Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades [1 ed.] 9788544432129

Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades reúne parte da produção acadêmica recente sobre a

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Portuguese Pages 234 [117] Year 2019

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Table of contents :
APRESENTAÇÃO: OLHARES SOBRE A CONTRACULTURA NO BRASIL (Leon Kaminski)
1 - MUNDO AFORA, BRASIL ADENTRO: a circulação cultural da contracultura e suas apropriações (Leon Kaminski)
2 - A CONSTRUÇÃO DE DTSCURSOS CONSERVADORES PELA PUBLICIDADE BRASILEIRA EM RELAÇÃO A CONTRACULTURA (Orivaldo Leme Biagi)
3 - NA PONTA DA BAIONETA: o rock psicodélico, do circuito de bailes aos Woodstocks brasileiros (lgor Fernandes Pinheiro)
4 - BLACK RIO: a contracultura negra dos anos 70 (Christopher Dunn)
5 - ECOS DA CONTRACULTURA:juventude, rock e rebeldia no Recife (1972-1976) (João Carlos de Oliveira Luna)
6 - ENTRE FARDAS E SUPERQUADRAS:a poesia contracultural em Brasília (Tiago Borges do Santos)
7 - NO BAR, NA RUA, NA GRATVA: comportamentos juvenis,contracultura e sociabilidades na Teresina dos anos 1970 (Edwar de Alencar Castelo Branco, Fábio Leonardo Castelo Branco Brito)
8 - CALDEIRÃO DE SANTA CRUZ, AVALON, CRATERDAN: lugares cognitivos da contracultura no interior do Ceará 9Roberto Marques)
9 - HIPPIES OU HAPPIES? INTERSEÇÕES ENTRE A CONTRACULTURA E O MOVIMENTO HAREKRTSHNA NO BRASTL DOS ANOS 1970 (Leon Adan Gutierrez de Carvalho)
1O - DEU PRA TI, ANOS 70: um tardio sonho hippie porto-alegrense. (Alexandra Lis Alvim)
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Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades [1 ed.]
 9788544432129

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Leon Kaminski (Organizador)

CONTRACULTURANO BRASIL, ANOS 70: circulação, espaços e sociabilidades

Editora CRV Curitiba - Brasil 2019

Conselho Editorial:

('opyright (c) cla liditora CI{V Ltda. Editor-chefe: Rai lson Moura Diagramação e Capa: Editora CRV

Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) AndLóia da Silva Quintanilha Sousa

Revisão: Sofia Andrade Machado

(UMUUFRN)

Antônio Pereira Gaio Junior (UFRRJ) Carlos Alberto Vilar E$êvâ0 (UMINHO

-

PT)

Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Carmen Tereza Velânga (UNIR)

Celso Conti (LTSCar) Cesar Gerónimo Tello (Univer Nacional

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS E,DITORES DE LIVROS' RJ

Três de

Febrero Aryentina)

Eduardo Femandes Baúosa (UFMG)

Elione Maria Nogueira Diogenes (LFAL) Elsio José Corá (LEFS)

c782

Elizeu Clementino de Sorza (I.JNEB) Femando Antônio Gonçalves Alcoforado (lPB)

Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades / organização Leon Frederico Kaminski - 1. ed. - Curitiba [PR] : CRV, 2019.

de La Havana

-

Cuba)

-

Cuba)

JailsonAlves dos Santos (UFRJ) Adalberlo Campato Junior (UNESP) Iosania Portela (UFPI)

-

1964-1985.

org.

Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Lídia de 0liveira Xavier (UNIELJRO) Lourdes Helena da Silva (UFV)

§_55647

CDU:94(8 1)" 1964/1985"

CDD:987.063

Antonio Jose Teixeira Guena (LTRJ) Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP) Carlos de Castro Neves Neto ([JNESP) Carlos Federico Dominguez Avila (LTNIEUR0)

Edilson Soares de Souza (FABAPAR) Eduardo Pimentel Menezes (LTERJ) Euripedes Falcao Vieira (IHGRRGS) Fabio Eduardo Cressoni (UNILAB)

Gilmara Yoshihara Frarco (Lrl'ilR) Jairo Marchesan (UNC) Jussara Fraga Portugal (UNEB)

Leandro Baller (UFGD)

Bibliografia

Ditadura - Brasil - História.2. Contracultura - Brasil. 3. Brasil - História I. Kaminski, Leon Frederico.

turdre Eduardo Ribeiro da Silva (IFSP)

Karla Rosário Brumes (UNICENTRO)

Guillermo Arias Beatón (Universidade

l.

Alexandre Pierezan (UFMS)

Gloria Failias León (Universidade de La Havana

João

Adriane Piovezan (Faculdades Integradas Espírita)

Francisco Carlos Duarte (PUC-PR)

234 p.

rsBN 978-85- 444-3212-9 DOr 10.24824 I 97 885 4443212.9

Comitê Científico:

Marcelo Paixão (IIFRJ e UTexas

-

US)

Maria de Lourdes Pinto deAlmeida (UNOESC) Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (tlFOPA)

Lídia de 0tiveira Xavier (UNIEURO) Luciana Rosar Fomazari Klanovicz (LINICENTRO)

Luiz Guilherme de Oliveira (UnB) Marcel Mendes (Mackenzie) Marcio Jose Omat (UEPG) Marcio Luiz Caneri (UENP)

Maurilio Rompatto (UNESPAR) Mauro Henrique de Banos Amoroso (FEBF/UERJ)

Michel Kobelinsk (UNESPAR) Rosangela Aparecida de Medeiros

Hespaúol (UNESP) Sergio Murilo Santos de Araújo (UFCG)

Maria Cristina dos Santos Bezena (UFSCar)

Simone Rocha (UnC)

Paulo Romualdo Flemandes (IJMFAL-MG)

Sylvio Fausto Gil fllho (UFPR)

Renato Francisco dos Santos Paula (UFG)

ESTA OBRA TAMBEM ENCONTRA.SE DISPONÍVEL EM FORMAIO DIGITAL.

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Valdemir Antoneli (UNICENTR0)

Rodrigo Pratte-Santos (UFES)

Venilson Luciano Benigno Fonseca (IFMG)

Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)

Vera Lúcia Caixeta (UFT)

Simone Rodrigues Pinto (UNB) Solange Helena Ximenes-Rocha (LFOPA)

F GooglePlay ú Ã'üil3,o'"

Sydione Santos (LJEPG)

DtsPoNÍvÊL No

Tadeu

Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 1411212004 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV Tel.: (41) 3039-6418 - E-mail: [email protected]

Coúeça os nossos lançamentos: www.editoracrv.com.br

Gonçalves (UFPA)

Tania Suely Azevedo Brasileiro (UF0PA)

Este

20t9

0liver

livro foi avaliado e aprovado por parecerisÍas ad

hctc.

SUMARIO APRESENTAÇÃO OLHARES SOBRE A CONTRACULTURA NO BRASIL Leon Kaminski

PARTE

í

coNTRACULTURA, CIRCU LAÇÃO e RpnOPRTAÇOES CAPíTULO 1 TMUNDO AFORA, BRASIL ADENTRO: a circulação cultural da contracultura e suas apropriações.................

19

Leon Kaminski

CAPÍTULO 2 A CONSTRUÇÃO DE DTSCURSOS CONSERVADORES PELA PUBLICIDADE BRASILEIRA EM RELAÇÃO A CONTRACULTURA

43

Orivaldo Leme Biagi

PARTE 2 CONTRACULTURA, MÚSICA E JUVENTUDE

CAPiTULO 3 NA PONTA DA BAIONETA: o rock psicodélico, do circuito de bailes aos Woodstocks brasileiros.............

.69

lgor Fernande s Pinheiro

CAPíTULO 4 BLACK RIO: a contracultura negra dos anos

70,

89

Christopher Dunn

CAPíTULO 5 ECOS DA CONTRACULTURA:juventude, rock e rebeldia no Recife (1972-1976) João Carlos de Oliveira Luna

103

PARTE 3 CONTRACULTURA FORA DO EIXO CAPíTULO 6 ENTRE FARDAS E SUPERQUADRAS: a poesia contracultural em Brasília ..........

APRESENTAÇÃO

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Tiago Borges do SanÍos

CAPíTULO 7 NO BAR, NA RUA, NA GRATVA: comportamentos juvenis, contracultura e sociabilidades na Teresina dos anos í 970

Leon Kaminski

í53

Edwar de Alencar Castelo Branco Fábio Leonardo Castelo Branco Brito

CAPíTULO

B

CALDEIRÃO DE SANTA CRUZ, AVALON, CRATERDAIU lugares cognitivos da contracultura no interior do Ceará.......

171

Roberto Alarques

CAP|TULO 9 HIPPIES OU HAPPIES? INTERSEÇÕES ENTREA CONTRACULTURA E O MOVIMENTO HARE KRTSHNA NO BRASTL DOS ANOS 1970...................

195

Leon Adan Gutierrez de Carvalho

CAPíTULO 1O DEU PRA Tl, ANOS 70: um tardio sonho hippie porto-alegrense.

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Alexandra Lis Alvim

SOBRE OS AUTORES

OLHARES SOBRE A CONTRACULTURA NO BRASIL

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O livro Contracultura no Brasil, anos 70: circulação, espaços e sociabilidades surgiu com o intuito de reunir parte da produção acadêmica recente sobre as variadas manifestações da contracultura no Brasil, que perrnanece dispersa. Há, nos últimos anos, um aumento quantitativo e qualitativo no número de estudos que abordam temas ligados a aspectos culturais da juventude brasileira durante o regime militar. Partindo de distintas abordagens teórico-metodológicas, algumas dessas pesquisas têm deslocado seus olhares para compreender as diferentes manifestações sociais e culturais que emergiram entre osjovens a partir do flnal da década de 1960. Trabalhos que procuram fugir do lugar comum e se aprofundam em temáticas pouco ou nada investigadas, no levantamento de fontes inéditas e na diversidade regional. Os textos aqui coligidos buscam analisar experiências coletivas ligadas à contracultura durante a década de 1970, focando suas manifestações em distintos locais do país, seus espaços de sociabilidade e as formas de circulação de seu imaginário. A palavra contracultura ganhorrepercussão a partir do livro The Making of a Counter-culture, de Theodor Roszak, de 1969 (publicado no Brasil em 1972), que buscava analisar as rebeliõesjuvenis do final dos anos 60. A partir da dir,ulgação e das discussões provocadas pelo livro nos anos seguintes, o termo acabou se tornando um conceito histórico, a reunir diferentes manifestações, díspares e mesmo contraditórias, que se contrapunham à cultura hegemônica de sua época. A maioria dessas experiências relacionadas à contracultura estava ligada à juventude, ela mesma múltipla e multifacetada, não podendo ser compreendida como algo uno e indiferenciado. São algumas dessas múltiplas faces, diferentes experiências e dinâmicas entre juventude e contracultura que são abordadas neste livro, tendo como recorte o Brasil dos anos 1970. No final dos anos 1960 e na década de 1970, quando as experimentações estéticas e comportamentais do que veio a ser denominado como contracultura começavam a ganhar proeminência no Brasil, surgiram críticas, resistências e até mesmo repressão a tais manifestações. Em pleno regime ditatorial, endurecido pelo AI-5, as forças da ordem, permeadas pelo imaginário anticomunista, acreditavam que determinadas práticas, como o uso e drogas e a liberdade

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CONTRACULTURA NO BRASIL, ANOS 70: circulâÇão, espaços e sociabilidades

soxr.ral, cranl anllas subvorsivas promovidas pelo colxul-rismo intcrnacional

Uma outra visão sobre a produção cultural daqueles anos surgiu na acadernia, scgundo Napolitano (2017), no flnal da década de 1970 e começo dos anos 1980, com a publicação de pesquisas abordando as expressões esteticas da contracultura no cinema, no teatro, na música e na literatura. Destacam-se as obras de Heloisa Buarque de Hollanda (200D e Celso Favaretto (1995). Essa corrente faz crítica à ideia de "vazio cultural", alegando que, embora realmente tenha ocorrido um refluxo logo após o Al-5, houve uma produção cultural signif,cativa, mas de outro viés: marginal e alternativa. Devido ao seu forte caráÍer experimental, por valoúzar mais a forma do que conteúdo, a arte surgida após 1968, na esteira do movimento tropicalista, seria mais

conl o intuito de enfraquecer a juventude, a família e anação, e assim tomar o poder (LONGHI, 2015; KAMINSKI, 2016). Partindo desta ótica, o movimento hippie, como declarou certa vez um general, teria sido criado em Moscou (SOARES, 1989, p.34). Interpretações que subsidiavam lógicas de suspeição sobre osjovens e consequente repressão, com prisões e censura. As interpretações que viam as práticas da contracultura como estratégias para a dominação comunista não se frzeram presentes no debate acadêmico e cultural posterior, mesmo porque tais afirmações não encontravam lastro na realidade. Os próprios comunistas criticavam tais práticas, embora elas tivessem também seu caráter subversivo, de contraposição ao sistema. Tais leituras vieram a ressurgir recentemente, com a ascensão de uma nova onda conservadora e anticomunista que atualizou esse tipo de discurso, rotulando homossexuais, feministas, usuários de cannabzs, entre outros grupos, como comunistas ou petistas. Por outro lado, parte da intelectualidade de esquerda, muitos deles ligados à estética nacional-popular e ao Partido Comunista Brasileiro, entendia que as expressões artísticas e comportamentais da contracultura eram alienadas e despolitizadas, frutos do capitalismo e do imperialismo norte-americano. Compreendiam-nas como simples cópia da cultura estadunidense. Devido à relativa hegemonia das esquerdas nos campos cultural e acadêmico na década de 1970, a liúa interpretativa promovida pelos intelectuais comunistas acabou por se tornar recorrente na historiografia sobre o período. Nessa perspectiva de análise, o acirramento da censura e da repressão após o AI-5, em 1968, que arrefeceu a resistência cultural ao regime, tetia promovido um "vazio cultural", momento no qual a juventude teria consumido e reproduzido uma cultura alienada e irracional oriunda dos Estados Unidos, chamada por aqui de desbunde. No campo acadêmico, delinearam-se duas linhas interpretativas opostas acetca da contracultura no Brasil. A primeira, descrita acima, produzida pela intelectualidade da esquerda tradicional, aponta para o "yazio cultural" e a suposta despolitização da contracultura. Os escritos de Zlenir Ventura (2000) e de Roberto Schwarz (2009), no início dos anos setenta, colaboraram para a fixação do termo ".vazio cultural" nas análises sobre o período, sendo re-

correntemente citados, seja para coadunar com essa visão ou para uiticâ-7a. Para Marcos Napolitano (2017, p.155), tal expressãoooeÍa sintoma de uma das mais acirradas lutas culturais do período: a crítica da cultura de esquerda mais ortodoxa (vale dizeq de tradição realista e filiada ao nacional-popular) à contracultura e a um tipo de vanguarda formalista".

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transgressora e revolucionária que a arte engajada de esquerda. Desde então, esta linha interpretativa embasou um grande número de investigações sobre os movimentos de contracultura no Brasil, especialmente quando se trata de suas expressões artísticas, objeto de análise mais recorrente sobre o tema. Em geral, estes estudos tendem a iniciar rechaçando a ideia de "vazio cultural" e o suposto caráter despolitizado da arte ligada à contracultura. De certa forma, as disputas político-culturais dos anos setenta perrnaneceram no campo historiográflco, representando de maneira dicotômica, em muitos casos, a produção cultural da época, opondo contracultura e esquerda, embora as relações entre artistas e estéticas nacional-popular e experimental fossem muito mais complexas e menos simplistas que a dualidade apontada pelas duas correntes interpretativas. Nos últimos anos, no entanto, este quadro tem mudado. Acompanhando

o próprio movimento de expansão do ensino universitário e dos cursos de pós-graduação, o número de pesquisas sobre temas relacionados à contracultura tem aumentado. Outros fatores, como o distanciamento temporal e o enfraquecimento da historiografia marxista na esfera acadêmica, contribuem para esse crescimento quantitativo. A emergência da História Cultural como campo de investigação colabora decisivamente para essa ampliação. O âmbito da cultura e suas manifestações deixou aos poucos de ser algo menos nobre de ser pesquisado, se comparado ao social e ao econômico. Com isso, mudou não somente em termos quantitativos, mas também qualitativos, com novas abordagens e temas, incluindo aqueles ligados aos movimentos contracultr.rais. Apesar do crescimento, os estudos sobre a contracultura não formam um campo específico de investigação - e é provável que não venham a constituí-lo, por conta das características da produção atual. Como pode ser observado no Banco de Teses da Capest, as pesquisas sobre o tema se apresentam espalhadas geograficamente, em diversos estados, programas de pós-graduação e campos

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Banco de Teses da Capes. DisponÍvel em:

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CONTRACULTURA NO BRASIL, ANOS 70: circulaçáo, espaços e sociabilidades

clc corrhcoirrrcrrto (hist(rria, ciônoias sociais, comunicação, lettas, artes); e, corn raras exceções, sem uma ligação e diálogos efetivos. Trata-se de uma temáttica que pode ser abordada por distintos ângulos e diferentes ênfases. O interesse pelas manifestações artísticas contraculturais, seja na música, literatura, teatro ou demais formas de expressão, costuma ser o ponto de partida para muitos dos pesquisadores que adentram atemática. Parte desses estudos acaba por voltar suas atenções para os elementos estéticos e paÍa a produção artística de uma forma mais restrita. Outros, contudo, têm procurado analisar diferentes aspectos das experiências contraculturais, sejam elas artísticas ou não. Uma das características da historiografla recente tem sido a de diversif,car os objetos de estudo, inclusive regionalmente. As experiências investigadas não têm se restringido ao eixo Rio-São Paulo, nem se reduzido a obras e artistas consagrados da cultura alternativa. Esses deslocamentos permitem uma melhor compreensão das experiências contraculturais vividas pelos jovens brasileiros durante a ditadura militar. Os textos aqui reunidos representam uma pequena parcela dessa produção, congregando tanto pesquisadores experientes com carreiras consolidadas na academia quanto jovens mestres e doutores, de diferentes regiões do país e do exterior. Ao organizar esta obra, optamos por apresentar um quadro diversificado de experiências contraculturais da década de 1970. Nesse sentido, os trabalhos aqui publicados abordam experiênciasjuvenis que não se restringiram aos centros culturais do país nem a figuras ou grupos consagrados na historiografia e na memória coletiva. Privilegiaram-se estudos que exploram o caráter coletivo de tais experiências, a diversidade regional, as relações com os espaços de sociabilidade, as diferentes formas de circulação e de apropriação da contracultura.

O livro está organizado em três partes. A primeira, "Contracultura, circulação e apropriações", reúne dois trabalhos que possuem como foco a circulação cultural da contracultura e suas diferentes formas de apropriação. Em Mundo qfora, Brasil adentro: a circulação cultural da contracultura e suas apropriações, de Leon Kaminski, discute-se o carâter transnacional da contracultura e as maneiras como seu imaginário e representações circularam tanto ao redor do mundo quanto em direção ao interior do Brasil. O autor demostra que, além da indústria cultural, movida pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e de seu caráter contraditório na divulgação da contracultura, os jovens viajantes tiveram papel importante na disseminação de seu imaginário. Orivaldo Leme Biagi, por sua ve4 em A construção de discursos conservadores pela publicidade brqsileira em relação à contracultura, analisa o processo de apropriação do imaginário contracultural pela publicidade e

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corno clu operava uma "inversão de valores", tornando o que era contestador e subversivo em discursos conservadores ou conciliadores.

A segur-rda parte, "Contracultura, Música e Juventude", inicia com,Ày'a ponta da baioneta: o rock psicodélico, do circuito de bailes aos Woodstocks brasileiros, de Igor Femandes Pinheiro. Neste capítulo, e discutido o surgimento da veftente psicodélica do rock no Brasil, assim como as mudanças que envolveram o gênero, dando especial atenção aos seus espaços de exibição e de sociabilidade. Observando o fenômeno a partir do Rio de Janeiro e ampliando o olhar ao contexto nacional, o autor aponta que a mudança no estilo musical (rnuitos grupos iniciaram tocando "iê-iê-iê") esteve acompanhada de modificação nos tipos de local onde eram realizadas as performances. Dos bailes dançantes em clubes, as bandas passavam a privilegiar os concertos como um modo de fruição contemplativo, mais alinhada com a forma de tocar da estética psicodelica. Em Black Rio: a contraculturq negra dos anos 70, Christopher Dunn analisa a emergência da contracultura negra no Rio de Janeiro através dos bailes de black music, frequentados principalmente pela juventude trabalhadora da periferia. O autor apresenta as tensões e o debate político-cultural que envolveu o movimento Black Rio na decada de 1910 e o seu papel para o fortalecimento da identidade afro em contraposição ao mito da "democraciaracial". Esses dois capítulos apresentam duas diferentes facetas da contracultura entre os jovens cariocas. A seção inclui ainda o texto Ecos da Contracultura: jr:enttrde, rock e rebeldia no Recife (1972-1976), de João Carlos de Oliveira Luna, que lança seu olhar sobre a cena contracultural de Pemambuco, desvelando seus espaços de sociabilidade, performance, experimentação e trocas artísticas, assim como esmiúça a discografia produzida pelos seus integrantes. Na última parte, "Contracultura Fora do Eixo", reunimos trabalhos que analisam cenas e experiências surgidas, em sua maioria, distantes do eixo Rio-São Paulo, demostrando como a contracultura circulou e se manifestou em diferentes locais do país. No capítulo Entrefardas e superquadras: a poesia contracultural em Brasília,Tiago Borges do Santos discorre sobre a literatura escrita no Distrito Federal, cidade planejada há poucos anos inaugurada e centro do poder ditatorial. As relações entre a produção poética, o cotidiano e os espaços vividos pelos jovens escritores são exploradas pelo autor em sua análise. Edwar Castelo Branco e Fábio Castelo Branco Brito, em No bar, na rua, na grama: comportamentos juvenis, contracultura e sociabilidades na kresina dos anos 1970, examinam algumas expressões contraculturais protagonízadas na capital do Piauí pela "geração Torquato Neto", em referência ao papel do poeta tropicalista como mediador entre os jovens locais e a cultura underground. Em Caldeirão de Santa Cruz, Avalon, Craterdam: lugares cognitivos da contracultura no interior do Ceará, Roberto Marques

t4

abortla a ccna altcrnativa cluc surgiu no Crato, município situado erl pleno sertão do Cariri, distante do centro cultural e politico do estado, e como nela emergiram artistas que, mesmo rompendo com a tradição, realizavam o diálogo entre cultura popular e contracultura. A terceira seção conta ainda com outros dois capítulos. Leon Adan Carvalho, em Hippies ou happies? interseções entre o movimento Hare Krishna e a contracultura no Brasil, discute as relações entre a religiosidade promovida pelos hare krishnas e a contracultura; discorrendo sobre como alguns jovens que vivenciavam culturas altemativas acabaram por se aproximar de suas práticas e fllosofias. Encerrando o livro, Alexandra Alvim, em Deu pra ti, anos 70: um tardio sonho hippie porto-alegrense, parte das imagens e sons do cinema para adentrar nas vivências de uma parte da juventude que viveu a contracultura na capital gaícha e percorria as praias catarinenses durante a ditadura. Aborda seus anseios e medos, assim como os sentimentos presentes na virada para a década de 1980, momento permeado de esperanças de redemocratizaçáo do país devido ao contexto de abeúura política, daAnistia e do f,m do AI-5. Para concluir essa introdução, quero agradecer a todos os autores por aceitarem o convite parufazet parte desse projeto e por suas importantes contribuições, que nos ajudam a compreender melhor não somente os movimentos de contracultura, mas diferentes dinâmicas culturais, distintas experiências juvenis durante o período ditatorial. Agradeço à Samantha Quadrat, que desde o início apoiou o projeto deste livro, obra que foi organizada conjuntamente à pesquisa que desenvolvi durante o curso de Doutorado em História (PPGH-UFF), da qual foi orientadora. Estudo que contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), à qual também agradeço.

CONTRACULTURA NO BRASIL, ANOS 70: circulação, espaços e sociabilidades

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REFERENCIAS FAVARETTO, Celso. Tropicália:alegoria, alegria. Cotia: Ateliê Editorial, 1995

HOLLANDA, Heloisa Buarque de. lmpressões de viagem: CPC, vanguarda c desbunde (1960170). São Paulo: Brasiliense, 1981.

KAMINSKI, Leon. O movimento hippie nasceu em Moscou: imaginário anticomunista, contracultura e repressão no Brasil dos anos 7970. Antíteses, v. 9, n. 18,p. 467-493, jul.ldez.2016.

LONGHI, Carla Reis. Cultura e costumes: um campo em disputa. Antíteses, v. 8, n. I 5, jan./jun. 2015. NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: avida cultural brasileira sob o regime rnilitar (1964-1985). São Paulo: Intermeios, 2017. ROSZAK, Theodore. Á Contracultura: reflexões sobre a sociedade tecnocrática e a oposição juvenil. Petrópolis: Yozes,1972. The making of a counter culture: reflections on the technocratic society and its youthful opposition. New York:Anchor Books, 1969.

SCHWARZ, Roberto. "Cultura e Política, 1964-1969".Ln: Cultura e Política. 3. ed. São Paulo: Paz eTena,2009. p. 07-58. SOARES, Gláucio Ary Dillon. Censura durante o regime autoritário. Revista Brasileira de Ciências Sociais,v.4,n. 10,p.21-43, jun. 1989.

VENTURA, Ztenir. O vazio cultural. In: GASPARI, Elio; HOLLANDA, Heloisa Buarque de; VENTURA, Z:uenir. Cultura em trânsito: da repressão à aberlura. Rio de Janeiro, Aeroplano, 2000. p. 40-51.

PARTE C

1

ONTRACULTURA, C IRCULAÇÃO E APROPRIAÇÕES

CAPÍTULO

1

MUNDO AFORA, BRASIL ADENTRO: a circulaçáo cultural da contracultura e suas apropriações Leon Kaminski

Era uma nova cultura que surgia nos anos 1960 e 1970. Ao menos foi assim que muitas pessoas vislumbraram as mudanças culturais que aconteciam no final daquela década em diferentes países, especialmente entre a juventude que se rebelava contra a sociedade e as instituições. 1968 foi o ano símbolo do "Poder Jovem", forma como foi chamada a emergência de uma juventude clue passou a ser vista como a força motriz que iria transformar a sociedade. Revolução era, já há algum tempo, o mote daqueles que queriam mudar o rnundo, nem que fosse apenas o seu mundo particular. Arevolução cultural, a transformaçáo atraves do cotidiano, estava em pauta. Revolução cultural essa que viria a ser conhecida também como contracultura. O ano de 1968 foi marcado pela eclosão de manifestações juvenis em dezenas de países, em diferentes continentes. Cada uma delas estava ancorada em seus contextos locais, como a luta contra a ditadura no Brasil, a construção de um socialismo humanizado na Tchecoslováquia ou a reivindicação de mudanças no sistema de ensino na França. Entre os participantes de tais rnanifestações havia, no entanto, pluralidade de pautas, correntes de pensarnento e formas de ação (ARAUJO, 2009). Nos Estados Unidos, por exemplo, coexistiam hippies, yippies, panteras negras e partidários das novas esquerdas, que conviviam entre trocas, colaborações, tensões e críticas recíprocas. No Brasil, comunistas e tropicalistas ganhariam mais destaque na historiografia e na memória sobre a época. Não havia homogeneidade, nem ao menos etéria. Algumas referências teóricas, estéticas ou militantes daquele ano, como Herbert Marcuse, Henri Lefebvre, Allen Ginsberg ou José Celso Martinez Corrêa, entre outros, não eram necessariamente jovens, ao menos no que conceme a suas idades. Por se tratar de uma construção social, a'Juventude" não se restringe a marcos biológicos. Apesar da prevalência dos estudantes, havia uma coexistência entre diferentes gerações naquele contexto de rebelião. As ideias que os moviam já vinham sendo gestadas há anos ou décadas.

)o

lrnc;trarrkl algtrns sc cngajervarr para realizar uma revolução social por rncio clas anlras, a parlir de uma perspectiva marxista, procurando transformar primeiramente os meios de produção - o que necessariamente levaria a uma mudança cultural posterior, segundo eles -, outros acreditavam numa abordagem diferente. A ideia de revolução cultural (LEFEBVRE ,7991;MARCUSE ,1993) preconizava que era possível inverter essa lógica. Acreditava-se que era possível

transformar a estrutura através de mudanças culturais. Se cada pessoa mudasse seus hábitos, seu cotidiano, suas formas de se relacionar com os outros e com o mundo, com o passar do tempo a própria sociedade, os meios de produção e as instituições poderiam também se transformar. Parte das mudanças que já vinham acontecendo e que eram incitadas por estes revolucionários foram vistas por alguns observadores da época (ROSZAK, 1969; REICH,1970;MACIEL, 7972) como o surgimento de uma "nova cultura" ou de uma o'nova consciência". Jeff Nuttall ( 1 97 1), por sua vez, as compreendia como sendo uma "cultura da bomba", em alusão às armas atômicas utilizadas pelos norte-americanos em Hiroshima e Nagasaki ao final da Segunda Guerra Mundial. A referência à bomba atômica é importante paÍa compreenderÍnos essa o'nova cultura". Aqueles que cresceram no contexto do pós-guerra e saíram às ruas em 1968 conviviam com a iminência de uma gueffa nuclear capaz de eliminar a vida humana na Terra, o que levou a uma valorização do tempo presente. A revolução, o sexo e até mesmo o paraíso não precisavam ser postergados para um futuro incerto, poderiam ser vividos no "aqui e agora,,. Ao mesmo tempo, outras transformações relevantes ocorriam naquele período, como o rápido desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação e a emergência de novas formas de ser jovem. Questões que não podem ser ignoradas ao refletirmos sobre o surgimento e a circulação dessa "nova cultura". Ao analisar os movimentos de 1968, o sociólogo norte-americano Theodore Roszak (1969) utilizou o termo "contracultura" paradenominar aquele fenômeno, uma nova cultura que emergia e entrava em choque com a cultura hegemônica, visando transformá-la. A palavra "contracultur a", apartir da obra de Roszak e de sua popularização via imprensa, acabou por designar de forma genérica uma série de movimentos, práticas sociais e expressões artísticas de contestação ao sistema. A arte de vanguarda, a liberdade sexual, a estética psicodélica, o abandono das religiões ocidentais em direção ao pensamento oriental, as vivências comunitárias e produções culturais alternativas, entre outras propostas e experiências que faziam parte do "espírito da época", mesmo que às vezes contraditórias entre si, integram a chamada contraculfura. Parte significativa da historiografia brasileira compreende a contracultura como um fenômeno cultural nascido nos Estados unidos no final nos anos sessenta e que se difundiu pelo mundo via indústria cultural. para muitos,

CON Í

Í.lA(ltrl I t.,llA N() RRASII , ANOS TO circulaçáo, espaços e sociabrlidades

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cspccialrncntc entre a inteleotualidade brasileira de esquerda, a contracultura crn rlosso país seria apenas uma imitação da cultura imperialista norte-americana. Costuma-se, não somente no Brasil, mobilizar um repertório de imagens dajuventude estadunidense para se representar a contracultura. Os hippies e os festivais de rock são os ícones mais recorrentes. O imaginário referente à contracultura está, desta forma, diretamente ligado à nação das listras e estrelas. Seria então a contracultura, suas diversas expressões sociais e culturais, um I'enômeno nascido nos Estados Unidos e depois exportado para o mundo? As rrrudanças culturais nas terras do Tio Sam com certeza chamaram a atenção e ganharam muita repercussão, mas elas não se manifestaram de forma isolada no planeta Terra. A formação da contracultura deu-se permeada por trocas culturais em cscala transnacional, especialmente durante o período posterior à Segunda Guerra Mundial. Se as manifestações de 1968 possuíam uma ancoragem nos contextos locais por um lado, por outro, elas não deixaram de estar antenadas com o que acontecia em outros países. O mesmo ocorria com a contracultura. A circulação do imaginário e das práticas que integraram a contracultura vaIeu-se de dois elementos importantes: os meios de comunicação e os meios cle transporte, que rapidamente se desenvolviam no pós-guerra. Como analisava Mcluhan (s/d), naquela época, vivia-se numa "aldeia global" onde as informações circulavam cada v ez mais rápido. Buscamos, neste capítulo, analisar as formas de circulação da contracultura, o trânsito de seu imaginário, produtos culturais e práticas, que seriam apropria-

jovens quanto pelo próprio sistema. Se o papel da indústria cultural e dos meios de comunicação costumam ser ressaltados como canais de propagação da contracultura, discúiremos também aqui o importante papel dos viajantes que a levaram aos mais distantes rincões, possibilitando o surgimento de manifestações contraculturais no interior do país. Antes, no entanto, o seu caráter transnacional estará em foco, para melhor compreensão do fenômeno e das diferentes escalas que o envolvem. clas de diferentes maneiras, tanto pelos

1.

Contracultura, um fenômeno transnacional

Ahistoriadora Renata Sigolo (2010), ao estudar a revista francesa Planàte, chegou a constatações que a surpreenderam. O foco de sua pesquisa era analisar o processo que levou o periódico, nascido nos anos 1960, a voltar o seu olhar ao pensamento oriental. Fundada por Louis Pauwels e Jacques Bergier. autores do livro O despertar dos mágicos, um sucesso da época, Planàte exalta em sua primeira fase as virtudes da ciência e da técnica, permeadas pela ideia de progresso. Apartir de meados da década, a revista entra em nova etapa e passa

CONIRACt,I I t,RA NO RRASII , ANOS

llos poltcos a tocor críticils ao racionalismo ocidental. Volta seus olhares para as "civilizações perdidas" e para o oriente, inclusive organizando viagens

rumo à India. No contexto do pós-guerra, a possibilidade de uma hecatombe nuclear levou parte da sociedade a questionar o racionalismo e o cientiflcisrno responsáveis pela criação de armas que colocavam em perigo a humanidade como um todo. o oriente passava a ser, para muitos, uma fonte onde se poderia encontrar respostas para as crises vividas no Ocidente. o fato, contudo, que surpreendeu a historiadora ao pesquisar a revista foi o de se deparar com o pensamento contracultural em fontes francesas anteriores a I 968. A bibliograf,a consultada pela autora apontava que a contracultura na França havia surgido somente após aquele ano, vinda dos Estados unidos. Além do olhar voltado ao Oriente, seu pensamento, práticas e religiosidades, planàte também abordava temas como as relações de gênero, sexualidade e outras questões ligadas à revolução dos costumes. A presença de conteúdos que integram o imaginário contracultural em fonte anterior a 1968 levou a pesquisadora, em suas conclusões, a repensar a manifestação da conhacultura na França e a "considerar este movimento como algo heterogêneo, que toma aspectos peculiares em diferentes contextos sociais e temporais" (SIGOLO, 2010, p. 319). As conclusões de Renata sigolo vão ao encontro com as considerações de outros pesquisadores que chamam a atenção para o caráter desterritoria-

lizado da contracultura (SANTOS, 2008; LEÃO, 20Og). Trata-se de uma perspectiva que critica a ideia, presente na historiografia, de que a contracultura nasceu nos Estados unidos e depois se propagou para o resto do mundo, tendo os jovens brasileiros, por exemplo, copiado acriticamente suas práticas e expressões artísticas. Eles argumentam que várias das manifestações tidas como contraculturais já se faziam presentes em outros países, inclusive em períodos anteriores à década de 1960. Embora os autores não aprofundem suas análises nessa questão, ela conkibui para pensarÍnos a contracultura com maior complexidade e a problematizarÍnos em termos espaciais. Primeiramente, temos que ter clareza de que o termo contracultura, enquanto um conceito histórico, surgiu apenas apart:tr de 1g6g, com as publicações de Roszak e sua popul arrzaçáo através da imprensa. os "conceitos históricos" nascem, mesmo que a partir de palavras já existentes, para reunir experiências complexas na singularidade de um conceito (KOSELLECK, 2006). os conceitos, após cunhados, são passíveis de serem utilizados de forma generalizante, tomando-se referênciaparaaquilo que eles visam representar. Nesse sentido, conceitualmente falando, a contÍacultura, como ela é entendidahoje, não existia antes de 1968. Suas experiências socioculturais de contraposição ao sistema é que existiam e estavam ocorrendo em diferentes lugares do mundo. As expressões da "nova cultura" não possuíam uma palavra

7O. circulaçáo, espaços e sociabilidades

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que as congrcgassc c as explicasse de Íbrma satisfatória. Com a definição do conceito de contracultura, a partir da obra de Roszak (1969), o termo passa a ser utilizado para designar um conjunto variado de experiências juvenis, rnesmo que anteriores a 1968. Cada uma dessas experiências, contudo, possui sua própria historicidade, sua singularidade espaço-temporal, não se restringindo à influência dos Estados Unidos, embora a imagem da contracultura teúa se vinculado diretamente a esse país.

Uma série de estudos recentes tem buscado investigar o caráter hansnacional dos movimentos de protesto dos anos 1960 (LANGLAND,2006; KLIMKE,

SCHARLOTH, 2008; JOBS, 2009; KLIMI(E, 2010; PICCINI, 20 1 6; CHEN et al, 2018). Segundo Klimke e Scharloth (2008), as redes transnacionais entre ativistas de diferentes países e a circulação intemacional de pessoas e de informações foram fatores essenciais paÍa a dimensão transnacional dos protestos. O intercâmbio entre organizações estudantis conduzia a uma permanente divulgação de ideias por meio de redes, tais como o Underground Press Syndicate, que ajudava a distribuir a imprensa altemativa europeia e norte-americana e afazê-la circular em diferentes países. Um efeito dessas redes pessoais e institucionais foi aréryida disseminação e a mistura de novas formas de protesto que distinguem as manifestações da segunda metade dos anos sessenta de suas antecessoras

históricas. Misturavam-se tanto as estratégias de ação direta dos movimentos de direitos civis afro-americanos e dos estudantes dos Estados Unidos quanto as táticas inspiradas em movimentos estéticos e sociais de vanguarda, como as dos situacionistas franceses e dos provos holandeses. O desenvolvimento dos meios de transporte e as facilidades de deslocamento que eles proporcionavam permitiu que cadavezmais jovens viajassem no período do pós-guerra, seja enhe diferentes países ou para outros continentes. Um dos efeitos dessa circulação e dos intercâmbios proporcionados foi a construção do sentimento de se pertencer a uma grande comunidade jovem internacional, fortalecendo laços de identidade juvenil que ultrapassavam fronteiras nacionais (JOBS, 2009). Sentimento esse que esteve presente tanto em 1968 quanto na década de 1970. A emergência de estilos de vida alternativos foi outro aspecto transnacional dos movimentos de protesto nas décadas de 1960 e 1970. Nesse sentido, não se torna estranho encontrar práticas ou expressões tidas como contraculturais fora dos Estados Unidos e anteriores a 1968. Apesar delas terem integrado a experiência norte-americana, não foram exclusivas da juventude daquele país. As expressões sociais e culturais da contracultura jâ circulavam, inclusive, antes de 1968. O caso do Oriente, levantado por Renata Sigolo, é um bom exemplo. Os europeus construíram ao longo dos séculos uma determinada ideia de Oriente como um espaço do "outro", do diferente, um lugar exótico,

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CONTRAC(,1 TURA NO BRASIL. ANOS 70 circulaçáo, espaÇos e sociabilidades

nristcriosoornístico(SAlD,2001).Construçãoessaacompanhaclaporséculos de colonialismo. A importação simbólica de elementos daquelas culturas era uma forma de demonstrar a vastidão de seus territórios a curiosos súditos e cidadãos. Ao entrar em crise a civilização ocidental, ao se criticar algumas bases de seu pensamento, como o racionalismo e o cristianismo, procurou-se por respostas nesse "outro". A cultura do oriente se apresentou então como alternativa à cultura hegemônica do ocidente. As filosofias, as religiosidades e as próprias práticas cotidianas oriundas do Leste, a exemplo da alimentação macrobiótica e.da yoga, passaram a se poptiarizar no oeste. A ida para o Nepal e paru a Índia, partindo da Europa, tornou-se uma das principais rotas entre os viajantes contraculturais nos anos 1960 e 1970. A busca pelo Oriente entre os jovens norte-americanos é herdeira também dessa hajetória europeia, dessa invenção do oriente. um dos mais coúecidos divulgadores do zen-budismo nos Estados unidos foi o inglês Alan watts, um ícone da contracultura californiana. Nascido em 1915, ainda jovem ficou fascinado pelas "coisas do oriente" e começou a pesquisar e praticar o budismo (wArrs, 2002). Posteriormente, mudou-se para Nova york e depois radicou-se em São Francisco, um dos berços da contracultura estadunidense. Nos anos 1950, a cidade era um dos territórios privilegiados da chamada geração beat, sendo que seus integrantes são geralmente apontados como os pais da contracultura.Ela seria ainda a"meca" dos hippies, atraindo milhares de jovens no "verão do amor", em 1967. watts foi interlocutor dos escritores beats. Entre e1es, os poetas Gary Snyder e Allen Ginsberg, que chegaram a viver no oriente na década de 1960, estudando o zen-budismo (sNyDER, 2005; WILLER, 2009,2014). Ao retornarem aos Estados Unidos, ajudaram a dir,ulgar algumas das filosofias orientais, inclusive com Ginsberg entoando mantras em manifestações políticas e eventos culturais. A banda californiana The Doors e os ingleses dos Beatles incorporariam elementos das sonoridades orientais em algumas de suas canções. vários artistas, como os integrantes do grupo britânico, reahzaramviagens à Índia e outros países da região, relacionando-se com gurus, em busca de experiências espirifuais. o beatle George Harrison, por exemplo, ajudou a flnanciar o movimento Hare Krishna. De origem indiana, este movimento não foi "importado" pela contracultura, mas sim se dirigiu à Nova York, em meados da década de 1 960, com o intuito de se "unive rsalizaf' , de expandir a sua filosofi a paru alem de seu país natal (CARVALH],20l7)t. Assim como outras espiritualidades não ocidentais (como as de origens indígenas ou africanas), as religiosidades 1

Sobre esse tema, conferir o capítulo Hrppies o u happies? interseções entre o movimento Hare Krishna e a contracultura no Brasil, de Leon Adan Carvalho, neste livro.

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vinclas ckr Oricntc Íbram apropriadas e incorporadas ao fenômeno da contracultura, tanto nos Estados Unidos e na Europa quanto no Brasil. Assirn como o "orientalismo", diversos elementos integrantes do imarinário contracultural não se restringiram aos Estados Unidos, possuíam lristoricidades próprias, transnacionais, muitas vezes antiquíssimas, como o rrso de substâncias alteradoras da consciência. Nos anos sessenta, experiências psicodélicas com LSD vinham sendo realizadas nos dois lados do Atlântico (GUARNACCIA, 2001). Avalorização da liberdade, a contestação aos vaIrrres e costumes tradicionais se faziam presentes durante o pós-guerra,tanto cntre os beats quanto no existencialismo francês. O Port Huron Statement, úc 1962, importante manifesto da nova esquerda estudantil norte-americana, cstá permeada pela filosofla existencialista sartreana (KUKLICK, 2006). No Ilrasil, o existencialismo teve uma recepção relevante entre os jovens na década ilc 1960 (DIAS, 2003; MONTEIRO, 2007), muito maior que a dos escritores ltcats, que só vieram a ter suas obras publicadas por aqui nos anos 1980. Nem mesmo o rock, um dos maiores símbolos da contracultura, gênero rnusical genuinamente norte-americano popularizado na década de 1950, licou incólume aos fluxos transnacionais. A música possuiu papel importante na construção de uma cultura jovem internacional e na circulação de ideias tle contestação e rebeldia. Ritmos afro-americanos, como o jazz, o blues e o rutck and roll, forum bastante apreciados em alguns países da Europa. Vários rnúsicos estadunidenses paftiram para temporadas em Paris ou Londres nas clécadas de 1950 e 1960 (NUTTALL,l97l). A aura de autenticidade dos artistas negros norte-americanos, como representantes de grupos marginalizados e perseguidos, parecia iluminar de forma mais direta e convincente os problemas cotidianos do que os artistas cambiáveis da indústria cultural (STEGFRIED, 2008). Uma característica importante do rock foi a sua capacidade de "hibridismo cultural" (CANCLINI,2015), com artistas em diferentes países misturando litmos e elementos musicais diversos, nacionais e estrangeiros, assim como seus anseios políticos e sociais. Na Inglaterra sessentista surgiria a beat music, clue designava um estilo de rock produzido na ilha bretã. Um de seus principais cxpoentes foram os Beatles. Em meados dos anos 1960, dando continuidade a essa circulação cultural, várias bandas inglesas de rock desembarcariam nos llstados Unidos, conquistando ouvidos e corações juvenis (PERONE, 2009). O rock produzido na Inglaterra passou a figurar como uma das principais referências desse gênero musical. Além dos Beatles, grupos como os Rolling Stones, The Who, Cream, Led Zeppelin, The Animals e Pink Floyd, entre outros bretões, tornaram-se trilha sonora da rebeldia internacional.

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Mus purc;uc cntão a imergcm da contracultura Íicou amarrada cle uraneira tão fbrle aos Estados Unidos? Primeiramente, não podemos perder de vista a importância desse país, o grande arauto do capitalismo, na geopolítica do pós-gueffa. Seu estilo de vida hegemônico, o american way of lfe, era expoftado juntamente com seus produtos industriais e culturais. O que acontecia na terra do Tio Sam virava notícia e as mudanças comportamentais de parte de sua juventude chamavam a atenção dos meios de comunicaçáo.Lá, o fenômeno que veio a ser chamado de contracultura, embora heterogêneo, foi um movimento de massa e gaúou grande repercussão na imprensa intemacional. As revistas exploravam a extravagância dos hippies em fotos coloridas, para o espanto ou deleite dos leitores. Certamente, as manifestações culturais da juventude daquele país foram uma referência, uma fonte do imaginário contracultural. Sua forte indústria cultural não perdeu tempo, incorporando-as em seu repertório de representações e produtos. Se, por um lado, explorou comercialmente a contracultura, por outro, atuou como mediadora de seu imaginário ao tornar-se veículo de divulgação de imagens e sons de rebeldia e contestação.

strr)rcr.rtc as cançilcs, rnas tatnbénl suas performances

2. Os meios de comunicação e as diferentes apropriações

da contracultura A memória dominante acerca da juventude brasileira dos anos sessenta está permeada pela ideia de engajamento, de luta por maior justiça social e contra a ditadura instalada em 1964. O Brasil, assim como outros países latino-americanos, vivia um contexto diferente do existente na Europa e nos Estados Unidos. As heranças coloniais marcavam presença na região. Desta forma, pautas como o anti-imperialismo e o combate aos resquícios feudais na estrutura social possuíam mais importância que a contestação no âmbito dos costumes, que ocorriam de forma mais discreta. As manifestações de 1968 no Brasil, que inclusive iniciaram antes do maio francês, tinham como alvo o regime ditatorial. É nesse período, entretanto, criticando e ao mesmo dialogando com a perspectiva engajada, que emergiria a contracultura nacional. O momento tropicalista, que se manifestou em diferentes formas de expressão artística (música, teaho, cinema, artes plásticas e literatura), surgiu da "convergência e de intensa contaminação mútua no âmbito da produção cultural brasileira" (SÜSSEKIND,2OO7, p.31). A Tropicália emergiu no cenário nacional, em 1967-1968, como contraponto ao domínio da estética nacional-popular na produção cultural da época. Na música, ârea no qual alcançou maior repercussão, mesclava-se antropofagicamente experimentalismo de vanguarda, rock internacional e sonoridades nacionais e regionais. Incorporou ainda a contestação no campo dos costumes, que integrava não

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