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Portuguese Pages 174 [179] Year 2002
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2002
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Donald Davidson : ensaios sobre a verdade / Organizado por Paulo Ghiraldelli Jr., Pedro F. Bendassolli e Waldomiro José da Silva Filho. Traduzido por Paulo Ghiraldelli Jr. e Pedro F. Bendassolli. - São Paulo : Unimarco Editora, 2002. 174 p. Bibliografia ISBN 85-86022-42-X 1. Filosofia I. Título. CDD 100
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade São Marcos
iii ~ UNIVERSIDADE SÃO MARCOS Chanceler: Olavo Drummond Reitor: Ernani Bicudo de Paula UNllvlARCO EDITORA Presidente: Luciane de Paula Editor: Reynaldo Damazio Editor assistente: Luiz Paulo Rouanet Capa: Wendy Maria de Castro Diagramação: Simone de Castro Pinheiro Machado Revisão: Luiz Paulo Rouanet e Reynaldo Damazio
CONSELHO EDITORIAL Álvaro Cardoso Gomes, Carlos Felipe Moisés, Fabio Magalhães, Fernando Novais, Ismail Xavier, Marcelo Perine, Paulo Roberto de Almeida, Sérgio Paulo Rouanet Av. Nazaré, 900 • Ipiranga • 04262-100 • São Paulo/SP E-mail: [email protected] • Site: www.srnarcos.br/editora Tel.: (l l) 3471-5700 r. 5777 • Fax: (l l) 6163-7345
Impressão e acabarnento.> Book RJ - Tel.: (11) 6605-7344
ISBN: 85-86022-42-X ©Unimarco Editora 2002
Sumário
Prefácio Donald Davidson 5
Introdução • Davidson: a Elegância no Labirinto da Verdade Paulo Ghiraldelli Jr. 7 Verdade e significado 23 A estrutura e o conteúdo da verdade 47 A tolice de tentar definir a verdade
109 Verdade reabilitada
129 A verdade é o objetivo da investigação? - discussão com Rorty 145 Posfácio • Davidson, Sócrates e os instrumentos da Filosofia Waldomiro José da Silva Filho
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Prefácio Donald Davidson
O Brasil e a filosofia estão associados em minha mente desde o verão de 1941. Naquele verão, Quine, um amigo e eu passamos alguns meses no México. Queríamos chegar o mais próximo e de maneira mais fácil quanto possível dos dois grandes vulcões que se elevavam sobre o vale em que se estendia a cidade do México. Mais.tarde, num outro dia, dirigimos até Amecameca, situada na mais saliente depressão entre Ixtaccíhuatl e Popocatépetl. Achamos um hotel e o preço era bom, mas quando nos disseram que tínhamos que pagar uma taxa bem elevada para deixar nosso carro no pátio, cancelamos nossa conta, somente para descobrir que não havia outro hotel. Nem havia um restaurante, mas uma mulher na esquina nos vendeu um prato de refogado desconhecido, e isso foi suficiente. Sugeri que, já que não podíamos dormir, poderíamos muito bem escalar o Popocatépetl aquela noite. Nosso guia indicou prontamente uma pessoa que poderia nos ajudar. Nós o acordamos e ele concordou em nos mostrar o caminho. Ele nos equipou com ganchos; quanto ao mais, tínhamos sapatos de estrada, suéteres e capas de chuvas leves. Dirigimos o mais rápido que pudemos, sem nos preocupar com o fato do carro estar quase sem combustível. Era mais de duas da manhã quando começamos a escalada. À · primeira vista, havia apenas a leve cinza vulcânica, que nos fazia escorregar a cada passo até quase o ponto de partida, mas, à medida que subíamos, chegamos à neve e ao gelo. A aproximadamente cinco mil metros, nosso amigo decidiu que já era o bastante, e se sentou para esperar nosso retomo. Finalmente, Quine, sofrendo com a altitude, também decidiu abandonar nossa pequena expedição. Ao se explicar, disse: "Estou me preservando para o Brasil". (Uma ou mais semanas antes, ele tinha aprendido que havia uma grande chance de ser enviado ao Brasil, pelo Departamento de Estado, para uma conferência). Por anos, depois deste episódio, sempre que um de nós quisesse inter5
romper uma atividade desagradável, poderíamos dizer: "Estou me preservando para o Brasil". O curioso poderá encontrar esta história muito bem contada na autobiografia de Quine, The Time of My Life. Há pequenas diferenças em nossas narrativas; os leitores terão de decidir quem está certo.
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Tenho certeza de que todo filósofo brasileiro sabe que Quine foi ao Brasil no verão seguinte. Ele deu conferências principalmente em 'São Paulo, e suas conferências foram depois publicadas em português: O Sentido da Nova Lógica.1 Eu poderia ter subido muito mais no Popocatépétl do que Quine, mas em nenhum outro aspecto consigo superá-lo. Meu português é suficiente, no máximo, para pedir informações e uma refeição, e não escrevi nenhum livro de lógica em português. Por isso, fico particularmente lisonjeado por saber que agora tenho um livro nessa língua. Mesmo que não o tenha traduzido por mim mesmo, estou feliz pelo fato de que meus pensamentos estarão disponíveis para aqueles interessados no tipo de filosofia que faço.
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São Paulo: Martins Editora, 1944 (N. E.).
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Davidson: a Elegância no Labirinto da Verdade Introdução Paulo Ghiraldelli Jr*
1. P. M. S. Hacker, um dos mais conceituados historiadores da filosofia analítica, tem o hábito de dizer que o século XVIII foi o século da razão, o XIX o da história e o XX o da lógica e da linguagem (cf. HACKER, 1996, p. 243). De fato, por caminhos diferentes, grandes filósofos do século XX ( e alguns que marcarão também o século XXI) se preocuparam com a linguagem. Só para lembrar os tais caminhos diferentes podemos citar Derrida, Heidegger, Wittgenstein e Habermas. Nas últimas décadas, o predomínio do tema da linguagem entre nós é de tal ordem e importância que o filósofo norte-americano Arthur Danto ensina, a despeito dos diferentes modos de filosofar, que a filosofia emerge no espaço entre linguagem e mundo (cf. DANTO, 1968, p. 15). Por conta desta definição de filosofia, Danto elabora um tríplice elenco de problemas filosóficos: os problemas a respeito da linguagem, os problemas a respeito do mundo e, enfim, os da própria relação entre Iingüagem e mundo. Em outras palavras: considerando a relação linguagem-mundo e tomando a linguagem como o lugar que devemos iluminar, há os problemas sobre entendimento e significado; tomando o mundo como o pólo a ser observado, temos de saber como o mundo deve ser para que a linguagem possa alcançá-lo e descrevê-lo inteligivelmente - há aí os problemas de metafísica; por fim, levando os holo. fotes para a conexão entre a linguagem e o mundo, emergem os proble. mas sobre o conhecimento e a verdade (cf. DANTO, 1968, p. 16).
* Paulo Ghiraldelli Jr., Ph.D, http://www.ghiraldelli.pro.br 7
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Tal divisão é clássica em filosofia. Ela delimita áreas do que há até pouco tempo chamávamos "ciências filosóficas". Não deixa de ser, também, uma separação didática, que traz a esperança de que podemos trabalhar em um. campo sem nos confundirmos com todo o arsenal de questões que pertencem a outro campo. Mas tal esperança é, em parte, ilusão. Os campos filosóficos se interpenetram e, não raro, quando falamos de um campo determinado já estamos andando nos trilhos do outro. Se é assim, por que insistimos em tal divisão? Talvez por conta disto: ainda que sempre estejamos cruzando áreas, podemos tentar estabelecer alguma hierarquia mínima para não nos confundirmos em um número sem fim de problemas. O leitor verá que cada artigo do professor Donald Davidson posto neste volume, se levarmos em consideração os seus títulos, deveriam nos encaminhar para o terceiro campo, o da verdade, e efetivamente eles estarão falando deste campo, mas também de todos os outros campos-. 2. Donald Herbert Davidson nasceu em 1917 em Springfield, Massachusetts, nos Estados Unidos da América. Cursou a Universidade de Harvard e trabalhou em várias universidades. Em 1981 tomou-se professor da Universidade de Berkeley. Inovou no campo da filosofia da mente e da linguagem, tanto como discípulo de Quine quanto como interlocutor deste. Seus textos estão,já há mais de quarenta anos, sendo objeto de estudos e debates na comunidade filosófica internacional. No início, como Quine, Davidson era lido apenas por filósofos e, dentre estes, em alguns países, somente pelos "filósofos da ciência" ou, é claro, por quem tinha passado por uma formação em filosofia analítica. Agora, Davidson ganhou popularidade internacional e passou a ser notado por leitores de Heidegger, Derrida, Nietzsche e outros. Em parte por causa da utilização que Richard Rorty ( um filósofo que tem acesso à mídia por conta de agir como John Dewey, isto é, como professor de filosofia que discorre sobre vários temas) fez de seus textos, aplicandoa diversas áreas, Donald Davidson v~ sendo consumido pelos departamentos de letras, antropologia e "humanidades" em geral. Sua teoria da "interpretação radical" em filosofia da linguagem privilegia a comunicação e uma determinada noção de racionalidade nos estudos sobre significado, dando uma nova visão para a semântica. Justamente por invocar o processo comunicacional, sua teoria começa a disputar espaço com as teorias de origem habermasianas, menos empiricas, no seio dos debates entre os schollars das ciências humanas atualmente.
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O volume que o leitor tem em mãos é uma coletânea de artigos, gentilmente cedidos ao nosso Centro de Estudos em Filosofia Americana (CEFA) pelo professor Davidson que, com a dedicação democrática e humilde que caracteriza os grandes sábios, fez questão de nos brindar com um belo prefácio, especial para o Brasil. Este volume não trata dos vários temas abordados por Davidson ao longo de sua carreira acadêmica. Nosso livro focaliza o tema da verdade, exatamente um dos temas mais controversos e de dificil entendimento na obra de Davidson. O livro não contém todos os artigos de Davidson sobre a verdade mas, sem dúvida, os que estão aqui são bem significativos, e a escolha dos artigos foi aprovada pelo professor Davidson. Nesta introdução, tentarei expor de um modo breve o percurso de Davidson sobre o tema da verdade. E o farei, como é meu estilo, em uma formulação que se pretende didática. 3. Há na literatura filosófica atual uma série de classificações explicando tipos de concepções de verdade. Mas aqui, prefiro seguir as pegadas do próprio Davidson. Assim agindo, penso estar levando vantagem, pois desde de um primeiro momento posso trazer o leitor para um espaço davidsoniano, de modo a fazer o leitor ir se acostumando com a terminologia usada neste livro. Donald Davidson diz que em filosofia contemporânea há três categorias amplas para as concepções de verdade: a deflacionista, a epistêmica e a realista. De um certo modo, ele as rejeita todas. Ele quer expor uma quarta noção que extrapolaria os limites dessas categorias. Isto é o que ele faz em 1989, nas Dewey Lectures. Todavia, dez
anos depois, debatendo com Rorty em um artigo chamado "Truth Rehabilitated", ele não insiste em se opor a tais perspectivas pontuadas nas Dewey Lectures com a mesma ênfase de 1989. Mantém a sua visão de 1989, mas, diante de Rorty, que vinhs'dizendo que o tema da verdade se esgotou, Davidson nos conta que ele acredita que cada uma das concepções tem alguma coisa a nos dizer a respeito da verdade ( cf. DAVIDSON, 2000, p. 65-74).1
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"Verdade reabilitada", publicada neste volume (N. E.).
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Falarei do modo geral sobre as três concepções citadas por Davidson nas Dewey Lectures e que, de certo modo, reaparecem no artigo "Verdade reabilitada". Assim, no tópico ( 4) trato das concepções realista e epistêmica, e no tópico (5) trato da concepção deflacionista, no sentido específico em que esta concepção aparece nos escritos de Paul Horwich. 4. Para o que segue, tomarei a sentença Brutus assassinou César como sendo p, de modo a clarear minha explicação com exemplos. Segundo Davidson, as teorias realistas dizem que não há, de modo algum, conexão conceptual entre o que acreditamos e o que é verdadeiro (cf. DAVIDSON, 1990, p. 299). Assim, "eu creio que p" não tem conexão conceptual com "é verdade que p". A frase (1) "Eu creio que Brutus assassinou César" não tem conexão conceptual com (2) "é verdade que Brutus assassinou César". A frase (1) diz respeito à posição de alguém em relação a uma parte da frase (2), a parte que chamamos de p. A frase (2) diz respeito a uma qualificação de p dada por "é verdade que", que não pode depender da minha posição ou de qualquer outra pessoa.
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A primeira vista isto pode parecer estranho, mas se olharmos quais das noções de verdade que caem sob a rubrica do realismo, veremos que é exatamente a noção que nos é mais familiar: a noção correspondentista da verdade. O que diz tal noção? Tomando S como um enunciado, esse como "se e somente se", podemos colocar a noção de verdade como correspondência na seguinte formulação: Sé verdadeiro sse S corresponde a um fato. Tal teoria vem de algumas mqdificações que podemos fazer da clássica definição de Aristóteles: "dizer do que é que ele é, ou dizer do que não é que ele não é, é a verdade". De um modo moderno, a definição de Aristóteles alimenta ( entre outras teorias) a teoria da correspondência. E esta, à primeira vista, parece inabalável. Ela diz que "Sé ver. .