Evolução da Sociedade e Economia Escravista de São Paulo de 1750 a 1850 853140844X


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Evolução da Sociedade e Economia Escravista de São Paulo de 1750 a 1850
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EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE E ECONOMIA ESCRAVISTA DE SÃO PAULO, DE 1 750 A 1 850

UNIVERSIDADE OE SÃO PAULO Reitora

SuelyVilela

EDITORA OA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Diretor-presideme Presideme Vice-presideme

PlinioManinsFilho

COMISSÃO EDITORIAL JoséMindlin

Laura deMello e Souza Brasnio Joao Sal! um Júnior Carlos Alberto Barbosa Danlali Carlos AugustoMonleiro FrancoMaria Lajolo Guilhenne Leite da Silva Dias PlínioManins Filho

Diretoro Editorial Diretora Cumunul Editores-wsi:ittfl/ts

Silvana Biral Jvete Silva MarilenaVizenlin Carla Fernanda Fontana Marco;.Bemardini

EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE E ECONOMIA ESCRAVISTA DE SÃO PAULO, DE

1750

A

1850

Francisco Vida! Luna

Herbert S. Klein

Universidade de São Paulo

Columbia University

Tradução

Laura Teixeira Motta

Copyright C 2006 by Francisco Vida! Luna e Herben S. Klein

The Evolution of the Slave Society and Economy of São Paulo, from the 1750's to the 1850's

Titulo do original em inglês:

Ficha Catalográfica Elaborada pelo Departamento Técnico do Sistema Integrado de Bibliotecas da USP

Luna, Francisco Vidal Evolução da Sociedade e Economia Escravista de São Paulo, de 1750 a 1850

I

Francisco Vida! Luna, Herbert S. Klein; tradução,

Laura Teixeira Moita.- São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2005. 280p.; 16x23cm. Tradução de: The Evolution of the Slave Society and Economy ofSão Paulo, from lhe 1750's to lhe 1850's. Inclui bibliografia e fndice de tabelas. gráficos e mapas. Apêndice. ISBN 85-314-0844-X

I.

Provinda de São Paulo. 2. História quantitativa. 3. História

econômica regionaL I. Klein, Herbert S.

111

Titulo.

li.

Motta. Laura Teixeira.

CDD-300.98161

Direitos em lfngua portuguesa reservados

à

Edusp- Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J. 374 6° andar- Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil D1visão Comercial: tel. (Oxxll) 3091-4008

1

3091-4150

SAC (Oxx l l) 3091-2911- Fax (OxxliJ 3091-4151 www.uJ.p.br/edusp- e-mail: [email protected] Prinled in Br.uil 2006

foi feito o depósito legal

Para Matikn e Crystal I..ane Klein

SUMÁRIO

11

LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E MAPAS

15

INTRODUÇAO CAPÍTULO 1

São Paulo até 1800

25

CAPÍTULO 2

Ascensão da Produção Comercial do Açúcar

55

CAPÍTULO 3

O Crescimento do Café no Século XIX

81

CAPÍTULO 4

Subsistência e Economia Local

107

CAPÍTULO 5

Os Proprietários de Escravos

137

CAPÍTULO 6

A População Escrava

167

CAPITULO 7

As Pessoas Livres de Cor em São Paulo

197

CAPÍTULO 8

O Setor Não-agrícola: Artesãos, Comerciantes e Profissionais Liberais CoNcLUsAo BIBLIOGRAFIA APENDICE

247 253 271

223

LISTA DE TABELAS, GRAFICOS E MAPAS

TABELAS

1.1

População e riqueza na capitania de São Paulo, 1765�1777

21

Engenhos, escravos e produção de açúcar na capitania de São Paulo em 1799

2.2

Censos dos engenhos na Vila de Mogi Mirim em 1825

2.3

Escravos existentes nos engenhos em várias regiões

2.4

Quantidade, valor e escravos na produção agrícola conjunta de

!tu e

Capivari, 1836 2.5

Quantidade e número de escravos na produção conjunta de açúcar em

Iru e Capivari, 1836 2.6

Comparação das características econômicas e demográticas de vilas com e sem produção de açúcar, 1804-1829

2. 7 3.1

Características econômicas e demográficas na Vila de Jundiaí, 1778-1836 Fazendas, trabalhadores e produção na cafeicultura, no açúcar e

ria, São Paulo,

na

pecuá­

1854

3.2

Chefes de domicilio, escravos e seus proprietários, por atividade econô­

3.3

Tamanho do plantei por atividade econômica e participação relativa de

mica em Areias, 1817-1836 proprietários e escravos em Areias, 1817-1836 3.4

População, domicílios, escravos e produção agrícola em Areias, 18171836

3.5

Produção agrícola e propriedade de escravos em Areias, 1817-1836

3.6

Posse de escravos, quantidade média produzida e valor da produção em Areias, 1817-1836

4.1

Valor da produção e importância relativa dos produtos agrícolas, provín­ cia de São Paulo em 1836

11

EVOLUÇAO DA SOCIEDADE E EcONOMIA EscRAVISTA DE SAo PAULO

4.2

Quantidade produzida e valor dos principais produtos agricolas, provin­ cia de São Paulo em 1836

4.3

Agricultores envolvidos na produção destinada ao mercado interno em São Paulo, 1804-1829

4.4

Quantidade, valor e comercialização da produção agrícola em Cunha, 1804-1835

4.5 4.6

População, domicílios e proprietários de escravos em Cunha, 1804-1835 Quantidade, valor e comercialização da produção agrícola em Jacareí, 1804-1829

4.7 4.8

População, domicílios e proprietários de escravos emJacareí, 1777-1829 Características da produção de milho (Vilas deJundiaí, Cunha, Areias, Itu, Capivari, Mogi Mirim,Jacareí e Campinas, 1816-1836)

4.9

Distribuição da produção de milho, por quantidade e escravos possuídos (Vilas deJundiaí, Cunha, Areias, Itu, Capivari, Mogi Mirim,Jacareí e Cam­ pinas, em 1836)

5.1

Evolução da população da provincia de São Paulo, 1803-1836

5.2

Características da população da província de São Paulo, 1777-1829

5.3

Atividades econômicas dos proprietários de escravos por região e núme­ ro de escravos possuídos na província de São Paulo, 1804-1829

5.4

Proprietários e escravos, por atividade econômica e número de escravos possuídos na província de São Paulo, 1804-1829

5.5

Proprietários e escravos na agricultura por região na província de São Paulo, 1804-1829

5.6

Atividade econômica dos proprietários por número de escravos possuí­ dos na província de São Paulo, 1804-1829

5.7

Indicadores da posse de escravos por região na provincia de São Paulo, 1777-1829

5.8

Distribuição dos proprietários por número de escravos possuídos em várias regiões e nações, 1790-1860

6.1

Razão crianças/mulheres para a população escrava, 1777-1829

6.2

Origem, idade e situação conjugal dos escravos adultos (15 anos ou mais) por região, na província de São Paulo, 1804-1829

6.3

Razão de masculinidade dos escravos por tamanho do plantei e região e proporção de escravos casados e viúvos, 1777-1804-1829

6.4

Razão crianças/mulheres dos escravos por tamanho do plantei, 1 7771829 (crianças 0-4 anos/mulheres 1 5-44 anos)

12

LISTA DE TAIIF.I.AS, GRAFt(:ns E MAPAS 6.5 6.6

7. l 7.2

7 3. 7.4 7.5 7.6

8.1 8.2

8 3. 8.4 8.5 8.6

Proporção de africanos entre os escravos, por tamanho de plantei e re­ gião, 1 804 -1 829 Caractcristicas demográficas dos escravos distribuídos pela ocupação dos proprietários, 1 8 04 -1 829 Chefes de domicílio em 43 localidades das províncias de São Paulo e Minas Gerais, em 1 829-1 831 Chefes de domicílio em 43 localidades das províncias de São Paulo e Minas Gerais, por sexo e cor, 1 829- 1 830 Chefes de domicílio em 43 localidades das províncias de São Paulo e Minas Gerais, por sexo, cor e posse de escravos, 1 829 -1 831 Chefes de domicílio em 43 localidades das províncias de São Paulo e Minas Gerais, por sexo, cor e situação conjugal, 1 829- 1 831 Chefes de domicilio em 41 localidades da província de São Paulo, por atividade, posse de escravos, cor e sexo, em 1 829 Cor do proprietário, número de escravos e média de escravos possuídos, em 43 localidades de São Paulo e Minas Gerais, 1 829-1 83 1 Distribuição d o s chefes de domicilio por cor, sexo e ocupação e m 41 localidades de São Paulo, 1 829 Imponância relativa dos proprietários de escravos e número médio de escravos possuídos nas atividades agrícolas e não-agrícolas em 41 locali­ dades de São Paulo, 1 829 Características dos chefes de domicilio em ocupações militares e profissio­ nais liberais em 41 localidades de São Paulo, 1 829 Características dos chefes de domicílio no comércio e artesanato, por sexo e região, em 41 localidades de São Paulo, 1 829 Características dos chefes de domicílio no comércio e artesanato em 41 localidades de São Paulo, 1 829 Características dos chefes de domicilio relacionados com transportes e jornaleiros em 41 localidades de São Paulo, 1 829

GRAFICOS

2.1

Índices de preços de açúcar na produção e exportação e relação com índice de preços agrícolas em São Paulo, 1 796-1 840

13

EvoLUÇ}.O DA SOCIEDADE E EcONOMIA EsCRAVISTA DE SAo PAULO

3.1 3.2

Preços do café e produção, 1 798 -1 830 Cafeicultores, produção de café e escravos, 1 8 1 7 -1 830

5.1

Idade dos proprietários de escravos e número de escravos possuídos, 1 777-1 829 Distribuição dos escravos e proprietários por número de escravos posstú­ dos, 1 777-1 829

5.2

6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6 6. 7 6.8

Pirâmide etária dos escravos africanos na província de São Paulo, 1 829 Pirâmide etária dos escravos nascidos no Brasil, São Paulo, 1 829 Pirâmide etária de todos os escravos na província de São Paulo, 1 829 Pirâmide etária dos escravos na província de São Paulo, 1 804 Pirâmide etária dos escravos africanos na província de São Paulo, 1 836 Situação conjugal dos escravos por sexo e idade, São Paulo, 1 829 Situação conjugal dos brancos chefes de domicilio por sexo e idade, São Paulo, 1 829 Situação conjugal dos livres de cor, chefes de domicilio por sexo e idade, São Paulo, 1 829

MAPAS

1.1 1 .2

14

Principais regiões d e São Paulo no irúcio d o século XIX

Principais rotas de comércio e localidades de São Paulo no século XVlll

INTRODUÇÃO

O Estado de São Paulo é hoje uma região agrícola, industrial e urbana das mais avançadas do mundo. No entanto, pouco se sabe sobre sua evolução histórica. Ao estudar essa área extraordinariamente dinâmica, os economistas e historiadores concentraram-se no período a partir de 1 850, quando o café fmahnente dominou a área, ou posterior a 1880, quando a imigração em massa de europeus fez da cidade de São Paulo uma das maiores do mundo. Embora as primeiras gerações de colonizadores e conquistadores portugueses tenham atraído interesse, conhece­ se bem pouco do período "pós-heróico".Parte dessa falta de interesse deveu-se a uma suposta escassez de dados quantitativos sobre a economia e a sociedade no período anterior ao primeiro censo nacional, em 1872. Por essa razão, os relatos de viajantes estrangeiros com freqüência têm servido de fontes primárias para o estudo do desenvolvimento inicial da região. Mas em anos recentes estudiosos descobriram nos arquivos públicos um copioso conjunto de censos de população e produção até então desconhecidos e nunca usados, que: vão da década de 1 750 à de 1 8501• Esses registros complexos vêm sendo examinados lentamente, e apenas de modo parcial, em teses e artigos escritos sobretudo em português e publicados o mais das vezes em revistas especializadas brasileiras.

1 . Para uma lista pormenorizada dos côdices utilizados, ver Apêndice. Todos esses "mapas" de população e produção não-publicados encontram-se no Arquivo do Estado de São Paulo, na cidade de São Paulo. Considerando a gualidade e abundância dos manuscritos hoje disponívcis. decidimos concentrar nossa análise nos três anos com os melhores censos: 1 777, 1804 e 1829, gue fornecem dados completos parà toda a província. Na falta do censo relativo a um dos três anos selecionados, utilizamos outros censos, da mesma vila, dentro de uma faixa de três anos anteriores ou posteriores àgueles anos. Usamos tambêm outros anos para algumas localidades, para uatar de guestões especificas. Os dados gue coletamos estavam organizados por domicilio. De 1 829 coletamos as informações de todos os domialios, com ou sem escravos. Coletamos também os dados de todos os domicílios em nossa análise da produção. Para os demais anos, guando tratamos de guestões demogrificas, selecionamos apenas os domicílios possuidores de escravos. Ver notas das tabelas 2.1 e 2.4 para as medidas de conversão mêtrica e dados de preços utilizados. Para as guestões sobre a terminologia adotada para a análise de cor e origem nos registros cens.itários, ver nossa discussão no capítulo 5 e seguintes.

15

EVOLUçAO DA SOCIEDADE E EcONOMIA EscRAVIsrA DE SAO PAULO

Este livro é um dos primeiros estudos globais fundamentados nesses censos não-publicados, e nele esperamos apontar as linhas básicas do crescimento da economia e sociedade da região de São Paulo, desde suas origens no período da conquista e colonização européia até as vésperas da introdução em massa do café, em meados do século XIX. Em termos mais específicos, é um estudo da economia e população de São Paulo em um momento crucial, de transição, do final do século XVIII até as primeiras décadas do século XIX. O trabalho alicerçou-se em aproximadamente quinze anos de exaustivas pesquisas arquivísticas que resultaram na criação de um vasto conjunto de dados em formato para processamento eletrônico, constituindo o núcleo do material que usaremos para examinar a estrutura da economia e sociedade paulista. Procuramos, neste esrudo, expor em linhas gerais as tendências básicas da

evo­

lução dessa região do século XVI a meados do XIX. Examinaremos os fatores externos e internos que transformaram São Paulo de uma economia de subsis­ tência, marginal e isolada na região de fronteira, em uma economia agrícola exportadora baseada no trabalho escravo e ligada ao mercado mundial. Nos­ sa abordagem é estrutural e histórica. Depois de examinar e explicar as forças econômicas atuantes nessa mudança, analisamos seu impacto sobre grupos específicos dessa sociedade agrícola; enfocamos primeiro os proprietários de escravos, em seguida os escravos africanos e afro-brasileiros e por fim os brancos pobres e as pessoas livres de cor que integravam o setor não-escravo. Finahnente, examinaremos com mais detalhes a expressiva minoria da popula­ ção empenhada em trabalhos não-agrícolas - suporte básico da agricultura,

que adentrou significativamente o século XX como a principal atividade eco­ nômica dessa sociedade.

É

bem sabido que a extraordinária capacidade da sociedade paulista de

mobilizar recursos para grandes expedições ao interior do continente no pe­ ríodo pré-1700 explica as origens da expansão dessa região. A escravização de índios foi claramente a força de sustentação do movimento, e ouro e diaman­ tes foram as riquezas que permitiram a manutenção dessa fronteira sempre em expansão. A abertura de minas na capitania vizinha das Minas Gerais, por exploradores paulistas, forneceu o capital necessário para a expansão da pro­ dução doméstica, e aquela região tornou-se um mercado exportador funda­ mental para os gêneros alimentícios produzidos pelos paulistas. Ademais, a cidade portuária do Rio de Janeiro, como pólo de ligação entre Minas Gerais

e a Corte, expandiu-se rapidamente. Ao mesmo tempo, o crescimento de uma



e onomia açucareira moderna naquela capitania também promoveu a produ­ , çao local de VIVeres para abastecer as florescentes fazendas de açúcar baseadas

16

no braço escravo e ajudou a alimentar a crescente população do Rio deJaneiro





princip l cidade da colônia. O fato de o Rio deJaneiro ter-se tornado a princi

pai capitania exportadora de açúcar da Colônia, na segunda metade do século XVIII, significa que existiu uma infra-estrutura regional de capital e conheci­ mento técnico capaz de ser prontamente empregada nas ricas terras virgens da fronteira paulista, assim que foram abertas à colonização. Duas zonas viriam a ser o centro dos novos setores exportadores em expan­ são na capitania. A primeira seria o Vale do Parruba, no extremo norte do Esta­ do, fazendo fronteira com o Rio deJaneiro. Esse vale e os portos costeiros setentrionais a ele associados eram, na realidade, uma extensão da economia do Rio de Janeiro. Por isso, as pequenas vilas dessa região foram, em geral, as primeiras a compartilhar as tendências econômicas mais modernas vigentes no Rio deJaneiro, o qual, por sua vez, era o centro dinâmico do Brasil: fato que a própria Coroa reconheceu quando mudou a capital da colônia de Salvador para o Rio deJaneiro, em 1 763. Nessas localidades do vale e ao longo do litoral, surgiram as primeiras fazendas modernas de açúcar e café movidas pela mão­ de-obra de escravos africanos. Portanto, essa parte de São Paulo foi, em certa medida, wna extensão da dinâmica economia do Rio deJaneiro. Mas houve também wna segunda zona de solos agrícolas extraordinaria­ mente ricos, com densas florestas, na fronteira ocidental da capital paulista. Conhecida de wn modo geral como Oeste Paulista, essa área seria (e ainda é) a mais rica região agrícola do Brasil. Ali se começou a plantar açúcar quase ao mesmo tempo que no Vale do Parruba, e essa atividade, uma vez consolidada, seria mantida pelos três séculos seguintes, mesmo com a introdução de culti­

vos concorrentes. Hoje, no início do século XXI , essa mesma zona-embora muito expandida- é a maior e mais eficiente produtora de cana-de-açúcar do mundo. O capital gerado pelo açúcar nessa área foi fundamental para a aber­

tura da região de florestas para a nova agricultura, e a história dessa área em

fins do século XVIII e por todo o século seguinte é a de uma fronteira sempre em expansão, na qual o café constituiria a força fundamental até o início do século XX.

Obviamente, São Paulo ficou conhecida como o centro da produção cafeeira mundial por quase três quartos de século, mas o café só passaria a dominar a economia da província depois da década de 1 850. No período em estudo, ele estava surgindo em wna escala relativamente pequena e em localidades isoladas. E, mais até que o açúcar, desenvolveu-se em São Paulo estritamente como wn prolongamento da cafeicultura do Rio deJaneiro, seu primeiro grande centro no Brasil. No caso do café, a porção sul do Vale do Para1ba, na província de São

17

EvoLUçAo DA SociF.DADF. F. EcoNOMIA EscRAVISTA DE SAo PAUJ.O

Paulo. e as regiões litorâneas setentrionais a ela associadas abrigariam a maioria das fazendas de café na primeira metade do século XIX. Devido ao sucesso do açúcar no Oeste Paulista e aos elevados investimentos já realizados em equipa­ mentos e mão-de-obra, necessários para a produção açucareira, a introdução do café na região foi retardada até estar bem avançada a segunda metade do século

XIX, e mesmo assim com freqüência a produção cafeeira passou ao largo dos velhos centros açucareiros. Mas o estabelecimento dessas duas culturas de exportação é apenas uma parte do quadro da mudança ocorrida em São Paulo no período em estudo.

A outra parte é a crescente comercialização no ramo tradicional de gêneros alimentícios, que se expandiu para abastecer a população humana e animal nas fronteiras da capitania e além dela. Nessa produção tradicional empregou-se um número crescente de escravos africanos, recém-importados para a capita­ nia. O aumento na produção de víveres proveio das fazendas produtoras de alimentos e também das novas fazendas de café e açúcar. Sem dúvida, a pro­ dução ganhou eficiência crescente nas propriedades maiores, além de comple­ mentaridade no emprego de escravos. Era fácil transferir os cativos da produ­ ção de açúcar nos períodos "mortos", em que seu trabalho era desnecessário naquela atividade; também as terras sem viabilidade para o plantio da cana-de­ açúcar podiam ser usadas no cultivo de víveres. Os próprios escravos compu­ nham um mercado garantido para esses produtos. Além disso, os agricultores aproveitaram-se da infra-estrutura preexistente de estradas, mão-de-obra e mercados para expandir a produção de café.

A produção tradicional de ali­

mentos, sobretudo milho, arroz e feijão, sustentou as fazendas de café até que os cafeeiros, plantas de maturação lenta, começassem a produzir. Todo esse crescimento foi obtido graças à expansão do contingente de escravos africanos, e não a uma revolução tecnológica significativa.

A capita­

nia, em muitos aspectos, foi uma fronteira americana clássica, com muitas ter­ ras relativamente baratas, mas mão-de-obra relativamente cara. Essa situação poderia ter conduzido a uma fronteira de propriedades agrícolas pequenas e auto-suficientes, não fosse por dois fatores básicos: o governo só distribuía títulos de propriedade fundiária para grandes extensões de terras (as chamadas sesmarias) e era notoriamente favorável ao emprego da mão-de-obra escrava de índios e africanos. Embora os posseiros fossem numerosos,

0

controle da

terra permaneceu nas mãos de uma elite. Assim que a terra se tornava viávd por

�eio

de derrubadas e cultivo, os donos legais tratavam de expulsar os

posseiros e assumir o controle direto da propriedade.

A elite também tinha

acesso a armas para capturar índios, que por sua vez eram usados para abr1r

18

iNTR(JOl"(,ÀO

minas e capturar mais índios, c tudo isso finalmente forneceu o capital necessá­ rio para importar mais cativos da longínqua Á frica. Mas o incomum no crescimento da grande lavoura escravista em São Paulo mesmo pelos padrões brasileiros, foi a variedade de sua produção além d metade do século XIX. Embora em todas as regiões houvesse alguma produ­ ção de alimentos para o consumo dos escravos, a produção paulista de gêneros alimentícios nas fazendas de açúcar e café excedia em ampla margem as necessi­



dades locais c era vendida no mercado pelos fazendeiros. Diferia, assim, da monocultura comum nos engenhos de açúcar do Nordeste brasileiro e das ilhas do Caribe. São Paulo era uma região de fronteira, de difícil acesso e má comu­

nicação com o litoral, dificultando sua relação com os mercados externos. Por­ tanto, todos se dedicavam à produção de alimentos, para consumo próprio e venda de seus excedentes nos mercados locais e regionais. Mesmo com a expan­ são dos canais de distribuição comercial, o progresso dos transportes e a maior concentração da produção nas mãos dos grandes proprietários de escravos, a monocultura não se consolidou antes de 1 850. Todos produziam arroz, feijão e milho, até os senhores de engenho. Todos criavam porcos, e grande número de agricultores vendia a carne e o toucinho desses animais onipresentes. Algumas das maiores fazendas de açúcar e café foram exemplos típicos dessas unidades multiprodutoras. Em Areias, a primeira localidade cafeeira importante de São Paulo, por exemplo, um dos maiores cafeicultores em 1 836, com 1 76 escravos e produção anual de 92 toneladas de café, produziu também uma quantidade significativa de milho (78 toneladas), feijão (1 3 toneladas) e arroz (8 toneladas), e esses outros produtos perfizeram 1 5% do valor da sua colheita naquele ano. Esse volume de produção era expressivo para os padrões da época, mas a multiplicidade de culturas era comum até mesmo entre os cafeicultores de pe­ queno porte. Em I tu, localidade interiorana, por exemplo, houve um senhor de engenho com 98 escravos que produziu uma quantidade substancial de açúcar: aproximadamente 44 toneladas. Mas, como o grande cafeicultor de Areias, ele também plantou quantidades expressivas de milho, arroz e feijão- mais do que itens compuse­ 0 necessário para alimentar sua força de trabalho escrava, e esses ram 22% do valor de sua produção total. A intensificação da produção de alimentos tradicional e o crescimento das novas culturas de exportação foram sustentados pela expansão da força de trabalho escra­ va. Isso explica o outro processo importante ocorrido na província no periodo estudado: a crescente estratificação da produção. Pequenos agricultores ainda cria­ vam porcos e produziam gêneros alimentícios, porém uma parte cada vez maior desses produtos básicos provinha das grandes fazendas, e os maiores proprietários

19

EvowçAo DA SociEDADE E EcoNOMIA EscRAVISTA DE SAo PAuLO nas novas culturas comerciais exportáveis, o açúcar e o café, quanto no cultivo de arroz, feijão e milho.

de escravos awnentavam constantemente sua participação tanto

Mais marcante foi o fato de que boa parte dessa expansão se deu com méto­ dos agrícolas tradicionais e liderada por uma elite que concentrava os seus recur­ sos na compra de mais escravos. Quase todos os informes do governo e relatos de viajantes lamentavam o pouco refinamento da tecnologia agricola

na

provín­

cia, nos séculos XVIII e XJX. Comentava-se a ausência de arados e fertilizantes, a dependência do transporte por mulas, a falta de alojamentos dignos desse nome até nas maiores fazendas escravistas. Quase um século depois de o gover­ no provincial queixar-se desses fatores, viajantes do início do século XIX ainda comentavam a precariedade dos métodos de cultivo: desmatamento com quei­ madas, uso infreqüente de fertilizantes, dependência quase exclusiva da enxada como instrumento de trabalho. Um critico bem-informado observou, em

1 836:

"N'esta Provincia pouco se trabalha com os animaes para promptificaçào das terras; apenas começa o uso do arado em algwnas chacaras e engenhos de Assucar; " tudo é feito á força de braços de homens com foice, machado e enchada 2• As primeiras fazendas de café não selecionavam adequadamente os grãos com freqüência os colhiam cedo demais - nem os preparavam e secavam ade­ quadamentel. Apenas no refino do açúcar via-se na província o uso de maquina­

ria mais avançada, mas em geral até nesse processo os métodos agrícolas eram relativamente ultrapassados. Se a inovação tecnológica não foi o elemento essen­ cial, o que explica o dinâmico crescimento da agricultura nesse período? A aber­ tura de terras virgens foi o que possibilitou o grande crescimento, e não a intro­ dução de nova tecnologia. Essas terras, por sua vez, só puderam ser exploradas mediante o emprego de mais mão-de-obra. Assim, todos os recursos disponí­ veis concentraram-se no aumento da força de trabalho, e a compra de escravos tomou-se

wn

investimento cada vez mais importante. Antes das décadas inter­

mediárias do século XIX não existiam os casarões senhoriais e, como vários viajantes e contemporâneos observaram com grande surpresa, parecia não ha­ ver muita diferença nas moradias de posseiros e fazendeiros. A casa-grande e a senzala, de longa data o padrão na Bahia e em Pernambuco, ainda não eram comwts na sociedade acenruadamente rústica do Sudeste. Em vez disso, os ricos

2 . Daniel Pedro Müller, !:maio D'Nm QNadro I:Jia/ÍJ!Úo dt� Provinâa dr Jào PaN/o: Ordtnudo pdaJ f .m Mtmwpuu de

J.

11 dt Abni de 11136 t 10 de .\Jarro dr 1837,

Martins Fomes,

20

3. ed. fac-similar da edição ongi nal de

Paulo, Governo do Es!ado de São Paulo, 1 978, p. 28. . von Wcech, A A;:n"rNIIur -- l'n:oç< d< ••J>OIUÇio dla. ")'.. u ubu • Pm�c de 1-:scrovos no' Engenho' c Engenhoca' Fl11mincnscs". !'õtna>: li) ::Oumcntc "' enKcnhus. (2) Engenhos c cn��:enhocas Fntc: AESP,

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429

QUAN'11DADE PRODUlJDA AÇI)o.R I!M TONELIDAS MIUiO F.M TONELIDAS

PPJ)AO F.M TONiiL\DAS AGUARDF.NTE F.M C.-.NADAS

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48

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16.922 16.897 19.756 1.229 1.on 434 45.418

53

15 373

279

1 . 1 23 130 714

274 1.732 1 54 1 . 1 76

316 2420 167 2196

21.043 1 1 .742 16.392 1.289 3.197

21.987 18.562 23.101 1.930 13.299

42.146

61.1n

4.1000 51 .247 57. 1 7 1 3.953 35.057 2084 141.266

VALOR DA PRODUÇAO (llM MIL-II.ÊIS)

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VALOJ.TOTAL.OA I'RCJOIJÇA.O

6.545 1 .400 1.706 216 2065 136 10.667

4.893 4.835 6.021 744 1.161 203 13.023

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527 25 7.641

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>çúcM NÚMilRO DE ENGENHOS NúMERO DE ESOIAVOS MEDIA DF.. E.SCRAVOS POR liNGENHO

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23 598 26 48%

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22 23 25 20 10

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1.108 41

PERCF...NTAGI!M DA PRODUç,\OTOTAL POR NIVF..L DI! PRODUÇ.I.O ROR F..NGENHO 0 - 1,5 TONI!L\DAS 1,5 - 3,0 TONI!L\DAS 3,0 - 4,5 TONI!L\DAS 4,5-7,5 TONili.ADAS 7,5 - 15,0TONilU.DAS 15,0 • 30,0 TONili.ADAS � �

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Fon�: llf• da tabela 2.4. Nota: (I) lnchu anesios, .;omc«:iamcs, profisoionais libenis, funcionários públi.;o•, rcntistas e profiasionais rclocionado• com lnnspones



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15 287 19 36%

18 225 13 36%



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CAPÍTULO 3 o CRESCIMENTO DO CAFÉ NO SÉCUW XIX

Embora o açúcar tenha mantido sua imponância até os dias de hoje em São Paulo, o café aos poucos passaria a dominar a economia e a população da província durante a maior pane do século XIX1• No período que estudamos, porém, a cafeicultura estava apenas começando a instalar-se na região. Na déca­ da de

1 830, a atividade cafeeira já era um elemento importante na economia

local, embora não predominante, e os padrões de sua evolução inicial na provút­ cia pressagiavam a importância que o produto teria na economia paulista. Neste capítulo discorreremos sobre as origens do café, sua penetração na província e seus padrões de uso de escravos, integração de culturas, tipo de agricultores que o plantavam e todos os outros fatores que foram examinados quando esruda­ mos o açúcar. Aqui também usaremos várias amostras e faremos uma análise pormenorizada de wna vila bem típica e crucialmente importante para investi­

gar mais detalhadamente a evolução da cafeicultura.

Os padrões de posse, organização e mão-de-obra encontrados na expan­ são do sisrema de grande lavoura açucareira exportadora seriam reproduzidos no desenvolvimento do café, a nova cultura de exportação do século XIX.

1 . Sobre a evolução da economia cafeeira no Brasil, ver Afonso de E. Taunay, Históri11 do Cafi

no Brasil, 20 vols., Rio de Janeiro, Departamento Nacional do Café, 1939; Stanley J. Stein, V11uvuras, a Brll{.ilian Cvffte Co11n1y, 1850-1900, Cambridge, Mass., Harvard Universiry Press, 1957. Sobre a evolução dessa economia em São Paulo, além do clássico estudo de Warren Dean, Rio Claro, 11 Brazilian Plantativn System, 1820-1 920, Stanford, Stanford University Press, 1 976, ver Pedro Carvalho de Mello, "The Economics of Labor in Brazilian Coffee Plantations, 1 850-1 888", tese de PhD, Department of Economics, University of Chicago, 1 977; Pedro Carvalho de Mello, "A Economia da Escravidão nas Fazendas de Café: 18501 888", PNPE, 1984, mimeo.;José Flávio Motta, "A Família Escrava e a Penetração do Café em Bananal ( 1 80 1 - 1 829)", Revisttl Brasiltira de l:ist11dos Pop�tlacionais, 5(1):7 1 - 1 0 1 , 1 988; José Flávio Motta, Corpos Escrt�vvs, Vvntades Livrts; José Flávio Motta e N � lson Hideik.i Nozoe, "Cafeicultura e Acumulação", Estudos E(onómicos, 24(2):253-320, ma�o-ago. 1994;

Armenio de Souza Rangel, EHravismo e Riqutztl - Formt�çãv d11 E(onowli11 Caftúra no M11nicipiv

de Ta11bati - 1765-1815, tese de doutorado, FEA-USP, 1990; Renato Leite Marcondes, A Arlt de A(Jtmlllar na E(vnomia Cafuira, Lorena, 1 998.

81

EvowçAo DA SociEDADE F. EcoNOMIA EscRAVISTA DF. SAo PAULO

Mas também ocorreriam algumas variações importantes no tamanho, evolu­ ção e relação com outras culturas. Enquanto o açúcar foi um cultivo tradicio­ nal encontrado na maioria das regiões da província antes de evoluir para um produto de exportação em fins do século XVIII, o café foi uma cultura nova que só começou realmente a ser implementada no final do século XVI II. Di­ ferentemente da cana-de-açúcar, que podia ser colhida três a quatro vezes depois do primeiro plantio (sua maturação demorava dezoito meses), o tempo entre 0 plantio dos cafeeiros e a primeira colheita dos grãos de café era de vários anos. Embora o beneficiamento do grão fosse muito fácil em comparação com os complexos processos de moagem, fervura e filtragem necessários para produzir açúcar, o longo tempo necessário para o café tornar-se um produto comercializável significava que os agricultores precisavam ter fontes de renda alternativas para se manterem, pelo menos nos primeiros anos de cultivo. Adicionalmente, a ausência de crédito agrícola implicava que a maioria dessas inovações na produção ou nos cultivos tivesse de ser financiada pelos próprios agricultores. Dada a universalidade da produção de gêneros alimen­ tícios, era inevitável que os cafeicultores também fossem produtores impor­ tantes de milho e outros gêneros alimentícios que podiam ser consumidos e comercializados. Os produtores de açúcar, como vimos, também cultivaram milho e ouuos víveres, mas não na mesma proporção nem pelas mesmas razões que os cafeicultores. Foram as novas zonas cafeeiras que se destacaram como as maiores produtoras de milho da província. Assim, houve estreita relação entre a produção inicial de café e o plantio de milho e outras culturas em Areias, a primeira localidade produtora de café importante que examina­ remos. O café e o milho evoluíram juntos nessa fase inicial da história do café em São Paulo. No seu período de implantação a cafeiculrura em São Paulo apresentou carac­ terísticas que a tornaram uma cultura de exportação única em comparação tanto com o açúcar quanto com sua própria evolução posterior como um empreendi­ mento escravista em grande escala. Nas primeiras fases de seu desenvolvimento, o caráter continuamente misto das culturas nas primeiras fazendas de café, os baixos custos de beneficiamento do produto e os custos relativamente reduzidos da compra e plantio de cafeeiros tomaram os custos de ingresso na atividade cafeeira muito mais baixos que no açúcar, permitindo a participação de um nú­ mero muito maior de pequenos agricultores, especia!mente os que possuíam a.lb'l.l.ns escravos. Ao contrário, o açúcar foi, desde o irúcio, um produto que, mesmo em s �a fase de consumo apenas local, exigiu ffi W [O mais capital para 0 Ínb>Tcsso na atividade, e sua produção atraiu uma parcela menor dos agncultores. Esses custos

( ) CRI'..SCI MF.NTII

no C.... Fi'. Nu Sf\CtJI.O XIX

elevados da entrada na produção açucareira podem explicar por que, inicialmen­ te, as duas culruras não coexistiram no mesmo sol(\ apesar de não haver impedi­

mentos para isso. Na segunda metade do século XIX, muitas terras canavieiras passariam a ser usadas na produção de café, mas nas primeiras etapas os custos

de transição relativamente altos e o abandono do pesado investimento de capital nos engenhos fizeram com que as principais regiões açucareiras paulistas se mos­ trassem relativamente resistentes à cafeiculrura2• Ao mesmo tempo, nessa fase inicial a cafeicultura ainda favorecia as unidades menores.

O

padrão pós-1850 de

grandes extensões de terras com escravaria numerosa e plantações com cafeeiros novos e mais velhos só poderia ocorrer em um mercado muito maduro, com preços de exportação elevados e grandes volumes de capital e crédito disporúveis na região, o que não existia no período inicial. No irúcio as fazendas de café foram pequenas, com cultivos variados e grande participação de unidades

agrí­

colas familiares que empregavam mão-de-obra livre.

O

café vinha sendo cultivado no Brasil desde meados do século XVIII, e

lentamente se expandiu por toda a colôrüa3• Chegou ao Rio de Janeiro no último quartel daqude século e, na primeira década do seguinte, teve início uma módica exportaÇão para Lisboa4• Concentrados a princípio na província do Rio de Ja­

neiro, os cafezais lentamente se expandiram para Minas Gerais ao norte e oeste, e para São Paulo ao sul e sudoeste. Na província de São Paulo, o café ingressou

pela região setentrional do Vale do Para.�ba, que contava com os mesmos

recur­

sos naturais da região vizinha, a maior zona produtora do Rio de Janeiro. Ao

mesmo tempo, a cafeiculrura disseminou-se pelo litoral do Rio de Janeiro e chegou às localidades de São Sebastião e Ubaruba, no litoral norte: paulista, e dali atravessou também a Serra do Mar, adentrando outras partes do Vale do Paratba5 • Depois de ascender a uma posição dominante nas localidades vale-paraibanas

2. As primcims fazendas de café não se estabeleceram no Oeste Paulista antes de meadOi da

década de 1840. Dean, Rill' C!dro, tJfJ. eit., p. 30. 3. Sobre a inaoduçio do café no Brasil e sua disseminação pelas temas brasileiras, ver Affonso de E. Taunay, HistóM titJ Cdft nll' Bnui/, tJfJ. eit., especialmente vols. 1 e 2.

4. Em memória escrita em 1 820, Pizarro e Araújo declarou que em 1 800 Coram exponadas apenas cinqüenta arrobas de café pelo porto do Rio de Janeiro. José de Souza Azevedo Pizarro e

Araújo. Mllllirias Históriw JtJ Rio tk J.uuiro, Rio de Janeiro, 1945·1948, vol. 8, p. 93. S. Existem debates quanto à entrada inicial do café: ele poderia ter chegado ao litoral norte

paulista e dali subido a serra, estabelecendo-se no Vale do Paraíba, ou entio acompanhado o curso do Vale do Para�ba desde o Rio de Janeiro e entio cruzado as montanhas e chegado ao litoral norte. Obviamente, pode ter havido dois processos de penettação relativamente si­ multâneos e independentes.

83

EvowçAo DA SociFDADE E EcoNOMIA Esclllr.VISTA DE SAo PAULO

nas décadas de 1 820 e 1830, o café espalhou-se pelo restante da provútcia, por fim centralizando-se na década de 1 850 no Oeste Paulista, que se tomaria a principal região cafeeira do Brasil na segunda metade do século XIX. Foram a lenta decadência dos produtores de café de São Domingos depois de 1 790 e o colapso final da produção cafeeira em Cuba, depois de uma série de furacões devastadores na década de 1 830, que finalmente deram ao Brasil o predomínio absoluto na produção cafeeira no Novo Mundo. Já em 1 8 1 7 ex­ portaram-se cerca de 4.395 toneladas de café do porto do Rio de Janeiro, cons­ tituindo 1 2% do valor total das exportações daquele porto6• Três anos mais tarde, as exportações haviam aumentado mais de 50%7• No irúcio da década de 1830, o café superou o açúcar em valor total de exportações do Brasil e já era responsável pela metade do valor exportado total8• Em 1 798 já existiam oito fazendas de café em São Sebastião e um ano de­ pois apareceu uma em Itu; passados cinco anos, esse total aumentara para dezenove fazendas de café9• Em Guaratinguetá e Pindamonhangaba, o café foi registrado pela primeira vez como produto no censo de 1 804. Alguns anos depois, em 1 8 1 5, havia apenas vinte fazendas de café em cerca de doze localida­ des e a produção total em São Paulo aumentara apenas para 2,9 toneladas10• Mas depois dessa data a expansão foi rápida, em especial nas vilas do Vale do Paratba

6. Spix e Martius, Viagmt pelo Bl"ilti/, op. dt., vol. 1 , p. 1 79. Pizarro e Araújo menciona que nesse

ano foram exportadas 4.688 toneladas pelo Rio de Janeiro. Pizarro e Araújo, Memórias Históri­ (flS Jo Rio de jatTeiro, op. rit., vol. 8, p. 93. 7. Segundo Spix e Martius, foram exponadas aproximadamente 5.1 1 8 toneladas em 1 81 8, 3.715 toneladas em 1 8 1 9 (9uando ocorreu a seca) e 6.768 toneladas em 1820. Spix e Martius, Viagem pio Brasil, op. rit., voL 1, pp. 120-129. 8. A imponáncia do produto no conjunto das exponações brasileiras cresceu rapidamente depois de 1820, de 1 8% das exponações no decênio 1 820/1830 para um nivel superior a 40% nas décadas seguintes, passando para 55% a 65% das exponações to1ais a partir da década de 1 870 até o final do séc_ulo. A1é 1860, o açúcar representava de 20 a 30% de todas as exportações. _ Hélio Schlittler S1lva, "Tendências e Características Gerais do Comêrcio Exterior no Século XIX", �VÍ!Ia dt Hislón"a da E(onomia Bralileira 1 (1):5-2 1 , 1 953, p. 8. 9. Em 1799 foram embarcados de Santos 2.106 9uilos, sendo 1.41 1 para Lisboa e 764 para 0 Rio de _ do pono de P�anaguá, no Litoral Sul, foram remetidos 368 I.Jutlos Jane.�ro; para 0 RJo de Janruo e Santos; de São Sebasaão saíram 2. 1 76 quilos, dos CjUaJS 2.014 foram para 0 Rio de Janeiro e 162 pau Sanros; fmalmente, de Ubaruba foram embarcados 4.043 l.juilos, sendo 3.837 para 0 RJu de Jane11o, 29 para São Sebastião e 1 76 para o puno de Parari, nu Rio. Memóna de Antonio Manoel de Castro e Mendonça, Documentos 21 a 24, AtTaiS do M1m11 PaNilsta, vol. 1 6, 1 96 1 . 1 O. Ver capítulo 2 , nota 5 para uma lista das doze locabdades para a s l.jUaJS anahsamos produção e preços de açLicar e café.

84

O CRP.SCJMF.NTo no CAFF: No S�.cuw XIX

e em São Sebastião1 1 • O centro mais importante da produção cafeeira foi Areias, no Vale do Para:Jba. No ano de 1 8 1 5 parece ter havido uma guinada nesse ritmo lento de crescimento. Depois desse ano houve uma grande expansão no Vale do Para:Jba, sobretudo em Guaratinguetá e Lorena, CJUe foram desmembradas da vila cafeeira de Areias em 1 8 1 7 . Areias tornou a perder terras de cafezais em 1 832, com a criação da nova vila de Bananal. Em 1 836, dois terços da produção cafceira paulista provinham do Vale do Para:�b a12• Nessa época, o café finalmen­ te suplantara o açúcar no valor total da produção da província. É interessante notar que no periodo inicial da implantação do café em São Paulo os preços não apresentaram uma tendência temporal significativa. Na mes­ ma amostra de preços e produção em doze vilas (de 1 798 a 1 836) que usamos para analisar os preços do açúcar no capítulo anterior, não pudemos discernir nenhwna tendência estável nos preços pagos aos produtores. Ocorreram drásti­ cas flutuações anuais, entre dois e três mil-réis por arroba, com wna acentuada alta em 1 822, para mais de cinco mil-réis. Considerando a estabilidade dos de­ mais preços agrícolas, a flutuação do preço relativo do café foi influenciada basi­ camente pela flutuação dos preços do próprio café (ver gráfico 3.1). Mas durante os primeiros quinze anos do século XIX, o número de produtores e as quantida­ des de café produzidas foram muito pequenos (ver gráfico 3.2). Nessas doze comunidades13 havia cerca de cem produtores cuja produção não excedeu doze toneladas. Mas a partir de 1 8 1 7, com a criação da vila de Areias, que adicionamos à nossa amostra de doze localidades, isso mudou. Nos primeiros trinta anos do século, Areias foi o principal centro cafeeiro da província, e em 1 8 1 7 havia duzen­ tos cafeicultores que possuíam cerca de mil escravos e produziam aproximada­ mente cem toneladas de café. Em 1829, nossa amostra indica aproximadamente

1 1. Segundo os dados de 1 798 coletados por vila nos anexos das "listas Nominativas", Rangel encontrou alguma produção cafeeira nas vilas de Lorena, ltu, Ubatuba, São Vicente, Iguape e Cananéia. A produção total dessas vilas foi de apenas 6.527 quilos. Armenio de Souza Rangel, EsrraviJmo t RiqJtrza. Formarão da Etonomia Cafttira no MJtnitipio dt T11Mbati - 1765/1835, São Pau1o, 1990, p. 365. 1 2. Segundo os dados fornecidos por Müller, a produção cafedra em Areias representou 17% do total produz.ido na província em 1836. Esse estudo oficial foi determinado pelas leis de 1 1 de abril de 1 836 e 10 de março de 1837. O representante do governo, Daniel Pedro Müller, efetuou um censo completo da população e atividades econômicas em São Pau1o nos anos de

1 835 e 1 836. Os dados encontram-se em Danid Pedro Müller, Ensaio D'11111 Q11adro EsJalístifD

da Provínria dt Sõo P(JII/o, São Paulo, 1978, pp. 124-129. 13. As localidades estudadas são as mesmas utilizadas para a análise do açúcar. A nota 5 do capítulo 2 apresenta uma lista dessas localidades.

85

EvowçAo DA SociEDADE E EcoNOMIA EscRAVISTA DE S.�o PAULO

mil fazendas de café com cerca de 7 mil cativos e produzindo em tomo de 2 mil rondadas, juntamente com uma quantidade significativa de outras culruras.

É um

aumento notável, especialmente levando em conta que os cafeeiros precisavam de quatro anos para começar a produzir. Um dos fatores desse crescimento pode ter sido os preços altíssimos alcançados pelo café em 1 822 - quando ape­ nas quinhentas toneladas entraram no mercado -, os quais estimularam um plan­ tio suficiente para produzir quatro vezes mais em 1 825. Nossa amostra de localidades também indica que o ritmo da produção foi mais que proporcional ao aumento no número de unidades agrícolas dedicadas à produ­ ção de café, mostrando que ocorreu um aumento significativo na produção média. Essa média cresceu de aproximadamente quatrocentos quilos para 2 mil quilos por fogo; na época, cerca de 60% dos produtores possuíam escravos, e esse grupo de proprietários produziu 90% do café em 1836. Os cafeicultores com escravos esta­

vam àquela altura obtendo 3 mil quilos por produtor, em comparação com apenas quinhentos quilos por produtor entre os que não possuíam cativos. Apesar de esse rápido crescimento e concentração, em 1 836 ainda havia uma proporção elevada de unidades sem escravos produzindo café, um padrão bem diferente do encontrado para os engenhos de açúcar. Felizmente as listas nominativas de 1829 nos permitem examinar com mais detalhes esse fenômeno singular. Na época, metade dos cafeicultores ainda escava usando apenas mão-de-obra livre. Mesmo entre os cafeicultores que possuíam e usavam cativos, o padrão de posse era relativamente modesto em comparação com os engenhos de açúcar, com dez escravos no plantei médio dos cafeicultores em comparação com mais de trinca no plantei médio dos engenhos de açúcar no mesmo período. Os cafeicultores que possuíam quarenta cativos ou mais compunham um segmento muito pequeno dos produtores e controlavam apenas um quarto da escravaria, em contraste com os produtores de açúcar com plantei do mesmo tamanho, que possuíam mais da metade do totaJ de cativos. O café ainda era uma cultura na qual os agricultores podiam ingressar com relativa facilidade.

É provável que esses

cafeicultores com

e sem escravos já participassem significativamente da produção local de alimentos e pudessem esperar pelo amadurecimento dos cafeeiros. Com grande probabilidade, até o café tornar-se o cultivo predominante, continuaram a produzir outras culturas, mesmo após o amadurecimento dos cafeeiros. Como seria de se esperar, houve na primeira geração de cafeicultores uma certa diferenciação entre os que possuíam e os que não possuíam escravos. Embora em ambos os grupos predominassem os proprietários Jo sexo mas­

culino, enrrc os escravistas era maior a parcela de brancos (96'Yu) do yue en tre os não-proprietários de cativos (apenas 80°/c,), c havia cnrrc os senhores uma

66

( ) CRESUMENT(J I)( J

Índice (1 798

( ; RAnco 3 . 1 - PRE. A s unidades agrícolas exclusivamente ocupadas na produção de alimentos também diminuiram. Em­ bora muitos produtores de gêneros alimentícios começassem a plantar café, os que continuaram a dedicar-se apenas às culturas de víveres perderam importân1 9 . Nos anos de 1 81 7, 1 822 e 1 829 praticamente todos os proprietários de escravos ligados à produção de açúcar localizavam-se nas regiões que seriam absorvidas pela cidade de Bananal. Por isso essa atividade desapareceu de Areias depois do desmembramento de Bananal.

93

EVOWÇAO DA SociEDADE. E. EcONOMIA EsCRAVISTA DE SAo PAL1LO

cia com o passar do tempo. Os produtores exclusivos de alimentos compunham metade dos proprietários de escravos e controlavam um quarto da escravaria em 1 8 1 7. Em 1 836, os proprietários de escravos ocupados apenas na produção de alimentos representavam 1 5% do total de proprietários e controlavam menos de 5% do contingente cativo. A pecuária também perdeu importância com o tempo e por fim se concentrou somente na criação de porcos principalmente para a pro· dução de toucinho. Como vimos no caso de Jundiaí, também em Areias a expansão do setor agrícola exportador levou a uma crescente estratificação na agriculrura e a uma importância cada vez maior dos grandes produtores, mesmo nos setores não voltados para a exportação. Houve aumento no tamanho dos plantéis e estabili· dade relativa no número de proprietários de escravos. Na década de 1 820, os que possuíam mais de quarenta cativos representavam apenas 5% dos proprie· tários na agriculrura, mas controlavam um terço da escravaria. No outro extre· mo, a parcela da escravaria em mãos dos que tinham menos de dez cativos diminuiu consideravelmente nesse periodo (ver tabela 3.3). A estratificação crescente evidentemente não foi uniforme no conjunto dos produtores. Em Areias, os setores exportadores eram mais estratificados que os produtores de gêneros alimentícios. Embora fossem encontrados alguns grandes produtores de culturas de subsistência, os que possuíam cinco escra· vos ou menos compunham 90% dos proprietários e detinham 60% da escravaria do setor. Embora o setor da grande lavoura dedicado ao café crescesse mais rapidamente, e também sofresse crescente estratificação na pro· dução e na posse de escravos, o papel do produtor de médio porte perma· neceu significativo. O café, por ter começado como uma cultura produzida juntamente com o milho e outros gêneros alimentícios, permitiu a entrada de numerosos pequenos produtores. Assim, houve uma grande participação de proprietários de escravos de médio porte no café, o que explica o tamanho médio relativamente modesto da fazenda de café pelos padrões dos engenhos de açúcar contemporâneos e também das fazendas cafeeiras pós · 1 850. Ainda assim foi nO(ável a expansão do café na vila. Em 1 829 os 650 domid· lias cafeicultores representavam 46% do total e empregavam 85% dos escravos da vila. A produção cafeeira passou de 95 toneladas em 1 8 1 7 para 1 .65 1 em 1 829 (ver tabela 3.4). Com esse crescimento o café tornou·se o produto mais valioso da localidade, sendo responsável por 80% do valor total da produção agrícola já no ano de 1 822. Também houve expansão na cultura de cercais, sobre· tudo do milho, juntamente com o arroz e o feijão. No irúcio da década de 1 820 o café produzido por escravos representava 89% do valor total desse produto,

. de mcd1da•

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267

1-'unl�: fi,•

Pdos em arrobas c convertidos pan. unidades �b uwnaun de gnço produçio foj anoucb � 1.539 arrobo.s de sWnos, o que com:spnndc a 308 animais. (3) Não encontn.mos infoi"IMÇÕes pan. et'mwa con .-enio da unidade de medida "canlos de milhoH. Como, nos artns de 1816 c 1823, pane aprcssiv:o da produção de milho anotou-se lltCjllo:la unidade de medida, foi imposoívcl calcular o valor da produçio de milho nos dois anos. Face :i imponincia do milho na produção agricola, a csti�ru�tiva de valor da produçio naquele-s dois anos. aprcscnuda ruo. r:o.be-la ac:ima, que nio contcmpb. o rrulho, c-sti subestimada.

Examinaremos melhor esse setor da economia estudando cada um dos princi­ pais gêneros alimentícios. Para isso, adicionaremos a Cunha e Jacareí várias outras localidades tipicamente produtoras de alimentos. Nosso objetivo é compreender como esses gêneros eram produzidos, saber quem eram os produtores e verificar se: houve mudanças ao longo do tempo. Entre as oito diferentes localidades utilizadas nessa análise, algumas estavam profundamente envolvidas com a pro­ dução açucareira, como Itu., Capivari, Campinas e Mogi Mirim, ou com a produ­ ção cafeeira, como era o caso de Areias. Outras, como Cunha e Jacareí, ocupa­ vam-se muito mais com culturas destinadas ao mercado interno. De todos os gêneros alimentícios consumidos e produzidos para o mercado local, nenhum foi mais onipresente ou importante do que o milho. Era alimento consumido por pessoas e animais, portanto essencial à economia local. Como observou o oficial militar alemão Friedrich von Weech em visita à região, o milho era tão importante nas zonas temperadas do Brasil quanto a mandioca nas zonas mais tropicais. Como ele comentou, o milho "é moído em moinhos apro­ priados até que se obtenha a mais fina farinha (fubá), e esta, escaldada em água quente (angu), ou seca, é um alimento extremamente nutritivo, substituindo por completo o pão. Desejando-se fazer pão com essa farinha, é preciso misturá-la com farinha de trigo"8• O milho, ao mesmo tempo, servia de alimento para os produtores familia­ res, era comercializado diretamente no mercado ou vendido como ração aniB. J. fnednch von Weech, A AgrifMII11ra t o Comim"o no Júlrma Colonial, São Paulo, Martln5 Fontes., 1 992, pp. 1 23 - 1 24.

1 20

TABELA 4.5 - POPULAçAO, 00MICIUOS E PROPRIETÁRIOS DE ESCRAVOS EM 11>)4

I'OPUUr.çAo F. OOMTC!UOS NÜMBRO DF. HABITAN'l'Nl NÜNERO 0!'. ESCIAVOS NÜMI!RO DE UV1UIS NÜNI!RO DE PllOPRIETÁRIOS DE ESCIAVOS PP.JI.CI!NTAGHM DE ESCIA\105 NA

NúMERO DF-DOMidLJos

POI'Ul.Jr.ç.0 .\

M.CllNrAGt-:N DEDOMiduOS OJM E'iOIAVU'i

Pl'li.OlNTAGHM DE POBRES ENn.t: CHEFI!S DF. MG0S

INDIC.O.OORES F..st"AT1sTJCOS

1810

1816

1 823

CUNHA, 1 8()4... 1 835

1829

1835

3.375 1.549 1.826 189 46

2574 1 .046 1.528 132 41

46

35

2.887 1.331 1.556 189 46

2781 1.318 1.463 18) 47

3.018 1.410 1.608 185 47

2860 1.271 1.589 165 44

55 5

53 7

5ll 4

28

5

12

8 9,1 5 I O� I o,n 72

8 9,1 6 I o� o,n

8 9,6 5 2 0�3 0,83 67

346

""

368

346 ..

407

"'

DA POSSE DF. I'SCRAVOS

MÉDIA DE EliaA\105 PCiliruÍDOS

""""' """"'

NEOIANA ENTRE RIOPIUETARJos 00 ESQlAVOS MODA� PROI'IUETÁRIOSDE I:SCRA\105 INDic:E DE G INI ENTRE PROPIUETÁRIOS INDlcE 00 GINJ INCLUINIX) DOMJduos SEM eiOI.AVOS

MAIORES PROI'IUET"Aaios OO ESOIAVOS

I!SOlAVOS NA AGRICUL11.JRA PEJIQ!NTAGHM DOS ElialAVOS NA ATIVIDADE NÚMI'llO DE I'IlOPRIETARIOSDEilSCRAVOS t.ffiDIA DE llSCRAVOS ENTRE PltDPiliiri"ÁRIOS

7 7,8 4 I 0�2 0,74 49 1.128

..

153 7

7

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4 I 0�2 0,75 64 1.111 87 1 40 8

8 8,8 5 I o� 0,75 64 1.210

B6

148 8

995 83 107 9

74 1.317

85

149 9

... 82

101 8

PBICllNTAGHM DE DONJduo:s DilDICADOS

ESCilAVOS HM OtrrllAS ATIVIDADES' PROJIIURTAR.IOSDEf-�VOS1 NÉDIA DE ESOIAVOS !'alSIJ!Dos

CAJI.ACll!IÚST1CAS DOS I:scJIAVOS

..,

PI!RCENTAGI!M DE AI'IUCANOS RA7.AO DE MASCUUNlDADJ!

�MIDIA

79

63

62

5ll

56

60

161 30 5

170 36 5

195 33 6

199 28 7

224 37 6

183 29 6

42

158 25

i

f � !

5I 159 26

5I 170 24

53 164 25

Forue: """ dt u.bda 4.3. Nota: (\) Inclui uteSUIAIO, comércio, lnnoponco, profiuõc5 liben•s, pesaoas dcdictdas i adminia1n.çio públict c renlistas.

55 1 08 26

21 1 60 26

EvoWçAO DA SociEDADE E EcONOMIA EsCRAVISTA DE SAo PAULO

mal. Era dado aos porcos e, portanto, usado indiretamente na fabricação do toucinho, outro importante produto da província, além de alimentar as mulas, que eram vitais para a rede de transporte9• Como já observamos no estudo das fazendas de café e de açúcar, o milho era produzido tanto em unidades agrícolas dedicadas exclusivamente a essa cultura quanto na condição de subproduto em muitas lavouras de exportação de açúcar e café. Em 1 836 Müller estimou que o valor da produção de milho em São Paulo correspondia a

wn

terço do valor total da produção agrícola (ver tabela 4. 1).

Areias e Jundiaí claramente apresentam uma tendência temporal de crescimento do produto total, produção média e média de escravos por produtor. Ambas as localidades mostram, adicionalmente, o dedinio dos produtores sem escravos e dos produtores com plantéis menores. Em jundiaí, por exemplo, os produtores de milho sem cativos, que haviam sido responsáveis por 40% da produção desse cereal, viram sua participação diminuir para apenas 27% em 1 836; já os pequenos proprietários de escravos (com dez ou menos cativos), que antes con­ trolavam mais da metade da produção, passaram a responder por apenas 31%. A concentração crescente também se deu no volume da produção. Quem pro­ duzia até quinze toneladas de milho e detinha 80% da safra total desse grão no período anterior passara a controlar menos de dois terços em 1 836. Esse pro­ cesso de concentração foi possibilitado pela duplicação do número médio de escravos por produtor, no período.

9. Sem estradas para carroças nem rios navegáveis correndo em direção à costa, nesse periodo a maioria das mercadorias era transponada pela província em lombo de mula. Os muares consu­



miam m ito milho. Um censo agricola parcial de São Paulo em 1 854 registrou uma população de apr x1mad memc 36 mil mulas penenccnres às propriedades açucareiras e cafeeiras [dr. José





Antomo SaraJVa, Docummtos com qut o Prrsidmtt da Provinda dt Jào Pa11/o lnslnúo o �!tJtririo da Abtrtura da Ammblio Lgislativa Provinaal 110 d1a fj dt Frvtrriro dt /855, São Paulo, 1 855, tabela

não-numerada intitulada "Quadro Estatístico de Alguns Estabelecimentos Rurais da Provín­ cia de São Paulo'l Nesse mesmo período a barreira de Cubatào, situada na entrada do porto de _ Santos, lnform u I.J e aproximadamente 1 66 mil mulas de carga haviam passado pelo porto n uel ano [franc1sco Alves da Silva, "Abastecimento em São Paulo ( 1 835- 1 877), Estudo

� �

� �

HJstónco do Aprovis1onamemo da Província via Barreira de Cubatão", dissertação de mestrado, _ De namento e H1stôr1a, UniverSidade de São Paulo, 1 985, pp. 1 03- 1 04, I 62J. Assim, 0 reg�stro de 36 mil mulas provavelmente subestimou a população total de muares da reWão nesse _ penodo. De qualquer modo, usando essa população como provavelmente 0 número mimmo de mulas pertencentes à província em fins da década de 1 8.l0 e esnmando seu consumurllclllar!J in

J/n

Counlry, I!} A111hon·(Y of lhe Printe Regtnl of Porl11gal· lnd11ding a H11/Qrital Jk.tkh of thr Rn·olulion of B11tn01 Ormt:, and Brown,

1 2 . í:itado

1 1 H 2,

em Afonso de

1�.

p.

1 28

75.

Taunay,

mcnto 1\acwnal do Café,

I 939,

/[Úu,

I fúltina do Cafi 110 2. p. 340.

vol.

Gold und Diumond Dwnr/s o/ lha/

[ 'qyaj!,t lo lhr

Rio

lit la Pia/a and 11n

London, Printed for l.onwnan, Hurst, Rces.

Bra.uf.

20 vols.,

Rtu de Janeiro, De parta

SL'BSISTj!.:NuA r 1-i.oNOMIA f..tiCAI

cada porco podiam ser extraídos 44 quilos de toucinho. Finalmente, o fato de Müller indicar em seu censo de 1 836 que Cunha produziu sozinha mais de dois terços do toucinho obtido na província (ou 1 30 toncladas) 1 1 parece indicar uma séria subestimação. Considerando que os porcos eram criados por toda parte e que o toucinho era muito fácil de produzir, não seria de esperar uma concentra­ ção tão inusitada da produção em uma única localidade. Mas, c quanto à produção rea1 registrada? Os viajantes oitoccntistas Mawe e Eschwcge estimaram que cada porco criado em oito a doze meses consumia entre 200 c 250 quilos de milho durante sua criação c gerava 44 quilos de toucinho quando abatido. Assim, a produção de toucinho registrada em 1 836 em Cunha - aproximadamente 1 32 toneladas - teria requerido a criação e abate de 3 mil porcos, os quais teriam consumido um tota1 de novecentas toneladas de milho. Nesse ano, o censo registrou uma produção tota1 de 2.500 toneladas de milho ­ o que parece razoável para o consumo humano e animal. Os dados de Cunha também permitem examinar a estrutura da produção. O total de 1 32 toneladas de toucinho proveio de 1 1 9 produtores. Desse núme­ ro de domicílios, 109 chefes de domicílio possuíam 1 . 1 1 1 escravos e foram responsáveis por 98% do total produzido. Assim, não resta dúvida de que o toucinho foi produzido essenciahnente em domicílios com escravos. O produ­ tor médio obteve 1 . 1 00 quilos de toucinho (as dez unidades agrícolas sem cati­ vos produziram, em média, apenas trezentos quilos). Portanto, podemos obser­ var na produção de toucinho o mesmo padrão de concentração em unidades com plantéis mais numerosos encontrado na produção de todos os outros gê­ neros alimentícios. Os dezessete agricultores que produziram acima de 1 . 500 quilos compunham 1 5% dos criadores de porcos e geraram 40% do toucinho produzido na vila. O maior produtor foi um agricultor de 60 anos de idade para o qual se registrou uma produção de 4.700 quilos, com o emprego de onze escravos. Esse agricultor também produziu 33 toneladas de milho e 1 .400 quilos de feijão. Com essa produção de milho, esse agricultor tinha condições de ali­ mentar 1 30 porcos a 303 quilos por cabeça, e cada animal, por sua vez, produ­ ziria 44 quilos de toucinho - portanto, sua produção potencial de toucinho era de 5,7 toneladas -, enquanto sua produção efetivamente registrada foi de 4,7 toneladas. Esses números corroboram a qualidade das estimativas que extraímos dos viajantes oitocentistas.

1 3. Esse número é quase idêntico ao que obtivemos no censo não publiado de Cunha em

1836.

1 29

BvowçAo DA SoclEDADE E EcoNOMIA BsalAVISTA DE SA.o PAULO TABEUt

4. 7 - PoPI.JL\çAO, DoMICÍLIOS E PRoPRIETARIOS DE F.5CRAVOS EMjACAREÍ,

JIOI'lll.-\ç.\0 E DOMiduOS NÚMEJI.O DE HABITAN'n:S

MERO DE PROPIUETAltiOS Dlii ESCAAVOS PERCF.NTAGEM DE ESCAAVOS NA POP'lJ!.AÇAO

MERO DE DOMldtJOS NERO DE DOMJduOS COM ESCMVOS PEttCENTt.GEM DE DOMJduOS CON ESCMVOS MERO DE a-IEFES DE DOMJduO "POBRES" PEllCENTAGEM DE POBRES ENI"RE CHEFES DE DONiduOS

1777-1829

1m

5.154

3.794 104 7

4.6611 135 10 971 135 14 111 11

""

m

104 13

1829

1804

4.099

6.882 1.298 5.584

494

232

19 1.355 232 17 lO

... ..,.

Nú-

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INDICADORES ESTAT1snCOS DA I'OSSF. DE ESCRAVOS loo!DiA DE ESOtAVOS PC&l;toos �"' """""

MEDIANA &miE PltOPIUETAltios DE ESalAVO!i

MODA ENJ11J; PitOPRIETÁRIOS DE RiCJV.VOS INDKE DE GINI .EN11!E PII.OPRIETÁIUOS INDK:E DE GINJ INCU'INDO OOMidUOSSF.!II FSOVSOS MAIOi!l'S PII.OPRI"TAIUOSDEESCV.VOS I:.

3 2,5 2 0,43 0,92 12

80

CAll.M."TFAisrJCA$ DOS E-SCRAVOS

94 Zl

1 30

132 45 3

., 94

63

155 Z3

23

Fonte: ldt• da tabela 4.3. lndu.i

85

ffl .,

Mf".DIA DE ESaAVOS I'OSSlJ1Dos

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180 6

4

I'ROPRIF.TAiu05 DE ESCRAVOS1

l.AoD�.M,>,SO.iUNIDADf.

90 ,.,_

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�VOS I:.M Olll1I.AS ATlVIDJ\DE$ 1

anesana1u, comércw, rran•pon�s. profissóe• hbcrlls, pe••ou dedicada$

6 �9 3 I 0.S7 0,93 66 1 . 1 54

371 81

ESOIAVOS NA AGRlct,;LTURA PEaCENTt.GEM DOS ESCllAVOS NA A"TWIOADF. NDO DE PIOPIJETÃliJOS DE SSCV.VOS NÉDIA DE F.SOIAVOS ENTt1.E PROPRIETARIOS PER.'Tt AG � DEDOMiduOSCOM ESOVr.VOS l't:Jtíl-l'.'TAGI'.M DE ESQt.AVOS NA POPl:L\çAo

8.805

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26

ANO Dt. J 829

Nl'NERllllJTAL[)I,. IiAJUTAl>.>Jl$

Nl'MUODl-. PR� ( I I I I I � DI

l n \ l l l . ;-, \1 > l ' \ 1 I o,

1 H2'1

l >t >\fll i l . l r J

175

Evou·ç,\.0 DA SoCIEDADE E ECONO�It., ESCRAVISTA DE S..\o P.�l't.O

GRAFICO

6.8

-

$m.JAçAO CoNJUGAL

DOS LIVRF.S DE COR, CHEFF.S PAL'I.O, 1 829

SEXO E IDADE, SÃO

Idade

1 76

:\lulhercs

Homens

DE

DOMICILIO

POR

A PoPlJLAÇAo ESl:RAVA TABEI.A

6.1 - RA7.AO CRIANÇAS/MUU1ERFS PARA A POPUI.AÇAO EscRAVA, 1777-1829 17771

11!04

1829

NliMEIIJl O�. CRIANÇAS 6. .H2 12.729

0 - 4 ANO$ 0 · 9 ANOS

2.442 4.1140

4.713 9.635

N(;l>fERO OI' M1.11JII'.RK� 1 5 - 44 ANOS 49.o.Nos

S.073 5.347

10.822 1 1 .476

17.296 "· 17.882

481 954

436

890

366 o . 736

457

905

411

354 o . 712

10 12 9 11

11 10 9 12 11 11

RAV.O CRIANÇAS/Mt:UlF.JtE.'i 0 - 4 / J 5 - 44 ANOS 9 / 1 5 - 44 ANOS I'F.JlO'.l



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TABF.LA 6.6 - CARACTER.ÍSTIC.AS DEMOGRÁFICAS DOS EscRAVOS DlSTRIBUIDos PELA ÜCUPAçAO D >

All\10.\llliS liCONÓMICAS

NUMiiRO

PROPORçAO

K�RA\�lS

MASCUUN IDADI!

I!SCRAVOS POR PROPRIETÁRIO -�

DESVIOPADR.Ao

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PROPRIETARIOS, 1�1829

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32.497

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107

5

6

35

318

25

679

118

5

6

33

487

31

40

17

4.204

1 23

6

8

26

119

6

8

"

377

42.128

439

32

8.615

163

17

15

454

41

2436

45

.\11\'IDAOES AGRlC.OI...-\S PROOUÇÁO DI' AÇO. (3) A percentagem de usados c viúvus tem no dcnomin.odor o !tal de e1crovo• adultos com quinze anoa 011 mais. {4) Nio ealc:ulamos a relação de crimçu/ mulhcre• c a prupurçio de c"-'ad• c vrúvo•, pon o número de rnformaçóeo era n:duúdo c d.ir;torc!a oa resultados.

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o

CAPÍTULO

7

As PFssoAS LIVRFs DE CoR EM SAo PAuLO

Embora a sociedade escravista brasileira do século XIX diferisse pouco da exis­ tente no sul dos Estados Unidos em termos do tamanho e peso relativo da popu­ lação cativa e seus senhores, houve diferenças significativas entre essas duas socieda­ des com relação

95%

à

cor da população livre. Enquanto nos Estados Unidos mais de

da população livre era branca, na maior parte do Brasil os brancos tendiam a

compor menos da metade da população livre1 • No início do século XIX, o Brasil possuía a maior população livre de cor de todas as sociedades escravistas das Amé­ ricas. Na élXK3 do primeiro censo nacional, em

1872,

cerca de dezesseis anos antes

da abolição definitiva da escravidão, as pessoas livres de cor - todas de origem escrava - constituíam vos.

4,2 milhões, em comparação com apenas 1 ,5 milhão de cati­

De fato, essas pessoas livres de cor compunham o maior grupo classificado por

raça/condição social do BrasiJ2. No entanto, nessa época a economia cafeeira basea­

da no braço escravo chegava

à maturidade e

o preço dos cativos estava em alta

fazia muito tempo devido ao fechamento do tráfico atlântico de escravos3•

1 . Sobre os cerca de 5% de domicilias de pessoas livres de cor em 1830, ver Carter G. Woodson, Fru Negro HeadJ of Familits in tht Vnited StaltJ in 1830, Washington, 1925. Gray calcula que em 1860, no sul dos Estados Unidos, apenas 3% da população compunha-se de pessoas livres de cor. Lewis Ceci] Gray, Hütory of Agritultllrt in the So11thern United StaleJ lo 1860, 2 vols., Washington, D.C., Smithsonian Institution, 1932, vol. I, pp. 481-482. Sobre as poucas cente­ nas de pessoas liVTCS de cor que possuíam escravos., ver o clássico estudo de Carter G. Woodson,

1-"ru Negro Q.,m of lhe S/aveJ in the United Stata in 1830, New York, 1924. Para uma atualiza­

ção do estudo de Woodson para um Estado específico, ver Leonard Koger, Blade. Slave OwnerJ: Fm Black Slow MoJJm in South Carolina, 1790-1860, Jefferson, N.C., McFarland, 1985. Para uma avaliação pessimista da situação das pessoas livres de cor durante o período escravista nos

Estados Unidos, ver Ira C. Berlin, S/avts Witho11t MaJJm: Tht Fru Negro in the Antebellum So111h,

New York, Pantheon Books, 1974. 2. Ver Herbert S. Klein, "The Colored Freedmen in Brazilian Slave Socie�"'· Journal of Soda/

Húlory, 3(1), outono, 1969; Klein e Paiva, "Freedmen in a Slave Economy: Minas Gerais 1831 ", Journol of Social Hütory, 29(4):933-963, jun. 1996; Herbert S. Klein, Ajrican S/Qvery Latin America and the Caribluan, New York, 1986, cap. 10.

� m

3. Ver Manuel Moreno Fraginals, Herbert S. Klein e Stanley Engerman, "Nineteenth Century Cuban Slave Prices in Comparative Perspective", American Hútorital &11ÍtJ11, 88(4), dez. 1983;

1 97

EvoLUçAO DA SociEDADE B EcoNOMIA EsCRAVISTA DE SAO PAULO As pessoas livres de cor no Brasil estaV21Il bem distribuídas por todas as

províncias do Império brasileiro, residindo tanto na zona rural como na urbana nas mesmas proporções, e eram encontradas em números muito significativos como chefes de domicflios com escravos4• Todas essas características contrasta­ vam fortemente com os Estados Unidos, onde menos de

1%

dos senhores de

escravos não eram brancos. Porém, a despeito de toda a importância da classe das pessoas livres de cor na sociedade brasileira e de todas as pesquisas recentes sobre a escravidão africana no Brasil, existem relativamente poucos estudos so­

bre

0

papel econômico e social da população livre de cor no Brasil antes do

término da escravidão5• No presente capítulo, para examinar esse segmento populacional usaremos os mesmos dados censitários minuciosos empregados em nosso estudo dos escravos e senhores. Mas, para pôr em perspectiva a situa-

e, mais recenlmlmte, Laird W. Bergad, Sltlvtty 11nd lbt DtiiHJf/'lbl/l it tmd Ettn�B�J�k His�ory oj Mius

Gmlis, Brafit 1720-1888, Cambridge, Cambridge University Preu, 1999, pp. 1 63 e

ss.

4. Para estudos .recentes mostrando a impottânc:ia relativa das pessoas livrc:s de cor como proprie­

tárias de escravos em várias localidades do Brasil, ver os dois estudos de Francisco Vidal Luna. MiJJIIS Gtmis: B.smluw t Srnhons, São Paulo, IPE/USP, 1 981 e "São Paulo: População, Aóvida­ des e Posse de Escravos em Vmte e Cinco Localidacles - 1 777-1 829'', Eslffls Etotlhn"as,

28(1):99-169, jan.-mar. 1998; Klein e Paiva, «preedznen in a S1ave Economy: Minas Gerais in

1831", 1«. tit; Ooólde Paiva e Herben S. Klein, ''Siave and Free in 1 9th Century Minas Gerais: Campanha in 1831", Slllwry 1111d Abolifu, 1 5(1):1-21, London, abr. 1994; e para duas localidades da Bahia, ver B. J. Barickman, "As Cores do Escravismo: Escravistas 'Pretos', "Pardos' e 'Cabras' no Recôncavo Baiano, 1835", PoJHtlllfio t &.i!i., 2(2):7-62, São Paulo, jul.­

dez. 1999. Ver também Iraci dd Nero da Costa, Af'TIIitl-111ilitlo, São Paulo, 1992. 5. Evidentemente, existem virias estudos sobre as pessoas livres de cor, mas ou tratam de aspec­ tos específicos da vida dessas pessoas ou

tomam

por base amostras muito pequenas e pouco

representativas, ou ainda incluem essas pessoas indiscriminadamente no contexto mais amplo

da população livre e pobre. A vida religiosa das pessoas livres de cor em âreas urbanas no

Nordeste foi estudada por A. J. R. Russei-Wood em Tbt Blstle M1111 ;, Sl11wery 11nd FrtttJOM i11 Coilmiii1 Brllt_l1, New York, 1983; a riqueza de uma amostra de ex-escravos de primeira geração. também no contexto urbano, foi analisada em Maria Inês Côrtes de Oliveira. O LiiNm.: 0 St• M11111io e tu ONiros, Slll��t�tlsr, 1190/ 1890, São Paulo, 1988. As agruras sofridas tanto por brallCOI

pobres quanto por pessoas livres de cor pobres na época da escravidão foram descritas nos

clâsskos estudos de Maria Sylvia de Carvalho Franco, H0111t111 Li��rts 1111 OrM• Estrr�WKn�/4, São Paulo, 1969, e Laura de Mdlo e Souza, DmltUsijitt�titn U O•na. A Pobnf!l Mimirt� 110 SitNio XVJ/1, São Paulo. 1982 e, mais recentemente, em Hebe Maria Manos, D111 Com titJ SiJi11no. Os Sig•ifitmitu do l.iiNrrimk 110 SUeslt Esm�vis111 - Bnui/, SitNID XIX, Rio de Janeiro. Nova Fron· teira, 1998. Uma interessante ani.lise comparativa do tratamenro da.s pessoas livres de cor

no

sistema crinúnal urbano encontra-se em Leila Me:z:an Algranti, O 1-lilor Alfltlllr. l::. slluJ.s sollrr 11 l!mllviti.H u,;.,,ll •• Rio de }llneim, 1780-1822, Petrópolis, 1988.

1 98

As PFSSOAS

LIVRES m-. CoR EM S.&.o

PAl"J.O

çào de São Paulo, decidimos incorporar material adicional sobre duas localida­ des da província de Minas Gerais1'.

f.: que Minas possui dados

censitários com­

paráveis para esse mesmo período e, ao mesmo tempo, foi a região onde a população de pessoas livres de cor tornou-se a mais numerosa do Brasil Impé­ rio. Desse modo, podemos ver mais claramente as características que foram comuns e as que foram exclusivas das pessoas livres de cor em São Paulo. A sociedade brasileira, como todos os demais regimes escravistas america­ nos, por sua própria natureza foi racista, e a elite branca discriminou de várias maneiras as pessoas livres de cor, mesmo permitindo um nível de alforrias ele­ vado. Até agora, porém, não tínhamos idéia de como essas pessoas integravam­ se no mundo dos livres e na economia de mercado. Teriam sido em grande medida alijadas dos caminhos normais da mobilidade econômica e social por meios legais e por outras formas, como ocorreu, por exemplo, entre a maioria das pessoas livres de cor nos Estados Unidos7? Ou as barreiras

à

mobilidade

teriam sido em grande medida econômicas? A elite da sociedade branca brasilei­ ra no século XJX, embora freqüentemente expressasse hostilidade racial contra os negros8, permitia aos não-brancos livres responder a incentivos de mercado e integrar-se

à

sociedade livre mais ampla, sem grandes impedimentos? Embora

claramente não existissem no Brasil restrições legais

à mobilidade, fosse ela geo­

gráfica ou econômica, a questão é: qual o grau de êxito dos ndo-brancos livres em se tratando de manter as habilidades profissionais aprendidas quando escra­ vos ou de competir com brancos por recursos como terra e até mesmo cativos? Embora não possamos responder de modo complew a essas questões, nossa análise deve nos permitir apresentar um quadro razoável do papel dos libertos não-brancos na sociedade no inicio do século XJX.

6. Agradecemos à professora Oorilde Paiva, do Cedepar, Universidade Federal de Minas Gerais, por nos dar acesso ao censo de 1 833. 7 _ Embora algumas pessoas livres de cor tenham conseguido adquirir bens em vârios Estados sulistas, a lei opunha-se vigorosamente à sua mobilidade. Para os haveres econômicos das poucas centenas de pessoas livres de cor mais ricas nos Estados escrnvistas do Sul, ver Loren Schweininger, BkJrk ProJnrtJ OIVflm in lhe SoNih, 1790-1915, Urbana, University of Illinois Press, 1990; e seu ensaio "Prosperous Blacks in the South, 1790-1880", Amrriran Historital RruirJJ� 95(1):31-56, fev. 1990. Embora algtms tenham rido êxito, o normal era haver muita discriminação legal e obstãculos à mobilidade. Na Virgínia, por exemplo, era legahnente negado o acesso à mobilidade e a bens imóveis para essas pessoas no periodo escravista. Ver Luther Poner Jackson, Fru Negro

Llbor & ProptrtJ Ho/Jing in Virginia, 1830-1860, 2. ed., New York, 1968. 8. Ver, por exemplo, Celia Maria Marinha Azevedo, Onda Negn� t Mrdo BranrfJ. O Ntgro no Imaginá­ rio das Elilu no SitNio XIX, Rio de Janeiro, 1987; l.ilia Moritt Schwarcz, Retraio tm Bran((l t

Nrgro. jornais, Esrrawl t Cidadiios rm São Pa11/o no Final rb Sit��lo XIX, São Paulo, 1987.

199

EvowçAo DA SociEDADE E EcoNOMIA EscRAVISTA DE SAo PAULO Para Minas Gerais, escolhemos dois exemplos extremos de participação das pessoas livres de cor: a tradicional região mineira de Sabará, no centro de Minas, com sua população predominantemente negra, e a localidade agrícola de Campanha, na fronteira sudeste com São Paulo, de habitantes predominantemente brancos, que tinha muitas características semelhantes às das comunidades paulistas vizinhas9• Cada uma representa os pontos extre· mos da situação das pessoas livres de cor e da sua posição na sociedade mineira, que possuía inquestionavelmente a maior população escrava e livre de cor de todo o Brasil. Cabe ressaltar que nossos dados não distinguem entre pessoas de cor que já nasceram livres e as que foram alforriada s 1 0, distinção encontrada em algumas fontes primárias brasileiras desse período. Assim, quando empregamos o termo "pessoas livres de cor", referimo-nos a ambos os grupos, sem distinção de sua origem. Ademais, mantivemos a terminologia designativa das cores encontrada nos censos paulistas, que de· finem a população livre de cor como pretos ou

pardoi 1•

Os dados para São

9. Essas duas comunidades foram examinadas com mais detalhes em Klein e Paiva., "Freedmen in a Slave Economy: Minas Gerais in 1 831 ", for. rit. 1 O. Nas duas localidades baianas examinadas por Barickman, os recenseadores em 1 835 fizeram distinção entrefom�s e ingin11os, ou seja, os nascidos na escf3vidão e posteriormente alforriados e os que já nasceram livres. Mas, devido ao seu interesse no papel dessas pessoas como proprie­

tárias de escravos, Barickman sô fornece os dados de origem para esse grupo minoritário entre as pessoas livres de cor. Como se poderia esperar considerando a origem de sua condição de livres, os que já nasceram em liberdade predominavam entre os pardos e pretos que possuíam escf3vos, e eram também os mais ricos. Barickman, ''As Cores do Escravismo", lrJC. ril., p. 25. Essa mesma diferença entre forros e pessoas de cor nascidas livres também foi encontrada em um censo religioso de fins do século XVIII de uma freguesia rural de Minas Gerais. Ali a razão de masculinidade para os libertos era de 87 homens para cem mulheres, e atingia um rúvel quase nonnal, de 97 homens paf3 cem mulheres, entre as pessoas de cor nascidas livres. Em contraste com as localidades baianas, essa freguesia apresentava uma percen1:2gcm elevadissima de forros:

44% das 3.200 pessoas de cor livres. Ver Douglas Cole übby e Clotilde Andrade Paiva, "Manumission Practices in a Late-Eighteemh-Cenrury Bf3zilian Slave Parish: São José d'EI Jky in 1795", Slawry 4nd Abolilion, 21 (1):102-102, 2000, tabdas 1 e 2. 1 1 . Na maioria dos casos, os dados para Minas e São Paulo não arrolam separadamente os africa­

nos. Por isso, a �aioria dos estudiosos usa a distinção prtlo/ mo11lo fornecida nos mapas locais, _ pata definu a ongem os cativos e das pessoas livres de cor. Ou seja, supomos que "pretos" eram os africanos e ''cnoul�s" os negros nascidos no Brasil. Todos os índices demográficos que _ . _ nos e outros estudiosos utilizamos Indicam que essa é uma interprelaçào correta das defini­ ções. � o caso dos pardos, os �ensos também empregam a designação "mestiço". Para Minas, ver Pa�va e Klem, "Siave & free", /o(. ril.; Klein e Pa�va, "freedmen in a Slave Econumy: _ Minas Gerais m 1831", lrK. cil.



200

Paulo provêm do censo completo de 41 localidades que vimos estudando em todo este trabalho. Ambas as localidades mineiras são aproximadamente semelhantes na estru­ tura e tamanho de sua população, bem como em sua orientação para atividades agrícolas e artesanais. Embora ainda ocorresse alguma atividade mineradora em Sabará (a mineração de ouro que dera fama à região no século XVIII entrara em declínio após 1 750), esse setor já não predominava na economia local. Em fins do século X VI I I , a província de Minas Gerais apresentava uma complexa economia agrícola de pequenas unidades produtoras, com uma atividade mineradora mista na qual o ouro era um elemento sem grande importância. A economia de Minas Gerais, com suas exportações de açúcar, aguardente, gêne­ ros alimentícios básicos c tecidos rústicos de algodão, parecia-se mais com a economia da vizinha São Paulo do que com a própria economia mineira da época colonial. Campanha e Sabará eram bem representativas da província como um todo no aspecto de sua concentração na agricultura, com uma parcela me­ nor mas importante de atividades ligadas à produção de têxteis rústicos, produ­ tos de metal e madeira e alguma atividade mineradora. Nas duas zonas existia uma significativa indústria de beneficiamento de açúcar que produzia aguarden­ te para consumo local, e ambas as localidades contavam com um setor comer­ cial muito ativo. Embora a auto-suficiência fosse considerávd, as duas zonas estavam estreitamente ligadas a uma economia mais ampla que incluía um ativo comércio com as províncias costeiras vizinhas12• Finalmente, ambas as zonas apresentavam uma percentagem de pessoas livres de cor no total da população de cor maior que a encontrada em São Paulo. Na década de 1 830, as pessoas livres de cor compunham mais da metade do tom! da população de cor em Minas Gerais13, mas em São Paulo essa percentagem ainda não atingia a metade do total das pessoas de cor da província, chegando a apenas 41 mil indivíduos. Levando em consideração as diferenças de tamanho e a importância relativa da população livre de cor residente, nosso exame desses censos populacionais mostra que as pessoas livres de cor, exceto no nível da elite, eram encontradas em todas as ocupações nas quais trabalhavam seus contemporâneos brancos e apre-

1 2 . Segundo

um

levantamento fiscal de 1 836, Campanha possuía 93 engenhos e Sabará cerca de

1 57, totalizando, assim, 1 4% do total da província. Também foram registradas nessas locali­ dades, respectivamente, 472 e 275 vendas, que juntas consriruiam 1 6% do total de vendas mineiras. Clotilde A. Paiva e Marcelo M. Godoy, "Engenhos e Casas de Negôcios na Minas

Oitocenrista", VI Seminário sobrr g Economig Mineira, Belo Horizonte, 1992, P· 38, tabela L 1 3. No censo de 1 83 1 havía 296 mil não-brancos residentes em Minas, dos quals 54% eram Livres.

201

EvoLUçA.o DA SOCIEDADE F. EcoNOMIA EscR.AVISTA DE SA.o PAULO sentavam características sociais, ocupacionais e demográficas bem semelhantes às de seus equivalentes não-descendentes de africanos. Ademais, independentemen­ te de viverem em localidades onde as pessoas livres eram predominantemente afro-brasileiras ou em localidades onde predominavam os brancos, havia relati­ vamente pouca diferença para as pessoas livres de cor em seus padrões de traba­

lho e organização familiar. Por fim, mostraremos que as pessoas livres de cor tiveram participação expressiva mesmo como proprietárias de escravos. A seleção das localidades para nosso estudo foi determinada pela atividade

econômica regional e pelas diferenças na composição racial. Usando os diferen­ tes padrões de composição racial representados por essas

43

localidades em

Minas Gerais e São Paulo, podemos estimar em que grau a densidade racial foi um fator fundamental para determinar a integração ou rejeição das pessoas li­ vres de cor em uma sociedade não-escravista. Pelos padrões raciais do centro­ sul do Brasil na primeira metade do século XIX, essas regiões refletem os extre­ mos de integração racial, embora na verdade nenhuma das localidades paulistas apresentasse uma percentagem de brancos tão baixa quanto Sabará (ver tabela 7.1). Todas essas localidades de São Paulo e Minas Gerais tinham aproximada­ mente a mesma percentagem de escravos - pouco mais de um quarto da popu­ lação total. Computando juntas a população escrava e a livre de cor, treze das localidades paulistas tinham maioria não-branca na população total. Examinando essas distribuições, não encontramos urna correlação negativa en­

tre escravos e população livre de cor ou entre a presença de grandes números de brancos e de forros. As pessoas de cor nascidas livres, e os escravos libertos e seus descendentes, foram um elemento importante em toda parte. Aproximadamente, compuseram um quarto da população total em todas as localidades paulistas (ver tabela 7.1). A importância relativa das pessoas livres de cor na população total mais uma vez mostrou que São Paulo aproximava-se mais do padrão de Campanha, com um quarto da popuJação total composta por essa categoria. do que do de Sabará, onde as pessoas livres de cor eram a maioria. Embora as pessoas livres de cor compusessem

41%

de todos os não-brancos (novamente uma percentagem

muito próxima do padrão de Campanha), constituíam apenas

26%

de todos os

não-escravos, estando, portanto, bem abaixo do modelo de Campanha e muito longe de compor quatro quintos da população, como em Sabará. Assim, apesar de toda a sua importância nas regiões de São Paulo, as pessoas livres de cor não haviam atingido o nível de participação identificado na vizinha r...linas Gerais. Consideran­ do que as pessoas livres de cor em São Pau1o acabariam por alcançar niveis de

participação na população semelhantes aos encontrados em !vlinas no último ljuat­

td do século XIX, seria possível argumentar lJUe essa diferença encontrada em 1 829

202

As PEs'>oAs LIVRFs mo CoR I'M

SAo

P11UJ.o

era mais uma questão de trajetórias históricas diversas do que de diferença nas atitudes da sociedade em relação às pessoas livres de cor. Minas Gerais acumulou uma grande população de escravos rapidamente na primeira metade do século XVl l l e depois sofreu um declínio ou estagnação da economia até as primeiras décadas do século XJX, ao passo que São Paulo começou com um número muito inferior de escravos e apresentou um nível de importação de cativos bem mais baixo, o que também explica o crescimento mais lento da população livre de cor. Apesar das percentagens mais baixas de pessoas livres de cor encontradas nes­ sas localidades paulistas, ainda é notável a imponância dessa categoria entre a po­ pulação não-branca total mesmo no início do século XIX, assim como tam­ bém é notável que tenham mantido sua imponância relativa apesar da entrada em massa de novos africanos. A década de 1 820 foi um período de intensa importa­ ção de escravos africanos pelo Brasil e, segundo o censo de 1 836, os africanos compunham 45% da força de trabalho cativa da província. Nesse período, as pessoas livres de cor apresentaram wn crescimento numérico significativo, embo­ ra sua participação na população total de cor tenha caido de mais da metade em 1 803 para 41% em 1 83614• Tudo isso indica que o papel de cidadãos livres era bem definido para negros e pardos no centro-sul do Brasil, quase sessenta anos antes da abolição da escravidão, e que mesmo a intensificação do tráfico de escravos para essa zona não reduziu a importância dessa categoria de pessoas. Além disso, a estrutura demográfica das pessoas livres Je cor indica que seu potencial de crescimento era bem elevado. De modo geral, eram mais jovens que os escravos e compunham o grupo social com a maior percentagem de mulheres. Isso contrastava nitidamente com a predominância masculina na po­ pulação cativa e com o equilibrio na proporção entre os sexos da população branca. O fato de haver 87 homens para cada cem mulheres na população livre de cor em São Paulo deve-se provavelmente à predominância das mulheres jovens entre os cativos alforriados, constatada em todos os estudos sobre alforrias15, um comportamento que ocorria independentemente do sexo do pro­ prietário que alforriava16• Infelizmente, como já mencionamos, nossos dados

1 4 . Em 1 803 eram 47 mil, e segundo o censo de 1 836 as pessoas livres de cor chegavam a 63 mil. 1 5. Em comparação com uma razão entte os sexos equilibrada para os brancos e com uma razão de masculinidade de 1 25 para os escravos. Todos esses dados foram exttaidos do censo de _ 1 836 de Müller para toda a província. Daniel Pedro Müller, Ensaiu D'Hm Q1�ttdro fullllíshro da

Prui!Íncitl tk Siio Pa11lo, São Paulo, 1978, pp. 1 24- 1 29.

1 6 . Em seu exame de seis estudos anteriores sobre alforrias no mwtdo colonial latino-americana, incluindo 0 Brasil,Johnson constatou que as mulheres predominavam em todas essas listas de

203

EVOLUÇ}.O DA SOCIEDADE E EcONOMIA EscRAVISTA DE SJ.o PAULO

censitários não distinguem na população os que já nasceram livres e os que fo­ ram alforriados, o que nos permitiria apresentar wna estimativa confiável da importância relativa das pessoas recém-alforriadas no total da população livre de cor. Mas o fato de esse desequihbrio geral da razão entre os sexos na popu­ lação livre de cor em São Paulo ser encontrado mesmo no censo de

1 872 indica

que a constante alforria de cativos, a maioria mulheres, fez com que essa popu­

lação fosse única no aspecto do equilibrio entre os sexos, se comparada às po­ pulações de escravos e de brancos livres1 7 • Considerando esse viés de idade e sexo entre os cativos alforriados, poderíamos supor que para a população livre de cor as taxas de reprodução eram mais elevadas que para os escravos.

alforrias e que a autocompra geralmente estava presente na metade dos casos de alforria. Ver Lym.an

L Johnson, "Manwnission in Colonial Buenos Aires, 1 776- 1 8 1 0", Hispt���ü Amtrúan

Historita/ Rtview, 59(2):262, 1979,

tabela

1.

Isso também se aplica a todos os estudos mais

recentes sobre o Brasil; ver, entre outros, Kathleen J. Higgins, "Gender and the Manwnission of Slaves in Colonial Brazil: The Prospects for Freedom

in Sabará, Minas Gerais, 1 7 1 01809", SlatXtJ anJ AboMon 18(2), ago. 1997; Mieko Nishida, "Manumission and Ethnicity in 1 808-1 888", Húpanir Amerifan Hislon"ral Rtview, 73, ago. 1993; MarcusJ. M. de Carvalho, Ubmiatk, RDiinat t RNpmras Jo Esaavismo, Rttife, 1822.1850, Recife, Editora Universitária UFPE, 1998, cap. 10. Ver também os estudos mais antigos de Kária M. de Queirós Mattoso, "A Propósito de Cartas de AJforria, Bahia, 1 779-1 850'', Anais de História, Assis, São Paulo, vol. 4, 1972; e dessa mesma autora, "A Carta de Alforria como Urban Slavery: Salvador, Brazil

Fonte Complemenw para o Estudo de Rentabilidade de Mão-de-obra Escrava Urbana,

1 819·1 888",

em Carlos Manuel Pelaez e Mircea Buescu (eds.),

A Modtrna HisJória Elono"'müa, 1976; e também Stuart 8. Schwartz, "The Manumission of Slaves in Colonial Brazil: Bahia, 1684-1745", Hispank Amtrkan Historilal RtvitiP, 54(4), 1 974; Peter L. Eisenberg, "Ficando Livre: As AJforrias em Campinas no Sêculo XlX", Est11dos Eronómiros, 17(2), 1 987; ]ames P. Kiernan, Tht Man11missiM of Slaws in Colonial Brazil: Paraty, 1789-1822, dissertação de Ph.D., New York Universiry, 1976; Mary C. Karasch, Slave Lift in IVo dtjantiro, 1808-1850, Princeton, Princcton Universiry Press, 1987, cap. 1 1 . 1 7. No caso da província de São Paulo em 1872, a razão de masculinidade para as 355.745 pessoas livres de cor foi de 79. Isso contrastava com a razão de masculinidade de 125 entre os escravos e de 99 en �e os brancos. Esses números foram calculados com base nos novos totais gue Clotilde Pa�va extraiu do censo de 1 872 após correção de erros, em adição aos volumes Rio de Janeiro,

originais publicados. IA professora Clotilde Paiva fez a gentileza de nos dar acesso a esses novos cálculos.J Uma vez 9ue essas elevadas razões de masculinidade entre os cativos ainda persistiam

22 anos depois do fim do tráfico atlântico, podemos supor 9ue o tráfico interno de

escravos para São Paulo, que se desenvolveu posteriormeme ao fechamento do trãfico atlãn­ tico em

1850,

teria introduzido proporcionalmente muiro mais cativos do sexo masculino e/

ou que teria havido um alto nível de alfurnas de mulheres nesse período.

204

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CONCLUSA O

Nesta primeira avaliação global da economia e sociedade de São Paulo, de suas origens até meados do século XIX, vimos como a região evoluiu no tempo e no espaço. São Paulo começou como uma área marginal de fronteira, relativa­ mente pouco importante, com um modesto povoamento ao longo de um lito­ ral estreito e um discreto avanço planalto adentro. Sua importância irúcial para Portugal foi como fonte de combatentes e exploradores experientes, e como baluarte na fronteira meridional. Sua agricultura era primitiva e a única exporta­ ção digna do nome nos primeiros tempos da era colonial foi a mão-de-obra escrava indígena. Mas essa região esparsamente povoada e em grande medida inexplorada have­ ria de tomar-se o motor econômico e social da economia brasileira em fins do século XIX. O processo de transformação deveu-se à qualidade dos solos da região e às habilidades de sua extraordinária população de fronteira. Essa popu­ lação irllcial, formada por brancos, índios e mestiços realizou uma grande façanha explorando o sertão, e isso lhe foi útil na captura de cativos indígenas para sua economia ávida por mão-de-obra e no acesso às ricas zonas mineradoras do interior. Embora os paulistas acabassem por perder o monopólio das minas de ouro e diamantes, a criação de wna importante área de povoamento na fronteira setentrional da província revelou-se um grande estímulo à produção local, o que, por sua vez, trouxe os primeiros sinais de uma agricultura mais complexa em substituição à tecnologia simples predominante na produção local. Essa nova ri­ queza também permitiu aos paulistas substituir seus cativos índios por escravos africanos e assim amoldar sua força de trabalho escrava à do restante da colônia. Foi no século XVIII que ocorreram muitas dessas mudanças estruturais ini­ ciais. A ascensão de Minas Gerais na primeira metade do sécu1o, o crescimento de uma poderosa indústria açucareira na província vizinha do Rio de Janeiro e,

247

EvoLUçAO DA SOCIEDADE E EcoNOMIA EsCRAVISTA DE SAo PAUlO

finalmente, a mudança da capital da Colônia para o Rio em meados do século criaram demandas para a produção agrícola paulista. Gêneros alimentícios, ani­ mais e toucinho foram, claramente, as primeiras exportações de vulto, em espe­

ciaJ para as zonas mineradoras das Minas Gerais, que no início não contavam com produção local. Isso, por sua vez, estimulou a expansão da moderna eco­ nomia açucareira para as terras valeparaibanas próximas à fronteira com o Rio de Janeiro e as recém-exploradas terras férteis e planas do Oeste Paulista. Com uma moderna economia açucareira prosperando na província vizinha do Rio de Janeiro, os maiores agricultores paulistas logo foram incorporados à nova ativi­ dade açucareira em expansão no Sudoeste. Com capital, tecnologia e mercados próximos às suas fronteiras, os produtores locais finalmente puderam produzir açúcares de boa qualidade para exportação e passaram a recorrer cada vez mais aos escravos africanos como fonte básica de mão-de-obra. Embora a produ­ ção açucareira exportável de São Paulo fosse modesta pelos padrões coloniais, quando combinada à do Rio de Janeiro superava a do Nordeste brasileiro no último quanel do século XVIII.

A esse estímulo econômico aliou-se a expansão fomentada pelo Governo. A administração portuguesa, revitalizada na segunda metade desse século, co­ meçou a atentar para a fronteira meridional daquela sua colônia vital e forne­ ceu fundos para a instalação de povoados no Sul de São Paulo.

A região de

pastagens do rio da Prata, recém-integrada e povoada, criou uma nova fron­ teira pecuarista que se ligaria diretamente às dinâmicas economias de Minas Gerais e Rio de Janeiro por intermédio dos mercados de São Paulo. O Go­ verno investiu pesadamente na atividade militar e também custeou o desen­ volvimento de infra-estrutura, desde investimentos portuários até estradas li­ gando Santos ao planalto interior. Assim, no final do século XVIII, iniciara-se uma fundamental reestruturação e expansão nessa área antes subdesenvolvida. Vimos que foi o açúcar 0 primeiro produto agricola imponante a ser exportado fora do mercado regional. Foram os engenhos de açúcar movidos por mão-de-obra escrava africana que se torna­ ram o fator dinâmico nas economias locais, gerando o capital para imponação de mais cativos e mulas e para a instalação de uma complexa infra-estrumra exportadora que se servia dos portos costeiros e das estradas interioranas para levar o açúcar ao pano do Rio de Janeiro. São Paulo, em fms do século XV lU,

n ã o só substituiria o trabalho escravo indígena pelo africano corno também trocaria o transporte humano pdo animal. Com a oq,ranizaçào completa das tropas de mulas, a maioria das pequenas povoações da província ligara-se e se mtegrara a uma rede inter-regional e, em última análise, internacional.

Como se poderia esperar, um bem documentado padrão de crescente con­ centração da ri'lue7.a revelou-se a cada censo no período 'lue vai do último