as duas têm propriedades lógicas marcadamente diferentes. “Eu vi a Marta” implica que uma dada pessoa foi avistada, ao passo que “Ninguém viu o João” implica precisamente o oposto; é equivalente a “Não é verdade que o João foi avistado” e a “Não há alguém que tenha avistado o João.” Apesar de uma pessoa que começou a aprender português poder pensar o contrário, “ninguém” não é realmente um termo singular, mas antes um quantificador. Em notação lógica, fazendo A representar “viu” e “j” representar “João”, “Ninguém viu o João” exprime-se como ~(‫׌‬x)(Axj) ou, o que é equivalente, (x)~Axj, e as regras de inferência explícitas que regem esta notação formal explicam o comportamento lógico da frase portuguesa traduzida. O mesmo acontece em 5, sustentou Russell, com o termo singular aparente: “O autor de Waverley” não é realmente (isto é, a nível da forma lógica) um termo singular de modo algum, mas uma abreviatura conveniente (ainda que enganadora) da estrutura quantificacional mais complicada apresentada em a-c. Como Russell afirma, o termo singular aparente “desaparece por análise.” Os nossos quebra-cabeças surgiram de facto de aplicar princípios sobre a referência singular a expressões que não são realmente termos singulares de modo algum, disfarçando-se apenas como tal. Passemos agora aos quatro quebra-cabeças para mostrar as soluções de Russell uma a uma.

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REFERÊNCIA APARENTE A INEXISTENTES Russell formulou o problema da referência aparente a inexistentes nos seguintes termos: 6)

O actual rei de França é calvo.

Voltamo-nos, pois, para o conjunto inconsistente de afirmações que correspondem a J1-J6 acima, fazendo “6” substituir “1” e mudando as letras das afirmações para “K.” (Assim, a afirmação K1 é “6 é dotada de significado (significa algo, não é destituída de significado),” K2 é “6 é uma frase sujeito-predicado,” etc.) Parafraseemos então 6 segundo o método anterior:

Pelo menos uma pessoa é actualmente rei de França [ou melhor, reina actualmente na França],

e

no máximo, uma pessoa é actualmente rei de França,

e

seja quem for presentemente rei de França é calvo.

Sem problemas. A primeira das três conjuntas anteriores é simplesmente falsa, dado ninguém reinar actualmente na França; assim, a própria 6 é falsa segundo a análise de Russell. Quando formulámos pela primeira vez o quebra-cabeças, parecia que teríamos de rejeitar J3/K3 ou (um ultraje) J6/K6, dado J2 parecer tão óbvia quanto as outras inegáveis afirmações J. Mas agora Russell nega engenhosamente a afirmação K2, “6 é uma frase sujeito-predicado,” dado negar que “O actual rei de França” seja “realmente” um termo singular. Claro que 6 tem a forma sujeitopredicado no modo gramatical superficial. Mas note-se uma vez mais que as nossas três conjuntas são todas afirmações gerais, nenhuma mencionando qualquer indivíduo específico que corresponda ao alegado rei; “o rei” não surge na forma lógica como sujeito. (Alternativa e menos dramaticamente, poderíamos manter K2, entendendo que alude à forma gramatical superficial, e rejeitar K3 com base na ideia de que uma frase que superficialmente é do tipo sujeito-predicado pode ser dotada de significado sem seleccionar qualquer indivíduo particular, pois abrevia um trio de afirmações puramente gerais.)

EXISTENCIAIS NEGATIVAS Apliquemos a análise de Russell a 7:

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7)

O actual rei de França não existe.

Ora, há uma paráfrase russelliana de 7 que a deixa tão anómala quanto parece ao ouvinte ingénuo. Trata-se da paráfrase que toma “existe” como um predicado comum, como “era escocês” ou “é calvo,” e entende que “não” modifica ou se aplica a esse predicado:

Pelo menos uma pessoa é actualmente rei de França,

e

no máximo uma pessoa é actualmente rei de França,

e

seja quem for presentemente rei de França não existe.

A anomalia é que a primeira conjunta assere a existência de um rei actual, ao passo que a terceira conjunta a nega. Não admira que 7 nos pareça esquisita. Para dar sentido a 7, não podemos pensar que “não” modifica o verbo “existe,” mas antes que se aplica ao resto de 7, deste modo:

Não: (O presente rei de França existe). [Isto é, é falso que: o presente rei de França exista],

que é obviamente o que quereria dizer alguém que proferisse 7 seriamente. Depois aplicamos o padrão de análise de Russell dentro do “não,” como se segue:

Não: (Pelo menos uma pessoa é actualmente rei de França, e no máximo uma pessoa é presentemente rei de França e seja quem for presentemente rei de França existe).

Em símbolos: ~(‫׌‬x) (Rx & ((y) (Rx  y = x) & Ex))

em que “E” representa “existe.” (Na verdade, “existe” é em si tratado como um quantificador na teoria lógica, e por isso (‫׌‬z) (z = x) de substituir apropriadamente a conjunta Ex, o que é redundante.) O conteúdo intuitivo de 7 é apenas “Ninguém é sozinho rei de França,” ou “Ninguém sozinho reina na França,” e a paráfrase de Russell tem a virtude de ser precisamente equivalente a isso. Em lugar algum da análise de Russell seleccionamos um indivíduo para dizer que esse indivíduo não existe, de modo que o problema das existenciais negativas desaparece, pelo menos no caso das

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descrições definidas. Nesta compreensão preferencial de 7, a descrição ocorre no que Russell chama posição “secundária”; isto é, interpretámos os seus quantificadores “pelo menos,” “no máximo” e “seja quem for” de modo a ficarem dentro do “não.” A penúltima paráfrase, que preterimos, dava à descrição uma posição “primária,” colocando-a primeiro, na ordem lógica, com o “não” no seu interior e por ela regida. A uma distinção de significado deste tipo chama-se distinção de âmbito: na terminologia mais moderna, na leitura secundária os quantificadores têm um âmbito “curto,” ficando sob o âmbito de “não,” que assim tem âmbito longo; na leitura primária os quantificadores não ficam sob o âmbito de “não,” sendo o “não” que fica sob o âmbito dos quantificadores.

O QUEBRA-CABEÇAS DE FREGE Eis um exemplo com uma descrição definida: 8)

A actual rainha de Inglaterra é [um e o mesmo indivíduo que] Elisabete Windsor.

O termo da esquerda é uma descrição definida, por isso eliminemo-la por paráfrase à maneira de Russell:

Pelo menos uma pessoa é actualmente rainha de Inglaterra [reina actualmente na Inglaterra],

e

no máximo uma pessoa é actualmente rainha de Inglaterra,

e

seja quem for que actualmente é rainha de Inglaterra é [um e o mesmo que] Elisabete Windsor.

Em símbolos: (‫׌‬x) (Rx & ((y) (Ry  y = x) & x = e)).

Agora vemos facilmente por que razão a nossa afirmação de identidade original não é trivial. Claro que descobrimos algo quando ouvimos a paráfrase de Russell, algo de substancial sobre Elisabete e também sobre a actual rainha. E é claro que a frase de identidade é contingente, dado que outra pessoa qualquer poderia ter sido rainha (poderia até não haver rainha), Elisabete poderia ter fugido de casa para formar uma banda de rock, ou para fazer qualquer outra coisa, em vez de ser coroada. A teoria das descrições parece explicar correctamente o conteúdo intuitivo das afirmações de identidade. Note-se que, segundo a perspectiva de Russell, a afirmação só superficial-

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mente é uma afirmação de identidade; na verdade é uma predicação, atribuindo uma propriedade relacional complexa a Elisabete. Isto deixa-nos com o problema de saber como uma afirmação de identidade genuína poderia ser simultaneamente verdadeira e informativa, o que abordaremos no capítulo 3.

SUBSTITUIBILIDADE Regressemos ao Alberto. Ele tem estado a estudar filosofia e: 9)

O Alberto acredita que o autor de O Nada e a Seridade é um pensador profundo.

Ora, o Alberto não está ciente de que o autor de O Nada e a Seridade tem um segundo emprego clandestino no qual escreve pornografia barata e repugnante. Não podemos por isso fazer o termo “o autor de Veterinárias Ardentes” substituir “o autor de O Nada e a Seridade” em 9 sem mudar o seu valor de verdade; o resultado é uma frase falsa, dado que o Alberto acredita que o autor de Veterinárias Ardentes é um palerma tarado. (Receio que isto prova que o Alberto leu Veterinárias Ardentes.) A posição ocupada pela descrição definida em 9 é opaca. Em 9, a descrição definida ocorre como parte do que o Alberto acredita, de modo que começamos a nossa paráfrase russelliana com “o Alberto acredita” e depois aplicamos o padrão de análise de Russell, dando à descrição uma ocorrência secundária ou âmbito curto:

O Alberto acredita no seguinte: (pelo menos uma pessoa escreveu Nada e Seridade,

e

no máximo uma pessoa escreveu Nada e Seridade,

e

seja quem for que escreveu Nada e Seridade é um pensador profundo).

Esta é uma explicação bastante boa do que o Alberto acredita.5 E agora é óbvio por que não 5

Como é de esperar, há uma segunda maneira de aplicar a análise a 9, tal como houve duas maneiras

de a aplicar a 7, por podermos escolher onde pôr o “não.” A outra maneira é dar à descrição ocorrência primária ou âmbito longo com respeito a “O alberto acredita que.” A paráfrase russelliana seria então: “Pelo menos uma pessoa escreveu O Nada e a Seridade, e no máximo uma pessoa escreveu O Nada e a Seridade, e seja quem for que escreveu O Nada e a Seridade é tido pelo Alberto como um pensador profundo.” Nesta leitura, 9 assere uma relação de crença entre o Alberto e o nosso autor clandestino — a própria pessoa, independentemente de como o descrevemos — mas é excepcionalmente difícil de ouvir esta leitura, especialmente porque

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podemos em 9 usar “o autor de Veterinárias Ardentes” como substituto, pois a análise correspondente da frase resultante é a seguinte:

O Alberto acredita no seguinte: (Pelo menos uma pessoa escreveu Veterinárias Ardentes,

e

no máximo uma pessoa escreveu Veterinárias Ardentes,

e

seja quem for que escreveu Veterinárias Ardentes é um pensador profundo).

Dado que esta interpretação atribui uma crença completamente diferente ao Alberto, não é de espantar que seja falsa, apesar de 9 ser verdadeira. (Claro que a nível da forma lógica nada substituímos, pois os termos singulares “desapareceram por análise,” não estando já presentes para poderem ser substituídos.) Os quatro quebra-cabeças tornam claro que as descrições definidas não se conectam ao mundo apenas por nomeação directa.6 Mas precisamos de uma teoria positiva de como as descrições se conectam ao mundo. Russell forneceu uma teoria a favor da qual há belíssimos incentivos. Notese que apesar de não se atribuir referentes às descrições definidas do mesmo modo que aos nomes, e apesar de não serem “realmente” termos singulares, de todo em todo, pretende-se mesmo assim que tenham indivíduos singulares que lhes respondam; quando uma descrição tem de facto o indivíduo que se pretende que lhe corresponda — isto é, quando existe realmente um único tal e tal — direi que a descrição tem denotatum semântico ou referente semântico. Mas a conexão entre uma descrição definida e o seu referente semântico é (do ponto de vista de Russell) muito menos directo do que a conexão entre um nome simples e o que seu titular.

quaisquer descrições com a mesma referência podem ser aí inseridas sem mudar o valor de verdade. O entendimento “secundário” de 9 é muito mais comum e natural. 6

Russell acrescentou um quinto quebra-cabeças, a que podemos chamar o problema do terceiro

excluído: nem 1, “O actual rei de França é calvo,” nem a sua negação aparente, “O actual rei de França não é calvo,” é verdadeira. Contudo, uma lei da lógica afirma que, dada uma frase e a sua negação, uma delas tem de ser verdadeira. (Russell acrescentou: dado parecer que o rei não é calvo nem deixa de sê-lo, “os hegelianos, que gostam muito de sínteses, concluirão provavelmente que usa peruca” (1905: 48).) Deixo ao leitor como exercício a resolução deste quinto quebra-cabeças, à luz dos tratamentos de Russell dos outros quatro.

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Objecções à teoria de Russell Por mais esplêndido que seja o feito de Russell, levantaram-se várias objecções contra a teoria das descrições, principalmente formuladas por Strawson (1950). Antes de as examinarmos, note-se uma crítica importante que se poderá fazer neste momento, apesar de Russell se lhe ter rapidamente antecipado. Quando formulei os quatro quebra-cabeças com que começámos, chamei-lhes quebracabeças “sobre termos singulares.” Desde então expus cada um deles usando exemplos com descrições definidas, usando a teoria das descrições de Russell para os anular. Mas os quebra-cabeças são realmente sobre todos e quaisquer termos singulares, e não apenas sobre descrições. Já usámos nomes próprios para referir aparentemente inexistentes, e poderíamos até usar pronomes (“tu,” proferido por Scrooge ao fantasma de Marley); o quebra-cabeças de Frege e da substituibilidade emergem é claro com nomes próprios. Estes parecem constituir os mesmíssimos problemas do que os que Russell formulou em termos de descrições. Parece que Russell se perdeu pura e simplesmente pelo caminho, pois fez uma teoria que pela sua natureza se aplica apenas a uma subclasse muito especial de termos singulares, ao passo que uma solução adequada aos quebra-cabeças deveria generalizar-se. A solução de Russell para este problema foi ainda mais engenhosa do que a própria teoria das descrições. Sinteticamente, consistiu em invocar outra distinção entre a aparência de superfície e a realidade lógica subjacente, e defender que aquilo a que comummente chamamos nomes próprios não o são realmente, sendo antes abreviaturas de descrições definidas. Mas só no próximo capítulo examinaremos esta tese. A crítica de Strawson foi radical e penetrante. Na verdade, Russell e Strawson eram figuras de proa de duas abordagens muito diferentes ao estudo da linguagem (e, menos acentuadamente, de dois grandes sistemas rivais da filosofia do séc. XX), apesar de não entrarmos nessa questão até ao capítulo 6. Para preparar as coisas para as objecções de Strawson, farei apenas notar que ao passo que Russell pensava em termos de frases tomadas em abstracto como objectos em si, e das suas relações lógicas em particular, Strawson salientava o modo como os seres humanos em situações conversacionais concretas usam e reagem às frases. O artigo mais famoso de Russell (1905) chamava-se “On Denoting,” e nesse artigo a denotação é tomada como uma relação entre uma expressão, considerada em abstracção, e a coisa que é o referente ou denotatum da expressão. O título de Strawson era “On Referring,” que se pretendia irónico, pois Strawson não concebia a referência como uma relação abstracta entre uma expressão e uma coisa, mas como um acto executado por uma pessoa num dado momento e numa ocasião. Esta maneira de ver as coisas deu a Strawson uma perspectiva muitíssimo nova dos quatro problemas. Strawson defende que as expressões não referem de todo em todo; as pessoas referem, usando expressões com esse propósito. Isto faz lembrar o lema da Associação Nacional NorteAmericana de Armas de Fogo: “São as pessoas que matam outras pessoas e não as armas.” Há certamente um sentido óbvio em que Strawson tem razão. Usando um dos seus exemplos, se eu escre-

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ver “Esta vermelha é muito boa,” “Esta” nada refere — e nenhuma afirmação determinada se produziu — até eu fazer algo que a faça referir. Uma expressão só acabará por referir se eu a usar num contexto adequadamente preparado, de modo a referir uma coisa particular, ou uma pessoa. Mas isto é uma questão de usar a expressão, e quando a uso sou eu que estou a fazer referir, e não a expressão.

OBJECÇÃO 1 Segundo Russell, a frase 6 (“O actual rei de França é calvo”) é falsa em virtude da inexistência de tal rei. Strawson faz notar que esse veredicto é implausível. Suponha-se que alguém chega ao pé de nós e profere 6. Será que quem a ouvisse reagiria dizendo “Isso é falso” ou “Discordo”? Certamente que não. Ao invés, sustenta Strawson, quem fala produziu apenas uma expressão ostensivamente referencial que não funcionou; quem fala foi pura e simplesmente mal sucedido, nada referiu, e por isso não fez uma afirmação completa. A sua elocução é certamente deficiente, mas não do mesmo modo que “A actual rainha da Inglaterra não tem filhos.” Não é uma elocução incorrecta mas antes abortiva; não tem sequer hipótese de ser falsa. Dado que nenhuma afirmação propriamente dita foi feita desde logo, segue-se que nada de verdadeiro nem de falso se disse. O interlocutor ou pura e simplesmente não compreenderia ou diria “Espera aí,” passando então a questionar a pressuposição da elocução (“Não compreendo o que estás a dizer; a França não tem qualquer rei”).7 Consequentemente, Strawson resolve o problema da referência aparente de entidades inexistentes negando K3: 6 é dotada de significado dado ter um uso legítimo na linguagem, podendo ser usada para dizer coisas verdadeiras ou falsas se o mundo (ou os franceses) cooperar mais, mas não por ser bem-sucedida ao seleccionar uma coisa individual. Russell concebia uma frase dotada de significado como uma frase que tem significado ou, usando as suas palavras, uma frase que exprime uma proposição. A forma lógica de uma frase, do seu ponto de vista, é na verdade a forma lógica da proposição que a frase exprime. Mas as proposições são, pela sua própria natureza, verdadeiras ou falsas. Strawson evita falar de “proposições,” e nega que as frases sejam coisas de um tipo que possam ser verdadeiras ou falsas. O que é dotado das propriedades da verdade e da falsidade são ao invés as afirmações feitas quando quem fala consegue dizer algo, e nem todo o acto de elocução é bem-sucedido desse modo, pois nem todas as frases dotadas de significado são sempre usadas para fazer uma afirmação. Os russellianos têm uma resposta comum à objecção 1, mas depende de algumas noções que desenvolverei só no capítulo 13, de modo que vou protelar a discussão até então.

7

Strawson vê que há excepções; ocasionalmente, uma frase contendo uma descrição irreferencial é

inequivocamente falsa. Veja-se Neale (1990), Lasersohn (1993) e Yablo (2006).

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OBJECÇÃO 2 Strawson critica também a tese, que atribui a Russell, de que “parte do que [quem fala] estaria a asserir [ao proferir 6] seria que presentemente existe um e um só rei de França” (1950: 330). Essa tese é demasiado implausível, pois apesar de quem fala pressupor a existência de um e um só rei, isso não faz certamente parte do que essa pessoa assere. Mas isso é uma incompreensão: Russell não defendeu tal tese. Russell nada disse sobre actos de asserção. Talvez Strawson esteja a pressupor em nome de Russell que seja o que for que é logicamente implicado por uma frase é necessariamente asserido por quem profere essa frase. Mas este princípio é falso: se eu disser “O gordo do Toninho não consegue correr nem subir a uma árvore,” não estarei a asserir que o Toninho é gordo, apesar de a minha frase o implicar logicamente; se eu disser “O Toninho tem um metro e setenta,” não estarei a asserir que o Toninho mede mais de três quilómetros ou menos de vinte e oito quilómetros.

OBJECÇÃO 3 Strawson faz notar que muitas descrições dependem do contexto. O exemplo de Strawson é o seguinte: 10) A mesa está cheia de livros.

Presumivelmente, o termo sujeito é uma descrição definida, usada de um modo comum, e não de um modo diferente ou pouco habitual. Mas se aplicarmos a análise de Russell obtemos “Pelo menos uma coisa é uma mesa e no máximo uma coisa é uma mesa e seja o que for que é uma mesa está cheia de livros” — o que implica, pela segunda conjunta, que no máximo há uma só mesa em todo o universo. Isto não pode ser afastado com um encolher de ombros. Por mais que isso o contrarie, Russell terá de dar atenção ao contexto da elocução. Russell tem várias opções. Afinal, Strawson não tem o monopólio do facto de que quando alguém diz “A mesa,” os interlocutores sabem geralmente de que mesa se está a falar, pois algo no contexto a realçou. Pode ser a única mesa à vista, ou a única na sala, ou a mesa de que acabámos de falar. Russell pode dizer que ocorre aqui uma elipse; que, no contexto, “A mesa” abrevia uma descrição mais elaborada que é satisfeita univocamente. (Como veremos no próximo capítulo, Russell não se opunha à hipótese da elipse.) A perspectiva da elipse tem algumas implicações perturbadoras. Russell pensa que a forma lógica é objectivamente real — que as frases têm mesmo as formas lógicas por si postuladas. Assim, se “A mesa” é uma elipse, tem de haver uma resposta determinada à pergunta “É uma elipse do quê?” E a resposta será importante porque 10 dirá coisas completamente diferentes em função do candidato que se escolher. Se dissermos que “A mesa” quer dizer a mesa desta sala, então introduzimos o conceito “sala,” e interpretámos 10 de um modo que é literalmente sobre uma sala, tendo, na verdade, o predicado “sala” escondido na sua estrutura lógica subjacente.

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Talvez uma abordagem melhor seja apelar à quantificação restringida (como em Lycan 1984 e Neale 1990). Dizemos muitas vezes coisas como “Toda a gente gosta dela,” não querendo falar de todas as pessoas do universo, mas de todas as pessoas num certo círculo social indicado contextualmente. Ou “Já ninguém vai a esse restaurante,” que é improvável que queira dizer que nenhum ser humano em absoluto vai lá; é mais comum que queira apenas falar de pessoas do nosso género (seja ele qual for).8 O que os lógicos chamam os domínios que estão sob o âmbito dos quantificadores não têm de ser universais, sendo antes muitas vezes classes particulares aproximadamente pressupostas no contexto. Na verdade (e isto é algo que o leitor pode verificar), praticamente toda a quantificação que ocorre em português foi restringida: “Para mim a pizza pode ser com qualquer coisa,” “Não há cerveja,” ou até “Não trocaria este carro por coisa alguma deste mundo.” É claro que a análise russelliana habitual começa com um quantificador: “Pelo menos uma coisa é uma mesa…” Consideremos simplesmente que o quantificador foi apropriadamente restringido. A mesma restrição aplicar-se-á a “no máximo uma coisa,” e por isso perde-se a implicação indesejada de que há no máximo uma mesa no universo; 10 implicará agora apenas que há no máximo uma mesa do género contextualmente indicado, o que não levanta problemas. O apelo da quantificação restringida difere da hipótese da elipse por não exigir que em 10 se mencione clandestinamente materiais conceptuais explícitos. A restrição do quantificador é mais parecido a um pronome demonstrativo silencioso: “No máximo uma mesa desse género,” em que o contexto fixa a referência do termo “desse.” Assim, parece que resolvemos o problema da mesa por Russell. Mas há mais casos problemáticos exasperantes. Considere-se o seguinte: 11) Se um bispo encontra outro, o bispo abençoa esse outro. (Heim 1990)

Para mais exemplos veja-se Reimer (1992), Stanley e Szabó (2000), Ludlow e Segal (2004) e Lepore (2004). Além disso, há ainda um problema geral de como os quantificadores ficam restringidos pelo contexto, o que determina exactamente os domínios restritos (que são quase sempre demasiado vagos para serem úteis), e como raio os interlocutores identificam os domínios certos tão depressa e sem esforço. Mas esse problema geral é algo que temos em qualquer caso; não é uma objecção especial à teoria das descrições de Russell. Faço uma pausa para oferecer uma refutação parcial da noção de Strawson de que são as pessoas que referem e não as expressões. Relembre-se o lema da Associação Nacional NorteAmericana de Armas de Fogo: “São as pessoas que matam outras pessoas e não as armas.” Uma resposta apropriada é esta: “Sim, mas as pessoas matam muito mais fácil e eficientemente se usarem armas,” e há um sentido perfeitamente bom em que a arma matou realmente a vítima. Assim, 8

G. K. Chesterton baseia inteiramente neste fenómeno uma das suas histórias de mistério do Padre

Brown, “O Homem Invisível.”

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há pelo menos um sentido secundário no qual as expressões referem. Nada absolutamente há de errado em dizer que, num contexto particular, a expressão “A mesa” refere a peça de mobiliário proeminente. Além disso, já introduzimos a noção de “referente semântico” de uma descrição: no contexto, recorde-se, o referente semântico de uma descrição é o objecto (se houver algum), seja ele qual for, que de facto satisfaz univocamente a descrição. Note-se que também Russell objecta a que se fale do referente de uma descrição. Russell quer insistir que as descrições não são na verdade, de modo algum, expressões referenciais; uma frase que contenha uma descrição abrevia imenso material quantificacional inteiramente geral e que não é sobre alguém em particular. Mas a minha noção de um referente semântico aplica-se igualmente contra Russell neste aspecto. Há pelo menos esse sentido secundário no qual uma descrição pode ter um referente. E para um russelliano é perfeitamente inócuo conceder que as descrições definidas referem realmente, desde que tenha em conta que não o fazem directamente, do modo como podemos pensar que os nomes próprios referem. Volto-me agora para uma objecção apresentada por Keith Donnellan (1966).

OBJECÇÃO 4 Donnellan reparou em casos nos quais parece que realmente usamos descrições definidas como se fossem apenas etiquetas ou nomes, unicamente para referir indivíduos. E em tais casos a análise russelliana não capta o que parece estar a ser dito quando as frases relevantes são proferidas. Apesar de Donnellan pretender que o seu artigo é modestamente um juízo sobre a disputa Russell-Strawson, a sua ideia sagaz tem uma aplicação mais lata, e eu vou expô-la nos seus próprios termos. A DISTINÇÃO DE DONNELLAN

Donnellan chamou a atenção para o que chamou o uso referencial de uma descrição definida, em contraste com o seu uso atributivo. O tipo mais óbvio de uso referencial é quando uma descrição ganha letras maiúsculas e é na verdade usada como título. Um exemplo clássico é “O Santo Império Romano,” cujo referente, como Voltaire observou, não era santo, nem romano, nem um império. Ou “The Grateful Dead,” que é o nome de uma banda de rock; as frases que contenham este título não querem dizer que pelo menos uma coisa é um morto grato e… Russell poderia retorquir com toda a justiça que, como mostram as letras maiúsculas, estes títulos não estão a ser usados de modo algum como descrições, mas (é claro) como títulos aglutinados. “O Cisne” é o nome de uma peça instrumental de Saint-Saëns, e as frases que contêm esse título são sobre música e não aves aquáticas. Mas Donnellan mostra que há casos menos formais nos quais usamos descrições unicamente para dar atenção a um indivíduo particular independentemente dos atributos dessa pessoa ou coisa. Para efeitos de contraste, eis um exemplo russelliano comum. Descobrimos o corpo do Silva, vítima de homicídio e eu digo

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12) O homicida do Silva é louco

querendo dizer que quem cometeu este terrível crime é louco. Donnellan não se opõe neste caso a Russell; este é o que Donnellan chama o uso atributivo da descrição. Mas suponha-se em vez disso que não vimos o corpo e que não temos qualquer outro conhecimento directo do caso; o Jonas foi preso e acusado de homicídio e estamos a assistir ao julgamento. A argumentação da acusação é excelente, e estamos privadamente a pressupor que o Jonas é culpado; além disso, o Jonas está a agitar os olhos e a salivar como um homicida. Neste contexto, eu afirmo também 12, “O homicida do Silva é louco.” Mas neste contexto estou apenas a usar a expressão “O homicida do Silva” para referir a pessoa que estamos a ver, o réu, independentemente dos seus atributos. Além disso, o que eu afirmo é verdade se, e só se, o réu é louco, independentemente de ter ou não cometido o homicídio. É a isto que Donnellan chama o uso referencial. A objecção de Donnellan à teoria das descrições é apenas que a teoria não deu atenção ao uso referencial; Russell escreve como se todas as descrições fossem usadas atributivamente. Mas, contra Strawson, Donnellan lamenta que também este filósofo não tenha visto o uso atributivo, escrevendo como se todas as descrições fossem usadas referencialmente, num contexto, para chamar a atenção de alguém para uma pessoa, lugar ou coisa particular. Assim, tanto Strawson como Russell estavam enganados ao pensar que as descrições definidas funcionam sempre de uma dada maneira, pois existe uma ambiguidade que nenhum deles reconhece. Donnellan não toma posição quanto ao tipo de ambiguidade em causa; em particular, não tenta decidir se a frase 12 em si tem dois significados diferentes que expliquem os “usos” evidentemente distintos da descrição. Donnellan dá várias caracterizações informais do novo uso referencial: “Quem usa uma descrição definida referencialmente numa asserção […] usa a descrição para permitir que a sua audiência estabeleça de quem está a falar, ou do quê” (p. 285). A descrição não “ocorre essencialmente,” sendo “meramente um instrumento para desempenhar uma dada tarefa — chamar a atenção para uma pessoa ou coisa — e em geral poder-se-ia usar qualquer outro dispositivo que desempenhasse a mesma tarefa, outra descrição, ou um nome” (ibid.). “Temos a expectativa e a intenção de que a nossa audiência fique ciente de quem temos em mente […] e, mais importante, que saiba que é acerca dessa pessoa que vamos dizer algo” (pp. 285-286). Tudo isto parece claramente correcto, no caso do “homicida do Silva.”9 Contudo, Donnellan acrescenta uma caracterização complementar: no uso atributivo de “O

9

Na verdade, as caracterizações de Donnellan não se ajustam perfeitamente entre si. Por exemplo,

mesmo no caso referencial que Donnellan tem em mente, nem sempre “temos a expectativa e a intenção de que a nossa audiência fique ciente de quem temos em mente e, mais importante, que saiba que é acerca dessa pessoa que vamos dizer algo,” pois posso dizer apenas para mim mesmo “O homicida do Silva é louco,” sem ter qualquer expectativa ou intenção de que alguém se dê conta de seja o que for. A “distinção de Donnellan” parece uma família de distinções relacionadas mas distintas; os comentadores tentaram resolver este imbróglio (por exemplo, Searle 1989b; Bertolet 1980; Devitt 1981b).

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ϕ é Y,” “se nada é o ϕ, então de nada se disse que é Y,” ao passo que no uso referencial “o facto de nada ser o ϕ não tem esta consequência” (p. 287). Donnellan toma este aspecto de Linsky (1963), que oferece um exemplo de alguém (talvez numa festa) que observa uma mulher e o seu acompanhante e diz: “O marido dela dá-lhe muita atenção.” Donnellan e Linsky concordam que mesmo que a mulher não seja de facto casada, é o seu acompanhante que é referido, e que o que é dito é que essa pessoa lhe dá muita atenção, independentemente de ser ou não o marido dela. Deste ponto de vista, o referente real difere daquilo a que chamei o referente semântico, não havendo neste exemplo de Linsky qualquer referente semântico. Ou suponha-se que no caso do Silva, contra todos os indícios, o Jones está inocente; o Silva cometeu suicídio e não há qualquer homicida. (Ou talvez o Silva não esteja sequer morto, tendo permanecido num estado de animação suspensa profunda.) Intuitivamente, sustenta Donnellan, isso não muda o que eu disse. E o que eu disse é verdadeiro se, e só se, o Jonas é louco, independentemente de não existir qualquer homicida. Donnellan dá o exemplo complementar de um conviva numa festa que vê uma pessoa com um ar interessante a beberricar algo de um copo de martíni; o conviva pergunta “Quem é o homem que está a beber um martíni?” Na verdade, o copo tem água apenas mas, sustenta Donnellan, a pergunta do conviva é sobre o homem com um ar interessante, e não (digamos) sobre Dino, que está na sala de bilhar, e que na verdade é o único homem na festa que está a beber um martíni. Exemplos como este, a que por vezes se chama casos de “quase insucesso,” são objecto de disputa. Seguindo Grice (1957) e desprezando Strawson, Kripke (1979a) distingue entre o que uma expressão linguística em si mesma significa ou refere e o que quem fala quer dizer ou refere ao usar a expressão. Por exemplo, tomada literalmente, a frase “O Alberto é muito elegante” significa que o Alberto é muito elegante, mas pode ser usada sarcasticamente para dizer que o Alberto é um lorpa repugnante. (Teremos mais a dizer sobre as disparidades entre o significado de quem fala e o significado literal da expressão nos capítulos 7 e 13.) Do mesmo modo, posso dizer “O homicida do Silva,” expressão que, tomada literalmente, quer dizer seja quem for que matou o Silva, e querer honestamente com isso falar do réu Jonas e ser correctamente entendido desse modo. No exemplo de Linsky, quem fala quer dizer o acompanhante da senhora, mas a expressão “O marido dela,” segundo as regras do português, significa seja quem for que está casado com ela (se houver alguém); o conviva da festa de Donnellan quer obviamente falar do homem com um ar interessante, apesar de a expressão “o homem que está a beber um martíni” significar literalmente o homem, seja ele qual for, que está de facto a beber um martíni. Nos casos de “quase insucesso,” quem fala quer dizer o que Donnellan diz que quer dizer, e quer dizer coisas verdadeiras, mas (como acontece com “O Alberto é muito elegante”) fá-lo proferindo frases que são de facto falsas. Definamos agora um pouco mais tecnicamente a noção de referência de quem fala, para a contrastar com a referência semântica. O referente de quem fala ou profere uma descrição numa ocasião do seu uso é o objecto, se algum houver, para o qual quem fala ou usou a descrição tenciona chamar a atenção da sua audiência. (O referente de quem fala é o objecto que quem profere

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algo tem em vista.) Felizmente, a comunicação ocorre com o significado e a referência de quem fala: se eu quero dizer (significado de quem fala) Jonas quando digo “O homicida do Silva” e o leitor pensa que eu quero falar do Jonas e entende que eu afirmei que Jonas é louco, então o leitor compreendeume correctamente e a comunicação foi bem-sucedida; não importa que a frase que proferi era falsa segundo o seu significado literal, tal como não importa que “O Alberto é muito elegante” seja literalmente falsa. Assim, segundo Kripke, Donnellan não mostrou que uma frase que contém uma descrição definida pode ser verdadeira ainda que nada (ou algo sem relação) seja o referente semântico da descrição. Ainda que Kripke tenha razão quanto aos exemplos de quase insucesso, é importante manter uma versão da distinção de Donnellan. A distinção é amplamente ilustrada pelo exemplo original do homicida do Silva, entre outros, ainda que Donnellan não tenha razão quanto aos significados e valores de verdade das frases de quase insucesso. O artigo de Donnellan levanta a questão de especificar as circunstâncias sob as quais se é bem-sucedido ao referir, usando uma descrição, a pessoa ou coisa que se tem a intenção de referir, e mostrou que isto nem sempre acontece por força do referente semântico. Além disso, a distinção é inequivocamente importante para o valor de verdade das frases que incluem descrições em orações de certos tipos. Suponha-se que eu dizia: 13) Sei que isso é verdade porque o ouvi da médica local.

O leitor poderia perguntar-me: “Porque ela é médica e isto é uma questão médica, ou antes porque o ouviste dela e ela é também uma autoridade em criminologia?” O valor de verdade de 13 pode depender de “a médica local” ser usada atributiva ou referencialmente. Considere-se alternativamente outro exemplo: 14) Quem me dera que o marido dela não fosse o marido dela.

A leitura mais natural de 14 é tomar a primeira ocorrência da descrição referencialmente e a segunda atributivamente; o desejo de quem fala é que o homem em questão não fosse casado com a mulher em causa. Mas 14 tem várias outras leituras, dependendo do modo como as descrições são tomadas, apesar de serem bastante tontas. À luz da distinção de Kripke entre o referente de quem fala ou profere algo e o referente semântico, poder-se-á ser tentado a excluir simplesmente a questão de Donnellan por ser meramente verbal, defendendo-se que a teoria das descrições está mesmo assim correcta enquanto explicação dos valores de verdade das frases tomadas literalmente, ao passo que Donnellan tem muitas vezes razão quanto ao referente e ao significado de quem fala. Mas a ambiguidade de frases como 13 e 14 parece continuar a escapar à análise de Russell.10 10

Um russelliano renitente poderá tentar explanar as ambiguidades em termos das ambiguidades de 7

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Além disso, ainda que tenhamos sido persuadidos por Kripke e tenhamos descontado os exemplos de quase insucesso, continua a ser controverso se, no caso referencial, o referente efectivo é sempre o referente de quem fala. Note-se que esta questão pressupõe uma terceira noção, referente “efectivo,” que é conceptualmente distinta das outras duas. O que se tem em mente com esta noção é que o referente efectivo é o objecto acerca do qual quem fala consegue fazer uma afirmação (ou uma pergunta, ou dar uma ordem, etc.), deixando-se em aberto se isto tem ou não correspondência com a interpretação semântica literal da frase proferida. (É claro, se a teoria das descrições estiver correcta, ou o referente efectivo é sempre o referente semântico ou, dado que segundo Russell as descrições definidas não referem de facto de modo algum, não há qualquer referente efectivo.) MacKay (1968) argumenta que em alguns casos, mesmo que nos enganemos ao falar, o referente efectivo pode ser o semântico e não o de quem fala. Suponha-se que está uma pedra e um livro em cima da mesa e, querendo que o leitor me traga o livro, atrapalho-me ao falar e digo “Dáme aí a pedra que está em cima da mesa,” usando “a pedra” referencialmente mas querendo com isso referir o livro, pedi mesmo assim ao leitor que me dê a pedra, e o leitor não estaria a atender ao meu pedido se me trouxesse o livro. Ou suponha-se que lhe digo “Aposto cinco euros que o glorioso vencedor [de uma competição automóvel] tem mais de quarenta anos.” Estou a usar “o glorioso vencedor” referencialmente, pensando em Dale Earnhart, plenamente confiante de que a corrida está ganha, e tenho-o perfeitamente em mente, incluindo até uma inequívoca imagem mental de Dale. Mas, apesar de ele ter cortado a meta em primeiro lugar, na verdade não venceu a corrida; em virtude de uma questão técnica pouco conhecida, fica em segundo lugar, atrás de Fat Freddy Phreak, que anda outra vez à solta e entrou na competição à última da hora. Fat Freddy tem apenas vinte e dois anos. Eu devolhe cinco euros. MacKay faz notar a questão geral de que as intenções de quem fala podem ser arbitrariamente loucas. Suponha-se que formei a crença tresloucada de que Keith Donnellan é o filho ilegítimo do Pai Natal e da Margaret Thatcher. Usando a descrição referencialmente, digo: “O bastardo natalício da Thatcher escreveu um artigo clássico sobre as descrições.” Se o leitor conhecer as minhas crenças bizarras suficientemente bem, conseguirá seleccionar o indivíduo certo e compreenderá o que quero dizer, mas ninguém pode descrever-me correctamente afirmando que Lycan disse que Keith Donnellan escreveu o artigo clássico. Deve questionar-se se há qualquer noção correctamente distinta de um “referente efectivo.” O conceito de referente semântico é claro, e a teoria da comunicação exige o mesmo do referente de quem fala, mas talvez a ideia de um “referente efectivo” seja apenas uma confusão dos dois baseada na nossa incapacidade para ver a diferença entre a semântica literal da frase e a teo-

e 9, resultando de se aplicar a análise de Russell dentro ou fora de “porque” e “quem me dera,” respectivamente. Tente fazê-lo.

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ria da comunicação. Teríamos então de explicar de modo a eliminar o facto de termos intuições sobre “referentes efectivos” em casos como alguns dos anteriores. Kripke segue aproximadamente esta linha, usando uma ideia de Grice que discutiremos no capítulo 13.

ANÁFORA Tem de se mencionar uma objecção final à teoria das descrições. Como fizemos notar, Russell ocupa-se apenas do que considera o uso central de “o,” e dispensa a teoria de ter de explicar os usos plurais ou o uso genérico. Poder-se-á pensar que não se deve estragar assim indefinidamente com mimos uma teoria das descrições definidas. Mas em qualquer caso Russell não menciona os usos anafóricos, e tem-se questionado por que não se deveria exigir à teoria que os abranja, dado que ao contrário dos usos plurais e genéricos, as descrições anafóricas são ostensivamente expressões singulares referenciais. Em geral, uma expressão anafórica recebe o seu significado de outra expressão, a sua antecedente, que habitualmente, mas nem sempre, ocorre na frase numa posição anterior, ou numa frase anterior. Por exemplo, na frase 15) O homem que vivia ao voltar da esquina era excêntrico. Costumava lanchar alcaçuz.

o pronome elidido* da segunda frase refere-se ao homem que vivia ao voltar da esquina. Geach (1962) chamou a tal termo “pronome preguiçoso” e sugeriu que se limita a abreviar uma repetição ipsis verbis da expressão anterior, de modo que a segunda oração de 15 é precisamente equivalente a “O homem que vivia ao voltar da esquina costumava lanchar alcaçuz.” A sugestão de Geach é apenas uma de entre várias teorias dos pronomes anafóricos, mas a ideia geral é que o pronome tem o referente que tem apenas em virtude da sua relação com a expressão antecedente. Se Geach tiver razão, 15 não levanta qualquer problema à teoria das descrições; a sua segunda oração seria analisada do modo habitual e essa análise parece pelo menos tão correcta quanto outras paráfrases russellianas centrais. Mas, como Evans (1977) faz notar, um tratamento paralelo é improcedente quando a antecedente é uma expressão quantificadora ou uma descrição indefinida: 16) Só uma tartaruga descia a rua. Corria como se fosse perseguida por um maníaco. 17) Um coelho apareceu no nosso jardim depois do jantar. Parecia perfeitamente descontraído.

*

Ao contrário do inglês, em português é comum elidir o pronome em muitas circunstâncias, incluindo

quando usamos descrições, definidas ou indefinidas, em parte porque se trata de uma língua com mais declinações do que o inglês. Por exemplo, em português podemos escrever ou dizer “Tens razão,” sem necessidade de incluir o pronome, mas em inglês não tem sentido escrever ou dizer apenas “Are right,” elidindo o pronome. Nada de filosoficamente substancial parece estar associado a esta elisão estilística, contudo, pelo que não forçámos o uso explícito dos pronomes, tal como ocorrem no original inglês. N. do T.

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A segunda oração de 16 não é equivalente a “Só uma tartaruga corria como se fosse perseguida…,” porque esta frase poderia ser falsa quando 16 é verdadeira (a nossa tartaruga de estimação, que está na sala de jantar, tal como nós, poderia também ter estado a correr). E a segunda oração de 17 não é equivalente a “Um coelho parecia perfeitamente descontraído,” pois essa paráfrase não dá conta do facto de o pronome elidido original se referir a um coelho particular que apareceu no jardim. Russell pode com toda a justiça contrapor que ofereceu uma teoria das descrições definidas, e nem 16 nem 17 contêm tal coisa. Mas se os pronomes elididos de 16 e 17 não forem preguiçosos, por que havemos de pensar que o de 15 o é? Além disso, as próprias descrições definidas podem ser anáforas: 18) Só uma tartaruga descia a rua. A tartaruga corria como se fosse perseguida por um maníaco. 19) Um coelho apareceu no nosso jardim depois do jantar. O coelho parecia perfeitamente descontraído.

É bastante plausível entender que “A tartaruga” em 18 abrevia “A tartaruga que descia a rua,” caso em que 18 não ameaça a análise de Russell. Mas o mesmo não acontece com 19: se tentamos supor que “O coelho” abrevia “O coelho que apareceu no nosso jardim depois do jantar,” então pela cláusula habitual da univocidade, 19 implicaria que no máximo um coelho apareceu no jardim e — repare-se — 19 em si não implica isso, mas (dado a sua expressão de abertura ser apenas “Um coelho”) é logicamente consistente com a situação em que mais de um coelho apareceu no jardim. É verdade que quem profere 19 sugere de algum modo que havia apenas um coelho. Mas note-se que não seria contraditório proferir 19 e depois acrescentar: “Na verdade, apareceram vários coelhos, e nenhum deles parecia muito preocupado.” Neale (1990) tentou acomodar a anáfora numa teoria russelliana conservadora; Heim (1990), Kamp e Reyle (1993) e outros argumentaram que é necessário um formato semântico mais lato. Mas não persisto neste tema. Nos últimos anos surgiram algumas questões novas. Por exemplo, questionou-se se o uso de uma descrição definida realmente implica até mesmo a univocidade contextual (veja-se Szabó 2000, 2003; Abbott 2003). Mais em geral, as relações entre as descrições definidas e as indefinidas têm sido objecto de escrutínio (Szabó 2000 uma vez mais; Ludlow e Segal 2004). As descrições plurais têm sido investigadas por Sharvy (1980), Neale (1990) e Brogaard (2007), entre outros.

Sumário 

Os termos singulares referem objectos individuais no mundo. Mas supor que só fazem isso conduz

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a quebra-cabeças lógicos. 

Russell argumentou que as frases que contêm descrições definidas devem ser analisadas como tríades de afirmações gerais.



Russell defendeu a sua teoria das descrições tanto directa quanto mostrando que permitia solucionar os quatro quebra-cabeças lógicos.



Strawson argumenta que Russell vê as frases e as suas propriedades lógicas demasiado abstractamente, ignorando os seus usos conversacionais comuns por parte de pessoas reais na vida real.



Em particular, Russell ignora o facto de as frases que contêm descrições indenotativas não serem consideradas falsas, mas antes destituídas de valor de verdade por violarem uma pressuposição. Além disso, Russell ignora as descrições que dependem de contextos.



Donnellan chama a atenção para o uso referencial das descrições, também ignorado por Russell, e tenta, sem completo sucesso, distingui-lo do uso atributivo.



Não é óbvio que a teoria de Russell possa acomodar os usos anafóricos das descrições.

Questões 1.

Dado (para efeitos de discussão) que a teoria das descrições é noutros aspectos plausível, está o leitor convencido do bom sucesso das soluções de Russell para os quatro quebra-cabeças?

2.

Será a crítica de Strawson mais persuasiva do que concedi? Desenvolva-a mais contra Russell.

3.

Em que medida prevê e explica a teoria correctamente todo o uso de “o” em português?

4.

O que pensa da distinção de Donnellan? Poderemos torná-la mais precisa? Tente aprimorar o contraste intuitivo que está na base dessa distinção.

5.

Dispute ou defenda qualquer dos juízos intuitivos interessantes de Donnellan sobre os “referentes efectivos” em hipotéticas situações discursivas particulares. Teça depois comentários sobre a importância, para o programa de Donnellan, da posição do leitor em tal caso.

6.

Donnellan encara o seu artigo como uma contribuição para a disputa Russell-Strawson. Mas não diz grande coisa no artigo sobre os quatro quebra-cabeças com os quais todo problema começou. Será que a teoria de Donnellan, tal como o leitor a entende, resolve algum dos quatro quebracabeças?

7.

Consegue alargar a teoria de Russell para abranger os nossos exemplos de anáfora? Haverá outros exemplos anafóricos que lhe levantam mais problemas?

Leitura complementar 

Kaplan (1972) é uma exposição excelente e pormenorizada da teoria das descrições. Veja-se também Cartwright (1987) e Neale (1990). A revista Mind publicou um número especial inteiro (Vol. 144, Outubro de 1005) em honra dos cem anos de “On Denoting.”



Russell (1957) responde à crítica de Strawson.



Linsky (1967) passa muito bem em revista a disputa Russell-Strawson.



Apesar do desprezo que Russell sentia pela perspectiva de Meinong, esta tem sido intrepidamente defendida por Routley et al. (1980) e Parsons (1980).



Donnellan (1968) respondeu a MacKay. Donnellan (1979) é uma abordagem mais abrangente e inclui algumas questões da anáfora.

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Taylor (1998: cap. 2) passa em revista de modo mais completo mas ainda acessível os fenómenos da anáfora.



Ostertag (1998) contém muitos artigos importantes sobre descrições definidas, tal como Bezuidenhout e Reimer (2004). Veja-se também Ludlow (2007), um excelente artigo de revisão.

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3

Nomes próprios: a teoria descritivista

Sinopse Russell parece ter refutado a teoria referencial do significado das descrições definidas, mostrando que as descrições não são genuinamente termos singulares. Talvez isto não seja assim tão surpreendente, dado que as descrições são expressões complexas, pois têm partes com significado independente. Mas seria natural continuar a pensar que os nomes próprios comuns são genuinamente termos singulares. Contudo, os quatro quebra-cabeças — sobre inexistentes, existenciais negativas, etc. — surgem tão insistentemente no caso dos nomes próprios como no caso das descrições. Frege ofereceu soluções para os quebra-cabeças propondo que um nome tem um sentido além do seu referente, sendo o sentido um “modo de apresentar” o referente do termo. Mas disse pouquíssimo sobre o que são os “sentidos” e como funcionam efectivamente. Russell resolveu este problema argumentando, bastante persuasivamente, que os nomes próprios comuns são na verdade descrições definidas disfarçadas. Esta hipótese permitiu-lhe resolver os quatro quebra-cabeças dos nomes próprios alargando a sua teoria das descrições de modo a abrangê-los. Contudo, a tese de Russell de que os nomes próprios são semanticamente equivalentes a descrições enfrenta fortes objecções: por exemplo, é difícil encontrar uma descrição específica que seja equivalente a um dado nome, e as pessoas para as quais um mesmo nome exprime diferentes descrições estariam a falar em dessintonia quando tentassem discutir a mesma pessoa ou coisa. John Searle propôs uma teoria descritivista dos nomes próprios menos rígida, a teoria “dos agregados” que evita as objecções iniciais à perspectiva de Russell. Mas Saul Kripke, entre outros, reuniram objecções complementares que se tanto se aplicam à teoria menos rígida de Searle quanto à de Russell.

Frege e os quebra-cabeças Podemos ter concordado com Russell que a teoria referencial do significado é falsa no que respeita às descrições por as descrições não serem realmente termos (logicamente) singulares, mas podemos continuar a sustentar a teoria referencial no que respeita aos nomes próprios em si. Certamente que os nomes são apenas nomes; têm o significado que têm simplesmente porque designam as coisas particulares que designam, e porque introduzem esses designata no discurso. (Chamemos a tal expressão um nome milliano, pois John Stuart Mill (1843) parece ter defendido a perspectiva de que os nomes próprios são meramente etiquetas de pessoas ou objectos individuais, não dando outra contribuição para os significados das frases nas quais ocorrem senão a dos próprios indivíduos.) Mas recorde-se a nossa objecção inicial à teoria das descrições de Russell: apesar de esta teoria ter tido como única motivação os quatro quebra-cabeças, estes não são específicos das des-

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crições definidas, pois surgem com igual insistência — para não dizer previamente — também no caso dos nomes próprios. Frege teve precedência sobre Russell na tentativa de solução dos quebra-cabeças. Já vimos o que Frege disse sobre a referência aparente a inexistentes: 1)

James Moriarty é calvo.

é dotada de significado porque o nome “James Moriarty” tem um “sentido” além do seu suposto referente, ainda que não exista de facto qualquer referente. De facto, nada é referido ou denotado pelo nome, mas o sentido é “expresso” pelo nome. Para Frege, o “sentido” era, aproximadamente, um particular “modo de apresentar” o suposto referente do termo. Apesar de o próprio sentido ser uma entidade abstracta e não mental ou psicológica, reflecte a concepção ou maneira que uma pessoa tem de pensar no referente. Frege exprimia por vezes os sentidos na forma de descrições definidas; por exemplo, o sentido do nome “Aristóteles” poderia ser “O discípulo de Platão e professor de Alexandre Magno,” ou “O professor estagirita de Alexandre” (Frege 1892b: 58n). Um sentido determina univocamente um referente, mas múltiplos sentidos podem determinar o mesmo referente. Vejamos agora como Frege atacou os outros três quebra-cabeças.

EXISTENCIAIS NEGATIVAS 2)

Pégaso nunca existiu.

Como nos outros casos, 2 parece verdadeira e parece que é sobre Pégaso, mas se é verdadeira, não pode ser sobre Pégaso… Note-se que há aqui uma complicação pior do que a que surgia apenas com o problema da referência aparente a inexistentes: ao passo que 1 é dotada de significado apesar da inexistência de James Moriarty, 2 não é apenas dotada de significado apesar da inexistência de Pégaso: é efectivamente verdadeira e é uma verdade importante. A ideia de sentidos como modos particulares de apresentação permite a Frege pelo menos uma solução aparente do problema das existenciais negativas (apesar de não ser evidente nem que esta tenha sido realmente a sua posição nem que possamos dar-lhe precisão): pode-se tomar 2 como querendo dizer aproximadamente que o sentido de “Pégaso,” a concepção de um cavalo alado montado por Belerofonte não tem referente — nem sequer um referente “inexistente.” Nada na realidade responde a esse sentido.1 1

Meinong (como mencionei no capítulo 2) teria insistido que existe um cavalo alado, chamado “Péga-

so,” e que a frase 2 predica realmente a inexistência desse cavalo particular. Deste ponto de vista, 2 é precisamente como “Pégaso nunca comeu alfafa”; existir é algo que o leitor e eu fazemos porque tivemos sorte, mas que Pégaso não conseguiu fazer, independentemente de qualquer um de nós ter tido qualquer possibilidade de escolha. Nem Frege nem Russell podiam aceitar esta perspectiva (apesar de Russell a ter levado uma vez muito

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A razão pela qual esta ideia não é evidente é que para Frege um nome só “expressa” o seu sentido, mas não o denota. Assim, 2 não é literalmente sobre o sentido de “Pégaso,” e não diz sem hesitação que esse sentido não tem referente, apesar de os filósofos saberem isso quando sabem que 2 é verdadeira.

O QUEBRA-CABEÇAS DE FREGE 3)

Mark Twain é Samuel Langhorne Clemens

contém dois nomes próprios que seleccionam ou denotam a mesma pessoa ou coisa e por isso 3 devia ser trivialmente verdadeira — se os nomes forem millianos. Contudo, como aconteceu anteriormente, 3 parece informativa e contingente. (Um exemplo ficcional é “O Super-Homem é o Clark Kent”; segundo a saga de banda desenhada do Sr. Jerry Siegel, os milionários diletantes gastaram tempo e dinheiro para tentar descobrir a identidade secreta do Super-Homem.) Segundo a perspectiva de Frege, apesar de os dois nomes em 3 seleccionarem um referente comum, “apresentam” esse indivíduo de modos diferentes; têm sentidos destacadamente diferentes. E aquilo a que Frege chama “significado cognitivo” pertence ao sentido, e não há referência. Eis o que escreve Frege:

Quando descobrimos que “a = a” e “a = b” têm valores cognitivos diferentes, a explicação é que para fins cognitivos, o sentido da frase, viz., o pensamento por ela expresso, não é menos importante do que a referência […] Ora, se a = b, então na verdade a referência de “b” é a mesma de “a,” e consequentemente o valor de verdade de “a = b” é o mesmo de “a = a.” Apesar disto, o sentido de “b” pode diferir do de “a,” e assim o pensamento expresso por “a = b” pode diferir do de “a = a.” Nesse caso, as duas frases não têm o mesmo valor cognitivo. (1892b: 78)

(Mas não nos diz como pode “a = b” ser contingente.)

SUBSTITUIBILIDADE 4)

O Alberto acredita que Samuel Langhorne Clemens tinha menos de um metro e meio de altura.

Mas fazer “Mark Twain” substituir “Samuel Langhorne Clemens” em 4 produz uma falsidade; como no capítulo anterior, a posição ocupada pelo termo singular regido por “acredita que” é referencialmente opaca. Se os nomes fossem millianos, e nenhuma contribuição dessem além da introdução dos seus referentes no discurso, a substituição não deveria fazer qualquer diferença e a posi-

a sério); é muito mais plausível pensar que 2 significa, ao invés, que o mito era apenas um mito, que não existiu qualquer cavalo alado que Belerofonte tenha montado.

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ção seria transparente. Aqui, Frege faz uma jogada engenhosa. O problema, recorde-se, era que a opacidade era induzida pela construção “acredita que,” dado que o que se segue não é em si opaco. Dado a crença ser uma questão cognitiva, Frege supôs que seriam os sentidos das expressões que se seguem ao operador de crença a determinar o valor de verdade de uma frase de crença, e não meramente os referentes. Frege sugere consequentemente que o que o operador faz é mudar a referência do nome em particular: no interior de “acredita que,” o nome não refere, como habitualmente, a pessoa Clemens/Twain, mas o seu próprio sentido. É por isso que o resultado de fazer “Mark Twain” substituir em 4 tem um valor de verdade diferente: no contexto da crença, “Mark Twain” refere o seu sentido, que é diferente do de “Samuel Langhorne Clemens.” Assim, a distinção de Frege entre referência e “sentido” permite-lhe responder a cada um dos quebra-cabeças. E as suas soluções parecem boas, pelo menos em si mesmas: os nomes contribuem com um significado de um género qualquer, para lá dos seus referentes, e é isso evidentemente que faz as diferenças onde as vemos. Mas as soluções parecem boas, suspeito, em virtude da sua natureza esquemática. Frege chama “sentido” ao significado acrescentado, mas pouco mais diz sobre isso (nem sobre “expressar” por oposição a denotar, “importância cognitiva,” e outras). Em particular, não diz que género de significado é nem que contribuição positiva tem. Isto parece-se mais com pôr etiquetas do que resolver o problema. (Mas consideraremos uma efectivação da perspectiva de Frege muito mais substancial e testável no capítulo 10.) Talvez possamos aceitar a sugestão complementar de Frege de que os nomes podem ter os sentidos de descrições. Foi isso mesmo que fez Russell, o que o conduziu a uma abordagem muito rica dos quebra-cabeças.2

A TESE DOS NOMES DE RUSSELL A resposta de Russell é tanto brilhante quanto objecto de forte defesa. Russell dá a volta e oferece uma nova tese, a que chamo a tese dos nomes. A tese é que os nomes próprios quotidianos não são realmente nomes, pelo menos não são nomes millianos genuínos. Parecem nomes e soam a nomes quando os dizemos em voz alta, mas não são nomes a nível da forma lógica, onde as propriedades lógicas das expressões são postas a nu. De facto, sustenta Russell, são equivalentes a descrições definidas. Na verdade, afirma que “abreviam” descrições, e parece que quer dizer isso assaz literalmente. Assim, Russell introduz uma segunda distinção semântica entre aparência e realidade; tal como as descrições definidas são termos singulares apenas no sentido da gramática de superfície, o mesmo ocorre — mais surpreendentemente — até com os nomes próprios comuns. Neste caso, é claro, a diferença é mais dramática. Se olharmos para uma descrição definida sem sermos tenden2

Contudo, não se pense que a teoria de Russell é apenas uma variante da de Frege. Há várias diferen-

ças importantes entre as duas, e têm diferentes conjuntos de pontos fortes e fracos.

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ciosamente referencialistas, vemos que tem alguma estrutura conceptual, nela ocorrendo palavras que têm significado por si mesmas e que parecem contribuir para o seu significado geral. Por isso não é muito surpreendente que se diga que subjacente à aparência simples da palavra “o,” há material quantificacional. Mas agora diz-se o mesmo sobre um tipo de expressão que parece conceptualmente simples. Se a tese dos nomes for verdadeira, a solução de Russell para os quatro quebra-cabeças é afinal generalizável — porque nos limitamos a trocar os nomes pelas descrições definidas que eles exprimem e depois procedemos como no capítulo 2; as soluções de Russell aplicam-se tal como antes (pensemos ou não desde o início que são boas). Assim, os nomes têm realmente o que Frege concebia como “sentidos,” que podem diferir apesar de terem o mesmo referente, mas Russell analisa-os, em vez de os tomar como itens primitivos de um qualquer género abstracto. É importante ver que a tese dos nomes é inteiramente independente da própria teoria das descrições. (Usa-se muitas vezes a expressão “Teoria das descrições de Russell” aglomerando várias coisas diferentes em que Russell acreditava, incluindo a tese dos nomes.) Mas pode-se aceitar qualquer das doutrinas ao mesmo tempo que se rejeita a outra: alguns teorizadores sustentam a teoria das descrições como uma teoria das próprias descrições definidas, ao mesmo tempo que rejeitam completamente a tese dos nomes; é menos comum, mas pode-se aceitar a tese dos nomes e sustentar uma teoria das descrições diferente da de Russell. Para apoiar a teoria das descrições, Russell apresentou um argumento directo; e depois exaltou o poder da teoria para resolver quebra-cabeças. Russell exalta analogamente o poder explicativo da tese dos nomes, pois dá à sua teoria dos nomes próprios o mesmo poder para resolver quebra-cabeças — quebra-cabeças que pareciam consideravelmente mais intratáveis no caso dos nomes do que no caso das descrições. Mas também oferece pelo menos um argumento directo, e um segundo extrai-se facilmente dos seus escritos. Primeiro, recorde-se a defesa directa de Russell da sua teoria das descrições definidas: Russell sustenta que uma frase que contenha uma descrição definida implica mesmo intuitivamente cada uma das três cláusulas que constituem a sua análise, e as três cláusulas conjuntamente implicam a frase. Russell argumenta agora que o mesmo é verdade quanto às frases que contêm nomes próprios. Tome-se um dos casos mais difíceis, uma existencial negativa. 2 (“Pégaso nunca existiu”) é efectivamente verdadeira. O que poderá então querer dizer? Não selecciona uma coisa existente e assere falsamente que a coisa é inexistente; nem selecciona uma entidade meinongiana negando depois a sua existência. Limita-se a assegurar-nos do facto de que tal cavalo alado não existiu. De modo semelhante, “Sherlock Holmes nunca existiu” significa que nunca houve efectivamente um detective inglês lendário que viveu no número 221B da Rua Baker, etc. Isto é muito plausível. O segundo argumento directo (nunca formulado explicitamente, tanto quanto sei) chama a atenção para um tipo de questão de clarificação. Suponha-se que o leitor ouve alguém dizendo um nome, digamos “Lili Boulanger,” sem saber de quem se está a falar. O leitor pergunta de quem se

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está a falar, e dão-lhe a resposta “Oh, a primeira mulher a ganhar o Prémio de Roma, em 1913, com a cantata Faust et Hélène”; e isto é uma resposta apropriada. O leitor perguntou porque, num certo sentido, não compreendeu o nome que ouviu. Para o compreender, teve de fazer uma pergunta de tipo “quem,” e a resposta teve de ser uma descrição. (Dar meramente um segundo nome próprio de Boulanger não seria adequado, a menos que o leitor tivesse previamente associado esse nome à descrição.) Ou poderíamos usar as perguntas de tipo “quem” como uma espécie de teste, a que se poderia chamar “teste de identificação.” Suponha-se que o leitor tinha usado o nome “Wilfrid Sellars,” e eu volto-me subitamente e pergunto “Quem é Wilfrid Sellars?” Tudo o que o leitor pode responder, tudo o que lhe ocorre, é “Hum, o famoso filósofo de Pittsburgh que escreveu aqueles livros muitíssimo densos” ou algo do género. Em geral, quando se pergunta “De quem estás a falar [ou do quê]?” depois de termos usado um nome, surge-nos imediata e instintivamente uma descrição, oferecida como explicação do que queríamos dizer. John Searle (1958) fez um apelo semelhante no que respeita à aprendizagem e ao ensino: como se ensinar um nome próprio novo a uma criança, e como aprendemos a referência de um nome particular usado por outra pessoa? No primeiro caso, apresentamos uma ou mais descrições; no segundo, obtemo-las. Estes são fenómenos muito robustos; assim, a tese dos nomes não é apenas uma medida desesperada para resolver os quatro quebra-cabeças aplicáveis aos nomes próprios. Russell diz agressivamente que os nomes “abreviam” descrições, como se fossem apenas abreviaturas das descrições, como “EUA” e a abreviatura de “Estados Unidos da América.” Isto é demasiado forte. Tudo o que Russell realmente precisa para os seus propósitos analíticos é a tese mais fraca de que o significado dos nomes é de algum modo equivalente a descrições (chamemos à tese mais fraca a teoria descritivista dos nomes próprios). Contudo, mesmo a teoria descritivista menos ambiciosa têm sido desde então objecto de críticas severas.

Primeiras objecções OBJECÇÃO 1 Searle (1958) objectou que, se os nomes próprios são equivalentes a descrições, então para cada nome tem de haver uma descrição particular que lhe é equivalente. Por exemplo, se eu cogitar irreflectidamente 5)

Wilfrid Sellars era um homem honesto,

o que estou a dizer, dado que conheço vários factos individuadores sobre Sellars? Searle testa uns pares de tipos de descrições possíveis, e considera-as deficientes. Poderíamos supor que “Wilfrid Sellars” é para mim equivalente a “A coisa x e a única coisa x que é F e G e…,” em que F, G e os

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restantes são todos os predicados que eu aplicaria (ou consideraria correctamente aplicáveis) ao homem em questão. Mas isto teria a consequência nefasta de 5, tal como a uso, implicar 6)

Há pelo menos um filósofo com quem tive uma discussão algo violenta na sala de George Pappas em 1979

— e 5 não implica certamente 6, nem para mim nem para qualquer outra pessoa. Ora, o teste deve fornecer uma resposta mais local para cada uso do nome e, como vimos, é plausível pensar que quem fala pode normalmente desembuchar uma descrição razoavelmente específica se for incitada a isso. Mas não é claro que isto ocorra sempre por essa descrição ser o que essa pessoa tinha, de um modo definitivo, em mente. Se me perguntar “Quem é Sellars?,” posso dar várias respostas que me vêem à mente, dependendo do género de informação que penso que o leitor quer acerca de Sellars. Dificilmente se segue que a resposta que eu realmente apresentar é a descrição precisa que o meu uso de “Sellars” exprimiu anteriormente. Note-se: não se trata apenas de ser difícil descobrir que descrição quem falava “tinha em mente” ao proferir um dado nome. A tese mais forte é que pelo menos em muitos casos não há uma única descrição determinada que quem fala “tem em mente,” seja consciente seja inconscientemente. Não vejo muitas razões (independentes dos quebra-cabeças semânticos) para pensar que há um facto da questão quanto a “Wilfrid Sellars” ser usado como equivalente a “O autor de “Filosofia e a Imagem Científica do Homem”,” ou “O mais famoso filósofo de Pittsburgh,” ou “O inventor da teoria “Teoria” dos termos mentais,” ou “O homem sobre cujo artigo eu tive de fazer um comentário no Décimo Colóquio de Chapel Hill em 1976,” sem esquecer “O filósofo visitante com quem tive uma discussão algo violenta na sala de George Pappas em 1979.” Quando irreflectidamente proferi 5 não tive de ter qualquer uma destas em particular em mente (ainda que tacitamente).

OBJECÇÃO 2 É inegável que pessoas diferentes sabem coisas diferentes sobre outras pessoas. Em alguns casos, o conhecimento de X sobre Z e o conhecimento de Y sobre Z pode até nada ter em comum. Presumindo que o teste revela as descrições com as quais os nomes são supostamente sinónimos que quem fala tem em mente, segue-se da tese dos nomes que o mesmo nome terá (muitos) sentidos diferentes para diferentes pessoas; todo o nome é múltipla e insondavelmente ambíguo. Pois se os nomes são equivalentes a descrições definidas, são equivalentes a descrições definidas diferentes nas bocas de diferentes pessoas, ou, já agora, a descrições diferentes na boca da mesma pessoa em momentos diferentes, tanto porque o nosso conhecimento varia incessantemente como porque o que é psicologicamente proeminente sobre uma pessoa para outra não pára também de variar. E as coisas são pioram. Suponha-se que estou a pensar em Wilfrid Sellars como “o autor de “Filosofia e a Imagem Científica do Homem”,” e suponha-se que o leitor está a pensar em Sellars como “O mais famoso filósofo de Pittsburgh.” Nesse caso, seríamos curiosamente incapazes de discordar sobre Sellars. Se eu dissesse “Sellars costumava apertar os sapatos só com uma mão” e o

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leitor dissesse “Isso é ridículo; Sellars não fazia isso,” não nos estaríamos a contradizer (do ponto de vista de Russell). Pois a frase que proferi seria uma generalização: 7)

Uma e uma só pessoa escreveu “Filosofia e a Imagem Científica do Homem,” e quem escreveu “Filosofia e a Imagem Científica do Homem” costumava apertar os sapatos só com uma mão

Ao passo que a sua seria apenas uma generalização diferente: 8)

Uma e uma só pessoa foi um filósofo mais famoso do que qualquer outro em Pittsburgh, e quem for um filósofo mais famoso do que qualquer outro em Pittsburgh não fazia tal coisa (apertar os sapatos só com uma mão).

E as duas afirmações seriam inteiramente compatíveis de um ponto de vista lógico. O que parecia uma disputa animada, quase a dar em murros, não é de modo algum uma disputa; estamos apenas a falar em dessintonia. Mas isto parece perfeitamente errado.3

A teoria dos agregados de Searle À luz destas duas objecções (e muitas outras) à versão de Russell da teoria descritivista, John Searle ofereceu uma variante mais flexível e sofisticada. Sugeriu que um nome não está associado a uma descrição particular mas a um agregado vago de descrições. Como Searle afirma, a força de “Isto é N,” em que N é substitui um nome próprio, é asserir que um número suficiente mas inespecificado de “afirmações habituais de identificação” associadas ao nome se aplica ao objecto indicado por “isto”; isto é, o nome refere seja qual for o objecto que satisfaça um número suficiente mas vago e inespecificado (NSMVEI) das descrições que geralmente lhe estão associadas. (Searle acrescenta a tese metafísica de que ser a pessoa N é ter um NSMVEI de propriedades relevantes.) A vagueza é importante; Searle diz que é precisamente o que distingue os nomes das descrições, sendo de facto por isso que temos e usamos os primeiros e não apenas as segundas. Note-se que, se a tese dos nomes estivesse correcta, a única função dos nomes próprios seria poupar fôlego ou tinta; seriam apenas abreviaturas. Searle insiste que, em vez de serem equivalentes a uma só descrição, um nome funciona como um “cabide […] no qual penduramos descrições” (1958: 172), sendo isso que nos permite desde o início lidar linguisticamente com o mundo. Precisaríamos de fazer alguns aprimoramentos. Por exemplo, para quem é serliano parece 3

No Capítulo 2 definimos a noção de denotatum/referente semântico de uma descrição, e assim

poder-se-ia sugerir que isto fornece o ponto de contacto necessário entre os dois disputadores. Mas isso ignoraria o facto de não haver qualquer incompatibilidade entre a 7 de Russell e a 8. Melhorando a teoria de Russell, um descritivista posterior poderia pôr a tese dos nomes em termos de descrições usadas referencialmente, e apelar ao facto que vimos na nossa discussão de Donnellan de que a comunicação ocorre por via do referente de quem fala e não do referente semântico. Isso introduziria uma noção de “discordância” entre quem fala que seria mais fraca do que um conflito de conteúdo semântico.

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natural exigir que um “número suficiente” seja pelo menos mais de metade — caso contrário, dois indivíduos obviamente distintos poderiam ser ambos o referente do nome. Além disso, quereríamos certamente dizer que algumas das propriedades identificadoras são mais importantes do que outras na determinação da sua identidade; há uma maneira qualquer de dar maior ou menor peso às descrições identificadoras. Esta teoria dos agregados permite a Searle evitar as duas objecções que levantámos à perspectiva de Russell. A objecção 1 fica esvaziada porque Searle abandonou o compromisso de que para cada nome tem de haver uma descrição particular que o nome expressa. O nome está apenas ligado a um agregado vago de descrições. A objecção 2 fica enfraquecida (pensa Searle) pelo facto de diferentes pessoas poderem ter em mente diferentes subagregados de material descritivo, e contudo cada uma ter um NSMVEI de descrições identificadoras conseguindo por isso referir o mesmo indivíduo.4 Assim, Searle tentou mitigar as objecções iniciais à teoria de Russell oferecendo a sua versão mais flexível da abordagem descritivista, em termos de agregados. Esta versão parece poder ser considerada um meio-termo sensato entre a perspectiva de Russell e a concepção milliana dos nomes, que aparentemente foi desacreditada pelo quatro quebra-cabeças. Mas, partindo de algumas ideias importantes de Ruth Barcan Marcus (1960, 1961), Saul Kripke (1972) sujeitou a tese dos nomes de Russell e a teoria dos agregados de Searle a uma crítica mais cerrada. Argumentou que Searle não se afastou suficientemente de Russell, herdando problemas em grande parte dos mesmos tipos; ao invés, a imagem descritivista dos nomes próprios é toda ela irrazoável. A teoria da referência nunca mais foi a mesma.

A crítica de Kripke OBJECÇÃO 3 Suponha-se que “Richard Nixon” é equivalente a “o vencedor das eleições presidenciais norteamericanas de 1968.” E agora considere-se uma questão sobre possibilidades. (Questões sobre possibilidade e necessidade chamam-se modais; regressaremos a elas no próximo capítulo.) Poderia Richard Nixon ter perdido as eleições de 1968? A resposta parece inequivocamente “Sim,” presumindo que “poderia” exprime aqui uma mera possibilidade teórica, lógica ou metafísica, e não algo sobre o estado do nosso conhecimento. Mas segundo a teoria descritivista a nossa pergunta seria a mesma que

4

Este aspecto precisa de ser investigado melhor, no mínimo, dado que do ponto de vista de Searle

apesar de dois interlocutores poderem conseguir seleccionar o mesmo indivíduo, as frases que irão usar têm mesmo assim diferentes significados e, dado tudo o que se mostrou, podemos mesmo assim ficar com o problema da impossibilidade de discordância.

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9)

É possível que: uma e uma só pessoa ganhou as eleições de 1968 e quem ganhou as eleições de 1968 perdeu as eleições de 1968?

Cuja resposta é claramente “Não.” A teoria dos agregados de Searle parece oferecer um progresso, pois é possível que uma pessoa que satisfaça um NSMVEI do agregado de descrições associado a “Richard Nixon” no entanto não satisfaça a descrição particular “o vencedor das eleições de 1968.” Mas, lembra Kripke, a possibilidade humana ultrapassa tal coisa: a pessoa individual Nixon poderia não ter feito qualquer das coisas geralmente a si associadas. Poderia ter aprendido a fazer sandálias aos doze anos e ter-se dedicado a isso toda a vida, nunca se aproximando sequer da política ou da vida pública, e nunca o seu nome aparecendo no jornal. Contudo, não é obviamente possível que uma pessoa satisfaça um NSMVEI do agregado de descrições associado a “Richard Nixon,” não satisfazendo no entanto qualquer das descrições desse agregado. Do ponto de vista de Searle, a pessoa que se dedicou a fazer sandálias não teria sido o referente de “Richard Nixon” e não teria até sido Richard Nixon. E isto parece errado. Michael Dummett (1973) retrucou que a objecção 3 é simplesmente inválida, tal como está; pelo menos, repousa num pressuposto escondido falso. Só podemos inferir que a nossa pergunta modal e 9 são sinónimas pressupondo que, se “Richard Nixon” é realmente equivalente a uma descrição, é equivalente a uma descrição que tenha âmbito curto; na terminologia do capítulo 2, isso é uma ocorrência “secundária” com respeito a “É possível que.” E se a descrição relevante tiver âmbito longo? Então não há sinonímia entre a nossa pergunta original e 9, mas sim 10) Uma e só uma pessoa ganhou as eleições de 1968 e, com respeito a seja quem for que ganhou as eleições de 1968, será possível que essa pessoa tenha perdido as eleições?

10 é desajeitada; além disso, há outras desambiguações irrelevantes da nossa pergunta devido ao facto de o próprio operador de interrogação ter âmbito, de modo que podemos simplificar tudo usando apenas versões indicativas das duas leituras. A frase 11) É possível a Richard Nixon ter perdido as eleições de 1968,

presumindo que “Richard Nixon” é equivalente a “o vencedor das eleições de 1968,” é ambígua entre a leitura de âmbito curto Possível: (‫׌‬x)(Gx & (y)(Gy  y = x) & (z)(Gz  ~Gz))

que corresponde a 11 e é falsa (representei “perdeu” como “não ganhou”), e a leitura de âmbito longo (‫׌‬x)(Gx& (y)(Gy  y = x) & (z)(Gz  Possível: ~Gz))

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que é presumivelmente verdadeira. Coloquialmente, 11 quer dizer que uma e uma só pessoa ganhou as eleições e quem ganhou as eleições é tal que poderia tê-las perdido.5 Numa jogada semelhante mas mais sofisticada, alguns filósofos aprimoraram a objecção 3 “rigidificando” as descrições nos termos das quais explicam os nomes: compreenda-se “Richard Nixon” não como “o vencedor das eleições de 1968,” mas “o vencedor efectivo das eleições de 1968.” Veja-se o próximo capítulo.

OBJECÇÃO 4 Kripke (1972: 83-7) oferece um exemplo (completamente ficcional!) com respeito ao teorema da incompletude de Gödel, um resultado metamatemático famoso. Na ficção de Kripke o teorema foi demonstrado na década de vinte do séc. XX por um homem chamado Schmidt, que morreu misteriosamente sem o publicar. Kurt Gödel apareceu, apropriou-se do manuscrito e publicou-o ignobilmente em seu próprio nome.6 Agora as pessoas conhecem Gödel, na sua maior parte, como o homem que demonstrou o teorema da incompletude. Contudo, parece claro que mesmo quem nada mais sabe sobre Gödel profere o nome “Gödel,” referem Gödel e não o completamente desconhecido Schmidt. Por exemplo, quando dizem “Gödel demonstrou o teorema da incompletude,” estão a dizer uma falsidade, por mais bem justificada que esteja a sua crença. Esta objecção funciona também contra a teoria dos agregados de Searle, tal como contra a perspectiva russelliana clássica. Suponha-se que na verdade ninguém demonstrou o teorema da incompletude; a alegada demonstração de Schmidt tinha um erro irreparável, ou talvez nem tenha existido qualquer Schmidt, e “a demonstração materializou-se simplesmente porque os átomos se espalharam aleatoriamente num pedaço de papel” (p. 86). Neste caso é ainda mais óbvio que os usos que as pessoas fazem de “Gödel” referem, na sua maior parte, Gödel e não qualquer outra pessoa; contudo, todas essas pessoas não têm sequer o apoio de qualquer agregado searliano.

OBJECÇÃO 5 Considere-se a frase 12) Algumas pessoas não estão cientes de que Cícero é Túlio.

12 é ostensivelmente verdadeira mas, se a tese dos nomes for correcta, é difícil interpretá-la, pois “não há qualquer proposição única denotada pela oração “que,” que a comunidade de quem fala português normalmente exprime com “Cícero é Túlio”” (Kripke 1979b: 245). Dado que “Cícero” e

5

Este é um exemplo do afastamento de Russell com respeito a Frege, pois este último não permitia

que os nomes próprios tivessem qualquer âmbito. 6

Ao introduzir este exemplo na palestra que estava a dar na Universidade de Princeton em 1970,

Kripke exclamou: “Espero que o Professor Gödel não esteja presente” (p. 83).

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“Túlio” são equivalentes a descrições diferentes para diferentes pessoas, não há um facto único acerca do qual 12 afirme que as pessoas não estão cientes. Ora, se eu asserir 12, a sua oração complementar exprime o que “Cícero é Túlio” significa no meu discurso. Mas dado que sei que Cícero é Túlio, associo o mesmo conjunto de descrições (sejam elas quais forem) com ambos os nomes. Suponha-se que, como a maior parte dos filósofos, associo tanto “Cícero” como “Túlio” a “o famoso orador romano que denunciou Catilina e que figura em alguns exemplos famosos de Quine.” Então 12 é equivalente ao seguinte: 13) Algumas pessoas não estão cientes de que uma e uma só pessoa foi um famoso orador… [etc.] e uma e uma só pessoa foi um famoso orador… [etc.] e seja quem for que tenha sido um famoso orador… [etc.] foi um famoso orador… [etc.].

Essa frase imensamente redundante é equivalente a: 14) Algumas pessoas não estão cientes de que uma e uma só pessoa foi um famoso orador romano que denunciou Catilina e que figura em alguns exemplos famosos de Quine.

Sem dúvida que 14 é verdadeira, mas certamente que não exprime o que 12 significa, mesmo quando sou eu que a profiro. Também não é de modo algum óbvio como poderia Searle lidar com a objecção 5.

OBJECÇÃO 6 Se a tese dos nomes for verdadeira, então todo o nome é “apoiado” por uma descrição que se aplica unicamente ao referente do nome. Mas as pessoas associam na sua maior parte “Cícero” apenas a “um famoso orador romano” ou outra descrição indefinida e, digamos, “Richard Feynman” apenas com “um dos principais físicos teóricos contemporâneos”; contudo, estas pessoas não só conseguem usar esses nomes correctamente como conseguem referir Cícero e Feynman respectivamente quando o fazem. Além disso, dois nomes da mesma pessoa, como “Cícero” e “Túlio,” podem muito bem ter a mesma descrição indefinida como apoio e, quando isso ocorre, nenhuma teoria russelliana consegue explicar por que razão não podem ser substituídos em contextos de crença (Kripke 1972: 80 ss., 1979b: 246-7). Mais em geral, não é preciso muito para conseguir referir uma pessoa. Keith Donnellan (1970) oferece um exemplo no qual uma criança que foi para a cama dormir é momentaneamente acordada pelos pais. Com eles está o Tomás, um velho amigo da família que veio de visita e queria ver a criança. Os pais dizem “Este é o nosso amigo Tomás,” Tomás diz “Olá, rapazinho!” e o episódio fica-se por aqui; a criança mal acordou. Pela manhã, a criança acorda com uma vaga memória de que o Tomás é simpático. Mas não tem qualquer material descritivo associado ao nome “Tomás”; pode nem se lembrar que o Tomás foi a pessoa que conheceu meio acordado de noite. Contudo, argumento Donnellan, isso não o impede de conseguir referir o Tomás; há uma pessoa que a criança diz que é simpática e essa pessoa é o Tomás.

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OBJECÇÃO 7 Russell queria enfaticamente que a sua teoria se aplicasse a nomes ficcionais como “Hamlet” e “Sherlock Holmes” e “o almoço gratuito.” Então, se a tese dos nomes estiver correcta, qualquer frase que contenha um nome ficcional numa posição “primária” ou de âmbito longo será falsa. Por exemplo, 15) Sherlock Holmes viveu no número 221B da Rua Baker

será falsa porque é supostamente equivalente a 16) Uma e uma só pessoa foi [isto, existe exactamente uma pessoa que foi] um detective famoso que… [etc.] e quem foi um detective famoso que… [etc.] viveu no número 221B da Rua Baker,

e 16 é falsa (pois essa pessoa nunca existiu de facto). Mas algumas frases ficcionais, como a própria 15 e “Hamlet era dinamarquês,” são verdadeiras, ou pelo menos não são falsas. Russell não ficaria muito persuadido por este argumento, dado não ter qualquer inclinação para dizer que é verdade, em vez de meramente “verdade faz-de-conta” ou “verdade na ficção,” que Holmes vivia na Rua Baker, ou qualquer outro exemplo. (Note-se bem: se fosse verdade que Holmes viveu na Rua Baker, então seria uma verdade sobre a Rua Baker, um lugar real até hoje, que teve Holmes como seu residente. Além disso, se tais frases fossem verdadeiras apenas em virtude de alguém as ter escrito em livros ou histórias populares, então seria igualmente verdade que Holmes existiu, que Hamlet existiu, etc., dado que as pessoas também dizem essas coisas em livros e histórias; estranhamente, este aspecto passa muitas vezes despercebido.) Contudo, algumas pessoas querem insistir que as frases ficcionais são literalmente destituídas de valor de verdade e não falsas; se o leitor simpatizar com esta posição, quererá defender uma teoria kripkiana dos nomes ficcionais e não a de Russell (Kripke 1972: 156-8). Donnellan (1974) defende pormenorizadamente uma teoria assim. Kripke tem uma objecção mais, e mais fundamental, à teoria descritivista, mas exige um pouco de maquinaria técnica. Precisaremos dessa maquinaria outra vez, de qualquer maneira. Desenvolvê-la-ei no próximo capítulo.

Sumário 

Os quatro quebra-cabeças lógicos sobre a referência surgem tão insistentemente nos nomes comuns como anteriormente nas descrições definidas.



Frege ofereceu soluções em termos do que chamava “sentidos,” mas as soluções não são realmente explicativas.



Em resposta, Russell alargou a sua teoria das descrições defendendo a tese dos nomes.



Mas a tese dos nomes enfrenta pelo menos duas objecções poderosas.



Searle oferece uma versão mais flexível da teoria descritivista, a teoria dos aglomerados, que evita as objecções iniciais.

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Mas Kripke arregimenta chusmas de objecções complementares que se aplicam conta tanta tenacidade à perspectiva de Searle quanto à teoria mais estrita de Russell.

Questões 1.

Serão as soluções de Frege para os quebra-cabeças realmente soluções, afinal? O que explicam, na ausência do pressuposto de que os “sentidos” tomam a forma de descrições?

2.

Suponha-se que o leitor rejeita a tese dos nomes. Como poderia então resolver os quatro quebracabeças, com respeito aos nomes?

3.

Responda em nome de Russell a uma ou mais das duas primeiras objecções; ou invente novas objecções.

4.

A teoria dos aglomerados de Searle evita realmente as objecções 1 e 2, coisa que a versão mais estrita do descritivismo de Russell não conseguia fazer?

5.

Consegue conceber uma objecção à teoria de Searle que não se aplique à teoria original de Russell?

6.

Pode Russell refutar qualquer das objecções 3-7 de Kripke? Mesmo que Russell não possa fazê-lo, poderá Searle?

Leitura complementar 

A tese dos nomes de Russell é defendida de modo mais acessível em “The Philosophy of Logical Atomism” (1918).



Para algumas críticas à tese dos nomes semelhantes às de Kripke, veja-se Donnellan (1970).



Searle (1979ª) trata da questão dos nomes ficcionais no capítulo 3. Responde a algumas objecções de Kripke no capítulo 9 de Searle (1983). Mais em geral, há uma bibliografia imensa sobre nomes ficcionais; veja-se, por exemplo, Everett e Hofweber (2000), Braun (2005) e as referências aí incluídas.



Burge (1973), Loar (1976), Bach (1987) e outros têm defendido géneros mais específicos da teoria descritivista contra Kripke, versões que evitam algumas das objecções.

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4

Nomes próprios: referência directa e a teoria histórico-causal

Sinopse Num argumento complementar contra as teorias descritivistas dos nomes próprios, Kripke apelou à noção de “mundo possível” ou universo alternativo ao nosso. Uma descrição definida do género de Russell muda o seu referente de mundo para mundo; apesar de “a mulher mais rápida em 1998” referir efectivamente Marion Jones, designa indivíduos diferentes noutros mundos, dado que Jones poderia ter sido mais lenta (ou poderia não ter existido) e outras mulheres poderiam ter sido melhores atletas. Mas, tipicamente, um nome como “Marion Jones” refere o mesmo indivíduo em todos os mundos nos quais tal indivíduo existe. Alguns teorizadores defendem que os nomes são directamente referenciais, pois um nome não dá qualquer contribuição para o significado de uma frase na qual ocorre excepto o seu portador ou referente. À luz das críticas de Kripke contra as teorias descritivistas, esta perspectiva é muito plausível. Mas os quatro quebra-cabeças voltam e assombram-na. De modo que ficamos com algo como um paradoxo. Uma questão independente é: um nome próprio designa o seu portador em virtude do quê? Kripke ofereceu uma imagem histórico-causal da referência, segundo a qual um dado uso de “Marion Jones” refere Marion Jones em virtude de uma cadeia causal que liga essa ocorrência de elocução à cerimónia na qual se deu a Jones esse nome pela primeira vez. Mas, à luz de alguns exemplos que claramente não cabem nesse modelo, são necessários apuramentos consideráveis para transformar essa imagem numa teoria adequada do acto de referir. Kripke, e Hilary Putnam, alargaram a perspectiva histórico-causal para abranger termos para categorias naturais, como “água,” “ouro” e “tigre,” e não apenas nomes próprios. Se aceitarmos que esta jogada está basicamente correcta, tem uma consequência inesperada: os famosos exemplos da “Terra Gémea” de Putnam parecem mostrar que o significado de tal termo não é determinado apenas pelo que está nas cabeças de quem fala e ouve; o estado do mundo exterior dá também uma contribuição. Assim, duas pessoas poderiam ser cópias um do outro, molécula a molécula, e no entanto as suas palavras terem diferentes significados.

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Mundos possíveis Vou agora estabelecer a maquinaria necessária para formular a crítica fundamental de Kripke às teorias descritivistas dos nomes próprios. Começo com a noção de um “mundo possível.” (Remonta pelo menos a Leibniz, apesar de ter sido incorporada na lógica filosófica apenas no séc. XX.) Considere-se o mundo em que vivemos — não apenas o planeta Terra, mas todo o universo. O nosso discurso sobre coisas no nosso universo é sobre o que efectivamente existe, que coisas realmente há: Gordon Brown, o primeiro-ministro britânico, o meu cotovelo esquerdo, Bolívia, a sanduíche no seu prato, a galáxia da Andrómeda, e assim por diante, mas excluindo Hamlet, o Coelhinho da Páscoa, a Grande Montanha de Ouro ou o almoço gratuito. E o que é verdadeiro neste universo é claro que é efectivamente verdadeiro. Mas há coisas que são de facto falsas e, no entanto, poderiam ter sido verdadeiras. As coisas poderiam ter sido diferentes; o mundo poderia ser diferente do que é. Outra pessoa que não Brown poderia ter sido o sucessor de Tony Blair como primeiroministro, eu poderia ter-me casado com outra pessoa (o que teria sido um erro), e sei que poderia ter acabado de escrever este livro mais depressa se me tivessem dado uma secretária particular e um séquito de criados, incluindo um cozinheiro pessoal e um par de assassinos contratados. Assim, há várias maneiras de ser do mundo. Ou seja, fantasiosamente, há mundos alternativos. Mundos diferentes, mundos que poderiam ter sido nossos, mas que são apenas possíveis e não efectivos. Pense-se numa sequência de universos possíveis, correspondendo às infinitas maneiras diferentes como as coisas, falando muito em geral, poderiam ter sido. Todos estes mundos possíveis representam possibilidades gerais inefectivas. Ora (obviamente) a verdade de uma frase — mesmo que mantenhamos fixo o seu significado — depende do mundo que estamos a considerar. “Brown é primeiro-ministro” é verdadeiro no mundo efectivo, mas dado que Brown não tinha de ter sido primeiroministro, há inúmeros mundos nos quais “Brown é primeiro-ministro” é falsa: nesses mundos, Brown não foi o sucessor de Tony Blair, ou nunca se dedicou à política, ou até nunca existiu. E em alguns outros mundos, outra pessoa é primeiro-ministro — David Cameron, P. F. Strawson, eu, Madonna ou o Daffy Duck. Noutros ainda, não há sequer o caro de primeiro-ministro, ou nem existe o Reino Unido; e assim por diante. Assim, uma dada frase ou proposição varia o seu valor de verdade de mundo para mundo. (Por agora, tomemos este discurso sobre “mundos alternativos” intuitivamente, como metáfora ou imagem, uma heurística para ver o que Kripke tem em mente. Considerado como metafísica séria, este discurso levanta muitas questões controversas,1 mas

1

Veja-se Lewis (1986) e Lycan (1994).

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podemos ter a esperança de que tais questões não afectarão muito o uso que Kripke faz da imagem dos mundos possíveis para os seus propósitos na filosofia da linguagem.) Tal como as frases mudam os seus valores de verdade de mundo para mundo, um dado termo singular pode variar de referente de mundo para mundo: no nosso mundo efectivo, em (finais) de 2007, “O presente primeiro-ministro britânico” designa Gordon Brown. Mas, como antes, Brown poderia não ter sido bem-sucedido, ou poderia até não ter entrado na política, ou poderia nem ter existido. Assim, em alguns outros mundos, a mesma descrição, com o mesmo significado que tem no nosso mundo, designa outra pessoa (Cameron, Strawson,…), ou ninguém — dado que em alguns outros mundos possíveis os conservadores ganharam as eleições, e em alguns não houve eleições, e assim por diante. É por isto que o referente das descrições muda de mundo para mundo. Chamemos a tal termo singular, um termo que designa diferentes coisas em mundos diferentes, um designador flácido. Contrasta especificamente com o que Kripke chama um designador rígido: um termo que não é flácido, que não muda o seu referente de mundo para mundo, denotando o mesmo item em todos os mundos (ou pelo menos em todos os mundos em que esse item existe.2)

Rigidez e nomes próprios Estamos agora em condições de formular a objecção complementar de Kripke às teorias descritivistas dos nomes próprios (1972: 74ss): uma descrição definida do género que Russell tinha em mente é flácida, como acabámos de mostrar. Contudo, os nomes próprios, afirma Kripke, não variam desse modo (usualmente) a sua referência ao longo de mundos ou situações hipotéticas. Se imaginarmos um mundo no qual Aristóteles faz tal e tal coisa, trata-se de um mundo no qual Aristóteles faz isso e tem algumas propriedades diferentes das que tem aqui no mundo real. O nosso nome “Aristóteles” denota-o aí, e não outra pessoa. Os nomes são nesse sentido (normalmente) designadores rígidos, mantendo o mesmo referente de mundo para mundo, ao passo que as descrições russellianas são flácidas.

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Esta restrição é importante. Se um termo designasse o mesmo item em todos os mundos possíveis sem excepção, isso significaria que o tem existiria em todos os mundos possíveis, e isso por sua vez significaria que o item não poderia não ter existido. Nenhuma coisa ou pessoa comum tem esse tipo de inevitabilidade. Apesar de o leitor, eu e a ponte de Brooklyn existirmos realmente, poderíamos não ter existido, e assim há mundos nos quais não existimos. Que género de item existe em todos os mundos possíveis? Deus, talvez. Kripke está inclinado a pensar que os números — pelo menos os números naturais, 0, 1, 2,… — existem em todos os mundos possíveis. Nesse caso, os numerais que os referem presumivelmente designam as mesmas coisas em todos os mundos possíveis, sem excepção. Mas esse dificilmente é o caso normal.

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Assim, os nomes não são equivalentes a descrições russellianas. (Claro que se uma descrição for usada referencialmente no sentido de Donnellan, pode tornar-se rígida.) As restrições parentéticas anteriores (“usualmente,” “normalmente”) são importantes. Kripke não sustenta qualquer tese universal estrita sobre nomes próprios. Está apenas a generalizar quanto a usos normais de nomes próprios comuns, dizendo apenas que, na sua maior parte, tais nomes são usados rigidamente. De modo que não é refutável encontrando nomes flácidos pouco usuais, que certamente existem: ocasionalmente, oferece-se uma descrição para fixar convencionalmente o significado e não apenas para identificar o referente de um nome próprio aparente. “Jack, o estripador” é um exemplo. E em escritos populares sobre a Scotland Yard ou sobre a cultura detectivesca britânica dos anos cinquenta do séc. XX, por exemplo, o nome “Chummy” era usado como sinónimo de “o culpado”; significava, atributiva ou flacidamente, apenas “seja quem for que cometeu o crime.” Na verdade, provavelmente qualquer nome próprio tem usos flácidos ocasionais. Frege (1892a) oferece um exemplo famoso: “Trieste não é uma Viena,” em que “Viena” não funciona como o nome de uma cidade, mas como uma abreviatura de um agregado vago de propriedades culturais estimulantes que Viena tem. No mesmo espírito, numa ocasião que os eleitores norte-americanos recordam bem, o candidato vice-presidencial de 1988, Lloyd Bentsen, disse ao seu rival Dan Quayle: “Senador, você não é um Jack Kennedy.” Mas estes dificilmente são usos comuns dos nomes “Viena” e “Jack Kennedy.”3 Kripke oferece um pequeno teste adicional para dizer se um termo é rígido: experimente inserir o termo no enquadramento frásico “N poderia não ter sido N.” Se no lugar de N colocarmos uma descrição como “o presidente dos EUA em 1970,” obtemos “O presidente dos EUA em 1970 poderia não ter sido o presidente dos EUA em 1970”; e esta última frase é claramente verdadeira, pelo menos na sua leitura mais natural: a pessoa que foi presidente em 1970 poderia não o ter sido então (ou em qualquer outro momento). A verdade dessa frase mostra que a descrição refere pessoas diferentes em mundos diferentes, e portanto que é flácida. Mas se colocarmos o nome próprio “Nixon,” obtemos “Nixon poderia não ter sido Nixon,” na melhor das hipóteses uma frase muito estranha. Pode querer dizer que Nixon poderia não ter existido, que talvez seja o modo mais óbvio de Nixon não ser Nixon. Mas dada sua existência, como poderia Nixon não ser Nixon? Poderia não se ter chamado “Nixon,” mas isso não é o mesmo do que não ser o próprio Nixon (porque, é claro, Nixon não tinha de se chamar “Nixon”). Nixon poderia não ter as propriedades comummente associadas a Nixon, e assim não “ser Nixon” no sentido em que Trieste “não é Viena,” mas como vimos no capítulo anterior tais usos flácidos dos nomes não são usuais.

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Para exemplos complementares de nomes usados flacidamente, veja-se Boër (1978).

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Kripke argumenta que quando se usa o nome “Nixon” para referir uma pessoa neste mundo e depois se começa a descrever cenários hipotéticos ou mundos possíveis alternativos, continuando a usar o nome, se está a falar da mesma pessoa. Assim, se perguntarmos “Poderia Nixon ter aderido ao Panteras Negras em vez de se ter tornado presidente?”, a resposta poderá ser sim ou poderá ser não, mas no cenário que se está a considerar Nixon, a própria pessoa, é membro dos Panteras Negras — não é um cenário no qual seja o que for ou quem for que era presidente dos EUA era membro dos Panteras Negras. Não se está a imaginar um mundo no qual um membro dos Panteras Negras é presidente dos EUA. Mas… e quanto ao argumento do teste de identificação de Russell? Em resposta a “Quem tens em mente com “Lili Boulanger”/“Wilfrid Sellars”?”, prontamente se deita mão a uma descrição ou agregado de descrições. O mesmo acontece com o apelo de Searle ao ensino e aprendizagem: procedem também equacionando o nome em questão com uma descrição ou agregado. Estes factos parecem inegáveis e insuperáveis. Em resposta, Kripke introduziu uma distinção importante. Russell e Searle presumem que, se um nome tem associado consigo uma descrição ou agregado da maneira que assinalam, então o nome tem de partilhar o significado do material descritivo (passarei a dizer apenas “descrição,” para abreviar). Mas não há justificação para este pressuposto, pois há uma relação mais fraca que a descrição poderia ter com o nome e que explica o teste de identificação e os dados pedagógicos: mesmo que a descrição não dê o significado linguístico do nome, é usada para determinar a referência do nome numa ocasião. Apesar de o nome “Lili Boulanger” não ser sinónimo de “a primeira mulher a ganhar o Prémio de Roma,” esta última descrição pode ser usada para indicar a pessoa que se está a referir quando se usa “Lili Boulanger.” E pode fazer parte de uma explicação dada a um aluno, para identificar o indivíduo ao qual o nome está conectado. Assim, mesmo que um nome na boca de alguém num dado momento tenha uma associação psicológica firme com uma descrição particular na mente dessa pessoa, não se segue que o nome seja semanticamente equivalente à descrição. Dado tudo o que se mostrou, quando a pessoa deita mão obsequiosamente da descrição para responder ao teste da identificação, está meramente a identificar o referente do nome. Similarmente, se digo a uma criança quem é “Gordon Brown,” identificando o referente desse nome dizendo “Gordon Brown é o primeiro-ministro britânico,” não se segue que o nome “Gordon Brown” signifique meramente “o primeiro-ministro britânico.” (É claro que isto não é um argumento contra a própria tese dos nomes; apenas neutraliza o uso do teste da identificação por parte de Russell como argumento a favor da tese dos nomes.)

Referência directa Russell usou os quatro quebra-cabeças e (implicitamente) o seu argumento do teste de identificação para atacar a perspectiva de que os nomes próprios são millianos, a favor da

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teoria descritivista. Por seu lado, Kripke atacou a teoria descritivista a favor da tese de que os nomes próprios são designadores rígidos. Mas esta tese não equivale ao millianismo, pois nem todos os designadores rígidos são nomes millianos. Um nome milliano, recorde-se, é aquele nome que não faz qualquer contribuição proposicional excepto o seu portador ou referente. A sua única função é introduzir esse indivíduo no discurso; nada mais empresta ao significado da frase na qual ocorre. Se dizemos “Jason é gordo,” e “Jason” é um nome próprio comum, então o significado dessa frase consiste simplesmente na pessoa Jason em si concatenada com a propriedade de ser gordo. Ser um nome milliano certamente implica ser rígido. Mas o reverso não. Apesar de Kripke citar Mill e argumentar que os nomes são rígidos, a rigidez não implica ser milliano. Pois as descrições definidas podem ser rígidas. Suponha-se que aceitamos a perspectiva prevalecente de que todas as verdades aritméticas são verdades necessárias. Então há descrições aritméticas, como “a raiz quadrada positiva de nove,” que são rígidas, por exemplo designam o mesmo numero em todos os mundos possíveis, mas certamente que não são millianas porque para garantir a sua referência usam o seu conteúdo conceptual. Na verdade, parecem russellizar: “A raiz quadrada positiva de nove” parece significar seja qual for o número positivo que dá nove quando é multiplicado por si mesmo. Assim, essa descrição não é milliana, apesar de ser rígida, porque não introduz simplesmente o seu portador (o número três) no discurso; também caracteriza o três como algo que dá nove ao multiplicar-se por si mesmo. Assim, ao defender a rigidez dos nomes, Kripke não estabeleceu desse modo a tese mais forte. (Não tinha essa intenção; Kripke não crê que os nomes sejam millianos.)4 Contudo, outros filósofos militaram a favor da concepção milliana, que se passou a chamar teoria da referência directa dos nomes. O primeiro foi Ruth Marcus (1960, 1961), 4

Kripke (1979b) volta à carga e usa uma variação do quebra-cabeças da substituibilidade sobre as expressões referenciais para refutar a perspectiva milliana. Esse argumento também parece embaraçoso para a sua própria tese da rigidez, mas Kripke não oferece qualquer perspectiva positiva alternativa. Kaplan (1975) inventa uma palavra, “haquele” (que se pronuncia “aquele”), que toma uma descrição comum como “o homem ao canto” e fá-la denotar o seu portador rigidamente, em vez de flacidamente ou atributivamente. Assim, “haquele homem ao canto” refere, num dado mundo possível, não seja qual for o homem que nesse mundo está ao canto, mas o mesmo homem que está ao canto neste mundo. Se eu usar “haquele homem ao canto,” deve-se entender que estou simplesmente a falar daquela pessoa, e o facto de ter inserido conteúdo conceptual, aludindo a ser humano e a estar no canto, é apenas um modo de chamar a atenção para esse homem, como se eu estivesse a fixar a referência da minha própria descrição sem fixar o seu sentido. De modo que “haquele” funciona como rigidificador. Plantinga (1978) e Ackerman (1979) arregimentam uma versão diferente da ideia de rigidificação ao defender teorias positivas de acordo com as quais os nomes próprios são rígidos mas não são millianos; veja-se mais à frente.

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que Kripke declara ter directamente inspirado o seu trabalho. Com base no trabalho de Marcus e Kripke desenvolveram-se outras teorias da referência directa (RD) dos nomes (por exemplo, Kaplan 1975; Salmon 1986). Os teorizadores mais recentes alargaram a RD de modo a abranger outros termos singulares, nomeadamente pronomes pessoais e demonstrativos, como “eu,” “tu,” “ela,” “isto” e “aquilo,” além de nomes. (Um problema óbvio quando se alarga a RD as pronomes é que qualquer pessoa que fale normalmente português conhece o seu significado, saibam ou não quem tal pronome designa numa dada ocasião de uso; se encontrarmos “estou doente e não vou hoje às aulas” escrito num quadro de uma sala de aulas vazia, compreendemos a frase ainda que não saibamos quem a escreveu nem em que dia. Este problema será considerado no capítulo 11.) Claro que a RD tem de se confrontar com os quatro quebra-cabeças. E é óbvio que o teorizador da RD não pode subscrever a solução de Russell nem coisa alguma muito parecida a isso, pois, segundo a RD, os nomes nada fazem semanticamente que não representar os seus portadores. Consideremos primeiro o quebra-cabeças da substituibilidade. Recorde-se a nossa frase: 1) O Alberto acredita que Samuel Langhorne Clemens tinha menos de um metro e meio de altura.

1 torna-se falsa quando “Mark Twain” substitui “Samuel Langhorne Clemens.” Como pode a RD explicar ou até tolerar tal facto? Os teorizadores da RD usam uma estratégia bipartida. Há uma tese positiva e uma negativa (apesar de muitas vezes não se distinguirem explicitamente entre si). A tese positiva da RD é que os nomes em questão se substituem realmente sem alterar o valor de verdade da frase. Deste ponto de vista, 2) O Alberto acredita que Mark Twain tinha menos de um metro e meio de altura.

é verdadeira, e não falsa. No mínimo dos mínimos, as frases de crença têm leituras ou entendimentos transparentes, segundo as quais os nomes que estão sob o âmbito de “acredita” na verdade referem apenas o que referem. Não pensamos naturalmente dessa maneira; 2 não nos parece verdadeira. Mas isso é porque ao ver uma frase de crença tomamos usualmente a sua oração complementar de maneira a reproduzir os modos como o seu sujeito falaria ou pensaria. Ao asserir 2, sugiro de algum modo que o Alberto aceitaria a frase “Mark Twain tinha menos de um metro e meio de altura” ou algo suficientemente próximo dessa frase. Se eu disser “O Alberto não acredita que Mark Twain tinha menos de um metro e meio de altura,” estou a sugerir que,

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confrontado com a frase “Mark Twain tinha menos de um metro e meio de altura,” o Alberto diria “Não” ou “Não sei dizer.” Mas os teorizadores da RD assinalam que tais sugestões não são sempre verdadeiras; e talvez nunca o sejam. Considere-se: 3) Colombo acreditava que a ilha do Fidel era a China.

(Exemplo atribuído ao falecido Roderick Chisholm.) Todos sabemos o que se quer dizer ao asserir 3; quem fala quer dizer que, quando Colombo avistou Cuba, pensou estar a chegar às Índias Orientais, aproximando-se directamente da China. Claro que há 450 anos, Colombo nada sabia acerca de Fidel Castro; contudo, podemos asserir 3 sem presumir que a sua oração complementar representa as coisas do modo como o próprio Colombo as representava. Quem fala faz esta referência a Cuba sem presumir de modo algum que Colombo se referiria a Cuba desse modo ou de qualquer outro modo paralelo ou análogo. Ou suponha-se que você e eu estamos entre as poucas pessoas que sabem que o nosso conhecido Jacques é de facto o ladrão de jóias de má reputação que tem andado a aterrorizar os ricaços de Paris, e a que a imprensa popular e os gendarmes chamam “Le Chat.” Lemos no jornal depois de um roubo particularmente arrojado mas mal sucedido que a polícia acredita “Ao fugir, Le Chat deixou cair uma mão-cheia de anchovas.” Assim, parece inegável que há posições transparentes no interior de frases de crença, nas quais a expressão referencial se limita a referir o seu portador, sem qualquer sugestão complementar sobre o modo como o sujeito da frase de crença representaria o portador. Os termos singulares podem ser transparentes e são muitas vezes entendidos desse modo. Poderíamos até dizer: 4) Algumas pessoas duvidam que Túlio seja Túlio.

querendo dizer com isso que algumas pessoas duvidam, quanto ao homem Cícero, que ele era também Túlio. Essa será também uma interpretação minoritária de 4, mas podemos pelo menos ouvir 4 considerando que assere que as pessoas duvidam, quanto a Cícero, que ele era Túlio.5 Virtualmente toda a bibliografia da RD tem sido dedicada à defesa da tese positiva, de que os nomes têm leituras millianas mesmo em contextos de crenças. Mas a tese positiva está longe de ser tudo o que o teorizador da RD precisa. Pois, apesar de podermos ficar persuadidos de que todas as frases de crença têm realmente uma leitura transparente, a maior parte das pessoas estão também convencidas de que todas as frases de crença têm

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Claro que se “Túlio” é também um nome milliano, isso seria equivalente a duvidar que a pessoa referida é essa mesma pessoa. Mas também este é um entendimento possível de 4.

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também uma leitura opaca, uma leitura na qual algumas substituições transformam verdades em falsidades: num certo sentido, Colombo acreditava que a ilha do Fidel era a China, mas noutro sentido não acreditava em tal coisa, pela razão óbvia de que nunca ouviu falar do Fidel (e nunca ouviria). Similarmente, num certo sentido, a polícia acreditava que Jacques deixou cair as anchovas, mas noutro sentido não, e o mesmo ocorre quando as pessoas duvidam “que Túlio é Túlio.” No entanto, parece que a RD não pode permitir um só sentido no qual os contextos de crença sejam opacos. Esta é a tese negativa da RD: que os nomes não têm leituras imillianas, mesmo em contextos de crença. O problema torna-se ainda pior: é difícil negar que as leituras opacas se ouvem mais prontamente do que as transparentes. Na verdade, isso é implicitamente concedido pelos teorizadores da RD, pois sabem que tiveram de trabalhar para nos fazer ouvir as leituras transparentes. O teorizador da RD tem de tentar explicar eliminativamente este facto, mostrando tratar-se de uma ilusão particularmente dramática. Ou seja, têm de sustentar que, de facto, as frases como 1-4 não podem literalmente ter o significado que lhe podemos atribuir e que usualmente lhe atribuímos; há alguma razão inapropriada que nos seduz, fazendo-nos ouvir essas frases opacamente. Esboçaram-se algumas explicações hipotéticas desse género, usando materiais que encontraremos no capítulo 13 (Salmon 1986; Soames 1987, 2002; Wettsein 1991; e veja-se Marcus 1981). Mas neste aspecto, na minha opinião, os teorizadores da RD não foram persuasivos; pelo menos, nenhum dos esboços produzidos até hoje me pareceu muito plausível, apesar talvez de Soames (2002) ser o mais promissor. Como o exemplo 4 sugere, o quebra-cabeças de Frege é ainda pior para o milliano. Segundo a RD, uma frase como “Samuel Langhorne Clemens é Mark Twain” só pode significar que o referente comum, independentemente da maneira como for designado, é ele mesmo. Contudo, tal frase praticamente nunca é entendida como se tivesse esse significado. E qualquer pessoa poderia duvidar que Clemens é Twain, aparentemente sem duvidar da auto-identidade seja de quem for. Uma vez mais, o teorizador da RD tem o ónus imenso de explicar eliminativamente os nossos juízos, mostrando que são ilusórios. Os problemas da referência aparente a inexistentes e das existenciais negativas são ainda piores, na verdade. Se o significado de um nome é simplesmente a referência ao seu portador, então o que dizer de todos aqueles nomes perfeitamente dotados de significado que não têm portadores? (Mas para tentativas intrépidas de responder a esses dois problemas, veja-se Salmon 1998; Soames 2002; Braun 2005.) Chegámos a um dilema grave, quase um paradoxo. Por um lado, no capítulo 3 vimos razões kripkianas poderosas segundo as quais não se pode pensar que os nomes abreviam descrições flácidas, nem podem de outro modo qualquer ter sentidos ou conotações substanciais. Intuitivamente, os nomes são millianos. Contudo, porque os quebra-cabeças originais continuam tão insistentemente irritantes como antes, parece também que a DR está

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perfeitamente refutada. Isto é um dilema, ou antes um trilema, porque parece além disso que só temos uma dessas três possibilidades: ou os nomes são millianos, ou abreviam descrições completamente, ou de um modo menos rígido, como defende Searle, têm algum “sentido” ou conteúdo substancial. Mas nenhuma destas perspectivas é aceitável. Alguns teorizadores professaram encontrar vias entre as três alternativas. Como assinalámos no capítulo 3, Plantinga (1978) e Ackerman (1979) apelaram a descrições rigidificadas, como “o vencedor efectivo das eleições de 1968” em vez de apenas “o vencedor das eleições de 1968”; a primeira descrição é rígida porque “o vencedor efectivo” significa o vencedor neste (nosso) mundo, e refere essa mesma pessoa em qualquer mundo, independentemente de ter nesse mundo vencido as eleições. Deste ponto de vista, os nomes são rígidos apesar de não serem millianos. (Veja-se também Jackson 1998.) Michael Devitt (1989, 1996) ofereceu uma revisão radical da noção de sentido de Frege. Eu próprio (Lycan 1994) ofereci uma versão enfraquecida da RD, muito mais subtil, bonita e eficiente, mas seria imodesto da minha parte promovê-la aqui.6 Temos agora de fazer uma distinção crucial. Até agora, neste capítulo, falámos da semântica dos nomes próprios, ou seja, de teorias sobre a contribuição dos nomes para o significado das frases nas quais ocorrem. A RD, em particular, toma como óbvia a ideia de referente ou portador de um nome. Mas então a questão à parte é: algo é o referente ou portador de um nome particular em virtude do quê? A semântica deixa essa questão à análise filosófica. Uma teoria filosófica da referência é uma hipótese sobre que relação exactamente liga um nome ao seu referente — mais especificamente, é uma resposta à questão de saber o que é preciso para haver uma ligação referencial entre a nossa elocução de um nome e o indivíduo referido por essa elocução. As teorias semânticas dos nomes e as explicações filosóficas da referência variam independentemente entre si. A diferença foi obscurecida por Russell e Searle,7 porque davam ambos respostas muito similares às duas perguntas. Russell disse que um nome adquire o seu significado, e contribui para o significado geral da frase, abreviando uma descrição; e também que o que faz de algo o portador do nome é a coisa satisfazer univocamente a descrição. O mesmo ocorre com Searle e os seus aglomerados. Mas repare-se agora que, caso se defenda a teoria da RD, tal teoria nada nos diz por si mesma sobre o que vincula um nome ao seu referente. O mesmo ocorre com a tese mais fraca da rigidez de Kripke; até então, Kripke falou apenas da semântica, e a sua teoria da referência não se tornou ainda visível. É para isso que nos voltamos agora.

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Receio que mesmo a edição brochada de Lycan (1994) é cara, mas vale bem cada centavo.

E insuficientemente enfatizada por Kripke. Foi pela primeira vez realmente levada a cabo por Devitt (1989).

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A teoria histórico-causal Como se pode verificar, a maior parte das objecções de Kripke à tese dos nomes e à semântica descritivista em geral traduzem-se também em objecções à teoria descritivista da referência; a teoria descritivista irá prever o referente errado (pense-se no exemplo de Gödel/Schmidt na objecção 5, capítulo 3) ou nenhum referente (como quando não há qualquer descrição particular que quem fala tenha em mente (objecção 1) ou em casos indefinidos, como na objecção 6). Kripke esboça uma ideia melhor. Começa inesquecivelmente (1972: 91): “Nasce alguém, digamos, um bebé…” (penso que podemos conceder-lhe o pressuposto de que o neonato é um bebé. Não vale a pena ser demasiado picuinhas.). E continua: Os pais [do bebé] referem-no com um certo nome. Falam dele aos amigos. Outras pessoas conhecem o bebé. Por meio de vários tipos de conversa, o nome espalha-se de elo em elo, como numa cadeia. Quem está do lado mais afastado desta cadeia, que ouviu falar, digamos, de Richard Feynman, na via pública ou em qualquer outro lugar, pode referir Richard Feynman apesar de não se lembrar de quem ouviu falar pela primeira vez de Feynman ou de quem ouviu falar de Feynman. Sabe que Feynman era um físico famoso. Uma certa passagem de comunicação que acaba por alcançar o próprio homem alcança quem fala. Quem fala refere então Feynman apesar de ser incapaz de o identificar univocamente.

A ideia, então, é que a minha elocução de “Feynman” é o elo mais recente numa cadeia histórico-causal de empréstimos de referência, cujo primeiro elo é o acontecimento em que a criança Feynman recebe esse nome. Eu adquiro o nome de alguém que o adquiriu de outra pessoa…, recuando sempre até chegar à cerimónia de atribuição do nome. Não tenho de estar em qualquer estado cognitivo particular do género de Russell ou Searle. Nem tenho de ter qualquer crença verdadeira interessante sobre Feynman, ou sobre como adquiri o nome. Tudo o que se exige é que uma cadeia de comunicação se tenha de facto estabelecido em virtude de eu pertencer a uma comunidade discursiva que passou o nome de pessoa para pessoa, cadeia que remonta ao próprio Feynman. É claro que quando alguém aprende um nome pela primeira vez de um predecessor na cadeia histórica, isso só pode ocorrer porque o novato e o predecessor partilham uma base psicologicamente saliente de descrições identificadoras. Mas, como antes, não há razão para pressupor que essa base particular de descrições fixa o sentido do nome. Só precisa de fixar a referência. Desde que o novato tenha uma fixação identificadora no referente do predecessor, pode depois usar o nome para referir essa pessoa. À primeira vista, esta perspectiva histórico-causal faz as previsões correctas no caso de exemplos como o Tomás de Donnellan. Em cada caso, a referência é bem-sucedida

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porque quem fala está causalmente conectado ao referente de um modo historicamente apropriado. Kripke (1972): 66-7) oferece mais um caso: o da personagem bíblica Jonas. É semelhante ao exemplo de “Nixon” (objecção 3, capítulo 3). Kripke assinala que devemos distinguir entre histórias que são apenas lendas e histórias que são, ao invés, relatos substancialmente falsos de pessoas reais. Suponha-se que os historiadores descobriam que de facto nenhum profeta alguma vez foi engolido por um grande peixe, ou fez qualquer uma das outras coisas que a Bíblia atribui a Jonas. Permanece a questão de saber se a personagem de Jonas foi simplesmente inventada desde o início, ou se a história se fundamenta em última análise numa pessoa real. Na verdade, há subcasos: alguém poderia ter inventado e espalhado uma quantidade de histórias falsas sobre Jonas imediatamente depois da sua morte; ou, por Jonas ser um indivíduo impressionante, começaram a circular todo o género de rumores e histórias sobre ele, acabando os rumores por se desencaminhar; ou poderia ter ocorrido uma perda muito gradual de informação correcta e a acreção de falsas atribuições ao longo de séculos. Mas, em qualquer destes casos, parece que hoje a Bíblia afirma coisas falsas sobre a pessoa real, Jonas.8 Poderá pensar-se que os nomes ambíguos — nomes que mais de uma pessoa tem — levantam um problema à perspectiva histórico-causal. (“John Brown” é ambíguo entre o criado escocês que fez amizade com a Rainha Vitória depois da morte de Alberto, o agricultor frustrado monomaníaco que invadiu a cidade de Harpers Ferry em 1859, e sem dúvida milhares de outros homens do mundo anglófono. Até 1994, até o nome muitíssimo distinto “William Lycan” se aplicava a mais de uma pessoa. Suponho que a vasta maioria de nomes são ambíguos; um nome só não é ambíguo por acidente histórico.) Isto não é problema algum para as teorias descritivistas porque, segundo elas, os nomes ambíguos abreviam simplesmente descrições diferentes. (Se alguma coisa ocorre, é o facto de as teorias descritivistas tornarem os nomes próprios demasiado abundantemente ambíguos.) Mas o que acontece se defendermos a RD e negarmos que os nomes tenham sentidos ou conotações descritivas em qualquer sentido, seja ele qual for?

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Kripke cita H. L. Ginsberg, The Five Megilloth and Jonah (Jewish Publication Society of America, 1969), afirmando que defende seriamente esta perspectiva. Note-se também que o nome de Jonas poderia não ter sido “Jonas”; o som de “j” não existe em hebraico. David Kaplan sustentou uma vez (em 1971, numa palestra) que há pelo menos um exemplo verdadeiro deste tipo que favorece a teoria histórico-causal contra a explicação da referência de Searle: o nome “Robin dos Bosques.” Parece que os historiadores descobriram que existiu realmente uma pessoa que deu origem (causalmente) à lenda do Robin dos Bosques. Sucede, afinal, que esta pessoa não era pobre, não vivia perto da Floresta de Sherwood, não era um fora-da-lei (na verdade, era bastante próximo do xerife de Nottingham), e nem sequer se chamava “Robin dos Bosques.” Na perspectiva históricocausal isto faz perfeitamente sentido.

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Só fiz a última pergunta para ver se você estava a prestar atenção anteriormente. Pois a pergunta ignora inequivocamente a distinção importante entre a semântica dos nomes e a teoria da referência. A teoria histórico-causal da referência tem uma resposta inequívoca à questão da ambiguidade dos nomes: se um nome é ambíguo, é porque foi dado a mais de uma pessoa. O que desambigua um uso particular de um nome desses numa dada ocasião é a base histórico-causal desse uso (que outra coisa haveria de ser?), especialmente o portador particular cuja cerimónia de nomeação deu início à sua etiologia. Kripke sublinha que só esboçou uma imagem; não tem uma teoria completamente trabalhada. O difícil será ver como se poderá pegar nessa imagem e torná-la uma teoria real que resista a objecções sérias. A única maneira de transformar uma imagem numa teoria é tomá-la demasiado literalmente, tratá-la como se fosse uma teoria e ver como precisa de ser aprimorada. Kripke faz precisamente isso, apesar de deixar o aprimoramento aos outros.

Problemas para a teoria histórico-causal A noção capital da perspectiva histórico-causal é a da passagem da referência de uma pessoa para outra. Mas nem toda a transferência serve. Primeiro, temos de excluir o fenómeno da “nomeação posterior.” O meu amigo de infância John Lewis adquiriu um cão pastor, e chamou-lhe “Napoleão,” em nome do imperador; tinha o Napoleão histórico explicitamente em vista e quis dar o seu nome ao cão. “Dar o nome de” é um elo numa cadeia histórico-causal: só porque o imperador se chamava “Napoleão” é que John Lewis deu esse nome ao cão. Mas é o tipo errado de elo. Para o excluir, Kripke exige que “quando o nome “passa de elo para elo,” quem recebe o nome tem […] ter a intenção, quando o aprende, de o usar com a mesma referência que o homem de quem o ouviu” (1972: 96). É claro que esta restrição não foi acatada por John Lewis, que estava deliberadamente a mudar o referente do imperador para o cão e queria que os seus amigos estivessem perfeitamente cientes disso. Segundo, Kripke aduz o exemplo do “Pai Natal.” Pode haver uma cadeia causal que faça remontar o nosso uso desse nome a um certo santo histórico, possivelmente uma pessoa real que viveu na Europa de leste há séculos, mas ninguém diria que quando as crianças usam o nome referem inadvertidamente esse santo; referem-se claramente à personagem ficcional natalícia. Mas então o que faz a diferença entre “Pai Natal” e “Jonas”? Por que não dizer que houve um Pai Natal real, mas que a mitologia sobre ele é ostensivamente falsa? Em vez disso, é claro, dizemos que não há qualquer Pai Natal (as minhas desculpas a quem não o sabia). Usamos o nome “Pai Natal” como se abreviasse uma descrição. Um exemplo semelhante seria o de “Drácula.” Sabe-se muito bem que o uso contemporâneo desse nome remonta a um nobre real da Transilvânia chamado “Vlad” (usualmente

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chamado “Vlad, o Empalador,” em virtude do tratamento costumeiro dispensado às pessoas que o tinham chateado). Mas é claro que quando hoje dizemos “Drácula” queremos falar do vampiro ficcional criado por Bram Stocker e retratado por Bela Lugosi no famoso filme. Tendo-se limitado a levantar o problema, Kripke não tenta corrigir a sua perspectiva em função disso, e passa à frente. Provavelmente a característica mais óbvia a notar é que “Pai Natal” e “Drácula,” tal como usamos esses nomes, estão associados a estereótipos muitíssimo poderosos, na verdade, ícones culturais nos EUA. Os seus papéis sociais são tão proeminentes que se ossificaram, transformando-se em descrições ficcionais, de um modo que nem mesmo entre pessoas religiosas ocorre com “Jonas.” De certo modo, as propriedades icónicas de Jonas são paralelas às suas propriedades históricas do Antigo Testamento, mas poderíamos dizer que “Pai Natal” e “Drácula” são puros ícones. E para os norte-americanos médios, o mito ultrapassa em muito a fonte histórica. Como Kripke afirma, é necessário muito trabalho. Devitt (1981ª) oferece uma perspectiva razoavelmente desenvolvida que se pode considerar uma teoria e não apenas uma imagem. Contudo, eis algumas objecções que se aplicam a qualquer versão da teoria histórico-causal descrita.

OBJECÇÃO 1 Foi-nos oferecida a noção de uma cadeia histórico-causal remontando dos nossos usos actuais do nome a uma cerimónia na qual um indivíduo efectivo é nomeado. Mas então como pode o teorizador histórico-causal acomodar nomes vazios, nomes que não têm portadores efectivos? Talvez a melhor aposta seja neste caso tirar partido do facto de que mesmo os nomes vazios são introduzidos na comunidade linguística em momentos particulares, seja por meio de ficção deliberada seja por meio de um erro qualquer. Partindo de tal introdução, como Devitt (1981ª) e Donnellan (1974) assinalam, as cadeias histórico-causais começam a espalhar-se na direcção do futuro tal como se o nome tivesse sido atribuído a um indivíduo efectivo. Assim, tanto a referência como a “referência” de inexistentes se dá por uma cadeia histórico-causal, mas o primeiro elo da cadeia é o próprio acontecimento de atribuição do nome e não quaisquer hipotéticas façanhas do portador inexistente.9 9

Esta jogada seria também uma ajuda com respeito a dois problemas similares: os nomes de indivíduos futuros (“Tentemos ter um bebé, e se formos bem-sucedidos o seu nome será “Quim””); e os nomes de objectos abstractos, como números individuais, que não têm poderes causais. Dado que a cadeia histórico-causal relevante tem origem num acontecimento de atribuição de nome, o leitor deve perguntar-se por que razão não é esse acontecimento em si o referente propriamente dito do nome. (Assim, “Pégaso só demorou trinta segundos e deu pouco trabalho ao

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OBJECÇÃO 2 Evans (1973) assinala que os nomes podem mudar a sua referência sem o nosso conhecimento, em virtude de acasos ou erros, mas a teoria histórico-causal, tal como a apresentámos até agora, não pode permitir tal coisa. Segundo Evans,10 “Madagáscar” era o nome original de uma porção do continente africano, e não de uma imensa ilha do mesmo continente; a mudança deveu-se em última análise a uma incompreensão de Marco Pólo Ou: Nascem dois bebés, e as suas mães atribuem-lhes nomes. Uma enfermeira troca-os inadvertidamente e nunca se descobre o erro. Será daqui para a frente inegavelmente verdade que o homem universalmente conhecido por “Zé” tem esse nome porque uma mulher o deu a outro bebé. (Evans 1973: 196)

Não queremos ser forçados a dizer que o nosso uso de “Madagáscar” ainda designa parte do continente, ou que “Zé” continua a referir o outro bebé e não o homem a quem toda a gente chama “Zé.” Em resposta, Devitt (1981ª: 150) sugere que se aposte na fundação múltipla. Uma cerimónia de atribuição de um nome, afirma, é apenas um tipo de ocasião que pode fundar uma cadeia histórica apropriada; outros encontros perceptivos podem também servir. Em vez de haver apenas uma só cadeia causal linear que remonta das nossas elocuções à cerimónia de atribuição do nome, tem uma estrutura mangal: a elocução parte também de outras cadeias históricas que se fundam em estádios posteriores do próprio portador. Quando uma grande preponderância do nosso uso de “Madagáscar” tem das suas fundações na ilha e não no continente, esse uso passa a designar a ilha; quando o nosso uso de “Zé” se fundamente fortemente nos encontros perceptivos de muita gente com o homem que tem esse nome, estas fundações terão ascendência sobre a cadeia que começou com a cerimónia de atribuição do nome. Isto é vago, é claro, talvez inaceitavelmente vago.

autor” poderia ser uma frase verdadeira sobre um item efectivo, e não uma frase ficcional de todo em todo.) Poder-se-ia perfeitamente estipular que os acontecimentos de atribuição de nomes não são referentes a menos que eles próprios sejam objectos de outros acontecimentos de atribuição de nomes; alternativamente, veja-se a resposta à objecção 4, a seguir. 10

Evans cita o livro de 1898 de Isaac Taylor, Names and Their History: A Handbook of Historical Geography and Topographical Nomenclature (Detroit, MI: Gale Research Co., 1969).

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OBJECÇÃO 3 Podemos identificar mal o objecto de uma cerimónia de atribuição de um nome. Suponhase que procuro um novo gato de estimação no Abrigo dos Animais. Visitei o Abrigo várias vezes e reparei numa gatinha cinzenta; decido adoptá-la. Na minha visita seguinte, preparo-me para lhe dar um nome. O assistente trás uma gatinha semelhante à anterior e eu penso que é a mesmíssima que tenciono adoptar. Digo: “Cá estamos de novo, latinha! O teu nome agora passa a ser “Liz,” em homenagem à compositora Elizabeth Poston, e nós vemo-nos outra vez depois de teres sido vacinada” (diplomaticamente, não menciono a obrigatória esterilização). O assistente leva de novo a gata. Contudo, sem o meu conhecimento, era a gata errada, e não a que eu tinha em vista. O assistente deu-se conta do erro e, sem me dizer, vai buscar a gata correcta, e dá-lhe as vacinas (e o resto). Eu pego nela e levo-a para casa, chamando-lhe naturalmente “Liz” daí em diante. O problema, é claro, é que nenhuma cerimónia deu esse nome à minha gata. A impostora recebeu esse nome, ainda que eu não tivesse qualquer direito de lhe atribuir um nome. Contudo, certamente que a minha própria gata é a portadora de “Liz,” não apenas depois de múltiplas fundações subsequentes terem sido estabelecidas, mas mesmo depois da cerimónia de atribuição do nome que eu executei. (Seria diferente se eu tivesse levado a impostora para casa e lhe tivesse continuado a chamar “Liz.”) A estratégia de fundação múltipla não parece ajudar-nos neste caso. Ao invés, o que conta é que gata eu tinha em mente e que gata pensava eu estar a atribuir um nome naquela cerimónia. (Devitt (1981ª: secção 5.1) fala de “competências para designar,” vendo-as como estados mentais de um certo tipo sofisticado.) Nesse caso, corrigir a teoria histórico-causal neste aspecto exigirá uma incursão significativa na filosofia da mente.

OBJECÇÃO 4 As pessoas podem ter crenças categoricamente erradas sobre os referentes. Evans cita Arthur of Britain, de E. K. Chambers,11 que afirma que o Rei Artur teve um filho chamado Anir “que a lenda confundiu talvez com o lugar onde foi sepultado.” Uma pessoa vítima desta confusão poderia dizer “Anir deve ser um lugar verde e adorável”; a teoria históricocausal consideraria que essa frase afirma que um ser humano (o filho de Artur) era um lugar verde e adorável. Menos dramaticamente, pode-se confundir uma pessoa com uma instituição e vice-versa. (Um antigo colega costumava usar o nome de Emerson Hall — o edifício que alberga do departamento de filosofia de Harvard — para referir o departamento, dizendo coisas como “Emerson Hall não vai gostar disto.” Um interlocutor casual poderia facilmente ficar com a ideia de que “Emerson Hall” é um nome de uma pessoa.) 11

Londres: Sidgwick & Jackson, 1927.

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Ou uma pessoa pode confundir uma sombra com um ser humano vivo e dar-lhe um nome. Em nenhum destes casos é plausível dizer que os usos subsequentes do nome em questão referem realmente o item categoricamente errado. Devitt e Sterelny (1987) chamam a isto o “problema qua.” Concedem que quem celebra uma cerimónia de atribuição de um nome, ou outra pessoa responsável por qualquer das fundações do nome, tem de não estar categoricamente enganado e tem realmente de visar referir algo que pertença à categoria apropriada. Esta é uma concessão mínima ao descritivismo. Há mais objecções (algumas de Evans). A posição maioritária é aparentemente que Kripke reagiu no início excessivamente à imagem descritivista. Tinha razão em insistir que algum tipo de cadeias histórico-causais é necessário para referir e que as descrições não fazem nem de perto o trabalho que Russell ou mesmo Searle pensavam que faziam; mas (como os críticos sustentam, incluindo Kripke) mesmo assim também existem condições descritivas. O truque é ir de novo na direcção do descritivismo sem ir tão longe quanto a doutrina descritivista fraca de Searle. Mas isso não deixa muito espaço de manobra. Uma linha promissora veio a chamar-se “descritivismo causal” (Kroon 1987): a ideia é aceitar que a proposta histórico-causal acerta nos casos, mas transformá-la numa condição descritiva. Kroon defende esta ideia, fundamentalmente, alargando a objecção da “nomeação posterior.”

Termos para categorias naturais e a “Terra Gémea” Kripke (1972) e Hilary Putnam (1975ª) alargaram depois tanto a teoria semântica da designação rígida como a teoria histórico-causal da referência, passando dos termos singulares para alguns predicados ou termos gerais, sobretudo termos para categorias naturais, substantivos comuns do género que referem substâncias naturais ou organismos, como “ouro,” “água,” “molibdénio,” “tigre” e “oricterope.” Tais expressões não são termos singulares, dado não pretenderem aplicar-se apenas a uma coisa. Mas Kripke e Putnam argumentaram que são mais parecidos a nomes do que a adjectivos. Semanticamente, são rígidos; cada um refere a mesma categoria natural em todos os mundos nos quais tal categoria se inclui. E uma dada versão da teoria histórico-causal caracteriza o seu uso referencial. Esta perspectiva opõe-se frontalmente a uma teoria descritivista dos termos para categorias naturais há muito sustentada, que associava cada termo desses a um estereótipo descritivo. Por exemplo, “água” seria analisado de modo que o seu significado seria algo como “um líquido transparente, sem cheiro nem sabor que cai do céu como chuva e constitui os lagos e ribeiros,” e o significado de “tigre” seria algo como “um felino da selva feroz e carnívoro, amarelado e com listas pretas peculiares.” Kripke e Putnam usaram argumentos modais contra tais análises, semelhantes à objecção 3 do capítulo anterior e ao argumento da rigidez que deu início a este capítulo. Por exemplo, poderia haver água

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mesmo que nunca tivesse havido chuva, lagos ou ribeiros, e noutras circunstâncias a água poderia ter cheio ou sabor. Os tigres poderiam ter nascido dóceis, e poderíamos até descobrir que nenhum tigre alguma vez teve de facto listas (uma conspiração ao estilo do País das Maravilhas poderia mandado pintar todas as listas). O que faz então algo ser um tigre, ou uma amostra de água, se não for o estereótipo de senso comum? Kripke e Putnam chamaram a atenção para a natureza científica das categorias naturais. O que faz da água água é a sua composição química, H2O; o que faz dos tigres tigres é o seu código genético distinto. Em todos os mundos possíveis, a água é H2O, mas em alguns mundos o H2O tem cheiro, ou sabor. Poder-se-á objectar que a composição química da água e as características genéticas dos tigres são descobertas empíricas muitíssimo substanciais; de modo que era certamente possível que a água não fosse H2O, de modo que há mundos nos quais a água não é H2O. Mas Kripke e Putnam responderam que a alegada “possibilidade” é aqui apenas uma questão de ignorância científica, e não uma possibilidade metafísica genuína; quando se descobre a essência científica de uma categoria natural descobre-se a verdadeira natureza metafísica dessa categoria, e a categoria tem essa natureza em todos os mundos possíveis nos quais se manifesta. O que muda de mundo para mundo são os elementos do estereótipo de senso comum. Se esta perspectiva estiver correcta,12 tem uma implicação algo surpreendente sobre a relação entre o significado linguístico e a mente: que o significado, como Putnam escreve, “não ’tá na cabeça.” Putnam imagina que algures noutra galáxia há um planeta, chamado “Terra Gémea,” que é uma cópia quase exacta da nossa Terra, caminhando em paralelo com a nossa história. Contém um Putnam Gémeo, uma Ponte Gémea de Brooklyn, um Lycan Gémeo e um Você Gémeo, sendo todas estas cópias moleculares das suas contrapartes daqui. Se conseguíssemos observar os dois planetas simultaneamente, seria como ver o mesmo programa de televisão em duas televisões diferentes. (Mas é importante assinalar que a Terra Gémea não é um mundo possível diferente; é apenas outro planeta, no mesmo mundo que a Terra. Apesar de ser exactamente como você, e de estar num contexto planetário quase exactamente semelhante, é claro que o seu gémeo não é você, mas uma pessoa numericamente diferente.) Afirmei que a Terra Gémea é uma cópia quase exacta da Terra. Há uma diferença: o que se parece com a água e se comporta como água na Terra Gémea não é água — ou seja, H2O — mas uma substância diferente a que Putnam chama XYZ. XYZ não tem cheiro nem sabor e tem as outras propriedades superficiais da água, mas é apenas “água falsa” (como o “ouro falso”). Claro, os terráqueos gémeos que falam português gémeo chamam “água”

12

É contestada por Searle (1983), Rosenberg (1994) e Segal (2000).

P á g i n a | 76 a XYZ, dado que são exactamente como nós em todos os outros aspectos,13 mas isso é um equívoco; “água” em português gémeo significa XYZ e não água, tal como (pelo que me dizem) o termo categorial “chicória” em inglês britânico e americano significam plantas diferentes. Ora, considere-se um par de gémeos transmundiais, digamos Gordon Brown e Brown Gémeo. Depois de uma catástrofe natural, Brown sublinha a urgência em fazer chegar comida e água às vítimas. Naturalmente, ao mesmo tempo, Gordon Gémeo sublinha a urgência em fazer chegar comida e “água” às vítimas. Mas as frases que proferem, idênticas palavra a palavra, têm significados diferentes. A frase de Brown significa que é necessário fornecer comida e H2O às vítimas, ao passo que a de Gordon Gémeo significa que é necessário fornecer comida e XYZ às vítimas. Contudo, Brown e Brown Gémeo são cópias físicas. Dados os pressupostos de fundo de Putnam, isto mostra que os significados das elocuções de Brown e de Brown Gémeo não são determinadas pelos estados totais dos seus cérebros, nem sequer pelos estados totais dos seus corpos. Pois os seus estados cerebrais e somáticos são idênticos, diferindo no entanto os significados das suas elocuções. Talvez isto não seja uma grande surpresa. Afinal, a linguagem é uma propriedade pública; qualquer linguagem é usada por uma comunidade, para permitir a comunicação entre pessoas diferentes, e não para a mera articulação dos pensamentos privados de alguém. Mas de facto (uma vez mais, dados os pressupostos de fundo), o exemplo de Putnam mostra mais do que isso: mostra que os significados linguísticos das frases não são determinados nem mesmo pela totalidade dos estados cerebrais e somáticos de quem fala, na verdade nem sequer pelo padrão de uso de toda a comunidade. Pois as pessoas que falam português e português gémeo são todas exactamente idênticas na sua composição física e no uso público de palavras que soam exactamente da mesma maneira; contudo, as frases das suas linguagens idênticas significam coisas diferentes.14 Voltaremos a este aspecto no capítulo 6.

13

O leitor atento ter-se-á dado conta de uma infelicidade no exemplo de Putnam: dado que o corpo humano é constituído numa enormíssima proporção por água, os terráqueos gémeos dificilmente podem ser cópias moleculares de nós. Ignore-se isto ou, se realmente o incomodar, mude o exemplo para uma categoria natural que não esteja representada no corpo humano. 14

Burge (1979) argumenta com base num exemplo do estilo da Terra Gémea que o significado de um termo linguístico que alguém usa depende em parte do uso da comunidade que o rodeia, não sendo por isso determinado pelos conteúdos da sua cabeça. Isto seria menos surpreendente do que o ponto principal de Putnam, apesar de servir para sustentar a sua tese de que o significado “não tá na cabeça.” (A verdadeira preocupação de Burge no artigo é a mente e não a linguagem: quer mostrar que nem mesmo os conteúdos doxásticos estão na cabeça.)

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É agora tempo nos expandirmos e enfrentar a toda a questão do significado e das teorias do significado.

Sumário 

Kripke argumentou que os nomes próprios funcionam como designadores rígidos, que um nome denota o mesmo indivíduo em todos os mundos possíveis nos quais esse indivíduo existe.



Adoptando uma linha mais ambiciosa, os teorizadores da RD defendem a perspectiva milliana de que a única contribuição de um nome para o significado de uma frase na qual ocorre é introduzir o seu portador no discurso.



Mas os nossos quatro quebra-cabeças sobre a referência surgem ainda, como antes, com igual insistência, e parecem tornar a RD indefensável. Ficamos como que num paradoxo.



Passando à teoria da referência, Kripke oferece a sua imagem histórico-causal em substituição das teorias descritivistas. Michael Devitt e outros aperfeiçoaram e ramificaram a perspectiva histórico-causal em resposta às objecções iniciais.



Kripke e Putnam alargaram a teoria histórico-causal para abranger termos para categorias naturais.



Se a teoria histórico-causal estiver correcta, então os exemplos da “Terra Gémea” de Putnam parecem mostrar que os significados das palavras de uma comunidade discursiva não são inteiramente determinados pelos conteúdos das cabeças dos interlocutores; o mundo exterior dá também uma contribuição.

Questões 1. Alguns filósofos sentem-se desconfortáveis com a noção de Kripke de um “designador rígido” e com a sua distinção auxiliar de “fixar o sentido.” Se se sente também desconfortável com a “rigidez,” pode articular o problema? 2. Os nomes ficcionais são especialmente problemáticos para a tese da rigidez de Kripke? Como poderia ele tratar os nomes ficcionais? 3. Depois de Kripke rejeitar a tese dos nomes, como poderá ele enfrentar um ou mais dos quatro quebra-cabeças? 4. Poderá você ajudar a RD a enfrentar um ou mais dos quebra-cabeças (uma tarefa mais difícil)? 5. Pode você responder mais completamente em nome da teoria histórico-causal às objecções 1-4? 6. Faça as suas próprias críticas à imagem histórico-causal? 7. Ajuíze a perspectiva de Kripke-Putnam segundo a qual os termos para categorias naturais designam rigidamente categorias cientificamente caracterizadas. 8. Os exemplos de Putnam da “Terra Gémea” persuadiram-no de que os significados “não ’tão na cabeça”?

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Leitura complementar 

Mais artigos representativos da referência directa encontram-se em Almog, Perry e Wettstein (1989); Devitt (1989) oferece um exame e crítica. Veja-se também Recanati (1993).



Kvart (1993) elabora também uma versão da teoria histórico-causal da referência.



Evans (1973) oferece mais objecções à imagem de Kripke, e uma revisão interessante. Evans (1982) faz concessões a Kripke mas insiste que a ideia de uma “prática (social) de uso de nomes” tem de ser introduzida como elemento complementar. McKinsey (1976, 1978) recuou até ao ancien regime. Mais objecções são feitas por Erwin, Kleiman e Zemach (1976) e Linsky (1977).



Salmon (1981) passa em revista perspectivas semânticas sobre termos categoriais. Schwartz (1977) contém artigos relevantes. Críticas na linha das de Kripke-Putnam são oferecidas por Fine (1975), Dupré (1981), Unger (1983) e outros. Boër (1985) responde a algumas dessas críticas.



O impacto dos exemplos da “Terra Gémea” na teoria do significado em geral são explorados por Harman (1982) e Lycan (1984: cap. 10).

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5

Teorias tradicionais do significado

Sinopse Se a teoria referencial do significado é falsa, que teoria é verdadeira? Qualquer teoria do significado tem de dar conta dos factos relevantes, a que podemos chamar “os factos do significado”: alguns objectos físicos são significadores; expressões distintas podem ter os mesmos significados; uma única expressão pode ter mais de um significado; o significado de uma expressão pode estar contido no de outra; e não só. Tendemos a falar de “significados” como coisas individuais. Já se pensou que os significados eram ideias particulares nas mentes das pessoas. Mas várias objecções mostram que isto não pode querer dizer pensamentos efectivos nas mentes de pessoas particulares em momentos particulares do tempo. Na melhor das hipóteses, os significados teriam de ser mais abstractos: tipos de ideia que poderiam ocorrer (ou não) na mente de um ser qualquer algures. Assim, os significados foram também tomados em si como coisas abstractas, alternativamente chamadas “proposições.” A frase “A neve é branca” significa que a neve é branca; igualmente, podemos dizer que “expressa a proposição de que” a neve é branca. Outras frases, mesmo noutras linguagens, como “La neige est blanche” e “Der Schnee is weiss,” exprimem a mesma proposição, e são portanto sinónimas. Esta teoria proposicional dá correctamente conta dos vários “factos do significado,” dado que “proposição” é essencialmente outra palavra para “significado.” Mas os críticos perguntam-se se explica os factos do significado satisfatoriamente, ou até se o chega a fazer. No início deste livro, os tópicos da referência e do significado não estavam separados porque a ideia ingénua mais comum que as pessoas têm quanto ao significado é que o significado é a referência. No capítulo 1 desacreditámos a intuitiva mas insustentável teoria referencial do significado. Por isso temos agora de enfrentar o significado directamente, e ver algumas teorias mais sofisticadas do significado. Como qualquer teoria, uma teoria do significado tem de ter um conjunto de dados próprios. Quais são os dados primários de uma teoria do significado? Referir-me-ei a eles em bloco como “os factos do significado.” Primeiro, como sublinhámos no capítulo 1, há o ser significador em si. Algumas sequências ou marcas ou ruídos no ar são apenas sequências ou marcas ou ruídos no ar, ao passo que outras — em particular, frases completas — são significadoras. Qual é a diferença? Talvez esta seja a questão básica para a teoria do significado. Segundo, por vezes dizemos que duas expressões distintas são sinónimas. Terceiro, dizemos por vezes de uma só expressão que é ambígua, ou seja, que tem mais de um signi-

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ficado. (De modo que as expressões e os significados não têm uma correlação um a um.) Quarto, dizemos por vezes que o significado de uma expressão está contido no de outra, como fêmea e bode estão contidos no significado de “cabra.” Um importante caso especial aqui é quando de uma frase se deriva outra: de “Haroldo é gordo e Benedito é estúpido” deriva-se “Benedito é estúpido.” (Também há derivabilidade conjunta: de “Ou a avó está na cela ou já está no tribunal” e “A avó não está na cela” deriva-se conjuntamente “A avó já está no tribunal,” mas de nenhuma das frases por si se deriva isso.) Também há factos do significado mais exóticos. Por exemplo, algumas disputas ou alegadas disputas são meramente verbais ou “apenas semânticas,” ao contrário de discordâncias substanciais sobre factos. X e Y não discordam sobre o que efectivamente aconteceu; disputam apenas que o que aconteceu conte como um “tal e tal.” E quem assiste diz: “Oh, estão só a ter uma conversa de surdos.” (Isto acontece muito em filosofia.) Ao formular os anteriores factos do significado, tentei pelo menos sem grande entusiasmo evitar “reificar” coisas chamadas significados; isto é, evitei falar de “significados” como se fossem coisas individuais, como sapatos ou meias. Falei de frases que têm características como serem significadoras, serem sinónimas, serem ambíguas, apesar de ter eventualmente caído na alusão a “significados.” Poderia ter reificado, dizendo “tem um significado” em vez de “é significadora,” “têm o mesmo significado” em vez de “são sinónimas,” e assim por diante, ou poderia até ter usado expressões quantificadoras, como em “Há um significado que a frase tem” e “Há um significado comum a cada uma destas frases.” Há filósofos que fizeram disto uma questão. Usemos o termo “teoria da entidade” para uma teoria que oficialmente toma os significados como coisas individuais. Há uma base considerável para teorias da entidade no modo como comummente falamos. Parece que não nos referimos a coisas chamadas significados usando a palavra como substantivo comum, mas parece que usamos expressões quantificadas para fazer algo do género. Por vezes até parece que os contamos: “Esta palavra tem quatro significados diferentes.” Por isso, é natural começar pelas teorias da entidade. Há pelo menos dois tipos diferentes de entidades com os quais se pode identificar os significados. Primeiro, pode-se considerar que as entidades são itens mentais. Às teorias desse tipo chama-se por vezes teorias ideacionais.

Teorias ideacionais A vítima aqui é geralmente John Locke (1690), dado parecer ter sustentado que os significados das expressões linguísticas são ideias na mente. Neste género de perspectiva, o que faz uma sequência de marcas ou ruídos significar algo é essa sequência exprimir um estado mental, ou de algum modo corresponder-lhe significantemente, estado mental em que se encontra quem fala: uma ideia, uma imagem, ou talvez um pensamento ou uma crença.

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O que é característico das teorias ideacionais tal como estou a usar o termo é que os estados mentais em questão são estados efectivos de pessoas particulares em momentos particulares do tempo. Se uma sequência é significadora na medida em que exprime uma ideia, pode-se então dizer que a sinónima entre duas expressões ocorre quando ambas exprimem a mesma ideia. A ambiguidade de uma expressão ocorre quando há mais de uma ideia que essa expressão poderia exprimir, e assim por diante. E quando ao fenómeno da discordância meramente verbal, o teorizador ideacionista pode dizer: não se trata de um interlocutor ter um pensamento e o outro um pensamento diferente, conflituante; ambos têm o mesmo pensamento mas estão confusamente a pô-lo em palavras diferentes que parecem incompatíveis. Assim, um teorizador ideacional parece dar-nos um modo intuitivo de exprimir os nossos factos do significado com mais precisão. Contudo, as teorias ideacionais não têm sido populares neste último século (mas veremos no capítulo 7 que Paul Grice defende uma teoria que é uma sua descendente). Eis várias razões do seu descrédito.

OBJECÇÃO 1 Para uma teoria ideacional ser suficientemente precisa, tem de (acabar por) especificar que género de entidade mental é uma “ideia.” E é então que temos problemas. As imagens mentais não servem de modo algum, de facto, pois as imagens são mais pormenorizadas do que os significados. (Uma imagem de um cão não é apenas, genericamente, de um cão, mas de um cão de um formato e dimensão particulares, possivelmente de uma raça particular; uma imagem de um triângulo é de um tipo particular de triângulo, equilateral ou recto ou seja o que for.) Um candidato melhor seria um “conceito” mental mais abstracto, mas essa sugestão seria circular até alguém conseguir dizer-nos o que é um “conceito,” independentemente da noção de significado. Além disso, um conceito como o de cão ou triângulo não é verdadeiro ou falso por si, e por isso não pode ser o significado de uma frase completa. Um pensamento completo poderia servir como significado de uma frase completa. Mas nem todas as frases exprimem o pensamento efectivo de alguém. E se quer dizer “pensamento” de um modo mais abstracto, como fazia Frege, então estamos a falar sobre um género muito diferente de teoria (veja-se a seguir).

OBJECÇÃO 2 Como acontece com a teoria referencial, há pura e simplesmente demasiadas palavras que não têm imagens mentais particulares ou conteúdos a elas associados: “é,” “e,” “de.” Na verdade, se estamos a falar de imagens, há certamente palavras que psicologicamente não poderiam ter imagens a si associadas, por exemplo, “quiliógono” ou “inentidade,” e mes-

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mo quando uma palavra tem uma imagem associada, como ocorre com “vermelho,” nem sempre trazemos a imagem à mente do decurso quotidiano de compreender a palavra à medida que surge; na verdade, podemos praticamente nunca o fazer.

OBJECÇÃO 3 O significado é um fenómeno público, intersubjectivo, social. Uma palavra portuguesa tem o significado que tem para toda a comunidade de quem fala português, ainda que ocorra alguns membros dessa comunidade não compreenderem essa palavra. Mas as ideias, imagens e sentimentos na mente não são intersubjectivos desse modo; são subjectivos, presentes apenas nas mentes de pessoas individuais, e diferem de pessoa para pessoa dependendo do seu estado mental e do seu contexto. Logo, os significados não são ideias na mente. (Poder-se-ia responder apelando ao que é comum entre todos os lusófonos nas ideias de “cão,” digamos, mas o que é comum a todas as ideias de “cão” não é em si uma ideia, mas um tipo de ideia, uma “qualidade” universal ou abstracta no sentido do capítulo 1.)

OBJECÇÃO 4 Há frases significadoras que não exprimem qualquer ideia efectiva ou pensamento ou estado mental. Pois, como vimos no capítulo 1, há frases muito longas e complicadas de português que nunca foram proferidas, e algumas delas nunca o serão. (É claro que mal dei um exemplo de uma, já não era um exemplo de uma, porque mal a escrevi tornou-se uma frase proferida. Mas podemos extrapolar; há outras no mesmo lugar de onde tirei a minha extravagante frase de Hitler.) Assim, há frases que são ou seriam perfeitamente significadoras mas cujos conteúdos nunca foram pensados por alguém e nunca ocorreram sequer a alguém. Assim, há frases significadoras que não correspondem a quaisquer entidades mentais efectivas. Neste século, tem sido muito mais comum as teorias semânticas da entidade invocarem entidades abstractas e não mentais. Aos significados das frases em particular temse chamado “proposições” (como fazia Russell, como vimos no capítulo 2).

A teoria proposicional Como as ideias, estes itens abstractos são “independentes da linguagem” na medida em que não estão ligadas a qualquer linguagem natural particular. Mas ao contrário das ideias, são também independentes das pessoas. As entidades mentais dependem das mentes nas quais inerem; um estado mental tem de ser o estado mental de alguém, um estado da mente de uma pessoa particular num momento particular do tempo. As proposições são inteiramente gerais e, se se quiser, eternas. (O próprio Russell pouco mais tinha para dizer

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sobre a sua natureza; o seu colega G. E. Moore era mais claro e menos reservado, ou pelo menos mais directo.1 Frege construíra anteriormente uma teoria proposicional muito elegante, mas parece ter pensado nada haver para compreender quanto ao que é uma proposição a não ser compreender o papel desempenhado pelas “proposições” na teoria.) Considere-se uma resposta possível à objecção 4 anterior: pode-se tentar salvar a teoria ideacional sugerindo que precisamos de nos restringir a ideias efectivas; podemos apelar a ideias meramente possíveis — ideias que alguém poderia ter ou poderia ter tido. Mas isso seria postular conteúdos abstractos que são conteúdos possíveis do pensamento mas não estão relacionados com os pensamentos efectivos de alguém. É aqui que entra o teorizador proposicional: “Muito bem, chamemos “proposições” a essas coisas que podem ser pensadas.” E assim (se o teorizador ideacional fizer esta jogada), a perspectiva ideacional vai simplesmente dar à teoria proposicional. A teoria proposicional oferece uma imagem gráfica. Suponha-se que temos uma sequência S de palavras, que é significadora, juntamente com outra sequência g que é só uma algaraviada. Qual é a diferença? Segundo Russell e Moore, a diferença é haver um conteúdo abstracto ou proposição, chame-se-lhe P, com a qual S tem uma certa relação especial. S é uma frase de uma linguagem particular. A pobre g não tem essa relação com qualquer item desses. À relação chama-se frequentemente expressão; os filósofos falam comummente de frases que exprimem proposições. (Apesar de o termo ser aqui mais anémico do que nas teorias ideacionais. Os teorizadores ideacionais concebem as frases quase como se fossem impelidas de dentro de nós pela pressão dos nossos pensamentos, mas as proposições são abstractas, imutáveis e impotentes e não impelem coisa alguma.) Assim, S é significadora em virtude de exprimir a proposição particular P; a deficiência de g é não exprimir qualquer proposição. Os outros factos do significado são elegantemente descritos deste ponto de vista. Ocorrer sinonímia entre as frases F1 e F2 é apenas F1 e F2 exprimirem a mesma proposição. F1 e F2 são expressões linguísticas distintas — podem ser expressões diferentes de uma mesma linguagem natural ou podem ser expressões correspondentes de linguagens diferentes. O que têm em comum é apenas terem a relação de expressão com respeito à mesma proposição. O mesmo ocorre no caso da ambiguidade. Uma frase F é ambígua se, e só se, há pelo menos duas proposições distintas, P1 e P2, e a expressão única F tem a relação de expressão com ambas, P1 e P2. No caso das disputas meramente verbais, podemos dizer 1

“O facto é que todos os conteúdos absolutamente do Universo, absolutamente todas as coisas que são tudo, podem ser divididos em duas classes — nomeadamente, proposições, por um lado, e em coisas que não são proposições, por outro” (Moore 1953: 71). Moore relata numa nota autobiográfica que teve uma vez um pesadelo em que as proposições eram mesas.

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que os interlocutores não discordam sobre qualquer proposição; estão apenas a usar formas diferentes de palavras para exprimir a mesma proposição, e as formas particular de palavras parecem estar em conflito apesar de o não estarem. Sabemos algumas coisas positivas sobre o que são supostamente as proposições, além de serem expressas por frases. São identificáveis por meio de orações “que”:* falamos da proposição de que a neve é branca, e comprometemo-nos com proposição de que todos os homens [sic] nascem iguais. “A neve é branca,” “La neige est blanche” e “Der Schnee is weiss” são sinónimas porque cada uma delas exprime a proposição de que a neve é branca. Apesar de o que se segue à oração “que” ser apenas outra frase de uma linguagem natural particular, a que por acaso estamos a falar, a função do “que” — criar discurso indirecto — é libertar a referência à proposição em questão da sua expressão particular. As proposições são também objectos de estados mentais. Por todo o mundo as pessoas acreditam que os mercados asiáticos estão a entrar em colapso, duvidam que os mercados asiáticos estejam a entrar em colapso, temem ou têm a esperança de que os mercados asiáticos estejam a entrar em colapso. Também aqui o “que” serve para remover a implicação de que todos pensaram esse pensamento em português. Poderão tê-lo pensado em qualquer linguagem; e seria mesmo assim verdade que acreditavam, duvidavam, etc., que os mercados asiáticos estão a entrar em colapso. Além disso, as proposições são os portadores de verdade e falsidade fundamentais. Quando uma frase é verdadeira/falsa, só o é porque a proposição por ela expressa é verdadeira/falsa. Um argumento a favor desta tese é que as frases mudam os seus valores de verdade ao longo do tempo e de contexto para contexto. 1) A actual rainha de Inglaterra é calva.

Acreditamos que 1 é falsa, presumindo que a Elisabete Windsor não adoptou o conselho de Russell, passando a usar peruca. Mas o que dizer das outras rainhas, do passado ou do futuro, que podem ter sido ou podem ser calvas? Se 1 fosse proferida durante o reinado de uma rainha anterior que fosse calva, 1 seria verdadeira, e se for proferida daqui a décadas, durante o reinado de uma rainha posterior, 1 poderá ser verdadeira ou falsa. Assim, 1 será verdadeira ou falsa dependendo de quando for proferida. O que faz uma elocução particular de uma frase ser verdadeira ou falsa é a proposição que essa frase expressa nessa ocasião. A razão pela qual 1 muda o seu valor de verdade é que exprime diferentes pro-

*

Trata-se de orações subordinadas substantivas objectivas directas, introduzidas pela conjunção subordinativa integrante “que.” Inexistindo uma designação sensata na gramática portuguesa, optou-se por manter a tradução literal do inglês, “that” clause, para evitar a verbosidade. N. do T.

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posições em diferentes ocasiões de elocução. As frases derivam os seus valores de verdade das proposições; os valores de verdade das proposições são permanentes. Os defensores da teoria proposicional sustentam na sua maior parte que as proposições têm estrutura interna; são compostas de partes conceptuais. A palavra “neve” é uma expressão significadora, mas não em virtude de exprimir uma proposição; por si, não exprime uma proposição completa. Só uma frase exprime uma proposição ou, como costumavam dizer quando eu andava na escola secundária, um pensamento completo. “Neve” não exprime um pensamento completo, mas exprime algo que é parte de muitos pensamentos — um conceito, ou um tipo, ou uma “ideia” no sentido abstracto e não mental. “Conceito” é o termo habitualmente usado para falar de um constituinte igualmente abstracto de uma proposição abstracta mais lata.2 Também há “factos do significado” sobre as partes ou constituintes das frases, e podemos dar-lhes um tratamento análogo. Pode-se dizer que as palavras sinónimas de “neve” exprimem o mesmo conceito; se “neve” for ambígua, como de facto é, é-o em virtude de exprimir diferentes conceitos: por vezes a substância branca gelada que cai do céu e outras vezes uma certa substância proibida. A teoria proposicional evita as quatro objecções às teorias ideacionais, mas escapa só à justa de uma delas. Já vimos que escapa à objecção 4. Evita 1 porque as proposições e os conceitos não são entidades mentais, e evita 3 porque, contrastando com as entidades mentais, as proposições e os conceitos são intersubjectivos, independentes de pessoas e linguagens particulares, e até de culturas inteiras. Escapa à justa da objecção 2. O teorizador proposicional pode insistir que as palavras como “é,” “e,” “de,” “quiliógono” e “inentidade” exprimem conceitos (“quiliógono,” em especial, é um termo geométrico bem definido). Mas como afirmei em resposta à objecção 1, para isto não parecer vácuo e talvez até circular, o teorizador proposicional terá de caracterizar melhor os conceitos relevantes, sem pressupor tranquilamente uma noção qualquer de significado linguístico. (Veremos no capítulo 10 que uma versão sofisticada da teoria proposicional pode fazer isto.) A perspectiva proposicional é a principal teoria semântica da entidade. Como qualquer teoria semântica, tem por objectivo explicar os factos do significado. Procura fazê-lo postulando um certo domínio de entidades; é desse modo que muitas vezes explicamos coisas, especialmente em ciência. Postulamos partículas subatómicas, entidades inobserváveis de um certo tipo e pertencentes a um certo domínio, para explicar o comportamento de substâncias químicas observáveis e as proporções em que se combinam. 2

Apesar de, como ocorre com “ideia,” também “conceito” tem sido usado para falar de um tipo de entidade mental particular. Este equívoco causou alguma confusão na psicologia cognitiva contemporânea.

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Um género de facto do significado que não mencionei até agora cria um primeiro problema para a teoria tal como a formulámos até agora. Alguns filósofos consideram este género de facto do significado até mais importante do que todos os outros apresentados acima: compreendemos uma frase F, imediatamente, ao passo que não compreendemos uma sequência de palavras que seja uma algaraviada. Algumas sequências de palavras são inteligíveis e outras não. Isto introduz outro termo na relação. Até agora, a teoria proposicional centrou-se apenas nas expressões linguísticas e nas proposições, definindo-se entre ambas a relação de expressão. Agora é necessário introduzir também os seres humanos. O que é isso de uma pessoa compreender uma frase F? A resposta mooriana clássica é: essa pessoa tem uma certa relação com uma proposição e sabe que F exprime essa proposição. A esta relação Moore chamou “captar” (ou por vezes “apreender”). Compreender F é captar uma proposição P e saber que F exprime P. A teoria proposicional é também simpática ao senso comum. É fácil concordar que certas frases de várias linguagens diferentes têm todas algo em comum (os seus significados), um conteúdo independente da linguagem, e é fácil e natural chamar a esse conteúdo “a proposição expressa pelas” diferentes frases. Além disso, a teoria proposicional é um instrumento proveitoso para descrever e discutir os outros géneros de “fenómenos do significado” que mencionámos, já para não falar da derivabilidade, inclusão semântica, antonímia, redundância, etc. Por fim, como veremos nos capítulos 10 e 11, a teoria proposicional permite uma elaboração matemática elegante, nas mãos dos semanticistas dos “mundos possíveis” e dos lógicos intensionais. Mas, como sempre, há problemas.

OBJECÇÃO 1 Dissemos que as “proposições” são entidades abstractas, apesar de se afirmar agora que as frases as “exprimem,” em vez de se dizer que as nomeiam, como na teoria referencial. Consideradas como entidades, estes itens abstractos são algo esquisitos. Não estão localizados em lugar algum do espaço e, dado que não poderiam ser criados ou destruídos, são também temporalmente eternos ou pelo menos perpétuos. Existiam muito antes de existir qualquer ser vivo, apesar de os seus conteúdos terem a ver com estados de coisas humanos muitíssimo específicos, como o Frederico ter emborcado rapidamente quatro martínis no bar Não Está Cá Ninguém ao anoitecer de terça-feira, 19 de Setembro de 1995. As proposições continuarão a existir muito depois da última criatura senciente ter morrido. E (necessariamente, dado não estarem localizadas no espaço-tempo) não têm propriedades causais; não fazem coisa alguma ocorrer. UMA RESPOSTA É correcto e apropriado desconfiar de se postular entidades esquisitas. Mas talvez seja prematuro este apelo directo à “Navalha de Occam.” O filósofo medieval Guilherme de

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Occam disse-nos para não multiplicar entidades postuladas para lá da necessidade explicativa. Mas só poderemos saber se as proposições são desnecessárias para a explicação se tivermos uma teoria alternativa do significado que explique os fenómenos do significado igualmente bem mas sem acarretar proposições. E (até agora) não temos tal teoria rival.

OBJECÇÃO 2 As “proposições” são num certo sentido incomuns e alheias à nossa experiência. Oiço e vejo palavras e compreendo-as, mas isto dificilmente é ou parece um caso em que eu faço algo chamado “captar,” que me põe em contacto com um objecto supra-empírico não espacial, indestrutível, eterno. (Aqui entra uma música de fundo espectral.) A RESPOSTA DE MOORE É perfeitamente claro, penso, que quando compreendemos o significado de uma frase, algo mais acontece nas nossas mentes além da mera audição das palavras que compõem a frase. Isto é fácil de verificar contrastando o que acontece quando ouvimos uma frase que compreendemos com o que acontece quando ouvimos uma frase que não compreendemos […] Certamente que no primeiro caso ocorre, além da mera audição das palavras, outro acto de consciência — uma apreensão do seu significado, que no segundo caso está ausente. E não é menos claro que a apreensão do significado de uma frase com um dado significado difere em algo aspecto da apreensão de outra frase com um significado diferente […] Certamente que os dois significados diferentes apreendidos existem. E é a cada um desses dois significados que chamo proposição. (1953: 73-4)

E, poderia Moore acrescentar, se dissermos que não sabemos de que está ele a falar, estamos a mentir. Captar é algo de que temos experiência directa. UMA RESPOSTA DIFERENTE Concedendo a premissa em vez de a pôr em causa, poder-se-ia assinalar que é comum não apenas em filosofia como na ciência explicar fenómenos muitíssimo familiares em termos de fenómenos muitíssimo incomuns, talvez até misteriosos.

OBJECÇÃO 3 Esta é de Gilbert Harman (1967-8). A teoria proposicional nada explica de facto; limita-se a repetir os dados num jargão mais decorativo. (“Por que razão “A neve é branca” e “La neige est blanche” têm o mesmo significado?” — “Porque exprimem a mesma proposição.” — “Ah, estou a ver.”) É como se a expressão “exprime uma proposição” fosse apenas uma

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maneira mais decorativa de dizer “é significadora.” Pelo menos até nos mostrarem algum modo independente de compreender o discurso proposicional, permanecerá a suspeição de se tratar apenas de uma maneira pretensiosa de reformular os factos do significado. Compare-se com o médico de Molière sobre o ópio e a “virtude dormitiva.”3 RESPOSTA Esta objecção não é muito preocupante. Pois quando se elaborar e aprimorar uma teoria proposicional, juntamente com a noção de uma pessoa “captar” uma proposição, e de uma frase exprimir uma proposição, o aparato tem pelo menos algum poder previsivo e por isso (nessa medida) tem pelo menos algum poder explicativo. Se a história resultante é plausível ou não é uma questão diferente. Mas talvez Harman tivesse realmente em vista a próxima objecção.

OBJECÇÃO 4 Seja lá o que for o significado, desempenha um papel dinâmico na sociedade humana. Alguns dos seus comportamentos resultam causalmente de eu dizer certas palavras que significam o que significam, e alguns dos meus comportamentos resultam de você dizer certas palavras também significadoras. As decisões judiciais em casos importantes por vezes dependem dos significados das palavras, e assim por diante. Assim, o significado, seja lá o que for, tem de ter algum poder causal (algum impulsionamento, vigor, genica). Mas as proposições, dado serem entidades inteiramente abstractas, não têm poderes causais, precisamente. Situam-se serenamente e inutilmente fora do espaço-tempo, e não fazem coisa alguma. Por isso é difícil ver como as proposições poderiam figurar na explicação do comportamento linguístico humano ou como poderiam de qualquer outro modo ajudar a explicar o papel social dinâmico do significado. E consequentemente parece afinal de contas que são postulados desnecessários. RESPOSTA Mesmo que as proposições não ajudem na explicação do comportamento humano, isto não é a única coisa que precisa de ser explicada. Os próprios “factos do significado” são os nossos dados primários e, pace Harman, as proposições ajudam a explicá-los. Os filósofos da “linguagem comum” dos anos cinquenta do séc. XX tiraram uma lição das primeiras versões das objecções 1 e 4: que precisamos é de uma teoria que 3

“Por que razão o ópio faz a pessoas dormir?” — “Porque tem uma virtude dormitiva.” Isto pode parecer profundo até se dar conta de que a expressão é apenas a transliteração latina de “poder para provocar o sono.” O médico (Argan, em Le Malade Imaginaire) poderia igualmente ter falado em latim de porcos: “Faz as pessoas dormir porque itay utspay eoplepay otay eepslay.” Isto dificilmente é uma explicação.

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explique os fenómenos do significado em termos que estejam em conexão com o comportamento humano. (Recorde-se que o comportamento humano envolve actividade física efectiva; o significado tem de algum modo de contribuir para o impulsionamento literal.) Mais especificamente, temos de entender o significado em termos de uso da linguagem. Desde então, os filósofos têm falado de teorias semânticas do “uso.” Mas não ganhámos muito, pois há muitos tipos diferentes de modos de “uso,” alguns dos quais são obviamente irrelevantes para o significado no sentido caracteristicamente linguístico. Diferentes concepções especificamente linguísticas de “uso” conduziram a teorias do significado diferentes e rivais.

Sumário 

Uma teoria do significado tem de explicar os “factos do significado.”



Os “significados” foram muitas vezes entendidos como entidades ou coisas individuais.



Os teorizadores ideacionais sustentam que os significados são ideias particulares nas mentes das pessoas.



Mas várias objecções mostram que, na melhor das hipóteses, os significados teriam de ser mais abstractos: tipos de ideias, e não pensamentos propriamente ditos nas mentes de pessoas particulares.



Os teorizadores proposicionais tomam os significados como coisas abstractas em si.



Mas os críticos têm questionado se a teoria proposicional explica satisfatoriamente os factos do significado (ou até se os chega realmente a explicar).

Questões 1. Poder-se-á dizer algo mais a favor da teoria ideacional? E/ou poderá você defendê-la de uma ou mais das objecções apresentadas? 2. Explica realmente a teoria proposicional os factos do significado? Porquê ou por que não? 3. Defenda a teoria proposicional mais exaustivamente contra as nossas objecções. Ou levante novas objecções.

Leitura complementar 

A teoria ideacional de Locke é discutida por Bennett (1971).



Frege (1918) criticou as teorias ideacionais a favor da teoria proposicional. Wittgenstein (1953) criticou-as de um ponto de vista muito diferente (veja-se o capítulo 6), tal como Waismann (1965ª).



Uma teoria proposicional clássica foi oferecida por Russell (1919).



Para alguma discussão das proposições e das suas relações com as frases e as elocuções, veja-se Cartwright (1962) e Lemmon (1966).

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A melhor sinopse das críticas quinianas à teoria proposicional é de Gilbert Harman (1967-8), particularmente pp. 124-7 (pp. 141-7 são também relevantes). Lycan (1974) é uma resposta a favor da teoria. Veja-se também Loux (1998: cap. 4).

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Teorias do uso

Sinopse A teoria proposicional trata as frases e outros itens linguísticos como entidades abstractas inertes cuja estrutura pode ser estudada como que ao microscópio. Mas Ludwig Wittgenstein argumentou que as palavras e frases são mais como peças ou partes de um jogo, usadas para fazer jogadas em práticas sociais convencionais regidas por regras. Um “significado” não é um objecto abstracto; o significado é uma questão do papel que uma expressão desempenha no comportamento social humano. Saber o significado da expressão é apenas saber como empregar a expressão apropriadamente em contextos conversacionais. A versão de Wilfrid Sellars desta ideia torna central o acto de inferir; é a complexidade dos padrões de inferência que permitem ao teorizador do uso acomodar frases longas e novas. Deste ponto de vista, uma frase deriva-se de outra não porque as duas “exprimam” “proposições,” uma das quais está de algum modo “contida” na outra, mas porque há a expectativa social de que o nosso semelhante executaria o acto de inferir a segunda frase da primeira. As teorias do uso deste tipo enfrentam dois obstáculos principais: explicar como o uso da linguagem difere das actividades convencionais comuns regidas por regras, como os jogos de xadrez, que não geram qualquer significado; e explicar como, em particular, uma frase pode significar que tal e tal (como o francês “La neige est blanche” significa que a neve é branca). Robert Brandom ofereceu recentemente uma teoria do uso que professa executar estas façanhas. Como vimos no capítulo 2, o hábito de Russell era escrever uma frase no quadro e examinar (como ele sustentava) a proposição expressa pela frase, tratando-a como um objecto de interesse em si e tentando discernir a sua estrutura. Ludwig Wittgenstein e J. L. Austin argumentavam que esta imagem de como a linguagem funciona e de como deve ser estudada está completamente errada. As linguagens e as entidades linguísticas não são objectos abstractos exangues que possam ser estudados como espécimes ao microscópio. Ao invés, a linguagem assume a forma de comportamento, actividade — prática social específica. As frases não têm vida por si mesmas. As coisas que escrevemos nos quadros, e as alegadas “proposições” que exprimem, são abstracções assaz violentas das elocuções executadas por seres humanos em contextos do mundo real e em ocasiões particulares.1 E 1

Eis três maneiras infrequentemente vistas e nas quais a noção de uma “frase” é uma abstracção assaz considerável da actividade linguística do mundo real. Primeiro (o que poderá ser uma surpresa), as elocuções humanas não surgem divididas em palavras separadas. Uma análise acústica da produção de discurso oral mostra uma corrente contínua de som, ainda que evidentemente

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proferir algo é antes de mais e sobretudo fazer algo. É um pedaço de comportamento que por convenção foi incorporado numa prática social regida por regras. Já encontrámos uma versão desta ideia no capítulo 2, pois é desta mesma perspectiva que Strawson aferrou as suas várias objecções contra a inicialmente atraente teoria das descrições de Russell. E quer tenhamos ficado convencidos pelas objecções quer não, na altura eram novas e impressionantes e, para muitas pessoas, intuitivamente persuasivas. Esta é uma boa carta de recomendação para a própria perspectiva.

O uso num sentido aproximadamente wittgensteiniano Wittgenstein (1953) e Austin (1961, 1962) desenvolveram esta ideia sócio-comportamental de maneiras diferentes. Concentrar-me-ei numa perspectiva wittgensteiniana, protelando Austin até ao capítulo 12. Digo apenas “uma perspectiva wittgensteiniana” porque, por razões que não podemos explorar aqui, o próprio Wittgenstein opunha-se à teorização sistemática em filosofia, e os seus seguidores objectavam a qualquer expressão na linha de “a teoria de Wittgenstein de…” ou “a doutrina de Wittgenstein quanto a…”2 Tentarei ape-

diversificada. (Quando… falamos… não… fazemos… pausas… ainda… que… breves… entre… as… palavras.) Quando ouvimos uma corrente de som que constitui o discurso de alguém, somos nós que dividimos as palavras, automaticamente e sem pensar sequer alguma vez nisso. Isto já é uma abstracção, uma jogada teórica ou analítica feita por nós. Segundo, pensar em algo como uma “frase” pressupõe a noção de boa formação gramatical. Nem toda a sequência de palavras constitui uma frase; só as sequências gramaticais constituem frases. E a ideia de gramaticalidade é sofisticada, apesar de ser captada, por mais indistintamente que seja, por crianças de quatro anos. Terceiro, considere-se a categoria do que os linguistas costumavam chamar elocução semigramatical. Algumas das elocuções que as pessoas produzem são apenas semigramaticais, na medida em que se as suas palavras fossem escritas no papel, o resultado não iria contar como uma frase inteiramente gramatical à luz de uma qualquer regra da gramática (contém uma qualquer infelicidade gramatical), mas é suficientemente coerente para ser compreendida. De facto, suspeito que as pessoas falam dessa maneira, na sua maior parte. No mínimo, todos fazemos coisas como começos falsos, e todos nos entregamos a revisões no meio do discurso. Corrigimos a semigramaticalidade assaz automaticamente. Essa correcção é uma jogada teórica feita pelos nossos cérebros, e contudo é mais um afastamento por abstracção dos acontecimentos discursivos do mundo real. 2

O parágrafo 43 das Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1953) tem a fama de ser mal citado. Nele lê-se: “Numa grande classe de casos — mas não em todos — nos quais usamos a palavra “significado,” esta pode ser definida assim: o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem.” Wittgenstein levava muito a sério o “mas não em todos”; não defendia que “o significado é o uso,” sem mais. Na verdade, tinha alergia a generalizações universais. Pensava que um defeito profundo da filosofia era precisamente a procura de generalizações universais; o mundo real, mantinha, é sempre mais complicado que isso.

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nas esboçar uma perspectiva que se baseia nas contribuições de Wittgenstein, sem atribuir essa ou qualquer outra teoria ao próprio Wittgenstein. Se o próprio significado é misterioso, uma maneira de reduzir o mistério é entrar no seu domínio através de algo com o qual tenhamos uma familiaridade mais directa. Para encontrar terreno firme no significado, pensemos nele do ponto de vista do receptor, a captação do significado ou a compreensão de expressões linguísticas. E para compreender a compreensão, concebamo-la como o produto de nos terem ensinado a nossa linguagem, e como o que se aprende quando se aprende uma linguagem. Mas mal tentamos vê-la assim, algo se torna imediatamente óbvio: que o que se aprende e ensina é uma forma complicada de comportamento social. O que aprendemos quando aprendemos uma linguagem é a fazer jogadas, a entregarmo-nos a certos tipos de práticas, em particular o comportamento conversacional. E o que é ensinado primariamente é a maneira correcta de nos comportarmos quando as outras pessoas fazem certos tipos de ruídos, e que tipos de ruídos fazer quando as circunstâncias são apropriadas para isso. A prática linguística é regida por conjuntos muitíssimo complexos de regras, apesar de raramente as articularmos; as crianças limitam-se a apanhá-las a uma velocidade colossal, aprendendo a obedecer-lhes sem se darem conta que é isso que estão a fazer. Estas verdades comezinhas são obscurecidas pelas teorias da entidade, que tratam os significados como coisas estáticas e inertes. Tanto Wittgenstein quanto Austin foram pródigos em invectivas contra tais teorias, apesar de aqui nos ocuparmos de uma perspectiva positiva do uso. Wittgenstein faziam também pouco da perspectiva de que o significado envolve essencialmente relações referenciais entre expressões linguísticas e coisas no mundo (apesar de não negar evidentemente que há algumas relações dessas). Wittgenstein fez a analogia capital da actividade linguística com actividade de jogar jogos. (Segundo o físico Freeman Dyson, na altura um estudante de graduação em Cambridge, um dia Wittgenstein caminhava por um campo onde decorria um jogo de futebol, e “ocorreu-lhe pela primeira vez que na linguagem jogamos jogos com palavras.”)3 A linguagem não é uma questão de marcas no quadro portadoras da relação de “expressão” com entidades abstractas chamadas “proposições”; a linguagem é algo que as pessoas Como Georg Henrik von Wright escreveu, Wittgenstein “viveu nas fronteiras da doença mental […] durante toda a sua vida” (“Biographical Sketch,” in Norman Malcolm, Ludwig Wittgenstein: A Memoir, Oxford: Oxford University Press, 1958). Wittgenstein também se distinguia da maior parte dos filósofos anglófonos do séc. XX por ter tido uma vida bastante interessante; veja-se a maravilhosa biografia de Ray Monk, Ludwig Wittgenstein: The Duty of Genius (Nova Iorque: Free Press, Maxwell Macmillan International, 1990.) [Wittgenstein: O Dever do Génio, trad. Carlos Afonso Malferrari. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.] 3

Referido por Norman Malcolm (1958: 65). “Uma ideia central da sua filosofia, a noção de um “jogo de linguagem,” teve aparentemente a sua génese neste incidente.”

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fazem, e que fazem de um modo profundamente convencional e regido por regras. A actividade linguística é regida por regras em grande parte como a actividade de jogar um jogo é regida por regras. Além disso, as próprias expressões linguísticas são como peças de um jogo. Considere-se os xadrezistas. Um “peão,” ou uma “torre,” é definido pelas regras do xadrez que regem a sua posição inicial e as jogadas permitidas subsequentes; o que faz de um cavalo um cavalo é o modo característico como se move de acordo com as regras convencionalmente instituídas do jogo. Do mesmo modo, o significado linguístico de uma expressão é constituído pelas regras tácitas que regem o seu uso conversacional correcto. Comece-se com expressões como “Olá,” “Raios” (ou “Sebo”), “Chiça,” “Desculpe,” “Ámen,” “Obrigado,” “Pára com isso!,” “Estou nessa” (quando se ofereceu uma aposta) e “Santinho.” Estas expressões não parecem significar o que significam em virtude representarem algo ou em virtude de exprimirem proposições. São apenas dispositivos convencionais para, respectivamente, cumprimentar, indicar consternação, deplorar, pedir desculpa, apoiar, agradecer, protestar, comprometermo-nos com uma aposta e bendizer. São ruídos que fazemos que têm papéis funcionais socialmente definidos; há ocasiões apropriadas e inapropriadas para os usar, e respostas apropriadas. Quando falamos dos seus significados, trata-se das funções que caracteristicamente executam no contexto das nossas práticas sociais correntes. Do ponto de vista wittgensteiniano, este é o locus e lar natural de todo o significado, apesar de a maior parte das expressões terem papéis sociais muitíssimo mais complicados. Para sublinhar tudo isto, Wittgenstein introduziu o termo “jogo de linguagem,” tendo em vista coisas como o jogo de linguagem de encontrar e saudar alguém, o jogo de linguagem do casamento, o jogo de linguagem da aritmética, e assim por diante. Wittgenstein oferece outra analogia (1953: 2): um pedreiro e o seu servente têm apenas quatro tipos de blocos de construção. Falam uma pequena linguagem primitiva que tem apenas quatro palavras correspondentes: “bloco,” “pilar,” “laje” e “viga.” Constroem coisas, entregando-se às suas actividades alinguísticas, ajudados por um certo género primitivo de actividade linguística: o pedreiro diz “laje,” e o servente traz uma pedra da forma apropriada. Ora, poder-se-ia dizer: “Claro, a palavra “laje” tem a relação de referência com um bloco desta forma, e o seu significado é a proposição de que o servente deve trazer tal bloco ao pedreiro.” Mas segundo Wittgenstein isto seria não ver o que conta. Neste pequeno jogo de linguagem primitivo, a palavra “laje” tem uma função que está obviamente conectada com blocos dessa forma, mas o que conta é a função e não a relação de referência. O intuito do pedreiro ao produzir o ruído “laje” é fazer o servente fazer algo, desencadear convencionalmente (depois de o servente ter aprendido a sua profissão) um padrão de actividade útil. A actividade envolve coisas desta forma, mas o intuito primário é desencadear a acção, e não referir ou “exprimir” uma proposição eterna.

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Claro que é difícil extrapolar esta imagem simples do significado como função social brutalmente convencional para frases longas e complexas como “A actual rainha de Inglaterra é calva” ou “Em 1931, Adolf Hitler fez uma visita aos EUA, durante a qual…,” nenhuma das quais tem um papel social convencional facilmente identificável (a não ser asserir que a actual rainha de Inglaterra é calva e que em 1931… mas isto em nada nos ajuda). É preciso introduzir um mecanismo adicional para se conseguir essa extrapolação. Os positivistas lógicos apelavam à noção de verificação, mas eu reservo a discussão disso até ao capítulo 8. Wilfrid Sellars (1963, 1974) invocava a ideia de inferir como um acto social. Falava também de “regras linguísticas de entrada” e “regras linguísticas de saída,” respectivamente regras que regem o que se espera que digamos em resposta a certos géneros de acontecimentos alinguísticos (como observações) e o que se espera que façamos em resposta a certas elocuções linguísticas, mas o mais importante são as “regras linguísticas de linguagem,” que regem o que se espera que digamos em resultado do que se infere de outra coisa que previamente se disse. Chame-se a isto a teoria inferencial do significado. É difícil ver como uma teoria que tomou “Olá” ou “Laje” como paradigmas poderia ser bem-sucedida ao explicar os factos do significado mais sofisticados. Ser dotado de significado, sinonímia e ambiguidade não levantam problemas; mas o que dizer da derivabilidade entre frases complexas? O apelo da teoria inferencial ao inferir é uma ajuda, pois o que poderia parecer uma relação estática abstracta de “derivabilidade” entre duas frases pode-se reconstruir como uma prática regida por regras de inferir uma da outra. De “Haroldo é gordo e Benedito é estúpido” deriva-se “Benedito é estúpido” porque se alguém asserir a primeira mas negar a segunda aplicamos várias sanções sociais; na verdade, erguemos pelo menos os sobrolhos se alguém asserir a primeira e depois não se comporta como se a segunda fosse verdadeira. Segundo as teorias do uso, e esta prática em si que torna a inferência válida e não (como os livros de lógica quereriam) qualquer garantia independente de que a inferência preserva a verdade.

Objecções e algumas respostas A beleza da teoria inferencial é conseguir evitar sem esforço todas as objecções que fizemos a cada uma das três teorias tradicionais (referencial, ideacional e proposicional). Além disso, é naturalista, na medida em que centra a atenção nas características efectivas da linguagem tal como esta é usada no mundo real. Mesmo assim, há alguns problemas formidáveis.

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OBJECÇÃO 1 Todos os jogos de linguagem são exactamente iguais na Terra e na Terra Gémea, dado que nesses dois planetas tudo ocorre exactamente em paralelo; mas as palavras na Terra Gémea e as suas contrapartes na Terra têm significados diferentes. Dada uma elocução na Terra e a sua Gémea, uma pode ser verdadeira e a outra falsa; que mais se poderia exigir para haver diferença de significado? Assim, o significado de uma expressão não se esgota no papel que essa expressão desempenha num jogo de linguagem. RESPOSTA Pode-se classificar os jogos de linguagem mais subtilmente, e negar que nós e os nossos sósias da Terra Gémea estejamos a jogar “o mesmo” jogo, apesar de o que estamos a fazer parecer exactamente o mesmo se fosse visto na televisão. Por exemplo, nós respondemos à água (H2O) e agimos perante a água, mas os nossos gémeos não, lidando antes com XYZ; regras completamente diferentes, como se vê. (Na verdade, esta era a intenção original de Sellars, apesar de ele não ter ainda ouvido falar da Terra Gémea de Putnam.)

OBJECÇÃO 2 Os nomes próprios levantam um problema ao teorizador do uso. Tente-se formular uma regra de uso para o nome “William G. Lycan,” ou para o nome do seu melhor amigo. Recorde-se que tem de ser uma regra que toda a pessoa que fala competentemente o seu dialecto local efectivamente obedece sem excepção. As únicas regras possíveis que me ocorrem empurram o teorizador do uso para uma teoria descritivista do significado dos nomes. O próprio Wittgenstein achava o descritivismo apropriado, mas não tinha lido Kripke.

OBJECÇÃO 3 A teoria wittgensteiniana parece desamparada face ao nosso dado original: a capacidade espantosa para compreender frases longas completamente novas quando as ouvimos pela primeira vez e sem um momento de reflexão. As peças de xadrez e coisas análogas são tipos familiares e recorrentes de objecto, e as regras do seu uso são impostas a cada objecto individualmente. O mesmo ocorre com “Laje,” “Olá,” “Ui,” “Aceito” e outros exemplos wittgensteinianos de expressões cujos usos são definidos por rituais e costumes locais. Mas a nossa capacidade para compreender frases novas longas e agir com base nelas não pode ser o resultado de conhecermos convenções que se aplicam a essas elocuções, pois nenhumas convenções alguma vez foram impostas a essas elocuções. O wittgensteiniano tem de conceder que compreendemos frases novas composicionalmente, em virtude de compreendermos as palavras individuais que ocorrem nelas, che-

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gando aos significados gerais das fases a partir do modo como as palavras individuais estão ordenadas. (Teremos muito mais a dizer sobre isto no capítulo 9.) Segue-se que o que se compreende, isto é, o significado de uma frase, não é simplesmente uma questão de haver normas convencionais que se impõem ao uso dessa frase, pois o significado da frase é em grande medida também uma função da sua estrutura interna.

OBJECÇÃO 4 Não poderia eu desconhecer o uso de uma expressão e no entanto adoptá-la, mecanicamente, sem a compreender? Tenho conhecido estudantes de graduação que são génios a adoptar jargão académico de um género ou de outro, brandindo-o muito facilmente, mas sem compreensão. Conheci um que fez uma cadeira de fenomenologia ministrada por um parisiense que estava de visita, nada compreendeu da coisa, mas ganhou a habilidade de tecer as expressões de jargão tão bem umas às outras que o seu trabalho final mereceu (ou “mereceu”) nota máxima. Uso perfeito (ou pelo menos, nota máxima); significado nenhum.

OBJECÇÃO 5 Muitas actividades sociais regidas por regras — desportos e os próprios jogos, em particular — não envolvem centralmente o tipo de significado que as expressões linguísticas têm. As jogadas de xadrez e as batidas de ténis não têm certamente esse género de significado. (Contraste-se com a situação em que um espião usa jogadas de xadrez como um verdadeiro código secreto; por exemplo, pode-se ter convencionalmente estipulado que N-Q3 significa “Leva o zircão ao Foppa e diz-lhe que vamos esta noite.”) O que distingue então, supostamente, os jogos de linguagem dos jogos comuns? Suponha-se que uma comunidade concorda usar certas palavras — ou em qualquer caso sons e marcas — de um modo peculiar; digamos que decidem pôr apenas “palavras” com o mesmo número de sílabas ao lado umas das outras em grupos de três, ou que proferem apenas “frases” em pares que rimem, começando cada sequência com uma palavra de uma letra acrescentando-se uma letra sucessivamente a cada item seguinte. (Isto poderia ser uma espécie de jogo de salão abrangendo toda a comunidade.) Se um recém-chegado chegasse a esta caprichosa comunidade desconhecendo o acordo, não compreenderia o que se passava. O recém-chegado poderia, com o tempo, descobrir todas as regras de acordo com as quais as várias peças eram usadas, e no entanto não ter qualquer noção do que se estava a dizer, ou até se se estava a dizer algo. E neste caso simples, pelo menos, dada se está a dizer. Poder-se-ia sugerir que tal jogo, como a linguagem do pedreiro, é pura e simplesmente demasiado simples e/ou primitiva. Mas é difícil ver como a mera adição de complexidade poderia ajudar.

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RESPOSTA Poder-se-ia argumentar que se as suas regras forem suficientemente ricas e se aludirem suficientemente a condições ambientais, a referência e a predicação serão resgatáveis da descrição do jogo. Suponha-se que há uma regra segundo a qual sempre que um criado entra o terceiro jogador grita “Aqui, criado,” e é-lhe dado um martíni; sempre que um jogador diz “Mistura, por favor” quem estiver mais próximo passa-lhe o prato de snacks; e assim por diante. Ser-se-ia então tentado a concluir que “criado” refere o criado e “mistura” refere snacks. Assim, as jogadas do jogo teriam afinal significado. RÉPLICA Talvez, nesse caso, as elocuções especificadas pelas regras do jogo tivessem significados — mas apenas porque de facto representam ou referem coisas e não apenas devido ao ordenamento convencional do seu comportamento. Estipulemos por isso que, por mais complexo que se torne o jogo, as elocuções dos jogadores não referem coisas externas ao jogo; são apenas jogadas no jogo. Mas então parece ainda mais óbvio que o jogo não é sequer o começo de uma linguagem propriamente dita, e que as jogadas não têm significados como as elocuções de frases portuguesas. Assim, as condições explícitas do teorizador do uso não são suficientes para que algo seja uma linguagem. SEGUNDA RESPOSTA Waismann (1965: 158) antecipa uma objecção deste género. E sugere uma resposta rival: que os jogos de linguagem genuínos estão “integrados […] na vida.” Em contraste, os jogos de salão, como as jogadas de xadrez e as batidas de ténis, “têm uma relação muitíssimo menos próxima com a vida do que palavras seriamente usadas.” Um jogo de linguagem não pode ser delimitado, não pode ser algo que mantemos à mão de semear e que jogamos apenas quando nos apetece. RÉPLICA Mas alguns jogos de linguagem, como dizer longas piadas maçadoras, são delimitados e só são jogados ocasionalmente e quando queremos. Além disso, ainda que concordemos que os jogos de linguagem mais sérios e com uma diversidade de propósitos estão plenamente integrados na vida, consideramos habitualmente que essa relação próxima e integradora é uma relação de referir, que as nossas palavras são sobre as coisas no mundo que nos interessam. O wittgensteiniano não concorda que o significado envolva essencialmente o referir, e por isso Waismann precisa dizer o que é então a “integração.” Ao que parece, a ideia é que os jogos de linguagem estão integrados noutras práticas sociais. Mas é difícil ver como o wittgensteiniano pode explicitar isso a) de um modo que explique como as jogadas linguísticas ganham conteúdo proposicional, mas b) sem introduzir secretamente o referir.

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O meu uso agora mesmo da expressão “conteúdo proposicional” pode sugerir uma fidelidade fracassadamente tácita à teoria proposicional. Mas estou a usar tal expressão, e continuarei a usá-la ao longo deste livro, num sentido mais fraco: seja qual for a propriedade de uma frase ou outro item que é de algum modo expressa por uma oração “que,” como em “significa que os brócolos te vão matar.” Não precisamos de tomar essa propriedade como uma questão de ter a relação de “expressão” com uma entidade abstracta chamada “uma proposição.”

OBJECÇÃO 6 Um sentido claro no qual se pode considerar que uma prática social é uma linguagem propriamente dita é que, segundo esse sentido, pode-se fazer ruídos ou inscrever marcas e com isso dizer que P, sendo P uma qualquer frase adequada. E uma das coisas que é seguramente essencial para a linguagem é que possamos dizer coisas com ela. Mas nenhum discurso indirecto destes é permitido apenas em virtude de algumas pessoas jogarem xadrez ou um jogo de salão; nenhum dos jogadores disse ou perguntou ou pediu ou sugeriu… que algo, seja o que for. Falta qualquer coisa. Estamos a jogar um jogo, e a usar peças de acordo com um conjunto de regras convencionais, e entregamo-nos a uma prática social que pode não apenas ser divertida mas também visar algo mais vasto; pode até ser de algum modo vital para a nossa forma de vida. As coisas que os jogadores destes vários jogos fizeram podem ser significativas num certo sentido, mas ninguém fez quaisquer asserções ou pediu seja o que for ou aconselhou alguém a fazer algo.

Inferencialismo Neste ponto é tentador fazer uma concessão séria à teoria referencial. Mas isso seria omitir a mais recente incarnação da teoria inferencial de Sellars: Brandom (1994), uma obraprima de 700 páginas, que pelo menos tem o potencial de evitar algumas das objecções anteriores. Brandom desenvolve uma concepção particular de “uso,” uma concepção normativa segundo a qual o uso de uma frase é o conjunto de compromissos e titularidades associados à elocução pública dessa frase. O seu paradigma é a asserção, considerada como um acto social efectivo: quando se profere uma frase fazendo-se assim uma asserção, quem o faz está a comprometer-se com a defesa dessa asserção contra qualquer objecção ou desafio que o interlocutor possa fazer. A defesa tomaria a forma de dar razões que sustentem a asserção, inferindo-a tipicamente de outra frase cuja elocução não esteja tão prontamente aberta a ser posta em causa. E ao fazer a asserção quem o faz confere também a si mesmo a titularidade de fazer mais inferências com base nela. O jogo social de dar e pedir razões é regido por regras, é claro, e mantém-se um histórico. (No sistema de Brandom, as noções de manter um histórico desempenham um papel muito importan-

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te.) São as razões que seriam correctamente oferecidas a favor de uma frase F, e as normas de acordo com as quais F poderia correctamente ser dada em defesa de outras frases, que constituem o significado de F. Como Wittgenstein gostaria, a referência não desempenha um papel importante nesta teoria. Para Brandom, a referência é apenas um constructo feito a partir de práticas inferenciais definidas sobre frases completas, e não um tema adequado para teorização independente; a teoria histórico-causal passa completamente ao lado do que é importante. (Contudo, isto exacerba a objecção 2.) O sistema de Brandom é muito complexo e não podemos examiná-lo aqui. Mas assinalo que ultrapassa algumas das objecções levantadas até agora contra a perspectiva wittgensteiniana. Contra a objecção 5, distingue realmente as elocuções linguísticas de “Laje,” jogadas de xadrez, e assim por diante, dado que estas não são os géneros de coisas a favor das quais se dê razões, se conteste desafios, e por aí fora. (Pode-se, é claro, oferecer razões práticas para ter feito uma dada jogada no xadrez ou no ténis, mas Brandom tem em mente razões indiciárias, elocuções que nos dão razões para acreditar numa afirmação factual. Uma vez mais, o seu paradigma é o da razão inferencial, e as jogadas de xadrez e coisas do género certamente que não são inferências.) A objecção 6 também não é um problema, pois o próprio Sellars ofereceu uma perspectiva inferencialista elegante das orações que. Apesar de Brandom sustentar que as expressões subfrásicas só “têm significados” derivadamente, dependendo dos significados de frases completas, reconhece também um tipo fraco de composicionalidade, e por isso pode iludir a objecção 3. E, o que é admirável, enfrenta alguns fenómenos semânticos assaz pormenorizados (nomes próprios, descrições, indexicais, quantificação e anáfora) em termos das suas contribuições características para o potencial de compromisso/titulação das frases em que ocorrem.4

4

Horwich (1998) oferece uma imagem similar, ainda que menos trabalhada. Ao contrário de Brandom, sublinha que as expressões individuais têm significados: a “propriedade do significado” de uma dada expressão é “o seu uso reger-se por tal e tal regularidade — ou, mais especificamente, a propriedade de todo o uso da palavra se explicar em termos do facto de aceitarmos certas frases específicas que a contêm” (p. 6, itálico no original). Para cada palavra, há uma “regularidade básica de uso.” Exemplos: tendemos a aceitar “Isso é vermelho” (se for realmente proferido) na presença de uma coisa vermelha; aceitamos “p e q” sse [se, e só se] aceitarmos p e aceitarmos q. (“Aceitar” uma frase é supostamente uma noção psicológica (pp. 94-6), e não uma forma reconhecível de comportamento social efectivo; isto é outro afastamento de Wittgenstein e de Brandom.) A composicionalidade é brevemente tratada no capítulo 7: a propriedade do significado de uma expressão complexa consiste numa “propriedade de construção,” e.g.: x significa KANT MORREU na medida em que “x resulta de pôr termos cujos significados são KANT e MORREU, nessa ordem, num esquema cujo significado é NSV” (p. 156). Mas, a menos que eu não tenha visto, nada é dito sobre

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Em qualquer caso, a centralidade das noções epistemológicas nas teorias inferencialistas — defesa, sustentação, justificação, aceitação — sugere que as teorias estão mais próximas em espírito das perspectivas verificacionistas do que da ideia original de Wittgenstein. Veja-se o capítulo 8. Um género algo diferente da teoria do uso (Alston 1963, 2000; Barker 2004) baseiase na noção de J. L. Austin de “força ilocucionária.” Mas este conceito não será apresentado até ao capítulo 12. Passemos agora à frente, para ver uma teoria do significado consideravelmente diferente. A teoria de Paul Grice começa com a noção ultrajante de que a linguagem é um meio de comunicação.

Sumário 

As teorias do uso sustentam que os “significados” não são objectos abstractos como proposições; uma expressão linguística é determinada pela sua função característica no comportamento humano social.



Segundo Wittgenstein, as expressões linguísticas são como peças de um jogo, usadas para fazer jogadas em práticas sociais convencionais regidas por regras.



A versão de Sellars desta ideia torna o acto de inferir central, e é a complexidade dos padrões de inferência que permite o teorizador do uso acomodar frases longas e novas.



As teorias do uso enfrentam dois obstáculos principais: explicar como o uso da linguagem diferente das actividades comuns convencionais regidas por regras que não geram significado; e explicar como uma frase pode significar que tal e tal.



A teoria do uso de Brandom ultrapassa alguns destes obstáculos.

Questões 1. Poderá a teoria do uso wittgensteiniana, tal como a esboçámos, ser defendida de uma ou mais das objecções 1-4? 2. Ajuíze a objecção 5. Pode dar uma resposta melhor do que a de Waismann? 3. Invente uma resposta wittgensteiniana à objecção 6. 4. Poderá uma pessoa daltónica que não distingue o vermelho do verde compreender a palavra “vermelho”? Pense nisto com respeito às teorias do uso. 5. Se leu Brandom, discuta as suas perspectivas.

como o “esquema” tem supostamente uma “regularidade de uso” apesar de não ser uma expressão do português.

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Leitura complementar 

A bibliografia sobre Wittgenstein é tão vasta que hesito em mencionar uma ou duas ou três obras exegéticas, excluindo outras. Mas: Rhees (1959-60); Pitcher (1964: cap. 11); Hallett (1967); Kenny 1973: caps. 7-9).



Sellars (1963) é o locus classicus da sua teoria funcional; veja-se também Sellars (1974). Uma excelente exposição e defesa dos temas centrais surge em Rosenberg (1974).



Philosophy and Phenomenological Research 57 (1997) contém um simpósio sobre Brandom (1994), com uma sinopse, artigos de John McDowell, Gideon Rosen, Richard Rorty e J. F. Rosenberg, e uma resposta de Brandom. Brandom (2000) é uma introdução mais acessível a Brandom (1994).

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Teorias psicológicas: o programa de Grice

Sinopse H. P. Grice sustentou que uma expressão linguística só tem significado porque é uma expressão — não porque “exprime” uma proposição, mas porque, mais genuína e literalmente, exprime uma ideia concreta ou intenção da pessoa que a usa. Grice introduziu a ideia de “significado de quem fala”: aproximadamente, o que quem profere uma dada frase numa ocasião particular tenciona transmitir a um interlocutor. Dado que quem fala nem sempre quer dizer o que as suas frases comummente querem dizer na linguagem, Grice distinguiu este significado de quem fala do próprio significado comum da frase. Ofereceu uma análise elaborada do significado de quem fala em termos das suas intenções, crenças e outros estados psicológicos, e esmerou essa análise à luz de muitas objecções. Concorda-se geralmente que alguma versão da análise tem de estar correcta. Grice também ofereceu uma análise do significado (comum) de uma frase, o que é mais importante para os nossos propósitos, em termos do significado de quem fala. Neste caso, Grice enfrenta sérias dificuldades, dado haver muitos casos em que o significado das frases se recusa obstinadamente a cooperar com o significado de quem fala. Grice tem uma maneira de ultrapassar tais obstáculos, mas parece verosímil que essa maneira concede demasiado a teorias rivais do significado das frases.

A ideia básica de Grice Queremos chegar a uma explicação do significado, considerando-o uma característica notável de expressões linguísticas, em particular frases. Mas suponha-se que nos perguntamos o que são afinal realmente as frases. São tipos de marcas e ruídos, casos individuais dos quais são produzidos por pessoas em ocasiões particulares e com um propósito. Quando você diz algo, é habitualmente com o propósito de comunicar. Oferece uma opinião, ou expressa um desejo ou uma intenção. E quer produzir um efeito, fazer algo surgir daí. Assim, poder-se-ia começar como os teorizadores ideacionais e inferir que a base natural real da elocução significadora está no estado mental que a elocução exprime. Claro que já introduzimos a palavra “exprime” como relação designadora entre frases e proposições, mas aqui o termo tem um uso mais concreto e literal: considera-se que as frases particulares são expressivamente produzidas pelas crenças, desejos e outras atitudes proposicionais de quem fala. Grice (1957, 1969) tomou estes factos como base da sua teoria do significado. Pensava que o significado frásico se baseia no mental, e propôs-se explaná-lo em última análi-

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se em termos dos estados psicológicos de seres humanos individuais. Podemos ver isto como nada menos do que uma redução do significado linguístico à psicologia. A força motriz do projecto de Grice era uma noção ligeiramente diferente de significado, que não coincide com a de significado frásico. (É aqui que se afasta crucialmente das teorias ideacionais clássicas.) Eis três exemplos para ilustrar a diferença. Primeiro, recorde-se a frase de Strawson do capítulo 2, “Esta vermelha é muito boa.” Como vimos, o significado dessa frase, tomada em si, não está inteiramente determinado; para o compreender, precisamos de saber para onde está a apontar quem fala. Num contexto, quem fala pode querer dizer que a maçã na sua mão é uma maçã vermelha muito boa, ao passo que outra pessoa numa ocasião diferente pode querer dizer que a terceira carrinha à sua esquerda é uma bela carrinha vermelha. Segundo, suponha que à semelhança de alguns desgraçados eu acredito incorrectamente que a palavra inglesa “jejune” quer dizer algo como inexperiente ou pueril,1 e digo “A Missa Piccolomini de Mozart é jejune, não é um bom Mozart de modo algum,” querendo dizer que a Missa Piccolomini é inexperiente e pueril. Mas “jejune” de facto significa enfezado e insatisfatório (deriva da palavra latina para jejum); a frase que proferi significa que a Missa é enfezada e insatisfatória, coisa que eu consideraria falsa apesar de considerar a Missa inexperiente e pueril. Terceiro, considere-se o sarcasmo, como quando alguém diz “Essa ideia foi brilhante,” querendo dizer que a ideia foi muito estúpida. Também aqui temos uma divergência entre o significado da frase proferida e o que a pessoa que fala queria dizer ao proferi-la (pois quem fala quer dizer precisamente o oposto). A conclusão a tirar é que o que alguém quer dizer ao proferir uma dada frase é um tipo de significado ligeiramente diferente do significado da própria frase. Grice chamou-lhe “significado do locutor.”2 Ora bem, regressemos ao projecto redutor de Grice, a explicação do significado frásico em termos psicológicos. Compõe-se de duas fases que é muito importante ver que são diferentes. Na primeira fase,3 Grice tenta reduzir o sentido frásico ao significado do 1

Não perca o conto de Kingsley Amis sobre esta palavra em The King’s English (Londres: HarperCollins, 1998: 118-19). Amis jura ter visto a palavra mal escrita como “jejeune” e até pronunciada em pseudofrancês como “jajane.” Pensando melhor, não perca também o resto do livro. 2

Há uma tendência na bibliografia griciana para presumir que o significado do locutor é único, que uma dada elocução não tem senão um só significado do locutor. Este pressuposto é falso; somos comunicadores complexos e por vezes queremos dizer mais de uma coisa num dado instante ao proferir a frase que proferimos. Talvez eu queira dizer o que a frase quer dizer e também outro significado transmitido. Ou se o leitor for bom a fazer trocadilhos, a sua frase pode ser em si ambígua e o leitor visar os dois significados ao mesmo tempo. Shakespeare queria dizer por vezes qualquer coisa como cinco coisas diferentes numa só elocução. 3

Não surgiu cronologicamente em primeiro lugar, mas foi apresentada por Grice (1968).

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locutor. No segundo, tenta reduzir o significado do locutor a um complexo de estados psicológicos que se centram num tipo de intenção. À primeira vista, a primeira fase é uma ideia plausível. Como Wittgenstein frisou, é muito estranho pensar que as frases têm significados por si mesmas e em abstracto, em vez de pensar que as frases têm significado em virtude do que os locutores fazem com elas. Parece que as expressões linguísticas têm os significados convencionais que têm apenas em virtude das práticas comunicativas humanas, e que as “práticas” comunicativas humanas acabam por ser apenas conjuntos de actos comunicativos de locutores individuais. Grice corrige a expressão “actos comunicativos,” centrando-se no significado visado pelos locutores ao usar frases, no sentido de o que os locutores querem dizer ao proferir as frases que proferem e quando as proferem. Para Grice, o significado de uma frase é uma função dos significados individuais dos locutores. Mas Grice concentrou as suas energias na segunda fase da redução. Que o significado do locutor deve ser explanado em termos de estados mentais e ainda mais plausível do que a primeira fase. Se ao dizer “Era uma ideia brilhante” quero dizer que a ideia do Asdrúbal era muito estúpida, certamente que o significado do locutor é algo psicológico, algo sobre o meu estado mental. Presumivelmente, é uma questão de intenção comunicativa da minha parte, do que tenciono transmitir-lhe. Parece que, em geral, os actos comunicativos individuais são uma questão de os locutores terem intenções complexas para produzir vários estados cognitivos, e não só, nos seus interlocutores.

Significado do locutor Comecemos com uma versão plausível e talvez desnecessariamente específica da segunda fase da análise de Grice, desconsiderando algum do trabalho pedestre mais antigo presente no seu artigo original (1957) ou nele inspirado. (Ofereço uma paráfrase e não uma citação directa, para evitar algum do jargão ligeiramente técnico de Grice e algumas complicações.)4 Queremos explanar afirmações da forma “Ao proferir x, S queria dizer que P,” como em “Ao proferir “A Missa Piccolomini é jejune,” Lycan queria dizer que a Missa Piccolomini é inexperiente e pueril.” A análise é como se segue: G1) S proferiu x com a intenção de A formar a crença de que P [sendo A o interlocutor de S, ou a sua audiência]

e 4

Em particular, confinemos a discussão a frases declarativas, apesar de Grice ter tido o cuidado de tratar também das imperativas, entre outras.

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G2) S tinha também a intenção de que A reconhecesse a intenção original de S [descrita em G1]

e G3) S tinha ainda a intenção de que A formasse a crença de que P pelo menos parcialmente com base no reconhecimento da sua intenção original.

Assim, no nosso exemplo de Mozart, ao proferir “A Missa Piccolomini é jejeune,” eu quero dizer que a Missa é inexperiente e pueril, porque a proferi com a intenção de que você formasse a crença de que a Missa é inexperiente e pueril pelo menos em parte com base no seu reconhecimento de que eu tinha essa mesma intenção. Como vimos, o núcleo do significado do locutor é uma intenção, mas há outros estados mentais que figuram também na análise, nomeadamente a sua crença futura por mim visada e o estado visado de reconhecimento. Poder-se-á considerar implausível que um locutor comum possa ter tais intenções complexas, e ainda menos tê-las de cada vez que faz uma asserção. Mas Grice não está a supor que estas intenções comunicativas são conscientes, ou que estão perante a mente. Na verdade, na vida quotidiana as nossas intenções são apenas tácitas, na sua maior parte; só ocasionalmente nos damos conta delas. Assim, você habitualmente diz coisas sem pensar explicitamente acerca disso, e muitas vezes quer transmitir significados de locutor de que não está ciente. Esta segunda fase da teoria tem estado sob quase constante revisão desde 1969, em resposta a contra-exemplos de vários tipos. Irei passar em revista algumas das objecções e revisões, só para dar uma ideia deste subprojecto.

OBJECÇÃO 1 O significado do locutor não exige de facto uma audiência. Suponha-se que sou dado a solilóquios. Quando tenho um problema, prático ou teórico ou pessoal, examino-o falando alto comigo mesmo na privacidade da minha cave de Batman. Não só não viso qualquer efeito sobre qualquer audiência, como ficaria mortificado se descobrisse que alguém tinha estado a ouvir. Ou considere-se o protagonista George de Paul Ziff (1967: 3-4) e a frase “Cláudio assassinou o meu pai”: num só dia, George pode proferir essa frase primeiro “durante um solilóquio matinal,” uma vez mais “à tarde, ao conversar com Josef,” e outra vez ainda “ao final da tarde, em delírio febril,” e sem ter consciência da audiência que o acompanhava. Contudo, George queria em todas as vezes dizer a mesma coisa com “Cláudio assassinou o meu pai.” Mas a análise de Grice exige não apenas uma audiência mas que

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o locutor tenha intenções muito específicas com respeito a essa audiência, e isto é implausível pelo menos nos casos do solilóquio e do delírio. Grice (1969: secção V) enfrenta os casos de inexistência de audiência. Advoga uma solução em termos de audiências hipotéticas ou contrafactuais: com efeito, o locutor devia visar que, estivesse alguém presente na posse de condições perceptuais normais, entre outras condições psicológicas, essa pessoa formaria a crença de que P. Preciso eu, como locutor, de visar isto? Talvez, pois quando falo até comigo mesmo tenho de pressupor que o que digo faria sentido para alguém. Por outro lado, vêm à mente outros contra-exemplos potenciais. Suponha-se que cresci numa ilha deserta e que de algum modo inventei sozinho uma linguagem; contudo, nunca formei o conceito de “outro locutor” ou de uma “audiência.” Então não poderia visar fosse o que fosse acerca de uma audiência, nem mesmo contrafactualmente. Mas este é um caso muitíssimo controverso, dado que muitos filósofos negaram que me seria até remotamente possível inventar a minha própria linguagem sem ter formado o conceito de locutores e audiências.

OBJECÇÃO 2 Mesmo quando há efectivamente uma audiência, o locutor pode querer dizer algo, e no entanto não visar produzir crença por meio do reconhecimento da intenção; os requisitos G3 e até G2 podem ser excessivamente fortes. Ou o locutor pode nem visar produzir a crença de modo algum, dado a sua audiência já ter essa crença e o locutor saber disso. Eis um exemplo do primeiro tipo de caso. Conclusão do argumento: oferece-se um argumento, apresentando talvez uma demonstração de um teorema da geometria. Certamente que se visa o significado do locutor da conclusão do argumento, mas não se tem em vista que a nossa audiência chegue a essa conclusão nem sequer parcialmente com base no reconhecimento da nossa intenção original. Pode-se ter a firme intenção de que não o faça, mas antes que forme a crença com base apenas no mérito do argumento. Schiffer (1972: 79-80) aborda os casos de (alegada) inexistência de audiência, e também a conclusão do argumento, estipulando que o locutor é a sua própria audiência. (Pessoalmente, não posso desconsiderar isto por ser caprichoso, dado que já disseram que profiro coisas muitas vezes pela simples gratificação de me ouvir falar.)5 Esta jogada poderia funcionar, mas para casos do segundo tipo. Um exemplo disto é o exemplo do examinando: um aluno que correctamente responde a uma questão num exame quer dizer, por exemplo, que a Batalha de Waterloo ocorreu em 1815, mas não visa induzir essa crença no examinador ou examinadores.

5

Pois disseram. É inacreditável.

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Grice faz essencialmente duas revisões em resposta a estes contra-exemplos e a variadíssimos outros. Primeiro, sugere a invocação do conceito de crença “activada”: apesar de alguns membros da audiência já acreditarem no que o locutor tem em mente, as suas crenças podem não ser inteiramente conscientes nem estar psicologicamente activas, ou podem não ser conscientes de todo em todo. Se tornarmos G1 mais robusto, o requisito de que se visa que a audiência acredite que P, passando a ser o requisito de que S visa produzir uma crença activada em A, isso pode dar conta (ainda que de uma maneira não muito natural) do caso do examinando; mas sai-se melhor em alguns dos outros casos. A segunda revisão de Grice consiste também em corrigir G1, desta vez substituindoo pela condição mais fraca de que se vise que a audiência acredite apenas que o locutor acredita que P. (Enfraquecer G1 desta maneira é compatível com o seu fortalecimento de modo a exigir crença activada.) Esta segunda revisão parece razoável. Como afirma Grice, dá rapidamente conta do examinando. E não é implausível. Dizer algo e visar dizê-lo, poderíamos sustentar, não é senão exprimir uma crença, tendo habitualmente a esperança, se bem que nem sempre, ou visando ou tendo a expectativa, que a nossa audiência passará a partilhar a crença. (Quando informamos as pessoas de coisas dizendo-lhes isso, temos normalmente a expectativa que esse informar funcione em termos do que os lógicos informais chamam “autoridade”: os nossos ouvintes confiam no que estamos a dizer e acreditam nisso porque nós acreditamos.) Contudo, Grice concede e Schiffer salienta (p. 43) que o caso da conclusão do argumento não se resolve com a primeira nem com a segunda revisão. Mais em geral, nem todos os casos de comunicação são bem-sucedidos em virtude de a audiência acreditar no locutor. Recordemos a demonstração de geometria. Para dar um exemplo mais familiar, o próprio Grice comunicou-nos a sua teoria do significado, mas não em virtude de ter visado que a aceitássemos com base no que ele diz. É verdade que passámos a acreditar que Grice acredita na sua teoria do significado, de modo que a nova versão enfraquecida de G1 é satisfeita; mas isso não nos ajuda neste caso. (Não podemos sequer pressupor realmente que Grice acredita na teoria; receio bem que os filósofos estão sempre a escrever artigos defendendo perspectivas em que na realidade não acreditam.) E quanto à resposta de Schiffer ao caso conclusão do argumento, afirmando que o locutor é a sua própria audiência? Penso que há ainda contra-exemplos do mesmo tipo. Suponha-se que apresento uma segunda demonstração do meu teorema quando a primeira está ainda no quadro. Não induzo uma crença em mim, nem sequer activo uma crença a que já tinha em silêncio. Eis outro exemplo: suponha-se que dois filósofos estão a fazer uma festa de afeição pela perspectiva da referência directa quanto aos nomes próprios. Enquanto dançam em círculo gritam alegremente um ao outro, vezes e vezes sem conta: “Os nomes só referem!” Estão ambos num estado de crença completamente activada na

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verdade desta asserção dúbia, e sabem que o outro também o está; e por isso nenhum deles pode ter a intenção de produzir ou activar a crença no outro. No entanto, certamente querem dizer que os nomes próprios só referem, quando fazem aquela elocução; não é um cântico sem sentido. Há outras jogadas possíveis,6 mas deixarei a objecção 2 neste ponto. As primeiras duas objecções visam mostrar que a análise de Grice é demasiado exigente. As próximas duas procuram mostrar que noutros aspectos a análise não é suficientemente exigente.

OBJECÇÃO 3 Ao ser admitido no exército, George é obrigado a fazer um teste destinado a estabelecer a sanidade. George é conhecido por ser um académico irritável. O teste que lhe dão seria apropriado para atrasados mentais. Uma das perguntas é “O que diria se lhe perguntasse para se identificar?” George responde ao oficial que lhe faz a pergunta proferindo “Ugh blugh blugh ugh blugh”. (Ziff 1967: 2)

George visa mostrar o seu desprezo, e pretende que o oficial reconheça o seu desprezo com base no reconhecimento da sua intenção de o mostrar. Mas, apesar de as condições de Grice serem satisfeitas, George nada queria dizer em qualquer sentido linguístico (apesar de se poder correctamente salientar que há um sentido mais lato de “comunicação” que a análise de Grice parece ainda assim captar.)7

OBJECÇÃO 4 Durante a segunda guerra mundial um soldado americano foi capturado por tropas italianas. Ele quer que os italianos o libertem, convencendo-os de que é um oficial alemão. Mas 6

Uma resposta possível, que o falecido Wendy Nankas me sugeriu, é falar não apenas de activação, mas de reforço. 7

O caso de Ziff é fortemente similar ao exemplo dos parafusos e orelhas de J. O. Urmson, que Grice discute (1969: 152-3). Em resposta, Grice ofereceu o que chama “Redefinição I”; mas eu nunca vi como é exactamente que essa redefinição excluiria supostamente este tipo de contraexemplo. Há um conjunto de exemplos inicialmente conversacionais, de Dennis Stampe, Stephen Schiffer e P. F. Strawson, e que envolve logro e tentativa de antecipação de um certo tipo. A versão de Stampe foi a primeira a que Grice respondeu (1969). Os contra-exemplos e respostas conduziram a uma regressão indefinida de casos particularmente convolutos e revisões da análise. Duvido que o leitor me agradecesse se o arrastasse só pelo segundo exemplo da regressão. (Poderia até tentar devolver este livro e reaver uma fracção do seu dinheiro.) Por isso nem o primeiro irei expor.

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não sabe alemão nem italiano. Com a esperança de que os seus captores também não saibam alemão, “tenta, digamos, montar uma fantasia em que lhes diz que é um oficial alemão,” ladrando oficiosamente a única frase alemã que conhece, uma linha de poesia que aprendeu na escola: “Kennst du das Land wo die Zitronen blühen?” (“Conheces a terra onde os limoeiros florescem?”)8 (Searle 1965: 229-30). Neste caso, o soldado preferiu a sua frase visando fazer os italianos acreditar que ele é um oficial alemão; visava além disso que eles reconhecessem a sua intenção original; e ainda visava também que formasse a crença falsa em parte com base no reconhecimento da sua intenção. Mas não parece que ao dizer “Kennst du das Land…” ele diga que é um oficial alemão. Grice responde exigindo que se vise que a audiência acredite haver um “modo de correlação” entre as características da elocução e o tipo de crença visado. Schiffer (1972) faz uma jogada diferente, em termos da sua noção técnica de “conhecimento* mútuo.” Parece melhor não avançar nestes esoterismos por agora. Gricianos determinados como Schiffer (1972) e Avramides (1989) exibiram uma audácia e perícia extraordinárias, mudando a perspectiva original de Grice de modo a acomodar todos os casos problemáticos anteriores e outros ainda, resultando daí que apesar da profusão de objecções uma versão complicada (!) continua a ser credível. E concorda-se geralmente que o significado do locutor tem de algum modo ser uma questão de intenções e outros estados mentais do locutor. Mas agora temos de voltar à primeira fase do programa griciano: a redução do significado frásico ao significado do locutor.

Significado frásico Depois de ler a secção anterior poderá ser surpreendente que a construção de Grice (1968) do significado frásico a partir do significado do locutor é elaborada e cheia de pormenores delicados. Ao invés de nos deitarmos a eles, começarei por revelar alguns obstáculos. Depois farei apenas um esboço do modo ou modos como Grice tenta ultrapassá-los. Seria natural começar por supor que uma dada frase portuguesa significa que P apenas no sentido em que quando quem fala português profere essa frase, o significado do locutor é sempre (ou pelo menos normalmente) que P. Mas eis os problemas.

OBSTÁCULO 1 Ziff (1967) ofereceu os seguintes dois exemplos:

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Trata-se da linha de abertura da letra de uma canção que surge no romance Wilhelm Meisters Lehrjahre (1795-6), de Goethe, livro 3, capítulo 1.

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George sofreu uma intervenção na cabeça: inseriram-se eléctrodos, montaram-se placas, e assim por diante. O efeito foi curioso: quando lhe perguntavam como se sentia, George respondia proferindo […] “Glyting elly beleg”. O que ele queria dizer, disse-nos mais tarde, era que se sentia bem. Disse que, na altura, acreditava de algum modo que [“Glyting elly beleg”] e “Sinto-me bem” eram sinónimas e que toda a gente o sabia. (pp. 4-5; a esta altura já se viu que George tem uma vida mais interessante do que a sua ou a minha) Subitamente, um homem gritou “Gleeg gleeg gleeg!”, visando com isso produzir um certo efeito numa audiência por meio do reconhecimento da sua intenção. Queria fazer a sua audiência crer que estava a nevar no Tibete. Claro que não produziu o efeito visado dado ninguém reconhecer qual era a sua intenção. Contudo, que ele tinha tido tal intenção tornou-se claro. Sendo declarado louco, foi entregue a um psiquiatra. Queixou-se então ao psiquiatra que quando gritava “Gleeg gleeg gleeg!” tinha tal intenção mas que ninguém a reconhecia, o que era uma loucura da parte deles. (p. 5)

No texto, não é claro se Ziff toma estes casos como contra-exemplos à análise de Grice do significado do locutor. Mas não é assim que o entendo e não os tomo desse modo. Parece-me que, no seu estado alterado, George queria dizer que se sentia bem; e o louco queria desvairadamente dizer que estava a nevar no Tibete. Ao invés, penso que o que está em causa é que se a teoria de Grice estiver correcta, então o significado do locutor é demasiado barato: dado um estado mental adequadamente desordenado, qualquer locutor pode querer dizer absolutamente qualquer coisa com qualquer sequência de ruídos que se dê o caso de proferir. Se a análise de Grice do significado do locutor estiver correcta, então tanto pior para a primeira fase do seu projecto, pois nesse caso não haverá restrições formais quanto ao que os locutores poderiam querer dizer com qualquer frases que profiram, havendo apenas estatísticas sobre quão frequentemente querem dizer isto ou aquilo. Na vida real, o significado do locutor não é assim tão fácil de obter, por duas razões. a) A maior parte das pessoas não estão desvairadas à maneira dos pacientes de Ziff. E, o que é muito mais importante, b) as frases portuguesas têm os significados que têm realmente, e não podem pura e simplesmente significar seja o que for que se queira. A menos que eu esteja estranhamente enganado quanto ao significado da própria palavra, ou a menos que se trate de uma situação mais elaborada, não posso dizer “Está frio” e querer com isso dizer “Está calor.” (O exemplo é de Wittgenstein.) Posso estar a ser sarcástico, é claro. Mas não posso querer perfeitamente dizer “Aluguei o vídeo Agnes de

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Deus,” ou “Os porcos têm asas.” O significado prévio de uma frase controla em parte o que um locutor pode querer dizer com ela num dado contexto. A razão b é mais um problema para a primeira fase de Grice, pois para que o significado frásico seja inteiramente analisado em termos de significado do locutor, não devemos ter de ver o significado frásico como algo que delimita possíveis significados de locutor. (Talvez “não devemos” seja demasiado forte. Não há neste caso uma circularidade óbvia; e é certamente possível que um constructo especial baseado no significado do locutor possa delimitar o significado do locutor em geral. Mas o griciano terá de explicar por que razão isto ocorre de modo tão robusto.)

OBSTÁCULO 2 A maior parte das frases dotadas de significado de uma linguagem nunca são proferidas. Logo, nunca alguém alguma vez quis dizer algo com elas. Logo, dificilmente os seus significados podem ser determinados pelo que os locutores (normalmente, tipicamente, e assim por diante) querem dizer com elas (Platts 1979: 89). Não adianta muito, apesar de ser tentador, apelar ao que os locutores teriam querido dizer com as frases improferidas caso as tivessem proferido. Para começar, a esmagadora maioria são frases que os locutores nunca teriam proferido. Mesmo no caso de uma frase que os locutores poderiam ter proferido apesar de não o terem feito, o único terreno firme que temos quanto ao que os locutores teriam querido dizer ao proferi-la é o que já sabemos que essa frase significa.

OBSTÁCULO 3 Frases novas outra vez. Mesmo quando uma frase é efectivamente proferida, pode ser fantasticamente nova, e no entanto é instantaneamente entendida pela audiência. Mas se é nova, então não há qualquer facto pré-estabelecido (como antes, independentemente do que sabemos que a frase em si significa) do que os locutores normalmente querem dizer ou quereriam normalmente dizer com tal frase. E note-se que o primeiro uso novo pode ser a) igualmente o último e b) não ser em si literal. (Estou bastante certo que a seguinte frase nunca foi proferida antes, ainda que possa sê-lo de novo: “O presidente da Corporação Filosófica dos EUA, que saiu finalmente da prisão e com a celeridade de uma águia se dirige para o nosso aviário, irá partilhar connosco as riquezas do seu espírito amanhã às 15 horas.” Em casos como este, apesar de a frase ter sido proferida, ninguém quereria efectivamente dizer o que ela literalmente diz.) Blackburn (1984: cap. 4) salienta que, nas circunstâncias certas, uma dada frase pode ser proferida com praticamente qualquer intenção e certamente que sem a intenção de exibir a nossa verdadeira crença. (Blackburn esboça a ideia alternativa de que uma frase F significa P quando há uma regularidade convencional ou a consequência de uma

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regularidade convencional que permite considerar que quem profere F com força assertiva manifesta que P, tratando-se esta permissão de um facto social que ocorre independentemente de quaisquer intenções particulares do locutor. Esta ideia é interessante, e exige muita expansão das noções de “permitir,” “considerar” e “manifestar,” mas não é uma ideia griciana, pois separa conscientemente o significado frásico das intenções comunicativas do locutor.)

OBSTÁCULO 4 Não é apenas anormalmente mas antes frequentemente que se usa frases com outros significados que não os literais. Mesmo negligenciando o sarcasmo e outras formas de actos de fala indirectos (falaremos mais dessas coisas no capítulo 13), o uso figurativo é muito prevalecente (falaremos mais disso no capítulo 14). Se Grice quer dizer que o significado de uma frase em si é o que os locutores “normalmente” querem dizer ao proferi-la, terá então de dizer o que quer dizer “normalmente” à parte o significado comum da frase, e terá também de nos dar uma motivação para aceitar essa tese. E as coisas ficam ainda piores. Há códigos privados em que uma dada frase nunca é usada com o seu significado literal. O sinal japonês para o ataque aéreo de 1941 a Pearl Harbor foi (a expressão japonesa que se traduz como) “Vento de leste, chuva,” que, tanto quanto sei, nunca foi usada para significar outra coisa que não “Está na hora de bombardear Pearl Harbor.” E mesmo à parte os códigos privados, na vida quotidiana há muitas frases que são normalmente proferidas com significados que não os literais, e talvez nunca sejam proferidas com esses significados literais. (“Vais tirar o pai da forca?” “Pode dizerme as horas?” “O Jorge e a Marta enterraram o machado de guerra.” “Negócio é negócio.”) E há toda a questão da metáfora, apesar de o próprio Grice a conceber, como veremos no capítulo 13, como uma espécie do que ele chamou “implicatura conversacional.” Esbocemos agora a redução de Grice do significado frásico ao significado do locutor, e vejamos como ele poderia ter abordado os obstáculos 1-4, caso tivesse inteiramente ciente deles.9 Grice concentra-se primeiro na noção estrita de significado frásico para um indivíduo particular, ou seja, o significado que a frase tem no discurso pessoal e distinto desse indivíduo, o seu idiolecto. (Nenhuns dois idiolectos de locutores lusófonos são exactamente idênticos.) E restringe ainda mais o seu alvo inicial, distinguindo elocuções estruturadas de inestruturadas. Uma elocução estruturada tem partes com significado, como palavras individuais, que contribuem para o significado geral da elocução; qualquer frase declarati9

Schiffer (1972: capítulos 5-6) enveredou por um método diferente, usando a teoria das convenções de Lewis.

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va de português é um exemplo disto, dado conter palavras que têm significado por si mesmas e dado significar o que significa em virtude de essas palavras significarem o que significam. Uma elocução inestruturada é uma expressão única, como “Ui,” ou um gesto iverbal, como um gesto indicador que significa “Por aqui,” cujo significado não é composicional nesse sentido. (Note-se que Grice usa o termo “elocução” de maneira muito lata, incluindo actos comunicativos iverbais.) Depois de alguns recuos e acrescentos, Grice levanta a hipótese de que x [uma expressão inestruturada] significa que P no idiolecto de S, se, e só se (aproximadamente), S tem no seu repertório o seguinte procedimento: proferir x se, para alguma audiência A, S visa que A creia que S crê que P. (Esta última cláusula é uma versão simplificada de “S visa o significado do locutor de que P”; Grice argumenta que neste caso a simplificação é inocente.) De seguida Grice expande a sua análise para abranger o significado da elocução para um grupo de locutores: x [inestruturada] significa que P para o grupo G se, e só se, a) muitos membros de G têm nos seus repertórios o procedimento de proferir x se, para alguma A, querem que A creia que eles crêem que P; e b) este procedimento é condicionalmente mantido por eles sob o pressuposto de que pelo menos alguns outros membros de G têm o mesmo procedimento nos seus repertórios. O que supostamente ultrapassa o obstáculo 1, penso, é a combinação de a e b; que o procedimento relevante esteja disseminado na comunidade e que os membros individuais da comunidade estejam a contar com os outros membros para o manter também. Isto parece perfeitamente correcto. Mas agora o difícil é ir da análise do significado de elocuções inestruturadas para o significado frásico comum, dado que as frases portuguesas comuns são todas estruturadas. Grice introduz a noção de um procedimento “resultante.” Neste ponto, o artigo de Grice torna-se denso e obscuro, mas penso que a ideia é a seguinte: tal como as frases portuguesas são constituídas de partes mais pequenas dotadas de significado — palavras e expressões — em virtude das quais as frases completas significam o que significam, um locutor individual terá no seu repertório um “procedimento resultante” complexo e abstracto constituído pelos procedimentos concretos anexados às suas respectivas partes compostas. Assim, o significado de uma frase não será directamente uma função do significado do locutor, mas antes uma função dos significados individuais das elocuções das suas partes últimas. Só então será invocada a ideia nuclear de Grice, e (crucialmente) a sua análise do significado da elocução para um grupo, como explicação dos significados de elocução das partes. Sublinho “procedimentos resultantes abstractos” porque pouquíssimos desses procedimentos “abstractos” alguma vez ocorrerão. E é esta característica que ajudará Grice a lidar com os obstáculos 2-3. Pois o tema destes obstáculos é que as frases improferidas e

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novas não correspondem a quaisquer significados efectivos de locutor. Mas é pelo menos argumentável que correspondem aos significados de locutor hipotéticos que seriam gerados pelos procedimentos resultantes abstractos de Grice. O apelo a procedimentos abstractos pode também ajudar a ultrapassar o obstáculo 4: ainda que o significado literal de uma dada frase nunca condiga com qualquer significado efectivo de locutor, pode ainda corresponder a um hipotético significado resultante de locutor. Contudo, creio que este apelo absolutamente necessário trai o espírito do programa de Grice. Com efeito, cede terreno a uma teoria rival do significado; argumentarei a favor desta ideia no capítulo 9.

Sumário 

Segundo Grice, as expressões linguísticas têm significado apenas porque exprimem ideias ou intenções dos locutores que as usam.



O “significado do locutor” é, aproximadamente, o que o locutor, ao proferir uma dada frase numa ocasião particular, visa transmitir ao interlocutor.



Grice oferece uma análise do significado do locutor em termos das intenções, crenças e outros estados psicológicos dos locutores, e aperfeiçoou de maneiras viáveis essa análise à luz de muitas objecções.



Grice ofereceu também uma análise do próprio significado de uma frase em termos do significado do locutor.



Essa análise ultrapassa alguns obstáculos sérios, mas aparentemente só o consegue fazer concedendo demasiado a teorias rivais do significado frásico.

Questões 1. Consegue ajudar Grice a evitar um ou mais dos obstáculos 1-4? 2. Consegue pensar em mais obstáculos à teoria do significado do locutor de Grice? 3. Discuta a “primeira fase” de Grice; será bem-sucedido o seu elaborado método de reduzir o significado frásico ao significado do locutor?

Leitura complementar 

Schiffer (1972) é o aperfeiçoamento clássico da perspectiva de Grice. Veja-se também a recensão de Gilbert Harman (1974ª), e Avramides (1989). Trabalhos relacionados do próprio autor estão coligidos em Grice (1989).



Bennett (1976) é uma valiosa defesa do projecto de Grice por alguém exterior à área. MacKay (1972), Black (1973), Rosenberg (1974: cap. 2) e Biro (1979) criticam Grice.

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Verificacionismo

Sinopse Segundo a teoria verificacionista, uma frase é dotada de significado se, e só se, a sua verdade faria alguma diferença no decurso da nossa experiência futura; uma frase ou “frase” inverificável pela experiência é destituída de significado. Mais especificamente, o significado particular de uma frase é a sua condição de verificação, o conjunto de experiências possíveis da parte de alguém que tenderiam a mostrar que a frase era verdadeira. A teoria enfrenta várias objecções: declara que várias frases claramente dotadas de significado são destituídas de significado, e vice-versa; atribui significados errados a frases que considera dotadas de significado; e tem alguns pressupostos dúbios. Mas a pior objecção é que, como Duhem e Quine argumentaram, as frases individuais não têm por si mesmas condições de verificação próprias. Quine admitiu essa desgraça e inferiu que as frases individuais não têm significados; segundo ele, não há significado frásico. Quine atacou também a perspectiva anteriormente muito difundida de que algumas frases são “analíticas” no sentido de serem verdadeiras por definição ou somente em virtude dos significados dos seus termos componentes.

A teoria e a sua motivação A teoria verificacionista do significado, que floresceu nos anos trinta e quarenta do séc. XX, era muitíssimo política. Era motivada, e reciprocamente ajudou a motivar, um empirismo e cientismo crescente na filosofia e noutras disciplinas. Em particular, era o motor que conduzia o movimento filosófico do positivismo lógico, que era correctamente encarado por filósofos da moral, poetas, teólogos e muitos outros como um ataque directo aos fundamentos dos seus respectivos labores. Ao contrário da maior parte das teorias filosóficas, tinha também um grande número de efeitos poderosos na prática efectiva da ciência, tanto bons quanto maus. Mas aqui examinaremos o verificacionismo simplesmente como mais uma teoria do significado linguístico. Como dizia um popular lema positivista, uma diferença tem de fazer diferença. Ou seja, se um pedaço de linguagem é supostamente dotado de significado de todo em todo, então tem de fazer algum tipo de diferença para o pensamento e para a acção. E os positivistas tinham uma ideia muito específica sobre que tipo de diferença tinha o dever de fazer: o pedaço de linguagem devia ser relevante, especificamente, para o curso da nossa experiência futura. Se alguém profere o que parece uma frase, mas não temos ideia de

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como a verdade dessa frase afectaria o futuro de um modo detectável, então em que sentido podemos dizer que é contudo uma frase dotada de significado para nós? Os positivistas faziam esta pergunta de retórica como um desafio. Suponha-se que escrevo no quadro uma linha de algo que parece uma algaraviada e assiro que o que escrevi é uma frase dotada de significado na linguagem de alguém. Você pergunta-me o que acontecerá consoante o que escrevi for verdadeiro ou falso. E eu digo: “Nada; o mundo continuará na mesma, seja esta frase verdadeira, seja falsa.” Então você deve ficar com muitas suspeitas quanto à minha afirmação de que esta algaraviada aparente realmente quer dizer algo. Com menos dramatismo, se você ouvir alguém pronunciar algo numa língua estrangeira, presume que quer dizer algo, mas não tem ideia do que seja; isto é porque não sabe o que mostraria que essa frase é verdadeira ou falsa. Os positivistas estavam preocupados com a propriedade básica de ser dotado de significado porque suspeitavam que muito do que passava por elocuções dotadas de significado nas obras dos Grandes Filósofos Mortos não eram de facto (nem sequer) dotadas de significado, quanto mais verdadeiras. Assim, o seu princípio verificacionista era sobretudo notavelmente usado como critério que distinguia o que tinha significado do que não o tinha: uma frase contava como dotada de significado se, e só se, havia um conjunto de experiências possíveis da parte de alguém que tenderiam a mostrar que a frase era verdadeira; chame-se a este conjunto a condição de verificação da frase. (Uma frase tem também uma condição de falsificação, o conjunto de experiências possíveis que tenderiam a mostrar que é falsa.) Se, ao examinar uma frase proposta, não se conseguisse encontrar tal conjunto de experiências, a frase reprovaria o teste e revelar-se-ia destituída de significado, por mais apropriada que fosse a sua gramática de superfície. (Exemplos clássicos de alegadas reprovações incluem: “Tudo [incluindo todas as fitas métricas e outros dispositivos de medida] acabou de ficar com o dobro do tamanho.” Criação das onze horas: “Todo o universo físico começou a existir há apenas cinco minutos, juntamente com todas as memórias ostensivas e registos históricos.” Cepticismo do génio maligno: “Estamos constante e sistematicamente a ser enganados por um génio maligno poderoso que nos provoca experiências especiosas.”)1 1

Estes são exemplos de hipóteses cépticas de um tipo que toda a tradição filosófica levou a sério; os positivistas tinham de se esforçar muito para mostrar que estas “hipóteses” eram destituídas de significado apesar de as frases parecerem perfeitamente dotadas de significado à primeira vista. Os positivistas tinham menos paciência e menos problemas com o idealismo hegeliano dos finais do séc. XIX, patente em “O Absoluto é perfeito,” e com o existencialismo heideggeriano, patente em “O Nada nadifica” (“Das Nichts nichtet”). Recebi uma vez uma brochura que publicitava um livro novo de filosofia. A brochura tinha uma lista demarcada das características especiais do livro. E um dos itens era: “Onze novas maneiras de a negação se negar a si mesma.” Juro que não estou a inventar.

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Mas os verificacionistas não se restringiam ao sem significado em si. A teoria assumia também uma forma mais específica, antecipada por C. S. Peirce (1878). Ocupava-se dos significados individuais das frases particulares, e identificava o significado de cada frase com a condição de verificação dessa frase. Assim, a teoria tinha um uso prático como teste efectivo do que uma frase individual realmente quer dizer; prevê o conteúdo proposicional particular da frase. Esta é uma virtude importante, que nem todas as suas rivais têm. (A teoria proposicional ingénua nada diz sobre como se associa uma proposição particular a uma dada frase.) Pretendia-se que a teoria verificacionista fosse usada, e tem sido usada — mesmo por pessoas que não a aceitam completamente —, como um instrumento clarificador. Quando você se confrontar com uma frase que presume ser dotada de significado mas que não compreende completamente, pergunte-se o que tenderia a mostrar que a frase é verdadeira ou falsa. A teoria verificacionista é assim uma explicação epistémica do significado; ou seja, localiza o significado nas nossas maneiras de vir a saber ou a descobrir coisas. Para um verificacionista, o significado de uma frase é a sua epistemologia, é uma questão saber qual é a sua base indiciária apropriada. (Numa interpretação, a teoria inferencial do significado, ou teoria funcional sellarsiana, mencionada no capítulo 6, é verificacionista, dado que as regras de inferência de Sellars são dispositivos epistémicos.) Os positivistas permitiam a existência de uma classe especial de frases que não têm conteúdo empírico mas são todavia dotadas de significado de algum modo: estas são as frases que são, digamos, verdadeiras por definição, verdadeiras unicamente em virtude dos significados dos termos que as compõem. “Nenhum solteiro é casado”; “Se está a nevar, está a nevar”; “Cinco lápis são mais lápis do que dois lápis.” As frases como estas não fazem previsões empíricas, segundo os positivistas, porque são verdadeiras seja o que for que aconteça no mundo. Mas são dotadas de um certo género de significado porque são verdadeiras; a sua verdade, por mais trivial, é garantida pelos significados colectivos das palavras que ocorrem nelas. Chama-se analíticas a tais frases. O verificacionismo é uma perspectiva atraente que foi fervorosamente sustentada por muitas pessoas. Mas, como qualquer outra teoria do significado, tem os seus problemas.

Algumas objecções Os positivistas nunca chegaram a uma formulação do princípio da verificação que fosse satisfatório, nem mesmo para eles; nunca conseguiram que se ajustasse apenas às sequências de palavras que queriam. Toda a formulação precisa revelava-se demasiado forte ou demasiado fraca num ou outro aspecto (veja-se Hempel 1950). Há também um problema metodológico: para testar propostas de formulações os positivistas tinham de apelar a casos claros de ambos os tipos; isto é, de sequências de palavras dotadas de significado e

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de sequências destituídas de significado. Mas isto pressupõe já que há sequências de palavras que são literalmente destituídas de significado apesar de estarem gramaticalmente bem formadas e apesar de serem compostas de palavras dotadas de significado; e isso é, se pensarmos bem, uma tese muito audaciosa. Estes problemas não constituem objecções de princípio ao verificacionismo, mas sugerem dois outros que o são.

OBJECÇÃO 1 Wittgenstein queixava-se que a teoria verificacionista é mais uma tentativa monolítica de chegar à “essência” da linguagem, e todas essas tentativas estão condenadas a falhar. Mas em particular, e menos dogmaticamente, a teoria aplica-se apenas ao que os positivistas chamavam linguagem descritiva, factual. Mas a linguagem descritiva ou factual é apenas um tipo de linguagem; também fazemos perguntas, damos ordens, escrevemos poemas, dizemos piadas, executamos cerimónias de vários tipos, e assim por diante. Presumivelmente, uma teoria adequada do significado deveria aplicar-se a todos esses usos da linguagem, dado que em qualquer sentido comum do termo todos são usos dotados de significado; mas é difícil ver como a teoria verificacionista se poderia alargar de modo a abrangê-los. RESPOSTA Os positivistas reconheciam que se ocupavam do significado apenas num sentido restrito; chamavam-lhe sentido “cognitivo.” Ser “cognitivamente” dotado de significado é aproximadamente ser uma afirmação de facto. Perguntas, ordens e linhas de poesia não são afirmações factuais ou descritivas nesse sentido, apesar de terem funções linguísticas importantes e de serem “dotadas de significado” no sentido comum, opondo-se a algaraviadas. A restrição ao significado “cognitivo” não era problemática para os propósitos metafísicos e anti-metafísicos positivistas mais latos, mas do nosso ponto de vista, a elucidação do significado linguístico em geral, é prejudicial. Uma teoria do significado no nosso sentido tem por missão explicar todos os factos do significado, e não apenas os respeitantes à linguagem factual. Além disso, a retirada para o significado “cognitivo” em nada ajuda a responder à objecção 2.

OBJECÇÃO 2 Como salientámos, os positivistas trabalhavam com ideias admitidamente preconceituosas sobre que sequências de palavras são ou não dotadas de significado, tentando excluir as que são intuitivamente destituídas de significado e incluir as que são obviamente dotadas de significado. Mas não eram apenas os positivistas que tinham ideias preconceituosas

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sobre que sequências de palavras são dotadas de significado. Suponha-se que olhamos para uma dada sequência de palavras e perguntamos se é ou não verificável e, em caso afirmativo, o que a verificaria. Para o fazer, temos de saber já o que a frase diz; como poderíamos saber se é verificável ou não a menos que soubéssemos o que diz? Para determinar como se verifica a presença de um vírus, digamos, temos de saber o que são vírus e onde, em geral, se encontram; assim, parece que temos de compreender o discurso acerca de vírus para verificar afirmações sobre vírus, e não o contrário. Mas se já sabemos o que a nossa frase diz, então há algo que ela diz. E, nessa medida, já é dotada de significado. Assim, a questão da verificabilidade e das condições de verificação é conceptualmente posterior a saber o que a frase significa; parece que temos de saber o que a frase significa para saber como verificá-la.2 Mas isto é precisamente o oposto do que diz a teoria verificacionista. Um aspecto relacionado é haver uma diferença flagrante entre as frases que os positivistas queriam excluir por serem destituídas de significado (“Tudo acabou de ficar com o dobro do tamanho,” “Todo o universo físico começou a existir há apenas cinco minutos”) e os casos paradigmáticos de sequências destituídas de significado do género ilustrado no capítulo 1: algaraviadas (“w gfjsdkhj jiobfglglf ud”) ou apenas saladas de palavras (“Bom de fora pedante o um um porquê”). Certamente que as primeiras sequências não são destituídas de significado da mesma maneira drástica e óbvia que estas últimas. Seja o que for que possa haver de errado com elas de um ponto de vista epistemológico, não são meras algaraviadas. RESPOSTA O verificacionista tem de apresentar alguma diferença entre os dois tipos de sequência, sem admitir que as sequências do primeiro tipo são afinal dotadas de significado. Eis uma jogada possível. As sequências do primeiro tipo são feitas de palavras portuguesas habituais e, por serem gramaticais de um ponto de vista sintáctico superficial, há uma espécie de ilusão de compreensão. Dado que são sequências de palavras de um tipo que muitas vezes dizem e significam algo, produzem em nós um sentimento de familiaridade. Temos a impressão de que sabemos o que dizem. E num sentido fraco sabemos: podemos analisálas gramaticalmente, e compreendemos cada uma das palavras que nelas ocorrem. Mas daqui não se segue que estas sequências de palavras significam de facto algo tomadas em conjunto. 2

Claro que há graus de compreensão. Podemos não compreender um termo completamen-

te. (Sabe o que é exactamente um eixo de cames? E quanto a um acelerador linear?) Mas para compreender uma frase, mesmo apenas em parte, temos de ter alguma ideia do que a frase diz. Todavia, uma vez mais, isso implica que já há algo que a frase diz antes de se determinar seja o que for quanto às suas condições de verificação.

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OBJECÇÃO 3 A teoria verificacionista conduz a uma metafísica má ou pelo menos altamente controversa. Recorde-se que uma condição de verificação é um conjunto de experiências. Os positivistas queriam que tais experiências verificadoras fossem descritas num tipo de linguagem uniforme chamada “Linguagem observacional.” Suponha-se que a nossa “linguagem observacional” se restringe ao vocabulário de impressões sensoriais subjectivas, como em “Agora parece que estou a ver uma coisa cor-de-rosa com a forma de um coelho à minha frente.” Então segue-se do verificacionismo que qualquer afirmação dotada de significado que eu consiga fazer só pode em última análise ser acerca das minhas próprias impressões sensoriais; se o solipsismo for falso, eu não posso dizer que o é numa linguagem dotada de significado. Nem eu, nem ninguém. Mesmo que em vez disso tornemos a nossa noção de “observação” mais flexível, incluindo o que Hempel (1950) chamava as “características directamente observáveis” de objectos comuns, continua a ser verdade que o verificacionismo reduz o significado de uma frase ao tipo de indícios observacionais que podemos ter a favor dessa frase, e nada mais. Por exemplo, somos conduzidos a uma perspectiva grotescamente revisionista quanto aos objectos científicos — a perspectiva instrumentalista de que as afirmações científicas sobre electrões, traços de memória, outras galáxias e coisas parecidas são meramente abreviações de conjuntos complexos de frases sobre os nossos próprios dados laboratoriais. Qual é a condição de verificação de uma frase sobre um electrão? Claro que é algo macroscópico, algo sobre leituras num aparelho de medição ou traços de vapor numa câmara Wilson de vapores ultra-saturados ou padrões de dispersão num tubo catódico ou algo desse género. É observável a olho nu aqui e agora. Devemos realmente acreditar que quando falamos de partículas subatómicas não estamos realmente a falar de partículas pequenas — partículas tão pequenas que não podem ser observadas — mas antes de leituras num aparelho de medição, traços de vapor, e coisas do género? (Os próprios positivistas não consideravam que este instrumentalismo fosse grotesco: pensavam que era uma verdade importante. Mas eu penso que é grotesco.) E quando nos voltamos para questões sobre a mente humana, descobrimos que emerge imediatamente uma versão muito forte de comportamentalismo: as afirmações sobre as mentes das pessoas são meramente abreviaturas de afirmações sobre o seu comportamento aberto. Pois o único género de indícios observacionais que tenho quanto aos seus pensamentos e sentimentos mais privados é o seu comportamento que vejo e oiço. Se formos verificacionistas, a filosofia da mente está feita e acabada. Talvez uma ou mais das teorias anteriores, que para mim são indesejáveis, seja verdadeira. Talvez todas sejam verdadeiras. Mas o que está em causa é que a nossa teoria do significado linguístico não deve mostrar num só passo que o são. A metafísica não deve ser resolvida por uma teoria da linguagem, pois a linguagem é apenas uma adaptação tar-

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dia que se encontra numa espécie de primatas. (Talvez nem seja uma adaptação, mas antes um pliotropismo; isto é, um mero subproduto de outros traços que são em si adaptativos.)

OBJECÇÃO 4 Como se aplica o princípio verificacionista a si mesmo? Ou é empiricamente verificável ou não. Suponha-se que não é verificável. Então ou é apenas destituído de significado ou é uma verdade “analítica” vácua ou definicional. Pelo menos um positivista (já não me lembro qual) abraçava galantemente a ideia de que o princípio é apenas destituído de significado, uma escada a deitar fora depois de termos subido por ela. Alguns positivistas adoptavam a linha de que o princípio era uma definição estipulativa útil da palavra “significado,” para fins técnicos. Hempel (1950) chamava “proposta” ao princípio, não sendo assim verdadeira nem falsa, apesar de estar sujeita a várias exigências e restrições racionais, não sendo portanto simplesmente arbitrária. Claro, qualquer filósofo pode estipular qualquer coisa a qualquer momento; mas como poderia isso ajudar quem procura uma teoria do significado (em si), credível e na verdade correcta? As estipulações têm os seus usos mas, quando estamos a tentar chegar a uma teoria filosófica adequada de um fenómeno pré-existente, uma estipulação não é uma grande ajuda. Suponho que alguns positivistas pensam que o princípio era uma definição fiel, correcta, que capta o significado anterior de “significado.” O problema dessa ideia é não sabermos que indícios especificamente semânticos exibiriam a correcção da definição. Os positivistas não sujeitaram certamente o termo “significado” ao género de análise que Russell dedicou à palavra “o”; e nem as pessoas comuns nem os filósofos que não são positivistas partilhavam quaisquer juízos intuitivos compatíveis com o princípio verificacionista. Não parece analítico, como “Nenhum solteiro é casado”; duvido que qualquer pessoa que compreenda o que a palavra “significado” significa e o que “verificar” significa saiba que ser dotado de significado é apenas ser verificável e que o significado de uma frase é a sua condição de verificação. Suponha-se que o princípio é tido como empiricamente verificável. Isto é, presumase que será supostamente confirmado pelas nossas experiências de frases, dos seus significados e das suas condições de verificação, e suponha-se que se descobriu que o significado se alinha com a condição de verificação. Mas (como na objecção 1) isso pressupõe que podemos reconhecer os significados das frases independentemente de lhes atribuirmos condições de verificação. E não é claro o que deve contar como dados “empíricos” no qual o princípio deverá basear-se. Resultados de inquéritos de rua? Definições de dicionário? (Isso, nunca.) As nossas próprias “intuições” linguísticas? (Acresce que o próprio significado do princípio verificacionista coincidiria então, pelo próprio princípio, com a sua própria

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condição de verificação, o conjunto de experiências como que de significados coincidindo com condições de verificação; isto é um enleio desagradável, mas não tenho a certeza se é vicioso, em última análise.) Em qualquer caso, o problema da auto-aplicação é real, e não apenas um truque superficial.3

OBJECÇÃO 5 Erwin (1970) oferece um argumento para mostrar que toda a afirmação é verificável, trivialmente e praticamente da mesma maneira. Suponha-se que nos apresentam uma máquina esquisita que se revela uma maravilhosa máquina de previsão. Nomeadamente, quando se codifica uma frase declarativa num cartão e o inserimos numa abertura da máquina, esta faz um zunido e um ruído surdo e surge a palavra “VERDADEIRO” ou “FALSO”; além disso, tanto quanto conseguimos aferir, a máquina está milagrosamente sempre certa. Considere-se agora uma sequência de palavras arbitrariamente escolhida, S. O seguinte conjunto de experiências seria suficiente para elevar drasticamente a probabilidade de S: 1. Codificamos S num cartão. 2. Introduzimos o cartão na nossa máquina. 3. Na máquina surge a palavra “VERDADEIRO”.

(E recorde-se que a máquina nunca se enganou.) Assim, há um conjunto possível de experiências que confirmariam S, ainda que S seja intuitivamente uma algaraviada. E a condição de verificação particular da própria S seria que, quando é codificada e introduzida na máquina, a máquina responde “VERDADEIRO.” Assim, a teoria verificacionista fica trivializada, dado que qualquer sequência de palavras é verificável, e atribui os significados errados a frases particulares (porque pouquíssimas frases querem dizer algo acerca de cartões que são introduzidos em máquinas infernais.) Há algo de errado com este argumento. Mas descobri que é muitíssimo difícil dizer exactamente o que há de errado.

3

O verificacionismo cortejou o que o falecido David Stove (1991) chamava o “efeito de

Ismael,” o fenómeno de uma teoria filosófica fazer de si mesma a única excepção. (A referência é ao Moby Dick: “E só eu escapei para vos contar”; na verdade, isto é em si uma citação de Job 1:15.) Por exemplo: “Tudo o que podemos saber é que não podemos saber coisa alguma.” “O único pecado moral é a intolerância.” “Absolutamente tudo é relativo.”

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OBJECÇÃO 6 Qualquer versão do princípio verificacionista tem de pressupor uma “linguagem observacional” na qual se descrevam as experiências; consequentemente, tem de sancionar uma distinção firme entre termos “observacionais” e (correlativamente) “teóricos.” Como mencionei, alguns positivistas restringiam a sua linguagem observacional a afirmações sobre as impressões sensoriais privadas e subjectivas das pessoas. Mas isso não respondia aos propósitos da ciência intersubjectiva testável, de modo que a maior parte dos subjectivistas juntaram-se a Hempel (1950), apelando às “características directamente observáveis” dos objectos comuns. Isto tem dois problemas. Primeiro, a noção de “observação directa” é controversa, e parece totalmente relativa à tecnologia e também aos interesses e projectos. Uma observação visual é “directa” quando estamos a usar óculos? E se estivermos a usar uma lupa? E se observarmos por um microscópio, com um ou outro grau de ampliação? E que dizer do microscópio electrónico? Segundo, as “observações,” e as afirmações formuladas na “linguagem observacional,” estão impregnadas de teoria, pelo menos em parte; o que conta como uma observação e o que conta como observado e o modo como se descreve um “dado” — tudo isto é determinado em parte pelas próprias teorias que estão em questão. Estes dois problemas são questões espinhosas na filosofia da ciência; só as menciono de passagem.4 Mas ajudam a dar forma a uma objecção muito mais profunda ao verificacionismo.

A grande objecção OBJECÇÃO 7 Na esteira de Pierre Duhem (1906), W. v. Quine (1953, 1960) argumenta que nenhuma frase individual tem uma condição de verificação distinta, excepto relativamente a uma massa de teoria de fundo contra a qual a testagem “observacional” tem lugar. Há uma ideia ingénua que muitas pessoas têm sobre a ciência. É a ideia de que se formula uma hipótese científica que depois testamos fazendo uma experimentação, e a experimentação mostra, só por si, se a hipótese é correcta. Duhem salientou que na história do universo nunca houve uma experimentação que tenha podido só por si verificar ou falsificar uma hipótese. A razão é que há sempre demasiados pressupostos auxiliares que se tem de aceitar para fazer a hipótese contactar com o aparato experimental. As hipóteses por vezes são realmente infirmadas — completamente refutadas, se quisermos — mas 4

Veja-se Achinstein (1965) e Churchland (1988). Mas quanto ao segundo aspecto tem havido alguma discordância, como Fodor (1988).

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isso é só porque os cientistas envolvidos mantêm inalterados outros pressupostos que são disputáveis e que até podem ser perfeitamente falsos. Suponha-se que estamos a fazer um estudo astronómico, e que estamos a verificar e a refutar coisas fazendo observações através de complicados telescópios. Ao usar tais telescópios estamos a pressupor praticamente toda a teoria óptica, e muitas mais coisas. Surpreendentemente, o que Duhem disse aplica-se também à vida quotidiana. Tome-se uma qualquer frase comum sobre um objecto físico, como “Está uma cadeira à cabeça da mesa.” Qual é a sua condição de verificação? Uma primeira coisa a notar é que “o” conjunto de experiências que confirmariam essa frase é de certo modo condicional, dependendo do nosso ponto de vista hipotético. Podemos tentar algo assim: se entrarmos na sala vindos da direcção desta porta, teremos experiência de uma cadeira à cabeça da mesa. Mas mesmo isto depende. Depende de termos os olhos abertos, e depende de o nosso aparato sensorial estar a funcionar apropriadamente, e depende de as luzes estarem ligadas, e… Estas restrições não parecem chegar ao fim. Se tentarmos inserir as reservas apropriadas (“Se entrarmos na sala, e tivermos os olhos abertos, e o nosso aparato sensorial estiver a funcionar,…”), surgem mais restrições: caminhamos de frente ou de costas? Há algo interposto entre nós e a cadeira? A cadeira foi disfarçada? Os marcianos tornaramna invisível? Terá o nosso cérebro sido alterado por uma emissão inesperada de raios Q vindos do céu? E podemos continuar nisto durante dias. A moral da história é que o que tomamos como “a” condição de verificação de uma dada afirmação empírica pressupõe um pano de fundo gigantesco de pressupostos auxiliares preestabelecidos. Estes pressupostos são de hábito perfeitamente razoáveis, e não os fazemos por acaso. Mas uma “condição de verificação” particular só está associada com uma dada frase se escolhermos admitir tais pressupostos, e quase qualquer um deles pode falhar. Intrinsecamente, a frase não tem qualquer condição de verificação determinada. Isto é (no mínimo) embaraçoso para uma teoria que identifica o significado de uma frase com a sua condição de verificação. Mas, como veremos, a questão não acaba aqui.

DUAS QUESTÕES QUINIANAS Nos anos cinquenta e sessenta do séc. XX, W. v. Quine levantou dois desafios à filosofia da linguagem dos positivistas. Primeiro, atacou a noção de analiticidade (Quine 1953, 1960); isto é, atacou a tese de que algumas frases são verdadeiras inteiramente em virtude do seu significado e não por causa de qualquer contribuição do mundo extralinguístico. Quine apresenta vários argumentos contra a analiticidade. Alguns não são convincentes. Outros são melhores, e fizeram de “analítico” uma palavra feia desde então, ou pelo menos até um ressurgimento recente. Não farei uma lista; darei apenas uma ideia geral do que penso ser fundamental no repúdio de Quine da analiticidade.

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Quine partilha e sustenta a inclinação epistemológica dos positivistas, e pensa que se o significado linguístico for alguma coisa, terá de ser uma função da base indiciária. Mas a sua epistemologia difere da dos positivistas por ser holista. Há frases individuais que consideramos verdadeiras e outras que rejeitamos por serem falsas, mas em cada caso a base da nossa crença é uma questão, complexa, de relações indiciárias que a nossa frase mantém com muitas outras frases. Sempre que parece que é necessário rever crenças, podemos escolher entre muitíssimas crenças que podemos abandonar para manter um sistema adequadamente coerente (recorde-se a questão de Duhem). E nenhuma crença está completamente imune à revisão, nenhuma frase há que não poderia ser rejeitada sob a pressão de indícios empíricos juntamente com uma preocupação com a coerência geral. Mesmo verdades aparentes da lógica, como as verdades da forma “Ou P ou não P,” poderiam ser abandonadas à luz de fenómenos adequadamente bizarros da mecânica quântica. Mas uma frase analítica seria por definição inteiramente insensível aos dados do mundo, e portanto imune à revisão. Logo, não há frases analíticas. Pode parecer que em termos práticos não é muito relevante haver ou não frases que ocupem a pitoresca categoria filosófica do “analítico.” Mas a rejeição de Quine da analiticidade tem realmente uma pequena repercussão interessante. Suponha-se que duas frases portuguesas, F1 e F2, são precisamente sinónimas. Então, a frase condicional “Se F1, então F2” deveria ser analítica, pois tem como conteúdo “Se [este estado de coisas], então [este mesmo estado de coisas],” que dificilmente poderia ser falsificado por qualquer desenvolvimento empírico. Logo, se não há frases analíticas, nenhumas duas frases portuguesas são precisamente sinónimas, nem sequer “A mãe de Kant era uma mulher” e “A mãe de Kant era um ser humano do sexo feminino.”5 As coisas ficam ainda piores. Eis o segundo desafio que Quine lança aos positivistas e praticamente, na verdade, a toda a gente. Não se trata apenas de não haver frases analíticas, nem de não haver frases sinónimas. O que se passa é que o significado é coisa que não existe. Quine começa por negar os nossos “factos do significado,” e insiste num eliminativismo ou niilismo quanto ao significado, na forma da sua doutrina da “indeterminação da tradução.” Quine apresentou também aqui vários argumentos, alguns mais convincentes do que outros. Um deles (de Quine 1969) pode ser formulado com grande simplicidade: as frases individuais não têm condições de verificação. Mas, se uma frase tivesse qualquer significado, seria uma condição de verificação. Logo, as frases individuais não têm qualquer significado de todo em todo. É assim que Quine salva o verificacionismo da objecção 5. Mas este é um salto desesperado, dado salvar a povoação destruindo-a, eliminando sim5

Na verdade, um bom quiniano consumado não deveria aceitar este argumento. Porquê? (Pista: veja o parágrafo anterior.)

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plesmente o significado e os próprios factos do significado. O problema com o argumento, é claro, está na justificação da segunda premissa; se as frases não têm condições de verificação, porquê continuar a aceitar o verificacionismo quando há tantas outras teorias do significado à nossa disposição? Um argumento mais conhecido começa com a hipótese de um linguista de campo a investigar uma linguagem nativa alienígena a partir do zero, tentando construir um “manual de tradução” ou um dicionário de nativo-português. Quine argumenta que a totalidade dos indícios disponíveis ao linguista não determinam qualquer um manual de tradução; muitos manuais mutuamente incompatíveis são inteiramente consistentes com esses indícios. Além disso, a subdeterminação neste caso não é apenas a subdeterminação normal das teorias científicas face aos indícios nos quais se baseiam. É radical: nem sequer a totalidade dos factos do mundo é suficiente para vindicar um dos manuais rivais de tradução contra os outros. Logo, nenhuma tradução é correcta à exclusão das suas traduções rivais. Mas se as frases tivessem significados, teriam traduções correctas, nomeadamente as traduções que preservassem os seus significados efectivos. Logo, as frases não têm significados. O problema aqui é justificar a premissa de que nem sequer a totalidade dos factos físicos do mundo determina a correcção de um dos manuais de tradução rivais. A defesa dessa premissa permanece obscura.

Sumário 

Segundo a teoria verificacionista, uma frase é dotada de significado se, e só se, caso fosse verdadeira isso faria alguma diferença no decurso da nossa experiência futura; e o significado particular de uma frase é a sua condição de verificação, o conjunto de experiências possíveis que tenderiam a mostrar que essa frase era verdadeira.



A teoria enfrenta várias objecções de médio porte.



Mas a objecção mais forte é que, como Duhem e Quine argumentaram, as frases individuais não têm condições de verificação distintas por si mesmas.



Quine atacou a perspectiva de que há frases “analíticas,” frases verdadeiras somente em virtude dos seus significados.



Da posição de Duhem Quine inferiu a tese radical de que as frases individuais não têm significados; o significado frásico é coisa que não existe.

Questões 1. Responda em nome do verificacionista a uma das objecções 1-6. 2. Tente enfrentar a objecção 7. 3. Tem alguma crítica complementar a fazer à teoria verificacionista? 4. Discuta o ataque de Quine à analiticidade, ou a sua defesa da indeterminação do significado. (São necessárias leituras externas para qualquer destas questões.)

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Leitura complementar 

Ayer (1946) é um clássico e/mas é uma exposição e defesa muito acessíveis do verificacionismo.



Alguns artigos anti-verificacionistas influentes, além de Quine, foram Waismann (1965b) e vários artigos coligidos de Hilary Putnam (1975b), especialmente “Dreaming and “Depth Grammar”.”



A doutrina de Quine da indeterminação da tradução abrangeu uma vasta bibliografia tóxica. Para uma perspectiva da doutrina e da bibliografia inicial veja-se Lycan (1984: cap. 9) (estava à espera que eu recomendasse a perspectiva de outros?); veja-se também Bar-On (1992).



Os anos setenta e oitenta do séc. XX viram a eclosão do neoverificacionismo, em grande medida devido aos escritos de Michael Dummett reunidos no seu livro de 1978. Para um ataque excessivamente simplificado a Dummett, mas muito claro, veja-se Devitt (1983).

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Teorias das condições de verdade: o programa de Davidson

Sinopse Segundo Donald Davidson, obteremos uma teoria do significado melhor se substituirmos a noção de condição de verificação de uma frase pela noção de condições de verdade da frase: as condições sob as quais a frase efectivamente é ou seria verdadeira, em vez de o estado de coisas que serviria apenas como indício da verdade. Davidson oferece vários argumentos, sendo o principal que precisamos da composicionalidade para dar conta da nossa compreensão de frases longas e novas, e as condições de verdade de uma frase constituem a sua característica mais obviamente composicional. Como modelo do modo como as condições de verdade se podem atribuir a frases de linguagens naturais como o português, Davidson toma o modo como a verdade é definida para um sistema artificial de lógica formal. Mas, dado que a gramática de superfície das frases portuguesas diverge das suas formas lógicas, é necessário fazer intervir uma teoria da gramática e da sua relação com a lógica; essa teoria existe e é sustentada de modo independente. A teoria de Davidson enfrenta muitas objecções. Uma é que muitas frases perfeitamente dotadas de significado não têm valores de verdade. Outras objecções incluem a incapacidade da teoria para lidar com expressões (como pronomes) cujos referentes dependem do contexto, predicados que não são sinónimos mas que por acaso se aplicam precisamente às mesmas coisas, e frases cujos valores de verdade não são determinados pelos das suas orações componentes.

Condições de verdade Até agora, só uma das nossas teorias conseguiu lançar luz sobre o que efectivamente determina os significados das frases particulares. A teoria proposicional toma os significados frásicos e limita-se a reificá-los (faz deles objectos de um certo tipo), sem grandes comentários complementares e sem conectar o objecto que assim se reificou com as práticas linguísticas ou com o comportamento linguístico seja de quem for. Grice tentou empurrar a questão para a filosofia da mente, tentando conectar as frases com os conteúdos das intenções e crenças efectivas das pessoas, coisa que não foi muito bem-sucedida e, mais importante, limitou-se a tomar como garantidas os próprios conteúdos das intenções e das crenças. Como vimos, os verificacionistas fizeram melhor; ofereceram-nos um teste para o conteúdo proposicional de qualquer frase dada, sendo o conteúdo (precisamente) a condição de verificação da frase. O problema é que, ainda que ignoremos o pro-

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blema de Duhem-Quine (a objecção 7 do capítulo anterior), o teste verificacionista parece prever muitas vezes o conteúdo errado (objecção 3). Donald Davidson (1967ª, 1970) argumentou que chegamos onde queremos se substituirmos a noção positivista de condição de verificação de uma frase pela noção de condições de verdade de uma frase. Deste ponto de vista, conhecer o significado de uma frase é conhecer as condições sob as quais essa frase seria verdadeira, e não saber como determinar se a frase é efectivamente verdadeira. (Esqueça a epistemologia.) Ser uma frase sinónima de outra é ser uma frase verdadeira precisamente sob as mesmas condições da outra; ser uma frase ambígua é ser simultaneamente verdadeira e falsa nas mesmas circunstâncias mas sem autocontradição; ser uma frase derivável de outra é ser impossível que a segunda seja verdadeira sem que a primeira o seja também. Já vimos a abordagem do significado em termos de condições de verdade, ainda que não por esse nome, na nossa discussão da teoria das descrições de Russell, que esboça precisamente as condições de verdade das frases que contêm descrições, argumentando de diferentes maneiras que essas são as condições de verdade correctas. Mas voltaremos a Russell na próxima secção. Davidson começa com duas ideias que depois se verá que estão relacionadas. Uma é que uma teoria do significado deve proporcionar uma orientação quanto ao que determina o significado de uma frase particular. A outra é dar importância central ao fenómeno assombroso com o qual este livro começou: a nossa capacidade para compreender longas frases novas instantaneamente. Centrando-se na primeira ideia, Davidson pergunta como se poderia dar uma “teoria do significado para” uma linguagem particular — não uma teoria geral do significado no nosso sentido filosófico, mas uma teoria do português ou do chinês ou do kwakiutl — que especificasse os significados particulares das frases dessa linguagem, uma por uma. Que forma assumiria tal teoria? Davidson oferece e motiva várias orientações e restrições. A primeira é esta: Dado não parecer haver qualquer limite claro no número de expressões dotadas de significado, uma teoria viável tem de dar conta do significado de cada expressão na base na exibição padronizada de um número finito de características. Mas mesmo que houvesse uma restrição prática na dimensão das frases que uma pessoa pode enviar e receber compreendendo, uma semântica satisfatória teria de explicar a contribuição de características repetíveis para os significados das frases nas quais ocorrem. (Davidson 1970: 18)

Davidson apela aqui para a nossa capacidade de compreender frases longas e novas, e sugere uma explicação para essa capacidade. Como compreendemos um número

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potencialmente infinito de frases portuguesas com base no nosso vocabulário finito e na nossa experiência limitada da linguagem? A resposta tem de ser que dominámos “um número finito de características,” um conjunto relativamente pequeno e manejável de expressões dotadas de significado que servem de “átomos” do significado, e também algumas regras de composição, modos “padronizados” de combinar esses átomos ou primitivos semânticos que geram os significados das expressões mais complexas.1 Muito grosseiramente falando, os átomos de significado são palavras individuais, e as regras de composição são as regras da gramática ou da sintaxe que especificam como as palavras podem ser combinadas para projectar os seus significados individuais em significados mais complexos. Davidson sustenta que o significado de uma frase é uma função dos significados das suas palavras constituintes.2 É a isto que no capítulo 6 chamámos tese da composicionalidade. A composicionalidade é a hipótese óbvia para explicar a nossa compreensão de longas frases novas: compreendemos os significados complexos decompondo sintacticamente as frases em elementos menores dotados de significado, computando então os significados complexos como funções sintácticas desses elementos. Assim, uma teoria adequada do significado no sentido filosófico geral deve guiarnos na construção de uma “teoria sistemática do significado para” qualquer linguagem que especifique o significado de cada frase gramatical dessa linguagem, fazendo a crónica da composição da frase a partir das suas palavras constituintes. Assim, deve ter os meios para gerar uma lista: “A neve é branca” significa que a neve é branca. “A relva é verde” significa que a relva é verde. “Os poltergeists constituem o principal tipo de manifestação material” significa que os poltergeists constituem o principal tipo de manifestação material. Em 1931, Adolf Hitler foi aos EUA, visitou vários pontos de interesse… [Já apanhou a ideia.]

E esta lista é infinita ou potencialmente infinita. Claro que este exemplo especifica em português os significados de frases portuguesas (e por isso parece um tanto desinteressante), mas temos também de conseguir fazer o mesmo para outras linguagens:

1

Davidson aqui segue Ziff (1960).

2

“Palavras” não é o termo mais correcto. Alguns átomos de significado são menores do que

as palavras: afixos como “in-” (prefixo) e “-vel” (sufixo). Algumas palavras são apenas partes pleonásticas de átomos de significado, como no francês “ne… pas.” Os linguísticas chamam morfemas aos verdadeiros átomos de significado. Mas por uma questão de conveniência e familiaridade continuarei a falar de “palavras.”

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“Der Schnee ist weiss” significa que a neve é branca. “Das Gras ist grün” significa que a relva é verde. “Die Potergeisten representieren…” [etc.]

Como poderia uma teoria do português ou do alemão gerar tal lista? Note-se, primeiro, que, correspondendo à nossa capacidade para compreender novas frases longas, temos a capacidade para determinar os valores de verdade dessas frases se soubermos factos suficientes. Por exemplo, se por acaso eu souber que, na “Ave Maria,” Katherine Dienes usa segmentos de cânticos, baixo contínuo, figuras sobrepostas de “ora pro nobis” e outros dispositivos para sugerir a sonoridade da música conventual medieval, e encontrar a frase 1) Na “Ave Maria,” Katherine Dienes usa segmentos de cânticos, baixo contínuo, figuras sobrepostas de “ora pro nobis” e outros dispositivos para sugerir a sonoridade da música conventual medieval

(uma frase que tenho a certeza é tão nova para si quanto o foi originalmente para mim); sei também que essa frase é de facto verdadeira. E se eu tivesse encontrado uma frase como esta mas em que “música conventual medieval” tivesse sido substituído por “o género de música rap de Ice-T,” acrescentando-se a oração “… e Dienes mudou-se recentemente para Newark, Nova Jérsia,” eu saberia instantaneamente que é falsa. Assim, parece que compreendemos as condições de verdade de longas frases novas assim que as vemos, tal como as compreendemos, e levanta-se a mesma questão: como é isso possível? Davidson pensa que esta coincidência não é uma coincidência. A questão tem a mesma resposta: composicionalidade. As condições de verdade das frases longas são determinadas pelas condições de verdade das frases menores que as constituem, e os processos sintácticos que geram as frases mais longas transportam consigo propriedades semânticas relacionadas com a verdade, combinando assim as propriedades de verdade simples em propriedades mais complexas.3 Temos um modelo elegante desta composicionalidade das condições de verdade, que serve também como o único modelo que temos para a composicionalidade do significado. É a semântica de uma linguagem formal como, por exemplo, o cálculo de predicados, formulado pelos lógicos. Quem fez um curso de lógica formal já estava a ver que íamos dar aqui e portanto já me ultrapassou. Mas para quem não fez tal coisa, tentarei explicar a ideia informalmente, sem me basear na notação técnica. 3

A tese da composicionalidade é simplesmente pressuposta pela maior parte dos teorizadores, mas é difícil de formular com precisão, e foi seriamente posta em causa, nomeadamente por Pelletier (1994); veja-se também Szabó (2007).

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Irei descrever uma pequena linguagem muito simples, quase tão simples quanto a linguagem dos pedreiros de Wittgenstein, mas com uma característica distintiva crucial. Tem dois termos ou predicados, F e G, que correspondem às palavras portuguesas “gordo” e “ganancioso”; F denota ou aplica-se a todas as coisas gordas do mundo, e apenas a elas, e G aplica-se a todas as coisas gananciosas. A pequena linguagem (a que chamarei “labreguês”) tem também dois nomes próprios: a, que denota o Alberto, e b, que denota a Bela. E tem uma regra semântica para formar frases sujeito-predicado: uma frase construída prefixando um predicado P ao um nome próprio n é verdadeira sse o que n denota está incluído entre as coisas às quais P se aplica. Por fim, o labreguês inclui mais duas expressões chamadas “conectivas frásicas”: “não,” que se pode acrescentar a qualquer frase dada, e “e,” que pode ser inserida entre frases completas para fazer uma frase mais longa. Cada uma das conectivas é regida pela sua regra semântica distintiva. A regra “não” é que uma frase que resulte de se acrescentar “não” a outra frase A será verdadeira se, e só se, a própria A não for verdadeira. A regra de “e” é que uma frase da forma composta “A e B” será verdadeira se, e só se, A for verdadeira e B também. Assim: DEFINIÇÃO DE VERDADE PARA O LABREGUÊS “F” aplica-se a coisas gordas. “G” aplica-se a coisas gananciosas. “a” denota o Alberto. “b” denota a Bela. Uma frase sujeito-predicado “Pn” é verdadeira se, e só se, o que “n” denota é um membro da classe de coisas a que “P” se aplica. Uma frase da forma “Não A” é verdadeira se, e só se, a frase “A” não é verdadeira. Uma frase da forma “A e B” é verdadeira se, e só se, as suas frases componentes “A” e “B” são ambas verdadeiras.

Isto é a totalidade da linguagem — todo o seu vocabulário, todas as suas regras de significado de qualquer tipo. É de reduzido interesse e encoraja a repetição entediante. Mas a sua definição de verdade, ainda que na sua simplicidade bruta, tem as características gémeas de que precisamos: permite a existência de frases gramaticais de labreguês de dimensão ilimitada e em número ilimitado, e (contudo) consegue especificar as condições de verdade para todas elas. Por exemplo, se um locutor de labreguês proferir “Fa,” sabe-

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mos pela nossa cláusula sujeito-predicado que essa frase é verdadeira se, e só se, a denotação de a, isto é, o Alberto, estiver incluída na classe de coisas às quais F se aplica isto é, a classe das coisas gordas, que é apenas dizer que Alberto é gordo. (À classe de coisas às quais um termo se aplica chama-se a sua extensão.) Ou pode-se dizer que o Alberto é ganancioso. Ou pode-se dizer que é gordo e ganancioso, pois a nossa regra de verdade para “e” diz-nos que “Fa e Ga” é verdadeira apenas quando o Alberto é gordo e o Alberto é ganancioso. (Afira-o por si.) E a palavra “e” pode ser iterada, isto é, aplicada uma e outra vez, para fazer frases cada vez mais longas sem parar: “Fa e não Fb”; “Fa e não Ga e Fb e não Gb”; “Fa e Ga e não Fb e Gb e Fa e não Fb”; e assim por diante, para sempre. (Claro que as últimas frases serão repetitivas dado o labreguês ter um léxico tão pequeno, mas mesmo as frases mais repetitivas são mesmo assim gramaticais e têm condições de verdade perfeitamente claras.) Assim, mesmo com esta pequena e trivial definição de verdade apenas já obtivemos um número infinito de frases gramaticais, e temos regras de projecção que nos dizem, independentemente da dimensão da frase, a condição sob a qual essa frase é verdadeira. Na posse disto, podemos encontrar qualquer frase nova de labreguês, mesmo que tivesse oitocentos metros, e computar as suas condições de verdade. Explicámos uma capacidade potencialmente infinita por meios finitos, na verdade, minúsculos. Suponha-se que derivámos passo a passo uma condição de verdade da nossa definição de verdade e que a explicitámos: “Fa e não Ga e Fb e não Gb” é verdadeira se, e só se, o Alberto é gordo e o Alberto não é ganancioso e a Bela é gorda e a Bela não é gananciosa.

Tomamos uma frase de labreguês e especificámos a sua condição de verdade. Mas não especificámos nós também o significado? Certamente que o que a frase escolhida significa é apenas que o Alberto é gordo e o Alberto não é ganancioso e a Bela é gorda e a Bela não é gananciosa. E significa isso composicionalmente, em virtude do que a, b, F e G denotam mais as regras semânticas para determinar condições de verdade complexas a partir das mais simples. Suponha-se que podíamos fazer o mesmo para o português, isto é, construir uma definição de verdade que expele algo da forma ““——” é verdadeira se, e só se, ——” para cada frase portuguesa. (Chama-se a tais produtos “bicondicionais de Tarski” ou “frases V,” pois inspiram-se na forma que assume a teoria da verdade de Tarski (1956)). E suponha-se que se vê que cada frase V apanha correctamente as condições de verdade da frase visada. Então, pergunta Davidson, que mais se poderia razoavelmente pedir de uma teoria do significado para o português?

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Considere-se: uma atribuição correcta de significado a uma frase deveria determinar a sua condição de verdade; assim, sabemos que uma teoria adequada do significado para uma linguagem deve proporcionar pelo menos uma definição de verdade para essa linguagem. Assim, se a definição de verdade faz também tudo que é de esperar de uma teoria do significado, seria razoável identificar simplesmente o significado de uma frase com a sua condição de verdade. E quanto aos factos do significado? Já mencionei as maneiras segundo as quais a teoria das condições de verdade dá conta da sinonímia e da ambiguidade. Dá também conta da inclusão semântica e especialmente da derivabilidade. De “Fa e não Fb” deriva-se “Fa” porque, segundo a nossa definição de verdade, “Fa e não Fb” não poderia ser verdadeira a menos que “Fa” o fosse. Uma definição de verdade para uma linguagem prevê as sinonímias, derivabilidades e outras relações semânticas que se encontram por referência às regras semânticas de composição que codifica. E, em parte, o defensor contemporâneo da teoria das condições de verdade estuda construções linguísticas do mesmo modo que Russell trabalhou nas descrições. Reúne uma quantidade de factos do significado sobre um tipo ou grupo particular de frases nas quais tem interesse — factos sobre relações de sinonímia, ambiguidades, relações de derivabilidade, etc. — e tenta explicar esss factos em termos das condições de verdade. Russell deu atenção às propriedades semânticas das frases deste ou daquele tipo, em especial propriedades interessantes que criam quebra-cabeças lógicos, e depois perguntou: como podemos fazer uma teoria de tais frases que explique a razão pela qual exibem essas características semânticas que originam quebra-cabeças? A sua resposta, como na teoria das descrições, seria uma condição de verdade hipotética. A teoria das condições de verdade vê o significado como representação. Com efeito, regressa à concepção de significado da teoria referencial, segundo a qual o significado é um espelhamento ou correspondência entre frases e estados de coisas efectivos ou possíveis; Russell salientava esta ideia (e na verdade fez dela uma pedra angular da sua metafísica). A definição de verdade funda-se nas relações referenciais entre os termos e os seus denotantes ou extensões mundanos. Vimos no capítulo 1 que a teoria referencial grosseira era uma ideia excessivamente simples da correspondência entre as palavras e o mundo; o defensor da teoria das condições de verdade não postula uma correspondência tão forte nem tão simplista, dado não insistir que todas as palavras são nomes. Mas o defensor da teoria das condições de verdade está de volta à tarefa de espelhar a natureza, de perguntar que estados de coisas efectivos ou possíveis uma dada frase visada descreve ou representa.

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Definir a verdade em linguagens naturais A verdade foi definida explicitamente no labreguês. As suas frases exibem explicitamente as suas condições de verdade, no sentido em que não há disparidade entre a forma gramatical de superfície de uma frase e o que Russell chama a sua forma lógica (capítulo 2). E podemos pura e simplesmente olhar para uma frase de labreguês e, na posse da definição de verdade, analisar a estrutura composicional da frase e calcular a condição de verdade da frase. Este é o paradigma de Davidson. Há um enorme “mas” (na verdade, um “Mas…‼”), que provavelmente já lhe ocorreu. Uma coisa é fornecer uma definição de verdade para uma linguagem formal inventada, mesmo que seja muitíssimo mais rica do que o labreguês; outra coisa muito diferente é revelar regras de verdade alegadamente subjacentes a uma linguagem natural previamente existente como o português. A linguagem natural já cá estava. E, o que é muito mais importante, as frases do português não exibem explicitamente as suas condições de verdade. Como vimos no capítulo 2, é notório que a sua gramática de superfície difere imprevisivelmente das suas formas lógicas. Bem, diz o partidário da teoria das condições de verdade, não é assim tão imprevisivelmente. É aqui que a sintaxe entra no filme. (Na verdade, pode dizer o partidário, é para isso que serve a sintaxe.) Gostaria de lhe dar um curso inteiro de sintaxe; na impossibilidade de o fazer, gostaria de lhe dar só os elementos básicos. Mas o espaço não me permite fazer qualquer das duas coisas. Assim, limitar-me-ei a apontar para a ideia fundamental na esperança de que possa apanhar o resto alhures. Por uma questão de simplicidade, irei usar jargão que faz lembrar os primórdios da sintaxe teórica (aproximadamente os anos sessenta do séc. XX), quando esta disciplina foi fundada por Zellig Harris e Noam Chomsky. Uma sintaxe ou uma gramática para uma linguagem, natural ou artificial, é um dispositivo para extrair frases bem formadas ou gramaticais de todas as sequências constituídas por palavras dessa linguagem. E uma vez mais (como na semântica), o modelo é o da formação de regras para um sistema lógico. Recorde-se o labreguês. As frases de labreguês podem ser analisadas e diagramadas pelo que se chama “marcadores de expressão,” de um modo que descreve directamente a sua composição sintáctica com base em termos individuais. Eis “Fa e não Fb”:

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Frase

Frase

Predicado

Conectiva

Nome

Frase

Conectiva

Frase

Predicado Nome

F

a

e

não

F

b

Pode-se formar uma colocando um nome depois de um predicado, de modo que “Fa” e “Fb” são frases. Pode-se formar uma frase prefixando uma frase com “não,” de modo que “não Fb” é uma frase. Finalmente, pode-se formar uma frase colocando “e” entre duas frases, de modo que o resultado inteiro será uma frase. Podemos diagramar frases portuguesas simples de maneira semelhante. Eis uma clássica: “O rapaz chutou a bola colorida.”

Frase

Expressão nominal

Determinante

substantivo

Expressão verbal

Verbo

Expressão nominal

Determinante

O

rapaz

chutou

a

Substantivo

bola

Adjectivo

colorida

Os nós destes marcadores de expressão são etiquetados segundo categorias gramaticais, e os mais abaixo começam a parecer-se com “partes dos discurso” português: substantivo, adjectivo, e por aí fora. Os nós mais acima correspondem a estruturas gramaticais mais complexas, como expressões nominais. Mas poucas frases portuguesas são assim tão simples. A maior parte tem estruturas que não podem ser inteiramente representadas por marcadores de expressão deste tipo simples (a que se chama marcadores “sem contexto”), porque há relações gramaticais robustas e inconfundíveis que não podem ser representadas desta forma. Chomsky (1957, 1965) argumentou que a gramática dos marcadores de expressão precisa de ser aumentada

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por um dispositivo, especificamente um conjunto de regras, que possam tomar um marcador de expressão e transformá-lo num marcador diferente de um tipo dependente; chamou a essas regras “transformações.” Por exemplo, uma transformação passiva pode tomar o anterior marcador de expressão e rearranjar as suas partes transformando-o num marcador para “A bola colorida foi chutada pelo rapaz.” As transformações são entendidas como dinâmicas, como agentes que partem marcadores de expressão e reconstroem as suas partes em diagramas em árvore mais complicados. Assim, com alguma sorte, todas as sequências gramaticais de português têm ou um marcador de expressão sem contexto ou um marcador que foi derivado por uma série de uma ou mais transformações a partir de um marcador sem contexto. Nenhuma outra sequência é gramatical. (As gramáticas já não têm esta arquitectura simples, nem os linguistas de hoje usam a minha terminologia antiquada. Mas para ficar a saber mais terá de estudar por si.) Como afirmei, os linguistas concebiam originalmente a gramática simplesmente como uma máquina que separava sequências bem formadas de algaraviadas. Alguns linguistas param aí, e não consideram que a tarefa tenha muito a ver com semântica ou com o significado frásico propriamente dito. Mas, como Davidson afirma, algo toma os significados das palavras individuais, compondo-os depois ou projectando-os em significados frásicos completos. O que faz tal coisa? Presumivelmente, regras para juntar as palavras numa ordem racional qualquer, uma ordem que confere um significado à totalidade do composto. Mas repare-se que um mesmo conjunto de palavras pode ser diferentemente ordenado, e duas das sequências resultantes podem ter significados diferentes, mesmo que ambas estejam bem formadas: tragicamente, “O João ama a Marta” não tem o mesmo significado que “A Marta ama o João,” ainda que as mesmas três palavras componham as duas frases. Assim, para gerar significados diferentes para estas frases, as regras de projecção têm também de fazer ajustes mais subtis; têm de olhar não apenas para as próprias palavras, mas também para algumas distinções mais subtis. Mas as mesmíssimas regras sintácticas que compõem sequências gramaticalmente aceitáveis a partir de palavras individuais parecem também perfeitamente adequadas para servir como regras de projecção desse género. Nos finais dos anos sessenta do séc. XX muitos linguistas vieram a adoptar essa perspectiva, e sustentaram que as transformações preservam o significado (apesar de esta última tese ter sido restringida e parcialmente abandonada pela teoria canónica alargada dos anos setenta do mesmo século e pela teoria da regência e da ligação dos anos oitenta). Suponha-se que temos uma gramática da estrutura de expressões para uma linguagem formal cujas condições de verdade foram explicitamente definidas. E suponha-se que temos transformações gramaticais capazes de converter fórmulas dessa linguagem em sequências bem formadas de português. Então temos uma gramática cuja componente de

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estrutura de expressões gera estruturas subjacentes (fórmulas como as da lógica) e cuja componente transformacional produz variações portuguesas sobre essas estruturas subjacentes. Dado que as transformações preservam o significado ou, em termos mais restritos, dado que as transformações preservam propriedades da verdade, podemos então ver como as frases portuguesas têm os seus significados. Nomeadamente, têm significados em virtude de terem condições de verdade, e têm condições de verdade em virtude de derivarem por transformação de fórmulas de um sistema de notação análogo ao da lógica cuja verdade foi explicitamente definida. As frases sinónimas são variações transformacionais de cada uma; as frases ambíguas são os produtos de mais de um processo transformacional possível, e assim por diante. Idealmente, o defensor da teoria das condições de verdade quer ser empiricamente mais responsável do que Russell. Este filósofo abordava as condições de verdade a priori; escrevia uma frase inglesa no quadro, escrevia uma fórmula lógica ao lado, olhava para as duas, e ajuizava que a segunda parecia captar correctamente as condições de verdade da primeira. Também apelava, o que era mais prometedor, para o poder que a sua hipótese tinha para resolver quebra-cabeças. Mas um defensor contemporâneo da teoria das condições de verdade deverá querer que, além disso, as suas hipóteses semânticas respondam pelo menos parcialmente a teorias sintácticas plausíveis.

Objecções à versão davidsoniana OBJECÇÃO 1 Como ocorre com a teoria verificacionista, a teoria das condições de verdade parece aplicar-se apenas à linguagem descritiva, factual; perguntas e ordens, etc., não são de modo algum verdadeiras ou falsas. UMA RESPOSTA DÉBIL Apesar de não dizermos normalmente que as perguntas ou as ordens são verdadeiras ou falsas, estas têm valores semânticos bipolares análogos à verdade. A uma pergunta responde-se correctamente “sim” ou “não”; e obedece-se ou desobedece-se a uma ordem. Intuitivamente, uma frase adeclarativa corresponde a um estado de coisas que pode ocorrer ou não, ainda que a sua função não seja descrever ou relatar esse estado de coisas. Por exemplo, uma ordem é “verdadeira” se lhe obedecermos de facto, e falsa no caso contrário. Claro que isto não é uma maneira normal de usar “verdadeiro” e “falso”; estamos a alargar a sua aplicação a toda a bipolaridade semântica. (Talvez devêssemos inventar um par mais geral de termos gerais, como “positivo” e “negativo.”)

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UMA PRIMEIRA RÉPLICA Nem todas as adeclarativas são bipolares desse modo. Considere-se perguntas como “Quem roubou o serviço de mesa?,” “Que horas são?,” e “Por que fizeste explodir o meu barco?” Nenhuma destas tem uma resposta “sim” ou “não”; na verdade, cada uma delas admite um âmbito muitíssimo vasto de respostas correctas possíveis.

UMA SEGUNDA RÉPLICA A dificuldade com a inexistência de valor de verdade não se restringe a frase adeclarativas. Para começar, já se argumentou que certas frases gramaticalmente declarativas não têm condições de verdade e só têm condições epistémicas de “asseribilidade”. A mais notável dessas posições é a de Adams (1965), entre outros autores, que defendeu a perspectiva de que as condicionais indicativas não têm condições de verdade nem valores de verdade. Além disso, alguns filósofos sustentam (na peugada dos positivistas) que certas frases gramaticalmente declarativas não afirmam factos apesar de ingenuamente não o parecer. Segundo os emotivistas, em filosofia moral, os juízos morais são apenas expressões ou manifestações, análogos semanticamente a gemidos, grunhidos de protesto, aclamações, e coisas do género. Sendo assim, tais frases “factualmente defectivas” não têm valores de verdade. Logo, uma frase V com respeito a uma delas (““O assassínio é incorrecto” é verdadeira sse o assassínio é incorrecto”) seria falsa ou anómala.4

RESPOSTA À SEGUNDA RÉPLICA É fácil ao defensor da teoria das condições de verdade que seja também um emotivista (ou seja o que for) restringir a sua teoria da verdade de modo a não se aplicar desde logo a frases infactuais. Mas inversamente, pode-se argumentar partindo da plausibilidade geral da semântica das condições de verdade (se nela acreditarmos) para concluir que o emotivismo é implausível, assim como outras perspectivas que neguem o valor de verdade a declarativas perfeitamente gramaticais.

OBJECÇÃO 2 Davidson fala como se os lados direitos das suas frases V fossem todos escritos em inglês, ou na linguagem natural do teorizador, seja ela qual for, de modo que se possa prontamente ver que estão correctas ou não. Na verdade, Davidson apregoa que as frases V são consequências empiricamente testáveis de uma definição de verdade proposta para uma lin4

Os descendentes actuais mais sofisticados dos emotivistas incluem Blackburn (1984, 1993) e Gibbard (1990); mas procuram encontrar maneiras de conceder que os juízos morais podem ser considerados “verdadeiros” ou “falsos” e figurar em frases V, sem conceder que os juízos morais afirmem factos sobre o mundo.

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guagem. Mas nenhuma davidsoniana definição de verdade efectiva poderia ter como resultado tais frases V (Stich 1976; Blackburn 1984). Para que tal teoria gere frases V — ou qualquer outra coisa — como teoremas, tem de ser formulada numa linguagem razoavelmente formal e regimentada, algo semelhante à lógica. (Veja outra vez a definição de verdade para o labreguês.) Além disso, quando o teorizador chega a construções da linguagem da natural que não ocorrem nas lógicas simbólicas usuais, como advérbios, operadores de crença, etc., os lados direitos das frases V que as envolvem podem conter alguma notação radicalmente inabitual. Uma versão recente da teoria das frases de acção do próprio Davidson (1967b) origina frases V como estas: “O João barrou manteiga na tosta à meia-noite” é verdadeira sse (∃a)(BARRAR-MANTEIGA(a) & PROTAG(João, a) & VÍTIMA(a tosta, a) & OCCORREU-EM(a, meia-noite)).

O lado direito é para ser aqui lido do seguinte modo: “Ocorreu um acontecimento, que foi um barrar manteiga na tosta, executado pelo João à meia-noite.” (Ao fazer o sujeito subjacente todo o acontecimento em vez de ser apenas o agente João, Davidson consegue explicar por que a frase visada implica frases mais simples como “O João barrou manteiga na tosta,” “O João barrou manteiga em algo,” “Algo aconteceu à tosta” e “Algo aconteceu à meia-noite,” implicações que de outro modo são difíceis de captar.) Mas então como fica a alegação de Davidson de que a sua teoria é testável? Como se espera que possamos saber se as misteriosas frases V deste género estão correctas ou incorrectas? RESPOSTA A testabilidade fica mais fraca, mas não desaparece. Pois ainda podemos testar frases V emaranhadas como a anterior à luz das nossas intuições lógicas, e ainda podemos avaliar a alegação de Davidson de que iluminou características semânticas impressionantes da frase visada.

OBJECÇÃO 3 Quando começamos a examinar frases com elementos deícticos surgem problemas técnicos brutais (antecipados por Davidson 1967ª). (Um elemento “deíctico” ou “indexical” é aquele no qual a interpretação semântica varia com o contexto de elocução, como um marcador de flexão ou um pronome demonstrativo.) Por exemplo, como se formularia a condição de verdade para a frase “Estou doente”? ““Estou doente” é verdadeira se, e só se, estou doente agora” não serve, dado que o seu valor de verdade depende de quem a profere e de quando a profere, não sendo em geral determinado pelo meu (este seu humilde narra-

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dor) estado de saúde. As frases deícticas nem sequer têm valores de verdade, excepto nas ocasiões efectivas ou hipotéticas do seu uso (um aspecto que seria gratificante para Strawson). A resposta do próprio Davidson é relativizar a verdade a um locutor e a um momento do tempo. A frase V relevante seria formulada assim: “Estou doente” é verdadeira enquanto potencialmente proferida por p no momento t se, e só se, p está doente em t.” Mas há vários aspectos em que isto é insatisfatório,5 nomeadamente o facto de o locutor e o momento da elocução não serem os únicos factores contextuais que afectam o valor de verdade. (Recorde-se “Esta vermelha é muito boa.”) Regressaremos a esta questão no capítulo 11.6

OBJECÇÃO 4 Uma definição davidsoniana de verdade tem muita dificuldade em distinguir expressões que por acaso são co-extensionais (ou seja, que se aplicam exactamente aos mesmos referentes) mas não são sinónimas (Reeves 1974; Blackburn 1984). Considere-se dois únicos itens de vocabulário que diferem em significado mas que por acaso têm exactamente as mesmas extensões. Um exemplo usual disto é as palavras “renato” e “cordato,” significando respectivamente “criatura com rins” e “criatura com coração.”7 Uma teoria davidsoniana da verdade não conseguirá distinguir o significado de uma frase que contenha “renato” de uma frase que contenha “cordato,” pois a cada termo será atribuído exactamente a mesma classe de objectos como extensão. PRIMEIRA RESPOSTA Numa teoria da verdade do género que descrevemos, as palavras usadas no lado direito das frases V correspondem supostamente tão intimamente quanto possível às expressões que compõem a frase visada. (Veja outra vez a definição de verdade para o labreguês.) Assim, a cláusula para “renato” será escrita como ““Renato” denota renatos” e não como ““Renato” denota cordatos.” Para derivar a segunda frase da nossa teoria da verdade (apesar de ser verdadeira), seria necessário acrescentar e premissa contingente e ilinguís-

5

Veja-se Lycan (1984: capítulo 3). Devo confessar que essa obra é uma defesa global da teoria das condições de verdade. Penso que a teoria está correcta e que vale a pena pagar bem para a ouvir em concertos ao vivo. 6

Também há um problema terrível com as frases ambíguas; veja-se Parsons (1973) e Lycan

(1984: capítulo 3). 7

Pelo menos um biólogo disse-me que as duas palavras não se aplicam às mesmas coisas; há animais com coração que não têm rins, e vice-versa. Mas ignore-se este facto esquálido e pretendase que “renato” e “cordato” se aplicam exactamente aos mesmos animais.

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tica “Todos os renatos são cordatos e só eles o são.” E, segundo Davidson, o significado de uma frase visada não é dado apenas pela frase V que tem por objecto a frase visada, mas por essa frase V juntamente com a sua derivação dos axiomas da teoria da verdade. Para evitar a sugestão de que ser cordato faz parte do significado de “renato,” podemos exigir que a derivação da frase V não contenha premissas ilinguísticas. SEGUNDA RESPOSTA “Renato” e “cordato” serão distintos em frases que contenham certos géneros de construção, nomeadamente em frases modais e em frases doxásticas. Seja qual for a semântica que Davidson dá a frases como “Poderia haver um renato que não fosse cordato” e “O Godofredo acredita que a sua tartaruga de estimação é renata” teria de acomodar (prever, na verdade) a impermutabilidade de “cordato” por “renato” nessas frases.

RÉPLICA À SEGUNDA RESPOSTA Tais frases — nas quais não se pode substituir termos co-extensionais sem mudar o valor de verdade das próprias frases — são em si um quebra-cabeças. (São denominadas frases intensionais; trata-se de uma generalização do fenómeno a que no capítulo 2 se chamou “opacidade referencial.”) Seria de esperar que a substituição não fizesse diferença; afinal, mesmo que usemos uma palavra diferente, continuamos a falar exactamente acerca da mesma coisa ou classe de coisas. Já encontrámos um caso especial deste problema nos capítulos 2 e 3, o problema da substituibilidade das descrições definidas e dos nomes próprios. Qualquer teoria do significado tem de oferecer alguma explicação das substituições fracassadas. Assim, a expressão “Seja qual for a semântica que Davidson der para frases como…” não é inocente. Resolver esse problema será uma tarefa árdua para Davidson, dado o formato da sua teoria do significado. (Ele enfrenta realmente o problema da intencionalidade aqui e ali, principalmente em Davidson (1968). A sua solução é, grosso modo, considerar que as frases intensionais fazem referência tácita às próprias palavras que nelas ocorrem. Veremos uma abordagem muitíssimo diferente no capítulo seguinte.)

OBJECÇÃO 5 É muito simples escrever uma regra de verdade para uma palavra formadora de frases como “e.” Afinal, “e” é o que os lógicos chamam uma conectiva verofuncional: o valor de verdade de “A e B” é estritamente determinado pelos valores de verdade das suas frases componentes, A e B. Mas muitas expressões formadoras de frases pura e simplesmente não transmitem a verdade desse modo. Tome-se a palavra “porque”: a verdade de “A porque B” não é determinada pelos valores de verdade das frases componentes, A e B, pois, ainda que ambas sejam verdadeiras “A porque B” pode ser falsa, dependendo de outras características do mundo. Como se poderia então escrever uma regra de verdade para “porque,”

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paralela à regra do labreguês para “e”? Ou tome-se os advérbios. Como se poderia escrever uma regra de verdade para “devagar” ou para “muito”? Pior ainda: considere-se outra vez “acredita que,” como em “O João acredita que a Maria acredita que Emanuela acredita que a casa está a arder.” Como escreveríamos uma regra de verdade para isto? “n acredita que A” é verdadeira se, e só se… o quê? Uma estratégia óbvia é invocar um domínio de entidades útil, como proposições (!), e escrever regras de verdade para expressões que não sejam verofuncionais em termos de quantificação sobre esse domínio. (Como vimos, para lidar com alguns advérbios, Davidson introduziu um domínio de “acontecimentos,” e transformou os advérbios em predicados adjectivais de acontecimentos.) O principal problema desta estratégia é que força a sintaxe, dado que as transformações têm de ser cada vez mais árduas para transformar as novas formas lógicas excêntricas em português familiar; como Blackburn salienta (1984: 289), um tratamento davidsoniano de uma construção (intensional) que não seja verofuncional como “porque” ou “acredita que” exige pelo menos um “compromisso sério com formas lógicas escondidas.” (Mas, como antes, as frases de crença em particular já são um problema terrível para qualquer teoria do significado.)

OBJECÇÃO 6 A semântica das condições de verdade tem de explicitar a noção geral de verdade que está a pressupor. Mas a única análise geral plausível de verdade é em termos de afirmar ou asserir coisas: “Quem faz uma afirmação ou asserção faz uma afirmação verdadeira se, e só se, as coisas são como ele diz que são ao fazer a afirmação” (Strawson 1970: 15). O que é dizer que a análise tem de ser feita em termos de comunicação, que tem de ser formulada à lá Grice. Assim, apesar de a letra da semântica das condições de verdade poder não ser objectável, o espírito da teoria foi traído, pois acaba por ir dar ao gricianismo em vez de se apresentar como uma alternativa superior. PRIMEIRA RESPOSTA Quer tenhamos quer não uma análise filosófica geral da verdade, temos o conceito expresso pela palavra portuguesa “verdadeiro,” e temos também a estrutura formal introduzida por Tarski, que gera frases V. Se a noção de significado pode ser reduzida à de verdade, isso constitui uma economia teórica, mesmo que não forneçamos outra explicação filosófica da verdade; não é um caso em que “os conceitos de significado e verdade apontam inexpressivamente e em vão um para o outro” (Strawson 1970: 16).

RÉPLICA Muito bem, mas e então se a análise correcta de “verdadeiro” for (de facto) em termos de comunicação?

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SEGUNDA RESPOSTA Se for assim, então cairíamos (de facto) em Grice. Mas por que havemos de aceitar de todo em todo a teoria da verdade baseada no afirmar/asserir? Que dizer das outras teorias gerais que os filósofos têm oferecido nos últimos dois mil anos? Em particular, há as teorias clássicas da correspondência, da coerência e a pragmatista. Mais recentemente, há a teoria profrásica engendrada por Grover, Camp e Belnap (1975). Tanto quanto consigo ver, Strawson ignora-as simplesmente porque deve estar a pressupor que todas as teorias desse género teriam de algum modo de aceitar a ideia griciana numa fase qualquer inicial: por exemplo, dado que as crenças são primariamente o que tem ou não coerência, a teoria da verdade como coerência teria de tratar as frases apenas na medida em que exprimem crenças, e assim por diante. Mas não vejo por que havemos de conceder tal pressuposto (se acaso é o de Strawson) só porque o afirma. Sob esta interpretação, Strawson está, no fundo, na posição em que insiste: “Mas certamente que uma qualquer versão de gricianismo está correcta.” A este propósito, seja-me permitido tomar a sugestão de Grice sobre frases improferidas e novas, o seu apelo a “procedimentos resultantes” abstractos (veja-se o final da penúltima secção do capítulo 7). Parece agora que o que Grice tinha aí em mente era a composicionalidade alcançada por meio da sintaxe. Suponha-se que Grice podia desenvolver uma noção de significado público análogo ao significado frásico mas aplicando-se a expressões subfrásicas (palavras, por exemplo); chame-se-lhe “significado das expressões.” Grice poderia então invocar a sintaxe e construir abstractamente os significados frásicos a partir dos significados das expressões (apesar de, uma vez mais, Grice ter aqui de conseguir distinguir os “significados frásicos” abstractos das proposições). Como explicar o significado das expressões? Recorde-se que no capítulo 2 definimos uma noção de “referência do locutor” de termos singulares, que visava precisamente contrastar gricianamente com a “referência semântica” do termo e que era entendida em termos das intenções dos locutores de chamar a atenção dos interlocutores para certas coisas. Talvez possamos definir um conceito análogo de “extensão do locutor” de predicados em termos das intenções dos locutores que subjazem de algum modo aos usos desses predicados, e assim por diante. Depois poderíamos pedir de empréstimo a linguagem de Grice sobre repertórios e procedimentos, presente na sua discussão das elocuções inestruturadas, e usá-la para congeminar tipos correspondentes de significado das expressões. Esta redução em duas fases do significado frásico ao significado do locutor ainda enfrentaria problemas, mas já não as objecções 2-4. Além disso, esta ideia sugere um programa de investigação interessante, pois levanos de volta à teoria da referência, vindos de nova direcção. Por exemplo, pode a denotação semântica de um nome próprio ser realmente analisado em termos da referência do

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locutor? À primeira vista, essa ideia rivaliza tanto com a teoria descritivista dos nomes como com a teoria histórico-causal. Mas esta perspectiva combinada, explicando o significado frásico em termos do significado primitivo das expressões juntamente com uma teoria griciana dos significados primitivos individuais das expressões, concede que a teoria das condições de verdade está correcta, acrescentando apenas, apesar de isso ser muito significativo, um novo tipo de teoria da referência que rivalizaria com as consideradas nos capítulos 2-4.

Sumário 

Davidson oferece vários argumentos em defesa da teoria das condições de verdade. O principal é que a composicionalidade é necessária para dar conta da nossa compreensão de frases longas e novas, sendo as suas condições de verdade a característica mais obviamente composicional de uma frase.



A definição de verdade para um sistema de lógica formal ao estilo de Tarski é um modelo do modo como se pode atribuir condições de verdade a frases das linguagens naturais.



Mas dado que a gramática de superfície das frases portuguesas difere das suas formas



Essa teoria existe e tem apoio independente.



A teoria de Davidson enfrenta muitas objecções. Talvez a mais importante é que muitas

lógicas, é preciso ter uma teoria da transformação gramatical e sintáctica.

frases perfeitamente dotadas de significado não têm valores de verdade. Algumas das outras: o seu programa de Tarski não pode lidar com expressões (como pronomes) cujos referentes dependam do contexto, predicados que não sejam sinónimos mas que por acaso se aplicam às mesmas coisas, e frases cujos valores de verdade não são determinados pelos das suas orações componentes. 

Pode ser possível fundir Davidson com Grice fornecendo uma teoria griciana das extensões dos termos.

Questões 1. Avalie o argumento principal de Davidson a favor da sua teoria das condições de verdade; isto é, o seu apelo à composicionalidade, e as definições tarskianas de verdade. 2. Discuta o argumento complementar muito brevemente formulado acima cujas premissas são que a) o significado de uma frase deve determinar as suas condições de verdade e b) uma definição de verdade para uma linguagem faz também tudo o que é de esperar que uma teoria do significado faça. 3. Se já sabe alguma coisa de sintaxe teórica, avalie a esperança de que possa ser usada como veículo para conectar as frases portuguesas aos lados direitos das frases V de Davidson. 4. Ajuíze uma ou mais das objecções levantadas à teoria das condições de verdade.

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5. Se conhece o paradoxo do mentiroso, explore o problema que levanta à teoria das condições de verdade. (Davidson (1967ª) trata brevemente deste problema.) 6. Levante uma nova objecção complementar à teoria das condições de verdade. 7. Desenvolva a teoria combinada griciana, em “duas fases,” sugerida no final deste capítulo. Ou desenvolva a redução griciana da primeira fase da denotação semântica (para nomes ou predicados).

Leitura complementar 

Além de Lycan (1984), a melhor introdução geral ao programa de Davidson é Harman (1972). Esse artigo, assim como muitos outros bons artigos de e sobre a semântica da teoria da verdade, está reimpresso em Davidson e Harman (1975); veja-se também as antologias de Evans e McDowell (1976) e Platts (1980). Platts (1979) é uma boa discussão crítica do programa davidsoniano.



Harman (1974b, 1982) rompeu com Davidson e fundou a semântica do papel conceptual. Para uma revisão da bibliografia que se seguiu veja-se Lycan (1984: cap. 10).



Davidson (1986) é uma crítica importante à própria posição de Davidson, baseada no fenómeno do malapropismo.



Um efeito lateral importante da semântica da teoria da verdade, e que com ela rivaliza, é a semântica da teoria dos jogos desenvolvida por Jaakko Hintikka (1976, 1979). Não sei até que ponto o programa de Hintikka rivaliza com a semântica da teoria da verdade ou é uma sua variante. Os artigos básicos da semântica da teoria dos jogos estão coligidos em Saarinen (1979).



Radford (1997), Culicover (1997), Sag e Wasow (1999), Carnie (2001) e Lasnik e Uriagereka (2005) são excelentes introduções à teoria sintáctica contemporânea; veja-se também Hornstein (1995). Larson e Segal (1995) expõem a convergência da semântica com a sintaxe contemporânea do ponto de vista da linguística teórica.

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Teorias das condições de verdade: mundos possíveis e semântica intensional

Sinopse Os mundos possíveis kripkianos (tal como os apresentámos no capítulo 4) permitem uma noção alternativa de uma condição de verdade: vimos que uma frase contingente é verdadeira em alguns mundos mas não noutros. De modo que se pode tomar o conjunto de mundos possíveis nos quais a frase é verdadeira como a condição de verdade dessa frase. Além disso, os mundos possíveis podem ser usados para construir “intensões” ou significados para expressões subfrásicas, e em particular para palavras individuais ou átomos de significado, que são como os “sentidos” de Frege por serem independentes dos referentes propriamente ditos. Por exemplo, um predicado tem extensões diferentes em mundos diferentes, e a sua intensão pode ser entendida como a função que associa um qualquer mundo dado à extensão particular do predicado nesse mundo. Então uma gramática pode mostrar como estas intensões subfrásicas se combinam para fazer uma condição de verdade, e portanto um significado, de uma frase completa da qual essas intensões são componentes. A perspectiva resultante evita de modo elegante várias das objecções que atormentam a teoria de Davidson, principalmente a 4, o problema dos termos co-extensionais que não são sinónimos, e a 5, o problema das conectivas que não são verofuncionais. E também ajuda a resolver o problema da substituibilidade. Mas herda as restantes dificuldades de Davidson e incorre em mais uma ou duas.

Uma nova concepção das condições de verdade Como vimos no capítulo anterior, a teoria das condições de verdade entende o significado como representação, como um espelhar ou uma correspondência entre frases e estados de coisas efectivos ou possíveis. Mas podemos tomar a noção de um estado de coisas hipotético mais seriamente do que Davidson está disposto a fazer e encarar os “estados de coisas/circunstâncias/condições possíveis” como mundos possíveis kripkianos (capítulo 4). Recorde-se que um mundo possível (além do mundo efectivo, que é o nosso mundo) é um universo alternativo, no qual as coisas ocorrem de modo diferente do que aqui. E, porque os mundos diferem entre si com respeito aos seus factos componentes, é claro que a verdade de uma dada frase depende do mundo que estamos a considerar. Isto permite uma nova versão da ideia de condições de verdade de uma frase. A frase é verdade em algumas circunstâncias possíveis e não noutras. O que, no vernáculo dos mundos possíveis, é dizer que a frase é verdadeira em alguns mundos mas não noutros.

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Quando duas frases têm as mesmas condições de verdade serão verdadeiras precisamente nas mesmas circunstâncias, precisamente nos mesmos mundos. Quando diferem em condições de verdade, isso significa que haverá alguns mundos nos quais uma é verdadeira e a outra falsa, de modo que não serão verdadeiras precisamente nos mesmos mundos. Como primeira aproximação, tomemos, pois, as condições de verdade de uma frase simplesmente como o conjunto de mundos nas quais essa frase é verdadeira. Claro que para o defensor da teoria das condições de verdade esse conjunto de mundos será também o significado da frase. Seguir-se-ia que as frases sinónimas são verdadeiras precisamente nos mesmos mundos, ao passo que para quaisquer duas frases que não sejam sinónimas haverá pelo menos um mundo no qual uma das frases é verdadeira e a outra falsa. Esta ideia generaliza-se ao significados das expressões subfrásicas. Mas para mostrar como isto funciona tenho de recuar por um ou dois parágrafos. Vimos no capítulo 2 que, ao contrário de Russell, Frege (1892) rejeitou a tese J3/K3 (“Uma frase sujeito-predicado é dotada de significado (apenas) em virtude de seleccionar uma coisa individual e de lhe atribuir uma propriedade qualquer”), postulando entidades abstractas a que chamou “sentidos,” argumentando que um termo singular tem um sentido além e para lá do seu referente. E Frege defendia a composicionalidade: segundo ele, a frase sujeito-predicado tem um sentido compósito constituído pelos sentidos individuais das suas partes, e é dotada de significado em virtude de ter esse sentido compósito, quer o seu sujeito tenha referente quer não. (Foi assim que Frege atacou o problema da referência aparente aos inexistentes.) Como esboçámos até agora, a perspectiva de Frege parece uma versão da teoria proposicional. E é; é vítima por isso das várias objecções que se levantaram contra esta teoria no capítulo 5. Mas Rudolf Carnap (1947), Richard Montague (1960) e Jaakko Hintikka (1961) desenvolveram uma lógica intensional, interpretando e explicando os sentidos de Frege em termos de mundos possíveis. Eis, grosso modo, a ideia. Diz-se que um termo singular ou um predicado tem tanto extensão (no sentido introduzido no capítulo anterior) quanto um sentido fregiano ou “intensão”. O truque é construir a intensão de um termo como uma função de mundos possíveis para extensões. Assim, a intensão de um predicado é uma função de mundos para conjuntos de coisas que existem nesses mundos e que pertencem à extensão do predicado nesses mundos. Por exemplo, a intensão de “gordo” olha de mundo para mundo e em cada um selecciona a classe das coisas gordas desse mundo. “Gordo” significa não apenas as coisas gordas efectivas, mas seja o que for que seria gordo noutras circunstâncias possíveis. (Para pôr a ideia em termos mais humanos, quem sabe o significado de “gordo” sabe quais das várias coisas hipotéticas contariam como gordas, assim como sabe que coisas são efectivamente gordas.)

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Os “sentidos individuais,” as intensões dos termos singulares, são funções de mundos para habitantes individuais desses mundos. Isto deve parecer algo familiar, com base no capítulo 4; um designador rígido exprime uma função constante, pois selecciona o mesmo indivíduo em todos os mundos. Mas um designador flácido muda o seu referente de mundo para mundo: como vimos, “o primeiro-ministro britânico na segunda metade de 2007) designa Gordon Brown no mundo efectivo, mas muitas outras pessoas (ou criaturas) noutros mundos e ainda ninguém noutros. O sentido ou intensão de “o primeiro-ministro britânico” olha (ou salta) de mundo para mundo e selecciona seja quem for que é presentemente primeiro-ministro nesse mundo. Como acontece com os predicados, quem sabe o significado da expressão “o primeiro-ministro britânico” sabe quem seria o primeiroministro sob várias situações hipotéticas, ainda que não saiba quem é agora efectivamente o primeiro-ministro. Funções deste género combinam-se para constituir sentidos ou intensões para frases completas. Tome-se a seguinte frase: 1) O presente primeiro-ministro britânico é gordo.

Noutro mundo possível, o sujeito de 1 denota seja quem for que é primeiro-ministro nesse mundo, e “gordo” tem uma extensão nesse mundo que provavelmente difere da classe efectiva de coisas gordas. Assim, composicionalmente, sabemos dizer se 1 é verdadeira nesse mundo: será verdadeira se, e só se, o primeiro-ministro desse mundo pertence a essa extensão local. Logo, se conhecemos a intensão de “o presente primeiro-ministro britânico” e a intensão de “gordo,” sabemos se um dado mundo faz 1 ser verdadeira, ou seja, sabemos como distinguir os mundos em que 1 é verdadeira; pois temos com efeito uma função compósita de mundos para valores de verdade. Logo, sabemos que conjunto de mundos é o conjunto de verdades de 1. (Estritamente falando, a intensão da frase é a função e não o conjunto de verdades resultante, mas passarei a ignorar esta distinção técnica daqui para a frente.) E isto é dizer que conhecemos a proposição expressa por 1, ou seja, conhecemos o significado de 1. (Não se deixe enganar: toda esta conversa sobre “saber” coisas não quer dizer que estamos a cair no verificacionismo. Estou a falar metaforicamente de como se computa uma intensão complexa dadas algumas intensões primitivas simples e uma gramática de sujeito-predicado.) Se uma proposição é entendida deste modo como um conjunto de mundos possíveis, então obtemos, afinal, explicações intriviais dos factos do significado. Duas frases serão sinónimas se, e só se, são verdadeiras precisamente nos mesmos mundos. Uma frase será ambígua se houver um mundo na qual é simultaneamente verdadeira e falsa mas sem contradição. E a interpretação dos mundos possíveis permite uma álgebra elegante do significado por meio da teoria de conjuntos: por exemplo, a derivabilidade entre frases é apenas a relação de subconjunto. F2 deriva-se de F1 se, e só se, F2 é verdadeira em todos

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os mundos nos quais F1 também o é; ou seja, o conjunto de mundos que constitui o significado de F2 é um subconjunto do significado de F1. Assim, a efectuação das condições de verdade em termos de mundos possíveis salva esta versão sofisticada da teoria proposicional da objecção 3 de Harman (capítulo 5), pois diz-nos o que é uma “proposição” em termos que podem ser trabalhados independentemente: uma proposição é um conjunto de mundos. (Pode-se ter reticências metafísicas quanto à ideia de um “mundo possível inefectivo,” mas pelo menos já sabemos o que é, supostamente, um mundo.) Esta perspectiva evita também a nossa segunda objecção às teorias ideacionais, que afectava também a teoria proposicional, pois diz-nos o que é um “conceito” abstracto: é uma função de mundos para extensões. (Irei já de seguida introduzir uma complicação.) Por fim, há um argumento directo a favor da versão de mundos possíveis da teoria das condições de verdade, apresentado muito brevemente em Lewis (1970): Para dizer o que é um significado, podemos perguntar primeiro o que faz um significado, para depois encontrar algo que faça isso. Um significado para uma frase é algo que determina as condições sob as quais a frase é verdadeira ou falsa. Determina o valor de verdade da frase em vários estados de coisas possíveis, em vários momentos do tempo, em vários lugares, para vários locutores, e assim por diante. (p. 22)

Penso que a ideia é esta: se compreendemos uma dada frase F e nos mostrarem um mundo possível qualquer — voamos até lá e deixam-nos nesse mundo, fazendo-nos milagrosamente omniscientes quanto aos seus factos — então saberemos imediatamente se F é verdadeira ou falsa. (Se conhecemos todos os factos sem excepção desse mundo e mesmo assim não sabemos se F é verdadeira nesse mundo, então não é possível que tenhamos compreendido F.) Assim, uma coisa que um significado faz é desembuchar um valor de verdade para qualquer mundo possível dado. O mesmo é dizer que um significado é pelo menos uma condição de verdade, no sentido de um conjunto particular de mundos. (Isto deixa em aberto que um significado possa incluir mais do que apenas uma condição de verdade.)

Vantagens relativamente à perspectiva de Davidson A perspectiva dos mundos possíveis tem algumas vantagens importantes relativamente à versão de Davidson da teoria das condições de verdade. Especificamente, evita as objecções 4 e 5 que fizemos a Davidson.

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A objecção 4 era o problema de termos coextensionais mas que não são sinónimos. Na perspectiva dos mundos possíveis, isto não é de modo algum um problema. “Renato” e “cordato” diferem em significado porque apesar de se aplicarem precisamente às mesmas coisas no mundo efectivo, as suas extensões divergem noutros mundos possíveis; há inúmeros mundos que contêm renatos que não são cordatos e vice-versa. Fim da história (apesar disso iremos fazer a ressurreição da solução de Frege para o problema da substituibilidade). A objecção 5 era o problema das conectivas frásicas que não são verofuncionais. Neste caso, a perspectiva dos mundos possíveis exibe uma força única. Pois permite formular condições de verdade para certas conectivas directamente em termos de mundos. Tome-se o operador modal simples “É possível que,” como em “É possível que o presente presidente dos EUA seja gordo.” Esta frase conta como verdadeira se, e só se, há um mundo no qual o presente presidente dos EUA é gordo. E se quiséssemos dizer “Necessariamente, se há um presidente dos EUA, os EUA existem,” a semântica intensional considerála-ia verdadeira se, e só se, em todos os mundos, se há um presidente dos EUA, os EUA existem. Daqui pode-se ver que a nossa fórmula original precisa de ser qualificada: nem todo sentido ou intensão de expressões simples pode ser formulado como uma função de mundos para uma extensão ou referente. Alguns são funções de intensões para outras intensões; “é possível que” toma a intensão da frase à qual se aplica e transforma-a noutra intensão. Outro exemplo subfrásico seriam os advérbios, como “devagar.” “Jane nada” é verdadeira num mundo se, e só se, o referente de “Jane” nesse mundo está entre as coisas que nadam aí, pois a extensão de “nada” é apenas a classe dos habitantes desse mundo que nadam. Mas e que dizer de “Jane nada devagar”? Gramaticalmente, “devagar” modifica o predicado “nada,” transformando-o no predicado complexo “nada devagar.” E o semanticista intensional sustenta que a semântica procede precisamente do mesmo modo: a intensão de “nada” é uma função de intensões para intensões; selecciona a intensão de “nada” e transforma-a numa intensão modificada, nomeadamente a função que olha para um mundo e selecciona a classe de coisas que nadam devagar nesse mundo.1 A teoria dos mundos possíveis tem uma maneira expedita de lidar também com frases doxásticas. Regressemos por momentos a Frege. Como solução para o problema da substituibilidade, Frege propôs que uma frase doxástica pode mudar o seu valor de verda1

Montague (1960) construiu uma estrutura com intensões de ordem cada vez mais superior deste género que correspondem às partes cada vez mais abstractas do discurso. De facto, para fazer pirraça a Quine, Montague atribuiu explicitamente intensões individuais muito rarefeitas a “sake,” “behalf” e “dint.” Como mencionei no capítulo 1, deste modo Montague visava também vingar-se em prol da teoria referencial. (Mas é na melhor das hipóteses uma vingança aparente: não se considera que as palavras denotam as suas intensões como se fossem nomes próprios.)

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de em resultado da substituição de termos co-referenciais porque, apesar de os dois termos terem o mesmo referente, podem ter sentidos diferentes, e assim um sentido compósito pode resultar dessa substituição. (E a crença, que é um estado cognitivo, tem um “pensamento” ou sentido compósito por objecto, e não um referente.) Como sempre ocorre com versões inexplicadas da teoria proposicional, isto parece correcto — mas não explica na verdade coisa alguma enquanto o “sentido” for meramente dado como garantido. Mas o defensor da teoria dos mundos possíveis pode dar mais conteúdo à explicação: apesar de os dois termos serem co-referenciais no mundo efectivo, divergem noutros mundos, e assim as suas intensões diferem. Logo, as intensões compósitas de frases que contenham tais termos e que noutros aspectos são semelhantes irão também diferir. Se a crença é uma relação entre o crente e uma proposição — isto é, a intensão de uma frase — então é claro que o crente pode crer numa intensão sem crer na outra. Neste ponto, precisamos de um ajuste. Como salientei anteriormente, esta versão da teoria dos mundos possíveis considera que duas frases são sinónimas quando, e só quando, as duas são verdadeiras precisamente nos mesmos mundos. Mas o que dizer das verdades necessárias, que se verificam em todos os mundos? Seguir-se-ia que todas essas verdades são sinónimas entre si; por exemplo, “Ou os porcos têm asas ou não” e “Se há ratos comestíveis, então alguns ratos são comestíveis” quereriam dizer exactamente o mesmo, o que obviamente não é verdade. Além disso, quaisquer duas frases necessariamente equivalentes seriam consideradas sinónimas: dir-se-ia que “A neve é branca” significa exactamente o mesmo que “Ou a neve é branca ou os porcos têm asas e os porcos são mamíferos e nenhuns mamíferos têm asas”; e considerar-se-ia automaticamente que quem acreditasse na primeira acreditaria na segunda. Algo tem de ceder. A origem do problema é, ao que parece, que as intensões complexas podem ser necessariamente co-extensionais mesmo que sejam constituídas por conceitos muito diferentes. A cura é então, como Carnap (1947) viu, exigir que, para haver sinonímia, as frases não tenham apenas a mesma intensão, mas que a tenham constituída do mesmo modo (ou aproximadamente do mesmo modo) a partir das mesmas intensões atómicas. Era a isto que Carnap chamava isomorfismo intensional, que elimina todos os casos problemáticos anteriores. Por exemplo, “Ou os porcos têm asas ou não” e “Se há ratos comestíveis, então alguns ratos são comestíveis” são compostos de intensões inteiramente diferentes (as intensões de “porco” e “asa,” no primeiro caso, e as de “rato” e “comestível” ou “comer,” no segundo).

Objecções restantes A teoria dos mundos possíveis herda várias das objecções que se levantam contra a versão de Davidson: 1 (frases que não são declarativas e que não afirmam factos), 2 (testabilidade) e 6 (tomar a verdade como garantida); um defensor da teoria intensional daria em

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grande parte as mesmas respostas que demos em nome de Davidson. A objecção 3 (deícticos) surge de modo diferente porque a abordagem dos mundos possíveis não envolve frases V; mas surge mesmo assim, pois não se deixou ainda espaço para os deícticos no aparato intensional. A objecção 3 será o tema principal do próximo capítulo. A perspectiva dos mundos possíveis herda também as primeiras duas objecções que levantámos à teoria proposicional no capítulo 5: postula entidades esquisitas e alheias. Como salientei no capítulo 4, uma coisa é tomar os “mundos possíveis” como uma metáfora ou heurística para explicar um modo de ver as coisas, como fiz ao explicar a perspectiva de Kripke dos nomes próprios. Outra coisa é apelar directamente a mundos possíveis na teorização séria, como fazem os semanticistas intensionais. Em que sentido há realmente mundos alternativos que não existem realmente? Mas isto é um tema imenso e não posso abordá-lo aqui.2 A perspectiva dos mundos possíveis está também sujeita à objecção 4 contra a teoria proposicional (negligencia a “característica dinâmica” do significado). Então, respondemos apenas que ainda que as proposições não constituam uma ajuda na explicação do comportamento humano, este não é a coisa primária que precisa de ser explicada; ao invés, são os factos do significado que precisam de explicação. Mas a objecção foi aprofundada contra as duas versões da teoria das condições de verdade.

OBJECÇÃO 7 Subsiste um problema da substituibilidade. Pois parece haver contextos nos quais termos sinónimos (e não apenas co-extensionais) não podem ser substituídos entre si sem mudança possível de valor de verdade. “Oftamologista” e “médico dos olhos” são sinónimos (ou podemos supor que são, por conveniência). Mas se a Maria não o souber, “A Maria acredita que todos os médicos dos olhos tratam dos olhos” poderá ser verdadeira apesar de “A Maria acredita que todos os oftalmologistas tratam dos olhos” ser falsa; similarmente, “O Hermínio foi a um oftalmologista porque um oftalmologista é um médico dos olhos” é verdadeira, ao passo que “O Hermínio foi a um oftalmologista porque um médico dos olhos é um médico dos olhos” é falsa.

OBJECÇÃO 8 Alguns davidsonianos (por exemplo, Lycan 1984) e alguns defensores da teoria intensional consideram que o tipo de sintaxe semanticamente carregada que descrevi é um programa de computador para computar significados grandes a partir de significados menores, programa que num certo sentido corre nos cérebros dos locutores e dos ouvintes. Mas esta 2

Uma vez mais, veja-se Lewis (1986) e Lycan (1994).

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ideia é problemática. Eis uma preocupação mais específica quanto à “característica dinâmica,” salientada por Michael Dummett (1975) e Hilary Putnam (1978). Os escritos dos próprios Dummett e Putnam são densos e algo obscuros, mas eis uma maneira simples de formular uma das suas preocupações: o significado de uma frase é o que se sabe quando se sabe o que uma frase significa. Mas saber o que uma frase significa é apenas compreeder essa frase. Compreender é um estado psicológico, inerente a um organismo humano de carne e osso e que afecta o seu comportamento. Ora, se o que uma frase significa é apenas a sua condição de verdade, como pode o conhecimento de uma condição de verdade afectar per se o comportamento de alguém quando (como se vê facilmente nos exemplos da Terra Gémea) as condições de verdade são muitas vezes propriedades “latas” de frases, no sentido em que não “’tão na cabeça,” sendo o conhecimento das condições de verdade uma propriedade claramente lata das pessoas? A condição de verdade de “Os cães bebem água,” aqui, difere da de “Os cães bebem água” na Terra Gémea, mas a diferença é irrelevante para o comportamento e não pode afectá-lo. Mas a compreensão (= conhecimento do significado) tem de afectar e afecta o comportamento. Logo, a compreensão não é, ou não é apenas, conhecimento da condição de verdade, e portanto o significado não é, ou não é apenas, a condição de verdade. PRIMEIRA RESPOSTA Formulado deste modo, o argumento pressupõe que a “compreensão” em si tem de ser um conceito “restrito” ou “na cabeça.” Isto, no mínimo, não é óbvio. (Deixo-lhe o exercício de construir um contra-exemplo com a Terra Gémea.) Darmo-nos conta de que o argumento precisa de um conceito restrito de compreensão deveria também fazer-nos reconsiderar o simples equacionamento do “conhecimento do significado” com a compreensão e viceversa, por mais que tal equacionamento pareça à primeira vista um truísmo. SEGUNDA RESPOSTA Além disso, o argumento presume que os conceitos latos não podem per se figurar na etiologia do comportamento. Como a bibliografia da “causalidade intensional” de há alguns anos torna claro,3 pode-se fazer “figurar” de inúmeras maneiras. Não há dúvida que o comportamento depende contrafactualmente de estados latos das pessoas: se eu tivesse querido água (H2O), teria ido à cozinha. E penso que esta é a noção etiológica mais forte que o senso comum garante. Se alguém pensa que a compreensão afecta o comportamento numa acepção mais forte de “afectar” que não apenas o comportamento depender contrafactualmente da compreensão, teríamos de ouvir uma defesa qualquer. O defensor da teoria do uso ainda não deu por encerrada a discussão da perspectiva das condições de verdade. Começaremos o capítulo 12 considerando mais uma objecção. 3

Veja-se, por exemplo, Heil e Mele (1993).

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Sumário 

A condição de verdade de uma frase pode ser tomada como o conjunto de mundos possíveis nas quais a frase é verdadeira.



Mais em geral, os mundos possíveis podem ser usados para construir “intensões” para expressões subfrásicas, que se combinarão composicionalmente para determinar a condição de verdade da frase que as contém.



A perspectiva resultante tanto evita o problema de termos co-extensionais que não são sinónimos como o problema de conectivas que não são verofuncionais.



A teoria dos mundos possíveis aprofunda também a solução de Frege para o problema da substituibilidade.



Mas a teoria herda várias das dificuldades originais de Davidson e incorre em mais uma ou duas.

Questões 1. Avalie o argumento directo de Lewis a favor da versão dos mundos possíveis da teoria das condições de verdade. 2. Discuta mais a teoria dos mundos possíveis, seja a favor, contra ou ambos. (Se não conhecer já alguma semântica de mundos possíveis, poderá querer ler pelo menos alguma coisa como complemento; recomendo Lewis (1970).) 3. Ajuíze a objecção 7 ou a 8.

Leitura complementar 

A introdução mais simples e natural que conheço à versão dos mundos possíveis da semântica das condições de verdade é Lewis (1970). Depois, deite-se a Cresswell (1973) (apesar de difícil, exigindo conhecimento de lógica formal e teoria de conjuntos; mas tudo veio de algo muito mais difícil, coligido postumamente em Montague (1974)).



Dois bons manuais introdutórios à gramática de Montague são Chierchia e McConnellGinet (1970) e Weisler (1991).

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Pragmática semântica

Sinopse A pragmática linguística é o estudo dos usos de expressões linguísticas em contextos sociais. Mas há duas maneiras crucialmente diferentes de uma expressão depender do contexto. Primeiro, devido à presença de elementos deícticos como pronomes pessoais e flexões, o conteúdo proposicional de uma frase varia de contexto para contexto (recorde-se que “Estou doente” diz coisas diferentes em função de quando é proferida e por quem). Segundo, mesmo depois de se fixar o conteúdo proposicional de uma frase, há vários outros aspectos importantes do seu uso que mesmo assim irão variar com o contexto. A pragmática semântica estuda o primeiro fenómeno, a determinação do conteúdo proposicional pelo contexto; a pragmática pragmática estuda o segundo.* Davidson lida com o problema dos elementos deícticos complicando a forma comum das suas frases V. O defensor da teoria dos mundos possíveis relativiza a verdade a um conjunto de factores contextuais que afectam o conteúdo, como o orador e o momento do tempo. Mas ambas as abordagens precisam de se libertar da necessidade de fazer uma listagem de um conjunto fixo de características contextuais. A pragmática semântica tem uma gama complicada de dados que tem de enfrentar. Tem não apenas de cartografar os usos complicados de pronomes, flexão, etc., como tem também de resolver o problema geral da desambiguação: dado que quase toda a frase portuguesa tem mais de um significado, como identifica um ouvinte o significado correcto ao ouvir proferir a frase? Charles Morris (1938) dividiu o estudo linguístico em sintaxe, semântica e pragmática. Em traços muito gerais, a distinção era supostamente esta: a sintaxe é o estudo da gramática, o estudo das sequências de palavras que constituem frases bem formadas de uma dada linguagem e porquê. A semântica é o estudo do significado, visto principalmente (apesar de, como sabemos, isso não ser incontroverso) como uma questão de relações que as expressões linguísticas têm com o mundo e em virtude das quais são dotadas de significado. Em contraste, a pragmática estuda os usos de expressões linguísticas em várias práticas sociais, incluindo, claro, a conversa e comunicação quotidianas, mas não se limitando

*

Infelizmente, em português o substantivo pragmática não se distingue do adjectivo pragmática, pelo que ocorre uma aparência de repetição na expressão pragmática pragmática, que em inglês é pragmatic pragmatics. A expressão deve ser lida tendo em mente que a primeira ocorrência é o substantivo e a segunda o adjectivo, tal como em linguística pragmática. N. do T.

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a elas. Neste uso, a perspectiva de Wittgenstein (veja-se o capítulo 6) pode ser formulada dizendo que ou a “semântica” é uma ilusão ou se reduz à pragmática.

Pragmática semântica e pragmática pragmática A palavra que mais ouvimos no estudo e prática da pragmática é “contexto,” querendo dizer contexto de elocução. A pragmática é especificamente sobre o funcionamento da linguagem em contexto. Isto marca um contraste significativo, pois a sintaxe e a semântica têm geralmente aspirado a ser descontextuais. A sintaxe é sobre se uma frase é gramatical ou se uma sequência de palavras constitui uma frase gramatical, sem mais. A semântica sempre se centrou no significado frásico, o significado de um tipo de frase, abstraindo de qualquer uso particular que se lhe possa dar. Mas há sempre pestes como Wittgenstein, Strawson e J. L. Austin, insistindo que a própria ideia de “tipo de frase” é uma abstracção violenta da realidade linguística. Quando uma frase é proferida, é invariavelmente proferida num contexto particular por um locutor particular e para um propósito particular. E isto é algo que não se pode ignorar, por razões robustas que tentarei clarificar nos restantes capítulos deste livro. Afirmei que a distinção entre semântica e pragmática era supostamente que a primeira lida com os significados acontextuais de tipos de frases, ao passo que a última responde aos usos sociais das expressões linguísticas em contexto. Mas há duas razões pelas quais esta caracterização é demasiado simples. A primeira é que há um sentido importante em que a maior parte dos tipos de frases não têm pura e simplesmente significados acontextuais. A segunda é que, como veremos, os factores de uso social interferem de certos modos especiais no que se não fosse por isso consideraríamos significado proposicional. Eis o sentido em que a maior parte dos tipos de frase não têm significados acontextuais. Recorde-se o fenómeno da deixis, introduzido na objecção 3 contra a teoria das condições de verdade, e considere-se uma frase fortemente deíctica. Suponha-se que você e eu entramos numa sala de aulas vazia e encontramos as seguintes palavras escritas no quadro: 1) Estou doente e hoje não darei aula.

A menos que descubramos quem escreveu estas palavras e quando e para quem, não sabemos exactamente o que se disse (ainda que saibamos algo sobre o que se disse); não sabemos que proposição se exprimiu. Em termos da teoria dos mundos possíveis, não conhecemos a intensão da frase. De facto, se a frase tivesse sido rabiscada no quadro meramente como um exemplo linguístico, sem lhe atribuir referentes nem mesmo tacitamente aos seus elementos deícticos, não exprimiria qualquer proposição e não teria sequer uma intensão.

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A moral da história comum à objecção original 3 e a este último argumento é que a condição de verdade completa de uma frase depende de factores contextuais. E, ainda que não se aceite a teoria semântica das condições de verdade, é visível que o significado de uma frase, no sentido do seu conteúdo proposicional, depende do contexto precisamente do mesmo modo. Cresswell (1973) distinguiu entre dois tipos de pragmática: a pragmática semântica e a pragmática pragmática.1 A pragmática semântica lida com aqueles elementos do significado no sentido de conteúdo proposicional que simplesmente dependem mesmo do contexto. É a disciplina que nos diz como o conteúdo proposicional é determinado por características contextuais. Mas antes de dizermos mais sobre isso e de explicar a noção contrastante, enfrentemos a objecção 3.

O problema da deixis Regressemos ao problema de Davidson: ele precisa de encontrar um modo de formular frases V que acomodem elementos deícticos ou indexicais sem que tenham condições de verdade erradas. Mencionei a proposta do próprio Davidson para o fazer. Outras tentativas notáveis foram feitas por Weinstein (1974) e especialmente Burge (1974), mas aqui apresentarei uma ideia simples sugerida por Harman (1972).2 Vimos que uma desvantagem da proposta de Davidson era limitar os factores contextuais potencialmente relevantes ao locutor e ao momento do tempo. Há muitas outras. Um exemplo óbvio são os objectos indicados pelo gesto indicador de quem fala, como quando alguém diz “Este é mais caro do que aquele,” apontando sucessivamente para dois objectos diferentes em exibição. Tomemos um exemplo mais exótico: hemisfério.3 “É outono” é verdadeira no momento em que escrevo na Carolina do Norte, EUA, mas não seria verdadeira caso fosse proferida simultaneamente em Sydney ou em Buenos Aires. (E o hemisfério relevante não é necessariamente determinado pela localização de quem fala; depende também da audiência e dos propósitos conversacionais. Se estou a conversar com um australiano sobre questões australianas — mesmo que estejamos os dois na Carolina do Norte e em Novembro — posso dizer “Dado que é primavera, os estudantes estão agora a começar a pensar nos exames finais.”) Por isso, precisamos de uma abordagem das frases deícticas visadas que não pressuponha um número fixo de variáveis contextuais. 1

As distinções aqui desenvolvidas são razoavelmente tradicionais. Mas recentemente tem havido alguma disputa sobre a melhor maneira ou maneiras de fazer em particular a distinção entre semântica e pragmática. Veja-se, por exemplo, Bach (2002) e Bezuidenhout (2002). 2

Esta ideia é desenvolvida no capítulo 3 de Lycan (1984).

3

Foi Peter van Inwagen que uma vez me chamou a atenção para isto.

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Façamos tudo de um só golpe. Podemos relativizar “verdadeira” a contextos — dado já sabermos que a verdade de um tipo de frase varia realmente com o contexto — e introduzir uma função, α, que irá procurar elementos deícticos que ocorrem num contexto e dizer que contribuição esse elemento dá nesse contexto para o conteúdo proposicional.4 Por exemplo, se (como geralmente se pensa) o pronome da primeira pessoa “eu” denota sempre quem fala, α procurará uma ocorrência de “eu” numa elocução particular e associará essa expressão à pessoa que a proferiu. Abreviadamente, α(“eu”,C) — que se lê “o que α atribui a “eu” no contexto C” — é o locutor em C. Do mesmo modo, se “agora” denota aproximadamente o momento do tempo em que uma elocução é proferida, então α(“agora”,C) é esse momento. E α(“amanhã”,C) seria o dia imediatamente a seguir ao acto de elocução em C. Depois podemos escrever os lados direitos das frases V de Davidson em termos do que α atribui no contexto C a cada elemento deíctico na frase visada. Assim: “Estou doente” é verdadeira em C se, e só se, α(“eu”,C) está doente em α(“agora”,C).* “Estou doente e hoje não darei aula” é verdadeira em C se, e só se, α(“eu”,C) está doente durante α(presente,C)5 e α(“eu”,C) não dá aula durante α(futuro,C) em α(“hoje”,C). “Ela nunca foi a um bar de karaoke, mas tu e ela irão a um amanhã de manhã” é verdadeira em C se, e só se, α(“ela”, C) não vai a um bar de karaoke durante α(perfeito, C) mas α(“tu”, C) e α(“ela”, C) vão a um bar de karaoke durante a manhã de α(“amanhã”, C).

Problema resolvido. Isto é, o problema técnico de Davidson de formular frases V; sobre α há outras questões filosóficas que se podem levantar, e que levantaremos.

4

Isto pressupõe que os elementos deícticos estão de algum modo marcados como tal na forma lógica. *

Note-se que em português se omite tipicamente o pronome “eu” e o advérbio “agora” em

locuções deste género, ao contrário do que acontece em inglês, em que é comum escrever ou dizer I am sick now. A elisão que ocorre em português torna bastante menos plausível esta teoria, pois a função alfa nada irá encontrar explicitamente na elocução que possa transformar adequadamente, e não parece ter recursos para que alfa possa encontrar pronomes e advérbios elididos. O problema parece intratável dado que em português é o próprio contexto que determina a forma lógica da elocução, sem contudo introduzir qualquer marcador linguístico que a função alfa possa transformar. N. do T. 5

Este tratamento da flexão é uma simplificação grosseira, por uma questão de conveniência; para um tratamento da flexão, veja-se Lycan (1984: 55-62).

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Os lógicos intensionais lidaram com a deixis relativizando a verdade a um “índex,” que era um conjunto fixo de variáveis contextuais. Montague (1968) e Scott (1970) consideraram que um índex é um conjunto de oito elementos canónicos que consistem num mundo possível m, um momento do tempo t, um lugar l, um orador o, uma audiência a, uma sequência de objectos indicados ou apontados i, um “segmento de discurso” d, e uma “sequência de atribuições de variáveis livres” s (não interessa o que são estes dois últimos). Neste sistema, uma atribuição de condição de verdade teria a seguinte aparência: “Estou doente” é verdadeira em m,t,l,o,a,i,d,s se, e só se, em m, o está doente em t.

Mas isto tem as mesmas desvantagens do método de Davidson, apesar de não tão gravemente, dado restringir arbitrariamente o número de características contextuais que se podem citar.6 Não temos maneira de prever que outras características do género poderão tornar-se relevantes para a verdade de uma elocução. Por exemplo, já introduzimos uma variável inesperada, hemisfério (dividindo o meridional do setentrional). Há muitas mais, aparentemente sem qualquer limite. A verdade de “São 17:00 horas” depende do fuso horário, que é um constructo inteiramente convencional. (Como Wittgenstein salientou, os fusos horários pertencem ao nosso planeta; “São 17:00 horas no Sol” não tem valor de verdade.) E algumas locuções pressupõem um tipo de ponto de vista, muitas vezes diferente do lugar da própria elocução, e que pode mudar até mesmo no interior de uma só frase (Fillmore 1975; Taylor 1988). Tome-se 2a) O Pedrado foi à festa do Tio Chico. 2b) O Pedrado veio à festa do Tio Chico. 2c) Vou sair para limpar o terreno de pastagem;… — Tu vens também. (Robert Frost, The Pasture)

2a e 2b podem ter a mesma condição de verdade, mas 2b só pode ser adequadamente proferida por alguém cujo ponto de vista seja o local da própria festa. (Note-se também que o que conta é o ponto de vista aquando da festa sob discussão, e não aquando da elocução; esta é mais uma variável de contexto, a que se chama habitualmente momento de referência.) Em 2c o ponto de vista muda fluidamente do lugar de elocução para o terreno de pastagem ou pelo menos para algures no caminho em que o locutor precede o seu interlocutor. Ao chegar a Princeton para dar uma palestra, encontro uma antiga colega que da última vez que a vira dava aulas em Wellesley. Pergunto-lhe “Agora estás aqui?,” não para saber se ela está fisicamente localizada em Princeton (dah) mas se ela trabalha agora no 6

E há também uma objecção mais séria, salientada por Burge (1974).

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departamento de filosofia de Princeton (Nunberg 1993: 28); assim, o valor de verdade pode variar com instituição de emprego. Ou tome-se 3) Amanhã é sempre a maior noite de festa do ano

proferida sexta-feira antes do começo das aulas (Nunberg 1993: 29; Nunberg refere ter tirado o exemplo de Dick Oehrle). “Amanhã” em 3 não pode referir, como seria normal, o dia ou noite seguintes à data da elocução; refere-se a um tipo de data no calendário académico dos estudantes, nomeadamente o sábado anual antes do começo das aulas. Eu poderia continuar sem fim. A moral da história é que não podemos jamais ter a certeza de ter antecipado todas as variáveis de contexto que podem afectar os valores de verdade. Por isso eu aconselharia os defensores da teoria intensional a deitar mão, em vez disso, da poderosa função de atribuição α de Harman.

O trabalho da pragmática semântica O truque é descobrir como α é computada; isto é, que regras usamos em contextos particulares para preencher os pedaços que faltam do conteúdo proposicional que correspondem a elementos deícticos. Presumivelmente, cada um desses elementos da linguagem rege-se por uma regra apropriada. Por exemplo, podemos olhar para o pronome “eu” e sugerir que, num dado contexto, “eu” denota sempre quem fala. Passando para “agora,” parece razoável dizer que refere sempre no contexto o momento da elocução. De facto estas primeiras tentativas são demasiado simplistas. “Eu” pode ser usado como dispositivo de referência condicionada a uma posição ou papel, como quando um presidiário diz “É-me tradicionalmente permitido encomendar seja o que for que eu quiser para a minha última refeição” (Nunberg 1993: 20). Por vezes, “eu” é usado na formulação de uma generalização, como em “Se sou um departamento de música, sou um buraco de cobras.” A referência temporal “agora” pode também ser condicionada, como quando estamos a ver uma representação da evolução da vida numa linha do tempo e, apontando, digo “Agora surgem os dinossáurios,” ou quando você deixa uma mensagem no seu atendedor de chamadas que diz “Não estou agora em casa.” “Agora” é por vezes espacial em vez de ser de algum modo temporal — “Agora a Estrada de Hillsborough atravessa a Estrada do Aeroporto e torna-se o Caminho Umstead” — e por vezes nem sequer é espácio-temporal — “Agora vem o primeiro número primo cujo quadrado é maior que mil.” Mas uma tarefa da pragmática semântica é aprimorar tais regras até serem adequadas aos dados. O lógico intensional David Kaplan (1978) considera que essas regras são funções. Tal como uma intensão é uma função de mundos para extensões, uma regra pragmáticosemântica é uma função de contextos para intensões. A nível da frase, a intensão é uma

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função de mundos para valores de verdade. Kaplan chama a isso o “conteúdo” da frase e, como anteriormente, corresponde à noção tradicional de uma proposição. A regra compósita pragmático-semântica é uma função de contextos para conteúdos; a isso chama Kaplan “carácter.” O conteúdo é o que fica indeterminado pelas frases deícticas nos nossos exemplos; o carácter é o que determina o conteúdo, dadas todas as características contextuais relevantes de um contexto de elocução. Assim, quando vemos a referida frase no quadro, o carácter diz-nos para procurar o locutor (α(“eu”,C)), o auditório e a data da elocução; uma vez descobertos estes factores, saberemos o que tem de ocorrer num mundo possível para que a frase seja verdadeira nesse mundo. Afirmei que, quando encontramos sem preparação a frase no quadro, não sabemos (completamente) o que diz. E eu tinha razão. Mas há outro sentido perfeitamente bom em que compreendemos a própria frase, e praticamente qualquer pessoa que fale português compreende “Estou doente” completamente fora de contexto. Kaplan argumenta que se deve reservar a palavra “significado” para o carácter e não para o conteúdo, com base na ideia inteiramente razoável de que qualquer pessoa comum que fale português conhece sem dúvida os significados de frases deícticas quotidianas mesmo quando não conhece os parâmetros contextuais que fixariam os seus conteúdos. Contudo, esta acepção de “conteúdo” é também algo a que faz pleno sentido chamar “significado.” Dificilmente isto é uma questão de acesa disputa. Computar α e/ou caracterizar o carácter não é a única tarefa da pragmática semântica. Outra tarefa, terrivelmente controversa, é a desambiguação. Muitas frases, como “As visitas podem ser aborrecidas,” “O Eduardo deitou-se a dormir” e (o exemplo é de Paul Ziff) “Ele passou ao largo do rato,” são obviamente ambíguas.* E, na verdade, quase toda a frase que encontramos na vida é tecnicamente ambígua, no sentido de ter um ou mais significados possíveis, ainda que rebuscados, além do significado que normalmente é visado por quem fala. Contudo, raramente paramos para pensar, e nem nos damos conta de que estamos a escolher de entre uma gama de significados possíveis (e não apenas a preencher lacunas num conteúdo proposicional que de outro modo seria unívoco). Como fazemos isto é uma questão difícil, muito mais difícil do que a de saber como computamos α. Demasiado difícil para este livro, decerto, ainda que se façam algumas alusões no capítulo 13. Isto é a pragmática semântica. Em contraste, a pragmática pragmática toma o conteúdo proposicional como garantido e faz perguntas mais latas sobre o uso das frases em

*

Os exemplos originais são Visiting philosophers can be boring (visitar filósofos pode ser aborrecido, os filósofos visitantes podem ser aborrecidos), Ted is lying about meditating (Ted está a mentir sobre a meditação, Ted está deitado meditando), The mouse tore up the street (o rato precipitou-se pela rua fora, o espinhaço do rato ao cimo da rua). N. do T.

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contextos. Uma mesma frase com um conteúdo proposicional já fixado pode mesmo assim ser usada para fazer coisas curiosamente diferentes em contextos diferentes. Como veremos nos capítulos restantes, a produção e compreensão da linguagem envolve muito mais do que apenas a apreensão do significado proposicional, por mais que este último seja difícil de explicar.

Sumário 

A pragmática linguística é o estudo dos usos das expressões linguísticas em contextos sociais.



A pragmática semântica estuda, em particular, a determinação do conteúdo proposicional por meio do contexto.



Davidson lida com o problema dos elementos deícticos complicando a forma canónica das suas frases V.



O defensor da teoria dos mundos possíveis lida com isso relativizando a verdade a um conjunto de factores contextuais que afectam o conteúdo, como o locutor e o momento da elocução.



Mas ambas as abordagens se podem livrar de ter de fazer a listagem de um conjunto



Além de acompanhar os usos complicados de expressões deícticas particulares, a prag-

fixo de características contextuais, se nos servirmos da função de atribuição α. mática semântica encarrega-se de resolver o terrível problema da desambiguação.

Questões 1. Haverá uma maneira melhor de Davidson ou a teoria dos mundos possíveis resolver o problema da deixis que não introduzindo a função de atribuição α de Harman? Em particular, será que α cria por si novas dificuldades? 2. Tome uma expressão como “eu” ou “agora” (ou “amanhã” ou “recentemente” ou “ocidente”…) e tente formular a regra exacta que lhe permite atribuir conteúdo proposicional à frase na qual ocorre. 3. Dê pelo menos os primeiros passos modestos no problema da desambiguação. (Não esteja à espera de resultados impressionantes.)

Leitura complementar 

Veja-se Szabó (2005) para um trabalho recente sobre a distinção entre semântica e pragmática.



Para uma discussão dos indexicais um pouco menos técnica do que Kaplan (1978) vejase Kaplan (1989). Recanati (1993) adopta a abordagem da referência directa aos indexicais.



Yourgrau (1990) é uma boa antologia sobre demonstrativos.

P á g i n a | 166 

Taylor (1988) e Nunberg (1993) contêm excelentes exemplos de construções indexicais inusuais.

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Actos de fala e força ilocucionária

Sinopse J. L. Austin chamou-nos a atenção para o que chamava uma elocução “performativa”* de uma frase declarativa, com a qual se executa um acto social convencional mas não se afirma ou descreve seja o que for — por exemplo, “Desculpe” ou (num jogo de apostas) “Dobro.” Aos tipos de actos que podem ser executados desta maneira chama-se actos de fala. Cada tipo de acto de fala rege-se por regras de dois géneros: regras constitutivas, a que se tem de obedecer para que o acto seja de todo em todo efectivado, e regras regulativas, cuja violação torna o acto apenas defectivo ou, na expressão de Austin, infeliz. Há muitas maneiras surpreendentemente diversificadas de um dado acto de fala ser infeliz. Mas Austin acabou por ver que não há qualquer distinção de princípio entre as elocuções performativas e as elocuções declarativas comuns. Ao invés, toda a elocução tem um aspecto performativo ou força ilocutória, que determina que tipo de acto de fala foi executado, e praticamente toda a elocução tem também conteúdo descritivo ou proposicional. Além disso, muitas elocuções têm características que incorporam os efeitos distintivos que têm nos estados mentais dos ouvintes; chama-se perlocucionárias a estas características. Jonathan Cohen formulou um problema danado quanto às condições de verdade das frases que contêm prefácios performativos explícitos que especificam o tipo de acto de fala a executar; por exemplo, “Admito que tive várias conversas privadas com o réu.” Nenhuma solução satisfatória se encontrou para este problema. William Alston e Stephan Baker ofereceram um tipo distintivo de teoria semântica do uso, baseada na noção ilocutória de acto de fala.

Performativas Considere-se as seguintes frases: 1) Prometo pagar-te as fraldas. 2) Declaro-vos homem e mulher. 3) Baptizo este navio Ludwig Wittgenstein. 4) Peço desculpa.

*

Do inglês performance, que significa, em geral, execução de uma acção. Uma tradução possível seria assim falar das elocuções executivas. Contudo, o termo performativas tornou-se canónico na linguística portuguesa. N. do T.

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5) Dobro. [Num jogo de apostas.] 6) Mais cinco. [Num jogo de póquer.] 7) Contra. [Um voto numa moção formal.]

À excepção talvez das últimas duas, estas são frases declarativas, por isso (em particular) o verificacionista tem de lhes dar resposta; quais são as suas condições de verificação respectivas? Talvez a questão seja demasiado difícil, ou injusta, face à objecção duhemiana de Quine. Mas quais são as suas condições de verdade? Poderíamos aplicar-lhes as frases V. Por exemplo, “Prometo pagar-te as fraldas” é verdadeira se, e só se, prometo pagar-te as fraldas.

A sério? (Não, nem por isso.) “Dobro” é verdadeira se, e só se, dobro.

Possivelmente; talvez “Dobro,” dita por mim na ocasião apropriada, seja verdadeira se, e só se, dobro nessa ocasião. Mas parece que estamos a deixar algo de fora, algo mais importante do que as condições de verdade ligeiramente degeneradas da elocução. Como J. L. Austin (1961, 1962) poderia dizer, quando digo “Dobro,” não estou a descrever-me ao dobrar; estou efectivamente a dobrar, e nada mais. (Dobrar é algo que podemos fazer numa aposta. É parte de um jogo de linguagem real, no sentido literal.) E ninguém poderia responder de modo aceitável “Isso é falso, tu não dobras.” Se alguém disser então de mim “Ele dobrou,” esse é um relato verdadeiro do que fiz. Mas quando o digo originalmente, simplesmente como uma parte da minha aposta, a minha elocução não parece passível de ser verdadeira ou falsa. “Contra” é verdadeira se, e só se, contra.

Esqueça; esta “frase V” nem sequer é gramatical. Temos aqui a base para mais uma objecção ao verificacionismo e à teoria das condições de verdade, uma mistura de uma objecção wittgensteiniana com a nossa primeira objecção à teoria das condições de verdade. Um wittgensteiniano poderia olhar para 4, 5 e 7, especialmente, e assimilá-las à linguagem primitiva do pedreiro (“Laje!”), e relembrar-nos uma vez mais dos muitos dispositivos, como “Olá” e “Chiça,” que têm usos sociais convencionais e que são perfeitamente dotados de significado sem terem coisa alguma a ver com a verificação ou com a própria verdade. Mesmo quando nos voltamos para as frases 1-3 e 6, que são mais estruturadas, parece que apesar de em termos de modo verbal

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serem declarativas, nenhuma tem por fim especificar um facto ou revelar uma verdade. Entregam-se a fins diferentes; por isso são aparentemente “factualmente defectivas.” No seu artigo original, Austin (1961) chamou “performativas” a frases como 1-7, para as distinguir de “constativas” (sendo estas apenas os géneros habituais de frases descritivas, verdadeiras ou falsas, que especificam factos, de que os filósofos gostam). Ao proferir uma performativa não se está, pelo menos ostensivamente, a descrever algo ou a especificar um facto, mas a executar um acto social. Quando profiro 1, estou efectivamente a fazer uma promessa. Quando profiro 4 estou apenas a desculpar-me. Quando profiro 6 estou a aumentar a minha aposta, contraindo um compromisso financeiro. Quando profiro 3, no contexto apropriado com uma garrafa do tipo apropriado de champanhe, estou efectivamente a baptizar. Austin chamou “actos de fala” a tais actos sociais, dando assim origem ao ramo da linguística e da filosofia da linguagem a que se passou desde então a chamar “teoria dos actos de fala.” Seja qual for o resultado da teoria do significado que se tenha, temos de estudar o fenómeno de “fazer coisas com palavras” (para usar a expressão do título de Austin), sob pena de deixar de fora uma gama muito importante de fenómenos linguísticos. (Há também duas outras razões. Uma é que a teoria dos actos de fala é a melhor cura para a tendência dominadora, vividamente exemplificada neste mesmo livro até agora, para pensar que as frases declarativas são as únicas que contam. A outra é que se fizeram muitos erros e muitas falácias se cometeram em áreas da filosofia que não a filosofia da linguagem por se ignorar a teoria dos actos de fala; mas o espaço não permite falar disso.)

ILOCUÇÃO, LOCUÇÃO E PERLOCUÇÃO Naturalmente, Austin começou por procurar um teste trabalhável e razoavelmente preciso da performatividade. Tentou caracterizar a noção sintacticamente, e encontrou vários tipos de problemas em que não precisamos de nos deter. Mas no seu artigo de 1961 acabou por se contentar confortavelmente com o chamado critério “por este meio”: uma elocução conta como performativa caso se possa adequadamente interpor a expressão “por este meio” depois do verbo principal. Assim, 1 é performativa porque o orador poderia igualmente ter dito “Prometo por este meio pagar-te…” O “por este meio” sublinha que o acto em questão, neste caso fazer uma promessa, é constituído pela própria elocução do orador. O critério também funciona bem para 2-6: “Declaro-vos por este meio…,” “Baptizo por este meio…,” e assim por diante. “Dobro por este meio” seria pomposo, mas o seu significado seria perfeitamente correcto. O critério distingue certamente as performativas das constativas. Se profiro uma constativa paradigmática, como “O gato está no tapete,” não poderia ter inserido “por este meio.” “O gato está por este meio no tapete” é destituída de sentido ou pelo menos

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falsa, porque o gato está (ou não) no tapete independentemente de eu dizer que está. O meu acto de o dizer nada faz para o efectivar. Austin deu-se conta de uma classe irritante de inconstativas claras, performativas aparentes, que são demasiado simples para passar o teste do “por este meio.” Na verdade, 7 pode ser tomado como exemplo, dado que “Por este meio contra” é agramatical. Mas é plausível dizer que “Contra” é apenas uma forma lacónica de “Voto contra,” que obedece à condição “por este meio.” Contudo, o que dizer de “Hurra!”, “Fora!” e “Raios”? Nenhuma admite “por este meio,” e é mais difícil vê-las, como no caso de “Contra,” como meras abreviaturas de declarativas que contenham verbos performativos. Poder-se-ia tentar argumentar que “Hurra!” significa na verdade “Saúdo por este meio”; Lewis (1970: 57-8) propôs-se entender “Hurra pelo Gorducho” como “Saúdo o Gorducho.” Talvez “Fora!” queira dizer “Critico-te por este meio” e “Raios!” queira dizer “Praguejo por este meio.” Mas estas hipóteses não são obviamente correctas. Austin ficou muito mais insatisfeito com a distinção performativa/constativa quando se deu conta de outro tipo de frase. Considere-se: 8) Declaro que nunca visitei um país comunista.

8 passa o teste do “por este meio,” e por isso deveria contar como performativa. Quando o digo, executo desse modo um certo acto de fala: um acto declarativo. Mas também é claramente descritiva, declarando um facto. Na verdade — quer o orador tenha ou não visitado um país comunista — é precisamente isso que visa; o verbo operativo é “declaro.” A afirmação do orador é verdadeira ou falsa. Se 8 for proferida sob juramento e o orador tiver visitado um país comunista, pode ser acusado de perjúrio. Assim, parece que ou 8 é simultaneamente performativa e constativa, ou não é qualquer uma delas. E há mais: 9) Parece-me que já encomendámos demasiadas peles de foca. 10) Comunico que o comité votou unanimemente a favor da expulsão da avó. 11) O meu conselho é que seria muito estúpido comprar mais acções da Amálgama Amalgada. 12) Toma atenção que esse rottweiler há três dias que passa fome e está um bocado rabugento.

Mesmo 1 tem uma paráfrase com características constativas similares: “Prometo que te pagarei as fraldas,” que pelo menos assere que te pagarei. Exemplos como estes fizeram Austin dar-se conta de que uma dada elocução pode ter simultaneamente uma parte performativa, ou aspecto, e uma parte constativa. De facto, praticamente toda a elocução tem esses dois aspectos, mesmo que não tenha um

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prefácio performativo explicito como acontece nas elocuções 8-12. Se em vez de 8 eu testemunhar apenas “Nunca visitei um país comunista,” executo mesmo assim um acto declarativo, além de me limitar a exprimir o conteúdo proposicional de que nunca visitei um país comunista. Sempre que faço uma asserção — isto é, sempre que profiro uma elocução com força assertiva — executo um acto assertivo. Também se pode proferir declarativas com outras forças. Se eu apagar os prefácios performativos de 9-12 e disser apenas “Já encomendámos…,” “O comité votou…,” etc., nos mesmos contextos, essas elocuções teriam respectivamente as forças de um juízo, uma comunicação, um conselho e um aviso. Austin chamou a este tipo de característica “força ilocucionária” e contrastou-a com o conteúdo “locucionário” ou proposicional.1 Em diferentes contextos, a mesma declarativa pode ter forças ilocucionárias diferentes. “Esse rottweiler há três dias que passa fome e está um bocado rabugento” poderia ter a força de uma ameaça e não de um aviso; ou pode ser apenas uma observação; ou (note-se) poderia ser uma garantia tranquilizadora. Até as crianças vêem diferenças de força potencial: uma queixa como “Se não te despachas com isso, vou-me embora” tem como resposta o sarcasmo: “Isso é uma ameaça ou uma promessa?” Voltando-nos para as indeclarativas, é consideravelmente mais óbvio que têm diferentes variedades de força. De facto, o objectivo de modos como o interrogativo e o imperativo é, ao que parece, indicar gamas de força ilocucionária. 13) Pertences ao Exército de Salvação?

pode ser parafraseada como “Pergunto-te (por este meio) se pertences ao Exército de Salvação,” e o mesmo acontece com perguntas “quem” e “o quê”, como “Quem deixou o Peludo fugir da casota?” 14) Vai à Biblioteca de Música e procura uma cópia da Missa Petite de Lana Walter

pode ter a força de uma directiva, uma ordem, um mero pedido ou apenas uma sugestão, dependendo das intenções e propósitos do orador e do ouvinte e das relações de poder ou autoridade institucional entre ambos.2

1

Austin dava quase como garantido o conteúdo proposicional. Opunha-se fortemente às teorias da entidade, de modo que com “conteúdo locucionário” não queria dizer algo sobre as proposições como coisas. Limitou-se a mencionar vagamente o “sentido e a referência,” fazendo alusão a Frege mas sem usar “sentido,” evidentemente, na acepção de um tipo de entidade teórica. Austin não dava atenção ao conteúdo proposicional porque o seu centro de interesse era a outra coisa, a força ilocucionária, que varia de modo independente. 2

Numa tira recente do Kudzu, o pregador Will B. Dunn resiste à pressão de um paroquiano para mudar o nome dos Dez Mandamentos para Dez Sugestões.

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Assim, a distinção original de Austin entre elocuções performativas e constativas tornou-se uma distinção entre força e conteúdo enquanto aspectos de uma só elocução. Austin (1962) elaborou um catálogo imenso de forças ilocucionárias diferentes e dos factores que os distinguem. Eis alguns exemplos complementares de actos ilocucionários diferentes: admitir (em dois sentidos); anunciar; assegurar; autorizar; censurar; comprometerse; cumprimentar; conceder; confessar; congratular; definir; negar; anuir; admitir a título de hipótese; inquirir; insistir; perdoar; litigar; empenhar-se; prever; propor; repreender; agradecer; insistir; fazer voto de. Austin introduziu uma terceira característica das elocuções, além da sua força ilocutória e do seu conteúdo locutório. Alguns verbos são como os verbos performativos porque o seu significado é um tipo de acto social executado por meios linguísticos, mas não passam o teste “por este meio” porque descrevem o acto em termos dos seus efeitos propriamente ditos no ouvinte e não em termos da intenção do locutor. Tome-se “amedrontar” e “convencer.” Não posso dizer-lhe correctamente “Amedronto-o por este meio” ou “Convenço-o por este meio que foi a avó,” porque ficar amedrontado ou convencido depende em parte de si e de modo algum está garantido (nem é constituído) pela minha própria elocução. Os actos de amedrontar e convencer são o que Austin chama actos perlocutórios; são coisas que fazemos com as palavras, mas não no mesmo sentido íntimo dos actos ilocucionários. Eis mais alguns exemplos de actos perlocucionários: alarmar; espantar; divertir; agastar; aborrecer; embaraçar; encorajar; enganar; distrair; impressionar; informar; inspirar; insultar; irritar; persuadir. A teoria verificacionista do significado e a teoria da condição de verdade identificam o significado de uma frase apenas com o seu conteúdo proposicional ou locucionário. Mas não é a força ilocucionária um tipo de significado? Se não entendermos as distinções de força, haverá certamente um aspecto importante da linguagem que não dominámos. Assim, parece que os verificacionismo e a teoria da condição de verdade deixaram algo de fora. Poderão responder: “São importantes, sem dúvida; as propriedades pragmáticas são importantes na vida real. Mas não fazem parte do significado.” Penso que isto é apenas uma escaramuça de jardim-escola sobre a palavra “s,” que muitas vezes é usada mais em geral como um termo abrangente para quaisquer aspectos da actividade linguística que se considerem importantes. Já sabemos que há tipos de significado além do significado locucionário das frases — o significado do locutor, por exemplo. Agora podemos acrescentar

Strawson (1964), Schiffer (1972) e Bach e Harnish (1979) argumentam persuasivamente que nem toda a força ilocucionária é tão puramente convencional quanto a de 1-7, as performativas comparativamente “puras” com que começámos. Alguma força, a de ser um conselho ou uma pergunta, por exemplo, é mais uma questão de intenções gricianas de quem fala.

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que há um tipo ilocucionário de significado, a força, que não é exactamente o mesmo que o significado locucionário. Cada um destes tipos de significado é perfeitamente real e indispensável para o uso da linguagem.3

Infelicidades e regras constitutivas Os actos de fala são actos convencionais; como a teoria do uso quereria, os actos de fala estão inseridos nos costumes, práticas e instituições sociais e são por eles definidos. A sua execução é regida por regras de muitos tipos. As regras não estão habitualmente escritas, estão apenas implícitas no comportamento social normativo. Searle (1965, 1969) divide as regras dos actos de fala em regras constitutivas e regras regulativas. Regras (meramente) regulativas “regulam formas de comportamento pré-existentes ou cuja existência é independente,” ao passo que as regras constitutivas “criam ou definem novas formas de comportamento” (1969, p. 33). Assim, por exemplo, as regras de etiqueta regulam as actividades ou práticas que existem independentemente dessas regras: “Os oficiais têm de usar gravata ao jantar”; “Não mastigue com a boca aberta.” Mas as regras do xadrez ou do futebol americano definem efectivamente o jogo em questão, e o jogo, como tal, não existiria sem elas: “Os bispos só andam na diagonal”; “Marca-se um golo quando um jogador fica na posse da bola na zona final do oponente enquanto decorre um jogo.” Podemos introduzir uma noção mais exigente e mais interessante: uma regra fortemente constitutiva é uma regra cuja violação aborta o acto de fala pretendido. Suponha-se que profiro uma frase com a intenção de executar um certo tipo de acto de fala, A. Se eu violar uma regra fortemente constitutiva, segue-se que não fui pura e simplesmente capaz de executar um acto de tipo A. Por exemplo, se amanhã eu proferir 3 e partir uma garrafa de champanhe contra a proa do USS North Carolina, não conseguirei baptizá-lo, pois não estou em posição nem detenho a autoridade para o fazer. (A Marinha dos EUA tem regras explícitas para escolher dignitários que baptizam navios de guerra. Além disso, o North Carolina já foi baptizado, a 12 de Junho de 1940.)4 Se um clérigo profere 2 a um jovem casal que está perante si numa capela de Chicago, mas não está autorizado fazer casamentos no estado do Ilinóis, ou se um dos membros do casal não tem a idade legal para poder casar, o casamento ocorre (na verdade, não é de modo algum um casamento,

3

Além disso, há indícios de que não se pode explicar alguns fenómenos semânticos a não

ser recorrendo a factores ilocucionários (veja-se Barker 1995, 2004). 4

Só para lhe poupar o trabalho: foi baptizado por Isabel Hoey, filha do então governador da Carolina do Norte. Disseram-me que Hoey usou a garrafa de champanhe tradicional, ao mesmo tempo que uma banda tocava “Anchors Aweigh.”

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apesar da música de órgão, dos anéis e o arroz). Para subir cinco proferindo 6, tenho de estar a jogar póquer nesse momento, e cinco não pode ultrapassar o limite das apostas acordadas. A violação de uma regra meramente regulativa é menos grave. Se eu proferir uma frase visando executar um acto de fala de tipo A e não violar quaisquer regras constitutivas mas violar uma regra regulativa, o resultado é que executo um acto de tipo A, mas defectivo ou, no vocabulário oficial de Austin, “infeliz.” Se o casamento foi bem-sucedido mas é apenas um casamento de conveniência e o casal mentiu com os dentes todos ao pronunciar os seus votos, o casamento foi defectivo; uma regra regulativa do casamento é que exista amor entre o casal, tencionando ambos sinceramente manter-se casados. A promessa é um exemplo parecido: se eu proferir 1 sem qualquer sinceridade, não tendo a intenção de lhe pagar as fraldas, é uma promessa infeliz. Já agora, se eu lhe gritar 1 numa sala cheia de pessoas mas o leitor não consegue ouvir-me, essa é uma infelicidade de tipo diferente. Há casos de fronteira entre regras fortemente constitutivas e regras regulativas. E se eu proferir 4, mas num tom ostensivamente relapso, trocista e sarcástico? Trata-se então de uma desculpa gravemente infeliz, ou não é sequer uma desculpa? Austin (1962) sublinhava bastante a diversidade de casos infelizes. Uma elocução pode correr mal de muitas maneiras diferentes. Pode ser uma jogada infeliz num jogo, como quando se profere 6 porque se calculou mal as probabilidades. Ou pode ser insincera. Ou podemos não estar em posição de executar um acto do tipo visado, ou não ter autoridade para isso. Ou pode ser muito grosseiro. Ou pode ser proferido muito baixo e ninguém ouve. Ou pode ser proferida, sem tacto, à frente das pessoas erradas. Ou pode ser prolixo e pomposo e um disparate sem fim. Ou pode pressupor uma falsidade, como quando peço desculpa por ter feito algo que o meu interlocutor queria que eu fizesse, ou que de modo algum foi mau fazer, ou até que eu nem sequer fiz. Esta imensa diversidade de defeitos tornar-se-á mais tarde filosoficamente importante. Em particular, agora que reconhecemos que alguns actos de fala são actos de afirmação, asserção e semelhantes, vemos que a falsidade é um defeito comum de tais actos; uma regra regulativa com respeito a actos dessa classe é que o que é dito deve ser verdadeiro. Austin queixa-se detidamente que os filósofos estão obcecados com o “fetiche verdadeiro-falso,” a ideia errónea de que o valor de verdade é tudo o que conta no discurso. Em particular, confundimos muitas vezes outros tipos de infelicidades com a falsidade; quando ouvimos uma frase que de algum modo é defectiva tendemos a pressupor, falaciosamente, que não é verdadeira. (No capítulo 13 exploraremos dois casos desta falácia.) Há

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muitas maneiras de as elocuções correrem mal — muito mal — sem que sejam falsas. A falsidade é apenas uma forma de infelicidade entre muitas outras.5

O problema de Cohen Jonathan Cohen (1964) levantou um problema danado com respeito a frases como 8–12. É um problema sobre as condições de verdade. Tome-se 8 (“Declaro que nunca visitei um país comunista”). Qual é a condição de verdade de 8? Cohen afirma (p. 121) que “a princípio, é tentador supor que na perspectiva de Austin o significado da nossa elocução se encontra totalmente na oração que se segue ao prefácio performativo.” Substituindo “significado” por “condição de verdade,” é de facto tentador ler a condição de verdade fora do prefácio performativo. Pois o que o locutor de 8 afirma é que nunca visitou um país comunista, e não que está a afirmar algo. Dificilmente se poderia fugir a uma acusação de perjúrio respondendo “A frase que proferi era verdadeira, e não falsa: na verdade afirmei que nunca visitei um país comunista; o facto de ter visitado um país comunista é irrelevante.” Analogamente, sem dúvida que 9–12 não são automaticamente verdadeiras simplesmente porque eu, respectivamente, o ajuízo, o comunico, dou esse conselho e faço esse aviso. (Apesar de Lewis (1970) adoptar exactamente essa corajosa posição.) O conteúdo locucionário, ou pelo menos a condição de verdade, é apenas que nunca visitei um país comunista, e o “Declaro que” é apenas o prefácio performativo que torna a força explícita. Outro argumento a favor desta perspectiva “tentadora” é que as performativas explícitas, formais, como 8–12 e 15 parece que são apenas equivalentes verborreicos e inflacionados das afirmações, avisos, ordens, etc., mais simples que se poderia ter proferido sem prefácios performativos. Mas Cohen levanta uma objecção séria a esta perspectiva tentadora. Considere-se qualquer das elocuções 8–12. Suponha-se que a Eleonora profere 12 ao Franklin e a Lúcia, ao ouvi-la, diz “Ela avisou-o que esse rottweiler há três dias que passa fome…,” ou “A Eleonora avisou o Franklin que esse rottweiler há três dias que passa fome….” Em cada caso, a Lúcia refere-se apenas aos mesmos indivíduos e predicados e apenas à mesma relação entre ambos, e só a flexão muda. Em particular, certamente que “toma atenção” em 12 significa toma atenção. As palavras que ocorrem no prefácio performativo de 12 têm os seus sentidos e referentes comuns. Assim, o prefácio não é apenas uma etiqueta ou marcador para assinalar a força. (Existem tais etiquetas ou mar5

Os linguistas não se deram conta muitas vezes do facto de que Austin usava o termo “infe-

licidade” como o termo mais abrangente possível. Usam por vezes a palavra aplicando-a a frases, querem neologisticamente dizer algo como “defectiva pragmaticamente, mas não sintacticamente nem semanticamente [de um modo que é supostamente bastante específico mas que nunca é especificado].”

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cadores; o modo gramatical é basicamente isso mesmo, um simples indicador de âmbito de força. Mas “Toma atenção que” e os outros prefácios em 8–12 não são apenas etiquetas de força; têm estrutura gramatical interna e as suas partes têm os seus próprios significados e propriedades referenciais.) Mas então, porquê fingir que essas partes das frases não existem e porquê retirar-lhes o significado locucionário? As coisas ficam ainda piores. Na verdade, a ideia de que os prefácios performativos são apenas etiquetas de força é pura e simplesmente insustentável. Tais prefácios podem ter muita estrutura. Por exemplo, podem ter modificadores adverbiais. Modificadores adverbiais muito longos. 15a)

Admito sem coacção que tive várias conversas em privado com o acusado.

15b)

Admito com relutância que tive várias … [Note-se que “com relutância” modifica “admito,” e não “tive várias….”]

15c)

Admito com alegria e o maior prazer que tive…

15d)

Por estar apostado em dizer toda a verdade, admito que…

15e)

Ciente de que há no Céu um Deus justo e poderoso que castiga quem esconde informação nos tribunais, e com um medo mortal do verme que não morre e do fogo que não se sacia, admito…

Segundo a perspectiva tentadora, o único conteúdo locucionário em 15a–e é o da sua oração complementar comum (“Tive várias conversas em privado com o acusado”). Mas esta afirmação torna-se cada vez menos plausível à medida que descemos nesta lista. O prefácio de 15c contém uma oração inteira que o orador assere, ainda que de passagem, como facto. O de 15e contém várias asserções algo controversas; se eu a asserisse seriamente, certamente que o leitor poderia dizer depois que eu tinha expresso uma perspectiva teológica plena de conteúdo. E não a teria apenas expresso; a teologia parece certamente fazer parte do que é dito. Parece que não se pode sustentar a perspectiva tentadora. O que se torna tentador neste ponto, ao invés, é recuar e admitir que os conteúdos locucionários das frases incluem os seus prefácios performativos. (Chame-se a isto a perspectiva “liberal.”) Qual é o problema disto? Eis o problema, caso o tenha esquecido. Se a perspectiva liberal estiver correcta, então 8–12 são simples e automaticamente verdadeiras sempre que são proferidas e não se violam as regras constitutivas relevantes. Nenhuma acusação de perjúrio poderia ser bemsucedida, se a testemunha tivesse o cuidado de testemunhar apenas com performativas explicitas como 8. Note-se que, semanticamente, 8–12 nem sequer implicariam as suas orações complementares (porque se pode afirmar, reportar… coisas que não são como as descrevemos). A minha elocução de 10 não me comprometeria semanticamente com a afirmação de que o comité votou unanimemente a favor da expulsão da avó.

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Ora bem, Cresswell (1973) e Bach e Harnish (1979) adoptaram a perspectiva liberal, pondo em causa a rejeição veemente de Austin de que os agentes dos actos de fala declaram que eles mesmos estão a executar tais actos; mas estes filósofos sugeriram que, além dos actos principais, os locutores também declaram que os executam. Assim, se eu proferir 16) Ordeno-te que ataques e captures a Universidade de Chicago

o meu acto de fala principal é dar-lhe uma ordem, e como tal não tem valor de verdade, mas além disso eu declaro que estou a dar uma ordem, e por isso a minha frase é verdadeira nesse sentido degenerado. Sob esta hipótese, frases como 8-12, que diferem de 16 porque os seus actos de fala principais associados são susceptíveis de ser verdadeiros ou falsos, teriam, cada uma delas, dois conteúdos locucionários e dois valores de verdade: um conteúdo primário, associado ao que é afirmado, ordenado, etc., (em 8, que nunca visitei um país comunista), e um valor de verdade autodescritivo que seria quase sempre automaticamente “verdadeiro” (que estou a declará-lo). Esta hipótese dos dois valores de verdade é atraente, pois à luz de exemplos como 15a-e, nem o valor de verdade tentador nem o valor de verdade liberal parecem elimináveis. E podemos tornar a hipótese dos dois valores de verdade mais digerível argumentando que os dois valores de verdade estão associados a géneros de coisas ligeiramente diferentes. Note-se que ao proferir 8 faço uma afirmação. Que afirmação? A afirmação de que nunca visitei um país comunista. Assim, apesar de fazer essa afirmação proferindo uma frase que, liberalmente tomada, não implica o seu conteúdo proposicional, fi-la mesmo assim. E se de facto visitei um país comunista, a minha afirmação é falsa apesar de a frase que proferi, tomada liberalmente, ser verdadeira. Poderia ser acusado de perjúrio, não por ter proferido uma frase falsa, mas por ter feito uma afirmação falsa. 15d e 15e exigiriam alguma elaboração. Há a sensação de que o locutor de 15e, em particular, fez duas ou três asserções além da que é expressa pela oração complementar. Contudo, os exemplos anteriores da lista são casos de fronteira; estaria o locutor de 15a a asserir que a sua admissão foi feita sem coacção? Uma teoria completa dos actos de fala teria de esclarecer detidamente subtilezas destas.

Teorias ilocucionárias do significado William Alston (1963) tentou seriamente transformar a pragmática dos actos de fala de Austin numa teoria do próprio significado locucionário, identificando o significado de uma frase com o seu “acto ilocucionário potencial,” a gama de actos ilocucionários que podem ser executados com essa frase. Quem sabe usar uma frase de todos os modos ilocucionários que a frase permite, sabe o seu significado, e isso é tudo o que há a dizer quanto ao

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significado frásico. (Isto certamente seria considerado uma teoria do uso, ainda que superficialmente esteja longe do que Wittgenstein tinha em mente.) Mas de facto a perspectiva de Alston nada ajudou a iluminar o significado locucionário, dado que descrições de actos de fala potenciais como “assere que os gorilas são vegetarianos” pressupõe já uma noção de conteúdo proposicional e explora os significados das suas orações complementares. Além disso, como Maureen Coyle uma vez me disse, frases que partilham os mesmos conteúdos locucionários podem diferir violentamente quanto aos seus actos potenciais ilocucionários: “A mãe vai comer a ostra”; “Vai a mãe comer a ostra?” “Mãe, come a ostra!” Barker (2004), com efeito, evita estas objecções. Evita a primeira à maneira de Grice, entendendo os actos ilocucionários em termos das intenções e crenças dos oradores; por exemplo (ultra-simplificando viciosamente, é claro), asserir que P é proferir uma frase com a intenção de que o nosso interlocutor creia que P. As descrições dos actos não herdam os conteúdos proposicionais relevantes dos significados das suas orações complementares, mas antes dos conteúdos das atitudes mentais que constituem em parte esses actos. Barker evita a segunda objecção em parte do mesmo modo (fazendo remontar o que há de comum à identidade de atitudes proposicionais subjacentes dadas), e em parte argumentando em bases sintácticas sofisticadas que, para começar, não se pode separar o “conteúdo locucionário” da força ilocucionária. Note-se que este último aspecto é também uma objecção complementar à teoria corrente da condição de verdade, porque essa teoria pressupõe que o conteúdo locucionário é determinado independentemente da força.

Sumário 

Austin chamou a nossa atenção para as elocuções “performativas” e para os actos de fala mais em geral.



Cada tipo de acto de fala rege-se por regras de dois tipos: constitutivas e regulativas.



A violação de uma regra regulativa torna um acto de fala defectivo ou infeliz. Um dado acto de fala pode ser infeliz de muitas maneiras diferentes.



Não há distinção de princípio entre elocuções performativas e as declarativas comuns; ao invés, cada elocução tem uma forma ilocucionária, e virtualmente todas as elocuções têm também um conteúdo proposicional.



Além disso, muitas elocuções têm características perlocucionárias.



O problema de Cohen quanto às condições de verdade das frases que contêm prefácios performativos explícitos não foi resolvido.



A noção ilocucionária de um acto de fala permite um novo tipo de teoria do uso.

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Perguntas 1. Serão todos os actos de fala como “Dobro,” no sentido de serem inteiramente constituídos por convenção? (Veja-se Strawson 1964). 2. Poderá atribuir-se a todo o acto de fala um conteúdo locucionário? Discuta os nossos contra-exemplos aparentes e argumento a favor ou contra. 3. Escolha um tipo particular de acto de fala e tente enumerar as suas regras constitutivas e as suas condições características regulativas. (Searle 1969 fá-lo para o caso do acto de prometer.) 4. Detecte algumas dificuldades na distinção de Austin entre características locucionárias, ilocucionárias e perlocucionárias. Encontre casos de fronteira problemáticos. 5. Lewis (1970) defende a ideia anti-austiniana de que quando proferimos (até mesmo) uma performativa “pura,” ao mesmo tempo afirmamos que estamos a executar o acto em questão — ou pelo menos a frase que proferimos é verdadeira se, e só se, estivermos a executar esse acto. Examine esta perspectiva. 6. Vá mais longe no problema de Cohen. 7. Se a leu, desenvolva a teoria do significado de Alston ou de Barker.

Leitura complementar 

O clássico reconhecido da teoria dos actos de fala, na sequência de Austin, é Searle (1969). Mas Searle (1979a), uma colecção de ensaios, é consideravelmente melhor. Veja-se também Travis (1975) e Holdcroft (1978).



Duas obras excelentes (além de Schiffer 1972) que conectam a teoria dos actos de fala a outras questões da pragmática e à investigação actual na linguística e na psicologia são Bach e Harnish (1979) e Gazdar (1979). Veja-se também Cole e Morgan (1975), Levinson (1983), Green (1989) e Sadock (2004).



Ginet (1979) é um artigo excelente, e ilumina o problema de Cohen. Saídas para o problema (nenhuma inteiramente satisfatória) foram oferecidas por Cresswell (1973), Bach e Harnish (1979) e Lycan (1984: cap. 6).



Alston (2000) desenvolve mais a sua teoria ilocucionária do significado.

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