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Português Pages 256 [179] Year 2007
SUMÁRIO Agradecimentos Prefácio da Autora Introdução
PARTE 1 A ESTRUTURA DA HISTÓRIA Juntando as Ideias A Estrutura em Três Atos: Por Que e Como Utilizá-la O Segundo Ato: Como Mantê-lo em Movimento Como Criar Cenas Criando um Roteiro Coeso
PARTE 2 O DESENVOLVIMENTO DA IDEIA Transformando seu Roteiro em Algo Vendável A Criação do Mito
PARTE 3 A CONSTRUÇÃO DOS PERSONAGENS Da motivação ao Objetivo: Encontrando a Espinha Dorsal do Personagem Procurando o Conflito Criando Personagens Bem Dinensionados A Função dos Personagens
PARTE 4 ESTUDO DE CASO A Caminho do Oscar: Um estudo de Caso A Reescrita do Roteiro Epílogo Linda Seger
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AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos
Ao Dr. Leonard Felder, pelo título, e por editar a segunda edição deste livro; À Cynthia Vartan, por editar a primeira edição deste livro; À Dara Marks por sua franca interação com o material, encorajamento e apoio constante; Aos revisores da segunda edição — Sharon Cobb, Carolyn Miller e Treva Silverman e aos revisores da primeira edição — Mary Beth Gaik, Mark Gerson e Lindsay Smith. Agradeço a vocês por suas idéias, contribuições e por toda ajuda; À Cathleen Loeser e a Chris Vogler, pela ajuda com o capítulo 6; A Bill Kelley e David Bombyk, pelas informações e pelos dois memoráveis jantares, quando trocamos idéias, sobre o filme A Testemunha. À Pamela e a Earl Wallace, que me forneceram as informações adicionais para essa segunda edição; À Columbia Pictures e a Larry Gelbart, Don McGuire e Murray Schisgal, por permitirem as citações do roteiro de Tootsie; À Horizon Films, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro de Uma Aventura na África; À Universal/MCA e a Peter Benchley, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro de Tubarão; à Universal e à Ambling Entertaine-ment, a Bob Gale e Robert Zemeckis pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro do filme De volta para o Futuros À Paramount Pictures, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro do filme A Testemunha; A George Lucas e à Lucas Film Ttd, pela permissão de uso das citações extraídas do roteiro do filme Os caçadores da Arca Perdida. E, como sempre, ao meu marido, Peter Le Var, por sua constante afeição, por seu amor e por todas aquelas maravilhosas mensagens nas costas, que me ajudaram a continuar a escrever.
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PREFÁCIO DA AUTORA
Quando escrevi a primeira edição de Como Aprimorar um Bom Roteiro, já existiam inúmeros livros sobre redação de roteiros no mercado. Porém, notei que nenhum deles discutia o importante processo que explica como reescrever um roteiro. Assim, decidi voltar o foco do meu livro para esse processo. Entretanto, tão logo comecei a receber comentários de leitores sobre o livro, descobri, para minha surpresa, que estava sendo muito usado não só por roteiristas que queriam aprender a escrever um roteiro, mas também por roteiristas mais experientes, ganhadores de Oscars, que encontravam problemas com o processo de reescrita. A primeira edição, contudo, não fornecia todas as informações necessárias para quem quisesse criar um roteiro, desde o primeiro rascunho até o roteiro final, utilizado durante as filmagens. Faltava o primeiro passo do processo de escrita: juntar as idéias. Outro assunto muitos não havia sido abordado era a criação das cenas. Assim, decidi que já era tempo de fazer uma nova edição. Uma vez que a primeira sem dúvida alguma, estava sendo bastante útil para muitos roteiristas, queria torná-la o mais completa possível, sem mexer naquilo que já estava bom. A segunda edição é essencialmente igual a primeira. A diferença está no acréscimo de dois capítulos novos, de alguns exemplos de filmes mais atuais e de informações adicionais nos capítulos existentes. Nesta edição o leitor encontrará uma discussão mais ampla sobre o tema, a sequência de créditos, a cena central e a montagem. Mantive os exemplos principais pois se baseiam em três filmes que desafiam a passagem do tempo: Uma aventura na África, A Testemunha e Tootsie. Na primeira edição não tive permissão para fazer citações do filme A Testemunha. Nessa edição a Paramount Studios gentilmente me concedeu permissão para fazer uso do roteiro, o que permitiu que eu pudesse desenvolver ainda mais os conceitos mostrados na primeira edição. Agradeço a todos os leitores que elogiaram a primeira edição, e espero que continuem a apreciar e aprender Como Aprimorar um Bom Roteiro.
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INTRODUÇÃO
Não basta somente uma boa idéia para a criação de um grande roteiro. Também de nada adianta apenas colocar essa idéia no papel. Na redação de roteiros, mais do que em qualquer outra forma de redação, o que faz com que um bom roteiro se torne excelente não é só o modo como ele é escrito, mas também como é reescrito. Os princípios que regem o processo de redação de roteiros são basicamente os mesmos empregados no processo de reescrita. Se você estiver escrevendo seu primeiro roteiro, este livro irá ajudá-lo a desenvolver sua habilidade de criar histórias dramáticas e interessantes. Se já for um escritor experiente, este livro irá ajudá-lo a articular aquelas habilidades que você intuitivamente já utiliza. E se você, por acaso, estiver sentindo uma enorme dificuldade em avançar no processo de reescrita de algum roteiro, sem saber ao certo que rumo deve tomar, este livro irá ajudá-lo a analisar e superar esse obstáculo, resolvendo os eventuais problemas existentes e fazendo com que você retome o caminho certo. Este livro irá conduzi-lo ao longo de todo o processo, desde o momento em que surge a primeira centelha de uma idéia, até o final do processo de reescrita de um roteiro. Quando você começa a escrever, precisa saber como organizar suas idéias, como criar uma história interessante, como criar personagens bem dimensionados, que tenham apelo e mereçam sua atenção por umas duas horas. Mas, acima de tudo, você precisa saber como reescrever seu roteiro quando estiver terminado — pois, se você escrever um roteiro, pode ter certeza que precisará reescrevê-lo. Faz parte da natureza do negócio. A não ser que você seja um escritor que só escreve para si mesmo, e depois guarda seus roteiros no fundo da gaveta, você se pegará revisando e reescrevendo seus roteiros por inúmeras vezes. A primeira vez, você vai reescrevê-lo para deixar o primeiro esboço “redondinho”. Então, seus amigos lhe darão algumas sugestões e você vai reescrevê-lo de novo, para deixá-lo um pouco melhor. Seu agente certamente vai lhe dar algumas sugestões também, visando aumentar o apelo comercial do roteiro, e você, mais uma vez, vai reescrevê-lo para incorporar essas ideias. O produtor e o patrocinador vão pedir que você o reescreva, pois também querem ver sua participação refletida no roteiro. E ainda tem os atores, que lhe trarão outro tipo de ideias, dizendo o que “funciona bem para eles”, e por isso também vão pedir que você altere “uma coisinha aqui e outra acolá”. Ora, tudo isso é maravilhoso, desde que você saiba o que reescrever, e tenha certeza de que cada vez que fizer isso estará melhorando seu roteiro. Porém, infelizmente, é rarissimo ver isto acontecer. Na verdade, muitos se sentem como aquele cara que resolveu ser um roteirista porque já estava cansado de ver tanta coisa ruim na televisão e no cinema. “Com certeza posso fazer bem melhor que isso!”, pensou ele. Certo dia, depois de submeter seu roteiro a um produtor, e de vê-lo ser 6
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recusado, ele protestou: “Mas este roteiro é muito melhor do que tudo que já vi!”. “Com certeza”, respondeu o produtor, “Qualquer um pode escrever coisa melhor que os roteiros que você tem visto. O segredo não é só escrever, mas escrever de um modo tão brilhante que, mesmo depois que toda a equipe arruinar seu roteiro, tentando reescrevê-lo, ele ainda assim mereça ser produzido.” Esta é a mais pura verdade. Muitos roteiros vão piorando, e não melhorando, a cada vez que são reescritos. Quanto mais se afastam do original, mais confusos se tornam. Parece que que começam a perder sua mágica. Lá pela quinta vez em que é reescrito, o ritmo se perde, e alguns elementos começam a não fazer mais sentido. Depois de umas 10 tentativas de reescrevê-lo, a história ficará totalmente diferente, e ninguém mais vai se interessar me fazer o filme. A solução parece bem simples: “Ora, não reescreva!”. Infelizmente, você não tem essa opção. A maior parte dos roteiros, mesmo o que contam com toda a magia e criatividade que se possa colocar no primeiro esboço, não ficam bons logo de cara. Alguns são redundantes, outros são muito longos e fica impossível transformá-los num bom filme, que possa ser comercializado. Às vezes, falta alguma coisa na criação de determinada passagem – desenvolver mais algum, completar uma linha de diálogo do personagem, finalizar um enredo secundário. Alguns roteiristas tem no primeiro esboço apenas a semente de uma ideia que só vai nascer e desabrochar se o escritor mergulhar mais fundo na história. Sem passar pelo processo de ser reescrito, todas essas questões permanecem sem solução. Portanto, qual seria a resposta para essa questão? Ou melhor, será que existe mesmo uma resposta? Ora, a solução não é assim tão dificil quanto parece: basta reescrever apenas o que não ficou bom e deixar o resto como estava. O difícil é se limitar a fazer isto, pois temos que resistir a tentação de ficar trabalhando o texto cada vez mais, num processo que parece não ter fim. Significa também não se deixar levar por alguma ideia nova e diferente, que pode até ser muito boa, mas não resolve o problema que estamos tentando solucionar. Em outras palavras, resume-se em mofificar apenas aquilo que não ficou bom, em vez de ficar mexendo no roteiro todo. Isto significa que devemos nos ater à ideia criativa original do roteirista, que por sinal já é “muito boa, obrigado”. As sugestões devem apenas ajudar a manter o roteiro em sua “trilha original”, e não permitir que se desvie dela. Mas como fazer isso? Este livro foi escrito justamente para tratar desse assunto. Seu intuito é definir o que significa “manter-se na trilha” e determinar quais são as diretrizes que se deve seguir, para fazer com que um bom roteiro fique ainda melhor. Foi concebido para ensinar como se fazer para escrever e reescrever um roteiro com eficiência e rapidez, sem perder ao longo desse processo a magia da criação, desde o primeiro esboço até o roteiro final, que será usado na filmagem. O foco do meu trabalho como consultora de roteiros tem sido, quase que exclusivamente, trazer roteiros para a trilha certa, resolvendo os problemas, mas preservando sua criatividade original. Tenho trabalhado dessa forma com centenas de roteiros de filmes para cinema e televisão, desde miniséries, novelas, filmes de terror, aventura, sitcoms e comédias de modo geral, dramas e até filmes de fantasia. O desafio é sempre o mesmo: como fazer com que o próximo esboço do roteiro 7
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fique bom. O processo também é o mesmo, não importa com quem eu esteja trabalhando: roteiristas, produtores, diretores ou executivos da indústria de entretenimento. Juntos, analisamos quais são as dificuldades, definimos os conceitos a serem trabalhados, e procuramos soluções para que o esboço fique bom. Já trabalhei com inúmeras pessoas dentre as mais criativas e bem sucedidas nesse ramo, e percebi que problemas na hora de escrever e reescrever roteiros podem acontecer com todo mundo, mesmo com os mais experientes. Geralmente, as dificuldades surgem porque os problemas não foram devidamente detectados ou analisados, antes de começar a reescrever o roteiro. Em decorrência disso, muitas vezes o diretor vem e manda reescrever o segundo ato, por exemplo. Mesmo assim ele continua insatisfeito, e conclui então que o problema é com o personagem principal. Daí, novas alterações são feitas visando resolver essa questão. Em seguida, mais modificações são introduzidas na tentativa de consertar o enredo secundário. Mas o enredo secundário, depois de reescrito, acaba tirando o roteiro principal dos trilhos, e daí começa tudo de novo. Como roteiro só funciona como um todo, é claro que as alterações feitas em uma parte afetam as demais. Meu trabalho como consultora é identificar e analisar esse tipo de problema, antes de começar a reescrever um roteiro, e trabalhar em conjunto com todos os envolvidos no processo de criação para que os problemas sejam de fato resolvidos. Descobri que o processo de reescrever roteiros não é algo indefinido, mágico, ou aleatório, que pode ou não funcionar. Existem elementos bem específicos que são indispensáveis para aprimorar um bom roteiro, elementos esses que podem e devem ser conscientemente analisados e melhorados. Naturalmente, como cada roteiro é único, os problemas que surgem são diferentes. Seria impossível escrever um livro com todos os passos para a criação de um roteiro perfeito. O processo de criação não segue um esquema rígido, e este livro não foi concebido para fornecer regras e formulas que possam ser seguidas mecanicamente. Entretanto, posso afirmar, pela minha experiência como consultora, que os tipos de problemas que surgem nos roteiros são recorrentes. São problemas de expressão, problemas com o momentum ou problemas com uma ideia específica que não foi suficientemente desenvolvida. São problemas que podem fazer a diferença entre vender um roteiro e receber mais uma carta de recusa, ou entre o sucesso comercial e o fracasso de bilheteria. Para compreender melhor como esses problemas foram resolvidos nos grandes roteiros vou tomar como exemplo alguns dos filmes mais primorosos e bem sucedidos. Muitos são os mesmos que serviram de exemplo na primeira edição desse livro, mas dessa vez me concentrei em alguns deles, como: A testemunha, Uma aventura na África e Tootsie. Esses são filmes que escapam à barreira do tempo, servem como ótima fonte de aprendizado, além de serem um bom entretenimento, pois podem ser assistidos várias vezes, sem cansar, só de estudá-los muito se aprende sobre a arte e o ofício de escrever roteiros. Eu me utilizo também de exemplos tirados dos filmes Tubarão, Guerra nas Estrelas e De volta para o futuro, que continuam a ser os melhores filmes para ajudar a compreender questões relacionadas a prognóstico dos problemas e desfechos. 8
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Acrescentei, nesta edição, um exemplo extraído do filme Os caçadores da Arca Perdida, e fiz comentários sobre alguns filmes mais recentes, como Os imperdoáveis, A lista de Schlinder e O fugitivo. Além desses, faço menções menos detalhadas a filmes como E o vento levou, Atração fatal, O caça fantasmas e Por favor, matem minha mulher. Todos foram sucessos de bilheteria e conseguiram algum elogio da crítica. Além disso, particularmente os considero ótimos exemplos para quem quer aprender a fazer filmes. São filmes muito bem estruturados, com ideias bem trabalhadas e personagens bem dimensionados. Contudo, não são fórmulas: são filmes criativos, artísticos e bem elaborados. Para aqueles que não assistiram, recomendo que o façam. Você deve procurar se familiarizar com eles, pois, em cada capítulo vamos analisar algumas de suas características com alguma profundidade. Pode estar certo de que, além de descobrir porque foram tão bem sucedidos e como isso aconteceu, você também vai se divertir. Acredito piamente que, para criar um bom filme, que tenha alguma coisa a dizer e que seja de boa qualidade, duas coisas são necessárias: um roteiro bem escrito e que passe por um processo bem trabalhado na hora de ser reescrito. Com alguma criatividade e uma boa ideia é possível fazer um bom roteiro. Mas o objetivo desse livro, no entanto, vai além disto. Queremos mostrar como aprimorar um bom roteiro. Mãos à obra!
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PARTE 1
A ESTRUTURA DA HISTÓRIA
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CAPITULO 1
JUNTANDO AS IDÉIAS Vamos imaginar que você seja um roteirista e acaba de ter uma idéia genial para um filme. Acha que sua idéia é incrível e que o filme tem potencial para ser tão bom quanto o E.T. e tão original quanto Os Caça-Fantasmas, tão tocante quanto Conduzindo Miss Daisy. Alguns trechos da ação são formidáveis, lembram o filme Duro de Matar, e um pouco talvez do estilo de Os Imperdoáveis. Voce já sabe que para fazer um filme não basta ter uma boa idéia: a produção também é muito importante. Você quer fazer tudo certo. Por onde deve começar, então? Imagine agora que você seja um produtor e acaba de ler um artigo que lhe deu algumas idéias para um filme. Porém, antes de contratar um roteirista para desenvolvê-las, quer organizá-las melhor. Você quer ser coerente e criar uma linha de ação dramática sólida e eficaz. Mas como fazer isto? Ou, então, imagine-se no papel de um diretor. Nunca fez um roteiro na vida, mas há quase dois anos tem uma linha de ação dramática que não pára de martelar na sua cabeça. Você quer colocála no papel, em formato de tratamento ou roteiro. Quem sabe, então, você possa encontrar um roteirista para ajudá-lo com isso. Mas por onde deve começar? As idéias raramente surgem completas. A maior parte dos roteiros nasce de um lampejo criativo, de fragmentos de imagens. Talvez comece com algum tema específico que você pretenda explorar. Pode ser também que comece com algum personagem que você tenha conhecido ou imaginado. Quem sabe são fragmentos de uma história que sempre lhe vêm à mente, e que estão pedindo para serem contados. Pode ser até algo tão simples quanto uma ideia de apenas uma linha — "Algo sobre circos” — ou quem sabe algo mais complexo como um épico — "Uma história que meu avô me contou sobre as batalhas da Revolução Russa. Em algum ponto entre o momento em que a ideia surge e as 120 páginas de um roteiro, essa idéia precisa tomar corpo. A história tem que tomar forma, ganhar vida por intermédio dos personagens, ser construida através de imagens e emoções, ser entrelaçada com outras idéias. É a forma como isso é feito que determina se o roteiro será uma confusão total, um roteiro razoável ou uma verdadeira obra de arte. Como acontece com toda forma de arte, o processo de escrever um roteiro começa com um certo caos. As idéias ainda estão incompletas. A linha de ação dramática ainda não está bem definida e, a qualquer momento, pode desembocar em um beco sem saída. Os personagens podem parecer inconsistentes, unidimensionais, previsíveis demais ou muito parecidos com algum outro 11
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personagem que você já viu mais de cem vezes. Você ainda não sabe bem o que já tem nas mãos, e principalmente não sabe onde pode chegar. Esse processo envolve uma progressão continua do caos para a ordem. A velocidade desta progressão depende de vários fatores: de quão rápido você escreve; do quanto já domina o processo e a arte de escrever; de quão disciplinado você é; do grau de complexidade que sua ideia apresenta; de quanta pesquisa você precisará fazer e do quanto valoriza seu próprio processo criativo. Alguns conseguem pensar rápido, ser mais organizados, ter idéias que fluem mais rápido do que sua capacidade de anotá-las. Já outros precisam de tempo para amadurecer suas idéias. Não existe uma fórmula pronta para ser criativo. Não existe um processo que seja único e que se aplique a todos indistintamente.
COMO CHEGAR À IDEIA Você já se perguntou de onde vêm as idéias? O mundo está repleto de histórias fascinantes, personagens dramáticos, idéias e temas intrigantes. Parte de seu treinamento como roteirista consistirá justamente em descobrir as dicas, as deixas, as pequenas pistas que podem levar à criação de um grande roteiro. Muitos roteiristas encontram idéias em artigos de jornal. O jornal é uma bela fonte de conflitos, dramas, personagens dinâmicos e questões importantes. Os parentes mais próximos — tanto aqueles de quem você gosta quanto os que não suporta — também são uma boa fonte de inspiração para diversas situações que podem ser exploradas num roteiro. Amizades, relacionamento conjugal, problemas no trabalho — sejam de sua própria vida, sejam de um caso que ouviu contar — tudo isso pode ser aproveitado. Além disso, seus sonhos, fantasias, esperanças e objetivos — bem como fracassos, desapontamentos e traições — tudo constitui matéria-prima para a sua criatividade. Muitas situações, quando acopladas a uma boa dose de imaginação, podem gerar novas idéias. Você pode se perguntar: O que teria acontecido na minha vida se eu tivesse me casado com ele? Como teria sido se eu tivesse aceitado aquele emprego no Oriente Médio? Imagine como teria sido se eu tivesse estudado naquele colégio interno. Muitos roteiristas fazem fichários cheios de anotações com idéias para possíveis histórias. Alguns têm arquivos em seus computadores com centenas de frases de uma única linha. Outros têm anotações esparramadas por toda parte. A uma certa altura, uma dessas histórias chama sua atenção, implorando para ser contada.
ORGANIZANDO AS IDÉIAS Existem muitas formas de dar início a um ordenamento sistematizado de suas idéias. Alguns roteiristas preferem ficar pensando em suas idéias durante algum tempo, brincar um pouco com elas, antes de começar a escrever. Mas é importante escrevê-las no papel, para que possa ver o que 12
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você já conseguiu obter, e decidir para onde deseja ir. Anotar suas idéias é fundamental também porque desocupa espaço em sua mente, criando condições para que novas idéias surjam. Boas idéias chamam novas idéias e assim — eureca! — a história começa a tomar forma. Um roteiro pode ser dividido em cinco partes: a linha de ação dramática, os personagens, a idéia central, as imagens e os diálogos. Cada um desses elementos vai tomando forma em etapas distintas do processo. Há pessoas que têm mais facilidade em lidar com personagens, e assim podem iniciar seu trabalho por determinada personagem que imaginaram. Elas deixam a história vir à tona à medida que vão descobrindo as decisões e ações das personagens. Outras preferem começar pela história. Ficam intrigadas com a seqüência dos eventos. Gostam de ação, de ver os personagens fazendo coisas emocionantes. Já existem certos roteiristas que preferem começar por alguma idéia específica que pretendam explorar. Talvez comecem tentando responder a uma pergunta como: O que aconteceu naquele verão que mudou minha vida? Ou quem sabe decidam explorar temas relacionados à justiça, identidade, ou algo voltado para o que acontece com pessoas vítimas da ganância ou da corrupção. De qualquer maneira, por onde quer que você comece, num dado momento terá que juntar todos esses elementos no roteiro. E como todos eles são interligados, ao trabalhar com os personagens, novas idéias surgem, e assim por diante. Dessa forma, o que você está buscando é um método de juntar suas idéias, mas ao mesmo tempo ainda mantê-las fluidas o suficiente para que não se cristalizem antes do tempo. Em outras palavras, seu objetivo é dar todas as oportunidades para que as ideias surjam, se modifiquem e tomem novas formas. Para conseguir fazer isto, muitos roteiristas anotam suas ideias em fichas indexadas.
O SISTEMA DE FICHAS INDEXADAS Como só muito raramente a linha de ação surge completa na mente de quem escreve, é necessário encontrar uma forma de anotar todos os fragmentos de idéias que, somados, vão formar o roteiro. Muitos roteiristas anotam suas idéias em fichas, ou mesmo em folhas soltas de fichário, para facilitar o início do trabalho. Fichas não têm uma ordem predefinida, são coloridas e mais fluidas — e tudo isto é condizente com o início de um processo criativo. Muitos do que adotam esse sistema costumam utilizar fichas de diversas cores. À medida que ordenam seus pensamentos, cada cor passa a representar diferentes elementos do roteiro. Por exemplo, se você estiver escrevendo uma história de mistério, pode usar fichas brancas para as cenas sobre a investigação. As fichas cor-de-rosa podem ser usadas paras as cenas de amor entre o detetive e a testemunha cega. As amarelas podem trazer observações sobre os personagens — 13
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dados biográficos, relacionamentos, descrições e até mesmo características peculiares. As fichas azuis podem ser destinadas às anotações sobre imagens — a imensidão da cidade (como em O Fugitivo) ou a desolação das ruas de Nova Iorque (Taxi Driver). As anotações feitas nas fichas podem ser curtas (Nervosa, ela chama a polícia) ou mais detalhadas, descrevendo o clima da cena e parte da ação. Você pode ter fichas separadas com anotações de informações levantadas em pesquisas — O que acontece numa cena de crime? Onde um investigador pode encontrar impressões digitais? O que é um resíduo de pólvora e onde pode ser encontrado? Como o processo criativo tende a se deslocar do caos para a ordem, sua mente automaticamente começa a perceber a relação entre as fichas. Você pode descobrir que suas anotações sobre a cena de amor se ajustam perfeitamente às anotações sobre a paixão doentia do personagem, o que, por sua vez, se encaixa bem com a imagem de um apartamento apertado, dividido em pequenos cômodos, localizado na zona industrial de empacotamento de carne da cidade (Atração Fatal). De repente, você pode perceber que sua cena de amor ficará muito melhor se vier logo após a cena em que a protagonista acaba de desembarcar de seu primeiro vôo de avião (Entre Dois Amores). Então, muda a ordem das fichas para refletir esta nova inter-relação de cenas. O uso de fichas talvez seja o método que melhor flui no processo para reunir idéias. Dá oportunidade para que as idéias possam surgir e se associar naturalmente a outras idéias. Usando esse método de fichas você nao se vê forçado a escrever o roteiro antes de estar preparado para isto. Não se sente pressionado a inventar uma parte da história que ainda não lhe parece coerente. As fichas lhe permitem testar várias combinações de idéias entre diferentes atos ou cenas. As idéias podem ser agrupadas em centenas de combinações possíveis — e assim uma destas combinações vai, eventualmente, lhe parecer “mais certa" do que as demais. Muitos roteiristas chegam a pregar suas fichas num quadro, e vão invertendo suas posições de um ato para outro, e estudando-as diariamente, em busca de novas possibilidades. Alguns passam as informações de suas fichas para o computador. O perigo deste sistema é você acabar com uma porção de fragmentos de idéias sem qualquer seqüência lógica. Porém, mesmo que isto aconteça a princípio, com o passar do tempo sua mente vai encontrando as ligações naturais entre as idéias. E as anotações do roteiro vão pouco a pouco se organizando em sua mente, numa descoberta natural, criativa e emocionante. Naturalmente você não tem idéia de quantas fichas vai precisar antes que a história, os personagens, o tema e as imagens comecem a se d definir. Pode ser que você precise de apenas 50 fichas, pode ser que precise de mais de 2 mil. Mas chega um determinado momento em que a própria história começa a clamar por ser escrita. É neste ponto que você deve começar a escrever o esboço.
O ESBOÇO O esboço se resume a umas poucas linhas acerca de cada uma das cenas que compõe a história. Você pode anotá-las em folhas de papel, no seu computador ou em folhas soltas de fichário, usando 14
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uma página para cada cena. Um esboço completo pode ter de 50 a 100 linhas, mas você não precisa, necessariamente, anotar todas as cenas principais, antes de começar a escrever seu roteiro. Se você fosse escrever o esboço da primeira parte de Uma Aventura na África, ele ficaria assim: 1. A missão. Mostrar Rose e seu irmão na vila onde fica a missão. Charlie chega. 2. Cena mostrando o início do relacionamento entre Charlie e os irmãos missionários, Rose e o Reverendo Samuel. 3. Os alemães chegam — matam o Reverendo Samuel e os nativos, destroem o vilarejo. 4. Charlie volta ao vilarejo. Enterra o Reverendo Samuel. Ele e Rose planejam sua fuga. ...Etc. Com este mínimo de informação, já é possível começar a redigir o roteiro, embora alguns roteiristas prefiram antes elaborar bem mais cada cena, recheando-as com informações sobre a história e personagens. Ou podem optar por escrever o primeiro tratamento do roteiro.
O TRATAMENTO Alguns roteiristas começam a escrever pelo tratamento, que é basicamente uma narrativa ou resumo da história. Assim como um conto, o tratamento é bem curto — tendo em média de oito a quinze páginas — e conta o início, o meio e o fim da história. Se a história lhe ocorrer de forma completa, já de início, o primeiro tratamento é uma ótima oportunidade de colocar a narrativa numa seqüência lógica. Ao acompanhar a linha da narrativa, você poderá verificar se a história faz sentido, se é plausível, se tem ação suficiente, e se segue uma direção definida. Se perceber que algum fato parece não ter relação com outro, é bem possível que você tenha se desviado e saído por alguma tangente que não tenha nada a ver com a história. Se sua história parece não sair do lugar, você conseguirá perceber exatamente onde está faltando mais ação. Se o clímax não estiver bem claro, você verá que sua história não está conseguindo se estruturar, ou perdeu a direção rumo ao final. Se estiver escrevendo um tratamento para um estúdio ou uma produtora, o formato geralmente solicitado costuma ter de cinco a doze páginas. No entanto, o tratamento também pode ser empregado como uma ferramenta de criação. Alguns roteiristas usam o tratamento como forma de escrever em fluxo de consciência, deixando todas as suas idéias aflorarem livremente. Podem escrever, por exemplo, cinco páginas sobre o ambiente do apartamento de um dado personagem, ou explicar por que dois dos personagens se sentem atraídos um pelo outro e, em seguida, resumir as próximas oito cenas em apenas uma ou duas linhas. O tratamento coloca no papel a faísca inicial da idéia. É também uma excelente oportunidade para permitir que todas as idéias venham à tona, para começar a pegar o ritmo dos diálogos, bem como para começar a sentir um pouco o estilo da história. 15
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Os tratamentos ajudam muito na elaboração da história, pois permitem que você perceba eventuais problemas e vá reformulando a história à medida que eles vão surgindo. No entanto, é muito importante manter o tratamento fluido, bem maleável, especialmente nos estágios iniciais, de tal forma que ele possa ser modificado e ampliado, enquanto o texto é reescrito. Para certos roteiristas, uma vez escrito, torna-se uma verdade absoluta. Há também quem se encante com as aparências, com o simples fato de uma linha de ação estar escrita de forma limpa e bem organizada no papel, ainda que no fundo ela não esteja boa. Se você também se sentir assim, evite passar suas idéias a limpo: rabisque-as em papéis de rascunho para ter total liberdade de continuar brincando com elas, explorá-las ao máximo, e até introduzir alguma idéia maluca no texto que, mais tarde, você mesmo pode decidir descartar. Isto evita que você fique preso a uma determinada forma, e faz com que se sinta livre para fazer constantes alterações em sua linha de ação, até que a uma certa altura, você sinta que ela está “de acordo” — coerente, interessante e bem estruturada.
FAZENDO UM DIÁRIO O tratamento é uma excelente ferramenta para se chegar a uma noção mais clara da história, mas não é muito útil quando se trata do desenvolvimento do tema ou mesmo dos personagens. Por isso, alguns roteiristas, antes de escrever o roteiro em si, costumam trabalhar com um diário. Escrever uma espécie de diário dá ao roteirista uma oportunidade de explorar personagens e temas de uma forma muito semelhante ao que ele faria, se estivesse escrevendo sobre sua própria vida e assuntos pessoais. Essa técnica do diário faz com que o roteirista possa penetrar mais fundo na mente de seus personagens, descobrindo assim o que eles pensam, o que sentem, o que os incomoda, com o que se importam e de que forma reagem. Como na vida real, em que o fato de escrever seus pensamentos mais íntimos em um diário pode ajudá-lo a compreender melhor a si mesmo, você vai perceber que a técnica do diário poderá ajudá-lo a conhecer melhor o íntimo dos personagens, ajudando-o a encontrar para cada um deles um rosto e uma voz. O diário pode ser escrito na primeira pessoa, como se você fosse o próprio personagem descrevendo suas experiências e pensamentos. Pode também ser escrito na terceira pessoa, como se os personagens fossem amigos seus, ou alguém a quem você estivesse observando. Pode conter descrições de personagens, ações e relações. Você pode fazer perguntas do tipo: Quanto o personagem ganha? Como é sua família? Em que escola se formou? Você pode criar um personagem escrevendo sobre pessoas que conheça e procurando definir de que forma seu personagem se assemelha a elas. Talvez possa começar a imaginar traços da personalidade do personagem que lhe interessem, ou se perguntar por que um certo personagem age de determinada forma ou faz o que faz. Pode ser que decida basear sua história em alguma experiência pessoal, e comece a escrever sobre seus sentimentos em relação a alguém que o tenha abandonado, anos atrás. Quem sabe se lembre de um romance que viveu num certo verão e resolva escrever todos os detalhes que provocarão uma reviravolta nessa história. Algo começa a borbulhar 16
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dentro de sua cabeça à medida que você trabalha com suas idéias. Você fica mais entusiasmado, as idéias vão surgindo. Talvez decida usá-las; talvez elas lhe apontem um novo rumo. Os temas também podem ser explorados através da técnica do diário. Os roteiros contêm idéias, e as idéias precisam ser trabalhadas, tanto quanto a história e os personagens. Se seu tema trata da influência negativa e cada vez mais disseminada da violência (como no filme O Passado Não Perdoa), você pode fazer anotações no diário sobre as várias formas e os diferentes níveis com que a violência afeta os diversos personagens. Você pode escrever sobre os pesadelos de seu personagem, quando se depara com a violência. Pode falar da estranha atração que as pessoas sentem pela violência, que parece fazer parte de todo mundo. Pode analisar como se dá a formação de fortes vínculos entre pessoas que vivem sob a égide da violência. Ao analisar, por exemplo, os vínculos formados entre soldados ou vítimas de guerra, ou entre membros de gangues, estará se assegurando que o tema escolhido está em sintonia com uma audiência contemporânea. Da mesma forma que o tratamento o ajudará a verificar certos aspectos da história, o diário pode ajudá-lo a penetrar no interior dos personagens e do tema. A esta altura, você já deve ter experimentado várias dessas técnicas, e descoberto que seus personagens começam a querer falar com você. Se isto estiver acontecendo, arrume logo um gravador, e experimente uma outra técnica.
FALANDO CONSIGO MESMO EM UM GRAVADOR Na vida real, você fala consigo mesmo todos os dias. Já está acostumado a fazer isso. Mas o fato de falar para um gravador pode lhe dar ainda mais liberdade, criando uma oportunidade para que suas idéias fluam de forma desinibida. Talvez você já esteja imaginando trechos de diálogos para algum de seus personagens. Você chega a ouvir suas vozes. Pode ser que fale tão rápido que você mal consegue anotar num papel tudo o que dizem. Ou talvez eles decidam falar quando você estiver preso no trânsito ou quando acorda, no meio da noite, com um pensamento, um fragmento de diálogo. De repente, do nada, você escuta as palavras que estava buscando. Quando você ouve as coisas que estava buscando, não importa onde e como você esteja, deve anotá-las o mais rápido possível, enquanto ainda estão frescas na sua mente. O gravador é uma ferramenta muito útil para isso, pois lhe permite registrar palavras e idéias onde quer que ocorram. E mais ainda, permite que você as ouça, em vez de apenas vê-las escritas num papel. Qualquer tipo de idéia pode, de repente, vir à sua mente. Você pode brincar com diálogos, tentando exprimir certas atitudes dos personagens ou encontrar caminhos que expressem melhor certas questões do roteiro, ou mesmo para explorar o relacionamento entre personagens. Às vezes, o diálogo surge completo em sua cabeça, de uma vez só. Outras vezes você se recorda apenas de algumas palavras-chave, ou de uma determinada combinação de palavras, enquanto vai trabalhando no restante do roteiro. A desvantagem do gravador é que você terá que transcrever o que foi gravado. Mas você não precisa transcrever tudo que foi gravado, só aquilo que lhe agrada. O que não lhe agradar, você 17
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simplesmente corta. Algum tempo depois, pode voltar ao gravador, para tentar captar novamente a inspiração de um diálogo ou uma certa associação de idéias. Mesmo que não utilize exatamente as mesmas palavras, é importante saber por que elas foram ditas naquela ordem específica. Porém, em vez de usar todas estas técnicas que mencionamos, você pode decidir que quer apenas se sentar e escrever. E há roteiristas que fazem exatamente isto.
COLOCANDO TUDO NO PAPEL Algumas ideias parecem que já surgem completas. É como se quem está escrevendo pudesse ver um filme passando em sua cabeça. Se isto acontecer com você, comece a escrever o roteiro imediatamente. Pode ser que mais para frente, ao longo do trabalho, você possa sentir dificuldade e precise utilizar uma das técnicas que descrevemos. No entanto, existem roteiristas que na realidade simplesmente se sentam e escrevem todo o roteiro, sem precisar recorrer a nada. Talvez você seja um marinheiro de primeira viagem. Neste caso, pode até ser que esteja pronto para escrever seu primeiro roteiro, mas a idéia de escrever 120 páginas o apavora. Se já tiver na cabeça uma linha de ação, pode começar por colocar a história no papel em formato de roteiro, sem maiores preliminares e, mais tarde, você volta e reescreve o roteiro. Até que você encontre seu processo criativo, sempre ficará com receio. Será que vou conseguir escrever 120 páginas? Será que vai valer a pena todo este esforço? Quanto tempo vai demorar? Colocar as 120 páginas no papel, sejam elas boas ou ruins, elimina a questão do "será que eu consigo?". Raramente este primeiro esboço ficará bom logo de cara, pois envolve pouca habilidade durante o processo de escrita. Em compensação, pode fazer com que surjam algumas cenas artísticas, mágicas ou mesmo bons diálogos. É verdade que você terá que trabalhar tudo de novo, desde do começo, preparando e refinando sua história. Mas o fato de saber que você já conseguiu escrevê-la da primeira vez vai tornar mais fácil o processo de reescrevê-la. A maioria dos roteiristas mais experientes analisa suas histórias e personagens com muito cuidado, antes de começar a fazer o roteiro. Quanto mais tempo for dedicado a esta preparação, menos tempo será gasto na elaboração do roteiro em si. Você poderá optar por uma solução intermediária, ou seja, lançar mão de todos os métodos de preparação antes de começar a escrever, mas, uma vez que tenha começado, escreva tudo de uma sentada só, até o final. Muitos roteiristas reconhecem que, assim que o roteiro começa a fluir, não se deve interromper o processo para corrigir a gramática, eliminar erros de digitação, ou experimentar diversas versões para uma mesma cena. Eles preferem escrever tudo de uma só vez.
PROGRAMAS DE COMPUTADOR Vivemos na era da informática. A maior parte dos roteiristas escreve direto no computador. Muitos costumam acessar a Internet, e se comunicar com outros roteiristas em grupos de batepapo. Portanto, nada mais natural que tenham surgido no mercado vários programas de computador destinados a ajudar roteiristas a escrever e reescrever seus roteiros. 18
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Não estou me referindo a templates, isto é, programas para formatar roteiros (como o Scriptoor, o MovieMaster ou o Scriptwrite), mas sim a programas destinados a auxiliá-lo na organização e preparação para escrever seu roteiro. (Quando escrevi este livro, estavam disponíveis no mercado o Collaborator, o Storyline e o Dramatica). Há muita controvérsia em relação a estes programas. Alguns acham que são muito limitantes, como aqueles livros de desenho em que as crianças têm de seguir os números. Estes programas dizem ao roteirista onde ele deve colocar cada elemento, e lhe asseguram que, se seguir direitinho todos os passos, terá em mãos um roteiro “perfeito . Outros vêem nesses programas uma espécie de catalisador para sua criatividade. Servem como guias para mantê-los na rota e indicar qual deve ser seu próximo passo. O que estes programas de roteiro fazem de fato? Quando podem ser úteis? Com o que você precisa tomar cuidado? Um programa desses no mínimo ajuda você a organizar suas idéias e a colocar toda a informação de que dispõe num só lugar. Ao contrário das fichas, que você precisa escrever e reescrever, ou dos blocos de rascunho com aquelas anotações extensas, num programa desses toda a informação relativa à história, aos personagens, à locação e ao tema, tudo, rigorosamente tudo, está reunido em um único lugar, onde pode ser modificado por diversas vezes, à medida que idéias novas forem surgindo. Um programa desses também poderá ajudá-lo a perceber as questões que você precisa solucionar, enquanto escreve o roteiro. Existem centenas, senão milhares, de elementos que contribuem para fazer com que um roteiro dê certo. Os roteiristas mais experientes conhecem esses elementos inconscientemente, mas um novato ainda não dispõe desta percepção. Esses programas de roteiro perguntam o tempo todo ao roteirista: Você já resolveu os problemas da biografia do seu personagem? Você sabe o que seu personagem quer e que ações vai tomar para conseguir o que deseja? Qual é o conflito? Quais são os problemas que seu personagem terá que resolver? Quem será sua audiência? As decisões do seu personagem fazem sentido? Quais são os traços da personalidade dos personagens principais e coadjuvantes? Muitas dessas perguntas são bem parecidas com as que você encontrará no final de cada capítulo deste livro. Da mesma forma que as perguntas do livro, sua finalidade é manter o roteirista a par das questões que precisam ser resolvidas, fazendo assim com que o roteiro dê certo. Um bom programa trabalha como um parceiro ou alguém que o ajude a levar suas idéias em frente. Muitos deles trazem definições, informações, análise de roteiros famosos e mostram como os vários elementos se relacionam nesses roteiros. Desta forma, esses programas servem, ao mesmo tempo, como recursos para aprendizagem e como ferramentas para o processo de escrita. Alguns deles ainda possibilitam que você brinque com suas idéias. A maioria é programada para fazer certas perguntas em vários pontos do processo de criação da sua história. Muitos organizam o material de tal forma que você consegue enxergar o relacionamento entre os vários elementos que compõem o roteiro. Lembre-se de que qualquer programa é baseado na teoria dramática adotada por seu idealizador. 19
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Você terá que aprender o vocabulário utilizado por quem idealizou o programa. Assim, antes de começar a escrever, talvez você tenha que estudar alguns conceitos. Qualquer programa sempre tem uma certa lógica implícita. Um programa de computador só pode ser construído de forma lógica, ainda que alguns roteiristas adotem certas abordagens nãoracionais para a escrita de roteiros. Talvez você queira começar a construir seu personagem a partir de um diálogo, ou de algum aspecto relacionado ao ritmo ou à energia do personagem, ou ainda por algo relacionado à forma como ele se veste, por exemplo. Porém, quando começar a fazer perguntas sobre o personagem, verá que as perguntas são sempre as mesmas, o que pode levá-lo a pensar que exista somente um processo de criação. Isso acontece pelo fato de o programa não poder levar em conta as centenas de diferentes pontos de partida que um roteirista possa adotar, ou os milhares de diferentes processos que redundam em bons roteiros. No final das contas, o teste para qualquer método consiste em verificar se ele é ou não uma ferramenta útil e eficiente para você. Qualquer que seja o método, será tão bom quanto o talento da pessoa que o utiliza. Se a pessoa se deixar limitar por um programa, acabará conseguindo chegar a um roteiro, mas provavelmente acabará com um roteiro previsível, sem a menor originalidade. Portanto, esteja certo de uma coisa: se determinado método não o ajuda a moldar e estruturar sua história, nem a criar personagens cativantes e envolventes, com certeza esse método não é para você. Um bom método deve deixar espaço e flexibilidade suficientes para que você desenvolva seu próprio processo criativo. Deve funcionar como um parceiro de criação, ajudando-o a resolver seus problemas bem como dar forma ao seu roteiro.
NÃO EXISTE APENAS UM ÚNICO JEITO CERTO Diversos roteiristas recorrem a diferentes métodos para roteiros diferentes. Parte da arte de escrever está em conhecer e recorrer a diferentes técnicas para chegar ao seu roteiro de diferentes maneiras. Se uma técnica não der certo, provavelmente alguma das outras dará. Mas lembre-se sempre, o objetivo dessas técnicas é que sirvam para que você efetivamente escreva seu roteiro. Alguns roteiristas têm centenas de idéias, milhões de técnicas, mas não chegam a escrever roteiro algum. A uma certa altura, você precisa sentar e colocar o roteiro no papel; precisa dar forma ao que está em sua cabeça. A criação do roteiro demandará não somente conhecimento e habilidade, mas também seu talento pessoal — sua voz, sua visão, sua perspectiva, sua experiência, atitudes que são exclusivamente suas. Todas as técnicas e conceitos, ao ajudarem você a trabalhar sua história, funcionam como um elemento catalisador, contribuindo para aperfeiçoar seu talento. Ao escrever um roteiro, grande parte do trabalho estará pronto se você fizer primeiro toda essa preparação. Após ter completado todo o trabalho inicial e caprichado na preparação, escrever de fato o roteiro ficará muito mais fácil. 20
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Para a maioria dos roteiristas, o processo de escrever um roteiro, desde a primeira idéia até o primeiro tratamento, leva cerca de três a seis meses, embora haja roteiristas que cheguem a levar um ano ou até mais. Pode até ser que alguns levem uns cinco anos. Também já conheci outros que conseguiram escrever um roteiro em três semanas. O próprio processo de reescrever o roteiro pode demorar em torno de duas semanas ou até dois anos, quem sabe. Isso não importa. Não há um tempo fixo que deva ser obedecido durante a criação de um roteiro. Também não existe um jeito certo ou um jeito errado para se fazer isso, pois não existe um único processo de criação.
APLICAÇÃO Há uma razão para você estar escrevendo um roteiro. Também há certas perguntas que pode fazer e que irão ajudá-lo a permanecer em contato com sua paixão, sua criatividade e com o método que seja melhor para preparar seus pensamentos para começar a escrever. Portanto, antes de começar a escrever seu roteiro, pergunte a si mesmo: ■ O que me leva a querer escrever este roteiro? ■ Já refleti bem a respeito de todos os elementos do roteiro — a história, os personagens, o tema, as imagens, os diálogos? ■ Consigo ouvir a voz dos meus personagens? Eles já estão começando a falar comigo, de forma que eu possa ter verdadeiros personagens falando, quando começar a escrever os diálogos? ■ Gastei tempo suficiente explorando as possibilidades da história e dos personagens, antes de me apressar em escrever o roteiro? ■ Será que eu impus uma série de regras à minha história e aos meus personagens ou permiti que fossem evoluindo naturalmente? ■ Estou concentrando o foco naquilo que me comove, em minha arte, naquilo que realmente quero dizer? Ou estou mais preocupado com aspectos comerciais, relacionados ao marketing, à fama ou a quanto dinheiro esse roteiro irá me render? Estou pensando apenas em ganhar prêmios ou já me daria por satisfeito com uma simples indicação? ■ Estou me lembrando de manter os olhos no processo em vez de ficar tentado a encontrar soluções rápidas? Depois que tiver passado por toda essa fase de preparação, você estará pronto para começar a escrever seu roteiro. Quando tiver chegado a este ponto, estará pronto para dar uma estrutura e uma forma dramática para sua história. Estará pronto para moldar o início, o meio e o fim do seu roteiro.
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CAPÍTULO 2
A ESTRUTURA EM TRÊS ATOS: POR QUE E COMO UTILIZÁ-LA Imagine que você é um escritor que acaba de escrever um roteiro maravilhoso. O roteiro é de fato muito bom, e você sabe disso. Inclusive já o mostrou a vários amigos, que disseram ter achado seu roteiro melhor do que o do filme E. T., o Extraterrestre. Mas lá no fundo você não está assim tão seguro. Ainda acha que há algo de errado nele. Em algum ponto, talvez no segundo ato, parece que os elementos não estão se encaixando muito bem. Alguma coisa não bate. As coisas não parecem estar como deveriam e você começa a ter uma série de dúvidas sobre seu trabalho. Outro caso comum é o do produtor que deseja desesperadamente conseguir a opção para um determinado roteiro muito engraçado, único no gênero, e perfeito para ser encenado por um dos artistas mais badalados da cidade. Contudo, por algum motivo, o roteiro parece ter algo de estranho. Não tem consistência. O final é muito melhor do que o começo. Além disso, tem uma quantidade excessiva de personagens. Você não quer perder este negócio, mas, ao mesmo tempo, não pode se comprometer com a opção de uma história que não dê certo. Suponha que você seja um diretor de produção que deve começar as filmagens em menos de três semanas. O roteiro do filme, que já conta com 138 páginas, ainda está sendo terminado, o segundo ato está atrasado, e a estrela do filme não gosta da forma como seu personagem aparece neste ato. Todas essas situações são corriqueiras, e precisam ser resolvidas para que um roteiro fique bom. Estes problemas geralmente são estruturais. Não é a história que é ruim; o problema está na construção dessa história. O fato é que o roteiro ainda não está bom; mas, por onde começar a consertá-lo?
A ESTRUTURA EM TRÊS ATOS Escrever e reescrever é um processo que exige duas coisas: uma visão geral da história e uma enorme atenção para os detalhes. Como o próprio roteiro, o processo de escrevê-lo também tem um começo, um meio e, felizmente, um fim. Parte da arte de escrever e reescrever um bom roteiro consiste em encontrar uma estrutura forte o bastante para comportar a história. Em outras palavras, isso significa construir a história de modo a lhe dar forma, foco, momentum e clareza, ou seja, colocar a história em um formato dramático. 22
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Desde os primórdios, as peças de teatro tendem a seguir uma estrutura em três atos. A começar pela tragédia grega, passando pelas peças de Shakespeare, pelas séries dramáticas, ou pelos Movieof-the-Week, o que se observa é sempre a clássica estrutura em três atos: começo, meio e fim — que também pode ser definida como: apresentação, confrontação e resolução. Na maior parte das peças em três atos, essa divisão estrutural é nítida: a cortina desce no final do primeiro ato, deixando claro que chegamos ao fim da apresentação. O mesmo ocorre no final do segundo ato, marcando o término da confrontação. E a seguir, temos o terceiro ato, que caminha em direção ao clímax e à resolução. A televisão, a fim de possibilitar a exibição de comerciais, interrompe artificialmente sua programação, criando estruturas de dois atos (para os sitcoms) de sete atos para os filmes de longa metragem (com duas horas de duração), ou de quatro atos para novelas e seriados. Mesmo assim, apesar desses cortes artificiais, num bom espetáculo de televisão dá para perceber a clássica estrutura de três atos, com uma clara apresentação, uma confrontação e uma resolução. Embora nos filmes de cinema a exibição nunca seja interrompida, também encontramos esta mesma estrutura em três atos, o que ajuda na dinâmica e no foco da história. Em conseqüência dessa estrutura estar presente em todas as formas de arte dramática, os mesmos comentários que faço a respeito da estrutura de filmes de cinema aplicam-se também para a televisão e o teatro. Na elaboração de um filme, esses atos normalmente compreendem: de dez a quinze páginas para a apresentação da história, seguidas de mais umas vinte páginas de confrontação no primeiro ato; a seguir, um longo segundo ato de quarenta e cinco a sessenta páginas e, por fim, um terceiro ato mais rápido, de vinte a trinta e cinco páginas. Cada ato tem um foco diferente. A passagem de um ato para outro normalmente se dá através de uma ação ou evento denominado ponto de virada. Se fizéssemos um gráfico para mostrar essa estrutura em três atos, chegaríamos ao seguinte esquema:
Cada parte desta estrutura tem uma finalidade diferente. A apresentação atinge objetivos 23
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diversos do segundo ponto de virada. O mesmo se pode dizer do desenvolvimento dos dois primeiros atos, que é bem diverso. O ritmo do terceiro ato é geralmente mais rápido do que nos precedentes. É mais fácil reformular um roteiro após termos identificado e nos concentrado na apresentação, nos pontos de virada e na resolução.
A APRESENTAÇÃO Os primeiros minutos da história são os mais importantes. Muitos roteiros têm problemas justamente nestes primeiros momentos, por não apresentar a história de modo claro, por não se focalizar bem nela, ou até mesmo por apresentar tudo, menos a própria história. O objetivo da apresentação é passar aquelas informações vitais, de que precisamos para compreender a história. Quem são os personagens principais? De que trata a história? Onde se passa? Que tipo de história temos: uma comédia, um drama ou uma tragédia? A apresentação existe para nos dar pistas sobre a espinha dorsal da história, ou seja, a direção em que ela caminha. Começa focalizando a situação e traça uma linha de ação coerente. Ela dá impulso à história e ajuda a orientar o público, para que possa assistir ao espetáculo sem ficar o tempo todo se perguntando sobre o que o filme trata, ou o que os personagens estão fazendo, ou por que estão fazendo isto ou aquilo. Comece com uma imagem. Na maioria dos bons filmes, a apresentação começa com uma imagem. A primeira coisa que visualizamos é uma imagem que nos dá uma boa noção do lugar em que se passa o filme, do ambiente, da estrutura e, por vezes até do tema. A primeira imagem pode mostrar uma batalha espacial (como em Guerra nas Estrelas), ou um bando de gângsteres nas ruas de Nova York (Amor, Sublime Amor) ou uma jovem cantando nas colinas (A Noviça Rebelde), ou ameaçadoras estátuas de leões, guardando a entrada de uma biblioteca malassombrada (O Caça-Fantasmas). Filmes que começam com um diálogo, em vez de uma imagem, são geralmente mais difíceis de serem entendidos. Isto porque nossos olhos gravam mais rapidamente os detalhes do que nossos ouvidos. Quando uma informação importante é transmitida verbalmente, antes que o público tenha tido oportunidade de se habituar ao estilo, ao lugar e à parte sonora do filme, a audiência terá dificuldades em se lembrar dessa informação verbal. Conseqüentemente, podemos acabar não conseguindo fazer com que o público se envolva na história. Por isso, comece sempre com uma imagem, transmitindo um sentimento, a sensação do lugar em que se está. Procure dar uma idéia do ritmo e do estilo do filme. Conte o máximo possível através dessa imagem. Introduza o público no clima da história. Se possível, crie uma metáfora para o filme, apresentando o tema de modo simbólico, através das imagens mostradas nas cenas iniciais. Alguns dos filmes mais populares são lembrados por suas imagens vibrantes e inesquecíveis. 24
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Vamos analisar dois deles: A Testemunha e Uma Aventura na África. Os primeiros três minutos de A Testemunha são compostos praticamente só de imagens, acompanhadas por uma música de fundo. Vemos o seguinte: ■ Campos de cereais ondulando ao vento. ■ Pessoas da comunidade amish vestidas com suas tradicionais roupas pretas, andando em meio à plantação. ■ Carroças em movimento e o som do trote dos cavalos. ■ Uma casa de fazenda. ■ Um funeral. ■ Rostos. ■ As primeiras palavras que ouvimos são ditas em holandês. Depois de assistirmos esses primeiros minutos de A Testemunha, perguntamos a nós mesmos: O que estas cenas nos dizem? O que ficamos sabendo através dessas imagens? A Testemunha começa num ritmo que lhe é peculiar: lento e, ao mesmo tempo, lírico. Os primeiros momentos nos mostram esse povo simpático, que forma uma comunidade coesa e participativa. Um povo que vive no meio rural, o que fica evidente pelas imagens das plantações logo na primeira cena. Seu ritmo de vida é mais lento do que o dos habitantes das cidades. Sente-se claramente sua ligação com a terra e o forte vínculo que os une uns aos outros. Já nos primeiros minutos do filme, um tema começa a se tornar aparente: a comunidade. Com o desenrolar da história, a imagem da comunidade começa pouco a pouco a se formar, e vai surgindo o contraste entre seu ritmo de vida pacato e pacífico e o ritmo frenético e violento do mundo dos policiais. É digna de nota a ausência de diálogos nesta primeira parte. A imagem vai sendo construída, detalhe por detalhe, até que se tenha um quadro completo do cenário, do ritmo de vida, do clima e do contexto geral. Uma Aventura na África começa dando uma idéia do contexto com a seguinte informação inicial: “ Um povoado nativo situado numa clareira entre a floresta e o rio. Fim de manhã.” LONG SHOT — UMA CAPELA Luz intensa, muito calor, um silêncio profundo. De repente, ouve-se o som agudo de um órgão, duas vozes bem nítidas e o som abafado uma miscelânea de vozes, tímidas e arrastadas, entoando um hino: VOZES (cantando) “Guia-me, ó Grande Jeová..." 25
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INTERIOR DA CAPELA — AO LONGO DA CAPELA DESOLADA, A CONGREGAÇÃO, O PASTOR AO PÚLPITO E ROSE AO ÓRGÃO. PASTOR “Sou um peregrino nessas terras desertas..." O pastor de meia-idade, rosto anguloso, calvo, sua em bicas. É um homem muito esforçado, muito dedicado ao seu rebanho. Com voz anasalada, canta a plenos pulmões, tentando cravar as palavras no coração dos fiéis, como se fossem pregos. Batendo com as mãos no púlpito, tenta acelerar o ritmo que se arrasta sonolento: PASTOR “Eu sou fraco, tu és o Todo-Poderoso..." Rose aparenta ter uns trinta e poucos anos; feições compenetradas e cabelo preso... Aperta vigorosamente os pedais do órgão, enquanto, com os joelhos, manobra as alavancas de madeira que controlam o volume do som. Ao mesmo tempo, acompanha aflita a partitura do hino aberta à sua frente, tentando tocar as notas certas — está assoberbada. Ela também está cantando a plenos pulmões, bem alto... ROSE “Segura-me, Senhor, com tua poderosa mão..." (Neste momento da mais exaltada piedade eis que surge:) Uma coluna faiscante de fumaça e um som estranho, cada vez mais alto; um som meio rouco, alto e sincopado de um motor a vapor que já conheceu dias melhores. Os olhos desviam sua atenção do livro de hinos. CORTE PARA O INTERIOR DA CAPELA Aparece a figura do Pastor que, irritado, franze o cenho e canta ainda mais alto, tentando impor ordem no ambiente; mas a atenção está mesmo sendo desviada dos hinos. LONG SHOT - AFRICAN QUEEN A cena mostra um pequeno barco, o African Queen, cujo apito lança no ar um som de vapor, que repete mais uma vez, como que satisfeito. O barco mede cerca de 10 metros de comprimento, é pesado, tem um design deselegante e o casco achatado. Um toldo esfarrapado cobre cerca de 2 metros da popa. No centro do barco ficam a caldeira e o motor. Um toco de chaminé se ergue, passando pouco acima do toldo. NO SEGUNDO APITO CORTE PARA: PLANO EM MEDIUM CLOSE — ALLNUTT — EM SEU BARCO Allnutt está vestindo roupas brancas, gastas e encardidas. Descalço, senta-se meio recostado, fumando um charuto. Traz na cabeça um chapéu de palha todo roto e esburacado, meio inclinado, 26
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para se proteger do sol. Dois jovens negros o ajudam no barco. São tão altos, magros, e graciosos que até lembram fios de espaguete negro. Um deles, todo importante e atarefado, cuida do motor a vapor, que exige muita atenção. O outro abana ALLNUT, que aproveita a mordomia, contente e descontraído... O African Queen gira lentamente sua proa em direção à margem. A imagem continua mostrando todo o rebuliço provocado pela chegada do barco e a frustração do Pastor e de Rose, que tentam arduamente terminar o hino de modo digno, enquanto Allnutt se aproxima, fumando seu charuto e trazendo o correio. Vemos que a primeira imagem é rica em contrastes. Em apenas alguns minutos, fomos apresentados aos “negros convertidos " e aos “nativos cristianizados". Conhecemos também Rose e o Pastor, dois piedosos missionários brancos, que permanecem em franca oposição à figura de Allnutt, o homem branco pagão que, escarrapachado em seu barco, contrasta intensamente com a compenetrada Rose, toda perfilada na igreja. Reparamos que havia pessoas cantando e outras que não cantavam; vimos os “brancos civilizados” tentando impor sua ordem ao “povo primitivo". Este mundinho à parte é subitamente invadido por uma coluna de fumaça e um apito, que vão ligar esta região isolada aos problemas de uma guerra mundial. Procure um elemento catalisador. Depois que a imagem inicial introduz a história, precisamos começar a apresentar os principais personagens que farão parte da trama. Precisamos ter informações sobre a situação: Onde estamos? O que está acontecendo? E então precisamos de algum acontecimento para dar início à história. Isto é o que costumo chamar de elemento catalisador da história. O elemento catalisador é o que faz a ação da história começar. Alguma coisa acontece — uma explosão, um assassinato, uma carta que chega ou uma visita — e deste momento em diante, a história começa a se definir. A partir deste ponto, sabemos do que trata a história, qual será sua espinha dorsal. O elemento catalisador é como se fosse um primeiro empurrão que faz com que o roteiro se desenvolva. Algo acontece, alguém toma uma decisão. O personagem principal começa a agir, a história principia. Existem três tipos diferentes de elementos catalisadores. Os mais marcantes consistem naquelas ações específicas que dão início à história. No filme A Testemunha, um assassinato acontece, e John Book é chamado para solucioná-lo. Um fantasma é visto na biblioteca em O Caça-Fantasmas. Em Tubarão, alguém é morto por um tubarão. Às vezes o catalisador pode ser uma informação que o personagem recebe, e que nos fornece uma pista da história. Isto acontece muito nos Movies-of-the-Week, que frequentemente tratam de uma questão específica, ou de crimes e doenças. Por exemplo, uma senhora fica sabendo que está com câncer; um homem recebe uma promoção ou um casal descobre que nunca poderá ter filhos. Muitas vezes o elemento catalisador vem a ser uma situação, uma série de incidentes que se passam durante um certo tempo, e que nos remetem à história. Em De Volta para o Futuro, só 27
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ficamos sabendo que existe uma máquina do tempo após uns vinte minutos de projeção. Mas sabemos que um dos principais personagens é um cientista maluco. Sabemos também que Marty terá uma reunião com ele no Twin Pines Mall, e que este encontro é secreto e muito importante. Conforme a situação vai se definindo, ficamos cada vez mais curiosos e, no final do primeiro ato, a espinha dorsal da história torna-se evidente. Tootsie também tem um começo baseado numa situação. Sabemos que Michael é um ator desempregado, e que é uma pessoa com quem é difícil de se trabalhar. Ninguém quer empregá-lo por causa de seu gênio, apesar de ser um bom ator. Ficamos sabendo que há um ótimo papel disponível para uma atriz, numa novela. Essa situação é construída no decorrer do primeiro ato até que, ao seu final, descobrimos o rumo da história. E a partir daí ela está pronta para ser desenvolvida. Levante a questão central: A apresentação da história, entretanto, ainda não está completa. Apesar de as imagens terem nos orientado, e de o elemento catalisador ter colocado a história em movimento, ainda falta um outro ingrediente para podermos de fato começar a história. Toda história, num certo sentido, traz em si um mistério. Na apresentação, a história sugere uma pergunta que só será respondida no clímax. Geralmente somos apresentados a um problema ou a uma situação que exige uma solução. Esta situação ou problema desperta em nós algumas perguntas. Por exemplo, ao assistir ao filme A Testemunha, geralmente perguntamos: será que John Book vai descobrir quem é o assassino? Já no filme Uma Aventura na África, indagamos se os alemães vão continuar seu massacre impunemente e no filme Tubarão, perguntamos se Martin conseguirá pegar o tubarão. Uma vez levantada a questão central, tudo o que acontecer dali por diante vai ser relacionado a ela. Na maioria das vezes, a questão central encontra uma resposta afirmativa, quando a história atinge seu clímax. John Book consegue pegar os criminosos, Allnutt e Rose dinamitam o Louisae Martin pega o tubarão. No entanto, ficamos sem saber as respostas dessas perguntas até o final do filme. Podemos até tentar adivinhar qual será o desfecho, mas continuamos presos à história, e curiosos o tempo todo para saber o que vai acontecer. Uma vez que a questão central é definida, a apresentação termina e a história já está pronta para se desenvolver.
COMPONDO A AÇÃO DO PRIMEIRO ATO Quando a apresentação chega ao final, já se passaram provavelmente de dez a quinze minutos de exibição. É muito importante fazer uma apresentação curta, pois a audiência fica impaciente quando não consegue compreender o sentido da história nos primeiros quinze minutos. Evidentemente existem muitos filmes estrangeiros, e mesmo alguns americanos, que fazem a audiência esperar mais do que isto. Na realidade, quanto mais tempo demorar, mais aumenta o risco de se perder a espinha dorsal do tema e, com isto, da audiência não compreender seu rumo. Os filmes que não seguem esta regra, embora sejam muitas vezes filmes de arte, raramente alcançam 28
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sucesso de bilheteria. No entanto, acredito que é possível conjugar as duas coisas: fazer um filme de arte com um roteiro muito bem elaborado, sem que uma coisa prejudique a outra. Por isso, recomendo sempre uma apresentação curta, sem floreios, e de fácil compreensão. Esta apresentação será seguida pelo desenvolvimento do primeiro ato. Depois da apresentação, serão necessárias outras informações para nos conduzir na direção da história. Precisaremos saber mais sobre os personagens e vê-los um pouco em ação, antes de podermos acompanhar a sua evolução, no segundo ato. É provável que seja necessário conhecer um pouco da backstory dos personagens ou da situação em torno da qual se desenrola a história. De onde vem esse personagem? O que o motiva? Qual é o conflito central? Quem é seu antagonista? Para analisar o primeiro ato, precisamos compreender aqueles ele-nentos dramáticos mais importantes que nos preparam para o desenrolar da história. Podemos definir elemento dramático como sendo um único momento dramático ou um acontecimento dramático específico. Na música, o encadeamento de marcações ou cadências regulares forma o que chamamos de ritmo ou compasso. Conforme vamos encadeando mais marcações teremos um trecho de uma música, e depois uma melodia, até chegarmos a uma canção inteira. Com a arte dramática acontece da mesma maneira. Os elementos dramáticos mais importantes, quando reunidos, criam uma cena. Esses elementos dramáticos de uma cena somamse aos de outras cenas, criando um ato. Por sua vez, os elementos dramáticos principais de cada ato juntam-se as de outros atos, criando a história. No filme A Testemunha, foram necessários vários desses elementos dramáticos para definir a ação central do primeiro ato, a saber, a tentativa de identificar o assassino: ■ John Book mostra a Samuel um suspeito para identificação. ■ John consegue que Rachel e Samuel fiquem mais um dia. ■ John mostra a Samuel diversos suspeitos. ■ John mostra para Samuel fotos do arquivo policial. ■ Samuel vê a foto de McFee e o identifica como sendo o assassino. ■ John Book avisa o chefe de polícia, Paul Schaeffer. ■ McFee tenta matar John e John percebe que Paul está envolvido no assassinato. Estes elementos dramáticos não constituem o foco principal da história, mas nos preparam para o que virá a seguir.
POR QUE TER PONTOS DE VIRADA? Uma boa história é sempre interessante. Consegue prender o interesse do público devido a uma série de fatos imprevisíveis ou pontos de virada intrigantes, ou seja, certas mudanças que ocorrem no curso da ação até que esta atinja seu clímax. Se tivéssemos uma história completamente linear, isto é, que se desenvolvesse na mesma batida contínua, desde o primeiro impulso dado pelo 29
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elemento catalisador até chegar ao clímax, provavelmente perderíamos o interesse, e o foco da ação não ficaria bem claro. Embora ao longo de toda a história possa ocorrer uma série de mudanças ou pontos de virada, na estrutura em três atos existem dois pontos de virada que devem estar presentes para que a ação possa se desenvolver: um no começo do segundo ato, e o outro no começo do terceiro ato. Eles ajudam a mudar a direção da ação; novos acontecimentos se desdobram a partir desses pontos de virada; novas decisões acontecem. Como resultado desses dois pontos de virada, a história atinge seu momentum e mantém o foco da ação. Em geral, o primeiro ponto de virada ocorre na primeira meia hora de filme, e o segundo nos vinte a trinta minutos que precedem seu final. Cada um desses pontos tem várias funções: ■ Mudar o curso da ação rumo a uma nova direção; ■ Manter aceso o interesse pela questão central, fazendo-nos buscar uma resposta; ■ Ser, em geral, momentos em que o personagem principal toma uma decisão ou assume determinado compromisso; ■ Aumentar o envolvimento; ■ Fazer com que a história caminhe para o próximo ato, ■ Conduzir o público para uma nova parte da historia, passando-lhe a sensação de um novo foco para a ação. Um ponto de virada consistente assume todas essas funções, embora muitos deles o façam apenas parcialmente. O filme A Testemunha é um dos melhores exemplos de estrutura de roteiro bem ajustada, e seus pontos de virada são dos mais marcantes que podemos encontrar. O primeiro ponto de virada surge a trinta e dois minutos do início do filme, logo que John Book acaba de explicar para o chefe de polícia, Paul Schaeífer, que o menino identificara McFee. Schaeffer pergunta, então: “Quem mais sabe disso?" Book responde: "Só nós dois." Schaeffer sugere que esta informação seja mantida em sigilo. John Book vai embora, mas é emboscado, na garagem, por McFee. Quando se da conta de que foi baleado, vem-lhe à cabeça a pergunta de Schaeífer “Quem mais sabe disso?"— e a resposta que ele lhe dera — “Só nós dois.” Repare o que acontece nessa cena. Até esse momento, John vinha seguindo os procedimentos de rotina para encontrar o assassino. Ele investigara atentamente os suspeitos, havia examinado os arquivos de fotos da polícia, e parecia que sua busca tinha chegado ao fim. Paul dissera que cuidaria de tudo. A ação já estava praticamente no fim. Mas, com este ponto de virada, subitamente tudo muda de figura. Acompanhamos o desenrolar 30
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de uma ação drástica — McFee tenta matar John Book. Com esta ação, John compreende que Paul está envolvido no crime. A partir deste ponto, voltamos a nos indagar: “Será que John vai conseguir pegar o criminoso?" A resposta que antes parecia ser um “sim”, muda agora para “pode ser que nao". O risco aumenta novamente. John precisa deixar este lugar; ele tem que fugir. Sua vida, pela primeira vez, corre perigo, juntamente com as vidas de Rachel e de Samuel. Nesta hora, John precisa tomar algumas decisões: destrói os arquivos, leva Rachel e Samuel de volta para a fazenda e se esconde, até a situação se acalmar. No filme A Testemunha temos o exemplo de um ponto de virada que contém dois momentos dramáticos diferentes. O primeiro acontece quando John é baleado, e percebe que Paul é um assassino. Isto faz a ação mudar de rumo, e encerra o primeiro ato. No entanto, ainda é necessário outro momento dramático para passarmos ao segundo ato. Até esse ponto, a única coisa que sabemos é que John pretende fugir. A ação do segundo ato, com a sua conseqüente permanência na fazenda dos amish, ainda não começara. Ela se inicia quando John se recupera de seu ferimento e guarda seu carro no estábulo, tendo que se esconder na Fazenda Lapp. Pouco antes, a intenção de John era fugir, e o segundo ato poderia ter mostrado um homem escondido em algum hotel de segunda categoria. Em vez disso, John se vê forçado a permanecer numa fazenda amish, e o segundo ato se desenvolve em torno desse eixo. Em Tootsie, o primeiro ato mostra detalhes do personagem de Michael: seu talento como ator e professor de teatro, sua personalidade difícil, sua procura por trabalho. No primeiro ponto de virada, aos vinte e dois minutos de filmagem, Michael se transforma em Dorothy. A partir daí, o segundo ato se desenvolve explorando todas as mudanças, complexidades e situações inimagináveis, que decorrem dessa transformação de um homem em uma mulher. Em Uma Aventura na África, após cerca de trinta minutos de exibição, tendo Allnutt e Rose fugido rumo ao desconhecido, Rose tem a idéia de dinamitar o navio alemão Louisa e Allnutt finalmente concorda com ela. Esta decisão nos conduz ao segundo ato, que vai tratar justamente desta intenção.
O SEGUNDO PONTO DE VIRADA Depois de cerca de uma hora de desenvolvimento do segundo ato, há um segundo ponto de virada, que também muda a direção da ação, encaminhando a história para o terceiro ato. Ele exerce as mesmas funções do primeiro: ■ Mudar o curso da ação rumo a uma nova direção; ■ Manter aceso o interesse pela questão central, fazendo-nos buscar por uma resposta; ■ Ser, em geral, momentos em que o personagem principal toma uma decisão ou assume determinado compromisso; ■ Aumentar o envolvimento; 31
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■ Fazer com que a história caminhe para o próximo ato; ■ Conduzir o público para uma nova parte da história, passando-lhe a sensação de um novo foco para a ação. No entanto, o segundo ponto de virada tem uma função adicional: ele acelera a ação. Isto faz com que o terceiro ato seja mais intenso do que os anteriores. Ele traz um certo sentimento de urgência, um certo momentum, e conduz a história rumo a um desfecho. Muitas vezes o segundo ponto de virada funciona como se fosse uma “bomba-relógio”: “Muito bem, James Bond, você tem 6 horas antes de eu mandar Paris pelos ares!” Ou ainda: “Se você não fizer o que estou exigindo, em 24 horas vou te denunciar à polícia”. Ou quem sabe: “Eles vão chegar aqui ao meio dia para te pegar!” O segundo ponto de virada pode também ocorrer através de dois momentos dramáticos diferentes que, em geral, vêm a ser um “momento negro" seguido de um novo estímulo. Num filme de mistério, por exemplo, este momento negro acontece quando o detetive parece estar quase que desistindo de sua busca, por considerar o caso insolúvel. De repente, ele vislumbra uma solução, e a partir daí se inicia o terceiro ato, com a busca pelo vilão. Num filme de terror, o momento negro ocorre quando o cientista começa a perceber que jamais vai conseguir destruir o monstro. No entanto, poucos minutos depois, um novo plano infalível começa a se delinear. O filme Cocoon nos oferece um excelente exemplo de um ponto de virada dividido em duas partes. Logo que os velhinhos do asilo conseguiram drenar energia da piscina, Walter vê que um dos habitantes de Antares morre num dos casulos. Esta morte é um momento negro para Walter — coloca sua missão em perigo e aumenta os riscos envolvidos. Tudo parece perdido. Havia falhado em sua missão. Mas a ação ganha um novo estímulo cinco minutos depois. Grandpa oferece a ajuda dos aposentados para colocar os casulos de volta na piscina, mantendo-os a salvo para a futura viagem. Com esse novo estímulo — essa nova solução — o problema fica resolvido, o que nos conduz diretamente ao terceiro ato. No filme A Testemunha, o segundo ponto de virada acontece quando o esconderijo de John é descoberto, e Paul e McFee já sabem onde encontrá-lo. Esta descoberta ocorre em vários momentos dramáticos: ■ John fica sabendo que seu parceiro morreu, e diz a Paul que irá em seu encalço. ■ Quando alguns punks tentam agredir os amish, John se sente na obrigação de protegê-los. ■ Um policial que passa pela esquina reconhece o homem que Paul descrevera. Então, ele confidencia a Paul que John vive com Eli Lapp. O segundo ponto de virada ocorre no momento em que John dá um murro no punk. Este episódio, aliado ao fato de a polícia ter identificado John Book, faz com que a ação sofra uma reviravolta, o que nos leva até a cena do tiroteio, no terceiro ato.
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O GRANDE FINAL O clímax normalmente ocorre nas últimas cinco páginas do roteiro seguido por uma resolução que dá um desfecho a todas as situações pendentes. O clímax marca o fim da história: é o grande final. Este é o momento em que o problema é resolvido, a questão central é respondida, a tensão desaparece e sentimos que agora tudo vai dar certo. ■ John captura Paul e, com isso, percebemos que nada mais resta senão um adeus. ■ Marty “volta ao futuro”. ■ Tootsie é descoberto sob seu disfarce, mas consegue ficar com a garota. ■ Em Os Caça-Fantasmas, o fantasma grandalhão é capturado e, no filme Tubarão, Martin e Matt finalmente conseguem pegar o tubarão. Uma vez alcançado o clímax, a festa chega ao fim e é hora de ir para casa. Não há mais nada a dizer, e o melhor é não falar mais nada mesmo. Embora possa surgir a tentação de prolongar a história, de adicionar alguma informação ou outra imagem, na realidade, o melhor a fazer é admitir que a história terminou. Portanto, é hora de escrever simplesmente “FIM”. Além da clássica estrutura em três atos, existem outras formas de se estruturar um roteiro. Dentre elas, citamos dois métodos que podem ser usados na continuação do trabalho de estruturação de um roteiro: a seqüência de créditos e a cena central.
A SEQUÊNCIA DE CRÉDITOS Um filme pode começar de três maneiras. De acordo com a primeira delas, a maneira tradicional, o filme começa exibindo na tela uma relação das pessoas e empresas que participaram de alguma forma para aquela produção audiovisual. Esses créditos são exibidos por alguns minutos, para só então dar inicio a história. Sua forma de apresentação pode ser bem simples: letras brancas sobre um fundo preto ou vice-versa (como, por exemplo, nos filmes de Woody Allen). Também podem seguir o estilo clássico, bastante usado nos filmes anteriores à década de 50 (e também em outros filmes como Uma Janela para o Amor e A Idade da Inocência). Uma segunda maneira consiste em sobrepor os créditos às imagens e ações, geralmente em cenas sem diálogos (como nos filmes O Silêncio dos Inocentes, Tubarão, Atração Fatal). Dessa forma, o cineasta já apresenta algumas informações e uma boa dose de contexto junto com os créditos, antes mesmo de o filme começar. A partir da década de 1980, surgiu um terceiro modo de apresentação dos créditos: um número cada vez maior de filmes tem uma seqüência de cenas que antecede os créditos. Na maioria dos casos, são dois ou três minutos de montagem, ou uma a duas cenas curtas que são usadas para apresentar personagens ou mesmo um determinado contexto ou situação. Essas cenas iniciais são seguidas por uma tradicional seqüência de créditos (como em Amigos, Sempre Amigos) ou por créditos sobrepostos à ação (como em War Games). 33
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O uso de uma seqüência de cenas precedendo os créditos pode favorecer o trabalho de estruturação da história, pois permite que o roteirista comece sua abordagem de dois modos diferentes: primeiro, delineando uma determinada situação para, em seguida, apresentar os personagens. Por exemplo, no filme Os Caça-Fantasmas, a seqüência inicial anterior aos créditos nos apresenta ao fantasma da biblioteca. Em seguida, começam os créditos e, logo depois, os personagens principais são apresentados. Em Nos Bastidores da Notícia, os personagens a princípio são apresentados ainda crianças. Em seguida, vêm os créditos, e a história passa a mostrar os personagens já adultos, como jornalistas de televisão. Na maioria dos casos, essa seqüência de cenas anterior aos créditos é bem curta, tomando em média de dois a três minutos, embora, ocasionalmente, possamos ter seqüências longas. A seqüência inicial do filme War Games, por exemplo, dura sete minutos. O mesmo ocorre no filme Nascido em 4 de Julho. Nos dois casos, essas seqüências iniciais apresentam o contexto, mas a história de fato só começa depois dos créditos. Embora quase todos os executivos, produtores e diretores digam que os créditos não são assunto de sua alçada (e na maioria dos casos também não há razão para que os roteiristas se ocupem deles), existem casos em que os créditos passam a integrar a estrutura do filme. Nestes casos, torna-se necessário que o roteirista comunique esta estrutura para o editor e para os produtores. Nos últimos anos, o uso dos créditos tornou-se muito criativo. Um exemplo que chama a atenção nesse aspecto é a apresentação dos créditos do filme O Fugitivo, que é feita de forma intercalada nos primeiros onze minutos de filmagem. Primeiro, são mostrados alguns créditos junto com a cena do crime, filmada em câmera lenta, em preto e branco. Depois, os créditos passam a ser intercalados com as cenas da prisão e do interrogatório de Richard Kimble. Então, param de aparcer por alguns minutos, e recomeçam a ser mostrados depois que Kimble recebe sua sentença e é levado de ônibus para a prisão. Neste caso espcífico, os créditos ajudam a dar forma e movimento à apresentação do filme, dividindo-a em várias partes e imprimindo-lhe um ritmo rápido, que é característico desse filme.
A CENA CENTRAL A cena central acontece exatamente no ponto onde se espera que ela ocorra — mais ou menos na metade do roteiro. Syd Field, em seu livro Manual do Roteiro, fala que a cena central divide a história em duas partes, ao introduzir um acontecimento ou uma linha de diálogo que ajuda a estruturar o segundo ato. Tendo trabalhado como consultora em mais de 1.500 roteiros, e tendo utilizado muitos dos melhores filmes como exemplo em meus cursos, posso dizer o seguinte: nem sempre existe uma cena central; porém, quando ela existe, constitui-se num instrumento excelente para estruturar o segundo ato, tarefa que costuma ser bem difícil. Além de dividir o roteiro em duas partes, a cena central também divide ao meio o segundo ato. Ela imprime uma certa direção à primeira parte do segundo ato e muda essa direção, na parte final 34
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deste ato. No entanto, faz tudo isso sem deixar que o segundo ato perca seu foco geral, que por sua vez foi determinado pelo primeiro ponto de virada. Algumas das melhores cenas desse tipo são encontradas em filmes de mistério ou de suspense. No filme Atração Fatal, Alex conta que está grávida lá pela metade do filme. O segundo ato inteiro gira em torno da questão de como fazer para “se livrar de Alex”, mas essa cena central especificamente traz Dan de volta à vida dela, ainda que ele quisesse se afastar. No filme O Fugitivo, mais ou menos na metade do segundo ato, Richard Kimble consegue obter, por computador, uma informação sobre o homem de um braço só. Neste caso, a primeira metade da ação do segundo ato gira em torno da fuga para Chicago. Todas as cenas são basicamente cenas de perseguição. A segunda metade do segundo ato mostra Richard investigando o homem de um braço só e Sam Gerard investigando Richard. Embora o filme jamais deixe de mostrar que Gerard deseja encontrar Richard, essa investigação feita por Richard dá uma estrutura adicional ao segundo ato. Na cena central do filme O Silêncio dos Inocentes, Hannibal Lecter muda-se para Memphis, conseqüentemente mudando a direção da história no restante do segundo ato. A cena central em Tootsie mostra a fama cada vez maior de Dorothy, à medida que ela se torna a queridinha da audiência e da mídia e aparece em revistas de âmbito nacional. Muitos escritores acham um pouco confusa essa técnica de utilizar a cena central. Em meu trabalho de consultoria, descobri que muitos escritores confundem a cena central com o primeiro ponto de virada, e acabam desarticulando a estrutura normal, pois só começam o segundo ato depois de chegar à metade do roteiro. Entretanto, se o roteirista criar uma nítida estrutura em três atos, a cena central surgirá espontaneamente. Neste caso, durante o processo de reescrever seu roteiro, o roteirista conseguirá reforçar essa cena, imprimindo-lhe ainda mais foco.
O QUE ESTÁ ERRADO COM A ESTRUTURA? Raramente se vê um filme em que todos os atos sejam igualmente bem estruturados. Não é todo mundo em Hollywood que sabe estruturar bem um roteiro nem todo roteirista, por mais brilhante que seja, também é bom em trabalhar com estruturas. Em conseqüência disso, a maior parte dos filmes apresenta falhas em um dos três atos. Muitas vezes o problema está numa apresentação muito demorada, como acontece, por exemplo, em A Força do Carinho, embora o filme seja brilhante. Sua apresentação, longa e repleta de sutilezas, requer que o público tenha muita paciência, enquanto espera que a história comece. O mesmo ocorre em O Beijo da Mulher Aranha, que a princípio focaliza um personagem e uma imagem, e só apresenta o primeiro elemento catalisador, fora da tela (quando o personagem de William Hurt concorda em buscar informações de seu companheiro de cela), numa apresentação tardia, já há vinte minutos do início do filme. No cinema, você fica sentado e espera. São raras as pessoas que saem nos primeiros vinte minutos da sessão. No entanto, na televisão, uma apresentação 35
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muito demorada pode ser fatal — geralmente acaba numa troca de canal. Alguns filmes custam muito até chegar ao primeiro ponto de virada, fazendo com que a ação evolua muito lentamente no primeiro ato e acabe se concentrando no segundo, o que pode levar a audiência a perder o interesse. Foi justamente isso que aconteceu no filme Tempo de Despertar, que teve seu primeiro ponto de virada muito tardio (por volta de quarenta e três minutos de filme), e um segundo ato mais leve e concentrado. Há outros filmes que introduzem o segundo ponto de virada cedo ou tarde demais. No primeiro caso, isso força uma evolução mais lenta do terceiro ato; no segundo, faz com que haja falta de tempo para desenvolver adequadamente a tensão e o suspense que levam ao grande final. Existem também filmes com uma resolução tão longa que parece não terminar nunca. Mesmo depois de já se ter chegado ao clímax, a resolução ainda continua a se estender indefinidamente. Os filmes Passagem para a índia e A Cor Purpura foram muito criticados quanto a esse aspecto, pois tinham resoluções longas demais, com mais de vinte minutos. Quando isto acontece, o público não entende com clareza o final, ou sente que já viu o final, e fica se perguntando porque o filme não acaba. A Testemunha é um dos melhores filmes que se pode escolher para o estudo da estrutura. É claro, conciso, dá para perceber a passagem de um ato para outro, bem como acompanhar as mudanças na ação e no espaço. Poderíamos citar ainda outros filmes que também dariam bons exemplos para o estudo da estrutura: Os Imperdoáveis; O Fugitivo; Por Favor, Matem Minha Mulher; De Volta para o Futuro e Tootsie. Nestes, como em muitos outros filmes, os pontos de virada à primeira vista nem sempre são aparentes. Entretanto, o teste para estes ou quaisquer outros filmes é sempre o mesmo: se você se sentir preso ao filme durante toda a exibição, e não perder o interesse ou a dinâmica da história, pode estar certo de que o roteiro foi bem estruturado.
APLICAÇÃO Trabalhar na reestruturação de uma história é como escrevê-la novamente. Raramente os três atos já estarão bem delineados logo no primeiro esboço. O que costuma acontecer é que um ato sempre fica mais marcante do que os outros. Outras vezes o ponto de virada não está bem colocado, ou é muito fraco, prejudicando a passagem de um ato para o outro. Quando for analisar a estrutura de seu roteiro, faça a si mesmo estas perguntas: ■ Lembrei de começar com uma imagem? ■ Será que a imagem que escolhi dá uma idéia do estilo e do sentido da história? ■ Tenho um nítido elemento catalisador para começar a história? Este catalisador é forte e dramático o suficiente, e se expressa através de uma ação, como é o ideal? ■ A questão central está conduzindo minha história a um clímax? Essa questão ficou clara 36
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para a audiência? Os pontos de virada estão voltados para a questão central? ■ O primeiro ponto de virada está bem nítido? Ele conduz a ação para o segundo ato? O segundo ponto de virada também está claro? Ele introduz o clímax da história? ■ O clímax de minha história é um grande final? Será que minha resolução ficou boa, nem muito longa nem muito curta? Agora você acabou de reescrever seu enredo principal. Ele ficou consistente, dramático, dinâmico. Porém, dificilmente você terá um único enredo em seu roteiro. Portanto, o próximo passo importante será justamente trabalhar a integração dos enredos secundários.
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CAPÍTULO 3
QUAL É A FUNÇÃO DOS ENREDOS SECUNDÁRIOS? Um enredo secundário eficiente possui várias funções. A mais importante delas é acrescentar uma nova dimensão ao enredo principal. Durante o desenvolvimento normal da história, o protagonista está inteiramente voltado para a ação. São os enredos secundários que lhe dão a oportunidade de sentir o perfume das flores, de se apaixonar por alguém, de se dedicar a um hobby ou de desenvolver uma nova habilidade. Um bom enredo secundário dá impulso ao enredo principal, mudando, muitas vezes, sua direção, em função do efeito que exerce sobre ele. Em Tootsie, Michael poderia perfeitamente se contentar em continuar como Dorothy por mais uma temporada. Porém, ao se apaixonar por Julie, ele se vê forçado a mudar a direção do enredo principal, e começa a procurar uma oportunidade para revelar sua verdadeira identidade. No filme A Testemunha, o cuidado de John por Rachel, uma situação criada pelo enredo secundário, acaba por aumentar o interesse do enredo principal, na cena em que Paul aponta uma arma para a cabeça e Rachel. Um bom enredo secundário afeta a história principal não só por dar impulso ao enredo principal, mas também por se cruzar com ela. O enredo principal e o secundário são conectados entre si de várias maneiras. Por exemplo, a pessoa que desperta o interesse amoroso do protagonista no enredo secundário, pode ser também a testemunha de um crime no enredo principal. No filme Amargo Pesadelo, a prática da canoagem, elemento que integra o enredo secundário, passa a integrar o enredo principal ao se tornar um meio dos protagonistas escaparem do perigo por que estavam passando. Um bom enredo secundário engloba também o tema da história. No filme Sociedade dos Poetas Mortos, cada aluno representa um enredo secundário que ajuda a expandir o tema da criatividade versus o conformismo. No filme Feitiço da Lua cada enredo secundário traz uma faceta diferente do tema geral, o amor. Os enredos secundários podem tratar de praticamente qualquer assunto. Em geral, consistem numa história de amor que revela uma dimensão adicional dos personagens. Algumas vezes, servem para trazer à tona importantes temas individuais dos personagens relacionados à identidade, integridade, cobiça, amor ou autoconhecimento. O enredo secundário mostra por exemplo, as vulnerabilidades de um personagem. É comum encontrarmos filmes policiais em que o detetive tem que se enquadrar no perfil do valentão, sempre preparado para qualquer coisa. No entanto, através do enredo secundário que retrata seu relacionamento familiar, podemos perceber seu lado mais vulnerável. Muitas vezes, é através do enredo secundário que ficamos conhecendo os sonhos, objetivos e desejos dos personagens. É como se o personagem estivesse muito ocupado com a ação do enredo principal, e o enredo secundário lhe desse a chance de relaxar, sonhar, desejar e pensar em algo 38
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mais amplo do que o mero objetivo imediato de sua ação. O enredo secundário também pode nos mostrar a transformação de um personagem. Pode nos mostrar passo a passo o desenvolvimento de sua personalidade, auto-estima e autoconfiança. Com isso ele nos ajuda a ver por que e como um personagem se transforma. Não raro os enredos secundários são a parte mais interessante de um filme. No filme A Testemunha, o enredo principal é um tanto convencional. Com certeza, todos nós já vimos algo parecido, no mínimo umas cem vezes, nos filmes policiais que assistimos na televisão. O que torna a história única e lhe dá um toque de originalidade é justamente o enredo secundário que se desenvolve em torno da relação entre Rachel e John. É isso que nos faz lembrar do filme, o que mais nos emociona e o que desperta nosso interesse. Outro exemplo bem claro está no enredo secundário que mostra o relacionamento entre Rose e Allnutt, no filme Uma Aventura na África. O enredo principal trata de uma história de guerra, como tantas outras, e sobre a explosão de um navio. Já no enredo secundário, temos cenas memoráveis entre Charlie e Rose. Vemos as transformações dos personagens, suas revelações, e o desenvolvimento de seu relacionamento. É desta parte do filme que todos nos lembramos bem.
QUANTOS ENREDOS SECUNDÁRIOS SÃO NECESSÁRIOS? A maior parte dos filmes têm de um a dois enredos secundários. Alguns filmes chegam a ter cinco ou seis deles. Um filme sem enredos secundários corre o perigo de ficar monótono, sem dimensionalidade. No entanto, quando temos muitos enredos secundários, estes podem tornar o roteiro confuso e tomar parte do tempo necessário para o desenvolvimento das principais linhas de ação dramática da história (as linhas “ A”e “B”, por exemplo). Os enredos secundários servem para dar mais complexidade a uma linha de ação que esteja muito óbvia, muito trivial. No filme Tootsie, por exemplo, muitas das complicações do enredo derivam das intersecções, ou seja, dos momentos em que os enredos secundários se cruzam com a linha de ação dramática. A história parece estar se desenvolvendo numa certa direção, quando somos surpreendidos por um fato proveniente de um enredo secundário, que muda a sua direção. Uma dessas surpresas surge quando o pai de Julie se apaixona por Dorothy. Michael então se vê forçado a se desmascarar (ação que se desenrola ao nível da linha “A” de ação dramática) e, ao mesmo tempo, ver suas relações com Julie se complicarem (na linha “B”). Um outro enredo secundário, a amizade de Sandy com Michael, complica seu relacionamento com julie (na linha “B”). Por outro lado, o relacionamento de Julie com Ron, mais outro dos enredos secundários, interfere no relacionamento entre Julie e Dorothy, complicando a situação da linha “A” da história, em que Michael se faz passar por Dorothy. Um dos melhores filmes para examinarmos a complexidade dos enredos secundários em ação é Por Favor; Matem Minha Mulher, de Dale Launer. A história se torna cada vez mais complicada 39
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à medida que as várias linhas de ação vão alterando a direção do filme. Nada é como parece ser, tudo vai mudando, seja o relacionamento de Barbara (Bette Midler) com o marido Sam (Danny DeVito), sejam as intenções dos seqüestradores, seja as relações entre Sam e sua amante, que secretamente tem um outro amante, Earl. Cada enredo secundário que vai surgindo, muda a direção da história, criando situações imprevisíveis e cheias de humor.
A ESTRUTURA DOS ENREDOS SECUNDÁRIOS Assim como o enredo principal, todo enredo secundário tem começo, meio e fim. Um bom enredo secundário tem pontos de virada, uma apresentação bem clara, confrontação e uma resolução no final. às vezes os pontos de virada de um enredo secundário reforçam a linha do enredo principal, por acontecerem um pouco antes ou logo após os pontos de virada do enredo principal. Também podem acontecer separadamente, no meio do segundo ou do terceiro ato, por exemplo. Outras vezes, o enredo secundário só começa depois do primeiro ponto de virada do enredo principal. No filme Tootsie, o relacionamento entre Julie e Michael começa no primeiro ponto de virada do enredo principal. No filme O Fugitivo, o obstinado agente federal Sam Gerard só é apresentado no final do primeiro ato. Em O Passado Não Perdoa, Will Munny (Clint Eastwood) e Ned (Morgan Freeman) se associam no primeiro ponto de virada. Quase todos os filmes têm enredos secundários. O sucesso de muitos se deve justamente ao fato de saber explorá-los bem. Podemos citar três filmes que souberam explorar muito bem seus enredos secundários: A Testemunha, De Volta para o Futuro e Tootsie. Cada linha desses enredos secundários apresentava desafios específicos. Contudo, todos foram muito bem-estruturados, enriquecendo muito a história. A Testemunha fez uma exploração singular do enredo secundário. Ele ocupa um bom espaço do filme, e é tão importante que chega a se confundir com o enredo principal. Como você deve se lembrar, o enredo principal do filme se desenvolve em torno de uma questão central: será que John vai conseguir pegar o assassino? Esta linha do enredo é o que dá o momentum e tensão do filme. Entretando, o relacionamento entre John e Rachel, que domina a linha do enredo secundário, torna-se o foco do segundo ato. Depois, no terceiro ato, voltamos à linha original do enredo, que nos conduz à cena final do confronto entre John, McFee e Paul. O enredo secundário que mostra o relacionamento entre John e Rachel tem uma estrutura tão clara quanto à do enredo principal. A apresentação acontece durante o primeiro ato, quando Rachel e John se conhecem. O primeiro ponto de virada ocorre no começo do segundo ato, quando Rachel cuida dele e é correspondida, o que provoca uma mudança dos sentimentos de um em relação ao outro. A confrontação do enredo secundário se estende por todo o segundo ato, à medida que seu relacionamento vai se aprofundando nos cafés da manhã, quando dançam juntos, e durante a construção do celeiro. Um segundo ponto de rada ocorre quando se beijam, o que aumenta o envolvimento de seu relacionamento e traz novamente à tona a questão principal desse enredo secundário: será que Rachel e John ficarão juntos ou não? O clímax acontece quando John 40
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salva a vida dela, jogando fora sua pistola. A resolução ocorre quando ele parte. Neste enredo secundário que acabamos de descrever, os pontos de virada acontecem logo após os pontos de virada do enredo principal, no esquema abaixo, eu aponto os minutos em que tudo isso se passou d filme, embora no roteiro deste filme, como o de muitos outros, um minuto equivale a uma página. Se tivéssemos que fazer um esquema do enredo principal (história “A”) e do enredo secundário (história “B”), ficaria mais ou menos assim:
Este uso incomum do enredo secundário pode se tomar perigoso, principalmente se considerarmos que é precisamente o segundo ato que desenvolve o enredo e é o foco da história principal. Entretanto, nas mãos experientes dos roteiristas de A Testemunha, observamos as várias técnicas que foram usadas para manter o momentum no segundo ato, deixando-nos sempre conscientes do perigo que John corria (por meio da linha do enredo principal), mas, ao mesmo tempo, voltando o foco para o enredo secundário. Durante o segundo ato, somos cinco vezes levados de volta para a situação do enredo principal. Vemos cenas em que John telefona para seu parceiro, para perguntar se ele pode voltar. Depois vemos seu parceiro sendo interrogado por Paul. No final do ato, ficamos sabendo que o parceiro dele foi morto, o que força John a tomar uma atitude. No filme De Volta para o Futuro, a linha central do enredo gira em torno da máquina do tempo e do dilema de Marty, que ficou preso no passado. A questão central do enredo principal é uma só: será que Marty conseguirá voltar para o futuro? Assim, a estrutura básica do enredo é a seguinte: Apresentação: Marty encontra o Dr Brown no Twin Pines Mall para fazer um teste com sua nova máquina do tempo.(18’— lembre-se de que esta é uma apresentação voltada para a situação; por isso demora mais do que na maioria dos filmes).
Primeiro ponto de virada: Por engano, Marty volta ao passado. (30’)
Confrontação (Desenvolvimento da História): Marty e o Dr Brown precisam descobrir uma 41
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maneira de fazer Marty voltar para o futuro. Segundo ponto de virada: Marty e o Dr Brown se preparam para canalizar um raio. Eles acreditam que isso possibilitará que Marty volte para o futuro (76’)
Clímax: Marty volta para o futuro. (106’)
Como no filme A Testemunha, o enredo secundário do filme De Volta para o Futuro também trata de um relacionamento amoroso incomum, o romance entre Lorraine e George McFly. Através deste enredo secundário, os roteiristas puderam explorar temas referentes à determinação, tomadas de decisão e transformação pessoal. É como se tivéssemos uma história dentro da história. O enredo secundário se passa durante o segundo e o terceiro atos, quando Marty estava preso no passado, embora informações importantes desse enredo secundário já tenham surgido no primeiro ato. Por exemplo, no primeiro ato, ficamos sabendo como Lorraine conheceu George: o pai de Lorraine atropela George com seu carro. Também ficamos sabendo que a primeira vez que eles se beijaram foi quando dançavam “Enchantment Under The Sea" e que foi nesse momento que Lorraine soube que ficaria com George pelo resto da vida. Descobrimos também algumas características dos personagens, como o fato de Lorraine beber muito e de George ser um tanto displicente. A apresentação do enredo secundário começa logo depois que Marty volta para o passado. Primeiro, George conhece Lorraine, quando o pai dela o atropela. Mas, para Martin, algo não vai bem nessa reprise de cenas do passado, pois ele está colocando em perigo sua própria vida, ao interferir neste primeiro encontro. CENA EXTERNA: UMA RUA RESIDENCIAL — DIA MARTY dobra a esquina e vê A BICICLETA DE GEORGE encostada debaixo de uma árvore. Marty olha em volta, quando então vê GEORGE que está em cima da árvore, empoleirado precariamente num galho, que pende para o lado da rua, a uns quatro metros de altura. Ele está com um BINÓCULO, espiando pela janela do segundo andar de uma casa do outro lado da rua. MARTY não consegue ver direito o que está acontecendo, e se aproxima, para enxergar melhor. GEORGE focaliza melhor seu binóculo. A imagem mostra o P.D.V. (Ponto de Vista) de GEORGE através dos binóculos: Uma moça nua, que está se vestindo, é vista através da janela do segundo andar. MARTY olha incrédulo, quando percebe o que George está fazendo. 42
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MARTY Ele é um voyeur! P.D.V. de GEORGE: A moça chega perto da janela. GEORGE procura aproximar mais a visão, mas perde o equilíbrio e despenca na rua. MARTY observa GEORGE gemendo, e depois, tentando vagarosamente se levantar. Nesse momento, um carro aparece, virando a esquina. George não se dá conta, mas Marty percebe que o carro pode atropelar George. MARTY Papai! Cuidado! George ainda está aturdido. Marty se precipita pela rua e, num salto espetacular, o empurra para fora da trajetória do carro. Quando Marty está tentando se desviar, o carro dá uma guinada VINDO EM DIREÇÃO A ELE — ouve-se uma freada, e o carro acaba atingindo Marty! George, que nunca foi de se envolver com nada, foge, deixando Marty inconsciente, estirado no meio da rua. Esse incidente foi um azar para George, pois, em função dele, Lorraine fica conhecendo Marty, e não George. A história passa, então, a se desenvolver ao contrário do que se imaginava. Marty se vê forçado a representar o papel de cupido para seus pais. Precisa dar um jeito de fazer os dois dançarem juntos na festa, para que ele pudesse vir a nascer, no futuro. Infelizmente, George não é nenhum Don Juan. Ele resiste a todas as sugestões que lhe fazem para convidar Lorraine para dançar “Enchantment Under The Sea”. Então, Marty é obrigado a forçar a barra, criando assim a cena do primeiro ponto de virada do enredo secundário INTERIOR DO QUARTO DE GEORGE PAN SOBRE O ROSTO DE GEORGE. Ele dorme profundamente em sua cama. Neste momento, UM PAR DE MÃOS COM LUVAS coloca LEVÍSSIMOS FONES DE OUVIDO nas orelhas de George. AS MESMAS MÃOS inserem uma fita cassete intitulada “VAN HALEN” num Walkman. Um dedo gira o botão do volume para o nível “10”e pressiona a tecla “PLAY”. GEORGE acorda, gritando! Abre os olhos e fica ainda mais aterrorizado com o que vê: UM ASSUSTADOR MONSTRO AMARELO... Marty, com sua roupa à prova de radiação... aos pés de sua cama! Marty desliga a música. Quando fala, sua voz sai distorcida pelo filtro do capacete, que fica na altura da boca. Uma janela aberta indica por onde ele entrou. 43
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MARTY Silêncio, terrestre! GEORGE Quem é você? MARTY (Imitando Darth Vader) Meu nome é Darth Vader. Eu sou um alienígena do Planeta Vulcano! GEORGE Eu devo estar sonhando... MARTY Silêncio, eu estou recebendo uma transmissão da Battlestar GalactiCa! Você, George McFly, criou uma controvérsia na continuidade do tempo-espaço. Por isso o Supremo Klingon te ordena que leve a terrestre do sexo feminino chamada “Baines, Lorraine” para um local conhecido como Hill Valley High School, em exatamente quatro ciclos terrestres, a partir de agora, isto é, no sábado à noite, em sua linguagem. GEORGE Você quer dizer, levar Lorraine ao baile? MARTY Afirmativo. GEORGE Mas, eu não sei se vou conseguir... MARTY LIGA O WALKMAN novamente. GEORGE GRITA! E então concorda em levar Lorraine ao baile! No segundo ato, o enredo secundário continua, girando em torno dos esforços de George para sair com Lorraine — sendo que nada dá certo, pois ela está mais interessada em Marty. Finalmente, Marty bola um plano que se torna o segundo ponto de virada do enredo secundário, e que acaba finalmente levando ao beijo, quando dançam juntos “Enchantment Under The Sea”. EXTERNA: O QUINTAL DA CASA DE GEORGE — DIA (…) MARTY Talvez seja melhor estudarmos novamente nosso plano. Onde é para você estar às 8:55h? 44
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GEORGE No baile. MARTY E eu, onde eu devo estar? GEORGE No estacionamento, com ela. MARTY Muito Bem! Então, lá peias 9 horas ela vai ficar brava comigo. GEORGE Mas, por que? Por que ela ficará brava com você? MARTY (É difícil para ele dizer o motivo) Bem.. .porque.. .bem, as moças direitas ficam bravas com os rapazes que... tentam se aproveitar delas... GEORGE Quer dizer que você vai — você vai tentar tocá-la naquele lugar!? MARTY George, fique sossegado, vou estar apenas representando. Não se preocupe com isso. Só se lembre que às 9 horas você vai estar passando pelo estacionamento, e vai ver a gente (Marty engole seco, com dificuldade para continuar a falar...)bem, vai ver a gente se atracando dentro do carro. Então você vai correr para acudir Lorraine, abrir a porta e dizer o que... ? George não responde nada… MARTY Sua fala, George... George Bem... "Ei! Você aí! Tire suas mãos sujas de cima dela!”Você mesmo que devo xingar? MARTY Claro, George! Claro que você tem que xingar e em seguida você vai me dar um soco no estômago, me deixar na lona, e então você e Lorraine viverão felizes para sempre. Nesta cena sentimos o tom de urgência e a energia que vão sendo construídas à medida que Marty se prepara para voltar ao futuro, depois de ter se assegurado de que seus pais já tinham se beijado, no baile. O clímax do enredo secundário é esse beijo e a resolução ocorre logo após, com a partida de Marty. 45
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INTERIOR QUADRA DA ESCOLA — BASTIDORES DO PALCO — NOITE LORRAINE Marty, espero que você não se importe, mas George perguntou se ele podia me levar para casa. (...) GEORGE Marty, será que ainda vamos te ver? MARTY Claro, pode ter certeza! (…) MARTY Por falar nisso, se algum dia vocês tiverem um filho, e ele fizer um buraco no tapete, quando já tiver uns nove anos de idade, por favor, não fiquem muito bravos com ele, está bem? Dito isso, Marty parte para seu caminho de volta para o futuro. Se resolvêssemos fazer um resumo da linha desse enredo secundário, chegaríamos a algo assim: Primeiro ato: George não conhece Lorraine, por isso Marty precisa dar um jeito de provocar esse encontro. Nada parece dar certo. George não convida Lorraine para sair. Primeiro ponto de virada: Marty se veste como um ser espacial para assustar George e obrigá-lo a convidar Lorraine para ir ao baile. (47’)
Segundo ato: George tenta se aproximar de Lorraine, mas ela só se interessa por Marty.
Segundo ponto de virada: Marty e George bolam um plano: George vai “salvar” Lorraine do assédio de Marty. (73’)
Terceiro ato: Apesar de alguns tropeços, o plano funciona.
Clímax: George e Lorraine se beijam. (86’). (Preste atenção: o clímax desse enredo secundário acontece pouco depois do segundo ponto de virada da história da história “A”, ou seja, da história do enredo principal).
Resolução: Marty se despede.
O ponto de encontro do enredo secundário (a história "B") com o enredo principal (a história "A") pode ser esquematizada assim:
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Este enredo secundário é único, pois tem uma dupla apresentação e uma dupla resolução. De um lado, o enredo secundário sobre o passado tem começo, meio e fim bem nítidos: George e Lorraine se conhecem, o relacionamento vai sendo construído e eles terminam juntos. No entanto, esse enredo secundário é enquadrado pelo presente. No primeiro ato, antes de Marty voltar ao passado, os personagens de George e Lorraine são apresentados. Quando ele volta ao presente, vemos a resolução do segundo enredo secundário. Marty os transformou com a sua presença, e percebemos que houve uma mudança perceptível no casal. Na segunda resolução, George e Lorraine têm uma linda casa, Biff trabalha para George e George acaba de publicar seu primeiro livro de ficção científica. Que grande mudança! No filme Tootsie, vemos um exemplo de uma das mais complexas utilizações de enredos secundários. Embora a maioria dos filmes empregue, no máximo, três enredos secundários, Tootsie faz uso de cinco deles. Temos o enredo secundário de Michael e Julie; o de Michael e Sandy; o de Michael e Les; o de Michael e Brewster e finalmente, o de Julie e Ron. Cada um deles, de algum modo, tem algo a dizer sobre dois temas: amor e amizade. Cada um tem uma estrutura própria e se desenvolve a partir da linha do enredo principal, ao mesmo tempo em que se cruzam com ela. Vamos analisar primeiro um enredo secundário de cunho romântico, que mostra a relação amorosa entre Julie e Michael. Os pontos principais desse enredo secundário são os seguintes: Apresentação: Michael (disfarçado de Dorothy) encontra Julie em seu primeiro dia de trabalho, e se sente atraído por ela. (21’) Primeiro ponto de virada: Julie o convida para jantar. Começa daí uma amizade. (46’) Confrontação do enredo secundário: Eles se tornam amigos e viajam juntos. Conversam bastante e Dorothy consegue convencer Julie a romper com Ron. Dorothy ajuda Julie a tomar conta das crianças. Segundo ponto de virada: Dorothy tenta beijar Julie (84’). Confrontação: Julie se recusa a ver Dorothy. 47
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Clímax: Michael diz: “O pior já passou.” Eles se tornam amigos. Agora eles podem continuar com seu relacionamento. Passam a viver juntos. (110’) Note como a linha do enredo secundário é completamente diferente da estrutura da linha do enredo principal. Veja abaixo a estrutura da linha do enredo principal: Apresentação: Michael não consegue arrumar emprego. (18’ — Note que se trata de uma apresentação voltada para a situação, como no filme De Volta para o Futuro).
Primeiro ponto de virada: Michael consegue um emprego, como Dorothy. (20’)
Confrontação: Michael se torna um grande sucesso.
Segundo ponto de virada: Michael tenta romper seu contrato, mas o sucesso de Dorothy é tamanho que ninguém aceita a idéia do rompimento. (76’)
Clímax: Dorothy tira seu disfarce e revela sua verdadeira identidade como Michael. (104')
Perceba como o enredo secundário romântico da uma dimensão à linha original do enredo. O romance é a razão que leva Michael a querer quebrar seu contrato. Ele está apaixonado e, portanto, não quer mais continuar se disfarçando de mulher. Em Tootsie, o segundo ponto de virada do enredo ocorre logo depois da cena de onze minutos em que Michael se apaixona por Julie. Em consequência disso, ele fica desesperado para acabar com sua farsa Mas descobre que está totalmente amarrado a seu contrato. Este fato aumenta ainda mais seu desejo de expressar seu amor por Julie, o que acaba levando ao segundo ponto de virada da história, quando tenta beijar Julie. Depois disso, como Julie decide não vai mais se encontrar com Dorothy (ela não é “este tipo de mulher”), Michael se vê forçado a descobrir um meio de sair dessa enrascada. Isso nos leva ao clímax do enredo principal (o fim do disfarce), que, por sua vez, desencadeia o clímax do enredo secundário e, ao mesmo tempo, sua resolução (Michael e Julie ficam juntos). Como dá para perceber, há um movimento de oscilação constante entre o enredo principal e o enredo secundário. Sem esses pontos de encontro entre o enredo principal e o secundário, este último pareceria irrelevante, e ficaria solto, totalmente separado da linha de ação dramática. O enredo de Tootsie se baseia em complicações. Os enredos secundários são acrescentados, um após o outro, com o intuito de complicar cada vez mais a linha de ação dramática que mostra “Michael disfarçado como Dorothy”. Com certeza, do ponto de vista de Michael, conseguir trabalhar como atriz parecia ser a solução ideal para seus problemas. Ele conseguira um emprego no qual poderia expressar seus talentos naturais. Porém, em vez disso, essa solução aparentemente ideal acabou complicando ainda mais sua vida. Todos os enredos secundários decorrem dessa estranha decisão de se disfarçar de mulher para conseguir um emprego. Cada um desses enredos mostra uma dimensão diferente dessa situação, além de desenvolver a temática do amor. Já que chamamos de “B” o enredo secundário de Michael e Julie, podemos chamar de “C” o 48
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enredo secundário de Michael e Sandy; de “D o enredo de Michael e Les; de “E” o enredo de Michael e Brewster e, finalmente, de “F”, o de Julie e Ron. Analisando-os separadamente, observaremos as seguintes estruturas:
Enredo secundário C: Michael e Sandy
(Este enredo secundário refere-se ao relacionamento entre Michael e sua amiga Sandy, uma pessoa bastante insegura. Ela também é atriz e Michael, um ator mais experiente, tem lhe dado algumas orientações sobre a carreira, além de encorajá-la em suas entrevistas. Enfim, há muitos anos tem sido um grande amigo, mas sem qualquer interesse romântico). Apresentação: Mostra a amizade de longa data entre Michael e Sandy, ao retratá-los em diferentes ocasiões, como na festa de aniversário ou na cena em que Michel prepara Sandy para uma entrevista. (6’) Primeiro ponto de virada: Michael e Sandy fazem amor, o que altera o relacionamento anterior, e coloca em perigo a amizade que existia entre os dois. (31') Confrontação: Sandy se sente cada vez mais insegura. Ela convida Michael para jantar e o questiona sobre seu comportamento. Segundo ponto de virada: Sandy descobre que Michael está apaixonado por outra mulher, e termina seu relacionamento com ele. (94’)
Clímax: Sandy estréia numa nova peça e reata sua antiga amizade com Michael. (106’).
Enredo secundário D: Michael e Les (Les é o pai de Julie. Ele é viuvo e se apaixona por Dorothy.)
Apresentação: Les conhece Dorothy. (42’)
Primeiro ponto de virada: Les começa a gostar de Dorothy. (63’)
Confrontação: Eles cantam juntos na visita que Dorothy faz à fazenda, com Julie. Les convida Dorothy para dançar.
Segundo ponto de virada: Les pede Dorothy em casarnento (86')
Clímax: Michael devolve o anel para Les. (109’)
Resolução: Les perdoa Michael.
Enredo secundário E: Michael e Brewster
(Brewster é um mulherengo. Ele faz o papel de médico na novela da qual1 Michael participa, e está decidido a fazer amor com Dorothy).
Apresentação: Michael é alertado sobre Brewster e sua mania de assédio sexual. (34’)
Primeiro ponto de virada: Brewster começa a sentir atração por Dorothy. (40’)
Confrontação: Eles trabalham juntos. Dorothy procura evitar Brewster, mas ele tenta beijála durante as cenas. 49
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Segundo ponto de virada: Brewster faz uma serenata para Dorothy e tenta seduzi-la. (88’)
Clímax: Michael revela seu disfarce e Brewster percebe que Dorothy não é uma mulher. (104’) Enredo secundário F: Julie e Ron (Ron é o diretor da novela. Ele sai com Julie — e com muitas outras mulheres, sem que ela saiba disso).
Apresentação: Mostra que Julie e Ron estão saindo juntos. (34')
Confrontação: Michael percebe a forma desdenhosa com que Ron trata Julie.
Climax: Julie decide terminar com Ron, depois que Dorothy lhe dá umas lições de autoestima. (79') Embora o enredo secundário B seja o principal e precise de uma estrutura mais forte para se desenvolver ao longo de toda a trama central, os outros enredos secundários são, às vezes, mais equilibrados, mesmo sem terem o foco tão voltado para sua estrutura e seus pontos de virada. É comum que esses enredos secundários, menos importantes (como a história de Ron e Julie), não necessitem mais do que umas poucas pinceladas para serem criados e postos em foco, de modo que possamos notar sua influência sobre a história principal. Como no filme Tootsie, muitas outras tramas têm vários enredos secundários. É comum ouvir falar na história “A” (que se refere sempre ao enredo principal) e também na história “B”, “C” e “D” (que dizem respeito aos enredos secundários). Em muitos seriados de televisão, os enredos secundários são parte integrante do próprio formato. A história “A” (ou seja, o enredo principal), pode ser a história de um mistério a ser solucionado (nos seriados de detetives) ou retratar uma situação engraçada (no caso das comédias e sitcoms). Já a história “B” (o enredo secundário principal), em geral, é mais pessoal e pode girar em torno do relacionamento de certos personagens como, por exemplo, de um personagem coadjuvante que se apaixona ou enfrenta algum tipo de problema com os filhos. A história “C”, na televisão, em geral é criada para acrescentar um toque de humor ao enredo. Pode mostrar alguma confusão que aparece na hora de pintar a casa, de reformar o escritório ou de adestrar o cachorro. Ocasionalmente, pode existir uma história “D”, usada com o intuito de aumentar ainda mais a dimensão do enredo. Costuma girar em torno de algum personagem secundário ou alguma outra história de menor importância. Se as linhas dos enredos secundários forem cuidadosamente trabalhadas, um bom filme será capaz de suportar um grau significativo de complexidade, podendo trabalhar ao mesmo tempo com três a sete enredos secundários. Entretanto, se a história tiver muitos enredos secundários que estejam mal integrados, acaba se tornando confusa, sem foco e sobrecarregada com o excesso de eventos que acontecem simultaneamente.
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PROBLEMAS COM OS ENREDOS SECUNDÁRIOS Os enredos secundários são responsáveis por vários dos problemas que aparecem nos roteiros. Alguns filmes fracassam em decorrência da falta de integração dos enredos secundários. Esses problemas são de diversos tipos. Muitas vezes falta estrutura ao enredo secundário, e ele caminha sem rumo e sem foco, desorientando o público a ponto de este não saber do que história trata, ou o que, afinal, está acontecendo. Esse problema, em certos filmes, deve-se ao fato de o enredo secundário não se encontrar com o enredo principal e, com isso, ficar parecendo que não tem nada a ver com a história. Embora o enredo secundário possa até ser interessante, fica solto, sem conexão, não se integrando aos acontecimentos da história principal. No filme Um Lugar no Coração, o enredo secundário que mostra a história de Vi e Wayne foi muito criticado, justamente por esse motivo. Quando se assiste ao filme, a gente percebe que o caso de amor entre Vi e Wayne tem muito pouco a ver com a história de Edna. Embora o enredo secundário tenha alguma relação com o tema em geral, parece ser uma história que corre em separado do restante do filme. Alguns filmes têm problemas devido ao mau posicionamento do enredo secundário. Em vez de se desenvolver ao longo do enredo principal ou de se entrelaçar a ele de tempos em tempos, alguns enredos secundários são mostrados antes da trama principal. Em decorrência disso, a linha do enredo principal só surge bem depois do ponto em que a audiência já estava convencida de que o enredo secundário era a história principal. Esse é o caso do filme Entre Dois Amores, cujo enredo secundário, que conta a história de Bror e Karen, é mostrado quase que na íntegra, antes que a história principal de Karen e Denys realmente comece a se desenrolar. Isto pode confundir e desorientar o público. No caso do filme Entre Dois Amores isso ocasionou inúmeras críticas, que diziam que o personagem de Robert Redford tinha aparecido muito tarde no filme. Houve muitos comentários de espectadores do tipo: “Gostei do filme, mas levei muito tempo para entender o que se passava”.
APLICAÇÃO Quando estiver trabalhando com o enredo secundário, procure separá-lo da linha de ação principal, para ter uma idéia clara de como ele esta funcionando. Se voce não estiver conseguindo perceber qual é a história "A" e qual é a história "B", pergunte a si mesmo: “De onde vem o movimento da história? Onde se concentra a maior parte da ação?” É bem provável que esta seja a linha de seu enredo principal. Pergunte em seguida: “Qual é o meu tema? O que eu quero transmitir? Quais são as linhas principais que estão me ajudando a transmitir essa mensagem ao público?” As respostas a essas perguntas irão me mostrar quais são as linhas dos enredos secundários. Ao fazer a separação entre as linhas dos enredos secundários e a linha do enredo principal, você 51
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consegue ver como estruturou cada uma delas. Procure encontrar a apresentação do enredo secundário. Deixe claro o que acontece em cada um dos três atos. Geralmente, a estrutura do enredo secundário é a mais difícil de visualizar. Para isso, talvez você precise descobrir o ponto de confrontação do enredo secundário. Quando conseguir traçar esta linha, procure traçá-la de volta ao princípio da sua história. Provavelmente este é o primeiro ponto de virada. Depois, procure localizar o próximo ponto de virada. Existe algum ponto onde o enredo secundário se torna mais urgente ou mais intenso? Se houver, é aí que se encontra o segundo ponto de virada. Procure assegurar-se de que, quando o clímax do enredo principal acontecer, os clímaces dos enredos secundários ocorram logo a seguir. Uma das principais tarefas de um roteirista é fazer com que o enredo secundário funcione. Quando for reescrever seu roteiro e estiver tentando condensar as idéias e deixá-las mais claras, faça as seguintes perguntas: ■ Este enredo secundário é realmente necessário? Acrescenta algo à história? Em algum ponto ele se encontra com a história ou lhe dá uma nova dimensão? ■ Quantos enredos secundários eu tenho em meu roteiro? Caso eu tenha mais de três ou quatro, seria possível cortar algum deles, para concentrar mais o foco no enredo principal e nas histórias "B" e "C"? ■ Meus enredos secundários têm uma estrutura clara? A apresentação, os pontos de virada e o clímax estão bem nítidos, sobretudo nos principais enredos secundários, isto é, nas histórias “B” e “C"? ■ A resolução do enredo secundário está ocorrendo perto do climax do enredo principal? Se seu enredo secundário estiver bem estruturado, se der dimensão à história e conseguir cruzar com o enredo principal em algum ponto, com certeza ele vai funcionar bem e vai ajudá-lo, no decorrer do filme a dizer o que você pretende. Agora, seu maior desafio é manter o roteiro movimento, principalmente no segundo ato, um dos mais difíceis.
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CAPITULO 4
O SEGUNDO ATO: COMO MANTÊ-LO EM MOVIMENTO O segundo ato às vezes parece interminável. Para quem escreve, ele representa a necessidade de manter a história em movimento, durante quarenta e cinco a sessenta páginas. Para quem vai ao cinema, um segundo ato mal trabalhado se transforma na hora do cochilo, de sair para comprar pipoca, ou de jurar que nunca mais se arriscará a assistir um filme deste maldito cineasta. A maior parte dos problemas do segundo ato decorre de um momentum insuficiente e da falta de foco. O filme parece não sair do lugar! E a pior parte é que não estamos bem certos do que está acontecendo nem do porquê. Estes problemas, todos correlacionados, surgem porque o filme se desvia da espinha dorsal da história. Em geral, o que acontece é que a inclusão de certas cenas desconectadas da história acabam deixando o filme confuso e lento. Ou então os personagens ficam só falando o tempo inteiro, em vez de interpretar seus papéis. Uma outra hipótese é que a história esteja se desenrolando muito depressa, ou muito devagar, por falta ou supressão do ritmo. Uma apresentação e confrontação bem definidas no primeiro ato são fatores que ajudam muito a deixar o segundo ato mais claro. Um primeiro ponto de virada impactante também ajuda bastante a manter o segundo ato em movimento. Mas serão necessários outros elementos para que o segundo ato consiga prender a atenção da audiência por uma hora ou mais.
O QUE É 0 MOMENTUM DO ROTEIRO? O momentum ocorre quando uma cena conduz à outra, e assim por diante, ou seja, uma cena implica no desenvolvimento da próxima. Uma outra forma de expressar o que é momentum seria dizer que as sementes de uma cena estão contidas na cena anterior. E assim, quando todas as cenas estão interligadas numa relação de causa e efeito, cada cena leva a ação adiante aproximando-nos cada vez mais do clímax. É evidente que esta é uma forma bem simplificada de descrever algo bem mais complexo. Também é certo que algumas cenas contêm apenas pequenos pontos da história, e podem, ao contrário, concentrar mais seu foco em algum enredo secundário ou na revelação de algum personagem. Naturalmente, se todas as cenas nos impelissem para frente, numa linha reta, sempre avançando em direção ao clímax, a história ficaria sem sutilezas, sem dimensão. No entanto, por ora, peço que pense no momentum como algo que resulta das cenas de ação e reação. A medida que formos analisando idéias e personagens, iremos pouco a pouco incorporando mais complexidade aos conceitos. Podemos notar essas relações de causa e efeito nos bons filmes. Vamos analisar o final do 53
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primeiro ato do filme A Testemunha, onde é possível notar um forte momentum ocorrendo de uma cena para outra. O ritmo se move mais ou menos da seguinte forma: • Samuel aponta McFee como o assassino. • Em conseqüência, surge a cena seguinte: • John Brook visita Paul, e conta o que descobriu sobre McFee. Paul lhe recomenda que mantenha sigilo a respeito deste assunto. • Isto provoca a reação de John: • John volta para seu apartamento, onde é alvejado por McFee. Ele então percebe que Paul é um dos assassinos. • Em conseqüência deste tiro, John agora toma uma nova atitude: • John pega Rachel e Samuel, pede emprestado o carro de Elaine? e se dirige para a fazenda dos amish. • Isto conduz à cena seguinte: • Devido ao seu ferimento, John desmaia. Isto leva ao segundo ato, quando então John se esconde na fazenda dos amish. Note como cada cena está interligada com a cena seguinte. É este o momentum que continuamente empurra a história para adiante.
O PONTO DE AÇÃO DRAMÁTICA As ações que movem a história para adiante são chamadas de pontos de ação dramática. Um ponto de ação dramática é um evento dramático que causa uma reação. Normalmente, esta reação provoca uma nova ação. Como esta é uma ação dramática e visual (ou seja, uma ação que não se limita a ser expressa por meio de diálogo), ela move a história para frente. Podemos definir um ponto de ação dramática como sendo uma ação que exige resposta. Em Tootsie, Michael fica sabendo, através de Sandy, que há uma oferta de emprego numa novela de televisão (ação). Ele se veste de mulher e vai fazer a entrevista, concorrendo à vaga (numa reação à informação obtida na cena anterior). O diretor contrata Michael (ação). Por causa disto, ele conhece Julie e imediatamente se sente atraído por ela (reação). O interesse é mútuo e faz com que Julie convide Dorothy para jantar (ação), o que, por sua vez, faz com que Dorothy/Michael comece a se apaixonar por Julie (reação). Observe que a ação é sempre visual, dramática e forte o suficiente para exigir algum tipo de resposta. Poderia haver outras ações e reações que poderiam ter causado uma seqüência de eventos totalmente diferentes desses. O que importa aqui é o fato de que existe um encadeamento das cenas. Elas não são ocasionais; cada cena nasce da anterior, formando assim um todo compacto que se move para frente, em direção ao clímax. 54
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Embora os pontos de ação dramática possam ser usados em qualquer ato, são particularmente importantes no segundo ato, quando o roteiro precisa da maior quantidade possível de momentum, pelo maior período de tempo. Existem vários tipos de pontos de ação dramática que podem ser utilizados. Já estudamos os pontos de virada, que são pontos de ação dramática que ocorrem no final do primeiro e segundo atos. Já vimos também a cena central, um ponto de ação dramática que ocorre bem no meio do roteiro. Outros pontos de ação dramática são o obstáculo, a complicação e a reversão de expectativa.
O OBSTÁCULO Em muitos filmes, observamos um personagem que tenta fazer alguma coisa — tal como seguir uma pista, ou executar uma determinada ação — mas isto parece não dar certo, pois não leva a lugar algum. Isso acontece porque o personagem encontrou um obstáculo. É como se ele tivesse se deparado com um muro: não lhe resta outra saída a não ser mudar de direção e tentar outro tipo de ação. O obstáculo é um ponto de ação dramática porque obriga o personagem a tomar uma decisão, agir de outro modo ou a tomar um outro rumo. Note como o obstáculo funciona: ele interrompe a ação por um instante, até que o personagem contorne o obstáculo e tente continuar por outro caminho. A história não se desenvolve a partir de um obstáculo mas sim da decisão provocada por ele de se tentar uma outra ação. Por exemplo, se eu fosse uma vendedora e batesse na porta de alguém para tentar vender meu produto, e o cliente me dissesse “nao”, eu teria encontrado um obstáculo pela frente. Então, eu bateria em outra porta, numa nova tentativa, e outro cliente me diria “não”. Eu teria me deparado com mais um obstáculo. Finalmente, eu bateria numa terceira porta e alguém compraria meu produto. Graças a esta venda, pude terminar mais cedo o trabalho e sair para comemorar com meu chefe. Durante a comemoração, fui promovida, ganhei uma sala para trabalhar e agora não preciso mais sair pelas ruas a bater de porta em porta. Por este exemplo, podemos ver que os obstáculos levaram à continuidade da ação, mas a verdadeira confrontação, o verdadeiro momentum resultaram da última ação, quando o obstáculo já havia sido superado. No filme Tubarão vemos um bom exemplo de como funcionam os obstáculos, quando Martin, Matt e Quint tentam pegar o turbarão assassino: ■ Primeiro, Quint tenta fisgar o tubarão com sua linha de pesca. O tubarão é esperto, e se esconde debaixo do barco, até arrebentar a linha. ■ Depois, com um arpão, tentam fisgar o tubarão, que foge em disparada. ■ Em seguida, tentam usar uma gaiola para tubarões, mas o tubarão a destrói. ■ Finalmente, Martin consegue atirar dentro da boca do tubarão um cilindro de oxigênio, que explode e o mata. 55
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No filme E o Vento Levou, Scarlett tenta obter dinheiro de Rhett para pagar os impostos de sua propriedade, Tara. Quando ele diz não (um obstáculo), ela se casa com Frank Kennedy, para conseguir seu objetivo. Em A Testemunha Paul tenta localizar John na fazenda dos amish. Ele pede ajuda à polícia de Lancaster, que não tem como localizá-lo, pois os amish não têm telefone (um obstáculo). Então Paul interroga o parceiro de John, que se recusa a falar (outro obstáculo). Por fim, Paul mata o parceiro de John, o que indiretamente faz com que John Brook acabe revelando seu esconderijo. Embora possam ser encontrados em quase todos os filmes, os obstáculos são mais utilizados em filmes policiais, de mistério, ação ou aventura. Ocasionalmente também são usados em dramas e comédias. É possível incluir vários obstáculos num mesmo filme. Porém, caso sejam utilizados em excesso, a história fica repetitiva, como se estivéssemos reprisando a ação em lugar de desenvolvê-la. Neste caso, os obstáculos, em vez de conferir momentum à história, fazem com que ela fique mais lenta, pesada. No entanto, se forem bem dosados, os obstáculos ajudam muito a impelir a história para adiante.
A COMPLICAÇÃO A complicação é um ponto de ação dramática que não surte resultado imediato. Alguma coisa acontece, mas a reação a este acontecimento só vai ocorrer mais tarde. O fato de termos de esperar por isso nos faz antecipar a reação inevitável. Vamos analisar uma complicação em Tootsie, por exemplo. Para conseguir um emprego, Michael se travestiu de mulher e se transformou em Dorothy Michaels. Seu único propósito era conseguir trabalho. Mas já no primeiro dia de trabalho no estúdio, ele conhece Julie. Embora naquele momento nada aconteça, sabemos que é apenas uma questão de tempo. A presença de JuJie complica o propósito inicial de Michael. Imaginamos que ele vá se apaixonar por ela, o que vai colocar em risco seu emprego. O primeiro encontro e a reação final por ele provocada estão separados por trinta e duas páginas de roteiro. Dorothy conhece Julie na página vinte e nove. Nesse primeiro encontro, eles simplesment se observam. RITA Ron, quero fazer um teste com a Srta. Michaels. Vamos gravar um vídeo com ela. JULIE PHILIPS, a estrela do programa, uma loira estonteante, passa por Dorothy bem na hora em que esta derruba umas paginas do roteiro. Rapidamente, Dorothy se agacha para apanhá-las, quando percebe Julie ajoelhada a seu lado, tentando ajudar. DOROTHY Oh, querida, nao consigo achar a página quatro! 56
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JULIE Eles não vão nem perceber que está faltando... Julie junta as páginas. Ambas se levantam. Julie as entrega para Dorothy, sorrindo com simpatia. JULIE Não encare isto aí como uma câmera. Pense numa coisa menos intimidante, como uma máquina fotográfica. Julie então se afasta. Dorothy a acompanha com o olhar. Na porta Julie se vira, pisca para ela e faz um sinal de positivo com o polegar. Nada acontece neste primeiro encontro, mas só pela forma como Dorothy olha para Julie, percebemos que “ele” está se apaixonando por ela. Trinta e duas páginas depois, Julie convida Dorothy para uma visita à sua casa. JULIE Dorothy... eu sei que isto não é bem o que você gostaria de ouvir — mas temos vinte e seis páginas para amanhã. Se você pudesse fazer a gentileza de vir até minha casa, e ensaiar comigo; poderíamos comer qualquer coisa, eu sou especialista em comida congelada. Bem, é claro que você pode me dizer que por hoje basta de ensaios. O relacionamento vai se desenvolvendo num crescendo, da complicação (o primeiro encontro) até uma reação (a visita). Em Tootsie vemos outra complicação, quando Dr. Brewster, o médico da novela, conhece Dorothy e decide que a deseja. Mais uma vez, o resultado deste ponto de ação dramática não é imediato. Na verdade, ele só vai acontecer no decorrer do terceiro ato, quando Dr. Brewster decide fazer uma serenata para Dorothy, praticamente forçando-a a aceitar sua atenção. Mais uma complicação surge, quando o pai de Julie se apaixona por Dorothy. Ele a conhece no começo do segundo ato, mas quase nada acontece, até que Dorothy faz uma visita à sua fazenda, no final do segundo ato. Eles cantam e dançam juntos, o que o leva a se declarar para Dorothy. Uma complicação nao é um ponto de ação dramática comum. Na realidade, é bastante rara. Muitos roteiros não lançam mão de complicações. No entanto, quando está presente num roteiro, pode ser bastante sutil. Para identificar uma complicação, procure por três elementos: ■ A complicação não surte efeito imediato; portanto, ela cria uma expectativa na história. ■ A complicação é o começo de uma nova linha ou de um enredo secundário. Ela não muda a história em si; ao contrário, mantém o desenrolar da história, embora lhe acrescente um elemento novo. ■ A complicação é algo que se coloca no caminho da intenção do personagem. Por causa de Julie, Breswster e Les, Michael não pôde continuar sendo Dorothy Michaels, apesar de estar no auge de sua carreira. Ele continua com sua intenção originai: ter sucesso. Estes 57
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personagens não alteram sua intenção inicial, mas certamente interferiram no seu deseio de continuar sendo Dorothy. E esta é a complicação.
A REVERSÃO DE EXPECTATIVA O ponto de ação dramática mais forte que existe é a reversão de expectativa, pois provoca um giro de 180º na direção da história, fazendo-a mudar de uma direção positiva para uma negativa ou vice-versa. É mais forte que a maioria dos pontos de virada, que apenas desviam a trajetória da ação, sem contudo invertê-la. A reversão de expectativa provoca uma reviravolta completa. As reversões de expectativa podem atuar de forma física ou emocional, pois podem reverter tanto a ação quanto as emoções de um personagem. Em Os Caça-Fantasmas, professores universitários desempregados decidem mudar de vida e fundar seu próprio negócio. Em Tubarão, o povo da cidadezinha acha que pegou o tubarão e começa a festejar, mas ocorre uma reversão de expectativa, quando Matt avisa que o tubarão capturado não é o assassino. Em Cocoon, a missão de Walter parece não ter mais sentido, quando os idosos drenam toda a energia da piscina e um dos habitantes de Antares morre. Isto provoca uma reversão de expectativa em sua missão. Contudo, sua missão sofre uma nova reversão de expectativa, quando os idosos se oferecem para ajudar a salvar os casulos. Estes três momentos também retratam reversões de expectativa emocionais. Em Os CaçaFantasmas, os apáticos e avoados professores se transformam, de repente, em pessoas altamente motivadas. Em Tubarão, Martin e Matt passam de um clima festivo para um clima de apreensão. Em Cocoon, Walter passa da dor e desespero para a esperança. Introduzir uma reversão de expectativa no primeiro ou segundo ponto de virada pode ser uma ótima maneira de criar momentum para o segundo e o terceiro atos. No entanto, as reversões de expectativa podem funcionar em qualquer ponto do roteiro. Em filmes de terror, freqüentemente ocorre uma reversão de expectativa quando todos estão festejando e se sentindo seguros, e de repente a causa do terror reaparece. Nos filmes policiais, acompanhamos uma reversão de expectativa quando o investigador, quase a ponto de desistir da investigação, finalmente tem uma inspiração e descobre como pode solucionar o caso. Nos romances, testemunhamos reversões de expectativa quando o herói desaparecido finalmente volta para sua amada, ou quando sua amada, no leito de morte, tem uma súbita melhora. Tanto os obstáculos, ao forçar a tomada de novas decisões, quanto as complicações, ao introduzir uma reação antecipada, impulsionam a história para frente. As reversões de expectativa, no entanto, ao fazer com que a história tome um rumo totalmente novo, provocando assim novos desdobramentos, são bem mais intensas e têm o dom de arremessá-la para frente. Justamente em função dessa capacidade de criar um momentum de tamanha intensidade, será muito raro você precisar lançar mão de mais do que uma ou duas reversões de expectativa num mesmo roteiro. 58
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Uma ou duas delas já terão força suficiente para dar impulso à história ao longo daquele difícil segundo ato. Em todos esses exemplos dados, notamos que a ação evolui, em vez de se repetir. Assim, em lugar de criar uma cena na qual um investigador fica fazendo e refazendo a mesma pergunta sem parar, você opta por fazer com que o investigador a repita apenas o suficiente para elucidar o ponto que lhe interessa (em geral, umas duas ou três vezes bastam), mas nunca a ponto de fazer com que a mesma ação fique se repetindo. Isso permite que a história se desenvolva melhor, dando origem a novos desdobramentos, a novas descobertas e a ações diferentes.
A SEQUÊNCIA DE CENAS O momentum é algo que se obtém através dos pontos de ação dramática, que criam cenas de ação—reação, onde cada cena conduz à próxima, levando assim a história ao seu clímax. Por vezes, estas cenas de ação-reação são aglutinadas em torno de uma espécie de mini-linha de ação dramática central. Estas cenas têm começo, meio e fim, e são marcadas por uma apresentação, confrontação e um clímax que jamais sofrem a interrupção de enredos secundários. Este tipo de cena, conhecida como seqüência de cenas, é a que provoca o maior momentum. A maioria das sequências de cenas é relativamente curta, com duração de três a sete minutos. Porém, às vezes, uma seqüência de cenas pode tomar todo o terceiro ato, como no filme A Testemunha, onde a cena do confronto final é composta por uma longa seqüência de cenas, com duração de quatorze minutos. Muitas das cenas mais memoráveis são na verdade sequências de cenas. No filme E o Vento Levou, o incêndio de Atlanta é retratado por uma sequência de cenas com sete minutos de duração. A cena da tempestade em Um Lugar no Coração também é uma seqüência de sete minutos. Na última batalha de Guerra nas Estrelas observamos mais uma seqüência de cenas. Em E o Vento Levou, temos duas seqüências de cenas, uma após a outra. A primeira mostra “o nascimento do bebê de Melanie e a segunda retrata “o incêndio de Atlanta”. Ambas duram cerca de sete minutos e estão, provavelmente, entre as melhores cenas de todo o filme. Ao analisar mais de perto estas duas seqüências, é possível observar como as seqüências de cenas dão foco e momentum à história. A seqüência que mostra “o nascimento do bebê de Melanie" começa depois que o cerco à Atlanta já durava trinta e cinco dias. Percebendo que os ianques iriam tomar a cidade de assalto, os soldados e moradores começam a abandoná-la. Justamente neste momento, Melanie entra em trabalho de parto.
Apresentação: Melanie avisa que está tendo contrações
Primeiro ponto de virada: Scarlett manda Prissy chamar o médico
Confrontação: Prissy volta, dizendo que o médico não poderá vir atendê-la
Segundo ponto de virada: Dizem a Scarlett que ela terá que ajudar a fazer o parto 59
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Clímax: O bebê nasce
A seqüência que retrata “o incêndio de Atlanta” ocorre da mesma maneira:
Apresentação: Prissy vai atrás de Rhett e lhe pede que as ajude a fugir
Primeiro ponto de virada: Rhett vem resgatá-las
Confrontação: Alguns homens tentam impedir a passagem da carruagem, a multidão tenta roubar o cavalo, e Rhett avisa que precisam passar pelo depósito de munição antes que este vá pelos ares. Segundo ponto de virada: Chegam ao depósito de munição, que já está em chamas. Isto coloca sua fuga em perigo.
Confrontação: Tentam escapar através das chamas.
Clímax: Mal atravessam a chamas, o paiol explode.
Resolução: Quando todos estão a salvo, Rhett os deixa.
Como no caso dos pontos de ação dramática, as seqüências de cenas podem ser utilizadas onde quer que se queira dentro da história. Muitas vezes uma seqüência é colocada logo após a metade do segundo ato, para evitar que corra o risco de se tornar monótono. Pode também ser colocada no primeiro ato, seja sob a forma de uma emocionante apresentação (como vemos em muitos dos filmes de James Bond), seja como um meio de nos conduzir ao primeiro ponto de virada. Steven Spielberg, este grande mestre do momentum do cinema contemporâneo, freqüentemente lança mão de seqüências de cenas. Você encontrará uma seqüência curta em De Volta para o Futuro, quando Biff persegue Marty e dá de encontro com um caminhão de esterco. Em Tubarão há várias seqüências de cenas, como a da “caça ao tubarão com um arpão”, ou aquela em que eles “usam uma jaula para tubarões” e ainda a seqüência final da “vitória”. No filme A Lista de Schindler, existem várias seqüências de cena, entre elas a da “matança no gueto”, a de “Amon, o carrasco”, e a seqüência da “mudança para a Tchecoslováquia”. Isto não significa que Spielberg imponha seqüências de cenas a todos os seus roteiros. Duvido que ele acorde de manhã e pense: “Hoje vou fazer uma seqüência de cenas”. No entanto, Spielberg, como muitos dentre os melhores desse ramo, tem um instinto natural para as sequências por ter um um faro para momentum. Em certos momentos, no entanto, este instinto precisa ser conscientemente desenvolvido.
PROBLEMAS COM O MOMENTUM A falta de momentum é um dos problemas mais corriqueiros dos filmes. Normalmente isso decorre da falta de uma clara estrutura em três atos com pontos de virada nítidos para manter a historia em movimento. Outras vezes isso se deve ao fato de algumas cenas levarem a história a sair por uma tangente, em vez de manterem seu foco na linha de ação. Com freqüência os problemas relacionados a falta de momentum recebem diagnósticos 60
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equivocados. Consequentemente, as soluções dadas não surtem o efeito desejado. Muitos diretores tentam resolver os problemas relacionados a falta de momentum acrescentando mais ação à historia. Não é incomum encontrarmos séries policiais às quais o diretor acrescenta uma perseguição de carros, uma luta ou um tiroteio cada vez que a historia parece estar perdendo impulso. Infelizmente, é muito raro este tipo de técnica resolver o problema. Pelo contrário, o que faz muitas vezes é tirar a história de sua espinha dorsal, contribuindo para diminuir ainda mais seu momentum, especialmente depois que as cenas de ação terminam. Um outro problema freqüente é que os diretores muitas vezes confundem momentum com ritmo. Para resolver um problema de momentum, muitos costumam acelerar o ritmo da história, às vezes atropelando o enredo de tal forma que não dão uma pausa sequer para a audiência respirar. Se o ritmo for rápido demais, a audiência não conseguirá acompanhar a história, e terá a sensação de que está sempre atrás dos acontecimentos. Outras vezes, quando a audiência perde o interesse pela história, pode parecer que o problema reside na falta de momentum. Na realidade, o problema tem muito pouco a ver com a dinâmica da história em si. Se história for muito previsível, a audiência perderá o interesse. Se a história carecer de enredos secundários que lhe acrescentem mais dimensões, ou se os personagens ficarem estereotipados e não conseguirem nos envolver o interesse também diminui. Nestes casos, concentrar-se no desenvolvimento da linha do enredo principal, dos enredos secundários e do tema é a resposta para aumentar o interesse, desde que este desenvolvimento seja combinado a um forte momentum.
APLICAÇÃO Nenhum destes recursos para reescrever uma história pode ser imposto a um roteiro. Eles precisam ser parte integrante da história. Contudo, podem contribuir para reforçar um roteiro que já traga em si alguma reversão de expectativa, complicação ou mesmo alguma sequência de cenas. No entanto, para que estes recursos possam ser bem utilizados num roteiro, é importante entendê-los bem. Um primeiro passo seria assistir a alguns filmes tentando especificamente identificá-los. Verá que certos filmes se apoiam mais em um desses recursos do que nos outros, ao passo que alguns recorrem a todos. Só para começar, preste atenção na quantidade de obstáculos que Sam Gerard encontra ao tentar encontrar Richard Kimble, no filme O Fugitivo. Observe o uso de reversões de expectativa no filme O Caça-Fantasmas (quando o homem da agência de proteção ambiental deixa o fantasma sair), ou em Atração Fatal, quando a segunda noite de sexo tórrido se transforma numa tentativa de suicídio. Note o uso de cenas marcantemente estruturadas, com começo, meio, e fim, como a primeira cena, no restaurante, em A Lista de Schindler, ou algumas das longas seqüências de lutas em Os 61
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Brutos também Amam. Uma vez que você entenda claramente a forma como estes elementos são usados em filmes específicos, terá mais facilidade em encontrá-los e desenvolvê-los no seu próprio roteiro. Muitas vezes, seqüências de cenas podem ser criadas logo após a primeira versão do roteiro, exigindo que pouco seja reescrito. Quase sempre, cenas de ação-reação giram ao redor de várias idéias, não de uma só. Para criar uma seqüência de cenas, o roteirista precisa encontrar cenas relacionadas a uma determinada idéia e agrupá-las, criando a apresentação, confrontação e clímax para a seqüência. Uma reversão de expectativa pode ser obtida ao se conferir impacto e reforçar um determinado ponto de ação dramática. Pense na forma abrupta com que os caça-fantasmas perdem seus empregos justamente no momento em que encontraram um fantasma na biblioteca. Se isto tivesse sido encenado sem uma reversão de expectativa, nós os veríamos voltando para seus escritórios, conversando sobre o fato e, em seguida, apareceria alguém para alertá-los de que poderiam ser despedidos. É bem provável que a esta altura já tivéssemos saído do cinema, ressentidos com a falta de energia do filme. No entanto, este momento foi encenado rapidamente, como uma típica reversão física e emocional, impulsionando o desenvolvimento da história. Uma outra idéia para criar fortes reversões de expectativa emocionais é procurar por momentos de emoção que possam ser expandidos ou prolongados. Se seu personagem principal, por exemplo, for do “tipo triste” antes de transformá-lo em um “tipo alegre”, verifique se é possível criar um clima de “desespero que conduz ao êxtase” para obter um impacto maior. Ou faça uma reversão de expectativa para o lado negativo, passando da celebração para o horror ou para o medo. Resumindo, analise seu roteiro e pergunte a si mesmo: ■ Como estão sendo usados os pontos de ação dramática? A história ganha momentum através deles, ou estou usando somente diálogos para levar a história adiante? ■ Que tipos de pontos de ação dramática meu roteiro contém? Obstáculos? Complicações? Reversões de expectativas? Onde ocorrem e com que freqüência? ■ Existe nesse roteiro alguma seqüência de cenas ou potencial para criar alguma? Onde elas ocorrem? O que fazem para conferir mais energia à história? ■ Meu roteiro tende a sair pela tangente, ou mantém o foco no desenvolvimento do enredo principal e dos enredos secundários? ■ Posso construir pontos de ação dramática ou seqüências de cenas lançando mão dos elementos dramáticos que já estou utilizando em minha história? Acima de tudo, tenha sempre em mente que, enquanto houver ações e reações que estejam relacionadas à linha de ação, seu roteiro continuará a caminhar. Você não precisa de grandes ações para mover a história. Nem toda ação física necessita de uma reação dramática que seja física para impulsionar sua trama. De tempos em tempos, você pode dar movimento à sua história 62
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através de ações físicas, diálogos, ou mesmo através de respostas emocionais. Desde que haja relação entre uma ação e outra, e desde que você tenha uma estrutura que dê sustentação à sua história, seu roteiro vai se desenvolver. Tendo isto em mente, não precisa se preocupar em saber se seu roteiro é mais relacional e tem um ritmo mais lento do que Rambo, ou do que o de algum filme de James Bond, nem se o ritmo mais rápido de sua história de aventura se torna mais lento durante uma cena de amor. Desde que haja cenas de ação—reação, seu roteiro terá direção, foco e momentum. Analise quais tipos de pontos de ação dramática você utilizou, e como faz para manter a história em movimento no segundo ato. Não tente impor nada à história que não lhe seja intrínseco, mas ao mesmo tempo não hesite em ser intenso e dramático. A história, e especialmente o segundo ato, precisarão de energia e impacto para se manter emocionantes — e para manter o momentum fluindo.
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CAPÍTULO 5
COMO CRIAR CENAS As cenas são como os tijolos na construção de uma história. Através do uso de imagens e diálogos, uma grande cena faz a história avançar, revela quem são os personagens, explora uma idéia e constrói imagens. Uma grande cena é aquela que faz tudo isso, ao passo que uma cena bem feita alcança pelo menos alguns desses objetivos. Os roteiristas costumam me dizer: “Escrevi essa cena com a intenção de revelar um personagem.” E, realmente, é apenas isso que aquela cena se limita a fazer. Entretanto, um filme, na realidade, é algo multidimensional e por isso uma cena pode perfeitamente ter várias finalidades ao mesmo tempo. O background da cena pode mostrar uma imagem, enquanto as ações revelam um personagem, trechos do diálogo podem servir para levar a história adiante, ao passo que a combinação de tudo isso pode estar voltada para a exploração do tema. Grandes cenas podem criar momentos de tensão e suspense, levar a audiência às lágrimas ou ao terror ou até mesmo a alterações de ordem física, como suar frio ou provocar a aceleração dos batimentos cardíacos. Uma grande cena é aquela que envolve emocionalmente a platéia. Aristóteles já dizia que a tragédia deve induzir a platéia a sentimentos de piedade e medo. Não há a menor dúvida de que os melhores filmes despertam em nós essas emoções, embora também provoquem outros tipos de sentimento, como compaixão, alegria, raiva, frustração, empolgação, desapontamento e tristeza.
IDEALIZANDO A CENA Como acontece com os demais aspectos da arte dramática, não existem regras ou fórmulas fixas para aplicarmos ao seu processo de criação. O que temos são alguns conceitos e idéias que nos ajudam a compreender um pouco desta arte. Quando estiver trabalhando suas cenas, lembre-se de que existe um bom motivo para o cinema já ter sido chamado de moving picture, dado seu forte caráter pictórico. Embora o ato de escrever esteja associado a palavras, quem escreve para cinema está, na verdade, criando diálogos e imagens. Em outras palavras, isto significa escolher cenas que contenham movimento e direção — bem como conflito ação e emoção — e expressar tudo isso através de locações cinematográficas, ações dramáticas e relacionamentos dinâmicos entre os personagens. Como os filmes têm movimento, as cenas em geral são curtas, variando entre uma ou duas frases simples até cenas de três a quatro páginas. Os diálogos tendem a ser econômicos, alternandose entre os personagens em falas de poucas sentenças. Como há um limite, em geral de 120 páginas, para o tamanho de um roteiro, cada linha de um diálogo, cada descrição é muito importante e 64
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precisa ser levada em conta. Além disso, como quem dá vida à cena são o diretor e os atores, ela precisa trazer em si coloridos, texturas, relacionamentos e sentimentos que serão representados por esses artistas. Quando se escreve um roteiro, as palavras precisam ser muito bem pensadas. Diversos detalhes devem ser comunicados em poucas frases bem trabalhadas, que sejam capazes de pintar um quadro dos personagens e de suas ações, mas sem detalhar em excesso para não invadir o espaço do trabalho alheio. Uma boa cena alcança uma série de objetivos: 1. Faz a história avançar, passando as informações necessárias para que possamos acompanhála. Num filme de mistério, a cena revela alguma pista; num filme romântico, cria um relacionamento. Como numa jornada, ela nos leva cada vez mais perto do destino final. Num bom roteiro, as cenas conduzem para uma determinada direção e boa parte delas nos levará cada vez mais perto do clímax. (Lembre-se, por exemplo, de como as cenas vão pouco a pouco transmitindo várias informações, no filme O Fugitivo; ou em Tootsie, de como as cenas vão pouco a pouco levando Michael a se desmascarar; ou de como as cenas no filme O Silêncio dos Inocentes vão revelando cada vez mais pistas a Clarise Starling.) Uma cena da história implica que outra ação acontecerá na próxima cena. Na verdade, ela antecipa a ação seguinte, ou seja, apresenta e carrega em si as sementes da cena seguinte. No filme A Testemunha, uma das cenas mostra John Book recebendo de Samuel uma informação que fará com que a ação avance: JOHN BOOK Sou um oficial da polícia... É meu dever descobrir o que aconteceu. Quero que você me conte tudo o que viu lá. Passada essa cena, a investigação continua. Uma cena não precisa ser assim tão direta, desde que conduza à cena seguinte. Acompanhe este diálogo do filme Tootsie, entre George e Michael: GEORGE Ninguém vai te empregar. MICHAEL Ninguém? Você quer dizer, ninguém em... GEORGE (interrompendo) Ninguém, em parte alguma! CORTE: CENA EXTERNA: UMA RUA DA CIDADE — 65
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DURANTE O DIA A história começa com a imagem de Michael, vestido como Dorothy, caminhando pela rua com seu primeiro par de sapatos de salto alto. Se ninguém estava disposto a contratar Michael como Michael, talvez contratem Michael como Dorothy Michaels. 2. Uma cena pode revelar personagens. A maior parte do personagens são apresentados nas cenas dos enredos secundários, mas as cenas da história “A” também podem ser usadas com essa finalidade, mostrando como determinado personagem age, que decisões toma e como se comporta sob pressão. Informações sobre determinado personagem, dadas por uma cena da história “B” podem resultar numa ação desse personagem em uma da história “A”. Às vezes uma cena dá a impressão de estar apenas revelando o personagem, mas pode perfeitamente estar mostrando também alguma habilidade do protagonista, que lhe será muito útil mais tarde para alcançar seu objetivo. Por exemplo, o filme mostra uma cena em que o protagonista está praticando seu esporte predileto: alpinismo. Podemos imaginar que esta cena sirva apenas para revelar o personagem. Porém, mais tarde, veremos que o protagonista usará esta habilidade para resgatar os companheiros desaparecidos em combate ou para invadir uma fortaleza no alto de um penhasco. As melhores cenas voltadas para a apresentação de personagens não revelam características ao acaso, mas revelam traços de personalidade que vão se tornar úteis em outra parte do roteiro. Por isso as características dos personagens, mostradas numa cena, como a paixão por jogos de computador (em War Games), a habilidade de imitar vozes (em Uma Babá Quase Perfeita) ou o fato de gostar de tocar piano (em O Piano), não aparecem somente com a finalidade de revelar o personagem, mas também de desenvolver a própria história. No filme A Testemunha, descobrimos novos aspectos da história de John e Rachel, quando ela lhe traz limonada no celeiro. Essa cena atua em vários níveis. Revela um outro lado de John, mostrando que ele possui habilidades para a carpintaria, e fazendo uma introdução para cena da construção do celeiro. Deixa claras as diferenças existentes entre John e Daniel, apenas pelo jeito como cada um toma sua limonada. Daniel sorve civilizadamente, enquanto John toma grandes goles, com um prazer quase sensual. A cena também ajuda a desenvolver o relacionamento entre John e Rachel, pois mostra John caçoando e brincando com ela. Por fim, a cena ajuda a fazer com que a história "B” avance, ao mostrar que Rachel está muito mais interessada em John do que em Daniel. JOHN BOOK O que houve com Hochstetler? RACHEL Ele tomou uma limonada e saiu. JOHN BOOK 66
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Parece um meteoro. RACHEL Você entende de carpintaria? JOHN Tenho algumas noções... RACHEL E o que mais você sabe fazer? JOHN Eu sei bater nos outros. Sou ótimo nisso! Este diálogo provocador revela a dinâmica do relacionamento entre esses dois personagens que, até aqui, está inteiramente subentendido. Como em todas as grandes cenas, fica algo nas entrelinhas, um subtexto que está sendo encenado aqui. Imaginamos que o subtexto de Rachel seja: “Estou me sentindo atraída por você e quero que você saiba que não gosto de Daniel”. Para John, o subtexto poderia ser: “Já percebi que seu namoro com Daniel não é lá nenhuma paixão. Quero tirar isso a limpo, mas ao mesmo tempo não quero muita intimidade, pois vou precisar partir logo.” A atração que começa a brotar aqui, culmina com a cena em que os dois dançam juntos e com a cena da construção do celeiro. 3. Uma cena também serve para explorar um tema. Os filmes sempre giram em torno de algum tema: o bem e o mal, um problema de identidade, integridade moral, cobiça, amor, traição e outros inúmeros temas relacionados à condição humana. As cenas exploram e desenvolvem esses temas através do que os personagens dizem, de suas ações, e também por meio das imagens criadas pelo roteiro. Às vezes uma cena mostra sem rodeios o tema escolhido, como no filme “A Testemunha", onde Eli explica, logo no início, um tema central que norteia a filosofia dos amish: ELI A arma que você carrega nas mãos serve para matar um homem... O que que você carrega nas mãos você também leva para dentro do coração. Em outras ocasiões o tema central é revelado através de decisões e reações de um personagem. Rachel expressa sua filosofia e seus valores através de seu modo de agir: O imenso revólver calibre 38 de Book está guardado na gaveta, em seu coldre. Samuel, fascinado, pega a arma. Incapaz de resistir à tentação, ele a tira do coldre. BOOK Pare!.. .Nunca, jamais, aponte uma arma carregada... Neste instante, chega Rachel: 67
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RACHEL Samuel, espere por mim lá embaixo. John Book, enquanto você estiver nesta casa, exijo que siga nossas regras. BOOK Tome, pode ficar com a arma. Ponha em algum lugar que ele não encontre. Rachel hesita e em seguida pega a pistola, segurando-a com cuidado, e sai. Nesta cena, a atitude dos personagens e a situação em si apontam para o tema da não-violência: 4. Uma boa cena constrói uma imagem. Embora parte da tarefa de trabalhar as imagens fique por conta do diretor, o roteirista também precisa lembrar de incluir imagens no roteiro, tendo sempre consciência de que toda imagem transmite uma mensagem. Quando esse recurso é pouco explorado, a imagem simplesmente repete uma idéia sem, contudo, desenvolvê-la. A ganância, por exemplo, pode ser retratada de forma estática e repetitiva, através da imagem de um personagem escondendo dinheiro em algum lugar. As cenas podem repetir essa imagem, talvez mostrando várias vezes o personagem contando seu dinheiro, para destacar sua ganância. Entretanto, uma imagem que vai pouco a pouco se desenvolvendo tem o efeito de expandir a própria imagem. Para explorar essa mesma idéia da ganância, o roteirista pode mostrar uma pessoa que está disposta a tudo por dinheiro. A cena seguinte mostra essa pessoa comprando jóias e roupas caras. Uma outra cena mostra todo um aparato de segurança, isto é, guardas, alarmes e cachorros para proteger sua riqueza. Mais tarde, uma outra cena mostra que essa pessoa coloca o dinheiro acima de tudo: família, amizades e até mesmo integridade pessoal. Às vezes uma imagem torna o tema visível dentro da cena. Um exemplo disso são as cenas que mostram o tema de vida em comunidade, como na primeira cena de A Testemunha: “Pessoas vestidas de preto caminham pela alameda”. A imagem mostra uma comunidade que tem em comum os mesmos valores, roupas e estilo de vida. A cena ideal é aquela que faz a história avançar, revela um personagem, explora um tema e constrói uma imagem. Contudo, raramente uma cena atinge esse ideal. Nos filmes de mistério, por exemplo, certas cenas apenas servem para fazer a história avançar e revelar um pouco de um ou outro personagem. Muitas cenas dos enredos secundários se concentram no tema ou no personagem, mas em nada colaboram para o desenvolvimento da história principal. Porém, o simples fato de ter em mente que as cenas podem atuar em diversos níveis vai melhorar automaticamente a qualidade das cenas que um roteirista optará por exibir.
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QUAIS CENAS USAR E ONDE DEVEM SER INSERIDAS? Qualquer história traz em si uma infinidade de cenas possíveis, à medida que os personagens vão se movimentando ao longo da história. Os personagens comem, dormem, acordam, interagem uns com os outros, discutem, tomam decisões, planejam o futuro, praticam esportes e se divertem, ou seja, a lista das possibilidades é interminável. Como roteirista, dentre tantas possibilidades, quais você deve usar? Em geral, você precisa confiar na sua intuição dramática. Porém vamos deixar aqui algumas sugestões que você deve ter em mente, quando for criar uma cena. Esteja certo de que os elementos dramáticos mais importantes da história “A” estejam bem marcados. Toda história possui uma série de elementos dramáticos principais que formam sua espinha dorsal. Embora nem todas elas sejam necessariamente mostradas em cena, você precisa demarcá-las numa espécie de esquema, para se assegurar de que sua história fique coerente. Num filme policial, por exemplo, temos o assassino, o investigador que se encarrega de solucionar o caso, algumas descobertas específicas feitas ao longo da história, e a captura do criminoso no final. Numa comédia como Tootsie é necessário mostrar os acontecimentos que esclarecem por que Michael não consegue um emprego normal, introduzir cenas que mostrem seu sucesso como Dorothy e, em seguida, mostrar as complicações que aparecem pelo fato de Michael se apaixonar por Julie, ao mesmo tempo em que não consegue romper seu contrato com a rede de televisão e, finalmente, mostrar como ele se desvencilha dessa enrascada. Por isso, fica claro que é preciso fazer também um esquema dos principais elementos dramáticos dos enredos secundários, de tal modo que todas as linhas de enredo caminhem juntas, de forma integrada, do começo ao fim. É necessário estar seguro de que não vão ocorrer furos na sua história e, para isso, é preciso verificar todas as cenas, uma a uma, para se assegurar de que contenham todos os elementos dramáticos mais importantes de que precisa para contar sua história. Mostre a ação. É melhor do que falar sobre ela. Um filme gira em torno da ação, pois nada mais é do que uma série de acontecimentos que nos levam a um clímax. Melhor do que falar sobre um assassinato, sobre uma promoção ou sobre um encontro amoroso é mostrá-los, pois isso faz com que o filme fique mais imediato, mais direto. Quando estiver delineando sua história, escolha acontecimentos que criem uma história bem cinematográfica, que possa ser exibida na tela e mostre-os do modo mais dramático possível. Coloque um pouco de ação nas cenas mais paradas para torná-las interessantes. Como sempre você terá certas cenas que são, por natureza, mais estáticas: cenas em que um personagem está dirigindo um carro ou sentado num restaurante etc. Mesmo estas cenas podem se tornar mais interessantes, intensas, dramáticas e reveladoras. Percebemos que em muitos filmes foi acrescentada uma certa dose de ação em cenas como essas. Por exemplo, já vimos cenas em que alguma informação importante é fornecida enquanto a personagem cuida do jardim, descasca batatas, pendura roupas no varal ou escova os cabelos antes 69
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de dormir. No filme Atração Fatal, há uma cena em que Dan e Beth precisam conversar sobre a casa que pretendem comprar. É uma cena parada, que se passa na cozinha. O que torna a cena interessante são os truques engraçadinhos que Ellen tenta fazer com o baralho, para seu pai, mas que dão errado. Mesmo nas cenas mais paradas, de pura exposição, o roteirista sempre pode inventar algo interessante para acrescentar um pouco de movimento. Escolha cenas que ajudem a orientar o público. Há momentos em que você precisa de cenas de localização, para que o público saiba onde se encontra e qual é a relação entre um elemento e outro do enredo. Geralmente estas cenas são rápidas e mostram, por exemplo, um carro entrando no edifício em que mora um personagem; ou uma cena em que aparece a parte externa de uma prisão, seguida por outra cena interior que mostra a disposição das celas. Às vezes uma cena dessas mostra a altura de uma muralha (como no filme O Fugitivo), o quão longa será a corrida (como em Ben-Hur) ou a altura de uma torre (como em Um Corpo que Cai). Sem essas cenas, o público ficaria desorientado sem ter acesso à informação visual de que precisa para entender a história. (Se você quiser ver exemplos de filmes em que faltam esse tipo de cenas, assista Mrs. Soffel - Um Amor Proibido, ou assista à cena do tiroteio no O.K. Corral, em Paixão dos Fortes. Nesses dois filmes, ficamos muitas vezes sem saber onde estamos, e não percebemos a proximidade física das pessoas, dos edifícios e dos cavalos). Você também pode usar montagens para transmitir informações e mostrar a passagem do tempo. Uma montagem é composta por uma seqüência de pequenas cenas que, em geral, transmitem informação. Geralmente não têm diálogo, embora algumas possam ter uma ou duas linhas de falas. Lançando mão da técnica de colocar diversas cenas bem curtas em seqüência, é possível transmitir informação de forma mais rápida. Certamente todos já tiveram a oportunidade de ver montagens que retratam dois personagens se apaixonando: um jantar à luz de velas, um passeio de mãos dadas pela praia, um beijo ao luar e a cena final dos dois fazendo amor, apaixonadamente. Em vez de usar um ato inteiro para mostrar como eles se apaixonaram, uma montagem dessas consegue fazer isso em alguns segundos, permitindo que o filme explore outros aspectos desse relacionamento (o que se passa depois disso, talvez concentrando mais o foco sobre o período do casamento). Embora essas montagens românticas sejam as mais populares e comuns, na verdade uma montagem pode ser usada para qualquer assunto: uma seqüência que mostre como a personagem conseguiu um emprego, a construção de sua casa, a mudança para uma nova cidade ou mesmo a investigação de um crime. Nas montagens, entretanto, não temos cenas de confrontação. Elas não mostram interação entre personagens, não expressam conflitos e não transmitem muitas emoções. Mas certamente trazem muito material para a história, de maneira bem rápida. Um bom exemplo é a montagem feita no início do segundo ato de O Caça-Fantasmas, quando eles finalmente ficam famosos. A montagem, que começa logo após os caça-fantasmas terem capturado o fantasma no hotel, mostra 70
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os comentários que as pessoas faziam sobre eles nas ruas, sua foto na capa da revistas Time e a discussão sobre eles no Larry King Show. O Fugitivo tem uma montagem muito boa lá pela metade do segundo ato, quando os oficiais estão interrogando os amigos de Richard, enquanto ele prepara uma nova identidade como faxineiro do hospital. Em Tootsie, há uma montagem no final do segundo ato que mostra Dorothy, toda atrapalhada, tomando conta de Amy, a filha de Julie. A montagem retrata uma noite longa e muito difícil: MONTAGEM: INTERIOR — QUARTO DE AMY — TARDE DA NolTE Sentada no chão, cercada de brinquedos, Dorothy agita os brinquedos para Amy e faz caietas engraçadas. Mas a criança não para de chorar. INTERIOR DA SALA — TARDE DA NOITE Dorothy corre em volta da sala, de salto alto, carregando Amy, que continua a chorar. Ela corre da sala para o segundo andar, em direção ao quarto. INTERIOR DA COZINHA — TARDE DA NOITE Dorothy está tentando dar purê de maçã para Amy (e as duas ficam cobertas de purê). Amy continua a chorar. Amy joga purê em Dorothy. INTERIOR DO BANHEIRO — TARDE DA NOITE Dorothy tenta limpar a blusa e o cabelo, enquanto conversa com Amy, que colocou sentada dentro da pia. INTERIOR DA SALA — TARDE DA NOITE Dorothy está sentada, com Amy no colo. Mexe os brinquedos que estão em cima da mesa, na tentativa de fazê-la dormir. Mas nada parece funcionar. INTERIOR DO QUARTO DE AMY — TARDE DA NOITE AMY brinca no chão, em meio aos brinquedos. A CÂMERA VOLTA PARA TRÁS e mostra Dorothy dormindo, no canto do quarto. Dorothy acorda com o barulho de um brinquedo, levantase e vai pegar Amy.
SE PRECISAR DE CENAS DE EXPOSIÇÃO, FAÇA COM QUE SEJAM VISUAIS E DRAMÁTICAS Muitas vezes há necessidade de transmitir certas informações para o público, que não são, porém, nada interessantes. Existem algumas técnicas que podem ser utilizadas para compensar o que de outro modo poderia vir a ser uma cena parada e monótona. Uma das melhores cenas de exposição que se pode encontrar filme Os Caçadores da Arca 71
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Perdida. Ao ler esta cena, repare quantas técnicas diferentes foram utilizadas para comunicar o que realmente era o objetivo principal da cena: que os nazistas haviam encontrado Tanis. Se você assistir novamente ao filme, notará que essa cena poderia ter sido filmada em qualquer lugar: um escritório, uma sala de aula, uma sala de reuniões. Em vez disso, resolveram utilizar um cenário mais interessante - um impressionante salão de leitura em estilo gótico, o que acrescentou riqueza visual e interesse à cena. INTERIOR — SALÃO DE LEITURA — DIA INDY sobe na plataforma em frente à sala. Dois homens, EATON e MUSGROVE, o seguem. EATON Ravenwood foi seu professor na Universidade de Chicago. INDY Sim, foi. EATON Você tem alguma idéia por onde ele anda atualmente? INDY O que sei são só boatos. Parece que ele está em algum lugar na Ásia, se não me engano. Faz mais de dez anos que não falo com ele. Éramos amigos, mas... tivemos um desentendimento tempos atrás. Com este diálogo começam a surgir informações da backstory, o que faz com que a cena revele uma série de informações sobre o personagem. Descobrimos onde Indy estudou. (Descobrimos também que a pessoa que escreveu o roteiro fez direitinho sua pesquisa, escolhendo uma das melhores universidades do país para o doutorado de Indy. Puxa, o homem deve ser um crânio!). Também ficamos sabendo de seu relacionamento com o professor Ravenwood. Mas, isso não nos é dado simplesmente como COMO CRIAR CENAS |109| uma mera informação e ponto final. Transmite uma atitude do personagem, pois sentimos claramente que Indy se sente incomodado com o tal desentendimento que teve com Ravenwood. À medida que a cena continua, ela se reveste de um certo mistério, além de transmitir a informação que vai introduzir todo o resto da história. MUSGROVE Dr. Jones, compreenda que tudo o que vamos falar agora é estritamente confidencial. INDY Compreendo perfeitamente. Musgrove pigarreia. MUSGROVE 72
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Ontem à tarde, as agências européias interceptaram uma mensagem alemã, que foi enviada do Cairo para Berlim. Pois bem... EATON (interrompendo) Veja bem, nos últimos dois anos, os nazistas têm enviado vários grupos de arqueólogos pelo mundo todo, atrás de artefatos religiosos. Hitler está obcecado com isso... Ele tem obsessão por coisas sobrenaturais. Parece que atualmente está havendo uma escavação arqueológica dirigida por alemães, num deserto perto da cidade do Cairo. Musgrove abre uma maleta. MUSGROVE Exatamente. Nós temos uma informação aqui, mas não sabemos como utilizá-la. Talvez você saiba. (Ele lê) “Evolução no projeto Tanis. Encontramos peça do cetro de Ra. Abner Ravenwood, U.S.” Novamente vemos aqui muita exposição. Porém, perceba a forma como diálogo trocado entre Brody e Musgrove ajuda a manter o interesse, neste vai e vem. Note como a expectativa aumenta quando Eaton interrompe Musgrove, pretendendo revelar a informação importante. Por outro lado, Musgrove, que é quem está de posse do telegrama, retoma novamente o comando da conversa, para tratar do motivo que os levara esse encontro. À medida que a cena continua, a reação emocional de Indy diante dessa informação acrescenta um novo colorido à cena. Ele fica nitidamente empolgado e chega a interromper Brody, enquanto este lhe dá a notícia. Indy e Brody entreolham-se. Indy bate na mesa com mão. INDY Os alemães encontraram Tanis! EATON Mas, o que Tanis significa para você? BRODY Bem, é... INDY (interrompendo) A cidade de Tanis é um dos prováveis locais onde se encontra a Arca Perdida. MUSGROVE A Arca Perdida? 73
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Começamos assim a perceber que Indy era um homem de um vasto conhecimento, apesar dele mesmo não se considerar um entendido em Tanis... (“Quem fez a primeira pesquisa mais profunda a respeito de Tanis foi Ravenwood. Ele, na verdade, era obcecado com isso, embora nunca tenha conseguido descobrir onde ficava a cidade.”) O começo da cena já tinha deixado claro que Indy dominava a arqueologia. Agora começa a mostrar suas habilidades como professor. COMO CRIAR CENAS \Uij INDY A Arca da Aliança, a arca que os hebreus usaram para levar os Dez mandamentos. EATON Você quer dizer os Dez Mandamentos da Bíblia? INDY Exatamente, os Dez Mandamentos. As tábuas de pedra que Moisés trouxe do Monte Sinai e que depois quebrou, se é que você acredita nessa história. Os homens ficaram impressionados, mas impassíveis. INDY Algum de vocês aí freqüentou as aulas de catecismo? Aqui temos, portanto, mais informação sobre a história, mas também mais informação sobre o personagem e sua atitude em relação à religião. Indy freqüentou as aulas de catecismo, mas agora dá a impressão de ser agnóstico. A cena prossegue, explicando a história da Arca, como foi levada para o templo de Salomão, em Jerusalém e depois desapareceu, numa tempestade de areia. Mas existem ainda outras informações para serem transmitidas, o que é feito através de fortes recursos visuais. EATON O que exatamente é essa peça do cetro de Rá? INDY Bem, o cetro é só um bastão usado por uma autoridade real. Ele mostra o tamanho que o cetro deve ter e, virando de lado um quadro negro, começa a desenhar alguma coisa com um pedaço de giz. Este desenho nos ajuda a reconhecer o cetro quando mais tarde for mostrado no filme.
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No final da cena, um desenho ajuda a simbolizar o poder da arca. EATON Como é essa arca? INDY Eu tenho um desenho dela aqui. Veja. Ele abre um livro com fecho lateral, na página de uma gravura O desenho mostra uma batalha bíblica — o exército israelita está vencendo uma batalha contra um inimigo. O que mais chama atenção é um feiXe brilhante de luz e chamas (que sai de dentro da arca)... E a cena chega ao final com um pouco de humor, quando Brody entra novamente na conversa. EATON Meu bom Deus! BRODY Sim, foi exatamente isso que os hebreus pensaram. MUSGROVE Mas, também, o que se poderia esperar que viesse da arca? INDY Luz, fogo... poder de Deus ou algo do gênero. EATON Estou começando a entender o interesse de Hitler nisso. BRODY Claro. A Bíblia fala da Arca aplainando montanhas e subjugando regiões inteiras. Um exército que carrega a arca diante de si é invencível. Assim, a cena termina deixando uma sensação do que está em risco se os nazistas de fato tiverem encontrado Tanis. O acréscimo de emoções, atitudes, imagens e conflitos tornou esta cena interessante e cinematográfica, sem perder de vista seu objetivo principal: transmitir com dramaticidade uma informação importante.
DO PONTO DE VISTA DE QUEM A HISTÓRIA É VISTA? Antes de decidir alguma coisa em relação às cenas, é preciso resolver uma série de questões: “De quem é a história que será contada? Quem é o centro das preocupações, com quem o roteirista se identifica mais, cujos passos parece seguir? Até que ponto a história é vista através do ponto de vista específico de alguém?” 75
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Uma história pode ser contada através do ponto de vista de um personagem, de vários deles ou através de um ponto de vista onisciente. Muitos filmes tentam fazer com que o público se identifique completamente com um personagem específico. Você fica sabendo só o que esse personagem sabe. Ele está presente em todas as cenas e o público vai vivendo a história através dos olhos desse personagem. Tootsie conta a história de Michael Dorsey; praticamente todas as cenas giram em torno dele e o público vai acompanhando sua trajetória através do filme. Uma Aventura na África é contado através do ponto de vista de dois personagens, Rose e Allnutt. Em todas as cenas pelo menos um deles aparece. Um ponto de vista onisciente faz com que a audiência tenha informações às quais o protagonista não tem acesso. Passa uma visão mais ampla e objetiva da história. Em vez de nos identificarmos completamente com determinado personagem, conseguimos enxergar outros aspectos da história. O filme A Lista de Schlinder adota esse ponto de vista onisciente, mostrando diversas cenas que focalizam Schlinder, o comandante, as mulheres no campo de concentração, as crianças, os homens, os nazistas e a população do gueto. Às vezes os filmes policiais querem fazer com que a audiência saiba mais do que o protagonista. Então, mostram cenas com o vilão ou com a policia, apesar de a maioria das cenas girar em torno do personagem principal. Alguns filmes trazem o ponto de vista de um ou mais personagens combinado com algumas cenas de ponto de vista onisciente. No filme O Fugitivo, a maior parte das cenas giram em torno do agente Gerard ou de Richard Kimble, mas algumas são voltadas para outros personagens como a polícia de Chicago, o homem de um braço só e algumas cenas com os outros agentes em que Gerard não aparece. Se tiver a intenção de que a audiência se identifique mais de perto com um ou dois personagens, o ponto de vista deverá ser mais estreito e subjetivo. Se precisar mostrar mais informações para que a audiência com compreenda os principais pontos da história que compõem o mistério, a saída será ampliar o ponto de vista
POR ONDE COMEÇAR E ONDE TERMINAR UMA CENA? Algumas cenas começam antes da hora e acabam ficando muito lentas, demoradas, parecem não ter um foco definido. Dão a impressão de não saber para onde vão, nem como chegar lá. Outras começam atrasadas e não passam a informação de que o público precisa para poder entender a cena. Além disso, são cenas que não têm duração suficiente para construir a tensão, o conflito ou o suspense. Para decidir onde a cena deve começar, primeiro defina onde ela termina. Qual é o motivo da cena? Por que incluí-la? Qual é a informação mais importante que a audiência precisa extrair dela? Qual é o foco dessa cena? Para onde ela caminha? Uma cena pode mostrar Tootsie procurando um emprego, sendo que o propósito da cena seria 76
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a contratação. Outra cena pode fazer parte da investigação de um assassinato, mostrando um detetive que encontra uma informação importante. Este é o seu propósito que só vai ser atingido no final da cena. Mas, afinal, por onde começar uma cena? O que a audiência precisa saber para entender a cena? A resposta está na apresentação da cena. No filme Tootsie, a cena poderia começar com Tootsie chegando no estúdio. Neste caso, todo o contexto do estúdio seria mostrado logo de início. Este contexto configura um ambiente de competição, as pessoas envolvidas na cena e alguma informação sobre o que seria pedido de Dorothy. Em seguida, como ficaria a confrontação? Como a cena seria desenvolvida? Que acontecimentos seriam necessários para nos levar da apresentação até o clímax da cena? Em Tootsie a confrontação divide-se em três momentos: Dorothy lê seu texto, em seguida quase é dispensada, mas acaba sendo contratada. Pense em que direção a cena deve seguir para ter uma ligação com a cena seguinte. Em Tootsie a cena de contratação nos leva diretamente à cena em que Michael, vestido de Dorothy, cumprimenta seu agente no Salão de Chá Russo, provando que realmente conseguira o emprego. Pense na ação da cena. Muitos se preocupam demais com a informação a ser transmitida pela cena e, com isso, suas cenas se tornam um verdadeiro palavrório que gira em torno dessa informação. Porém, se pensar em termos da ação de uma cena, ela automaticamente ganha uma nova energia. Ela terá acontecimentos que provocarão certas reações, decisões e novas ações, e as coisas começarão a acontecer. Por exemplo, uma cena pode começar mostrando pessoas conversando numa festa, à noite. Ou pode só falar disto, sem mostrar. No entanto, se você repensar esta cena, considerando o que de fato está se passando, pode resolver começar a cena de outro modo, como, por exemplo, mostrando a reação de pessoas que chegam e se encontram na festa. Outra hipótese seria a de chegar à conclusão de que a cena gira em torno de um conflito e uma confrontação que acontece entre dois dos convidados, que acaba levando a uma ação: um deles vai embora da festa desgostoso; ou eles se alteram, a briga esquenta e um convidado atira um cálice de vinho no outro. Quando se pensa na cena em termos de ação — mesmo no caso de uma cena relativamente estática — ela ganha mais dramaticidade, emoção e dinamismo.
DÊ UMA ESTRUTURA E UM FORMATO ÀS SUAS CENAS Do mesmo modo que a história tem uma estrutura, as cenas também têm um formato. Elas também possuem direção e movimento. Uma cena bem estruturada normalmente se divide em três atos, com um nítido começo, meio e fim. Também costuma ter o primeiro e o segundo pontos de virada, e uma evolução dramática que leva ao clímax. Uma das cenas mais bem estruturadas que conheço é a cena do assassinato, no filme A Testemunha. Fiz uma ligeira edição dela a seguir, mas no roteiro original ela tem umas três páginas, e toma de três quatro minutos de filmagem. Ao assistir ao filme é possível perceber como a direção de Peter Weir realça a estrutura intrínseca de três atos da cena escrita, através da mudança de 77
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movimento e som nos pontos de virada. Ao descrever esta cena, vou dividi-la em três atos para que o leitor possa perceber claramente sua estrutura. PRIMEIRO ATO (A idéia para o começo da cena é mostrar Samuel entrando no banheiro e trocando olhares com um homem que lá se encontra).
INTERIOR DA ESTAÇÃO DE FILADÉLFIA — À NOITE
RACHEL/SAMUEL O menino se levanta, diz alguma coisa à sua mãe, e ela sacode afirmativamente a cabeça,... Ele começa a andar, esquecendo seu chapéu, mas a mãe o alcança e se apressa em lhe colocar o chapéu na cabeça. INTERIOR DO BANHEIRO MASCULINO Vê-se uma longa fila de pias, mictórios e privadas... (Os olhos de Samuel se encontram com os de um homem que está lavando as mãos). Samuel percorre a longa fila de portas, e entra numa delas, no final do corredor. ...Outros dois homens entram no banheiro; um NEGRO grandalhão, usando um terno (McFee) e seu COMPANHEIRO (Fergie), um homem branco, vestindo um jeans de grife e uma jaqueta de couro. PRIMEIRO PONTO DE VIRADA: (O primeiro ponto de virada da cena é o ataque, e o segundo ato da cena vai mostrar o assassinato). SEGUNDO ATO: ÂNGULO DENTRO DA CABINE ONDE ESTÁ SAMUEL Eles avançam sobre o jovem ameaçadoramente... uma luta selvagem, sem palavras se inicia... DE VOLTA À LUTA A briga caminha para um clímax... o homem negro sinaliza ao companheiro para que vigie a porta... ANGULO DENTRO DA CABINE ONDE ESTÁ SAMUEL Quando ele passa, a porta da cabine se entreabre. Por cima de seu ombro... refletido no espelho... podemos vislumbrar o rosto do homem negro. ...o homem negro vai se dirigindo para a saída, quando resolve dar uma última olhada na fileira de cabines. PONTO DE VISTA DO HOMEM NEGRO — AS CABINES Tudo quieto, mas... SEGUNDO PONTO DE VIRADA: (Nesta hora, Samuel se movimenta, fazendo um ruído. Isto nos leva ao terceiro ato da cena, quando McFee examina todas as cabines e quase encontra Samuel). 78
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TERCEIRO ATO: O homem negro apanha, de repente um revólver .357 Magnum e começando pela cabine mais próxima, vai abrindo uma a uma toda as portas. ...À medida que ele vai se aproximando, Samuel tenta desesperadamente fechar o trinco. Finalmente, ele consegue trancar a porta. O HOMEM NEGRO Ele tenta abrir a porta da cabine de Samuel... mas está trancada ÂNGULO DENTRO DA CABINE ONDE ESTÁ SAMUEL Lutando contra o medo, Samuel se encolhe o mais que pode. O HOMEM NEGRO chuta a porta, mas esta resiste... Em desespero, Samuel descobre a única saída possível... agacha-se e passa por debaixo da divisória para a cabine ao lado, que o homem negro já havia examinado. Mas seu chapéu cai no caminho. Close em sua mão, que volta, por baixo da divisória, para apanhar o chapéu... CLÍMAX: ...no exato momento em que o homem negro arromba a porta com um violento pontapé, que arrebenta a fechadura e quase a arranca a porta fora das dobradiças, ele aparece emoldurado pelo vão da porta, como se o cano enorme de seu revólver estivesse apontando para nossas gargantas. RESOLUÇÃO: Uma pausa e, em seguida, o homem negro guarda o revólver no coldre e se vira, acompanhando seu parceiro em direção à saída.
CRIANDO UMA SEQÜÊNCIA DE CENAS Quando você estiver criando uma cena, pense no relacionamento dela com outras cenas. Quanto mais estreito for esse relacionamento entre as cenas, mais nítido serão o fluxo e o foco da história (o que servirá também para evitar que o produtor ou o investidor do filme possa fazer mudanças aleatórias no roteiro). Em geral, uma sequência é composta de várias cenas. Um exemplo bem comum dessas seqüências são aquelas emocionantes cenas de perseguição, em que o mocinho vai chegando cada vez mais perto, e a seqüência em geral termina com um acidente ou com a captura do vilão. Outros exemplos de seqüências de cenas: no filme Os Canhões de Navarone, há uma seqüência de cenas que termina com a destruição dos canhões; no filme Harry e Sally - Feitos um para o Outro, a seqüência se materializa no desenrolar das cenas que vão levando ao reencontro do casal. Outro exemplo de seqüência são aquelas cenas que representam uma corrida contra o tempo para atingir um determinado objetivo, como acontece com Mozart, em Amadeus, numa seqüência que retrata seu empenho para terminar a ópera. 79
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No filme O Fugitivo, a primeira seqüência de cenas, que poderíamos chamar de “O Assassinato e o Julgamento", ocupa os onze minutos iniciais do filme. Nela vemos a cena do crime, a cena do processo e depois, a do julgamento. A próxima seqüência, que chamaremos de “A Fuga”, acaba com o desastre do trem. A seqüência seguinte da “Perseguição” mostra Samuel Gerard, um dos agentes, em seu encalço e termina com a chegada de Kimble em Chicago. Ao olhar para as cenas desse filme, percebemos que estão agrupadas em seqüências, sendo que cada uma delas tem uma correlação com determinada idéia e cenas ações específicas. Em qualquer dessas seqüências, não seria simples eliminar uma cena sem que isso acarretasse prejuízo para o ritmo e os elementos dramáticos mais importantes. Cada cena tem sua razão de ser, e todas nos levam para a cena seguinte. Toda a informação de que precisamos nos é transmitida de antemão. Por exemplo, ficamos sabendo que Samuel Gerard e um delegado antes de ele aparecer na cena do interrogatório. Do mesmo modo acontece com Kimble, que se decide a ir para Chicago procurar "o homem de um braço só”, antes de deixar a cidade.
OBSERVE O RELACIONAMENTO ENTRE AS SUAS CENAS O número de cenas num roteiro pode variar. Você pode ter um roteiro com 75 cenas ou mesmo com 100. Algumas de suas cenas poderão ser bem curtas, como, por exemplo, cenas de apresentação que se passam em um corredor, uma rua ou dentro de um carro. Outras podem ser longas, chegando a ter de uma a quatro páginas. Não existe, na realidade, um número fixo de cenas. Entretanto, se você tiver apenas de duas a três cenas em seu roteiro, o que tem em mãos, na verdade, não é uma mídia cinematográfica, ma sim uma peça de teatro. Por outro lado, se tiver centenas de cenas, o filme deixará a sensação de que tudo se passa muito rápido, com um desenvolvimento truncado e sem que haja tempo adequado para a evolução da história. Observe as cenas do seu roteiro, repare no relacionamento que existe entre elas, e assim descobrirá o que deve fazer para aumentar o interesse da audiência.
ESCOLHENDO CENAS PARA CONTRASTAR Como um filme se constitui basicamente de uma sucessão de imagens em movimento, é possível criar imagens mais impactantes através do relacionamento estabelecido entre duas cenas. Por exemplo, você pode criar um contraste entre duas cenas usando claro e escuro: a primeira cena se passa em um PARQUE — A LUZ DO DIA; a cena seguinte se passa em uma RUA — À NOITE. O contraste também pode se dar através da mudança de clima entre duas cenas: uma cena de sexo, íntima, passional é contrastada com outra em que os personagens discutem. Ou uma cena leve, cômica pode ser seguida por uma cena de violência. No filme Atração Fatal, Alex e Dan estão na cama, juntos, quando ela pergunta se ele está a fim de alguma coisa agitada. Na cena seguinte, CORTE PARA: Os dois dançando freneticamente, numa danceteria. 80
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As cenas podem ser contrastadas pela variação entre uma cena longa, seguida de outra curta, pela mudança de uma cena de diálogo para outra visual, ou de uma cena interna para outra externa. O ritmo também pode variar de uma cena para outra: uma cena calma mostrando alguém indo para a cama, seguida de uma outra que mostra um carro de polícia numa perseguição a outro veículo. No filme O Fugitivo, há uma seqüência de cenas que se alternam, que mostram Gerard novamente no encalço de Kimble. Um determinado tema pode ser contrastado de cena para cena. Você pode passar da cena frenética de um violento assassinato para uma cena silenciosa no interior de uma capela. Ou de uma cena que retrate uma acalorada discussão em família para outra em que a família aparece feliz, reunida em torno da mesa. (Em muitos de seus filmes Woody Allen explora com maestria essa técnica do contraste entre cenas que retratam diversos tipos de relacionamento familiar). O contraste de determinado tema pode ser intensificado através do intercutting (técnica que mescla, intercala duas ou mais cenas contrastantes que foram gravadas em separado). No filme A Lista de Schlinder, a cena do casamento no campo de concentração é intercalada com a cena de Schlinder beijando uma mulher em um night club que, por sua vez, é mesclada com a cena do comandante batendo em Helen, a mulher que ele havia levado para casa. No filme Cabaré, há também uma cena parecida com essa, em que o som de uma briga num beco como que reproduz a música e o barulho das conversas e risadas dentro do cabaré. No filme O Poderoso Chefão, a cena de um batizado é contrastada com a de um assassinato. No segundo filme desta série, a cena de um desfile é intercalada com a cena de um assassinato, e em O Poderoso Chefão III, a cena da ópera é intercalada com cenas de outro assassinato.
O QUE PODE DAR ERRADO COM CENAS BEM ESCRITAS? As cenas que fluem bem não existem de forma isolada, mas fazem parte de uma seqüência de cenas que conduzem a história em direção ao clímax. Quando um filme parece não fluir bem, muitas vezes o problema se encontra em cenas que, embora estejam bem-feitas, não estão bem conectadas com as cenas seguintes. Isto pode ser especialmente fatal quando se trata de filmes muito longos. Quando as cenas não fluem bem, nem estão bem conectadas entre si ou com a espinha dorsal da história, um filme de duas horas parece interminável. Faça uma comparação: Assista alguns filmes como A Lista de Schlinder, Dança com Lobos ou JFK(todos com três horas de duração) e compare com outros filmes menos longos como O Último Imperador, Esperança e Glória, A Insustentável Leveza do Ser e Short Cuts — Cenas da Vida. Embora os últimos quatro tenham seu brilho, parecem muito longos por terem muitas cenas paradas e descritivas, em vez de ter utilizado seqüências de cenas para gerar momentum. Quando as cenas seguem por um caminho definido, são bem construídas e têm um rumo certo, o filme acaba envolvendo a audiência de tal maneira que ela perde a noção do tempo. Esperança e Glória é um filme particularmente útil para se entende essas relações existentes 81
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entre cenas. Trata-se de um filme encantador, cheio de estilo, com um charme especial. Contudo, é um tanto episódico, pois carece de uma força condutora mais significativa. Apesar de ter cenas individuais muito boas, elas não se integram bem no sentido de conduzir a história ao seu clímax. Com isso, não se tem a sensação de que o final está se aproximando, e quando o final efetivamente chega, as pessoas ficam um pouco perplexas, achando que a resolução parece meio arbitrária. Algumas vezes as cenas não fluem bem por falta de momentum ou de se ter investido mais na evolução dramática no contexto de uma determinada cena. Em vez de ir evoluindo em direção a um ponto determinado, a cena é monótona, estática, descritiva. Há cenas que mostram, por exemplo, um policial dirigindo uma viatura pelas ruas da cidade, uma mulher escrevendo em seu diário, um homem trabalhando. Em seguida, outra cena mostra o mesmo policial na delegacia, a mulher saindo de casa para o trabalho e o homem voltando para casa. Embora exista espaço num filme para cenas desse tipo, ou seja, cenas meramente de exposição ou cuja única finalidade é revelar algum personagem, se o peso delas superar o das cenas que fazem a história evoluir, o filme vai parecer estático. Quando o público gosta dos personagens (o que muitas vezes acontece comigo), pode ser que tenha um pouco mais de paciência com a falta de evolução dramática e de direção da história. Mas quando os personagens não são simpáticos, um filme de noventa minutos parece durar três horas. Para compreender bem este conceito, vamos analisar dois filmes que despertaram bastante interesse em 1993: O Sol do Paraíso e Vício Frenético. Os cineastas de ambos os filmes são, sem dúvida, muito talentosos e têm grande potencial. Entretanto, há muitas cenas nesses filmes que são estáticas, meramente descritivas e repetitivas. O mesmo ocorre com alguns filmes de Robert Altman e John Cassavetes. Apesar de serem brilhantes em muitos aspectos, geralmente se nota, em seus filmes, a falta de elementos dramáticos mais fortes que promovam o desenrolar da história. Quando a gente gosta dos personagens ou do estilo adotado pelo diretor (o que acontece comigo nesses dois casos), é possível ter um pouco mais de paciência com a natureza episódica das cenas. Mas, é sempre bom lembrar que uma cena pode trabalhar em vários níveis diferentes. Mesmo sendo uma cena fortemente voltada para o personagem ou para a história em si, ela pode, ao mesmo tempo explorar um certo tema e ajudar a construir uma imagem.
APLICAÇÃO Quando estiver analisando suas próprias cenas, faça as seguintes Perguntas:
■
Existe uma razão de ser para todas as minhas cenas, dentro da história?
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A maioria das cenas conduz a história em direção ao clímax?
■ Será que dei uma boa estrutura a cada cena isolada, de modo que todas caminhem numa determinada direção? Será que todas elas fazem sentido, têm algo a dizer? ■ Será que estou dando muitas informações desnecessárias, antes de realmente introduzir uma cena? Ou estou deixando para introduzir as cenas na última hora? 82
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■ Será que estou alongando a cena, mesmo depois de já ter mostrado o que queria, apesar de não haver mais nada a dizer? ■ Estou bem ciente do fato de que as cenas de um filme retratam basicamente imagens? Estou me lembrando de que é melhor mostrar uma imagem, mostrar os conflitos e emoções, do que ficar dando informações verbalizadas? ■ O relacionamento entre as cenas é interessante? As minhas cenas são repetitivas, monótonas? Ou são intensas, emocionantes, dramáticas, com acontecimentos fascinantes? ■ Será que conseguirei prender a atenção do público, não só pelo sentido geral da história, mas também pelas cenas isoladas que vão pouco a pouco conduzindo ao clímax? Todo filme cria um certo ritmo visual e consegue chegar a esse ritmo, em grande parte, através da dinâmica que vai surgindo entre as cenas e também pela interação de uma com outra. O contraste entre as cenas, sua estrutura, a intensidade de cada uma, e a dinâmica dos personagens, tudo isso age em conjunto para construir a história através das cenas. Se as cenas funcionam bem, você está no caminho certo para criar um roteiro que consiga ter momentum e clareza. Mas isso não basta. Além de movimento seu roteiro também precisa ter coesão.
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CAPÍTULO 6
CRIANDO UM ROTEIRO COESO Toda forma de arte busca um senso de unidade. Seja ao ouvir uma música, apreciar uma pintura, ou ao assistir a um filme, sempre queremos ter essa sensação de que a obra tem unidade, coesão. Obras de arte de gêneros diferentes conseguem chegar a essa coesão de diferentes formas. A música, por exemplo, lança mão de motivos e ritmos recorrentes que unificam uma composição. Não raro um determinado instrumento marca presença em uma sinfonia, tocando sempre uma mesma melodia. Em certas passagens, os trombones, os trompetes ou os tímpanos se sobressaem pela repetição de um certo som ou ritmo. Assim, a composição musical adquire um senso de unidade, pois percebemos que tem começo, meio e fim, sendo essas repetições que nos ajudam a perceber que ainda se trata da mesma peça musical. A pintura também costuma recorrer à repetição de cores e formas para alcançar essa coesão. Mesmo numa peça artesanal, como uma colcha de retalhos, o mesmo tipo de tecido ou o mesmo formato é usado justamente com essa finalidade. Já na arquitetura, a coesão é obtida pela repetição do estilo das janelas e dos arcos, por exemplo, ou mesmo através da utilização de luz. Com os filmes não poderia ser diferente. Eles também precisam passar um senso de unidade e integração. Os roteiros se tornam coesos pelo uso de recursos como a antecipação, o desfecho, os temas recorrentes, a repetição e os contrastes.
ANTECIPAÇÃO DE DESFECHO Todos nós já vimos algum filme de mistério em que a câmera dá um zoom numa faca, que mais tarde será usada para cometer um crime, ou mesmo onde um personagem faz alguma ameaça que só será levada a cabo posteriormente. Estes são alguns dos exemplos mais simples de utilização de dois recursos: a antecipação e o desfecho. A antecipação é uma pista fornecida sob a forma visual — ou através de um trecho de diálogo — que costuma ser utilizada para introduzir determinada ação ou passar alguma informação cujo desfecho só se dará mais para frente na história. Normalmente vemos a antecipação e o desfecho serem utilizados em filmes de mistério, como forma de ajudar o público a acompanhar pistas complexas, que conduzirão à solução do caso. Esses recursos também podem ser utilizados em comédias, onde a apresentação de uma piada deve ser feita de tal forma a arrancar o máximo possível de risos na platéia. Bem no início da trilogia de Star Wars são fornecidas importantes informações sobre o pai de Luke Skywalker. Essas informações só têm um desfecho quando descobrimos que Darth Vader é o pai dele. Em Tootsie, ficamos sabendo que houve algum problema com a fita de vídeo, e que o 84
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programa irá ao ar ao vivo. Essa informação tem seu desfecho quando Michael vê nisto a oportunidade para se desmascarar, bem no clímax do filme. A maioria dos filmes utiliza alguma forma de antecipação e desfecho. No filme Uma Aventura na Africa, acompanhe a maneira como Charlie descreve a fortaleza alemã pela qual terão que passar, antes de torpedear o Louisa, antecipando o perigo a que estarão expostos ao descerem o rio. ALNUTT Se há algum ponto ao longo do rio em que os soldados alemães certamente estarão de olho é Shona, pois é lá que existe uma travessia de balsa, bem onde desemboca a estrada velha que vem do sul. ROSE Mas eles não podem fazer nada conosco. ALLNUTT Não podem, é? Eles têm fuzis, metralhadoras, talvez até canhões. Basta um tirinho nesta nossa banheira velha, mocinha, que iremos pelos ares, em pedacinhos. ROSE Então passaremos por la durante a noite. ALLNUT Ah, não. Isto é que não! ROSE E por que não? ALLNUT Porque as corredeiras começam um pouco depois de Shona, e nem um louco as atravessaria de dia, quanto mais à noite. ROSE Então passaremos durante o dia. Iremos pela margem oposta, e passaremos o mais rápido e o mais longe possível de Shona. E foi exatamente isso que eles fizeram, e tudo ocorreu da forma como haviam previsto. Aqui vemos antecipação e desfecho sendo utilizados da forma mais direta possível. O diálogo menciona que algo vai acontecer e, mais tarde, aquilo de fato acontece, exatamente como previsto. Em E o Vento Levou, enquanto deixam uma Atlanta em chamas para trás, Rhett Butler diz a Scarlett que ela está assistindo à derrota do velho Sul. E mais tarde o filme confirma as palavras dele. Em De Volta para o Futuro, vemos algumas formas inusitadas de utilizar a antecipação e o 85
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desfecho. Esse roteiro extremamente compacto é talvez um dos melhores exemplos de como a antecipação e o desfecho podem ser usados para dar coesão, humor e tensão a uma história. Desenvolver o relacionamento entre o presente e o passado exigiu muito cuidado na hora de escrever o roteiro. Muito do humor e do sentido de coesão da história decorrem dessa atenção aos detalhes. Existem vários tipos de antecipações e desfechos em De Volta para o Futuro. O primeiro tipo de antecipação é de caráter informativo, pois de certa forma introduz o que vai acontecer e o que se deve esperar. Muitos diálogos giram em torno de como a máquina do tempo funciona e de como acontecem as viagens através do tempo. É o próprio professor Brown quem explica: BROWN Eu lhe apresento a minha mais nova invenção. Esta é a maior de todas — a que passei minha vida toda tentando construir... Se meus cálculos estiverem corretos, quando este carro atingir a velocidade de 140 km/h, você verá algo incrível acontecer. E tudo acontece exatamente como ele antecipara. Ao atingirem 140km/h, Marty é arremessado ao passado. Brown fala do capacitor de fluxo, do relógio, e do tipo de combustível que utilizou, o que virá a causar toda sorte de complicações mais adiante. MARTY Ele funciona com gasolina sem chumbo? BROWN Infelizmente não. Ele precisa de alguma coisa que forneça muito mais energia... Então, Brown aponta para um tanque, onde estão desenhados os símbolos de material radioativo. Plutônio! MARTY Plutônio?! Mais tarde, vai faltar plutônio para levar Marty de volta ao futuro, e Brown começará a ficar desesperado, quando percebe quanta energia é necessária para fazer a máquina do tempo funcionar. BROWN 1,21 gigawatts! Como vou gerar toda esta energia?... A única fonte capaz de fornecer esta quantidade enorme de energia é um raio... Infelizmente, nunca se sabe quando e onde um raio vai cair. Isto nos leva ao segundo tipo de antecipação, no qual um objeto ou informação é apresentado num contexto e o desfecho só ocorre em outro. Esse tipo de antecipação é muito sutil, e seu desfecho é imprevisível e surpreendente. Primeiro, fornece ao público algum dado que parece irrelevante, mas que mais tarde se transforma num desfecho, à medida que vamos 86
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entendendo seu significado. Em De Volta para o Futuro, observe como importantes informações sobre a torre do relógio são apresentadas. No início do filme, quando Marty e Jennifer estão planejando passar o fim de semana juntos, um ativista, que faz uma campanha para salvar a torre do relógio, entrega-lhes um panfleto, enquanto grita palavras de ordem: “Salvem a torre do relógio! Salvem a torre do relógio! O panfleto menciona o dia e a hora em que o relógio parou de funcionar, anos atrás, quando foi atingido por um raio. Jennifer pega o panfleto e o utiliza para outra finalidade. Em vez de demonstrar interesse pela informação sobre a torre, ela usa o panfleto para escrever seu telefone e um recado para Marty: “Eu te amo”. Mais tarde, quando está preso no passado, Marty explica por que é tão urgente que ele retorne ao futuro. Ele usa o bilhete de amor de Jennifer como justificativa. MARTY Mas eu não posso ficar preso aqui. O senhor não entende, doutor? Meus compromissos, minha vida estão em 1985. Preciso voltar para lá de todo jeito! Minha namorada está me esperando... Olha o que ela escreveu aqui! Então, ele mostra o panfleto da torre do relógio com o recado de Jennifer. Neste exato momento, Marty olha para o panfleto e descobre que existe uma maneira de saber quando e onde um raio cairá. Ele percebe que existe uma forma de conseguir a energia necessária para transportá-lo de volta para o futuro. O panfleto da torre do relógio fornece a informação sobre onde e quando o raio vai cair. Da mesma maneira que um objeto pode ser utilizado como forma de criar antecipação e desfecho, os diálogos também podem ser usado para trazer à tona alguma informação, que possa parecer irrelevante num contexto, mas que se torna de grande importância em outro. Por exemplo, em 1985, o professor Brown menciona uma data histórica — 5 de novembro de 1955: BROWN Este foi o dia em que inventei a viagem no tempo... Eu estava em cima do vaso sanitário, pendurando um relógio, quando escorreguei bati a cabeça na pia e desmaiei. Quando voltei a mim, tive uma revelação... uma visão. Gastei 30 anos da minha vida e toda minha fortuna para transformar essa visão em realidade. Em uma cena posterior, quando Marty chega à porta da casa do professor Brown, em 1955, contando uma história incrível sobre a invenção de uma máquina de viajar no tempo, ele nota o band-aid na testa de Brown, e consegue convencer o doutor de que era verdade que o conhecera em 1985. MARTY Dr. Brown... Olha, este galo na sua testa. Eu sei como aconteceu. Foi esta manhã. O senhor caiu de cima do vaso sanitário e bateu a cabeça na pia. E foi justamente neste momento que o senhor teve a idéia de fazer o capacitor de fluxo, que é o coração da máquina do tempo! 87
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Grande parte da informação sobre o relacionamento entre George e Lorraine é apresentada da mesma forma, como uma informação aparentemente casual no presente, mas que se torna fonte de motivação para Marty no passado. Lorraine conta como conheceu George, quando ele fora atropelado pelo pai dela. Ela continua a contar como havia sido o primeiro encontro deles: LORRAINE Nunca vou me esquecer.... Foi na noite daquela tempestade terrível... Seu pai me beijou, pela primeira vez, na pista de dança — e naquele momento percebi que passaria o resto da minha vida com ele. Como havia sido o beijo que provocou o casamento, sem beijo não haveria casamento, nem Marty teria nascido. Para salvar sua própria vida, era indispensável que Marty conseguisse fazer com que seus pais se encontrassem. Ao perceber a influência que Marty poderia ter sobre os acontecimentos futuros, o professor Brown antecipa ainda mais a gravidade da situação. BROWN Você não deve sair de casa. Qualquer coisa que fizer pode ter sérias conseqüências sobre os acontecimentos do futuro.... Marty, com quem mais você esteve hoje, além de mim? MARTY Ah, com quase ninguém... Só encontrei meus pais, por acaso... BROWN Você interferiu no primeiro encontro dos seus pais... Muito bem, garoto. Fique na cola do seu pai, e faça de tudo para que ele leve sua mãe ao baile. Muitas vezes a antecipação e o desfecho podem ser utilizados apenas com finalidade de humor, para conferir um senso de integração ao roteiro, sem serem, necessariamente, essenciais para a história. Por exemplo, em 1985, acompanhamos a campanha de Goldie Wilson para prefeito. Em 1955, vemos como Marty plantou a idéia “política” na cabeça de Wilson. WILSON Eu vou ser alguém na vida. MARTY É isto aí. Quem sabe vai ser prefeito, algum dia. WILSON Prefeito.... Esta é uma boa idéia. Posso me candidatar a prefeito! Joey, irmão de Lorraine, é mencionado no primeiro ato, numa antecipação cujo desfecho — bem-humorado — se dará somente no segundo ato. No presente, vemos Lorraine preparando um bolo, para dar vindas a seu irmão, que deveria ser solto da prisão. Infelizmente ainda não será desta vez que Joey conseguirá obter sua liberdade condicional. No passado, descobrimos por que: 88
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A MÃE DE LORRAINE O pequeno Joey adora ficar no seu chiqueirinho. Ele chega a chorar quando tentamos tirá-lo de lá. Por isso, deixamos ele lá o tempo todo... parece que isto o deixa feliz. Mesmo a informação aparentemente sem importância de que George, quando jovem, gostava de escrever histórias de ficção científica, tem seu desfecho na resolução, quando vemos que ele acaba de publicar o seu primeiro livro. Note, em todos esses exemplos, que nada é esquecido, nada é desprezado. Todo elemento que é apresentado e cria uma antecipação tem seu desfecho em algum momento do roteiro. Tudo que for necessário para o desfecho final da história é apresentado em algum momento, no início.
TEMAS RECORRENTES Enquanto a antecipação e o desfecho normalmente mantêm relação com a história, os temas recorrentes tendem a ser mais relacionados com o tema principal. O tema recorrente vem a ser alguma imagem, ritmo ou som que se repete ao longo do filme, com o propósito de conferir profundidade e dimensão à linha de ação dramática, e dar mais textura ao tema principal. Precisa ser repetido, no mínimo, por três vezes, para cumprir sua função. Os que produzem os melhores efeitos são os temas recorrentes que se repetem por todo o filme, pois ajudam o público a se concentrar em determinados elementos. Um dos temas recorrentes mais fáceis de reconhecer nos filmes é, na realidade, o tema sonoro — como, por exemplo, aquele som que ouvimos, no filme O Tubarão, toda vez que o tubarão se aproxima. Este som foi apresentado, a princípio, nos três primeiros minutos do filme. É tocado cada vez que o tubarão se aproxima, com uma única exceção — quando o tubarão atacou Quint, Matt e Martin pela primeira vez. Isso faz com que a tensão aumente, por antecipação, cada vez que ouvimos esse som, pois faz com que possamos prever que o tubarão vai atacar de novo. A única vez em que o som não foi usado, o medo se tornou ainda maior, por ter sido algo inesperado. Em Os Caça-Fantasmas, vemos o tema recorrente dos leões que mais tarde se transformam no demônio Zuul. Esta imagem aparece ao longo do filme sob diversos disfarces: como os leões, na biblioteca, como o cão feroz na geladeira de Dana, e mais tarde como os demônios que dominam Dana e Louis. Cada vez que vemos essas imagens, as figuras se alteram, ficando ainda mais sinistras. No final, Dana e Louis se libertam desses demônios, permitindo que os cidadãos de Nova Iorque vivam em paz. Em Cocoon, também há um tema recorrente — golfinhos — que, embora seja algo ainda menos relacionado à história, acrescenta dimensionalidade e textura ao roteiro. No início do filme, nuvens se formam e algo estranho ocorre no céu, provocando uma reação dos golfinhos, dentro do mar. Mais tarde, quando os casulos centenários são tirados da água, os golfinhos estão próximos. Os golfinhos novamente estão por perto, quando os casulos são devolvidos ao mar, no terceiro ato. Esses animais são usados no filme como uma metáfora. Sua imagem desperta diversas 89
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associações que costumamos fazer com esta criatura tão dócil, que nos parece ser o mais “humano” dos animais marinhos. Os golfinhos têm uma linguagem própria e são conhecidos como animais pacíficos e afáveis. Cercar os habitantes de Antares de golfinhos estabelece uma ligação subliminar entre estas duas espécies que, embora muito diferentes, possuem qualidades semelhantes. Influenciados por essa associação, passamos a encarar os habitantes de Antares como seres extraterrestre amistosos, pacíficos, merecedores de nossa ajuda. Este tema recorrente nos ajuda a dimensionar os habitantes de Antares e nos dá pistas sobre o que devemos pensar e sentir a respeito de sua missão. O roteiro do filme A Testemunha adquire coesão por intermédio de um tema recorrente relacionado à lavoura: grãos de trigo. Ao longo do filme acompanhamos várias mudanças no uso dos grãos de trigo produzidos pela lavoura. Essas mudanças simbolizam as alterações por que passam John Book e toda a comunidade amish, através de imagens que reforçam a simplicidade e a pureza dessa comunidade ou que ganham uma força dramática adicional por meio de contrastes. No início do filme, vemos os amish atravessando a lavoura a pé, enquanto se dirigem a um enterro. Eles formam uma comunidade rural que vive em harmonia com a terra, como notamos pelas imagens de quando emergem da lavoura alta e caminham em direção à casa. Durante a cena do enterro vemos o pão sendo colocado sobre a mesa. Aqui, o grão de trigo passou por uma transformação, mas continua sendo natural, íntegro e nutritivo. Na cidade, há uma cena em que Rachel e John Book comem um cachorro-quente num fastfood. Nessa cena, o grão, fruto da lavoura, foi corrompido, pois foi processado e alterado em relação à sua forma normal, natural e saudável, da mesma forma como Rachel e Samuel se deixaram corromper pela cidade. No segundo ato, a cena em que Rachel esconde munição dentro da farinha demonstra que harmonia e violência agora estão ligadas uma à outra, devido à presença de John na comunidade. No terceiro ato, os grãos estocados no silo se transformam em uma arma mortífera, como símbolo supremo da violência que invadiu esta comunidade pacífica.
REPETIÇÃO E CONTRASTE Qualquer coisa que repita uma idéia ou imagem num roteiro pode ser considerada uma repetição. A repetição pode ocorrer através de imagens, diálogos, atributos dos personagens, da trilha sonora ou do uso de qualquer combinação destes elementos, para manter a audiência concentrada numa determinada idéia. Por exemplo, se você estivesse escrevendo uma história sobre um alcoólatra, você poderia repetir esta informação sobre o personagem de diversas maneiras. De início, poderia mostrar o personagem bebendo. Em seguida, poderia mostrá-lo curtindo sua ressaca. Noutras cenas, ele poderia aparecer em uma casa, cercado por garrafas de vinho vazias, ou cambaleando pela rua, ou pedindo dinheiro para comprar bebida, ou desesperado por causa de seu vício. Recorrendo ao uso 90
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de diversas imagens e características, e distribuindo-as como um fio que percorre todo o roteiro, você manteria sua audiência concentrada no seu foco de interesse. Da mesma forma que a repetição, o contraste também ajuda a manter o foco do roteiro, pois exige que resgatemos do passado algo que servirá de contraste no futuro. Somente porque já tínhamos ficado sabendo que os amish são pessoas pacifistas, que se opõem à violência, é que podemos entender o motivo de a atitude de John Book — no final do terceiro ato, quando ele esmurra os punks — ter deixado os turistas chocados, pois era uma atitude que decididamente nada tinha a ver com os amish. No filme E O Ventou Levou, a primeira e a segunda parte estabelecem contrastes com o estilo de vida que o vento levou. Vemos os conotes em Four Oaks, antes e depois; em Tara, antes e depois; do Sr. O'hara, antes e depois; e as mudanças ocorridas com Scarlett, antes e depois da guerra. De Volta para o Futuro utiliza os contrastes para fazer humor — desde o filme de Ronald Reagan dos anos 50, passando pelos diferentes tipos de skate usados no passado e hoje em dia, e as mudanças ocorridas em Biff, George e Lorraine — contrastando passado e futuro. Os contrastes ajudam o roteirista a trabalhar os opostos e ajudam a audiência a fazer ligações, ao mostrar as diferenças entre as diferentes partes da história. O contraste coloca certos detalhes em destaque, fazendo com que nós os observemos com mais atenção, por que já tivemos contato com o seu oposto. Você pode usar os contrastes para mostrar as diferenças entre personagens, cenas, locações, texturas e energia. Você pode contrastar personagens — mostrando talvez duas pessoas de tipos completamente diferentes, como Eddie Murphy e Nicky Nolte, em 48 Horas, ou como vemos em Atração Fatal, contrastando a morena Beth (a esposa) com a loira Alex (a amante). O filme O Tubarão contrasta a diversão e a trivialidade de uma festa na praia com a morte de um banhista, instantes depois. Em A Testemunha, o ambiente, os ruídos e a energia frenética da cidade são contrastados com a vida pacata dos amish, no segundo ato. Uma Aventura na Africa contrasta dois personagens completamente diferentes — Rose e Allnutt — que têm um objetivo comum. Contrastes, repetições, temas recorrentes, antecipações e desfechos são recursos utilizados com a finalidade de conferir unidade a uma historia, reforçar sua linha temática, e manter o foco da audiência sobre aquilo que você deseja que ela se concentre.
DIFICULDADES PARA DAR UNIDADE AO ROTEIRO O processo de reescrever muitas vezes prejudica a unidade do roteiro. Várias discussões em torno dos aspectos que precisam ser reescritos se restringem a algumas partes do roteiro e não o analisam corno um todo. 91
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Pode ocorrer do diretor querer mudar a cena do assassinato, sem se dar conta de que, ao alterar o desfecho, será necessário mudar completamente a antecipação de uma cena anterior. Certa vez, participei de uma reunião na qual o roteirista, o diretor e o produtor me disseram tinham resolvido acrescentar um assassinato na primeira cena. No entanto, eles não haviam percebido que isto alteraria toda a linha de ação dramática, dali para frente. Depois de doze horas tentando encaixar essa nova cena, sem perder as cenas excelentes que vinham a seguir, acabamos desistindo da alteração. Problemas com a unificação do roteiro são particularmente comuns em histórias de mistério e de espionagem. Muitos executivos se recusam a comprar estes tipos de histórias, por acreditarem que o público não se interessa por elas, uma vez que não costumam ser sucesso de bilheteria. Na realidade, quase todos nós gostamos de um bom enigma. O que acontece é que muito poucos deles são interessantes, pois em geral pistas essenciais são omitidas, ou a apresentação e desfecho das informações não são bem elaborados, de forma que possamos acompanhar a história. Pense em Mistério no Parque Gorki, A Garota do Tambor e O Casal Osterman. Nenhum deles teve bom desempenho comercial. A despeito de terem algumas ações emocionantes e intrigantes linhas de ação dramática, todos estes filmes tiveram problemas relacionados à falta de clareza de informações. Antecipações e desfechos inadequados contribuíram para seu fracasso. Dramas, comédias, filmes de faroeste e de ficção científica também precisam ser muito claros na maneira como apresentam suas informações. O filme A Missão foi alvo de muitas críticas por uma apresentação e desfecho falhos no que diz respeito à sua geografia. Ora parecia difícil escalar a montanha, ora parecia fácil. A antecipação das dificuldades no primeiro ato, e seu desfecho, nas cenas de batalha do terceiro, não parecem se encaixar. O mesmo tipo de crítica foi feita com relação a Nascido Para Matar e Sem Saída. Alguns críticos chegaram a comentar que a A Cor do Dinheiro consistia, na realidade, em dois filmes diferentes, pois algumas reviravoltas do final nada tinham a ver com a apresentação feita no início. A bem da verdade todos nós já assistimos a filmes de suspense que, a uma certa altura, nos deixam perdidos, pela falta de coesão de seus roteiros. Quando se reescreve um roteiro, uma das coisas mais difíceis é conseguir manter sua unidade. Como bem demonstram os exemplos citados, muitas vezes nem mesmo profissionais brilhantes conseguem manter um roteiro coeso. Isto exige uma grande atenção aos detalhes, uma análise exaustiva e constante visão do roteiro como um todo. Todo esse cuidado, contudo, será bem recompensado — que o digam o sucesso de crítica de público e o Oscar da Academia.
APLICAÇÃO O melhor momento para se trabalhar estes elementos e incorporá-los ao roteiro é durante o processo de reescrita. Muitas vezes um roteirista não percebe que já tem em seu roteiro a semente para um tema recorrente, ou que a antecipação de algum desfecho pode ser aprofundada, visando dar maior impacto dramático e mais unidade ao filme. Trabalhar com estes elementos exige uma 92
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análise exaustiva para ver como eles trabalham dentro da sua história. Quando começar a reescrever seu roteiro, assegure-se de que todas as antecipações tenham seus respectivos desfechos e vice-versa. Se já reescreveu o roteiro várias vezes, pode ser que descubra que alguma antecipação simplesmente sumiu do roteiro, à medida que se passa de uma revisão para outra. Ou que algum desfecho que você achava que tinha escrito, na verdade nunca foi, exceto na sua cabeça. Portanto, siga cuidadosamente cada detalhe, para evitar que seu roteiro tenha pontas soltas. Procure temas recorrentes que possam ser ampliados. Para fazer isto,é interessante analisar os objetos que utilizou no roteiro. Será que algum objetos poderia ser usado para criar um tema ou imagem recorrente? Existe algum som que seja parte integrante da sua história e que possa ser usado como tema? Numa história de mistério, isto poderia ser, por exemplo, o ruído de um sapato, o que funciona bem tanto como tema, quanto como antecipação e desfecho. Numa história de ficção científica criar um ritmo repetitivo, como o som utilizado para se comunicar com os extraterrestres no filme Contatos Imediatos de Terceiro Grau. No final, pergunte a si mesmo: ■ Tudo que tem desfecho tem antecipação em meu roteiro? ■ Tudo que tem antecipação tem desfecho no roteiro? ■ Descobri maneiras originais para transmitir informações sobre antecipações e desfechos? Será que nas apresentações e desfechos recorri a certos recursos como mudança de funções, disfarce de informações ou uso de humor? ■ Será que criei ou sugeri temas que o diretor possa aproveitar para integrar visualmente o roteiro? Pensei visualmente o meu roteiro repetindo certas imagens que lhe darão um senso de coesão? ■ Contrastei cenas, personagens, ações ou mesmo imagens, para dar mais dramaticidade e mais impacto ao meu roteiro? ■ Procurei ver o roteiro como um todo, ao invés de me concentrar nas partes, pelo menos em uma das vezes em que o reescrevi? Parte do prazer de reescrever um roteiro está justamente na oportunidade de delinear todos estes relacionamentos. É uma oportunidade perfeita para expandir imagens e temas, intercalandoos ao longo do roteiro. Porém, a fim de encontrar essas imagens potenciais, que o ajudarão a dar mais dimensão à história e ao tema, é necessário explorar as linhas temáticas do roteiro. É preciso se perguntar: “O que isto realmente significa, e como posso construir sentidos, dramaticamente, através de imagens? A segunda parte deste livro vai examinar como fazer para elucidar e trabalhar o tema que está por trás da história.
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PARTE 2
O DESENVOLVIMENTO DA IDÉIA
CAPÍTULO 7 94
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TRANSFORMANDO SEU ROTEIRO EM ALGO VENDÁVEL Mesmo que você seja um ótimo escritor e que seu roteiro esteja maravilhoso a pergunta que todos os produtores e investidores fazem é sempre a mesma: “Será que dará um filme comercial?”. As pessoas têm diferentes idéias sobre o que significa ser comercial. Muitos produtores pensam que é só uma questão de saber dourar a pílula. Eles costumam dizer: “Contrate os artistas certos e você terá um filme comercial.” Outros ainda afirmam categoricamente: “Se conseguirmos nomes como Meryl Streep, Tom Cruise, Robert Redford ou Barbra Streisand para o elenco, com certeza o filme será comercial.” Entretanto, infelizmente não existe uma fórmula para o sucesso, pois todos esses artistas também já tiveram seus fracassos de bilheteria. Outros pensam que o sucesso depende do assunto abordado pelo filme. Procuram descobrir coisas que estejam na moda, e tentam tirar proveito de tudo que está em voga. Depois de Platoon, tinha-se a impressão de que os filmes sobre o Vietnã estavam em alta. Entretanto, Hanoi Hilton não confirmou essa hipótese. Depois do filme Jogos de Guerra, muitos apostaram em filmes relacionados ao mundo da computação. Mas D.A.R.Y.L. , que foi lançado pouco depois, não teve o mesmo sucesso de bilheteria. Depois do estrondoso sucesso de Guerra nas Estrelas, todos acharam que o ideal seria investir em filmes espaciais. Mas O Abismo Negro e Piratas das Galáxias mostraram que este não era bem o caso. Muitos apostam que a solução é fazer a adaptação de algum romance que esteja entre os mais vendidos e a história automaticamente se transformará num filme de sucesso. De vez em quando isto pode até dar certo. Mas, infelizmente, também temos alguns exemplos que mostram bem o contrário. O Resgate do Titanic praticamente provocou a ruína da Marble Arch Productions. A Fogueira das Vaidades foi um retumbante fracasso de bilheteria, e até filmes baseados em romances super emocionantes como: Coma e A Garota do Tambor, tiveram resultados comerciais medíocres. Que tal então apostarmos em continuações? O sucesso de Rocky, Um Lutador, Rocky II, A Revanche, Rocky III, O Desafio Supremo e Rocky IV parecia estar garantido. Mas vocês se lembram do fracasso de Tubarão III? Além do mais, os roteiros das continuações acabam se tornando muito mais difíceis de serem redigidos. O filme Rambo II, A Missão foi lançado muitos anos depois de Rambo, Programado para Matar, e seu roteiro precisou ser reescrito dezessete vezes, até se tornar viável. Raramente as continuações conseguem ser tão boas quanto o filme original. Em geral não têm o mesmo charme, nem a mesma clareza e originalidade da primeira história. Basta nos lembrarmos de Os Caça-Fantasmas II, Olha Quem Está Falando Também ou de Tubarão III. Para cada uma dessas fórmulas para um sucesso fácil, existe uma porção de exemplos que prova justamente o contrário. Entretanto, existem de fato certos elementos, que passaremos a analisar agora, que parecem ter uma contribuição decisiva para o sucesso de um filme — mesmo quando o roteirista não é amigo íntimo de Meryl Streep ou de Robert Redford. 95
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OS TRÊS FATORES FUNDAMENTAIS PARA O SUCESSO Uma coisa importante, que se deve ter sempre em mente, é que os filmes que se tornam sucessos de bilheteria não dependem para isso de um único fator. Na verdade, existem três fatores que podem ser apontados como responsáveis pelo sucesso de um roteiro, e que talvez seja interessante analisarmos: 1) o apelo comercial; 2) a criatividade, 3) a estrutura do roteiro. Se apenas um deles estiver faltando, a probabilidade de fracasso é bem maior. Mesmo que você consiga vender seu roteiro, o filme certamente não alcançará sucesso de bilheteria. Nos primeiros seis capítulos deste livro, analisamos a estrutura do roteiro. Se a história não estiver bem alinhavada, se parecer sem sentido, o roteiro enfrentará sérias dificuldades em qualquer mercado do mundo. Com certeza todos nos já vimos roteiros que foram vendidos e produzidos mesmo sem ter uma estrutura sólida. Alguns deles até se saíram bem na bilheteria. Mas estas são exceções raríssimas. A maior parte dos grandes sucessos de bilheteria — como Guerra nas Estrelas, De Volta para o Futuro, O Tubarão, Os Caçadores da Arca Perdida, E.T. — O Extra-Terrestre e Os Caça Fantasmas — tem uma história muitíssimo bem estruturada. Ao longo dos tempos, uma boa estrutura tem mostrado ser um elemento essencial para o sucesso de um filme — a despeito de qualquer outro ingrediente apontado como “infalível" para o sucesso comercial. Contudo, a estrutura por si só não resolve nada, se não for acompanhada da criatividade do autor. Quando os produtores falam em criatividade, em geral, querem dizer o seguinte: “O roteiro mostra algo novo? É original? Tem algo de diferente? É exclusivo?”. Ou podem muito bem estar querendo saber se a história prende a atenção, se é instigante, ou se a idéia por trás da história tem apelo suficiente para envolver o espectador. Muitos dos maiores sucessos comerciais são baseados numa idéia original bem-executada. Sucessos como Os Caça-Fantasmas, Jogos de Guerra, Por favor, Matem Minha Mulher e E. T. — O Extra-Terrestre não se inspiraram em filmes passados, pois ninguém havia feito nada parecido até então. Por outro lado, também, ninguém que tentasse reproduzir suas idéias alcançaria o mesmo sucesso. Portanto, no quesito criatividade, a menos que você tenha alguma idéia muito especial e consiga passá-la para o papel com clareza e competência, será muito difícil aprimorar o seu roteiro. Porém, a criatividade por si só não é tudo. É preciso que haja outros fatores capazes de aumentar o apelo comercial do roteiro e, ao mesmo tempo, atrair o público. Na comercialização do roteiro também são levados em conta os aspectos que levam as pessoas a terem interesse em investir nele, bem como aquilo que faz com que o filme pareça ter uma razoável chance de sucesso. É claro que ter no elenco dois atores como Meryl Streep e Robert Redford, como no filme Entre Dois Amores, é sempre uma grande idéia. Apesar de Sidney Pollock ter tido a idéia de fazer essa adaptação há muito tempo, foi só quando conseguiu contratar esses atores que sua produção se tornou viável. O apelo comercial também pode ser melhorado através de outros“pacotes”de opções. Um roteiro dirigido por Peter Barry Levinson ou Oliver Stone, por 96
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exemplo, tem um apelo maior do que se fosse dirigido por algum novato, ou por um diretor desconhecido. Do mesmo modo, se o roteiro for produzido por Ed Feldman, Saul Zaentz ou Richard Zanuck já conta com um elemento importante a seu favor. No entanto, o apelo comercial não está limitado ao simples fato de se ter nomes famosos envolvidos no projeto ou de ter que ceder aos caprichos de algum executivo. Há certos fatores comerciais que podem ser identificados e explicados, pois existem certos conceitos fundamentais que despertam o interesse das pessoas em assistir a determinado filme. E são justamente esses fatores que pretendemos buscar e desenvolver em um roteiro, a fim de torná-lo mais comercial. Em geral as pessoas querem assistir a um filme porque existe nele alguma coisa que lhes fala mais de perto, que tem para elas um sentido especial. De algum modo, as pessoas se identificam com os personagens ou com a história. Em outras palavras, o filme consegue estabelecer uma conexão com o público. “Conexão”, essa seria a palavra fundamental para que o filme tenha apelo comercial. Existem meios específicos para se estabelecer essa conexão. Compreendê-los poderá ajudá-lo a desenvolver melhor esses fatores que tornarão seu roteiro mais comercial.
COMO ESTABELECER A CONEXÃO COM O PÚBLICO UMA IDÉIA DE APELO UNIVERSAL
Muitos dos filmes de maior êxito dramático trazem em si certas idéias que atraem as platéias, em razão de seu apelo universal. Por trás da história, existe uma idéia que seduz a audiência, que lhe fala diretamente ao coração. Esta idéia faz com que o público se identifique de imediato com os personagens e situações ali retratadas, em geral porque o tema tem algo a ver com a própria condição humana. A idéia transmite o significado dos acontecimentos, o que o escritor pensa das coisas que aconteceram, do motivo porque aconteceram, o que aprendemos com essas experiências, sobre suas causas e efeitos e sobre o próprio sentido da vida. A ideia central pode se basear, por exemplo, no significado de alguma experiência vivida, como a atração sexual por alguém, algo que pode colocar em risco nossa vida familiar (como no filme Atração Fatal). Ou em como um ato violento pode ter graves conseqüências, que vão muito além daqueles que o praticam (como vemos no filme Os Imperdoáveis). Ou quem sabe se baseie em alguma mensagem que o escritor, em vez de escrever um ensaio literário, acha melhor expressar através de uma história (talvez a ideia de que a decência humana combinada com oportunidade, pode nos conduzir a um “Bem Absoluto”, como no filme A Lista de Schlinder). Muitas vezes essa ideia pode ser transmitida de forma bem simples. Uma das idéias mais comuns em muitos filmes de sucesso é a do “triunfo da vítima”. Tente se lembrar dos diversos filmes famosos que já fizeram uso desse conceito: Rocky, Karatê Kid — A Hora da Verdade, Os Caça-fantasmas e Um Lugar no Coração. Esta é uma idéia que funciona bem porque todos nós gostamos de vencer as adversidades. Portanto, ao acompanhar a vitória de alguém que passa por uma adversidade no filme, nós também nos sentimos vitoriosos. 97
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A “vingança” é um outro tema que tem apelo universal. Você já não teve vontade de se vingar de alguém? Ora, Dirty Harry ou Charles Bronson podem fazer isso por você. Já ficou com raiva de algum rival no campo amoroso? Medéia pode vingá-lo, pois como todos nós já fomos de certa forma traídos alguma vez na vida, conseguimos nos identificar bem com este sentimento. Alguma vez você já não sentiu raiva da atitude ambígua dos norte-americanos em relação à Guerra do Vietnã? Rambo reduz este problema à sua expressão mais simples -— e ainda se encarrega de dar uma lição em todos os responsáveis por trair os veteranos da Guerra do Vietnã. Outro tema comum, mas dotado de um forte elemento de identificação, é o da “vitória do espírito humano”. Este tema fez muito sucesso em filmes como Um Lugar no Coração e A Cor Púrpura. Outros que também podemos citar são os filmes premiados pela Academia, Para Lembrar um Grande Amor e No Silêncio do Amor. Por que será que assistimos a todos esses filmes sobre pessoas ricas, que passam outras para trás, para se tornarem ainda mais ricas? A explicação para isso é muito simples: porque a cobiça é um sentimento bem humano, que todos nós compreendemos e já sentimos alguma vez na vida, assim como já sentimos inveja, ciúmes e, o campeão de todos os sentimentos em nossa sociedade de consumo: o desejo de “ter tudo só para nós”. Alguns temas são particularmente atrativos para certas faixas etárias. Conhecendo as características demográficas de sua audiência, você pode se concentrar em temas universais, que tenham apelo para essa determinada faixa etária. Por exemplo, nos Estados Unidos, cerca de 60% das pessoas vão ao cinema estão na faixa entre treze e trinta anos de idade. É por isso que existem tantos filmes sobre “se tornar adulto” questões de “identidade”, como Negócio Arriscado, Porky's — A Casa do Amor e do Riso, Clube dos 5, e Conta Comigo, que fizeram sucesso. Até um filme como O Reencontro, que não parecia ter muito apelo comercial, sensibilizou muita gente por ser um filme que tem a ver com nossas experiências e com questões de identidade pelas quais passamos em uma certa altura da vida. Outras experiências, embora menos acessíveis ao público em geral, têm um apelo mais forte para certas pessoas ou grupos. Envolvem temas como “integridade”, cujo exemplo é o filme O Homem que Não Vendeu sua Alma, ou então, sobre “resolução e completude”, como nos filmes O Regresso para Bountiful e Num Lago Dourado, ou sobre “redenção”, como em Ausência de Malícia e O Veredicto, que mostram um pessoa sendo salva ou redimindo sua reputação. Dá para notar que todos esses temas têm algo a ver com o lado psicológico ou emocional do ser humano ou com as diversas fases da vida, como o envelhecimento ou a busca de identidade. Os melhores escritores são também grandes conhecedores da natureza humana. Observam, lêem a respeito, sabem interpretá-la. Eles estudam o ser humano com o intuito de compreender o que ele é capaz de fazer e quais suas motivações. Quanto mais bem descritas e retratadas forem suas personagens, mais próximas da realidade elas serão, e mais apreciaremos vê-las nas telas.
ENCONTRANDO ATRATIVOS COMERCIAIS 98
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NAS TENDÊNCIAS DO MOMENTO Os filmes de maior sucesso têm por trás um tema universal que estabelece uma conexão com a audiência. Entretanto, muitos desses filmes também conseguem essa façanha por estarem bem sintonizados com o momento. Você se lembra do filme A Síndrome da China, que foi lançado na mesma semana do desastre ecológico na Ilha das Três Milhas? O acidente nuclear acabou colaborando para o sucesso do filme. O filme O Reencontro foi lançado bem na época em que a geração dos anos sessenta já tinha atingido uma idade em que começava a sentir nostalgia desta era. O filme Jogos de Guerra foi lançado na mesma época em que começavam a aparecer várias outras histórias sobre jovens obcecados por computadores. Muitos dos filmes de Silvester Stallone transmitem o clima político conservador dos anos 80. Como filmes levam muitos anos para serem rodados e distribuídos, a ideia de que um filme consiga captar uma certa tendência social parece meio incrível. Para se compreender como isso ocorre, é preciso entender um pouco como os artistas trabalham. Os artistas estão sempre à frente seu tempo. Eles percebem as correntes e tendências bem no início e conseguem descobrir uma maneira de transmitir e expressar, através de seu trabalho, movimentos ainda latentes, embora já presentes no subconsciente da população. No início dos anos 80, tanto a política quanto os sitcoms voltaram sua atenção para a questão do núcleo familiar. Lembre-se, por exemplo, das séries The Cosby Show, Caras e Caretas, The Jeffersons, Growing Pains e, alguns anos depois, Roseanne e Um Amor de Família. O que havia eram apenas variações em torno do mesmo tema. Já em meados dos anos 80, à medida que os filhos da geração dos baby-boomers cresciam e seus pais galgavam posições de prestígio dentro da indústria cinematográfica, notamos um aumento na produção de filmes sobre crianças (como Presente de Grego, Olha Quem Está Falando, Mais ou Menos Grávida, Três Solteirões e um Bebê, Arizona Nunca Mais, Ela Vai Ter Um Bebê, Um Tira no Jardim de Infância, e mais recentemente, Uma Babá Quase Perfeita). Nos anos 90, novos temas emergem, tanto na política como na área do entretenimento: o tema ecológico (como o filme sobre Chico Mendes, Amazônia em Chamas); a nao-violência (Os Imperdoáveis); as crises existenciais dos jovens dos anos 90 (Caindo na Real); as questões enfrentadas por quarentões que vivem nas grandes cidades (Grand Canyon — Ansiedade de uma Geração); ou o desejo de curar velhas feridas que marcaram a geração dos baby-boomers e a consciência nacional norte americana (Entre o Céu e a Terra). Dentre os filmes de sucesso, grande parte dos que se baseiam em alguma tendência ou tópico específico aumenta seu apelo comercial ao enfatizar também o lado pessoal da história.
TORNANDO A HISTÓRIA MAIS PESSOAL A tentativa de estabelecer uma conexão com o público também possui um lado pessoal que, por sua vez, é composto por dois elementos: o descritivo e o prescritivo. O elemento descritivo é 99
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aquele que nos mostra “como esse lado pessoal é de fato". O elemento prescritivo é aquele que mostra “como gostaríamos que ele fosse”. Para obter sucesso pode tirar partido de qualquer desses elementos, ou mesmo de ambos. Os roteiros voltados para esse elemento descritivo mostram, com precisão e realismo, como um determinado tipo de personagem vai agir e reagir em certas situações. Todos já vimos filmes em que as reações dos personagens nos parecem bastante “reais”. Ao assistir filmes como Porky's —A Casa do Amor e do Riso, muitos dizem: “Puxa! É assim mesmo que agem os garotos dessa idade”. Outro exemplo seria o filme Conta Comigo, que faz um retrato honesto de um grupo de adolescentes de doze anos mostrando seus medos e inseguranças. O sucesso de muitos filmes feitos para televisão depende justamente dessa capacidade de se retratar com precisão os personagens e suas emoções. Quando assistimos a filmes como Cama Ardente, Para Lembrar um Grande Amor, Heartsounds, Em Busca de Justiça ou Adam; vemos como tudo soa verdadeiro. Todos esses filmes souberam descrever pessoas com uma precisão admirável e fizeram sucesso justamente por sua capacidade de reproduzir tão bem as vivências do público. Já os filmes prescritivos mostram nossos ideais. Muitos deles são filmes de herói. O herói raramente tem medos, incertezas, ou inseguranças (coisas que qualquer um de nós sentiria, se passássemos pela mesma situação). Na verdade, ele age como gostaríamos de agir, se pudéssemos. Isso faz com que as pessoas se identifiquem com o herói, mesmo sabendo, o tempo todo, que é algo que não faz parte da realidade. Esses elementos descritivos e prescritivos podem ser trabalhados de três maneiras diferentes: a física, a psicológica e a emocional. Quando trabalhamos com personagens específicos, é possível dar maior profundidade à dimensão descritiva, ao atribuir características físicas ao personagem. Nesses casos, pergunte a si mesmo: “Numa situação como essa, como meu personagem se pareceria, se fosse real?” Caso se tratasse de um adolescente de quinze anos, vivendo seu primeiro amor, ele provavelmente ficaria corado com facilidade, talvez fosse meio desengonçado, usasse óculos ou mesmo algum penteado “da moda” que não combinaria nada com ele. Psicologicamente, ele provavelmente seria inseguro ou tentaria imitar algum esportista campeão, por não confiar em suas próprias qualidades. Emocionalmente, ele talvez fosse um pouco irritadiço ou bravo, ou do tipo solitário, ou mesmo daqueles que riem exageradamente. Se você estiver escrevendo um filme do tipo prescritivo, seu personagem pode ser um líder estudantil ou um herói do futebol, por exemplo. Fisicamente, ele será alto, forte, bonitão, daquele tipo que sempre parece maravilhoso, não importa o que esteja vestindo. Psicologicamente, ele deve ser autoconfiante, não se preocupar com nada e acreditar que é capaz de fazer tudo o que quiser. Emocionalmente, ele será firme como uma rocha, invulnerável ao medo e à dor. Nada consegue deixá-lo desconcertado. Muitos filmes recorrem a esses elementos para estabelecer uma conexão com o público, seja 100
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criando personagens descritivos e prescritivos, seja criando para o personagem principal um arco de transformação que evolui do descritivo para o prescritivo, do incerto para o heróico (como nos filmes Rocky e Karatê Kid). Esta é a razão pela qual os filmes que retratam o "triunfo da vítima” são tão populares, pois não só trabalham temas universais, que todos podem compreender, como também conectam o público à trajetória de transformação pessoal de um personagem.
UNINDO PELOS RISCOS É bem comum ouvir os produtores ou diretores perguntarem ao roteirista: “Mas, afinal, o que está em jogo aqui?” Se o risco não estiver claro, se não existir uma razão para se preocupar com destino do personagem, o público não conseguirá fazer a ligação entre a sua própria experiência e a do personagem. Os riscos podem ser pensados em termos da própria sobrevivência, ou seja, de tudo o que é preciso fazer para sobreviver neste mundo. As necessidades básicas envolvem ter o suficiente para comer e beber, um teto sobre nossas cabeças e uma relativa segurança. Muitos filmes colocam a satisfação dessas necessidades elementares em perigo, a fim de aumentar o nível de identificação e preocupação da audiência. Contudo, existem muitas outras coisas que podem ser postas em risco e que fazem com que a audiência possa estabelecer conexões com o filme nos mais variados níveis. O famoso psicólogo Abraham Maslow criou uma hierarquia de sete itens para descrever as necessidades humanas, que explica e esclarece aquilo que nos move, o que buscamos e o que está em risco quando não conseguimos obter o que desejamos. Muitos filmes de sucesso falam diretamente a uma ou mais dessas necessidades. São elas: 1 - Sobrevivência. Muitos filmes bons giram em torno do tema sobrevivência. Trata-se de um instinto básico, comum a todos os animais. Todos nós queremos sobreviver e fazemos coisas incríveis para conseguir isso. Vários filmes de ação e aventura fazem sucesso pelo fato de que todos nos identificamos com as situações de vida ou morte neles representadas. O filme Amargo Pesadelo tem nesse sentido um considerável apelo, devido às situações limítrofes que retrata. Os filmes de James Bond são outro exemplo notório em que o personagem está sempre enfrentando riscos. Muitos filmes sobre sequestros ou que mostram mulheres em perigo fazem sucesso por nos identificarmos com circunstâncias de luta pela sobrevivência. Uma grande parte do drama fala diretamente a esse instinto de sobrevivência, um instinto básico que todos compreendemos. Logo, os filmes que mexem com esse instinto costumam dar certo, pois são essencialmente dramáticos. Neles, o conflito sempre é bem claro, há sempre muita ação e momentum, e por isso o filme nos envolve e nos conduz a uma total identificação com a situação ali mostrada. 2 - Proteção e segurança. Uma vez atendidas as necessidades básicas de sobrevivência, as pessoas lutam para ter um lugar em que possam ter privacidade, segurança e proteção. Poderíamos chamálo de lar ou paraíso, um lugar onde se possa estar a salvo de todos os riscos. Por isso portas são trancadas à noite, fortalezas são construídas, exércitos montam guarda: para que todos possamos 101
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nos sentir seguros. Muitos filmes — como Um Lugar no Coração; Minha Terra, Minha Vida\ A Viagem dos Condenados — lidam com essa busca por segurança e proteção. O mesmo pode ser dito do seriado de TV O Fugitivo, bem como de inúmeros filmes de faroeste, nos quais os pioneiros buscam encontrar um paraíso protegido. 3 - Amor e relacionamento. Uma vez que as pessoas já tenham um lar, é natural que queiram se sentir aceitas por um grupo. Essa necessidade de aceitação pode representar tanto o anseio por fazer parte de uma família quanto de uma comunidade. O ser humano precisa se relacionar e essa necessidade é um tema abordado em vários filmes, das mais diferentes maneiras. Em Um Lugar no Coração, Edna luta para preservar sua família, mas essa família não se restringe a seus filhos. Nela também estão incluídos Moses, um homem negro; Will, um deficiente visual; bem como a cidade onde ela morou por tantos anos. Em De Volta para o Futuro, não só a sobrevivência de Marty, mas também a própria família estão em risco. Filmes como Porky's —A Casa do Amor e do Riso; Loucademia de Polícia; My Fair Lady, e mesmo A Testemunha também desenvolvem esse tema da busca de aceitação por determinado grupo. Certos filmes falam da busca do par perfeito ou da necessidade de se ter alguém. Outros giram em torno de histórias voltadas para a formação de uma família e do anseio por calor humano, aceitação e amor. Vemos isto em muitos sitcoms, como os seriados Cara e Caretas, The Cosby Show, Os Pioneiros e All in the Family. 4- Apreço e auto-estima. Enquanto a necessidade de amor e relacionamento está ligada a uma aceitação incondicional por parte de outros, auto-estima e respeito são coisas que precisam ser conquistadas. As pessoas gostam de ser admiradas e reconhecidas por suas contribuições e capacidade. Muitas vezes isto significa que a aceitação num grupo se dá em função das coisas que a pessoa realizou. Podemos notar isso em várias situações, como o respeito conquistado por Luke Skywalker, no final de Guerra nas Estrelas, ou as várias recompensas que James Bond recebe por ter êxito em suas missões, ou pela confiança que Celie conquista no final do filme A Cor Púrpura. Diversas histórias que falam de integridade, tais como Ghandi ou Martin Luther Kingjr, tratam dessa necessidade, assim como as séries de televisão transmitidas no período da tarde, nas quais a história em geral giram em torno de como ganhar um prêmio, ou completar com êxito algum projeto científico, ou mesmo ser aceito como membro de um grupo. Entre os Movies of the Week, filmes televisionados, encontramos alguns, como The $5,20 an Hour Dream, que também abordam necessidade de superar discriminações e o desejo de alcançar sucesso e obter reconhecimento. 5 - A necessidade de conhecer e compreender. Todos nós somos curiosos. Temos um instinto natural de querer saber como as coisas funcionam, como elas se encaixam. Gostamos de tentar entender as coisas, de adquirir conhecimento que nos permita realizar coisas fantásticas. Lembrese de vários filmes sobre viagens no tempo, como De Volta para o Futuro, Um Século em 43 Minutos e A Máquina do Tempo, que mostram alguém tentando encontrar uma forma de viajar através do tempo. 102
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Muitos filmes sobre cientistas (malucos ou não) também trabalham em cima dessa necessidade, como Frankenstein e Madame Curie Histórias de detetive nos fascinam, pois retratam bem essa nossa curiosidade natural de buscar respostas. Chinatown, Relíquia Macabra, e Intriga Internacional são exemplos de filmes que nos envolvem nessa busca. 6 - A estética. Mesmo sentindo-se confiantes, seguras e amadas, as pessoas sentem necessidade de encontrar um equilíbrio na vida, um senso de ordem e por isso buscam se ligar a algo capaz de transcendê-las. Isto pode ser encarado como uma necessidade estética ou espiritual, que muitas vezes pode levar as pessoas a buscar experiências religiosas (como nos filmes A Canção de Bernadette e Joana D'Arc), ou experiências com a natureza (como em Os Lobos Nunca Choram), ou mesmo uma combinação de experiências de caráter artístico e religioso, como no premiado filme Amadeus. Esse tipo de necessidade é a mais difícil de se trabalhar, por ser a mais abstrata e talvez a menos universal. Entretanto, é reconhecidamente uma necessidade humana, e os filmes que conseguem torná-la palpável, compreensível, costumam fazer sucesso. 7 - Realização pessoal. A necessidade de nos expressar, de dizer que somos, de realizar nosso talento e habilidades é algo intrinsecamente humano. Quem escreve certamente consegue perceber isto. Muitos filmes sobre escritores ou atletas que enfrentam dificuldades na luta por uma carreira fizeram sucesso, pelo fato de que todos nós torcemos para que estas pessoas vençam. No entanto, a realização pessoal é mais do que a simples busca pelo sucesso, pois está ligada à necessidade de auto-expressão, quer a pessoa seja ou não publicamente reconhecida ou recompensada pelo que fez. Uma coisa é a pessoa pintar um quadro na esperança de ficar famosa ou ganhar algum prêmio por isso; outra, bem diferente, é pintar simplesmente porque a pessoa sente que tem que pintar aquele quadro, a despeito de qualquer reconhecimento por sua obra. Em geral pensamos que essa necessidade de realização pessoal está ligada a artistas ou atletas. Contudo, essa necessidade pode se aplicar a outros tipos de personalidades. Um comediante tem que ser engraçado, um médico tem que curar, um aviador tem que voar. Estas pessoas se sentem vivas quando estão fazendo aquilo de que gostam. E este ímpeto que as move, quando mostrado num filme, sempre é algo que nos faz torcer pelo personagem. Pense em quantos filmes você já notou esse ímpeto: o sonho de dançar, em Momento de Decisão; o desejo de Kimberly de mostrar sua capacidade como repórter, em Síndrome da China; e a obstinação por corridas, no filme Carruagens de Fogo.
AUMENTANDO OS RISCOS Em qualquer filme, para aumentar o envolvimento, você pode trabalhar com essas necessidades de diversas maneiras. Você pode aumentar o envolvimento, por exemplo, incluindo situações em que uma ou mais dessas necessidades corram risco. Note como isso foi feito no filme Um Lugar no Coração, que lida com vários tipos de necessidade, como proteção, segurança, sobrevivência, amor, relacionamento e realização pessoal. Quanto mais dessas situações de risco você puder 103
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introduzir num filme, maiores serão suas chances de fisgar a atenção da audiência, dando-lhes algo de universal para que se identifique com sua história. Uma outra forma de aumentar os riscos e o envolvimento é fazer com que, no decorrer da história, o objetivo perseguido se torne inalcançável, sugerindo ao público que o personagem jamais conseguirá atingí-lo. Mesmo os objetivos mais concretos, passíveis de serem atingidos, nunca se alcançam com tanta facilidade. Assim, se nos identificarmos com uma certa necessidade do personagem e, ao mesmo tempo, tivermos dúvidas de que ele conseguirá satisfazê-la, nossa tendência é de encarnar a saga ali retratada, o que aprofunda ainda mais o vínculo emocional entre a audiência e o personagem. Quanto mais sentirmos a determinação do personagem em atingir determinado objetivo, mais nos sentiremos ligados a ele. Aumentar os riscos consiste nisto: trabalhar com as várias emoções que possam estar ligadas à busca de atingir esse objetivo. Existem muitas emoções envolvidas nessa busca: raiva, medo, alegria, insegurança, desespero e esperança. Quanto maior o espectro emocional que você atribuir aos seus personagens, mais próximos eles se tornarão da audiência. Muitos filmes são muito diretos e mostram apenas o necessário para atingir um determinado objetivo. Em conseqüência, a audiência se sentirá distante dos personagens, o que dificultará sua identificação com os riscos ali retratados. Ao unir emoção e ação, os riscos parecerão maiores, pois o público terá maior facilidade de se identificar com eles. À medida que você sobe na escala de necessidades, o tipo de filme que pretende fazer se modifica. Necessidades de sobrevivência requerem filmes orientados para a ação. Esse tipo de necessidade costuma ser essencial para os filmes de ação e aventura, filmes sobre desastres, filmes de terror, e para a maioria dos filmes de faroeste. Já os filmes que retratam necessidade de relacionamento e realização pessoal normalmente possuem um conteúdo emocional maior. Eles tendem a ser mais relacionais, menos violentos, e muitas vezes incluem uma dose de humor e calor humano. Necessidades estéticas ou a sede de saber normalmente vão se apoiar mais nos traços filosóficos dos personagens. Portanto, o filme será mais temático, talvez com mais diálogos, e provavelmente mais abstrato. O típico personagem desse filme costuma pensar, ponderar e tirar suas conclusões, o que pode muitas vezes deixar o filme maçante ou muito carregado de diálogos. Entretanto, se conduzidas com habilidade, essas histórias podem se tornar muito interessantes e até mesmo fascinantes.
COMO COMUNICAR O TEMA Uma vez que você já saiba o que deseja dizer, precisa descobrir como irá dize-lo. O tema perde todo o interesse quando se tenta transmitir seu sentido através de diálogos muito compridos, ou explicá-lo em palavras, em vez de expressá-lo de forma dramática. Embora algumas linhas de diálogo, aqui e ali, possam de certa forma ajudar a comunicar tema (sugiro assista de novo ao filme 104
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Uma Janela para o Amor, para observar como os diálogos podem expressar o tema da identidade, sem se perder num palavrório sem fim), o tema encontrará mais expressão se optarmos por alternativas mais cinematográficas. O tema pode ser revelado através das escolhas que os escritores fazem em suas histórias. Todo acontecimento traz em si um sentido e de uma certa maneira transmite o que o escritor pensa sobre o porquê daquilo haver acontecido. Decidir que um personagem vai ser assaltado, por estar no lugar errado, na hora errada transmite a idéia de que a vida é algo que escapa à lógica, é puro acaso e coisas assim acontecem. Escolher personagens que demonstrem compaixão pelos outros transmite a idéia de que você acredita na possibilidade de um mundo onde existe amor e compreensão. Mostrar personagens cujos caminhos constantemente se cruzam e se encontram mostra o que você pensa sobre o destino. O tema também pode ser revelado pelas decisões que seus personagens tomam no decorrer da história. O fato de um personagem resolver enfrentar o vilão demonstra coragem, integridade e um certo senso de justiça. Um personagem que, a uma certa altura da história, decide reconstruir sua vida, sugere temas como transformação e crescimento pessoal. Outros temas como corrupção, cobiça, covardia e desilusão também podem ser facilmente revelados, através das ações dos personagens. Um dos métodos mais eficientes para a comunicação de temas reside na escolha de imagens por parte do roteirista e, mais tarde, do próprio diretor. Como o filme é uma mídia visual, as imagens escolhidas contribuem para acrescentar novas camadas de sentido à sua história. Você pode contrastar imagens de claro e escuro, numa alusão ao tema do bem e do mal; ou contrastar espaços amplos e apertados, para confrontar as idéias de opressão e liberdade. Em Amargo Pesadelo, imagens da civilização são contrastadas com imagens da vida primitiva, procurando mostrar como é dura a vida que os homens enfrentam nesses locais mais isolados. Já o filme Taxi Driver comunica sua visão da vida por meio da imagem de uma cidade cinzenta e solitária. Corpos Ardentes utiliza imagens de calor e fogo, para transmitir a idéia de uma paixão fora de controle. Em Atração Fatal, Alex mora num loft em um bairro infernal da cidade. Seu apartamento é um labirinto de aposentos e colunas, refletindo bem a imagem dos atributos sombrios e esquivos que constituem sua própria personalidade. Em O Fugitivo, imagens da cidade como um imenso labirinto mostram como é fácil alguém se esconder e desaparecer nestes espaços. Embora seja função do diretor criar a visualização dessas imagens, é função do roteirista criar um roteiro cinematográfico que possa ser traduzido em imagens.
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A GRANDE QUESTÃO DE COMO TORNAR UM ROTEIRO COMERCIAL Em seu livro Adventures in the Screen Trade, William Goldman afirma: “No fundo, ninguém sabe nada’’. É exatamente assim que muitos produtores e executivos se sentem neste ramo, quando tentam descobrir o que pode ter apelo comercial. Tudo parece ser muito subjetivo. Algumas vezes, o máximo que conseguem dizer é: “Sei se o filme é comercial quando bato os olhos”. É evidente que é muito mais fácil perceber se um filme é comercial depois que ele faz sucesso. Com certeza, não pretendo sugerir que tudo se resume a uma questão de pesquisa, análise, ou domínio do perfil psicológico do público, para que um filme venha a ter apelo comercial. Os departamentos de pesquisas dos estúdios estão aí para provar que não é bem assim, uma vez que não foram poucas as pesquisas que “provaram” que ninguém iria assistir Star Wars ou que E.T. — O Extra-Terrestre tinha pouquíssimo apelo comercial, ou que eram ínfimas as chances de que Crocodilo Dundee se saísse bem com o público americano. Assim, como ninguém sabe ao certo o que assegura o sucesso comerciai de um filme, existe, infelizmente, uma certa má vontade em se analisar quais são de fato os elementos capazes de torná-lo comercialmente interessante. Isso às vezes leva roteiristas famosos a dizer que só queriam se expressar, sem se importar se estão de fato se comunicando com o público. Ou pode levar um executivo a deixar sobre os ombros do diretor, do roteirista e dos atores toda a responsabilidade, na esperança de que eles conheçam o suficiente acerca do negócio a ponto de conseguir tornar o roteiro comercialmente viável. E com tanta gente volvida é fácil um profissional deixar de lado aquelas suas idéias e intuições preciosas, que poderiam ajudar a fornecer valiosas pistas sobre possível reação do público. Em última análise, o tal “apelo comercial” tem muito a ver com o tipo de envolvimento que cada um tem com o projeto. Caso tenha se apaixonado pela história, ou sinta uma ligação pessoal mais profunda com o assunto, os personagens ou mesmo sua trajetória, por certo você já deu mn passo na direção de descobrir o que significa esse tal "apelo comercial”. No fundo, os executivos que dizem que tudo é subjetivo provavelmente estão certos. Tudo começa com nosso próprio envolvimento com uma determinada história e com nossa capacidade de transmitir aos outros o que sentimos e a motivação que nos faz desejar compartilhar essa história tão especial com o público.
APLICAÇÃO Descobrir como estabelecer uma conexão com o público costuma ser difícil. Os aspectos que conferem apelo comercial a um filme nem sempre são claros. Muitas vezes essa dificuldade tem a ver com o tema, que está confuso ou mal desenvolvido. Ou pode ser que haja vários temas conflitantes entre si e, nesse caso, o que precisa ser feito, ao reescrever o roteiro, é escolher aquilo que realmente você deseja dizer. Uma forma de explorar esses elementos é utilizando uma técnica denominada agrupamento. 106
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Pense na idéia principal de seu filme: “Um jovem volta ao passado numa máquina do tempo”; ou “alienígenas chegam à Terra”; ou ainda “Homens caçam um tubarão assassino”. Escreva essa idéia no centro de um círculo, e comece a imaginar todas as associações que você pode fazer com ela. Faça um levantamento dos aspectos Pessoais (descritivos e prescritivos). Essa idéia tem algo a ver com alguma tendência social? O que há de universal nela? Ela o faz se lembrar de outras histórias? Se usássemos essa técnica, agrupando idéias ao redor do tema básico do filme O Tubarão, teríamos um gráfico parecido com este desenhado a seguir.
Conforme seu tema for se tornando mais claro, pergunte a si mesmo: ■ Posso resumir meu tema numa única frase? Minha história contribui para o meu tema e viceversa? ■ Para expressar o tema, estou usando mais os personagens e a ação, ou colocando mais ênfase nos diálogos? Minhas imagens estão ajudando a expandir o tema? Tenho certeza de que não usei os personagens para “dar algum recado” ao público? ■ Estou disposto a descartar algum tema secundário, se ele conflitar com o tema principal da 107
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história? ■ Já fiz uma análise das ligações pessoais que tenho com o tema? Tentei imaginar as reações do público, levando em consideração seu perfil demográfico? Depois que você começa a entender as prováveis relações entre o público e seu material, entre sua história e seu tema, ainda terá que explorar mais uma relação, a mais profunda em uma história: a criação do mito, tema do nosso próximo capítulo.
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CAPÍTULO 8
A CRIAÇÃO DO MITO As experiências humanas são semelhantes. Como seres humanos, compartilhamos da mesma jornada de crescimento, desenvolvimento e transformação. No fundo, vivemos as mesmas histórias, sejam elas relacionadas à busca do par perfeito, à volta ao lar, à busca de realização, à luta por nossos sonhos e ideais. Qualquer que seja nossa cultura, existem histórias que são universais e que servem de base para nossas histórias pessoais. As ciladas podem ser diferentes, as reviravoltas da história podem variar de uma cultura para outras, os personagens podem assumir as mais diversas formas, mas, na essência, a história é sempre a mesma, derivada das mesmas experiências intrinsecamente humanas. Dentre os filmes de maior sucesso, muitos são baseados nessas histórias universais. Eles tratam dessa jornada comum ao ser humano. E nós nos identificamos com os heróis porque já fomos ou fizemos algo de heróico algum dia (elemento descritivo) ou porque desejaríamos poder fazer o que o herói faz (elemento prescritivo). Quando James Bond salva a humanidade, ou Shane salva a família de um humilde rancheiro das garras de pistoleiros contratados, ou quando os membros da seita amish salvam John da perseguição de Schaeffer, nós nos identificamos com o personagem e nosso subconsciente reconhece que a história tem alguma relação com nossa própria vida. São sempre as mesmas histórias, como nos contos de fadas ou nas histórias da procura de tesouros ou do príncipe que salva a princesa. E, se repararmos bem, não são muito diferentes da história do homem das cavernas que enfrenta um enorme bisão, ou à de um escravo romano que conquista a liberdade graças à sua coragem e habilidade. Estas são nossas histórias — pessoais e coletivas — e a maioria dos filmes de sucesso incorporam essas experiências universais. Algumas são histórias de "busca" , que mexem com o nosso desejo de encontrar algo raro e precioso, como alguém em busca de um tesouro. Essa busca pode estar voltada para valores externos, como trabalho, relacionamento, sucesso, ou valores internos, como respeito, segurança, autoexpressão e amor. Mas, no fundo, tudo reflete a mesma busca. Já outras são histórias de “heróis”. Elas surgem da própria experiência humana de superar as adversidades, assim como do desejo de realizar coisas grandiosas. Torcemos pelo herói e nos realizamos quando ele atinge seu objetivo, por que sabemos que sua caminhada, sob vários aspectos, confunde-se com a nossa. Chamamos a estas histórias de mitos. Os mitos são aquelas histórias comuns que encontramos na base da existência humana. Podem ser encontrados em todas as culturas e em todo tipo de literatura, desde a mitologia grega até os contos de fada, lendas populares e histórias de caráter 109
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religioso O mito é uma história “mais do que verdadeira”. As histórias em geral são verdadeiras porque foram vividas por alguém, em algum lugar em alguma época, ou seja, são verdadeiras por serem baseadas em fatos. Já um mito é mais do que verdadeiro porque, de certa maneira, é vivido por todos nós. É uma história que tem a ver com todos nós e por isso fala aos nossos corações. Alguns mitos se originam de histórias verdadeiras que, no entanto, atingem proporções míticas pelo fato de estarem ligadas a pessoas excepcionais, que parecem ter vivido de uma forma mais intensa que a maioria dos mortais. Figuras como Martin Luther King Jr, Mahatma Gandhi,Sir Edmund Hillary e Lord Mountbatten, personificam esse tipo de jornada com a qual nos identificamos, pois já vivemos experiências semelhantes, ainda que numa escala mais reduzida. Outros mitos giram ao redor de personagens de faz-de-conta, que conseguem sintetizar para nós um conjunto de muitas das nossas próprias experiências. Alguns desses personagens de fazde-conta se assemelha aos personagens que vemos em nossos sonhos ou podem ser uma fusão de vários tipos de personagens que já conhecemos. Em todos os casos, o mito é sempre “uma história oculta dentro de outra história”. Na verdade, trata-se de um arquétipo universal que nos mostra que a história de Gandhi rumo à independência da Índia e de Sir Edmund Hillary rumo ao topo do Everest têm muito em comum, em termos de características dramáticas. E essas mesmas características se repetem nas histórias de Rambo, de Indiana Jones, de Luke Skywalker e de tantos outros heróis. No livro O Herói de Mil Faces, Joseph Campbell traça os elementos que compõem o herói mitológico. Esses critérios foram aplicados ao filme Guerra nas Estrelas, pelos famosos conferencistas Chris Vogler e Thomas Schlesinger, bem como em conversas entre Joseph Campbell e Bill Moyers, no seriado da PBS, The Power of Myth (O Poder do Mito). O mito embutido na história é a razão pela qual milhões de pessoas assistem a este filme milhões de vezes. As histórias de heróis mitológicos possuem certas características que são comuns em todas elas. Todas mostram quem é o herói, o que o herói busca, e como se dá a interação entre história e personagem de modo a criar uma transformação. A caminhada rumo ao heroísmo é um processo e este processo universal forma a espinha dorsal de várias histórias específicas, como as da trilogia de Guerra nas Estrelas.
O HERÓI MITOLÓGICO 1. Na maioria das histórias de heróis, quando o herói é apresentado ao público está inserido num ambiente mais do que convencional, num mundo rotineiro, fazendo coisas rotineiras. Geralmente o herói começa como alguém bem comum: alguém inocente, jovem, simples ou humilde. Em Guerra nas Estrelas, quando vemos Luke Skywalker pela primeira vez, ele está 110
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entediado por ter que desempenhar sua função, que consistia em arrumar novos droids para trabalhar. O que ele queria, na verdade, era deixar tudo aquilo e se divertir um pouco. Queria sair de seu planeta e ir para a Academia, mas não podia. Esta é a típica apresentação da maioria dos heróis mitológicos. É assim que os heróis nos são apresentados, antes de receber o seu chamado à aventura. 2. Em seguida, algo de novo acontece na vida do herói. É uma espécie de catalisador que dá o pontapé inicial na história. Algo como o ataque alemão ao barco African Queen (do filme Uma Aventura na África) ou o holograma da princesa Leia, em Guerra nas Estrelas. Independentemente da forma que assuma, é um novo ingrediente que conduz o herói em direção a uma jornada de extraordinária aventura. Assim, com este chamado à aventura, o desafio está lançado e surge um novo problema que exige uma solução. 3. Muitas vezes, o herói não quer embarcar na aventura. Ele se recusa a atender a esse chamado, fica relutante, com medo do desconhecido, inseguro, sentindo-se incapaz de enfrentar o desafio. Em Guerra nas Estrelas, Luke recebe um duplo chamado à aventura: primeiro, o chamado da princesa Leia em seu holograma; depois, é Obi-Wan Kenobi quem diz a Luke que precisa de sua ajuda. Luke, porém, hesita. Ele volta para casa e descobre que os Stormtroopers imperiais assassinaram sua família e queimaram sua casa. Agora ele tem uma motivação pessoal e está pronto para embarcar na nova aventura. 4. Em qualquer jornada, o herói normalmente recebe ajuda de alguém. Esta ajuda costuma vir de onde menos se espera. Em diversos contos de fadas, vemos uma velha senhora, um anão, uma feiticeira ou um mágico ajudando o herói. O herói só atinge seu objetivo graças a essa ajuda e por estar disposto a receber o que estas pessoas têm a lhe oferecer. Vários são os contos de fada nos quais o primeiro e o segundo filhos são enviados para uma determinada missão, mas recusam ou até mesmo menosprezam a ajuda oferecida. Em geral são punidos por sua falta de humildade e incapacidade de aceitar auxílio. Então, é enviado o terceiro filho, o herói. Ele aceita a ajuda oferecida, cumpre sua missão e de quebra conquista o amor da princesa. Em Guerra nas Estrelas, Obi-Wan Kenobi é o exemplo perfeito do personagem que ajuda o herói. Ele ensina a Luke o Caminho da Força; é uma espécie de mentor cujos ensinamentos continuam, mesmo após sua morte. Essa figura do mentor aparece em quase todas as histórias de heróis. Ele é uma pessoa que detém conhecimentos, informações e habilidades especiais. Pode ser o explorador em O Tesouro de Sierra Madre, o psiquiatra em Gente como a Gente, ou Quint, que sabe tudo sobre tubarões, no filme Tubarão, ou mesmo a Bruxa Boa do Norte, que da para Dorothy os sapatinhos de rubi em O Mágico de Oz. Em Guerra nas estrelas, Obi-Wan entrega a Luke o sabre de luz, principal arma de um cavaleiro Jedi. De posse dessa arma, Luke está pronto para prosseguir e completar seu treinamento. 5. Neste ponto, o herói está pronto a se aventurar por um mundo desconhecido, onde passará por uma transformação. Esta travessia marca o ponto inicial da transformação do herói, e delimita 111
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os obstáculos que precisam ser superados para que o herói atinja seu objetivo. Normalmente, isto ocorre no primeiro ponto de virada da história e conduz ao desenvolvimento do segundo ato. Em Guerra nas Estrelas, Obi-Wan e Luke precisam de um piloto que os leve até o planeta Alderan, para que Obi-Wan possa entregar os planos ao pai da princesa Léia. Estes planos são indispensáveis para a sobrevivência da Aliança Rebelde. A partir daí, a aventura pode começar. 6. Agora, o herói começa a enfrentar vários testes e obstáculos necessários para derrotar o inimigo e permitir que alcance seus objetivos. Nos contos de fadas, isto significa se livrar de feiticeiras, enganar demônios, escapar de malfeitores ou enfrentar o mal. Na Odisséia, de Homero, isto significou ter que cegar o ciclope, fugir do país dos lotófagos, resistir aos encantos das sereias e sobreviver a um naufrágio. Em Guerra nas Estrelas, Luke enfrenta incontáveis aventuras: junto com seus companheiros, ele precisa chegar até a nave Millenium Falcon, escapando por pouco dos stormtroopers, antes de entrar no hiperespaço. Precisam evitar a todo custo serem capturados na Estrela da Morte, salvar a princesa, e até sobreviver a um compactador de lixo. 7. Em certo ponto da história, o herói chega ao fundo de poço. É comum ele passar por uma “experiência próxima da morte”, que o leva a uma espécie de renascimento. Em Guerra nas Estrelas, Luke parece ter morrido quando, de repente, no compactador de lixo, a serpente o puxa para baixo. Então, ele acaba se salvando, bem a tempo de pedir ao R2D2 que pare o compactador, antes que eles sejam esmagados. Normalmente, este é o “momento negro”, que dá lugar ao segundo ponto de virada, o ponto em que o mal tem que ser confrontado. A partir daí a ação começa caminhar para o emocionante desfecho. 8. Neste ponto o herói levanta sua espada e toma posse do tesouro. Ele agora está no comando da situação, embora ainda não tenha completado toda a sua jornada. Este é o ponto, por exemplo, em que Luke já conseguiu resgatar a princesa e os planos técnicos, mas onde o confronto final ainda está para começar. Syd Field chama este ponto de “pinça 2”, pois apresenta uma fala, cena ou sequencia que põe o final do segundo ato em movimento, conduzindo ao clímax final. 9. O caminho de volta geralmente é uma cena de perseguição. Em muitos contos de fadas, este é o ponto em que o antagonista persegue o herói, enquanto este se depara com os últimos obstáculos que precisam ser superados, antes que ele esteja realmente a salvo e livre. Seu desafio é usar o que aprendeu em sua vida diária. Ele tem que voltar para casa e restaurar seu mundo. Em Guerra nas Estrelas, vemos Darth Vader numa perseguição feroz, planejando explodir o Planeta Rebelde. 10. Como toda história de heróis é uma história de transformação, temos que ver o herói transformado ao final, ressurgindo das cinzas para uma nova vida. Ele tem que enfrentar uma provação suprema, antes de “renascer” como herói, provando assim sua coragem e sendo transformado. É neste ponto que vemos em muitos contos de fadas o filho do humilde ferreiro se tornar rei e casar com a princesa. Em Guerra nas Estrelas, vemos que Luke sobrevive e se torna uma pessoa muito diferente do jovem inocente que era no primeiro ato. 112
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Este é ponto em que o herói volta para casa e se reintegra à sociedade. Em Guerra nas Estrelas, Luke destrói a Estrela da Morte e recebe sua recompensa. Esta é uma clássica “história de herói”. Também podemos chamá-la de missão (quest) ou mito da missão, pois nela vemos uma pessoa que tem que desempenhar uma determinada missão, embora a missão em si não seja o verdadeiro tesouro que ela procura. Para Luke, por exemplo, a verdadeira recompensa é o amor da princesa e o mundo novo e seguro que ele ajudou a criar. Um mito pode ter muitas variações. Nos filmes de James Bond vemos um exemplo dessa variação (embora o mito perca muito de sua princundidade, pois o herói não passa por uma transformação). Outros exemplos dessas variações podem ser observados no filme Tubarão, onde o tubarão tem que ser morto, ou no filme Um Lugar no Coração, onde Edna tem que superar obstáculos para assegurar a estabilidade de sua família. O mito do tesouro é uma outra variação desse tema, pois os elementos permanecem os mesmo, quer a jornada do herói esteja voltada à caça de um tesouro ou ao desempenho de missão. O herói, humilde e relutante é chamado para uma aventura. Ele recebe a inesperada ajuda de vários personagens singulares. Precisa superar uma série de obstáculos e, nesse processo, é transformado e enfrenta o desafio final, o que exige que ele lance mão de todos os seus recursos, internos e externos.
O MITO DA CURA Embora o herói mitológico seja o tipo mais comum de mito, também há muitas histórias cujos mitos envolvem cura. Nestas histórias, em geral encontramos um personagem ferido ou abalado por algum motivo, que precisa então deixar seu ambiente e ingressar numa jornada em busca de restaurar sua integridade. A experiência universal por trás dessas histórias de cura está em nossas necessidades psicológicas de renovação e equilíbrio. A jornada de um herói rumo ao isolamento não é assim tão diferente de uma escapada de fim de semana ou de uma viagem para o Havaí, para se afastar de tudo ou mesmo de uma temporada num Hotel Spa, por algumas semanas, para se curar do stress. Em todos esses casos, temos algo que está desequilibrado, e a jornada do mito da cura se move na direção da restauração da nossa integridade. Essa “ferida” ou desequilíbrio pode assumir várias formas. Pode ser algo físico, emocional ou psicológico. Normalmente envolve essas três circunstâncias. Nesse processo de isolamento voluntário, quando a pessoa pode optar por se esconder no meio do mato, num lugar deserto ou mesmo numa fazenda amish — como no filme A Testemunha — a pessoa restaura sua integridade, seu equilíbrio e sua capacidade de amar. Nessas histórias, o amor e, ao mesmo tempo, uma força restauradora e uma recompensa. Pense em John Book, personagem do filme A Testemunha. No primeiro ato, vemos um homem frenético, insensível, com medo de assumir compromissos, extremamente crítico e avesso às 113
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influência femininas em sua vida. Na verdade, John sofre de uma “ferida interna” embora a desconheça. Quando leva um tiro e passa a sofrer de uma “ferida externa”, é forçado a se afastar de tudo, o que dá início a seu processo de transformação. No início do segundo ato, vemos John delirando, à beira da morte. Isto representa um mergulho no inconsciente, uma passagem do mundo ativo e racional de sua vida como policial, no primeiro ato, para um mundo misterioso, feminino, mais intuitivo. Uma vez que o “problema interno” de John consiste justamente na falta de equilíbrio com seu lado feminino, este delírio dispara o gatilho para um processo de transformação. Mais tarde, no segundo ato, vemos John começar a mudar. Ele passa de um estilo de vida altamente independente para uma vida em comunidade em meio a seus anfitriões amish. John agora madruga para tirar leite das vacas e para ajudar em várias tarefas. Ele usa suas habilidades de carpinteiro para ajudar na construção do celeiro e para terminar o viveiro dos pássaros. Pouco a pouco, ele começa a desenvolver um relacionamento com Rachel e seu filho, Samuel. O ritmo da vida de John muda, torna-se mais lento e com isso ele se torna mais receptivo, aprendendo importantes lições sobre o amor. No terceiro ato, finalmente descobre que vale a pena lutar pelo lado feminino, e abre mão de sua arma para salvar a vida de Rachel. Algumas cenas mais tarde, quando surge uma oportunidade de matar Paul, John opta por uma solução sem violência. Embora John não tenha “conquistado” uma princesa, ele “conquistou” amor e integridade. No final do filme, podemos ver que o John Book do terceiro ato é uma pessoa bem diferente do John Book do primeiro ato. Ele demonstra uma camaradagem diferente com seus companheiros da polícia, está mais descontraído, e sentimos que, de alguma forma, essa experiência contribuiu para criar um John Book mais humano, mais completo.
COMBINAÇÃO DE MITOS Muitas histórias são, no fundo, uma combinação de vários mitos diferentes. Pense, por exemplo, no filme Os Caça-Fantasmas, uma hilariante comédia sobre três homens que lutam para salvar a cidade de Nova York dos fantasmas. Agora pense no mito da caixa de Pandora, que conta a história de uma mulher que liberta todos os tipos de males no mundo, ao abrir uma caixa em que lhe haviam dito para não tocar. Em Os Caça Fantasmas, o funcionário da Agência de Proteção Ambiental é uma metáfora de Pandora, pois ao desligar a energia da câmara de contenção ectoplásmica, ele, sem querer, soltou todos os fantasmas sobre a idade de Nova York. Combine o mito da caixa de Pandora com uma história de herói e note que temos nossos três heróis lutando com o Homem Marshmallow. Um deles, inclusive, “conquista a princesa”, o que vemos acontecer quando Dr. Peter Venkman finalmente consegue as atenções de Dana Barrett. Ao examinar mais de perto todas essas combinações de mitos, fica evidente que o filme Os Caça-Fantasmas é muito mais do que uma simples comédia. Já o filme Tootsie é uma espécie de releitura de várias histórias de Shakespeare, em que uma mulher tem que se vestir de homem para alcançar determinado objetivo. Estas histórias 114
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shakespeareanas, por sua vez, buscaram inspiração nos contos de fadas em que o herói se torna invisível, assume uma nova personalidade ou recorre a algum disfarce para esconder o que realmente é. Em histórias infantis como As Doze Princesas Bailarinas e Pele de Urso — um conto dos irmãos Grimm —, o disfarce se torna imprescindível para atingir determinado objetivo. Combine estes elementos com temas de transformação herói mitológico, onde um herói — como Michael, do filme Tootsie "tem que superar incontáveis obstáculos para alcançar seu sucesso profissional e pessoal. Faça essa análise e verá como fica fácil entender por que uma história como Tootsie nos atrai e encanta tanto.
ARQUÉTIPOS Os mitos possuem certos personagens que costumamos encontrar em diversas histórias e que são chamados de arquétipos. Os arquétipos representam um tipo padronizado de personagem, os “personagens típicos”, que encontramos na jornada do herói. Embora possam assumir as mais variadas formas, tendem a se enquadrar em certas categorias determinadas. Ao analisar a jornada do herói mitológico, mencionamos a presença de personagens que ajudam o herói, dando conselhos ou informações — como o velho sábio que age como mentor do herói. A contrapartida feminina do velho sábio é a figura da mãe dedicada Enquanto o velho sábio é detentor de elevados conhecimentos, a mãe dedicada é conhecida por sua incrível capacidade de instruir e por sua intuição. Esta figura materna muitas vezes dá ao herói objetos que o ajudarão em sua jornada. Pode ser um amuleto da sorte ou os sapatinhos que Dorothy recebe da Bruxa Boa do Norte, no filme O Mágico de Oz. Ou pode ser, como em alguns contos de fadas, um casaco que deixa o personagem invisível, ou objetos comuns que se tornam extraordinários, como na história The Courageous Girl, um conto de fadas do Tajiquistão sobre uma donzela que recebe um pente, uma pedra de amolar e um espelho para ajudá-la a vencer o demônio. Muitos mitos contemplam uma figura sombria, um personagem que é o avesso do herói. Algumas vezes este personagem ajuda o herói em sua jornada; em outras, opõe-se ao herói. Essa figura pode ser o lado negativo do herói, como o irmão hostil do seriado Cain and Abel, ou as filhas da madrasta em Cinderela, ou mesmo a menina-ladra do filme A Rainha da Neve. A figura sombria também pode ajudar o herói, como no caso de uma prostituta que tem um coração de ouro e salva a vida do herói ou o ajuda a rever a visão que ele tem a respeito das mulheres. Vários mitos assumem a forma de arquétipos animalescos, que tanto podem ser figuras positivas como negativas. Na lenda de São Jorge e o dragão, a força negativa é representada pelo dragão, um animal violento e destruidor, assim como o tubarão do filme Tubarão. Mas há várias histórias em que os animais ajudam o herói. É comum vermos um burro falante, ou um golfinho que salva o herói, um unicórnio ou algum outro animal com poderes mágicos. 115
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O trapaceiro é outro arquétipo bem comum, de caráter negativo e que está sempre promovendo o caos, perturbando a paz e costuma ser bastante "anarquia. Ele usa de sagacidade e astúcia para atingir seus objetivos. Pode assumir uma forma tão inocente quanto a de um menino travesso ou um "garoto mau", o que chega a ser engraçado e até divertido. Porém, normalmente é um vigarista, como em Golpe de Mestre, ou o próprio demônio, como no filme O Exorcista, onde o padre é forçado a se valer de todos os seus recursos para vencê-lo As histórias de Till Eulenspiegel— um anti-herói medieval da tradição oral alemã — e as novelas picarescas espanholas dos séculos XVI e XVII giram ao redor dessa figura do trapaceiro. As Aventuras de Tom Sawyer, um dos grandes clássicos da literatura americana, também trabalha esse tema através da figura de Tom Sawyer, um menino astuto que se tornou um personagem imortal de Mark Twain. Em todos os países encontramos histórias que giram em torno desta figura, cuja função primordial é passar a perna nos outros.
MITOS: PROBLEMAS E SOLUÇÕES Todos crescemos em meio aos mitos. A maioria já ouviu ou leu contos de fadas, quando jovem. Outros leram histórias da Bíblia ou de outras religiões e culturas. Este repertório de histórias faz parte de nós e a melhor forma de trabalhá-las é deixar que venham à tona naturalmente, à medida que você escreve. Evidentemente, alguns cineastas são melhores que outros quando trabalham com esse tema. George Lucas e Steven Spielberg têm uma noção bem sólida do mito, e incorporam isso em seus filmes. Ambos já falaram o quanto amam as histórias de sua juventude e do desejo de levar estas histórias até o público. Suas histórias recriam o mesmo senso de deslumbramento e emoção dos mitos. Muito da indispensável dinâmica psicológica está presente em suas histórias, conferindolhes uma profundidade maior, além da esperada num filme de aventura. São os mitos que conferem profundidade a uma história de herói. Se o cineasta se concentrar apenas na ação e emoção da trama, é provável que o público não consiga se ligar na jornada do herói. Contudo, se os movimentos básicos da dinâmica dessa jornada estiverem evidentes, o filme certamente atrairá uma grande audiência, ainda que de maneira inexplicável e a despeito da opinião que a crítica tenha sobre ele. Veja o filme Rambo, por exemplo. Por que uma história violenta e relativamente ingênua como essa foi tão popular e atraiu tanta audiência? Não creio que tenha sido porque todos concordavam com sua visão política. O que penso é que Sylvester Stallone é um verdadeiro mestre na arte de incorporar o mito americano em suas produções. Isto não significa que ele o faça conscientemente; mas, de alguma maneira ele está em sintonia com esse mito, que passa a integrar suas histórias. Clint Eastwood também tem uma inclinação para essas histórias de heróis. Ele costuma trabalhar com os aspectos da aventura e transfomação do mito. Recentemente, seus filmes têm dado mais ênfase à transformação do herói, o que tem atraído maior atenção da crítica. 116
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Enfim, todos estes cineastas — Lucas, Spielberg, Stallone e Eastwood — exploram dramaticamente o herói mitológico, cada um à sua maneira. E todos eles comprovam o potencial mercadológico do mito.
APLICAÇÃO A habilidade de estar sempre encontrando oportunidades para conferir maior profundidade aos temas de um roteiro constitui uma parte importante do trabalho do roteirista. Parte desse processo consiste justamente em descobrir o mito por trás das histórias de hoje. Uma boa sugestão para descobrir esses mitos seria ler de novo alguns dos contos dos irmãos Grimm, ou mesmo contos e lendas do folclore em geral, de todo o mundo, para começar a se familiarizar com os vários mitos. Com isso você começará a perceber padrões e elementos que estão ligados à nossa experiência humana. Leia também Joseph Campbell e obras sobre mitologia grega. Se você se interessa pela psicologia junguiana, encontrará diversos recursos valiosos em vários livros sobre o assunto. Como a psicologia junguiana lida com arquétipos, ao estudá-la você encontrará inspiração para muitos personagens novos. Com todos esses recursos em mãos, é importante ter em mente que não se deve impor um mito a uma história. Na verdade, o mito é mais um modelo, um padrão que você deve trazer à tona em seus roteiros, quando eles parecerem estar apontando na direção de um mito. Assim, à medida que for escrevendo, pergunte a si mesmo: ■ Há algum mito atuando nesse roteiro? Se existe, quais são os passos que estou explorando na dinâmica da jornada do herói mitológico? Quais deles parecem estar faltando? ■ Está faltando algum personagem? Será que eu preciso de um mentor? De um velho sábio? De um feiticeiro? Algum desses personagens ajudaria a dimensionar a jornada do meu herói? ■ Será que eu conseguiria imprimir novas dimensões emocionais ao mito se, logo de início, apresentasse meu personagem como alguém relutante, ingênuo, simples ou decisivamente um “anti-herói”? ■ Meu personagem sofre transformações no decorrer de sua jornada? ■ Terei utilizado uma nítida estrutura de três atos para dar sustentação ao mito, usando o primeiro ponto de virada para que ele entre numa aventura por um mundo desconhecido e o segundo ponto de virada para criar um “momento negro”, uma reversão de expectativa, ou uma experiência “próxima da morte”? Não tenha medo de criar variações em cima do mito, mas não comece pelo mito propriamente dito. Deixe que ele surja naturalmente da história. O desenvolvimento de mitos é parte do processo de reescrever o roteiro. Se você começar pelo mito, descobrirá que o texto se tornará engessado, sem 117
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criatividade e altamente previsível. Trabalhar com o mito durante o processo de reescrita dará ao seu roteiro maior profundidade, conferindo-lhe nova vida à medida que você descobre “a história oculta dentro de outra história”.
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PARTE 3
A CONSTRUÇÃO DOS PERSONAGENS
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CAPÍTULO 9
DA MOTIVAÇÃO AO OBJETIVO: ENCONTRANDO A ESPINHA DORSAL DO PERSONAGEM A maior parte das histórias são relativamente simples, isto é, podem ser contadas em poucas palavras; têm começo, meio e fim. Por exemplo, no caso de E. T. poderíamos dizer que se trata da história de um alienígena que foi encontrado aqui na Terra e, depois de algumas aventuras, volta para sua “casa”. No filme De Volta para o Futuro, Marty volta ao passado 30 anos em uma máquina do tempo, mas depois consegue finalmente retornar ao presente. Em Tootsie, Michael se disfarça de mulher, consegue um emprego e, por fim, acaba desmascarando a si mesmo. O que deixa as histórias mais complexas é a influência dos personagens. São os personagens que dão credibilidade à história, conferindo-lhe um novo dimensionamento e conduzindo-a por novas direções. São os personagens, com todas as suas idiossincrasias e desejos, que transformam a história, que transformam algo simples numa história encantadora, irresistível. Pense um pouco nos personagens de Rose e Allnutt, do filme Uma Aventura na África, e verá que se Rose não tivesse responsabilizado os alemães pela morte de seu irmão, se não tivesse ficado com tanta raiva e se não fosse tão obstinada, talvez o barco Louisa não tivesse sido torpedeado. Foi o personagem de Rose que mudou o rumo da história. O plano de Allnutt era aguardar alguns dias, até encontrar alguma maneira mais simples de salvar suas vidas. Já Rose queria se vingar dos alemães e fazer algo por seu país. Allnutt só concordou com o plano de Rose depois que a missionária jogou fora todo seu gim e ficou sem falar com ele, ate que ele cedesse. Vemos, portanto, que foi o personagem de Rose quem fez com que a história tomasse uma nova direção. O personagem influencia a história sobretudo por que os personagens, e especialmente o protagonista, sempre têm um objetivo a alcançar. Há sempre alguma coisa que o protagonista deseja realizar, e é precisamente isso o que dá direção à história. No começo da história, alguma coisa motiva o personagem a perseguir este objetivo. O personagem passa, então, a agir de modo a alcançá-lo. No final da maioria dos filmes esse objetivo é atingido. Do mesmo modo que a história tem uma estrutura constituída por elementos como a apresentação, os pontos de virada e o clímax, o personagem também tem uma espinha dorsal ou estrutura. Essa estrutura do personagem é determinada pela interrelação de três fatores: motiva ção, ação e objetivo. Para definir com clareza um personagem, precisamos desses três elementos. 120
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Precisamos deles para saber quem é o personagem, o que ele deseja, por que deseja e o que está disposto a fazer para alcançar seu objetivo. Se um desses elementos estiver faltando, a estrutura do personagem ficará confusa e sem foco. Ficará sem direção. Quando isso acontece, ficamos sem saber para quem devemos torcer ou mesmo se realmente deveríamos estar torcendo por alguém. Por isso, vamos agora passar a analisar cada um dos elementos que compõem a espinha dorsal de um personagem.
A MOTIVAÇÃO Com certeza todos nós já vimos filmes em que não fica bem claro o porquê dos personagens estarem agindo de uma determinada maneira. Já vimos filmes em que o herói move montanhas para salvar seu país sem que, no entanto, nos fosse mostrado um único motivo sequer que evidenciasse seu amor pela pátria. Também já vimos filmes em que o personagem parece irritado, perde a cabeça ou se apaixona, sem que haja alguma razão aparente que justifique esses estados de espírito. O que acontece nesses casos é que a motivação do personagem não está clara ou não é forte o suficiente. E se não sabemos por que um personagem está tomando determinadas atitudes, fica difícil nos envolvermos com a história. O resultado disso é fácil de perceber: a história perde momentum e a audiência perde o interesse. A motivação é o que impulsiona o personagem numa história. Ela é o elemento catalisador que, no início da história, faz com que o personagem se envolva na trama. E como qualquer catalisador, a motivação pode ser de ordem física, expressa por meio de diálogo ou revelada por uma situação. A motivação física é sempre a que dá maior impulso à trama. No filme O Fugitivo, a fuga de Richard Kimble força Sam Gerard a começar sua perseguição. No filme Os Imperdoáveis, o fato de alguns homens terem cortado o rosto de uma prostituta faz Bill Munny buscar vingança. Em Os Caça Fantasmas, a aparição dos fantasmas leva os caça fantasmas a entrarem em ação. Acontecimentos desse tipo têm o poder de lançar o personagem principal diretamente para o centro da história. Ele se vê forçado a participar do que está acontecendo, o que faz de forma clara e decisiva. Muitas vezes, a história combina acontecimentos e diálogos para construir uma situação, de modo a nos fazer perceber a motivação do personagem, apesar de não existir um momento catalisador específico. No filme Tootsie, a motivação foi evidenciada pelo esforço de Michael em tentar conseguir trabalho. Foram seus repetidos fracassos que o levaram a tentar fazer qualquer coisa para resolver o problema — inclusive se disfarçar de mulher para conseguir um papel feminino, numa novela de televisão. Tootsie começa com uma montagem de várias cenas que retratam esse processo de seleção do elenco: 121
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INTERIOR DE UM TEATRO, ESCURO VOZ Michael...Dorsey, é você? PULL BACK para focalizar MICHAEL olhando na direção do auditório escuro. Ele é um ator de uns quarenta anos e está segurando um roteiro. MICHAEL Sim, sou eu. VOZ Leia o começo da página vinte e três. MICHAEL (com emoção) “Você pode imaginar o que significa acordar de manha, em Paris e ver o travesseiro vazio... Ei, espere um minuto, vista alguma coisa! Kevi está lá embaixo! Pelo amor de Deus, que tipo de pessoa é você?” PULL BACK para mostrar um DIRETOR GRANDALHÃO com um toco de charuto no canto da boca. DIRETOR “Sou apenas uma mulher. Não sou a mãe de Felícia, nem a mulher do Kevin...” VOZ Obrigado. Já está bom. Estamos procurando alguém um pouco mais velho. INTERIOR DE OUTRO TEATRO VAZIO — MICHAEL ESTÁ DIANTE DE OUTRO DIRETOR , Michael, vestindo jeans, camiseta e um par de tênis, brinca com um ioiô. MICHAEL Mamãe! Papai! Tio Pete! Tem alguma coisa errada com Biscuit! Acho que ele está morto! VOZ (vinda do escuro) Obrigado. Obrigado. Estamos procurando alguém mais jovem. INTERIOR DE UM TERCEIRO TEATRO VAZIO — MICHAEL ESTÁ SOZINHO NO PALCO Michael, com raiva, bate o roteiro contra a coxa. MICHAEL Espera aí, posso começar de novo? Eu não comecei bem...
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VOZ (vinda do escuro) Não, não precisa. Estava muito bom. Muito bom mesmo. Só que você não tem a altura que queremos. MICHAEL por favor, escute. Eu posso ficar mais alto. Tenho sapatos plataforma lá em casa. Posso ficar mais alto alguns centímetros... VOZ Não, você não me entendeu. Precisamos de alguém menor do que você. MICHAEL Mas eu não sou tão alto assim. Estou usando um sapato plataforma! Depois de assistir a essa montagem, fica fácil compreender a motivação de Michael. Daí em diante, não temos mais razão para questionar o que levou Michael a se disfarçar de mulher para conseguir trabalho. Há histórias que se baseiam excessivamente na técnica de fazer o personagem explicar sua própria motivação, em lugar de apenas mostrar essa motivação. Isto ocorre quando não há uma ação que traga o personagem para dentro da história. Portanto, como não há esta ação específica, o personagem se vê obrigado a explicar as razões de sua participação. Isso pode funcionar bem em romances, mas raramente tem bons resultados quando se trata de drama. Se não pudermos ver, com extrema clareza, o que motivou a entrada de um personagem na história, oferecer ao público um amontoado de explicações definitivamente não irá nos ajudar. Há vários métodos que costumam ser usados para relatar a motivação de um personagem, em vez de mostrá-la. Mas, em geral, esses métodos não são eficazes. Um deles é o do discurso expositivo e o outro é o do flashback. Não são poucos os roteiros que atribuem à backstory o papel de prinpal elemento de motivação das ações de um personagem. Isso significa que o personagem terá que fazer longos discursos acerca de seu passado, como fora de explicar o motivo de suas ações no presente. Nesses discursos, ele fala de suas experiências, de seus traumas, do lugar onde cresceu, contando longas histórias de seus tempos de criança e do relacionamento com os pais. Ou discorre sobre influências que sofreu de outras pessoas, quando ainda era jovem, mencionando uma tia querida ou um tio malvado. Ou resolve nos contar de algum problema que teve há dois anos — ou há quinze anos atrás —, detalhando minuciosamente como chegou à situação atual. Esses relatos, em geral, só ajudam a travar o roteiro, pois falam de coisas que não são relevantes para o problema atual do personagem ou não conseguem mostrar uma motivação atual que seja forte o bastante para se sobrepor às informações do passado. Muitas vezes o roteirista acha que 123
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esses discursos ajudam a revelar o personagem, quando, na realidade este se revela muito mais através das ações que impulsionam a história. Cenas descritivas, que só se concentram em revelar o personagem, não conseguem dar a esse personagem o impulso motivacional necessário. E como qualquer peça dramática é muito mais baseada em imagens do que em diálogos, tudo o que for falado, em vez de mostrado, diminuirá o impacto dramático das cenas. Muitas vezes os flashbacks acabam assumindo uma função mais informativa do que dramática. Em geral, são usados para explicar, para dar informações sobre a backstory ou sobre o próprio personagem. Não raro o próprio roteirista vai justificar o uso do flashback, dizendo que pretendia dar mais informações sobre seu personagem ou que “O passado era importante para explicar o presente”. Contudo, a utilização dos flashbacks como forma de explicar a motivação do personagem raramente alcança bons resultados. Isso é verdade por uma série de motivos. Antes de mais nada, a função da motivação é projetar o personagem para frente e os flashbacks, por sua própria natureza, param a ação no tempo, pois encontram motivação num passado distante, em vez de situá-la no momento atual. Se a motivação aconteceu mesmo há muito tempo atrás, o personagem também deveria estar presente na história desde então. Porém, a verdadeira motivação ocorre no presente. Pode ser que seja até o último fato de uma série de incidentes que aconteceram, mas a motivação só ocorre quando o personagem está pronto, pois é algo que acontece agora, é iminente, é presente. A ênfase dos flashbacks está nos detalhes e não no momento dramático, uma vez que eles se concentram mais na psicologia interna do personagem do que naquelas ações presentes que exigem uma reação. Assim, são feitos para revelar o personagem, mas raramente para motivá-lo. Porém não devemos concluir por isso que os flashbacks nunca possam se usados. Alguns flashbacks são de fato necessários, por razões temáticas ou mesmo em função do estilo de um filme. Em O Beijo da Mulher Aranha, o flashback é um recurso indispensável para quebrar um pouco o confinamento da cela. A história do filme Conta Comigo é mostrada em flashback, pois explora temas como identidade e amizade, à medida que um adulto olha para um incidente fundamental do seu passado. Os flashbacks do filme O Fugitivo ajudam a desvendar o mistério bem como transmitem à audiência fatos importantes sobre o assassino. Não obstante, os melhores filmes sempre darão mais ênfase ao desdobramento da história no presente, como forma mais eficaz de revelar a motivação dos personagens. A esta altura é bem provável que você esteja se perguntando: “Certo, vamos admitir que eu não utilize flashbacks ou longos discursos para explicar a história. Por onde, então, devo começar minha história? Como faço para encontrar aquela primeira imagem que coloca a história em movimento?” Uma forma bem comum de esclarecer e destacar a motivação é situar o personagem num momento de crise, logo no início da história. Nestes momentos os personagens ficam mais 124
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vulneráveis a tomar um novo rumo. Estão prontos para tudo de novo que possa acontecer, pois de certa forma seu antigo mundo desmoronou e uma nova história começa a emergir dos escombros. É justamente isso o que acontece com Edna, no filme Um Lugar no Coração e com Rachel, no filme A Testemunha. Nós as conhecemos num momento de crise, logo após a morte dos maridos, quando estão vulneráveis, fragilizadas, precisando de ajuda, no limiar de uma vida nova. Dentre os melhores filmes, muitas vezes encontramos personagens nessa situação. No filme Os Caça-Fantasmas, por exemplo, os três parapsicólogos tinham perdido o emprego. Esse momento de crise, somado ao aparecimento dos fantasmas, foi o que os lançou em uma nova carreira. Em Guerra nas Estrelas, a Estrela da Morte está prestes a destruir tudo. Este fato é o que impulsiona a turma do bem a entrar em ação. A história do filme E o Vento Levou retrata um país no limiar de uma guerra civil. Esta situação de crise é o que motiva as ações que se seguem. Para dar certo a motivação tem que estar bem clara, bem destacada. Deve ser mostrada através de ações, e não de palavras. Além disso, deve levar o personagem à ação, a se envolver na história, devido a um momento de crise que enfrenta em sua vida. Em síntese, a motivação é o que coloca o personagem em movimento. No entanto, o que dá direção a esse movimento é outro fator: o objetivo.
O OBJETIVO A motivação faz com que o personagem comece a olhar em direção a determinado objetivo. Existe algo que o personagem principal deseja e é nesse sentido que ele caminha. Assim como a motivação impele o personagem numa direção específica, o objetivo o carrega em direção ao clímax. O objetivo é uma parte essencial do drama. É comum ouvir a pergunta: “Mas, afinal, o que esse personagem quer?” Sem um objetivo claro em mente, a história fica vaga e se torna extremamente confusa. Sem ele ficará impossível encontrar a espinha dorsal da história. É o objetivo que entrelaça o personagem ao clímax da história, o qual, por sua vez, é alcançado pelo fato de o personagem ter ido atrás de determinado objetivo e de ter conseguido chegar lá. Porém, não é qualquer objetivo que faz com que isso ocorra. Há três requisitos primordiais que um objetivo precisa preencher, para que seja eficaz nessa função. Em primeiro lugar, é preciso que haja alguma coisa em risco na história que seja capaz de convencer a audiência de que, caso o personagem não consiga atingir seu objetivo, a perda será muito grande. Se não acreditarmos na mais absoluta necessidade do personagem alcançar seu objetivo, não seremos capazes de torcer para que isso aconteça. Fica bem claro que aquilo que está em risco pode ser desde a própria sobrevivência (como em Guerra nas Estrelas), a fatores relacionados à auto-estima (como em Tootsie) ou mesmo à sobrevivência de alguém (como em Cocoon). Mas, para isso, precisamos compreender claramente objetivo e acreditar que é essencial 125
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para o bem-estar do personagem que seja alcançado. Em segundo lugar, o objetivo do protagonista deve estar em conflito com o objetivo do antagonista. Este conflito estabelecerá o conflito direto com o objetivo do antagonista. Este conflito estabelecerá contexto para toda a história e reforçará o personagem principal, que se verá obrigado a enfrentar um forte oponente. É evidente que alcançar o objetivo não será assim tão fácil, pois alguém mais estará ali justamente para evitar que isso aconteça. Em terceiro lugar, o objetivo deve ser algo tão difícil que exija que o personagem passe por certas transformações para atingi-lo. Ao longo dessa jornada rumo ao seu objetivo, mesmo os personagens mais fortes, ganharão nova dimensão, passando por uma transformação. As ações voltadas para esse objetivo acabam por influenciar todos os personagens envolvidos, exigindo deles suas respectivas contribuições. E a única forma que encontrarão de atingir seus objetivos será permitindo que as mudanças necessárias ocorram. Cada personagem terá que descobrir em si mesmo a necessária dose de coragem, talento e determinação. Em outras palavras, o objetivo será inalcançável se o personagem não passar, por alguma transformação.
A AÇÃO A força e a sinceridade de um personagem são demonstradas pelos meios que ele usa para atingir seu objetivo. Se alguém diz que quer alguma coisa, mas nada faz para obtê-la, não está sendo sincero. Dificilmente haverá quem acredite nessa pessoa, pois carece de credibilidade. O mesmo acontece com um personagem. Ele deve tomar algumas atitudes para atingir seu objetivo. Quanto maior for seu empenho, quanto maiores os obstáculos, mais forte o personagem se tornará. Os obstáculos e as ações assumem as formas mais diversas. As ações variam desde uma simples investigação (como em Intriga Internacional), uma captura (como em Os Caça Fantasmas), até a destruição e reconstrução de um lugar (como em E o Vento Levou). Em cada um desses casos, a ação é clara, dramática, e a cada passo do filme nos leva mais perto do objetivo final. Se analisássemos as motivações, ações e objetivos de alguns filmes, teríamos o seguinte quadro:
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Nestes filmes, a motivação é clara, a ação tem impacto e o objetivo é suficientemente forte para levar o personagem a buscar sua realização.
PROBLEMAS QUE OCORREM COM A ESTRUTURA DOS PERSONAGENS Um dos problemas mais comuns nos filmes é a falta de motivação ou a motivação pouco clara. Certamente muitos se lembram de certos filmes em que ficavam o tempo todo se perguntando: “Por que o personagem 127
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está assim? Por que não age de outra maneira?” Depois da exibição do filme A Costa do Mosquito, muitas pessoas na platéia se perguntaram por que a mulher de Allie fica com ele, sem nem ao menos protestar pelas ações que ele tomou. Depois de ter assistido ao ao filme A Missão, algumas pessoas se perguntaram o porquê de a missão ter sido tão importante para os nativos. “Por que eles estariam dispostos a morrer por ela? Muitas vezes as respostas para a questão da motivação estão no próprio filme, mas a audiência não consegue compreendê-las. O filme passa depressa demais, não ouvimos direito todos os diálogos, ou não compreendemos a relação existente entre um fato e outro, que explicaria a motivação. Freqüentemente a motivação precisa ser mostrada mais de uma vez, para que a audiência possa captá-la. Em grande parte, a motivação só fica bem clara quando é mostrada através de ação, imagem e de diálogo. Pode ser bem difícil incorporar num filme a informação relativa à motivação. Apresentar a história, o personagem e, ao mesmo tempo, criar uma imagem dramática de abertura requer uma cuidadosa integração de vários elementos. Muitas vezes a motivação do personagem acaba ficando um pouco distorcida nesse processo. E muito difícil saber dosar o quanto da backstory e o quanto de exposição serão necessários para que a audiência se envolva com a história. A tendência dos roteiristas novatos é de pecar pelo excesso. Já os veteranos costumam pecar pelo oposto, deixando de fora alguma imagem ou diálogo que teriam feito toda a diferença. Os problemas com a estrutura do personagem estão mais frequentemente relacionados com sua motivação e ações do que com o objetivo em si. O objetivo em geral é bem claro. Entretanto, às vezes, o personagem não age de modo suficiente a atingir seu objetivo. Quando vamos ao cinema, queremos assistir a uma boa historia e veros personagens agindo, em vez de só falarem. Entretanto, alguns personagens são passivos. Isto até pode dar certo em parte do filme, mas se um personagem principal permanecer passivo durante a maior parte do filme, certamente perderemos o interesse por ele. Se um personagem não se importa o bastante em se esforçar para alcançar seu objetivo, nós também não nos importaremos com ele. Mais ou menos lá pela metade do roteiro senão ainda antes, o personagem tem que começar a agir sobre a história em vez de ser uma mera vítima dela. Há certos filmes em que a passividade do personagem principal nos dá uma sensação de que sua história corre em paralelo à história central do filme. Isto em parte acontece no filme A Manhã Seguinte com Jane Fonda. A história do filme era relacionada ao assassinato: “Quem foram os autores do crime? Por que mataram? Serão eles capturados? Conseguirão incriminar Alexandra?” — essas seriam as perguntas esperadas. No entanto, o filme se volta essencialmente para a história de um personagem e as ações de Alexandra não foram capazes de provocar um clímax. Isso criou uma série de problemas que vieram à tona de muitas formas nas várias revisões. A 128
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história dos assassinos, que se passa nos bastidores, tinha bastante movimento, mas só vemos alguns relances dessa história, uma vez que a informação sobre os assassinos assume a forma de um enredo secundário de menor importância. Uma vez que a ênfase maior foi colocada sobre o personagem principal e sua respectiva transformação, durante a maior parte do filme acompanhamos muito pouca ação do personagem, apesar de que o problema exigia muito mais ação para se chegar a alguma solução. O personagem principal acabou sendo mais uma vítima passiva da linha de ação dramática do que um sujeito ativo, alguém que tivesse provocado o assassinato, ou descoberto alguma informação importante, ou mesmo levado alguém a confessar o crime. E como o personagem não foi capaz de fazer com que o clímax acontecesse, a relação entre a estrutura da história e a estrutura do personagem ficou enfraquecida. A intenção do filme A Manha Seguinte parece ter sido a de criar um tipo diferente de filme. O roteirista (James Hicks) não seguiu a estrutura padrão das histórias de detetive/mistério/assassinato, em que uma mulher se vê envolvida numa investigação por um policial do tipo machão, e assim o mistério acaba sendo solucionado. E, de fato, algumas das escolhas deste filme foram bem sucedidas, o que fica evidenciado pelas críticas entusiasmadas acerca da brilhante atuação e do incrível arco de transformação do personagem encenado por Jane Fonda. No entanto, este filme, como muitos outros, nos mostra que o roteirista precisa pesar bem tudo aquilo que resolve fazer. Um filme de peso precisa de uma história cuja estrutura seja bem nítida, sem, contudo, ser previsível. Precisa integrar o enredo principal e os enredos secundários. E precisa também que a motivação, a ação e o objetivo, ou seja, que a espinha dorsal do personagem seja bem clara e concisa.
APLICAÇÃO A primeira tarefa de quem reescreve um personagem é ter a certeza de que conseguiu criar um personagem marcante, intenso. O que costuma acontecer em muitos roteiros é que há informação demais, e isso acaba encobrindo a verdadeira motivação, a ação, e o objetivo do personagem. Trazer à tona essa espinha dorsal do personagem, deixando-a mais clara, faz parte de um processo que consiste em desconstruir certos aspectos e construir outros. Se achar, por exemplo, que seu roteiro tem muita palavra e pouca ação, ao reescrevê-lo, comece por eliminar todas as partes que lhe pareçam muito dissertativas. Procure todos os trechos em que os personagens passam a impressão de estarem tentando se explicar. Em seguida, localize os trechos de diálogo em que os personagens fazem longos discursos, numa tentativa de traçar sua backstory através de um perfil psicológico. Procure eliminar todas essas partes do roteiro. Em seguida, verifique os flashbacks. Se algum deles for mais explicativo do que dramático, elimine-o também. Agora, olhe para o que restou de sua história. Há algum elemento catalisador nítido que motive o personagem a se engajar na história? Caso não haja, veja se é possível criar um momento de crise que force seu personagem a entrar em ação. Procure mostrar esse ponto crítico visualmente. 129
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Localize, então, as cenas de ação que integram a sua história. Pelo fato de haver cortado aquelas passagens muito dissertativas, é possível que você tenha ficado com pouca ação para trabalhar. Se isso tiver mesmo acontecido, reveja as passagens que você eliminou, e procure ver se há nelas algumas ações descritas ou implícitas, que possam ser dramaticamente representadas por seus personagens. Caso haja, substitua as passagens que havia cortado por essas cenas de ação. Em seguida, analise o objetivo de seu personagem. O objetivo é apresentado logo no primeiro ato? Está bem claro? Quando o personagem atinge seu objetivo, conseguimos perceber que a história terminou? O clímax e o objetivo se confundem (como quase sempre acontece)? Existem objetivos bem definidos tanto na estrutura do enredo principal quanto dos enredos secundários? Todos estes objetivos estão bem resolvidos lá pelo final do roteiro? Uma vez que você tenha analisado as imagens e ações que integram sua história, reveja as partes que foram removidas. Dentro das passagens dissertativas, ou até mesmo nos flashbacks, pode haver informações pertinentes que não possam ficar de fora do roteiro. Se nestas passagens você tiver diálogos muito longos, procure reduzir o que realmente interesse a uma linha ou duas. Em vez de reintroduzir toda a informação de que precisa em uma única cena, fazendo assim com que a cena fique muito verbal e acabe atrapalhando o desenrolar da história, distribua sua informação por vários pequenos trechos do roteiro, principalmente ao longo do primeiro e segundo atos. Se algumas dessas falas estiverem sendo usadas para revelar traços do personagem, procure substituir o diálogo por uma imagem ou ação que demonstre essa característica. Trazendo à tona a espinha dorsal de sua história e dos personagens, ao remover excesso de informação que as encobria, ficará bem mais fácil perceber o que está atrapalhando o desenrolar da história e o que é preciso fazer para lhe dar mais clareza e ação. Finalmente, pergunte a si mesmo o seguinte, com relação ao seu roteiro: ■ Meu personagem é motivado por ações ou palavras? O momento em que ele entra na história está bem claro? Conseguimos perceber por que ele começa a agir? ■ Qual o objetivo do meu personagem? Este objetivo é forte o suficiente para levá-lo a agir ao longo dos três atos? ■ Meu personagem é mais ativo ou passivo na busca de seu objetivo? A ação responde ao que é pedido pela linha de ação dramática da minha história? Se o filme for de aventura, estou recorrendo a ações suficientemente intensas e dramáticas? Se for um filme mais relacional, será que eu consegui encontrar formas mais sutis de conduzir a ação? ■ Caso eu tenha resolvido introduzir alguns flashbacks, backstory ou diálogos longos em meu roteiro, será que eles são de fato absolutamente essenciais? Será que procurei cortar ou condensar este material, na medida do possível? ■ Será que eu poderia traçar a espinha dorsal de meu personagem em poucas palavras? Estão bem claros, no roteiro, os pontos de intersecção entre a espinha dorsal da história e do personagem? Muitos roteiros, principalmente os de roteiristas novatos, pecam pelo excesso de informações. 130
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Uma vez que o excesso de informação é removido, o roteiro imediatamente recobra sua energia e o que parecia ser um roteiro sem vida começa a exibir sinais de vitalidade. Motivação, ação e objetivo são os elementos que dão movimento e direção a um roteiro. Mas existe ainda um outro elemento que precisamos acrescentar e que é a parte vital do drama: o conflito.
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CAPÍTULO 10
PROCURANDO O CONFLITO É comum um roteirista ouvir certos palpites do tipo: “Faça um roteiro mais intenso!”, “Precisa ter mais impacto!”, “O roteiro está muito monótono, sem graça!”. Normalmente, o que de fato a pessoa está tentando lhe dizer é que falta conflito em seu roteiro. O conflito é a base do drama, pois o drama é essencialmente feito de conflito. Os romances podem ser mais interiorizados, suaves e amenos; os poemas, mais floreados, etéreos e contemplativos; mas o drama, não. O drama precisa do ranger de dentes, do impacto, da luta. Isto vale para qualquer forma de drama, seja um filme de aventura, uma comédia romântica, um sitcom ou um filme de ficção científica, pois o conflito é o elemento chave de qualquer peça dramática. O drama nunca fala de pessoas que se dão bem umas com as outras. Nele, os personagens nunca evitam os confrontos. Um bom drama mostra os personagens num relacionamento dinâmico que enfatiza suas diferenças. Eles se confrontam, discutem, lutam bravamente, recorrem à persuasão e procuram impor seus pontos de vista e suas decisões sobre pessoas que não pensam da mesma maneira. O conflito acontece quando dois personagens têm, ao mesmo tempo, objetivos mutuamente excludentes. Se um vencer, o outro perde. Ao longo da história, acompanhamos a luta dos dois, protagonista e antagonista, para alcançar seus objetivos. Outros personagens também entrarão em conflito com ambos, dando origem a uma série de conflitos de relacionamento, em cenas isoladas. O conflito assume formas e extensões variadas. Existem tipos diferentes de conflitos, e alguns deles são mais apropriados para o drama do que outros. Lutas, discussões e carros em perseguições não são a única forma de expressar conflito. Os bons roteiros apresentam, ao longo da história, conflitos de diversos tipos, expressos de várias formas. Há cinco tipos de situações de conflito que podem ser encontradas nas histórias: o conflito interior, o conflito relacional, o social, o situacional e o cósmico. Alguns são mais fáceis de trabalhar do que outros alguns se adaptam melhor ao gênero dramático.
O CONFLITO INTERIOR Quando um personagem não está seguro de si mesmo, de seu modo de agir, ou não sabe bem o que quer, está passando por um conflito interior. Conflitos interiores funcionam melhor nos romances, onde é comum vermos um personagem fazer certas confidências ao leitor, 132
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compartilhando suas inseguranças e incertezas. Porém, tendem a ser bem mais problemáticos quando se trata de drama. Alguns filmes tentam expressar o conflito interior lançando mão de certos recursos, como um narrador ou trechos dissertativos. Porém, todo cuidado é pouco, pois isso pode deixar a história excessivamente verbal. Muitas vezes o personagem expressa seu conflito fazendo confidências a um outro personagem. Este expediente pode ser bom, se for usado com parcimônia. Entretanto, para que funcione bem, esse conflito interno deve ser projetado para fora, sobre outra pessoa. No filme Tootsie, há um diálogo curto em que Michael se abre com Jeff, seu companheiro de quarto, sobre os problemas que está tendo ao encarnar seu personagem, Dorothy: MICHAEL Puxa! Eu só queria parecer mais bonita. Eu sinto que ela (Dorothy) é uma pessoa tão bonita. Talvez, se eu melhorasse o penteado, algo mais suave... Perceba como esta confidência é breve. Michael poderia ter continuado a falar de seus sentimentos e incertezas para Jeff. No entanto, seu conflito interno quase que imediatamente se transforma num conflito relacional, à medida que Michael e Jeff têm que se confrontar com a nova situação criada pela figura de Dorothy. O telefone toca e Jeff se inclina para atender MlCHAEL Não atenda! JEFF Mas, por cluê? MlCHAEL Pode ser para Dorothy. JEFF Você deu a eles este número? MlCHAEL Eu tive que dar! O pessoal da novela precisava saber aonde me encontrar, caso haja alguma mudança de horário nas gravações. JEFF Vou atender e ver do que se trata. MlCHAEL Não! Não quero que eles pensem que Dorothy vive com um homem. Não ficaria bem! JEFF 133
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Mas, e se for para mim? Pode ser algo importante! Atenda como se fosse a Dorothy. MlCHAEL Mas eu não posso fazer isso! E se for a Sandy? JEFF Mas e se for a Diane? Como é que vou explicar uma mulher aqui? O telefone pára de tocar. Michael volta para a mesa. MICHAEL Está bem. Desculpe. Vamos instalar uma secretária eletrônica. JEFF (levanta-se e pega seu casaco) Isto vai levar três dias. Olha, eu não reclamei, quando você fazia papel de Cyrano de Bergerac e inventava de fincar aquela espada sofá, bem debaixo do meu braço. Também não disse nada quando você enchia sua camisa com cuecas para fazer uma corcunda, e saía correndo e declamando, como se estivesse no campanário da igreja. O que eu não consigo entender é por que eu deveria ficar aqui, fingindo que esta não é a minha casa, só porque você não é “aquele tipo de garota". E depois disso, Jeff sai. Aqui temos um ponto fundamental para o uso do conflito interno: ele sempre deve ser projetado sobre alguém ou algum objeto. Ao projetá-lo para fora, sobre alguém, o conflito se torna um conflito relacional e poderemos acompanhar mais facilmente o drama que se desenrola. Por exemplo, se estou frustrada com meu emprego, ao chegar em casa, chuto meu cachorro e o cachorro me morde. Dessa forma, o conflito foi projetado para fora e passou a ser um conflito entre mim e o cachorro.
CONFLITO RELACIONAL A maior parte dos conflitos se baseia nos objetivos mutuamente excludentes de dois personagens: o protagonista e o antagonista. No filme A Testemunha, o conflito concentra-se essencialmente em John Book e Paul Schaeffer. Em Os Caça Fantasmas, Dr. Peter Venkman e o homem da Agência de Proteção Ambiental entram em conflito sobre como tratar o problema dos fantasmas, no centro de contenção. No filme O Passado não Perdoa, o conflito principal se passa entre WilI Munny e o xerife. Já em O Silêncio dos Inocentes o conflito fica entre Clarice Starling (simbolizando o empenho do FBI em descobrir o responsável pelos assassinatos em série) e o assassino, que procura permanecer incógnito. O maior conflito em Uma Aventura na África se da entre Rose e Allnut, cujas opiniões divergem sobre que rumo tomar, depois da morte do irmão de Rose. Este conflito é o que faz a história 134
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caminhar. Rose dá início ao conflito, quando sugere que eles façam um torpedo e se vinguem dos alemães, por haver matado seu irmão e destruído o vilarejo. ALLNUTT Mas de que diabos estamos falando? Nao há nada por aqui para torpedear. O único barco neste rio é o African Queen. ROSE Não é não! ALLNUTT 0 quê? ROSE Existe algo que podemos torpedear, sim. ALLNUTT E o que seria isso por acaso, senhorita? ROSE O Louisa. ALLNUTT Não fale besteira, por favor! Você jamais vai conseguir fazer isso! Honestamente falando, é impossível. Já te falei que não tem como descermos este rio. ROSE Mas o Splenger conseguiu. ALLNUTT Numa canoa, senhorita sabe-tudo, numa canoa! ROSE Se um alemão conseguiu, nós também podemos conseguir. E, assim, Rose acaba vencendo o conflito, e eles partem atrás do Louisa. Naturalmente, surgem outros conflitos ao longo da história: o conflito sobre o fato de Allnutt beber, sobre quem iria dormir na chuva, sobre como passar pelas corredeiras, entre outros. E com o desenrolar da história, aumenta o conflito e a ameaça por parte dos alemães, à medida que Rose e Allnutt resolvem seus próprios conflitos e acabam se apaixonando.
CONFLITO SOCIAL Muitos dos filmes feitos para a televisão e dos filmes em exibição nos cinemas tratam de conflitos entre uma pessoa e um grupo social. Este grupo pode ser uma estrutura administrativa, um 135
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governo, uma gangue de bandidos, a família, uma empresa, um exército ou até um país. Lembre-se de quantos desses filmes já viu, que retratam um pobre diabo em luta contra um sistema: Os Gritos do Silêncio, que mostra Dith Pran contra o Khmer Vermelho; Guerra nas Estrelas, sobre a luta de Luke, da Princesa Leia e Han Solo contra o Império do Mal; Entre Dois Amores, onde parte do conflito se passa entre as colônias e a administração inglesa. Sempre que o tema tiver algo a ver com justiça, corrupção ou opressão, é bem provável que tenhamos um conflito de caráter social. Na maior parte dos conflitos sociais, uma ou duas pessoas representam, na verdade, um grupo maior. No filme Uma Aventura na África embora Rose não fosse capaz de lutar contra a nação alemã, tinha condições de lutar contra algo que simbolizava a Alemanha — o barco “Louisa". No filme E o Vento Levou, a guerra e aqueles “malditos ianques” ameaça os objetivos de Scarlett, pois a guerra poderia, a qualquer tempo, matar seu grande amor, Ashley Wilkes. Mas também houve pessoas específicas em vários momentos, que personificaram o conflito. Rhett Butler não deu dinheiro para que Scarlett salvasse Tara; a Feira de Caridade de Atlanta não quis deixá-la dançar e, por fim, um soldado ianque tenta roubá-la. Esses conflitos menores dão dimensão e foco ao conflito maior. Se o conflito permanecer apenas entre uma pessoa e um grupo corre o risco de se tornar um pouco abstrato. Em decorrência disso, é bem provável que a história comece com um conflito social, mas logo fica mais específica, colocando um personagem contra outro. No filme Tubarão, o conflito que começa entre o chefe de polícia Martin Brody e as autoridades locais — mostrando Martin versus um grupo — rapidamente se torna mais específico, passando a ser um conflito entre o chefe Martin e o prefeito Vaughn — mostrando Martin versus Vaughn. Este conflito ocupa a primeira metade do filme, antes do emocionante conflito entre homem versus fera, que ocupa a segunda metade. Esta cena começa logo depois do primeiro ataque de tubarão, que matou um banhista. Larry Vaughn, o prefeito, entra, cercado de vários cidadãos. VAUGHN 0 que está acontecendo aí, Lenny? HENDRICKS Houve um ataque de tubarão esta manhã, em South Chop. Foi fatal. Temos que interditar a praia. Hendricks continua a fazer sinais para que interditem a praia. Vaughn, Ben Meadows, Dr. Santos, o médico legista e mais dois vereadores que os acompanhavam trocam entre si olhares horrorizados; mas a impressão que se tem é que não é a notícia do ataque o que os assusta. VAUGHN Martin, com que autoridade você está pretendendo fechar a praia? 136
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MARTIN Por acaso não tenho autoridade suficiente? MEADOWS Tecnicamente você precisaria obter uma autorização da defesa civil ou de uma sessão extraordinária da Câmara de Vereadores. VAUGHN Vamos seguir a lei. Nós só estamos preocupados de que você esteja se precipitando um pouco. O que você está fazendo é muito sério. E este é seu primeiro verão aqui. MARTIN Então me explique, por que não estou entendendo. VAUGHN O que estou tentando lhe dizer é que Amity é uma cidade de veraneio. Precisamos arrecadar dinheiro nas férias de verão. Se os turistas nao puderem nadar aqui, irão para Cape Cod ou Long Island. MARTIN E por causa disso vamos deixar um bufê de banhistas à disposição do tubarão? MEADOWS Ora, nem mesmo temos certeza de que foi de fato um tubarão. MARTIN O que mais poderia ter sido? VAUGHN (para o Dr. Santos) Não pode ter sido a hélice de um barco? DOUTOR SANTOS Possivelmente...sim. Um acidente de barco. VAUGHN Um desses malucos irresponsáveis bebe demais e sai nadando sem querer para alto mar, um barco pesqueiro vem e ... MARTIN Mas doutor, foi o senhor quem me disse que tinha sido um tubarão! DOUTOR SANTOS Eu estava errado. Teremos que corrigir o laudo. VAUGHN 137
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Tudo é meio psicológico, de qualquer forma. Se alguém gritar “barracuda, ninguém dá bola. Mas experimente gritar “tubarão”. Imediatamente todo mundo entre em pânico. Acho que todos estamos de acordo: a última coisa de que precisamos é de pânico nesta época do feriado de 4 de julho. A esta altura, o conflito já está bem claro — a integridade de Martin e sua genuína preocupação com a segurança dos banhistas versus as autoridades locais, que se preocupavam apenas com os lucros da temporada de verão.
CONFLITO SITUACIONAL Nos anos 70, foram feitos muitos filmes sobre catástrofes que colocavam os personagens diante de situações de vida ou morte. Apesar de as situações criarem suspense e tensão, muito do conflito ainda mantinha um caráter relacional. Em filmes como Aeroporto, O Destino do Poseidon, Inferno na Torre, Terremoto e mesmo Somente Deus por Testemunha, a situação se torna uma panela de pressão, colocando em ebulição vários conflitos relacionais, à medida que os personagens divergem quanto à melhor maneira de se salvarem. Vemos surgir em cada cena diferentes pontos de vista. Algumas pessoas entram em pânico, outras assumem a liderança da situação e tentam persuadir o grupo a segui-las. Geralmente esses conflitos tendem a se individualizar ainda mais, devido a situações que mostram membros de uma família tendo que decidir sobre abandonar ou não o marido ou a esposa agonizante, ou crianças que resolvem desobedecer aos pais, ou ainda situações complicadas como a de antigos conflitos familiares que vêm à tona com o calor dos acontecimentos. Sem a ajuda desses conflitos relacionais, o conflito situacional não se sustentaria por muito tempo. Nos casos de catástrofes como um furacão, uma tempestade de neve, um incêndio, ou um navio naufragando, o conflito só se manteria durante a situação em si. Porém, como acontece com os outros tipos de conflito, para manter o envolvimento do público,o conflito situacional precisa ser visto sob um ângulo mais pessoal, mais relacional.
CONFLITO CÓSMICO Mais raramente o conflito costuma se passar entre um personagem e deus ou o demônio, ou mesmo qualquer outra criatura invisível. Não nos referimos aqui a um deus ou demônio humanizado, como no filme O Homem que Vendeu a Alma. Num caso como esse, o conflito é relacional, e não cósmico, pois se trata, na realidade, de um conflito entre dois seres humanos. O conflito cósmico é aquele que acontece entre um personagem humano e uma força sobrenatural. Rei Lear, de Shakespeare, luta com forças desse tipo. Saliere, no filme Amadeus, declara guerra contra Deus por ter criado uma pessoa brilhante como Mozart. Jó (o personagem bíblico, que também dá nome ao filme) questiona e discute com Deus. Porém, em todas essas ocasiões, o conflito sempre acaba sendo projetado sobre os seres humanos. Saliere está bravo com Deus, mas desconta sua raiva em Mozart. O Rei Lear fica indignado contra 138
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a injustiça divina, embora a causa imediata de seus problemas sejam suas duas filhas, que tramam contra ele. Quanto a Jó, podemos dizer que, ao mesmo tempo em que ele questiona a Deus, também discute com seus amigos. Para que possamos acompanhar o desenrolar do conflito, é preciso que o personagem materialize o conflito cósmico, projetando seus problemas em relação a esses seres invisíveis nos seres humanos que atravessam seu caminho.
PROBLEMAS COM O CONFLITO Em função do conflito pode surgir uma série de problemas no roteiro. As vezes temos conflitos demais, o que atrapalha a percepção de qual é o assunto principal da história. Outras vezes, quando existem muitos antagonistas no roteiro, o protagonista tem que lutar contra tantos oponentes que o foco acaba se perdendo. Há ainda a hipótese de o conflito se modificar de uma parte para outra do roteiro. E também há casos em que, apesar de haver cenas isoladamente muito boas e até mesmo envolventes, não existe um conflito capaz de alinhavar uma cena à outra, dando assim coesão a história. Os problemas relacionados ao conflito são particularmente relevantes no caso de adaptações de romances, pois a maior parte dos romances são narrativos e nos revelam a psicologia do personagem. Com isso, ficamos sabendo como ele pensa e quais são seus sentimentos e valores. Sabemos como ele reage em face de diferentes problemas e quais são suas inseguranças, obsessões e preocupações. Embora tudo isso faça com que a leitura e os personagens fiquem muito interessantes, causa uma série de problemas para o processo de adaptação desse material para o cinema. Na maior parte dos romances, o conflito é interior, e não um conflito de caráter relacional. No caso de uma narrativa épica, por exemplo, teremos uma infinidade de conflitos. Em outros casos simplesmente é impossível transpor o conflito principal para o cinema, por ser muito abstrato ou intelectual, ou mesmo por não ter apelo suficiente para grandes audiências. O que frequentemente acontece é que o filme acaba ficando mais narrativo do que dramático, sem um conflito bem definido do começo ao fim. Esse caráter narrativo se sobressai de muitas maneiras. Certos filmes recorrem a um narrador, o que é uma técnica eminentemente literária. Essa técnica pode ser notada nas reflexões de Charlie, no filme A Costa do Mosquito; no narrador que relembra o passado em Conta Comigo (uma adaptação de um conto de Stephen King chamado O Corpo, que está no livro As Quatro Estações), e pelo narrador que aparece bem no início do filme Entre Dois Amores. Foi utilizada com a finalidade de preencher certas lacunas que seriam difíceis de expressar dramaticamente. Se o personagem principal não tiver um oponente à sua altura, a história perde em dramaticidade e assume um caráter mais narrativo. Perceba a diferença comparando as cenas do filme A Costa do Mosquito em que Allie está em conflito com o missionário, com as cenas mais narrativas, que 139
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mostram monólogos de Allie, ou cenas em que ele está viajando, chegando ou partindo. Em muitos filmes baseados em livros, em vez de o conflito evoluir gradativamente do começo ao fim, ele apenas se modifica de um ato para outro. Você se lembra do filme Entre Dois Amores, onde o conflito começa, no primeiro ato, essencialmente entre Bror e Karen, mas no segundo ato passa a se desenvolver entre Karen e Denys? Quando o conflito relacional não se firma ao longo da história, alguns diretores se voltam para o tema em busca de coesão. Tanto o filme Entre Dois Amores como A Costa Do Mosquito são filmes temáticos, cujos temas permanecem inalterados ao longo dos três atos, ainda que o conflito se modifique. Entretanto, o uso do tema como instrumento de coesão apenas reforça ainda mais o caráter narrativo, em vez de destacar o aspecto dramático da história. Descobri que um dos meios de adaptar livros para o cinema é verificar se é possível converter enredo principal em enredo secundário e vice-versa. Como nos livros o enredo principal geralmente se desenvolve em torno da vida interior de um personagem, podemos transformar este enredo principal num enredo secundário. Os enredos secundários de cunho mais relacional podem ser trabalhados, criando assim uma linha relacional mais forte que atravessa todo o roteiro. Quando trabalhei na adaptação de Christy, o best-seller que inspirou uma série de TV, tive que enfrentar esse tipo de problema. O principal foco desse romance de 500 páginas era mostrar Christy em busca de Deus e de sua identidade. Ao longo do livro, esse tema é trabalhado através da história dessa moça que vai para os montes Apalaches, em 1912, para lecionar numa escola. Lá enfrenta problemas de relacionamento com os alunos da escola, com um padre que também era médico, e com uma rixa antiga que ameaçava o estilo de vida e as pessoas daquela comunidade. No romance, a rixa é um mero enredo secundário que atravessa toda a história. Ao reelaborar a estrutura do livro, trouxemos a rixa para o centro do palco, pois era ela que imprimia mais movimento à história. Entretanto, no livro, Christy é mais uma observadora do que uma participante da rixa. Sabíamos que ela precisaria ter uma participação maior na solução desse conflito. Para que isso acontecesse, cruzamos a linha de dois enredos secundários, a linha do enredo da rixa com a do enredo dos alunos da escola. Com isso, trouxemos à tona vários movimentos da história que, no livro, estão mais implícitos do que explícitos. Combinamos algumas cenas e personagens do livro, colocando muitas vezes Christy como elemento catalisador, em vez de usar para isto outros personagens secundários do livro. Ao fazer com que Christy participasse mais de perto da rixa, pudemos enfatizar também temas como o perdão, o compromisso com as pessoas da comunidade e a sua busca de si mesma e de Deus. Christy estreou na primavera de 1994. Justamente por ser um seriado, haveria uma séria de conflitos que poderiam ser transformados em algo mais específico ou relacional. Na adaptação, ser fiel a um livro frequentemente nos obriga a mexer um pouco na estrutura da história, contrabalançando de modo mais dramático o enredo principal e os enredos secundários. Isso significa trazer à tona alguns conflitos que estavam apenas implícitos no livro. Significa também reordenar algumas cenas, de modo que o conflito fique bem evidente, em cada ato. 140
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Finalmente, significa ainda que é preciso trabalhar constantemente cada cena, adicionando-lhe novas camadas para que a linha do conflito fique bem clara por toda a história.
APLICAÇÃO No último capítulo, falamos sobre a relação entre motivação, ação e objetivo. Podemos agora acrescentar mais um elemento a essa estrutura: o conflito. Quando estiver definindo um conflito, procure expressar com clareza tanto o objetivo do protagonista quanto do antagonista, em termos que possam de fato mostrar por que estão em conflito. Por exemplo, se fôssemos traçar a linha dessa estrutura ao longo do filme A Testemunha, teríamos o seguinte: MOTIVAÇÃO John Book é chamado para descobrir quem é o assassino.
AÇÃO Ele se esconde na fazenda dos amish e procura um meio de
OBJETIVO Provar que Paul é o assassino.
CONFLITO John quer desmascarar Paul.
Paul é descoberto por John.
Primeiro Paul tenta matar John; depois, tenta encontrá-lo e vai atrás de John
Para matá-lo, antes que Paul quer matar John John revele que ele é o antes que ele o entregassassino. ue à polícia.
Por este gráfico, dá para perceber que o objetivo de John é diametralmente oposto ao de Paul. Portanto, quanto mais claro se puder mostrar essa relação de oposição, mais intenso ficará o conflito. Ao trabalhar o conflito, procure formas de expressá-lo com força visual e emocional. Segundo o método Stanislavski, o ator é ensinado a verbalizar o superobjetivo (isto é, o objetivo principal) de determinado personagem em termos dramáticos, que possam ser representados. Por exemplo, se o objetivo do personagem em uma cena fosse obter certa informação, uma das alternativas do ator seria simplesmente se expressar, dizendo: “Eu vou tentar conseguir essa informação”. No entanto, isso soa muito fraco, e não expressa o objetivo de modo suficientemente dramático em termos de ação. Portanto, seria melhor dizer: "Eu vou arrancar dele tudo que puder, não importa como!” Isto sim nos dará uma cena dramaticamente muito mais forte. Uma vez que o objetivo do protagonista e do antagonista estiverem claramente definidos e verbalizados, demonstrando de forma inequívoca por que ambos estão em conflito, comece a trabalhar com os outros personagens. Você pode passar nuances do conflito através de cenas de conflitos secundários travados entre personagens principais e coadjuvantes. Por exemplo, se o antagonista for um membro da Máfia, você pode criar um conflito entre ele e seu motorista em alguma das cenas. Talvez discutam sobre o que fazer com outro mafioso (um quer matá-lo, o outro quer apenas obter informações). Ou pode ser que o chefão da Máfia e seu alfaiate discordem acerca de um terno. Ou pode ser ainda que a mulher do chefão comece a suspeitar de alguma coisa 141
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que o mafioso não quer que ela descubra. Na maior parte dos roteiros, existem muitas cenas que oferecem várias oportunidades desse tipo, e que podem ser trabalhadas. Concluindo, ao analisar a questão do conflito no seu roteiro, faça as seguintes perguntas: ■ Quem é o protagonista? Quem é o antagonista? Qual é o tipo de conflito que se passa entre eles? Trata-se de um conflito relacional, social, situacional ou cósmico? Será que exprimi a maior parte do conflito de forma relacional? ■ Como eu expresso o conflito? Além de diálogos, estou utilizando também imagens e ação para mostrar esse conflito? ■ Recorri à técnica de criar conflitos secundários entre os personagens, para dar mais impacto à cena? ■ Existe um conflito principal que defina a questão central da história? Ele tem a ver com a linha de ação da história e também com a estrutura do personagem? O conflito pode ser usado para expressar um jogo de poder, desentendimentos, diferenças de pontos de vista, atitudes e ideologias opostas, bem como o objetivos globais divergentes. Embora um único conflito deva figurar no centro da história, lembre-se de criar conflitos secundários ao longo de cada cena. Eles tornarão sua história mais interessante, pois lhe darão mais impacto e dimensionalidade.
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CAPITULO 11
CRIANDO PERSONAGENS BEM DIMENSIONADOS Os críticos adoram acabar com um filme, dizendo que o personagem não evolui ao longo da história. A evolução de um personagem é fator essencial para uma boa história. À medida que o personagem vai passando da motivação para o objetivo, algo deve acontecer nesse processo. Um personagem bem construído ganha alguma coisa através de sua participação na história, assim como a própria história também se enriquece por seu envolvimento. Já comentamos anteriormente como Rose, personagem do filme Uma Aventura na África, muda a direção da história, graças à sua personalidade, obstinação e determinação. Vimos que esse mesmo tipo de dinâmica entre personagem e história se passa com Edna, no filme Um Lugar no Coração, com Martin e Matt em Tubarão e com Oskar no filmei Lista de Schindler. Todos esses personagens entram na história como personagens bem dimensionados, não como estereótipos. E todos se tornam ainda mais dimensionais à medida que a história e os outros personagens vão interagindo com eles — dando-lhes conselhos, ensinando-lhes coisas, confrontando-os, pressionando-os ou influenciando-os. Essa capacidade de evoluir e se transformar tem tudo a ver com o fato de se tratarem de personagens tão fantásticos e bem dimensionados, que nos dão a impressão de serem maiores do que a própria vida. Com certeza todos já tivemos oportunidade de nos deparar com personagens estereotipados, que em regra são definidos por suas características físicas. Esses personagens, na verdade, são unidimensionais. Normalmente podem ser descritos por uma ou duas palavras: a loira burra; o detetive Machão; o salva-vidas musculoso; a modelo sensual. Muitas vezes esses personagens tem apenas um papel secundário na história, e servem como uma espécie de enfeite para a cena. Mas, também pode acontecer de tipos como esses estarem nos papéis principais, caso que restringe bastante o filme, por eles terem dimensões tão limitadas. Personagens bem construídos são bem mais amplos, mais próximos da realidade. Conseguimos ver seus diferentes lados. Entendemos a forma como eles pensam. Vemos o modo como agem. Conseguimos captar suas emoções através de suas reações. A propósito, os pensamentos, as ações e as emoções podem ser definidos como as três dimensões do personagem. A maioria dos filmes subestima uma ou duas dessas dimensões e costuma destacar mais apenas uma delas, criando assim um personagem-tipo. Um personagem-tipo é aquele definido por apenas uma dessas dimensões. James Bond é um personagem-tipo. Ele é um herói e, como todo herói, é 143
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definido por ações. Sabemos muito pouco sobre suas atitudes (exceto que ele gosta de dormir com mulheres bonitas). Seu lado emocional é irrelevante, praticamente inexistente. Ninguém jamais verá James Bond chorar, sentir medo, demonstrar insegurança, ficar bravo, ou ser qualquer coisa diferente de uma pessoa fria, impassível. Todos já tivemos contato com outros personagens-tipo: a viúva chorosa que é pura emoção; o acadêmico arrogante, todo filosófico; o salvador da pátria que é só ação. No entanto, cada dimensão de um personagem é composta por outras subdivisões. Os pensamentos, por exemplo, são compostos pela filosofia do personagem, seus valores, atitudes e pontos de vista. As ações do personagem são compostas não apenas por suas ações propriamente ditas, mas também daquelas decisões que levam a uma ação. As emoções abrangem o perfil emocional do personagem, bem como suas reações emocionais. Embora em qualquer personagem bem construído uma dessas dimensões possa ser mais preponderante, cada uma delas dará sua contribuição para criar um personagem tridimensional.
FILOSOFIA/ATITUDES A filosofia é a característica mais difícil de se retratar. Os personagens que são definidos principalmente por sua filosofia se tornam abstratos, tagarelas, indulgentes e normalmente enfadonhos. Não obstante, todo personagem dimensional tem uma filosofia, pois certamente acredita em algo: talvez numa religião, na defesa dos direitos da mulher, na liberação homossexual ou em Deus, na família ou em qualquer outra coisa desse tipo. Suas crenças vão afetar suas ações. Um personagem que acredita na liberação homossexual, por exemplo, pode fazer parte de passeatas, ser um veemente defensor dessa causa ou mesmo um homossexual praticante. Portanto, sua filosofia vai assumindo uma forma dramática por meio das ações desse personagem. Os personagens também têm uma atitude em relação à vida. Podem ser cínicos, decididos, desligados ou agressivos. Uma coisa é certa: todo bom personagem assume uma atitude diante da vida, quer seja uma atitude saudável ou neurótica; uma atitude confiante ou insegura; a atitude de quem vê a vida através de lentes cor-de-rosa ou cinza. E essa atitude afetará diretamente as ações que ele tomará e a forma como se relacionará com outros personagens. Só conhecemos realmente um personagem por intermédio de suas ações e atitudes, e não através de sua filosofia. Quando a filosofia e as ações conflitam, o que temos, na verdade, é um personagem hipócrita. Se eu digo que amo a humanidade, mas, logo em seguida, ajo de forma diferente, mantendo todo mundo à distância e me esforçando para tornar insuportável a vida dos outros, é evidente que o que me define de fato são as minhas ações e atitudes, pois a minha filosofia não passa de palavras vazias. É bem mais fácil representar a atitude do que a filosofia de um personagem, pois a atitude pode ser expressa com mais facilidade através da ação. Não é tão difícil assim demonstrar compaixão, amor, aceitação ou cinismo. O grande perigo que encontramos tanto em termos de filosofia quanto de atitude é o de fazer com que o personagem tente traduzir essa dimensão em palavras, em vez 144
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de representá-la.
DECISÕES/AÇÕES A ação é a essência do drama. Em se tratando de literatura, podemos nos concentrar nos sentimentos, atitudes e crenças dos personagens. Mas não no caso de uma peça dramática, onde o foco é sempre a ação. A ação é composta de duas partes: a decisão de agir e a ação propriamente dita. Quando assistimos a um filme, normalmente só notamos a ação. No entanto, é a decisão de agir que nos ajuda a compreender como funciona a mente do personagem. O momento da decisão — aquele momento em que o personagem decide se vai ou não puxar o gatilho, dizer “sim" para uma incumbência, ou se envolver num relacionamento — é em geral um momento importante de revelação do personagem. Em Tootsie, vemos uma cena bem cômica, em que Michael se vê obrigado a tomar uma decisão rápida. Ele está esperando Sandy, pois vai levá-la para jantar. Enquanto espera, vê “um lindo vestido” no closet de Sandy, que parece feito sob medida para Dorothy. Então, ele decide prová-lo e, justo nessa hora, Sandy entra no quarto. A situação corre o risco de ser mal interpretada, a menos que Michael decida agir rapidamente: SANDY (abrindo a porta) Michael, não temos que sair para jantar. Podemos comer aqui mesmo. Ela vê Michael com as calças abaixadas e estranha a situação. Michael dá um pulo, tentando se cobrir e procurando alguma coisa para dizer. MICHAEL Sandy...Eu...Eu quero você! SANDY (surpresa) Você me deseja? MICHAEL (se move em direção a ela, com a calça nos tornozelos, braços abertos) Eu te quero, Sandy! E Michael arranca risos da platéia com sua presença de espírito. Já John Book, no filme A Testemunha, decide não fazer amor com Rachel, na noite da construção do celeiro, e essa decisão é um dos momentos poderosos do filme. Rose, em Uma Aventura naÁfricay decide permitir que Allnutt durma a seu lado, para se proteger da chuva, e essa decisão 145
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marca o início da mudança em seu relacionamento com ele. No filme O fugitivo, acompanhamos o personagem de Sam Gerard em ação, decidindo o que fazer e como fazer ao longo de todo o filme. As decisões devem levar a ações específicas. Os personagens devem agir na história. A função do personagem principal é levar a história para frente através de suas ações. Há várias maneiras de um personagem ser ativo, em vez de passivo. Ele pode procurar algo, investigar um crime, descobrir a verdade, passar a perna em alguém, planejar uma estratégia, modificar outros personagens ou a si mesmo, criar uma nova situação, manipular alguém, vingarse de alguém ou corrigir alguma injustiça cometida. Qualquer que seja a ação escolhida, o importante é que ela seja capaz de levar a história adiante, que o personagem tenha que tomar uma série de medidas para colocá-la em prática e que isto afete o desenrolar da história. Há certas histórias em que o personagem é muito passivo no começo. A história vai acontecendo e ele é levado de um lado para o outro pela história. Quando isso acontece, é indispensável que o personagem principal, a uma certa altura, assuma o controle da situação. Em algum ponto, e certamente antes da metade da história, o protagonista precisa começar a agir. Trocando em miúdos, o protagonista precisa começar a fazer a história acontecer, e não simplesmente ficar à mercê dela.
PERFIL EMOCIONAL /REAÇÕES EMOCIONAIS Normalmente em uma história as emoções são deixadas meio de lado. Ou muitas vezes limitamse apenas a algumas lágrimas, expressões de raiva e coisas do tipo. Contudo, os personagens têm um perfil emocional que os define tanto quanto suas atitudes. Uma atitude cínica pode dar origem a um perfil emocional marcado pelo desespero, depressão ou por uma fuga da vida. Ou pode resultar num personagem rabugento, amargo ou furioso. Já uma atitude positiva pode resultar num personagem que está sempre com um sorriso no rosto, de bem com a vida, uma pessoa otimista, acessível e disposta a ajudar os outros. Da mesma forma, um personagem dominado por uma atitude de isolamento pode ser frio, distante, ter um coração duro, ser hostil e vingativo. Os personagens são definidos por seu perfil emocional e suas reações emocionais surgem a partir dessa definição. Situações excepcionais provocam reações emocionais também excepcionais. Um personagem normalmente alegre pode ficar furioso diante de uma injustiça praticada. Um personagem desesperado pode ser tocado pelo amor, fazendo despertar uma série de reações emocionais totalmente diferentes. Certos filmes mostram personagens com um espectro emocional muito limitado. Raramente conseguimos perceber como Karen Blixen se sente no filme Entre Dois Amores. Na maior parte do tempo, seja durante o incêndio em sua fazenda, seja quando ela se divorcia de Bror, suas reações são racionais. Ela tende mais a discutir uma situação do que a chorar, ficar brava ou com medo. Porém, em circunstâncias excepcionais, mesmo suas reações usuais se alteram. Quando Denis a leva para seu primeiro passeio de avião, sobrevoando aquele 146
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pedaço maravilhoso da África, ela se volta para trás, segura a mão dele com carinho e os olhos marejados de lagrimas, e sussurra um emocionado: “obrigada”. No extremo oposto, encontramos um personagem como Tess McGill, em Uma Secretária de Futuro, que tem um amplo espectro emocional. No decorrer do filme ela demonstra desapontamento, raiva, determinação, ansiedade e alegria. Suas reações emocionais nos cativam e nos levam para dentro de seu personagem e do filme. Assim como muitos filmes deixam de fora da história o momento em que um personagem decide pôr em pratica determinada ação, também deixam de fora o momento que mostraria a reação emocional que essa ação provoca. Os filmes frequentemente mostram apenas as ações e reações impactantes e seus efeitos sobre os personagens. Muitas vezes vemos um personagem completamente destruído, mas não conseguimos perceber as reações emocionais que fariam com que pudéssemos entendê-lo melhor. Os sentimentos dos personagens despertam a empatia da audiência, fazem com que nos identifiquemos com o personagem. As emoções fazem com que o público se envolva com a história e sinta-se na pele do personagem, vivendo com ele suas emoções.
A CADEIA DIMENSIONAL Essas três dimensões geram uma cadeia dimensional que ajuda a definir os personagem em todos os níveis. A filosofia do personagem inspira determinadas atitudes perante a vida. Essas atitudes geram certas decisões que, por sua vez, geram certas ações. Essas ações nascem do perfil emocional do personagem, que o predispõe a fazer determinadas coisas e não outras. Ele também reage emocionalmente de uma certa maneira, em resposta às ações dos demais personagens.
O ARCO DE TRANSFORMAÇÃO DO PERSONAGEM Nos bons filmes encontramos no mínimo um personagem que se transforma no decorrer da história. Os produtores sempre perguntam: “Como esse personagem cresce? Como ele evolui?” Eles reconhecem o fato de que uma história impactante, com personagens fortes, tem potencial para influenciar e transformar o protagonista. Nem todo filme precisa ter um arco de transformação, embora a maioria dos melhores filmes mostrará as transformações de pelo menos um dos personagens no decorrer da história. Esse personagem normalmente é o protagonista. Lembre-se das transformações que acontecem nos filmes Os Imperdoáveis, Atração Fatal e O Piano. Às vezes são os personagens coadjuvantes que mudam, enquanto o protagonista permanece a inalterado. Em De Volta para o Futuro, Marty é essencialmente a mesma pessoa do início ao fim do filme; já seus pais — George e Lorrain McFly — transformam-se em pessoas totalmente diferentes. A transformação de um personagem pode ser extrema, levando-a a ocupar uma posição diametralmente oposta à que ocupava a princípio, ou ele pode simplesmente passar para uma posição intermediária. Por exemplo, um personagem inflexível pode sofrer uma alteração completa, tornando-se, no final do filme, uma pessoa espontânea, extrovertida. Ou pode, por outro lado, soltar-se só um pouco, mantendo ainda um certo senso de disciplina. O arco de transformação de 147
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um personagem pode ser representado da seguinte forma: POSIÇÃO INICIAL No filme De Volta Para o Futuro, George Mcfly começa como um nerd, um cara tímido, controlado por Biff.
POSIÇÃO MODERADA Se a transformação tivesse sido moderada, George ficaria mais confiante, mas não teria virado a mesa com Biff.
POSIÇÃO EXTREMA Aqui torna-se o oposto: confiante, forte, atraente, ativo; com Biff a seu dispor.
POSIÇÃO INICIAL No filme Uma Aventura na África, Rose é uma solteirona tensa e inflexível.
POSIÇÃO MODERADA Se Rose tivesse passado para uma posição moderada, ela continuaria a ser um pouco inflexível, mas teria seus momentos de espontaneidade.
POSIÇÃO EXTREMA Aqui ela torna-se espontânea, amável, mais aberta, casa-se.
O arco de transformação de um personagem pode ser bem sutil. Em O Fugitivo, a transformação do agente Sam Gerard é apenas de atitude. Pouco a pouco, no decorrer do filme, nós o observamos passar de uma posição de indiferença do tipo “Estou pouco ligando se Richard Kimble é inocente ou não”, para uma posição de consideração e respeito, à medida que ele começa a se esforçar para encontrar o homem de um braço só e capturar o assassino. Em A Lista de Schindler, a mudança de uma posição mais materialista para uma posição mais humana acontece de forma velada, à medida que Oskar Schindler vai lentamente mudando sua atitude em relação a Amon Goethe, aos alemães, aos judeus e em relação a si mesmo. No final do filme algo de profundo acontece, quando ele grita: “Eu poderia ter feito mais!” Os personagens precisam de ajuda para mudar. Eles recebem essa ajuda por influencia da própria história e de outros personagens. As vezes, um personagem funciona como o elemento catalisador para as mudanças que ocorrerão em outros personagens. Em De Volta para o Futuro, não é Marty quem precisa passar por mudanças, mas sim seus pais. Marty ocupa mesma posição ao longo de toda a história, mas é um forte elemento catalisador para as extraordinárias transformações sofridas por seus pais. Em Guerra nas Estrelas, a Princesa Leia sofre transformações muito pequenas no decorrer da trama. Ela mantém sua posição original, mas sua presença e influência provocam alterações em Han Solo e em Luke Skywalker. Em outras histórias, ambos os personagens se transformam. Em Uma Aventura na Áfiica, Rose se torna uma pessoa mais aberta e espontânea enquanto Allnutt, um beberrão sem compromisso com nada, torna-se sóbrio e mais relacional. Ambos percorrem todo o arco de sua transformação. Em Tootsie, Michael Dorsey se torna um homem melhor por ter vivido na pele de uma mulher. Transformar um personagem exige um certo tempo; não é algo que acontece em umas poucas páginas. Normalmente são necessários três atos inteiros para criar uma transformação total. É um processo que acontece passo a passo, aonde a transformação vai sendo construída lentamente, a cada momento. Esses momentos mostram de diversas formas as alterações que vão acontecendo. 148
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Acompanhamos as decisões que um personagem toma e como essas decisões vão se modificando com o decorrer da história. Percebemos novas reações emocionais diante de situações inéditas. E observamos também as novas ações que o personagem aprende a ter, em consequência das exigências da história e de sua interação com os demais personagens. Para entender um pouco mais essa transformação, vamos observar passo a passo as mudanças que marcam o arco de transformação de Rose, no filme Uma Aventura na Africa. Nós poderíamos esquematizá-las da seguinte forma: A atitude de Rose em relação a Allnutt e a atitude dele em relação a ela começam pela mais completa indiferença. ROSE (Indiferente) Bom dia, Sr. Allnutt ALLNUTT Bom dia, senhorita... Por um momento, Allnutt observa Rose de forma totalmente casual e indiferente. Por esta apresentação, podemos notar que não há qualquer traço de amor entre o mal-educado Allnutt e a bem comportada Rose. Quando o irmão de Rose morre e Allnutt volta para ver o que acontecera com eles, o relacionamento já se modifica um pouco. Rose fica agradecida pelo retorno de Allnutt e por ele ajudá-la a enterrar seu irmão. ALLNUTT Sabe de uma coisa, enquanto eu cavo essa cova, você deveria ir juntando suas coisas, moça... Assim, podemos nos mandar daqui… ROSE Nos mandar daqui? ALLNUTT Os alemães podem voltar a qualquer momento. ROSE Mas por que voltariam? Não deixaram pedra sobre pedra. ALLNUTT Ah, eles vão voltar sim. Atrás do African Queen... ROSE 149
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E para onde iremos? ALLNUTT Tô pensando, moça, em como podemos encontrar algum lugar sossegado, atrás de alguma ilha! Aí podemos parar ali um pouco e discutir o que vamos fazer. ROSE (uma pausa, e em seguida, uma decisão rápida) Está certo, vou aprontar minhas coisas. (...) Obrigado, Sr. Ailnutt. ALLNUTT A senhorita faria o mesmo por mim, moça. Pensando no que havia acabado de dizer, começa a se perguntar, literalmente, se ela realmente faria o mesmo por ele. O próximo grande passo no desenvolvimento dessa relação acontece em sua primeira noite, no barco. Rose está dormindo sob um toldo e ALlnutt, na proa do barco. Começa a chover. Para se proteger da chuva, Ailnutt tenta silenciosamente ir para debaixo do toldo, sem acordar Rose. Mas ela acorda e imagina o pior a respeito dele. Allnutt recua. Neste instante começam a cair muitos raios, seguidos por um trovão estrondoso. Rose, desconcertada e arrependida, começa a entender o que havia se passado. ROSE Sr. Allnurt. Saia da chuva, entre aqui. ALLNUT Desculpe se a assustei. ROSE Tudo bem, Sr. Allnutt. Ele vira de costas e tenta se acomodar... Alnutt se espreme no pouco espaço ainda seco, fazendo o possível para não se encostar nela, tentando se proteger da chuva. Apoiada num dos cotovelos, ela o observa com uma ternura estranha, calma e virginal. Respingos de chuva caem no rosto de Allnutt. Delicadamente, mas de uma forma completamente desprovida de sentimentos, como se ele não passasse de um objeto ou bichinho horroroso que ela não quisesse ver molhado, Rose puxa a ponta do tapete em que está deitada, para protegê-lo da chuva. À medida que descem o rio, Allnutt percebe que Rose está seriamente determinada a torpedear o Louisa. Quando se embriaga, ele a chama de “solteirona magricela, maluca e carola”, o que apenas reforça sua determinação. Na manha seguinte, Rose joga fora todas as bebidas de Allnutt. Ela está 150
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furiosa com ele... e Allnutt tenta melhorar seu humor. Faz a barba, tenta puxar prosa, mas ela só quebra seu silêncio e se torna amável novamente, quando ele finalmente concorda com seu plano de atacar o barco Louisa. Durante esse movimento ao longo do arco, vemos que eles tiveram uma tremenda discussão, mas conseguiram superá-la. O relacionamento dos dois se modifica novamente. Agora eles têm o mesmo propósito e estão prontos para desempenhar sua missão. No final do primeiro ato, Rose e Allnutt estão bastante mudados. Eles já pediram desculpas um ao outro, já se ajudaram mutuamente, e a emoção da aventura começa a dar vida nova a Rose. No decorrer do segundo ato, podemos notar vários momentos que mostram as mudanças em seu relacionamento: o primeiro beijo, a primeira vez que Rose chama Allnutt de “querido”, as aventuras e preocupações que eles compartilham. Logo depois que passam por Shona e atravessam as corredeiras em segurança, Allnutt e Rose festejam, dando origem a um outro ponto de virada em seu relacionamento: ALLNUTT Conseguimos! Conseguimos! ROSE Hip, hip, hurra! ALLNUTT Com certeza pregamos uma peça neles desta vez, hein, garota? Eu não acreditava que fosse possível. Puxa, nós mostramos a eles! ROSE Hip, hip, hurra! Charlie a beija. Um silêncio embaraçoso se segue. ROSE Eu pilotei bem o barco? ALLNUTT Claro, mais que bem, garota. Bem, estamos ficando sem combustível. Melhor atracar em algum lugar. E o plano deles continua a correr bem até que encalham num banco de areia, e tudo parece perdido. ALLNUTT Quer saber a verdade? ROSE 151
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Com certeza. ALLNUTT Com certeza ROSE Mesmo que fizéssemos a maior força, jamais conseguiríamos desencalhar esse barco. ALLNUT Sem chance. Ele passa a mão no rosto dela. Lemamente ela compreende, e nós também, que sua única preocupação é com a morte. ALLNUT Não se fazem mais mulheres como você. E já bem no final da história, quando eles estão prestes a serem executados pelos alemães, a transformação se completa: ROSE O senhor pode nos enforcar juntos, por favor? ALLNUTT Um momento aí, capitão. Podemos fazer um último pedido? CAPITÃO Qual seria? ALLNUTT Poderia nos casar? CAPITÃO O quê?! ALLNUTT Nós queremos nos casar. Capitães de navios podem fazer casamentos, não podem? CAPITÃO Hum, hum. ROSE Oh, Charlie, que idéia maravilhosa! CAPITÃO Que besteira é essa? 152
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ALLNUTT Ah, Capitão, vem cá. Só levaria um minuto e significaria tanto para a moça. CAPITÃO Bem, se vocês querem. Por que não? E então o capitão casa os dois. CAPITÃO Eu os declaro marido e mulher. Continuem com a execução. No momento seguinte, o convés é arremessado para cima, ocorre um forte deslocamento de ar, ouve-se um ruído impressionante e os dois são atirados na água. ALLNUTT Que aconteceu? ROSE Conseguimos, Charlie, conseguimos! ALLNUTT Mas, como? Rose mostra um destroço flutuando, onde se vê escrito: African Queen. ALLNUTT Bem, eu vou... Tudo bem com você, Sra. Allnutt? ROSE Maravilhosamente bem. E com você, Sr. Allnutt? ALLNUTT Muito bem, para um velho homem casado. ROSE Estou totalmente perdida, Charlie. Para que lado fica a costa sul? ALLNUTT Na direção em que estamos nadando, garota. Note como o filme espaça os momentos de transformação ao longo do arco. Nada acontece de forma abrupta. As mudanças ocorrem à medida que cada personagem é confrontado com as exigências da situação, na proporção em que seus propósitos se chocam e depois se tornam um só, e à medida que um precisa do outro para atingir seu objetivo. Cada personagem sofre a influência do outro e reage através de novas ações e emoções. Eles eram uma pessoa no início do filme e outra quando o filme terminou. 153
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Uma Aventura na Africa é um excelente exemplo de uma história que influencia os personagens e de personagens que influenciam a história. É claro, coerente e realista. Em virtude disso, vamos nos envolvendo passo a passo com as mudanças que ocorrem em Rose e Allnutt.
PROBLEMAS PARA CRIAR UM PERSONAGEM DIMENSIONAL Tempos atrás, trabalhei com um roteirista que escreveu um dos filmes de sucesso da temporada de 1985. Ele trabalhava em outro roteiro que era bastante complexo, difícil e que possuía como protagonista uma mulher, descrita como “uma bela loira, de longas pernas”. À medida que eu analisava o roteiro, logo se tomou evidente que ele havia criado um belo de um estereótipo, sem a dimensionalidade ou originalidade presentes em seus personagens masculinos. Isto me surpreendeu um pouco, pois sabia que ele era um excelente roteirista, bem como era um homem muito bem casado, liberado, e tinha uma esposa bem sucedida profissionalmente. Quando ele chegou na reunião, antes mesmo que eu tivesse a oportunidade de tecer comentários sobre essa personagem, começou a me falar de sua frustração com relação a ela. Ele já fizera de tudo, mas simplesmente não conseguia fazê-la dar certo. E me explicava que não era “daquele tipo de homem”, insistindo que via as mulheres como pessoas dimensionais e completas, que amava sua esposa e que várias de suas melhores amizades eram mulheres. Apesar de tudo isso, ele não estava conseguindo dar vida a este personagem em especial, e me garantiu que era capaz de criar personagens bem melhores do que este. Quando começamos a trabalhar no personagem, eu disse a ele que havia se colocado num beco sem saída com a descrição que fizera dela. Uma vez que ele a descrevera fisicamente de forma estereotipada, não havia jeito de fazê-la se libertar do estereótipo. Sugeri que mudássemos a descrição do personagem. Em vez de descrevê-la por sua beleza, tentamos uma abordagem parecida com a que ele havia usado para os personagens masculinos. Eles eram descritos pelas roupas que usavam, por seu caráter (ou pela falta dele), por suas atitudes, ou pelos traços de desespero ou esperança em seus rostos. Então, conseguimos fazer com que aquele personagem se tornasse mais dimensional, tão logo criamos uma descrição mais realista para ele. Criar personagens dimensionais não é nada fácil. O roteirista encontra várias armadilhas e ciladas pelo caminho. Às vezes, cai na tentação de buscar inspiração para seus personagens em outros filmes, e não na vida real. Já li mais de um roteiro que descreve um personagem como um “tipo Harrisson Ford, na pele daquele personagem que ele faz no filme Os Caçadores da Arca Perdida", ou “um tipo James Bond, representado por Roger Moore”. Outras vezes, o autor omite um aspecto do personagem — como sua filosofia ou suas reações emocionais — por ser algo que não está tão patente ou não pode ser tão facilmente reconhecido como uma ação. Como os filmes que eles assistem costumam destacar mais um aspecto do que os outros, isso os leva a pensar que as demais dimensões não sejam importantes Criar personagens 154
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dimensionais exige muita observação da vida real. Os melhores escritores são aqueles que parecem estar sempre prestando atenção aos pequenos detalhes, a peculiaridades dos personagens, e escutando um certo ritmo que cada um deles tem. Eles fazem de tudo para ultrapassar a barreira dos estereótipos e expandir sua compreensão humana. Além disso, respeitam profundamente seus personagens, dando-lhes plena liberdade para encontrar uma grande diversidade de pensamentos, ações e emoções.
APLICAÇÃO Quando estiver trabalhando novamente um personagem, algo que ajuda muito é começar pelo arco de transformação. Comece se perguntando quais são as habilidades e características de que o protagonista precisa para alcançar seu objetivo. Por exemplo, Rose, personagem do filme Uma Aventura na Africa, precisará adquirir mais espontaneidade, engenhosidade, coragem, determinação e amor, para vir a ser a mulher que se torna no final do filme. Agora observe o ponto de partida do seu personagem e estude, dentre estas características que ele tem logo no início, quais terão que se modificar ou ser adquiridas à medida que a história evolui. Agora imagine como o personagem fará para chegar a essas mudanças necessárias. O que precisa acontecer na história para que isso se concretize? Como as demais personagens podem ajudar o protagonista nessa caminhada? Então, pergunte a si mesmo: há mostras da filosofia desse personagem ao longo da história? Essa filosofia é expressa por ações, em vez de falas? Dá para perceber claramente as atitudes do personagem? Sabemos como ele se sente em relação aos outros personagens e em relação à situação em si? Estas atitudes levam o personagem a certas ações? Se você quer que seu personagem desperte empatia, verifique suas reações emocionais e a maneira como você mostra ao público seu perfil emocional. Tente ampliar o espectro emocional do personagem. Alguns psicólogos dizem que todas as emoções se enquadram em uma das seguintes categorias: loucura, tristeza, alegria e medo. No entanto, dentro dessas categorias existem muitas outras emoções como raiva, fúria, frustração, irritação, encantamento, arrebatamento, ou mesmo sentimentos como ficar paralisado de medo ou ter uma descarga de adrenalina diante de algum perigo. Procure encontrar maneiras de expandir as emoções dos personagens além do habitual medo, raiva e paixão. Observe as ações de seus personagens. Elas desempenham um papel ativo ou passivo na história? Essas ações ajudam a história a caminhar e também a definir os personagens? Há personagens que gostam de jogar golfe. Outros gostam de tricotar, ler ou de colecionar pequenos objetos Alguns têm tiques nervosos. Outros têm certas manias, como mania de limpeza, seja tirando o pó de tudo, polindo maçanetas ou lavando a mãos o tempo todo. Detalhes como esses ajudarão a expandir e revelar seu personagem, enquanto mantêm o foco nas ações necessárias para que a história avance. 155
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Quando estiver analisando especificamente as dimensões e transformações no seu roteiro, pergunte a si mesmo: ■ Será que estou travado por causa de estereótipos? Será que defini algum personagem de forma unidimensional, em vez de criar um personagem tridimensional? ■ Qual é o arco de transformação do protagonista? Será que dei aos meus personagens tempo suficiente para que suas mudanças aconteçam? Estas mudanças são verossímeis? ■ Quais são as influências exercidas sobre os personagens principais que os ajudam a mudar? Existe algum personagem catalisador? Existe algum relacionamento amoroso? A história força as mudanças do personagem? ■ Dá para ver claramente, através de imagens e ações, como as influências da história e dos demais personagens criam toda a transformação que acontece? Será que essa transformação ajuda a expressar, ao mesmo tempo, o tema e a história? Prestar atenção à dimensionalidade e à transformação ajudará você a criar personagens que o público dificilmente esquecerá. E ao enfatizar esses elementos, você também estará aumentando a identificação com o público e a viabilidade comercial do filme.
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CAPÍTULO 12
A FUNÇÃO DOS PERSONAGENS Muitos roteiros parecem não sair do lugar, ficam meio confusos ou muito pesados. Às vezes isto pode ser um problema da história que está meio confusa, inconsistente ou mal estruturada. Mas normalmente é um problema do personagem. Pode ser que o roteiro tenha simplesmente personagens demais e não dê para saber muito bem o que cada um deles está fazendo ali. Mesmo que você goste deles, não parecem ser necessários para o desenrolar da trama. Os personagens começam a trombar uns nos outros, confundindo a história e ficamos sem saber para onde voltar nossa atenção ou a quem devemos acompanhar. Num filme de cerca de três horas de duração só podemos absorver uma certa quantia limitada de personagens. Ter muitos deles ao mesmo tempo seria demais para nós, como se tivéssemos assistindo a um circo com três picadeiros. Simplesmente não saberíamos para onde olhar. Em geral, um filme comporta apenas cerca de seis a sete personagens principais. Na maioria dos casos encontramos de três a cinco. Entre eles estão incluídos o protagonista, seu parceiro amoroso e, talvez, de um a dois personagens coadjuvantes. Em filmes como O Reencontro, Quando os Jovens se Tornam Adultos, O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, Clube dos Cinco ou Sete Homens e um Destino, você geralmente encontrará de cinco a sete personagens. Dificilmente verá mais do que isso. E evidente que isso nos conduz à seguinte questão: “o que devemos cortar?” É bem provável que você tenha seus personagens favoritos, bem como aqueles que são únicos e memoráveis. Lamento lhe dizer que favorito não é um critério válido para o nosso trabalho. Normalmente, quando chegamos a ponto de ter que cortar alguns personagens, torna-se fundamental investigar as funções de cada personagem. Em tese, todo personagem deveria ter um papel essencial a desempenhar no filme. Eles contribuem com algo específico para a produção como, por exemplo, fornecer alguma pista para uma investigação, ser o parceiro amoroso de alguém, dar profundidade ou acrescentar sabedoria à historia ou simplesmente ser um personagem cuja função seja dar importância ao personagem principal (como uma secretária ou um guarda-costas). No entanto, todos devem ter uma boa razão para estar na história. É bem verdade que há vários personagens que desempenham mais de uma função. Pode haver um personagem que seja ao mesmo tempo o parceiro amoroso de alguém, um elemento catalisador na história e também um confidente. No entanto, na maioria dos casos, não haverá diversos personagens desempenhando a mesma funçao, pois se vários tiverem a mesma função, o efeito de 157
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cada um deles se dissipará. Assim, repetir o mesmo tipo de personagem significa que o escritor não terá tempo suficiente para dar dimensionalidade a todos eles. Em geral, podemos dividir as funções dos personagens em cinco categorias: personagens principais, coadjuvantes, personagens que dão dimensão à história, personagens temáticos e personagens que dão importância a outros.
PERSONAGENS PRINCIPAIS São aqueles que praticam a ação. Cabe a eles a responsabilidade de levar a história adiante. Portanto, os personagens principais são sempre o foco da atenção do filme. São eles que fornecem subsídio para o conflito principal e são suficientemente interessantes para prender nossa atenção por cerca de três horas. O personagem principal é o protagonista, ou seja, aquele em torno do qual a história gira. Espera-se que o público o acompanhe ao longo do filme, torça por ele, emocione-se com ele, enfim, que ele desperte a empatia do publico. Quase sempre se trata de uma figura positiva. Ele é o herói da história como James Bond, Luke Skywalker, Ripley do filme Alien, o 8º Passageiro e Oskar Schindler. Porém, o fato de ser o herói não significa que o personagem seja perfeito, que não tenha suas falhas. Podemos até chegar a sentir raiva do protagonista, ou não gostar de certas características dele, mas certamente é ele quem prende nossa atenção. É alguém feito para ser visto. De quando em quando, o protagonista pode ser um personagem do tipo negativo. A Honra do Poderoso Prizzi, Amadeus, E o Vento Levou são exemplos de filmes cujos protagonistas não necessariamente despertam nossa empatia ou são simpáticos. Mesmo assim eles conseguem nos envolver na história. Vemos a história a partir do seu ponto de vista. Para que haja conflito dramático, o protagonista precisa enfrentar a oposição de alguém que vem a ser o antagonista. Em regra, ele é a pessoa que luta contra o herói. Mozart foi o antagonista de Salieri; Darth Vader, o antagonista de Luke Skywalker, Paul Schaeffer, do filme A Testemunha, é o antagonista de John Book. Algumas vezes o antagonista é composto de uma combinação de personagens. No filme Os Caça Fantasmas o antagonista é representado por todos os fantasmas. Em Tubarão, o antagonista é simbolizado pelas autoridades e líderes da cidade. Nesses casos, o antagonista pode ser representado por um grupo de personagens coadjuvantes, cuja função é impedir que o protagonista alcance seu objetivo. Em geral o protagonista tem alguém por quem ele se interessa. A função desse personagem é dar dimensão e profundidade ao personagem principal. No filme Tootsie, por exemplo, a beleza, a fragilidade, a feminilidade de Julie, o relacionamento dela com os filhos, tudo isso serviu para fazer com que Michael deixasse de ser um machão insensível e se tornasse um amigo atencioso. Por outro lado, a perspectiva singular de Michael 158
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também forçou uma mudança na vida de Julie.
PERSONAGENS COADJUVANTES Os personagens principais não fazem a história sozinhos. Eles precisam de ajuda para alcançar os seus objetivos. Na verdade precisam de personagens coadjuvantes que fiquem contra ou a favor deles — pessoas que lhes passem informações, que os escutem, os aconselhem, que os incentivem ou não, que os forcem a tomar decisões, que os confrontem, enfim, que os ajudem a ganhar vida. Uma das funções que o personagem coadjuvante costuma ter é a de ser um confidente. Não raro encontramos um confidente nas peças, particularmente, naquelas encantadoras comédias inglesas do século XVIII,nas quais sempre tem uma criada a quem a nossa heroína conta seus segredos mais íntimos. A heroína confia nessa pessoa, contando-lhe quem ama, seu medo do primeiro encontro, seus ciúmes e preocupações. Em seus ombros, a heroína chora, sorri, e se apoia em busca de ajuda para montar uma estratégia que a ajude a conquistar o amor de sua vida. Já nos filmes, a figura do confidente costuma ser bem menos interessante. Não precisa ser necessariamente assim, mas, lamentavelmente a idéia que se tem do confidente é de um personagem em quem o protagonista confia, e não alguém a quem ele revele a si mesmo. Isso faz com que o roteiro fique muito verbal, tomando o lugar do velho e bom drama. Muitas vezes o confidente também é usado como pretexto para passar informações para a audiência. Em decorrência disso, as cenas em que ele aparece normalmente ficam muito lentas, repletas de monólogos e usadas como uma ocasião em que se fala tudo aquilo que é considerado difícil de mostrar dramaticamente. No entanto, o confidente não precisa ser uma figura monótona. Pense nele mais como uma pessoa a quem o protagonista se revela, e não alguém com quem ele simplesmente fale. Na verdade esse é um personagem confiável em cuja presença o protagonista pode ser ele mesmo. Em vez de simplesmente falar e ouvir, o confidente representa uma oportunidade para que o protagonista chore, ria, exponha seu lado mais vulnerável, revelando assim outras dimensões de si mesmo. No filme Tudo por Uma Esmeralda, Glória (a editora e confidente) e Joan discutem sobre suas atitudes perante os homens e a preparação de Joan por sua irmã. Mas note como se desenrola essa discussão: não através de uma cena chata de diálogo, mas com humor e jogando com as emoções. Joan se encontra com sua editora, Glória, em um bar. Juntos analisam os homens, clientes habituais, que se encontram ali naquele momento. GLORIA Chato..., chato..., triste..., um fracassado, um grande fracassado..., aborrecido..., duvidoso..., desesperado... Ah... Muito alegre!... Oh, olha aquele ali, o senhor comedor. Eu costumava sair com ele. Um palhaço completo! Espera! Espera!... Da uma olhada naquele ali, que tal? JOAN 159
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Bem, não é bem... GLORIA Então quem? Jesse? JOAN Talvez seja uma bobagem. Mas acredito que existe alguém pra mim por aí... E uns poucos minutos mais tarde, depois de dar a novela a GLÓRIA, Joan a conta sobre sua preocupação com sua irmã, Elaine: GLORIA Sei o quanto tem trabalhado e que está transtornada por sua irmã. Como ela anda? tem notícias dela? JOAN De Elaine? Falei com ela semana passada. Ainda está na Colombia. GLORIA Já encontraram o corpo do marido dela? JOAN Apenas um... pedaço GLORIA Como ela tem levado a vida? JOAN Ela está se recuperando. Elaine sempre supera. Nessa cena a exposição é mínima. É mostrada a atitude de Joan quanto aos homens e a situação de sua irmã, mas o foco da cena é ativo. Ficamos sabendo sobre a animação do bar e a ação de Joan ao entregar a Gloria sua nova novela e as emoções que envolvem esse momento. Existe um motivo dramático que vai além da merda exposição e a cena torna-se essencialmente relacional: expressa a amizade entre Joan e Gloria. Às vezes, quem assume esse papel é um parceiro, podendo até mesmo ser um outro protagonista. Nos filmes Butch Cassidy, 48 Horas e Máquina Mortífera temos parceiros que também são confidentes. Em muitas séries feitas para a televisão, parceiros ou pessoas que trabalham juntas desempenham esse papel quando necessário, mesmo que sua principal função seja a de tocar a ação adiante. (Observe a figura de alguns confidentes, como o comandante e o Major Kira em jornada nas Estrelas — Deep Space Nine — 1ª temporada, Dr. Mark Sloane e seu filho detetive em Diagnóstico: Homicídio, ou a relação de confidência entre Jessica e pessoas de sua família em Assassinato por Escrito. Outra função importante que um personagem assume é a de ser um elemento catalisador. O 160
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elemento catalisador é aquela pessoa que fornece alguma informação ou dá causa a algum acontecimento que leva o protagonista a agir. No filme A Testemunha, Samuel desempenha essa função. É ele quem presencia o assassinato e conta tudo ao detetive John. Em função disso, John Book consegue levar a investigação em frente. Em Tootsie, o elemento catalisador é Sandy, uma vez que é ela quem conta a Michael sobre o papel na telenovela. O catalisador também pode ser um personagem secundário. No filme O Fugitivo, o prisioneiro, que está no ônibus que se dirigia ao presídio, e começa a tossir, atacando o guarda em seguida, é o elemento catalisador, pois é ele o responsável pelo acidente que possibilitou a fuga de Richard Kimble. Às vezes, é esse personagem que fornece a pista que leva à solução do crime. Ele também pode provocar uma transformação no protagonista. Nesse caso, o elemento catalisador pode ser um terapeuta, um dos pais, ou mesmo um amigo do protagonista que o confronta, provocando essa mudança. Pode ainda ser um policial que prende o protagonista ou o juiz que profere a sentença, levando o protagonista a mudar de vida. Quase toda a história tem um elemento catalisador, pois o protagonista não pode fazer tudo sozinho. Todo protagonista precisa de ajuda para dar um impulso inicial na história e não permitir que ela deixe de avançar. Quando estiver criando um personagem desse tipo, é importante que faça dele uma figura ativa, que ajude no desenrolar da história por meio de suas ações, e não de diálogos.
PERSONAGENS QUE DÃO DIMENSÃO À HISTÓRIA Se a história fosse simplesmente linear e o protagonista alcançasse seu objetivo apenas com uma pequena ajuda de alguns personagens catalisadores, o filme começaria a perder o interesse. Sempre tem que haver certos personagens que dão uma certa dimensionalidade não só à história mas também aos personagens principais. Isso não significa que esse personagem necessariamente seja dimensional, mas sim que o filme se torna mais dimensional em função de sua presença. Todos nós já assistimos a algum filme sério, que tinha um personagem engraçado que lhe dava um certo toque de humor. A função desse personagem era trazer um pouco de humor, tomar a história mais leve, dando à audiência uma oportunidade de liberar um pouco da tensão. Se você já leu Shakespeare, com certeza se lembrará de que mesmo nas histórias mais profundas, sempre havia algum personagem que provocava o riso na platéia. O exemplo mais evidente é o personagem Falstaff em Henrique IV partes I e II. Nas tragédias shakespearianas, temos o porteiro do castelo em Macbeth, a criada em Romeu e Julieta e o bobo da corte em Rei Lear. Muitos filmes recorrem a personagens que desempenham essa função. Em Guerra nas Estrelas, os hilários personagens R2D2 e C3P0, sempre dizendo “estamos perdidos”, são responsáveis pelo humor. Também havia o exótico Chewabacca, chamado de tapete ambulante, diferente de tudo 161
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que você já possa ter visto. Mesmo nas comédias, o humor geralmente se concentra sobre um personagem coadjuvante que nos faz rir, como o professor Brown em De Volta para o Futuro. Em muitas histórias, temos um personagem que contrasta com o protagonista. No filme A Testemunha, Daniel é o personagem que contrasta com John Book. Talvez você se lembre da cena em que Rachel e seu pretendente estão sentados na varanda, pouco à vontade um com outro, tomando limonada. Agora, contraste essa cena com outras, como aquela em que John e Rachel dançam juntos num celeiro, ou aquela em que John conta piadas no café da manhã, ou mesmo a paixão entre John e Rachel no começo do terceiro ato. A presença de Daniel faz com que o personagem de John adquira mais leveza, nos deixando mais conscientes de certas características de John e dando-lhe mais dimensionalidade. No primeiro esboço do roteiro de A Testemunha, a irmã de John, Elaine, teria essa função de ser contrastada com a personagem de Rachel. Seu personagem era o de uma dona de casa desorganizada, bagunceira, sempre na defensiva. Rachel ficaria hospedada na casa dela, e haveria uma cena em que Rachel limparia a casa com a ajuda das crianças, contrastando assim sua personalidade organizada e disciplinada com a sempre bagunceira Elaine. Em Tootsie, vemos contrastes entre os personagens de Sandy e Julie, e entre Michael e Ron, especialmente porque Michael trata Sandy de um modo muito parecido como Ron trata Julie. Também há contraste na atitude de Sandy em relação à Dorothy Michels (Sandy não gosta dela), bem como na atitude de Julie em relação à Dorothy (que quer ser sua melhor amiga). O contraste que existe entre Sandy e Julie ajuda a expandir o tema do amor e da amizade, assim como o das figuras femininas no filme, que ajudam a dar dimensionalidade e fazer o contraste com Dorothy. Os personagens que assumem essa função nos ajudam a enxergar os personagens principais de maneira mais clara, em virtude das diferenças que notamos entre eles. Eles aumentam a profundidade da história. Como as cores em uma pintura, eles acrescentam textura e foco, lançando luz sobre certas características sutis dos demais personagens.
PERSONAGENS TEMÁTICOS Existe uma série de personagens cuja função primordial é comunicar e expressar o tema de um filme. Embora possam ser encontrados em qualquer gênero de filme — seja de aventura, mistério, comédia, ou drama — é nos filmes voltados para determinado tema, tal como E o Vento Levou, Amadeus e Tootsie, que encontraremos muitos personagens desse tipo. Nesses filmes, o diretor tem algo específico que deseja transmitir. A inspiração por trás do filme não é tanto a fascinação pela história ou pelos personagens, mas pela própria ideia em si. O tema pode falar sobre amor e amizade, como em Tootsie; sobre mediocridade e genialidade, como em Amadeus; ou sobre o estilo de vida no velho sul, como no filme E o Vento Levou. Porém, o que dá ímpeto à história é sempre o tema. 162
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Para comunicar o tema, o diretor conta com a ajuda dos personagens. Em muitas histórias tematicamente complexas, um dos personagens ocupa uma posição de equilíbrio, para se certificar de que o tema seja bem explicado e interpretado. Há certos filmes que exigem a presença desse personagem de equilíbrio, pois podem dar margem a má interpretação. Filmes que tratam de temas ligados ao homossexualismo, por exemplo, às vezes precisam contrabalançar personagens homossexuais com personagens heterossexuais marcantes. Do contrário, o filme corre o risco de ser mal visto por apresentar uma perspectiva muito reduzida da realidade. Em filmes como Corações Desertos, Meu Querido Companheiro ou Filadélfia, esses personagens de equilíbrio ajudam a história a ter apelo para um público mais amplo. Filmes nos quais as minorias ganham importantes papéis de caráter negativo também precisam ser contrabalançados por papéis positivos. O filme O Ano do Dragão foi duramente criticado pela forma que retratou os asiáticos, pois não havia sequer um personagem asiático de caráter positivo. A trama de Uma Escola Muito Louca, que mostra um rapaz branco passando-se por negro para conseguir uma bolsa de estudos destinadas à minorias étnicas, também dava margem à má interpretação. Mesmo um filme como A Cor Púrpura foi criticado por apresentar figuras masculinas unidimensionais, por passar uma imagem desequilibrada dos homens negros. Para manter o equilíbrio nesses filmes normalmente basta mostrar um personagem que represente o outro lado da moeda. No filmei A Cor Púrpura bastariam uns dois personagens de homens negros mais positivos e bem dimensionados, para contrabalançar a imagem negativa de Mister e Harpo. Um vilão que represente uma minoria pode ser contrabalançado por um personagem positivo que represente essa mesma minoria. Sem isso, filmes desse tipo podem dar margem à má interpretação ou coisa pior: protestos, cartas de reclamação e até mesmo um projeto frustrado. Alguns personagens temáticos dão dimensão ao tema, ao mostrar diferentes pontos de vista, ajudando assim a comunicar a complexidade da idéia. Na verdade, poderíamos dizer que eles representam a voz de algum grupo. No filme A Testemunha, por exemplo, Eli é a voz da não violência da seita Amish, em seus diálogos com Samuel sobre as mazelas e os problemas da violência. Em Os Imperdoáveis, Will Munny, com uma reação em vez de um diálogo, representa a voz da não violência, ao reagir diante do entusiasmo de Scofield Kid em se tornar um matador profissional. No filme A Lista de Schindler, Izthak Stern é a voz da sabedoria, comunicando uma clara percepção do bem e do mal. É importante não levar essa técnica muito ao pé da letra. A intenção não é fazer desses personagens uns tagarelas. Na verdade, eles devem comunicar a idéia que defendem através de atitudes, ações, e ocasionalmente, através de alguns diálogos. Outro personagem que também cumpre essa função de comunicar o tema é aquele que transmite o ponto de vista do roteirista. Nesse caso, o roteirista escolhe um personagem para dizer aquilo que ele quer na história. Num certo sentido, esse personagem é o alter ego do roteirista. Em Guerra 163
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nas Estrelas, esse personagem provavelmente é Obi-Wan-Kenobi ou Yoda, no segundo filme da trilogia, O Império Contra-ataca. Qualquer atitude ou filosofia que o roteirista pretenda comunicar pode ser facilmente passada por meio desses dois tipos de personagens. Nem sempre é importante para a audiência perceber quem é o personagem que carrega o ponto de vista do roteirista. No entanto, se você for o roteirista e tiver algo específico a dizer, então escolha um personagem que possa fazer isso para você. Terá de ser um personagem coadjuvante com quem você se identifique. Se você tivesse certas atitudes que gostaria de comunicar com relação a tubarões, por exemplo, provavelmente escolheria alguém como Matt, do filme O Tubarão. Stern provavelmente é o personagem que carrega o ponto de vista do roteirista, no filme A Lista de Schindler. Já em Amadeus, provavelmente é o sacerdote que escuta as confissões de Salieri. Muitas vezes esse personagem específico torna-se essencial para a história que está sendo contada, pois ela depende dele para que a mensagem que o roteirista quer transmitir ao público fique bem clara. Se você estiver trabalhando com algum material polêmico, onde não haja uma divisão bem clara entre o certo e o errado, o público precisará de ajuda para saber o que pensar da mensagem transmitida, para que possa entender a trama complexa. Um tempo atrás eu trabalhei com um filme para televisão que tratava da questão do controle de armas. Eis um tema bem controvertido onde encontramos poucas respostas claras. Por um lado, vivemos numa sociedade violenta; diversos cidadãos já passaram pela experiência de serem assaltados ou atacados e desejaram ter uma arma naquele momento, para se proteger, Já outros, que tinham armas, acabaram matando alguém da família por engano ou mesmo tendo que conviver com a culpa de terem assassinado um ser humano, ainda que fosse um assaltante. Como se vê, não há respostas fáceis para esse tema. Quando os roteiristas com quem eu trabalhava escreveram o roteiro sobre esse tema, quiseram mostrar diferentes pontos de vista, sem, contudo, deixar o filme muito verbal ou voltado para a mensagem. Ao mesmo tempo, correram o risco de não passar nenhuma visão sobre o tema, pois se preocuparam demais em não ser preconceituosos. Para resolver o problema, discutimos suas posições sobre o tema e tentamos esclarecer exatamente o que eles pensavam sobre o assunto. Então, colocamos isso no papel: “Quando a sociedade não resolve o problema da violência, os indivíduos tentam resolvê-lo pessoalmente. No entanto, a despeito do que esse indivíduo faça, nada lhe trará uma resposta clara sobre o assunto, pois se trata de um problema que deve ser resolvido pela sociedade. Uma vez que eles concordaram com o que havíamos escrito, escolhemos um personagem secundário para transmitir essa mensagem. Se o público estivesse em busca de alguma orientação sobre o tema, poderia encontrála nesse personagem. Do contrário, correriam o risco de ver o filme como uma mera descrição do problema, que não oferecia resposta alguma. Há certos roteiros que lidam com materiais “incríveis”, como temas sobrenaturais, OVNIS, premonições, reencarnação, etc. Em muitos casos, a maioria do público não acredita nessas coisas, talvez por ceticismo. Assim, para que o roteiro seja bem aceito pelo público, é importante escolher 164
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um personagem que represente o ponto de vista da audiência. Quem sabe um cético, que diga tudo o que a audiência pensa, logo no início da história. Assim, à medida que esse personagem for mudando seu ponto de vista ao longo da história, o mesmo acontecerá com aquelas pessoas céticas que assistem ao filme. Isso não significa necessariamente que a história tenha que converter essas pessoas em novos adeptos do tema, mas apenas que precisa suspender temporariamente sua descrença durante o filme, para que elas possam se identificar com o personagem e se envolverem no desenrolar da história. A minissérie inspirada no best-seller de Shirley MacLaine, Minhas Vidas, fez isso particularmente bem. A história trata de sua busca espiritual em vidas passadas e outras reencarnações, um tema não muito popular. No entanto, havia diversos personagens que retratavam eventuais pontos de vista do público, que iam desde Jerry à Bella Abzug e a própria Shirley, satisfazendo céticos de todos os tipos. Para aqueles que acreditam no tema, havia o personagem de David, além de alguns peruanos e até mesmo Shirley, depois de convertida. Dessa forma, qualquer que fosse a posição que você defendesse, poderia encontrar alguém com quem se identificar no filme, alguém que representasse o seu ponto de vista.
PERSONAGENS QUE DÃO IMPORTÂNCIA A OUTROS Existem certos personagens secundários cuja finalidade é dar peso e brilho a outros, numa demonstração do poder, prestígio e importância do protagonista ou do antagonista. Guardacostas, secretárias, assistentes, homens de confiança, enfim, pessoas que cercam homens e mulheres poderosas, nos ajudam a entender quem é importante no enredo. A quantidade desses personagens que você vai precisar dependerá muito do que é necessário para comunicar a idéia de poder. A maioria dos homens poderosos, e os vilões em particular, estão sempre cercados por guardacostas, um motorista, e provavelmente um assistente. Porém, tenha cuidado. Se acrescentar gente demais, em vez de peso você terá uma grande confusão. Por outro lado, se tiver muito pouca gente, você terá menos glamour. Caso você precise de muitas pessoas para comunicar essa idéia, sempre poderá dar ao personagem mais uma função. Por exemplo, o motorista pode ser também um confidente. Uma amante, por exemplo, também pode ser um elemento catalisador que conduz a história em direção ao desfecho. Às vezes será necessário se concentrar em certos personagens desse grupo. Isso pode ser feito ao se atribuir certas características facilmente reconhecíveis a um ou dois personagens, enquanto os outros permanecerão sem destaque em meio ao grupo de pessoas que circundam o personagem principal. Muitas vezes um personagem se sobressai em função de seu tamanho, de características étnicas ou por alguma outra característica específica. Em regra, os personagens costumam desempenhar mais de uma função. No entanto, qualquer que seja o número de funções que eles desempenhem, é essencial que tenham um lugar definido e uma contribuição específica a dar para a história. Deixar clara a função de um personagem é algo que ajuda a dar foco para a história. Também ajuda a cortar personagens que sejam desnecessários. 165
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Isso já salvou muitos roteiros, que pareciam confusos e travados, e que ganharam um novo foco, apenas por ter deixado clara a função de cada personagem.
PROBLEMAS COM AS FUNÇÕES DOS PERSONAGENS Nos anos oitenta, um dos críticos que assistiu ao filme The Cotton Club disse que nele havia personagens demais, o que fazia com que não conseguisse diferenciá-los nem se lembrar se já os tinha visto antes. Em qualquer filme mais longo, isso se torna um problema, pois o filme precisa de uma grande quantidade de personagens. No entanto, o público precisa saber identificar quem é importante e o que esses personagens centrais oferecem à história. O papel do roteirista é exatamente este: manter a atenção do público e ao mesmo tempo criar personagens de fundo que trarão textura ao filme. Pense na quantidade de informação que você precisa receber nos primeiros vinte minutos de um filme. Os personagens precisam ser apresentados. O público precisa aprender seus nomes, aprender a identificá-los, e ter uma noção de qual é a contribuição de cada um deles para a história. Durante o processo em que você escreve e reescreve seu roteiro, definir o foco da história e deixar claras as funções dos personagens é, sobretudo, uma questão de cortar, combinar e lapidar personagens. Uma vez que o filme entre em produção, isso se torna um problema do elenco. Filmes como Loucademia de Polícia, Platoon, O Franco-Atirador ou Gandhi precisam de vários personagens. Os personagens principais precisam ser contrastados com os personagens de fundo, que dão ambientação ao filme. Normalmente, os problemas desse tipo são resolvidos pelo elenco, através de um cuidadoso trabalho de diferenciação dos personagens. A forma mais rápida de identificar um personagem é através de características étnicas. Provavelmente, peso e altura vêm em seguida. A voz do personagem e o estilo de roupas que usa também ajudam a audiência a captar detalhes que vão diferenciando um personagem do outro. Em Platoon e Loucademia de Polícia todos esses recursos foram usados. O filme Platoon também diferenciou personagens através da medonha cicatriz no rosto de Barnes, assim como por meio de tatuagens, atitudes e expressões corporais. No entanto, o elenco não pode resolver todos os problemas e com certeza poderá fazer muito pouco se o roteirista não deixar bem claras as funções dos personagens. Em todos esses filmes que citamos, o roteirista prestou muita atenção em qual era a função de cada personagem e de que forma isso contribuía para a história. Em cada um deles, o roteirista nos deu uma boa idéia do que se tratava a história, de quem era importante, do por que eram importantes, e de quem deveríamos acompanhar de perto para entender a história.
APLICAÇÃO Para um roteirista, é sempre difícil cortar ou modificar personagens de que gosta. No entanto, o trabalho de reescrever o roteiro muitas vezes significa ser implacável. Quando estiver trabalhando 166
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o roteiro com o intuito de esclarecer as funções dos personagens, verá que quase sempre algum personagem favorito precisará ser cortado ou combinado com outro. Quando começar seu trabalho de reescrita do roteiro, procure os personagens e esclareça suas principais funções no roteiro. Dá para saber quem é o personagem principal? O protagonista está no controle da ação? Ele atinge o clímax da história? Se você tiver vários protagonistas, assegure-se de que a história seja compartilhada entre eles ou que um dos protagonistas se destaque um pouco mais do que os outros. No filme Os Caça Fantasmas, o Dr. Peter Venkman (Bill Murray) se destaca mais. Em Guerra nas Estrelas, é Luke Skywalker quem recebe mais destaque do que Han Solo e até mesmo do que a princesa Leia. Em Tubarão, Martin recebe mais destaque do que Quint e Matt. Agora, identifique seu antagonista. Quem se opõe ao protagonista na história? Se houver vários personagens ou situações com essa função, deixe bem claro qual é o principal deles e assegure-se de que o antagonista participe de todo o roteiro. Você tem algum confidente na história? Caso tenha, as cenas em que ele aparece ficaram muitos verbais, cheias de diálogo, ou você conseguiu encontrar formas de mostrar as coisas que queria, em vez de dizê-las? Você tem vários personagens na mesma função? Se tiver, terá que cortá-los ou combiná-los. Existe alguma função que esteja faltando? Talvez você esteja precisando de um outro elemento catalisador ou quem sabe o público esteja sentindo dificuldade de entender o tema pela falta de um personagem temático. O protagonista está recebendo ajuda de personagens coadjuvantes? Será que eles realmente estão ajudando o protagonista ou simplesmente vagando em torno dele? Você tem algum personagem que retrata seu ponto de vista? Caso tenha, você o manteve mais ativo e dramático do que simplesmente verbal? O seu ponto de vista está contribuindo para a história, ou não passa de uma mensagem que você está tentando impor ao roteiro? Você está lidando com um material que dê margem a más interpretações? Se for esse o caso, você incluiu pelo menos um personagem de equilíbrio, para contrabalancear um pouco a situação e assim proteger a si mesmo? Seu filme tem humor? Há algum personagem que tenha essa função de aliviar o roteiro? Você recorre ao humor para aliviar um pouco a tensão, deixar o material mais leve ou para divertir um pouco mais a audiência? Conte quantos personagens estão recebendo atenção ao longo da história . Se você precisar identificar mais do que sete deles, comece a procurar formas de cortá-los, para que possa acompanhar a história e a trajetória dos personagens de forma mais fácil. Ao revisar as funções de seus personagens, pergunte a si mesmo: ■ Dá pra identificar com facilidade quem são o protagonista e o antagonista? Caso tenham 167
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vários antagonistas, há algum deles que se destaca mais que os outros? ■ Quem são meus personagens coadjuvantes? De que forma eles contribuem para a história? Caso você tenha personagens temáticos, deu a eles outras funções ou os deixou encarregados apenas de passar uma mensagem? ■ Você tem personagens catalisadores que ajudam na dinâmica da ação? ■ Cada personagem tem uma função na história? Caso existam vários personagens com a mesma função, dá pra você combiná-los? Existe alguma função faltando na sua história? Vários filmes já foram um fracasso simplesmente porque tinham personagens demais, sem uma função clara na história. Um grande roteiro é sempre limpo, claro e fácil de acompanhar. Os personagens recebem atenção porque tem uma função a desempenhar e cada personagem tem um motivo para estar na história.
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PARTE 4
ESTUDO DE CASO
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CAPÍTULO 13
A CAMINHO DO OSCAR: UM ESTUDO DE CASO — REESCRITA DO ROTEIRO DE A TESTEMUNHA Todos os roteiros passam por uma série de dificuldades durante o longo processo em que são escritos, vendidos e transformados em filme. No caso de escritores mais experientes, com um roteiro razoavelmente viável e bons contatos, esse processo leva em média cerca de cinco anos. Já para autores novatos normalmente demora mais. Estatisticamente falando, o primeiro e até mesmo o segundo roteiro escritos raramente encontram comprador. A maioria dos roteiristas precisa fazer de cinco a dez roteiros, até aprender todas as manhas necessárias. Uma vez que tenha dominado a arte de escrever roteiros e que tenha tido oportunidade de demonstrar isso claramente, ainda assim o roteirista terá que aprender a “vender” seus roteiros. Isso inclui ter (e fazer) bons contatos, aprender a “arrumar encontros” (e até aprender a “inventar almoços”), e manter sempre uma atitude positiva. Neste ramo, todos têm que pagar um preço. Os mais bem-sucedidos são aqueles que, além de talentosos e dispostos a pagar esse preço, são muito, muito pacientes. O caso do filme A Testemunha não foi uma exceção. Cerca de cinco anos se passaram entre a criação do roteiro e o lançamento do filme. E ele seguiu um caminho sinuoso, pois o desenrolar dessa história remonta ao início dos anos 70.
OS ANTECEDENTES O sucesso de A Testemunha se deve às idéias de três autores consagrados: Pamela Wallace, Earl Wallace e William Kelley. Os três dividem os créditos pela história, enquanto o roteiro para cinema foi escrito por Earl Wallace e William Kelley. Pamela Wallace já tinha publicado quatro romances, quando leu uma notícia no Los Angeles Times que a deixou intrigada. A reportagem contava de um incidente no qual um grupo de adolescentes havia apedrejado uma carruagem de um amish, atingindo e matando um bebê. Inspirando-se nessa reportagem, ela idealizou um romance, em cuja história uma mulher amish vinha a Los Angeles e testemunhava um assassinato. A idéia do romance não foi adiante, mas Earl achava que talvez desse um bom roteiro de cinema. Quando a Associação dos Roteiristas entrou em greve, em 1980, Pamela sugeriu que tentassem escrever um roteiro baseado nessa história. Earl já era um roteirista de sucesso, tendo trabalhado como editor para a história da famosa série de TV Gunsmoke e do filme A Conquista do Oeste. Além disso, fazia parte da equipe de 170
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roteiristas da minissérie The Winds of War. Partindo da idéia de Pamela, ele levou cerca de seis semanas para escrever seu primeiro rascunho. Quando terminou, notou que a história era muito parecida com uma história que William Kelley escrevera para A Conquista do Oeste, e decidiu convidá-lo para escrever esse roteiro em parceria com ele. Do mesmo modo que Pamela, William Kelley se interessava pelos adeptos da seita amish. Ele já havia estudado em um seminário agostiniano, que ficava próximo ao condado de Lancaster, na Pensilvânia, onde tivera a oportunidade de observá-los mais de perto. Ficara muito impressionado com sua honestidade, franqueza e sua defesa de uma postura a favor da não-violência. Eles eram excelentes homens de negócios, hábeis carpinteiros e grandes conhecedores de cavalos. Desde aquela época, William havia se familiarizado com o modo de vida deles e com seu caráter irrepreensível. Alguns anos após ter deixado o seminário, Kelley se tornou um escritor, tendo publicado três romances, antes de se dedicar a escrever roteiros para televisão. Em 1972 ele apresentou à rede de televisão ABC a idéia de um seriado piloto, de duas horas de duração, chamado Jededias. A história falava de um bispo amish que vai de carroça de Lancaster, na Pensilvânia até Lancaster, na Califórnia, para fundar uma nova comunidade amish. A rede ABC encomendou o roteiro, mas não o produziu. Biil aproveitou esta idéia e escreveu, em 1975, um episódio para a série de TV Gunsmoke intitulado The Pig Man. A história era sobre uma comunidade semelhante à dos amish, que ele chamou dc Simonites. Richter, um pistoleiro, defende uma moça dessa comunidade que foi atacada por quatro irmãos. Nessa luta, ele mata um dos irmãos e é ferido. Então, é levado para a comunidade, para que seu ferimento fosse tratado. Chegando lá, acaba se apaixonando. Gunsmoke foi cancelado antes que este episódio pudesse ser filmado. Mas o produtor de Gunsmoke, John Mantley, logo se tornou produtor da minissérie Conquista do Oeste. Ele pediu a Bill que reescrevesse a história, que acabou se tornando uma das principais linhas de ação dramática dessa minissérie. Ele fez pequenas alterações nos personagens para introduzir essa linha de ação no roteiro que, finalmente, foi exibido na televisão em 1977. Como Earl e Bill já tinham trabalhado juntos em Gunsmoke e na minissérie A Conquista do Oeste, eles se conheciam bem, eram roteiristas experientes, e estavam ambos sintonizados com a idéia. A idéia da parceria se revelou uma combinação perfeita.
VENDENDO O ROTEIRO Uma vez pronto o roteiro, um produtor, Edward Feldman, garantiu, por US$ 22.000, um contrato de opção para comprá-lo. Esta opção, porém, não significava que o roteiro seria produzido. Como Feldman tinha um contrato que assegurava à Twentieth Century-Fox o direito de preferência, ofereceu o roteiro a eles. No entanto, o roteiro não despertou interesse. Feldman pediu então a Harrison Ford que o lesse. Harisson Ford gostou do roteiro e demonstrou 171
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interesse em levar adiante o projeto. Devido a este interesse, a Paramount Studios decidiu comprar o roteiro. A esta altura, a equipe de criação de Ed Feldman, o diretor executivo de desenvolvimento, David Bombyk, e os roteiristas Bill Kelley e Earl Wallace começaram a procurar diretores para o filme. Queriam que Peter Weir dirigisse o filme, mas ele não estava disponível, pois seu nome estava na lista dos cotados para dirigir A Costa do Mosquito. Muitos candidatos foram analisados, mas nenhum parecia adequado para o projeto. Um deles chegou a dizer que o roteiro ficaria melhor com um “final engraçado". Outro não tinha a menor noção de qual abordagem adotaria na direção do filme, e dizia que "descobriria isso mais tarde”. Como a produção de A Costa do Mosquito foi adiada por um ano, Peter Weir ficou disponível para o trabalho. Após a primeira reunião com Peter, todos concordaram que seu nome era o melhor. Peter tinha um ponto de vista que desejava incorporar ao roteiro. Ele estava interessado no aspecto pacifista da história, e queria trabalhar o tema da não-violência. Ele via muitas maneiras de mostrar o choque cultural entre os amish e a polícia. Além disso, gostava do fato desta ser uma situação “peculiarmente americana". Seu nome parecia ter sido mesmo uma boa escolha. A equipe de criação parecia particularmente bem equilibrada. Todos eram profissionais experientes e cada um deles tinha uma perspectiva própria de como contribuir para o filme. Ed Feldman já havia produzido vários filmes e programas de televisão, entre eles Uma Janela para o Céu (partes I e II), Sonhos do Passado, O Último Casal Casado, O Rapto do Menino Dourado. Também tinha experiência com relações públicas e uma boa noção sobre “o que faz de um filme um sucesso comercial”. Peter Weir estava mais interessado no tema. Desejava transmitir uma mensagem sobre a nãoviolência, e queria criar um certo clima para isso, adotando uma abordagem mais lírica para o roteiro. A experiência adquirida por Bill, em seus tempos de seminário, o ajudou a perceber a dimensão espiritual do filme, bem como a apreciar e entender os amish. Earl, com sua prática como editor, pensava mais no enredo. E o co-produtor, David Bombyck, se encarregou de assegurar a coerência do enredo, concentrando-se na espinha dorsal da história e garantindo que tudo se encaixasse como deveria. A Paramount Studios estava muito interessada no projeto, pois achava que A Testemunha seria um forte candidato para receber indicações ao Oscar nas categorias de Melhor Roteiro Original e Melhor Diretor, com grandes chances de receber ainda outras indicações. Agora, o verdadeiro processo de reescrita começava.
MUDANÇAS NO PONTO DE VISTA No plano original do livro de Pamela, e nos primeiros esboços do roteiro do filme A Testemunha, a história era mais centrada em Rachel que em John. Nos primeiros rascunhos, muitos dos 172
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momentos de emoção são dela não de John. Sua backstory é revelada com mais clareza no primeiro ato, quando ficamos sabendo de uma tradição dos amish, segundo a qual uma viúva deve voltar a se casar dentro de um ano após o falecimento do marido. Rachel, porém, queria mais tempo. Então, ela decide visitar sua irmã em Baltimore, como forma de ter mais tempo para decidir se deve mesmo se casar com Daniel, além de resolver certas dúvidas que tinha a respeito do modo de vida amish. Nos primeiros esboços, Rachel é o foco do ponto de virada do primeiro enredo secundário. À medida que cuida dos ferimentos de John, vai se sentindo cada vez mais atraída por ele. O roteiro descrevia uma mulher que enfrentava uma forte atração por John. Ela fica confusa com intensidade física da situação. Com o desenrolar da história, vemos Rachel claramente se apaixonando por John. No segundo ponto de virada Rachel confronta John, pedindo a ele que fique. Esta cena de amor, que era particularmente forte a princípio, foi objeto de muita discussão, Earl queria mostrar John e Rachel fazendo amor; Bill queria mostrar apenas um beijo apaixonado. Peter concordava com o beijo, mas não queria que fosse apaixonado. No final, a cena de amor foi filmada por inteiro, mas apenas o beijo permaneceu, após a edição. Durante o processo de reescrever o roteiro, o foco da história volta-se mais para John Book, e acaba se tornando mais a história dele. No primeiro ponto de virada do filme, embora vejamos algo da reação de Rachel , a câmera mostra muito mais a reação de John, quando este percebe que Rachel passou a noite em claro para cuidar dele. No segundo ponto de virada, existe apenas uma linha de diálogo sobre John ficar ou não ficar, e esta questão jamais é realmente confrontada. Outras mudanças de ponto de vista foram introduzidas, procurando suavizar o relacionamento entre Rachel e John. Nos primeiros esboços, Rachel era muito mais mal-humorada e briguenta. Algumas dessas cenas chegaram a ser filmadas, mas não foram aproveitadas, pois tornavam Rachel uma personagem irritante e mandona. Algumas cenas foram acrescentadas para amenizar o relacionamento, a cena que eles dançam, bem como a cena do café da manhã foram incorporadas ao segundo ato. Isso contrabalanceou os cortes feitos no primeiro ato. criando, ao mesmo tempo, fases adicionais no desenvolvimento do relacionamento entre os dois, no segundo ato. Todas essas mudanças de ponto de vista redirecionaram o foco do filme em John Book, mas também serviram para reforçar a linha do relacionamento entre John e Rachel.
CENAS QUE FORAM CORTADAS Grande parte do processo de reescrever um roteiro consiste em dar equilíbrio ao filme. Muitas 173
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vezes isso nos obriga a cortar algumas das melhores cenas. Alguns cortes são feitos durante a fase em que o roteiro está sendo reescrito; outros, durante o processo de edição. Uma das cenas favoritas de Bill se passava entre Rachel e a irmã de John, Elaine. Era uma cena em que Rachel passa a noite na casa de Elaine, para que John pudesse continuar a interrogar Samuel na manhã seguinte. No roteiro, a cena mostra que Rachel acorda cedo e começa a limpar a casa de Elaine (que precisava mesmo de uma boa faxina). Elaine fica furiosa com isto, interpretando a atitude de Rachel como uma crítica à sua competência como dona de casa. Era uma cena bem escrita. Tinha conflito e contrastava bem os personagens de Rachel e Elaine, acrescentando-lhes dimensionalidade. Mas pouco acrescentava à história. Como tinham que passar logo para o segundo ato, essa era uma cena que poderia perfeitamente ser cortada, sem prejudicar a linha de ação dramática. Cortes importantes também foram feitos na backstory de John. Quando assistimos ao filme, ficamos sabendo que John Book é um policial encarregado de esclarecer o assassinato. Sabemos que o homem assassinado (Zenovich) era um policial que trabalhava sob disfarce. Sabemos que John achava que o assassino fosse algum desocupado que ficava pelas ruas, como Coalmine, que costumava aparecer sempre no bar Happy Valley. A backstory que foi refeita, quando o roteiro foi reescrito, e depois cortada, era bem mais complexa do que isso. Um dos esboços do roteiro tinha mais informações relacionadas a John. Mostrava que a função de John, no departamento de polícia, era investigar a própria corrupção policial, o que fazia dele alguém impopular em meio a seus colegas. Também ficamos sabendo que ele era um idealista. O roteiro também mencionava que o parceiro de John, Carter, tinha um encontro marcado com Zenovich, mas chegou atrasado e por isso, achava que sua irresponsabidade de certa forma contribuíra para a morte do colega. Havia também informações adicionais sobre a droga PCP e como isso estava relacionado ao assassinato. Quem confiscaria a droga, quando, e o envolvimento de Paul, McAfee e Fergie no caso também foram questões discutidas, e até um esboço chegou a ser feito. No entanto, a maior parte desse material foi cortado durante o processo de ediçáo. A maioria dos cortes, especialmente os que foram feitos no primeiro ato, tinham por objetivo conduzir a história o mais rápido possível para a fazenda dos amish. Foram cortadas todas as informações que parecessem meramente explicativas, todos os detalhes que não fossem indispensáveis para a apresentação e a resolução. Além dessas, qualquer cena cujo único objetivo fosse revelar um personagem, sem contribuir diretamente para a história, também foi eliminada. A despeito dessas cenas serem muito ricas em detalhes, o diretor Peter Weir e o editor Thom Noble decidiram que era essencial que a apresentação fosse rápida, de forma que o desenrolar da história na fazenda dos amish pudesse começar sem demora.
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CENAS QUE FORAM ALTERADAS Muitas cenas foram modificadas por influência dos atores. Peter Weir e Harrison Ford discutiam cada cena. Freqüentemente saiam juntos e conversavam sobre idéias que acrescentariam algo a uma cena, ou lhes dariam mais textura. Peter sugeriu a cena em que os personagens dançam juntos, no segundo ato, mas foi Harrison quem escolheu a canção e desenvolveu essa idéia. Harrison, que certa vez havia tentado ser contratado para um comercial da Maxwell House, acrescentou ao roteiro sua famosa frase: “Que delícia de café, meu amor.” A frase serviu para intensificar o contraste entre o estilo de vida amish e o mundo da cidade e das propagandas. A cena da construção do celeiro sofreu várias alterações em relação ao roteiro inicial. Originalmente essa seqüência tinha cortes para uma cena em que Carter era torturado e morto. Peter queria eliminar a cena de Carter, pois acreditava que o impacto emocional seria maior se descobríssemos sobre sua morte ao mesmo tempo que John Book. Ele queria fazer da cena da construção do celeiro uma cena longa. Para enfatizar seu lirismo, reduziu a intensidade dos conflitos entre John, Rachel e Daniel. O roteiro original mantinha o incidente mencionado no jornal Los Angeles Times acerca dos punks que mataram um bebê amish. Em um dos esboços o incidente foi alterado: agora um caminhão colidia com uma carruagem amish. No filme, a cena mudou de novo: alguns punks desacatam os amish e levam um murro de John Book. O terceiro ato sofreu consideráveis mudanças. A maioria delas foi feita depois que a equipe de filmagem chegou na locação, no condado de Lancaster. No filme, três homens perseguem John: Paul Schaeffer, McFee e Fergir. Peter achou que poderia criar mais tensão deixando apenas McFee na cena. Ele sugeriu que Fergie fosse morto durante a cena do assassinato de Carter, como forma de justificar sua ausência. Bill, ao contrário, achava que era essencial que todos os três homens estivessem presentes, pois só um deles não representaria uma grande ameaça a John. Depois de muita discussão, chegaram a um consenso: usariam os três homens. Mas como eles seriam mortos? Em um dos primeiros esboços, McFee seria morto por uma mula enfurecida. Isto foi vetado por Peter, que perguntou: “Como vamos fazer para que a mula dê um coice na hora certa?” Peter começou a buscar alternativas nas fazendas amish, e teve a idéia de usar um silo para a cena do assassinato. Isto era mais fácil de sugerir do que fazer, porque é impossível filmar dentro de um silo. Além disso, os silos deles não funcionam dessa forma, não basta abrir a porta de armazenagem e enchê-los de grãos. Porém, acreditando que poucas pessoas da audiência teriam conhecimento sobre os mecanismos de um silo amish, o grupo encontrou uma solução: decidiram construir um silo de acordo com as necessidades da história. Fergie foi morto dentro do silo e McFee do lado de fora. Sobrou apenas Paul. A cena do assassinato de Paul sofreu inúmeras modificações. Uma das primeiras idéias era que Samuel atirasse nele. A idéia foi rapidamente descartada, pois acharam que a audiência não veria com bons olhos o fato de uma criança cometer um assassinato. Decidiram então que Rachel 175
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mataria Paul. Depois, mudaram de idéia novamente: Rachel tocaria o sino, chamando a atenção da comunidade. Porém, cada uma dessas soluções fazia de Rachel, e não do protagonista John Book, o personagem que provocava o clímax. A uma certa altura ficou decidido que os amish cercariam Paul, fazendo um cordão de isolamento entre ele e John. Mas nos ensaios isto não deu certo. Finalmente, surgiu uma solução — Samuel tocaria o sino e os amish apareceriam, para “servir de testemunha” do fato.
A FASE DE EDIÇÃO Thom Noble ganhou um Oscar na categoria de Melhor Edição. Ele não foi o primeiro editor a trabalhar no filme. Outro já havia tentado antes, mas houve um desentendimento sobre os rumos que a edição estava tomando. Então, Thom foi convidado para assumir o trabalho de edição. Muitos dos cortes aqui mencionados foram feitos por Thom. Ele e Peter concordavam que a história tinha se que passar rapidamente da apresentação na fazenda dos amish para as cenas na cidade, retornando, então, à fazenda. Isso implicava em cortar todas as cenas do primeiro ato que não fossem absolutamente essenciais para a história. Também era imprescindível que a história continuasse em movimento no segundo ato. Foi a habilidade de Thom em enxugar a história, mantendo, ao mesmo tempo, o ritmo e o lirismo, que fez do filme um sucesso. Como disse Bill Kelley: “Thom pegou o ritmo certo, e isto fez toda a diferença.”
RESUMO Perguntei a Bill se, em sua opinião, havia alguma área em que ele achava que os roteiristas tivessem se perdido. Ele mencionou que havia lutado por três pontos, tendo sido vitorioso em dois deles. Achava que seriam necessários três homens, e não apenas um, para ir atrás de John, no terceiro ato. Também insistiu naquela cena em que Eli confronta Rachel, pós ela ter dançado com John. Essas duas cenas fizeram parte do filme. Porém, ele queria explorar mais a despedida de John e Rachel, no final do filme. Sugeriu que Rachel desse a John o chapéu de seu marido, o que seria um presente e também uma forma de reconhecer que havia um relacionamento entre eles. Bill também achava que essa troca de presentes poderia sugerir que eles voltariam a se ver no futuro. Mas Peter optou por rodar a cena como uma despedida não verbal. O processo de reescrever o roteiro desse filme foi único em alguns aspectos. Não houve desentendimentos sérios entre equipe de criação. Ed Feldman e David Bombyk estavam decididos a proteger a integridade do roteiro. Portanto, a maioria das alterações apenas enxugava a história ou lhe dava mais textura, em vez de alterá-la. Cerca de noventa por cento do roteiro original permaneceu basicamente inalterado, mesmo depois de ser bastante reescrito. Os primeiros esboços do roteiro já estavam bem estruturados e claros, de modo que a maioria das mudanças que precisavam ser feitas foi muito mais criativa do que estrutural. O filme foi um grande sucesso de crítica e de público. Rendeu cerca de US$ 100 milhões só nas 176
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exibições em cinemas, sem contar os direitos provenientes da exploração em vídeo, que aumentaram consideravelmente essa soma. Quase todas as resenhas sobre o filme foram favoráveis. Ele recebeu oito indicações ao Oscar, tendo sido vencedor nas categorias de Melhor Roteiro Original e Melhor Edição. Isso era de se esperar, se considerarmos que o filme já começou com um roteiro muito bom e viável. Os três atos são intensos, bem delimitados, com pontos de virada que nos conduzem de um ato para outro. O uso de obstáculos e reversões de expectativa, além das seqüências de cenas, dão momentum à história. As linhas de ação dos personagens, assim como suas funções, são claramente definidas. O tema também é bem trabalhado, através de imagens, contrastes e motivos. A equipe de criação tinha uma experiência considerável no ramo cinematográfico e soube fazer bom uso dela em proveito do filme. A grande habilidade de Peter Weir na sua maneira de dirigir o filme aliada à extrema competência de Thom Noble em editar e concentrar o foco da história contribuiu para criar um dos cinco melhores filmes de 1985.
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EPÍLOGO Não faltam bons roteiros em Hollywood. Muitos roteiristas escrevem bons roteiros, com histórias interessantes e personagens inesquecíveis. Mas existem pouquíssimos roteiros magníficos. Um roteiro magnífico salta aos olhos. É como um murro na boca do estômago: quando você vê um roteiro assim, fica nocauteado. Foi justamente isso que aconteceu com o filme A Testemunha. A Paramount Pictures sabia que o filme tinha um roteiro muito bom. Mesmo antes de ser rodado, eles já imaginavam que pudesse ser indicado para o Oscar, na categoria de Melhor Roteiro Original. Em toda minha carreira como consultora, apenas três vezes me deparei com roteiros tão enxutos e perfeitos quanto esse, que minha única recomendação foi: “Não mexa em absolutamente nada”. Transformar um bom roteiro num roteiro magnífico requer a combinação de um amplo conjunto de habilidades. O roteirista tem que encontrar uma nova abordagem para o assunto, sendo original, incomparável e criativo; saber o que interessa à audiência, como contar uma boa história. E precisa saber como estruturar e executar sua história de forma que faça sentido. Este livro se concentrou no processo de criação de roteiros porque a maioria dos filmes fracassa por razões estruturais. Quando lemos as críticas, vemos que raramente elas criticam o elenco, a direção ou até mesmo o assunto. Em geral, o que criticam são os defeitos estruturais dos filmes: uma linha de ação pouco clara, a falta de motivação dos personagens, enredos secundários desencontrados, excesso de personagens, um final que não se coaduna com o início, muitas questões que terminam sem resposta. Todos esses problemas podem ser corrigidos. Se algo não ficou bom na primeira tentativa de escrever o roteiro, isso pode ser corrigido durante o processo de reescrita. O que pretendi fazer neste livro foi analisar os conceitos fundamentais que tornam um roteiro viável. Entendendo a arte de escrever, você estará em melhor posição para resolver os problemas que surgirem e para perceber se aquilo que está escrevendo está ficando bom ou não. Quer você seja um roteirista, um produtor ou um diretor, trabalhar com estes conceitos poderá facilitar o processo de escrever e reescrever um roteiro, levando-o a produzir um filme melhor e mais bem integrado. A arte de como aprimorar um bom roteiro é também um processo. Um processo no qual a arte e a técnica de escrever se fundem, criando a magia do cinema.
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LINDA SEGER Em 1981, a Dra. Linda Seger praticamente criou e definiu a carreira de consultora de roteiros, quando começou a desempenhar esse trabalho, com base em um método de análise de roteiros que havia desenvolvido para seu projeto de dissertação. Desde então, já trabalhou como consultora em mais de 2.000 roteiros, dentre eles 50 longasmetragens e 35 projetos para televisão. Entre seus clientes estão a TriStar Pictures, William Kelley, Ray Bradbury, Linda Lavin, Tony Bill, Suzanne de Passe, bem como produtores e escritores dos seis continentes. A Bossa Nova Editora já lançou duas obras da autora: Como Criar Personagens Inesquecíveis e A Arte da Adaptação: Como Transformar Fatos e Ficção em Filme. Como Aprimorar um Bom Roteiro é a terceira obra publicada no Brasil. Outras obras da autora que serão lançadas em português pela Bossa Nova Editora: Advanced Screenwriting. Raising your Script to the Academy Award Level (Os Segredos de um Grande Roteiro) From Script to Screen: The Collaborative Art of Filmmaking (Do Roteiro para a Tela: O Trabalho Conjunto para a Produção de Filmes).
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