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Portuguese Pages 208 [198] Year 2004
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agrário brasileiro. Eclodiu na zona agropecuária dos grandes
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do Exército reflete o grau de antagonismo das relações entre o latifúndio e a massa camponesa
explorada. Muitos já escreveram sobre esse movimento, classificando-o de messiânico, religioso,
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BELO MONTE: uma história da guerra de Canudos
José Rivair Macedo Mário Maestri
BELO MONTE: uma história da guerra de Canudos
12 edição EDITORA EXPRESSÃO POPULAR
são Paulo - 2004
Copyright O 2004, by Editora Expressão Popular
Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho Projeto gráfico, capa e diagramação: ZAP Deszgn Ilustração da Capa: “Canudos” de Tereza Costa Rêgo Impressão e acabamento: Cromosete
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maringá — PR., Brasil) M141b
Macedo, José Rivair Belo Monte: uma história da Guerra de Canudos/ José Rivair Macedo e Mário Maestri — 4.ed.--São Paulo : Expressão Popular, 2004. 208 p.
Livro indexado em GeoDados-http://www.geodados.uem.br ISBN 85- 85-87394-62-2 1. Brasil - História - Guerra de Canudos, 1828-1897. 2. Conselheiro, Antônio, 1828-1897. 3. Batalha de Canudos. 4. Classes sociais - Análise histórica social.
5. Sociologia política. G. Movimentos sociais - Guerra de Canudos. CDD 21.ed. 981.05 303.484
Eliane M. S. Jovanovich 9/1250 Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora. 32 reimpressão: abril de 2009
EDITORA EXPRESSÃO POPULAR Rua Abolição, 197 - Bela Vista
CEP 01319-010 — São Paulo-SP Fone/Fax: (11) 3112-0941
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Sumário
cerrneis niiES si BELO MONTE ARDE EM CHAMAS) u.sime 1. A TRAJETÓRIA DO PEREGRINO ..............eeeeerseeeemeeeesteseseesasesesreeemeneens 2. ANTÔNIO MACIEL: INTELECTUAL, BEATO, CONSELHEIRO ........... o oa ainda a a Rd 3. NORDEM REPUBLICANA soc 4. BELO MONTE: A FUNDAÇÃO DA COMUNA MÍSTICA ..............
n 15 29 45 63
Sa ce as! e enda SM cassisun 5. OS PRIMEIROS CONELITOS .sucacsscaritasersvsseasasviazas
ida 109 idas ca nos usaraia 6. UMA CIDADE CONTRA: UMA NAÇÃO sis pstaiancpepaiageraão Secçraid dor erre s oeuiniaada das diga taados 7. GUERRA TOTAL NOS'SERTÕES suesmacaiopd
129
8. CANUDOS E AS ESTRATÉGIAS DA MEMÓRIA .........eieeerereeeereess 149
“CANUDOS: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA CEM ANOS APÓS OS SERTÕES: A CAMPANHA DE CANUDOS, DE EUCLIDES DA CUNHA asasasisiia soreigastatoaes APAGA isa cent nren en anne ao asa n sa
183
Para Simplício Rodrigues Macedo,
meu paí, velho caboclo do sertão de Minas Gerais... “antes de tudo, um forte” de Rivair Macedo Em memória de Clóvis Moura,
caboclo urbano que jamais arreou as armas!
de Mário Maestri.
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“Pretendo seguir hoje para Monte Santo, porque a permanência aqui é insuportável em vista da situação de Canudos, transformado em um vastíssimo cemitério, com milhares de cadáveres sepultados, outros milhares apenas mal cobertos com terra [...). Não se pode dar um passo sem se tropeçar em uma perna, um braço, um crânio, um corpo inteiro, outro mutilado [...).
Já não se ouvem as lamentações das mulheres e das crianças, nem as ameaças canalhas dos bandidos. A morte pela fome, pela sede, pela bala, e pelo incêndio, emudeceu a todos, substituindo as lamúrias do banditismo,
pelos alegres sons dos hinos de vitória! Canudos não existe mais! Para nossa infelicidade, basta a sua eterna memória que mais parece um pesadelo.” Canudos, 8 de outubro de 1897.
Fávila Nunes, correspondente especial da Gazeta de Notícias
Introdução
BELO
MONTE ARDE
EM CHAMAS
Norte da Bahia. Sertão de Canudos. Madrugada de 1º de outubro de 1897. Seis mil soldados aguardam, silenciosos, de baioneta calada, a ordem de ataque. Diante deles, também silen-
cioso, o que resta do “arraial santo. Cercado há mais de três meses, no reduto caboclo sobrevive um número indeterminado de homens, mulheres e crianças, sem
quase nada para comer ou beber. Antônio Conselheiro e os principais líderes do aldeamento estão mortos. Os últimos defensores concentram-se nas proximidades da Igreja Nova, agora em ruínas.
Porém, Belo Monte não se rende.
Durante trinta minutos, chovem os projéteis de dezoito canhões sobre o arraial. À seguir, fazem-se ouvir os toques de avançar e as tropas movem-se de baioneta em riste, seguras. Esperase ocupar o reduto rebelde em algumas poucas horas. Je
11
Os oficiais do Exército subestimam novamente a determina-
ção sertaneja. Por cinco dias, por entre as ruínas fumegantes da povoação, enfurnados em túneis cavados no que haviam sido pequenas casas de taipas, os conselheiristas resistem. Contam apenas com a munição recuperada nas cartucheiras dos soldados
abatidos. Desesperadas com a resistência, as tropas republicanas lançam
fogo e dinamitam o que restava das humildes moradas. Pela primeira vez, avista-se uma bandeira branca. Os caboclos pediam trégua, finalmente! A vida foi prometida cinicamente àqueles que se entregassem. Quase apenas feridos, mulheres, crianças e homens idosos e doentes aceitam a rendição.
Os combates prosseguem, furiosos. Lentamente, o quadrado conselheirista estreita-se. Pelas ruas, ardem as casas semidestruídas e soldados obrigam prisioneiras a
darem “Viva à República”. Se não, são degoladas. Irredutíveis,
caboclos morrem gritando “Viva meu bom Jesus Conselheiro”.
No anoitecer de 4 de outubro, como feras, os conselheiristas remanescentes atacam e voltam a atacar, por toda a noite, as trincheiras militares. Porém, a partida já esta jogada. No dia 5, os últimos conselheiristas caem, um por um. De tardezinha, são cercados os quatro últimos combatentes do arraial. Não conhecemos seus nomes. Seriam um caboclo, um negro alto, um jovem e um velho. O velho cobria-se com o barrete da Companhia do Bom Jesus — a associação dos mais próximos seguidores do Conselheiro. Sem cartuchos para disparar, o velho caboclo arma-se de um machado e investe contra os atacantes. Era a última e derradeira carga conselheirista. Com sua morte, cessam os combates. En-
tão, os soldados entregam-se sem pejo à degola dos rendidos. Combatentes e moradores são massacrados. O que sobrava do
arraial é dinamitado e incendiado. 12
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a sag da a ri mó me da no tor em es at mb co os se mva ia inic conselheirista. Havia que acabar com a lembrança dos caboclos e
mestiços insurretos. Havia que rebaixá-los, caluniá-los, reduzi-los
a uma cáfila de fanáticos e ensandecidos. Havia que apagar definitivamente os fatos luminares da memória nacional. A memória conselheirista foi negada, caluniada, vilipendiada. Mas continuou resistindo, embestada. Na lembrança de conselheiristas sobreviventes, de seus descendentes. Na imagina-
ção dos sertanejos e populares maravilhados pelos fatos. Nos poucos escritos e nos raros livros de jornalistas e intelectuais honestos contemporâneos aos acontecimentos. Nos trabalhos posteriores de historiadores e cientistas sociais, lentamente, a memória de Belo Monte foi sendo redescoberta, desvelada e transmitida, mesmo que parcialmente. O transcurso do I Centenário da destruição de Belo Monte reacendeu a luta em torno da memória da comuna cabocla. Poderosas expedições foram organizadas contra o reduto, algumas com reforços de “tropas estrangeiras. Mais uma vez, a conjuntura em que se dava o combate não era a melhor para sertanejos,
caboclos, mestiços e populares. Porém, os “defensores do reduto santo”, com as armas que possuem, mal ou bem, hábeis ou iná-
beis, organizaram-se como puderam e partiram para a defesa do
reduto. Há sempre razão e prazer no bom combate.
Belo Monte: uma história da guerra de Canudos procura contribuir à perpetuação da memória dos fatos e dos problemas rela-
cionados com Antônio Conselheiro e sua comuna mística. Daí a
opção dos autores de explicarem e apreenderem os dados históricos, as ações dos conselheiristas e a repressão a que foram submetidos, sob a ótica dos dominados. 13
Belo Monte: uma história da guerra de Canudos foi escrito, a
pedido da Editora Moderna, para ser lançado quando do trans-
curso daquele centenário. Naquela casa, conheceu sua história,
com três edições. O livro foi escrito para o grande público a par-
tir, sobretudo, dos principais trabalhos historiográficos e da documentação original editada. As principais referências bibliográficas e documentos consultados encontram-se na bibliografia,
citada ao final. Belo Monte: uma história da guerra de Canudos foi escrito por dois historiadores que, por caminhos e motivos diversos, comun-
gam de um profundo respeito pela saga conselheirista. Trata-se portanto de homenagem ao arraial caboclo; os autores colocaram no livro o acento nas amplas coincidências e contornaram o pouco de divergência que havia entre eles. Belo Monte: uma história da guerra de Canudos conhece agora sua quarta edição, pela Editora Expressão Popular. Haveria melhor casa para acolher esta celebração da criatividade e potência do esforço comunitário do sertanejo brasileiro?
14
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Em 5 de outubro de 1897, quando militares, jornalistas e espectadores penetraram entre os escombros do que um dia fora o arraial de Belo Monte, encontraram no local denominado Santuário, dentro de uma velha caixa de madeira, um livro manus-
crito, em cuja folha inicial lia-se: “A presente obra mandou subscrever o peregrino Antônio Vicente Mendes Maciel no povoado do Belo Monte, província da Bahia, em 12 de janeiro de 1897”.
Era o único testemunho autêntico das idéias de um dos mais importantes líderes populares da história do Brasil. Fanático para uns, revolucionário para outros, louco para muitos, é interessante pensar sobre a designação que ele dava a st próprio: peregrino. Em muitos aspectos, sua vida assemelhou-se a uma peregrinação sem fim. Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em Quixeramobim, na província do Ceará, em 13 de março de 1830. Era filho de Vicente Mendes Maciel, ex-vaqueiro e proprietário de um comércio de secos e molhados, e de Maria Joaquina de Jesus, conheci-
da também como Maria Joaquina do Nascimento ou, mais sim-
15
plesmente, como Maria Chana. Na certidão de batismo, foi reoistrado com o de cor parda.
Vicente Maciel ficou viúvo em 1834. Com o peso de três filhos para criar — Antônio Maciel, Francisca e Maria —, ele aprestou-se a encontrar nova companheira. Em fevereiro de 1837, ca-
sou-se com Francisca Maria da Conceição, com quem teria mais duas filhas — Dorotéia e Rufina. Sem ser abastado, Vicente Maciel tinha algumas posses. Apesar de analfabeto, conseguira relativo sucesso como comerciante. Nos últimos anos de sua vida, era pro-
prietário da sede de seu negócio, onde residia, e de mais duas ou-
tras casas em Quixeramobim. Um pequeno proprietário, enfim. Ao desejar uma situação social superior para o filho varão, Vicente Maciel teria pensado em destiná-lo à carreira eclesiástica. Caso o primogênito tivesse alcançado tal posição, significaria um inegável processo de ascensão social para uma família de origens humildes. A tradição conta que a decisão paterna não se cumpríria devido à oposição do menino. Tenha ou não tenha existido o sonho sacerdotal, Vicente Maciel assegurou que o primogênito não crescesse iletrado como ele. Após aprender a escrever e a contar com um amigo de seu pai, segundo parece o capitão Raimundo Francisco das Chagas, Antônio Maciel teria ingressado na escola particular de Manuel Ferreira Nobre, estudando português, aritmética, geografia e rudimentos de latim e francês. Não sabemos muito mais sobre os primeiros anos da vida do menino Antônio. Ela não deve ter sido muito diferente da vida
dos filhos de famílias com algumas posses. O certo é que, na in-
fância e na adolescência, ele recebeu uma educação institucional bastante superior à média de seu tempo. Mesmo não completan-
do os estudos na capital, como faziam os descendentes de famí-
lias enricadas, ele integrou o “magríssimo contingente dos que sabiam ler e escrever. Em meados do século 19, por todo o país,
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s õe gi re as e á ar Ce o , 47 18 m E . der a trajetória de Antônio Maciel en ol vi e is na io ic ad tr as su de as tr adjacentes conheceram mais ou do ga O m, ra ca se es çõ ta an pl as , go fo tas secas. O chão pegou l, Su O ra pa s vo ti ca os er nd ve m a ra ça me morreu. Os senhores co ín ov pr s da na ge dí , in os nt mi Fa s. da vi dí as su para fazer frente às
s. to en im al de a oc tr em os rv se mo co os lh fi os cia entregavam a ri te o ni tô An m ve jo o , os an o it zo de m co o tã en , Em 1848 É i. pa l do ia rc me co sa ca , na ro ei ix ca mo r co ha al ab tr o de deixad e av gr a m o co id fr so a nh e te nt ce Vi o de ci gó provável que o ne o o nd di pe , im ão gi re à e br so eu at ab se a e qu ic ôm on depressão ec . io rc mé co do as nd re as m o co lh fi u se a de e li mí fa a su sustento de Sobre esses fatos, nada mais sabemos.
Sete anos mais tarde, em 5 de abril de 1855, Vicente Maciel morreu, deixando o primogênito como responsável de três irmãs o os di tu o es o nd s. gu do Se da re te en an st os ba ci gó s ne de ra soltei e Abelardo Montenegro, o enterro do patriarca dos Maciéis teria custado a elevada soma de 918720 réis. Os gastos significativos no enterro, em época de dificuldades econômicas, sugere uma clara preocupação com o status social da família. No ano seguinte, em 19 de março, falecia, doente “das faculdades mentais”, a viúva de Vicente Maciel, com 39 anos. Na época, a esperança de vida da população era significativamente inferior à de hoje. Ao abrir-se o inventário, os débitos do falecido eram altos,
chegando a perfazer um total de 1.649$450. O valor do espólio era de 2.031$373. O saldo de 381$923 deveria ser dividido entre os filhos. Devido à prorrogação das dívidas existentes, e com a parte da herança que lhe coube — pouco mais de 223 mil-réis —, Antônio Maciel deu continuidade ao comércio familiar. A base 17
precária em que relançava a atividade e a difícil situação da província não lhe anunciavam um futuro promissor. É assim foi. Em julho de 1856, ele era obrigado a hipotecar a residência e a sede
do negócio paterno em favor do maior credor do espólio. Uma hipoteca, portanto, que não se devia à dívida por ele contraída. Procurando esposa
Pouco menos de dois anos após a morte do pai, Antônio Maciel escolheu esposa, casando-se em 7 de janeiro de 1857, na matriz de Quixeramobim, com Brasilina Laurentina de Lima, filha natural de Francisca Pereira Lima, na época já falecida. A
situação familiar da esposa — filha ilegítima, órfã e analfabeta — sugere um arranjo matrimonial socialmente pouco prometedor, o que talvez se explique pela situação econômica difícil do noivo. Meses após o matrimônio, Antônio Maciel pôs fim ao negócio paterno, vendendo, por pouco mais de dois contos de réis, a sua morada e sede do negócio. Feito isso, mudou-se para a fazen-
da do Tigre, a uns cinquenta quilômetros da vila natal, onde abriu uma escola primária em que lecionava Português, Aritmética e Geografia. À sua primeira filha teria nascido nessa localidade. Nos sertões, era comum que algumas fazendas abrigassem verdadeiros arraiais.
Numa comunidade de pequenos proprietários pobres, de
homens livres deserdados e de trabalhadores escravizados, era
impossível viver apenas como professor de primeiras letras. Sobretudo pela ínfima remuneração de um professor primário. Para sobreviver, Antônio Maciel desempenhou outras funções, entre elas a de domador e a de pedreiro-construtor, dois ofícios apren-
didos com o pai.
Na sociedade escravista de então, mesmo em locais afastados,
trabalhar com as mãos era socialmente degradante. O fato de
“ocupar-se normalmente em humildes funções é um seguro de18
poimento sobre a condição social e econômica de Antônio Maciel.
Porém, ele era filho de um pequeno comerciante que alcançara relativo sucesso e, sobretudo, era um homem letrado. Tal dualidade fazia dele, desde esse momento, um personagem suz generis, um ser social de certa forma híbrido, integrante de universos diferentes e, até certo ponto, antagônicos.
Possivelmente à procura de uma melhor situação, Antônio mudou-se para Tamboril e, logo após, para Campo Grande. Ali,
em 1859, atuava como caixeiro na casa comercial do major Domingos Carlos de Sabóia. Agora, trabalhava como empregado, em loja de outrem, após ter possuído a sua. Quando o negócio fechou as portas, empregou-se como solicitador, isto é, advogado provisionado. O que é um depoimento sobre uma formação intelectual relativamente sólida, sobretudo para a época e para a região. Em Campo Grande nasceu seu segundo filho, o que lhe aumentava as responsabilidades. Em 1861, mudou-se para Ipu, permanecendo na condição de advogado provisionado. Foi nesse local que tomou conhecimento da infidelidade conjugal da esposa, que o abandonou, levando consigo os dois filhos, para ir viver com um suboficial da Força Pública. Sozinho, Antônio Maciel mudou-se para a fazenda de Santo Amaro, de propriedade do major José Gonçalves Veras, onde abriu outra vez uma escola primária. Mais tarde, na vila de Santa Quitéria, conheceria Joana Batista de Lima, conhecida como Joana Imaginária, mulher mística e escultora de rústicas imagens sacras, em barro e em madeira, de sucesso regional, com quem passou a conviver maritalmente. Com Joana Imaginária, Antô-
nio Maciel teve um filho, chamado Joaquim Aprígio, do qual
temos poucas notícias. Ele teria visitado o pai, uma vez, no arraial
de Belo Monte.
Joana Imaginária não acompanhou Antônio Maciel quando ele, em 1865, com 37 anos, viajou para Campo Grande, para o 19
Crato e para Paus Brancos, no município de Quixeramobim, onde morava a sua irmã Francisca. Abelardo Montenegro afirma que por esses anos Maciel trabalhava como “vendedor ambulante”,
acompanhando os “missionários que evangelizavam” pela região. Tal informação, se correta, assim como a convivência com a escultura mística, sugerem um envolvimento precoce do futuro beato com o mundo religioso e místico popular nordestino. Em novembro de 1897, Nina Rodrigues, médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia, autoridade máxima tupiniquim dos desvarios da frenologia e do “racismo científico”
europeus, publicava um artigo — “A loucura epidêmica de Canu-
dos” — no qual defendia a tese de que o movimento religioso desencadeado por Antônio Conselheiro era resultado da liderança de um homem seriamente desequilibrado em suas faculdades men-
tais.
Para Nina Rodrigues (1862-1906) Antônio era alienado, um doente mental e um megalomaníaco, que agia sobre uma comunidade sertaneja incapaz de “compreender, aceitar e praticar as formas de governo mais liberais e complicadas”. Para o brilhante médico e cientista social maranhense, a resolução da resistência dos
sertanejos às forças militares seria uma consequência das qualidades “atávicas” guerreiras dos “jagunços”, já que etnicamente descendiam de nativos e africanos. Racismo antipobre
Euclides da Cunha, abraçando e refinando as interpretações
racistas de Nina Rodrigues, afirmava que a instabilidade profissio-
nal de Antônio Maciel expressaria sua tendência “para profissões menos trabalhosas” que exigissem pouca “constância” e “esforço”. Para o escritor, sua evolução profissional registraria o abandono da “disciplina” e uma “tendência acentuada para a atividade” “mais estéril”. Ou seja, um verdadeiro despencar na “ vadiagem ”. 20
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endef que o nh ca ta ial rac mo is in rm te de o m co te en Conseqii omal o nt me sa ca o que ém mb ta ere sug a nh Cu da dia, Euclides rtá upo ins o ssã pre a um do rci exe ia ter el ci Ma o ni tô grado de An s poi o, ocl cab do gil frá te en lm ra tu na al nt me de saú a vel sobre a tar da en em tr à da na io ic ad ga ar ec br so a foi er lh mu “A mestiço: olh me os sob da cia ini a vid a um ria bra ili equ des que ia tár edi her | res auspícios.” Não são precisas as informações sobre a vida do peregrino. Essa
insuficiência documental tem permitido que autores desenvolvam mirabolantes interpretações psicológicas e sociológicas sobre o principal personagem do drama de Belo Monte. À bem da verdade, essas construções arbitrárias e preconceituosas iniciaramse já quando ele vivia. Apresentou-se comumente a metamorfose de Antônio Maciel em Antônio Conselheiro como resultado do forte golpe emotivo, determinado por fracasso amoroso ou econômico, sobre uma psique frágil ou desequilibrada. Traído pela esposa ou derrotado nos negócios, Antônio Maciel mergulhou nos sertões, de onde
emergiu como Antônio Conselheiro. Um ato extraordinário — a traição amorosa ou o insucesso econômico — explicaria a transição do cidadão pobre, mas membro do mundo oficial e urbano, em Antônio Conselheiro, personagem sui generis agora membro do mundo sertanejo marginal dos sertões. Portanto, a mudança é vista como uma espécie de
degradação social ou de doença mental.
O sucesso de Antônio Maciel como pregador terminou pon-
do em destaque as condições de vida de um homem pobre do meio rural nordestino nas últimas décadas da Monarquia e nos primeiros anos da República. Esse cenário social foi pouco analisado e estudado por nossos cientistas sociais, mais interessados na vida social e política do litoral, em geral, e do Centro-Sul, em especial.
21
Naquele momento e lugar, era muito difícil a sobrevivência
do homem livre, desprovido de bens e de terras. Se tal realidade
era verdade sobretudo para nordestinos em geral, ela era de um modo pungente para os moradores pobres do sofrido Ceará, tal-
vez uma das mais miseráveis parcelas de uma região profunda-
mente miserável. A estreiteza do mercado de trabalho determinava que os trabalhadores livres e escravizados possuíssem necessartamente diversas aptidões e se dedicassem a vários ofícios. À única ocupação relativamente estável era a de proprietário de terras e de trabalhadores. Como vimos, Antônio Maciel teria se ocupado em ofícios
manuais, entre eles o de domador e de pedreiro-construtor. Porém, existe uma nítida coerência em sua evolução profissional. Possuindo uma formação cultural superior à média, procurou valer-se dela ao empregar-se como professor primário, caixeiro, escrivão e advogado provisionado, para construir uma situação profissional ascendente. Fica clara em sua trajetória a propensão para atividades intelectuais. Essa vocação era limitada por suas condições materiais e, sobretudo, pela vida cultural, social e econômica do interior de uma das mais atrasadas e pobres regiões do Brasil escravista. Veremos que as atividades de construtor religioso, beato e sobretudo conselheiro enquadram-se perfeitamente nessa linha geral de atividades. A explicação de um desequilíbrio afetivo, pessoal e profissional devido à ruptura com a esposa é hipótese questionável. Em uma sociedade que não possuía o divórcio, o homem simples traído e abandonado era certamente malvisto,
mas isso não constituía fenômeno extraordinário. Não é impossível que a traição de Brasilina tenha contribuído para que Antônio Maciel abandonasse Campo Grande. Porém, é arbitrá-
rio deduzir da infelicidade familiar um hipotético desequilíbrio pessoal ou profissional. 22
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Antônio iniciara a procura de um local para estabelecer-se profissionalmente bem antes da separação do casal. Como vimos, o Tud se. arcas s apó e ent tam dia ime al nat ade cid sua a abandonar rgu ama ser um , seja ou no, ógi mis o sid ha ten não que crer leva a ra. hei pan com ra out , imo mín no e, tev Ele es. her mul as com rado
Como também vimos, por um período, reconstituiu a vida familiar com Joana Imaginária, com quem teve um filho. Toda a informação que possuímos a seu respeito sugere o perfil de um homem equilibrado, com desenvolvido sentido político e com reais dotes intelectuais. Tudo isso, claro está, no contexto de sua
situação social humilde e do difícil momento histórico em que vivia.
O próprio Euclides da Cunha, contemporâneo de Antônio Maciel, por ser homem sem posses e membro da raquítica classe média da época, para poder viver de seu trabalho, como engenheiro, teve de submeter-se a uma verdadeira vida de andarilho, desempenhando diversas atividades, nos mais diver-
sos pontos do Brasil. E sua vida, sim, embestou por um cami-
nho horrível, devido a um casamento desastroso e sua dificul-
dade de romper com ele.
Mergulhando nos sertões
A visão da ruptura abrupta de Antônio Maciel com as atividades profissionais e seu ingresso no sertão e na vida mística deve ser relativizada. Possivelmente a religião desempenhasse papel importante na vida de Maciel, antes mesmo de se tornar um homem religioso. Quando menino, teria sido destinado ao sacer-
dócio. A tradição apresenta-o como uma criança e um jovem piedosos. Em seu meio, era um homem culto. Seria quase nor-
mal que cumprisse funções e atividades religiosas, de forma episódica, antes de abraçá-las integralmente como beato e, a se-
guir, como conselheiro.
No Brasil colonial e imperial, era muito grande a escassez de sacerdotes, sobretudo nos locais onde a população sustentava com dificuldade os párocos, ou, simplesmente, não podia mantê-los com dignidade. Ainda em meados dos anos de 1880, das 189 paróquias baianas, apenas 65 eram curadas, ou seja, possuíam
párocos permanentes.
Ali onde os sacerdotes faltavam, homens e mulheres que se destacassem em suas comunidades por seus conhecimentos ou piedade ocupavam-se comumente das práticas religiosas mais correntes — pregar, batizar, rezar o rosário, encomendar os mortos. Algumas vezes, esse clero laico chegou a celebrar arremedos de missa. Esse fenômeno foi comum no interior do Nordeste,
entre os caboclos, e no Sul, entre os imigrantes alemães, italianos
e poloneses.
Não seria incomum, pois, que um professor de primeiras le-
tras se encarregasse eventualmente de organizar as atividades relígiosas, quando faltassem sacerdotes. O simples fato de saber ler e escrever transformava o mestre rural em detentor de um saber
valorizado pela população sertaneja analfabeta. O fato de ensinar era também uma atividade socialmente relevante. Em geral,
apenas os participantes da elite rural e urbana dominavam os mistérios da leitura e da escrita. E, como também assinalado, não
poucos proprietários da época, grandes, médios e pequenos, eram analfabetos.
No Nordeste, esse clero laico possuía uma hierarquia informal e semi-oficial. Os beatos tiravam rezas, puxavam terços, can-
tavam ladainhas, esmolavam para as igrejas. Mais informados e
mais inseridos nas coisas sagradas, os conselheiros pregavam e
sobretudo aconselhavam os crentes. Eram uma espécie de “bis-
pos” de pés descalços. Geralmente, os conselheiros tinham, sob sua influência, um ou mais beatos que, não raro, os seguiam em suas peregrinações.
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"
24
Os sertões eram trilhados por dezenas de andarilhos, que vi-
sitavam as comunidades desprovidas de párocos e mesmo aquelas que os tinham. Esses beatos e beatas não eram pessoas exóticas ou tresloucadas, mas personagens sociais harmoniosamente tas acei es içõ ibu atr e s çõe fun com ão, sert do do mun no das eri 'ns e delimitadas. Como veremos, por muito tempo, o próprio clero regular apoiou e apoiou-se nos beatos € conselheiros. Ser beato ou conselheiro era também uma forma de subsistir, de inserir-se na comunidade, de construir uma vida, de ascender
socialmente. Na passagem do século, os membros desse clero laico participavam — direta e indiretamente — da orientação social, política e ideológica da massa sertaneja nordestina. Alguns, como Antônio Maciel, alcançaram um real poder político e social. No Sul do Brasil, o fenômeno do “beatismo” também foi parte integrante das formas do catolicismo popular. Ali, os orientadores
espirituais leigos eram identificados pelo termo “monge”. O mais
famoso chamava-se João Maria d'Agostino, e era natural do
Piemonte, na Itália. Ele percorreu diversas localidades em meados do século 19. Quando se registrou no Livro dos Estrangeiros, em 24 de dezembro de 1844, na cidade paulista de Sorocaba, declarou como sua “profissão” a de “solitário eremita”. Vestia um hábito, tinha “os cabelos compridos e a barba longa”, “dormia sobre uma tábua” e pregava nas igrejas, quando convidado. Por volta de 1886, nos sertões sulinos, apareceu um segundo
monge, João Maria de Jesus, que se apresentou como sucessor do primeiro. Finalmente, em 1911, ainda nas pegadas dos anteriores, surgiu um terceiro, chamado José Maria. Seria o líder
carismático-religioso que catalisaria a violenta revolta camponesa dos caboclos de Santa Catarina/Paraná, conhecida como a guerra do Contestado. O movimento que se desenvolveu após a
morte de José Maria concluiu-se em 1916, com a morte de no mínimo dez mil pessoas. 25
Beatos, monges e conselheiros Os beatos, monges e conselheiros eram figuras normais e
comuns nas comunidades rurais. Por longos anos, o clero manteve contato semi-oficial com esse exército religioso laico. O apoio e a promoção de atividades religiosas informais ocorriam de forma direta e indireta. Sacerdotes cediam os púlpitos para beatos e conselheiros. Alguns chegavam a apontar aos seus paroquianos esses personagens como exemplos de vida piedosa. Em meados do século 19, José Antônio Pereira Ibiapina inspi-
rou inúmeros ascetas no sertão brasileiro. Ele nasceu em 5 de agosto de 1806, em uma fazenda próxima de Sobral, no Ceará, no seio de uma família de posses. Após realizar os estudos primários, ingressou na Academia de Olinda, onde se formou em Direito. A seguir, foi responsável, como lente substituto, da cadeira de Direito Natural, naquela vila. Nomeado juiz, em Quixeramobim, José Ibiapina conheceu e protegeu a família Maciel, por ocasião do violento conflito armado com a família dos Araújos. Durante a Regência, atuou como deputado-geral do Império. A seguir, dedicou-
se à advocacia em Recife, até 1850. Ao perder a mulher, distribuiu
os bens entre os pobres e isolou-se do mundo, por três anos, para, então, ingressar na vida religiosa. Em
1853, José Ibiapina ordenou-se sacerdote, em Olinda,
onde passou a lecionar Elogiiência Sagrada. Em outra importante reorientação de sua vida, tornou-se missionário itinerante,
percorrendo, por 28 anos, os sertões da Paraíba, do Rio Grande
do Norte e do Ceará, onde alcançou grande sucesso. Era recebido com flores, música e foguetes pelas autoridades e pela população, na entrada das povoações. Valia-se do púlpito, do confessionário e realizava casamentos. Era considerado um homem santo. Nas suas andanças, recolhia esmolas e materiais para construir e fundar casas de caridade, igrejas, cemitérios e hospitais. Os
fiéis e profissionais trabalhavam gratuitamente nas obras. 26
ERRO
DO
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A ação missionária do padre Ibiapina fortalecia a Igreja nos
sertões abandonados. Durante a terrível seca de 1877, ele cuidou
intensamente dos retirantes. Antônio Maciel teria encontrado e acompanhado o padre Ibiapina por algum tempo em suas andanças pelos sertões, quando era vendedor ambulante. À fama de Antônio Conselheiro já se espalhava pelos sertões quando Ibiapina morreu, em 19 de fevereiro de 1883, aos 7/ anos. Ser beato, monge ou conselheiro era uma forma de viver e
sobreviver para a população dos sertões. Podia ser caminho para o sucesso e realização social. Antônio Maciel, filho de um comerciante analfabeto, homem sem posses e futuro, tornou-se personagem religiosa e social reconhecida e líder político inconteste do arraial de Belo Monte, por ele fundado. Seu prestígio estendia-se por uma vasta parcela dessas regiões, o que o tornou um dos homens mais poderosos de sua época, nessas paragens. Certamente nada disso aconteceu por acaso. À posição que Antônio Maciel obteve, antes de entrar em confronto direto com a Igreja e com o Estado, sugere que era homem com habilidade política e condições de liderança acima da média. O que se choca com a sua descrição como um ser decaído, fanático ou insano. Sua produção literária de fundo religioso conhecida reafirma, sem lugar a dúvidas, seus dotes intelectuais e seu equilíbrio psíquico. É certo que, em 1869, de volta a Várzea de Pedra, a 42 quilômetros da vila de Quixeramobim, Antônio Maciel viu-se na impossibilidade de cumprir um compromisso econômico assumi-
do no comércio local. Para postergar o débito, requereu quatro meses para pagá-lo. Passado o tempo concedido, sem poder saldar a dívida, foi protestado pelo seu credor, José Nogueira de Amorim Garcia, num valor de 1688268.
Apesar de conhecer as medidas judiciárias capazes de sustar a execução, não antepôs qualquer requerimento pertinente, tendo
sido condenado a pagar o débito, mais os juros e as custas da causa, Impossibilitado de fazê-lo, viu seus escassos bens executados. As posses leiloadas em outubro de 1871 eram duas éguas, quatro
potros, um novilho, um bezerro, um relógio de prata, uma corrente de ouro para relógio, um colete, um chapéu e um paletó.
Na ocasião, sem ser um homem de posses, não era, definitivamen-
te, um miserável.
À seguir, mais uma vez, Antônio Maciel retirou-se de sua ter-
ra natal. Em 1873, dois anos após a execução dos bens, apareceu no Assaré, Ceará, já como beato. Ali teria conhecido os irmãos Honório e Antônio Assunção Vila Nova, que, mais tarde, assumirtam importantes funções no arraial de Belo Monte. No ano seguinte surgia, ora no Ceará, ora em Sergipe, ora na Bahia, prosseguindo sua pregação, que alcançava grande número de fiéis. Nesses anos, era conhecido também como Santo Antônio dos Mares.
Em 22 de novembro de 1874, o semanário sergipano O Rabudo publicou uma notícia a seu respeito, a primeira de muitas que irtam posteriormente aparecer na imprensa: “A bom seis meses que por todo o centro desta e da província da Bahia, chegado da [província] do Ceará, infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antônio dos Mares, o que, a vista dos aparentes e mentirosos milagres que dizem ter ele feito, tem dado lugar a que o povo o trate por Santo Antônio dos Mares.”
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2. ANTÔNIO MACIEL: INTELECTUAL, BEATO, CONSELHEIRO
Nas andanças pelas comunidades do interior, concretizou-se a vocação espiritual do peregrino. O andarilho, ao longo de vin-
te anos, desenvolveu uma obra religiosa, com conotação política
e social, por todo o sertão nordestino; acumulou adeptos e seguidores; foi admirado e respeitado pela população humilde; foi cortejado e protegido, temido e combatido, pelas autoridades
religiosas e civis. Nesse longo tempo, as populações caboclas conheceram Antônio Maciel sob diversos nomes — Santo Antônio dos Mares, Santo Antônio Aparecido, Bom Jesus Conselheiro, Bom Jesus, Santo Conselheiro. Porém, o povo pobre dos sertões o denominou
sobretudo como Antônio Conselheiro. Acompanhemos, portanto, seus passos. Em 1874, em Itapicuru de Cima, na Bahia, o cônego Agripino
da Silva Borges, ligado ao Partido Liberal, cedeu uma casa abandonada a Antônio Maciel e a seus fiéis, onde diariamente realizavam orações, seguidas por um número significativo de populares. O chefe de polícia, Boaventura da Silva Caldas, pertencente
aos quadros do Partido Conservador, morava diante da casa ocupada pelo pregador e seus crentes.
Desgostoso com a presença indesejável, o delegado requereu à capital forças policiais para expulsar Antônio Maciel e seus seguidores da cidade. Com a chegada das tropas, apesar dos veementes protestos do cônego Agripino, protetor do grupo, o pregador e sua gente partiram para Sergipe sem oporem resistêncta e sem serem incomodados. Salvo engano, era a primeira de uma série de perseguições movidas pelas autoridades policiais. Em 1875, de volta de Sergipe, em Aporá, Antônio Maciel pediu ao vigário da localidade para rezar o terço e pregar a palavra divina. O sacerdote concedeu o primeiro pedido e indeferiu
o segundo. Mesmo sem licença, Antônio entregou-se à pregação,
nas regiões vizinhas do lugarejo. Esses acontecimentos não deixam de ser elucidativos. Mesmo desconhecendo o direito do Conselheiro de pregar, função religiosa mais elevada, o sacerdote reconheceu-lhe o de puxar o terço. À fama e autoridade de Antônio Maciel cresceram rapidamente. No mesmo ano, a Folhinha Laemmert, editada no Rio de Ja-
neiro, referiu-se a ele, afirmando que exercia uma “grande influên-
cia no espírito das classes populares”. Segundo a publicação, nas andanças pelos sertões, fazia-se acompanhar de “duas professas” e vivia de “rezar terços e ladainhas”. Ele pregava e dava conselhos as multidões “onde lhe permitem os párocos”. Antônio Maciel portava cabelos e barbas compridos, vestia um camisolão de brim azul, sem cintura, chapéu de abas largas e san-
dálias. Essa era a indumentária tradicional de monges, beatos e con-
selheiros. Era praticamente a mesma usada pelo “monge” italiano
João Maria, como vimos. Comia frugalmente, dormia no chão duro
ou sobre alguma tábua. Ele e seus acompanhantes viviam das esmolas recebidas. Seus discípulos carregavam consigo um “oratório tosco, de cedro, encerrando a imagem do Cristo”. Ele trazia uma 30
LESS E
mochila de couro contendo, entre outros objetos, material para escrever e dois livros: a Missão abreviada e Hloras marianas.
Sem eira nem beira
Em Os sertões : campanha de Canudos, em linguagem barroca, Euclides da Cunha descreveu preconceituosamente o grupo como,
“no geral, gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, farândola de vencidos da vida, vezada à mandria e à rapina”. Para as elites da
época, era uma transgressão que homens e mulheres em condição de trabalhar perambulassem, em grupos, pelos sertões, envolvidos em questões religiosas e intelectuais, em vez de se empregarem nas fazendas e currais da região, por uma cuia diária de farinha. Com a decadência da economia baiana, a região vivia uma importante falta de mão-de-obra, já que o preço dos trabalhadores escravizados disparara, com a abolição do tráfico internacional de escravos. Em 1897, no já mencionado artigo À loucura epidêmica de Canudos”, Nina Rodrigues reconhecia que o pregador jamais consentira “desmandos ou atentados contra a propriedade ou contra pessoas”. Porém, Nina Rodrigues acusava precisamente Antônio Maciel de desviar a população de suas atividades e obrigações com os proprietários: “[...] Antônio Conselheiro anormaliza extraordi-
nariamente a vida pacífica das populações agrícolas e criadora da província, distraindo-as das suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os mais abastados cediam dos seus recursos em favor dos menos protegidos da fortuna”. Registre-se a acusação de orientação dos caboclos para atividades “comunistas” lançada pelo médico e cientista social maranhense contra Antônio Maciel. Não temos dados precisos sobre a composição social e étnica dos seguidores e admiradores de Antônio Maciel. Sobretudo, eles 51
seriam homens mestiços pobres e empobrecidos, ocupados como
trabalhadores rurais, vaqueiros, meeiros ou pequenos proprietários. Entre eles se encontrariam cativos fugidos, libertos, perseguidos das autoridades e outros miseráveis que abundavam no Nordeste. Muitos deserdados viviam vagando pelos sertões, sem
raízes, à procura de trabalho remunerado, cada vez mais raro. A simbiose de Antônio Maciel com seu povo tinha, pois, raízes profundas. Base territorial
Desde 1876, Antônio Maciel teria escolhido as proximidades
de Itapicuru de Cima, na Bahia, como uma espécie de base de
atuação. Dali, partia para as suas peregrinações. Para ali voltava, quando elas se cumpriam. Mais tarde, como veremos, teria fundado na região o arraial do Bom Jesus, sobre o qual temos escassas informações. Nesses anos, Antônio Maciel passou a atuar nos territórios compreendidos entre os rios São Francisco e Itapicuru. O arraial de Canudos encontrava-se no centro geográfico dessa região. No mesmo ano de 1876, devido talvez ao crescimento do
número dos seguidores, Antônio Maciel foi preso, segundo pa-
rece, acusado de matar a esposa, ou de qualquer outro crime co-
metido no Ceará. Em 26 de maio de 1876, o vigário dom Luís D'Amour teria requerido à polícia da Bahia providências contra ele. Antônio Maciel foi detido por um destacamento de quinze
soldados, comandado pelo alferes Diogo Antônio Bahia. Apesar da importância numérica dos seus seguidores, os conselheiristas não
se opuseram ao ato. Nina Rodrigues afirma que “a turba que se-
guia Antônio Conselheiro quis opor-se à sua prisão, mas, à seme-
lhança de Cristo, ordena-lhes Conselheiro que não se movam e
entrega-se à guarda, afirmando que iria, mas havia de voltar um dis”.
Segundo o ofício do delegado de polícia de Itapicuru, teriam sido remetidos para a capital, igualmente, dois seguidores de Antônio: José Manoel, que foi arrolado à força ao Exército, sob a acusação de não possuir bens e emprego, como era comum e habitual ocorrer ao brasileiro pobre, e Estevão, acusado de ser cativo fugido de uma viúva da província de Sergipe. Segundo o historiador Marco Antônio Villa, naquele momento, “na região do Itapicuru, onde passou tantos anos, havia um
bom número de pequenos engenhos movidos pelo trabalho escravo”. O eventual fato de um cativo fugido encontrar refúgio entre os discípulos de Antônio Maciel seria mais uma preocupação para os grandes proprietários da região. Levado para Salvador, Antônio Maciel teria sido espancado pela tropa policial, antes de chegar ao destino. Quando as autoridades perguntaram-lhe quais os policiais que o teriam sevicia-
do, limitou-se a responder que “mais que ele havia sofrido o Cristo. Para que fossem esclarecidas as imprecisas denúncias, o preso foi remetido para Fortaleza, no Ceará, onde chegou em tristes
condições físicas.
O vigário de Itapicuru de Cima teria pedido às autoridades baianas que, mesmo comprovada a improcedência das acusações, não lhe fosse permitida a sua volta à Bahia, para junto de seus seguidores. Dando seguimento ao pedido do sacerdote, em junho de 1876, o secretário da polícia da Bahia escrevia, de Salvador, ao seu colega em Fortaleza, no Ceará, que Antônio Maciel “em suas prédicas, plantava o desrespeito ao vigário local”. Por esse motivo, o secretário requeria não deixassem Antônio
voltar a sua região de atuação, pois se temia a reação de seus se-
guidores, exaltados e revoltados com a prisão do “líder”. Sem
pruridos éticos ou morais, as autoridades policiais máximas das
duas províncias registravam que se tratava de uma simples e mera perseguição política contra uma liderança popular sertaneja.
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O afastamento dos líderes religiosos populares parece ter sido habitual na época. No mesmo mês de junho, Antônio foi envia-
do pelo chefe de polícia do Ceará para Quixeramobim, sua vila
natal, onde foi prontamente libertado pelo juiz, já que nada cons-
tava contra ele, cidadão com profundas, antigas e conhecidas raízes
familiares na região. O juiz oficiaria com desenvoltura ao chefe de polícia do Ceará: “[...] mandei pôr em liberdade alguns dias depois de sua chegada a esta cidade”. Uma vez mais, utilizava-se a Justiça para reprimir a pregação e o crescente sucesso do líder relígioso. A popularidade do pregador e andarilho deu origem a especulações em torno de sua vida pessoal que acabaram espalhando-
se por todo o Nordeste. Desde o século 19, criou-se um verda-
deiro lendário, que ainda percorre os sertões: ele teria sido o autor de um duplo homicídio, ao matar involuntariamente a mãe e a
esposa. A pretensa tragédia familiar teria ocorrido porque a mãe, com ciúme da nora, a teria denunciado ao filho e simulado uma cena de adultério, vestida de homem. Penitência eterna
Ao surpreender o suposto “amante” com a mulher, Maciel teria matado as duas, adotando em seguida a vida religiosa para purgar-se do matricídio e do uxoricídio. Um drama — Antônio Maciel, O Conselheiro — publicado por Júlio César Leal possivelmente em 1875 ou 1885, em Salvador, referia-se ao caso. Mera construção ficcional pois, como se sabe, a mãe de Antônio Maciel morrera
em 1834, quando ele era um menino, portanto sem conhecer à
nora, e Brasilina encontrava-se viva quando da acusação. Em liberdade, Antônio voltou para seus fiéis. Como é habi-
tual nesses casos, a fraqueza foi transformada em virtude e forta-
leza. Como Cristo na última ceia, Antônio Maciel teria previsto sua pena e sua ressurreição”. Não se sabe se imediatamente após 34
a sua libertação, espalhou-se pela região que predissera exatamente o dia do retorno para junto dos seus.
De 1877 a 1887, Antônio Maciel prosseguiu em suas missões
pelos sertões baianos, visitando e pregando em inúmeras povoações, localizadas entre os rios São Francisco e Itapicuru, como Alagoinhas, Inhambupe, Bom Conselho, Jeremoabo, Cumbe, Mucambo, Maçacará, Pombal, Monte Santo, Iucano e outras.
Nas suas andanças, consertava igrejas e cemitérios, construía pe-
quenos açudes etc. Por esses anos, Antônio Maciel era já um homem de grande renome nos sertões, recebido estrepitosamente na entrada dos povoados. Aos espectadores de seus sermões, impressionava a influência exercida sobre o auditório, o modo pelo qual prendia
a atenção dos ouvintes. Porém, pessoas instruídas que o viram
pregar denunciavam-no como charlatão e mistificador das mas-
sas sertanejas. Em
1879, Genes Fontes escreveu, referindo-se a Antônio
Maciel: “Pálido, magro — de magreza esquelética — alto, com os cabelos compridíssimos, enfiado em uma túnica azul, a cuja cin-
ta estava atado um cordão de frade franciscano, do qual pendia
um crucifixo... Na cabeleira via-se o pulular dos piolhos... Se a cabeça era assim, as mãos sujas, as unhas compridas e sórdidas; tudo completava a sua nojenta figura. O que, porém, lhe dava o tom à fisionomia era o olhar. O olhar boiava naquela abstração vaga, naquela expressão e cisma indefinível, que caracterizam os místicos, os sonhadores, os alucinados. Fitava um ponto de es-
paço, olhando sem ver, absorvido em êxtases”.
Como se pode perceber facilmente, trata-se do testemunho de um depoente pertencente às elites da época, hostil ao pregador e preconceituoso com as condições de vida da gente comum. Entre a população, certamente a impressão era diferente. Antônio Maciel gozava de ampla aceitação e simpatia, despertando o 35
fervor dos miseráveis. Sua popularidade era tal que, já em 1888,
seu nome povoava as tradições orais. Naquele ano, o estudioso
Sílvio Romero publicou em seus Estudos sobre a poesia popular no Brasil as trovas do cancioneiro popular de Sergipe dedicadas a Antônio Conselheiro. Elas registram o depoimento popular sobre Antônio Maciel. “Do céu veio uma luz
Que Jesus Cristo mandou Santo Antônio Aparecido Dos castigos nos livrou!
Quem ouvir e não aprender Quem souber e não ensinar No dia do Juízo A sua alma penará!”
Quando se encontrava em Chorrochó, lugarejo minúsculo e feira regional às margens de um afluente do São Francisco, Antônio Maciel descansava comumente à sombra de pequena árvore, na entrada da vila, que, por esse motivo, transformou-se em verdadeiro local de culto. Por onde passava, pregava e aconselha-
va. Porém, a boa obra de Maciel era igualmente material, já que
seus seguidores e os penitentes locais reconstruíam os muros caídos dos cemitérios, reforçavam as paredes ameaçadas das igre-
jas, levantavam elegantes capelas, construfam pequenos açudes. Uma questão de marketing
À medida que ganhava fama, a pregação do místico tornou-
se um chamariz cobiçado pelos organizadores das feiras locais. Era
um verdadeiro atrativo comercial, uma espécie de espetáculo re-
ligioso. Comumente, párocos chamavam-no para que promovesse
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tal, a Par as. aíd dec s eja igr nas ão vaç ser con de as obr e as orm ref apenas lhe cediam o púlpito e o direito à pregação, o que contribuía para que Antônio Maciel reforçasse o perfil de pregador semtioficial da Igreja. tut gra s ido nec for m era as obr das o uçã str con de ais eri mat Os tamente e os trabalhadores não cobravam pelos serviços. Os discípulos eram alimentados com esmolas pelos comerciantes e gran-
des proprietários, certamente desejosos de verem os beatos felizes
e, não raro, bem longe de suas propriedades. As obras da capela do Senhor do Bonfim, uma de suas melhores realizações arquitetônicas, foram concluídas, em 1885, e o templo mantém-se até hoje intacto.
Como assinalamos, sobretudo antes da República, haveria
complementaridade e não oposição entre a ação do Conselheiro e de seus beatos com a do clero nordestino. Em toda a sua vida de pregador, Antônio Maciel jamais se atribuiu funções sacramentais de qualquer tipo. No relativo à doutrina, parece ter sido tão ortodoxo quanto o clero ortodoxo. Era um infatigável pregador da excelência dos sacramentos da Igreja Católica Apostólica Romana como via segura para a salvação. Seus adeptos batizavam-
se, casavam-se, confessavam-se, comungavam. Não devemos es-
quecer que essas práticas sacramentais eram a principal fonte de renda de vigários, que sobreviviam às duras penas nas miseráveis
paróquias do interior.
Em 1888, um oficial da polícia baiana encontrou Antônio em
Monte Santo. Segundo ele, os vigários deixavam-no pregar impunemente”, “tanto mais quando ele nada ganha, e, ao contrá-
rio, promove extraordinariamente os batizados, casamentos, de-
sobrigas, festas, novenas e tudo o mais em que consistem os vastos rendimentos da igreja”. Ou seja, Antônio Maciel pregava e o bom pároco, faturava.
À fina trama de relações entre o Conselheiro e os sacerdotes dos sertões tendeu a ser negada e esquecida quando ele e seus
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seguidores passaram a ser atacados pela hierarquia religiosa e,
sobretudo, quando foram combatidos militarmente. Porém.
mesmo nessa época, ele contava com a proteção ou com a simpa-
tia de membros do baixo clero.
Em fevereiro de 1882, seis anos antes do relato do policial baiano que acabamos de assinalar, o arcebispo da Bahia enviou uma circular aos subordinados, proibindo a pregação de Antônio Maciel
nas diversas freguesias. O arcebispo exigia que os párocos proibissem os paroquianos de se reunirem para ouvir tal pregação”, Lembrava que era monopólio dos “ministros da religião, a missão santa de doutrinar os povos”, e que um “ secular”, ou seja, um homem comum, por mais instruído e virtuoso” que fosse, jamais o podia fazer. Apesar do caráter autoritário, o documento expressava o reconhecimento das qualidades atribuídas ao pregador sertanejo. Na época, vivia-se a construção de uma nova relação entre Roma e a Igreja brasileira, e dessa última com a população laica. Até o final do século 19, durante o Império, em última instância, a autoridade sobre as coisas da religião católica cabia aos monarcas. Era o direito do padroado, concedido pelos papas aos reis de Portugal, desde o período anterior à colonização do Brasil. Em virtude do padroado, Roma não podia intervir diretamen-
te sobre a designação e muitas das atividades dos párocos. Essa situação ajuda a compreender a falta de assistência religiosa nas comunidades rurais longínquas e as dificuldades da Igreja em interferir nas formas assumidas pela religiosidade popular nos sertões. O catolicismo rústico, no qual abundavam benzedores, curandeiros, milagreiros, e a crença em talismãs, fórmulas mágicas e taumatúrgicas, práticas sacrificiais e outras, era
o resultado de um profundo sincretismo, decorrente da fusão do catolicismo português com as tradições nativas é africanas, que
surgia e se adaptava às rudes e duras condições de existência material e espiritual das camadas subalternizadas.
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Na segunda metade do século 19, o papa Pio Nono iniciou uma poderosa campanha de reconquista do poder religioso e sacro, em
relação aos Estados nacionais, ao baixo clero e aos próprios fiéis. Tratava-se de recuperar e construir o monopólio da burocracia ena qui rar hie de os laç o end lec abe est o, rad sag o re sob ica ást esi ecl tre Roma e as autoridades católicas nacionais, visando fortalecer o poder e a influência na organização da vida religiosa local. Esse complexo processo de afirmação e centralização religiosas ficou conhecido pelo termo “romanização do clero”. É apenas nesse contexto político-religioso de reação e tentativa de controle da burocracia religiosa da religiosidade popular que compreenderemos a hostilidade da Igreja com Antônio Maciel. As mudanças operadas na organização eclestástica passaram a afetar o relacionamento entre os padres e os paroquianos sertanejos do Brasil. No relativo ao Nordeste, a administração
eclesiástica aumentou o número de dioceses, colocando-as sob a
administração de padres paulistas, mineiros ou estrangeiros. Portanto, estranhos ao mundo cultural e social dos sertões.
Nos colégios e seminários destinados à formação clerical, a orientação geral e a formação doutrinal dos novos sacerdotes eram feitas segundo às determinações emanadas diretamente de Roma.
O arcebispo da Bahia, dom Luís dos Santos, uma das principais figuras da romanização do clero nordestino, encontrou forte re-
sistência por parte dos padres “brasileiros”, acostumados com o estado de coisas tradicional e pouco propenso a permitir interferências em suas comunidades. O discurso dos pobres
Talvez por este último fato, pregadores e místicos leigos, ape-
sar de proibidos de atuar pelas autoridades clericais, continuas-
sem a agir intensamente, inclusive com o apoio de padres, nos povoados do sertão baiano.
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A única acusação contra Antônio co, da carta circular do arcebispo da “doutrinas supersticiosas e uma moral mesma acusação fora feita havia muito
Maciel, de fundo teológiBahia, era pregar ao povo excessivamente rígida”. A pelo semanário O Rabudo.
Mais tarde, em 1895, momentos antes da guerra de Canudos, o capuchinho João Evangelista de Monte Marciano denunciou uma
vez mais o ascetismo extremado dos seguidores de Antônio. Como
já assinalado, Nina Rodrigues assinalou também as tendências “comunistas” difundidas entres os seguidores do pregador. As elites não admitem que a miséria popular transforme-se em virtude religiosa. Quando tal fato ocorre, a pobreza, anteriormente signo de inferioridade social, tende a ser tomada como condição
de piedade, necessária para a salvação e, como tal, torna-se elemento aglutinador das classes subalternas. Quando para os oprimidos e miseráveis a pobreza apresenta-se como qualidade moral, a riqueza e o luxo das elites transformam-se, inversamente,
em símbolo de decadência e corrupção morais. Ou seja, a pregação espiritual ascética funciona também como denúncia das condições de vida das classes opulentas. É desnecessário dizer que as instruções dadas por dom Luís dos Santos almejavam coibir os abusos permitidos e incentivados pelo próprio clero, e que suas determinações alcançaram muito parcialmente os objetivos. O arcebispo estava distante das necessidades e dificuldades vividas por dezenas de pobres páro-
cos de regiões perdidas do interior baiano. Contudo, a relação do pregador sertanejo com os prelados foi aos poucos sendo minada em suas bases. Da conivência, da colaboração ou da omissão, passou-se à perseguição.
Em novembro de 1886, o chefe de polícia de Itapicuru de Cima oficiou ao chefe de polícia da Bahia que o pregador ali se
encontrava, construindo uma cápela . O documento informa que
o edifício religioso era “dispensável” e que se temiam “grandes
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40 E
desgraças” devido aos “ânimos” da população. Segundo o delegado, Antônio reunia até “mil pessoas” nos dias de sermão, terços e ladainhas” e seus acompanhantes portavam armas. À cor-
respondência informava igualmente que o vigário de Inhambupe
encontrava-se em dissensão aberta com os conselheiristas.
Com sucesso crescente, Antônio Maciel continuava realizando práticas religiosas tradicionalmente permitidas aos laicos, pelo direito canônico. Essa correspondência nada assinalaria de novo se não houvesse o registro do delegado de que os discípulos do asceta, crendo nas coisas do céu, armavam-se com a palavra sagrada, e não descrendo nas coisas do sertão, escoravam-se em “cacetes, facas, facões, clavinotes”.
Os historiadores da guerra de Canudos e os biógrafos de Antônio Maciel pouca atenção dedicaram à organização dos adeptos do pregador antes da formação do arraial de Belo Monte. É possível que, em parte, as vitórias conselheiristas obtidas contra as expedições militares tenham se devido à coesão e à organização determinadas pelo núcleo central dos conselheiristas. É pos-
sível que o núcleo tenha começado a organizar-se bem antes da fundação do reduto santo, durante a fase inicial do apostolado do pregador sertanejo. Em verdade, o missionário e andarilho fundara um pequeno povoado. Abelardo Montenegro, seu biógrafo, afirma que ele
transformara uma fazenda na vila de Bom Jesus: “Antônio construía, em 1886, a capela de Bom Jesus, onde trabalhavam às
expensas do povo muitos homens, inclusive cearenses, nos quais ele depositava a mais cega confiança. O cearense Feitosa chefiava os operários. O arraial constituía uma praça de armas”. Como
vimos, Antônio Conselheiro era natural do Ceará. Segundo Nina Rodrigues, após diversos problemas com a
polícia, Antônio Maciel teria-deixado a “vila de Bom Jesus quase por ele edificada” para internar-se nos sertões e fundar o arraial
4]
de Belo Monte. Essa comunidade, com sua igreja, beatos e habitantes armados, parece ter sido uma espécie de ensaio geral da futura Belo Monte.
Foi precisamente em 1886 que o oficiava assinalando que os adeptos do vam-se ameaçadoramente armados. Ele ria a todos os seguidores e admiradores apenas a um pequeno e seleto grupo
delegado de Itapicuru líder popular encontra. certamente não se refede Antônio Maciel, mas de conselheiristas. Os
acontecimentos de dez anos mais tarde comprovariam a capaci-
dade e a decisão dos fiéis de Antônio de responderem aos atenta-
dos policiais contra o grupo. Grupo de escolhidos
Não temos informações mais aprofundadas sobre a eventual organização do pequeno núcleo de seguidores permanentes, nem
do arraial do Bom Jesus, que subsiste até o presente com o nome
de Crisópolis. Não é impossível que, já nessa época, Antônio Conselheiro tenha organizado o embrião de uma ordem místico-militar, uma espécie de prefiguração da Companhia do Bom Jesus, ou da Guarda Católica, formada no arraial de Belo Monte. Quanto mais crescia a sua popularidade, maior a influência exercida sobre outros personagens dispostos a seguir seus exemplos de pregador. Nas últimas décadas do século 19, em
Pernambuco, o conselheiro Guedes percorria, vestido com hábi-
to de monge carmelita, os lugarejos afastados do interior, benzen-
do e pregando. Na Bahia, o conselheiro Francisco — Francisco Maria de Jesus —, ajudou a construir uma igreja em Cumbe, ci-
dade próxima do arraial de Canudos, imitando as atividades de
Maciel. Definitivamente, por volta de 1885, o conselheiro Antôni o Maciel não era um ser exótico, estranho ou s4j gene ris. Era ape-
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religiosa laica abundante na região e no país. Junto com ele, e agora certamente influenciado por ele, outros “conselheiros vagaram pelas zonas rurais da Bahia e pelos sertões próximos. Um deles, Luís Ribeiro da Silva, tinha sido antigo beato e seguidor de Antônio Maciel e resolvera criar seu próprio grupo de penitentes. Em meados de 1887, um novo ofício do arcebispo da Bahia denunciava à autoridade máxima provincial a pregação do Con-
selheiro e as suas “doutrinas subversivas ” contra a Igreja e o Estado. Entre outras acusações, mais uma vez, o bispo afirmava que o Conselheiro “distrafa” a população de “suas ocupações”. Obrigado a pronunciar-se, o presidente da província escreveu ao ministro do Império, pedindo o internamento do pregador no Hospício D. Pedro II do Rio. Antônio Maciel não desrespeitara nenhuma lei civil ou direito eclesiástico. Isso não impedia que suas faculdades mentais fossem questionadas arbitrariamente. Para declará-lo demente e internálo na distante cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceria até a morte, se assim decidissem, bastava a vontade política das autoridades e a decisão de um médico servil ou preconceituoso. O pedido eclesiástico não prosperou. O ministro esquivouse de executar o requerido, afirmando não ter vaga na casa de alienados. Então, o presidente da província oficiou ao arcebispo transmitindo-lhe aquela informação. À resposta constitui uma negativa cortês para o pedido da eminência eclesiástica. Caso houvesse vontade política, certamente se arranjaria um cantinho para Antônio na casa dos alienados da corte. Ontem como hoje, as elites e as autoridades não se preocupam sobremaneira com a superlotação das prisões, hospitais e hospícios públicos. Não conhecemos as razões precisas da negativa do presidente da província de internar Antônio Maciel. Na época, já contava com simpatizantes e protetores na capital provincial. É possível que as autoridades temessem a reação dos seguidores do prega43
dor, indignados com medida tão destrambelhada. Era de conhecimento das autoridades que um grupo de conselheiristas arma-
dos seguia Antônio pelos sertões.
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3. A ORDEM
REPUBLICANA
Dois importantes acontecimentos alteraram o cenário político, social e econômico do Brasil no final do século 19 e tiveram peso decisivo para os caboclos do sertão baiano e para seu líder
espiritual. O primeiro foi o fim da escravidão, formalizada com a chamada Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. O segundo, intimamente ligado ao anterior, foi a proclamação da República, em
15 de novembro de 1889. A abolição foi a conclusão do processo de substituição do sistema escravista, iniciado com a colonização territorial portuguesa do litoral brasílico, em 1532. O ponto de partida da superação da produção escravista foi a proibição do tráfico internacional de trabalhadores escravizados, em 1850, sob a pressão da marinha de guerra inglesa. Sobretudo nos últimos trinta anos da instituição, foi muito forte o debate nacional em torno da instituição servil. Com o fim do tráfico internacional de cativos, disparou o valor dos escassos trabalhadores escravizados. Devido às difíceis con-
dições de trabalho e de vida, entre outros fenômenos, a popula45
ção escravizada não conseguia reproduzir-se, quanto mais expandir-se. Do Sul, do Oeste e do Nordeste, desde meados do século 19, milhares de trabalhadores escravizados passaram a ser vendi-
dos para as mais rentáveis fazendas cafeicultoras do Centro-Sul,
em permanente expansão — Rio de Janeiro, Minas Gerais e, sobretudo, São Paulo.
A partir dos anos de 1880, quando o fim da escravidão mostrava-se inevitável, imigrantes europeus — sobretudo italianos — foram trazidos para empregarem-se como colonos na produção cafeicultora. No Nordeste, o uso do braço escravizado manteve-
se até os momentos finais do regime monárquico, apesar de tam-
bém aí governantes e proprietários terem tentado alternativas à substituição da força de trabalho escravizada. Sobretudo na Bahia, as oligarquias preocuparam-se com a es-
cassez de mão-de-obra. Além da crise gerada pela abolição gradativa da escravidão, a província perdia, ano a ano, população potencialmente trabalhadora, devido à devastação demográfica provocada pelas migrações, pela secas, pela fome e pelo monopólio da terra. A posse latifundiária da terra impedia o desenvolvimento na região de uma economia camponesa autônoma. Tudo isso determinava uma intensa migração de sertanejos para Salvador ou para o eixo Rio de Janeiro — São Paulo.
O governo baiano incentivava a contratação de chineses, japoneses e europeus, sem obter sucesso. Desde o início do século 19, houve tentativas malogradas no sentido de estabelecer-se uma política de incentivo à vinda de estrangeiros para a região. Não prosperaram as colônias de alemães, suíços e irlandeses criadas na primeira metade do século 19, Em 1859, a experiência tentada
com imigrantes italianos não vingou igualmente. Em 1888, a
Sociedade Baiana de Imigração oferecia vantagens para imigrantes dispostos a fundar núcleos coloniais em terras devolutas. Contudo, essas propostas não safam do papel.
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As tentativas fracassadas da elite rural baiana de introduzir
trabalhadores europeus revelam-nos o enorme preconceito em relação à população sertaneja, uma vez que, mesmo com os pro-
blemas sociais anteriormente apontados, havia ainda significativo contingente populacional nativo na região. Via de regra, os
sertanejos eram considerados preguiçosos e pouco propensos ao trabalho. Em verdade, temia-se sua revolta face à exclusão da terra. À progressiva crise do trabalho escravizado apenas agravou ainda mais esse quadro social. A população sertaneja ficou fortemente impressionada com a Lei Áurea. São ainda raros os estudos sobre as “visões” e “interpretações” das camadas populares e escravizadas sobre a libertação”. Sabemos que boa parte da população, livre e escravizada,
interpretou o ato abolicionista como consegiiência da vontade da
família imperial, fortalecendo-se a visão popular do imperador como “pai” dos desvalidos. Para as populações sertanejas, era difícil perceber a íntima e profunda ligação entre ordem escravista e ordem monárquica. No que nos interessa diretamente, vale dizer que, paralelamen-
te ao discurso propriamente religioso, Antônio Maciel era partidário das idéias abolicionistas. Segundo a tradição, nos primei-
ros anos de pregação, quando podiam, trabalhadores escravizados acorriam às suas prédicas. Como vimos anteriormente, em 1876, quando Antônio Maciel foi preso, as autoridades teriam encontrado, entre seus discípulos mais próximos, um cativo fujão.
É-nos difícil conjeturar sobre a pregação do Conselheiro sobre a questão servil, antes da abolição. Todavia, mais tarde, quando redigiu suas “prédicas”, o líder religioso nordestino apresentaria o fim do cativeiro como decorrência da vontade divina, concretizada por um ato imperial. Aderia plenamente às concepções
providencialistas da história, como era corrente entre as camadas
populares da época. Segundo essa visão, os atos humanos e os acon47
tecimentos sociais eram produtos da vontade divina. Destacam-se
no documento o registro das difíceis condições de existência dos cativos e o suicídio como forma de resistência contra a escravidão: “Quantos morreram debaixo do açoite por faltas que come-
tiam! Alguns quase nus, oprimidos de fome e de pesado trabalho! E que direis daqueles que não suportavam com paciência
tanta crueldade e no furor ou no excesso de sua infeliz estrela se
matavam! Chegou enfim o dia em que tinha Deus de pôr termo
a tanta crueldade, movido da compaixão a favor de seu povo e ordena a libertação de tão penosa escravidão”. Yontade divina
No mesmo sentido, expressando mais uma vez sua interpretação providencialista da história, Antônio Maciel escrevia sobre o papel abolicionista da herdeira imperial e o caráter abominável da instituição negreira: “[...] Dona Isabel libertou a escravidão, que não fez mais do que cumprir a ordem do céu; porque era chegado o tempo marcado por Deus para libertar esse povo de semelhante estado; o mais degradante a que podia ser reduzido o ente humano [...)”.
Comprovada a autenticidade dessas declarações, elas são mais um depoimento sobre o caráter articulado da pregação espiritual e das concepções políticas do líder religioso sertanejo. Por outro lado, elas encontravam-se em absoluta consonância com amplas correntes da tradição do pensamento social e religioso da época. A promulgação oficial da extinção do trabalho escravizado criou profunda instabilidade nos pilares de sustentação do regime monárquico. Abandonado pelos últimos partidários, ligad os em geral ao grupo de fazendeiros escravocratas, o sistema entrou
em sua fase terminal.
Desde 1870, ainda que timidamente, os militantes republi-
canos fortaleciam suas bases políticas e aume ntavam o número 48
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de simpatizantes, sobretudo nas fileiras do Exército e entre as
camadas sociais médias das capitais. O núcleo político do movi-
mento republicano encontrava-se no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nos momentos finais da Monarquia, a poderosa aristocracia do café migrou para as filas republicanas.
A substituição do decadente regime monárquico pelo republicano resultou de um compromisso inicial entre líderes civis e
militares. Antigos partidários do republicanismo, como Aristides
Lobo, Aníbal Falcão, Lopes Trovão, Quintino Bocaiúva, José do Patrocínio, Campos Salles e outros, saudaram o acontecimento como se o mesmo anunciasse uma nova era para o Brasil. Identificado com o atraso e a estagnação, o governo deposto não ofereceu reação. Após o golpe militar liderado por Deodoro da Fonse-
ca, muito logo monarquistas convictos passaram a integrar os
ministérios e as bancadas legislativas republicanas. O advento da República não contou com o apoio popular nem despertou qualquer tipo de participação efetiva das camadas sociais subalternizadas. Essa inércia contrastava abertamente com as efusivas medidas adotadas pela elite militar e civil que, tomando diretamente as rédeas do poder, mostrava enorme determinação em ver concretizadas suas aspirações. A República foi também proclamada contra as camadas populares. Os republicanos históricos ficaram perplexos diante da indiferença inicial das pessoas comuns, cuja participação nos even-
tos fundadores do novo regime foi de simples espectadoras. Nas palavras de Aristides Lobo, transpostas para o Diário Popular, em 18 de novembro de 1889, o povo, que, pelo ideário republicano, deveria ser protagonista dos acontecimentos, assistira a tudo “bestializado”, sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar!
Entre os civis defensores do novo regime instaurado, havia os
que se ligavam aos interesses agrários, sobretudo à cafeicultura 49
paulista. Parte significativa dos republicanos históricos provinha
das camadas urbanas geradas pelo desenvolvimento, ainda que incipiente, dos interesses comerciais e industriais capitalistas,
desde fins do século 19. Advogados, médicos, engenheiros e in-
telectuais defendiam euforicamente os novos princípios, vinculando-se apaixonadamente à corrente política do liberalismo, às
orientações ideológicas de matriz positivista e aos princípios herdados da Revolução Francesa. Decisiva nos momentos iniciais da história republicana, a cor-
rente militar era composta por altos e médios oficiais, especialmente do Exército. Inspirados pelo ideário positivista, consideravam-se os precursores da modernidade, com direito de intervir na “coisa pública” sempre que lhes parecesse conveniente. O fato de que os dois primeiros presidentes tenham sido militares aumentou muito a influência política dos homens de farda. Nesses anos, era intenso o movimento nos quartéis, regimentos, fortalezas, na Escola Militar no Rio de Janeiro. Sobretudo durante o governo de Floriano Peixoto (1891-1894), a influência militar foi determinante.
República elitista
A República não ampliou a participação política das camadas mais amplas da população. Mais ou menos como acontecera no Império, a representação popular nas instâncias decisórias — municipais, estaduais ou federal — continuou praticamente nula.
À participação direta, em partidos ou agremiações, permaneceu
nas mãos de uma minoria. Exigia-se que o eleitor fosse alfabetizado e do sexo masculino. Portanto, a participação pelo voto continuou a excluir os trabalhadores, os pobres, os mendigos, as
mulheres, os menores de idade. Os praças de pré e os membros
de ordens religiosas não podiam votar igualmente.
Exigia-se para o exercício da cidadania plena qualidades que
só as elites podiam possuir. E, ao mesmo tempo, impedia-se que 50
q população comum pudesse cumprir essas exigências. À educa-
ção básica continuou a ser negada à maioria esmagadora da população. Apesar de “coisa pública”, a República nascia profunda-
mente antidemocrática. Pessoas instruídas da época, como o francês Louis Couty, ao analisar a situação sociopolítica da po-
pulação, não pestanejavam em afirmar: “O Brasil não tem povo”. Foi intensa a participação das elites na luta pelo poder político. No instável, breve e desastroso governo provisório de Deodoro
da Fonseca, o chefe de governo teve enorme dificuldade para
conduzir a nação, encontrando oposição por parte de ministros e parlamentares, chegando a fechar o Congresso, em 3 de novem-
bro de 1891. À seguir, face às pressões generalizadas, de civis e, sobretudo, de militares, apresentou sua renúncia, em 25 de no-
vembro, entregando o cargo ao vice-presidente, Floriano Peixoto, seu substituto legal. Floriano Peixoto governaria em meio a tentativas de golpe de Estado, rebeliões militares, agitações, motins de rua e conflitos
civis no Sul do país. O “marechal de ferro”, como ficou lembrado, impôs pela espada o controle dos adversários mais radicais. Apesar de desejar perpetuar-se no poder, sua ação permitiu que, em novembro de 1894, tomasse posse o primeiro presidente civil, o paulista Prudente de Morais, representante da oligarquia cafeicultora paulista. A fragilidade política era agravada pelos problemas econômicos vividos no Brasil. As últimas décadas foram marcadas pela crise acentuada da balança comercial de muitos produtos exportados, apesar de a principal atividade do momento, a produção cafeeira, não ser profundamente afetada. No início dos anos de 1890, o café era responsável por 61,5% das exportações, contrastando com os 9,9% das vendas do açú-
car, 8% da borracha, 4,2% do algodão e 3,2% dos couros e peles. O desequilíbrio entre o Sudeste cafeeiro — no qual desponta51 =
BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL Pa. ARLINDO MARCON ARBOSA « RS
va a industrialização — e as outras regiões do país, menos favorecidas pela produção primária exportadora, agravava os problemas inter-regionais.
O Centro-Sul era igualmente privilegiado no relativo aos in-
vestimentos governamentais.
Esses investimentos
em infra-estru-
tura — construção de estradas de ferro; aproveitamento de vias flu-
viais; estabelecimento de ampla rede de telégrafos e outras medidas
visando a melhoria do aparelhamento técnico — acarretaram a ampliação das dívidas para com os bancos e nações estrangeiras. Em 1883, o valor bruto dos empréstimos contraídos no exterior era de 4.599.600 libras. Seis anos depois, em 1889, esse va-
lor quadruplicava. Os problemas financeiros desencadeados pela assustadora dívida eram desmedidos. Em 1898, os representantes brasileiros tiveram de negociar na Inglaterra um empréstimo de salvação, concedido sob estritas condições por parte dos órgãos financiadores. Era o Funding Loan, empréstimo similar aos
atualmente concedidos pelo EMI, para que a dívida continuasse sendo paga, à custa do escorchamento do trabalho nacional À política financeira do novo regime agravou ainda mais a situação. Rui Barbosa, o primeiro a ocupar o cargo de ministro da Fazenda na República, autorizou a emissão desenfreada de papel-moeda, gerando uma sucessão de especulações e negociatas na compra de títulos e ações, beneficiadas pela grave oscilação cambial. Esse processo ficou conhecido como “encilhamento”. À mais grave consegiiência do encilhamento foi a criação de um processo inflacionário que desorganizou as finanças nacionais.
O custo da vida disparou. De 1888 a 1890, os preços dos gêne-
ros de primeira necessidade aumentaram em 62%. De 1891 a 1894, em 118 %.
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52
À face moderna do país. À penetração intensiva de capital estrangeiro, dinamizando a cadência dos negócios e a oscilação das for-
os a lav tro con que po gru do to men eci iqu enr o cou ifi ens int runas, bancos e o comércio. No Rio de Janeiro e em São Paulo, emer-
oróp met das sso gre pro o com s ado fic nti ide s iai soc pos gru m oia les européias. Tempos modernos
As cidades modernizavam-se, ao menos seus bairros nobres. Em pouco tempo, os velhos sobrados neoclássicos do tempo do Império, com suas colunatas, frontões, platibandas vazadas, ornadas com estátuas e ânforas de porcelana, foram substituídas pelos amplos palacetes e chalés, isolados no meio de pretensiosos
jardins, ao estilo europeu. Nos centros, as velhas mansões trans-
formavam-se comumente em pardieiros habitados por uma população empobrecida e carente. Algumas medidas do novo governo provocaram a reação de setores anteriormente intimamente articulados com a ordem imperial. Em 24 de janeiro de 1890, um decreto do paulista Campos Salles, então ministro da Justiça, estabeleceu a obrigatoriedade do casamento civil, a secularização dos cemitérios e a separação da Igreja do Estado. Esses eram alguns dos pontos principais da plataforma republicana. Insatisfeitos com a medida, os religiosos manifestaram publicamente sua oposição. Em 26 de junho, o ministro afirmava que
incorreriam em crime aqueles que se opusessem e resistissem à execução da determinação legal. A celebração do casamento civil
deveria ocorrer antes do religioso. O padre que transgredisse essa
exigência poderia inclusive ser preso.
Essas medidas visavam conferir ao governo sua própria base de legitimidade. A separação da Igreja do Estado retirava da instituição religiosa uma série de responsabilidades e poderes antes 53
por ela monopolizados, sem qualquer contestação. Nesse ponto, os idealizadores da medida seguiam à risca os princípios liberais e positivistas de autonomia total do Estado.
Um outro decreto, de 7 de janeiro de 1890, instituiu o registro civil. Até então, os nascimentos eram anotados nas paróquias,
quando do registro de batismo. Depois da medida, tornava-se obrigatório o registro dos recém-nascidos em cartório, sendo
válido apenas o ato civil. Quanto aos cemitérios, mesmo preservando-se a liberdade de culto, deveriam ser administrados e fis-
calizados pelas autoridades municipais. A Bahia recebeu com hostilidade as notícias da proclamação da República. Após tentativa malograda de reação, o governo federal nomeou Manoel Vitorino para governar o Estado. Essa determinação provocou protestos dos republicanos baianos históricos, e a insistente oposição de políticos locais, especialmente do deputado federal César Zama. No ano seguinte, Manoel Vitorino pediu demissão e o general Hermes da Fonseca, chefe do Exército na região, assumiu o governo. Logo depois, envolvido pelo nepotismo e pelo empreguismo, Hermes da Fonseca sucumbiu às pressões, renunciando ao cargo. Segundo César Zama, na “Bahia, como no Rio de Janeiro, a República foi obra de uma parte da guarnição”. À oligarquia tradicional dividiria o poder de mando no Estado. Beneficiados pela máquina eleitoral montada em seus redutos políticos, os representantes das elites fundiárias passaram a controlar o governo. José Gonçalves, aliado de um dos mais influentes latifundiários — o barão de Jeremoabo —, administrou
intermitentemente o Estado, sendo ora aliado, ora adversário de
Luís Viana, outro importante representante da aristocracia, elei-
to governador em 1896. Na Bahia, o controle do poder local sempre se manteve instável, demonstrando a enorme dificuldade da elite baiana em 54
estabelecer um projeto político homogêneo. Esse fenômeno expressava as dificuldades econômicas vividas pela região. A situação geral do Estado contrastava abertamente com a do Sul e do Sudeste. A economia baiana conhecia decadência estrutural. Os principais produtos da região — o açúcar e o cacau — não alcançavam receitas significativas na produção nacional. Em 1897, a partici-
pação da Bahia nas exportações nacionais era apenas de cinco por cento. Agravando esse quadro, em 1896, a crise da produção cafeicultora interrompeu a imigração dos sem-terra e sem-trabalho para o Sudeste. Às calamidades periódicas provocadas pelas secas geravam o inexorável empobrecimento e a marginalização de grupos pertencentes às comunidades agrícolas do interior. O governo do “cão”
À abolição da escravidão foi saudada por Antônio Maciel. Ao
contrário, como não podia deixar de ser, a proclamação da Re-
pública desgostou-o profundamente. Como todo bom cristão, Maciel aprendera a respeitar e reverenciar o Império e o imperador, representante de deus na terra e defensor da religião entre os homens. O caráter laico do novo regime, o reconhecimento do casamento civil, a separação da Igreja do Estado, a nacionalização dos cemitérios, o reconhecimento dos direitos religiosos dos
outros crentes — entre eles os protestantes e os judeus, odiados, execrados e caluniados pelo clero católico — impressionaram-lhe profundamente. Era o mundo que:se dessacralizava, virado de pernas para o ar. Nesse ponto, como em outros, Antônio Maciel manifestava sua formação tradicional dentro do catolicismo. Antes de acomodar-se à República e à nova situação, a alta hierarquia católica combatera ativamente a separação da Igreja do Estado e a liberalização da prática religiosa no Brasil, desenvolvendo uma bb)
ativa pregação e agitação contra aquelas medidas, sobretudo en.
tre a população pobre do interior. A posição do pregador sertanejo colocava em evidência as profundas modificações então operadas nas formas tradicionais de governo e de gestão da sociedade. A República não oferecia aos sertanejos e à população em geral melhores alternativas de vida. Pelo contrário, provocava a pauperização pelo acúmulo de
novas obrigações e impostos. Nos anos seguintes ao fim da Monarquia, imensa parcela da população livre e pobre viu suas con-
dições de existências decaírem invariavelmente e as populações rurais tendiam a responsabilizar o regime republicano pela difícil situação. É compreensível que, para um católico fervoroso como Antônio Maciel, as dificuldades fossem entendidas como resultado
da separação entre as coisas públicas e as coisas de deus. A Monarquia fora o governo de Deus na terra! A República transformava-se no governo do “cão” — ou seja, do demônio. Na Bahia, a crise era ainda mais profunda. As rendas produzidas pelas exportações decafam sem cessar. As elites baianas tentaram suprir essa queda aumentando os tributos sobre a po-
pulação, criando novas taxas e aumentando as existentes. O
desequilíbrio econômico-financeiro e à própria inflação implicavam no aumento da cobrança de impostos. Portanto, au-
mentava a pressão sobre os municípios e destes sobre a popu-
lação, agravando ainda mais as desigualdades e a exploração. Garantida pela Constituição de 1891, a autonomia muni cipal permitia que as elites locais vergassem a população rural
empobrecida com novos tributos. Desde 1893, os municípios ficaram autorizados a cri arem e a cobrarem novos impostos. O historiador Marco Vil
la lembra que, para a sofrida massa rural, a República passou à ser sinônimo de miséria, opressão,
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imposto, fome e morte.
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A elevação e a cobrança de novos impostos seriam sobretudo odiadas por uma população que praticava largamente uma eco-
nomia natural e de trocas. Portanto, uma população que possuía escasso poder monetário. À forma direta da cobrança tornava
transparente a exploração praticada pelas elites.
A pressão fiscal sobre a população sertaneja baiana aumentou
consideravelmente após a República. Nos anos de 1890-1900, a
arrecadação estadual fora praticamente 50% superior à do quingiiênio 1875-1879. Porém, no período caíra significativamente as receitas provinciais provenientes das taxas sobre as exportações. Uma situação que se explica somente a partir dos pesados impostos municipais e estaduais então praticados ou pelo reajuste dos impostos desvalorizados pela inflação. Os dois fenômenos seriam profundamente dolorosos para uma população
rural — como vimos — praticando uma economia profundamen-
te natural e escassamente monetária, para a qual a inflação seria um fenômeno incompreensível, se não maligno. Antônio Maciel pronunciaria-se contra a República, em suas
prédicas, desde 1889. A perseguição movida contra ele aumentou sobretudo após ter o clero, por ordens superiores, cessado de opor-se ao novo governo, reconhecendo sua legitimidade. Em 1897, Nina Rodrigues escrevia: “[...] Antônio Conselheiro tinha chegado a viver em perfeita harmonia com os párocos de algumas freguesias. Mas, em seguida ao reconhecimento da República, foi-se estabelecendo de novo profundo desacordo entre eles. Conta-se que, lhe tendo alguém objetado que tanto não era maçônico o governo republicano que o Papa tinha aconselhado o clero francês a reconhecê-lo, declarou Antônio Conselheiro que se o Papa tinha, de fato, dado semelhante conselho, o Papa tinha andado mal”. O líder e aconselhador das populações sertanejas era inquiri-
do e pronunciava-se sobre o caráter da nova ordem e, sobretudo,
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4
57
sobre a legalidade dos novos impostos. Portanto, pronunciava-se sobre as coisas de Deus e sobre as coisas de César. Nas feiras da
região, os que quisessem vender ou comprar deviam pagar taxas
aos arrecadadores. Certa vez, na pequena cidade de Chorrochó, os fiscais haviam exigido cem réis de uma sertaneja pobre para
que pudesse expor uma esteira, com um valor que não superaria
oitenta réis. Ao entardecer, o pregador não deixou de referir-se ao abuso: “Eis aí a República, o cativeiro, trabalhar somente para o governo. É a escravidão anunciada pelos mapas
que começa.
Não viram a tia Benta, é religiosa e branca, portanto a escravidão
não respeita ninguém”.
Não dar a César o que é de César
Esse tipo de discurso teria grande acolhida entre a população cabocla. Segundo parece, três ou mais partidas policiais teriam
sido enviadas contra Antônio Maciel, sem maiores resultados. As
elites baianas compreendiam perfeitamente que a resolução das dificuldades econômicas através da espoliação das classes populares motivava uma antipatia difusa para com a República. Uma vez mais, o médico baiano Nina Rodrigues demonstrava conhecer os problemas que afetavam as pessoas comuns do interior. Segundo ele, “... para essa população o raciocínio não
pode ir além da comparação da situação material do país antes e depois da República. A Monarquia era os víveres baratos, a vida fácil; a República é a vida difícil, a carestia dos gêneros alimentiícios, o câmbio a zero”. No interior da Bahia, na falta de jornais, os editais de cobrança
dos impostos votados pelas municipalidades eram afixados em painéis, nas praças das aglomerações. Em 1893, na vila de Bom Conselho, os conselheiristas queimaram as tábuas e os editais em
uma fogueira. O mesmo teria ocorrido em diversas outras locali-
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O ato rebelde expressaria um profundo movimento subter-
-Aneo de insatisfação popular contra a nova ordem e os novos impostos. Os pronunciamentos do pregador teriam determinado um movimento bem mais amplo do que se acredita. Em diversos municípios, o pagamento das taxas foi interrompido. À
pregação do Conselheiro interpretava uma profunda e sentida reivindicação da população — a isenção de impostos. Porém, não conhecemos a extensão temporal e geográfica desse movimento
de desobediência civil. Com a destruição dos editais, Antônio Maciel e seguidores transgrediam pela primeira vez claramente a ordem civil. Mesmo
se não reconhecessem o novo ordenamento constitucional, come-
tiam um delito, punível pela lei instaurada pelo poder constituído e reconhecido como legítimo em todo o país: o de destruir um bem público e incentivar a população à desobediência das autoridades e da ordem estabelecida. Consciente da gravidade dos atos praticados, o líder religioso abandonou Bom Conselho com seus seguidores. Arlindo Leoni, juiz de Direito da comarca, requereu pron-
tamente ao governador que enviasse tropas contra o agitador. O governador baiano Rodrigues Lima expediu da cidade de Salvador trinta e cinco praças, bem armados, sob o comando de um tenente — Virgílio de Almeida — para prenderem Antônio Maciel, de uma vez por todas, e desbaratar sua gente, pondo fim às estripulias do “agitador” e à resistência às imposições governamentais.
O ataque das tropas policiais aos rebeldes ocorreu em Masseté, localizada entre Cumbe e Tucano. Todos estavam certos de uma vitória rápida e segura, conquistada sobre um triste séquito de beatos, velhas, crianças e penitentes. Os seguidores de Antônio não seriam mais de duzentas pessoas.
Temos pouca informação sobre o primeiro choque entre os
conselheiristas e a força policial. O certo é que, na noite de 26 de 59
maio de 1893, o destacamento enviado foi desbaratado pelos
sertanejos armados de bacamartes, porretes, facões e outras armas
de ocasião. Segundo o pesquisador José Calasans, há menções inclusive ao uso de arco e flecha por parte dos atacados, o que
sugere a presença de nativos ou mestiços de nativos entre os adep-
tos do peregrino.
Ainda que a disposição bélica da tropa fosse escassa, já que era
possivelmente formada por homens arrolados à força e em geral com os soldos atrasados, ela estava regularmente armada e trei-
nada. É difícil supor que a vitória dos conselheiristas se devesse apenas ao fervor místico dos combatentes. Não era habitual que beatos e romeiros derrotassem partidas policiais. Já assinalamos que após a formação do arraial de Belo Mon-
te, Antônio Maciel formou a Companhia do Bom Jesus, com-
posta sobretudo por fervorosos, dedicados e bem armados seguidores do sexo masculino. Ela foi a espinha dorsal da resistência conselheirista durante o prolongado sítio militar organizado por sucessivas expedições. É crível que ao menos o núcleo central da
organização — com esse ou com outro nome — tivesse sido constituída, havia alguns anos, talvez após a prisão de Antônio Maciel, certamente após 1886. Quando a noticia da derrota foi conhecida em Salvador, o governador Rodrígues Lima solicitou ao presidente da Repúbli-
ca, marechal Floriano Peixoto, a ajuda federal para combater os
rebelados. Uma nova expedição, agora com oitenta soldados da guarnição de linha, seguiu até Serrinha. Em uma reunião governamental, as autoridades acharam mais prudente interromper o ataque, desistindo de reprimir os sertanejos. Certamente contou na tomada da decisão a inconformidade do povo do sertão com
o novo estado de coisas. Os conselheiristas triunfavam em seu primeiro embate com as tropas do governo do “cão”. O sertão escancarava-se, livre, 60
cupro am di Po re. pob te gen sua de e o ni tô An de nte “'menso, dia
rar um lugar para viver, trangúilos, a vida de trabalho e de oração
que escolhiam para si. Para tal, algum tempo depois, deslocaram-
se para uma área semi-abandonada — a Fazenda Velha. No local,
existia um pequeno povoado, de nome Canudos. Ali, o líder religioso fundou o arraial de Belo Monte. No nome do arraial registravam a esperança e a alegria de viver de uma gente trabalhadora que conhecera até então tristezas e sofrimentos sem fim.
61
4. BELO MONTE: A FUNDAÇÃO DA COMUNA MÍSTICA
Em 1893, quando Antônio Conselheiro conduziu os discípulos para Canudos, o povoado era inexpressivo, perdendo-se entre os pequenos vilarejos criados em torno das inúmeras fazen-
das baianas. Entretanto, em um período de quatro anos, Belo Monte se tornaria um dos maiores núcleos populacionais do Estado. Certamente exagerando, alguns autores apresentam-no como o segundo centro populacional do Estado, superado apenas pela capital, Salvador. Com a instalação dos conselheiristas, o arraial passou a ser
conhecido com a nova designação de Belo Monte, nome prenhe de significado transcendente. Ao renomear a comunidade,
o líder conferiu-lhe sentido diverso fundação. O termo adotado indica simbólica da localidade. Enquanto dência e o abandono, Belo Monte
daquele tido desde a antiga a revalorização geográfica e Canudos lembrava a decaapontava para o lugar de
encontro dos eleitos, para a concretização de uma vida melhor. Em contraste com a prosperidade aparente das cidades e aglo-
merações beneficiadas pelas plantações de cana-de-açúcar e ca63
cau, situadas mais para o litoral, a paisagem do interior baiano
denotava a pobreza e o abandono, denunciando as profundas de-
sigualdades entre as áreas costeiras e o sertão, entre os setores li-
gados diretamente à economia de exportação e o mundo de produção subsidiária. O triste aspecto, o tamanho acanhado, as condições de vida miseráveis nos pequenos povoados evidenciavam a estagnação
econômica e as dificuldades enormes vividas pelos sertanejos. Nas comunidades minúsculas, compostas algumas por dezenas ou
poucas centenas de casas simples, em torno de uma rua princi-
pal, alguns pontos comerciais e uma capela ou igreja, agrupavamse moradores pobres, envolvidos com o pequeno comércio, com
um artesanato rústico, com o trabalho da terra nas fazendas circunvizinhas.
O arraial de Canudos não era exceção. Surgido no século dezoito, desenvolvera-se em torno de uma fazenda típica. O nome do povoado fora extraído de uma planta das imediações, o canudo-de-pito. Para alguns estudiosos, em 1893, Canudos contava com pouco mais de cingienta casebres erigidos nas imediações de uma velha igreja, de uma casa-grande e de alguns pontos comerciais. Era habitado por uns duzentos e cingiienta moradores,
que viviam das habituais atividades de subsistência das comuni-
dades rurais pobres.
Sua localização geográfica era típica do sertão. Situado a
aproximadamente 270 quilômetros de distância da capital do Estado, distanciado das planícies da região costeira, o povoado era circundado por excepcionais irregularidades do relevo,
destacando-se grandes serras e montanhas, como a Serra Grande, a de Atanásio, a de Cambaio, a de Coxomongó, a de Calumbi e a de Aracati. Nas proximidades imediatas do arraial
de Belo Monte, estava situado o morro de Favela. Favela é o nome de um vegetal existente no sertão baiano. Havendo gran64
bh aro
nur
de quantidade de favelas no cerro, ele foi batizado com o nome do vegetal.
No sopé do morro de Favela, os conselheiristas elevaram suas “esidências. Não deixa de ser significativo que foram as cabanas de barro e taipa espalhadas nas encostas que serviram de referencial
para dar nome aos casebres miseráveis dos nordestinos que, a partir
de inícios do século 20, migraram para o Rio de Janeiro e instalaram-se nos morros da então capital federal. Também neste caso, a realidade da vida sertaneja do século passado guarda semelhança com a realidade das populações miseráveis atuais, cada vez mais numerosas. O solo da região era seco e pedregoso. À vegetação era constituída por árvores, arbustos e leguminosas típicos de áreas semiáridas. Nos campos gerais, nos tabuleiros, nas caatingas, nas matas
e nos cerrados agrestes germinavam as macegas, bromélias, macambiras, umbuzeiros, catingueiras, alecrins-dos-tabuleiros,
caroás e gravatás, adaptados à falta d'água. Iratava-se de uma
paisagem triste, rude, monótona, característica de zonas de ele-
vadas temperaturas e de clima seco. Nas proximidades de Canudos, corriam os rios Itapicuru e principalmente o Vaza-Barris. Rios é quase uma forma de dizer, já que o nível das águas mantinha-se apenas no período das chuvas. Durante o resto do ano, eles podiam ser cruzados a pé. Apenas aqui e alí resistiam alguns depósitos de água. À cidade sertaneja desenvolveu-se justamente na parte mais larga do rio,
beneficiando-se com as águas de suas “cheias”.
Costumeiramente, no sertão, o período de chuvas ocorre entre
dezembro e maio. Os sertanejos dão o nome de “trovoadas” aos
temporais rápidos e violentos, essenciais para a revitalização dos leitos de rios e riachos e para o acúmulo de água em tanques e cacimbas. Durante o período de estiagem, quente e seco, eles fornecem o único estoque do precioso líquido. 65
Nem
uma gota
Em geral, nesses sertões, a variação de temperatura oscila entre um calor excessivo durante o dia e noites bastante frias. No período de estio, durante o dia, o sol queima a pele e ofusca a visão e a temperatura pode subir até 38º C. As noites, ao contrário, são enregeladas. Havia também — como há ainda hoje — o flagelo das secas. Podemos mesmo falar de um ciclo de secas no sertão nordestino
que assolou periodicamente as populações rurais desde pelo menos o século 18. As principais secas ocorreram em 1710-1711, 1723-1727, 1736-1737, 1744-1745, 1777-1778, 1808-1809,
1824-1825, 1835-1837, 1844-1846, 1869-1870, 1877-1879 e 1888-1889, sem mencionar as do século 20. Nesses momentos,
além do martírio provocado pela carestia e fome, havia o desenraizamento pelas migrações. À seca de 1877-1879, uma das piores do século 19, expulsou multidões de sertanejos em direção das cidades do litoral e das regiões do Norte e do Sudeste.
Somente no Ceará, durante a seca de 1877, teriam morrido
em torno de 64 mil pessoas. Para evitar as eventuais “violências” dos retirantes agrupados e solidários na dor, os governantes promoviam programas de incentivo à emigração para homens, mu-
lheres e crianças reduzidos à miséria absoluta, é expostos aos piores tipos de moléstias. Os corpos malnutridos e as péssimas condições higiênicas favoreciam as doenças infectocontagiosas. Era enorme o contin-
gente de vítimas de epidemias de varíola, cólera e catapora. Na Bahia, entre 1855-1857, umas trinta mil pessoas foram vitima-
das pelo cólera. Na década de 1880, os programas de vacinação contra a catapora foram suspensos em virtude da falta de vaci-
nas, devido à falta de recursos. Comissões de assistência distribuíam roupas, suprimentos e sementes para os flagelados. As embarcações ferroviárias ou flu-
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pa
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viais transportavam carregamentos de emergência com alimen-
tos, principalmente carne-seca, mandioca, milho e feijão, sempre insuficientes para O exército de desvalidos que se aglomerava nas ruas e praças das cidades.
A fome, a desnutrição e a exposição às doenças não se restrin-
giam aos períodos de crise aguda ou de graves oscilações climáti-
cas. Em geral, as condições de vida dos sertanejos pobres eram
bastante precárias, tornando-os vítimas de diferentes doenças. Na
primeira década do século 20, o médico Belisário Pena percorreu as áreas rurais do interior, examinando milhares de homens e mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos. Ele deparou-se com
um quadro clínico assustador. As populações do interior estavam
expostas a doenças e a problemas de saúde como cobreiro, ane-
mia, paralisia, deformidades físicas, convulsões, tumores, eczemas, retardamento congênito, lepra, varíola e elefantíase. O sertão
apresentou-se aos seus olhos do médico espantado como um verdadeiro pátio dos milagres. Em meados do século 19, menos de cinco por cento da população rural possuía terras. Paralelamente ao processo de crise do sistema escravista, diversas leis procuraram regular as formas de acesso à propriedade, proibindo a distribuição gratuita de terras às comunidades necessitadas, restringindo as possibilidades de
aquisição pelas camadas pobres e facilitando a concentração fundiária das oligarquias locais, sobretudo através da apropriação de terras públicas e devolutas.
Em 1895, o governo baiano promulgou a Lei nº 86, que esta-
belecia como devolutas as terras que não tinham uso público, as de domínio particular sem título legítimo, as posses que não se fundassem em documentos legítimos, os terrenos de aldeias na-
tivas extintas por lei ou pelo abandono dos habitantes.
Dois anos depois, a Lei nº 198, de 21 de agosto de 1897,
declarava terras devolutas as que não tivessem título legal e as que 67
não fossem legalizadas em tempo hábil. Ambas as leis fragilizavam
a situação dos ocupantes pobres de terras familiares não comprovadas por documentos, que ficavam sujeitos a perdê-las a qual. quer momento mediante a pressão dos grandes fazendeiros. Ao mesmo tempo, forçavam os posseiros a permanecer dependentes e atrelados aos personagens politicamente influentes. O repouso dos justos
Nesse contexto geral, para os adeptos e simpatizantes do líder religioso, o arraial de Belo Monte transformou-se numa espécie de terra da promissão”, à margem da Terra de todos os males, garantida pelo latifúndio e pela República. Como é comum nessas situações, a proposta reformista religiosa de Antônio Maciel ultrapassou as fronteiras das classes subalternas. Temos registros de pequenos, médios e alguns grandes fazendeiros que venderam suas propriedades e transferiram-se para o interior do arraial. Os males sociais não deixam de agoniar a vida mesmo daqueles que algo têm. A fama de Antônio Conselheiro, crescente no decurso dos
vinte anos de peregrinação pelos povoados, vilarejos e cidades dos
sertões, atraiu pessoas de inúmeras comunidades rurais baianas e de outros Estados nordestinos. Localidades como Queimadas e Itapicuru de Cima foram abandonadas por centenas de morado-
res, que se transferiram para a “cidade santa”. Para lá afluíram
populares de Inhambupe, Tucano, Cumbe, Bom Conselho, Natuba, Maçaracá, Monte Santo, Uauá, Entre Rios, Mundo Novo, Jacobina, Itabaiana e outros núcleos populacionais distan-
tes, dos Estados de Sergipe e Ceará.
Pelo alto das colinas, estradas e caminhos, deslocavam-se gru-
pos de crentes em busca da cidade famosa. Algumas pessoas traziam Os pertences que não conseguiam vender. Outras carrega-
vam em redes os parentes enfermos em busca do milagre
impossível. Vinham pequenos criadores, vaqueiros, mães de fa-
pure
e, ses pos as uc po s ma gu al m co s soa pes e vas viú , mília e seus filhos radas de est as Pel ra. bei m ne a eir m se s oa ss pe , te en lm ra ge mais
Calumbi, Maçaracá, Jeremoabo e Uauá transportavam-se mane ha in Ra da va No a Vil mo co s de da ci de os ad vi en s to en «m Alagoinhas, pelos admiradores de Antônio Maciel. O enorme contingente populacional foi o responsável direto pela ampliação na dimensão espacial do sítio original da fazenda
de Canudos. A área ocupada pelos conselheiristas em Belo Monte passou a ser de pouco mais de cinquenta hectares. Em 1895, a população oscilava entre cinco e oito mil habitantes. Em 1897,
uma comissão de engenheiros militares ligados à expedição destruidora avaliou a existência de 5.200 casas, o que em média corresponderia a uma população de aproximadamente 26 mil
habitantes. Como nem todas as casas eram efetivamente habitadas, esses
levantamentos podem não corresponder à realidade. Há quem afirme que a população total chegou a 35 mil moradores. Outros defendem um número máximo de quinze mil. Alguns
observadores estimavam um número bem menor de casas e, portanto, de habitantes.
Em 1897, o capitão Manuel Benício, correspondente do /ornal do Comércio, comentava a esse respeito: “As casinhas vermelhas cobertas de barro da mesma cor salpicavam a esplanada desordenadamente em número de mil, pouco mais ou menos. Euclides da Cunha estimava a existência de duas mil casas. O historiador Marco Villa propõe que o número de habitantes apresentado pelo Exército seja exagerado. Com a superestimação, a oficialidade procuraria justificar os sucessivos fiascos das forças armadas durante a guerra contra os caboclos. De qualquer modo, mesmo reduzindo a estimativa oficial, a comunidade em pouco tempo contava com um volumoso contingente populacional para uma aglomeração sertaneja.
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Os moradores do efêmero arraial pertenciam a grupos étni.
cos ea estratos sociais bastante heterogêneos. Os registros docu-
mentais e os testemunhos contemporâneos indicam a existência de indivíduos de cor branca, negra, mas sobretudo de grupos mestiços. Majoritariamente, ali se encontravam pardos, cafuzos e mamelucos, oriundos da mestiçagem sucessiva entre brancos,
negros e nativos. Esses traços, aliás, correspondiam à composi-
ção genérica do processo de formação étnica dos sertões nordes-
tinos. O caboclo constituía o resultado do complexo amálgama iniciado com a colonização brasileira. Constituía à prefiguração
do brasileiro “tipo”. Perfil típico do brasileiro negado, pois temi-
do e abominado, por Euclides da Cunha, em Os sertões - campanha de Canudos, devido aos desvarios raciais do autor. O arco-íris dos justos
E igualmente atestada a presença nativa em Belo Monte. Mui-
tos dos populares que acorreram ao arraial levavam nas veias o sangue dos habitantes originais da região. Ela pode ser confirmada na predominância de vocábulos de origem autóctone em denominações geográficas como Pambu, Patamoté, Uauá, Bendengó, Cu mbe,
Cocorobó, Xiquexique, Jequié, Catolé e outras. Há fortes indícios da existência de nativos não miscigenados no “arraial santo”. Algumas tradições dos caimbés de Maçacará e dos quiriris de Mirandela subsistiram na comunidade, tendo lá inclusive vivido e morrido seus dois últimos pajés. Entre os vestígios encontrados no sítio arqueológico de Belo Mont e há instrumentos e objetos tipicamente indígenas. Pesquisas recentes demonstram cada vez mais 2 participação,
na comunidade religiosa baiana, de negros e ex-cat ivos, entre os conselheiristas e entre os chefes da resistência. José Calasans, o maior estudioso contemporâneo dos documentos referentes à Ant
ônio Conselheiro e ao arraial sertanejo, recenteme nte faleci70
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do, defende a idéia de que “Canudos foi o nosso último quilombo”. Essa sensível definição não se refere apenas à composição étnica do arraial. Assinala igualmente que Belo Monte abriu seus braços sem distinção para todos os refugiados e sofridos da sociedade de classes da época. Antes mesmo de fixar-se em Belo Monte, quando da escravidão, Antônio Maciel era seguido — ou ouvido — por cativos e ne-
gros forros. De acordo com os dados demográficos do Recenseamento Geral do Brasil, em 1872, nos onze municípios da Bahia
fazendeiro Antero de Cerqueira Gallo referia-se com o desprezo dos grandes proprietários aos habitantes do arraial chamando-os de “o povo do 13 de maio”, numa alusão direta à libertação da escravidão naquela data.
Porém, nativos e negros puros constituíam a minoria da população. À julgar pelos estudos de demografia realizados pela historiadora Yara Bandeira de Ataíde, apenas 4,95% dos habitan-
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militar conselheirista, entre os quais o célebre Pajeú. Em 1897, o
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de Jeremoabo e Monte Santo, localidades vizinhas do arraial do Belo Monte. Ex-cativos, negros livres e pardos, abandonados à própria sorte após a abolição, encontraram um refúgio e uma razão de ser em Belo Monte. Grupos de ex-cativos instalaram-se no arraial, ocupando uma área significativamente conhecida como “rua dos negros”. Homens negros desempenharam papéis de comando na resistência
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pardas e pretas livres para apenas 36.118 brancos. Isso corresponde a 60% de homens e mulheres pardos e pretos nas camadas pobres. Somando-se ainda a população escravizada desses municípios — umas 177 mil pessoas — percebe-se que tanto a população livre quanto a feitorizada eram compostas em sua maioria de negros e pardos. Nas proximidades de Canudos existiram redutos de mucambeiros. No século 19, havia quilombos nas proximidades
a O
por onde ele atuava, existia uma população de 102.789 pessoas
tes eram negros puros. Proporcionalmente, eram numericamen. te inferiores aos brancos puros, que somariam 15,15%, e principalmente aos mestiços, majoritários.
Poderíamos denominar maioria esmagadora dos conselheiristas como “morenos acaboclados”, mulatos, “escuros” e caboclos, reve. lando os caracteres físicos típicos do sertanejo nordestino: cabelo corredio duro ou levemente ondulado, estatura mediana ou baixa — os homens tendo, em média, 1,57m e as mulheres, entre 1,45 e 1,52m.
Quanto à origem social dos adeptos do Conselheiro, parece não haver dúvida de que, em sua maioria esmagadora, provinham
dos estratos mais humildes da sociedade de então. Havia comer-
ciantes e pessoas de posses em Belo Monte. Porém, constituíam parcela inexpressiva. Homens como Antônio da Mota, Joaquim Macambira e especialmente Antônio Vila Nova tornaram-se chefes militares ou administrativos e ativos negociantes. Havia professores, enfermeiros e um médico no “arraial santo”. Mas a maior parte dos habitantes desempenhava atividades vinculadas aos ofícios artesanais: pedreiros, cozinheiras, mestrede-obras, pequenas vendedoras etc. A comunidade dava abrigo aos deserdados, recebendo um grande número de camponeses
analfabetos, pastores e vaqueiros das caatingas, fugitivos e valentões locais, hábeis no manejo das armas, que seriam designados
de forma pejorativa como jagunços. À distribuição e a organização do povoado assemelhavam-se às demais comunidades sertanejas vizinhas. Porém, no arraial de Belo Monte, o forte crescimento populacional determinou uma
apropriação aparentemente caótica do espaço habitado. Em geral, as casas construídas possuíam quarenta metros quadra dos de área. Eram feitas de barro e madeira, com dois ou três comparti-
mentos, cobertas com folhas de plantas locais . Possufam uma porta é pequenas aberturas laterais servia m de janelas. /2
Casinhas de barro
, s i a t n e m a n Alvim r e s v a o p g o s o r a ã t l s e a p v n s i ó , a Em 1897 ap
s nte uda est de ipe equ da es ant egr int dos um , es ad rc Ho s Martin 44 Faculdade de Medicina da Bahia que prestou atendimento
veu cre des e, at mb co do ais fin os nt me mo nos s ido fer aos médico mui as uíd str con as cas as as tod m ra “E os: ocl cab dos as adi as mor rra ama s sso gro s pau m co tas fei s ede par as do sen e, ent to toscam
s ma gu al de os tet Os . nco bra ro bar de os ert cob e as inh var dos sob eram de folhas de icó e palhas cobertas de barro, também branco com pedrinhas roliças. Tinham apenas uma sala, um quarto e um compartimentozinho que servia de cozinha e sala de jantar ao mesmo tempo. Algumas havia que tinham espessas paredes, po-
rém arranjadas na ocasião da investida feita pela força (Exército),
pois constavam elas de uma sólida estacada cheia de grandes pedras que impediam a perfuração por qualquer projétil”.
O mobiliário era rústico e reduzia-se a três ou quatro peças. Pedaços de lenha serviam de móveis improvisados. Suportes de madeira substitufam camas ou mesas. Havia ainda redes de dor-
mir, banquetinhas, cestos de palha trançada, recipientes de cou-
ro ou cabaças para guardar água. Os alimentos eram preparados
em fogueiras feitas de graveto, a céu aberto, em que três ou qua-
tro pedras substituíam o fogão. Comia-se em pratos ou recipientes fabricados em barro, madeira ou lata.
Os homens vestiam calças de algodão listrado, camisas gros-
seiras, gibão, coletes e jaquetas de couro curtido e sandálias de couro cru. Às camisas, camisões e vestidos das mulheres eram fabricados no próprio local, com fibras conseguidas nas vizinhan-
ças. Elas também podiam ser adquiridas no comércio local.
Os homens de confiança de Antônio Maciel, integrantes da Companhia do Bom Jesus e da Guarda Católica, vestiam calças e camisas de algodão azul, cobriam a cabeça com um gorro azul e calçavam alpargatas. Enfim, vivia-se no desconforto e na rusti-
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cidade, sob padrões de sobrevivência bem conhecidos dos pobres do sertão. Havia porém uma importante diferença. Em Belo Monte não havia fome e imperavam a solidariedade e a autono-
mia populares. No centro do arraial localizavam-se as edificações mais imponentes: a igreja velha e a igreja nova — inacabada — as casas comer. ciais e as moradias dos personagens mais importantes do lugar. Eram
habitações maiores, melhor aparelhadas e distintas das demais por serem cobertas com telhas, superiores nas dimensões às habitações comuns. Destacavam-se ainda o cemitério planejado por Antônio Maciel e a casa fortificada, dentro da qual o Conselheiro permane-
cia boa parte do tempo retirado — o “Santuário”. Era grande a preocupação do líder religioso com a instrução dos moradores. Dando continuidade ao trabalho pedagógico
iniciado décadas antes no Ceará, Antônio Maciel mandou. cons-
truir escolas em Belo Monte, dirigindo-as pessoalmente. Mandou trazer da cidade de Souré um professor de nome Moreira, que morreu pouco antes da deflagração da guerra. Para substituílo, foi contratada Maria Francisca de Vasconcelos, uma jovem de 22 anos, que estudara na Escola Normal de Salvador. Proibida pela família de casar-se com um jovem trabalhador de origem humilde, Maria Francisca fugira com ele, indo morar inicialmente em
Souré e, depois, em Belo Monte. Poucos e estreitíssimos becos entrelaçados separavam os casebres. À rua principal, situada no centro da comunidade, chama-
va-se Campo Alegre. Outros becos ou ruelas — a dos Caboclos, da Caridade, do Cemitério, da Professora — indicavam pontos significativos para os habitantes, Ao contrário, a rua dos Negros
assinalava uma ocupação populacional étnica bem delineada no
interior do reduto sertanejo.
O zoneamento urbano, o material com que era construída,
tudo fazia com que a povoação quase se co nfundisse e se
mimetizasse com o meio de onde se levantava. À distribuição não cimétrica das casas e a comunicação feita através dos pátios e caminhos irregulares chocavam-se com o urbanismo racionalista das cidades litorâneas, que procuravam seguir o modelo urbanístico
europeu. Ao contrário, elas lembravam importantes centros urbanos do Sudão Ocidental, na Africa, onde as cidades eram muitas
vezes formadas por vilas, que se aglutinavam, metamorfoseandose em bairros. A configuração espacial de Belo Monte certamente provoca-
va um impacto visual nos espectadores acostumados com as aglo-
merações ocidentalizadas do litoral. Um deles, o frei João Evangelista do Monte Marciano, chegou a compará-la com um “acampamento de beduínos”, registrando seu profundo preconceito com as populações e a cultura sertanejas. Nos pontos comerciais, e na feira ao ar livre realizada sema-
nalmente, vendiam-se e compravam-se os gêneros básicos de
consumo característicos da região, os gêneros alimentícios — queijo de leite de cabra, goiabada, cebola, alho, rapadura, farinha, carne-seca —, utensílios e instrumentos domésticos — cestas, ferramentas — e até mesmo armas. À moeda utilizada no Império e na República circulava livremente em Belo Monte. Pouco
dinheiro
A quantidade de dinheiro circulando jamais foi expressiva. As condições gerais de vida eram precárias e era baixo o nível de
desenvolvimento da produção e da economia monetária na re-
gtão. Comumente, os sertanejos realizavam seus intercâmbios pela
troca simples e direta, sem utilizarem a moeda como meio intermediário de troca. Com o tempo, Antônio Vila Nova, o mais importante co-
merciante conselheirista, criou um vale impresso amplamente aceito nas localidades vizinhas, que acabou substituindo o diZ
nheiro nas trocas. Também neste caso, o arraial de Belo Monte ofereceu alternativas para seus moradores que se tornavam au.tônomos frente ao sistema dominante e à sociedade de classes
da época. É importante lembrar que o privilégio da emissão de moeda é um monopólio dos Estados independentes mais Cio-
samente defendidos. Também a vida econômica regia-se por princípios diferencia-
dos dos tradicionais. No momento em que ingressavam na cida-
de, os recém-chegados doavam “parte” de seus bens a uma caixa comum. Isso não quer dizer que a noção de propriedade fora abolida. Mantinha-se o direito de propriedade sobre a produção familiar, alguns bens, e determinados integrantes vinculados ao comércio acumularam bens e riquezas. À existência de um fundo comum garantia a manutenção da parcela da população que não tinha meios próprios para subsistir dignamente e financiava a estrutura administrativa rudimentar do arraial. Em vez de socialismo ou igualitarismo absoluto, incompatíveis com o próprio nível de desenvolvimento material e espiritual daquele grupo, é preferível pensar na existência de um comunitarismo fundado na idéia da solidariedade coletiva. Nas imediações do povoado, praticava-se a caça e cultivavamse gêneros alimentícios — milho, feijão, batata, batata-doce, abóbora, melancia, melão, cana-de-açúcar. Abundava, nas proximidades do rio Vaza-Barris, o umbuzeiro, cujo fruto era bastante
apreciado por conter bastante líquido. Havia ainda as mangabeiras
e várias espécies de palmitos e coqueiros, que serviam de “celeiro” para os habitantes. O trabalho agrícola baseava-se na exploração comunitária do solo através de mutirões — realizados quando da semeadura, na limpeza da roça, no plantio e na colheita. Essa forma de cooperação foi elemento fundamental durante à exis tência da comunidade. Ela permitiu que cada indivíduo particip asse diretamente
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s ma ni mí s õe iç nd co do in nt ra ga , de da vi na manutenção da coleti . s o d o t a r a p a i c n ê v i v e r b o s Je
a s t e s e r r o p d a r o l, m os ia o ra d ar a o z n i l o a h e l r Além do traba
vam serviços nas imediações. Dando mostras de manter boa relação com pelo menos determinados fazendeiros, Antônio Maciel
ncentivava os integrantes de seu rebanho a venderem a força de crabalho nas propriedades rurais das vizinhanças, em troca de pagamento diário. Parte dessa renda terminaria na caixa comum. Os conselheiristas contavam com a entrega de bens por parte de admiradores e constantemente solicitavam a doação de mantimentos e equipamentos, esses últimos empregados na constru-
cão da igreja nova, aos comerciantes e fazendeiros abastados da região. Por motivos óbvios, os proprietários certamente contribuíam prontamente com o pedido. A pecuária representou a principal atividade econômica do arraial. Além da criação de gado bovino e eqiino, Belo Monte possuiu significativo rebanho de cabras e bodes, comerciando largamente os produtos deles derivados — leite, carne e principalmente couro — nas vilas e cidades próximas. As peles eram curtidas com o sal e o sumo da casca da planta chamada favela. Em seguida, eram levadas para Juazeiro, cidade próxima do rio São Francisco, para serem transportadas de trem até Salvador. Daí, eram vendidas até mesmo para o exterior.
Na beira do rio Vaza-Barris, existiam quatro curtumes e pelo
menos três casas comerciais negociavam exclusivamente com o couro, que se tornou a mercadoria mais valiosa nos intercâmbios
econômicos realizados por negociantes como Joaquim Macambira, homem bem relacionado fora do povoado. Longe, pois, de representar a estagnação, o atraso e o isolamento, a comunidade de Belo Monte integrava-se às condições do sertão, dando mostras de grande
vitalidade e demonstrando amplas possibilidades de articulação com os demais povoados e aglomerações locais. 77
A vida é uma festa
A vida urbana organizou-se rapidamente. O consenso e q
coesão garantidos pela adesão à pregação religiosa regia as linhas
gerais do comportamento da população. Segundo muitos relatos, ali não se bebia e não se jogava. Segundo Euclides da Cunha, certa
vez o líder mandou destruir a machadadas os barris de um carregamento de aguardente chegado de Juazeiro, expulsando a seguir
os tropeiros que tinham introduzido a mercadoria. Entretanto,
temos referência à ingestão de bebidas alcoólicas no arraial, o que
se coaduna mais com a tradição do sertão brasileiro. A prostituição não era admitida. Porém, a vida sexual dos habitantes da aglomeração não era rígida. Como era e é normal entre as comunidades rurais brasileiras, o concubinato e as uniões livres eram toleradas e bastante difundidas.
Havia uma cadeia, chamada “poeira”, cujo próprio nome talvez indique que era pouco utilizada. Ela servia apenas para reprimir pequenas faltas. Quando ocorriam delitos e crimes mais graves, os responsáveis eram banidos da comunidade ou entregues às autoridades da comarca de Monte Santo. Como jamais se arrogou indevidamente poderes eclesiásticos, Antônio Maciel procedeu do mesmo modo em relação ao poder civil. A vida cotidiana dos habitantes esteve profundamente associada ao sagrado. À comunidade era concebida como um espaço reservado aos eleitos de Deus. Uma terra em que corria um “rio
de leite”, com “barrancos de cuscuz de milho”, isto é, um local
de abundância e felicidade, em relação ao mundo circunvizinho conhecido pela população cabocla. O aspecto da montanha de Piquaraça, a uns cem quilômetros de Canudos, levou o missionário católico Apolônio de Todi, no final do século 19, a compará-la com o Calvário de Jerusalém, em que Jesus foi crucificado. Uma capela foi erigida nas proximidades e o local passou a ser chamado de Monte Santo. Como /8
das o oi ap de os nt po is pa ci in pr dos um foi o nt Sa e nt veremos, Mo
expedições lançadas contra o arraial conselheirista.
Podemos nos fazer uma pergunta: de maneira similar, o nome ngu se , de on a par r, bo Ta e nt mo ao ão us al ia ser o nã e nt Mo o Bel
do a tradição popular cristã, Cristo retornaria no dia do Juízo Final para juntar-se a0s seus fiéis e instaurar um reino de paz e prospe-
ridade, que duraria mil anos?
No interior de Belo Monte, os sertanejos expressavam de vá-
"as formas sua crença na intervenção das forças sobrenaturais. É crível que ao menos uma parte da comunidade vivesse aguardando
ansiosamente o fim dos tempos, identificando em Antônio Conselheiro o profeta e o emissário direto da divindade. Viviam sob disciplina religiosa, acreditando que seriam punidos os que não cumprissem suas obrigações para com Deus. Acreditava-se piamente na intervenção sagrada por meio de milagres e prodígios realizados através de intermediários entre o Criador e os homens. A população atribuía ao Conselheiro o papel de mediador. Ele era respeitado como líder, venerado como profeta, admirado e temido como milagreiro e taumaturgo. Corriam de boca em boca narrativas relacionadas ao modo como
Antônio Conselheiro realizara feitos miraculosos ou amaldiçoara os inimigos. Algumas acabaram sendo incorporadas ao folclore nordestino, sendo transmitidas oralmente até os dias atuais.
Conta-se que Antônio Conselheiro, certa vez, diante de uma procissão, realizou o milagre de fazer verter água das paredes de uma igreja. Ou que, ao tocar com o cajado na ponta de uma madeira pesada, que seria empregada na construção da igreja, ela ficara leve como uma pena. Houve até quem o considerasse santo, idolatrando-o como se fosse um ente divino. Porém, segundo parece, Antônio Maciel desaprovava esses extremismos religiosos e místicos. Preferia ser chamado singelamente de “peregrino”,
como vimos.
79
A religião cabocla, resultante de profundo sincretismo, congre-
gava em si elementos do catolicismo popular português, com cren-
ças e rituais nativos e de origem africana. À exteriorização da crença mesclava aspectos do culto católico — preces, romarias e penitências — com ritos, cerimônias, talismãs e amuletos pertencen-
tes ao universo mágico-religioso das tradições indígenas e africanas. O sino e a prece
Uma das tradições indígenas verificadas em Belo Monte ocorria nos meses de agosto, quando os descendentes de indígenas bebiam um licor feito de jurema — planta nativa, fortificante e de propriedades alucinógenas — fumavam e bebiam cachaça, numa mostra da persistência dos rituais de cunho pagão. Essa tradição sugere-nos que a interdição de bebidas alcoólicas em Belo Monte não seria tão estrita, como sugerem muitos autores.
Ão cair da tarde, todos os dias, as badaladas do sino da igreja anunciavam as rezas coletivas. Nesses momentos, era comum a se-
paração da multidão em dois grupos: o dos homens e o das mulheres. Mesmo durante o período de conflito armado, essa atividade
continuou a ser realizada habitualmente. Timotinho, o sineiro do
arraial, desempenhava pontualmente a função de chamar os demais para a procissão e orações, mesmo sob fogo cerrado, até o momento em que sucumbiu, alvejado pelas balas dos soldados republicanos.
Após a destruição de Belo Monte, em meio às ruínas e aos
corpos carbonizados, os soldados, jornalistas e espectadores pu-
deram constatar o quanto o sentimento religioso orientara as ações
dos moradores, encontrando nos escombros das moradias
destroçadas variados tipos de rosários, crucifixos, imagens amarrotadas de santos milagreiros, figas, cartas santas, orações e
benditos em caderninhos costurados e escritos com a caligrafia
defendidos pelos integrantes daquela co letividade. att
80
Mesmo os adversários declarados de Antônio Maciel não denunciaram à existência de qualquer forma de desvio da religião
ta lis nge Eva o Joã no lia ita de fra O . ade cid da or eri int no católica de Monte Marciano, destacado pelo arcebispo da Bahia, em
1895, para realizar uma missão espiritual naquele lugar, apesar de demonstrar grande antipatia pelos caboclos e por seu líder,
atestou a retidão espiritual dos mesmos. O único “erro” apontado dizia respeito ao rigor excessivo na conduta moral dos fi-
éis e ao fato de que o velho peregrino substituía os tes diretos da Igreja. Diz o frade em seu relatório: deveres e práticas religiosas, Antônio Conselheiro ga nenhuma função sacerdotal, mas também não
representanQuanto aos não se arrodá jamais o
exemplo de aproximar-se dos sacramentos, fazendo crer com isso
que não carece deles, nem do ministério dos padres; e as cerimônias do culto a que preside, e que se repetem mais amiúde entre os seus, são mescladas de sinais de superstição e idolatria, como é, por exemplo, o chamado beija das imagens. À que procedem com profundas prostrações e culto igual a todas, sem
distinção entre as do Divino Crucificado, e da Santíssima Virgem e quaisquer outras”. O “beija” a que se refere com desdém o emissário do arcebispo era uma cerimônia particular. Depois das rezas, das ladainhas
ou dos terços e antes da pregação, Antônio Beatinho, um dos colaboradores diretos de Antônio Maciel, tomava um crucifixo nas mãos e, depois, pequenas estatuetas da Virgem, de Cristo e dos santos, beijando com êxtase cada uma das imagens, sendo imitado pela multidão que, em fila, reverenciava as imagens sagradas, À respeito dessa demonstração singular de devoção, Euclides
da Cunha comenta com sua habitual ironia: “Ouviam-se os beiJos chirriantes, inúmeros e, num crescendo, extinguindo-lhes a assonância surda, o vozear indistinto das prédicas balbuciadas à 81
meia voz, dos mea-culpa ansiosamente socados nos peitos arfantes
e das primeiras exclamações abafadas, reprimidas ainda, para que
se não perturbasse a solenidade”. Não se pense que a atmosfera de misticismo inibisse o espírito alegre e festivo do sertanejo. As pregações religiosas diárias eram
momentos de congregação e socialização geral. Nem todos os ha-
bitantes eram ascetas e o próprio Conselheiro jamais obrigou al-
guém a freqiientar as cerimônias. As mulheres, em maior número,
e os homens sinceramente tocados pela piedade compareciam
frequentemente às rezas. Quanto aos demais, bastava viverem
honestamente, cumprindo seus deveres e obrigações, sem fazer mal ao próximo. Essa era uma das regras máximas da vida no arraial. Em ocasiões festivas, O sacro misturava-se ao profano. O povoa-
do era todo embandeirado, os sinos rebimbavam, realizavam-se dis-
putas de tiro ao alvo. Os fogos de artifício pipocavam. Nas vaquejadas periódicas, os cavaleiros e vaqueiros demonstravam habilidade e
destreza no trato com as manadas, no laço e na montaria.
Contar e cantar
Nas feiras e pontos de comércio, enquanto os negociantes e o povo comum vendiam e trocavam seus produtos, os cantadores improvisavam versinhos e cantigas, em que o líder máximo era
geralmente enaltecido, e anunciava-se à derrota próx ima dos
adversários. Mas sobrava também inspiração para os sentimentos de afeição, como podemos verificar no poema abaixo, de au-
toria anônima, encontrado na cidade e anotado po r Euclides da
Cunha em sua Caderneta de Campo:
“La vão meus tristes ais
Nestas tuas mãos parar Saudade e minhas lembranças Vossa mercê quera escutar
; AIH 4 d
A
DAS
lg
82
Já se acabosse meus gostos Findosse minha alegria Já se quebrosse o espêlho Em que meus olhos ti viam Quando eu de ti mi apartei Nunca mais tive alegria Somente porque não acho Uma feliz companhia Recebeis comadre amante
Estes verços de amizade Recebeis meu corassão
Trespassado de saudade O papel em que te escrevo Saiu da palma da mão À tinta saiu dos olhos À pena — do coração”
Nas formas de sociabilidade permitidas e difundidas entre os caboclos, as festas em homenagem aos santos e, especialmente, as festas natalinas eram integradas por danças, músicas, fogos e muita comida. Em 1893, depois da conclusão dos trabalhos de restau-
ração da igreja velha, a reinauguração foi festejada com música é estouro de fogos de artifício. A queima de fogos nas festas de São João era das maiores da região. Mesmo em ocasiões menos solenes, por ocasião de casamentos e batizados, comemorava-se com tiros de
espingarda, fogos, vivas e banquetes. Nas proximidades, abundavam O salitre e o enxofre necessários para a fabricação de pólvora. Nada indica a predominância da tristeza ou da circunspeção
excessiva, parecendo infundadas as acusações de fanatismo 83
dirigidas aos conselheiristas. Pelo contrário, os dados gerais relativos aos costumes vigentes demonstram de forma clara o quan-
to toda a comunidade participava do modo tradicional de vida
do mundo sertanejo. À diferença fundamental era que essa vivência ocorria de forma autônoma e independente das instituições representantes do poder. Por esta perspectiva, o arraial de Belo Monte constituía “um Estado dentro do Estado”. Um Estado rústico, informal, de fronteiras e cidadania indefinidas, mas de capital conhecida — Belo Monte. A figura carismática de Antônio Maciel sobressafa-se não apenas dentro ou nas imediações do arraial. Sua influência era reco-
nhecida em toda a Bahia e mesmo em outros Estados do Nordeste. À fama chegava a tal ponto que retratos seus eram expostos nas
paredes de expressivo conhecida combatido
muitas casas em Salvador. A posição de liderança de tão número de seguidores garantiu-lhe uma autoridade repor fazendeiros e políticos baianos influentes, sendo por alguns e apoiado por outros.
No arraial de Belo Monte, além de líder religioso, o velho
peregrino era o protetor pessoal de toda a coletividade. Antes mesmo da fundação do arraial, muitos pediam para que o “homem santo” servisse de padrinho para os seus filhos, honrandoOs com sua proteção.
Entre 1880 e 1892, somente na cidade de Itapicuru de Cima, Antônio Maciel batizou 92 crianças, indicando como madrinha a Virgem Maria. Não parece absurdo supor que no arraial tal tipo de prática existisse. Nesse ponto, o Conselheiro assumia a posi-
ção de “pai” e protetor, costumeiramente desempenhada pelos
coronéis. Essas relações e alianças interpessoais, de profundo cunho político, desempenharam certamente um importante papel
quando da resistência armada. Acorrer na defesa do “nadrinho”
atacado pelas forças do mal certamente foi uma quase obriga ção
moral e religiosa para muitos sertanejos da região .
Antônio Maciel possuía enorme prestígio; por isso mesmo,
co pou Em . ade miz ini a bém tam mas despertava a admiração, os a par al nci ere ref -se nou tor te Mon o tempo, O arraial de Bel
pobres de todo o sertão. Ao mesmo tempo, tornou-se uma ameaça
real para os representantes do poder local e regional.
Com o aumento gradativo das pressões, o conflito violento
parecia inevitável. Disso os próprios conselheiristas pareciam ter ciência. Podemos vislumbrar o clima de tensão vivido no “arraial santo” através de uma das cartas ali encontradas, após sua destruição, escrita possivelmente em 1896:
“Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo Belo Monte, 3 de dezembro de...
Rosendo, estimo-te boa saúde em companhia de sua família. Meu Conselheiro está procurando por vocês. Venha embora breve que está se vendo não entrar mais ninguém caso os republicanos venham com sentido, assim diz meu conselheiro. O que eles apanhar mata. Venha morrer nos pés do Bom Jesus. O Conselheiro disse 3 vezes que o que morrer no Belo Monte ele garante a sal-
vação [sa]. 33
À guerra avizinhava-se...
85
s OS PRIMEIROS CONFLITOS
Muitos escritores “diabolizaram” Belo Monte, apresentando a comunidade como um reduto de miseráveis facínoras e de beatos
enlouquecidos. Outros elevaram-na à situação de uma rica e
pujante metrópole nos sertões nordestinos, um verdadeiro oásis social, como a prefiguração de uma sociedade da abundância, nascida de um coletivismo de cunho religioso ou social. Belo Monte era um grande arraial, formado por população
majoritariamente humilde, acostumada a uma vida simples e fru-
gal. Seus habitantes não encontraram na aglomeração vida de
riquezas que o próprio desenvolvimento da produção da comunidade era incapaz de garantir. Entretanto, os sertanejos certamente encontravam em Belo Monte a segurança material e espiritual que a despótica sociedade de classe dos sertões brasileiros lhes negava radicalmente. O arraial não era uma aglomeração de insurrectos e subversivos ensandecidos. Não era igualmente o reduto de uma seita herética e exótica. De certo modo, o misticismo do arraial era comum a todo o sertão.
87
Já vimos que Antônio Maciel manteve-se sempre nos limites da mais rígida ortodoxia religiosa, como comprova em forma insofismável o manuscrito das prédicas do Conselheiro, encon. tradas no arraial, após sua destruição. Presenteadas a Afrânio
Peixoto, elas terminaram nas mãos de Euclides da Cunha, que
pouco as utilizou. Elas foram publicadas, finalmente, por Ataliba Nogueira — António Conselheiro e Canudos — em 1974, Padres vinham atender a sua população do arraial. A prática dos sacramentos — batizado, casamento, comunhão e confissão — era de-
fendida por Antônio Maciel como o melhor caminho para a sal-
vação. Belo Monte era apenas uma comunidade de homens e mu-
lheres pobres e excluídos que, apoiada na religião, realizava um ato de recusa rústica e coletiva da sociedade de classes da época, na tentativa de construção de mundo utópico em que todos vi-
veriam de seu trabalho, praticando a solidariedade entre os ho-
mens e mulheres.
O rápido desenvolvimento do reduto sertanejo preocupava políticos e proprietários de terra. O princípio do uso útil da terra implementado pelos conselheiristas era uma prática que prova-
velmente assustava os latifundiários. Em seu livro Cangaceiros e
fanáticos, Rui Facó cita uma matéria jornalista datada de 31 de janeiro de 1897, do periódico carioca O País, através da qual se pode notar que a preocupação não se restringia ao Nordeste. Segundo O País, “sertanejos, fanáticos pelo interesse” acorriam para as regiões de Canudos, “ acreditando na idéia do comunis-
mo, tão apregoada pelo Conselheiro ”. (O mesmo jornal, em tom alarmista, ajuntava que já chegava a sessenta o número de fazendas ocupadas pelos conselheiristas na circunscrição. Havia igualmente a questão da mão-de-obra. Os latifundiá-
rios vtam sem nada poder fazer seus trabalhadores, espécie de
semi-escravos, partirem para o reduto divino. O barão de
Jeremoabo,
um dos grandes oligarcas da Bahia e inimigo figadal
de Antônio Maciel e de Belo Monte, assinalou sobre a migração
dos caboclos para a “cidade santa”: Alguns lugares desta comarca e de outras circunvizinhas e até do Estado de Sergipe ficaram desabitados, tal o aluvião de famílias que subiam para Canudos [...]. Causava dó ver expostas à venda na feira a extraordinária
quantidade de gado cavalar, vacum, caprino, além de objetos, por
preços de nonada como terrenos, casas, etc. O anelo extremo era
vender, apurar dinheiro e ir reparti-lo com o santo Conselheiro”.
Inevitavelmente, a falta crescente de braços obrigaria os lati-
fundiários a subirem os salários dos trabalhadores e a baixarem as rendas dos arrendatários, meeiros e parceiros. À população do arraial de Belo Monte escapava à gestão política das oligarquias regionais. Mais grave ainda, o prestígio e a autoridade de Antônio Maciel esparramavam-se perigosamente pelos sertões, constituindo os habitantes do arraial apenas uma pequena parcela dos seus admiradores. Com o epicentro em Belo Monte, formava-se uma espécie de república mística cabocla, de fronteiras fluidas e
moventes, nas fronteiras da qual imperava a autonomia sertaneja
em relação ao poder de classe da República. Apoio sertanejo
À resistência do reduto aos quatro ataques que sofreria posteriormente só foi possível por que seus habitantes recebiam, incessantemente, reforços de homens e de mantimentos das regiões vizinhas. Como também já vimos, na mesma época, os sertões eram trilhados por outros conselheiros e o exemplo de independência religiosa e política podia prosperar. Diante da tensão crescente, foi a Igreja a primeira instituição a tentar esvaziar e reprimir a comunidade. Em 1895, o governador da Bahia, Rodrigues Lima, oficiou ao arcebispo dom Jerônimo Tomé, rogando que organizasse uma missão religiosa que conven89
cesse os “fanáticos” a desertarem do arraial. Para conduzi-la, fo;
escolhido um frade italiano da ordem dos capuchinhos, João Evangelista do Monte Marciano.
A escolha não podia ter sido mais infeliz. Ele falava o português com dificuldade e era conhecido por seus sermões prenhes de
ameaças celestiais. Acompanhava o padre italiano um outro sacer-
dote, da mesma ordem e da mesma nacionalidade, que chegara ao
Brasil havia um ano. Não temos informação se já falavam ou não o português. À trindade era completada pelo vigário de Cumbe, o padre Sabino, responsável pela assistência religiosa ao arraial. Ha-
via um ano que este último não pisava em Belo Monte, onde tinha uma casa, pois teria sofrido, ali, um “grande desacato”.
À visita apostólica teve início em 13 de maio de 1895 e durou uma semana. Os sacerdotes realizaram 55 “casamentos de amancebados”, 102 batizados e mais de quatrocentas confissões.
O líder espiritual da comunidade nada fez para interferir nas ações
e pregações dos emissários clericais. Ainda assim, o clima de ten-
são era grande. No relatório minucioso e faccioso deixado por João Evangelista, ele afirma ter sido ameaçado pelos “asseclas” do Conselheiro. Devido às repetidas manifestações de hostilidade, animadas por João Abade e pela Companhia do Bom Jesus, ele suspendeu a “santa missão”. O abismo que separava as concepções do frade capuchinho
da realidade sertaneja transparece num incidente ocorrido durante
um de seus sermões. Quando se dirigia aos ouvintes, falando sobre
a necessidade do jejum, dizia que eles deveriam ser ponderados, e que a Igreja permitia nessas ocasiões o uso de líquidos em quan-
tidade moderada, carne ao Jantar e uma xícara de café pela ma-
nhã. Os adeptos do Conselheiro protestaram, e um deles excla-
mou: “Ora, isso não é jejum, é comer a fartar”, Para os caboclos do sertão castigado pela seca e pela fome, de fato, jejum com Jí-
quido, carne e café era um banquete!
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90
Nas pregações, O legado episcopal tentava inutilmente demonstrar à legitimidade do regime republicano, conclamando os nio Antô A das. eleci estab des rida auto as rem elta resp “reis” a a Igrej a que derar consi deve ico, catól é “Se dito: teria Maciel, condena as revoltas, e, aceitando todas as formas de governo, ensina que os poderes constituídos regem os povos, em nome de Deus”. Por ocasião do encerramento da missão, e diante do fracasso na obra do convencimento, rompeu-se o último elo entre os conselheiristas e a via da legalidade. Em pouco tempo, a República tentaria impor-se pela força das armas.
A vida prosseguiu no arraial sem grandes alterações. Ainda em dezembro de 1895, Antônio Conselheiro visitou, por alguns dias, com um grande séquito, a vila de Bom Conselho, para obter doações para a nova Igreja do Bom Jesus, em construção
em Belo Monte.
Em 1896, Antônio Maciel encomendou, por meio de
Joaquim Macambira, com o coronel João Evangelista Pereira de Melo, que fazia de seu representante comercial em Juazeiro,
madeira para a finalização da igreja. Ele já havia realizado outras compras, sem maiores problemas, no comércio da região. Porém, devido ao clima de tensão crescente, os tempos eram outros e antigos adversários do líder sertanejo tramavam con-
tra ele. O juiz de Direito de Juazeiro, recentemente nomeado, era Arlindo Leoni, o mesmo que, tempos antes, representava a lei em Bom Conselho, quando haviam sido queimados os editais mu-
nicipais de cobrança de impostos. Ele tudo fez para se opor a Antônio Maciel e sua gente. Sob suas pressões, o negociante que recebera, adiantado, um conto e duzentos mil réis pela encomenda, negou-se a entregar a madeira, segundo parece, afirmando não possuir homens para realizar o transporte. 91
A madeira seria expedida de Juazeiro, pelo rio São Francisco,
até o porto de Jacaré, de onde seria transportada para o arraial de Belo Monte. Pode-se imaginar a indignação dos conselheirist
logrados sem apelação numa negociação que se destinava a cobrir a “casa do Senhor”. Pagou e não levou
Segundo a tradição local, Antônio Maciel teria oferecido mar.
dar seus homens até Juazeiro, para trazer a mercadoria. Caso a oferta tenha realmente se realizado, não deixava de ser uma pressão vela-
da para obter o que pertencia, de direito, à comunidade. O juiz aproveitou a oportunidade e, em 29 de outubro, enviou um telegrama alarmista para o governador da Bahia, Luís
Viana: “Notícias transmitidas por positivo confirmam boato vinda do perverso Antônio Conselheiro, reunido a bandidos: partirão de Canudos 2 vindouro. População receosa. Cidade sem garantias. Requisito enérgicas providências”. Luís Viana rejeitou o alarmismo e o pedido de forças policiais do juiz, mas, sob a pressão de novos telegramas, nos quais se chegava a afirmar que os conselheiristas já se encontravam a “oito léguas de Juazeiro”, e certamente temendo ser acusado de imobilismo caso o ataque realmente se realizasse, decidiu-se à enviar proteção militar para a vila. Para tal, requereu ao comandante do Distrito Militar da Bahia, o general Frederico Solon, que preparasse uma tropa capaz de proteger a vila. O pedido foi interpretado ou distorcido pelo general como
ordem de enviar tropas para destruir o “arraial santo”. Tratava-se
de um ato abusivo, apoiado em uma interpretação falaciosa, já
que não havia, na Justiça, nenhuma reclamatória contra os conselheiristas. Ir buscar uma encomenda que já havia sido pago
era iniciativa lícita e recomendável. Antônio Maciel seria um líder comunitário irresponsável se não procedesse nesse sentido.
"
E
faro di
4
92
da or, vad Sal de de da ci de tia par 6, 189 de ro mb ve no de 6 Em
estação da Calçada, e chegava a Juazeiro, no dia seguinte, um trem
, sob o coco di mé um e os dad sol 115 is, cia ofi s trê om “c especial
te en em rt Fo ra. rei Fer es Pir va Sil da el nu Ma mando do tenente . ia nc lâ bu am a um e as gui s doi de ha un sp di ção edi exp à armada,
a e nt me il ut in m ra ra pe es pas tro as s, dia co cin por , Sob prontidão | | chegada dos sicários do Conselheiro. O jovem e destemido oficial, certamente insuflado pelos lati-
fim pôr a par e, nt Mo o Bel car ata eu olv res , ião reg da s rio diá fun ao problema de uma vez por todas, levando de lambuja as glórias do feito fácil. Em 12 de novembro, decidiu-se a uma apressada partida, em busca dos assaltantes que não se apresentavam. À vila de Juazeiro, final da estrada de ferro, nas margens do São Fran-
cisco, ficava a duzentos quilômetros ao noroeste do arraial de Belo Monte.
Era uma longa distância, em terreno inóspito, sob o duro sol
do verão. Entre aqueles dois pontos, havia apenas pequenos e miseráveis pousos e fazendas, como Lagoa do Boi, Caraibinhas, Mari, Mucambo e Rancharias. Uma semana depois, as tropas chegavam e alojavam-se, derreadas, em Uauá, distante cem quilômetros de Belo Monte. Certamente sem o saber, cruzavam fronteiras invisíveis e entravam plenamente em território da república sertaneja. Segundo depoentes e historiadores, pelas cinco horas da manhã do dia 21, mal os primeiros raios do sol despontavam no
horizonte, apresentou-se às tropas militares uma estranha procissão, chegada do arraial de Belo Monte, ponteada por uma grande cruz e uma bandeira do Divino. A estranha chusma seria formada por velhos, mulheres, crianças. Entre ela, viam-se homens armados com o pobre e heterodoxo armamento dos sertões — foices, varapaus, chuços, velhas espingardas etc. Todos cantavam e rezavam. 93
Não se sabe ao certo o número de conselheiristas. Para Euclides da Cunha, seriam uns mil romeiros. Imediatamente, as
sentinelas dispararam, a tropa organizou-se, como pôde, dando
combate aos recém-chegados, que responderam, igualmente, com uma salva de balas. Era o início de um confronto com as forças legais que duraria, intermitentemente, quase um ano.
Historiadores lembram com pertinência que os mais de cem
quilômetros de terreno agreste que separavam Belo Monte de Uauá não era uma distância para ser vencida, por velhos, mulheres e crianças, a passo de procissão. É crível que, sabedores da aproximação das tropas militares, um grupo de combatentes conselheiristas tenha partido, rapidamente, a fim de enfrentar a expedição longe do reduto santo. Bandeira do divino
Essa segunda interpretação apresenta-se mais verossímil e certamente não contradita com a presença entre as tropas caboclas de uma bandeira do divino e um grande cruzeiro de madeira. O certo é que os combates iniciaram-se, sem delongas. Porém, ao contrário do que talvez esperasse o tenente Ferreira, não se tratava de simples confronto entre tropas militares e romeiros fanatizados. Por quatro horas combateu-se, duramente, primeiro à distâncla, a seguir, ainda mais acirradamente, corpo a corpo, olho no olho. Nos primeiros momentos, os atacantes chegaram a apoderar-se de parte do arraial de Uauá. Em seu relatório, o tenente afirmaria posteriormente que os conselheiristas retiraram-se batidos, carregando consigo muitos mortos, que foram perseguidos, por meia légua. Apenas por estarem as tropas cansadas e famintas, os fanáticos” não teriam sido perseguidos com mais afinc o. Um ano mais tarde, em 3 de outubro de 1897, quando Belo
Monte ardia em chamas, oficiais do Exército foram informados
heiristas sel con 74 o rid mor iam ter que l aia arr do tes oen dep r Po
durante esse confronto. i r a fo t i o l ã i ç m i d e p x e a e a u r q t s i g e l o r a i ã c ç i of A documenta
duramente golpeada, conhecendo dez mortos e vinte feridos, de maior ou menor gravidade. Entre os falecidos encontravam-se um
oficial, um suboficial e os dois guias. O que de per si obrigava a
expedição militar a recuar, já que desconhecia o terreno, não ti-
nha apoio na região, não podia receber facilmente reforços para as tropas literalmente dizimadas. Conta a tradição que o médico
da tropa teria enlouquecido de medo e terror devido à violência dos combates. A munição da expedição esgotara-se na resistên-
cia ao ataque.
O certo e indiscutível é que, não restando outra alternativa, o jovem tenente abandonou rapidamente a região, enquanto era possível, retirando-se para Juazeiro. Lambendo as feridas, desmoralizados pela derrota, antes de abandonarem Uauá, as tropas militares saquearam e incendiaram o povoado. Apenas a seguir puseram-se em marcha, iniciando acelerada retirada. À triste
coluna militar chegou de volta a Juazeiro em apenas quatro dias com o horrível espectro dos conselheiristas a morder-lhe os cal-
canhares.
Pouco se tem discutido sobre as razões da derrota do destacamento em Uauá. O tenente Pires Ferreira ressaltou em seu relatório o caráter insuficiente do armamento e a impropriedade dos calçados e do fardamento, que não se adaptariam às longas marchas no sertão. Muitas analistas ressaltaram a exigiiidade das tropas e os erros de comando do jovem oficial. O próprio Euclides da Cunha, um ex-militar, adotou a tese da incompetência tática dos expedicionários, defendendo que:
“Um pelotão escasso de infantaria que os aguardasse, distribuído
pelas caatingas envolventes, dispersá-los-ia em alguns minutos”. O brilhante escritor partilhava as mesmas incompreensões e pre-
95
conceitos que levariam os oficiais do Exército a tão Vexatórias derrotas, nos meses seguintes. Ele acreditava serem os Mestiços sertanejos incapazes de uma resistência efetiva contra as instruídas e modernas tropas militares, filhas da modernidade que se pensava e se queria chegando da Europa.
As leituras populistas" e “românticas” da guerra de Canudos tendem a explicar a vitória dos conselheiristas como simples ex-
pressão da criatividade popular na luta por seus direitos. Como
se apenas a decisão dos oprimidos pudesse se sobrepor ao treinamento, ao armamento, à instrução militar das tropas dos opres-
sores, por menor e mais insuficientes que fossem.
Ambas as interpretações terminam por sugerir que os
conselheiristas teriam vencido apenas baseados em uma profunda fé ou fanatismo religiosos. Como já assinalamos outras vezes, é preferível acreditar que a Companhia do Bom Jesus tenha ser-
vido, nesse e nos demais confrontos, como um núcleo militar
disciplinado, formado por combatentes solidários e selecionados, alguns deles talvez escolados nos confrontos armados dos sertões. A Companhia do Bom Jesus, talvez origem da futura Guarda Católica, organizada em Belo Monte, possivelmente funcionou como um destacamento composto por centenas de guerreiros enrijecidos, em torno dos quais se articulavam os demais combatentes, com a decisão daqueles que lutam por seus interesses e mais profundas opiniões, sem o formalismo e o autoritarismo de clas -
se necessários aos exércitos profissionais.
O próprio tenente Pires Ferreira teria afirmado que os conselheiristas atacaram o arraial de Uauá, de divers os pontos, divididos em várias colunas, sob o comando de apitos. Um com-
portamento certamente estranho a uma chusma de “beatos fanatizados”, mais propensos a partir para os combates confiando apenas na proteção e na intervenção divina , e não em táticas, planos e instruções militares.
Fl,
96
Vingando
|
a honra
o c i r e d e r F l ra ne ge o , r o d a v l a S Quando se soube da derrota, em e qu o at ao e ss da vi re se e qu e, nt ge si an tr in ; it ig ex à ou ss pa n lo So s” mi õe iç tu ti ns “i as es e ad id or ut “a j em “despresti (oio” as pusera
rto e nt Mo lo Be l ia ra ar o e, nt me da pi Ra . litares € governamentais . xo le mp co te an st ba go jo um nava-se uma peça de
de o ad us ac a, an Vi ís Lu , do ta Es do or ad rn ve O próprio go
e -s ar ci so as a do ga ri ob foi o, ir he el ns Co monarquista e aliado de de l ia ra ar do ica fís ão iç ru st de a m ha un op pr e qu s do o id rt pa o ao
arn ve go o e tr en a ci ên ig el nt si de de to ex nt co no i Fo Belo Monte. seda o vi en o u di ci de se e qu r ta li Mi to ri st Di do e ef ch o dor é gunda expedição oficial contra O reduto sertanejo. Pouco mais de um mês após a derrota de Uauá, em 25 de dezembro de 1896, uma nova expedição partia para Belo Monte. Ela era composta por tropas estaduais, apoiadas por soldados do governo federal, pertencentes ao 9º Batalhão de Infantaria. Ao todo, o destacamento era integrado por dez oficiais, 609 praças, um médico, um farmacêutico, um enfermeiro, uma ambulância.
O corpo militar partia armado com três metralhadoras Nordenfelt, carabinas e dois poderosos canhões Krupp, com as respectivas guarnições. A tropa levava mais de um milhão de cartuchos, munição suficiente para matar toda a população baiana da época. Chefiando as operações, marchava o garboso major Febrônio de Brito. Dessa vez, escolhera-se um novo caminho de ataque contra o insolente baluarte caboclo. As tropas desembarcariam na estação de Queimadas, a mais de duzentos quilômetros de Juazeiro, últi-
ma estação da linha. Nas margens do Itapicuru, encravada em uma região inóspita, Queimadas era uma pobre vila, com algumas praças, algumas ruas e umas duzentas casas maltratadas. Possuía linha férrea, estação de telégrafos e agência de correios. À população ultrapassava os 97
mil habitantes e vivia sobretudo da produção pastoril. Sob q injunção do governador, o próprio juiz Arlindo Leoni deslocou-
se para lá, para apoiar o esforço do major Febrônio. Finalmente, as tropas colocaram-se em marcha para Monte
Santo, o segundo ponto de apoio da expedição, a metade do ca-
minho entre Queimadas e o arraial de Belo Monte. Apenas partira a expedição, aprofundou-se o confronto entre o governador
Luís Viana e o general Solon, chefe do Distrito Militar.
O general telegrafara para Febrônio de Brito, que se encontrava em Cansanção, a 25 quilômetros de Monte Santo, ordenan-
do que retornasse para Queimadas e ficasse à espera de reforços. Uma nova expedição seria organizada sob o comando do coronel Pedro Tamarindo.
Apesar de registrar sua desconformidade com a ordem, o major Febrônio retornou ao ponto de partida, onde permaneceu à espera de seu sucessor. Por ordem do governador, profundamen-
te contrariado com a decisão, as tropas da polícia estadual desli-
garam-se da expedição e prosseguiram para Monte Santo, inviabilizando o ataque contra o arraial conselheirista. Nos fatos, o general Solon tentava assumir o comando pleno da expedição, o que constituía, para o governador Luís Viana, uma indevida e inaceitável interferência do poder federal na autonomia baiana, a arrepio da Constituição federalista republicana, promulgada havia poucos anos. O governador temia uma eventual intervenção na Bahia, incentivada ou apoiada pelo presidente da República em exercício, Manuel Vitorino. A fim de reprimir a perigosa eventualidade, exigiu e obteve a demissão do general. Seu sucessor, Saturnino Ribeiro da Costa Júnior, ao assumir O Distrito Militar da Bahia, ordenou que as tropas militares, reforçadas por praças federais e
estaduais, sob o comando do major Febrônio, partissem novamente para Monte Santo, onde chegaram no dia 29 de dezembro. 98
o nt Sa e nt Mo de s io ár et ri op pr s de an gr Os As autoridades e lo Be de l aia arr do ão iç ru st de ta on pr a igiam e davam como certa
m ra fo as aç pr e is ia ic Of . as op tr s Monte, diante de tão poderosa
1/ r po er ec an rm pe i al ós Ap . de da ci na s do festejadamente recebi s à te en nd po es rr co s te ue nq ba e os ej st fe s no o longos dias, ocupad a, op tr da o ld so o do t n e m a g a p do ra pe es à passagem do ano e ta ia ic sf us se m co , ir rt pa a u di ci de te se
Febrônio de Brito finalmen o rt ce o, in st de u se ra pa a, nç ia nf co « soldados, transbordando em rve m o, u n ej an rt l se ia ra ar a” do iç st é me al a “r ri a ga ma es e qu de dadeiro piscar de olhos. Encontro marcado
Havia pressa em chegar ao reduto. Para acelerar a marcha, Febrônio deixou um terço das munições que a tropa portava em Monte Santo. A invasão e a destruição de Belo Monte seria um
passeio. Profissional de dotes militares reconhecidos, o major esperava voltar coberto de glória, o que lhe asseguraria importantes trunfos políticos. Após dois dias de marcha, a apenas dez quilô-
metros do arraial de Belo Monte, acabava a alimentação dos sol-
dados. O que, para o major, não constituía problema maior. Sua confiança no impacto da artilharia sobre os sertanejos era total.
Bastava bombardear duramente, assaltar e ocupar o reduto. Comertam sob a sombra da Igreja Nova. No dia 16 de janeiro de 1897, foram avistados os primeiros adversários. O major Febrônio escolhera o caminho mais direto. Ele era, porém, o mais arriscado, já que passaria pelos desfiladeiros e pelas gargantas da serra do Cambaio. As gargantas da serra regurgitavam
de sertanejos armados. Para evitar as perigosas passagens, o chefe militar optou por contornar a serra, abrindo passagem entre os conselheiristas que, entrincheirados, defendiam as posições.
Então, estabeleceu-se o confronto. Aos gritos de “Avança, fraqueza do governo”, os conselheiristas iniciaram a ofensiva, refreada 99
pelas balas dos canhões que causavam grande impa cto entre GE
atacantes, e pelo fogo renhido e incessan te da infantaria. Então, em pequ
enos grupos, protegendo-se entre as pedras e irregular;dades do terreno, em trincheiras previamente prep aradas, portan.
do armas exóticas e, algumas vezes, armado s de pedras e seixos, os caboclos atacavam de todos os lados, como podiam , apenas se deixando entrever.
Durante toda a guerra de Canudos, agoniava particularme n-
te aos oficiais e aos soldados à capacidade do s combatentes
conselheiristas de se mimetizarem no terreno, como camaleões, aproveitando a proteção das rochas, dos barrancos na terra seca, da vegetação pobre. Era como se combatessem um inimigo espectral, que se negava sempre a mostrar sua face. João Grande, um negro de elevado porte, e Estevão co mandavam os combatentes, que prosseguiram lutando, sem cessar, das 10 às 15 horas, quando os defensores retiraram-se. A seguir, a
coluna militar governamental continuou, mo rro acima, arrastan-
do seus canhões, segura da sua primeira vitória, pois pe rdera apenas quatro integrantes. Extenuadas pelo combate, as tro pas acamparam nas proximidades do arraial de Tabuleir inhos, onde
passaram a noite.
De acordo com a documentação oficial, às seis horas da manhã do dia seguinte, no momento em que a coluna se preparava
para partir, aproximadamente quatro mil co nselheiristas surgiram de surpresa, dando início a um violento co nfronto com armas de
fogo e brancas.
Mais uma vez, após duros combates, os conselheiristas retira-
ram-se, em ordem, acreditava-se que derrotados, sob o impacto da artilharia e do poderoso e ince ssante fogo das armas pessoais € das metralhadoras atacantes. Na lagoa do Cipó, onde os soldados haviam matado à sede, boiav am cadáveres da contenda. Seu nome pass
ou a ser lagoa do Sangue. Eu
100
O segundo combate esgotara as forças da expedição.
à com , tos men ali Sem luta. de s hora doze já e Contabilizavam-s munição escasseando; abandonado pelos guias e tropeiros, o major quade a form “a sem tas ado ens hom seus que u Febrônio ordeno Arado para resistir ao ímpeto da agressão por todos os lados”. anand com ao a itir perm o diçã expe da nto ame arm roso pode O e da expedição não ter tido, até então, mais do que dez mortos. As perdas dos conselheiristas eram muito superiores. Porém, impunha-se a triste constatação: os dois combates foram vencidos pelos militares que, da ofensiva, passavam inapelavelmente à defensiva. Após dolorosa deliberação com seus oficiais, o major decidiu-se pela retirada. Certamente espedaçava-lhe a alma ter de recuar sem nem mesmo ter avistado a torre da igreja de Belo Monte.
O retorno, iniciado em 20 de janeiro, mostrou-se difícil. Se-
gundo parece, agora sob o comando de Pajeú e de Lalau, grupos
de caboclos acossavam, insidiosamente, os retirantes, sem jamais se mostrarem abertamente. Em Bendegó de Baixo, já do outro lado da serra, travou-se o último combate. Segundo parece, os conselheiristas acompanharam os atacantes até onde consideravam ser o limite do território da república sertaneja. Salvando o pêlo
À retirada precoce permitiu que a expedição não fosse aniqui-
lada. Mais tarde, Febrônio de Brito reconheceria honestamente o
destemor dos antagonistas: “ Nunca vimos, eu e meus camaradas, tanta ferocidade! Vinham morrer como panteras, dilacerando entranhas, agarrados às bocas das peças... Todos eles traziam armas de fogo, bons e afiados facões, cacetes pendentes dos pulsos”. Segundo informações, nesses confrontos, teriam sucumbido 76 combatentes conselheiristas, apenas dois a mais dos caídos em Uauá. Ao contrário dos militares, os defensores de Belo Monte 101
haviam tirado prontamente lições do primeiro combate. Haviam
afinado suas táticas e estratégias, conseguindo portanto travar combates e derrotar uma poderosa expedição militar com as
mesmas baixas sofridas diante da primeira expedição, de poder militar significativamente menor. Com a vitória, cresceria o já grande
prestígio de Antônio
Maciel e de seu reduto. Homens, mulheres e crianças acorriam,
numerosos, ao “arraial santo”. Entre eles, chegariam certam ente
sertanejos destemidos, sequiosos de acertarem as contas, talvez sem saberem bem por quê, com o mundo dos grandes proprietários do sertão.
À derrota pôs em questão os brios do Exército brasileiro. Havia que lavar a honra nacional no sangue dos matutos! Por outro lado, fortaleceu-se a propaganda republicana de que o arraial de Canudos seria reduto monarquista e de que o governador Luís Viana ou o protegeria ou não combateria suficientemente
os conselheiristas. Nos jornais da época e nos debates acalorados travados no Rio
de Janeiro, afirmava-se que a sorte da República dependia da destruição de Canudos. E a destruição de Canudos dependia do
Exército nacional. O destino do país e da República encontrav ase nas mãos dos militares.
Para acabar de uma vez por todas com os boatos e declarações
bombásticas, enviou-se, no início de fevereiro de 1897, um ver-
dadeiro corpo expedicionário, de mil e trezentos hom ens, armado de uma inteira bateria de artilharia e um esquad rão de cavala-
ria, composta por seis canhões Krupp. Dois méd icos, dois engenheiros militares, ambulâncias, comboios puxados por mulas e carretas tracionadas a bois, armamentos, ali mentos e baga-
gens acompanhavam a poderosa col una
A expedição levava fuzis Mannlicher e Comblain e 16 milhões de tiros. Munição não faltaria. Agora, ela era suficiente para eli-
ria
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la pu po a da to ta, tes na ro ei rt ce o tir um m minar, um por um, co
| | ção brasileira! a ir re Mo o ni tô An ta is ul pa l ne ro O comando foi entregue ao co j
a, st li ra de fe o çã lu vo re à o sã es pr re César, que já se distinguira na ta-
or “c de a nh cu al a ra be ce re de lutando em Santa Catarina, on
s do um a Er a. ar ic at pr e qu s de cabeças”, devido às desumanida l oa ss pe o ig am do si o nd te o, iã as oc na os ad militares mais prestigi ci le fa o, ot ix Pe no ia or e Fl nt de si re -p ex do o e partidário fervoros do pouco tempo antes. de , ro ei lt so , do ci he on sc de i pa de De origem humilde, filho
eiint e -s va ca di de r sa Cé a ir re Mo l, cia mar o uc po e o en qu pe porte m co a par el áv ac pl im e io tár ori aut , to en ol Vi to. rci Exé ao e nt me s de el eb “r os a ari ast apl e qu to cer mo co se hatin os, ári ers adv os monarquistas. O coronel não se encontraria em pleno domínio de seu equilíbrio emocional. Segundo parece, na viagem marítima entre O Rio de Janeiro e Salvador, mandara prender o comandante do
navio, desconfiando que retardava propositadamente sua chegada. Na capital baiana, obrigara populares, sob a ameaça de pranchadas, a carregarem malas e bagagens de sua tropa. Há controvérsias sobre a veracidade desses acontecimentos. Todavia, o certo é que se encontrava física e intelectualmente
debilitado. Logo que chegou a Monte Santo, teve um ataque
epiléptico e, dias mais tarde, um outro, ainda mais forte, possi-
velmente motivados pela grande tensão nervosa em que vivia, à medida que se aproximava de Belo Monte. Em 25 de fevereiro, em Cumbe, numa nova comprovação de
sério desequilíbrio, por desconfiar que o sacerdote da localidade apoiava os conselheiristas, obrigou-o a marchar, amarrado, por vários quilômetros, diante de suas tropas. O governo e o Exército nacionais, que acusavam Antônio Maciel de “desequilibrado” sem nenhuma evidência positiva para 103
E | 3
tal, designavam para o comando da expedição um oficial que dava
indiscutíveis provas de fragilidade mental, ao menos durante os
primeiros meses de 1897.
Tendo chegado a Queimadas em 77 de fevereiro, Moreira César
organizou suas tropas. Dali telegrafou ao ministro da Guerra, grandilogiiente e irresponsavelmente, afirmando que só temia “que o fanático Antônio Conselheiro” não os esperasse, a ele, seus
oficiais e soldados. Em outros telegramas, voltou a externar seu medo de encontrar Canudos despovoada de “jagunços”, devido ao medo dos atacantes. A confiança no militar destemido e im-
batível era tal que correram boatos sobre a fuga de Antônio Maciel e seus discípulos. No Rancho do Vigário
Finalmente, a expedição colocou-se em marcha, deslocandose para Monte Santo e depois em direção do arraial de Belo Monte. No caminho, foi permanentemente hostilizada por piquetes conselheiristas. Em 2 de março, a poderosa coluna militar encontrava-se já em Rancho do Vigário, a apenas vinte quilômetros do reduto santo, sem ter enfrentado até aí qualquer resistência efetiva. No dia seguinte, a tropa alinhava-se diante do arraial dos “fanáticos”. Os canhões foram postos em posição, sobre uma colina, e iniciaram um incessante bombardeio sobre as residências de tai-
pa, que ruíam como castelos de areia. Mais de trezentos tiros de
artilharia caíram sobre a miserável comunidade sitiada. Moreira César abandonou seus planos de bombardear à
saciedade o reduto rebelde, antes de lançar o ataque sobre ele.
Doente, talvez quisesse pôr fim, considerava vencida antes de se iniciou o ataque que tentou entrincheirados principalmente
rapidamente, a uma missão que começar. Por volta do meio-dia, envolver os conselheiristas, nas proximidades da Igreja Nova
71
Rr
, as ad st ui nq co m ra fo s sa ca s ma gu al , go lo o o it Mu a. Ih e V a j e e da Igr a. ri tó vi a rt ce e da i p á r a m prefigurando u m se s, ra ho ês tr r po , ro du o it mu , iu gu e s e t a Entretanto, O comb ant mo e qu r, sa a Cé ir re Mo o, tã . En o ã s i c e d a t n o r p e d e r b m u s] vi
, do ri fe i , fo co an br o al € av e t n e n o p m i e o c i f í n g a m u e s va r, i u g e . s a a t ? s E, i r i e h l e s n o c a l a b a m u r cert eiramente, no ventre, po asp di o tr ou um r po o ad nç ca al i ao se retirar para a retaguarda, fo lina o nd gu se o, nd ri ma Ta l ne ro co O , as “o certeiro. Sem delong o nt ro nf co o E . as op tr s da o çã re di a u mi nha de comando, assu
opr m gu al e qu m se e, rd ta is ma s ra ho te Se o. id nh re iu prossegu en at mb co os e qu u no de or e ef ch vo no o o, ad nç ca al e gresso foss
à ar ss pa am ri de po de on , ro gu se is ma l ca lo ra m pa se as tes recu noite.
Em
reunião
com seus oficiais, Tamarindo
decidiu-se
angustiadamente pela retirada ordenada, já que os mortos e feridos seriam em torno de duzentos. De madrugada, morria Moreira César, após ter protestado com veemência contra a decisão de recuar do campo de batalha, deixando vitoriosos os matutos defensores do reduto. Pela manhã, ao tomarem conhecimento da morte do coman-
dante e da ordem de retirada, o medo começou a insidiosamente tomar conta das almas dos praças. Os soldados eram em grande parte homens dos sertões, que comungavam ao menos em parte
com as crenças conselheiristas. Como aqueles miseráveis que os oficiais diziam incapazes de combate franco haviam imposto uma tamanha derrota, e matado o chefe máximo da expedição? À vitória do reduto não seria signo dos céus! Ou obra do maligno?
Muito logo, pequenos grupos de soldados começaram a desertar,
partido em direção ao Cumbe. A coluna colocou-se em marcha, como pôde. Mas os males, em
verdade, estavam apenas para começar. Pelas oito horas, a retaguarda
dos retirantes foi atacada pelos caboclos, e o pânico começou a 105
apoderar-se, mais e mais, voraz, da força expedicionária. De revól. veres na mão, alguns oficiais tentavam interpor-se, disparando hos soldados que lançavam suas armas para darem-se à fuga. Numa inteligente medida tática, os conselheiristas cortaram a coluna invasora ao meio, desorganizando totalmente a resistência. Então, a retirada transformou-se em franca debandada, em
verdadeiro salve-se quem puder. Durante a louca fuga, até Queimadas, os soldados atacavam, saqueavam, estupravam, procuran-
do descontar, sobre a população indefesa, a derrota sofrida diante do arraial de Belo Monte. Reconheciam como território inimigo as áreas circunvizinhas ao “arraial santo”. Esses atos de vandalismo certamente fortaleceram o prestígio e a confiança nos conselheiristas.
O corpo de artilharia, sob as ordens do capitão Salomão da Rocha, retirava-se em relativa ordem, levando consigo seus qua-
tro canhões Krupp. trou-se nas odiadas dolorosos danos. O Numa curva de
Porém, a sanha dos conselheiristas concenarmas. Elas lhes haviam causado grandes e que fora feito seria pago ainda nesta vida! um caminho estreito, os animais que puxa-
vam os canhões foram mortos, a tiros, imobilizando as peças. À
seguir, Os artilheiros, a guarnição e o capitão Salomão da Rocha foram literalmente abatidos à foice. Os canhões conquistados
foram transportados para Belo Monte, Entretanto, inúteis, já que
não havia quem os manejasse nem munição suficiente para alimentá-los, passaram a ser utilizados como bigornas, no conserto das armas.
Desta vez, a derrota fora total e irretorquível. Durante a debandada, morreriam ainda o coronel Tamarindo e o tenente Pi-
res Ferreira, que amargara o primeiro fiasco militar em Uauá, em
21 de dezembro de 1896. Segundo os dados oficiais, teriam
morrido ao todo treze oficiais e 103 soldados, além de 221 fer i-
dos que retornaram a Salvador.
106
PE
nme di al re da m é u q a m ja te es s Acredita-se que esses número os e qu já , as ix ba as o d a z i m i n i m o Exército o nd te , as rd pe s da são s ta is ir he el ns co os e , ga fu da o d n a u , q s o d a n o d n a b a m a r o f s ferido so o çã di pe ex a , do tu de m é l A . não pediam nem davam trégua os as el e tr en — s e õ ç i n u m e s ma ar as frera o vexame de deixar su is cia ofi s do os rp co os ri óp pr Os o. ig im in canhões — nas mãos do
s na do na do an te ab en am o os g nh r e v m a r o o f ã ç i d e p máximos da ex
debandada desenfreada. im o er lh co re a se mra ca di de os cl bo ca os o, nt Após O confro
de on r po os nh mi ca s lo pe s, poi , ra er gu de m ti bo te an on pressi abi car de to lei ro ei ad rd ve um se aar rm fo s, re so va in os m ra fugi imil os ch re et ap de es ar lh mi , es çõ ni mu de xas cai s, ta ne io ba , nas tares abandonados, em geral material de primeira qualidade e, não
raro, novo. Mais tarde, soube-se que os conselheiristas haviam obtido um botim de no mínimo trezentas armas modernas e 34 cunhetes de munição. Belo Monte encontrava-se agora pertinentemente armado para resistir a futuros ataques. Os corpos dos soldados e oficiais mortos foram decapitados, queimados e alinhados, à beira da estrada, como aviso sinistro para as posteriores expedições que “o imassem em penetrar no território sagrado da gente livre de Belo onte.
107
os
O Ã Ç A N A M U A R T N O C E ; UMA CIDAD
O conflito opondo os conselheiristas aos seus inimigos teve motivações diferenciadas e assumiu significados distintos. Em 1895, Antônio Conselheiro era conhecido em todo o Brasil, mas suas ações e as de seus seguidores diziam respeito sobretudo aos problemas relacionados com a aristocracia baiana, a Igreja e o governo estadual. As duas primeiras expedições militares foram organizadas e integradas pelas forças policiais e militares regionais. Com a terceira e a quarta, o problema representado pelo reduto sertanejo ganhou dimensão nacional. À partir daí, o combate passou a ter outro sentido, envol-
vendo questões totalmente desvinculadas das motivações iniciais e do cenário regional.
Quando o governo federal interferiu no combate, a tarefa
parecia ser simples. Tratava-se de sufocar mais uma rebelião e garantir a consolidação da jovem República. Anos antes, o governo
de Floriano Peixoto conseguira reprimir a Revolta da Armada, no
Rio de Janeiro, e auxiliar os republicanos de Júlio de Castilhos, no Rio Grande do Sul, contra as forças dos Maragatos — partidá109
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rios do parlamentarismo e do federalismo, identificados pelos
adversários com a restauração monárquica. O problema de Belo Monte mostrou-se mais complexo. O
governo civil de Prudente de Morais encontrava pela frente crít;. cos ferrenhos justamente nos republicanos radicais, situados no Exército, identificados com o tipo de governo realizado por Floriano
Peixoto e partidários do fortalecimento do poder central. Os integrantes desse grupo, de simpatizantes de uma proposta republicana baseada nos princípios positivistas e na experiência do modelo republicano francês, ficaram conhecidos como
“jacobinos”. Entre os civis, aproximaram-se dessa tendência os seguidores de Lopes Trovão, Aristides Lobo e os partidários do Partido Republicano Federal, chefiado por Francisco Glicério e Quintino Bocaiúva.
O grupo dos “jacobinos” desenvolveu-se principalmente nas fileiras do Exército. Os oficiais, formados dentro das escolas militares, encontravam profunda inspiração nos ideais positivistas elaborados por Augusto Comte. No Brasil, Benjamin Constant foi o grande divulgador das idéias positivistas, que propunham formas de organização baseadas em princípios pretensamente científicos e um projeto de concepção de Estado fundamentado em rígida hierarquia social. Por sua vez, as concepções positivistas apareciam mescladas
com uma teoria racista da sociedade, segundo a qual as nações com alto grau de mestiçagem estariam fadadas ao atraso € à es-
tagnação. À influência positivista, marcante nas elites do Sudes-
te e do Sul do Brasil, perduraria durante praticamente todo O período da República Velha, isto é, até 1930. Os militares “jacobinos” sonhavam com uma reforma e uma
modernização do Estado e da nação que oferecessem perspecti-
vas para as raquíticas classes médias da época, sem modificar à tradicional situação de submissão das classes populares. Às teorias
110
. . so DR rse s ia pé ro eu o nã ” as aç “r s da e ad id ositivistas e sobre a inferior em um
o, çã la pu po da ão aç iz al in rg como justificativa para à ma
. o n a c i l b u p e r e m i g e r um e t n e d u r P e o d ã t s e g e a t n a r u e d t n e A instabilidade política vig e a” in ob ac “j ala a ra pa e, qu de o fat do de Morais advinha real ide do ão aç id ol ns co na a ad ot ad ser a o çã lu so a orianista, ve de — o” ss re og pr e em rd “o a nd ge le na o ad iz et nt publicano — si em r, do za li ra nt ce e te for o rn ve go um de via a pel «a ser alcançada l. ta en am nd fu l pe pa um am ri ha en mp se de res que os milita das s sse ere int Os m co e -s am av oc ch ” as in ob ac “j s ta os op As pr cas íti pol es tõ es qu as ir uz nd co de s sa jo se de s, ai du ta s es ia oligarqu locais independentemente do governo federal, segundo seus inreresses. Além disso, a República nascente via-se ameaçada pela instabilidade financeira e pelos problemas sociais decorrentes da crise econômica de algumas regiões, como o Nordeste. Somem-se a essas divergências de âmbito partidário os problemas de ordem pessoal enfrentados pelo presidente. Afastado do cargo por problemas de saúde no final de 1896, momento em que foi substituído pelo vice-presidente Manuel Vitorino, seu inimigo político, Prudente retornou ao cargo apenas em março de 1897, governando com enorme dificuldade, sob a ameaça constante de motins militares e mesmo de um golpe de Estado, precisando contar com o apoio de parlamentares civis, sobretu-
do com políticos como Bernardino de Campos, identificados com as propostas da aristocracia paulista. A pátria em perigo
Por ocasião da terceira expedição contra Canudos, o presidente encontrava-se afastado do cargo. O comandante enviado para combater os “fanáticos”, o coronel Moreira César, era um dos mais
influentes florianistas do país, sendo respeitado e admirado pe-
los oficiais do Exército. A vitória em Canudos certamente aumen-
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taria o poder de pressão da ala jacobina”. Moreira César era visto por muitos como O sucessor de Floriano Peixoto, o “Marechal
de Ferro”. A fragorosa derrota ensejou um verdadeiro movimento de histeria por parte dos opositores do governo. À partir daí, a cida. dela cabocla tornou-se uma espécie de bode expiatório” para os diferentes problemas vividos na capital, passando a representar todos os males contra os quais a República deveria combater. A derrota da terceira expedição e a morte de Moreira César
alteraram completamente o desenrolar dos acontecimentos, re-
percutindo intensivamente na opinião pública. Para o Exército e os republicanos exaltados, não se tratava apenas de uma batalha malograda, mas de uma afronta aos representantes da “ordem” e do “progresso” almejados: era a derrota da “civilização”, representada pelas forças enviadas do litoral desenvolvido, diante da “barbárie” do sertão atrasado; de homens brancos “superiores” diante de um grupo de mestiços situados nas escalas mais baixas da evolução racial; dos defensores da República face a um antro de famigerados monarquistas. Canudos simbolizava o retrocesso, a ignorância e o atraso,
tudo o que se opunha aos ideais “iluminados” da elite localizada nos meios urbanos do litoral. Vencê-lo equivaleria a vingar a honra “nacional”? envergonhada. A quarta expedição, liderada pelo florianista convicto general Artur Oscar, ganhou contornos de
uma verdadeira “cruzada” republicana, de dimensões até então
desconhecida. Tratava-se, enfim, de salvar a República.
À imprensa teve papel decisivo “inimigos” da República. Entre os 1897, a guerra travada no sertão pelos jornais mais importantes do
na elaboração da imagem dos meses de março e outubro de foi exaustivamente explorada país. A utilização do telégrafo
possibilitou o envio de informações atualizadas sobre o desenrolar dos acontecimentos. Pela primeira vez no Brasil, correspon-
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a i r a i d r a i c i t o n a r a p o t i l f n o c o d o i r á n e c ao s deennttes foram enviado s. re ta li mi es çõ ra pe O s os da m u r Os e nt me er sp de l ra to li do s de da ci is pa ci in pr s na o d a n o i s a c o o c i n â p O iop de a r o d a m r o f a s n e r p m i da e «ou diferentes reações por part m U . o m s a c r a s e ia on ir m o c os nião. Os caboclos foram «ratad
: s o d a r a c n e am er al qu o m o c o z e r p s e d o m e b a r t s n o m e d o rm re ugr s do ia ér lh pi am zi fa es or it “maragunço”. Era como certos escr
a da ia cr ra fo a vr la pa A . a c i l b pos considerados inimigos da Repú o)
h c ú a g e ld be re (o o” at ag ar s “m e õ ç a n i partir da junção das denom os ad at s tr o p u r g is do os m a ): r e no ti es rd e “jagunço” (o «ebelde no como inimigos do regime. , Os escrico ti ís al e t rn n e jo m a i r p o r al p ri te e t ma n e ao m a Paralel
ô t n os A a íd bu ri at os xt s, te ia , s es a po h n i r d m a a u r q tores elabora o m , o is c ra at s te ça s, pe ta é at is e ir he el ns co o s r ao i e ou h nio Consel pretexto para a sátira e a galhofa. on ac s to do ei ov m r pr a ra r ti e b u s s o e no s t n ia a i ba c r e Os com o d a m r o f s , n s a o r d t . u s n o a t C u d o r p r us e se d n os e v ra nt pa tecime a d n a g a p o r p a na m e o t m o o m c s e é m iu at rv se a, o di nt do em assu de bilhetes de loteria e de loja de sapatos. Em 12 de agosto de 1897, o jornal Diário de Notícias estampava no centro da primeira página o seguinte anúncio: “ESPANTOSO
Por pessoas, recentemente chegadas de Canudos, ouvimos o seguinte: que no último ataque, um grupo de valentes soldados, depois de ter esgotado a munição, lembraram-se de correr a pontapés os conselheiristas, confiados na resistência do calçado que foi comprado na popular casa O Monumento. Que feliz idéia!...
O aspecto mais enfatizado e explorado na imprensa era o caráter monarquista do arraial. Em geral, o enfoque das notí113
cias veiculadas incidia no perigo que Canudos representava para a estabilidade republicana. A resistência dos caboclos
broncos era difícil de ser admitida pelos integrantes da “eivilização. Guerrilheiros do trono
Os periódicos sensacionalistas de imediato difundiram a idéia amplamente aceita de que Canudos representava o centro de uma ampla e bem articulada tentativa política dos monarquistas de
recuperarem o poder, perdido em 1889.
Diversos jornais, entre os quais O País, O Tempo, A Notícia,
O Diário de Notícias e a Gazeta de Notícias publicaram artigos sugerindo que em torno de Canudos organizava-se um plano objetivando a restauração da Monarquia. A “revolução monarquista” teria começado com os maragatos do Rio Grande do Sul, estendendo-se em seguida ao Rio de Janeiro, e seria continuada nos sertões nordestinos. Nessa argumentação, Canudos representaria um foco organizado pelos antigos representantes do poder para desviar as forças defensoras do novo regime para o Norte, permitindo que os adeptos do regime deposto aproveitassem a ocasião para atacar pela retaguarda e executar um golpe de Estado. Logo depois da derrota de Moreira César, uma onda de histeria coletiva dominou o Rio de Janeiro. Por toda a capital, bandeiras foram hasteadas a meio-pau nas imediações dos jornais republicanos; escolas públicas suspenderam as aulas; teatros cancelaram os espetáculos; bandas de música silenciaram seus coretos nos jardins. Ruas e praças nos vários cantos do Brasil receberiam o nome de Moreira César, em especial, e dos “heróis” tombados na fatídica expedição, em geral. O Clube Militar reu-
NtU-Se em sessão secreta e uma campanha contra os “trai dores da República tomou conta das ruas. E
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32
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ter o e nt me ea an nt me mo u ro au st n o i r á t c e s o t n e m i Fsse mov l e v á s n o p s e r o o d n e s , gime e r o g i t n a do s io ár id rt pa ent re Os
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rmé Co do al rn Jo O e, rd Ta da ta ze Ga eriódicos monarquistas A io rc mé Co O al rn jo o o, ul Pa o Sã Em cio, O Apóstolo e Liberdade.
de e rt pa r po s to en ol vi s ue aq at de vo al i fo Jo São Paulo também
”. os in ob ac “j s re ta li mi e s vi ci de os grup
s do di re ag , os ad lt su in m ra fo co ui rq ná mo me Adeptos do regi sé Jo il nt Ge l ne ro co O , me no re a de st ui rq na mo e linchados. Um a ri iá ov rr fe o çã ta es ma o nu ad in ss sa as o de Castro, acabou send
is ia ic of z de r , po is ol óp tr Pe e em -s ar gi fu a re av nt te do quan any Be e o de lh -s fi va o ra nt , co os en in ss sa as e . os tr s” En no bi co “a
a ic bl pú r Re ta da li go mi lo o eó id id ec nh co , is nt ma o ta ns Co n mi
e do positivismo. Na mesma estação, estava o visconde de Ouro Preto, último primeiro-ministro do Império, que por pouco escapou de ser executado. Os baianos, de um modo geral, e os do interior, em particular, passaram a ser apontados como “jagunços” e “monarquistas”. Os jornais de orientação republicana radical fabricaram ima-
gens aterradoras sobre o arraial baiano. Do mesmo modo como
atualmente há exageros de fantasia sobre o armamento de traficantes € delingiientes, no Brasil, e de terroristas, nos USA, fanta-
stou-se sobre o armamento utilizado pelos rebeldes. Ele teria sido
enviado por partidários de um suposto “complô monarquista”. Chegou-se a afirmar que os “jagunços” estivessem armados de balas explosivas. Canudos receberia apoio até mesmo do exterior. As operações bélicas estavam sendo acompanhadas por simpatizantes do Império na Argentina, em Portugal, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. O líder oculto de toda a trama seria o conde d'Eu, marido da princesa Isabel e genro de Pedro II, auxiliado por grupos como a Unión Internacional de los amigos del
115
Imperio del Brasil eo Comitê Imperialista. A ficção subjugava
a realidade.
A utilização de Canudos como tema pelos opositores do g0verno civil de Prudente de Morais manteve-se durante todo o período de conflito armado no sertão e gerou um clima de ten-
são, cujo desenlace dramático se deu com a tentativa de assassi. nato do próprio presidente. No dia 5 de novembro de 1897, um mês após a destruição do arraial de Belo Monte, quando Prudente de Morais, o vicepresidente, representantes do Congresso e todo o alto escalão do governo recepcionavam os batalhões que haviam participado da expedição a Canudos, no Arsenal de Guerra, um militar “Jacobino” de baixa patente, Marcelino Bispo de Melo, tentou alvejar o presidente a tiros de revólver. Na confusão, o ministro da guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, caiu mortalmente ferido. Imediatamente, o presidente decretou Estado de
Sítio, mandando fechar os clubes e associações militares e civis.
visando conter a agitação política. A desastrada ação seria o canto de cisne do movimento “jacobino”. Inocentes
úteis
Os mais expressivos monarquistas, entre os quais o visconde
de Ouro Preto, Carlos de Laet e Eduardo Prado, esquivaram-se
da acusação de participarem da sedição “monárquica” dos “jagun-
ços. Apontando o caráter faccioso desse tipo de denúncia, con-
sideravam inadmissível serem identificados com um bando de matutos. Eduardo Prado isentava os monarquistas de qualquer
responsabilidade na revolta de Antônio Maciel, vendo na incom-
petência do governo a causa dos reveses militares das armas da República.
O baiano Rui Barbosa, republicano insuspeito, em conferência publicada no jornal O Comércio de São Pau lo, definiu como
Sit
116
pr
e qu r ze di , as st ui rq na mo os mo co , es nt ce de as so es P a r t n o c a i n calú a su r po s, ai qu os s, ta is ir he el ns co os m co os ad un n u m o c n a m m a v a t s e is fié o ri pé Im do as st di ta es os uc po s “O : de da e l caluniou sem p
vez, ao am ar ic if cr sa o nã a e qu os , al ri pe im o çã i d a r t na República à )na e nt me m a r al le am ar tr en o nã , ou es sõ er nv co ndustrialismo de certas
o it mu r Po a. ti io id a ss de s ze pa ca in am er a, colaboração republican , sa ro lo do a ci ên ii eg ns co o, err seu o m co ser s mo ra ei severos que qu
he on sc de ito líc é s no o nã l, ve rá cu in ida fer a um de mas natural, is ve iá il nc co in m, mu co o ns se o e, ad id gn di a o, sm ti io tr cer-lhes o pa
com a hipótese de uma restauração assente na vitória de uma horda
de mentecaptos e galés sobre a razão nacional”. Poucas vozes lúcidas levantaram-se contra a torrente de mentiras, boatos e sensacionalismo, tratando da questão de modo mais
equilibrado. O coronel Carlos Teles, participante ativo da quarta expedição, denunciou solitariamente as distorções da imprensa e
dos radicais sobre os canudenses, afirmando estar convencido de que tudo não passava de “fantasmagorias”. Os jornalistas Manuel Benício e Lélis Piedade e o escritor João
Brígido, no final da campanha, procuraram alertar a opinião
pública nacional sobre os crimes cometidos em nome do novo regime nos sertões. Entre os intelectuais de renome, apenas Machado de Assis manteve posição lúcida, protestando contra a campanha difamatória criada contra os sertanejos e reconhecendo a
liderança autêntica do Conselheiro. Segundo Machado de Assis,
'um homem que com uma só palavra de fé e a quietação das autoridades congrega em torno de si três mil pessoas é alguém”. Venceu a voz corrente e o arraial de Canudos entrou para a história na condição de adversário da República. Portanto, fica a questão: qual a natureza do monarquismo, entre os caboclos do
sertão?
Indubitavelmente, Antônio Maciel era favorável à Monarquia.
Em suas prédicas, referia-se negativamente aos judeus, maçons e
117
republicanos. Entre os textos que deixou, um chama-se Sobre q República. Nele, o pregador não ocultou sua simpatia pela princesa Isabel e por dom Pedro II, considerando a legitimidade do governo imperial na pessoa do eventual dom Pedro III, neto do
monarca deposto.
De modo similar, o Conselheiro defendia o direito divino dos reis e considerava falsos os princípios em que a República se baseava, por considerá-los ancorados apenas em idéias profanas, ou seja, não religiosas. Em outro sermão, intitulado “So-
bre o recolhimento da chave da igreja de Santo Antônio, padroeiro de Belo Monte”, afirma: Quem teria nunca imagi-
nado que no século 19, cujo povo foi educado nos santos salu-
tares princípios da religião cristã, que muitos deles deixassem
de se nutrir do verdadeiro sentimento de amor de Deus; além
de darem tão triste testemunho, ocorre que se movem pela
incredulidade [...]; que eles não ligam a menor importância pela
sua salvação, como são os maçons, protestantes e republicanos [...], espalhando doutrinas falsas e errôneas aos ignorantes, arrastando assim tantas almas para o inferno, além das persegui-
ções que eles fazem à religião do Bom Jesus, nunca eles hão de triunfar, porque Deus protege a sua obra”. Católico convicto, Antônio Maciel via na República uma ameaça à religião, em virtude da separação entre a Igreja e o Estado. Em seu modo de ver, a separação afetava os fundamentos
da instituição do casamento. Parecia-lhe inadmissível que o ma-
trimônio, um dos principais sacramentos da Igreja, pudesse ter
validade quando realizado fora do âmbito religioso, e ser inválido quando não registrado civilmente, ainda que abençoado pela religião. À instituição do casamento civil afrontaria a ordem espiritual na qual repousava a tradição cristã. Somente aos minis-
tros da Igreja competia celebrar a união conjugal: “Assim, pois, é
prudente e justo que os pais de família não obedeçam à lei do
pa
| RR
religiosa a ri té ma em sa en of é ma si ís av gr | a o d n a t i v e l, casamento civi lma”.
a à e a i c n ê i c s n o c a e t que toca diretamen Monarquismo
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sertanejo
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mid iti leg a er ec nh co re lhe não Por . ime reg o nov o m co lheiro
e os st po im re sob a an ic bl pu re de da ri to au a ia de, não reconhec ten er qu al qu ere sug os rit esc s seu de um nh ne a, avi política. Tod lqua o ad nt se re ap foi is ma Ja . ca ui rq ná mo ão raç tiva de restau
quer indício de um contato sequer do “Conselheiro” com o suposto movimento restaurador.
O arraial de Belo Monte constituía por si mesma a resposta de Antônio Maciel à emergência da nova ordem com a qual não concordava. Ali, seus adeptos poderiam continuar vivendo segundo as tradições ancestrais defendidas pelo velho peregrino. O arraial de Belo Monte e as regiões adjacentes sob a influência dos conselheiristas constituíam uma espécie de república cabocla mais ou menos independente do Estado republicano, como já assinalado. À concepção de monarquia tida pelos próprios sertanejos,
visualizada em versinhos e poemas encontrados nos destroços da
comunidade, ou recolhidos pelos testemunhos oculares da guerra, estava absolutamente distante daquela concebida pelos eruditos e políticos do Rio de Janeiro e de São Paulo, e mesmo das concepções do líder e inspirador da comuna de Belo Monte. Neste caso, o tempo em que o Brasil fora governado pelos monarcas era lembrado como
essencialmente bom, e os problemas vivenciados no presente aparectam invariavelmente associados ao novo regime de governo. “Caio D. Pedro Segundo Para o reino de Lisboa
Acabôsse a Monarquia E o Brasil ficou atôa (xe) 119
I garantidos pela lei Esses malvados já istão Uns tem a lei de Deus Outros a lei do Cão.
Ó que dia assinalado
Que estamos para ver
De pobre si agoentar E o rico correr.
Este povo está perdido está sem arrumação
o culpado disso tudo é o chefe da nação”.
No conjunto de imagens elaboradas pelos caboclos, a idéia da monarquia aparece indissociavelmente ligada à ordem cósmica instituída pelo poder divino. A República, identificada com a lei do Cão” — repare a semelhança com a palavra “elei-
ção” —, personificava o mal e era tida como criação do próprio
satanás. Ela estaria sob o domínio do anticristo e seu aparecimento anunciaria o fim próximo dos tempos. Era como se a ordem tradicional se tornasse subvertida e o mundo estivesse “de cabeça para baixo”. Era crença corrente entre muitos conselheiristas que em pouco tempo dom Sebastião retornaria para instaurar seu reino na ter-
ra. Essa crença, surgida em Portugal no século 17, foi transplantada para o Brasil desde o período colonial e subsistiu ao longo dos séculos no conjunto das tradições dos caboclos do sertão. Dom Sebastião, último rei da dinastia de Avis, morreu em
1578, no Marrocos, na batalha de Alcácer Quibir, quando chefia-
va uma irresponsável expedição militar contra os marroquinos.
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o od rí pe um te en lm ua ig u lo na si da d da independência “acional as |
| | . al ug rt Po de grande crise em na r e r r o m t re u se o st vi am ri te e u q r Impossibilitados de dize os , o o d n e d n e f e d r e r r o m de o çã ga ri batalha, já que tinham a ob a ç n a r e p s e r a ra pe os pr m a r a x i e d e r c a s s nobres que escaparam do ma
o. es a v pr a r t n o c n e se e , qu ir gu se a e, de que dom Sebastião fugira
ra bi su e qu ça en e s cr a u i d n u f a, i d av rn to re o nã o Mais tarde, com li ra l, pa ia st le to ce ci ér ex m u , m o ia c ar rn to re e aos céus, de ond
bertar Portugal.
O reino celestial
O inconformismo dos portugueses alimentava a esperança no retorno do monarca, muito após da reconquista da independência diante da Espanha. Entre os séculos 17 e 19, desenvolveu-se o mito de que o rei desaparecido desencantaria pouco antes do dia do Juízo Final e transformaria Portugal num império universal. A figura de dom Sebastião ganhou aspectos messiânicos e as profecias populares anunciavam periodicamente o seu retorno. Essa crença no “desencantamento” do antigo monarca recebe o nome de “sebastianismo”. No Brasil, a esperança do retorno de dom Sebastião conheceu grande popularidade, especialmente no Nordeste. Em 1819,
no interior pernambucano, um caboclo de nome Silvestre José dos Santos fundou, nas proximidades da serra do Rodeador, uma
comunidade messiânica ao anunciar para breve a ressurreição de dom Sebastião. Segundo suas profecias, o rei distribuiria bens e riquezas aos que participassem de seu “desencantamento”. Para tal, o profeta mandou erigir um templo improvisado, estabelecendo formas de liturgia próprias e cerimônias propiciatórias para o evento miraculoso, ansiosamente aguardado. 121
Os moradores das vizinhanças, insatisfeitos e amedrontados com as atitudes dos participantes da seita mística, denunciaram.
na aos representantes do governo provincial. O líder foi intima.
do a comparecer diante do comandante militar do distrito de
Bonito. Como Silvestre não comparecera, o governador da província de Pernambuco autorizou que uma divisão militar, sob
o comando do marechal Luis Antônio Salazar Moscoso, mar-
chasse em direção da serra do Rodeador, para reprimir violen-
tamente o culto. Em 22 de outubro de 1820, o destacamento
do Exército abriu fogo contra os crentes, provocando enorme carnificina. Os que escaparam da fuzilaria foram passados ao fio
da espada, ou morreram nas chamas do templo, que foi incen-
diado. Em 1836, um outro caboclo, de nome João Antônio dos
Santos, morador
do sítio de Pedra Bonita,
também
em
Pernambuco, profetizou uma vez mais o retorno de dom Sebastião, anunciando a criação de um reino de abundância para os
que o seguissem. Fundou uma comunidade e passou a se intitular rei, atraindo seguidores das localidades de Riacho do
Navio, Piancó e Cariri. Algum tempo depois, João Antônio dos
Santos renunciou ao seu apostolado, sendo substituído por outro profeta, João Ferreira dos Santos. Em Pedra Bonita criou-se uma comunidade messiânica radical. O “rei” João Ferreira era adorado pelos adeptos, ostentando
uma coroa de cipós de japecanga. Ele pregava ao povo, estimulava Os cânticos e rezas diversas, autorizava a realização de casamentos. O fim da comunidade mística foi horripilante. O profeta anunciou que, para se verificar o esperado “desencantamento” de dom Sebastião, era necessário que as pedras e os campos circunvizinhos fossem regados com muito sangue, dos velhos, jovens, crianças e até mesmo dos animais ali reunidos. Todos os que se submetessem ao sacrifício ressuscitariam junto com O
122
monarc
voltaria pobres
À mítico, em situação inversa da qual viviam: os velhos
os e s; nco bra m ia er sc na re ros neg os os; cid nes m rejuve
do ão ers inv a ad nh so À s. so ro de po e os ric m “etornaria pro na o br ca ma o ? ic ól mb si do me re ar um a mi mundo social assu
. o d i c e d n a s n e a t e f o r p o d a mess
No dia 14 maio de 1838, incentivados pelo líder, os adeptos
do movimento praticaram o suicídio coletivo, entregando-se uns
da aga esm eça cab a ou o tad cor o coç pes o em ter para os outr 1os nas pedras da localidade. Durante três dias sucedeu-se o macabro ritual. Impossibilitados de permanecer no sítio em virtude do mau
cheiro insuportável, os sobreviventes deslocavam-se para outro local quando foram interpelados pela tropa do comissário de polícia das proximidades, major Manoel Pereira da Silva. Ataca-
dos pela força policial, enfrentaram-na com facões e cacetes, enquanto entoavam orações e ladainhas, até serem aniquilados à bala, ou então presos.
A crença sebastianista estava presente nas tradições populares
do sertão nordestino, sem contudo dar origem a outros episódios tão catastróficos como esses, e certamente inspirou as ações de moradores de Belo Monte. Alguns sertanejos esperavam possivelmente o breve reaparecimento do rei imaginário, identificandoo com a causa de Antônio Conselheiro e concebendo-o como o herói que os livraria da República. Esse aspecto ficou registrado nos testemunhos orais dos cantadores nordestinos, como pode-
mos notar nos versos recolhidos por Euclides da Cunha e pelo folclorista José Calasans: “Sebastião já chegou Com tamanho regimento Acabando com o civil E fazendo o casamento
(53)
123
Visita nos vem fazer Nosso rei D. Sebastião
Coitado daquele pobre
Que estiver na lei do Cão (et) Em Belo Monte já estava O dom rei Sebastião Dos montes corria azeite
A água do monte era leite As pedras convertiam-se em pão”. Idéias difíceis
Os elementos gerais presentes no ideário monárquico do sertanejo contrastavam com as concepções dos intelectuais e da opinião pública esclarecida dos centros políticos do Brasil de
então. À idéia de monarquia, segundo a ótica popular, decorria do âmbito da religião e do sagrado. Num mundo de sertanejos que se viam como iguais, o poder de mando e a legitimidade só podiam advir daqueles de um modo ou de outro relacionados com Deus. Nesse sentido, o poder divino “consagrava” a autoridade
das lideranças de reconhecimento popular.
Para as pessoas cultas, integrantes das camadas superiores da
sociedade urbana, o monarquismo dos caboclos e de homens como o Conselheiro denunciaria de imediato o atraso e a inca-
pacidade de compreender as “vantagens” e avanços de um regt-
me democrático e republicano, que sancionava como naturais as diferenças de classe abominadas, consciente ou inconscientemen-
te, pelos sertanejos.
Esse modo de ver encontrava apoio na tese correntemente defendida de uma suposta inferioridade racial das populações mestiças, como podemos observar nos argumentos do médico € cientista social respeitado, Raimundo Nina Rodrigues. Como
vimos;
o d a n i m o n e d , 97 18 em o em artiogo. “ctentífico”, publicad ean rt se ao e qu va ma ir af e el , ” s o pidêmica de Canud
“A Joucura e o ad ic if gn si r e O d n e | e r p m o c ra pa al tu ec l e t n i e d a d i c a p a c a v a t fal úblic|a. | p e R a a d r o d a r u a t s n i Àabstrato da lei, n o c e r p o o t n a t o t a i d e m i s de o n a l e v e o r i n í c o i c a r de o p i t se Es a su a to an qu ” ão aç iz il iv “c la pe ceito e o racismo dos “Juminados” . am vi vi e qu em to ex nt co o ri dificuldade de compreender o próp s do to a, an ic bl pu re a ci ên ri pe ex de da ca Em menos de uma dé o — or ri te an co ti lí po lo de mo ao s éi fi m e aqueles que permanecess o m o c s do ti am er — os an 0 32 e nt ra ánico conhecido no Brasil du s io ár id rt pa 05 e nt me so , so ca e ss . Ne ultrapassados e reacionários . as st si es gr ro “p e s” no er od “m am ri do novo modelo implantado se e qu na ci di Me e de nt da tu es m ve , jo es ad rc Ho s in Alvim Mart o rm se s i u q r a n o m s do vo ti mo os eu eb rc pe s, do esteve em Canu mo em em ss la s fa n e m o s h le ue aq e l qu ra tu na o it tanejo: “É mu am er sc na je ho s de to ul ad os m, be s sa do to o m o , c ue narquia, porq zli o fe çã in za li vi ci a de s, on õe rt se s a i no u e q r a n o M o da no temp da ém o al çã a no tr ou es el m tê o nã a, nd ai ou eg ch o e ment nã monárquica.” s, ta sis me é at ir he el ns co ra os nt co ta co lu da ti o lí ri po ná ce No es çõ ta no o co tr ou de e do la a um o de mi sm su ni as ia st ba mo o se
diferentes. Enquanto, na concepção sertaneja, a figura mítica de dom Sebastião desempenhava o papel anteriormente menciona-
do, na literatura política e nos jornais da época, sebastianismo era termo fartamente utilizado para nomear atos ligados à restauração monárquica. Neste sentido, a Revolta da Armada de 1893 foi considerada
pelos observadores como sebastianista, assim como a revolução federalista do Rio Grande do Sul, o mesmo valendo para as articulações monarquistas no Rio de Janeiro depois da proclamação
da República. Evidentemente, não se trata da concepção
sebastianista dos caboclos do sertão. Uma vez mais, atos e pala125
vras criavam um fosso entre os participantes de Brasis socialmente diferentes, ocupando um mesmo território.
Foi a partir desse olhar excludente que o sentido da guerra seria forjado na consciência dos oficiais que rumaram para o campo de batalha. Longe de conceber as expedições militares como meio de
oferecer combate a um grupo de dissidentes políticos e religiosos, a
idéia amplamente difundida e aceita era que destruir Canudos equi-
valia a aniquilar um foco de subversão dos inimigos da pátria. República e pátria pareciam constituir uma mesma entidade
e os adeptos do Conselheiro, nessa ótica, eram encarados como estrangeiros” no território nacional e inimigos declarados do
Brasil. Uma visão que reproduzia a visão monárquica e escravista que reservava apenas aos homens livres proprietários a cidadania plena, da qual eram marginalizadas completamente as multidões
de trabalhadores escravizados. Jagunços e “jacobinos”
Em meio ao clima de tensão do Rio de Janeiro, e das disputas pelo poder, a luta contra a cidadela rebelde e a vitória sobre os pretensos restauradores monarquistas” implicaria de imediato na afirmação política dos republicanos radicais e “jacobinos”. O Clube dos Jacobinos acusara abertamente a tolerância de Prudente de Morais, chamando-o de “jagunço de nova espécie”. trocadilhos maldosos sobre a pessoa do presidente procuravam apontar a sua fraqueza diante dos acontecimentos. Ele era chamado de “Prudente demais”. À liquidação do “foco fanático” pelo general Artur Oscar forneceria o apoio necessário para a “expulsão dos traidores da Re-
pública” no Rio de Janeiro e facilitaria a tomada de poder no palácio presidencial. A guerra de Canudos, por razões completa-
mente alheias aos sertanejos, assumiu dimensões que extrapolaram
em muito seus motivos iniciais!
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pia
DEVA SATIOS MA
126
Anos
depois,
Euclides da Cunha olharia
retrospectivamente
ra Pa r. ta li mi o çã en rv te in da o ad ic if gn si O r a go ar am : e id nt ta as A S o r e B d B com Db a ci ên ci ns co na o id im pr im am vi ha expedições
ole, os líderes das aac e qu s do na xo ai ap o tã os an ic bl pu re dos jovens soldados ideais baram criando “inimigos imaginários .
o çã ca di de a su e is ia ic of ns ve jo s do e O entusiasmo delirant iu ir qu ad os cl bo ca os ar ac at ao m ia nd fe fervorosa à causa que de
s ta is ir he el ns co os e qu m co ” ca ti ná fa ão aç rr os traços da mesma “abe r, de lí u se de me no em m lutava ão rt se r ha rc ma s, ao io ár on ci di pe ex ns ve Era como se os jo
ém mb ta os ig im in , ia he al a rr te em er at mb co em ss adentro, fo : il as Br do e rt e pa ss ze fi o o nã çã la pu po a su e ão rt se se mo alheios. Co s. ro ad qu os tr Ou s. to bi há os tr . Ou ha an tr es a rr te em se “Viamal e in ig a or ri gí da em la cu ti ar o, sm me ua ng a lí tr Ou e. nt a ge Outr a um ra em pa ir gu se o de to at en ex im nt os se o adi . va ca In es ur pint guerra externa. Sentiam-se fora do Brasil. A separação social com-
pleta dilatava a distância geográfica; criava a sensação nostálgica
de longo afastamento da pátria. O inimigo lá estava, para Leste €
para o Norte, homiziado nos sem-fins das chapadas, e no extremo delas, ao longe, se desenrolava um drama formidável”.
O estranhamento resultante do confronto entre os participan-
tes de Brasis socialmente tão diferentes, disputando um mesmo
espaço, um mesmo território, conferia à luta um caráter bizarro
e trágico. Os soldados, em nome da pátria e da República, ima-
ginavam honrá-las exterminando os “bárbaros fanáticos”. Esses, por sua vez, defendiam-se como quem resiste a uma conquista estrangeira, diante dos enviados da “lei do Cão”, bradando: “Avan-
ça, fraqueza do governo!”
A guerra de Canudos não foi, porém, um imenso desencontro ou uma trágica incompreensão. Em torno da luta pela defesa ou
destruição do arraial de Belo Monte lutava-se igualmente pelo
direito ou não de as classes subalternizadas estabelecerem espa-
127
ços de autonomia — religiosa, administrativa e territorial. Com a destruição de Belo Monte, assegurava-se a continuação da despótica sociedade de classes da época.
O fiasco da terceira expedição não apenas mobilizou os setores políticos e a opinião pública nacional, mas também desencadeou uma das mais amplas e bem montadas campanhas do Exército nacional na
época. O conflito assumiu as feições de uma guerra civil. Galvanizada pelas sucessivas vitórias, comunidades sertanejas da região passavam a reconhecer apenas a autoridade emanada de Belo Monte. Após reassumir a presidência, Prudente de Morais esforçou-
se para organizar uma expedição que colocasse um rápido fim ao reduto sertanejo. O comando geral foi confiado ao general Artur Oscar de Andrade Guimarães, oficial experiente, participante
ativo do combate dos insurretos na revolução federalista, nos anos 1893-1895. Imediatamente após sua nomeação, o alto oficial
dirigiu-se a Queimadas, onde chegou em 21 de março.
O general Artur Oscar estabeleceu um plano de combate que
procurava assimilar as lições das antigas derrotas. Divididas em duas
colunas, de três brigadas cada uma, as forças militares partiriam de
Queimadas e de Aracaju, de onde se dirigiriam, passando por Monte Santo e Jeremoabo, respectivamente, sobre o arraial rebelde. 129
À arregimentação das tropas levou ao paroxismo os tradício-
nais métodos autoritários de arrolamento. Sobretudo na Bahia e
no Rio de Janeiro, prisioneiros políticos, criminosos, desempregados, pequenos proprietários rurais, desafetos políticos foram caçados e inscritos, à força, nas tropas militares. Tudo pela defesa e pelo bem do Brasil! O efetivo empregado nas operações foi extremamente elevado.
Deslocaram-se para o sertão unidades militares provenientes de
dezenove Estados brasileiros, sobretudo do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, onde acabara, em 1895, a mais sangrenta guerra civil sulina, a chamada revolução federalista. Ao todo, as tro-
pas eram compostas por quarenta e oito batalhões de infantaria, quinze regimentos de cavalaria, seis regimentos de artilharia de campanha, oito batalhões de artilharia de posição, além de equipes completas destinadas a prestar apoio logístico e técnico durante a guerra. Só das terras gaúchas, partiram vinte destacamentos. O número de praças, oficiais e técnicos envolvidos com o combate também é surpreendente e esclarecedor quanto à di-
mensão do conflito. Entre os meses de março e maio, no início da campanha, o efetivo contava com 421 oficiais e 6.160 praças. Entre mato e setembro, o contingente foi acrescido com 286
oficiais e 3.384 soldados rasos, além de forças policiais e civis, convocadas para servir de guias ou prestar apoio e assistência. De um total de quase 25.000 homens que compunham efeti-
vamente os quadros do Exército em 1897, seguiram para Canudos os seguintes contingentes: maio
6.684
julho
2.709
setembro
4.386
junho agosto
.
halal ra1 al:
5.872
2.550
130
Para
sba o nã , es çõ or op pr is ta de o sucesso de uma operação
eipr em da ão aç iz al re A s. te en at mb co as r apen ta en im tava arreg m u e as op tr s o da nt me ci te as ab O ra pa ão stalaç in a ou nd ma de tada ncia, que gê er s em de ia ar rm fe s en e ai it sp ho m o c serviço sanitário,
s. do ri fe e s te en do s ao o t n e m permitisse O atendi
s e co ti êu ac rm fa ro at qu s, co di mé ro Inicialmente, vinte e quat
da ar ol nr se de o m o C . as op tr m as a r a h n a dois enfermeiros acomp
is do e ta en ss s se e co ti êu ac rm fa ês tr s, co di guerra, seis OUtrOS mé m em ra ua at —, a hi Ba da is se e ta in tr a — n estudantes de Medici
do o an rç , fo os re ad is ov pr im ue ng sa de os nc ba s ou ia -nfermar corpo de saúde. s re ve ví de e co li al bé ri te ma de me te lu an vo o on si es pr im i Fo o, nt me ci te as ab os de oi mb co s do m . U ão s rt do se ta ao or sp tran to os mp co , a er ça o an l Fr e p s m a ve C al nç l Go ne ro co lo do pe gi ri di r, ca z os de rr bu os de rr ca ês ta tr e en ar qu i, as bo de et rr ca te se de
gueiros fornecidos pela polícia, 178 cargueiros fornecidos por particulares ou pelo governo, além de dezenas de cabeças de gado para
o consumo.
Munição de boca
Ao todo, eram conduzidas cinquenta mil arrobas de peso bruto de “munição de boca” — provisões de alimentos — e de guerra, que seriam utilizadas pela infantaria e artilharia. À expedição portava consigo um poderoso canhão Withworth de 97 mm, puxado por treze juntas de bois. Muito logo, os projéteis da terrível “matadeira” provocariam grandes estragos nas frágeis moradias do arraial. É difícil imaginar o que significou, para a época, a impressionante arregimentação de forças. As colunas formavam-se e partiam, rapidamente, de todo o Brasil. Aos combatentes, devemos somar, igualmente, um número indeterminado de acompanhan-
tes civis. Como era comum na época, os soldados portavam con131
sigo suas mulheres para que lhes lavassem a roupa e fizessem q comida. Vivandeiras, prostitutas e vendedores acompanhavam os
soldados na marcha pelo sertão. À primeira coluna, chefiada pelo general Artur Oscar, partiu de Monte Santo em 14 de junho, deslocando-se vagarosamente, arrastando a pesada artilharia, por caminhos difíceis. Em 26 de junho encontrava-se já em Rancho do Vigário, a dezoito quilômetros de Belo Monte. No trajeto, aconteceram dois confrontos de pouca importância, em Angico e Pitombas. Em 27 de junho, chegava a coluna às alturas do morro Ver-
melho, como previam os planos militares. O primeiro combate significativo ocorreu quando foram lançados ataques contra os conselheiristas que ocupavam o Alto da Favela, impondo-lhes
elevadas baixas. Muito logo, a situação comprometeu-se. A coluna militar,
estacionada em um perímetro estreito, com as tropas ea artilha-
ria ao alcance das carabinas dos conselheiristas, começou a sofrer
elevadíssimas baixas. Mais grave ainda, suas comunicações foram
cortadas com a retaguarda, que era também atacada furiosamente pelos defensores de Belo Monte. Quando se prenunciou o esgotamento das munições das tropas cercadas, o general Artur Oscar compreendeu encontrar-se
na iminência de ser varrido pelas forças inimigas, o que signifi-
caria uma derrota de consegiiências dificilmente previsíveis. Não fora igualmente fácil o deslocamento da segunda coluna, que partira de Aracaju em maio, comandada pelo general Cláudio do Amaral Savaget. Em 25 de junho, quando se aprestava a atravessar a serra de Cocorobó, sofrera o ataque das forças concentradas dos conselheiristas, protegidos do fogo de armas pelo relevo irregular do terreno. O capitão Manuel Benício, que acompanhava a segunda co-
luna como correspondente do Jornal do Comércio, deixou precisa
=.
Abdo
+
Lo
dd. e
132
aus ca o ej an rt se ar re er gu de a tensão que O modo re anotação sob o notar que estes comba-
is ec pr “É : os ad ld so 5 20 € is ia va aos ofic ald so os ss no s lo pe os st vi am er o nã s so io er st mi € s ze ro rentes fe r ga lu de o d n a d u m s, ta ul oc às , a d a c s o b m e de am av ig br dos, pois entes, por baixo dos
rp se o m o c lo so lo pe do an ) e t s À cada tiro, ra
o s e r t m u a o h n i t o s ã o n r r e o s s d o s n a a r u i q b m a c a s o m e d d a r t s n I
. ” r a c s o b m e s o n a r a p o j i conder
o r o d p a d n a e m t o n c e g n i t n o c o l d a t n o r e f u q Apenas um ata ão aç er op À . es çõ si po s da os ej an rt se os r Savaget conseguiu desaloja
am er rr mo 8 1/ , na lu co da ns me ho 2 54 revelou-se custosa. Dos 2.
foi l ra ne ge o ri óp pr O . es at mb co os ra pa os ad iz il ut ou ficaram in do si am ri te es or ns fe de s do as rd pe as to an qu en , re ferido no vent amb co is do is ma a av av tr na lu co a e, rd ta is ma as di is mínimas. Do ho 6 32 ra e pa -s am ar ev el as op tr s da as ix ba as s, ele a ves. Devido mens, quando chegaram £nalmente diante de Belo Monte.
Contra a parede não r Osca r Artu ral gene O , ções muni sem e quas tes, Entremen
raont enc se que em ão uaç sit cil difí da -se har cil ven des uia seg con va, cercado, no Alto da Favela. Não se sabe se por sua ordem, o coronel Thompson Flores, comandante de uma das brigadas da “coluna, tentou um desesperado ataque ao arraial, à ponta de baio-
seu oficial superior, O general Savaget, cocoluna, o general Artur Oscar abandonou conquistada para pôr fim ao cerco em que geral e seus homens. Quando ele apresen-
tou-se a Artur Oscar, este lhe teria dito: “Você salvou-me de uma
derrota”. Durante boa parte do mês de julho, as tropas expedicionárias
mantiveram-se, como puderam, no Alto da Favela, castigando
133
ça
Sob a injunção de mandante da segunda a excepcional posição estava o comandante
a
dos.
em
neta, no qual perdeu a vida, com outros oficiais e sessenta solda-
incessantemente com a artilharia o reduto santo. Durante todo
esse tempo, os oficiais acreditavam encontrar-se à apenas algu-
mas horas, no máximo a alguns dias, da vitória final. Porém, o
elevado número de perdas sofridas e a resistência encarniçada dos atacados retardavam a invasão ao arraial. Talvez o medo de perder a iniciativa dos combates levou, em 18 de julho, Artur Oscar a ordenar um primeiro ataque frontal ao
reduto. O general pretendia tomá-lo no fio da baioneta. Os oficiais
e soldados tinham certeza da vitória total sobre a capital cabocla, derreada por um bombardear incessante de duas semanas. O assalto foi um impressionante fracasso. Dos 3.300 solda-
dos e oficiais que participaram da ofensiva, mais de novecentos terminaram feridos ou mortos. De resultado positivo, apenas a conquista de uma pequena área da povoação, ao longo da qual se estabeleceu uma longa trincheira, denominada Linha Negra. A partir de então, o tiroteio entre atacantes e defensores ao longo da “terra de ninguém” estabelecida pela Linha Negra seria tão intenso que não raro ali morriam uma dezena de soldados por dia. No final de julho, mais de mil e seiscentos homens jaziam feridos no hospital de sangue, muitos deles gravemente. Além da inesperada resistência dos adversários, as tropas militares passavam por grande dificuldade de abastecimento, sobretudo de gêneros alimentícios. Cafam vítimas de uma estratégia bem-sucedida dos caboclos: em vez de ataques frontais e maciços, os conselheiristas combatiam em pequenos grupos isolados,
atacando os comboios de víveres, impedindo e dificultando a
revitalização das unidades militares.
O estudioso Renato Ferraz lembra que os homens do sertão, eximios caçadores, conhecedores do terreno e das condições na-
turais da região em que se travavam os combates, transferiram toda
a sua experiência para o combate com o Exército. Simplesmente caçavam soldados!
no
134
e t n e m e t n e r a p a o d o m m u de e -s va sa es oc pr ja ne a t r A luta se ra nt co o d n e t a b m o C . az ic ef e t n e m a m e r t x e s a , m o desordenad os , es ef ch us se de ns de or s la pe s da za li bi mo , as d a z i n a O ar iz unidades org il ab st se de de , s s ze o pa ca t r e c s o egiam alv s a t s i r i e h l e s n o c
el
s i a m i n a os e s a l u m as e t n e m l a i c n e r e f e r p m a i t a b A . ataque maciço
. s o i o b m o c s o d o ã ç a de tr n e m e t n e t i m r e t n am i v a r i s t e a r o s n e f e d S , O s o r Do alto dos mor ao elimi-
e, qu m a i b a S . is ia ic of s no te, sem aviso, especialmente s o n e u q e p m E . s o d a t n e i r o s e d am ri ca fi s do ia ef ch os e, ef ch o r na s i a m e d os o d n e t n a m , os ad ld so ns gu al m a v a t a m , os rn tu no os lt assa e qu , as op tr s da a d a n e d r o s e d ta os sp re o d n a v i t o m ou s do da or ac esgotavam as munições. Combatentes
invisíveis
de ra er gu à r la mi si ca ti tá a um r po Os conselheiristas optavam
sse de o , or rr te o s, te en at mb co Os guerrilhas. Provocavam, entre mca da e rt pa a bo e nt ra Du s. õe rç se de as , ão pero, a desorganizaç oge io me do s ra ru ag às s ue eg tr en m ra ve ti es os panha, os soldad , ver am di po l ma e qu o ig im in um a os st po ex , do ci gráfico desconhe co ni pâ O . da mi co de e o gn di co di mé o nt me di privados de aten , as ad al rr cu en as es pr e -s am av rn Lo e. dominava-os invariavelment upa e qu s ai rt mo s la ba s la pe s do gi in at m, ia ir ca do an qu r sem sabe ta ba s e to en am ac st de , es ad id un s na os zi va katinamente criavam lhões. rtão em se o m va ma or sf an tr de se a e me fo a r, do sa ra ab O sol
fu e as ix ba do an oc ov pr s, do to a o nd ma ti vi o, verdadeiro infern de G em , ia ev cr es io rc mé Co do al rn Jo do gas. O correspondente an gr te in s a do or ad nh ru ab ac l e ve rá le to in ão aç tu julho, sobre a si aav lt Fa . os nt mi fa e s ço al sc de s, jo su m va da An o. tes da expediçã
pa am ac do ir sa a am vi re at se e qu Os r. be be de lhes até a água os e qu o ig im in do is ve mó s vo al r ra vi de o sc ri o m mento, corria
l. ve sí vi in é so io nc le si , va ta ei pr es
135
Escrevia o jornalista Manuel Benício. “Comandante de bata.
lhão já tenho visto pedir humildemente um punhado de farinha.
Calculem que quando a fome entra pela barraca dos oficiais está dormindo nas dos soldados. Estes atiram-se pelos matos à procura de bodes, muitos morrem baleados. Os jagunços reúnem até, nos cercados, bois e cabras e ficam ocultos por detrás dos cercos. Os famintos soldados arrojam-se sobre os ruminantes, matam-nos e
eis que cheios de alegria tentam soltá-los, quando chove sobre eles uma saraivada de balas certeiras que fazem fugir os mais felizes”. O “arraial santo” era protegido com inteligente rede de trin-
cheiras e as pequeninas casas de taipa foram unidas com túneis que permitiam aos combatentes conselheiristas o rápido e segu-
ro contato entre elas. Era a face da guerra social, em que as classes populares vingavam-se e levantavam-se, em nome da defesa
do Bom Jesus, contra a opressão secular em que viviam. Em agosto de 1897, a indecisão e a desorganização da expedição começou a ser criticada por jornais do Centro-Sul. Para realizar o prometido ataque final ao reduto sublevado, o general Artur Oscar requereu ao governo central mais munição, armamento e um reforço de nada menos do que cinco mil homens. Edmundo Moniz, em seu livro Canudos: a guerra social, define esse reforço como uma “quinta expedição”. A quarta jazia já impotente, diante de Belo Monte.
Inicialmente, o governo enviou-lhe uma brigada de mil e
quinhentos soldados. Ela recebeu o batismo de fogo no Rancho
do Vigário, onde foi atacada por grupos de sertanejos. A seguir, mais mil e quinhentos homens dos corpos policiais do Pará, do Amazonas e de São Paulo juntaram-se à expedição. E não foi tudo. Outros cinco batalhões de infantaria tomartam o caminho dos sertões baianos.
Impaciente com a resistência infatigável do reduto, o presi-
dente da República enviou, além do poderoso reforço das tropas, ' a
ara “a
*
cias ;
ig
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136 r
de o ad ch Ma os rl Ca al ch re ma , ra er Gu op róprio min 'stro da ando-
permaneceu ocup ele de on o, nt Sa e nt Mo + pitrencourt, pat combates.
s do m fi O é at o, çã di pe ex da se das necessidades
Com «imento, dade de
te as ab o do çã za ri la gu re s a o e d a g e h c m é c os reforços re iil ib ss po na s o n e m z ve da ca e os conselheiristas viam-s de io íc in No . os id fr so s ue aq at os ra tu al m à respondere
, va si ci de a r b o n a m a m u am ar iz al s re re ta li setembro, as tropas mi
ial re , ir gu se A e. nt Mo lo Be a m va va le ocupando as estradas que s m do e s s a g e h c e o qu d n i d e p m i l, ia ra »aram o cerco total do ar
to, a n e m o m e ss de ir rt pa s. À to en im al € s ma , ar ns sertões home
. ão aç tu a si a id rt ve re e ss fo o nã so , ca da di ci de va batalha esta
, de se a e me fo a m te o en c lm ua m ig va ta es or lu ns fe de a, os or Ag sre ag ga do e in at as ca ad da rd es se çõ de la pu po s os da ig im velhos in s ma õe ar id e lt -s mu am às ar nt as ju op tr is ma s, mê l do na fi te. No a, st au da ex e ca a. fo ad Su e ev d a bl d su i n u m o am c a av rc ce e qu s da Belo Monte estava chegando ao fim.
Pelo lado dos combatentes da “ordem”, crescia o fervor patriótico. Em poucos anos, os ideólogos e dirigentes republicanos haviam conseguido imprimir em suas consciências valores e atitudes capazes de criar laços de identificação entre as noções de pátria e de República. Florianistas e “jacobinos” dispunham-se a morrer pelo ideário republicano. Cidadãos e caboclos
O ideal republicano militar inspirava-se num modelo totalmente elitizado de república francesa, sem lugar para a plebe e para as classes subalternizadas que, nos fatos, haviam sido o sal da terra
daquela revolução. Em prol dessa república teórica e elitista, os líderes do Exército nacional não mediam esforços para afogar no sangue a rústica república cabocla construída nos sertões brasileiros. O dia 14 de julho de 1897, data magna da Revolução Francesa, foi saudado, pela manhã, em forma infame, com uma salva 137
de vinte e um tiros sobre o miserável arraial sitiado. Era a cele.
bração do aniversário do evento inaugurador da Declaração dos
Direitos do Homem
e do lema Liberdade, Igualdade e
Fraternidade” com a morte de crianças, velhos e adultos que lu-
tavam por seus ideais.
Poucos dias depois, em 23 de agosto de 1897, o general Artur Oscar anotava em sua ordem do dia: “Belo, indescritível mesmo, era ver como cada soldado sentia a sede de afastar trincheira por trincheira, à cata destes monarquistas [sic] sob o disfarce dispa-
ratado de salvadores da religião cristã: era belo ver como cada soldado desejava vencer trincheira sobre trincheira, rebentar pe-
dra por pedra com a mesma heróica solenidade com que os patriotas franceses, na Revolução do fim do século 18, arrancaram
pedra por pedra da célebre cadeia em que se alojava o lobo que mostrava nas unhas a herança das misérias feudais”. No discurso exaltado do líder máximo da última campanha
contra o arraial de Belo Monte, por uma triste ironia, os mesti-
ços “atrasados” e “fanáticos”, que sustentavam com a força de seus braços a oligarquia rural, eram identificados com a nobreza francesa, exploradora dos trabalhadores rurais daquele país, e a tomada das trincheiras de Belo Monte, baluarte da decisão popular nos
sertões do Brasil, com a tomada da Bastilha, símbolo maior da
ordem feudal na Europa. Em busca de referenciais em que se baseassem, os estadistas e legisladores republicanos apoiaram-se na constituição dos Estados Unidos da América para redigir a carta magna da Republica brasileira. No que tange aos modelos de conduta dos cidadãos, a França da revolução de 1789 manteve-se sempre como a grande referência dos militares republicanos brasileiros.
Não era por acaso que os republicanos radicais eram chama-
. » . Puicti 1d dos de “jacobinos”. O ideal da república democrátic a e popular, e
em uma ótica conservadora e elitista, orientava as suas ações, o]
É grs
dt) bo
os
138
s, õe aç mi re ag , es ub cl de o rn to em se organizarem tre
en s da ri or oc s la ue aq o m o c , as ns te in s õe aç st fe co mícios € mani bino.
m
co ja o i n í m o d b so , ça an Fr na , 1792 e 1795
s do m u , a” es lh se ar “M a a er s ro ei asil br s” no bi co “a ) s o d o n i O h a r i e d n a . b a À s e c n a o r ã F ç u l o v e R s a e d r a l u p s o a p m e l b s m cipai e
prin
do e ev nt ma , es ar ll Vi o ci Dé r po a id eb nc co a, an ic bl pu re al on ci na seguia a is ma o do tu em — s re co as as en ap al estandarte imperi concepção positivista. o ng sa lo o e, rd ve o nd fu o a nh ti a an A nova bandeira republic pe im s a m e l b m e de ta lo ca a va ra amarelo e a esfera azul, mas reti co. ba ta e fé ca de s mo ra Os a, ro co a r, la mi «ais: à cruz, a esfera ar
as id er sf an tr m ra fo , ra fe es da ra fo m ia ec ar As estrelas, que antes ap o” ss re og pr e em rd a “o st vi ti si po sa vi di a e , para dentro da calota foi introduzida em uma faixa central. on sp de es nt de ra . Ti os ol mb sí us se va ia cr te O regime nascen e m o n ” em do ca fi ri ac “s do si r te r po al on ci «ava como o herói na a — ic bl pú Re da r io o ma ol mb o sí ri óp pr o. O an do sonho republic nta en es pr re er lh mu a m u da ca em fi ni so er e (p n a célebre Marian , po sa ce an o Fr çã lu vo Re e a nt ra da du za li ea do a liberdade) — id ilv vo s en re ta li mi e is ra , be is li ua ct le te in ão de aç voava a imagin o ir ne Ja de o Ri . No al on ci o na ri eá id vo no ão do aç dos com a form
a, ru se la pe mva ra nt co s en ta in st s di oa ss pe o d desses anos, quan
m co s e ma d , r a t oa “b ou a? di m o b “ m u m e co o -s nã am saudav a e ic e st ad rú id al ri te ma a su Na !” ça an Fr a a iv co um entusiásti “V re s do os nh r so ta os en es pr re e de ng lo va ta s es o d u n a plebéia, C es os e iç st , me os en qu es pe — ns de nu ca s. Os to ic nv os co publican s o do l p e m e nt x e me o va ti ni m fi ía de tu ti ns co o nã os — ad farrap ia. tr pá va no a m ia ar rm fo e qu os dã da ci ” os ir de “verda O símbolo da morte
de as lh ta ba s da e es at mb co os ad iç rn ca en is Quando dos ma
bosím os ndo oca inv a jut a a par m va ha rc ma os dad sol os cisivas, 139
los nacionais. Após a vitória do Exército, na trincheira da Fazenda Velha, o local foi renomeado como Forte 7 de Setembro, em homenagem ao dia da separação do Brasil de Portugal. Nas comemorações pelo transcurso da data comemorativa da
Independência, vinte e um tiros de granada foram desferidos sobre
pontos específicos do arraial rebelde. Triste espetáculo: em memória da independência do Brasil, os projéteis de fuzis e canhões eram endereçados contra brasileiros pobres. Para os atiradores, será que os conselheiristas eram tidos como brasileiros? No dia 1º de outubro, no morro da Favela, o coronel Antô-
nio Olímpio da Silveira fincou em território conquistado” a bandeira, hasteando-a sob o canto do hino nacional. A mesma
cerimônia repetiu-se em 5 de outubro, sobre os destroços do arraial de Belo Monte. Então, os soldados e oficiais, em forma-
ção nos seus respectivos batalhões, comemoraram a vitória final ao som de toque de cornetas, banda de música, hinos e gritos entusiásticos em saudação à República, ao Exército e à memória de Floriano Peixoto. Belo Monte tinha igualmente seus símbolos. Para os oficiais
e soldados, a principal identificação era a bandeira e o hino nacional. Para os caboclos, era a Igreja Nova que continha em si enor-
me significado.
À construção do templo absorvera as energias de Antônio Maciel durante toda a existência da comunidade. Construída em
estilo elegante e dotada de proporções imensas, simbolizaria a
força da comunidade. Para os sertanejos, indestrutível, materializaria a resistência de seus defensores. Os oficiais da expedição militar perceberam o nexo existente entre o templo e o ideal de autonomia de seus construtores. No final da guerra, o edifício tornou-se o alvo principal dos atirado-
4%
O AMAS
ya
e
res. Ao destruí-lo, sabiam que, além de atingir pedra, ferro € madeira, minavam e erodiam as próprias convicções dos caboclos.
140
os u o n o i s s e r p m i lo mp te o A insistência nos ataques contra ação que
ic if ed da e rt pa a d a C . e t a b óprios narradores do com co a er , as ad an gr s la pe e s õe nh pelas balas de ca
-edia, alvejada e rt pa r po jo zi go re de s õe aç st memorada com efusivas manife pa s sa os gr as m o c , no si O m o c dos atiradores. Com as torres, tantes bi ha s do as nç ra pe es as e os «edes ruíam também os sonh mco no o ã ç a n i m r e t e d a m, ré po , ía . Não ru
do “arraial santo”
bate.
e nt ne te lo pe a it fe a v o N ja re Ig da a A descrição da derrocad to an qu o os -n la ve re es ar So o d e c Henrique Duque Estrada de Ma aat s e io ár rs ve ad r po l ta o m o c to ei ac a er os cl o símbolo dos cabo o nd se , ue aq at e do nt me ta re di ou ip ic rt pa a ad cantes. Duque Estr s mê do l na fi o e sd de e, el o d n u g e S o. ri uá nt sa o último a alvejar o ão nh ca lo o i pe e d r a b m o to b up rr te in a in er fr de agosto, a igreja so
es rr to , as ro mb te se de 6 m E . no si o a ír , ca ro Withworth. Primei
: xo ai ab am s er a vi d e a e d r a b te m o en b am ad er it re m fora m o c iu ru te e en am nt e le -s ou in cl in to li no “O gigantesco mo irm u fo do on tr es , lo so no do in ca e, te en fr ra pa espantoso fragor r . Po ra ei po a de d a m a a c ss pe es es o ar nd os ce re , cu davelmente es r gi ur ss re is po de ra , pa lo mp u te ce o re pa sa , de os alguns segund a su r e de po u o se id rd o pe , nd ha te an tr a es rm , fo do em mutila invulnerabilidade”. Foram extraordinárias as impressões provocadas no espectador e participante ativo do bombardeio. Os termos utilizados e “mutilado” formidavelmente”, “estrondou fragor”, “espantoso da simbólico valor profundo no pensar a levam estranha” “forma derrocada do santuário.
O sonho acabou
ibil era uln inv e der “po de da per a tar, mili do ção cep per Na
dade” da fortaleza sagrada afetava indubitavelmente as convic-
ele mo Co s. ore tet pro e res uto str con s seu de das fun pro s çõe 141
mesmo dizia, a derrubada da igreja provocou “assombro e pânico
entre os jagunços.
“Houve uma geral movimentação. Vivas entusiásticos, aclamações prolongadas por longo tempo atroaram. Descargas sobre
descargas de fuzilaria enviaram milhares de projéteis aos jagun-
ços atônitos e espavoridos, perturbados com aqueles fatos, para eles estranhos e cuja inexeqiibilidade o Conselheiro sempre proclamava nas suas prédicas.” A situação dos defensores do reduto piorava dia a dia, anunciando o fim próximo da comunidade. Como preâmbulo ao desastre final, um após outro, os conselheiristas perdiam os seus “generais” sertanejos, verdadeiras revelações militares de uma campanha que apenas cobriu de vergonha as armas republicanas. Nos combates do final de julho, morrera o grande Pajeú. Em 27 de setembro, caíra João Abade. Pouco antes, falecera José Venâncio. Em 1º de outubro, era a vez do ardiloso Joaquim Macambira. Restavam, como figuras principais, Pedrão, terrível defensor de Cocorobó, Lalau e Manoel Ciríaco. A sorte dos caboclos tornava-se atroz. Em 22 de setembro, o próprio Antônio Maciel morria de disenteria, ferido por um estilhaço, alquebrado pelas doenças e pelo destino de sua gente. Morria com 67 anos, idolatrado pelo seu povo, sem arredar o pé de Belo Monte e sua gente. Seu corpo foi enterrado dentro do “santuário”. Quando da invasão da cidade, o cadáver foi exumado, tendo a cabeça barba-
ramente cortada e transportada até Salvador pelo major Miranda Curio, para que o crânio fosse examinado pelo médico Raimundo
Nina Rodrigues — a maior sumidade nacional do racismo cienti-
fico. Esperava-se que, após análise científica, ficasse comprovada a doença mental” do líder religioso.
Com a morte do Conselheiro, alguns combatentes esgueira-
ram-se entre as linhas inimigas. Entre eles encontravam-se os it site
142
r na do an ab a se ugo ne a ri io ma sa en im À a. ov N a l i V s o mã a ri te e qu e, ip rg Se de o n a i c r a M de o çã re di a b O S a r o g raial, a . ” m é b m a t r e r r o m o er qu eu u e r r o m ro ei lh e s n o C O e s s “Poi ! s u s e J m o B o l e e p u m g n a a t s r o a m a r r e d , e “ t n «m dia
o ardito: Daí
32
E
l ta to o rc ce o , ro mb te se de s Como vimos, durante todo o mê
nle so es ac de as vi is pa ci in pr as e do arraial foi-se concretizando Belo de de da ni mu co A s. te an ac at s do le ro tamente caíram sob cont
is pa ci in pr as e qu já a, ad iz il ob im e nt me Monte ficou completa iil ib ss po im s, da la ro nt co m ra fo so es ac m va s que lhe da passagen
a, lh Ve a nd ze fa a o, ai mb Ca do a rr se À o. nt ando seu abastecime
es Às s. te an ac at s do os mã s na am ír ca ho » trincheira do Morrin nfo , ão rt se o m co o at nt co o ia rd pe e nt cradas fechadas, Belo Mo te de sua força. e, nt me te an ss ce in , do bi ce re a nh te e nt Mo O fato de que Belo
em os rç fo re s, ta er m ab ra ve ti es so es ac de as vi as su as to an enqu
o tã es qu a o um sã us sc di em ca lo s co to en im homens, armas e al
é At . ma te os no ad ss re te s in re do ia or st hi s lo a pe id ut sc di o pouc do do tu es se o uro nt ce a, nh Cu da es id cl Eu a de ir te es na , je ho fenômeno sobretudo sobre Belo Monte. É hora de estudar o arraial como o epicentro de um movimento de autonomia sertaneja que envolvia regiões e populações muito mais vastas. Com tropas capazes de enfrentar um verdadeiro exército estrangeiro, em meio a uma epidemia de varíola a acossar suas trol ra ne ge s, o ua ág s o da çã ta a es da ad eg ch ão da nç ju in a b so e pas, Oscar César decidiu-se pelo ataque final. Na madrugada do 1º de outubro, seis mil homens aguarda-
ram silenciosos a ordem de ataque diante de uma povoação arrasada, habitada por homens, mulheres e crianças que sobreviviam como podiam, caçando ratos para se alimentar. Sempre
prepotentes, os oficiais subestimavam mais uma vez os defensores. Esperavam tomar o arraial em duas horas. Foram necessários cinco longos dias.
143
Lirismo macabro O ataque foi precedido por violento bombardeio, de trinta minutos, efetuado por dezoito canhões. Militares e jornalistas deixaram “líricas” descrições do efeito da varredura da artilharia sobre os casebres, habitados por crianças, velhos, feridos e resistentes. De madrugada, o correspondente da Gazeta de Notícias escre-
veria: De todos os pontos da linha ouviam-se gritos desesperados e as lamentações dos desgraçados envolvidos nas labaredas do incêndio que se propagou durante a noite pelas casas ocupadas pelos bandidos, ficando soterradas, em suas ruínas, tudo carbo-
nizado, muitas vítimas do fanatismo e da exploração política”. E, a seguir, ajuntaria, talvez procurando convencer-se, mais a si do que a seus leitores: “Mas, isto era preciso, porque os jagunços são de uma atrocidade feroz, inaudita!” Sob o fogo nutrido dos defensores, as tropas assaltantes penetraram na povoação sedentas de sangue, baionetas em riste. Os sertanejos concentraram-se em pouco mais de cem casas atrás das ruínas da Igreja Nova, de onde resistiam furiosamente, atirando por entre as seteiras das casas. Pela tarde, os atacantes começaram a lançar sistematicamente fogo às residências, estreitando o quadrado defensivo conselheirista. Já então, o arraial ardia em chamas. A seguir, abriram
trincheiras — para prevenir um contra-ataque do inimigo. O desespero era ainda o mesmo do início dos combates. Soldados e oficiais caíam sem ver o rosto dos inimigos, ou de onde disparavam,
No dia seguinte, 2 de outubro, uma bandeira branca levantouse entre os escombros. Era a primeira vez que isso ocorria, desde O
início dos combates. Antônio Beatinho apresentou-se ao general
Artur Oscar, propondo a paz. Magro, moreno, aparentava cinquen-
ta anos. Tinha barba crescida e encontrava-se descalço. 144
ia . s” en ag im s da or ad el “z s ma , e t n Beatinho disse não ser combate a
i h n a p m o C da s nó , es nt te is ex s Segundo ele, “à vista das desgraça ”. fe he -c em lra ne ge O r m a o | t c n e m a l r a a p solver re s, su Je do Bom a Su . ir rt pa o çã la pu po a se as ix de € o rc ce o se as nt va le se e qu a di Pe
da s ro mb me s do e nt ge ri di r te rá ca o r ma declaração parece confir
o. ir he el ns Co lo pe a ad nd fu a hi an mp co opr l, ta to ão iç nd re a ôs op pr e do di pe o ou it O general reje m. se as eg tr en se e qu dos da vi a r ta ei sp re e nt me ca ni metendo ci
end re s oa ss pe as nt ce is se a as nt ce ro at qu de , te in gu No dia se era o up gr o a, ri io ma sa en im sua Em . as ad rm sa de e, -s am constituído por velhos, mulheres e crianças, e por apenas uns
sessenta homens.
Os vencidos ficaram expostos às piores humilhações e, mais que isso, sujeitos à ira e à “barbárie” dos vencedores. Na realida-
de, foram imolados em nome da República, sendo entregues a
um sinistro e cruel ritual. Com a autorização dos oficiais, os soldados impunham aos prisioneiros a condição de permanecerem vivos caso gritassem “Viva à República”. Os que se negavam a prestar a reverência eram degolados. Um negro, que fora aprisionado, ensangiientado, negou-se a fazê-lo. Elevando a voz, disse: “Viva o meu Bom Jesus; a morte
não me assusta, amolem a faca e me cortem o pescoço. O correspondente Alfredo Silva, do jornal 4 Notícia, perguntou ao homem se ele esperava ressuscitar. Ajustando os fatos aos seus preconceitos, procurava encontrar explicação para o ato destemido. O negro respondeu despreocupado: Sei que só se morre uma vez, mas não importa, amolem a faca, e viva o meu Bom
Jesus!” Beatinho e dezessete outros dos que se renderam foram de-
golados. Combatentes válidos, velhos e crianças sucumbiram vi-
timados pela “gravata vermelha”, eufemismo empregado para designar o degolamento.
145
Sem direito à salvação
Os objetivos da degola seriam ainda mais perversos. Segun-
do as crenças conselheiristas, morrer de tiro não impedia que a
alma fosse para o Céu. Ao contrário, perder a cabeça impossibi-
litava a viagem do corpo para o Paraíso Eterno. Se essa tradição
fosse verdadeira, o ritual macabro da degola afetaria igualmente ao mesmo tempo o corpo e o espírito dos adversários.
A defesa da “ordem” efetuava-se através do extermínio gene-
ralizado. Os prisioneiros eram levados para fora do acampamen-
to, colocados de joelhos e a lâmina afiada, passada pelo pescoço,
dava cabo da vida e, ao mesmo tempo, destruía simbolicamente
o sonho alimentado pelos sertanejos. As cabeças cortadas em Belo
Monte simbolizavam o projeto abortado de vida alternativa inau-
gurada pela comunidade político-religiosa. Alguns civis que assistiram aos fatos repudiaram-nos com veemência, denunciando-os a seguir à opinião pública nacional.
Afinal, tal tratamento não era digno nem mesmo dos inimigos estrangeiros, contrariando todas as convenções de guerra.
Segundo o baiano Alvim Martins Horcades, a “carnificina inconcebível” demonstrava cabalmente que os valores tão efusivamente alardeados pelos homens “civilizados” cediam lugar à arbitrariedade, pois tais exemplos levavam a crer ser a lei baseada apenas na força. Então, o juiz era punhal. Pela primeira vez, alguém reconhecia nos caboclos vencidos a qualidade de brasileiros: “Eram atirados à sua face os piores vitupérios, mas eles os enfrentavam com a serenidade do indefeso; procuravam arrancar-lhes revelações, mas eles as faziam com o mutismo; finalmente, mandavam-nos dar vivas à República, mas eles diziam preferir a morte, e era dando vivas ao “Bom Jesus Conselheiro" e Belo Monte que caíam fulminados pelo punhal da legalidade (se bem me exprimo) aqueles homens dignos do nome brasileiro!”
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e as nç ia cr , es er lh mu das so pe do s do ia iv al 4, dia Ão ano tecer do ma hu ebr so e nt me al re o rç fo es e do ra pe es in estropiados, num ato ntri as te noi a da to e nt ra du am ar ac at s te no, os últimos combaten
m, ha in nt ma es or ns fe de os e qu do an tr ns «heiras dos assaltantes, demo
«inda, um comando central.
Na manhã seguinte, 5 de outubro,
e. -s am ar eg tr en s do li vá in os tr ou , o” nt sa al rai derradeiro dia do “ar
m, ia st si re s ta is ir he el ns co s te en at mb co s mo ti úl ro at À tarde, qu
e de a lut de os mã ir s seu de s re ve dá ca os e br so , ra ei ch in tr a «m um teo nã até am er at mb co , os ad ld so de as en nt ce r po os ad rc fé. Ce rem mais cartuchos. Os derradeiros defensores de Belo Monte eram um caboclo,
um negro alto, um jovem e um velho. Este último, sem muni-
ção, avançou ainda, armado com um machado, contra os soldados. Portava o barrete da Companhia do Bom Jesus! Assassinos
da memória
Belo Monte, testemunho visível e concreto das formas de vida
desenvolvidas pelos seguidores do peregrino Antônio Maciel, tal qual seus defensores, também foi amputada e degolada. O comando militar decidiu que nenhuma parede das construções ali erigidas fosse conservada em pé. Nem mesmo uma estaca sequer lembraria ali ter existido uma comunidade. No dia 6 de outubro, centenas de soldados amontoavam paus,
caibros e vigas, ateando-lhes fogo, reforçado com os corpos perdidos entre as ruínas. Tudo foi demolido, arrancado e queimado. O cheiro adoci-
cado dos corpos queimados era nauseabundo. O arrasamento foi completo. Minas e granadas detonaram
paredes e muros, fazendo voar granito, terra e areia, deixando apenas escombros, montes de pedra e madeira.
O correspondente do jornal Gazeta de Notícias, Fávila Nunes, relatava que, no interior da cidade devassada, não se podia dar 147
um passo sem tropeçar em uma perna, um braço, um crânio, um corpo inteiro, outro mutilado, um monte de cadáveres queima-
dos, ainda fumaçando, outros putrefatos. Incomodava-o o “cheiro horripilante de carne assada nos braseiros das casas incendiadas,
de 5.200 casas em labaredas!”
Não se pense que tal espetáculo provocasse compaixão ou piedade no jornalista. Como tantos outros militares ou civis, ao
abandonar o arraial destruído, levou consigo, como troféus de guerra, objetos típicos. Entre os souvenirs de Belo Monte esparramados através de todo o Brasil encontravam-se centenas e cen-
tenas de “jaguncinhos” ou “jaguncinhas”. Ou seja, as tristes crianças filhas dos resistentes que perambulavam órfãs ou desvalidas entre as ruínas de Belo Monte. Para o correspondente Fávila Nunes, a vitória fora obtida. Porém, ele intuía que o espectro dos heróicos combatentes conselheiristas perseguiria para todo o sempre a memória dos destruidores do “arraial santo”. “Canudos não existe mais! Para nossa infelicidade, basta a sua eterna memória, que mais parece um pesadelo.”
Tui to
148
H,
A D S A I G É T A R T S E S A E S O D U N 8. CA MEMÓRIA
si de o rn to em em ra at e qu os nt me ci te on ac há ia, Na histór s õe nç fu o nd ha en mp se de s, te en rg ve di e es ar sp dí os ad signific me re são e qu em o nt me mo o o nd gu se as, cis pre s ca gi ló eo id morados.
Ou, sobretudo, segundo quem
os recorda. Esses
acontecimentos podem ser chamados de “paradigmáticos, pois arm fo os fat . Em o” el od -m os nt ve “e o em nd ma or sf an tr se am ab ac dores da consciência histórica e política de um povo. Os acontecimentos de Belo Monte/Canudos enquadram-se dentro da categoria dos “eventos paradigmáticos. Nos últimos
cem anos, o modo pelo qual os analistas da realidade brasileira
abordaram-nos resultou em imagens variadas, muitas vezes contraditórias. O historiador francês Marc Ferro, em A história vigiada, lembra que a consciência histórica jamais é neutra. Ela aparece inva-
riavelmente atrelada aos interesses das classes, dos grupos sociais, das instituições e do Estado. Ao recordar os acontecimentos do
passado, especialmente os que envolveram grupos antagônicos, 149
os elaboradores da memória interpretam e conferem significados
para a matéria histórica segundo a perspectiva dos BTUPOS sociais,
dos setores culturais, das classes etc. que representam. Isso põe fim a qualquer possibilidade de se descobrir uma “verdade” por sobre as contradições da própria sociedade. Diferentes “verdades” aparecerão, variando segundo as concepções defendidas. as vinculações ideológicas e sociais de quem se propõe a rememorar A simples denominação do arraial rebelde por Belo Monte ou Canudos, dos combatentes como “conselheiristas” ou “Jagunços”
tende a expressar posições divergentes sobre os acontecimentos. Belo Monte/Canudos exemplifica perfeitamente o que acabamos de afirmar. As imagens e representações do arraial sertanejo, do exército repressor, de Antônio Maciel, o Conselheiro, e de seus seguidores variaram bastante ao longo do tempo e foram sempre transmitidas carregadas de partidarismo e paixão. As proporções épicas do combate e a violência dos contendores certamente colaboraram para gerar polêmicas e controvérsias.
Vejamos algumas das principais tendências que atuaram na formação da memória coletiva sobre os acontecimentos. O principal fator considerado na elaboração da memória de Belo Monte/Canudos foi a consolidação da República. Nos estudos, análises e interpretações do movimento conselheirista, foi justamente o evento da repressão e extermínio do arraial que se inseriu na História do Brasil. De acordo com a socióloga Maria Beatriz Nascimento, dificilmente os elaboradores da memória brasileira conseguiram pensá-lo como movimento social autônomo. Em geral, foi concebido como um fato isolado que mobili-
zou a repressão do centro” político, por ser uma reação a um fato considerado “maior”: a consolidação da República. Todavia, era preciso explicar uma questão crucial. Como fora possível que um bando de matutos atrasados e ignoran150
ssi re , s e r a t i l i m s o t n e m i c e h n o c u o s a n r e d o m tes, «em armas n e s e r p e r s do a d a z i n a g r o à força
«ssem durante tanto tempo e u q el ív ss po ra fo o m o c : s o m r e t s o r t u o m E : o ã «antes da Naç a m r o f ”, co ra “f e t n e m l a oci s e al ci ra e t n e m e t n e r a p a um grupo ao ir st si re e ss de pu , es br po s re do ha al ab rr € os iç st me r po do sde e es nt na mi do s se as cl s da as op tr «torte”, composto pelas ! s u e p o r u e e d s e t n e d n ce Explicar O inexplicável
rve go as op tr s la pe as id fr so as ot rr Era preciso justificar as de
etubr so , os ad ic at pr s re ta li mi es im cr os mo namentais, assim co
os e qu s õe aç ic pl ex as ss de a sc bu em i Fo o. nt do no final do confro ir et fl re de ho al ab tr ao se mra ca di de os ne próprios contemporâ sobre a guerra sertaneja.
go ti ar um em s, mo vi mo co s, ue ig dr Ro na Para Raimundo Ni
nté is ex da ão aç ic pl ex a , to li nf co do o sã lu nc escrito durante à co o ni tô An a. ri at ui iq ps na a ad ur oc pr r se a ri ve cia de Belo Monte de , os ej an rt se os o e, ac ní ma lo ga me al nt me te en Maciel seria um do . ra cu ou “l de ia em id ep a um de or pt ce re o, iv ss pa to en em o el
am as st ci ra s ia or te s na a ad se ba , co di mé o do çã ta re rp te in Na nu Ca e/ nt Mo lo Be a, oc ép is da ua ct le te in s lo s pe ta ei plamente ac os du ví di in r os po ad ic at s pr io sv de ão de aç tr ns mo de dos seria a mestiços, portanto “naturalmente” pertencentes a um estágio is ia is ic of ua ct le te in e os tr en al rm no é mo . Co or ri o fe in iv evolut ta re rp te in a u um no fi u re e mo s to ue re ig dr Ro na s, Ni so io ic of ou el ci o Ma ni tô An de al nt e me úd sa e a br so es it el s da ga ti an is ção ma
enh co m re s ta ra is fo ir he el ns s, co os do la ui iq an de is po de Só cidos como “dignos irmãos brasileiros”. O extermínio, o bombares nt da tu es ns ve jo s to do es ot am pr o ar oc ov pr la go de a e io de baianos, de alguns escritores e de parte da opinião pública. Em
1899, o deputado federal César Zama compôs violento libelo contra os destruidores de Belo Monte. 151
O jornalista Manuel Benício, um dos poucos a alertar sobre os desmandos e a chacina praticados pelo Exército, sobretudo nos
momentos finais da campanha, publicou, em 1899, um roman-
ce histórico — O rei dos jagunços — em que descreveu o conflito e
relatou os costumes do ambiente sertanejo.
Um ano antes, em 1898, o monarquista Afonso Arinos reu-
niu os artigos publicados no jornal O Comércio de São Paulo, transformando-os em livro — Os jagunços. Visava reabilitar os conselheiristas e denunciar as violências militares.
Euclides da Cunha, em Os sertões: campanha de Canudos, lancado em 1902, denunciou com extraordinária veemência o cri-
me cometido no sertão baiano, em nome da República. O livro, construído na forma de um relato rigoroso, com descrições naturalistas, possuí estilo impecável e excepcional força narrativa, tornando-se em pouco tempo um clássico da literatura nacional. Os sertões: campanha de Canudos vem sendo reeditado ininterruptamente no Brasil e já foi traduzido para diversos idiomas estrangeiros. Euclides da Cunha esteve em Belo Monte/Canudos durante
o mês de setembro de 1897, como correspondente de O Estado
de S. Paulo. Escreveu seu livro, mais tarde, em 1898-1900, quando dirigia os trabalhos da construção de uma ponte, em São José do Rio Pardo. Para escrevê-lo, baseou-se em depoimentos de testemunhas oculares, em documentos coletados e em estudos realizados sobre o arraial.
O escritor elaborou uma verdadeira interpretação sobre os acon-
tecimentos, na qual a explicação repousa em teorias evolucionistas, racistas e deterministas geográficas. Fascinado pela tenacidade e
capacidade de resistência sertaneja, ainda assim identificou nos
mesmos as marcas de um mundo atrasado, condenado ao desaparecimento. Designou Antônio Conselheiro — “mistificador” e paranóico — como “um grande homem pelo avesso”. 152
de ha an mp ca s: tõe ser Os ”, or ad ng vi ro liv “o mo co Qualificado púRe da to ci ér Ex o ra nt co ia nc nú de a um u tui sti Canudos con dos a ri mó me da o çã ra pe cu re à o ad in st de ho al ab blica. Não um tr
s, re io er st po s ho al ab tr os tr ou os nt ta em mo sertanejos. Nele, co a tic crí a ra pa o nt me ru st in de l pe pa o ha en mp Belo Monte dese os. eir sil bra s te an rn ve go dos es ud it at as re sob O homem
e o livro
Devido às excepcionais qualidades literárias e por apresentar
uma explicação dos fatos plausíveis às elites da época, a obra exer-
ceu influência desmedida na concepção dos acontecimentos, constituindo uma espécie de “camisa de força” na interpretação da situação histórica e das condições do conflito. A visão proporcionada por Os sertões: campanha de Canudos, impregnada pelos preconceitos da época, forneceu os elementos gerais para a percepção “oficial” dos acontecimentos históricos envolvendo os conselheiristas e a República. Nesse sentido, Os sertões: campanha de Canudos apresentava-se como uma obra definitiva. Após o livro, nada mais precisaria ou poderia ser escrito. As marcas do “livro vingador” podem ser observadas no modo como os livros de história abordam tradicionalmente a guerra sertaneja. Em geral, os seguidores do velho líder religioso são apresentados como “fanáticos” e “ignorantes”; produtos do meio geográfico inóspito do Nordeste. O movimento sertanejo é qualificado de “reacionário”. Ainda em 1993, no centenário da fundação de Belo Monte, estudiosos retratam os atores sociais envol-
vidos como “loucos”, “subversivos” e a comunidade como “um antro de loucos e bandidos”. A superprodução cinematográfica de Sérgio Rezende, À guerra de Canudos, traz um José Wilker, no papel de Antônio Conselhei-
ro, de olhos eternamente esbugalhados, numa reprodução artís153
tica rasteira da visão tradicional de Antônio Maciel como um líder popular semi-ensandecido.
As denúncias de Euclides da Cunha em relação ao Exército deram
origem a um grande número de obras escritas por militares visando
resgatar a honra ferida dos oficiais e soldados mortos na guerra “cumprindo o seu dever de patriotas”. Em 1902, no mesmo ano da publicação de Os sertões: campanha de Canudos, o tenente Henrique Duque Estrada de Macedo Soares redigiu À guerra de Canudos, em que regis-
trou suas memórias pessoais e recolheu informações dos participantes da campanha. Procurava mostrar os acontecimentos pela ótica daqueles que participaram diretamente na expedição. Outros escritores provenientes do mesmo
meio — Dantas
Barreto, Iristão de Alencar Araripe etc. — questionaram a veracidade de várias informações apresentadas na obra euclidiana. procurando oferecer interpretação segundo a perspectiva oficial do Exército. Porém, militares acolheram positivamente a obra de Euclides, entre eles, Moreira Guimarães, Dionísio Cerqueira,
Cândido Rondon, Tasso Fragoso etc. Belo Monte permaneceu na memória oficial do Exército como exemplo nefasto de organização subversiva. Ao longo do século 20, serviu como parâmetro para indicar situações de perigo que
era necessário evitar a qualquer custo. Em diversos momentos de
mobilização popular, a lembrança do arraial baiano serviu de alerta às autoridades, justificando a intervenção armada em nome da estabilidade social”. Já em 1897, quando, em Santa Catarina, nas proximidades
de Lajes, um curandeiro e milagreiro chamado Francelísio Sutil de Oliveira formou uma comunidade religiosa, a repressão das
forças policiais catarinenses e dos bandos dos coronéis locais foi
rápida e violenta. Temiam que se repetisse o drama de Belo Monte. À comunidade massacrada ficou conhecida pelo significativo
nome Canudinhos de Lajes”.
154-
rer de lí do es or id gu se os , 12 19 Quinze anos mais tarde, em as rç fo as m co to li nf co em am ar tr en a ri Ma sé r Jo la pu po o os ligi . na ri ta Ca a nt Sa em ém mb ta u, aç governamentais, em Taquar
as ar ci ti no a am ar lt vo sa en pr im a Novamente, O governador e ihe el ns Co do es or id gu se os m co es ld be re s similaridades dos novo
e nd ra “g a um de os sc ri os e br so l ra de fe ro, alertando o governo
. a” ui rq na Mo a r ra au st re de o it tu in O m sublevação co
ma e nu ad ed ri da li so a a av eg pr e s to ep ad a ar nt ju a ri Ma sé Jo lpu ex à do , vi se de aav ic if ns te in a rr te la pe ta lu a e qu época em s, lara do za ni lo as co hi an mp co r s po ro ei ss po de es ar ão de milh a um s do em za ni . ga is Or na io ac in lt mu as es pr os em e ri tifundiá r, ia r, cr ta an se pl ma ra ca di os de cl bo ca a, os os gi li de re da comuni rezar. Apesar de viverem em paz, tropas catarinenses Os escorraçaram. Então, transferiram-se para o Sul do Paraná. Atacados por tropas paranaenses, reagiram sob a direção de uma
guarda santa, os “Pares de França”, ao grito vivam os monges
João e José Maria”. O combate, em que morreu José Maria, assinalou o começo
da guerra do Contestado, que opôs os camponeses da região às tropas do governo estadual e federal. O conflito seria encerrado apenas em 1916 com a morte de dez mil brasileiros. Em 1914, 0 general Carlos Frederico de Mesquita assumiu o comando das operações contra os “fanáticos”. Era um dos veteranos de Belo Monte/Canudos.
Sociologia senhorial
Tal maneira de conceber os fatos, as atitudes e os movimentos populares envolvidos no drama sertanejo persistiu entre a intelectualidade nacional, dando origem a análises de cientistas sociais, médicos e até mesmo psiquiatras. À experiência histórica
vivenciada em Belo Monte/Canudos foi diversas vezes abordada nos termos de uma perigosa “doença mental coletiva”. 155
Em 1973, o sociólogo Gilberto Freire, em um manual de
Sociologia, tecia considerações sociopsicológicas” sobre o fenó. meno, concebendo o movimento como o fruto das ações de um “psicopata”, propagadas num ambiente de choque dramático entre antagonismos de cultura. Para ele, sem a correspondência
da patologia com o quadro cultural, o problema “nunca teria
passado de um caso banalmente clínico”. Para os intelectuais comprometidos com o poder, não bastava desqualificar as potencialidades sociais do movimento popular. Era-lhes necessário denunciar os riscos que poderia represen-
tar à “Segurança Nacional”, caso voltasse a acontecer. Sobretudo, o caráter “subversivo” verificado no sertão em fins do século 19 causou preocupação constante aos ideólogos e estrategas militares. Belo Monte/Canudos for uma das maiores operações militares movidas pelo Exército em solo nacional. As lições” aprendidas na guerra serviram igualmente para reflexões sobre outras formas de reação organizada contra o governo. À guerra empreendida contra os “jagunços” foi tomada como objeto de debates pelos adeptos da Doutrina de Segurança Nacional. Já em 1946, imediatamente após a II Guerra Mundial, o oficial Nelson Carvalho publicava artigo na revista 4 Defesa Nacional, comparando a bravura do soldado que lutara contra os fanáticos” de Antônio Conselheiro com a valentia dos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira, na Itália, na luta contra os “fanáticos” nazistas. Duas décadas mais tarde, em 1968, a Escola de Comando
do Estado Maior do Exército fornecia aos seus alunos um panfleto intitulado “Guerras insurrecionais no Brasil”, abordan-
do a guerra de Belo Monte/Canudos e à guerra do Contestado. O tema de Belo Monte/Canudos apareceria em vários
fascículos de periódicos destinados à formação militar, especialmente no final da década de 1960, num momento em que
48
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156
e p l o g lo pe o d a r u a t s n i , al ri to ta di e m i g e r o b so a vi vi Brasil | militar de 1964. a d a m a h c a e 5 l A o o t d n e m i c e l e b a t s e O m o c , 1 7 9 1 e 9 6 Entre 19
lgo os ri sé m ia er sf de s a d a m r A as rç Fo as , al on ci Na a nç ra gu Se de Lei io, no exílio, na
nc lê si no s -o do an nç la , es or it pes contra OS SEUS opos m o c r ta li mi o sã es pr re a , os an idade. Nesses
prisão ou na clandestin es çõ za ni ga or s la o pe d a e d a c n e s e d o t n e m i v o m o te en am nt le o i v u e t a b o m u o i c v o r l e s c o b l a a c i a r a r a i o r d . s armadas oposicionista A memó éat tr es as m re de en re mp co me gi re do es or ns parâmetro para Os defe
o. mp te o ri óp pr u se de s” vo si er bv gias de luta dos “u to li nf co o e nt ra du s' ço un ag “j s lo pe A tática empreendida
o e br so r ta li mi e is ál an na ão aç ar mp co de to en serviu como elem arn ve go ti an s na ba ur e is ra ru as lh ri er gu s da o funcionament r ta li mi o sã es pr re da eu og ap de o nt me mo , 71 mentais. Em 19 o ni tô An l ia ic of O s, no ba ur is na io ec rr su in os nt me contra os movi
no de io sa en al on ci Na sa fe De 4 a st vi re na ou ic Carlos Cid publ minado “Canudos: guerrilha e antiguerrilha”.
Pouco antes, em 1969, Dúlio Urubatã Matos Leite, em arti-
go na Revista Militar Brasileira, analisava a natureza da guerra de guerrilhas da campanha de Belo Monte/ Canudos, verificando as possíveis similaridades táticas com as formas de ataque empregadas pelos grupos “terroristas” contemporâneos. Ele chegava à conclusão de que, “nos dias de hoje, é possível haver uma nova guerra jagunça”. Tal afirmação certamente tentava também exorcizar medos profundos. Se um arraial popular sublevado mantivera em cheque praticamente a metade das tropas militares brasileiras, o que ocorreria se os sertões brasileiros se deflagrassem!
Curiosamente, foi em 1969, no início do endurecimento da repressão ditatorial, que o açude de Cocorobó inundou o local em que, no final do século passado, situava-se o arraial de Belo
Monte. Segundo os argumentos das autoridades governamentais e dos dirigentes do Departamento Nacional de Obras contra as 157
Secas, a criação do açude procurava solucionar os problemas pe. riódicos provocados pela seca na região. É difícil dizer até que ponto a medida deveu-se à vontade de submergir sob as águas
da represa a memória
“subversiva” representada pelo arraial re-
belde de outrora. Belo Monte/Canudos foi destruída duas vezes: na primeira, em 1897, restaram apenas os destroços e as marcas visíveis da
violência ali praticada. Na segunda, até mesmo os menores vestígios foram encobertos pelas águas. O depoimento de um velho sertanejo das proximidades revela-nos parcialmente a desconfian-
ça com que tal medida foi recebida pelos descendentes dos
conselheiristas.
E o sertão virou mar...
Em depoimento prestado em 1993, o velho Zé de Isabé, então com cem anos de idade, dizia: “Eu acho que eles não deviam ter feito esse açude aí, por causa de este pessoal ter derramado este sangue aí em Canudos, e ser coberto d'água. Em sangue derramar água assim... sei não... sei não...”. À “síndrome do medo” associada à imagem do arraial cristalizou-se de tal forma no imaginário brasileiro que, mesmo em criações desvinculadas da “visão oficial”, Belo Monte/Canudos tornou-
se sinônimo de insubordinação e revolta. No filme “O grande mentecapto”, dirigido por Oswaldo Caldeira, em 1989, baseado no romance homônimo de Fernando Sabino, quando o personagem Geraldo Viramundo atrai em torno de si mendigos, prostitutas e marginalizados sociais, exigindo uma audiência com o governador de Minas Gerais, o chefe de segurança do palácio autoriza a
dispersão violenta da “turba”, temendo que a reivindicação se trans-
formasse em rebelião aberta e em um “novo Canudos”.
Se, por um lado, persístiram na memória nacional as tendên-
cias anteriormente apontadas, por outro, especialmente a part ir
dale
158
a ci ên ri pe ex la pe s a d a n o i c r o p o r p s n e g a m i as , 50 19 de da ca Ja dé e o ir he el ns Co o i n ô t n A de o çã ua at la pe , e t n o M lo Be histórica de s do e rt pa r po is ca di ra es çõ si po am ar ir sp in ja ne ta er 5 a r r e u g pela em s o d a p u c o e r p , da er qu es de es nt ta li mi € as st ti ar s, ai tu ec ntel
. ra ei il as br al ci so e ad id al re fornecer uma visão crítica da aim a ou ir sp in o r i e h l e s n o C o i n ô A figura carismática de Ant
do s e t n a t r o p m i s ra ob em te en es pr , no ti gem do “beato” nordes gi-
ri di , l” so do a rr te na o ab di o e s u Cinema Novo. No filme “De
s, ca se s da ão aç tu si ra du à ce fa , do por Glauber Rocha, em 1964 s n e g a n o s r e p os s, õe rt se s do s ai as e das injustiças soci
das miséri oad o € aç ng ca o ra pa ar : tr as en iv at rn te al dividem-se entre duas € as et of pr os ir gu se ou s, ai ci so os id nd ba s tar a vida marginal do lo s. Be io ír rt s ma e õe aç ov pr o de d n u m m u n , us De os de enviad os ad ip ot re te es e nt me ta le mp co — o ir he el ns Co o ni tô An Monte e e des lda icu dif as a par as et cr on “c vas ati ern alt mo co em — aparec as misérias do sertão. Nas décadas de 1960 e 1970, outra forma de interpretação da memória histórica do arraial de Belo Monte ganhou corpo va cti spe per da o ind erg Div da. uer esq de ais ctu ele int os re ent construída pela “história oficial”, o movimento foi analisado a
partir de suas realidades sociais subjacentes. Importantes pesquisadores de orientação marxista interpretaram a constituição e a destruição do “arraial santo” como um essencial episódio da luta de classes no Brasil. Belo Monte passou a representar o mais importante exemplo de “guerra camponesa” contra os poderosos e contra o latifúndio. A reunião póstuma de artigos de fins dos anos de 1950 escri-
tos pelo jornalista Rui Facó, militante de destaque do Partido Comunista, assegurou um segundo importante avanço no conhecimento dos acontecimentos de Belo Monte, após o livro de Euclides da Cunha. O livro Cangaceiros e fanáticos chamava a atenção para as raízes sociais dos fenômenos que haviam estre159
mecido os sertões nordestinos durante os primeiros tempos da República. Para o autor, os fenômenos de religiosidade, comumente de-
nominados de misticismo, messianismo ou fanatismo, presentes em Belo Monte/Canudos e em outros movimentos sociais nor-
destinos, repousariam em um fundo perfeitamente materia)”,
servindo “apenas de cobertura para esse fundo”.
A religiosidade seria sobretudo a expressão das tensões decor-
rentes da submissão do camponês diante da exploração secular motivadas pela extrema concentração de propriedade gerada pelo latifúndio. O monopólio da terra seria a causa última responsá-
vel pela eclosão das diferentes formas de rebelião no meio rural.
A liderança religiosa do Conselheiro e as crenças de seus seguidores foram apresentadas como expressão de uma “falsa consciência. Rui Facó lembrava que o misticismo esteve presente entre os seguidores do Beato, “mas isso não invalida a afirmação contida nos próprios fatos: eles travavam uma luta de classes. Incons-
cientemente, não importa, mas uma luta de classes”. A obra dos humildes
À interpretação da memória do arraial de Belo Monte pela historiografia marxista conferiu ao mesmo um caráter profunda-
mente contestatório. À comunidade, antes vista como “antro de bandidos”, “horda de místicos e delirantes”, tornou-se um eventual modelo de uma futura sociedade socialista brasileira. Para os intelectuais de esquerda, houve ali a possibilidade real da
concretização de uma sociedade igualitária, em que a proprieda-
de privada deixara de existir, em que reinara a justiça e à
fraternidade humana. Com o objetivo de recuperar a imagem do movimento popular deturpada pela história tradicional, os estudiosos da contra-história realizaram uma inversão radical de papéis dos agen-
à
1“)
Piva
.
pt;
FaêRr
e
160
a l pe pa e t n a t r o p m i r a h pen m e s e d de u o x i e d o nã e d n o tes SOC “ais, n e s e r p a m a r o f ” s e s e n o p m a c “ s 2
o e o v o p “ O . ca gi ló » to mi o ã ç a i a cr o e o n r e v o g o , ” e t n a n i m o d e ss la “c a e s ai ci so is ró he o m o € s o tad . s i ó r e h i t n a o m o t c Exérci o
s o n a s o d a t s i x r a a m i f a r g io r o t s i h a o d ã ç i u b i r t n o c e t n A impo “ta se aav iz al re e nt Mo lo Be de l ia ra de 1960 sobre a história do ar a
rr te da o tã es qu a — al ci so o e tr en ão dando pouco espaço à mediaç a er o çã en at a uc po a, sej Ou r. la pu po a ci ên st si re “o político — a a. ej an rt se e ad id os gi li re da do tu es ao dada ier ct ra ca ser r la pu po e ad id os gi li re a Precisamente o fato de o nd gu se — te en am os ri pe im ia ig ex a” ci ên ci ns co ada como “falsa o nt me vi ol nv se de e ia nc sê es , se ne gê a su e qu — ta o método marxis e qu r po r ni fi de el ív nd ci es pr im a Er e. nt me da ti de os fossem analisad ló eo id to en em el o se aír tu ti ns co r la pu e po ad id os e como a religi ou o uc po o id nt se e ss ne a, oc ép Na s. do mi ri op s do or ad gico unific
quase nada foi feito. iat pr m ra fo 19 lo cu sé do os ej an rt se os s, ho al ab tr ns Em algu l Ta . 20 lo cu s sé io do ár on ci lu vo s re do em ma or sf an e tr nt came ain ig a or e mi no to au o da çã ga ne ou a in rm o te nt de me ta or comp e qu em as rm . Fo al o ci çã so za ni ga or s de re la pu po as rm fo s da lidade as crenças religiosas muito frequentemente desempenharam papel essencial. Palavras, categorias e modelos próprios às socieda-
es pr e, ex ra nt pa me ca ni ro ac , os an ad iz il ut m ra as fo st li ta pi des ca
sar as ações dos conselheiristas. A imagem de Antônio Conselheiro é certamente o melhor exemplo da mitificação popular e anacrônica dos acontecimen-
tos de Belo Monte. A figura de homem bronco, iletrado e ignorante, disseminada pelas elites intelectuais, foi substituída pela do homem letrado, culto e inteligente, uma espécie de intelectual
comprometido com as transformações sociais. Um ser social to-
talmente independente e autônomo dos limites materiais e sociais
impostos pela sociedade de sua época. 161
Boa parte da recuperação da imagem de Antônio Maciel deveu-se a publicações de suas prédicas, por Ataliba Nogueira, em
1974, em Antônio Conselheiro e Canudos. Na leitura desses textos, defrontamo-nos com um homem esclarecido, capaz de argumentos bem elaborados, dotado de conhecimento teológico e
moral. Seus escritos pôem por terra a visão do “ilusionista” e de “charlatão” pintada por Euclides da Cunha e outros. Todavia, disso
não podemos deduzir ter sido uma espécie de intelectual revolu-
cionário e socialista surgido, não se sabe como, não se sabe por quê, nos rústicos sertões do Nordeste. Em 1978, um outro historiador marxista, Edmundo Moniz,
ampliaria significativamente o conhecimento sobre Belo Monte/Canudos, em um trabalho de grande fôlego, em que é regis-
trado o depoimento de muitos sobreviventes daquele aconteci-
mento, entre eles o do juiz de Direito Arlindo Leoni.
Pela primeira vez, Canudos: a guerra social apresenta uma ampla e pertinente análise do contexto político, regional e nacional que enquadrou a guerra de Belo Monte/Canudos. A reflexão do autor — intelectual de orientação trotskista — seria prejudicada pelo estabelecimento de uma mecânica relação entre as raízes sociais últimas do movimento e os objetivos conscientes de seus principais protagonistas. No livro de Moniz, Antônio Maciel é apresentado como uma liderança carismática com um claro e consciente projeto de reforma das estruturas agrárias da região. Para tal, o Conselheiro, senhor de um pensamento teológico bastante tradicional e até mesmo conservador, foi transformado em um reformador social
e leitor da Utopia, de Thomas Morus.
A valorização ou desvalorização dos aspectos a serem rememorados, o silêncio ou a omissão de questões considera-
das pouco relevantes, oscilam de acordo com a perspectiva ideológica, política, cultural e sobretudo social dos agentes for-
162
a o d n a n i m r e t e d ia ór st hi a É a. ic ór st hi a i c n ê i c s n o c madores da . a i f a r g o i r o hist 0 de outra for8 9 a 1 e d d , a o c t é n d a e n m i O que explica O surg so ca e s s e N . e t n o M o l e B de a eriência históric
ma de percepção da exp aIr s do o t n e m i v o M do s e t n a t n e s e r p e r s do o s r u c s i d O e s encontra. se Ba de s ai si le Ec s e d a d i n u m o C s da e a r r e T m e S s i a r u R balhadores m sido invocada lo u c é s o d a c i t s í m e d a d i n u m A co
19 te
m a c do s e r b o p s do o ã ç a z i l i b o m da r a l p m e x e ão aç tr us il como l na ca o do si a nh te r a l u p o p e ad id os gi li re a e qu de to fa o € , po r se a r to fa o m o c e c e r a p a o t n e m para a germinação do movi al qu à , o s n o f A o ul Pa de e es oc di valorizado. Especialmente na de a m r o f l ta , e t n o M lo Be de pertencem as cidades vizinhas à s do ga li s e r d a p r po a d a t n e s apreensão da história foi apre Teologia da Libertação. n o C do to ei sp re a ão gi re s da e r o d a r o m Nos hinos e rezas dos ja re Ig s da te an gr te in s do do ja ga en so ur sc selheiro, transparece o di l r ta ca fi ri s ve o m e d o s. P do mi ri op e es br militante em favor dos po e , 93 19 m , e os nt Sa s a do h n i f e Z a n o D r fato no trecho cantado po . s” do nu Ca de ão rt se no ra er gu o e xã o ai i r “P á inserido no document “Aí apareceu pelo sertão um monge que passou a cativar tão belo que ajuntou o povo irmão patrão e opressor não tinha lá . ter da vo po o s: do nu Ca la, Vil o ni tô An o O belo livro de Marc
de as e br so to en im po de um ém mb ta é , 95 19 em o ra, publicad mca no ca lo co se e qu r, to au O s. ca gi ló eo id e s iai soc terminações o nt po do s to fa os r ca fo en am ur oc pr e qu s do po historiográfico
a mo co e nt Mo lo Be a nt se re ap s, ta is ir he el ns co de vista dos
asti cri do ca li tó os ap o çã ca vo ra ei ad rd ve da l ra tu o na çã za concreti a ic át sm ri ca ra gu fi da ir rt pa da a ta en em pl im a, rr Te a e nismo sobr 163
de Antônio Maciel. No livro estão presentes, mesmo que indire. tamente, os influxos das Comunidades Eclesiais de Base e do
Movimento Sem Terra.
Literatura oral A memória dos conselheiristas aparece retratada em pratica-
mente todas as formas de criação artística e cultural desenvolvi-
das no Brasil em nosso século. À seu respeito foram escritas peças teatrais de diferentes procedências. Em 1968, o dramaturgo
José Bezerra Filho dirigiu a peça Canudos, no primeiro festival de
teatro sertanejo da Paraíba, sendo a mesma premiada. Antes, em 1953, uma ópera francesa, baseada na obra de Euclides da Cunha, era apresentada com sucesso em Belo Horizonte. De modo similar, o tema da luta sertaneja inspirou pintores, desenhistas e artistas plásticos com diferentes formações; deu origem a inúmeros romances históricos criados por autores nacionais e estrangeiros, entre os quais destaca-se “A guerra do fim do mundo”, do conhecido escritor peruano Mario Vargas Llosa, em que o autor se desdobra para negar qualquer caráter social ao movimento. Compreende-se que entre os próprios sertanejos a memória de
Belo Monte continue a perpetuar-se através da cultura folclórica. De fato, inúmeros versos do cancioneiro popular registram os eventos
marcantes do conflito e dados sobre os principais protagonistas. Desde o final do século
19, estudiosos de literatura e
folcloristas anotaram inúmeras criações poéticas oriundas da tradição oral — muitas delas anônimas —, recitadas ou cantadas em
feiras e outros espaços públicos. O tema também continua a ser tratado num dos gêneros da literatura popular mais apreciados no Nordeste — a literatura de cordel. Antônio Conselheiro gozou de enorme popularidade entre os
nordestinos, muito antes de ter fundado o arraial do Belo Monte. Já em 18/9, o erudito Sílvio Romero anotava duas quadras populares 164
a nh Cu da es id cl Eu , ra er gu a e nt ra Du . ro ei gr la mi so mo fa o sobre . os ej an rt se es or ad nt ca s lo pe s ta recolheu diversas estrofes compos
o ul Pa mo co os it ud er e as st ri lo lc fo No nosso século [século 20],
o, ud sc Ca a r a m â C , on lm Ca o dr Pe Dantas, Gustavo Barroso,
ns sa la Ca sé Jo no ia ba r do sa ui sq pe o o ud et br so Mário de Andrade e ri ve ns sa la Ca r. la pu po ia nc iê en ov pr de juntaram vasto material
lfo e br so ” co ri ló lc fo lo ic “c ro ei ad rd ve Ecou à existência de um
lo Be de o rn to em as ad av tr as lh ta ba s da as ci pé ri pe der religioso, as
. ão iç ru st de a su de as ci ân st un rc ci as e e Mont Paralelamente às estratégias de interpretação e preservação da memória elaboradas por historiadores, cientistas sociais, militan-
int tê a au ej an rt a se ri mó me a um te is bs , su as st ti s ar e re ta li mi , tes ca. Resta saber a natureza desta outra forma de memorização. Chama de imediato a atenção o tratamento reservado a Antônio Conselheiro. Salvo raras exceções, o líder carismático apa-
rece glorificado nos versinhos, rimas e cantigas, desempenhando papéis de verdadeiro herói popular. O vulto histórico do pregador, nos domínios do folclore, assume as dimensões do mito.
Via de regra, as qualidades pessoais de Antônio Maciel são apresentadas com exagero. Milagres e profecias lhe são atribuídas. Em certos casos, chega a ser identificado na condição de emissário de Deus e representante de Cristo:
“O céu que se levanta Cheio de seu resplendô
Antônio substitui Jesus
Que dos castigos nos livrou Quem quiser remédio santo Lenitivo para tudo Procure o Conselheiro Que ele está la nos Canudos”. 165
Santo guerreiro
Essas atribuições não causam surpresa. Elas correspondem às
funções religiosas relacionadas com o personagem em seu momento histórico. Todavia, a memória popular aumentou a lista das qualidades e virtudes do místico, transformando-o em guerreiro destemido e valente. Em certos versinhos, as ações atribuídas caberiam mais a um “jagunço” ou a um “cangaceiro”, homens predispostos ao combate armado, do que ao moralista, pregador
e construtor de igrejas.
“Antônio Conselheiro Por ser conselheirista Briga com o governo
Não tem medo da poliça Antônio Conselheiro
É home de opinião
Matou Moreira César E venceu seu batalhão Antônio Conselheiro
É home de opinião
No barulho do horácio
Pegava bala na mão
Era Antônio Conselheiro De Canudos no sertão
Resistindo à força armada Carabina e canhão”.
O processo de mitificação e de enaltecimento diz respeito ao modo de rememorar todos os combatentes sertanejos durante O
rf” a SAIAS 7
166
u n a C de o ic ór st hi o r i e n o i c n a C do s a ç e p às , e t n e m a s o i r u conflito. C do l ia ra ar do os os gi li re s o t c e p Jos mencionam muito menos 08 as n o c a m u há , o d i t n e s e s s e N . ra er gu da s a i c é p i r e p e s a h n a ç que as fa ografia
i r o t s i h da s se te s da e s e r a l u p s o e p õ ç a t vergência das interpre a su m a e d a t a r t e r é a l c o b a o c ã ç es versos, à popula marxista. Nest r po z ve s, te an ac at os o t n a u q n , e l e v á esistência implacável e incans rizados: a l u c i d e i r t n e m a t r e b a s ou o d a z i n o r i outra, acabam sendo
“Os urubus de Canudos escreveu ao Presidente
que já tão de bico fino de comê carne de gente
Quem for pra Canudos leve contas pra rezá que Canudos é o inferno onde as almas vão pená A nossa batalha, é uma beleza, avistei de longe, é uma fortaleza,
a nossa batalha é uma beleza avistei de longe é uma fortaleza
As mulheres de Canudos
guerreiam com água quente
os meninos com pedradas fazem voltar muita gente
Os jagunços assaltam víveres barricas de bacalhau os soldados mortos de fome comiam raízes de pau”. 167
Recriando a vitória Contrastando com o tom derrotista” das denúncias feitas pe-
los intelectuais contra os crimes perpetrados pela República, no caso
da memória sertaneja, a ênfase recai na vitória dos caboclos contra as tropas governamentais. Talvez por isso, a fase final da luta não
tenha sido evidenciada nas cantigas e poemas. Ao contrário, foi q
derrota da terceira expedição militar que reteve a atenção dos
violeiros e poetas, bem como a circunstância desastrosa da morte de seu principal condutor - o coronel Moreira César.
Depois de Antônio Conselheiro, Moreira César é o mais co-
nhecido personagem do ciclo folclórico do arraial de Belo Monte, sendo lembrado em danças, modinhas, cantigas e quadrinhas. Todo o trajeto realizado pelas suas tropas, de Salvador, passando por Queimadas, Monte Santo e as comunidades rurais circunvizinhas de Belo Monte/Canudos, permaneceu na memória das populações baianas, tendo aguçado a imaginação das pessoas e gerado um complexo de lendas. Os caboclos mantém viva a imagem do líder violento e destemido e recontam continuamente suas bravatas e atrocidades. Para além da ousadia e violência, as populações locais consideram Moreira César descrente e ateu. Seu ateísmo, segundo os
relatos de muitos, teria motivado à fragorosa derrota diante do
arraial sagrado de Belo Monte. O mais ilustre integrante do exército republicano chegou mesmo a ganhar traços ridículos e caricaturais na poesia popular. Até hoje, subsiste a crença de que Moreira César teria sido
alvejado pelos próprios soldados, ou então por sertanejos a quem
havia humilhado e surrado anteriormente. Os apelidos com os quais o temido chefe militar era identificado em sua época — “Corta-cabeças” ou “Treme-terra” — cederam passo diante de
adjetivos pouco lisonjeiros. O episódio em que morreu deu origem a pilhérias, piadas e ditos maldosos, como os que seguem: sisiilta Ê
E 14
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13 FLedya:
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168
r a s é C a r i e r o M o ã t i p “Ca chama-se “corta-pescoço a r r e u g a t s e n a r o g a o i ve
deixar no sertão O Osso
Capitão Moreira César
) G. . [R l Su do o ri no ô d a mor
foi brigá no Belo Monte foi dá carne aos urubus
Capitão Moreira César
chama-se bota-lombriga
pois o chumbo é bom purgante pra limpeza da barriga
Coronel Moreira César Rolo de capim açu Levou bala no canudo
foi pro bico do urubu
Quando seu César morreu
e Tamarindo fugiu só não fugiu quem morreu só não morreu quem fugiu”. a ad nt ve in re é ia tór his a , eja tan ser l ora ão iç ad tr na Deste modo, l. ora lit do s de da ci nas e nt te is ex e el qu da e nt re sob prisma dife o çã ua et rp pe a ém mb ta ui Aq . te en am rt Ce ? ão aç in ag im Fantasia e en sc de dos r sti exi de e ser de do mo ao de on sp re a nç ra mb da le dentes distantes dos combatentes de outrora.
mra za li ta or im ros lei vio e es or ad nt ca , da ma ar a lut à a ad Cess mco de ma ar é a lir “a , ns sa la Ca é Jos diz mo Co . sos ver s seu na em 169
bate em muitas oportunidades. Versejando e cantando, o vate e o cantor contribuem para a vitória do seu grupo, exaltam seus
heróis, ferem fundo os adversários...”. Nas caatingas do sertão, o
espírito de luta ainda não terminou...
170
. sil Bra do ia ór st Hi na ial enc ess ço pa es a up oc e nt Mo Belo das a mi no to au da e e ad id al in ig or da e tud vir em ue aq st de Merece ni mu co a um por s da vi ol nv se de ca íti pol o çã za ni ga or de formas si de no tor em u go re ng co e nt Mo o Bel or. eri int do a tic rús e dad po em nt co s iai soc os nt me vi mo s te an rt po im dos cas sti erí act as car râneos.
Ainda há muito por investigar e esclarecer, apesar de tudo o
que foi escrito sobre Belo Monte. Poucos são os documentos e as evidências deixadas pelos próprios conselheiristas. Quase nada se
sabe a respeito de sua administração, do funcionamento interno
da comunidade, da vida cotidiana de seus habitantes. Parte subs-
tancial de sua memória foi aniquilada junto com a destruição do arraial e a morte de seus defensores.
Os historiadores devem imperiosamente resgatar o perfil dos
integrantes do arraial. Personagens significativos, como João
Abade, Pajeú, Antônio Beatinho, Honório Vila Nova, permanecem praticamente no anonimato. Que dizer então das aspirações, atitudes e comportamentos da população conselheirista? Es
171
Uma comunidade que atingiu as proporções assumidas por
Belo Monte não sobreviveria nem resistiria isolada, por tanto
tempo, a ataques maciços e violentos. Pouco se sabe sobre as re-
lações mantidas entre o Conselheiro e o arraial de Belo Monte com as comunidades baianas vizinhas, sobretudo das imediações,
antes e durante o conflito armado. Possivelmente, novos estudos revelarão que Belo Monte foi apenas o epicentro de uma convulsão social mais ampla, a capital de uma república sertaneja rústica e informal.
A guerra empreendida contra os conselheiristas foi um dos
episódios mais violentos ocorridos entre nós. Ela desmonta ca-
balmente a falsa imagem das relações cordiais e fraternas mantidas entre os donos do poder e as camadas populares subalternas, no passado e no presente. A resistência dos conselheiristas revela com excepcional clareza a criatividade, a tenacidade e o espírito de luta dos oprimidos, em defesa de suas necessidades, de seus ideais e de seus sonhos. Em verdade, os conselheiristas foram vencidos, mas não
derrotados.
E
Euclides da Cunha, embebido em seus preconceitos, descre-
veu negativamente a vida de Antônio Maciel e a construção de Belo Monte. Homem de sensibilidade, impressionado pela disposição de luta da população pobre e mestiça, que jamais conseguiu compreender, escreveu certamente as impressões mais pungentes a respeito do crime ali cometido pelas elites do Brasil republicano.
É justo terminarmos essa breve história do arraial de Belo Monte e da guerra de Canudos registrando suas palavras memoráveis sobre a conclusão da guerra:
quite
172
a da to em o ic ún plo m e x E . u e d n «Canudos não se re o m l a p o d a n g u p x E . to e l p m o c o t n e m a t o g s e resistiu até O
história, a palmo,
íca o d n a u q , ] o r b u t u o e [d 5 a di no iu ca o; rm te do ão is na prec rreram. Eram quao m s do to e qu , es or ns fe de s mo ti “am os seus úl
en fr na a, nç ia cr a m u e os it fe s n e m o h is do o, lh ve m u : as en ap o tr s.
o d a d l o s l mi o nc ci te en am os iv ra re dos quais rugiam
173
oadv de são mis per m co o ad rm fo não duo iví ind : advogado provisionado
gar; alferes: grau da antiga hierarquia militar; alucinógeno: que provoca alucinação; no caso, drogas; arraial: lugarejo, povoado; s ascetismo: doutrina que desvaloriza as riquezas € Os prazeres humano como forma de aperfeiçoamento espiritual;
barrete: gorro; chapéu quadrangular sem aba; ja, Igre a com l iona ituc inst ulo vínc sem duo iví ind sso; exce em oto dev o: beat mas envolvido com as coisas religiosas;
Beduíno:
povo nômade do deserto;
benditos: neste caso, oração que inicia com essa palavra;
butim: aquilo de que, pertencendo ao inimigo, O vencedor se apropria;
canto de cisne: expressão utilizada para designar O fim, os últimos momentos de alguém ou algo; no caso, o fim do movimento jacobino;
capuchinho: religioso pertencente a uma das ordens dos franciscanos; cargueiro: neste caso, besta ou mula de carga; clavinotes: pequena clavina (fuzil);
qa
175
cunhete: caixa de madeira em que se guarda ou se transporta munição de
guerra;
curtume: estabelecimento destinado ao curtimento de couros, peles:
desobriga: ato de cumprir a obrigação anual de confessar-se e comungar; eclesiástico: relativo à Igreja, ao sacerdócio; empastelar: neste caso, inutilizar a tipografia de um jornal; eremita: que vive só, por penitência religiosa; esfera armilar: antigo instrumento astronômico, formado por anéis me-
tálicos que representam os círculos da esfera celeste; frenologia: pseudociência que deduzia as qualidades morais e psíquicas do ser humano pela sua conformação craniana; gibão: casaco de couro usado pelos vaqueiros; homiziar: dar guarida, refúgio; esconder; icó: árvore pequena característica da caatinga nordestina; jacobino: nome dado aos militares do final do século 19 adeptos de concepções políticas baseadas na experiência do grupo dos jacobinos franceses; leigo/laico: que não é clérigo; que não pertence aos quadros da Igreja; lente: professor de escola superior ou secundária; libelo: texto de acusação; lira: instrumento musical de cordas; no texto, designa a viola ou o violão
dos cantadores; liturgia: o culto público e oficial instituído por uma igreja; ritual;
mancomunado: combinado, associado;
mangabeira: árvore da mangaba, que é uma fruta do tamanho de um limão, polposa e doce; maragato: nome dado aos participantes da revolução federalista ocorrida no Rio Grande do Sul:
megalomaníaco: que tem mania de grandeza; superestima de si mesmo; mentecapto: que perdeu a razão; louco; mentecaptos e galés: no caso, a expressão equivale a loucos e escravos; misoginia: fobia ou horror às mulheres; *
u
*
x
nm
q
176
a
b
; o r i e l i s a r b o d a r r e c o d ca i p í t a t n a l p a m u de e m urici: no nato; o r t a p , o m s i t i r o v a f nepotismo:
a; i r a h n i n a, is co a c u o p nonada: ; s a s o i g i l e r s n e g a m i m o c o o armári oratório: pequen ; os nt s sa re ga lu a de c s u b a m c e o l s e d ue se q a; in sr ; re pe e u q : o n i r g e r e p ; o , v e i t v n a l i t , n o i s c o n i g a ; m o c i s e r o t i pinturesco: o mesmo que p o p a o d t í o u n r t s n , o a c ç i c a m a u d o a , z a a i v r platibanda: mureta de alvena das paredes externas de uma edificação; e as st ni io uc ol ev es çõ ep nc co em a ad se ba al ci positivismo: teoria so deterministas da história;
praças de pré: militar que não são oficiais; pranchada: pancada com a prancha (da espada); sno edr pa 15 e as ri ma eav de s na ze de 15 : as nt co 5 16 de a ad fi en rosário: sos, para serem rezados como prática religiosa;
irel era a esf à ci en rt pe e qu o o, nd mu , do lo cu sé do ar rn o: to çã za ri la secu giosa; sujeitar à lei civil;
o çã relita re rp te s; in oso s igi te rel en id ss di : o de ia up es gr er /h ca ti ré he ta sei giosa divergente daquela estabelecida pela Igreja;
sicário: assassino de aluguel; taipa: parede feita de barro e madeira;
taumaturgo: aquele que faz milagres, que cura; terras devolutas: terras desocupadas, desabitadas; utopia: no caso, livro redigido em 1516 pelo escritor inglês Thomas Morus, em que descreve uma ilha imaginária, cuja sociedade era perfeita;
uxoricídio: assassinato da esposa pelo marido;
vate: no texto, designa o poeta popular;
vivandeira: mulheres que seguiam os exércitos lavando e cozinhando para os soldados; zoneamento: divisão da área urbana para a ocupação por residências e logradouros etc.
177
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EN
181
qe
Mário Maestri
— A I F A R G O I R O T S I H E «CANUDOS: HISTÓRIA s, de
do nu Ca de a h n a p m a c a s: õe cem anos após Os sert Euclides da Cunha”
“Numa tardinha de 5 de outubro de 1897, chegava ao fim a re-
sistência do arraial de Belo Monte, nos sertões do Norte baiano. Em
uma trincheira, sobre os cadáveres de companheiros, os últimos quatro conselheiristas queimavam os derradeiros cartuchos debaixo do fogo de centenas de enfurecidos soldados. Eram um jovem, um caboclo, um negro alto e um velho. Já sem munição, o velho, último sobrevivente, avançou numa carga final, armado de um machado. Após, fez-se silêncio sobre Canudos — como o arraial de Belo Monte
era denominado pelos vitoriosos. Terminados os combates, iniciou
furiosa luta em torno da memória dos fatos. Essa batalha historiográfica sobre o sentido do arraial tomou invulgar força com o transcurso do primeiro centenário da destruição de Belo Monte, em outubro de 1997, e foi reavivada com a primeira centúria do lançamento de Os sertões: a campanha de Canudos, de Euclides da Cunha, em 2002. Ela continua hoje, não menos furiosa.”
w.
183
Finalizada a guerra, arrefecida a demagogia antimonarquist a, consolidada a autoridade nacional da oligarquia cafeicul tora paulista sobre o país, conhecida a amplitude dos crimes cometi dos no arraial, as explicações de ocasião sobre Canudos começa-
ram a mostrar-se em toda a sua superficialidade. O banho de
sangue em que foram mergulhados os últimos conselheiristas e
mar de fogo em que se lançara o arraial santo não silenciavam as angustiantes perguntas deixadas pelo movimento sertanejo. Como uma espécie de esfinge cabocla, a sombra da comun;
dade de Belo Monte levantava-se sobre as elites da nação, repe-
tindo a velha ameaça: “Decifra-me ou te devoro.” Sobretudo, era
necessário compreender por que um grupo de mestiços, pratica-
mente desarmados, derrotara quatro expedições militares, resis-
tindo, por meses, ao cerco de um moderno exército de, nos últimos momentos, oito mil soldados e oficiais.
Na época dos acontecimentos, ao insinuar o fantasioso apoio aos conselheiristas pelos monarquistas derrotados em 15 de novembro de 1889, o líder republicano Campos Salles registrou a inquietação das elites: “Parece-me que simples camponeses ou fanáticos, não importa quão numerosos sejam, não poderiam destruir completamente uma força organizada, preparada para a guerra e comandada por um líder do mais sólido prestígio e de capacidade comprovada”. [Apud LEVINE: 1995, 57.) O sucesso do livro Os sertões: a campanha de Canudos, de Euclides da Cunha, lançado cinco anos após a destruição de Belo
Monte, deveu-se também ao fato de apresentar uma explicação
plausível para as elites da época sobre a guerra de Canudos. À
explicação de Euclides da Cunha apolava-se fartamente no attigo redigido pelo médico maranhense Nina Rodrigues, prin-
cipal sumidade nacional dos delírios do racismo científico europeu, nos momentos finais do combate — “A loucura epidêmica de Canudos”.
t i Po PRE e MRAS |
184
a nh Cu da es id cl Eu s, do nu Ca Em Os sertões: a campanha de , ja se Ou a. st ci ra te en lm ia nc se es a ic ót a um de s to fa os u co expli a“n e nt me da s io ar sv de s do a ci como O -esultado da confluên
a m co ”, ço ti es “m is po , el ci Ma o curalmente” frágil de Antôni da o ss re og pr ao a” ri tá ra ef “r e vontade também “impressionável” te en lm ua ig is po a, ej an rt se o çã la pu po da l” «modernidade do litora a ri se os ej an rt se s do a id em st de a ci «mestiça”. A resistên equ da s” ca vi rá “a a st ci li be as ci ên nd te s da l ra consegiiência natu
o. an ic er am m e m o h do es nt de en sc de os ic st rú s les sere da es id cl Eu de ra ob te à en rm io er st po a ou ne râ Contempo o. nt ro nf co o e br s so ho al ab tr os er úm in os it Cunha, foram escr
s do nu Ca de ha an mp ca a s: õe rt se o Os çã de ta re rp te in a m, Poré s. to es fa el qu l da ia nc se ão es aç ic pl ex mo , co na ra be eu so ec an perm ia ár er op se as cl a e l, s ra ge ra do em ha al ab s tr se as cl as o, tã e en Ness da un of a pr rm fo m, em va ia sa en as en , al ap ci pe es al em ri st indu oci ca na ti lí a po en ar os na s ss ro pa ei a, im ad pr iz os al on gi e re nt me ri s ab ra te pa en ci fi al su ci so so pe o a e rç am fo a uí ss po o Nã l. na rem espaços e determinarem as condições gerais para análises dos acontecimentos que expressassem a ótica dos conselheiristas e dos subalternos sobre a guerra de Canudos. Clássico literário
As excepcionais qualidades literárias, a farta documentação apresentada sobre os acontecimentos, o registro tangencial dos crimes militares e do caráter épico da resistência conselheirista etc. salvam poderosamente Os sertões: a campa-
nha de Canudos dos devaneios racistas e deterministas, geográ-
ficos e climáticos de Euclides da Cunha. O livro permanece
como um das grandes obras literárias brasileiras. Tamanha a
tensão dramática de alguns de seus relatos que não raro chega a ser apresentada paradoxalmente como ficção literária em prosa.
185
Cah ba
Porém, muito logo, as explicações essenciais de Os sertões: a
campanha de Canudos sobre o fenômeno conselheirista mostraram-
se profundamente desprovidas de validade científica, sobretudo em
suas teses essenciais. Porém, nos anos seguintes à publicação desse clássico, não houve certamente condições para uma real superação
historiográfica e sociológica das interpretações elitistas e racistas de
Euclides da Cunha. Os sertões: a campanha de Canudos permaneceu legitimado como a grande explicação dos fatos.
O fim da II Guerra Mundial e o avanço internacional do
movimento social determinaram uma nova conjuntura, também no terreno das ciências sociais, em geral, e da historiografia, em especial. Sobretudo após as revoluções argelina, vietnamita e cubana, cresceu sobremaneira o interesse sobre os movimentos camponeses. Esses fenômenos expressaram-se também no Brasil, onde se fortalecia timidamente a luta pela terra. A reunião póstuma,
nos anos de 1960, sob a forma de livro, de artigos de Rui Facó, de fins da década anterior, sobre o “bandoleirismo” e o
“messianismo” sertanejos — Cangaceiros e fanáticos — ensejou um radical desenvolvimento da interpretação sobre a saga sertaneja e camponesa de Belo Monte. Para Rui Facó, o fator racial e a determinação do homem pelo meio e clima eram meras quimeras ideológicas. Portanto, esse intelectual militante do PCB abordou os fatos a partir do estudo das raízes econômicas e sociais dos fenômenos que haviam estremecido os sertões nordestinos durante os primeiros tempos da
República. Sua ótica axiológica radicalmente superior à de
Euclides da Cunha, permitiu um avanço fundamental no conhecimento do sentido profundo do fenômeno, desequilibrando as
explicações provenientes “das alturas” sobre eles. Em oposição radical ao que Euclides e epígonos escreveram, Rui Facó apresentou os conselheiristas como símbolos de progresso e a pressão republicana como sinal de atraso. Nos fatos, realizava a 186
mta a, id nd ee pr em a an ic rn pe co a ic áf gr mesma revolução historio
e qu z, re Pé in am nj Be s cê an fr ta is rx ma lo pe , 50 bém nos anos de 19
a, ur Mo is óv Cl e , ?” es ar lm Pa de bo om il qu o foi apresentouem Que
os in ar lm pa s do a ot rr de a am nt se re ap e qu em Rebeliões da senzala,
for ga ti an da ia ór st hi da o, ss re og pr de o nã e , so ra at de r como fato
, lado ro out Por .) 100 817, 199 RI: EST [MA ra. ilei bras al soci ão maç
Rui Facó redimensionava a importância de Antônio Maciel, o Conselheiro, nos sucessos. E, sem negar a importância do fenômeno religioso na rebelião, interpretava-o como canal de expressão de tensões sociais e econômicas mais profundas. Sobretudo, Rui Facó colocava a questão da “consciência possível” das massas sertanejas, determinadas historicamente, em uma época e região dadas. Paradoxalmente, ao menos para os analistas que
se identificavam metodologicamente com Rui Facó, a nova e fruttífera vertente analítica determinou resultado semelhante ao produzido, anteriormente, pelo livro de Euclides da Cunha, para seus seguidores. A esfinge fora finalmente desvelada e não restaria muito por dizer. Portanto, o enfoque metodológico de Rui Facó não foi retomado nos anos seguintes, apesar da história de Belo Monte encontrar-se ainda praticamente quase toda ela por escrever-se. Em todo o caso, essa visão interpretativa revolucionária seria retomada em diversas outras obras de singular valor referentes a movimentos camponeses que também se expressaram sob a forma alienada de consciência religiosa, destacando-se entre eles o trabalho de Manuel Vinhas de Queiroz — Messianismo e conflito
social -sobre a guerra sertaneja do Contestado, em 1912-16, e de Janaína Amado — Os mucker — sobre o conflito dos colonos de
-74. 1869 em Sul, do de Gran Rio no ã alem em orig Nova conjuntura
ra er gu to da en im gu se os pr o o ud et br so , 70 19 de os an s No
camponesa vietnamita, a resistência sandinista na Nicarágua, entre 187
VE as
outros movimentos sociais camponeses insurgentes, mantiveram
aceso o interesse e apoiaram pesquisas sobre o agir camponês no
Brasil, apesar da difícil situação vivida no país pelos cientistas
sociais não comprometidos direta e indiretamente ses dominantes.
com as clas-
No exílio, Edmundo Moniz escreveu alentado livro sobre o
movimento conselheirista — Canudos: a guerra social — publicado em fins dos anos de 1970. Nele, o pensador marxista tentava aplicar aos sucessos sertanejos a lei histórica do desenvolvimento desigual e combinado definida por Leon Trotsky em A história da Revolução Russa para os países coloniais e semicoloniais no contexto da hegemonia do capitalismo. Salvo engano, pela primeira vez, Edmundo Moniz apresentava, com detalhes, o complexo contexto político da época, detendo-se longamente nas fricções entre as facções dominantes brasileiras e baianas que contribuíram para transformar o com-
bate ao movimento sertanejo, de um fato local e regional, em
questão nacional. O livro registrou igualmente depoimentos de
alguns dos últimos protagonistas dos fatos, desvelando facetas
inusitadas dos acontecimentos. Porém, nos seus aspectos essenciais, a obra retrocedia, e não avançava, em relação ao trabalho de Rui Facó.
Em Canudos: a guerra social e em um trabalho de menor fóle80, sem apresentar documentação probatória, Edmundo Moniz apresenta Antônio Vicente Maciel como liderança carismática e providencial, com projeto consciente de reforma da propriedade
latifundiária, leitor da Utopia, de Thomas Morus, e adepto do socialismo utópico. Porém, Antônio Vicente Maciel possuía pensamento teológico tradicional, em profunda sintonia com a or-
todoxia católico romana, como comprova toda a documentação
É dp
.
conhecida e suas prédicas e discursos — António Conselheiro e Canudos: revisão histórica. INOGU EIRA: 19771. 188
so s do tu es os m ra ça an av o uc po , A partir dos anos de 1970
o it mu a um m co o, tã en s, mo ar nt co de bre Belo Monte. Isso, apesar O ra pa to en im ec nh co s, to fa os e br mais vasta documentação so aine, nt me sa ro de po iu bu ri nt co ão lv Ga ra ei gu No ual Walnice
de ra er gu a : ra ho da r lo ca No de ão aç da em 1973, com a public .) 97 19 O: Và AL [G o. çã di pe ex ɺ À s. ai rn jo nos Canudos
vi de se aic pl ex o ic áf gr io or st hi o sm ra ma o e, rt pa Em grande
os an s no , ial soc o nt me vi mo do o ic ór st hi do ao profundo refluxo
de o ra pa s õe iç nd co as e nt me da un of pr de 1990, que estreitou a , ial soc ia ór st hi a e br so s co fi tí en ci s ho al ab tr de o senvolviment partir de uma ótica social. s do tu es os ”, ia ór st Hi a ov “N a ad am ch da a ni Sob a hegemo óex e es nt ca pi s ma te ra pa o ud et br so e -s am nt ie historiográficos or s no , so es oc pr e ss s. Ne re do te me ro mp co s no e me nt me al ci so e os tic s do ” is ra tu ul “c s õe aç ic pl ex e as -s am er ec al rt fo , os mp te s mo últi fenômenos históricos. ns gu al as en ap z, ni Mo o nd mu Ed e có Fa i Fu de ro st ra No on ac os e br so r lo va de os ad ol is s do tu es am ar iz al re s re to au poucos aig st ve in as e -s am ac st de s, ele e tr En s. ta is ir he el ns co os nt tecime os rs ve di is ma os b so u, do tu es e qu , ns sa la Ca sé Jo no ia ba ções do
sé Jo e a ll Vi o rc . Ma ta is ir he el ns co ia ór st hi a s, da ca dé r po , aspectos
upo o, os di tu es o lh ve o m ra ta is ev tr en ro ei nh Pi a st Co da Carlos a ra pa to en im po de um , ns sa la Ca — o nt me ci le fa u se de s co ante história [Villa: 1998] s do tu es ar iv av re se a m ra ça me co , 80 19 de os Em fins dos an
, mo is iv at te an rt po im lo pe os ad ud aj te en am rt ce s, conselheirista
s de da ni mu Co s da e ão aç rt be Li da ia og ol Te da , naquela década
nme vi Mo do o çã ma or sf an tr a pel o, ud et br so e, Eclesiais de Base to dos Sem Terra em vanguarda de um
movimento social brasi-
leiro em forte refluxo.
de se u e te d n e f e d n e t e t r O d n a x e l e A r d a p o , Em 1987
doutoramento,
publicada
em
1990, sobre a visão teológica de
189
Vicente Maciel — Só Deus é Grande! À mensagem religiosa de Ansônio Conselheiro. O estudo interpreta o esforço da Igreja institucional, na sua vertente progressista, de fazer as pazes com
o Conselheiro. Otten minimiza a responsabilidade da alta hierarquia no ataque à Belo Monte e olha com desconfiança a separação da Igreja do Estado. Sobretudo, vê a mensagem religiosa como
grande força do movimento, em claro retrocesso irracionalista em relação aos estudos de Facó e, secundariamente, Moniz. [OTTEN: 1990.)
Finalmente, em 1995, o historiador Marco Villa, da Universidade Federal de São Carlos, lançou um alentado livro — Cany-
dos: o povo da terra. Apresentado inicialmente como tese de doutoramento, foi modificado e ampliado para publicação. Cons-
ciente da estagnação historiográfica sobre o tema, o autor apresentou como seu principal objetivo “reabrir o debate sobre a comunidade de Belo Monte”. Marco Villa faz mais do que isso. O livro constitui certamente a mais pertinente síntese das pesquisas realizadas sobre o tema, escrita por um autor nacional. Marco Villa também inova em mais de um ponto, criticando teses consolidadas e apresentando novas interpretações, sempre
alicerçadas em uma pertinente argumentação e documentação. Um exemplo: o autor questiona a apresentação de Belo Monte
como segunda cidade baiana, com de 30 a 45 mil moradores em
época em que Salvador possuiria uns 170 mil habitantes. O superdimensionamento da população do arraial e das forças conselheiristas serviria para justificar a inépcia militar na repressão dos caboclos conselheiristas. Possivelmente também sob o influxo das tendências acima assinaladas, o livro de Marco Villa apresenta Belo Monte como uma espécie de concretização natural da “verdadeira” vocação apostólica do cristianismo primitivo sobre a terra, implantada a partir da figura carismática de Antônio Maciel.
1
190
r po a ad iz al re ão rs ve in a e rt ve in a ll De certo modo, Marco Vi não
ta is ir he el ns co a os gi li re a gi lo eo id Facó e Moniz. Para ele, a a ci ên ci ns co à — a s e n o p m a c a ci ên ci ns co a ls fa a m u a ri ui it ct con
s a l l e c s v a á d j e s l e a d r e a u i t c a n n ê i c s n O C a s a a m c — o , p l é e a v n í s pos u l o v e r a o a r h a n p i m a c , ja O e s u . O e j o , m h s e € a t s n e o n o p m ses ca
ção social.
ioax e as ri go te ca uz od tr in a ll Vi , ho al No seu magnífico trab
o uc po a or ag é at a ic át pr a, ic áf gr io or st mas metafísicos na reflexão hi r ta re rp te in s mo de po e qu O s. ai usado nas nossas ciências soci mo is al on ci ra ir ao s, do mi ri op os m co da ti historiografia comprome muito forte atualmente.
te an ho al ab tr e ev br m nu e, qu r ta al ss re Porém, é necessário
ga sa a u to la re a ll Vi o rc Ma — as am ch em rior — Canudos: o campo
€ s ai ci so s no me nô fe s no ão aç ic pl ex a su o conselheirista centrand ogi li re à r no me te en am iv at ic if gn si a ci ân acordando uma import sidade sertaneja. [VILLA: 1992.
a e br so l ta en am nd fu ho al ab tr o tr ou um É também de 1995 ass ma o o: id et om pr ão rt se O e. nt Mo lo Be república sertaneja de r do ia or st hi , ne vi Le M. rt be Ro a st ni ia il as cre de Canudos, do br abr ia ór st hi da os ni mí do os ad ri va de a up oc estadunidense que se s uê ug rt po ao o id uz ad tr e ês gl in em te en lm ia sileira. Escrito inic a ur it le da o sã vi re e ão rs ve in l ca di ra i tu ti ns co no mesmo ano, e qu já z, ni Mo e có Fa r po o ud et br so da ra gu historiográfica inau e br so a nh Cu da es id cl Eu de es tes is pa ci in pr as retoma e defende a guerra sertaneja.
os do ej s an o t rt n e se m i c e t n o c a ar os is al e an s a e õ p o r p ne Levi ém mb Ta o. nt ro nf co no s te an ip ic rt pa os ” os ponto de vista de “tod
s ta is al du as ci ên nd te , ca gi ló do to me ta os devido a essa prop a alnt se re ap e qu , ho al ab tr se Es . do tu es O te en am ar cl m sa as transp gumas importantes sugestões elucidativas dos fatos, propõe tam191
bém, como explicação dos acontecimentos, o confronto das ten-
dências “modernizantes” do “litoral” com o arcaísmo dos matutos dos sertões.
Levine retoma igualmente outras teses da historiografia dos erandes proprietários — entre elas, a pretensa violência interna do
arraial santo e a misoginia de Antônio Conselheiro. No mesmo sentido, subscreve a tese de doença mental de Antônio Maciel, proposta pelas elites nordestinas e apresentada, como vimos, sob forma de ciências sociais, pela primeira vez, por Nina Rodrigues, e retomada por Euclides da Cunha. O historiador estadunidense não esclarece se compreende a repressão a Belo Monte como uma inconseqiiência republicana ou como uma ação inevitável devido à radicalização da comuni-
dade sertaneja, já que defende as duas teses. Porém, as conclusões do trabalho são claras. Levine culpa Antônio Maciel pelo massacre, por não ter seguido o exemplo do padre Cícero, que, na mesma época e região, em vez de liderar as massas sertanejas na luta pela autonomia diante das elites, serviu-se delas para transformar-se num dos mais poderosos e ricos latifundiários de então, contribuindo à manu-
tenção das estruturas sociais nordestinas.
Importantes e essenciais aspectos da revolta sertaneja são ain-
da desconhecidos. Em certo modo, o verdadeiro sentido, conteú-
do e amplitude últimos do movimento “conselheirista” não fo-
ram ainda desvelados. O primeiro centenário da destruição de Belo Monte ensejou
a apresentação de um grande número de novos trabalhos
historiográficos sobre o tema de maior ou menor valor, as
reedições de estudos e relatos clássicos sobre O acontecimento, a redação de trabalhos ficcionais, a produção de uma longa metragem etc. De certa forma, essa vasta produção registra va o esgotamene
CS Liigas >
192
aid al re , os nt me ci te on ac s do es çõ ta «o relativo das novas interpre ni mu co la pe ão pç ce re a ix ba na te en am en pl u so de que se expres
nce ro ei im pr s do õe aç br le ce s a da ad on ci ic af e a z da dade especiali
s do ri or oc a, nh Cu da es id cl Eu de co si ás cl do o ã tenário da publicaç em 1997. a m i o r c e c r , a p a m n e r e d a o r M o t i d E o a d d i d e p Em 1997, sob
io sa en e ev br um os am ic bl pu , do ce Ma ir va Ri é Jos r do o historia s, do nu Ca de ra er gu da ia tór his a um e: nt Mo o Bel — os sobre os fat agora na sua quarta edição. ão ex fl re e ura eit rel ós ap , os am eg ch e qu a o sã lu nc co A grande iess nec a foi , as ad it ed s ia ár im pr es nt fo e s ra ob «sistemáticas das fatos, dade de a historiografia expandir os estudos sobre aqueles
até hoje demasiadamente centrados no arraial de Belo Monte, a e qu a ej an rt se a ic bl pú re a um de — l ita cap a as en ap s ma — l ita cap um e br so ia, tór nsi tra a rm fo em e qu a nd ai r, de po seu e ev nt ma s. ida flu s ira nte fro , de do na io ec rr su in o óri rit ter o pl am Dezembro de 1998.
TRABALHOS
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