Diário de um bebê: o que seu filho vê, sente e vivencia


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Diário de um bebê: o que seu filho vê, sente e vivencia

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DANIEL N. STERN

diário de um bebê o que seu filho vê, sente e vivência FICHA CATALOGRÁFICA S839d Stem Daniel N. Diário de um Bebê / Daniel N. Síern; trad. Daise Batista. — Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 135p.

1. Psicologia Infantil I. Batista, Daise II.t

C .D .D . 155.4

Tradução:

C .D .U . 159.9 - 053.3

DAISE BATISTA

Supervisão e Revisão Técnica da Tradução MIRIAM FONTOURA BARROS DE SANTIS Mfldica Psiquiatra

índices Alfabéticos para o Catálogo Sistemático PSICOLOGIA - BEBÊS

159.9 - 053.3

(Bibliotecária Responsável: Neiva Vieira CRB-10/563)

AííIÊS (VÉDKAS

PORTO ALEGRE /1991

Obra originalmente publicada em inglês sob o tftulo

Diary of a Baby Copyright (1990) by Daniel N. Stern

Capa: Mário Rõhnelt

Supervisão editorial: Delmar Paulsen

Composição e arte: GRAFLINE — Assessoria Gráfica e Editorial Ltda.

Impresso nas oficinas da Gráfica Editora Pallotti

Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à EDITORA ARTES M ÉDICAS SUL LTDA. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 — Fones 30-3444 e 31-8244 FAX (0512) 302378 - 90040 Porto Alegre, RS, Brasil LOJA-CENTRO Rua General Vitorino, 277 - Fone 25-8143 90020 Porto Alegre, RS, Brasil IM PRESSO NO BRA SIL PRINTED IN BRAZIL

Este livro é dedicado à minha esposa,

NADIA.

Sumário

Agradecimentos ........................................................................ .

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Introdução - 0 DESDOBRAMENTO DE MUNDOS DA VIDA DE UM B E B Ê .............................................. ..... .....................

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PARTE I

O Mundo dos Sentimentos: Joey, com seis semanas 1.

UM REFLEXO DE SOL: 7h03min .....................................

25

2.

CANÇÕES DO ESPAÇO: 7h07min ...................................

30

3.

UMA TEMPESTADE DE FOME: 7h20min .............. .........

36

4.

A TEMPESTADE DE FOME PASSA:7h25min ..... ............

40

PARTE II

O Mundo Social Imediato: Joey aos quatro meses e meio de idade 5.

UM DUETO DE ROSTOS: 9 h 3 0 m in ................................

56

6.

O TEMPO, O ESPAÇO E O FLUXO:MEIO-DIA .............

67

PARTE III O Mundo das Paisagens Mentais: Joey aos doze meses i : UMA VIAGEM: 10h30min .....................................................

82

UM SENTIMENTO COM PARTILHADO: llh 5 0 m in ........

89

8.

PARTE IV O Mundo das Palavras: Joey com 20 meses “A B Ó B O R A ” : 7h05min .........................................................

100

10. OS M U NDOS COLIDEM : 7h21min .....................................

104

9.

PARTE V O Mundo das Histórias: Joey aos quatro anos 11. M U N DO S PARALELOS: 8h E 9 h ........................................

117

Bibliografia Selecionada ................................................................

131

... também, parcialmente, porque me surpreendeu compreender, durante minha caminhada de ontem, que estes momentos do meu ser estavam estruturados no passado: eram as partes silenciosas e invisíveis de minha vida como uma criança. - VIRGÍNIA WOLF

Agradecimentos

A fonte mais rica para este livro foram seus próprios filhos - Ali­ ce, Adrien, Kaia, Maria e Michael, em ordem crescente de idade e de memória mais aguçada. Michael, Maria e Kaia, agora com idade suficien­ te para lerem este manuscrito, fizeram comentários valiosos, extraídos de seu duplo conhecimento, sobre si mesmos e sobre seu pai. Alguns dos momentos do diário de Joey foram baseados em even­ tos da primeira infância de um ou outro de meus filhos. Ainda mais im­ portante como bebês eles me levaram como pai a compor um registro não-escrito de quem eu pensava que eram e o que eu imaginava esta­ rem vivenciando um registro que consultei constantemente em meus esforços para ser um bom pai. De certo modo, o diário de Joey é o sex­ to que tive que inventar. A outra fonte importante de material para este diário vem dos pais e bebês com os quais tive a oportunidade de colaborar, como tera­ peuta ou como pesquisador. Desejo agradecer aqui suas contribuições globais. A base de conhecimentos da pesquisa sobre bebês é a quilha des­ te livro. Através da bibliografia selecionada agradeço às inúmeras pes­ soas que construíram essa base. Na escrita efetiva deste diário, estou em débitos especiais. Nadia Stern-Bruschweiler examinou o livro desde seu início em quase todos os estágios. Como mãe e psiquiatra infantil, ela ajudou a inspirar, encoDiário de um Bebê

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rajar e reformular o livro. R oanne Barnett colaborou nas fases finais com grande clareza, bom-senso e criatividade. Cheguei a pensar em Jo Ann Miller, minha editora na Basic Books, como uma espécie de mágica dos livros. Exatamente quando o diário de Joey parecia escapar-me, ela sempre o ajudava a reapare­ cer, no momento oportuno. E sobre Phoebe Hoss, minha editora pa­ ra o manuscrito, penso como uma mágica da palavra e das frases, transformando a opacidade em brilho e o estático em dinâmico com o movimento de um lápis. Desejo agradecer à H ym a Schubert e Virginia Sofios pela prepa­ ração do manuscrito. Durante o período em que escrevi este livro, minha pesquisa foi apoiada pela Warner Communications, Inc.; Le Fonds National de Recherche Suisse; MacArthur Foundation; e o Sackler-Lefcourt Center for Child Development.

INTRODUÇÃO

O Desdobramento de Mundos da vida de um Bebê

Genebra, março de 1990. Este livro é o diário pessoal de um bebê chamado Joey. É um diá­ rio que inventei para responder a indagações que todos nós propomos sobre a vida interior de um bebê. O que se passa na mente de seu be­ bê quando ele fixa o olhar em seu rosto, ou quando está olhando al­ go tão simples quanto um reflexo de sol na parede ou as grades de seu berço? Como seu bebê se sente quando está faminto? E quando está triste? Quando é alimentado? Quando vocês estão brincando face a fa­ ce? Como o bebê se sente quando está separado de você? Tenho ponderado sobre estas questões e desenvolvido respostas para elas por mais de vinte anos. Passei grande parte deste tempo com bebês. Como pai, convivi com cinco deles. Como “psiquiatra de be­ bês” , tratei seus relacionamentos com os pais. E como pesquisador do desenvolvimento, os observei e estudei. Inicialmente entendia a experiência do bebê como um problema intelectual a ser solucionado. Gradualmente, porém, comecei a perce­ ber que meu interesse provinha de algo mais que mera curiosidade. Eu estava sendo levado a uma busca pelos primórdios, à própria natu­ reza da espécie humana. Todos fomos bebês um dia. E todos nós te­ mos suposições sobre este período e sobre determinados bebês. Ne­ nhum de nós consegue estar com um bebê, cuidá-lo ou estudá-lo sem lhe atribuir certos pensamentos, sentimentos e desejos em determina­ do momento. Na presença de um bebê, somos forçados à inventar seu mundo interior.

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Diário de um Bebê

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Na verdade, a universalidade de nossa necessidade para imagi­ nar uma vida interior para um bebê tornou-se clara, para mim, à me­ dida que eu observava os pais e seus bebês. Escutei as conversas co­ muns, o que todos dizemos a um bebê quase sem pensar: “Ah! Você gosta disto, não é?” , “ Bom, parece que você não quer mesmo o brin­ quedo verde...” , “ Ok, você está com muita pressa, não é^mesmo? Vou aprontar tudo já , j á ” . “Tudo bem agora, não acha?” E através de tais interpretações que os pais sabem o que fazer a seguir, como sentir e o que pensar. A própria função parental depende destas inter­ pretações, do mesmo modo que as pesquisas, a prática clínica e, na verdade, todo o eventual desenvolvimento da criança. A maioria dos pais necessita e deseja saber o que está acontecen­ do dentro da cabeça de seus bebês em certos momentos quando ele está faminto, digamos, ou quando olha fixamente a distância ou subi­ tamente começa a choramingar no meio de uma brincadeira, Nestes momentos, os pais tentam entrar na pele e na mente do bebê e agem como se tivessem uma razoável idéia sobre o que está ocorrendo. E quando não conseguem identificar a experiência de seu bebê, simples­ mente dão seu melhor palpite, um palpite inevitavelmente colorido pelo modo como eles próprios vêem o mundo. Se, por exemplo, vo­ cê interpreta o choro do bebê como raiva, você tende a reagir tam­ bém com raiva ou culpa. Se você vê no choro apenas aflição, você tende a sentir e expressar empatia, fácil e diretamente. Grande parte de suas respostas dependerão de como você próprio foi tratado quan­ do criança, isto é, de interpretação de seus pais sobre seus sentimen­ tos e comportamentos. Estes palpites necessários, ou interpretações, da experiência de um bebê, geralmente são positivos e úteis. Quando você ama alguém, você deseja compartilhar os sentimentos como se fosse aquela pessoa. Na verdade, é aqui que a intimidade e empatia começam. Imaginar o que um bebê está sentindo também é uma necessidade, tanto para você quanto para ele. Suponha que sua filhinha está à beira das lágri­ mas, ou que olha seu nariz e lhe presenteia com um enorme sorriso. O que você faz? Você imagina os motivos, desejos e sentimentos do bebê a partir de sua expressão e em termos do que recém acontece­ ra entre vocês dois; isto é, sua imaginação sobre o comportamento do bebê surge com uma interpretação. Esta interpretação será seu guia principal para o que fazer a seguir com o bebê e ajudará para que ele aprenda a partir de sua própria experiência. Ele pode não sa­ ber exatamente o que sente, ou onde sente, ou exatamente o que de­ seja ou o que o está afligindo. Seus desejos, motivos, sentimentos são relativamente indefinidos. É a sua interpretação que o ajuda a definilos, a estruturar seu mundo.

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Na verdade, os pais necessitam manter um registro sempre atuali­ zado sobre o que imaginam que seu bebê está sentindo e responden­ do. Compõem para seu bebê uma biografia contínua, a qual consultam constantemente. Assim, essa biografia serve como estrutura e dicioná­ rio tanto para a forma pela qual enxergam seu bebê como para o mo­ do como o próprio bebê vê a si mesmo, e, conseqüentemente, sua vida. Em minha prática clínica, vejo evidências surpreendentes não ape­ nas do poder de tais elaborações parentais sobre uma criança, mas tam ­ bém da força da necessidade que tem os pais de inventar uma experiên­ cia interior para o bebê. As elaborações mais importantes podem ter uma referência relativamente remota: “Ele é exatamente como seu avô, forte e tranqüilo” . “Ela é muito parecida com minha falecida mãe; tem aquele mesmo jeito de ser” . “Ele será rico e famoso algum dia e o des­ tino de nossa família finalmente mudará” . Ou estas elaborações podem ser mais próximas do lar: “ Ela é tão ativa e alerta a tudo! Ela é comple­ tamente diferente de mim!” “ Espero que ele não seja tão medroso quan­ to eu era.” “Ele tem o encanto do seu pai” . Estas fantasias, criadas a partir do passado e presente dos próprios pais, refletem desejos, temo­ res e aspirações profundos. Todas as pessoas criam tais elaborações, embora possam surgir problemas psicológicos quando a fantasia dos pais sobre quem é seu bebê e o que este vivência é contraditória. Além disso, as famílias também ajudam a construir a experiência pessoal. A maioria dos bebês se torna membro da família na qual nas­ ceu e cada família possui regras particulares para a interpretação da experiência pessoal. Em algumas, sentir raiva é condenável; em outras, é aceitável, até mesmo potencialmente bom; e em outras, ainda, a rai­ va não pode sequer existir, não é reconhecida como uma experiência “ legítima” . 0 bebê descobre estas regras, em parte, quando sua pró­ pria experiência é interpretada apenas de determinada forma e não de outras. A vida interior de cada bebê, assim, é moldada diferentemente. Naturalmente, também a sociedade possui certas suposições pelas quais interpreta e molda a experiência de seus membros, através da escola e outras instituições. Por exemplo, teorias clínicas sobre as mu­ danças desenvolvimentais - tais como as de Freud, Margaret Mahler ou Erik Erikson - são inspiradas e fundamentadas sobre as fantasias encobertas ou implícitas acerca da natureza da experiência do bebê. O mesmo é verdadeiro quanto às pesquisas sobre bebês, onde experi­ mentos e observações freqüentemente são direcionados, implicitamen­ te, pela vida interior imaginária que atribuímos aos bebês. Assim, pais e psicólogos, bem como todos aqueles envolvidos com crianças, constróem para estas uma espécie de biografia. Ao inventar este diário para um bebê chamado Joey, encaminho o processo um passo à frente para a criação de uma espécie de autobiografia. Imagi­ Diário de um Bebê

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nei desta maneira não apenas para esclarecer os pais sobre a vida in­ terior de seus bebês, mas também como uma estratégia para pesqui­ sas, as quais têm levado a hipóteses sobre as percepções, emoções e memória do bebê e acerca de como um bebê vivência seu próprio de­ senvolvimento, seu próprio passado. Isso não significa que eu tenha elaborado este diário a partir de um só material. O material desse diário é em parte especulação, par­ te imaginação, parte fatos reais — todos emergindo de nosso conheci­ mento atual sobre os bebês. Nas últimas décadas, houve uma revolu­ ção na observação científica de bebês; de fato, possuímos mais obser­ vações sistemáticas sobre os dois primeiros anos de vida do que sobre qualquer outro período de toda uma existência. Esta revolução veio, em parte de nosso aprendizado sobre co­ mo indagar a o bebê questões que ele pudesse realmente responder. Uma vez que boas respostas potenciais foram descobertas, boas per­ guntas puderam ser indagadas. Por exemplo, uma boa resposta poten­ cial é o bebê virar a cabeça de um lado para o outro - algo que até mesmo um recém-nascido pode fazer voluntariamente. Uma boa per­ gunta é: “ Será que um bebê de dois dias conhece‘sua própria mãe por seu cheiro?” A questão e a resposta potencial surgiram como se­ gue. Uma compressa umedecida com o leite da mãe foi colocada so­ bre o travesseiro, à direita da cabeça de um bebê com vários dias de idade. Uma segunda compressa umedecida com leite de outra mãe foi colocada no seu lado esquerdo. O bebê virou sua cabeça para o lado direito. Quando as compressas foram invertidas, ele se voltou para a esquerda. Ele não apenas conhecia o odor de sua mãe, mas preferia-o e respondia voltando a cabeça. Uma outra boa resposta potencial é a de sucção. Os bebês são naturalmente dotados de uma boa capacidade de sucção. Todos os bebês mamam em curtos períodos de sucção, depois fazem uma pau­ sa por uns instantes e começam outro período de sucção, e assim por diante. Podem controlar a extensão das sucções ou pausas. Para res­ pondermos à questão: “O que os bebês gostam de olhar?” , podemos colocar um bico equipado com dispositivos eletrônicos na boca de um bebê e conectá-lo a um projetor de slides, de modo que o bebê possa ver a projeção. Um bebê de aproximadamente três meses rapi­ damente aprende que, cada vez que deseja ver um novo slide, preci­ sa apenas começar a sugar o bico, e quando deseja apenas olhar pa­ ra o slide, faz uma pausa. O bebê mudará os slides em uma velocida­ de que reflete seu interesse por cada uma das figuras. A partir desta experiência, usando-se imagens cuidadosamente planejadas, as prefe­ rências visuais dos bebês podem ser exploradas e mapeadas.

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Ou, ainda, o bico equipado com o dispositivo eletrônico pode ser conectado a dois gravadores cassete. Um deles tem a gravação da voz da mãe; o outro, a voz de uma outra mulher dizendo a mesma coisa. Neste arranjo o bebê sugará o bico de forma que passe mais tempo ouvindo a voz de sua própria mãe, deste modo respondendo à nossa questão acerca de reconhecê-la ou não. Existem outras respostas potenciais do bebê à miríade de ques­ tões que desejamos indagar: sobre as fixações do olhar, movimentos oculares, freqüência cardíaca, movimentos com as pernas e assim por diante. E todas elas são usadas nas pesquisas atualmente. O advento da televisão também revolucionou nossa capacidade para observações mais precisas sobre bebês e pais juntos. Agora pode­ mos congelar uma imagem, rever um gesto ou expressão facial muitas vezes, medir exatamente sua duração. Como uma ferramenta de pes­ quisa para a exploração do comportamento humano - especialmente as interações não-verbais - a câmera de televisão tem sido tão impor­ tante quanto o microscópio foi ao revelar organismos até então invisíveis. Tanto quanto possível, baseei o diário de Joey no conhecimento atual sobre bebês. Algumas destas informações são provenientes de minhas próprias pesquisas; a maioria, porém, de pesquisadores e ob­ servadores do mundo inteiro. Ao final deste livro o leitor encontrará uma bibliografia altamente seletiva dos principais achados de pesqui­ sas que inspiraram este trabalho. A estrutura deste diário é baseada nos saltos descontínuos que ocor­ rem no desenvolvimento de um bebê. Cada salto leva o bebê mais à frente, em direção a um mundo mais complexo de experiências. Para mostrar o modo como, provavelmente, um bebê vivência a revelação destes mundos, apresento Joey traçando seu progresso através de cin­ co mundos sucessivos da experiência: desde a sua fase de bebê até o ponto em que, aos quatro anos, ele está apto a seguir em frente e criar sua própria história. Assim, com seis semanas de idade, Joey está no primeiro de seus mundos, o Mundo dos Sentimentos, onde o tom emo­ cional interior de uma experiência fundamenta suas impressões. Aqui, ele está preocupado não com o modo como ou por que algo aconteceu, mas com a própria experiência em si, crua e real; não com fatos ou coisas, mas com sentimentos, seus sentimentos. Aos quatro meses ele passa para o Mundo Social Imediato. Neste m undo do “aqui e agora, entre nós” , ele faz um relato sobre a rica coreografia entre ele e sua mãe, sobre os movimentos sutis através dos quais regula seus próprios fluxos de sentimentos. Assim, Joey nos introduz à dança básica que todos dançamos com outras pessoas durante toda a nossa vida. Aos doze meses Joey descobre que tem uma mente, e que as ou­ tras pessoas também têm. No Mundo das Paisagens Mentais ele toma Diário de um Bebê

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consciência de eventos mentais internos, como desejos e intenções. Descobre que a paisagem mental de uma pessoa pode sobrepôr-se à de outra: a pessoa pode ter a mesma coisa em mente - ou não. Por exemplo, começa a perceber tanto que sua mãe sabe que ele quer um biscoito, quanto que ela está ciente que ele percebe. Cerca de meio ano depois, aos vinte meses, Joey nos leva ao Mundo das Palavras, com sua combinação paradoxal de vantagens e desvantagens. Aqui, ele descobre que os símbolos sonoros podem tan­ to abrir novas janelas da imaginação e comunicação, quanto, ao mes­ mo tempo, criar um conflito devastador com seus antigos mundos nãoverbais. Finalmente, existe o grande salto até os quatro anos de idade, quando Joey é finalmente capaz de falar sobre si mesmo em sua pró­ pria voz. Ele agora tem a capacidade para pensar sobre suas experiên­ cias e destas extrair sentido e, subseqüentemente, para construir uma história autobiográfica sobre as mesmas para relacionar-se com ou­ tras pessoas. Ele ingressou no Mundo das Histórias. Em seu diário Joey relata uma ampla faixa de eventos e experiên­ cias comuns que todos os. pais reconhecerão: alguns destes eventos são casuais, como olhar para as grades de seu berço; outros são cru­ ciais, como estar faminto. Uns poucos momentos de experiência em cada idade podem mostrar o drama e o efeito dos momentos mais corriqueiros, bem como daqueles mais extraordinários, no desenvolvi­ mento de um bebê. Cada momento é rico em implicações, um mun­ do em um grão de areia. A maioria dos diários constitue-se, necessariamente, de registros de eventos ocorridos em um tempo passado. No diário de Joey, entre­ tanto, tudo ocorre no presente. Os eventos passam diretamente de sua experiência para o diário, sem qualquer demora e sem a recons­ trução que um adulto consideraria necessária para “ retocar o presen­ te” . Os eventos ocorridos no diário de Joey são como sonhos sendo filmados. Obviamente, os bebês não utilizam palavras. N ão podem escre­ ver, falar, ou mesmo pensar com palavras. Assim, a voz de Joey é pa­ ra ele criação minha. Para captar a essência de suas experiências nãoverbais, tomei emprestado livremente dos sons, imagens, temperatu­ ra, espaço, movimento. À medida que Joey cresce e se torna mais ap­ to a diferenciar sua experiência, os registros em seu diário tornam-se mais detalhados. À medida que sua memória aperfeiçoar-se, as descri­ ções tornam-se mais longas. Embora eu tenha que usar a linguagem para traduzir a voz de Joey, tentei fazer com que esta linguagem refletisse aspectos de sua visão do mundo. Por exemplo, quando Joey está com seis semanas

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de idade, ele não usa pronomes pessoais - eu, mim, dela - porque ain­ da não pode diferenciar a si mesmo de sua mãe ou qualquer outro que lhe cuide. Similarmente, palavras temporais como depois ou então apa­ recem apenas quando Joey já tem alguma noção de que os eventos se sucedem uns após os outros. E conjunções como porque ocorrem apenas quando ele tem um senso substancial de causalidade. Cada uma das partes deste livro aborda um dos mundos que su­ cessivamente se desdobram na vida de um bebê: o Mundo dos Senti­ mentos, o Mundo Social Imediato, o Mundo das Paisagens Mentais, o Mundo das Palavras e o M undo das Histórias. No começo de cada parte, apresento as novas habilidades e capacidades de Joey em uma determinada idade, que compõem aquele novo mundo de experiência. Os capítulos dentro de cada parte centralizam-se em um evento que ocorre no curso de uma m anhã como outra qualquer. Abordamos es­ te evento sob três perspectivas: primeiro, uma breve localização para dar o contexto do evento; depois, o relato do diário de Joey na voz que criei para ele; e, finalmente, meus comentários acerca da experiên­ cia de Joey sob a luz de nosso conhecimento sobre os bebês. A repetição do mesmo evento em uma idade diferente - por exem­ plo, a resposta de Joey a um reflexo de sol quando tem seis semanas de idade e novamente aos vinte meses - permite-me salientar as alte­ rações desenvolvimentais que ocorrem em um bebê, entre o Mundo dos Sentimentos e o Mundo das Palavras. No capítulo final (o único em que Joey fala com sua própria voz), muitos destes mesmos momen­ tos reaparecem, mas transformados dentro de sua própria história. A medida que amadurece, Joey encontra cada mundo desdobran­ do-se sucessivamente. Contudo, ele jamais deixa completamente pa­ ra trás os mundos anteriores. Nem este novo mundo substitui aqueles outros; ao contrário, ele acrescenta algo àqueles já conhecidos. Assim, quando Joey entra no Mundo Social Imediato, este não empurra pa­ ra o lado ou absorve totalmente o Mundo dos Sentimentos, mas acres­ centa uma outra nota à composição. E, como na música, quando uma segunda nota é acrescentada à primeira, ambas soam diferentes na presença uma da outra. Deste modo, conforme cada novo mundo é acrescentando àqueles já existentes, este altera os anteriores. Vivemos em todos estes mundos ao mesmo tempo. Eles se sobre­ põem uns aos outros, mas nunca desaparecem. Desse interjogo entre eles surge a riqueza da experiência humana, uma dinâmica vista mais claramente no Mundo das Histórias. Assim, Diário de um Bebê regis­ tra uma jornada por mundos que se revelam para cada ser humano desde o início da vida e que permanecem por toda sua existência.

Diário de um Bebê

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PRIMEIRA PARTE

O MUNDO DOS SENTIMENTOS: JOEY COM SEIS SEMANAS

Entre no primeiro mundo de Joey e recorde aquilo que você real­ mente jamais esqueceu. Imagine que nenhuma das coisas que você vê, toca ou ouve têm nome ou função, e poucas evocam lembranças. Jo ­ ey vivência objetos e fatos principalmente em termos de sentimentos que esses lhe evoca. Não os vivência como objetos em e por si mes­ mos, ou por aquilo que fazem ou são chamados. Quando seus pais o chamam de “amorzinho", ele não sabe que amorzinho é uma palavra que se refere a ele. Nem observa particularmente a palavra como um som distinto de um toque ou de um raio de luz. Mas atenta cuidadosa­ mente para o modo como o som flui sobre ele. Sente sua leveza, tran­ qüilidade e doçura, acalmando-o; ou sua fricção, turbulência e agitação, tornando-o mais alerta. Cada experiência é assim, com seu próprio tom emocional especial - tanto para bebês quanto para adultos. Mas nós prestamos menos atenção a estas sutilezas. Nosso senso de existência não está focalizado sobre isso como o de Joey está, Agora, finja que a temperatura é o único meio. Finja que as cadei­ ras, as paredes, a iluminação e as pessoas formam todos um panora­ ma ligado à temperatura, um momento especial de um dia ou noite, seu tom e força singulares derivando-se de sua própria combinação de vento, iluminação e temperatura. E finja que não existem objetos a serem influenciados pela temperatura; não há árvores a serem sopra­ das, não há plantações ou campos a serem regados pela chuva. E, fi­ nalmente, finja que não existe você à mercê da temperatura e a obserDiário de um Bebê

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var o que acontece. Você é parte deste quadro. O tom e força predo­ minantes podem vir de dentro de você e modelar ou colorir tudo que você vê lá fora. O u então, podem começar fora e ressoar dentro de você. Na verdade, a distinção entre o interno e o externo ainda é va­ ga: ambos podem ser vistos como parte de um único espaço contínuo. C om o adultos, temos muitos momentos em que os mundos interior e exterior parecem influenciar um ao outro diretamente, parecem qua­ se que fluir livremente um para dentro do outro. Por exemplo, o inter­ no move-se para o exterior quando alguém próximo a você faz algo detestável e parece naquele momento intensamente feio. Ou o exter­ no move-se para o interior quando você sai e se depara com uma m anh ã inesperadamente ensolarada e clara e seu espírito alegra-se e seu corpo parece mais leve. Nos adultos estas rupturas parciais na barreira interno-externo têm curta duração, Nos bebês, são quase cons­ tantes. Uma perspectiva de vida ligada totalmente à temperatura, nos humanos, é um momento singular de sentimentos-em-movimento. N ão é algo estático como uma fotografia. Tem duração, como a vibra­ ção de uma corda musical, ou várias notas ou mesmo uma expressão musical. Pode durar de uma fração de segundo a vários segundos. E, durante este período que preenche um momento, os sentimentos e percepções de Joey modificam-se juntos. Cada momento tem sua pró­ pria seqüência de sentimentos-em-movimento, um aumento súbito em interesse, uma onda crescente e depois decrescente de dor estonte­ ante, uma maré de prazer. É como uma seqüência destes momentos interligados que Joey vivência a vida. Os quatro capítulos da parte I descrevem quatro destes momen­ tos à medida que ocorrem um após o outro em uma única manhã, quando Joey está com seis semanas de idade. No primeiro, Joey es­ tá observando o sol que reflete em sua parede (“Um Reflexo de Sol” ). Depois, olha as grades de seu berço e, através delas, para a parede mais adiante (“ Canções do Espaço” ). Fica faminto e chora (“Uma Tempestade de Fome” ) e, finalmente, é alimentado (“A Tempestade de Fome Passa” ). Como tomadas em um filme, um momento pode ser contínuo ao próximo, ou desaparecer dentro deste, ou ser corta­ do abruptamente, ou ser separado por uma pausa sem imagens. Não está claro para Joey como ele passa de um momento para o próxi­ mo ou o que ocorre, se algo ocorre, entre eles. (Será que para nós está tão claro?). Mas todos os seus sentidos estão focalizados um so­ bre o outro e ele vive cada um intensamente. Muitos são os protóti­ pos dos momentos que ocorrerão novamente muitas e muitas vezes ao longo de sua vida.

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1 Um Reflexo de Sol: 7h05min

Joey recém despertou. Ele fixa seu olhar em um reflexo de sol na parede atrás de seu berço.

Um espaço brilha, ali, Um ímã gentil atrai para capturá-lo. O espaço está tornando-se mais quente e tomando uida. Dentro dele, forças começam a girar uma em torno da outra em uma lenta dança. A dança aproxima-se mais e mais. Tudo corre ao seu encontro. Ela continua vindo. Mas jamais chega. A excitação se desvanece.

Para Joey, a maioria dos encontros com o mundo é dramática e emo­ cional - um drama cujos elementos e natureza não são óbvios para nós, adultos. De todas as coisas no quarto, é o reflexo de sol que atrai e mantém a atenção de Joey. Seu brilho e intensidade são cativantes. Com seis semanas de idade, ele pode ver bastante bem, embora ain­ da não perfeitamente. Ele já tem consciência das diferentes cores, for­ mas e intensidades. E nasceu com fortes preferências sobre o que dese­ ja ver, sobre o que o agrada. Dentre estas preferências, a intensidade Diário de um Bebê

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está no topo da lista. É o elemento mais importante nesta cena. O sis­ tema nervoso de um bebê está preparado para avaliar imediatamen­ te a intensidade de uma luz, um som, um toque de qualquer coisa aces­ sível a um de seus sentidos. A intensidade de sua emoção sobre algu­ ma coisa é provavelmente o primeiro indício disponível a ele, que lhe avisa se deve abordá-la ou permanecer afastado. A intensidade pode levá-lo a tentar proteger-se. Pode orientar sua atenção e curiosidade e determinar seu nível interno de excitação. Se algo é apenas leve­ mente intenso (como uma lâmpada acesa durante um dia claro), sua atenção a esta é fraca. Se algo é muito intenso (como a luz solar dire­ ta), ele a evita. Mas se é moderadamente intenso, como um reflexo de sol, ele fica extasiado. Esta intensidade apenas tolerável o excita. Ele imediatamente se altera em resposta a ela. Aumenta sua anima­ ção, ativa todo o seu ser. Sua atenção torna-se mais aguçada. O refle­ xo de sol é um “ ímã gentil” cuja força ele sente. Nesta idade Joey também é atraído para as áreas inclusas em uma moldura claramente demarcada. As bordas que emolduram o re­ flexo de sol atraem seu olhar na linha onde a parede mais clara e mais escura se encontram. De certo modo, a luz solar atrai e as bor­ das prendem sua atenção. Como Joey sabe que o espaço brilhante está “ ali” ? Como sabe que não está, por exemplo, “ aqui” , ao alcance da mão? Mesmo sen­ do tão jovem, Joey é capaz de calcular distâncias e quadrantes de es­ paço. Logo, ele dividirá todo o espaço em duas áreas distintas: um mundo próximo, dentro do alcance de seu braço estendido, e um mun­ do mais distante, além de seu alcance. Apenas dentro de alguns me­ ses Joey será capaz de buscar e segurar o que deseja com precisão. Contudo, ele está se preparando, com seis semanas, para diferenciar entre o espaço atingível e o inalcançável desta forma. (Esta capacida­ de o ajudará a aprender o ato crucial de alcançar algo, definindo pa­ ra ele que coisas estão realmente dentro de seu alcance. Não seria na­ da prático se ele tentasse alcançar a lua - ou mesmo coisas num can­ to distante do quarto). Seu espaço não é contínuo e uniforme como o de um adulto. E como se fosse uma bolha que se formasse ao seu redor no raio da extensão de seu braço. Mesmo os bebês cegos, quan­ do começando o estágio de alcançar, buscam um objeto que produza sons apenas quando este entra neste raio de alcance. Eles medem a distância do mesmo modo que os bebês que enxergam, mas com seus ouvidos, e n ão com seus olhos. Assim, estando o reflexo de sol além do alcance de Joey, está “ ali” . Por que o reflexo de sol “toma vida” para Joey e lhe revela for­ ças que giram uma em torno da outra em uma dança lenta? Estes efei­ tos dependem do modo como Joey explora o reflexo de sol com seus

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olhos e sua atenção. Nesta idade, os bebês freqüentemente olham p a ­ ra as coisas como se seu olhar tivesse realmente sido capturado e fos­ sem obrigados a fixar o olhar em determinado ponto. Um bebê nesse estado parece, como Joey, estar mentalmente ativo - não perdido em um devaneio vago, como um adulto poderia estar. Os pais podem sentir-se intrigados, até mesmo incomodados por tais momentos na vida de um bebê. Imagine-se segurando seu bebê de seis semanas de idade em seus braços. Vocês estão face a face. Vo­ cê deseja brincar, mas sua garotinha está extasiada pelo ponto onde sua testa e seus cabelos se encontram. Você, desejando que ela olhe em seus olhos, sorri e tenta desviar seu olhar. Mas seu sorriso não ob­ tém sucesso. Você pode - como a maioria dos pais faz - continuar ten­ tando desviar a atenção da filha daquele ponto. Você pode fazer care­ tas ou mesmo embalar seu bebê, esperando que este movimento des­ prenda seu olhar dali. Mas ela poderá muito bem continuar olhando para a linha onde seus cabelos começam. Muitos pais interpretam es­ sa aversão do olhar como uma real rejeição, e podem até mesmo desis­ tir de tentar fazer contato ocular por algum tempo. Contudo, isto não representa qualquer espécie de rejeição, mas sim um fenômeno nor­ mal. Tem-se chamado a isso de atenção obrigatória. Algumas vezes, porém, você consegue mudar e capturar o olhar do seu bebê; outras vezes, não. Mas mesmo quando você não consegue mesmo quando ela não abandona visualmente a linha de seus cabelos, a “borda” onde esta encontra sua testa - você freqüentemente tem a impressão de que, de alguma forma, ela está assimilando seus esforços. E está mesmo. Ela está prestando atenção ao seu rosto, mas perifericamente. Está extasiada pela moldura, não pelo quadro. E este é o ponto. Joey está olhando fixo para a borda formada pelo quadrado de luz contra a parede. Mas o simples fato de estar olhando para um pon­ to da borda do reflexo de luz não quer dizer que está prestando aten­ ção somente àquele ponto. Embora, geralmente não tenhamos consci­ ência disso, podemos facilmente separar nosso foco de visão (exatamen­ te aquilo para o que estamos olhando) de nosso foco de atenção (exata­ mente aquilo a que nossa mente está prestando atenção). Imagine-se dirigir um automóvel. Seus olhos estão fixos na estrada à sua frente, mas sua atenção pode vaguear de um lado a outro (para objetos na visão periférica) ou para longe ou para o passado. Ou, melhor, escolha um ponto em uma página em branco e fixe aí seu olhar. Após alguns momentos, quando o ponto torna-se enfadonho, seu foco de atenção, mas não seus olhos, começará a desviar do ponto fixado para outras áreas em torno dele. A medida que sua atenção fixa-se sobre estas no­ vas áreas, elas parecem modificar, até mesmo desaparecer. As cores podem começar a mudar. 0 que inicialmente parecia completamente Diário de um Bebê

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branco, agora assume um matiz de verde ou vermelho. E estas duas cores podem alternar-se. O u ainda, o brilho e as sombras das áreas podem mudar como um lento jogo de luz recaindo sobre uma monta­ nha, através de nuvens que se deslocam. Ou ainda, a página lisa po­ de parecer mudar sua forma em torno do ponto de fixação: pode envergar-se, o u desfazer-se, ou curvar-se. Estas ilusões ocorrem quan­ do nossa atenção focal e nossa fixação visual separam-se e agem uma sobre a outra. Joey tam bém logo ficará aborrecido olhando para o mesmo pon­ to na borda do reflexo de luz. Provavelmente sua visão focal fixa-se em um ponto, enquanto seu foco de atenção começa a desviar para fora dele. Ele começa a explorar, com sua atenção, o interior do refle­ xo de sol que aparece em sua visão periférica. E, tão logo faça isso, experimenta ilusões como aconteceria com um adulto. O reflexo de sol começa a “ tomar vida” para ele. Começa a mover-se, a mudar de cor e de forma. Ele não sabe que isso é apenas um truque exerci­ do pela mente, pela tensão entre visão e atenção. Para Joey, o refle­ xo de sol, ao tomar vida, revela um jogo de forças. Ele vê uma dan­ ça. Ele entra em um relacionamento dinâmico com o reflexo de sol, cada um agindo sobre o outro. Todas as percepções de Joey são as­ sim. Não existem objetos “ mortos” , inanimados, ali. Existem apenas diferentes forças em jogo. À medida que Joey engaja-se com elas, o reflexo de sol torna-se dinâm ico e começa uma lenta dança giratória. 0 reflexo de sol parece tornar-se mais quente e aproximàr-se mais e mais como um resultado do jogo de cores. Os bebês desta ida­ de têm visão em cores. O reflexo de sol é, naturalmente, amarelado contra a parede branca; esta última, em comparação, parece levemen­ te azulada onde o sol não a atinge. Cores “quentes” , intensas, como o amarelo, parecem aproximar-se; e cores mais “ frias” , como o azul, afastar-se. Assim, para Joey o reflexo de sol parece avançar para ele, enquanto o espaço imediatamente circundante ao reflexo parece afas­ tar-se. 0 espaço tem tanto um centro que constantemente aproximase, como uma nota lentamente subindo em seu tom, mas jamais desa­ parecendo do alcance; quanto uma área adjacente que se afasta lenta­ mente. Este centro, vivo com o espetáculo das forças dançantes, pare­ ce continuar aproximando-se, mas nunca o alcança. Além disso, este reflexo de sol que avança, contra a parede que se afasta, parece estar continuamente revirando-se. Nesta interação com um reflexo de sol, Joey sente tudo dirigin­ do-se “ao seu encontro” , uma espécie de promessa (“Ainda está vin­ do ” ) e finalmente “a excitação desaparece” . O jogo das ilusões e emoções fascina Joey. E um espetáculo de luzes que captura não ape­ nas seus olhos, mas todo o seu sistema nervoso. Os bebês adoram ex­

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periências onde o estímulo e a excitação acumulam-se - se não são muito rápidos ou muito intensos. (Quando você deseja chamar e manter a atenção de seu bebê, você instintivamente aumenta o ritmo de sua voz e expressões faciais). E os bebês tendem a se entediar e a se afas­ tar de situações nas quais o estímulo é baixo ou pára de se transfor­ mar. Assim, após alguns momentos, Joey entendia-se pelo jogo das aparências que vê no reflexo de sol. Sua aproximação infinita deixa de ser algo novo e cheio de suspense. Sua atenção subitamente desva­ nece-se e ele olha para outro lugar para ter uma experiência diferente. Neste ponto, ele afasta sua cabeça e seu olhar da parede iluminada pelo sol.

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2 Canções do Espaço: 7h07min

Joey recém afastou seu olhar da parede iluminada pelo sol e ago­ ra olha as grades de seu berço e além destas, para a parede mais dis­ tante e mais escura.

Subitamente um pedaço do espaço destaca-se. É um pilar, fino e liso. Permanece imóvel e entoa uma brilhante melodia. Agora, ali perto, diferentes notas reúnem-se. Há, por perto, um outro pilar de espaço. Esse também entoa uma canção - mas em harmonia com a primeira. As duas melodias fundem-se em um duelo afinado, uma me­ lodia alta, a outra suave. Longe, volumes amplos e delicados agora se mostram. Eles soam um ritmo mais lento, mais profundo. O dueto próximo, brilhante, surge e desaparece do ritmo distante e lento. Os dois espaços tramam-se um no outro em uma única can­ ção que preenche o mundo. Então, de algum outro lugar, soa uma nota diferente. Uma estrela cadente, seu clarão passa e rapidamente desapa­ rece. 30 /

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Tão logo Joey vira sua cabeça, é confrontado e mesmo afronta­ do pela barra do berço, brilhante e escura mais próxima de seu rosto. Se esta saltou ali por si mesma ou apareceu ali apenas quando Joey virou sua cabeça para encontrá-la, isso ainda não preocupa Joey. Ele tem consciência da barra - “subitamente” - em sua frente e no pla­ no próximo, e não naquele mais distante. Esta barra destaca-se como algo diferente da parede sombreada e de outros espaços além. E feita de madeira escura envernizada. Pren­ de facilmente sua atenção. Primeiro, porque está próxima dele, pare­ ce bem definida, mais nítida, mais condensada, mais vivida. Nesta ida­ de, Joey consegue ajustar apenas parcialmente o foco de seus olhos para acomodar, os objetos em várias distâncias. Uma vez que ainda não consegue ver claramente através da sala, as áreas maiores da pare­ de mais afastada parecem confusas, mas ainda visíveis - como os deta­ lhes de uma paisagem distante são vagos para os olhos de um adulto. / Para Joey, a barra do berço não é apenas um objeto de madeira. E uma espécie particular de volume que existe entre muitos outros volu­ mes e espaços à sua volta. Mas a barra do berç©4em-tím-tem emocio­ nal diferente do resto deste espaço. O termo \om emocional ienota os vários sentimentos que a barra do berço poderra-evocarWn alguém que a vivência não como uma parte menor de uma peça de mobília do quarto infantil, mas como um objeto em si e por si mesmo - como nós poderíamos experimentar, digamos, uma peça abstrata de escultu­ ra. Como podemos imaginar isso? No jogo de salão de Botticelli, a pessoa escolhe em segredo al­ guém em que esteja pensando e depois declara: “Estou pensando em uma pessoa” . Os outros jogadores tentam adivinhar quem é esta pes­ soa, indagando um tipo especial de questão: “Se a pessoa fosse um te­ cido, como seria tocá-lo?” “Se fosse uma cor, que cor seria?” “ Se fos­ se uma nota musical, que nota seria?” “Se fosse uma canção, quem a teria tocado ou composto?” , “Se fosse um momento do dia, que hora seria?” “Se fosse uma temperatura, uma estação do ano, um pala­ dar...” e assim por diante. Para jogar, os participantes devem compartilhar entre si mais do que um conhecimento da pessoa cuja identidade tentarão adivinhar. Devem ser capazes de apreender certas qualidades da experiência: tensáÕTrigiHez^harmoniã, aspereza” maciez, clareza,~5rilhó7"intensidade, velocidade. E devem ser capazes de compreender estas qualidades a partir do exercício de quaisquer dos sentidos: visão, paladar, toque, au­ dição e olfato. Além disso, devem ser capazes de traduzir a qualidade extraída de uma modalidadesensorial — digamos, a visão - e reconhecê^lirde qualquer outro modo - digamos, ouvindo. Alguns dos màiTricos-efeitos d ã ^ õ i l í ã estão nesta capacidade intuitiva para a tradução Diário de um Bebê

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entre os sentidos, como nestas linhas extraídas de Correspondances de Baudelair$(1857):

Existem odores frescos como a pele de um bebê, Doces como flautas, verdes como qualquer grama, E outros, corruptos, ricos e triunfantes.* Os bebês nascem com a capacidade para jogar Botticelli. Seus sistemas neryosos-são_planej ados de tal modojjueJpadem-fazeHsso sem uma experiência anterior. Naturalmenle^-a-exper-iência-também ajuda. Por exemplo, um bebê de três semanas que é vendado e rece­ be um bico de um formato que jamais tocou ou viu antes, sugará pa­ ra sentir com o esse lhe parece. Quando removemos o bico de sua bo­ ca e o colocamos próximo a um outro bico que o bebê também ja ­ mais viu, e lhe tiramos a venda, ele passará um tempo muito maior olhando para o bico que recém chupou, de modo que podemos infe­ rir que agora diferencia e reconhece este bico em relação ao outro. Em outras palavras, o bebê é capaz de abstrair do toque que (sugan­ do) a forma d o b ico-e-deiransferir para o modo visuaLuxonhecimeR^^ d e s t ã lõ r m ãTAssim, um bebê começa a saber como o objeto suga­ do poderia parecer. O bico torna-sejuisualmente “familiar . — ^ - g o r a T p ã r ã ^ J õ é ^ barra do berço tem certas qualidades abstra­ tas: é reto; é uma forma alongada e fina; tem reflexos brilhantes on­ de o verniz reflete a,luz; alta densidade; vividez da forma ou contor­ no contra um fundo mais difuso e assim por diante. Uma vez que ca­ da uma destas qualidades abstratas evoca um sentimento em Joey, a barra oferece uma experiência emocional. Exatamente como os adul­ tos, ao jogarem Botticelli com suas percepções e sentimentos, tentam apreender um a “ experiência essencial” , também Joey assim o faz com a barra do berço: Se essa fosse uma canção, soaria como uma corne­ ta e um oboé em uma íntima e vivaz harmonia. Essa é a “melodia ale­ gre” que a barra canta. Estes tons emocionais que cativam Joey não são diferentes dos nossos; a única exceção é que temos os significa­ dos e diversidade de experiências pelas quais traduzí-las e expressá-las. “ Agora, ali perto, diferentes notas reúnem-se” . Joey está come­ çando a perceber que existe mais do que uma barra no berço. Ele pro­ vavelmente não a percebe imediatamente próxima; em vez disso, sua presença entra sutilmente em sua consciência. Ver a primeira barra

* There are odors fresh as íhe skin of an infant, Sweet as flutes, green as any grass, And ofhers, corrupt, rich and triumphant.

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prepara-o para perceber a segunda. É como nossa experiência comum de encontrar uma nova palavra e depois vê-la com uma freqüência sur­ preendente nos próximos dias, como se ela não fosse tão incomum afi­ nal de contas. Não está claro por que isso ocorre. Mas provavelmente é algo assim: a primeira barra que Joey vê (ou a nova palavra que ou­ vimos) estabelece padrões específicos de ativação visual, bem como emocional, que incluem o tom emocional da barra. Enquanto estes no­ vos padrões permanecem ativados, Joey está propenso (assim como nós) a encontrar algo no mundo exterior que combine com eles. Assim, o limiar para a percepção da segunda barra, comparado com os outros objetos em torno dele, foi diminuído. Joey então muda seu olhar para a próxima barra do berço e o pri­ meiro drama inicia-se para ele: o drama de avaliar se duas coisas são a mesma ou não. A segunda barra cria uma experiência similar; está cantando uma canção “similar, mas não idêntica” . Os bebês são natu­ ralmente levados a explorar se as experiências são idênticas, ou simila­ res (uma variação) ou completamente diferentes. Aqui, Joey sente uma diferença entre as barras, embora seja uma diferença pequena: distân­ cia, sombreado, ângulo de visão e assim por diante. Para ele, as duas barras estão em harmonia - na verdade, em um “dueto afinado” , “afi­ nado” , porque as duas melodias são demasiadamente parecidas. As barras podem estar em harmonia apenas se Joey pode manter ambas em mente ao mesmo tempo. Se ele não consegue fazê-lo, “ouvi­ rá” um solo e então, um momento mais tarde quando muda a direção de seu olhar, um segundo solo, similar, Mas não haverá um verdadei­ ro dueto. Até que os bebês tenham três a quatro meses de idade, eles parecem focalizar sua atenção somente em uma coisa de cada vez. E quando focalizam novamente sua atenção sobre um segundo objeto, parecem esquecer o primeiro. É algo bastante “estranho” o bebê não tentar fazer conexões entre as duas barras. Na maioria das situações, portanto, Joey não deverá experimentar duetos, pelo menos não ain­ da. Em uma situação como esta, entretanto, onde ele está simplesmen­ te recebendo estímulos sensoriais, presumo que cada impressão sensorial deixe uma espécie de resquício na memória, de modo que a segun­ da impressão está ainda, por um breve instante, imersa na primeira. E por isso que o dueto consiste de “ uma melodia alta, a outra baixa” . Afinal, ele vê os dois objetos simultaneamente, mesmo quando está fo­ calizando o olhar apenas sobre um deles. A interação emergente entre as barras do primeiro plano e a pare­ de do fundo forma o segundo drama para Joey. Tanto os bebês quan­ to os adultos vêem objetos e o espaço em termos da freqüência espa­ cial. Por exemplo, uma cerca de estacas tem um certo número de unida­ des (estacas) para cada unidade do campo uisual (o panorama visto). Diário de um Bebê

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A densidade das unidades forma sua freqüência espacial. Um grupo de três garotinhos espalhados ao acaso em frente à cerca de estacas, terá um a freqüência espacial diferente, O quadro dos meninos e da cerca é composto de suas freqüências espaciais superpostas. Como adultos, nós facilmente distinguimos menininhos das estacas da cerca, ou barras de berços das paredes ou portas. Também Joey faz isso. Porém, ele o faz porque a freqüência espacial das barras do berço é mais rápida (mais densa) e mais regular do que a da parede de fun­ do ou da porta, não por causa do que elas são como objetos. O fato de as barras estarem mais próximas também ajuda. E o contraste das freqüências espaciais (rápidas e regulares ver­ sus lentas e irregulares) e de qualidades (lisa, brilhante e clara versus frouxa, difusa, delicada e atenuada) que dá origem à canção próxi­ ma e brilhante e a outra, distante e mais lenta, cada uma existindo em diferentes planos do espaço. A conexão entre as duas canções, os dois planos do espaço, está no âmago do segundo drama. À medi­ da que a atenção de Joey alterna-se entre o primeiro plano e o pla­ no de fundo, a harmonia rápida, regular e simples das barras do ber­ ço é conectada ao ritmo lento e frouxo da parede e porta mais afasta­ das. Algo criativo deve ocorrer na alternância aparentemente sem ob­ jetivo do olhar de Joey. O primeiro plano, mais rápido, pode projetar em medidas claras e regulares a modificação vaga do plano de fundo. O u ainda, o plano do fundo com sua cadência mais ampla pode man­ ter e unir os vários pedaços do primeiro plano. Cada reversão do fo­ co faz com que o plano oposto torne-se mais vivido. Quando Joey fo­ caliza seu olhar sobre um, ainda pode ouvir o eco ou enxergar traços do outro. Um mundo próximo e um mundo mais afastado estão a jun ­ tar-se e o espaço em torno de Joey lentamente tornando-se unifica­ do em sua mente. “ Então, de algum outro lugar, soa uma nota diferente. Uma estre­ la cadente, seu clarão passa e rapidamente desaparece” . Nesta ida­ de, Joey tem pouco controle sobre os movimentos de seu braço. Quan­ do ele está observando atentamente e é excitado pelo que vê, seus braços podem balançar rapidamente e realizar movimentos espasmódicos inadvertidamente. Neste momento, um de seus braços lançouse para a frente, para dentro de seu campo visual e depois rapidamen­ te voltou e desapareceu. Todos os bebês são extremamente sensíveis às coisas em movimento. Na verdade, sua visão periférica (o que se vê nos lados) é a mais sensível para a captação de movimentos. A vi­ são central (ou foreal) é melhor para a compreensão da forma. Isso faz sentido porque, como animais vigilantes, nossa segurança e bemestar dependem de nossa capacidade para perceber movimentos fo­ ra de nossa linha direta de visão. Quando percebemos um movimen­ 34

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to periférico, podemos virar a cabeça e olhos diretamente nesta dire­ ção para vermos o que realizou o movimento, e depois decidir se deve­ mos fugir ou perseguir. A “nota diferente” é a mão do próprio Joey que, lançando-se den­ tro e depois fora de sua visão periférica, desviou parcialmente sua aten­ ção das barras de seu berço. Ele não sabe, obviamente, que é a sua mão. Percebe apenas um movimento. Esta “estrela cadente” vem “de algum outro lugar” - isto é, a periferia - e é diferente do que ele ob­ servava, em velocidade e duração. A partir de tais percepções o bebê constrói um mundo unificado formado de muitas espécies diferentes de acontecimentos. A “nota dife­ rente” é o próprio início de uma outra integração que Joey logo terá que fazer: perceber que a mão em movimento que ele observa é a mes­ ma que ele sente e que pretende mover. Assim, um bebê ingressa na imensa tarefa de extrair um sentido de diferentes partes do mundo, quase todas ao mesmo tempo.

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3 Uma Tempestade de Fome: 7h20min

Já se passaram quatro horas desde a última vez que Joey mamou e ele provavelmente está faminto. Subitamente, seu lábio inferior pro­ jeta-se. Ele começa a choramingar. Logo, o choramingo dá lugar a um choro espasmódico, depois se transforma em um berreiro.

Uma tempestade ameaça irromper. A luz torna-se metá­ lica. A marcha das nuvens no céu rompe-se. Pedaços do céu voam em diferentes direções. O vento ganha força, em silên­ cio. Existem sons inquietos, mas nenhum movimento. O ven­ to e seu som separaram-se. Cada um sai em busca de seu parceiro perdido, desorganizadamente. O mundo está desin­ tegrando-se. Algo está por acontecer. A inquietação cresce. Espalha-se a partir do centro e se transforma em dor. __ É em seu centro que a tempestade irrompe. E no pró­ prio centro que se fortalece e se transforma em ondas pulsantes. Estas onda? pressionam a dor para fora, depois a pu­ xam novamente. O vento, os sons e os pedaços do céu são todos puxa­ dos para o centro. Ali, encontram-se uns aos outros nova­ mente, são reunidos. Apenas para serem jogados para fora 36 /

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e para longe, depois sugados de volta para formarem a próxi­ ma onda - mais escura e mais forte. As ondas pulsantes crescem para dominar toda a tempes­ tade. O mundo todo está uivando. Tudo explode e é arremes­ sado e então desaba e precipita-se de volta em um nó de ago­ nia que não pode durar - mas dura.

A fome é uma experiência poderosa, uma motivação, um impul­ so. Precipita-se sobre o sistema nervoso de um bebê como uma tem­ pestade, perturbando qualquer coisa que estivesse ocorrendo antes e temporariamente desorganizando o comportamento e a experiência. Depois estabelece seus próprios padrões de ação e sentimentos, seus próprios ritmos. A sensação de fome começa suavemente, mas cresce rapidamen­ te. Enquanto ainda é fraca e inconstante, Joey provavelmente a experi­ menta como uma irritabilidade geral que interrompe o funcionamento harmônico de todo o seu ser. Tudo é afetado — seus movimentos, res­ piração, atenção, sentimento, excitação, percepções e assim por dian­ te. Esta interferência “global” deve parecer a Joey como uma súbita desarmonia em seu mundo, um “algo dando errado” . 0 tom emocio­ nal de tudo deve mudar para ele, subitamente, como ocorre antes de uma tempestade quando a “ luz torna-se metálica” . Durante esta fase desorganizadora à medida que a fome acumulase, o mundo deve parecer desconectado e fragmentado. Com sua aten­ ção puxada para dentro por momentos, ele pode ver o mundo à sua volta apenas em pedaços. Aquilo que ele normalmente acompanha co­ mo um evento de contínua evolução, agora apresenta lacunas — exata­ mente como se uma cena tivesse parado subitamente e depois conti­ nuado em um diferente local ou ponto no tempo. Assim, a experiência de Joey é fragmentada: ele agita seus braços e pernas, estilhaçando sua paisagem. “A marcha das nuvens no céu rompe-se. Pedaços do céu voam em diferentes direções.” O mais desorganizador de tudo isso é a alteração em sua respira­ ção. Conforme a fome de Joey aumenta, esta começa a sobrepor sua própria ordem sobre a desorganização. Primeiro, recruta a respiração de Joey: ele respira mais rápido, mais forte e mais irregularmente. Lo­ go, sua voz - as vocalizações que formam o som do choro — entra em cena. Mas enquanto a fome está aumentando, a respiração de Joey (o “vento” ) e seu choro (o “som” ) não estão ainda integrados. Às vezes ele respira sem vocalizar. Às vezes choros curtos pontuam o final de uma expiração, mas não se sobrepõem em sua extensão total. Às ve­ zes as expirações de choro duram muito e deixam Joey sem ar. Diário de um Bebê

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Esta falta de coordenação entre a respiração e o choro é, para Joey, como se “o vento e seu som tivessem se separado. Cada um sai em busca de seu parceiro perdido, desorganizadamente” . Os sons crepitantes e os movimentos espasmódicos de Joey também estão en­ volvidos nesta fase desarmônica de sua aflição. Os movimentos de seus braços e pernas não são sincronizados entre si nem com seu cho­ ro e respiração. Para Joey, “ o mundo está se desintegrando” reflete uma profunda perturbação da tranqüilidade, um sentimento difuso sem um foco. Mas, finalmente, à medida que a fome cresce começa a localizarse dentro dele; em algum ponto que sente como “ o centro” (Joey ain­ da não sabe que esse é o seu centro; é simplesmente o centro de to­ do o mundo). Duas coisas ocorrem. Primeiro, uma clara sensação de fome emerge do fundo da irritabilidade. “É em seu centro que a tem­ pestade irrompe.” Após, a dor da fome pressiona para que o siste­ ma nervoso de Joey mude de marcha. Ele cede ao ritmo poderoso de um choro a plenos pulmões. Essas são as ondas pulsantes. O cho­ ro a plenos pulmões não é absolutamente um estado de desorganiza­ ção. É uma organização separada e distinta do sistema nervoso cen­ tral, um estado que coordena novamente o comportamento de Joey de acordo com sua própria padronização. A nova ordem do choro pleno consiste de inspirações de ar rápi­ das, profundas (o puxar de volta ao centro) e depois de longas expira­ ções acompanhadas pelo choro alto que conduz cada expiração até o seu final (o pressionar para fora e para longe novamente). Sua res­ piração e vocalização finalmente foram reacopladas e seu mundo co­ meça a reorganizar-se. “ 0 vento, os sons e os pedaços do céu são to­ dos puxados para o centro. Ali, encontram-se uns aos outros nova­ mente, são reunidos. Apenas para serem jogados para fora e para longe” . Com o o choro torna-se mais alto, envolve e coordena todas as atividades e experiências de Joey. As poderosas expirações deste cho­ ro provavelmente dão a Joey um alívio temporário da dor - assim co­ mo gritar e saltar várias vezes sobre um pé “aliviam” a dor de uma topada com o dedo. Agora ele está agindo de uma forma coordena­ da, não apenas experimentando passivamente. Além disso, seus esfor­ ços e o ruído que faz ajudam a distraí-lo. Enquanto chora, Joey sen­ te como se arremessasse a sensação de dor para fora e para longe, repetidas vezes. E entre as respirações, a sensação intensifica-se nova­ mente dentro de si. “ Estas ondas pulsantes crescem para dominar to­ da a tempestade. Tudo explode e é arremessado” . Ao desabar, “pre­ cipita-se de volta em um nó de agonia” . O choro pleno e organizado de Joey ajuda-o a lidar com a fome de duas maneiras. E um sinal maravilhosamente elaborado (as sirenes

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de bombeiros e de polícia aprenderam daí) para alertar seus pais quan­ to à sua aflição e para demandar deles uma resposta. Ao mesmo tem­ po, ajuda-o a modular a intensidade da sensação de fome. Assim, a fo­ me cria em Joey modos de alcançar o mundo exterior e de lidar com isso dentro de si.

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4 A Tempestade de Fome passa: 7h25min A mãe de Joey entra no quarto ao escutar seu choro de fome. Fala com o filho em um tom baixo, tranqüilizador. Ela o pega e o abra­ ça contra seu peito com seu braço esquerdo, enquanto desabotoa sua blusa com a outra mão, falando durante todo o tempo. Então o leva ao seio. Ele encontra o mamilo e suga avidamente. Após um momen­ to, ele mama com mais calma e olha para o rosto da mãe.

De repente o mundo é envolvido por olgo. Torna-se menor, mais lento e mais agradável. O envoltório afasta os vastos espaços vazios. Tudo está mudando. Surge uma frá­ gil promessa. As pulsações de explosão e colapso estão sen­ do domadas. Mas ainda estão ali, ainda turbulentas, ainda prontas para invadir. Em algum lugar, entre os limites e o próprio centro da tempestade, há uma atração, uma organização das coisas. Dois ímãs atraem-se mutuamente, depois se tocam e se pren­ dem num abraço. No ponto do contato inicia-se um ritmo novo e rápido. Cavalga no alto das lentas ondas pulsantes da tempestade. Este novo ritmo é curto e ávido. Todo esforço é para fortifi­ cá-lo. Com cada tomada, uma corrente flui para o centro. A corrente aquece o calafrio. Esfria o fogo. Afrouxa o nó 40 /

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no centro e consome a violência das pulsações até que estas cedem de uma vez por todas. O novo ritmo muda para uma cadência calma e suaue. O resto do mundo relaxa e segue em seu rastro. Tudo é refeito. Um mundo diferente está despertando. A tempestade passou. O vento está quieto. O céu amainou. Linhas velozes e volumes flutuantes aparecem. Traçam uma harmonia e como uma luz mutante, fazem tudo tomar vida.

Como um sinal, o choro estridente e faminto de Joey funciona, tra­ zendo sua mãe até ele. Mesmo antes de ter tempo de desabotoar a blu­ sa e levar Joey ao seio, ela introduziu quatro novos elementos em seu mundo - som, toque, movimento e uma nova posição. Estes quatro, sobrepondo-se, formam o “envoltório” , que começa a afastar os “vas­ tos espaços vazios” , Aqui está o modo como estes elementos entram em cena. Primeiro, a mãe de Joey entra no quarto chamando seu nome, Como muitas outras mães frente a um bebê faminto e chorando, ela continua falando com ele, às vezes sem qualquer interrupção, até que o mamilo esteja seguro em sua boca. Exatamente o que ela diz não tem muita importância. “Está bem, está bem. Mamãe está andando o mais rápido possível. Só mais ym minutinho! Está tudo bem, meu amor” . Ela está falando para acalmar e reassegurar Joey (e também a si mes­ ma). O que importa é a música e o som, não a letra. Ela usa a música de sua voz como um cobertor, para envolver Joey e acalmá-lo, ou pe­ lo menos para contê-lo um pouco até que ele comece a mamar. Ela tam­ bém usa a voz como um marcador de ritmo, de início mais rápida que o choro de Joey, para superar seu ritmo; e depois lentificando, para controladamente trazê-lo a um estado menos excitado. Então, sua fala é o primeiro elemento que o envolve com tranqüilidade. Na verdade, se Joey se agitar demais, continuará demasiadamente excitado para conseguir mamar. Sua mãe está usando um pouco de seu conhecimen­ to materno “instintivo” para prepará-lo para a amamentação - um co­ nhecimento singular que a maioria das mães exerce sem pensar. A mãe de Joey agora o leva ao colo. Segura-o primeiro ereto, en­ quanto apronta-se para amamentá-lo, e depois horizontalmente para mamar, durante todo o tempo afagando e acariciando-o. Este ato sim­ ples altera dramaticamente o mundo de Joey. Para pegá-lo e abraçálo, sua mãe deve tocá-lo. O toque é o segundo elemento novo no “en­ voltório” . No contexto de sua sensação de explodir e se expandir, is­ so poderia parecer uma súbita contenção, uma fronteira com a qual seu mundo colidiu, mas uma fronteira que traz algum alívio. Diário de um Bebê

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O novo posicionamento é o terceiro elemento novo que altera o mundo de Joey. O primeiro ato de uma mãe (após falar) nesta situa­ ção é pegar seu bebê e segurá-lo ereto em uma “posição de abraço” , seu tórax contra seu peito, sua cabeça sobre seu ombro, enquanto ela contínua a preparar o seio ou a mamadeira. A mãe de Joey não sa­ be (exceto “ intuitivamente” ) que isso efetua duas coisas ao mesmo tempo. Primeiro, o contato ventre com ventre (peito contra peito) o abraço — é estabelecido. Esse parece ser o tipo mais poderosamen­ te tranqüilizador de contato físico hum ano quando alguém está excita­ do e angustiado. Joey precisará ou desejará ser abraçado durante o resto de sua vida, em qualquer idade, quando estiver magoado, quan­ do se sentir sozinho, ou inseguro, ou triste. Testemunharemos o po­ der do abraço novamente quando ele estiver com doze meses de ida­ de (ver Capítulo 7). Em segundo lugar, o abraço coloca Joey em posi­ ção ereta. Esta posição vertical é muito especial para os bebês. O feedback dos músculos de Joey “ diz” a ele algo sobre sua posição no espaço e tem uma forte influência sobre o estado de seu sistema ner­ voso. Colocar um bebê na posição ereta é, para seu sistema nervoso, como mudar a marcha em um automóvel. Ele se acalma fisicamente, mas torna-se mentalmente mais alerta no sentido de estar mais aber­ to para os sinais e sons à sua volta. Por exemplo, se a angústia não é muito grande e o bebê está apenas choramingando, o simples fato de posicioná-lo ereto e abraçá-lo permitirá que se acalme, arregale seus olhos e comece a olhar em torno, por cima do ombro da mãe. A com binação de contato físico e posição ereta permite a Joey sentir que “ tudo está mudando” - isto é, reorientando-se ou voltando ao normal. Seu mundo está “ mais calmo” . O movimento é o quarto elemento no envoltório que agora cir­ cunda o mundo de Joey. Para reposicioná-lo, a mãe de Joey deve movê-lo no espaço. E ela o balança enquanto faz isso, juntamente com tapinhas e carinhos. Antes de sua mãe entrar no quarto, o sen­ so subjetivo de movimento de Joey consistia principalmente de ondas expandindo-se violentamente e desabando sobre si mesmas. Ao mo­ vê-lo no espaço sua mãe estabelece movimentos competitivos. Estes movimentos enfraquecem a força de seus “ movimentos” de choro. Joey está começando a aprender que quando está angustiado es­ tas mudanças causais pela intervenção de sua mãe sinalizam um alí­ vio. Ele está começando a formar expectativas do que está por vir. Afinal, ele já teve tempo suficiente para descobrir que quando está fa­ minto, o aparecimento de sua mãe e o modo como ela o trata resulta­ rá em mamada. Se presumirmos que ele mama em média cinco vezes por dia, com seis semanas de idade ele já teve duzentas e dez oportu­ nidades para aprender esta associação. Ele é um bebê esperto. Está

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começando a se tornar especialista nestas expectativas. Esta crescente expectativa é a “frágil promessa” que “surge” . Os bebês famintos com seis semanas de idade aquietam-se sempre que a mãe chega. Presumo que este efeito ocorre parcialmente devido ao estímulo competitivo que ela cria. Também ocorre devido ao início da antecipação, que se torna­ rá mais evidente em torno dos três meses, Apesar de todas estas mudanças no mundo de Joey, a fome conti­ nua. A fala, o abraço e a antecipação servem apenas para enfraquecer a fome o suficiente para ganhar tempo. Joey sente esta instabilidade: “As pulsações de explosão e colapso estão sendo domadas. Mas ain­ da estão ali, ainda turbulentas, ainda prontas para invadir” . Antes de começar a amamentação, Joey deve tomar o rnamiío em sua boca. Esta ação é um pas de deux bem coreografado. Por sua vez, a mãe apóia a cabeça de Joey e geralmente a encaminha para on­ de está direcionando seu seio, um ponto razoavelmente inexato. Por outro lado, Joey faz uma afinação na melodia. Como um ponteiro de bússola preso em um campo magnético, sua cabeça oscila em arcos es­ treitos de lado a lado, guiáda pelo toque, até que ele tenha encontra­ do o mamilo. Estes movimentos de ajuste estão embutidos nos reflexos de Joey; são parte de seus dotes genéticos. A fome impele a busca de Joey. Ele experimenta sua fome interna­ mente, “ no próprio centro da tempestade” . 0 mamilo que busca (sem saber disso, obviamente) está em algum ponto deste envoltório que go­ ra envolve seu mundo. Ele inicialmente poderia sentir este processo co­ mo a “atração” , a junção de dois ímãs. Com seu contato e, depois, o aconchego, o mamilo está seguro em sua boca. Com isso, com o “ponto de contato” entre a sensação corporal de fome e sua boca, Joey começa a mamar. A sucção também é um padrão de ação com o qual ele é dotado geneticamente. Todos os be­ bês têm padrões mais ou menos similares de sucção: vários esforços de sucção regularmente espaçados e rápidos, depois uma pausa, e um outro surto de sucções regularmente espaçados, e assim por diante (o padrão exato é único para cada bebê, como uma impressão digital). E esta sucção que constitui o “ritmo novo, rápido” de Joey, Duas coisas acontecem agora. Primeiro, o ato de sucção em si, sem considerar o leite recebido, estabelece o novo ritmo no corpo de Joey. Na verdade, quase todos os músculos em seu corpo recoordenamse para permitir e manter com maior eficiência esta sucção. Enquanto tudo nele luta para reforçar este novo ritmo, esse começa a competir e sobrepujar o ritmo das “lentas ondas pulsantes” de dor de sua tem­ pestade. Em segundo lugar, Joey está engolindo. O líquido morno que desce por sua garganta deve se parecer com uma corrente fluindo pa­ ra o centro de cada uma destas ondas. Esta corrente dissolve o calafrio Diário de um Bebê

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do espaço vazio, esfria o fogo da carência, afrouxa o nó no centro de sua fome. Quando um bebê faminto desta idade bebe algo, parece haver dois estágios para a satisfação da fome. 0 primeiro estágio de carên­ cia aguda e extrema, ele bebe com plena concentração. Uma quanti­ dade relativamente pequena de leite embota esta carência e a fase aguda termina (o leite libera sinais bioquímicos no estômago que realimentam a informação via sangue para o cérebro e aí reduz a ativida­ de do “ centro da fome” ). Na próxima fase, menos imperativa e mais longa, um bebê “ entra em uma cadência calma e suave” : ele bebe o resto do leite, mas com menos atenção e avidez. Enquanto sente o resto do m undo relaxando, tam bém seus próprios músculos tensos re­ laxam. Esta segunda fase recebe uma contribuição fisiológica do volu­ me de leite no estômago, também agindo como um sinal para o cérebro. Com a mudança para a segunda fase da fome, Joey novamente se torna responsivo ao m undo que o cerca. Com o término da fase aguda, pode beber, olhar e ouvir. Antes, podia apenas beber. Os pais intuitivamente compreendem esta seqüência. Eles podem fazer qualquer coisa durante esta primeira fase, exceto interromper o conta­ to com a mamadeira ou o seio. Durante a segunda fase o que eles fa­ zem depende de desejarem uma amamentação rápida e eficiente. Se desejam, evitarão falar ou fazer caretas, ou todas as outras coisas pelas quais os pais podem convidar e engajar um bebê. A idéia não é dis­ trair e atrair a atenção do bebê. Por outro lado, os pais que desejam desfrutar o prazer de amamentar seu bebê podem se permitir momen­ tos de brincadeiras alternando-se com momentos de amamentação. Durante esta fase, um bebê apropriadamente convidado e estimula­ do a interagir preferirá brincar a se alimentar. Assim, os pais devem limitar a diversão para que a amamentação seja completada, Não se pode dizer que, apenas, após a fase aguda da fome Jo ­ ey se abre para o mundo novamente. Na verdade, ele reingressa nes­ se. Os bebês desta idade têm diferentes estados de consciência, co­ mo sono, sonolência, inatividade alerta, atividade alerta, choro ou fo­ me aguda. Estes estados são razoavelmente distintos e separados. Os bebês passam de um estado para o outro em saltos, não gradualmen­ te. Cada estado é como um passo em uma escada, em vez de um pon­ to em um plano inclinado. Por esta razão existe uma qualidade repen­ tina em uma mudança de estado, mais do que em adultos. Joey vivên­ cia a mudança no estado de fome aguda como uma espécie de passa­ gem e chegada. “Tudo é refeito. Um mundo diferente está despertan­ do. A tempestade passou. 0 vento está quieto. O céu amainou” . E ao entrar novamente neste “ mundo diferente” , ele tende a olhar para o rosto de sua mãe. Ele está lá, em sua linha de visão. É

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exatamente a distância certa. A distância entre os olhos de um bebê e o seio e os olhos da mãe é de cerca de dez polegadas, exatamente a distância para o foco mais nítido e a visão mais clara para um bebê pequeno. Finalmente, os aspectos de um rosto humano são idealmen­ te traçados para combinarem com aquilo que o bebê prefere olhar ao nascer (como discutirei em maiores detalhes no próximo capítulo). Assim, Joey, no processo de satisfazer a si mesmo e de ser satisfei­ to, olha para “ linha velozes e volumes flutuantes” do rosto de sua mãe. Suas formas são agradáveis. Há agora uma correspondência (uma “ har­ monia” ) entre seu estado íntimo de satisfação-prazer e a aparência do rosto de sua mãe. Na verdade, o prazer íntimo colorirá sua percepção. Além disso, ele agora está aberto para perceber os ligeiros movimen­ tos do rosto de sua mãe e dos olhos que o apressam. E sua nova ani­ mação em resposta a ela leva o rosto da mãe ainda mais à vida. Este aumento de ânimo combina com seu novo estado de receptividade que age como uma “luz mutante” , fazendo com que “tudo tome vida” . (Jo­ ey poderia, naturalmente, em uma outra amamentação ou em um ou­ tro dia ter entrado direto no sono, em vez de no estado de inatividade alerta). / Uma associação vital entre o ciclo de satisfação-prazer-reanimação e a presença do rosto e ações de sua mãe está sendo estabelecida pa­ ra este momento e para muito tempo no futuro. Presumimos que o be­ bê está começando a formar um modelo mental, ou representação, de sua mãe. Este modelo consistirá, finalmente, de muitos segmentos dife­ rentes de interação, dos quais a seqüência de amamentação é apenas um. Outros seriam a interação característica de acalmá-lo quando está aflito, ou de estimulá-lo para evocar alegria, e assim por diante. Tam­ bém presumimos que o modelo mental que ele constrói de sua mãe agirá como o protótipo para o que esperará de outras pessoas amadas que encontrar na vida.

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SEGUNDA PARTE

O MUNDO SOCIAL IMEDIATO: JOEY AOS QUATRO MESES E MEIO DE IDADE

Joey ingressou em uma breve, mas extraordinária época de sua vida. Começando entre oito e doze semanas, ele sofre um salto dramá­ tico em seu desenvolvimento, As capacidades para a interação social despertam: o sorriso social emerge, começa vocalizar e faz longos con­ tatos olho a olho. Quase da noite para" o. dia, torna-se verdadeiramen­ te social. Contudo, suas interações sociais mais intensas são imediatas, no sentido de que estão limitadas ao contato face a face e ao “aqui e agora, entre nós dois” . Nesta forma não diluída, este intenso mundo social continuará até seus seis meses de idade aproximadamente. Co­ mo um meio de interagir com outros e ler o comportamento desses, permanecerá por toda a sua vida. Este é um mundo social especial por muitas razões. Primeiro, exis­ te o próprio rósto. Para Joey, o rosto é agora o objeto mais atraente e fascinante que existe. Ele obedece suas próprias regras e tem pode­ res evocativos, Isso também é verdade com relação aos adultos, embo­ ra nos concentremos menos intensamente nos rostos. Em toda a sua vida você, provavelmente, passou mais tempo olhando para rostos do que para qualquer outra classe de objetos. Você tem estudado rostos desde que nasceu. Você sabe o que eles pretendem fazer, ou não fazer, e quando. Você, e quase todas as pessoas, são especialistas naturais em expressões faciais em quase todas as suas sutilezas. Afinal, é princi­ palmente no rosto que podemos ler sentimentos e intenções em outros. E começamos a nos tornar especialistas no início de nos^s vidas. Diário de um Bebê

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O rosto é um mundo único para Joey. Primeiro, seu sistema vi­ sual faz com que considere rostos algo mais agradável de olhar do que qualquer outra coisa. O longo processo de evolução dotou a visão de Joey com certas preferências. Por exemplo, ele prefere curvas (co­ mo face e sobrancelhas) a linhas retas. Prefere contrastes fortes entre claro-escuro (como o branco dos olhos contra a pupila). Prefere ângu­ los agudos (como o canto dos olhos) a ângulos obtusos, Fica fascina­ do pela simetria no plano vertical (como as imagens tipo espelho dos lados esquerdo e direito do rosto). Ele agora — comparado consigo mesmo com seis semanas de idade é cativado pelo movimento den­ tro de uma moldura (como lábios movendo-se na fala dentro dos limi­ tes de um rosto). Q uando você soma estas preferências inatas, elas quase soletram: RO ST O . N ão é que Joey realmente possua uma preferência inata pe­ lo rosto em si, mas ele a tem por tantos de seus aspectos essenciais que isso quase significa a mesma coisa. Para maximizar o crescimen­ to dos vínculos humanos entre bebê e mãe, a evolução das preferên­ cias visuais de um bebê provavelmente ocorreu simultaneamente com a evolução da configuração do rosto das mulheres. O rosto é especial por duas outras razões. Em primeiro lugar, o rosto dos pais não apenas está vivo, mas é singularmente responsivo àquilo que Joey faz de um momento a outro de modo que ele sente uma conexão especial entre si mesmo e alguém mais. Em segundo lu­ gar, após cerca de dois a três meses de vida o rosto humano tem po ­ deres especiais. Age como um gatilho para desencadear sorrisos so­ ciais e vocalizações de um bebê. Desde sua sétima e oitava semanas de vida, grandes sorrisos surgiram em resposta às ações de seus pais. Joey também começou a balbuciar em resposta a eles. O outro evento importante que anuncia-se novo mundo social é o controle de Joey do seu olhar: onde olha, o que olha e por quanto tempo. Por volta dos três meses e meio de idade consegue controlar seu olhar quase tão bem quanto um adulto. Com esta nova habilida­ de já estabelecida ele agora pode começar ou parar uma interação fa­ ce a face, porque estas interações são construídas em torno do olhar mútuo. Simplesmente olhando para sua mãe ele pode começar um encontro, porque ela sempre responderá ao seu olhar. Pode então ex­ pandir o encontro com um sorriso explosivo, ou terminá-lo, afastan­ do sua cabeça e evitando o olhar da mãe. Pode recusar um convite declinando o olhar e terminar um encontro social olhando definitiva­ mente para outro ponto. Tornou-se especialista em regular estas inte­ rações sociais face a face. O olhar mútuo proporciona a estrutura para estas interações. Olhar e ser olhado, mais do que falar e ouvir falar, é a ação. Duran­

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te este período, o olhar mútuo é o evento central sobre o qual tudo o mais como expressões de alegria é construído ou realizado. E o olhar mútuo é uma experiência intensa. Os bebês agem como se os olhos fossem realmente as janelas da alma. Após sete semanas de idade tratam os olhos como o centro geo­ gráfico da face e o centro psicológico da pessoa. Quando você brinca de esconder com um bebê, ele rapidamente mostra algum prazer antecipatório quando você baixa o cobertor para revelar seus cabelos e tes­ ta. Mas apenas quando o bebê vê seus olhos explode de alegria. As crianças de seis anos de idade ilustram esta centralidade psicológica dos olhos de um modo diferente. Quando uma criança de seis anos co­ bre os olhos com as mãos e você pergunta, “Posso ver você?“ ela res­ ponderá, “N ão!” . Embora habitualmente pensemos que a criança, não imagina que você pode vê-la se ela não lhe vê, esse não é o proble­ ma. Ela sabe perfeitamente bem que você pode ver não apenas ela mas até mesmo suas mãos cobrindo seus olhos. O que ela realmente quer dizer com “Não!” é, “Se você não pode ver meus olhos, você não vê a mim”. Vê-la significa olhar dentro de seus olhos. Os olhos são centrais para Joey e para todos nós. Olhar nos olhos que estão olhando os seus é algo mais, novamente. Primeiro, você “sen­ te” a vida mental da outra pessoa. Depois, o olhar mútuo é extrema­ mente excitante. Os adultos permanecem em um olhar mútuo silencio­ so - sem que nenhuma palavra seja dita -, apenas por alguns segun­ dos de cada vez, a menos que estejam se apaixonando ou prestes a fa­ zer amor ou brigar. O olhar mútuo sem palavras pode ser quase intole­ rável. Em animais como os cães, lobos e grandes macacos o olhar m ú­ tuo provoca agressão. Os animais submissos sempre afastam o olhar primeiro, cessando assim uma abordagem hostil de outro animal. Os treinadores de animais nos circos usam este conhecimento para fazerem com que um animal se aproxime (desafiando-o com um olhar direto) ou pare (afastando ou baixando o olhar). Ao alternar cuidadosamente os dois tipos de olhar, o treinador pode fazer com que um animal entre e permaneça dentro de uma série de argolas. Nos seres humanos o olhar mútuo parece propiciar fortes senti­ mentos positivos ou negativos, dependendo do contexto. Os jogos de “sério” das crianças estão baseados nesta tendência, assim como as manobras dos adultos de fitar nos olhos. Quem afastará primeiro o olhar? E o que se perdeu ou ganhou fazendo isso? As interações sociais nesta idade, entre Joey e seus pais, não di­ zem respeito a algo determinado. Ele e a pessoa que o cuida não têm um tema específico a discutir, tal como a temperatura ou um objeto; nenhuma justificativa a dar; nenhum passado a explicar; nenhum futu­ ro a planejar. Seu único “tópico” é o momento único que está aconte­ Diário de um Bebê

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cendo agora: dois seres humanos mutuamente envolvidos. O único objetivo destas interações é manter a experiência. Não são prelimina­ res para algo mais: eles são o algo mais. Além disso, com exceção de certos jogos como esconde-esconde, estas interações sociais são amplamente espontâneas; nem Joey, nem sua mãe sabem exatamen­ te qual o próximo passo. Inventam, à medida que se envolvem. A possibilidade destas interações intensas não está limitada a es­ ta idade. Permanecerá por toda a vida, em grande parte no plano de fundo. Mas, em certos momentos, virá irresistivelmente à superfície: um dia, quando Joey for adolescente, olhará nos olhos de alguma ga­ rota por alguns minutos intermináveis sem falar, sendo a única comu­ nicação o jogo de expressões faciais e mudanças na respiração. Ou, estes momentos virão à tona brevemente quando ele compartilhar al­ guma experiência momentânea com outra pessoa. Existem várias razões para Joey estar tão imerso, até mesmo pre­ so nestas interações especiais durante este período. A maturação pro­ piciou-lhe comportamentos e anseios para realizar estes encontros. Além disso, suas preferências inatas pelo rosto, voz e movimentos hu­ manos tornam seus pais os gatilhos naturais que liberam seu compor­ tamento social e o alvo natural para o qual ele direciona seu compor­ tamento. Finalmente, o que mais Joey pode fazer nesta idade? Ele não está apenas exclusivamente interessado pelos eventos sociais no “ aqui e agora, entre nós” , mas limitado a esses. Mesmo se estivesse interessado em algo fora da área interpessoal, não poderia fazer na­ da com isso. Ainda não pode mover-se além destes limites. Não po ­ de alcançar, ou dar, ou pegar, ou apontar, ou mostrar, ou pedir, ou comentar sobre qualquer coisa. Está preso neste mundo rico e inten­ so do não-verbal, do puramente interpessoal, do imediato. Foi preso por natureza e à revelia, pelo menos até cerca de cinco e meio a seis meses de idade. Esta seqüência particular de capacidade desenvolvimental pode servir à finalidade de permitir que o bebê aprenda as lições cruciais da interação social pura sem as complicações e desvios de atenção que um objeto criaria. Apenas quando o puramente social está estabe­ lecido, pode um objeto ser acrescentado. Seguindo a mesma linha de raciocínio, indaga-se: por que a natureza não fez com que os be­ bês aprendessem a linguagem antes de cerca dos dois anos de idade? Novamente eu sugeriria que o bebê tem a importantíssima primeira tarefa de aprender a base não-verbal da interação social sobre a qual a linguagem será construída mais tarde. E esta tarefa primária leva vários anos. Neste ponto, Joey começará a interessar-se pelo mundo das coi­ sas e será capaz de lidar com este mundo. Sua coordenação mão-olho

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e entre as mãos se desenvolverá rapidamente e lhe permitirá alcançar, agarrar e manipular o mundo dos objetos inanimados. Então, ele será capaz de voltar-se para eles e dividí-los com os pais como um “tópi­ co” . Mas jamais totalmente. O mundo do “aqui e agora, entre nós” ja ­ mais estará perdido para Joey. Um outro mundo foi simplesmente acres­ centado. Mas até que isso aconteça, durante este breve período entre os dois e os seis meses, Joey viverá neste mundo social singularmente intenso e imediato. Também está começando a sentir que faz as coisas acontecerem no mundo, que é um agente. Quando vira a sua cabeça, a cena sempre muda. Quando fecha os seus olhos, o mundo sempre fica escuro. Q uan­ do move seu braço, sempre sente a resposta de seus músculos (as sen­ sações de seus movimentos) e sua nova posição no espaço (as novas tensões musculares provocadas pela gravidade). Deste modo está come­ çando a apreciar o fato de ser um ator, um agente ativo nos acontecimentos. Também está começando a sentir que é um ser fisicamente separa­ do de sua mãe, que ambos têm limites diferentes e são unidades separa­ das que agem e sentem diferentemente. Quando a mãe se movimenta, ele não sente qualquer resposta de seus músculos; quando ela fala, ele não é o autor deste ritmo. Quando a mãe o toca, ele sente apenas que é tocado. Mas quando toca a si mesmo, sente imediatamente que é o agente e o receptor deste toque. Também está começando a sentir que tem estados emocionais, co­ mo alegria ou fome, que pertencem só a si mesmo. Quando está con­ tente, sente uma aceleração, uma excitação crescente; sente os músculos de sua face e corpo juntarem-se em configurações familiares de tensão e relaxamento. Sente uma sensação interna e uma ânsia para agir que acompanham aquela espécie de aceleração e aquelas tensões faciais. Esta constelação familiar de sentimentos ocorre não quando sua mãe sorri, mas apenas quando ele o faz. Joey está começando a construir em sua mente o mundo das pes­ soas, incluindo ele mesmo. Ele faz isso primeiro reconhecendo aqueles acontecimentos que são sempre os mesmos: por exemplo, quando quer mover seu braço e o faz, sempre sente a resposta de seus músculos. As coisas que sempre ocorrem juntas e não mudam são chamadas de inuariantes. Joey agora identifica aquelas invariantes que definem o self ou individualidade e aquelas que definem outras pessoas. 0 momento em que um bebê consegue diferenciar a si mesmo de sua mãe, e o modo como isso é efetuado, tem sido uma questão ve­ emente dentro das principais escolas de psicologia, há muito tempo. A noção de um bebê que busca e identifica as partes invariantes da experiência ajuda a prover uma resposta. Imagine três dos possíveis elementos inalteráveis (invariantes) de um movimento do braço. Pri­ Diário de um Bebê

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meiro, a volição para mover o braço é a intenção (geralmente além dos limites da consciência) que precede o movimento e, por assim di­ zer, planeja o movimento de antemão. Em segundo lugar, a resposta muscular vem durante (e após) a execução do movimento planejado. Em terceiro lugar, o bebê vê um braço mover-se. Se Joey está agindo sozinho ao mover seu braço, mesmo na pre­ sença de sua mãe, ele experimentará a volição, a resposta (o feedback) e a visão do movimento. Esta constelação de invariantes come­ çará a definir um evento próprio ou euentos do seíf. Se a mãe de Jo ­ ey movimenta seu próprio braço em sua presença, ele vê um movi­ mento do braço mas não experimenta volição e feedback. Assim, es­ sa constelação de invariantes começa a definir eventos de outras pes­ soas, em contraste com os eventos próprios. Finalmente, se sua mãe move o braço de Joey para ele (como ocorre quando ela o está ensi­ nando a bater palmas), ele sente o feedback dos movimentos de seu próprio braço e o vê se mover, mas não experimenta a volição que habitualmente coloca os movimentos em ação. Isto defins ainda uma terceira espécie de evento, o eu-com-o-outro. É assim que o bebê começa a diferenciar-se de sua mãe. Anterior­ mente pensava-se que este processo era muito lento, que os bebês viviam em um estado de fusão e indiferenciação com suas mães por um longo tempo - até o sétimo ou nono mês aproximadamente; e que neste estado de fusão, eles não sabiam que comportamentos ou sentimentos pertenciam a quem. Recentemente, começamos a reco­ nhecer a capacidade dos bebês para identificar desde muito cedo as invariantes de sua experiência, e assim a crer que a descoberta da dis­ tinção entre o self e o outro j á ocorre por volta do terceiro ou quarto mês de vida. Três espécies importantes de eventos humanos estão se forman­ do: eventos do self, eventos dos outros e eventos do eu-com-o-outro. Por esta razão, agora posso usar eu, nós e ela, quando falando com a voz de Joey. Resumindo, Joey está começando a estruturar seu mundo social. Agora existem pessoas distintas: ele e sua mãe e seu pai pelo menos, e todas as pessoas familiares que estão intimamente envolvidas em sua vida cotidiana. Cada uma destas pessoas tem seu próprio rosto, olhos, expressões voz e gestos. E estas pessoas podem funcionar co­ mo agentes influenciando umas as outras. Também podem usar suas emoções e os comportamentos sociais que mostram sentimentos, a fim de mudar os sentimentos de uma outra pessoa. Com tudo isso estabe­ lecido, Joey é capaz de uma complexa interação face a face com as pessoas.

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Cada uma destas novas capacidades, que permitem as interações sociais altamente complexas de um bebê de quatro meses e meio de idade, é em si mesma um importante passo desenvolvimental. Sua inte­ gração em um comportamento social coordenado é ainda um passo su­ perior. Se qualquer destas capacidades sofre um atraso desenvolvimen­ tal, toda a interação social tende a aparecer mais lentamente. Se uma importante capacidade não existe absolutamente, a interação social po­ de sofrer proporcionalmente. Os bebês autistas, por exemplo, recusamse a fazer e a manter contato visual. Parecem considerá-lo desagradá­ vel mais do que agradável. Mesmo se nada mais faltasse, só isso já bas­ ta para colocar enormes limitações sobre a experiência social de uma criança e de seus pais. Se a pessoa que cuida for irresponsiva, deprimi­ da ou excessivamente preocupada, também limitará a faixa de experi­ ências sociais do bebê. Contudo, as capacidades desenvolvimentais de Joey nesta idade estão disponíveis e bem-integradas. E seus pais são normalmente responsivos na maior parte do tempo. Mas, ainda que disponíveis e sensí­ veis, eles inevitavelmente terão falhas periódicas e cometerão erros. Estas falhas, se não forem demasiadamente freqüentes, serão tão im­ portantes para o bem-estar final do bebê quanto seus sucessos. Nos próximos dois capítulos, descobriremos os prazeres e dificuldades do novo mundo social de Joey. No Capítulo 5, ele e sua mãe lidam com uma interação que ameaça sair do controle, e no Capítulo 6, o pai de Joey ajuda-o a lidar com a estimulação difusa do mundo externo à família.

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longe demais e pára também com sua parte na interação. Pelo menos por um momento ela permanece parada. Então sussurra para ele e sor­ ri ternamente. Ele se engaja novamente.

5 Um Dueto de Rostos: 9h30min . Joey está sentado no colo de sua mãe, olhando-a. Ela olha para ele firmemente, mas sem qualquer expressão no rosto, como se esti­ vesse preocupada e absorta com algum outro pensamento. De início, ele observa diferentes partes de seu rosto, mas, finalmente, fixa-se dentro de seus olhos. Ele e a m ãe permanecem ligados em um olhar mútuo silencioso por um longo momento. Ela finalmente rompe este elo sorrindo suave­ mente. Joey rapidamente inclina-se para a frente e retribui o sorriso. Sorriem juntos; ou melhor, trocam sorrisos várias vezes. Então, a m ãe de Joey inicia uma seqüência semelhante a um jo ­ go. Ela mostra em seu rosto uma expressão de exagerada surpresa, inclina-se para a frente e toca seu nariz no do filho, sorrindo e emitin­ do sons o tem po todo. Joey explode de satisfação, deliciado, mas fe­ cha seus olhos quando seus narizes se tocam. Ela então volta a se afas­ tar, faz uma pausa para aumentar o suspense e novamente inclina-se para tocar o nariz do filho. Seu rosto e sua voz adquirem ainda maior prazer e “fingem” ameaça. Desta vez Joey está mais tenso e excita­ do. Seu sorriso congela-se. Sua expressão oscila entre o prazer e o medo. A mãe de Joey não parece ter notado a mudança no bebê. Após uma outra pausa carregada de suspense, ela faz uma terceira aborda­ gem nariz-a-nariz em um nível ainda mais alto de hilaridade e deixa escapar um intenso “ooooooOH !” O rosto de Joey se contrai. Ele fe­ cha seus olhos e vira a cabeça para o lado. Sua mãe percebe que foi

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Entro no mundo do rosto dela. Seu rosto e suas caracte­ rísticas são o céu, as nuvens e a água. Sua vitalidade e vigor são o ar e a luz. Ele geralmente é uma folia de luz e ar sm ação. Mas, desta vez, quando entro nele, o mundo está para­ do e desinteressado. Nem as linhas curvas de seu rosto nem seus volumes arredondados estão a se mover. Onde está ela? Para onde foi? Tenho medo. Sinto esta inatividade entrando em mim. Procuro à minha volta por um ponto de vida para onde escapar. Encontro-o. Toda a sua vida está concentrada nos pon­ tos mais firmes e mais suaves do mundo - seus olhos. Eles me puxam, cada vez mais profundamente. Levamme a um mundo distante. Perdido neste mundo, sou embala­ do de um lado a outro pelos pensamentos que passam e agi­ tam a superfície de seus olhos. Vasculho suas profundezas. E a( sinto as correntes invisíveis de sua excitação correndo forte­ mente. Elas levantam-se daquele poço e me tocam. Sigo-as. Desejo ver seu rosto novamente vivo. Gradualmente, a vida flui de volta ao seu rosto. O mar e o céu são transformados. A superfície agora brilha refletin­ do a luz. Novos espaços abrem-se. Arcos surgem e flutuam. Volumes e planos começam sua dança mais lenta. Seu rosto torna-se uma brisa gentil que vem até mim para me tocar. Acaricia-me. Excita-me. Minhas velas preenchem-se dela. A dança dentro de mim é libertada. Agora brincamos de pegar. Ela sopra a poça d’água em torno de mim. Esta dança com suas brisas. Deslizo sobre ela, ganhando velocidade, exultante. Passando por fora dos limi­ tes de sua trilha de vento, acosto em minhas próprias águas paradas e calmas. Ainda movendo-me, mas cada vez mais len­ tamente sem sua brisa, chamo-a. Ela responde e vem seguin­ do-me. Cria uma brisa ligeira exatamente em frente de onde estou agora. Cavalgando seu vento, ganho velocidade. Cha­ mo-a para que me siga novamente e para que me leve à fren­ te. Levamo-nos mutuamente à frente, em saltos. Brincamos de saltar sela com a dança entre nás. Subitamente, seu vento muda. O mundo de seu rosto ergue-se, novos espaços abrem-se e ela me aborda com uma Diário de um Bebê

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brisa nova e forte. Ela sopra sobre mim em sua própria can­ ção crescente e me envolve. Em seu abraço deslizo para a frente rapidamente em um prazer fácil. Ela move-se para trás e seu vento cessa por um momento - mas por tempo apenas o suficiente para juntar novas forças. A rajada preci­ pita-se ao meu encontro novamente. Aguardo sua chegada com a excitação crescendo em meu íntimo. O vento me gol­ peia. Inclino-me agudamente para o lado, e ainda salto à fren­ te, levado gloriosamente em uma crista de alegria. Esta se­ gunda rajada passa, seu vento diminuindo momentaneamen­ te outra vez. Ainda estou em uma velocidade estonteante, um pouco desequilibrado. Nesta pausa, tento endireitar-me. Mas sua próxima rajada lança-se sobre mim, excitando o es­ paço e o som. Está sobre mim. Bate-me. Tento acompanhar sua força, correr com ela, mas sacode-me para lá e para cá. Balanço. Meu corpo paralisa-se. Hesito. Então me afasto. Viro minhas costas para o seu vento. E acosto em uma água mais calma, solitário. Este lugar calmo aquieta o tumulto dentro de mim. A agitação cede e vem o sossego aliviado. Após algum tempo na calmaria, um frágil sopro acaricia o lado de minha cabeça. Refresca-me. Viro-me e o vejo for­ mar leves ondulações sob um céu de bonança.

Tão logo Joey é colocado no colo de sua mãe e a olha, o rosto dela torna-se a presença dominante no seu mundo. E um estímulo tão potente para ele que suas ações definirão completamente seu mundo imediato. Ele ingressou em um “ mundo facial” . De início, a mãe de Joey está razoavelmente inexpressiva. Sua mente está em outro lugar em uma divagação momentânea. Ela ain­ da não começou a interagir com Joey, embora o olhe. Ele observa ra­ pidamente seus diferentes traços faciais. Ele os conhece completamen­ te agora. Conhece seus movimentos característicos. E sabe o que de­ ve acontecer. Sua permanência sem expressão, quando face a face com ele, mesmo que por um momento, é incomum, embora ocorra agora e novamente. Perturba Joey ver seu rosto tão “parado e desin­ teressante” , seus traços imóveis. Esta inexpressividade deve ser assus­ tadora para Joey, que está imerso no rosto da mãe como seu mundo imediato e total de estimulação. Ele sente que ela - sua vitalidade está ausente, e quer saber para onde foi. Após cerca de três meses de idade, quando os bebês sabem o que esperar em um encontro face a face com suas mães, ficam pertur­

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bados se ela desvia-se muito do usual. E ficam particularmente perple­ xos se ela pára subitamente de interagir e seu rosto torna-se inexpressi­ vo, ou se não conseguem levá-la a uma expressão. Na experiência bem conhecida, denominada um procedimento de face congelada, uma mãe é solicitada a parar de se mover no meio de uma interação e a cessar toda a expressão em seu rosto e a somente olhar para o bebê. Os be­ bês com mais de dois meses e meio de idade reagem fortemente ao ros­ to imóvel. Olham em torno. Seus sorrisos desaparecem e franzem a tes­ ta. Fazem repetidas tentativas para chamar a atenção de suas mães, sorrindo, gesticulando ou vocalizando. Se não obtêm sucesso, finalmen­ te desinteressam-se virando para o outro lado, parecendo ligeiramen­ te infelizes e confusos. A mãe de Joey sem querer realizou uma experiência parcial e cur­ ta de “rosto congelado” com ele, concentrando-se em seus próprios pensamentos. Isso angustia Joey por muitas razões. Onde ele espera­ va entrar no mundo mágico de sons e luzes de um rosto vivo e responsivo (a “folia de luz e ar em ação” ), ele encontra inatividade e embotamento. Ele não apenas reage à falta de estimulação esperada como tam­ bém pode identificar-se com sua mãe; ele até mesmo pode imitá-la e acompanhá-la em seu estado. Incapaz de conhecer exatamente o esta­ do de sua mãe, ele pode captar apenas a sensação vaga e confusa de ela estar mentalmente perdida em algum outro lugar. Algum lugar on­ de ele não deseja ir. Ao se identificar com ela, ele sente seu embotamento emocional penetrar em seu interior. E fascinante o processo de identificação pelo qual um bebê - ou qualquer pessoa - sente e age como uma outra pessoa e faz desta, de certo modo, parte de si mesma. Embora pouco compreendido, é de gran­ de importância clínica, porque muitos problemas psicológicos podem ser o resultado da identificação de uma criança com um pai ou mãe que freqüentemente está deprimido, ansioso, psicótico ou violento. Ou ainda, uma criança pode ser incapaz de ou ser impedida (por qual­ quer motivo) de se identificar com aspectos positivos de um ou outro dos pais e assim de tornar estes aspectos parte de si mesma. Esta con­ seqüência é comum em divórcios turbulentos onde um dos pais desen­ coraja fortemente quaisquer sinais de identificação da criança com o outro membro do casai. Joey já tem disponíveis duas capacidades essenciais para a identi­ ficação. Primeiramente, ele imita quase que automaticamente as expres­ sões faciais e gestos de outros. Na verdade ele está realizando partes e pedaços destas imitações quase que desde seu nascimento. Em segun­ do lugar, ele é suscetível ao contágio emocional, como um adulto. As­ sim, quando alguém boceja, você tende a bocejar. Quando a pessoa sorri (embora você nem saiba porque), você pode alegrar-se e come­ Diário de um Bebê

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çar a sorrir. Q uando a pessoa chora, seus olhos podem ficar úmidos. Os bebês recém-nascidos choram quando ouvem o choro de outros bebês do berçário. Este contágio vai além de mera imitação. O esta­ do emocional da outra pessoa invade você, por assim dizer, estabele­ ce uma emoção responsiva dentro de você. A imitação e o contágio podem permitir que Joey se identifique desde cedo com o estado de preocupação distraída de sua mãe. Embo­ ra momentaneamente preocupada, ela logo responde ao filho. Entre­ tanto, imagine uma mãe cronicamente preocupada (se estiver com problemas com o marido ou com sua profissão) de modo a estar ape­ nas parcialmente “ ali” quando face a face com o filho. Ou ainda, uma mãe (ou outra pessoa) deprimida e raramente disponível mes­ mo quando presente. A criança com qualquer uma destas mães apren­ de a ter diferentes expectativas. Aprende a construir um quadro men­ tal de uma m ãe que está ali como uma presença física, mas como uma força responsiva animada está presente apenas fraca ou intermi­ tentemente. A criança que desejasse atingir e manter um alto nível de excitação e alegria, teria que evitar o contato direto com a mãe, mesmo em sua presença. Ela aprenderia a buscar em outro lugar a estimulação necessária. Ou ainda, aprenderia a fazer esforços extraor­ dinários para encantar sua mãe, para atraí-la - para agir como um antidepressivo para ela, que deveria assim estar respondendo a ela. Joey, entretanto, tem outras expectativas quanto à sua mãe. Para ser excitado não precisa primeiro depender de si mesmo. Pode recorrer a ela e não se afastar dela, para a forte faísca de sua animação. Ele a encontra nos olhos da mãe. Na verdade, ele é atraído pa­ ra seus olhos pelas suas qualidades vividas e estimulantes, das quais já falei: contraste de claro e escuro, curvas, ângulos, brilho, profundi­ dade e simetria. Nos dois últimos meses, desde sua sétima semana de vida, os olhos da mãe começaram a dominar os outros aspectos de seu rosto. São o alvo mais fascinante da visão de Joey. Preso em um olhar mútuo com ela, ele passa sozinho para dentro do “ mundo distante” de seus olhos. O olhar mútuo é realmente um mundo dentro de um mundo. Olhar para dentro dos olhos que fitam os seus não é semelhante a qualquer outra experiência interpessoal. Você parece sentir e acompa­ nhar vagamente a vida mental do outro. Em uma troca de olhares, você (ou Joey) periodicamente alterna seu olhar do olho esquerdo pa­ ra o direito e vice-versa. E aquela pessoa faz o mesmo com você. (Al­ guém que não faz isso não está totalmente absorvido em você). C a­ da uma destas rápidas mudanças, ao alterar ligeiramente a perspecti­ va de cada um daqueles que se fitam, também altera o que cada um vê — às vezes dramaticamente, às vezes muito suavemente. Estas mu­

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danças em ambas as direções e focos parecem para cada um dos parti­ cipantes como um reflexo do pensamento da outra pessoa. “Sou leva­ do de lado a lado pelos pensamentos que passam e que agitam a super­ fície de seus olhos” . “As correntes invisíveis de sua excitação” , que Joey sente corre­ rem com força, refletem a excitação tão poderosamente evocada pelo olhar mútuo. A excitação é uma tensão interna que se acumula, um au­ mento na animação ou agitação, uma prontidão crescente para agir de forma amorosa ou hostil. Se nada impede este mútuo fitar silencio­ so, a tensão interna acumula-se rapidamente. Geralmente modulamos esta tensão fazendo coisas que nos distraem, como falar ou gesticular ou “perder-se no espaço” . Você pode sentir os altos e baixos da excita­ ção da outra pessoa através de muitos indícios sutis: mudanças na res­ piração, mudanças na acuidade do foco visual, ligeiros movimentos em volta dos olhos ou boca. Os bebês estão atentos aos mesmos indícios. E durante esta experiência de altos e baixos na excitação de Jo ­ ey e de sua mãe que ele sente as “correntes invisíveis” , Elas “ me to­ cam. Sigo-as” . Nesta sondagem profunda de sua mãe Joey está cha­ mando-a de volta à “vida” . E ela responde. Ela volta toda a sua atenção para ele e abre um sorriso. A medida que ela deixa as correntes de vida dentro de si volta­ rem, Joey vivência seu rosto como o mar e o céu “transformados” . Es­ pecificamente ele observa os movimentos de cada traço facial, como o sorriso que altera todo o rosto da mãe. Afinal, cada traço para Joey é também uma forma no espaço com sua própria arquitetura, luminosi­ dade e movimento. Conforme a coreografia de seu sorriso prossegue, a tensão da pele altera-se e as rugas do sorriso aparecem: “A superfí­ cie agora brilha refletindo a luz” . Suas faces alargam-se e sua boca abre-se: “ Novos espaços abrem-se.” A curva de sua face é erguida e os cantos de seus lábios levantam-se: “Arcos erguem-se e flutuam” . À medida que a arquitetura de seu rosto muda, “volumes e planos come­ çam sua dança mais lenta” . Joey também vivência toda a transformação como uma demonstra­ ção do retorno da força vital da mãe, um retorno que o afeta direta e imediatamente. “Seu rosto torna-se uma brisa gentil que vem até mim, para tocar-me. Acaricia-me.” Ao inclinar-se para tocá-lo, o sorriso da mãe exerce seus poderes evocativos naturais e coloca em ação seu contágio. Seu sorriso desenca­ deia um sorriso no filho e sopra para dentro deste uma vitalidade. Faz com que ele ressoe com a animação que ela sente e mostra. Surge a alegria em Joey. O sorriso dela atiça-o. Então o próprio Joey liberase plenamente: “ Excita-me. Minhas velas preenchem-se dela. A dança Diário de um Bebê

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dentro de mim é libertada” . Ele está tanto respondendo quanto iden­ tificando-se agora. Uma vez que alguns sorrisos circularam entre uma mãe e um be­ bê desta idade, foi colocado em andamento todo um processo. O que ocorre é o seguinte: o sorriso de Joey e o de sua mãe estão ligeira­ mente fora de compasso um com o outro. E assim que deve ser já que um sorriso leva algum tempo para aflorar ao rosto, para alcançar seu pico, para desaparecer. Quando o sorriso de sua mãe está próxi­ mo de seu pico, desencadeia um sorriso em Joey. E quando o sorri­ so de Joey atinge seu ponto máximo, reanima o sorriso que já desapa­ recia na mãe. Ao permanecerem fora de sincronização eles incitam um ao outro para o prolongamento do dueto. E este passar por den­ tro e por fora da esfera de ânimo da mãe que faz Joey sentir-se co­ mo se estivesse a mover-se para dentro e para fora das brisas locais que ela cria com sua seqüência de sorrisos, Este é o “jogo de pegar” que eles jogam . O sorriso de cada pessoa é tanto causa quanto resulta­ do do sorriso do outro e eles terminam empurrando um ao outro “à frente, em saltos” : “ Brincamos de saltar sela com a dança entre nós” . Este padrão de alternância entre mãe e bebê torna-se comum após três meses. Ocorre na troca de vocalizações bem como na troca de sorrisos. E a primeira e principal lição do bebê sobre o revezamen­ to, a regra mais importante para todas as posteriores conversas entre duas pessoas. Assim, este simples intercâmbio na forma de brincadei­ ra estabelece uma das fundações da interação social. Além disso, Joey pode agora pensar em termos de si mesmo to­ mando uma iniciativa para atingir um objetivo. Ele tem uma noção de si mesmo como o autor de suas próprias ações, e de suas ações tendo conseqüências previsíveis. Sente-se como um agente em uma cadeia causai de eventos. “Eu a chamo” , ele diz. “ Ela responde e me segue” . Este novo senso de si mesmo como ator e agente surgiu duran­ te o último mês aproximadamente, porque ele experimentou repeti­ das vezes ações como chupar seu dedo ou vocalizar, e teve em respos­ tas um sorriso ou palavras. Por exemplo, ao chupar o dedo ele sente sua volição para chupar seus dedos (o desejo); sente a execução deste desejo em seu movimento de braço (a ação); sente a resposta, a no­ va posição de seu próprio braço no espaço, dizendo-lhe que o even­ to ocorreu como planejado (a execução); e sente o resultado deseja­ do de levar seus dedos-à boca (o objetivo). Tudo isto ocorrendo jun­ to forma um a única constelação de eventos (são as invariantes das q qaisfalgLaiites). Ele também começou a perceber que sua mãe é um ator-agente separado e distinto. Geralmente está claro para Joey quem é o agen­

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te de uma determinada ação e quem é o objeto. Por exemplo, quando sua mãe recém sorriu espontaneamente, saindo de suas divagações, era claramente o agente e ele o objeto. Mais tarde, ele iniciará um sor­ riso para começar tudo novamente e aí ele é claramente o único agen­ te. Entretanto, durante este particular momento pleno de sorrisos inter­ ligados, trocados, Joey provavelmente sentirá que os sorrisos são inicia­ dos conjuntamente. Sua mãe desejou e executou seus próprios sorrisos, mas ele os provocou. Similarmente, ele desejou e executou seus pró­ prios sorrisos, mas ela os evocou. Existem muitos destes momentos de iniciação conjunta e criacão mútua7Eles sãó^iTessênclHTlo~‘íestaT:;50moutf5::pêssõa” 1que constitui õsvTficü!íIs^o'afxlgõ7Müito d õãp cgo crtnsiste'dã^'memóriasre' modelos mênfãis^d^qüe"acontece entre você e esta outra pessoa: como você se sente com ela. 0 que ela pode fazer você experimentar que outras não podem. 0 que você pode se permi­ tir fazer, ou sentir ou desejar, ou ousar - mas apenas, na presença, desta pessoa. 0 que você pode conquistar com seu apoio. Que partes ou visões de você mesmo precisam do ouvido ou olhos da outra pessoa como alimento. “Subitamente, seüxvènto m udày. E neste momento que a mãe de Joey se modifica: em vez 2e apenas devolver seu sorriso, ela levanta seu estado de espírito. Ela rompe o padrão fácil de troca de sorrisos e faz um intenso convite para um envolvimento mais vigoroso, mostran­ do no rosto uma expressão exagerada de fingida surpresa. As mães ha­ bitualmente fazem esta careta exatamente com esta finalidade e ela é idealmente apropriada para ativar um bebê. A mãe geralmente simula surpresa com muito entusiasmo. Ela joga a cabeça para a frente e pa­ ra trás (“o mundo de seu rosto ergue-se” ); depois levanta as sobrance­ lhas, arregala os olhos e abre a boca (“ novos espaços abrem-se” ). Ao mesmo tempo ela aproxima seu próprio rosto do de Joey com sua no­ va expressão. Estes movimentos coordenados parecem a Joey como “ u­ ma brisa nova e forte” : “Ela sopra sobre mim” . Ao mesmo tempo, os sons que a mãe emite vão crescendo com a expressão de surpresa e_ formam uma “canção crescente” da brisa que envolve Joey. 0 efeito desta ação realizada por uma mãe geralmente é dramáti­ co. Ativa o bebê. Quanto mais estímulo ao bebê, mais este se tornará ativo ou excitado. Esta relação direta entre a intensidade do estímulo vindo do exterior (realizado pela mãe) e a excitação evocada no bebê é uma regra geral para as interações mãe-bebê. Neste caso, a mãe de Joey aumentou seu nível de estimulação de sorrisos bem modulados para a imitação de surpresa, mais a vocalização e a aproximação físi­ ca. Joey não apenas experimenta um salto imediato em sua excitação, como também não precisa fazer nada além de deixar que a animação Diário de um Bebê

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acelerada de sua mãe exerça seu efeito sóbre seu sistema nervoso responsivo: “Deslizo para a frente rapidamente em um prazer fácil.” Na verdade, a expressão de surpresa de sua mãe é o prelúdio para o início de um jogo especial, o jogo de tocar-o-nariz. Com movi­ mentos dramáticos para a frente, rosto iluminado, voz em ação, ela toca seu nariz contra o dele e depois se retrai, com uma pausa cheia de suspense para se preparar para o próximo avanço. Ela realiza três destes avanços para a frente, cada um deles um pouco mais estimulan­ te e dramático do que o anterior. Existem vários destes jogos de be­ bês internacionais - “vou te pegar” , “fazer cócegas” , “esconde-es­ conde” , etc. —; e todos seguem um padrão complexo e interessante. Enquanto a idéia é simplesmente divertir, a brincadeira é realizada de acordo com certas regras. Assim, os movimentos no jogo devem ser estimulantes o bastante para manter o bebê animado. Mas não podem ser tão estimulantes a ponto de o bebê tornar-se demasiadamente excitado e desorganiza­ do já de início. Por outro lado, não podem ser entediantes, pois o be­ bê ficará aborrecido e desinteressado. Estas brincadeiras devem man­ ter-se em uma faixa ótima de estimulação, para manterem o bebê em uma faixa ótima de excitação e prazer. Manter esta faixa não é fá­ cil. Os bebês familiarizam-se rapidamente com qualquer coisa repeti­ da. Essa se torna habitual e eles se sentem entediados. Por esta razão a m ãe não pode fazer exatamente os mesmos movimentos em um jo ­ go repetitivo, mas deve variá-los com cada movimento sucessivo. As­ sim ela intuitivamente transforma a brincadeira em um tema ou varia­ ção, onde cada repetição é diferente o bastante da anterior para evi­ tar que o bebê habitue-se e para prender sua atenção. A mãe de Joey faz estas coisas sem pensar, como parte do com­ portamento parental “ intuitivo” . E surpreendente quantas coisas os pais geralmente sabem fazer intuitivamente. Por exemplo, a maioria dos pais modifica sua fala quando se comunica com um bebê. Levan­ ta o tom da voz. Lentifica o ritmo. Torna a melodia mais pronuncia­ da, mais cantarolada. E suaviza algumas das palavras: “ Quer dor­ mir?” muda para “ Q ué n an á?” . Os pais fazem isso inconscientemen­ te e sem terem sido ensinados. Até mesmo as crianças de quatro ou cinco anos de idade que não têm irmãozinhos mais novos fazem isso quando junto de um bebê. Estes comportamentos são não apenas in­ tuitivos, mas também biologicamente apropriados. Os bebês preferem naturalmente sons em ,um tom mais alto, não muito rápidos e com melodia e consoantes suavizadas. A evolução aparentemente moldou o comportamento parental de modo a complementar as preferências auditivas do bebê.

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0 uso de um formato de tema-e-variação para regular o nível de excitação de um bebê também é um comportamento parental intuiti­ vo. E isso é exatamente o que a mãe de Joey tenta fazer ao agir de for­ ma mais animada em cada repetição sucessiva, ou em cada variação. Alguns bebês, e Joey é um deles, parecem adorar brincar próxi­ mos ao seu nível superior de tolerância à excitação. E como flertar com o perigo. Durante este jogo de nariz-a-nariz, cada investida à frente fei­ ta por sua mãe com seu rosto e sua voz em plena ação parece a Joey como uma rajada embriagante. Se ele pode permanecer ereto'e supor­ tá-la, seus movimentos e velocidade são emocionantes. E assim o é na primeira vez em que ela se aproxima, bem como na segunda, mas um pouco menos. Na terceira vez a sua abordagem é muito forte, e J o ­ ey ainda está “sem equilíbrio” desde a segunda rajada: isto é, seu ní­ vel de excitação não está ainda sob seu controle novamente. Assim, quando a terceira abordagem “bate” , Joey não mais pode lidar com o estímulo. Este o “joga para cá e para lá” e ele começa a combatêla. Ultrapassando sua zona ótima de excitação ele vacila, quase tornan­ do-se ameaçado, assustado e desorganizado. Frente a um estímulo demasiadamente forte Joey tem algumas op­ ções simples para lidar com seu desastre potencial. 0 mais simples é afastar seus olhos e sua cabeça da direção de sua mãe. E isso é o que ele faz: “ Eu me afasto. Viro minhas costas para o seu vento.” Esta ação cumpre três objetivos. Primeiramente, já que a fonte do estímulo não mais está visível, não mais age diretamente sobre ele. Em segun­ do lugar, ele pode escolher o que deseja ver e selecionará algo muito menos estimulante, de modo que sua excitação, incluindo seus batimen­ tos cardíacos, possa entrar em uma faixa aceitável: “E acosto em uma égua mais calma, solitário” . Aí ele pode recuperar uma faixa onde este­ ja novamente aberto e suscetível aos estímulos externos. Finalmente, está enviando um sinal à mãe, comunicando o que fazer a seguir. E ela acolherá sua sugestão. Os pais e aqueles que cuidam do bebê precisam desta espécie de constante feedback para saber o que fazer e quando. Ser um “bom ” pai ou mãe é, em parte, saber como reajustar o com­ portamento. A mãe de Joey realmente o superestimulou, e não pela primeira ou última vez em sua vida. Em qualquer interação dinâmica entre paisfilho isso pode acontecer à medida que cada um investe até o limite. Você não pode expandir os limites sem forçá-los. E quando você os for­ ça inevitavelmente cometerá erros. Estes erros necessários são potencial­ mente de grande valor, pois ajudam os bebês a desenvolverem seus próprios modos de lidar com uma variedade de experiências e pesso­ as. Joey também recém lidou sozinho, com sucesso, com a superexcitação e superestimulação - e isso não é uma pequena lição. Finalmente, Diário de um Bebê

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o erro de cálculo de sua m ãe ao exceder seu nível máximo de tolerân­ cia não se constitui em um trauma ou uma tragédia. Joey cuidou da situação bastante bem - tão bem que, após um momento, novamen­ te está pronto para ser convidado a uma nova interação. Mas o convi­ te funcionará apenas se for muito gentil - isto é, em um nível baixo de estimulação. S u a jn ã e intuitiva mente compxegndeu o que aconte­ ceu. Ela faz uma paüsã^õrlIíT rpéríodo apropriado «TSTxrrívida a vol­ tar, sussurrando e sorrindo levemente. Uma vez que Joey está pron­ to, o convite da mãe parece uma “brisa leve” passando por sua cabe­ ça, e seu sorriso assemelha-se a “ leves ondulações” . Ele está de vol­ ta ã interação social, “ face a face, no aqui e agora, entre nóis dois” . E logo recomeçarão seu rapport e começarão um outro jogo de impro­ visação, já que ambos sabem como sinalizar ao outro e como fazer os ajustes necessários.

Mais tarde naquela manhã, um domingo, o pai de Joey leva-o até o vizinho para almoçarem na casa de amigos da família. Sua mãe vi­ rá mais tarde. Seu pai carrega-o preso aos quadris. Na casa já estão várias pessoas. 0 pai de Joey entra cumprimentando-os, ainda levan­ do Joey. As pessoas circulam e sentam-se, carregando o café e a comi­ da. 0 pai de Joey então senta-se em uma cadeira baixa com ele em seu colo olhando para a frente, para as várias pessoas na peça da ca­ sa. Tem início uma conversa amena. Às vezes, Joey parece vagamen­ te atento ao fluxo de conversas. Às vezes, olha para a janela à sua fren­ te, na parede do outro lado da sala. Às vezes, sua atenção simplesmen­ te vagueia. Um dos convidados diz algo engraçado. As pessoas riem. Então uma das mulheres do outro lado da sala deixa escapar uma risa­ da mais explosiva e alta. Joey rapidamente vira-se para olhá-la. Mas logo relaxa novamente encostado em seu pai.

Passeio no ar com papai... Entramos em um lugar onde as pessoas e as coisas mo­ vem-se em todas as direções. Cada planeta ou lua ou come­ ta está em seu próprio curso, rumo a um local desconheci­ do. E cada um move-se em sua própria velocidade e ritmo... Paramos e nos acomodamos... 66 /

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A música move-se em torno de nós, indo de pessoa pa­ ra pessoa. Papai acompanha a música. Ela vibra contra as minhas costas. Ele a abandona e ela sai flutuando para al­ gum outro lugar... Estou subindo e descendo no embalo tranqüilo de sua respiração... Lá adiante há uma moldura. Nela, um brilho intenso e quente. Quando as pessoas passam por ela, a intensidade na moldura esvazia-se, depois rapidamente preenche-se de novo. No meu quarto em casa, meu brilho quente e inten­ so da manhã dança mais lentamente... A música reaparece e aumenta. Corre através da sala e colide com o rosto de uma mulher. Minha cabeça gira em sua direção... Papai abraça-me mais apertado, próximo a ele, e sintome melhor. Com o adultos, passa-nos despercebido que, quando nos move­ mos para a frente no espaço, criamos um aparente fluxo visual de to­ dos os objetos à nossa volta. Quando, por exemplo, você entra em uma sala e caminha em direção a alguém no canto oposto (como faz o pai de Joey), todas as pessoas e mesas e lâmpadas entre você e aque­ la pessoa, no lado esquerdo, parecem fluir em sua direção e passá-lo pela esquerda; e todas as coisas à direita parecem fluir visualmente para você e passá-lo à direita. Assim, falando-se em termos visuais, ao caminhar à frente você cria dois largos rios de espaço que se divi­ dem em seu destino e fluem ao seu redor, em cada lado. A pessoa em direção à qual você caminha não entra no fluxo visual. Ela é o ponto imóvel, como o ponto esmaecido de perspectiva em uma pintu­ ra feita a partir de um ponto-de-vista espacial tradicional. Seus movi­ mentos criam uma organização coerente de espaço à sua volta. Q uando o pai de Joey entra na sala e caminha por ali para cum­ primentar alguém, ele naturalmente experimenta este fluxo visual de espaço criado por seu movimento. Mas Joey não, embora levado por ele e movimentando-se através do espaço exatamente como seu pai. A razão pela qual Joey não experimenta estes dois rios de fluxo visuãrg~qúã~êle~mInicã~^~m ^ s O I ^ ã @ F ^ õ ^ . R ã ^~ P Õ f si mesmo. Jo ­ ey não engatinharáainda por uns três a cinco meses, e não"cãminhará por outros seis a nove meses aproximadamente. Até agora, todos os movimentos que o deslocam no espaço foram causados por outra pessoa. Parece que,o--sistema.--.vjsual hum ano confia na experiência do movimento autoprppelido para desenvolver plènâ^nTê^a^apaci-

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dade para ver o espaço em termos de fluxo visual, enquanto em_movimentoJEssa^-uma^apacidadê^prêndída baseadiTna experiência moto-

'rajiiiycL ' Assim, em vez de um mundo espacial organizado por um fluxo vi­ sual direcional, Joey está em um mundo relativamente caótico. Aqui ele percebe as pessoas e objetos como planetas, luas ou cometas m o­ vendo-se “em todas as direções” , cada um “em seu próprio curso... em sua própria velocidade... em seu próprio ritmo” . Para Joey o flu~ xo espacial permanece desorganizado. Ele não se aborrece por esta fal­ ta de organização ou coerência: isso não viola nada que ele conheça. E jrp enas o modo como o mundo_está agora. A maioria dos bebês, até aproximadamente a época em que po­ dem engatinhar ou caminhar, parece aceitar prontamente ser movida no espaço no que representam ser para nós os modos mais imprová­ veis. Em um determinado momento um bebê está de costas, de rosto para cima, andando de ré em um carrinho com a proteção cobrindo quase metade de seu campo visual - mas, na esquina seguinte, quan­ do o carrinho é virado, ele subitamente vai para a frente. E um minu­ to mais tarde, quando o sol é encoberto pelas nuvens e não brilha tan­ to, a proteção do carrinho é baixada e uma fatia muito mais larga do campo visual surge diante de seus olhos. Os bebês toleram estas mu­ danças porque não violam, até então, quaisquer convenções privilegia­ das visuais ou vestibulares para o movimento através do espaço. Contu­ do, Joey sabe perfeitamente bem que está se movendo. Embora seu movimento passivo não organize o espaço, seu sistema vestibular per­ feito diz a ele quando está se movendo e quando ele e seu pai param. Uma vez que se tenham acomodado na cadeira, Joey tem um novo ponto de referência - ^mobilidade)- com a qual está completamente familiarizado. Quanto ao mundo temporal de Joey, existe o tempo do relógioV existe o tempo subjetivo. 0 tempo do relógio move-se somente e sem­ pre para a frente, em uma velocidade uniforme. Jamais pára. Por outro lado, o tempp_subjetivo, pode dobrar-se para trás e reeditar eventos na memóría. Move-se em velocidades variáveis, às vezes mais rápido, às vezes mais lento. E freqüentemente existem lacunas no tempo subje­ tivo, como se o relógio parasse enquanto não percebíamos e depois andasse novamente. Será que _gs_ bebês vivenciam o tempo subjetivo C Q m o os adultos? 0 mãiõFproblema com esta questão é que não está claro'cümcPõs~adultos vivenciam o fluxo de tempo subjetivo. Por exem­ plo, enquanto eu escrevia este parágrafo nesta manhã, o telefone to­ cou. Corri rapidamente para atendê-lo para não despertar minha espo­ sa. Ainda tinha minha caneta sem sua tampa em minha mão enquan­ to no hall segurando o telefone. Era meu amigo Tom dizendo que não Diário de um Bebê

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poderia vir m e buscar conforme havíamos planejado, mas ms encon­ traria na estação de trens para irmos à cidade em quarenta e cinco minutos. Enquanto me dizia isso, tive uma imagem dele vindo pela rampa da estação até um lugar exato na plataforma, onde eu estaria esperando ligeiramente aborrecido pela possibilidade de ele atrasarse novamente. Após um momento em que não recordo o que falamos, preocupei-me com o fato de que minha voz pudesse despertar minha esposa. Q uan d o pensei nisso imaginei-a na cama como se eu estives­ se lá de p é o u pairando no ar dentro do quarto. Então houve um outro lapso de tem po, após o qual recordo apenas estar observando o pa­ drão das táboas no chão. Não recordo nada mais até estar de volta em meu gabinete guardando meus pertences em minha pasta. Não me lembro de ter terminado o telefonema ou de voltar ao meu gabine­ te, mas, obviamente fiz ambas as coisas. Este relato de uma experiência recente ilustra que o tempo subje­ tivo pode parecer sem eventos importantes, nem emoções fortes pa­ ra organizar claramente sua atenção, como quando você está realizan­ do tarefas rotineiras. Existem várias observações notáveis acerca des­ ta vinheta. Primeiramente, o je m p o subjetivo é descontínuo: o fluxo é preenchido com lacunas quando minha consciêndã~sõbre o fluxo cessa e subitamente reaparece mais adiante na corrente, no tempo “ re­ al” do relógio. Em.seejundo-lugar^ode-se estar em dois contextos tem­ porais aom esrnãlfiiripo: como eu falar ao telefone e com minha caneter^rn~rn!riHãmão, agora; e na estação “vendo” meu amigo vir pela plataforma, em uma hora, no futuro. Em terceiro lugar, võcê pode es­ tar em_dois_ou três lugares ao mesmo tempo: como eü^èlíãFncTTiãn "falando ao telefone, nã^stâção7nõ'quarto õbservando minha esposa adormecida (cada lugar é “vivido” com uma quantidade diferente e flutuante de atenção). E finalmente p ode-se tomar pedaços descontí­ nuos _d&-acão^espaços ^ê^mpo-eJúlTãrês-diferentesr-eonectarttkPõs^ em uma hist