As Etapas da Matemática [3 ed.]


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Portuguese Pages 167 [165] Year 1984

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Table of contents :
IMDICI GERAL
I - Os dez dedos da mão e o zero ...7
II - Esbarra-se contra o impossível, mas passa-se além ...9
III - O que foi feito uma vez pode sempre voltar a fazer-se ...28
IV - Para além do infinito ...78
V - Os instrumentos divinos e a quadratura do círculo ...91
VI - Isso depende ou não depende ...107
VII - Para levantar uma ponta do véu ...122
VII - O espaço usual e os outros ...136
IX - A unidade da ciência . 152
ÍNDICE DAS REFERÊNCIAS ...162
ÍNDICE DAS FIGURAS ...165
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As Etapas da Matemática [3 ed.]

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#AS ETAPAS ~ ..... DA . MATEMÁTICA

PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA

«Falar de matemáticas a um público vasto é uma tarefa eriçada de dificuldades. Poucos sábios o tentaram e são raros os sucessos reais. » Alguns autores pensaram manter-se num nlvel elementar, banindo a maior parte das fórmulas. É ó programa que adaptamos, mas não nos basta: frases longas, ornamentadas de palavras herméticas, recheadas de erudição, são ainda mais indigestas e é necessário proscrevê-las impiedosamente. » Não há assunto mais actual do que a história das etapas da matemática, com a condição de que as examinemos com olhos lavados.» do «Prefácio» de Marcel Boll

colecção

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Tftulo original: Histoire des Mathématiques Tradução de J. N. Capa: estúdios P. E. A.

© Presses Universitaires de France, 1941, 1979 (n. 0 42 da Col. «Que sais-je?») Direitos reservados por Publicações Europa-América, Lda. Nenhuma parte desta publicação pade ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma ou por qualquer processo, electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópia, xerocópia ou gravação, sem autorização prévia e escrita do editor. Exceptua-se naturalmente a transcrição de pequenos textos ou passagens para apresentação ou crítica do livro. Esta excepção não deve de modo nenhum ser interpretada como sendo- extensiva à transcrição de textos em recolhas antológicas ou similares dond_e resulte prejuízo para o interesse pela obra. Os transgressores são passíveis de procedimento judicial

Editor: Francisco Lyon de Castro PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA, LDA. Apartado 8 2726 MEM MARTINS CODEX PORTUGAL Edição n. 0 1175/3498 Execução técnica: Gráfica Europam, Lda., Mira-Sintra - Mem ·Martins

MARCEL BOLL

AS ETAPAS DA MATEMÁTICA 3. ª edição

PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA

PREFACIO Faiar de ma.temáticas a um pú·blico vasto é uma tarefa. eriçada de d!ificuld'ades. Pow:os :sábios o tentaram e são i"a.ros os suc'eSS'OS reais, desde Ola:iraut e CondiHac até Pierre ·Boutroux e Tobias Dantzig. Não sobreveio um incrivel insucesso à Enciclopédia, Francesa, que se propunha o louvâvel designio de «informar a maior ma.9&a passivei de homens>? A sua ,parte ma-temática, aparecida em 1937, conta t-rezentas páginas de gra,nde formato, das quaJs quatro qumtos e,.gtão actma da , nomeadamente aqu:eles a qu~ lições anacrónicas desgostaram da matemática para o resto dos seus dias . . . Alguns a:utores ~nsaram manter-se num nível elementar banindo a maior parte das fómiulas. l!J o programa que adoptarnos, mas não nos basta: frases iongas, ornamentada3 de palavras herméticas, recheadas de erudição, são ·ainda mais indigestas e é necessârio .prosrcrevê-Ias impiedosamente. Não há assunto mais actual do que a. história das étapes -dia. matemática, com ·a condição de que as õii,ííós)ãva : 0S que ensinam as matemáticas não sabem como elas servem e os que têm de eerv.ir-s-e delas não as coohecem ... No decorrer .das pá,gin:as que se seguem o leitor não en,oontrará, pois, quase na.da do que lhe ensinaram. Mas, como o nosso fim principal é ser acessfvel, intuitivo e sugesti;vo, 1'1811>1.m'Ciam.ol!I sem· pel9!lll"' a um palmaré&· completo e a ,uma eronologlla. copiOBa: que importância tem, afinal, que um determinado sábio seja omitido ou ,que a contribuição de um século não seja exipllcltamen-te resumida? Pelo conitrârio, é conveni-ente valorizar uma dezena de ideias mestras que toma,ra;m corpo, não sem passoe em falso, explicamo caiàa uma: delas por -exemplos familiares, por ,quadros de números, por figuras cuidadas, sem esquecer a:s suas mútuas conexões; certamente que é mais útil compreender as descobertas primordiais do que aUnhar uma multidão de pormenores por ordem de antiguidade. ·Sem cansar a atenção, estas :sondagens são destinadas a :fO'l"D.e.cer uma panorâmica sobre a edificação desta ciência 'Viva e profundamente humana, intimamente ligad·a às ,técnicas do universo materi·a:l e às dos factos humanos'. 1 Encontrar-se-ão complementos de ordem mais geral na obra colectiva Les grands courants de la pe-nsée ma-thématique, Les Cahiers du Sud, 1948.

CAPITULO I

OS DEZ DEDOS DAS MÃOS E O ZERO

Os animais superiores, os homens primitivos ou selvagens e as crianças não são completamente estranhos ao número e ao espaço; pos·suem, todos, noções rudimentares de aritmética e de geometria, quer dizer, das duas ciências - primeiro isoladas _;_ que se enlaçaram, constituindo as matemáticas. Limitemo-nos, por agora, ao número e contentemo-nos com dois exemplos. Ensine-se um pintassilgo a escolher entre dois montinhos desiguais de grãos. Verifica-se então que ele, -com o tempo, chega a distinguir:

três e um, três e dois, quatro e dois, seis e três mas confundirá. sempre:

cirnoo e quatro, sete e cinco, oito e seis Uma criança de 14 meses que brinque com os pesos de uma •balança, se lhe esconderem um de-

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les, procura-o e, depois de encontrá-lo, coloca-o junto dos outros. Pode-se então falar de uma percepçiio da plural:idade: isto significa que a ·ave ou a criança se apercebem vagamente de uma diferença entre dois o como éstas: ctodai a proposição ou ê exacta ou ê faJea>; «toda a coisa d'8ve ser ou não ser>, etc. Aa conseq•uênclas que .se julga poder tirar de .uma «profunda sabedoria da

natureza> têm e~actamente o mesmo valor que o que aca:bá.mos de dizer do n,úmero noventa e nove [36]. Res-

tarnoe evocar de novo (p. 18) os manes de Prudhomme ...

AS ETAPAS DA MATEMÁTICA

25

A aritmética comercial desenvolve-se, a parXIV, com o seu ,emprego pelos negociantes italianos. E, um pouco mais tarde, graças à invenção da imprensa (1440), a forma dos dez algarismos encontra-se definitivamente fixada. A difusão do cálculo foi inacreditàvelmente vagarosa: da leitura, da escrita e do cálculo foi este último que o género humano teve mais dificuldade em assimilar · [12]. Ainda hoje mui~ pessoas concedem que «as matemáticas as ultrapassam>, o que as autoriza a acusar «os outros» não se sabe de que ilusória deficiência: pensam «ter dito tudo» designando-os pelo epíteto «pejorativo» e vingativo de primários: há, aqui uma transposição de valores, que é urgente operar, se não se quiser que uma pretensa élite --- na realidade, sobretudo garantida. por palavras vazias....:. fique lechada às manifestações mais características do pensamento humano. Quantas pessoas instruídas sabem, na hora :presente, que contar pelos dedos era há somente quatro séculos a única bagagem de que dispunha o homem de cultura média para calcular e que os segredos do á/bàco 1 não eram acessíveis senão

tir do século

1 Chamava-se então dbaco ou tábua de calcula,; e en;..' contra-se ainda nas aldeias, na.s paredes das sa!as de_

bilhar.

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MARCELBOLL

as calculadores profissionais da époéa? Nenhum manual era julgado completo se não contivesse explicações muitQ pormenorizadas sobre o: ,cá,1cuio 'digital' [12]. A multiplicação era reputada difícil, mas a divisão não podia ser abordada sênão •por matemáticos ex~ita~os. [37]: co.nfiava:m:.na'a 'um «perito», a um «sáibio especialista», que trazia o resultado alguns dias depois •.. O homem prático .nesta técnica passava, junto das mUltidões, por dotado de !faculdades quase sobrenaturais. iEm certa medida, esta consideração respeitosa encontra-se por vezes nos nossos dias: confunde-se frequentemente o saJber matemático com· a raipidez de manejo de algarismos. Mas Henri Poincaré, que, por infelicidade, calculava. muito mal, reconhecia. de boa vontade que os vendedores dos mercados lhe eram, deste ponto de vista, muitíssimo superiores ... Tal é a primeira. éta-pe das matemáticas, a. história do número natural, que, no parecer unânime, a.presentou «um quadro de estagnação verdadeiramente digno de dó». Um ponto culminante, o «milagre do zero», que levou mais de mil a.nos a popularizar-se: esta descoberta fica como uma das obras mais considerá.veis da humanidade; sem ela. não se poderia conceber o progresso da ciência, da. indústria e do comércio modernos [12]; por ela o número pôde ser «domesticado». A noção de número - que apenas aflorámos - é uma das ma:is antigas e das mais fundamenta.is da

AS ETAPAS DA MATEMÁ T/CA

27

ciência. A sua aparição depois dos primeiros vagidos do pensamento consciente, as suas extensões sucessivas e as suas extraordinárias generalizações 1 estão intimamente ligadas a toq.a a história .intelectual da humanidade. E 'é preciso não perder de vista que o número, na sua significação primitiva e no seu papel intuitivo, é uma pro-. . . •· 1 P,ri~e fwica (pp. 50 e· 152); qué a experiência nos levou a atribuir aos conjuntos de objectos [20].

1

De q-ue nos resta ainda dar uma ideia.

CAP.lTULO II

ESBARRA-SE CONTRA O IMPOSS(VEL, MAS PASSA-SE ALÉM .

Na sua forma original a aritmética ocupa-se do manejo dos confuntos. Os sábios conser.varam a esta palavra a sua acepção habitual: um conjunto é .a reunião, considerada como formando um todo, de vários elementos ou objectos: os dedos da mão, as árvores de um pomar, os viajantes de um com!boio, as moléculas da atmosfera, as estrelas da Via Láctea ... Experimentalmente, os conjuntos definem-se: ou por designação 1 , ou por enumeração 2 , ou ainda por atribuição de uma propriedade 3 • Cada conjunto é suposto recenseado, graças à comparação

1 Entrando num livreiro, um cUenite diz: • Um serra1lheiro chamado para uma reparação conhece a lista das ferramentas que deve levar consigo. , O conjunto dos habitantes de uma cidade (homens e mulheres), actualmente de idade ,super:lor a 70 anos.

AS ETAPAS DA MATEMÁTICA '·'!•-'•

,·,,:

\i.~~

com a sucessão dos números naturais qul~rve de estalão 1 :

,• ·

1 2 3 4 5

6 7 ...

Eis o ponto de partida que se supunha admitido quando, no decurso da nossa segunda infân".' eia, nos familiariza:ram oom. as «quatro regras». Quatro operações é muito, mas não bastante ... J!:: muito porque todos os números que podemos efectivamente formar são obtidos a partir dos números naturais, e estes,, por si mesmos, são o resultado de somas a partir da unidade [6]. Mas é igualmente muito pouco porque se 4is:.. tinguem, na prática, três operações àirectaa,. às quais correspondem três operações inversas.

A soma é a tradução sim'b6lica de uma justaposiçãq de conjuntos, feita em, cerla,s condições, e a experiência é o único juiz para decidir se estas condições estão ou não realizadas. «Isto é tão claro como dois e dois serem quatro» é um desses aforismos do lbom senso que' denotam uma

1 Começa niest•e Cl8M pela unida.de ( «um todo só>, como dizem os telefonistas); veremos (p. 46) que é preciso fazê-la começar ,por zero.

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éón~o completamente sem valor das matemá.ticas. ~: · · 21 de á:gua pura e 2 l de álcool puro não fazem 41 de água alcoolizada 1 • 2 A e 2 A não dão 4 A numa disposição trifásica 2 • Pode-se mesmo afirmar que, se manipularmos constantemente gases susceptíveis de se combinarem a cada mistura, dois e um dariam sempre dois ª. O carácter experimental da aritmética não oferece, pois, qualquer dúvida. l!l ,preciso então evitar, acima de tudo, considerar as matemáticas com uma ciência, «onde não se sabe do que se fala, nem se aquilo que se diz·é exacto», segundo uma famosa e espirituosa frase•. Em particular, a soma não faz parte do mundo (?) da poesia ou da metafísica: diz respeito, em princípio, aos COTp08 só1iàos análogos e conservando a sua individualidade, de qualquer ' Segundo a VIII Conferência Geral de Pesos e Medidas, tem-se, à temperatura de 15oC: 2000cm• + 2000 cm•= 3955cm',

pára

menos, aproxim,ad-amente, um décimo de centímetro

cúbliCo.

• Num motor trifásico montado em triângu•lo: 2 A

+2

A= 3,4641 A

• Diz-se que nem todas estas propriedades são dài-

tivas. • Devida a Bertrand Russell.

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modo que os juntemos; permite-nos então prever qual será. o número dos elementos de um conjunto .global, formado pela justaposição de dois conjuntos parciais primitivamente recenseados~ 86711, que ~ ter,,ka, necess,üJ,o,d,e de recensear de novo depois da operação. Assim, juntando 3087 a 5678, obtém-se o número 8765 (os dois primeitos números são chamados tf!/T'm08; o último, 80m,(Jj ou total). A soma goza de diversas propriedades importantes, que, seg'Ull'IIU) ap-itn1ião wnânime, resultam de uma experiência progressivamente ma.is precisa. Em particular: 1. :m o&rrwtatvva, o que quer dizer que se obtém o mesmo total juntando 3087 a 5678 ou juntando 5678 a 3087. 2. º ~ associatwa, o que quer dizer que se pode operar em duas, três, quatro . . . vezes. Sempre com o mesmo exemplo, pode-se começar por· juntar 87 a 5678 (o que dá 5765), com a condição de juntar ~000 seguidamente. A Blibtra,cçoo é «a operação inversa» da adição; escrever-se-á então: 0

8765 - 5678

= 3087

8765 - 3087

= 5678; •

ou então:

quando se «extrai» um conjunto de um outro, obtém-se a «diferença» entre os dois.

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• As indispensáveis prec1soes que fornecemos sabre esta operação fundamental que é a soma vão permitir-nos abreviar. Acontece muitas vezes que é preciso juntar muitos conjuntos que comportam, todos, o mesmo número de elementos. Todos sa)bem tratar-se de uma multiplicação, que, na origem, se apresenta como uma soma abreviada. Assim, juntando 21 'conjuntos de 87 elementos o'btém-se um conjunto de 1827 elementos. A multiplicação é dotada de diversas propriedades fundamentais,· que se podem derrwnstrar a partir das da soma e que cada um de nós põe inconscientemente em prática: 1.º :m corrwtatitva, o que quer dizer que o pre~ cedente conjunto de 1827 elementos se obtém igualmente juntando 87 conjuntos de 21 elementos. (Diz-se que 21 e 87 são os fa.ctores e que 1827 é o produto) ; 2. º É associ,a,titva, o que significa que, como 21 é o produto de 3 por 7, se pode começar por multiplicar 87 por 3 (o que dá 261), com a condição de multiplicar em seguida por 7; . 3. l!'l-distrilnt,tvoo em relação à soma. Em lugar de multiplicar 21 por 87, podemos decompor, por exemplo, 87 em dois termos (55 e 32). Multiplicar-se.:á 21 por 55 (o que dá 1155) e depois 21 por 32 (o que dá 672). Adicionando os dois 0

AS ETAPAS DA MATEMÁTICA

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produtos parciais (1155 e 672), encontramos de novo 1827. ·· A àivisãc é «a operação inversa» da multiplfcação: pode-se fragmentar o conjunto de 1827 elementos em 21 conjuntos todos iguais; verifica-se então que cada um deles contém 87 elementos. (Diz-se que 87 é o «quociente» do «dividendo> 1827 pelo «divisor» 21.) E poder-se-ia, bem entendido, dividir 1827 por 87, o que daria 21 como quociente.

Resta-nos um último passo a dar para completar as seis operações princi pais da aritmética. Frequentemente, é necessário efectuar uma multiplicação - ou uma série de multiplicações - de que todos os factores são iguais: é o que se apresenta particularmente quando se avalia a superfície de um quadrado. ou o volume de um cuibo. Um quadrado de 5 m de lado tem uma superfície de 25 m 2 ; um cubo de 5 m de aresta. tem um volume de 125 mª.: 1

5X5=52 = 25 5 X 5 X 5

= 5~ = 125

Diz-se que se elevou 5 «à. segunda potência» (ou ao qun,drodo), depois «à terceira. potência» ( ou oo cubo); poder-se-ia do mesmo· modo elevar qualquer número natural à potência 4, 5 ...

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:· . -:;x·· \\~):~~ res~o, a própria «•potência» ,1 •pode ser '.·qualquer numero natural. O leitor notará esta lgfneralização do número ta.:l como; nós .a descre.yenios nas páginas precedenftes.. Por exempl~, com· dois algarismos ex.prime-se um número já relativamente grande ~: 9n

= 387 420 489

(é pouco mais ou menos o número de vezes que um homem respira em quarenta anos). Esta quinta operação, chamada e:x:ponetneiaçã,o, goza em relação à :multiplicação de um papel comparável àquele que esta goza em relação à soma. _A operação inversa (sexta operação da aritinétioa) chama-se uma railficiq,çõ,o. Escreve-seª: 5= v25

5

=

ªv125

etc.

e diz-se:, «5 igual a raiz 4 de 25», _«5 igual a raiz cúbica de 125», etc. 1 1!: preciso não confundi·r ,potência ( 2, 3, 4 ... ) de um número .oom :a, potência de um conjunto (p. 13). Por isso serià preferível dizer expoente três, expoente sete . . . A notação moderna dos expoentes (pequeno algarismo ao alto e à direita) remonta a Descartes (1637). ' O número 101º vale dez ,biliões. • O operador ,,/~. que é um r minúsculo deformado, data do século XVI. . • Raiz quadrada (a palavra quadrada é i;ubentendida).

'AS ETAPAS DA MA TEMÁTICA

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Concebe-se que a aritmética. se ocupe de. leis que dizem respeito: aos conjuntos de elementos, à justwposição de muitos conjuntos, à divisão de um conjunto em conjuntos parciais e, também, à .construção de novos conjuntos, a que aludiremos no decorrer do nosso trabalho.

Chegados a este ponto da nossa expoSiçao - que foi simplificada. em função das capacidades do «homem da rua» -, é-nos necessário insistir num.a. reflexão primordial, que está longe de pertencer a.o domínio público. ·- Nada de especial a acrescentar sO'bre as operações directas (adição, multiplicação e exponenciação) : são operações simples, operações de fácil manejo, que não iludem a confiança que nelas se tem. Não nos espantemos: elas não são, afinal, mais do que sucessões de repetições. Não foi este o caso para as operações inversas (subtracção, divisão, radiciação) : em várias épocas .da história passou por elas o vento da desordem; desencadearam tempestades de impossibilidade, de incompreensão, de aJbsurdo ; .. , que, por felicidade, o espírito humano conseguiu dominar. Aqui a ordem histórica (Egipto, Grécia, índia) di.fere um pouco da ordem lógica, pois que a sub-

36 .

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tfacção não figurará senão em último lugar 1 • Mas, como se ·devia. esperar, a ordem histórica coincide com a ordem pedagógica: passaremos, pois, progressivamente dos tfenómenos mais familiares aos fenómenos menos conhecidos; partiremos, pois, de evidências, tomando esta palavra na sua significação objectiva: afirmar que uma. teoria é evidente é o mesmo que declarar que há muito dela se tem. conhecimento [17] ... e ainda não foi completamente esquecida. Comecemos, pois, pela divisão . . . e sem sor.: ij.r ante a. -«évidêncib dos exeinplos invocados! Duas dúzias de ovos ,podem ser repartidas entre 3 pessoas (cada participante tem direito a 8 ovos). Mas, se aqueles que tiverem direito forem 5, a partiiha não serâ pó8sí-vel: o número 24 não é divisível por 5, seja qual for o «artifício de cálcü:lo» que se utilizar. No caso presente a distribuição não pôde ser equitativa: tirar-~á, à sorte a pessoa que se deverá contentar com 4 ovos, e a.s outras qua:t:ro receberão 5. Poderia pensar-se em bater os 24 ovos em o:meleta . . . mas que Se faria se se tivesse de confiar 24 crianças a 5 monitores? 1 Não se trata, de momento, senão de impossibilidades elementàJres. A impossibilidade comp06ta, que fheide simuitâneament-e sobre ·a subtracção e a rad!ic.i.ação (França e Alemanha do século XIX), será. referida m:a.fs ta,r~e (p. 130).

AS ETAPAS DA MA TEMÁTICA

Toda a gente sabe, desde a escola primá.ria, que há casos em que o problema precedente admite, apesar de tutu>, uma solução (Nicole Oresme): por exemplo, quando 24 representa o número de metros de um tecido ou o número de litros de vinho. A resposta exprime-se mesmo sob duas formas diferentes: 24 ou 5

4,8

(480 cm de tecido ou 480 cl de vinho). A primeira forma (chamada fracção ordinária) era conhecida e utilizada no antigo 'Egipto há perto de quatro mllénios; a segunda (chamada número decimal) foi sistemàticamente empregada por François Viete (1579) por Simon Stevin (1585). Aqui convém-nos abstrair do que sa;bemos para nos darmos conta da transformação trazida à noção primitiva de número. Que são, n.o fundo, 24/5? Deve-se, antes de mais, afinnar peremptôriamente que não é um número (nem cardinal, nem ordinap , se se designa por este nome um dos elementos que figuram na sucessão dos números naturais. Também não se lhe pode chamar dois números, uma vez que o numerador (24) e o denominador (5) desempenham papéis diferentes (não comutativos): as fracções ordinárias não correspondem, pois, a

e

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nada de conhecido até esta altura precisa da nossa exposição. Que fazer para vencer a dificuldade? A partir de Diophante os matemáticos foram ma:is wnge: recusaram deixar-se enlear por esta «contingência acessória», como dizia Karl-Friedrich Gauss, à sa:ber que 24/5 não poderiam designar o número de carneiros de um rebanho. E decretaram,. que 24/5 seria um número, a despeito de todas as objecções, mas verificando que ele possui, em comµm com os números naturais, certas propriedades essenciais, de que tornaremos a falar (p. 35) : quem ousaria negar aos sábios ó direito de escolher as suas noções basilares, o seu material intelectual, da maneira que lhes ,parecesse mais lógica e mais fecunda? Esta é a primeira e:x;tensã,o da ideia de número, •pois se considera como tal o conjunto de dois números naturais tomados numa ordem determinada. Noutros termos, os números naturais não são todos os números; acabámos de juntar.: -lhes um primeiro «lote», formado pelas fracções ordinárias 1 • E concebe-se sem dificuldade que estas compreendam os números naturais como casos particulares 2 •

' Chamadas -igua,lmente números racionais ,porque na sua definiçã~ não intervém qualquer extracção de raiz. ' Assim, 106/53 vale dois; 9/3 vale três, etc.

AS ETAPAS DA MATEMÁTICA

Do ponto de vista técnico, aca;bámos dejiassar do «número contável» (esta classe tem 50 alunos) ao «número métrico» (a coluna da Baâtilhi tem 50 m). Graças a esta extensão do número, não nos contentamos em comparar duas grandezas «por estimativa»: pode-se fraccioná-las ou, pelo menos, supô-las divididas em quanticjades iguais (iguais a uma grande~ da mesma espécie, escolhida como estalão). Os números, que serviam simplesmente para os recenseamentos, tor.naram-se refetrências adaptadas a todos .os"-usos, e este é o fundamento da metrowgf,a ( ou ciência das medidas). O acontecimento mais notável da história d·a metrologia é devido a uma iniciativa da França. Para substituir· as velhas unidades, ar,bitrárias, incoerentes, variáveis, a Revolução Francesa ofereceu (1790-1795) o sistema métrico «a todos os tempos e a todos os povos». Primeiro limitados às grandezas geométricas e mecânicas, os mesmos princípios ,aplicaram-se progressivamente aos fenómenos caloríficos, luminosos e electromagnéticos. Aí encontramos, de passagem, a base de todos os conhecimentos rigorosos e de todas as aplicações aperfeiçoadas. Mas for~m precisos à humanidade séculos e séculos para discernir os d1ferentes serviços que os números podiam prestar-lhe.

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:;)/Passemos à radiciação. Para simplificar, limitar-nos-emos à raiz quadrada, que comporta. como exemplos ma.is simples: 12 22

= 1, = 4,

donde donde

✓1=1;

J4=2;

interessa saber desde já o que representam. as operações «impossíveis», tais como ✓2 (ou v'3). A raiz quadrada do número dois admite interpretações ,geométricas particularmente sim,. pies: Assim, J2 m é o lado de um quadrado cuja. área mede exactamente 2 m 2 ; Ou ainda, ✓2 m é o comprimento da diagonal de um quadr9:tas duas conclusões (1. 0 e 2. 0 ) estão em contradição com as condições postas. Quando uma suposição implica contradição, é uma suposição falsa. Por consequência, a fracção N/D não pode< existir. Fig. 1. -'-- Um Upo de demonstração matemática (Aristóteles) : o ra~locín-io por abaurdo. O número .,/2 não pode ser substltuldo ri-gorosamente por uma fracção ordinária

Não deixaremos -a radiciação sem mencionar o resultado notável e fecundo indicado pelo ita-

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MARCELBOLL

liano Rafael BombeUi: a fig. 2 permite compreender, num caso muito simples, o que pode ser uma «.fracção contínua» 1 , que se pode prolongar tanto quanto se deseje; o modo de cálculo está explicado para os primeiros termos, e obtêm-se sucesS'ivamente fracções ordinárias, cujos valores se aproximam cada vez mais do número ✓2.

Resta-nos falar da impossibilidade na subtracção. Pode-se fazer uma compra de 35$ quando se têm na algibeira 50$: isso leva a subtrair 35 de 50. Mas, se o objecto desejado custa 65$, não se podem tirar 65 de 50. Para a quase totalidade das pessoas o problema resume-se ao comentário: «Voltarei amanhã, porque não tenho comigo o dinheiro suficiente.» Só uma ínfima minoria de espíritos esclarecidos notará que aí reside uma das questões capitais donde decorreu todo o progresso ulterior. Primeira nota: qual é a significação de «50 tirados de 50»? Responde-se automàticamente: «fica zero», mas não esqueçamos que a sucessão

' Os maiores matemáticos ocuparam-se, maiis tm-de térn-se assim urna sucessão de fracções ordinárias, que se aproximam cada vez mais do número ,/a

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· MARCEL BOLL

dos números naturlJ,is começava ~p. 28) pela unidade e que zero não significava até· aqui mais do que «fila vazia». (na escrita .de um número). A subtracção obriga-nos a considerar, por outro lado, zero (sinónimo de na,d,a) co:ino um número, ao qual se aplicam as propriedades dos números naturais: foi o que viu nitidamente o i:,á•bio hindu Bhaskara (no século XII). Zero é assim o número cardinal (p. •14) de certos conjuntos (chamados conjuntos v:azios ou conjuntos nulos) ; é a resposta conveniente a perguntas deste género: «Quantos insectos existem providos de esqueleto? Quantas pessoas não condecoradas figuram em tal conselho de administração? Quantos homens habitam a Lua?: .. » O número zero introduziu-se no conjunto dos números naturais sem provocar contradições insolúveis. Desde os primeiros séculos da nossa era que os Hindus compreenderam que se podia atribuir uma significação válida a subtracções tais como «65 tirados ,de 50»: basta admitir a existência dos «números negativos», que se designam uniformemente sob o nome de dÍVW,o,8. Estes números negativos fora:in popularizados (numa certa medida) pelo termómetro: «oito graus abaixo de zero» designam-se correntemente por «- 8°», e ninguém duvidará de· que as profundidades dos oceanos têm uma «altitude negativa». O conjunto dos n-éimeros «ordinários» (ou núme-

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ros positivos) e dos números negativos constitui o conjunto dos números qual,ijica:dos: a todo o número positivo (natural, fraccionário, incomen• surável, ... ) corresponde um número negativo; zero é o «corte» ·entre estas duas variedades (ele corresponde a si próprio). E, pois, certo que sem o zero os números negativos não poderiam ter sido concebidos. Incontestàvelmente, os números qualificados não podem aplicar•se a todas as 'questões. Assim, a altura de um homem não pode ser «-172 cm». Mas esta objecção :não atinge de modo algum a legitimidade desta nova e:ctensã.o do número, que se adapta., de uma maneira muito simples, 'às propriedades que comportam dois sentidos · ou dois modos diferent~s:. direita--esquerda, 'diante• -atrás, a1to..1baixó, passado-futuro, quente-frio, bornes de um acumulador, ,pólos de um íman, etc. Representar•se•ão graficamente os números qua. lificados traçando uma linha horizontal e marcando, no meio, o «ponto zero»: os números posítivos serão marcados para a direita, os números negativos para a esquerda. Se uma grandeza é essencialmente positiva (como as alturas dos homens), basta apagar a metade esquerda da escala. O conhecimento dos números qualificados penetrou lentamente na Europa Ocidental, como o prova a obra (1484) de Nicolas Chuquet. Evi-

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tando considerações demasiado técnicas, é-nos necessário, no entanto, mencionar os quatro casos possíveis da multiplicação dos números qualificados, a qual se resume na célebre «regra dos sinais» 1 • E, para mostrar quanto seria errado O literato L é candidato à Academia Franeesa. Entre os 37 membros apontou 20 partldãrios e 17 adversãrios (admite-se que uns e outros não mudarão de opinião) . Antes da eleição de L podem verificar-se duas eventualidades: Ou uma eleiçáo (ganho de um votante); Ou um .fracasso (perda de um votante).

Existem então quatro .possibilidades: Ganho · Ganho Perda Perda Fig; 3. -

de de de de.

um um um um

;partidãrio _.. a aidversãrio - a pa.rtidãrio _. a adve-rsãrio _. a

maioria maioria maioria maioria

de de de d'e

L L L L

aumenta; dimJnui; diminui; aumemta.

A Apressemo-nos a ~cre.scentar que estas comparações, já antigas, a.penas figuram aq,ui para impressionar a imaginação, pois que são destitu[das de qualquer signifi,cação física. Por outro lado, exp1icaremos mais tarde (p. 104) a partir de que número (a seguir à vírgufa) as decim11Js de ,;; se tornam falsas a respeito da Terra.

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CfRCULO COM 1 M· DE DIAMET'RO Niimero de lados

Perfmetro dos pollgonos inscrltos

3 6 12 24 48 96 192 384 768 1536

2,5980762 s,0000000 S,10õ8265 3.1326325 8,139.8546 3,141,036 9 3,1414569 B,141562 5 B.i41 588 B B,1415918

Continuando} indeflni-

3,141J927

Perlmetro dos pollgonos · circunscritos

~édla aritmética

5.1961524 S,4641016 S,2Ló 1~00 8,159667 3 3,146 0919 8.1427201 s.u1877 6 S.141667 ó 3,141615 8 S,141594 6

3,8971143 8,282050 8 8,1606082 3,146149 9 8,142723 2 8,1418785 S.141667 2 S,1416150 3,1416018 8,14159a 2

3,141592 7

3,141592 7

........... .............. .............. ............... ,,

damente Fig. ó. - Aproximações suCl!l!ISivas obtidas pelo método de Arquimedes (ver fig. 4) ·

Lembremos, por agora, Óutra.s três descobertas de Arquimedes, que os professores exprimem, sem qualquer yroveito, por wna forma diferente: A superfície de um círculo é igual à do triângulo rectâ.ngulo cujos lados do ângulo recto sejam iguais: a) Ao raio do circulo; b) Ao perlmetro do circulo.

A superfície da esfera é igual a quatro vezes a superfície de um dos seus círculos maiores.

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O volume da esfera é igual ao de uma. pirâmide que tem por. altura o raio da esfera e por bMe a superfície da mesma.

Um segundo exemplo, ainda mais simples e extremamente sugestivo, era igualmente conhecido por Arquimedes. Para o traduzirmos intuitivamente em linguagem moderna utilizaremos a fig. 6, onde está re-

---------UM METRO= 1000mm---- -----

750mm

875mm

937mm 1/z 968mm 3i4984-mm 1/3

• • •







• •

• •

• •

Fig. 6. - A totalização de uma •progressão geométrica decrescente (ver fig. 7), primeira ideia do infinitamente pequeno

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presentada uma régua de comprimento igual a 1 m. Tomamos primeiramente metade (ou seja, 500 mm). A esta metade juntamos a sua metade, o que nos dá 750 .mm. E assim ·por diante. UMA PROGRESSÃO GEOMéTRICA DECRESCENTE· Os dez primeiros termos da série

I

-1 = o,D 2 1 --=0,25 2X2 1 = 0,125 2x2x2 1 =0,0625 2x2x2x2 1 = 0,03125 2x2x2x2x2

l = 0,015625 2x2x2x2x2x2 l - 0007 812 5 2x2x2x2x2x2x2 - ' l = 0,003 906 25 2X2X2X2X2X2X2X\l 1 = 0,001 953 125 2x2x2x2x2x2x2x2x2 1 = 0,000 976 562 5 2x2x2x2x2x2x2x2x2x2

Totais

1··

O,i>

0,75 0,875 0,937 5 i:

0,968 75 0,984 375 0,992187 5 0,996 093 75 0,998 046 875 0,999 023 437 5

Continuian. E se os números «normais> não bastam para traduzir a geometria, não teria havido, no principio, qualquer «engano colossal>, que 8/Cabar.l.a por demonstrar que a nossa oonfia:nça no número era erradia, que não teriam.os o direito de nos servirmos dele nas aplicações mala :compliea.das e que deverl-amos rever tudo desde a base? ·Perspectiva que encheria de gozo os anti-intelectuallstas . . . Os damores &>a pitagóricos, levan•t!ados ipela diagonal de um quadrado, ressuscitavam sob outra forma!

Eis primeiramente o aspecto puramente aritmético do problema, tal como foi elucidado por Georg Cantor, entre 1874 e 1895. Quando se nu1 Citemos o número e (q,ue encontraremos mais addan,t,e, p. 123), os logaritmos, os núm-eros aJgébrioos ele-

va.dos a um expoentoe lnoomensurálvel {como 3 elevado à potência ,v'2).

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mera o conjunto de todos os números algébricos (emparelhando-os, um a um, aos números da sucessão natural, indefinidamente prolongada), não reatam mai8 números. inteiros para numerar os números transcendentes! E o conjunto destes últimos é infinitamente melhor fornecido do que o dos números algébricos. Criou-se o hábito de chamar número., reaiis ao conjunto dos números algébricos e dos números transcendentes. Pois bem! O conjunto dos números reais tem a mesma «potência» que o dos números transcendentes, visto que no primeiro destes conjuntos o subconjunto (numerável) dos números algébricos apenas fornece uma contri1buição infinitesimal; os números algébricos são como as estrelas do cêu e a espessa obscuridade é o firmamento dos números transcendentes [2]. O único infinito até então conhecido -•a sucessão ocm,,pleta dos números inteiros - não é mais do que um «infinitozinho sem importância» em comparação coni este. Mau grado isto, conserva-se-lhe. a designação tradicional de mfitn.ito (porque, apesar de tudo, não é finito, pois que é maior do que qualquer número enunciável no nosso sistema de numeração) . E ao conjunto dos números reais - que está «para lá do infinito» corresponde bem o n(»Ile de transfinito 1 • ' Conhecem-se, de resto, conjuntos ainda «maiores». Por exemplo, o conjunto das equações que ligam entre

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Antes de concluir é-nos necessário inserir aqui um intermédio geométrico de que a primeira ideia (1636) remonta a Galileu. O raciocínio é concretizado pelas figs. 13-15: é de uma simplicidade infantil, para nós que es-

Fip. 13 a 15. ~ Todas a.s Jmhaa cont&m o mesmo n'6mero de pontos (GaUieu, 1636)

tamos decididos a não abandonar sob nenhum pret=o o processo de emparelhamento. Escolhamos (fig. 13) duas linhas rectas quaisquer, de comprimentos diferentes: uma recta comprida e outra curta. Juntemos as suas extremidades duas

si várias grandezas possui urna potência superior à do conjunto dos n-úrneros reais. O que há, talvez, de mais extraordinário nesta sucessão de números transffnitos é que se partiu do finito e que se progrediu por ractocínios rigoro.sos. Corno dizia René Baire, «apesar das aparênelas, •tudo se deve reduzir ao finito>.

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a duas, o que nos dá., por exemplo 1, o ponto superior da fig. 14. Se agora considerarmos a fig. 15, esse ponto- pode ser a origem de tantas tr,µisversais (linhas a tracejado fino) quantas quisermos. Cada transversal determlna um ponto em cada uma das rectas (a traço grosso). Os pontos da recta comprida e os da recta curta ficam assim empm-6lhenas tem três dimensões (.p. 8: propll'll-eda.doe preciedelD,te é mmUda para os

138); mais

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paço que ocupa não contém «maia> pontos que um fragmento de recta. de 1 cm de oamprimento.

Não temos de nos desculpar do que estas afirmações possam apresentar de «absurdo»; nem ,por isso são menos universalmente admitidas por todos os sábios competentes. Tudo o que provam é que a definição exacta de ponto nada tem de comum com a vaga intuição que se tem ao contemplar um grão de areia ou ao pôr um ponto num i, nem mesmo com a «ideia» que Zenão julgava ter quando dissertava sobre 1im desafio entre Aquiles e uma tartaruga!

• Até aqui não se tratou da potência comum aos conjuntos de uma, duas, três dimensões (linhas, superfícies, volumes). Uma primeira solução foi da.da em 1872 pelo sábio alemão Richard Dedekind: «A linha recta é infinitamente mais rica em pontos individuais do que o conjunto dos números algébricos o é em números isolados.» E o leitor pressente a resposta completa, que constitui agora o princípio de Dedekind-Cantor: é possível associar a qualquer ponto de uma linha um nú«espaços figurativos>, que a fisioa aproveita. para simbolizar as suas teorias mads complicada.9, mesmo que estes espaços possu•am um número mfinito de dimensões.

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mero reai único, e qualquer número real pode ser representado s6 por um ponto de um.a linha. Noutros termos, o conjunto dos pontos de uma linha e o conjunto dos números .reais têm a mesma potência..É uma correspondência ·perfeita entre os constituintes de um.a linha e o domínio do número; o transfinito revela-nos as propriedades íntimas do número e do espaço. Assim se justificam tanto o epíteto de «real» dado a «número» como a expressão· «potência do contínuo» atrbbuida ao primeiro conjunto para além do infinito. Assim desaparecem as apreens_ões que havíamos fonnrulado (p. 84). Assim se completa a ari:tmetizaçã,o da geometria e das outras ciências, as quais são rigorosamente assimiladas á problemas de números e de grandezas 1 • De uma .maneira mais concreta, o contínuo encontra uma realização na noção de qualquer comprimento, enquanto o descontínuo tem por imagem a série dos números naturais, como modo de recenseamento dos conjuntos finitos de objectos [20]. A síntese de Cantor é a conclusão de uma longa evolução que, começando aquando da crise pitagórica, se interrompeu nos obscuros tempos da Idade Média e retomou o seu surte no Renascimento [ 12]. ' Ex:pllcámos [3] que a oposição do descontinuo e do continuo [15] d~mina as recentes teorias da mreroflsica, em que corpúsculos de electricldade, de matéria e de luz são por ondas de probabilidade.

CAPITULO V

OS INSTRUMENTOS DIVINOS E A QUADRATURA DO CIRCULO

Nas páginas precedentes evocâm.os as propriedades do espaço apenas na medida em que eram indispensáveis para seguir a evolução do número. Ao atingirmos as concepções actuais convencemo-nos de que a geometria só teria a ganhar dei'." xando-se invadir pelo número, o que não deixou de :fazer sob os nomes de trigonometria, de geometm métrica e de muüiae matemática., muito antes, de resto, que Cantor, em 1883, lhe desse :autorização estrita. Esta simples verificação deve tomar-nos cépticos quanto ao perfeito rigor e à lógica imperturbável atriobuidos vulgarmente às matemáticas ... A união do espaço e do número é uma. descoberta moderna (1619), cuja parte preponderante se deve a René Descartes (p. 108). Os anti·gos conheciam apenas o espaço aem.. o número: ·partiam, com efeito, de propriedades experimentais, que tomavam falsamente por «evidências», por produtos da «razão pura», e esforçavam-se

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por reuni-los em proposições coerentes, que se conservam ainda hoje no ensino. Se se pensar que ignora varo o método adequado, os resultados obtidos eram admiráveis para a época; mas esta consideração não justifica a per.petuação das rotinas: o interesse histórico não se confunde com a fonnação dos espíritos. E, infelizmente, a nossa pedagogia secundária ficou amarrada, não só a Viête (em álgebra), mas - o que é mais grave à geometria de •Euclides. Nas origens da geometria vemos confirmar-se o fundamento experimental e o carácter social da ciência matemãtica: o primitivo é geralmente nómada; nem sequer tem campo. Não há geometria porque nada há a medir. A geometria fez a sua aparição quando dela hmwe necessidade: no vale do Nilo, a:pós a inundação, há três ou quatro milénios [32]. No resto do mundo -mesmo na China, cuja contribuição muito se exagerou [9] - o seu nível não ultrapassou um empirismo ingénuo. Foi então que interveio a Grécia antiga, que a.prendeu primeiro junto dos sacerdotes egípcios e caldeus 1 ; concebe-se que os Gregos, gozando de ócios e podendo, por conseguinte, dar-se a estudos isentos de utilidad~ imediata, se tenham 1 Enain-a.va-se na Babilóni•a que o lado do hexâgono inscrito é igual ao raio.

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sentido solicitados pelas descobertas mais simples da goom:etria. '.É a Tales e depois a ·Pitágoras que é preciso atribuir a glória de, a partir das coisas perceptíveis, terem abstraído das li~ nhas dos ângulos e das superfícies que as determinam. O célebre teorema de Tales 1 e o de Pitágoras (sobre o quadrado da hipotenusa de um

Figs. 16 e 17. - As secções cónicas (Apollonius, 260-200) em dois casos particulares importantes (à esquerda: a hipérbole equilâtera; à direita: a parábola.)

triângulo rectângulo) apresentam-se como uma coisa inteiramente nova na história da humanidade: a ciência anunciando-se pela geometria; a ciência, que é preciso não assimilar à massa ' Se se ·cortar um triângulo por uma paralela a um dos lados, os três la.dos do novo bj.ângulo são proporcionais aos três La.dos do primitivo.

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heterogénea de observações empíricas, do mesmo modo que é preciso não confundir um -edifício com wna pedreira; a ciência que se compõe, não de factos, mas de leis e de teorias. Duas grandes figuras dominam a ciência grega, a de Arquimedes ,(p. 16) e a. de Apollonius. O primeiro, de que nos ocupámos em diversas ocasiões noutros lugares deste breve resumo histórico, é um dos maiores sáhios de todas as épocas; o. segundo aprofundou sobretudo as· secções cónicas (figs. 16 e 17), isto é, as curvas (feixes de duas linhas rectas, circunferências, elipses, parábolas, hipérboles) que se obtêm cortando um cone circular recto por um plano. A teoria geral das cónicas, que exige o auxílio da ciência dos números\ s6 surgiu muito m:a:is t_arde; mas Apollonius tinha estudado, sem qualquer preocupação utilitária, as propriedades de curvas cujo conhecimento se revelou indispensâvel nas questões mais díspares, como a trajectória dos planetas em volta do Sol (elipses), o movimento dos projécteis (parábolas) ou o diagrama dos motores térmicos (hipérboles). Apollonius e, sobretudo, Arquimedes são exemplos que o progresso humano situou no seu verdadeiro lugar. A ciência é uma obra desinteressada: quanto mais desinteressada mais fe1 Uma cónica é traduzida por uma equação do segundo grau a duas variâveis.

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cunda, mesmo do ponto de vista prático. Em ciência, o que se encontra é quase sempre mais importante do que o que se procura.

Deve ser feita mna menção especial ao vll'lgarimdor esta palavra no melhor sentido, ,pois ;Euclides não se contentou ·com ensinar. Não só se aplicou a reduzir o número de «postula-dos> (afinnaçõescadmitldas sem demonstl'ação>) e a dar mé~odos simp-Ies e fãceis para os prin'Cipiantes [9], como repensou o que expunha (lllâo sem lhe juntar a;lgum'aJs i~as originais) e coordenou materiais esparsos, es-boçando uma sintese_ muito vizinha do que os nossos contemporâneos chamam wna a:i:iomática (p. 152), POlr -exemplo, Euclides admilte implicitamente que, se A, B e C 1 são três pontos tomados _sobre uma linha recta, e se B está colocado entre A e C, ~ntão estará igualmente colocado -entre C e A. Els um, axioma, de ·que os profanos estariam inclinados a desconhecer o alcance, e no entanto impliea que a curva considerada (exemplos: a recta, a parábola, a exponencla:l, , ... ) tenha pontos no infinito. A obra dos matemáticos gregos mostra unia diversidade extrema. Ao lado de obras acabadas, encontramos, na compilação de Diofante, os germes de uma teoria dos níimeros; em Apollonius, o pressentimento de uma geometria analítica; em Arquimedes, a concepção muito nitida do cálc-ulo infinitesimal; em Euclides, a aplicação da época, tomando

1 Foi ele que (s·egundo o que podemos saber) teve . pela primeira vez a ideia de designar por letras os pontos importantes de urna figura que aca•bava de traça~ (v., P. ex., fig. 47).

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de um método didáctico, que pôde ser transposto para obras maJs modem-as [8]. Relatá.moe já (p. 54) as origens da dooadênda diesta esplêndida :floração intelectuaJI, mas é-nos necessário voltar ·ao que, aos olhos dos nossos contemporâneos, faz a sua fraqueza. Com raras excepções, os sábios gregos foram ideólogos, que valorizaram excessivamente o poder do espirito humano ou que, pelo menos, compreenderam mal em que sentido se deveria exercê-lo. Tinham conseguido sucesso.s quase inacreditáveis na mais fácil das ciências, a geometria, onde a experiência desempenha um papel necessário, sem dúvida, mas que parece a,pagar-se ante o engenl10 das deduções lógicas. O próprio brilhantismo dos •seus sucessos tornou-os presU1Dçosoe: imagl.naram que bastava. reconstituir .1 0 mundo, reinventá-lo, para chegar. a verdades «evidentes». A nossa posição actual é antipoda. destes preconceitos, mesmo em matemática: de há um século para. cá os fracassos espectacufosos da intuição (na teoria dos conjuntos) e o nascimento das geometrias não euclidianas (uma das quais é a que governa o universo) modificaram a. convicção de todos aqueles que tiveram o cuidado de examinar imparcialmente as bases do conhecimento cientifico. Para nós, as matemáticas já não representam aquilo que .foram etimolõgicamente ': «a -Ciência com um C gran'Cle». A humanidade levou mais de vinte sêculos para se elevar acima delas. Quer isto dizer que durante vinte séculos se conservaram religiosamente os mesmos preconceitos, arbitràrlamente promovidos a ~principios directos do pensamento». Mesmo

' Em c1encia, a procura das etimologias é um jogo puerii e desconsolador, porque a significação das palavras não tem, em gera,I, qualquer relação com as suas raizes gregas e latinas.

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hoje, .a pedagogia secundâria teima em cometer a heresia de renegar a visão directa, para unicamente se reclamar de uma pretensa necessidade Iógi-ca. [20]. O professor de Matemáticas deveria propor-se por único alvo formar a inteligência e ensinar a raciocinar correctamente. Para isso, a geometria de Euclides não basta [8]. Os all.llilos dão um suspiro de alivio quanoo deixam as aborrecidas demonstrações de Euc-Iides, para empregar os gráficos, e muitas pessoas inteligentes se sur-preenderam que uma técnica. tão simples tenha esperado tanto pela sua realização prâtica [24]. Enfim, as reminiscências conjugadas das argúcias sofísticas e escolãsticàs criaram um fosso artüicral entre o ensino da ciência teórica e as necessidades da- existência contemporânea [8].

Ao contrário do que acreditavam os antigos Gregos, o papel da ciência não é o de delinear representações deleitosas, mas o de tomar o universo tal como o encontra [23]. Uns a,pós outros, os sá:bios denunciaram a deplorável tendência de fundamentar o estudo do universo sobre conjecturas filosóficas, e não sobre observações experimentais [37] , tendência que falseou a evolução intelectual durante séculos e que• faz parte daquilo a que Fontenelle chamava já (1686) «o preconceito grosseiro da antiguidade». Mas continua-se ainda, sobretudo em França, a chamar cultura a um sistema fictício, construido quase inteiramente sobre os modelos greco-latinos [29]. E, no entanto, as coisas são hoje tão diferentes

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do que eram outrora que, muito francamente, mais nada podemos pedir aos antigos; nós não somos livres de escolher a nossa sorte; há absoluta necessidade de nos ada:ptarmos se quisermos viver (35]. A mentalidade geral dos Gregos ficou fechada numa sin-gular contradição. Por um lado, o seu universo não compreendia senão as coisas imediatamente acessíveis aos sentidos. Por outro lado, a feição do seu espírito era essencialmente aristocrática; julgavam vulgares e ·banais as ocupações do artesão, por -mais engenhosos e elegantes que fossem os métodos postos em prática [12]. Nada teria sido mais oposto à sua mentalidade do que a previsão de uma ciência que, em toilos os domínios, dirigisse racionalmente a técnica e de uma técnica que tivesse oferecido as suas realizações à investigação científica. ·Esta contradição foi elevada à altura de princípio por Platão, a quem faltava o espírito crítico que serve de ,guarda aos abismos de uma imaginação desregrada [12]. Platão inspirava-se nas interpretações astronómicas de Pitágoras para afirmar que os corpos celestes são seres inteligentes e acrescentava que, como a característica do moV'imento circular é a de passar inalteràvelmente e sem cessar pelas mesmas posições, estes seres inteligentes são eternos, são deuses ... Estas aberrações tiveram uma voga inacreditável entre os Gregos, se bem que alguns, raros,

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sáJbios conseguissem Ubertar-se delas. Mereciam ser citadas, pelo menos, para indicar a génese dos «raciocínios» que levaram Pia.tão a considerar o compasso e a régua como itnatrument08 dvvinos. O cúmulo é que ele nunca se apercebeu de que estes utensílios eram manuais (32], como quaisquer outros; E ninguém lhe objectou que um simples fio seria, nesse caso, duplamente divino, «superdivino», pois que não só pode servir para traçar linhas rectas e circunferências, mas também, fixando as suas extremidades em dois pontos suficientemente aproximados, permite traçar uma elipse! ];>elo menos na actividade profissional dos matemáticos tais superstições já hoje não correm. Dispomos de uma importante instrumentação matemática, que •beneficiou dos ape:deiçoamentos da mecânica de precisão. O Palácio da Descoberta, em Paris, apresenta ao público uma colecção completíssima de instrumentos para fazer todas as medidas e traçar todos os gráficos. Em 1939 fundou-se nos Estados Unidos um Centro de Análise Mecânica que se propõe, por intermédio de ,meios económicos, realizar inteiramente todas as operações matemáticas. Tanto. em geometria :~orno em cálculo, é hoje corrente, com a utilização de um aparelho durante uma hora, conseguir-se um resultado que, sem ele, exigiria duzentas ou trezentas horas de tra·balho.

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De acordo com o culto místico que os Gregos votavam à régua e ao compasso (mas não ao fio!), todas as vezes que falavam de uma construção geométrica pretendiam que para isso se deviam servir unicamente dos dois primeiros instrumentos. Três problemas, sobretudo, excitaram a curiosidade e fiCà.ràm famosos nos anais da geometria: a sua «dificuldade» foi um estimulante para a investigação, da mesma forma que, vinte séculos mais tarde, a pedra filosofal, o elixir da longa· vida e o :movimento perpétuo. Eram questões mal postas, incompatíveis com as restrições que se tinham escolhido (uso exclusivo da régua e do éômpasso); a situação era inteiramente a mesma que se tinha apresentado (p. 41) qu8Jldo se pretendia exprimi:t' o numero ✓2 exactamente por uma fracção ordinária. Mas só muito mais tarde se conseguiu iperceber este paralelismo. Dois destes três •problemas (a duplicação do cubo e a tri•Secção dó ângulo) não ocuparão a nossa atenção 1 ; notemos, no entanto, que foi o ' Eles correspondem ao estudo das equações do terceiro grau (contendo a incógnita ao cubo), enquanto a régüa• e ó compasso -limitavam arbitràriamenté a álgebra às equações do s·egundo grau.

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primeiro daqueles que levou Apollonius às suas notáveis descobertas solbre as secções cónicas. O terceiro é a quoxlratura do círculo: fez tanto barulho no mundo que a e:xipressão «é a quadratura do círculo» se incorporou na linguagem corrente para significar uma coisa impossível de realizar. Prontos a repetir-nos, especifiquemos que a quadratura do círculo - e a de muitas outras curvas 1 - é um problema fácil se se não renunciar a certos recursos das matemáticas. Ir de Paris ao Havre e voltar no mesmo dia está hoje ao alcance de •toda a gente, se não se precisar a condição de o fazer a pé ... Em lugar de o «a pé» lede «não utiiizando senão a régua e o compasso», e tereis o problema chamado (no sentido estrito) quad:ratura do circulo. Este foi enunciado, pela primeira vez, no paipiro de Rhind (p. 16) sob esta forma: construir um quadrado equivalente a um circulo dado 2. Com um pouco mais de precisão: trata-se de determinar o lado de um quadrado cuja superfície é igual à de um círculo dado. Comecemos por dar a solução numérica, supondo que ó nosso círculo tem 1 m de diâmetro. 1 Como a quadratura da elipse, da sinusóide e da pará;bola ... (esta última quadratura .foi resolvida por Arqui-

medes).

a

• O documento fomeee esta resposta, adrnirãvel para época: (16/9)', que vale 3,160 493 8 (em vez de

3,1415927).

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Um cálculo imediato mostra que o lado do quadrado deve ser metade da .;-;, isto é, ter: 0,886 226 927 ... m

de comprimento. A precisão dada aqui e cem vezes maior do que a que se consegue; depois dalguns meses de trabalhos, quando se fabrica uma cópia (de platina) do .protótipo fundamental (1889), que se escolheu, •para todas as nações da Terra, conio medida de comprimento (Pavilhão de Breteuil, no .Parque de Saint-Cloud) , visto que estas cópias, controladas entre 1919 e 1922, se escalonam entre 0,999 999 9 m

e 1,000 000 1 m;

os físicos não receiam que as matemáticas venham perturbar as suas medidas, manchando-as de novas causas de erro! Verdadeiros matemáticos se têm divertido a procurar por tentativas dirigidas, soluções geométricas aproximadas, que fornecem, apenas com o emprego da régua e do compasso, construções do quadrado com a mesma superfície. O processo é, de resto, tanto mais complicado quanto maior for a aproximação desejada. Descreveremos nas figs. 18-21 o princípio de uma construção,· relativamente simples e. extraordinà-

AS ETAPAS DA MATEMÁTICA

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riamente precisa, devida ao sáJbio alemão Specht (1836); ela fornece para. o lado do quadrado equivalente o número aproximado: 0,886 226 8 m, do qual os seis primeiros algarismos são exactos e o sétimo aiproxi-mado. Pode verificar-se a precisão dbtida notando que a diferença entre os comprimentos 1 do meridiano e do equador terrestres é 86te mil e qu,mker,;tas vezes maior que o erro cometido no ·gráfico precedente. A quadratura do círculo é, pois, um problema comp7,etamente resol'V'id,o do ponto de vista. prático e foi-o, tam'bém, do ponto de vista teórico, em 1882, no dia em que se demonstrou 2 que o número 71' é um número transcendente (p. 85) : qualquer construção rigorosa é impossível, e este é um ponto defilnitivamente assente. Bem enten• dido, nada disto reduziu nem o número ~ o ardor dos «inventores», cuja igno~cia não é menor do que a capacidade de ilusão [12]. Todos os geômetras da ·antiguidade foram atingidos pelo furor da quad.Tat:µra e Aristófanes já os ridicularizava no século v -antes da nossa era! ' Que deveriam ser iguais, se a Terra fosse rigorosamente esférica. • Aipoiando-se na célebre fórmula de Eul-er (-p. 135).

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Em 1754 apareceu uma história dos «quadrado_res» : «homens que, na maior parte dos casos apenas iniciados na geometria, se lançam a tentar a quadratura do círculo e se obstinam em manter a.lbsurdos paralogismos para uma solução do problema». Em 1831 a situação mantinha-se: «Sem cessar, novos «quadradores» assediam as assembleias de sábios e mantêm os seus erros com uma teimosia e uma jactância invencíveis.» Segundo um dito malicioso de François Arago, a quadratura do círculo era urna doença que grassava principalmente na Primavera. Todos os anos alguns pobres de espírito, que, certamente, não têm as mais elementares noções das coisas de que falam 1 , anll!Ilciam às academias e ao público que encontraram ( !) a «relação exacta» da circunferência para o diâmetro! Bem entendido, esta relação e:x:acta difere de um inf~ntor para outro ~ está, em ·geral, errada a partir da segunda decimal [8]. A Academia das Ciências tomou, há. muitos anos, a resolução de nunca mais se ocupar de memórias que digam respeito a esta questã_o, como também das que prosseguem na investigação do moto continuo. Procede mal? Evidentemente que não, porque sabe muito bem que, procedendo assim, não se ' O e~ é o mesmo para os que inventam sistemas de jogos destinados a «ven-cer> na roleta ou no trinta-e-quarenta.

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arrisca a abafar nenhuma descoberta séria. A opinião dos seus· membros resumir-se-á pouco mais ou menos como se segue: comparámos a probabilidade de um sábio desconhecido descobrir um resultado contrário ao que há muito tempo se sabe e a de haver mais um louco sobre a Terra; e a segunda probabilidade pareceu-nos maior [34].

CAPiTULO VI

ISSO DEPENDE OU NÃO DEPENDE

Mau grado algumas tentativas fragmentárias - como as que presidem às crises provocadas por -v'2 (p. 41) ou por r. (p. 101) - , a antiguddade não suspeitou da estreita com!SpOlldência existente entre o número e o espaço. Os Gregos apaixonaram-se pela geometria, mas nós fizemos notar porque é que a sua aritmética foi rudimentar e porque é que a álgebra foi «letra morta» para eles. A descoberta dessa correspondência é o principal fermento da civilização contemporânea, mas só foi possível quando a álgebra (principalmente com Viete) atingiu um d~envolvimento suficiente. É, sem dúvida, uma das razões do fracasso desses •precursores que foram Fibonacci, Nicolas Oresme e Marino Ghetaldi. Mas a causa principal deste atraso reside no respeito pela tradição: os Gregos continuavam a exercer uma albusiva influência sobre os espíritos e não era tão fácil como hoje nos parece li'bertar a ciência

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dos vetos que eles tinham julgado conveniente impor-lhe [12]. Era_ necessário que aparecesse um espírito livre - foi Descartes 1 • Felizmente menos timorato em ciência do que na metafísica, entra em guerra aberta C