Aprender... Sim, Mas Como? [1 ed.] 8573072989, 9788573072983

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Portuguese Pages 198 [193] Year 1998

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APRENDER •.. SIM, MAS COMO?

M514a Meirieu, Philippe Aprender... sim, mas como / Philippe Meirieu; trad. Vanise Dresch - 7. ed. - Porto Alegre: A rtes Médicas, 1998. 1. Educação - Aprendizagem. I. Título. CDU 159.953 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023 ISBN 85-7307-298-9

APRENDER... SIM, MAS COMO?

Philippe Meirieu

Docteur es Lettres et Sciences Humaines

7 ª edição

Tradução:

VANISE PEREIRA DRESCH Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: MARIA DA GRAÇA SOUZA HORN Pedagoga. Mestre em Educação

HELOÍSA SCHAAN SOLASSI

Licenciada em Letras: Francês e Português

PORTO ALEGRE, 1998

Obra originalmente publicada sob o título Apprendre... Oui, Mais Comment © ESF éditeur, Paris, 1991

Capa: Mário Rõhnelt Preparação do original Supervisão editorial Projeto gráfico Editoração eletrônica

®

artmed EDITogRÁFICA

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITOR A S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em pa1te, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Angélica, 1091 - Higienópolis 01227-100 São Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 S AC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL

PRJNTED IN BRAZIL

Em memória de Olivier, fielmente.

PREFÁCIO Para Durkheim, "a pedagogia não passou, muitas vezes, de uma forma de literatura utópica" 1. Se ele tivesse vivido o suficiente para conhecer Philippe Meirieu e ler suas obras, sem dúvida teria que ter modificado, e o teria feito, esse julgamento: teria então, na verdade, encontrado um pensamento que sem ceder a nenhuma das exigências rigorosas que a coerência da argu­ mentação requer, nem ignorar nenhum dos referenciais doutrinais capazes de informá-lo, não deixa, entretanto, de debruçar-se sobre os problemas mais freqüentes da prática escolar, e aprofunda sua reflexão apenas para melhor compreender e ajudar a melhor gerir a prática educativa. Estamos aí tão longe de uma elaboração quimérica, fascinada apenas pela lógica de suas construções, quanto ele um empirismo mediocremente incapaz de ir além do enunciado e da recomendação ele alguns procedimentos aparente­ mente eficazes. Estamos, por outro lado, instalados, de maneira explícita e deliberada, no registro da invenção dos procedimentos. A didática - enten­ dida como conjunto de procedimentos ele ensino e de trabalho - não é, na verdade, dedutível nem das finalidades nem dos conteúdos que visa a trans­ mitir, tampouco do estado psicossocial do escolar ou da representação que dele se faz: ela é sempre, e necessariamente, uma invenção, audaciosa e aleatória, que se efetua na fidelidade às finalidades que a impulsionam, como em ligação estreita com os conteúdos a serem assimilados e em fun­ ção daquele cuja instrução ela visa. Ora, é exatamente esse estatuto com­ plexo da didática, em que a homogeneidade entre os componentes só pode ser flexível, ainda que sua continuidade seja indispensável, que é notavelmente enfatizado nesta nova obra de Philippe Meirieu. Em sua tese de "doctorat d'État"', Apprendre en groupé?, apreciada de forma justa, ele havia mostrado principalmente em que condições, dentro de uma "escola plural", o grupo pode evitar seus próprios desvios e favore­ cer o trabalho intelectual. Em seguida, em École 11iode d'emploi, ele apre­ sentava e analisava os caminhos nos quais a busca séria desse objetivo requer a exploração. Este terceiro livro é o prolongamento dinfünico dos dois anteriores. Com a mesma dupla preocupação de suscitar a reflexão e de ser prático, de fazer refletir ao tratar da prática e de ser realmente prático · N. de T.: grau mais elevado obtido pela defesa ele uma tese de Estado e conferido por uma Universi­ dade, sancionando a aptidão para desenvolver uma pesquisa científica de alto nível.

ao refletir, propõe uma análise sistemática e aprofundada do ato de apren­ dizagem. A disposição, a estimulação e a organização deste ato são, na verdade, e o autor o lembra firmemente, a função específica e a própria responsabilidade da Escola; a contribuição desta para a educação é a de fazê-lo ter êxito e não a de se desculpar por fracassar, recorrendo a conver­ sas antiintelectualistas ou demagógicas sobre a educação. Mas, evidente­ mente, essa recentragem não tem, no autor, o caráter limitado e simplista que ela reveste num determinado discurso pseudopedagógico de 1984. É a própria natureza de uma apredizagem bem compreendida e corretamente dirigida que persuade a recusar, ao mesmo tempo, o cientificismo "aplicacionalista" e o amadorismo esteta, e a mobilizar os diversos recursos da filosofia e das ciências da educação. Ora, a consulta destes recursos confirma que "uma aprendizagem se efetua quando um indivíduo toma informação em seu meio em função de um projeto pessoal". E é por isso que "a ação didática consiste em organizar a interação entre um conjunto de documentos ou de objetos e uma tarefa a cumprir". Então como fazer com que o projeto, quando é levado pelo alu­ no, encontre do que se alimentar e, sobretudo, com que vários projetos sejam por ele elaborados para justificar propor-lhe uma informação que autorize o desenvolvimento e favoreça a finalização desse projeto, de for­ ma que um processo propriamente educativo se desenvolva? Todo o pro­ blen1a situa-se aí. "Haverá, na verdade, situação de aprendizagem efetiva quando o sujeito fizer valer os dois elementos, um sobre o outro, de forma ativa e finalizada. Vê-se bem, então, que o trabalho do professor ou do educador" é preparar essa interação de tal forma que ela seja acessível e geradora de sentido para o sujeito". Essa é a sua própria tarefa; além disso, é indispensável, para realizá-la, ajustá-la a cada um, segundo modalidades apropriadas a seu próprio modo ele apreensão e de compreensão. Mas isso implica necessariamente - e convém insistir nisso - que o professor esteja profundamente convencido ela permeabilidade do aluno para a ação que exerce sobre ele. Assim, quem ler esta obra notará facilmente, dentre outros aspectos - mas este é legitimamente estimado pelo autor -, o sentido da educabilidade que o anima e cujo postulado é, de fato, a dupla exigência, lógica e moral, da atividade educativa cujo caráter profundamente ético o livro lembra também com uma legítima insistência. Tonificantes são, portanto, estas páginas excelentes, onde o domínio do pensamento e a facilidade ele expressão se fecundam dinamicamente e onde a amplitude das perspectivas se alia à precisão cio detalhe. Não signi­ fica que aqueles que as tiverem lido saberão fazê-lo, mas saberão o quanto

· Na língua francesa, usa-se, para designar aquele que forma, a expressão Jormate11r; entretanto, no português, só nos resta utilizar, para este termo, as palavras "professo1º' ou "educador"', que em francês também existem como professeur, educateur, enseignant e maítre.

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é preciso esforçar-se para fazê-lo, e identificando e melhor situando sua tarefa, sem dúvida, estarão melhor "instrumentados" para cumpri-la. Aque­ les que, principalmente na Universidade de Lion II ou por ocasião ele tantas jornadas de formação, seguem os ensinamentos ele Philippe Meirieu en­ contrarão aqui os temas centrais de seu pensamento pedagógico e de sua ação educativa. Mas espera-se que a leitura deste livro dê acesso a um maior público. Dividido entre correntes rivais, contraditoriamente solicita­ do por controvérsias mantidas entre opiniões confusas, levado ao imobilismo pelas tendências que foram deploravelmente difundidas há três anos, o corpo docente sofre hoje da grande necessidade de que sejam determina­ dos os objetivos que deve buscar e, ao mesmo tempo, identificados os meios apropriados para alcançá-los. O valor e o alcance deste belo estudo devem-se à maneira exemplar como ele relaciona uns e outros.

Guy Avanzini Nota 1. E. Durkheim, Éducatíon et socíologie.

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SUMÁRIO Prefácio Guy Avanzini ............................................................................................................. vii Introdução Quando a escola, apesar de várias dificuldades, aparece em sua função específica, e o professor, apesar de várias hesitações, com uma identidade profissional ..................................................................................... 15 PRIMEIRA PARTE. Pensar a Aprendizagem Introdução Quando o herói desaparece antes mesmo de entrar em cena .............................. 25 Capítulo 1

Pode-se aprender?

Quando se vê como a prática nos permite sair das contradições onde a teoria nos aprisiona ............................................................................................... 29 Quando se entra sem dificuldade, através ele um exercício curioso mas significativo, no dilema pedagógico ........................................... 29 Quando se vê que não é fácil escolher entre os dois termos de uma alternativa .................................................................................................. 33 Quando se tenta mostrar que, se é inútil esperar uma síntese teórica, o concreto das práticas nos convida a assumir a tensão e a vivê-la na história ............................................................................ 38 Quando se conclui, como arquimedes , que com um ponto de apoio pode-se fazer muitas coisas ............................................40 Ferramenta nº 1: Esboço ................................................................................... 42 Capítulo2

O que é aprender? Quando se vê o quanto o ofício de ensinar requer um esforço permanente de elucidação e de retificação de nossas representações da aprendizagem ....................................................................................................... 47

Quando se discernem, em uma situação tão banal quanto reveladora, as representações dominantes da aprendizagem ............................................47 Quando se questiona sobre a origem e a função das representações dominantes da aprendizagem .......................................................................... 50 Quando se tenta mostrar que os conhecimentos não são coisas e que a memória não é um sistema de arquivos .......................................................... 53 Quando se procura estabelecer que não se passa simplesmente da ignorância ao saber sem obstáculo, nem conflito ..................................... 57 Quando se mostra o aspecto desconcertante, às vezes irritante, quase sempre irredutível à lógica cumulativa, da aprendizagem .................. 61 Ferramenta nº 2: Formalização .........................................................................64 Ferramenta nº 3: Identificação ..........................................................................66 Final da Primeira Parte Quando se descobre que o que é fundador no ofício de aprender é da ordem da ética ............................................................................ 71 SEGUNDA PARTE. Gerir a Aprendizagem Introdução Quando se tenta delimitar um espaço onde possa ser exercida a atividade pedagógica ................................................................................................ 79 Capítulo]

A relação pedagógica Quando se vê como o desejo vive do enigma, o enigma ela relação, e a relação da mediação ............................................................................ 85 Quando se está diante de urna realidade incômoda e, em muitos sentidos, escandalosa ........................................................................................ 85 Quando se examinam as diferentes articulações do desejo e da aprendizagem .................................................................................................... 87 Quando se mostra que a tarefa do professor é incentivar a emergência do desejo de aprender, ou seja, "criar o enigma" ....................... 91 Quando se sugere que o enigma só vive em uma relação em que o professor se obriga a "variar a distância" .......................................93 Quando se tenta identificar os pontos fixos que permitem mediar a relação ................................................................................................ 94 Ferramenta nº 4: Relacionar............................................................................ 100 12

Capítulo 4 O caminho didático Quando se vê que a definição dos objetivos não basta para a elaboração de um procedimento didático, mas que este requer a elucidação ela atividade mental a ser solicitada e a instalação ele situações-problema . . . . . . . . . . . . . 105 Quando se estabelece a necessidade ele definir e classificar seus objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Quando se mostra que o que gera um dispositivo didático não é a definição de um objetivo, mas a hipótese sobre uma operação mental que é preciso realizar para atingi-lo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 08 Quando se propõem uma tipologia simples elas operações mentais solicitadas nas aprendizagens, bem como dispositivos correspondentes . . . 1 1 1 Quando se recentra a reflexão sobre um princípio essencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 7 Quando s e propõe u m esquema geral para a elaboração didática . . . . . . . . . . . . . 1 1 8 Ferramenta nº 5: Operacionalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 1 Ferramenta nº 6 : Planificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

Capítulo 5 As estratégias de aprendizagem Quando se questiona sobre a maneira singular como cada aluno se apropria elo s saberes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 27 Quando se abordam, por um breve exercício, as noções de competência, capacidade e estratégia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 27 Quando se tiram as primeiras lições da experiência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 29 Quando se tenta instalar um "modelo individualizado da aprendizagem" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 33 Quando se tiram três conseqüências desse modelo para a prática docente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 34 Quando se precisam os contornos da noção de "estratégia de aprendizagem" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 3 5 Quando se discute a maneira como u m sujeito elabora suas estratégias de aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 Quando se tenta determinar as regras do bom uso didático ela noção de "estratégia de aprendizagem" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 38 Quando se dão, enfim, algumas indicações concretas para a prática da sala de aula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 39 Ferramenta nº 7: Exploração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148 Feramenta nº 8: Regulagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 50

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Final da Segunda Parte Quando se tranqüiliza o leitor , legitimamente inquieto devido à extensào ele nossas exposições, levando-o a escolher sua abordagem e a regular sua ação mantendo a ecologia da classe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . 155 Epílogo Quando se está muito próximo da utopia e se passa ligeiramente pela provocação antes de hesitar, como muitas vezes à soleira da pmta , em despedir-se . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 6 1 Anexos 1. Guia metodológico para a elaboração de uma situação-problema . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 6 7 2. Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

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INTRODUÇÃO Quando a escola, apesar de várias dificuldades, aparece em sua função específica, e o professor, apesar de várias hesitações, com uma identidade profissional "Eu penso que é a melhorprofissão do mundo; pois que sefaça bem ou que se faça mal, somos pagos da mesma forma. (. . .) Um sapateiro, fa­ zendo seus sapatos, nâo poderia perder um pedaço de couro sem que tivesse que pagarpor isso, mas aqui se pode perder um homem sem que isso custe . . . " Moliere, Le Médecin malgré fui.

Todos sabem que se pode aprender sempre e em todo lugar e que esta atividade curiosa não se deixa limitar aos locais que lhe são atribuídos. Os professores bem sabem que ela tem ainda cada vez mais tendência a fugir da sala de aula . . . É certo que os "bons alunos" ainda manifestam por ela um respeito merecido, mas, certamente, nem por isso deixam de pensar que "o essencial está em outro lugar" , nas obras ele vulgarização e nas revistas especializadas, em sua televisão ou em seu mínítel ·, junto a um vizinho, o qual, provavelmente, tem menos diplomas que seu professor, mas que tem tempo para ouvi-los e responde precisamente a suas pergun­ tas. Os outros, "os menos bons", já haviam anunciado, há algum tempo, aos seus professores, às vezes ruidosamente , às vezes com a discrição daqueles que não se sentem em seu lugar e que se eclipsam esforçando-se para não incomodar, que as lições e os exercícios escolares não lhes interessavam mais e que preferiam "ver em outro lugar" , no cinema, no campo, ou no porão de um amigo que desmonta sua motocicleta.

· N. de T. : Terminal de consulta de bancos de dados comercializado por P.T.T. (Postes, Télégraphe, Téléphone), empresa francesa de correios e telefonia.

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Não restaria, então, ao corpo docente senão a leve certeza de fornecer alguns fragmentos, que alguns recuperariam ao sabor de sua história pesso­ al, porque eles prolongariam uma experiência, remeteriam a uma velha questão, viriam preencher um espaço vazio num quebra-cabeça iniciado em outro lugar e por outros . . . O quadro é, sem dúvida, sombrio demais e prolongá-lo seria levar o excesso ao descrédito: não é na escola que se efetuam as aprendizagens fundamentais, as que condicionam todas as outras, a leitura, a escrita, o cálculo? Não é nela que se fornecem os referentes culturais indispensáveis que permitem o enraizar-se em uma história e, ao mesmo tempo, a abertura a outras culturas e outras civilizações? Não é nela que são adquiridos os métodos de trabalho, o hábito do rigor, uma memória mais capacitada? . . . E é verdade que não se deve cair na caricatura, nem se unir tão depressa ao clã dos inquisidores, temendo encontrar-se em péssima companhia. Mas também é verdade que o tempo passado na escola, a energia e o dinheiro gastos com todas as atividades pedagógicas são desproporcionais aos re­ sultados que tudo isso permitiria esperar. Seria necessário avaliar, por exem­ plo, o que custa para a agricultura francesa o fracasso maciço da Escola em fazer com que se aprenda e domine a noção ele proporcionalidade: as despesas suplementares com adubos e a necessidade de reparar os danos ecológicos provocados representam somas que se poderia utilmente inves­ tir em outro lugar . . . na escola, por exemplo! Basta que cada um examine apenas sua história pessoal e se questione sobre as situações de aprendiza­ gem que foram de fato determinantes para si . . . Basta ouvir os educadores que trabalham com adolescentes postos para escanteio após dez ou doze anos de escola . . . Basta prestar atencão nas declarações dos empregadores ou simplesmente ter o trabalho de ler os anúncios de jornais para que se observem tantos indícios que testemunham a extrema precariedade das aprendizagens escolares 1 • Isso não significa, evidentemente, que os diplo­ mas escolares não continuem a ser o objeto de cobiças consideráveis e serem considerados como instrumentos de emancipação social, mas tudo ocorre como se, tentando adquirir os diplomas, estivéssemos completa­ mente resignados à realidade daquilo que avaliam: a capacidade para ad­ quirir diplomas e nada mais. Aprenderíamos então na escola que algumas habilidades escolares têm relação direta com as exigências sociais, e os alunos que não chegassem nem mesmo a adquirir essas habilidades seriam enviados, sem outra forma de processo, às estruturas periféricas que supos­ tamente, por sua vez, conseguem em alguns meses o que a Escola não conseguiu durante anos. Quando você não é bem-sucedido na escola, é enviado - sabe-se bem - "para aprender", e quando se é bem-sucedido resta ainda a ser feito - todos reconhecem - o essencial da aprendizagem. Mas, dir-se-á, a descrição é desonesta, pois resulta em amálgamas ina­ ceitáveis; não se confundem, na verdade, as aprendizagem de caráter geral, que são da competência da Escola, e as aprendizagens profissionais, as

Aprender. . . Sim, Mas Como?

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quais, pode-se pensar legitimamente, seria melhor que a Escola deixasse a cargo dos mais competentes que ela 2? É claro que ninguém nada tem a ganhar com a confusão das tarefas; mas os alunos também têm tudo a perder com uma simples distinção transformada em isolamento . . . pois uma aprendizagem profissional eficaz só pode se realizar se, por um lado, o sujeito dispuser dos 111ateriais e dos instrumentos necessários (o domínio da língua escrita e oral, o conhecimento de conceitos aos quais recorrerá ne­ cessariamente e, cada vez mais, as " informações mínimas" sobre o meio cultural no qual a aprendizagem profissional se operará) e se, por outro lado, souber realizar operações mentais indispensáveis (deduzir, antecipar, analisar, efetuar uma síntese, etc.). A Escola tem assim a dupla responsabi­ lidade de fornecer a todos um núcleo rígido de conhecimentos essenciais reorganizados em torno de noções-chave 3 , e de formar para comportamen­ tos intelectuais estabilizados que o sujeito possa aplicar em qualquer ação de formação que poderá empreender a seguir. As noções-chaves serão, por exemplo, a proporcionalidade na matemática, a respiração na biologia, os princípios do esquema narrativo no francês etc . ; os comportamentos inte­ lectuais serão, dentre outros, o fato de saber descentrar-se em relação a suas próprias produções, criticá-las antecipando o julgamento de outrem e conseqüentemente modificá-las, ou o fato de não recusar um elemento aparentemente heterogêneo a um sistema de explicação, mas, ao contrário, saber integrá-lo, podendo modificar esse sistema de explicação . Esses dois tipos ele objetivos - que chamamos, por simples comodida­ de, objetivos de competências e objetivos de capacidades1 - são evidente­ mente inseparáveis em seu tratamento (os primeiros não podem existir sem os segundos e vice-versa), o que não quer dizer que cada um não possa ser o objeto de trabalhos ele pesql1isa e ele elaboração específicos. Esses dois tipos de objetivos constituem, propriamente falando, a especificidade da Escola, não que não possam ser atingidos acidentalmente em outro lugar, mas porque é precisamente de forma acidental que o serão em outro lugar. A Escola tem aí uma missão insubstituível; garantir que um certo número de saberes e de savoir-faire sejam adquiridos por todos ele maneira sistemática e organizada. Tem uma função social específica que é a de gerir estas apren­ dizagens. Ora, um dos paradoxos dos discursos na Escola e sobre a Escola é qu e, precisamente, essa especifidade não parece ser muito levada em con­ ta : na mídia, quase não se fala sobre a aprendizagem e, quando um médico australiano obtém um espaço no telejornal por ter acabado de descobrir um remédio contra a rinite alérgica eficaz em cerca de cinquenta por cento dos casos, não se imagina que um professor primário da cidade de Clermont possa ter a mesma publicidade por ter acabado de criar um instrumento pedagógico que permite a mais da metade ele sua turma compreender e utilizar a proporcionalidade . . . Quando se fala sobre a Escola, é mais para evocar alguns velhos debates ideológicos, citar algumas estatísticas sobre

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os efetivos das turmas ou exortar os alunos e seus professores ao trabalho, à disciplina, à honestidade. A especificidade profissional da Escola, a apren­ dizagem e suas verdadeiras condições de eficiência são sempre esquivadas5 . . . Como s e bastasse, para que os alunos aprendessem, reunir algumas condi­ ções ligadas ao calendário escolar, à quantidade de horas de aulas em uma disciplina e aos níveis de remuneração dos professores. Não que essas questões sejam menores, são essenciais . . . mas quem ousaria insinuar que nos hospitais, a mudança dos horários de refeições, a diminuição do núme­ ro de pacientes por quarto e o prolongamento ela internação - medidas que podem ser todas desejáveis - bastam para curar os pacientes e dispensam qualquer tratamento? Centrar a Escola no aprender não é esvaziar todas as outras funções que ela pode assumir (a "creche", o controle sanitário , a socialização da criança), tampouco negar a importància das atividades para­ escolares, elos clubes e cios lares ou pedir que se suspenda toda afetividade na sala de aula, mas é definir o professor como um profissional da aprendi­ zagem e ajudá-lo a construir, neste domínio, uma verdadeira identidade. De fato, não é certo que os professores já se considerem como tais . Sua identidade profissional - ainda que estejam conscientes de ter uma está mais ligada ao seu posicionamento político ou sindical ou, então, ao domínio da disciplina que ensinam, raramente, à compreensão e ao desen­ volvimento dos processos de aprendizagem qu e permitiriam a apropriação dessa disciplina . Alguns forjaram uma identidade de "animador" , mas é preciso reconhecer que as inovações feitas neste sentido foram, às vezes, reduzidas a formas um tanto caricaturais : "A renovação, confiava-me há alguns dias um aluno de um college' 'onde se inova', é a aula magistral, mas com o lanche a mais". Terrível lucidez que nos convida a assumirmos enfim a difícil questão da aprendizagem, a deixarmos de lado as soluções miraculosas que viriam ele fora para ocuparmo-nos seriamente com o que se passa dentro da sala de aula, no ato de aprender, quando o professor instrui e o aluno se instrui. Parece ainda mais estar em tempo de operar essa recentragem; pois os dois modelos ele transformação cio sistema educativo que prevalecer�un até hoje se exaurem. O centralismo autoritário, impondo fórmulas experimen­ tadas em algumas escolas secundárias ou imaginadas nos ministérios , pro­ varam sua ineficiência; os professores, mal preparados, impacientam-se di­ ante elas fórmulas pouco adaptadas à sua situação . . . seu contraponto, o voluntarismo carismático, se esgota em muitos casos, quando não produz retrações ou até mesmo retrocessos, nos estabelecimentos onde se manifes­ ta. Não se mudará a Escola por clecreto 6 , pela imposição de fórmulas ou instrumentos sem a preocupação de saber, em primeiro lugar, em nível local, que problemas devem ser resolvidos, que meios elevem ser aplica· Na Franç;i, o ensino secundário é dividido em primei ro ciclo - "college" - e segundo ciclo - "lycée".

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el o s, como avaliar o alcance elas soluções propostas e regular a sua aplica­ ção. Também não se mudará a escola confiando a inovação a alguns indi­ víduos cuja influência pessoal, muitas vezes incontestável, vem acompa­ nhada de um modo ele ação também pessoal e muito mais contestável no qual são diariamente desprezados os valores de respeito por outrem, de tolerância e de abertura que, por outro lado, invocam7 • Em compensação, mudar-se-á talvez a Escola se os problemas forem colocados em termos ele competência profissional dos professores, de qualidade do serviço presta­ do, de eficácia da gestão el a s aprendizagens. E não é para obedecer ao mito da empresa que se utiliza aqui o termo "gestão" , nem é para santificar tudo o que vem do Japão que se evocam os "controles de qualidade" . Há muito tempo que professores primários e secundários questionam os problemas de gestão ela classe, não para buscar os meios de nela trabalharem tranqüi­ los, mas para descobrir que instrumentos podem ser eficazes, como regular o seu uso e trabalhar, juntamente com os alunos, para gerir esse sistema complexo de limitações e de recursos que juntos constituem8 • Há muito tempo que professores primários e secundários se reúnem, não para fazer o inventário detalhado daquilo sobre o que não têm nenhum poder, mas para buscar, na análise de suas práticas, aquilo que é possível melhorar. É claro que mantêm ainda alguns complexos e não ousariam se proclamar "controles de qualidade" . . . e no entanto, não há nenhuma razão para pen­ sarem que a gestão do aprender seja um ofício menos respeitável do que a gestão da energia ou a das finanças; é, em todo o caso, uma tarefa igual­ mente essencial ao futuro de uma nação . Avalio tudo o que esse discurso pode ter de provocador para os edu­ cadores; sei que estes não gostam muito de serem assim comparados a profissões que, embora mais valorizadas socialmente, parecem-lhes menos "nobres" por não trabalharem, como a deles , com pessoas; aceito que , quando alguém s e dedica legitimamente à tarefa d e educar, fique chocado com o que possa parecer uma redução tecnicista de sua missão . . . Mas não seria demais lembrar que, no que diz respeito à Escola, não há "boa educa­ ção" sem uma boa aprendizagem: como se poderia pensar que a Escola poderia dar um algo mais de maneira credível se realiza mal aquilo para o que é feita antes de mais nada? Além disso, parece evidente que toda apren­ dizagem bem sucedida, realizada de maneira lúcida , tendo encontrado os meios de identificar suas aquisições e de regular seus métodos é autentica­ mente eclucativa 9 . Os professores , aliás, concebem isso muito bem. E no entanto, resistem . . . Todos nós resistimos à idéia de que o educador possa ser definido como um profissional administrador da aprendizagem; e até mesmo, como diria o outro, "há resistência" de todos os lados. - Primeiro, há resistência da parte de nossas representações da apren­ dizagem e das possibilidades cio aluno que aprende; é por isso que consa­ graremos a primeira parte desta obra ao exame de algumas velhas questões

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que, apesar de seu caráter de aparente abstração, atravancam diariamente os debates sobre a educação: Podemos aprender? Quem pode aprender o quê? Basta ensinar mais para que se aprenda melhor? - Há resistência também ela parte ele nossas esperanças cientificistas . Na verdade, fingimos muitas vezes acreditar que todos os problemas ele nossa profissão, todas as imperfeições que enfrentamos, poderiam, um dia, ser apagados pelo estabelecimento ele leis, pela elaboração de instrumen­ tos cujos desempenhos seriam indiscutíveis. Há algum tempo apenas, era a "pedagogia experimental" , o ensino programado, a pedagogia por objeti­ vos . . . Hoje é o computador, o software educativo que nos fazem pensar que, sendo capazes el e antecipar todas as reações dos alunos, permitiriam a todos atingir todos os objetivos . Ora, como observam D . Hameline e D .]. Piveteau, "em pedagogia, se fosse possível estabelecer verdades de "ciência exata" , a coisa, apesar ele tudo, seria evidente (. .. ). A pedagogia está longe ele ser a ciência da educação. É uma prática da decisão concernente a esta última. A incerteza é, portanto, a sua sorte" 1 0 • . • como também é a sorte de toda "gestão" : o administrador informa-se , mas sabe interromper suas in­ vestigações para passar à ação e fazer repercutir a aproximação inevitável na análise crítica cios resultados; o administrador identifica as variáveis clecisionais e sabe que toda decisão tomada repercute sobre essas variáveis ; o administrador pensa necessariamente em termos ele "sistema·· ... Portanto, é em termos de "sistema" que falaremos sobre a aprendizagem em nossa segunda parte, tentando mostrar as múltiplas interações entre todos os ele­ mentos em jogo: a relação pedagógica, a divisão taxonômica em objetivos , as estratégias de aprendizagem dos sujeitos. - Há resistência ainda quando nos falam em gestão das aprendiza­ gens, porque nos falta um método para gerir a complexidade. para situar­ nos na sala de aula e no estabelecimento, mas não como ··fornecedores" de informações. É por isso que precisamos explicar como. muito concreta­ mente, podemos ir além da montagem diária, e proporemos alguns exem­ plos de ferramentas utilizáveis . Estas virão ilustrar cada um àe nossos capí­ tulos e concretizar nossas propostas. Evidentemente, sio apenas suportes para a reflexão e a ação pedagógicas, oportunidades pa ra a::.imar a pesqu i­ sa e melhorar a prática. Sua modificação pelo professor. ou :ué mesmo seu desvio, seria um sinal de sua legitimidade . - Há resistência enfim, porque vemos aponta :- :-ic horizonte o consumismo escolar 1 1 e tememos, quando o evocamos. ·er .. Es o a entre­ gue à lógica liberal . De fato, pode-se temer o pior de u:--m :., ·r.: concorrên­ cia escolar, apoiada pela publicação dos resultados do- ex:imes de cada estabelecimento, os quais não mostram nem o nível de sele--: o ..s repetências e as evicções que os italianos denominam "mortalicb..:e e Tobr"' e cujo índice deveria figurar bem naturalmente ao lado dos r -u � dos : 2 • nem o

Aprender. . . Sim, Mas Como?

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projeto pedagógico d o estabelecimento. Pode-se esperar o pior de uma privatização larvada que, através da dessetorização, constituiria terríveis guetos sociológicos. Mas não é possível ignorar, contudo, que um fenôme­ no súbito chega à Escola, que não está particularmente associado a uma ideologia ou a uma escolha política identificadas e que modifica radicalmente a atitude dos pais em relação à Escola . Estes, com efeito, se colocam cada vez mais em situação não ele controle ela atividade dos professores - como o temem os últimos - mas de apreciação de seus resultados; bem o sabem os professores que não agem de outra forma quando se trata de seus pró­ prios filhos . . . É porque as coisas são complexas e o maniqueísmo não é mais aceito. Sem dúvida, progrediríamos sensivelmente se refletíssemos sobre os problemas que apresenta a avaliação dos estabelecimentos e de sua gestão das aprendizagens para prepararmos eficazmente os educadores nesse domínio : que participem da elaboração dos critérios ele avaliação, que busquem indicadores pertinentes, enfim, que não abandonem um ter­ reno do qual se sentiriam naturalmente excluídos depois . . . ciais .

Em outras palavras, que s e comportem como verdadeiros atores so­

Notas 1 . P.-B. Marquet não hesita em chegar a intitular uma ele suas obras: L 'enseignement ne sert à rien, ESF, Paris, 1 978. (O ensino não serve para nada) 2. É a tese que desenvolve com muita coerência A. Boutin em: L 'École malade de laformation professionnelle, Casterman, Paris, 1 977. 3 . É o que J.-P. Astolfi denomina "conceitos" e mostra que um trabalho rigoroso sobre eles permitiria reorganizar os programas em torno elo essencial, sem, contudo, cair em um .. nivelamento por baixo" ("Deux sortes ele Savoirs", in Cahiers péclagogiques, n . 244-245, maio-junho 1 986, p. 34 e 35). L. Legrancl desenvolve notavelmente, por outro lado, essa noção falando em "programas-núcleos". Não podemos deixar ele remeter à sua análise La différenciation pédagogique, Scarabée, Cemea, Paris, 1986, p . 97 a 1 1 3 . 4 . Explicaremos mais adiante a s noções ele competência e capacidade (cf. 2 a parte , cap. 3) . Mas observemos, desde já, que chamamos capacidade uma operação mental estabilizada e reprodutível em diversos campos ele conhecimento e competência, um saber identificado colocando em jogo uma ou mais capacidades em um campo determinado e dominando os materiais ele que se serve. 5 . Tomo a liberdade ele remeter ao prefácio ele D. Hameline em minha obra anterior: L 'École mode d 'emploi, ESF, Paris, 1985, p. 18. 6. Tomo emprestada esta fórmula cios princípios orientadores elo CRAP - Cahiers péclagogiques (cf. Cahiers péclagogiques, n. 22l\ setembro de 1 984, p. IV) . 7 . É tudo o que descreve com muita exatidão M. Tozzi em sua obra Militer autrement, Chronique sociale, Lyon, 1985.

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8. Penso, em particular, nos trabalhos inspirados por C. Freinet e, mais especificamente, na corrente da "pedagogia institu cional" discutida por F. Oury. 9. Cf. L 'École mode d'emploi, op. cit. , em particular p. 97 a 99. 10. Prefácio ela obra ele Neil Postman, Enseigner c 'est résister, Le Centurion, Paris, 198 1 , p. 6. 1 1 . Cf. R. Ballion, Les consommateurs d'École, Stock, Paris, 1982, em particular p. 180, 216, 293 a 295. 12. A expressão é citada por A. Canevaro, "Apprendre des périphéries pédagogique�••, in Perspectives, 14(3), 1983, p. 335 a 35 1 .

PRIMEIRA PARTE

Pensar a Aprendizagem

INTRODUÇÃO Quando o herói desa parece antes mesmo de entrar em cena "Onde estavam os meus conhecimentos e porque, quando mefalaram deles, eu os reconbeci e declarei: ''Peifeitamente, isto é verdade "? Ne­ nhuma outra razão além desta: eles _já estavam em minha memória, mas tão longe e escondidos em tão secretas projimdezas que sem as lições que os tiraram de lá, talvez, nâo os pudesse ter concebido. " Saint Augustin, Les Confessions, Livre X, chap .x.

Por mais curioso que isto nos possa parecer hoje, não foi tão fácil para os homens admitir que pudessem aprender. . . Sócrates, lembramo-nos bem, interrogando um pequeno escravo sobre uma questão de geometria, de­ monstrava a seu contraditor que não ensinava nada a este homem, mas permitia-lhe apenas, "graças a simples perguntas, descobrir sozinho e por si mesmo a ciência" 1 . É evidente que a demonstração, para quem tem o trabalho de lê-la atentamente hoje, não é tão convincente : o pequeno escravo só se expressa aí por monossílabos e Sócrates realiza a totalidade da demonstração sob seus olhos. Talvez ainda, Menon, o interlocutor de Sócrates, pudesse ter observado que esta redescoberta - esta reminiscência, no · vocabulário de Platão - parecia-se muito mais com uma manipulação e que mais emprega­ va procedimentos retóricos para ganhar a adesão do que era um verdadeiro "parto" . . . O pequeno escravo age tentando, sem dúvida, mais decodificar as expectativas de Sócrates do que encontrar em si mesmo as respostas às suas questões; a conversa é minuciosamente controlada pelo mestre a fim ele que o aluno remeta a ele, como um espelho remete uma imagem, uma demonstração da qual, finalmente, participa pouco. A conclusão ela conver­ sa refrata então muito bem todo o procedimento: "Sócrates - É a diagonal que para você, escravo Menon, cria o espaço duplo? O escravo - É exatamente isso, Sócrates2 . "

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Achamos engraçado, é claro. Como Sócrates é ingênuo! Que crédito dar a uma demonstração que revela assim, em sua queda, as artimanhas que utiliza e mesmo a relação de poder sobre a qual estú construída? Acha­ mos engraçado ainda quando Sócrates conta a Menon sua convicção de que todos os nossos conhecimentos foram adquiridos em uma vida anteri­ or\ achamos engraçado, como na leitura da história inverossírnel de Er le Pamphylicn que conclui A República', e onde Platão conta como no reino de Hades, antes de nossa chegada à terra, escolhemos nossa vida terrestre e decidimos previamente nossas riquezas intelectuais e materiais. Achamos engraçado ... e no entanto! No entanto, não é certo que possamos nos livrar tão depressa da teoria e.la reminiscência; nem mesmo é certo que não este­ jamos ainda muito próximos e.lo velho Sócrates, inconscientemente e com mais freqüência do que pensamos ... Se pensarmos, por exemplo, na emoção que, 1'1s vezes, sentimos diante de um trecho de música, de um quadro ou, talvez mais facilmente, de um texto l iterário . . . esta impressão, na leitura de um poema, de tê-lo sempre tido conosco, esta convicç;io de que ele apenas nos revela a nós mesmos: a força do •'é isso, é exatamente isso" n;io nos leva muita!:i vezes ao •'jú estava aí'', fixamo-nos então em algumas palavras, porque cm u m rclftmpa­ go nos dizem a verdade de nós mesmos, nos remetem a uma experiência, uma dor, urna alegria, um sofrimento ou uma harmonia que vivemos e que, no entanto, nfto nos pertenciam de fato aré serem assim formalizados. Mas a formalizaç:io supôc que o material j[t estú presente e, se reconhecemos o texto como nosso, não será porque jú o conhecíamos? Se temos a certeza de que realmente diz respeito �L nós, ele que estamos mesmo aí, nessas pequenas frases, nesses pedaços de cor ou nessas notas de música, não ser{1 porque j:i estavam em nós? N;io nos trazem nada além de nós mesmos, s;10 nós mesmos melhor que nós mesmos ... como poderiam vir de fora? Bem sei que, mesmo que tenhamos sentido isso, mesmo que tcnh:1mos esboçado um dia, diante de uma obra de arte, a hipótese da reminiscên­ cia, tudo cm nós se volta contra ela; o bom senso nos persegue: quem pode insinuar que cu conhecia Rimbaud antes de Ler lido Rimbaucl, mesmo se, ao lê-lo, tive o sentimento de que falava sobre mim, em mim, e que até era cu quem falava? N;io seria apenas porque Himbaud fala, com uma inteligên­ cia e uma exatidão fabulosas, ela revolta e da nostalgia, da ternura e cio medo, e que tais sentimentos todos os homens, cm um momento ou outro de sua existência, podem experime ntar? Mas, atenção ... o bom senso. se você o seguir por este caminho, ele vai conc!u✓. i-lo precisamente aonde você não queria chegar: ao postulado da existência ele um funclamemo comum de l1umanicbde, de uma espécie de tesouro dividido entre todos e cuja existência alguns estímulos artísticos viriam nos revelar. . . Você estaria prestes a admitir isso? Mas o que você rúo pode aceitar, por outro lado, 0 o fato de que essa demonstração se aplique ao conhecimento, aos conceitos e ;1s noçàes que aprendemos e que nos permitem compreender o mundo.

Aprender. . . Sim, Mas Como?

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Aí, evidentemente, tratando-se de instrumentos construídos pelos homens ao longo de sua história, não pode se tratar de reminiscência! E no entanto . . . no entanto, todos nós vivemos esta experiência ao longo da qual um aporte conceitua! esclarece, de repente, realidades ou problemas, de forma que, ainda assim, sofremos a tentação de dizer: "Então é isso; eu o havia sentido, mas não conseguia formulá-lo. " Quem trabalha com o ensino filosófico ou simplesmente tem uma prática de formação sabe que, ele uma certa maneira, só se ensina bem a alguém aquilo que ele já sabe, que um discurso teórico eficaz "prega sempre, el e alguma forma, a convictos" . Na verdade, um "bom conceito" é precisamente aquele que esclarece minha experiência, que me permite organizá- la, compreendê-la, dominá-la, e não aquele que me impõe ele fora renunciar a ela ou que complica artificialmente os meus problemas . Um "bom conceito" não se substitui a um saber anterior, mesmo que desordene minhas representa­ ções : dá forma a minha experiência, torna a realidade mais assimilável e pennite agir sobre ela. Um "bom conceito" nunca aparece como "uma coisa a mais" que pesaria no meu pensamento e que se acrescentaria aos meus siste­ mas de representação: ao contrário, ele "me alivia", me libera do inextricável e parece me remeter, quando o descubro, a uma anterioridade radical. O com­ plexo substitui-se ao complicado e ilumina-me . . . na dupla acepção ela palavra, que diz muito sobre a vitalidade ele Sócrates: o rigor e a luz. Então, o professor não é senão aquele que ilumina . . . que ilumina o que já existe. Suponho que, a esta altura, a irritação cio leitor começa a comprometer a eficácia ele sua leitura: como é possível substituir assim a metáfora pela demonstração? E além disso, os conceitos não são tudo; há uma quantidade ele informações e el e conhecimentos dispersos para os quais não podemos, de forma alguma, manter tais princípios: quando me informo sobre o horá­ rio de partida de um trem ou quando tomo conhecimento, pelo jornal, de um casamento importante, elos resultados ele uma eleição ou de uma catás­ trofe natural, não se pode afirmar assim que eu já sabia de tudo isso antes! É preciso então recorrer a Descartes e à dúvida metódica, onde ele recusa­ va qualquer certeza antes el e atingir o único núcleo estável que lhe parecia livre de qualquer dúvida: o fato ele que duvida e pensa? É preciso mostrar que Descartes só foge do solipsismo 5 porque descobre em si, à beira da morte, a idéia ele Deus e porque, não podendo ser dela o autor, ele um ser imperfeito, deduz daí a existência el e um ser perfeito que, corno tal, não pode enganá-lo e fundamenta então a autenticidade ele suas percepções . . . É preciso observar que o próprio Kant mostrou que " a razão só percebe o que ela produz segundo suas próprias leis" 6 e que, certamente, através de nossos conhecimentos, é antes de tudo o nosso espírito que conhecemos . . . e o filósofo precisou de uma considerável ingeniosidacle para fazer ressur­ gir a exterioridade e devolver à experiência a sua função no conhecimento: sua argumentação se articula em torno ela necessidade de uma ancoragem ele nossas representações sucessivas cm "alguma coisa" que tenha um cará-

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ter "durável e permanente" 7 , uma referência, de certa forma, sem a qual nos perderíamos no tempo como em areias movediças . . . É preciso, enfim, re­ correr ao bispo irlandês Berkeley e seu idealismo radical, totalmente irre­ futável e, no entanto, totalmente absurdo: "As coisas que percebemos são idéias que existem apenas na inteligência" 8 ? Tudo isso, estou certo, parece um pouco poeirento e, enfim, corre o risco de ser recusado como argúcias de uma outra época ou como passatem­ pos de intelectuais ociosos. Diante de Zenão, que pretendia mostrar a ine­ xistência do movimento, Diógenes havia afirmado que o movimento é prova­ do ao caminhar e deixou a aula para comprovar suas afirmações. A esta altura do desenvolvimento, sem dúvida estaríamos inclinados a agir como Diógenes e a proclamar que aprendizagem existe , porque eu aprendi, há alguns anos, a andar de bicicleta e que antes de aprender não sabia fazê­ lo . . . mas não há saída: como é que podemos aprender a fazer algo que não sabemos fazer a não ser fazendo? E, se o fizemos, é porque já sabemos fazê-lo! A demonstração é cômica . E no entanto, sentimos que estamos longe de alguma coisa essencial, de um paradoxo sem dúvida inerente à questão da aprendizagem e que nos faz oscilar incessantemente da afirma­ ção do "já existente" a da "tábula rasa" . . . como se fôssemos obrigados a escolher entre a metáfora da semente que já traz consigo todas as potencia­ lidades da flor e que, para desenvolver-se , requer apenas um meio favorá­ vel, e a metáfora da cera mole que recebe de fora uma forma que a modela. Podemos fugir dessa alternativa? O leitor, sem dúvida, espera que sim e supõe que eu tirarei de meu chapéu uma terceira solução, no momento exato. Mas, antes de tentar esse empreendimento, observemos mais atentamente o quanto aquilo que pode parecer algumas velharias filosóficas ocupa ainda, chegando muitas vezes a saturá-lo completamente, o discurso educativo.

Notas 1 . Platão, Ménon (85 d). 2. Platão, Ménon (84 b). 3 . Platão, ibid. (85 a e 86 a). 4. Platfto, ibid. (61 6 d a 621 d). 5. Doutrina filosófica segundo a qual o eu individual do qual se tem consciência é a ú nica realidade . . . os outros sujeitos e todos os objetos não têm assim mais existência que os sujeitos ou objetos dos sonhos. 6. Kant, Critique de la raison pure, PUF, Paris, 1 950, p. 1 7 7. Ibid. , p. 207. Cf. também p. 238 e 239. 8. Berkeley, Trois dialogues entre Hylas et Philonoüs, Aubier, Paris, 1970, p. 174. O fato de que vários homens vêem a mesma coisa ao mesmo tempo não é por Berkeley atribuído à existência desta coisa, mas à Providência divina ( ibid. , p. 1 63 e seguintes).

Capítulo 1

PODE-SE APRENDER? Quando se vê como a prática nos permite sair das contradições onde a teoria nos aprisiona "O que descobrimos neste livro? Sem dúvida, menos verdades do que problemas e contradições. Eu diria mais precisamente: antinomias. Antinomia entre a cultura liberal e a especialização, entre as pressões e a liberdade, entre a civilização e a natureza, entre a sociedade como fim e a criança como o todo, entre a pedagogia ideal e a realidade da educação, entre a necessidade de uma educação moral e a sua impos­ sibilidade de/ato, entre a criança considerada como futuro adulto e a criança respeitada como criança. " O. Reboul ,

La philosophie de l'Éducation PUF, Paris, 1 98 1 , p. 1 29

Quando se entra sem dificuldade, através de um exercício curioso mas significativo, no dilema pedagógico A educação, mais do que qualquer outro domínio, é o objeto de uma prática intelectual curiosa na qual se condena quem tiver a menor intenção de escolher entre contrários e de "se posicionar" , como hoje se diz, em um campo precisamente identificado, tanto por suas opções quanto pelas excomunhões maiores que é levado a praticar. Sugerimos ao leitor que ainda não estiver totalmente convencido disso a realização do joguinho que propomos abaixo. Aí estão, na verdade, vinte afirmações relativas à educação em geral e à aprendizagem em particular; nenhuma delas brilha por sua originalidade, e é provável que aquele que tiver navegado pelos meios educativos tenha ouvido pronunciar todas e, sem dúvida, as tenha utilizado pessoalmente

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por diversas vezes. É provável também que a maioria remeterá o leitor a um autor que ele terá talvez dificuldade para identificar, mas do qual se lembra­ rá ter um dia lido um texto. Se quiser aproveitar para fazer urna pequena avaliação de sua cultura geral pedagógica, deve reportar-se à nota que se encontra no final destas vinte afirmações... Mas, enquanto isso, deve simples­ mente tornar conhecimento destas fórmulas sem prejulgar o uso que delas poderá ser levado a fazer ou procurando apenas opô-las duas a duas. 1.

Nada se faz sem desejo. Impor o que quer que seja ao sujeito, se disso não manifestar desejo, é expor-se à recusa ou provocar a rejeição.

2.

Na maioria das vezes, os indivíduos buscam apenas comprazerem- se na facilidade e no consumo passivo. É preciso "pressioná-los" para impor-lhes objetos culturais que sempre exigem um esforço.

3.

Para ajudar alguém, basta ouvi-lo e comunicar-lhe, através da confiança que nele depositamos, a determinação necessária para que encontre em si mesmo os recursos para solucionar seus problemas. Ninguém jamais pôde resolver o problema de u m outro alguém.

4.

O exercício da autoridade é sempre perverso, pois vem sistematicamente acompanhado pela ameaça - implícita ou explícita - de uma sanção; mantém, portanto, os sujeitos na dependência e na alienação.

5.

Um sujeito só é agressivo quando é agredido; a educação consiste, portanto, em criar um meio favorável que torne a violência inútil, ou mesmo impossível.

6.

Não se pode desejar o que se ignora; não se pode gostar daquilo que não se conhece. Esperar a emergência do desejo é levar à desigualdade.

7.

Não se aprende nada que não se tenha redescoberto e reconstruído por si mesmo. As únicas aprendizagens que contam são as que o sujeito efetua ativamente, de acordo com o seu próprio projeto, confrontando-se com as dificuldades que encontra para superá-las.

8.

O que é preciso antes de mais nada conhecer, para lidar com a educação, é a psicologia. Pelo seu método - centrado no sujeito - como também pelos conhecimentos que elaborou, ela nos dá o essencial do que devemos levar em conta.

9.

Educar alguém é integrá-lo em uma sociedade; portanto, é ensiná-lo a submeter-se às regras que esta sociedade lhe impõe para ter êxito. A verdadeira liberdade é a do homem que vive na Urbe submetendo-se à lei comum.

Aprender. . . Sim, Mas Como?

10.

A autoridade permite que o indivíduo estruture sua personalidade. Sem ela, iria em busca de limites e perder-se-ia na violência.

11.

O essencial, a ser buscado em todas as circunstâncias, é o desabrochar elas pessoas, a descoberta e a valorização da riqueza de cada sujeito. As aprendizagens elevem estar integradas nessa dinâmica.

12.

Para ajudar alguém, é preciso fornecer-lhe informações e instrumentos intelectuais que lhe permitam compreender-se e compreender a situação na qual se encontra . Economizar um aporte externo e remeter o sujeito apenas a ele mesmo é alimentá-lo com ilusões narcisistas e isolá-lo em suas dificuldades.

13.

O educador eleve colocar-se a serviço ela solicitação expressa pelos sujeitos; o respeito desta solicitação é indiscutível. Não levá-la em conta é desprezar os sujeitos, afastar-se deles e, portanto, renunciar, mais cedo ou mais tarde, a um mínimo de eficácia.

14.

Toda aprendizagem verdadeira exige uma ruptura com antigas representações ou preconceitos anteriores. Requer, portanto, uma inte1venção externa ou uma situação específica que obrigue o sujeito a moclificar o seu sistema de pensamento.

15.

Sendo acima de tudo, quer se queira ou não, um agente social, o educador eleve dispor elas informações que lhe permitam compreender o seu papel; como a sociedade pede que amplie as competências dos sujeitos, ele deve dominar perfeitamente essas competências. Então, deve recorrer aos recursos da sociologia e e.la epistemologia.

16.

Cada sujeito tem uma personaliclacle insubstituível e constitui em si mesmo uma riqueza irredutível ao conjunto das influências que recebe como funções sociais que é levado a assumir.

17.

Para um educador, o essencial é fazer com que o stqe1to adquira as competências técnicas que serão mais úteis à sociedade na qual se encontra. Isso o leva, muitas vezes, a fazer com que o sujeito efetue aprendizagens sem relação com o seu projeto pessoal.

18.

Educar alguém é ensiná-lo a pensar por si mesmo e a realizar apenas as ações que terá livremente decidido.

19.

O sujeito sempre busca o seu prazer em detrimento de outrem e a agressividade é um componente fundamental da "natureza humana". A educação consiste em substituir, no sujeito, o princípio ele prazer pelo princípio de realidade.

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32 20.

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O sujeito não é senão o produto de sua educação e esta educação não é senão a soma das determinações (fisiológicas, sociais etc.) às quais é submetido.1

Esta leitura o deixa perplexo, e é bem compreensível. O que fazer com todas essas banalidades? Como se encontrar em toda essa confusão ideoló­ gica onde se diz tudo e ao mesmo tempo o seu contrário? Para começar a esclarecer as coisas, propõe-se que você situe essas vinte afirmações no quadro abaixo. Indique apenas os números correspondentes a cada casa procurando obter uma certa homogeneidade em cada uma das duas colunas. Se o tra­ balho com números for difícil para você, retome cada afirmação resumin­ do-a e inscreva-a no lugar que convier. A

B

A

B

Que representação se pode ter do sujeito e daquilo que o constitui? O que pode significar "educar para a liberdade"? É possível livrar-se da agressividade? A autoridade é necessária na educação? Que finalidade se pode conferir às aprendizagens? Quando e como um sujeito efetua uma aprendizagem realmente eficaz? Que lugar é preciso atribuir ao desejo na aprendizagem?

Corno responder a uma questão cultural formulada por um ou mais sujeitos? Que atitude é preciso ter quando um sujeito parece precisar de um auxílio particular para fazer frente a uma dificuldade?

Aprender. . . Sim, Mas Como?

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Em que ciência(s) humana(s) é preciso buscar os aportes essenciais para abordar a educação?

Você conseguiu preencher o quadro? Você acha o exercício ridículo? Sentiu-se desencorajado no caminho? . . . Espera o gabarito com as respostas! E no entanto, não haverá: o exercício é simples demais e as expectativas de seu autor fáceis demais de decodificar; você já sabe o que deve encontrar, sabe que há dois campos e que a cada uma das questões podem-se dar duas respostas contraditórias; sabe que, de um lado, as respostas remetem ao sujeito, à confiança depositada em seus recursos, ao respeito de seu desejo e de seu projeto, à atenção aos seus processos de aprendizagem e que, do outro lado, as respostas remetem à autoridade do agente social, à exterioridade da lei, do saber, das exigências econômicas; sabe que, de um lado, a educação e a aprendizagem são concebidas como a promoção do endógeno e, do outro, como a organização do exógeno; sabe que os partidá­ rios da primeira rejeitam radicalmente os partidários ela segunda, sustentan­ do que nada se faz em um sujeito que o sujeito não faça, e que os partidá­ rios da segunda recusam esta argumentação observando que o sujeito, redu­ zido a ele mesmo, é pobre e "que não há exemplo de que um ser humano possa ter atingido o estatuto ele adulto sem que tenham intervindo, em sua vida, outros seres humanos, por sua vez aclultos" 2 . Você sabe de tudo isso e, como todo mundo, se recusa a situar-se nesta alternativa, manifesta até um certo mau humor por estar assim diante de uma escolha impossível; uma e outra está certa e errada, pensa você, e é entre as duas que deve buscar a verdade . . . como O . Reboul, que mostra que todo o esforço da filosofia da educação consiste em encontrar "se não a solução concreta para essas antinomias, pelo menos um método para resolvê-las" 3 . . . como L. Not, que rejeita tanto as teses que afirmam a auto-estruturação do sujeito e ele seus conhecimentos quanto as que reivindicam sua heteroestruturação e propõe a intercstruturação do sujeito pelo conhecimento e elo conhecimento pelo sujeito\ . . Você se debate para não ter que escolher e eu me debateria com você se, ao examinar cada uma das duas teses, não encontrasse razão para abandonar uma ou outra e não descobrisse, ao contrário, em cada uma delas, todas as razões para adotar uma e outra em sua própria radicalidade 5 •

Quando se vê que não é fácil escolher entre os dois termos de uma alternativa Com Platão, viu-se que o professor é "parteiro" e a confiança que deposita em si para tirar o sujeito do mundo das ilusões é incessantemente tempera-

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da pela certeza de que ele não é, jamais é, o "genitor" . Sócrates assiste o indivíduo ao dar a luz a seus conhecimentos, mas afirma a sua inocência quanto à origem dos mesmos; ajuda-os a vir ao mundo, mas certamente não foi ele quem engravidou o sujeito. Há, sem dúvida, nesta modéstia, algo particularmente sadio: os psicanalistas gostam de dizer que apenas o louco reivindica a paternidade; apenas ele, em todo caso, pode considerá­ la sem nenhum espanto, com a plácida certeza de ser o autor de sua progenitura, com a convicção de que ela é de fato sua e de que sempre será. A dúvida, a inquietação, o sentimento de que ocorreu algo da ordem de um milagre dão à paternidade a fragilidade que a torna suportável pela criança, mas também pelo pai. Sem isso, a primeira não pode encontrar o menor interstício onde instaurar sua diferença e o segundo vê sua responsa­ bilidade excessivamente inflada chegando a persegui-lo dia e noite incansa­ velmente, culpando-o pelo menor instante ele ausência em que seu olhar e suas preocupações teriam desviado para outra direção . O mesmo ocorre, sem dúvida, com o professor que procura ensinar: é importante que ele seja movido por esse sentimento de despojamento, que faz com que recuse incansavelmente a posição de genitor; convém que, em muitos sentidos, ele se diga apenas "iluminador" e suponha que, se as coisas nascem através dele, não nascem dele. Convém que, tentando ensi­ nar, faça descobrir e que assim perca a força da transmissão . Na verdade, a transmissão - se considerarmos sua definição mecânica - quase não dá aos parceiros a possibilidade de investir ou ele tirar sua energia de outro lugar, de existir paralelamente, por si mesmos e para alguém mais. Uma aprendiza­ gem vivida como uma simples "transmissão", que atribuísse ao professor a paternidade mesmo indireta el o s conhecimentos do aluno, aniquilaria o aluno e ao mesmo tempo o professor: o primeiro se apagaria, o segundo desmoronaria com o peso de uma responsabilidade ilimitada. Em compensa­ ção, se o professor vê o seu poder limitado ao de um acompanhante, sem dúvida, a aprendizagem, se não for mais eficaz, será menos patogênica. Mas isso não é tudo : com efeito , nas "peclagogias do sujeito " , no cen­ tro de sua doutrina, há esta verdade evidente : a "caixa preta " nos escapa. Podemos criar reflexos condicionados, obstinar-nos com o par estímulo­ resposta, fazer com que nossos alunos levantem, sentem, caminhem, cor­ ram, recitem, identifiquem, cortem, aplaudam; nunca podemos saber com certeza o que se passa na caixa preta no exato momento em que acredita­ mos controlar - em que controlamos - perfeitamente o seu comportamen­ to. Nunca sabemos também o que as palavras que utilizam realmente signi­ ficam para eles e que pensamentos se escondem atrás de sua serviliclacle aparente. Talvez tenhamos um poder sobre a caixa preta, mas nurica sabe­ mos que ele fato o temos, e nenhum indício pode aí ter valor de prova. Há uma opacidade indiscutível da consciência de outrem que marca um ponto limite de todas as nossas tentações totalitárias e que, naquele que não pode a isso se resignar, gera a violência e a destruição ela pessoa. É pelo fato de

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que a consciência do outro inevitavelmente me escapa que meu desejo de controle e minha vontade de poder tentam aniquilar o seu corpo ou , de maneira mais simples, mais trivial, mantê-lo fora de meu campo de visão . O professor bem sabe que, com um simples gesto, põe para fora o aluno que, sendo incompreensível para o primeiro, tornou-se para ele insuportável . . . livra-se de um corpo quando não pode mais controlar seu espírito. Ora, é exatamente aí que as "pedagogias do sujeito" , em sua própria radicalidade, nos salvam do adestramento e do delírio: é preciso que o sujeito se salve e que eu reconheça à "caixa preta" o direito absoluto à existência. De fato, sabe-se muito bem o que poderia aí significar a menor reserva: conceder-se a possibilidade da exceção, em nome de uma "razão superior", é abrir a porta ao arbitrário e a todos os abusos. A fórmula de Protágoras segundo a qual "o homem é a medida de todas as coisas" expressa aqui, mais do que uma teoria do conhecimento, um princípio ético fundamental que coloca o sujeito como referente último; violá-lo seria colocar sua própria existência em perigo e, portanto, a possibilidade de sua enunciação. Kant não diz outra coisa quando fala em imperativo categórico e define como moral "toda ação cuja máxima eu possa querer que se torne uma lei universal" 6 . Enfim, é preciso creditar às peclagogias elo "endógeno" a evidência incontestável ele que só há saber pelo caminho que leva a ele e de que só há conhecimento na apropriação de que dele faz o sujeito. Posso fazer com que o outro faça algumas economias ele tempo e ele meios, mas jamais posso aprender em seu lugar: isso é válido para a natação ou para a conclu­ ção el e um automóvel, também é válido para a leitura e para a matemática. Por outro lado, o que quer que pensemos sobre toda a sua obra, só nos resta concordar com a fórmula de C. Rogers quando este diz que "a única aprendizagem que realmente influencia o comportamento ele um indivíduo é aquela que ele descobre por ele mesmo e da qual se apropria" 7 . Só nos resta concordar, pois trata-se, na realidade, simplesmente el e uma lapalissada. Assim, não nos livramos tão facilmente de toda uma tradição filosófica e pedagógica que coloca o sujeito no centro da dinâmica da educação e da aprendizagem; também não a abandonamos tão facilmente quando avalia­ mos os perigos dos quais nos preserva. É claro que, quando impõe a abs­ tenção educativa em nome do respeito da liberdade do sujeito, quando extravasa palavras para melhor definir-se como uma pedagogia elo silêncio, quando fala tanto sobre a escuta que nos questionamos sobre o tempo que resta para sua prática, essa pedagogia irrita . . . mostra, porém, verdades com as quais não transigimos 8 . Velhas verdades certamente, mas verdades mes­ mo assim e que, paradoxalmente, parecem ainda "progressistas" , enquanto que as teses contrárias cuja difusão é, no entanto, nitidamente mais recente, têm um cheiro bem mais "tradicionalista" . . . O que dizem elas essencialmen­ te? Segundo as célebres fórmulas de Durkheim, "a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não estão amadurecidas para a vida social. Tem como função suscitar e desenvolver, na criança, um certo

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número de estados físicos, intelectuais e morais que tanto a sociedade polí­ tica em seu todo quanto o meio social ao qual está particularmente destina­ da exigem dela9 " . O quadro está completo: o fato de que o sujeito recebe de fora sua identidade; de que é a inserção em uma comunidade humana, sua cultura e seu modo de funcionamento que conferem a ele sua existên­ cia real, concreta; de que o papel do educador é "suscitar e desenvolver" competências identificadas em função de sua utilidade social; de que a educação não é então a admiração beata das aptidões que despertam, mas o fato de fornecer instrumentos precisos que permitem que os indivíduos se integrem em um grupo social determinado, que nele encontrem um lugar, o seu lugar. E alguém tem o direito de insinuar o contrário? Talvez, mas em nenhu­ ma hipótese o professor primário ou secundário, instalados naquilo que continua sendo, o que quer que se pense, uma posição social e que não podem decidir privar outrem daquilo com o que se beneficiaram. Na verda­ de, "é a sociedade que gera a educação, perpetuando assim o seu desfile conforme, atribu indo lugares, regendo as maneiras de fazer, de dizer, de ser1º ." E o que seria o sujeito sem isso, sem essa intendência que, pelo menos, dá forma a seus projetos? O que seria o sujeito sem a parte de adestramento que libera sua reflexão de várias tarefas fastidiosas permitin­ do que as efetue automaticamente? O que seria o sujeito se não houvesse o autômato? Um indivíduo envolvido com uma quantidade de intenções que não conseguiria nem mesmo formular. . . talvez ainda, um indivíduo sem intenção, já que sem meio de nomeá-las e, conseqüentemente, sem meio de identificá- Ias . . . nada, na verdade, uma abstração, apenas uma idéia. O indivíduo é irremediavelmente um ser social e, como tudo o que faz e diz é englobado, estruturado, expresso pelo social, é apenas um ser social. A sociedade nada pode dele obter que ela mesma não tenha, de uma certa forma, nele introduzido. Por mais que tentasse se emancipar, só poderia ao preço de uma difícil metamorfose exigindo novas inculcações. Por mais que se encontre privado de seus quadros socias, ele tenta reconstituí-los minuciosamente e deve, como Robinson Crusoé, ritualizá-los o suficiente para não os perder completamente, para não se perder completamente. Essa natureza intrinsecamente social do sujeito quebra toda liberdade? Spinoza já havia apontado o paradoxo: "O homem que é dirigido pela Razão, dizia ele, é mais livre na Urbe, onde vive segundo o decreto comum, do que na solidão, onde só obedece a si mesmo" 1 1 • Com efeito, de que liberdade disporia um sujeito que tudo ignorasse das expectativas sociais? A de um animal acossado, "conduzido pelo medo" 1 2 , submetido a impulsos que seria obrigado a por à prova dos fatos, com o risco quase certo de enganar-se e de perder-se mais cedo ou mais tarde A Razão ao contrário determina que ele ceda à regra comum, já que e�ta regra 'garantirá, e� troca, sua existência e servirá de ponto de apoio aos atos que poderá reali­ zar. O que ocorre com a realidade social é o mesmo que ocorre com a

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realidade física: negar a gravidade jamais permitiu voar, foi apoiando-se nela, obedecendo à sua lei, que o homem pôde construir aviões. E se a liberdade, minha liberdade, só é possível com referência à exte­ rioridade, afortiori a aprendizagem só pode advir se, de fora, um ser, uma instituição, um instrumento vierem me trazer os elementos sem os quais eu seria definitivamente surdo, cego e mudo. Na verdade, aprender é compreen­ der, ou seja, trazer comigo parcelas do mundo exterior, integrá-las em meu universo e assim construir sistemas de representação cada vez mais aprimora­ dos, isto é, que me ofereçam cada vez mais possibilidades de ação sobre esse mundo . Refugiando-me incessantemente em mim mesmo, não encontra­ rei nem mesmo os meios para compreender-me, pois sou do mundo tanto quanto de mim mesmo e não posso resolver meus problemas se não me compreender dentro do mundo. O "conhece-te a ti mesmo", quando supõe que disponho sozinho de todos os recursos necessários para fazer frente a uma dificuldade, é sempre uma impostura: jamais sou , sozinho, a solução . . . porque não estou só. E não podemos nos livrar tão facilmente de uma tal evidência, que é a única defesa contra nossas veleidades narcisistas e nos­ sas tentações egocêntricas: impõe que levemos em conta a exterioridade em sua própria radicalidade e, neste sentido, é indiscutível. E quem não teve vontade de lembrar isso diante de tantos discursos vãos sobre a escuta ou naquelas intervenções de educadores que incessantemente exortam "os educandos" a "expressarem-se", a "confiarem-lhes seus problemas" , mas que se recusam a fornecer a eles instrumentos para resolvê-los . . . sob pretexto de não lhes faltar com o respeito! Como se devessem expiar seu estatuto e, quando tiverem algo a dizer, praticar uma ginástica sábia para insinuar que o estão dizendo, mas que não o dizem realmente e que, na realidade , reformulam o que disse o grupo etc. A negação de paternidade, com tudo o que nos mostrou ter de positivo , transforma-se aí, na maioria das vezes, em um ridículo disfarce: anuncia-se respeitar a liberdade de outrem, mas priva-se-a, na verdade, dos meios de se exercer; proclama-se dar o poder aos interessados, ao passo que a ignoráncia os mantém na dependência. É por isso que o professor deve assumir sua função e transmitir os instrumen­ tos fabricados ao longo da história dos homens, afastando-se progressivamen­ te das suas ilusões primeiras. É por isso que essa transmissão não pode mais se situar no prolongamento direto do que sou e do que penso; ela impõe uma ruptura que, sozinho, não serei capaz de realizar, não tão depressa em todo caso . . . tanto é verdade, como não deixou de observar G. Bachelard, que "conhecemos sobre este conhecimento exterior, destruindo conhecimen­ tos mal feitos, vencendo aquilo que, no próprio espírito, constitui um obs­ táculo à espiritualização" 1 3 . Não podemos fugir da transmissão; bem mais do que isso, é o próprio ato de transmissão, tanto quanto a coisa transmiti­ da, que é fundador ele socialidade recíproca, isto é, ele humanidade . Portanto, não nos livramos tão facilmente el as pedagogias do exógeno, ele todas as teorias educativas que pregam a importáncia primefra da inter-

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venção e da transmissão, a radicalidade da exterioridade: "Sou ensinado, isso significa que a verdade me vem de fora, mesmo que eu seja capaz ou suscetível a ela: o ensino significa todo o infinito da exterioridade" 1 " . Tam­ bém não as relativizamos tão facilmente, temperando-as com um pouco de interioridade . . . pois o infinito menos alguma coisa é ainda o infinito! É claro que, quando elas sugerem que a criança é uma "cera mole" que o educador deve modelar à sua maneira, quando insinuam que a exortação e a sanção bastam à transmissão, quando confundem ensino e aprendizagem, essas pedagogias irritam e nos causam incômodo. . . e no entanto, quem pode querer refutá-las ou ignorá-las? Diante de duas opções que nos parecem assim igualmente fundamen­ tadas, e fundamentadas precisamente em sua radicalidade recíproca, que opção escolher? O "meio termo" não teria nenhum sentido, já que esvazia­ ria cada uma de sua força e, relativizando-as, faria com que perdessem todo interesse. Estamos condenados a escolher ou a nada fazer e, assim, entre­ gues ao arbitrário ou ao imobilismo?

Quando se tenta mostrar que, se é inútil esperar uma síntese teórica, o concreto das práticas nos convida a assumir a tensão e a vivê-la na história Quem não conheceu situações de bloqueio em que o aluno parece totalmente estranho e refratário ao saber que o professor quer fazer com que ele adquira? Quem não teve então a tentação de resolver o problema pela terrível simplici­ dade do "faça como você quiser" ou do "faça como eu quero"? Quem não sabe perfeitamente argumentar cada uma das duas atitudes e justificar tanto o "faça como você quiser" , invocando o caráter absolutamente pessoal e voluntário de toda aprendizagem, quanto o "faça como eu quero", invocan­ do o interesse do alu.n o, não "aquilo que o interessa", mas sim "aquilo que é do seu interesse" e que o professor sabe melhor do que ele? E cada uma das duas posições está certamente correta, talvez ainda, tanto uma quanto a outra sejam a única correta . . . e no entanto, elas são contraditórias! São contraditórias, mas talvez porque a vida seja uma contradição. São insustentáveis e incontornáveis, mas talvez porque a prática pedagógica seja uma tensão . . . é, sobretudo, porque a prática é história e a história é a fugacidade, a passagem, o percurso, a transição, o conflito. A dificuldade maior das teorias da aprendizagem, aquela que as leva à aporia, é assumir a historicidade do aprender e o fato de que uma história não é, jamais é, um desenvolvimento linear, mas sim uma dialética. Os filósofos sempre estive­ ram diante desta questão: "Como é que se pode passar do não saber ao saber? Como é que ele pode advir da mudança?" E sempre estiveram inclina­ dos a privar a aprendizagem da história, a cair no princípio do já existente

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ou a afirmar a total maleabilidade do sujeito às intervenções externas. Ao passo que a aprendizagem é uma história que coloca diante de um "já existente" uma intervenção externa; uma história onde sujeitos se confron­ tam e onde trabalham e se articulam, nunca com muita facilidade, interioridade e exterioridade, aluno e professor, estruturas cognitivas exis­ tentes e novos aportes. E isso é verdadeiro no que diz respeito à análise da relação pedagógi­ ca em que duas pessoas, num confronto sempre aleatório, estão em tensão: ao desejo legítimo de inculcação e de instrumentação social de uma opõe­ se, assim, a resistência da outra, mobilizada em interesses mais imediatos, desejando incontrolavelinente muito ou muito pouco, jamais "na medida que deveria". Ensinar não é, então, sacrificar uma das duas partes, abdicar ele suas exigências ou ignorar a pessoa de quem aprende; ensinar é levar totalmente em conta uma e outra e montar a história neste espaço: mas a história nunca é escrita previamente e , para ela, nunca temos receita; a história não se repete, e não podemos ter a certeza de sair dela totalmente ilesos. Na história, "há pressão e resistência" ; na história, encontramos, às vezes, algumas frágeis mediações nas quais o desejo elo aluno se articula, em algum momento, a uma proposta do professor... não há dúvida de que possa haver aí "transmissão" , mas essa transmissão é construída e, portanto, precária; não tem nada ele mecânico, ela é, antes, ela ordem de urna coincidên­ cia. Sabemos muito bem disso, nós, professores primários, secundários e educadores, que nos empenhamos em despertar para a literatura o interes­ se de pessoas que só se interessam pela música rock, corno Fourier, que procurava urna maneira de despertar para a matemática o interesse da me­ nina que gostava de alho! O que observamos aqui na relação pedagógica podemos observar tam­ bém em ação no processo de aprendizagem, tal como é descrito por J. Piaget: este recusa tanto a qualidade inata das estruturas cognitivas, quanto a sua emergência contingente; recusa a idéia de que nossa inteligência seja inata, tanto quanto a de que ela nos seria totalmente imposta do exterior; não nega, entretanto, nem a existência de um "já existente" , nem a de um "adquirido", ele mostra que é no diálogo permanente entre o inato e o adquirido onde se opera o conhecimento. Graças ao que sou e pelo que sou, posso adquirir, assimilar novos fenômenos, enriquecer e modificar assim o que sou ; novas estruturas são então instauradas e esse equilíbrio, por sua vez, permite que eu tenha acesso a uma nova aquisição 1 5 . Pensar a aprendizagem é, portanto, pensar história; mas a história é , sob muitos aspectos, impensável. Assim, é preferível "agir a aprendiza­ gem", ou seja, não renunciar a um dos dois termos ela alternativa, mas colocá-los em tensão para colocar-se sob tensão. E quanto mais profunda­ mente estivermos empenhados em não sacrificar nenhum dos dois pólos, maior e mais fecunda será essa tensão. Não se pode dizer que isso seja fácil: não há nada aí que pareça urna reconciliação tranqüilizadora e o caminho

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aberto não é o de uma harmonia perfeita; a tranqüilidade não será aí nosso prêmio diário . . . O que é tranquilo, corno bem sabemos, nos dias de cansa­ ço, é voltar ao conforto do "faça como você quiser" ou do "faça corno eu quero". O que é fecundo, po'r outro lado, é buscar incansavelmente aquilo que poderíamos querer juntos.

Quando se conclui, como arquimedes, que com um ponto de apoio pode-se fazer muitas coisas "O que poderíamos querer juntos" . . . não será uma proposta demagógica? Não será a obrigação do professor rever e diminuir suas exigências, nivelar por baixo, alinhar-se ao menor denominador comum? Poder-se-ia admitir isso, se essa proposta expressasse simplesmente um desejo; mas, na reali­ dade, ela designa um fato: pois só há "transmissão" quando um projeto de ensino encontra um projeto de aprendizagem, quando se forma um elo, por mais frágil que seja, entre um sujeito que pode aprender e um sujeito que quer ensinar. É por isso que o ofício de ensinar requer esta dupla e incansável prospecção, por um lado, no que diz respeito aos sujeitos, às sua aquisições, suas capacidades, seus recursos, seus interesses, seus dese­ jos, e, por outro lado, no que diz respeito aos saberes que devem ser incessantemente percorridos, inventariados para neles descobrir novas abor­ dagens, novas riquezas, novas maneiras de apresentação. Essa busca é a própria condição do ofício, na medida em que só ela permite essas corres­ pondências onde se dá a aprendizagem; sem ela, algumas correspondênci­ as poderão, sem dúvida, ser estabelecidas ao acaso ele um encontro fortui­ to , de um desejo momentaneamente convergente, de uma cumplicidade cultural. Com ela, em contrapartida, essas correspondências poderão ser progressivamente construídas, desde que não se espere, entretanto, uma adequação total entre o projeto do aluno e o do professor: uma tal adequa­ ção, em que corresponderiam, termo a termo, os desejos, capacidades e interesses do aluno aos projetos, exigências e conteúdos do professor. . . é evidentemente impossível e sua busca, paralisante. O que se pode esperar, o que se deve procurar é, em primeiro lugar, um ponto de apoio no sujeito, mesmo o mais sutil, um ponto ao qual articular um aporte, onde instalar um mecanismo para ajudar o sujeito a crescer. . . Isso poderá ser, às vezes, um desejo de saber e de compreender nascido de uma situação totalmente estranha à escola: não se imaginam os desafios formidáveis que podem representar para uma criança, em sua fa­ mília ou em seu meio, a possibilidade de poder ler a programação da televisão ou de calcular a porcentagem de suco de frutas que ela bebeu na semana em relação a de seus irmãos! Poderão ser, também, capacidades adquiridas ao longo de sua história pessoal e escolar: capacidade para utili-

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zar este ou aquele instrumento, para manipular este ou aquele objeto, para efetuar esta ou aquela operação intelectual, múltiplas capacidades para fa­ zer ou dizer, muitas vezes não identificadas na instituição escolar e nas quais seria preciso apoiar-se. Poderão ser, ainda, competências específicas sobre as questões mais inverossímeis, competências que o próprio profes­ sor nem sempre tem, que hesita em fazer emergir por medo de parecer ignorante, e às quais se poderia, entretanto, articular muitas coisas . Poderá ser, enfim, um interesse, estranho ou compartilhado por determinada ques­ tão, determinado domínio, através do qual se poderá propor saberes escola­ res: como fazer, perguntava-me recentemente um professor de inglês, para atrair para a minha disciplina alunos que passam o seu tempo escutando músicas . . . inglesas? "Dê-me um ponto de apoio e eu erguerei o mundo" . . . Dê- me um ponto de apoio no sujeito e ajudá-lo-ei a aprender, a apropriar-se da novi­ dade, a compreender um pouco mais o mundo e a si mesmo. Um ponto de apoio e não todos os pontos de apoio; um ponto -de apoio ao qual ele e eu possamos nos articular para fazê- lo evoluir. E tomemos os pontos de apoio que tivermos, não esperemos que nasçam, miraculosamente, aqueles que estabelecemos como indispensáveis; não esperemos que ele saiba dizer isto ou fazer aquilo . . . Talvez aprenderá a dizer isto ou a fazer aquilo porque saberá outra coisa ou quererá, a qualquer preço, atingir uma outra que nem imaginamos. Busquemos os recursos de que ele dispõe, sem conjeturar antecipadamente os que vamos encontrar ou os que deveríamos encontrar. Na verdade, nada diz que o que encontraremos de fato não nos permitirá articular uma aprendizagem que, por sua vez, permitirá instaurar novas estruturas cognitivas e adquirir capacidades cuja emergência espontânea poderíamos esperar em vão. "Construir supõe um construtor; aprender su­ põe um a priori; adquirir supõe um inato", diz E. Morin 1 6 . E ele acrescenta: "Assim pode instaurar-se a dialógica entre o aparelho conhecedor, que traz o já conhecido (os esquemas inatos, as aquisições memorizadas) e o "meio conhecível", repleto de desconhecidos" 1 7 . Nunca acabamos de inventariar o já conhecido e nunca devemos perder a esperança de nele encontrar o meio para aí articular o "conhecível. " Mas, para isso, é preciso ainda, por outro lado, que o professor domi­ ne o "conhecível" , que explore, em toe.l o s os sentidos, os conhecimentos que deve fazer com que sejam adquiridós, que compreenda suas gêneses e suas lógicas, que examine todos os recursos que elas oferecem e que bus­ que, sobretudo, todas as abordagens, todos os caminhos que lhe permitam ter êxito. Essa tarefa não é simples, pois impõe um distanciamento de seu próprio itinerário de aprendizagem, um questionamento permanente dos saberes sob o ângulo, não dos produtos que constituem, mas dos métodos que os constituem. Essa tarefa é difícil, porque os saberes não mostram isso logo à primeira vista e não podem poupar o professor da imaginação e da inventividade didática: o conhecimento, o perfeito domínio, por si só, das

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regras ele concordância do particípio passado nada dizem quanto a todos os meios possíveis de chegar a elas; tampouco quanto à forma ele sensibi­ lização que se poderá utilizar - uma estória, um exercício escrito ou oral, etc.? -, ao tipo de textos ou ele exemplos onde é preciso estudá-las, ao método a ser utilizado - mais lógico, mais lúdico? - à estrutura da atividade que deve ser proposta ao aluno - oposição, discriminação, classificação, indução? - às imagens e metáforas que vão possibilitar a compreensão, às relações sociais que serão facilitadoras, ao tipo de motivação que vai ser determinante: será que é o desejo ele fazer bonito quando se escreve a sua namorada ou o de respeitar um compromisso com o professor, ou ainda, o de desafiar-se a si mesmo que vai fornecer a energia necessária para desenca­ dear a aprendizagem? E, supondo que se tenha feito aí todo o inventário sobre o caso específico da concordância do particípio passado, restaria ainda o questionamento sobre as outras noções, regras, aprendizagens às quais tal regra poderia se articular. Trabalho ele titã, evidentemente, e que ninguém pode, de fato, realizar. . . Essa exploração elos conhecimentos, como a busca dos pontos ele apoio no sujeito, só é possível porque uma e outra se regulam reciprocamen­ te. Nenhuma elas duas, por si só, dispõe ele algum referente, de algum limite, e ambas se perderiam em uma busca infinita e desanimadora: é preciso que o questionam ento sobre os conhecimentos seja ao mesm o tempo ali1nentado e limitado por aquilo que se sabe sobre o sujeito, da m esma forma, é preciso que nossa preocupação com o sujeito sejà estimulada e informada por aquilo que sabemos sobre os conhecimentos a fazê-lo adqui­ rir. Sem essa reciprocidade, a primeira se extenuaria em um inventário que só o seu caráter lúdico poderia nos salvar elo desânimo. Sem este vai-e­ vem, a segunda tomaria formas perigosamente inquisitórias . . . A coisa lhe parece complicada? Ela é simples e, em muitos sentidos, natural, mas de forma alguma, tranqüilidade; consiste em ter, ao mesmo tempo e em interação permanente, duas preocupações: a de melhor conhecer os recursos do aluno e a ele descobrir incessantemente novos itinerários para nossos sabe­ res . . . a fim de operar, sem ilusão mecanicista e com a consciência da preca­ riedade do método, as correspondências possíveis. É dessa maneira que, respeitando a integridade do sujeito e sem renunciar ao nosso projeto de instruí-lo, em tensão permanente entre o "faça como você quiser" e o "faça como eu quero", pode esboçar-se um querer comum, um querer aprender. APRENDER FERRAMENTA N2 1 - ESBOÇO

Esta ferramenta não é, por si só, diretamente operacional para a prática da classe; ela não possibilita fabricar dispositivos didáticos, tampouco avali­ ar os que são utilizados. Pode, por outro lado, ter duas funções preciosas:

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- estimular a atenção do professor para que explore incansavelmente pontos de apoio em seus alunos e novas abordagens para saberes que deve transmiti r-1 h es; - abrir caminhos que lhe permitam encontrar conexões possíveis que, sem dúvida, não serão todas exploradas, mas dentre as quais descobrirá, talvez, as que poderão desencadear sua inventividade didática. Em que pontos de apoio, no sujeito, posso articular meu aporte?

- Quem é o aluno? - Qual idade ele tem? - Quais são suas referências culturais? situação geral do aluno e ambiente - Quais foram os aconte­ cimentos marcantes de sua da aprendizagem história pessoal? - Que acontecimentos ocor­ reram em torno dele recente­ mente? Dentro e também fora da sala de aula?

clonúnio sensório-motor

domínio cognitivo

De que entradas para os saberes posso dispor?

- Que forma de sensibiliza­ ção posso utilizar para intro­ duzir a aprendizagem? - Em que diferentes níveis de complexidade posso propor o saber a ser adquirido? - Com que vocabulário, que exemplos, que auxilia­ res pedagógicos posso apresentá-lo?

- Quais são as capacidades perceptivas do aluno, qual é o seu grau de sensibilidade aos estímulos sonoros, visuais, táteis, olfativos . . . ? - Quais são suas capaci­ dades de expressão verbal ou não-verbal (gestos, mí­ micas . . . )? - Quais são suas habilida­ des manipuladoras?

- Que tipos de suportes posso utilizar nas diferentes fases da aprendizagem? - De que modos de expres­ são e de restituição posso recorrer, isolados ou a tí­ tulo de acompanhamento? - Que manipulações podem ser efetuadas a fim de organizar 011 de facilitar a aprendizagem?

- Que relações ele estabele­ ce entre o tempo e a aprendi­ zagem (eficácia em tempos curtos e numerosos ou em seqüências mais longas . . . )?

- Como posso modular a aprendizagem no tempo? Em que unidades posso desmembrá-la? Segundo que critérios?

- De que competências (conhecimentos) o aluno já dispõe (competências esco­ lares, mas também sociais ou mais pessoais)?

- Sobre quais conheci­ mentos anteriores posso construir a aprendizagem que eu viso? - Em que domínios posso en­ contrar (ou mesmo utilizar) as competências que eu solicito ou procuro fazer com que se­ jam adquiridas? Que materiais ou exemplos posso, portanto, utilizar que permitam aplicar

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domínio afetivo

- De que capacidades o aluno já dispõe (capacidaeles escolares, mas também sociais ou mais pessoais)?

essas competências? - Em que atividades se recorre às capacidades que eu solicito ou procuro fazer com que sejam adquiridas? Que situações e que ferramentas posso, então, utilizar que permitam aplicar essas capacidades?

- Que interesses, que paixões, que curiosidades, que engajamento o aluno manifesta? - Que desafios existem ou poderiam existir para ele numa aprendizagem (desejo de impor-se, ele produzir para valorizar-se, de arriscar-se, de lançar-se um desafio a si mesmo, ele idenficar-se, de opor-se, etc.)?

- Em que projetos pessoais poder-se-ia inscrever a aprenclizagem que procuro fazer com que seja efetuada? - A que metas posso vincular os objetivos visados (obtenção de um desempenho em relação a uma média anterior, produção ele um objeto socialmente valorizado, proposta de uma situação lúdica, etc.?

Notas 1 . A maioria destas afirmações foram reformuladas, mas podemos encontrar frases muito próximas em vários autores: Assim, poderemos, por exemplo, ter reconhecido A.S. Neill na afirmação 1 , C. Rogers na 3 e 7, G . Menclel na 4, W. Reich na 5 , P. Bourdieu na 6, Spinoza na 9 , G. Snyclers na 1 2 , G. Bachelard na 1 4 , Durkheim na 1 7 , Freud na 1 9 , Marx na 20 . . . A s outras afirmações fazem parte d e u m fundamento comum ideológico refratado por tantos autores que hesitaríamos em atribuí-las mais precisamente a um deles (é o caso principal­ mente das fórmulas 2, 1 3 , 16, 18). Evidentemente, estas fórmulas estão aqui isoladas, a o passo que, nos autores q u e as utilizam, apresentam nuances e, às vezes até, s u a antítese . . . teremos a oportunidade el e voltar a isso. 2 . D . Hameline, Maftres et éleves, Classiques Hachette, Paris, 1 973, p. 3 . 3 . L a philosophie de l'éducation, PUF, Paris, 1 98 1 , p. 1 29. 4. L. Not, Les pédagogies de la connaissance, Privat, Toulouse, 1 979. 5. O exercício-jogo que acaba de ser proposto pode ser utilizado de maneira eficaz em formação pedagógica. Procede-se então da seguinte maneira: cada afirmação é distribuída a u m membro do grupo (se o grupo tiver mais de vinte membros, algumas afirmações podem ser dadas a duas pessoas, se tiver menos, retiram-se pares para obter tantas afirmações quantos forem os participantes); procede-se então em quatro fases : - Cada participante tenta apropriar-se da afirmação que lhe foi confiada redigindo pessoal­ mente uma curta argumentação. - Cada participante procura a afirmação contrária à sua e procede então a um confronto de seus argumentos com o seu parceiro.

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- Os partlopantes são convidados a dividirem-se em dois grupos baseando-se em uma homogeneidade relativa ele suas afirmações e cada um elos dois grupos realiza o exame ele todas as propostas para descobrir um ponto comum entre elas. - Pode-se distribuir então o quadro com as questões que é preenchido individualmente. 6. Cf. Fondements de la métaphysique des moeurs, Delagrave, Paris, 1968, p. 103. 7 . Liberté pour apprendre? Dunod, Paris, 1 973, p . 152. 8. No ponto em que D . Hameline e M.-J . Dardelin concluem La liberté d'apprendre - situation II, observando que "mesmo que isso implique que a "escolha essencial" que subtencle o método "n:io diretivo" permita que o endógeno preceda o exógeno no processo de personalização, o risco é tão grande que seria preciso ainda muitas demonstrações para convencer-nos a mudar de doutrina" (Éclitions Ouvrieres, Paris, 1977, p. 327) . 9 . E. Durkheim, Éducation e t sociologie, PUF, Paris, 1 980, p. 5 1 . 1 0 . D. I-Iameline, 1Vfaftres et éleves, Classiques Hachette, Paris, 1973, p . 4. 1 1 . Spinoza, Éth ique, IV-73. (Ética) 1 2 . Jbid. 1 3 . G. Bachelard, La formation de l'esprit scient{fique, Vrin, Paris, 1972, p. 1 4 . 1 4 . J. Lacroix, Spinoza e t te probleme d u sahtt. Citado por O. Reboul, Philosopbie de l 'éducation, PUF, Paris, 198 1 , p. 1 3 1 . 1 5 . Cf. J . Piaget, e m particular L e structuralisme, PUF, Paris, 1970, p . 52 a 6 2 . ( O estruturalis­ mo). 1 6 . E. Morin, La métbode 3, la connaissance de la connaissance, Le Seuil, Paris, 1 986, p. 60. 17. Ibid.

Capítulo 2

o QUE E APRENDER? ,,,,

Quando se vê o quanto o ofício de ensinar requer um esforço permanente de elucidação e de retificação de nossas representações da aprendizagem "Em educação, a noção de obstáculo pedagógico é ignorada. Muitas vezes, fiquei chocado com o.fato de que os professores de ciências, muito mais do que os outros, se isso é possível, não compreendem que alguém não compreenda (. . .). Os professores imaginam que o espírito começa como uma lição, que se pode sempre refazer uma cultura negligente reprovando uma turma, que se pode fazer com que uma demonstra­ ção seja compreendida repetindo-a ponto por ponto. " G. Bachelard, Laformation de l'esprit scient{fique Vrin, Paris, 197 1 , p. 18.

Quando se discernem, em uma situação tão banal quanto reveladora, as representações dominantes da aprendizagem As reuniões de pais sempre têm algo de estranho: a encenação é, na maio­ ria das vezes, preparada, no último minuto, por um professor menos atrasa­ do do que seus colegas e que dispõe algumas cadeiras apressadamente; os personagens, ainda que dominem o seu texto bastante bem, não sabem exatamente quando devem entrar em cena e recorrem a jogos de olhares complexos para revezarem-se; os espectadqres presentes são, em geral, profissionais neste tipo de cerimônia, aqueles que, na maioria das vezes, já dispõem da informação que lhes vai ser dada, porque a escola sempre foi para eles, em resumo, um lugar bastante favorável e cujos códigos conhe-

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cem . . . os outros, infelizmente, só vêm em caso de força maior. Após o discurso de costume, os debates se desenrolam, às vezes penosamente, com longos momentos de silêncio, ou explodem repentinamente com algu­ mas apóstrofes agressivas contidas durante muito tempo. Pais e professores iniciam então algumas discussões sobre o terceiro excluído - o aluno - com alguns jogos de �tliança muitas vezes surpreendentes: os pais se encontram, na verdade, alternada ou simultaneamente, em posição de alunos, porta­ voz cio que sabem ou supõem ser o interesse ele seu filho; em posição de adultos, solidários com os professores, ou em posição de rivais cuja influência educativa pode ser concorrente daquela da escola. A isso se acrescentam sentimentos curiosos em relação ao corpo docente, a quem um poder so­ bre o futuro escolar dos filhos e uma competência na matéria ensinada os pais são forçados a reconhecer, mas a quem negam, na maioria das vezes, o conhecimento elas realidades sócio-econômicas ... Em todo o caso, a cerimô­ nia funciona geralmente sem choque e mostra, se não a realidade das práti­ cas ele ensino, pelo menos a das representações da aprendizagem. Assim, em uma noite ele novembro, por exemplo, inicia-se um diálogo entre alguns pais de alunos do terceiro ano do primeiro ciclo do ensino secundário e um professor ele história e geografia . . . a conversa não é muito original, e pais e professores concordarão de bom grado que ela se situe em uma "média honesta" 1 • Um pai: Você nos apresentou o programa que ia ser tratado neste ano. Disse-nos também que ele era muito extenso: acredita poder terminá-lo? O professor. Será difícil, mas conto com os alunos para me ajudarem, por um lado, com sua atenção em aula, por outro, com seu trabalho pessoal. Um pai: Quando diz "trabalho pessoal", você se refere ao trabalho em casa? O professor. É exato. É preciso que os alunos compreendam, sobretu­ do nesta série (último ano do primeiro ciclo secundário), que seu destino está em suas mãos. Na idade deles, pode-se esperar uma certa autonomia no trabalho. Um pai: Quanto tempo julga ser necessário para o trabalho em casa, em sua disciplina, por semana? O professor. É difícil dar um número exato, pois alguns são mais lentos do que outros e há semanas de revisão mais pesadas. Em média, pode-se falar em três horas. Um pai: . Você dá a eles indicações sobre o que devem exatamente fazer durante essas três horas? O professor. Já disse que, pelo que me parece, os alunos, nesta série, elevem começar a saber organizarem-se. Em primeiro lugar, devem colocar em dia suas anotações ele aula, completar seu caderno. Em seguida, o que peço a eles é para estudarem sua lição, conhecerem as noções que desen-

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volvi, os fatos, as datas e os números mais importantes. Posso, também, pedir um pequeno exercício. Um pai: Meu filho sempre me explica que não tem nada para fazer. Digo a ele para ler a lição. Ele me responde que já o fez. Na verdade, não se pode controlar nada. O professor. Pedi aos alunos com dificuldades para terem um esquema para a geografia e um outro para a história: devem colocar aí todas as definições de geografia, algumas linhas para cada acontecimento histórico. Podem também fazer resumos. Aí cabe a cada um se organizar. Um pai: Em relação a definições, parece-me que há uma certa hesita­ ção, é o mínimo que se pode dizer. Mesmo a "Revolução Francesa", tenho certeza de que a maioria não sabe o que é uma "revolução" . O professor. Sem dúvida, e aí não há milagre: basta escutar em aula e aprender. E ainda, há o livro e os dicionários . Um pai: Não compreendo por que não se começa por aí. Eles elevem aprender noções complexas sem que tenham as bases necessárias . Devem compreender o capitalismo, mas não sabem quem é Colbert. Um pai: É verdade que há um sério problema de bases pelo qual você não é responsável. O professor. É certo que, pela lógica, seria necessário recomeçar tudo do zero e, aliás, não apenas em história, mas também em ortografia e no plano do vocabulário ele base . Pulamos as etapas continuamente, mas como fazer de outra forma? Um pai: Justamente, não se pode resignar-se a isso . . . ou, então, não se deveria passar os alunos para a série seguinte! O professor. Não . . . a questão, como vê, é que não dispomos de tempo suficiente : Precisaríamos de uma hora a mais por semana e, como não temos, é necessário que os alunos compensem com um trabalho maior em casa. Assim, desenrolam-se diariamente, na instituição escolar, centenas de discursos desse tipo, muito convencionais, saturados de boa vontade e ele exortações indulgentes, chegando, muitas vezes, a estabelecer alguns con­ sensos em torno de "evidências" aceitas e reconhecidas pela maioria dos envolvidos . . . Evitamos aqui a tentação de fazer a menor acusação contra a intenção; sabe-se bem que essas reuniões são difíceis, que os professores se sentem às vezes injustamente agredidos que não sabem muito bem em que nível de linguagem devem situar-se, que lógicas contraditórias aí se confrontam sem poderem efetivamente revelar-se, que, também, não é fácil ter aí um objeto comum para investir e onde desenvolver uma linguagem construtiva . . . É por isso que se cai precisamente nas banalidades ; mas essas banalidades são sempre significativas de um fundamento comum el e represen-

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tações da aprendizagem que bloqueia, de maneira tão forte, a inventividade didática. Releia o diálogo e pergunte-se, para cada afirmação, que imagem aflora e com que concepção da aprendizagem ela está relacionacla 2 : você encontrará aí, muito próximas, a metáfora cio recipiente que a "atenção" possibilitaria abrir para que saberes fossem despejados metodicamente, ou ainda, a metáfora da pirâmide, bem regular, onde, hora após hora, lição após lição, viriam se instalar os conhecimentos adquiridos e que permitiri­ am erguer-se até a série superior. . . Você encontrará aí, sobretudo, a afirma­ ção implícita, mas incessantemente retomada, de que os conhecimentos são coisas e de que, como todas as coisas, são adquiridos e possuídos, são acumulados e deles é feito o inventário, são abandonados quando são quebrados, inúteis ou perigosos para serem substituídos por outros inteira­ mente novos e perfeitamente adaptados; são empilhados a partir cios maio­ res, cios mais sólidos e, por cima destes, aos poucos, os mais finos e os mais complexos . . . como as coisas, os conhecimentos são aqui bens que o traba­ lho permite obter e que é preciso merecer; pois, como para as coisas, e como é justo, se você não tem os conhecimentos , só deve se queixar a si mesmo , já que as oportunidades lhe foram certamente oferecidas e você as deixou escapar3 .

Quando se questiona sobre a origem e a função das representações dominantes da aprendizagem Tais concepções não surgem assim por acaso. Dispõem, sobretudo, de uma força que lhes permite parecer como a própria natureza das coisas, além ou aquém de qualquer contestação racional, em contradição muitas vezes com concepções, por outro lado, abertamente declaradas e que não parecem atingí-las. Tudo acontece, na verdade, como se elas argumentassem dentro de uma ordem específica, a cio "bom senso" ou a cio "senso comum" , às quais se estaria, ele uma certa forma, condenado a partir do momento em que se quisesse falar sobre aprendizagem. Não haveria aí apenas uma questão de "facilidade", mas, talvez mais profundamente, uma questão de "possibi­ lidade": o que se pode dizer sobre o aprender que foge às imagens? Como é que se pode falar sobre um tal processo fugaz e inteiramente "passageiro" de outra forma que não seja trazendo-o para o que a linguagem sabe fazer, isto é , designar suas manifestações externas e identificar seus produtos? Não que a verdadeira aprendizagem seja " indizível" , no sentido em que pertenceria ao domínio da emoção, esta sempre traída por aquilo que tenta expressá-la, ou ao da ontologia, quando só se pode designar um ser por seus atributos e, portanto, por aquilo que não lhe é verdadeiramente essen­ cial ,j , mas porque a linguagem, quando quer falar em história e na transfor­ mação de um sujeito, só pode falar em aquisição e nomear suas diferentes

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etapas . É por isso que não é perfeitamente possível, sem dúvida, livrar-se por completo de todas as metáforas coisificantes; é por isso que é ilusório pensar que se poderia, de uma vez por todas, delas "expungir" os indivídu­ os e livrá-los totalmente das tentações simplificadoras; é por isso que - pela própria coerência com essa afirmação - só se pode esperar que tentem liberar incessantemente o "processo-aprender" daquilo que permite representá-lo para eles e que, portanto, o paralisa de maneira inevitável. Tarefa jamais concluída de fato, jamais totalmente possível e, no entanto, particularmente necessária para inscrever sua atividade didática na dinâmi­ ca real dos sujeitos . Tarefa que é provavelmente mais fácil a partir do mo­ mento em que se compreende um pouco a natureza e a força das aderên­ cias com as quais se mantêm, em nós e em torno de nós, nossas represen­ tações ela aprendizagem. Elucidando as condições ele elaboração de uma representação, S . Moscovici mostra que o sujeito constrói u m "esquema figurativo" que, ao contrário da "teoria" que se reconhece como um modelo abstrato ela inteligibilidade elo real, assume ser a própria realidade. A teoria se diz distan­ ciada; a representação se assume como "tradução imediata elo real" 5 . Assim, quando dizemos que aprender significa estar atento, ler e escutar, receber conhecimentos, acreditamos estar descrevendo a realidade e, em muitos sentidos, nós a estamos descrevendo : é verdade que a aprendizagem se manifesta, muitas vezes, por tais sinais; mas ela apenas "se manifesta" , não se efetua. Da mesma forma, quando dizemos que aprendemos por repeti­ ção ou por imitação, estamos apenas descrevendo comportamentos, nada estamos dizendo sobre as operações mentais que são efetuadas, sobre a maneira precisa como um elemento novo é integrado em uma estrutura antiga modificando-a: sabemos que existem coisas que podemos repetir mecanica e infinitamente sem que isso seja suficiente para garantir a apren­ dizagem, sem que isso seja suficiente também para assegurar o estabeleci­ mento de reflexos condicionados: Thorndike observou longamente a im­ portância da motivação e mostrou que uma aprendizagem que não se ins­ creve dentro de um projeto e da qual o sujeito não percebe os efeitos positivos em seu desenvolvimento não está estabilizada. O próprio Pavlov nunca afirmou que a repetição bastava para estabelecer o reflexo; é preciso associar a ela, mostra ele, um conjunto experimental complexo que permita transferir progressivamente os efeitos de um estímulo finalizado (que dá um prazer ou uma satisfação) para um estímulo neutro . . . É essa transferên­ cia - aliás muito problemática no caso das aprendizagens complexas - e não apenas a repetição de uma atividade, que torna possível a aquisição. Enfim, Skinner, ainda que conhecido por seu gosto pelas "máquinas de ensinar", jamais considerou que a simples execução mecânica de tarefas podia permitir a aquisição de todos os saberes e competências: "Como um bom professor, afirma ele, a máquina só apresenta a matéria que o aluno está preparado para abordar (. . . ) Há, na verdade, uma troca contínua entre

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o programa e o aluno (. . . ) . E enfim, a máquina, ainda como o professor particular, reforça o aluno para cada resposta correta" 6 • Há aí, como se observa, um conjunto de condições que não autoriza el e forma alguma a confusão entre a aprendizagem e um certo número de indicadores compor­ tamentais, que podem ser considerados necessários, mas jamais confundi­ dos com as operações mentais complexas. Ora, pelo fato de que esta ativi­ dade não é diretamente observável, o pensamento preguiçoso associa sim­ plesmente os sinais externos, ou melhor, as condições de sua manifestação, aos seus resultados e acredita que basta garantir a existência dos primeiros para haver a emergência dos segundos; a colocação sob tutela dos corpos , exortados ou forçados a ocupar um espaço durante um tempo determina­ do, a colocarem-se em posição de conformidade receptiva, substitui, de certa forma, a atenção às operacões mentais solicitadas e a suas condições de possibilidade . Há nisto uma esquivança em relação à história, próxima daquilo que R. Barthes descreve quando estuda nossas mitologias: "O mito priva de qualquer história o objeto do qual fala. Nele a história evapora-se; é uma espécie ele criado ideal: ele apronta, traz e serve; o patrão chega, o outro desaparece silenciosamente: resta servir-se sem perguntar de onde vem esse belo obj eto" 7 • Assim acreditamos nas aquisições sem história, postulamos incessantemente a existência de máquinas de aprender, oculta­ mos eternamente o processo em benefício do produto . Esquecemos, até mesmo, a gênese de nossos próprios conhecimentos e, não lembrando mais tê-los construído, acreditamos poder transmiti-los 8 • Eis, portanto, onde se enraiza, em nós, essa representação tão tenaz da aprendizagem; mas uma representação não pode manifestar-se duravelmente, nem ser o objeto de um tal consenso, se não estiver coerente com um conjunto de práticas sociais ou , pelo menos, se não estiver inserida em toda uma rede de representações amplamente difundida no tecido social . . . A afirmação de que os conhecimentos são coisas refrata então a convicção de que os saberes representam bens sociais e "se traduzem" em posses mate­ riais identificadas ("eu sei isto . . . portanto, devo ter aquilo") . Ora, uma tal ideologia silencia quanto ao que se poderia chamar - por analogia com o que F. Saussure diz sobre o signo - "o arbitrário da divisão dos bens soci­ ais": não que esta não obedeça a nenhuma lógica, mas essa lógica não é a dos saberes, e são antes os saberes que são envolvidos em uma mais-valia ou em uma menos-valia, segundo as práticas sociais a que são reservados. Aí mais uma vez, há uma negação da história que é a única que poderia explicar as condições de produção e de apropriação dos conhecimentos . Já que estes são "coisas" e que existem como tais , como objetos que se po­ dem adquirir com o empenho dos esforços necessários, basta, de uma certa forma, colocá-los no mercado : cada um, segundo seus méritos, poderá possuí-los. Esquecemos então que a apropriação desses conhecimentos requer todo um processo, capacidades precisas, o que denominaremos mais

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adiante estratégias de aprendizagem e que estamos todos longe de possuí­ las. Enraizadas em nós mesmos pelo esquecimento de nossa própria histó­ ria intelectual, substituídas socialmente pela ilusão da distribuição igualitá­ ria dos saberes na escola republicana, as representações dominantes · da aprendizagem são particularmente sólidas, porque permitem também legiti­ mar práticas de ensino ou, mais exatamente, limitar as últimas a práticas da informação. Em sua perspectiva, a sala de aula pode, na verdade, ser conce­ bida como o meio onde conhecimentos são dispensados . . . Basta ouví-los, revê-los, aplicá-los com atenção, coragem e ardor, incansavelmente, até a apropriação . . . Ora, esta concepção, se ela é bastante fácil de ser aplicada, choca-se com duas realidades inevitáveis: por um lado, a tomada de informa­ ção não é uma operação de simples recepção, é, ainda e novamente, uma história complexa em que o sujeito assimila o desconhecido de maneira ativa e raramente espontânea; por outro lado, a apropriação não pode estar associada a simples repetição, ainda que intensiva e repetida, da tomada de informação : ela requer operações mentais diferentes segundo a natureza cio objetivo visado, operações mentais que são também raramente espon­ tâneas. Ignorando-se isso, as aquisições ficam reservadas, evidentemente, aos que tiveram a sorte de adquirir processos mentais eficazes e podem, portanto, obter, graças a eles, resultados. Os outros, a quem se diz constantemente que os conhecimentos são acessíveis através de um pequeno esforço, não compreen­ dem porque essas coisas estão eternamente fora do seu alcance . . .

Quando s e tenta mostrar que os conhecimentos não são coisas e que a memória não é um sistema de arquivos Acredita-se muitas vezes, talvez porque isto esteja ligado a uma aparente racionalidade, que os diferentes níveis ela aprendizagem se encaixam como "As bonecas russas"·: haveria, em primeiro lugar, uma fase ele identificação ao longo da qual o sujeito realizaria atividades perceptivas apoiadas em capacidades sensoriais, seguida ele uma fase centrada na significação na qual o sujeito integraria a novidade percebendo o seu interesse, o uso que dela pode fazer ou o sentido que pode dar a ela e, em seguida, uma fase de utilização em que o sujeito reinvestiria o conhecimento, o utilizaria para fins pessoais, enfim, dominaria seu uso e o possuiria realmente. Os conheci­ mentos encaixar-se-iam então da seguinte forma : Primeiro, devo saber que o martelo está na oficina, em seguida, devo saber para o que serve o marte­ lo para poder, enfim, utiliz?r essa ferramenta. N.R.T. "Bonecas Russas" são bonecas encaixadas uma dentro da outra. Muito usado em decoração de ambiente.

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É claro que uma tal concepção pode ter um valor regulador para per­ mitir a organização de uma aula; ela está, aliás , refletida de maneira muito ampla na maioria dos manuais escolares: identifica-se primeiro, compreen­ de-se em seguida, fazem-se os exercícios enfim. Mas , na realidade, essa concepção ignora a realidade dos processos mentais; ignora, sobretudo, que uma simples identificação perceptiva não existe, que uma informação só é identificada se já estiver, de uma certa forma, assimilada em um projeto de utilização, integrada na dinâmica do sujeito e que é este processo de interação entre a identificação e a utilização que é gerador de significação, isto é, de compreensão . Observemos um adolescente que desce as encos­ tas de uma montanha: ele corre e salta controlando ao mesmo tempo sua velocidade em função de seus recursos físicos e da apreciação permanente do contexto. A cada instante, domina a paisagem, tanto na sua configura­ ção geral, quanto nas menores rugosidades sobre as quais poderá colocar corretamente seu pé, adquirir apoio para acelerar ou, ao contrário, freiar sua corrida. Percebe, identifica uma variedade de elementos, mas esses elementos, ele os seleciona instantaneamente, de forma que a operação de percepção e a de seleção são absolutamente confundidas e que aquilo que as associa é aquilo que as finaliza, ou seja, um projeto e recursos pessoais, enfim, um sujeito. Formalizando um pouco mais essa experiência - que é, sem dúvida, muito próxima daquilo que fazemos quando tomamos indícios de um texto para construir seu sentido, isto é, lê-lo - pode-se dizer que uma aprendizagem se realiza quando um indivíduo toma informacão em seu meio em. função de um projeto pessoal. Nesta interação entre as informa­ ções e o projeto, as primeiras só são desvendadas graças ao segundo e o segundo só se tornou possível graças às primeiras; a aprendizagem, a com­ preensão verdadeira, só ocorrem então através dessa interação, não são senão essa interação, ou seja, são criação de sentido. Além disso, a importância da fórmula identificarão ::,: significação deutilização ve-se ao fato de que ela permite compreender por que a ação didática consiste em organizar a interação entre um conjunto de documentos ou de objetos e uma tarefa a cumprir. Haverá, na verdade, situação de aprendiza­ gem efetiva quando o sujeito colocar em ação os dois elementos, um sobre o outro, ele maneira ativa e finalizada . Observa-se então que o trabalho do professor ou do educador é preparar essa interação ele forma que ela seja acessível e geradora de sentido para o sujeito: pois os materiais podem ser complexos ou numerosos demais para uma tarefa pequena demais que então não parecerá capaz de organizá-los, nem mesmo el e finalizá-los . Si­ metricamente, uma tarefa pode ser, às vezes, impossível ou muito difícil, porque os materiais fornecidos são insuficientes, não permitem todos os confrontos necessários, não fornecem as "rugosidades" positivas ou negati­ vas que permitem que o sujeito avance ou, às vezes, simplesmente, que ele se "sinta seguro" . O professor sabe disso quando prepara uma seqüência e

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tenta reunir os objetos capazes ele fazer emergir, se forem selecionados em função ele uma tarefa a cumprir, uma noção ou um conceito; experimenta, a cada vez, toda a importância da "dosagem" entre os documentos e as instruções: assim, por exemplo, o professor de história que quiser introdu­ zir o aluno no conceito de "colonização" deverá selecionar relatos, teste­ munhos e análises, passar, em seguida, a um trabalho cuja realização impo­ rá o tratamento dos materiais e tornará possível, por aproximações e verifica­ ções sucessivas, a emergência do conceito 9 ; a instrução aqui, como se ob­ serva, não pode ser uma simples exortação para extrair o conceito (algo como "você terá o conceito de colonização a partir do estudo ordenado dos documentos a seguir"), pois, nesse caso, apenas o aluno que tiver adquiri­ do e perfeitamente integrado o método indutivo conseguirá . . . Ele terá rece­ bido muita ajuda, já que lhe terão sido fornecidos materiais "pré-limitados" ele uma certa forma; mas, para ajudar também aquele que ainda não domi­ na perfeitamente bem a indução, é preciso propor-lhe uma tarefa e um modo de funcionamento que exijam dele a indução como procedimento e que o levem assim à aquisição visada: isso poderá assumir formas diversas e, aqui, poder-se-ia sugerir tanto um questionário muito diretivo, levando o aluno a identificar os pontos comuns, a discriminar, a opor, para isolar o conceito, quanto dramatizações sucessivas onde seriam "teatralizadas", sendo encarnadas alternadamente por cada aluno, as lógicas que se operam em um determinado acontecimento, ou ainda, a busca de correspondências gráficas ou a formação ele "grupo ele aprendizagem" 1 0 , distribuindo um documento a cada participante e pedindo ao grupo para criar, por exem­ plo, um painel que apresente a síntese ele tudo, etc. Todo o problema está em criar, para cada aluno, uma interação identificação/utilização onde se esteja seguro, ao mesmo tempo, ele que os materiais podem ser integrados - o que remete a um nível de competência anterior e ao problema dos pré­ requisitos - e de que a tarefa é bem mobilizadora - o que remete ao conhe­ cimento das motivações ou, pelo menos, à identificação das inibições. Essa interação identificação/utilização, tratada no plano didático, torna-se en­ tão, para o pedagogo que concebe a situação, a interação materiais/instru­ ções e , para o aluno em luta com a tarefa, a interação informações/projeto. O fenômeno que acabamos de descrever terá parecido, talvez, bastan­ te complexo e bem pouco operacional para os professores: ora, por um lado, mesmo se ignoramos isso, é dessa forma que agimos e que temos êxito, como nossos alunos, em nossas aprendizagens . . . simplesmente , es­ ses sucessos são, na maioria elas vezes, o fruto de felizes conjunturas e o conhecimento ele sua gênese pode nos permitir criar dispositivos que não os reservem aos que assim trabalham "naturalmente" , porque aprenderam ao sabor de sua história pessoal. Por outro lado, é evidente que a interação identificação/utilização pode ser geradora de significação em níveis de aprofundamento muito diferentes: isso é o que chamamos, às vezes, o

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"nível de formulação" de um conceito 1 1 • Assim, o conceito de respiração pode ser apreendido a partir de uma observação grosseira do aparelho pulmonar dos vertebrados, pode ser concebido como uma troca gasosa pela observação de outros aparelhos respiratórios e da constatação de sua função comum, pode ser estudado em nível tecidual, em nível celular e, até mesmo, em nível dos mecanismos de óxido-redução . . . a cada etapa, os materiais a serem utilizados e as instruções a serem propostas serão mais complexos, mas, a cada etapa, o conceito será construído a partir da interação entre informações e um projeto. Por isso, é preciso substituir uma concepção linear simples demais, em que os conhecimentos formalizados seriam revelados progressivamente a um sujeito cuja qualidade essencial seria a de ser passivamente "receptivo" , "atento", "disposto a escutar" , por uma concepção mais dinâmica onde esses conhecimentos seriam integrados no projeto do sujeito e, de uma certa maneira, só viveriam nele e através dele. Pois, como mostra A. de La Garanderie, "estar atento é ter o projeto de transformar em imagens mentais aquilo que se está percebendo" 1 2 ; ou ainda, em nossa linguagem, estar atento é ter um projeto de utilização daquilo que se está recebendo e fazer disso representações finalizadas. E o que é válido para a "atenção" também é válido para a memória: é por isso que esta é condicionada pelo fato de "colocar o que se quer conservar em um futuro esboçado mentalmente" 1 3 , de situá-lo em um projeto, de aprender colocando-se em situação de utiliza­ ção ou , pelo menos, de restituição. Muitas aprendizagens são assim esté­ reis, porque falta a elas essa colocação em situação; e a repetição a que são submetidas não é quase eficaz se esta não estiver sustentada por um proje­ to . No dia do controle ou da avaliação, que se observe um aluno, por exemplo, cujos erros de ortografia são corrigidos obstinadamente e que ele identifica, aliás, perfeitamente, quando lhe são mostrados, mas que ele insiste em cometer, insiste em escrever sem preocupação com a ortografia, deixando a reflexão ortográfica para mais tarde, para uma miraculosa releitura, para o momento de recopiar: "Não faz mal, diz ele ao mestre que lhe mostra um erro em sua escrita, vou reler depois . . . ". Alguns segundos de reflexão com ele permitem facilmente fazer uma constatação muito sim­ ples: o aluno pode, na verdade, perfeitamente admitir que um cantor que ensaiasse errando notas e argumentando que "diante elo público prestará atenção" não teria muita chance de progredir. O aluno pode então compreen­ der que só aprenderá a ortografia iniciando logo o "projeto de escrever" , colocando-se em situação de comunicar com um leitor cujas exigências são conhecidas. É preciso ainda, entretanto, que o estatuto da escrita na sala de aula permita que ele formule um tal projeto; é necessário ainda, em outras palavras, que a escrita seja aí instrumento de comunicação consigo e com os outros, e não apenas ocasião de avaliação, de sanção e de seleção. Mas isso é uma outra história!

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Observemos, enfim, que o processo que acabamos de descrever ocor­ re em todas as operações intelectuais da aprendizagem . . . Poder-se-á, e nós mesmos o faremos, tentar apresentá-las e ordená-las para que o educador possa delas se apropriar mais facilmente, melhor definir seus objetivos e organizar suas progressões; mas será preciso ter em mente o fato de que, no mais baixo nível taxonômico (aquele que B.S. Bloom chama de simples "aquisição" ou L. d'Hainaut de "repetição"), há aprendizagem, ou seja, construção de conhecimentos, apenas porque já há interação entre infor­ niações e um projeto, exatamente como nos mais altos níveis taxonômicos, os da síntese ou os da resolução de problemas complexos 1 1 . Na verdade, essa interação, que não é senão uma nova maneira de descrever o que se passa na história de um sujeito, entre ele e o mundo, é a própria dinâmica de toda aprendizagem.

Quando se procura estabelecer que não se passa simplesmente da ignorância ao saber sem obstáculo, nem conflito Platão havia ressaltado insistentemente que o falso saber era um obstáculo maior para o saber do que o não-saber.. . Certamente, a lição quase não teve efeito e continuamos a ensinar com a certeza tranqüila de que, segundo a bela fórmula de G. Bachelarcl, "o espírito começa como uma lição" 1 5 . Faze­ mos como se trabalhássemos em terreno virgem, como se nada fosse adqui­ rido fora da escola, como se a inteligência não estivesse repleta de múlti­ plas "representações": pois, "antes ele qualquer aprendizagem, observa A. Giordan, a criança já dispõe de um modo de explicação (. .. ) que orienta a maneira como organiza os dados da percepção, compreende as informa­ ções e orienta sua ação" 1 6 . O que A. Giordan chama aqui ele "modo de explicação" poderia também ser descrito, para retomar uma expressão que já utilizamos, como um "nível de formulação" ele um conhecimento ou de um conceito; a representação designaria, assim, essa mesma realidade com referência, ele certo modo inicial, ao sujeito, enquanto que o "nível de formulação" a designaria, ele preferência no final, com referência a um estado determinado do saber erudito elaborado. Assim, o sistema de Ptolomeu, ela mesma forma que o ele Copérnico, podem ser descritos como representações, observando sua gênese e a maneira como se desprendem do antropomorfismo inicial e, ao mesmo tempo, como "níveis de formula­ ção" ou "ele compreensão" no plano do saber físico... Ora, o que A. Giordan observa é que, mesmo antes ela intervenção didática, o sujeito já dispõe de um tal sistema ele explicação; antes mesmo ele o professor começar a apresen­ tação de uma questão, o aluno "já tem dela uma idéia". E isso é indispensá­ vel, pois, sem esta "apreensão primeira", o mundo lhe seria totalmente

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impenetrável, os objetos apresentados absolutamente opacos . É preciso saber, na verdade, que não há aí uma falta de conhecimento, uma espécie de erro de tática que poderia ser corrigido convidando o sujeito a "libertar­ se" de todas as suas idéias falsas; existe aí um fato irredutível, porque absolutamente necessário: só entro em contato com as coisas, porque crio vínculo com elas e esse vínculo é precisamente constituído pela idéia que delas tenho, pelo projeto e pelas informações que já tinha sobre elas . É por isso que, quando o professor apresenta documentos, exemplos, objetos, não pode esperar estar fazendo a organizacão de um conjunto de representa­ ções disparates que os alunos vão imediatamente calcar sobre eles, não pode esperar estar encaminhando um processo de aprendizagem que ignora­ ria toda anterioridade. Em outras palavras, a interação entre as informações e o projeto não se inicia na escola, nem nas situações de aprendizagem formalizadas; ela exis­ te desde muito cedo e faz com que a criança, ao chegar à sala de aula, como o adulto em nível de formação, disponha de toda uma série de co­ nhecimentos: "sabe" como funciona um automóvel, o que é um raio laser, porque existe vento e como as plantas se reproduzem . . . Sabe o que são a "natureza" e a "função" de uma palavra, o que o "infinito" representa, da mesma forma que sabe por que um problema lhe é colocado e o que se espera dele quando um exercício lhe é proposto . . . É claro que se pode sempre ignorar esse "saber" e iniciar uma aprendizagem como se nada existisse; têm-se, então, todas as chances de simplesmente sobrepor a esse "saber" anterior um "saber escolar", verniz superficial que descascará no momento em que desaparecer a situacão escolar que o gerou . Você pode explicar às crianças que o que faz nascer uma semente é a água e verificar esta aquisição, sem nem mesmo tocar na representação segundo a qual o que faz nascer a semente é a terra: alguns dias após a aula, a criança se terá "libertado" de seu saber erudito e terá voltado à confusão terrivelmente impregnada do lugar com a causa . . . Questionando, recentemente alunos de segundo ano elo segundo ciclo do ensino secundário francês sobre a Revolu­ ção de 1789, pude constatar que estes, ainda que tenham estudado, pelo menos quatro vezes durante sua escolaridade esse acontecimento histórico, acreditam e afirmam sempre que, em 1789, o rei foi guilhotinado e a República foi instaurada! Não se tem, portanto, nenhuma chance ele fazer com que um sujeito progrida se não se partir de suas representações, se elas não emergirem, se não forem "trabalhadas" , como um oleiro que trabalha o barro, ou seja, não para substituí-lo por outra coisa, mas para transformá-lo. De fato, seria muita ilusão acreditar que, quando a representação tiver sido identificada por um diálogo, uma encenação ou um desenho, basta exorcizá-la para expulsá-la da mente do aluno e substituí-la pela verdade científica. Um sujeito não passa assim da ignorância ao saber, ele vai ele uma representa­ ção a outra mais elaborada, que dispõe ele um poder explicativo maior e

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que lhe permite elaborar um projeto mais ambicioso que, por sua vez , contribui para estruturá-la. E cada representação é, a o mesmo tempo, um progresso e um obstáculo ; será um obstáculo ainda maior quando tiver constituído um progresso decisivo e que, em função disso, o sujeito estará ainda mais ligado a ela. O professor quase não leva em conta que cada sucesso obtido deverá, um dia, ser ultrapassado, retrabalhado, reorganiza­ do. Acredita poder instalar de uma só vez o sujeito em aquisícões rigorosas e definitivas : mas não é nada disso , e é preciso que ele aceite que o que pode ser absolutamente necessário para o progresso de um aluno é, muitas vezes, de uma extrema precariedade. Confundem-se, com muita freqüên­ cia, o necessário e o definitivo, o inútil e o precário: ora, talvez seja útil ensinar aos alunos do curso elementar (segundo e terceiro anos do ensino primário na França) que o sujeito faz a ação na frase, mas essa representa­ ção cria obstáculo para a compreensão da voz passiva, será necessário então derrubá-la e substituí-la por uma outra mais adaptada . . . E esse pro­ cesso evidentemente nunca termina, constitui a própria trama do progresso intelectual. É isso que G. Bachelard explica perfeitamente quando diz : "É no próprio ato de conhecer, intimamente, que surgem, por uma espécie de necessidade funcional, lentidões e distúrbios ( . . . ). Na verdade, conhece-se sobre um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal feitos, ven­ cendo aquilo que, no próprio espírito, constitui obstáculo à espiritualizacão" 1 7 . Mas como ocorre esse processo? Como um sujeito pode reorganizar seu sistema de representações? ]. Piaget mostrou a importância, nesse domí­ nio, da "descentragem" 1 8 e seus trabalhos foram continuados por W. Doise e A. N. Perret-Clermont, que salientam o aspecto decisivo do "conflito de centragens" 19 : um sujeito faz progresso quando nele se estabelece um conflito entre duas representações, sob pressão do qual é levado a reorganizar a antiga para integrar os elementos trazidos pela nova. É claro que esse conflito se manifesta, na maioria das vezes, exteriormente : trata-se então de uma discordância com um colega, com o professor ou com o manual escolar. . . mas esse conflito só é desencadeador ele progresso se a socialidade fo r ele alguma forma interiorizada, se o sujeito fizer sua a contradição para vencê­ la. Não basta, portanto, dizer a um aluno que ele está errado, também não basta, como se acredita muito freqüentemente, mostrar-lhe isso com obstina­ ção, é preciso que ele interiorize essa constatação, é preciso colocá-lo em situação ele experimentá-la pessoalmente . Para compreender como pode se operar essa colocação em situação, retomemos um pouco o que foi visto: um conhecimento, como dissemos, corresponde a um certo nível ele interação entre informações e um projeto; esse conhecimento é estabilizado sob for­ ma ele uma representação que remete a um certo "registro ele formulação" de um conceito . Se quero que a representação evolua, devo então provocar um desequilíbrio que torne sua reelaboracão necessária: para isso, posso ora apostar nas informações e fornecer materiais que não podem entrar em interação com a representação sem impor o exame de sua pertinência, ora

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apostar no projeto, aplicá-lo, utilizá-lo como meio de exploração, instrumento de previsão e, quando as previsões que ele terá permitido realizar não forem confirmadas pela realidade, exigir, aí também, uma revisãa 2°. Nos dois casos, ocorre uma ruptura que leva a estabilizar a representação em um nível superior. E pode-se observar esse fenômeno em objetivos muito simples: imagine­ mos que se queira trabalhar com um aluno do segundo ano do primeiro ciclo do ensino secundário, em francês, sobre a função da descrição dentro da narração. O aluno dispõe, na maioria das vezes, sobre esse ponto, de uma representação sumária segundo a qual a descrição "é o contrário da narração", "torna lenta a narração", "aborrece o leitor" etc. Podem-se iden­ tificar algumas elas origens dessa representação: algumas estão ligadas à prática lingüística de narração; outras se devem provavelmente a um meio social dominado pela televisão e pelo cinema, que tendem a ocultar a parte descritiva organizando precisamente sua promoção: a descrição é tão visí­ vel apenas na presença da imagem que ela se torna quase ilegível, reduzida a um simples "acessório do acontecimento" (o aluno não vê que as ima­ gens ele um filme "descrevem", pensa simplesmente que elas "contam") ; outras origens podem ser verificadas no próprio desenvolvimento cognitivo da criança e nas suas dificuldades para articular um encadeamento ele acon­ tecimentos com um certo número de invariâncias , outras ainda, em sua maturidade afetiva e seu grau de impulsividade, outras, enfim, nas aprendi­ zagens anteriores e, em particular, naquelas que, fazendo compreender o esquema narrativo, devem ter exagerado nos traços e apresentado a narra­ tiva como se ela ordenasse apenas ações . . . Pouco importa, aliás, o inventá­ rio completo das origens dessa representação, o qual o professor jamais pode realizar totalmente; o que importa para ele, por outro lado, é poder ajudar o aluno a liberar-se dela para que este possa melhor compreender a função da descrição em uma narrativa. Isso poderá, inclusive, ser feito em "níveis de formulação" diferentes: primeiro, essa função poderá ser com­ preendida isolando-se os elementos descritivos e os elementos narrativos , raciocinando-se apenas em termos ele quantidade ("o que ocorre quando as descrições desaparecem ou são numerosas demais?"); em seguida, con­ tinuando-se a isolar elementos descritivos específicos, serão estudados os seus efeitos sobre os elementos narrativos e as modificações que causam; além disso, descobrir-se-á que o isolamento cios dois tipos de elementos traz problema e que o sentido emana do fato de que cada unidade semân­ tica desempenha, ao mesmo tempo, os dois papéis, e poder-se- á chegar a identificar o que precisamente estrutura um discurso literário . . . Observa-se aqui que cada um dos níveis é um meio de passar ao nível superior, n1as pode ser também, ao mesmo tempo, um obstáculo se o professor não introduzir situações que imponham a reelaboração. Observa-se também que essas situações podem ser ele duas naturezas: posso, por exemplo, para passar ao primeiro nível (identificar que as descrições são necessárias

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em uma narração) , tanto apostar nas informações e fornecer narrativas sem descrição, pedir uma reformulação oral ou uma tradução visual delas, quanto apostar no projeto e pedir para construir narrativas, exigindo a exclusão de todas as descrições até que qualquer compreensão se torne impossível . . . Desculpem-nos pela extensão e pela especialização desse exempla 21 , mas era necessário concretizar nosso procedimento e verificar, em um caso concreto, que a aprendizagem é produção de sentido por interação de informações e de um projeto, estabilização de representação, e introdução de uma situação de disfunção em que a inadequação do projeto às informações, ou das informa­ ções ao projeto, obriga a passar a um grau superior de compreensão.

Quando se mostra o aspecto desconcertante, às vezes irritante, quase sempre irredutível à lógica cumulativa, da aprendizagem Sabe-se, a partir de Descartes, que, desde que "eu conduza ordenadamente meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais elaborados (. . . ), não pode haver algum que esteja tão distante, ao qual não se chegue enfim, nem algum tão escondido que não se descubra" 22 . Sem dúvida, o método cartesiano tem um precioso valor regulador, mas, sem dúvida também, descreve mais uma lógica de exposição do que uma lógica de aprendizagem ou , em outras palavras, é mais útil para saber que se sabe do que para aprender. Pois, como diz ainda G. Bachelard: "Um ensino recebido é psicologicamente um empirismo; um ensino dispensado é psicologicamente um racionalismo (. .. ). Mesmo se dissermos a mesma coisa, o que você diz é sempre um pouco irracional; o que eu digo é sempre um pouco racional" 23 . O que digo é racional, porque, expondo-o, eu o construo; o que ouço é sempre um pouco irracional , porque isso eleve entrar em interação comigo e com o que já sei e porque, como acabamos de ver, isso só me faz avançar se precisamente desorgani­ zar minha racionalidade. Aliás, é por isso que a maneira como procedo também é sempre, para aquele que me ensina, um pouco irracional, já que é o reflexo daquilo que sou e que, em geral, ele ignora. É por isso também que aquilo que parecer ser mais simples para ele não o é necessariamente para mim, na medida em que o "suporte" que ele supõe não é exatamente o mesmo de que disponho; em contrapartida, coisas que lhe parecerão mais complicadas serão para mim às vezes acessíveis, ao contrário do que se pode esperar, porque tenho ao mesmo tempo os materiais e um projeto que me permitem integrá-las. Muitos professores observaram, mesmo que essa observação seja mui­ tas vezes censurada, que um aluno pode compreender e reter o mais compli-

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cada antes de ter compreendido e retido o mais simples . Todo o mundo lhe dirá, por exemplo, que, para saber fazer uma divisão, é preciso saber primeiro fazer uma multiplicação. Ora, ao dialogar com crianças do curso elementar (segundo e terceiro anos do ensino primário francês) , descobre-se que algumas conseguem fazer divisões por um caminho muito complexo onde aparecem subtrações e adições sucessivas . . . Dizem até mesmo "compreen­ der" como se faz uma divisão e explicam, com muita serenidade, que é mais fácil, para elas, dividir um bolo em quatro partes do que saber quantas notas precisam para distribuir três para seis alunos! Evitemos qualquer mal­ entendido : isso não significa que é possível dominar perfeitamente a divi­ são sem dominar primeiro a multiplicação; isso significa, por outro lado, que é possível, sem dúvida, "virar-se" na divisão, fazer dela uma representação aproximativa, mas que permitirá em seguida, e só em seguida, voltar à multiplicação; será neste momento que o dornfoio da divisão poderá ser completo. Nota-se que o processo é complexo, faz vaivéns múltiplos, que a racionalidade nocional não desaparece, mas que também não se confunde com o processo de aprendizagem: ela é construída pelo sujeito de maneira muitas vezes inesperada, está no fim e não no início do processo. Os próprios professores sabem que, quando compram um eletrodo­ méstico, podem não estudar o manual de instruções de maneira detalhada antes de experimentar o aparelho; podem até mesmo começar pela opera­ ção mais complexa, tanto é verdade que o complexo dá imediatamente o sentido do objeto, enquanto que sua análise faz perdê-lo . E os professores são aqui como a maioria dos alunos que, como observa Tolstoi, "só acham fáceis as questões complicadas e vivas" 21 e se aborrecem ou se vêem em dificuldade diante daquelas belas questões simples nas quais só são manipu­ ladas leis gerais, definições abstratas e grandes categorias intelectuais muito distanciadas de qualquer experiência. Sabem muito bem que a experiência, em sua complexidade interdisciplinar, mobiliza um sujeito, porque precisa­ mente nela se encontram com muita facilidade um projeto e materiais, en­ quanto que o tratamento de elementos abstratos requer um projeto já muito elaborado . Podem observar como se opera uma verdadeira compreensão, quando se vai do concreto ao abstrato, o que equivale, na maioria das vezes, a ir do complexo ao simples . Evidentemente, não pode ser qualquer "complexidade", deve ser uma complexidade mobilizadora, ou seja, urna complexidade que se articule aos recursos e aos projetos do sujeito que os integre em uma situação finalizada, tendo uma significação escolar e/ou social capaz de desencadear todo um processo no qual o sujeito deverá recorrer às suas representações e verificar, graças às solicitações do profes­ sor, a pertinência das mesmas. Essa situação de complexidade regulada, sugerida ou organizada pode ser chamada de "situação-problema" ; será, por exemplo, uma situação de comunicação (como as que C. Freinet se empenhou em promover através da correspondência escolar e do jornal), uma situação de resolução (assim, explica A. Bouvier, é melhor "pedir, no

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primeiro ano do segundo ciclo do secundário, para que procurem o núme­ ro de soluções para a equação: 200 sen x - x = O, antes do estudo sistemáti­ co das funções trigonométricas"), uma situação de utilização (quando o educando quer utilizar um instrumento, como um microscópio, ou um con­ junto de documentos, quando quer tocar música ou consertar um motor), etc. Essa situação-problema não é toda a aprendizagem e é preciso evitar um certo espontaneísmo que suporia que os conhecimentos vão, de certa forma, dela emergir naturalmente. A situação-problema, simplesmente, põe o sujeito em ação, coloca-o em. uma interação ativa entre a realidade e seus projetos, interação que desestabiliza e reestabiliza, graças às variações introduzidas pelo educador, suas representações sucessivas; e é nessa interação que se constrói, 111.uitas vezes irracionalmente, a racionalidade. Sabemos de tudo isso inclusive, pois nós mesmos o sentimos diariamente em nossas atividades mais insignificantes e, no entanto, nós, educadores, insistimos em acreditar, em nossa prática profissional, nas virtudes do reco­ meço pelas "bases", da progressão rigorosa e linear, da repetição incansá­ vel, em caso de insucesso, das mesma operações. Atingimos aí, certamente, o núcleo mais rígido das representações domi­ nantes da aprendizagem e, em particular, aquela representação tão tenaz e compartilhada segundo a qual basta fazer mais para fazer melhor. Certa­ mente, é possível que seja assim e que um aluno precise de fato de "um pouco mais de trabalho", é possível que uma dificuldade escolar se deva a uma falta de tempo, de prática, de assimilação . . . É exatamente isso que caracteriza de forma precisa a noção de dificuldade: é "difícil" quando te­ nho que ir mais devagar ou refazer várias vezes, quando me faltam explica­ ções. Mas, quando posso dizer "é difícil" , é porque, de uma certa maneira, já sei fazer ou imagino a solução. Em compensação, há casos em: que as coisas são de uma outra ordem, em que não estou apenas "com dificukla­ de" , mas também "com bloqueio" : aumentar, multiplicar aquilo que me levou a esse bloqueio não me ajuda a superá-lo, mas, às vezes, acrescenta a ele infelizmente um caráter dramático. Ora, esse é o caminho "natural" da instituição escolar: quando algo não funciona, retomam-se as explicações mais longamente, de maneira insistente, quase sempre em grupos menores, aumentando-se o "trabalho pessoal", enfim, amplia-se desmedidamente um dispositivo que, no entanto, provou sua ineficácia. Faz-se "mais da mesma coisa" 25 , enquanto que outra coisa deveria ser feita; fixa-se no quanto para evitar o questionamento sobre o como. Nota-se bem que uma tal concepção desconsidera aquilo que apresenta­ mos con10 central na aprendizagem. Ela ignora que, na elaboração didática que inverte naturalmente o processo que acabamos de apresentar, já que se preocupa com as condições necessárias e com os desencadeadores oportu­ nos, é de uma "situação-problema" que é preciso partir para identificar as representações que o indivíduo elabora, agir sobre elas, introduzindo a variação necessária entre os materiais e o projeto, a fim de que uma nova

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representação se elabore, se estruture, se identifique como um momento de acesso à racionalidade, possa enfim - última etapa da aprendizagem mais do que primeira etapa do ensino - traduzir-se em termos ele lógica expositiva. E poder-se-ia dizer, nesse sentido, que a situação é a mesma tanto para a aprendizagem da matemática ou ela história, quanto para a el a bicicleta, ou mais exatamente, que o professor ele matemática ou ele histó­ ria eleve elaborar um conjunto de dispositivos didáticos para que o sujeito possa de certa.forma progredir naturalmente na disciplina, ela mesma manei­ ra que quando ele aprende a andar ele bicicleta : a situação-problema eleve vir em primeiro lugar, e a aprendizagem realizar-se-á quando uma repre­ sentação inadequada for derrubada, quando o sujeito , por exemplo, tiver verificado que, para manter-se em equilíbrio, parado, não é eficaz fazer o jogo elos pés e elas mãos e quando, ele repente, em ruptura e não no prolongamento dessa experiência anterior, tiver avançado. É claro que essa aquisição não se realiza sem que o sujeito esteja consciente, por uma ilumi­ nação repentina que lhe seria imposta, como poderiam insinuar os partidá­ rios elo gestaltismo; o sujeito é indiscutivelmente o autor dessa aquisição, pelo seu esforço de assimilação ativa para encontrar, como mostrou Piaget, o ponto de equilíbrio entre seu projeto e seu meio . Cabe a ele também, em seguida, assegurar-se analisando, decompondo e recompondo a tarefa, agindo, sem dúvida, para isso, por "tentativas e erros" , segundo a fórmula de Thorndike . . . Mas tudo isso não modifica em nada o caráter de súbita ruptura, irredutível apenas à maturação linear ou ao acúmulo quantitativo, de toda aprendizagem. Isso exige, da parte ele quem se propõe a ensinar, que a exortação simplista do "sempre mais" seja substituída pela busca determinada e confiante de novas mediações entre o sujeito e o mundo, ou seja, que cada vez mais sejam criados artifícios didáticos para que se reali­ zem cada vez melhor aprendizagens "espontâneas ". APRENDER FERRAMENTA Nº 2 - FORMALIZAÇÃO

Esta ferramenta é, antes de mais nada, uma "ferramenta de formação"; pode permitir ao professor, só ou em equipe, iniciar um trabalho de reflexão sobre suas representações ela aprendizagem, analisar suas práticas e elaborar dispositivos clicláticos. Em relação a esta última função, se a ferramenta é capaz de fornecer quadros gerais, deve ser completada por um trabalho espe­ cífico sobre os conteúdos disciplinares e seu estatuto epistemológico. O quadro pode ser lido de cima para baixo: pat1e-se então do núcleo da aprendizagem e do dispositivo didático mais fechado (exercício) para chegar à noção de progressão e à "situação-problema" que mobiliza o aluno. Pode tam­ bém ser lido de baixo para cima: pa11e-se então daquilo que pode mobilizar o aluno para chegar à maneira de conceber os "exercícios" de aquisição.

Aprender. . . Sim, Mas Como? Porque a aprendizagem é ...

Para facilitar sua realização, eu devo ...

1 . Porque os conhccinlentos não são coisas que se acu­ mulam, mas sistemas de sig­ nificações através dos quais o sujeito se apropria do mundo . . . Porque a memória não é uma seleção de arquivos, mas a integração de informações em um futuro possível para o qual nos projetamos . . .

Para que o sujeito possa se apropriar de uma noção ou de um conceito, devo me perguntar: • Que materiais (textos, documentos, objetos, ex­ periências) devo forne­ cer? - que o sujeito possa dominar com as expe­ riências as competências (saberes, conhecimentos anteriores) de que dispõe; - cujo nível de comple­ xidade corresponda ao "nível de formulação" desejado .

• Que instrução ou instmções devo dar? - que o sujeito possa aplicar com as capa­ cidades (competência) de que dispõe; - que seja(m) sus­ cetível/suscetíveis de colocá-lo em situação de projeto.

. . . devo conceber os materiais e as instruções de tal forma que sua interação permita construir o conhecimento visado. 2. Porque os conhecinlentos não se constroem sobre a ignorância, mas sinl pela reelaboração de represen­ tações anteriores sob a pressão de um conflito cognitivo ...

Para que o sujeito possa passar a um nível supe­ rior de formulação de suas representações, eu devo: - fazer as representações já existentes emergirem, - colocar o sujeito em condições de reelaborar suas representações, introduzindo uma variação entre seu "projeto" (a maneira como compreende as coisas e orienta sua ação) e os "materiais" que lhe são propostos; isso é possível de duas maneiras: • ora apostando nos ma­ teriais, introduzindo um grau de complexidade suplementar,

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• ora apostando no projeto para explorar o real e descobrir os limites da pertinência do projeto.

V

. . . nos dois casos, convém criar um novo equilíbrio entre os materiais e o projeto, a fim de estabilizar, através disso, a representação em um nível superior.

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3. Porque o sujeito só mobi­ liza suas representações e só faz sua reelaboração em "situações-problemas"; por­ que a racionalidade nocio­ nal aparece apenas no fim do processo como uma elucidação do resultado e não como o procedimento de sua elaboração ...

E enfim, porque a aprendi­ zagem nunca é redutível a simples lógica cumulativa...

Para que o sujeito inicie uma aprendizagem, devo colocá-lo em uma "situação-problema", rica e atrativa capaz ele mobilizá-lo; esta pode ser ele três ordens: - situação-problema ele comunicação, - situação-problema de resolução, - situação-problema ele utilização. Além disso, elevo ajudá-lo, ao longo ela situação, a construir o simples a pa1tir cio complexo: - identificando precisamente com ele, sempre que possível, suas aquisições e seus problemas; - recensiando regularmente suas aquisições; - articulando-as a posteriori para esclarecer progressivamente as "caixas pretas" e, assim, restaurar a coerência nocional; - permitindo a formalização dessa coerência para transformar a situação-problema em ?ituação­ recurso. Eu elevo distinguir: - um aluno com dificuldade, com o qual convém intensificar a pressão do dispositivo; - um aluno bloqueado, com o qual é necesário fazer outra coisa, ou seja, encontrar novos pontos ele apoio e tentar novas abordagens para os saberes (ver a ferramenta nº 1).

APRENDER FERRAMENTA Nº 3 - IDENTIFICAÇÃO

Esta ferramenta pode permitir distinguir os alunos "bloqueados", que requerem imperativamente uma alternativa pedagógica, dos alunos "com dificuldade", para os quais um treinamento complementar pode ser suficiente. Ela eleve ser manipulada com precaução, pois os dois aspectos podem estar confundidos, sobretudo nos casos ele aprendizagens complexas em que, muito freqüentemente, alguns elementos revelam mais o bloqueio e outros mais a clificul­ dacle. É por isso que sempre será preferível fazer a observação em aprendizagens precisamente iclentificaclas, para que se possa estar em condições de fornecer recur­ sos dirigidos e adaptados. Para isto, propomos abaixo uma série de indicadores que poderá evidentemente ser completada. Em alguns casos, a identificação ele um único inclicaclor poderá ser determinante; em outros, só a conjunção de vários permitirá a determinação. Salientemos, enfim, que se um aluno "com dificuldade" pode tirar proveito de uma mudança ele método, um aluno "bloqueado" jamais pode lucrar com a persis­ tência em um método que é precisamente a origem - ou pelo menos um fator determinante - ele seu bloqueio.

Aprender. . . Sim, Mas Como?

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Por ocasião de uma aprendizagem determinada. . . ...trata-se de "dificuldade" se:

. . .trata-se de "bloqueio" se:

Os trabalhos do aluno são incompletos (inacabados, insatisfatórios ou "rápidos demais"), mas o procedimento geral é satisfatório.

Os trabalhos do aluno são descentrados (fora do assunto, incoerentes ou muito fragmentários), não respondem ele forma alguma às expectativas cio professor.

O aluno manifesta preocupações e solicita ajuda durante a elaboração ele um trabalho; consegue formular perguntas precisas sobre um determinado ponto.

O aluno expressa sua angústia ou seu desânimo antes mesmo de começar um trabalho; raramente solicita ajuda, pois ele não percebe para que poderia lhe se1vir.

O aluno se queixa freqüentemente ele falta de tempo.

O aluno não utiliza todo o tempo que lhe é proposto.

Após a leitura das anotações sobre uma cópia ou a correção de um dever em sala de aula, o aluno pode refazer seu trabalho melhorando sensivelmente seu elesempenho.

O aluno não integra as obse1vações que lhe são feitas; um trabalho refeito após a correção não apresenta melhora decisiva.

O aluno reconhece seus erros como tais quando estes lhe são mostrados; consegue , pouco a pouco, retificá-los.

O aluno sabe que está errando mesmo antes que isto lhe seja mostrado; vive essa situação como inevitável.

O aluno não sabe enunciar uma regra, uma lei ou um conceito; pode, porém, ainda que inabilmente, evocar um exemplo onde se possa obse1var a aplicação ela regra, a manifestação da lei ou a presença do conceito.

Quando é interrogado sobre uma regra, uma lei ou um conceito, o aluno não pode dar nem definição, nem exemplo; evoca, às vezes, uma regra, uma lei ou um conceito diferentes, mas que lhe parecem equivalentes.

O aluno pede para ir mais devagar com uma explicação; interrompe o professor ou pára uma leitura para fazer perguntas ou pedir explicações.

O aluno manifesta o desejo - até mesmo a vontade - de ver as explicações resumidas; seu comportamento leva o professor a acelerar o ritmo ao invés ele diminuí-lo.

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O aluno precisa ter aquilo que foi exposto melhor representado; manifesta suas objeções evocando situações ou exempios um pouco diferentes ou deslocados, para melhor apreender a especificidade do que se está falando.

O aluno intervém mudando sistematicamente de registro; manifesta suas objeções recorrendo a experiências sem relação aparente com o domínio considerado.



♦ Para vencer uma dificuldade, é possível prosseguir e aprofundar o método utilizado.

Para vencer um bloqueio, é indispensável propor uma alternativa buscando novos pontos de apoio (ver a ferramenta nº 1) ou elaborando novos métodos (ver as ferramentas nº 7 e 8).

Notas 1 . Este diálogo foi gravado com o acordo dos participantes. 2. Pode-se também utilizar este texto na formação de professores; após a leitura individual, pedir-se-á a cada participante para anotarem as imagens que lhes vêm à mente e que poderiam figurar as concepções da aprendizagem que são aqui trabalhadas. Em pequenos grupos, tentam então encontrar uma imagem-força. Em intergrupos (grupos transversais), tentam então encontrar a concepção dominante da aprendizagem que se1ve ele referência implícita a toda a discussão. 3. J.-P. Astolfi formalizou muito bem essas representações; cf. "Apprendre , ce n'est pas . . . , c'est plutôt . . . " in Cahiers Pédagogiques, nº 239, dezembro ele 1985, p. 1 5 . 4 . Não fo i Parmênides que dizia que não podemos falar do Ser, nem mesmo apenas dizer que é Um, porque sendo Ser e Um ao mesmo tempo, já seria dois? 5. S. Moscovici, La psychanalyse, son image et son public, PUF, Paris, 1 96 1 , p. 3 1 4 . 6 . B.F. Skinner, L a révolution scient1fique d e l'enseignement, Dessart, Bruxelas, 1 968, p. 1 1 2 e 1 13 . 7 . R. Barthes, Mythologies, L e Seuil, Paris, 1957, p . 260. 8. Assim, diz Piaget, "o sujeito se conhece mal a si mesmo, pois, para explicar suas próprias operações mentais e até para perceber a existência el a s estruturas que elas comportam, teria que reconstituir todo um passado cio qual jamais tomou consciência no momento em que escava vivencio cada erapa ·· (Logrque er connarssance sctenr(frque, Encyciopédie de la Pléia de, Gallimarcl, Paris, 1 967, p. 1 20) . 9 . Cf. J.-P. Astolfi, "Deux sortes de savoirs" , in Cahiers pédagogiques nº 244-245 , maio-junho de 1986, p. 34 e 35. 10. Cf. P. Meirieu, Outils pour apprendre en groupe. Apprendre en groupe? 2, Chronique sociale, Lyon, 1 984.

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1 1 . Apóio-me aqui, em particular, nos trabalhos do grupo ASTER (equipe de didática das ciências experimentais do Instituto Nacional ele Pesquisa Pedagógica - INRP. O exemplo ela respiração é tomado precisamente de um documento elaborado por M. Develay. 1 2 . A. ele la Garanclerie, Le dialogue pédagogique avec l'éleve, Le Centurion, Paris, 1984, p. 1 09. 13. A. ele la Garanderie, Pédagogie des moyens d 'apprendre, Le Centurion, Paris, 1 982, p. 91. 14. R.M. Gagne é um cios raros "taxionomistas" a mostrar o fenômeno colocando, em sua classificação elas fases ele aprendizagem, a "motivação expectativa" logo antes ela "percepção seletiva" e todas as outras operações intelectuais que estas tornam possível. Ele aponta o fenômeno, mas isola ainda demais, a meu ver, motivação e percepção que não estão presentes apenas "no início" , mas ao longo ele cada fase ela aprendizagem (cf. Lesprincipes.fondamentaux de l'apprentissage, H.R.W. , Montreal, 1976, em paiticular p. 42). 1 5 . G. I3achelarcl, La .formation de l 'esprit scientjfique, Vrin, Paris, 1971 , p. 18. 16. A. Giorclan, Une pédagogie pour les sciences expérimenta!es, Le Centurion, Paris, 1978, p. 190. 17. G. Bachelarcl, La formation de l'esprit scientifique, op. cit., p . 13-14. 18. Cf. em particular, J. Piaget e B. Inhelder, La psychologie de l 'enftmt, PUF, Paris, 1978, p. 101 e seguintes. 19. Cf. A.N. Perret-Clermont, La construction de l'intelligence dans l'interaction sociale, Peter Lang, Berna, 1979. 20. Estes dois modelos estão perfeitamente formalizados pela equipe ASTER, em seu relató­ rio ele pesquisa: Procédures d 'apprentissage en sciences expérimentales, INRP, Paris, 1985, p. 21 e 23. 2 1 . A. Bouvier dá excelentes exemplos deste processo na matemática ("Sur les styles péclagogiques" in Apprentissage et didactíque, documento IREM ele Lyon, nº 5 1 , maio ele 1985 , p. 1 3 a 28) . 22. Descartes, Discours de la méthode, II. 23. G. Bachelarcl, Laformation de l 'esprit scientifique, op. cit., p. 246. 24. Citado por Charles Baudoin, in Tolstoi" éducateur, Delachaux et Niestlé, Neuchâtel e Paris, 192 1 , p. 106. 25. Cf. P. Watzlawick et al. , Changements, Le Seuil, coleção "Points", 1 98 1 .

FINAL DA PRIMEIRA p ARTE Quando se descobre que o que é fundador no ofício de aprender é da ordem da ética "Não se pode instruir sem supor toda a inteligência possível em uma criança ". Alain Propos II, La Pléi:acle Paris, 1970, p. 874

Sem dúvida, é a partir de experiências-limites que a filosofia da educação revela seus verdadeiros desafios. Empenha-se aí, muitas vezes de maneira balbuciante, tanto por seus silêncios quanto por suas afirmações, em algu­ mas tentativas fugazes para sair dos dilemas aos quais, quase sempre, prefe­ rimos nos entregar: a criança ou o saber, o respeito da pessoa ou as imposi­ ções da sociedade, a maturação natural da inteligência ou a instalacão de dispositivos didáticos sofisticados . . . É nesse momento em que se vê emer­ gir, de forma sempre precária, mas às vezes o suficiente para despertar-nos de nosso torpor polêmico, algo surpreendente que foge a todas as simplifica­ ções e em que pressentimos o essencial. Foi o que ocorreu, como foi visto, no curioso episódio ele Menon de Platão em que Sócrates, ao mesmo tem­ po em que exerce sobre o escravo uma série de ações intelectuais, psicológi­ cas e sociais, no momento em que o outro está inteiramente entre suas mãos, nega o poder que exerce e foge de certa maneira da tentação demiúr­ gica, recusando sua posição de transmissor. O jogo é muito evidente, na verdade, para que Platão pudesse ter acreditado - e, a fortiori, para que tenha nos convencido disso - que o escravo inventava realmente "a pro­ porcionalidade"; se quisesse que tivesse sido assim, teria sem dúvida colo­ cado algumas frases na boca do escravo e não se teria contentado com simples fórmulas de assentimento. Platão bem sabe que Sócrates "transmi­ te" , mas faz questão de salientar, por um lado, e essa é a função do mito e.la

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reminiscência, que essa transmissão só é possível se for simultaneamente reconstruída pelo sujeito e, por outro lado, que ela só escapa à reprodução fatal se seu autor não a reivindicar. . . Livre de seu invólucro metafísico, o episódio só pode ser compreendido como uma metáfora da educacão e da aprendizagem: mostra a imperiosa necessidade de levar em conta a interio­ ridade do sujeito no exato momento em que se age do exterior sobre ele. Ora, curiosamente, há um episódio, na história das doutrinas e práti­ cas pedagógicas, muito semelhante a essa passagem de Menon e que, po­ rém, ambos raramente são relacionados: trata-se da aventura do doutor Itard e de Victor de l'Aveyron. A história levada ao cinema por F. Truffaut em "L'enfant sauvage" é conhecida; sabe-se pouco sobre a importância decisiva ele Itarcl para o pensamento pedagógico europeu 1 ; ignora-se, na maioria elas vezes, o caráter fundador dessa experiência e a extraordinária riqueza dos escritos de Itarcl2 • Relembremos brevemente os fatos : em 1 797, uma criança "selvagem" é percebida nos bosques por camponeses da re­ gião ele Aveyron; ele anda nu , alimenta-se ele glandes, castanhas e raízes; em 1 799, é capturado por caçadores, mas consegue escapar. . . No dia 8 de janeiro de 1800, às sete horas da manhã, entra em uma loja da pequena cidade de Saint-Sernin, onde é recapturado, lavado, tratado e nutrido antes ele ser levado para Paris, onde foi internado no instituto para surdos-mu­ dos. Lá o professor Pinel faz uma primeira avaliação sobre ele e conclui, a partir ele comparações entre o selvagem e crianças débeis internadas em hospício que este "deve ser definitivamente colocado entre as crianças víti­ mas de idiotia e el e demência e que não há nenhuma esperança fundada de obter sucessos de uma instituição metódica" . Se a crianca foi abandonada, disseram então, foi porque seus pais haviam descoberto nela uma deficiên­ cia congênita irreversível. Ora, Itard não pode aceitar isso: o jovem médico, discípulo de Locke e de Condillac 3 , acredita, como eles, que todos os nos­ sos conhecimentos vêm de nossas sensações e está convencido, como Helvetius, de que "a educação pode tudo . . . até mesmo fazer o urso dan­ çar"" e de que o homem é apenas o produto de todas as influências mate­ riais, psicológicas e sociais que ele recebe. Itard não crê na reminiscência, recusa totalmente a determinacão pelo inato e, como observa L. Malson, "constata a idiotia, mas reserva-se o direito de ver nela não um fato de deficiência biológica, mas um fato de insuficiência cultural"5. O que Itard quer entào é provar o poder da educação, trazendo aquele a quem dará o nome de Victor para junto dos civilizados, ou seja, essencialmente, permitindo que tenha acesso à linguagem formalizada. Ele é, neste sentido, uma espé­ cie de anti-Sócrates, já que afirma a onipotência da intervenção externa e supõe que esta é suficiente para garantir o acesso à inteligência. Nega o inato para fundamentar a possibilidade de construir o homem e, portanto, a necessidade do educador como transmissor. Chegado o momento de iniciar seu trabalho, Itard formula cinco "no­ ções", cinco princípios que vão orientar sua ação e permitir inventar uma

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variedade de dispositivos pedagógicos. Ora, estes princípios são curiosos quando relidos com atenção, curiosos porque os quatro primeiros são contra­ ditórios dois a dois, curiosos porque o quinto tenta uma síntese que vai, finalmente, fazer Itard deslocar-se ela posição polêmica elo "tudo externo" para uma posição mais empenhada, mais dialética, uma posição que assu­ me a historicidade educativa, o lento e longo trabalho de negociação entre a interioridade e a exterioridade. Observemos essas noções mais ele perto: o que diz a primeira? Que é preciso "ligar Victor à vida social tornando-a mais doce para ele do que a que levava até então e, sobretudo, mais próxi­ ma da vida que acabava de deixar" . E o que diz a segunda? Que é preciso "despertar sua sensibilidade nervosa através dos estímulos mais enérgicos e, às vezes, através das vivas emoções ela alma" 6 . Não há aí a expressão sucessiva ele dois princípios contraditórios? O princípio de continuidade, segundo o qual um progresso só se realiza através ele uma experiência que prolonga uma experiência anterior, enraizando-se assim no que era a pes­ soa anteriormente, e o princípio de ruptura, segundo o qual o educador deve introduzir estímulos específicos em função ele seus próprios projetos, fazendo com que o sujeito anele bem mais rápido em seu processo ... Seria preciso observar atentamente como Itard manipula continuidade e ruptura ao longo dos oito anos de convívio diário com Victor, esforçando-se para respeitar seus hábitos e seus gostos, ao mesmo tempo, aproveitando as atividades assim desenvolvidas para introduzir estímulos novos e fazer com que adquira, por estabilizações sucessivas, novos reflexos. É nessa articula­ ção, toda vez que pode ser instaurada, que Victor faz progresso ... E o mesmo ocorre com as "noções" terceira e quarta: elas enunciam, de fato, duas exigências contraditórias e que, no entanto, a educação eleve unir: o princípio de solicitação, que determina situar o sujeito em situações diver­ sas e complexas, suscetíveis ele solicitar sua atenção e de mobilizar seu interesse, e o princípio de emergência, segundo o qual o educador eleve fazer com que se manifestem, quando essas situações se apresentam, os saberes e as competências que quer fazer com que sejam adquiridos, "pela lei imperiosa da necessidacle 7 " , como instrumentos que permitam resolver os problemas diante dos quais nos encontramos. Sua tarefa é a de organizar e multiplicar as solicitações para possibilitar, de acordo com as necessida­ des próprias às situações assim criadas, a emergência das habilidades e dos conhecimentos que terão sido escolhidos. Respeitar o "natural " para nele introduzir o artifício, criar o artifício pa ra nele promover o "natural": tal é o movimento que pode ser, sem dúvi­ da, situado no centro da aprendizageni; tal é o processo que ilumina as posições e os aportes da psicologia da aprendizagem (que estuda o "natu­ ral ") e da didática da aprendizagem (que inventa "artifícios "). Uma e outra se incentivam e se regulam na ação, segundo um processo,sem dúvida, um pouco mais complexo do que o descrito por Itard em sua "quinta noção" 8 , mas que decorre exatamente do princípio de interação que ele formula aí e

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que não deixou de tentar pôr em prática durante todo o seu trabalho com Victor9 • Assim Itard, apesar de sua falta ele habilidade, apesar de seu insucesso - Victor morreu com quarenta anos sem ter falado, apesar de seus referen­ tes teóricos contestáveis, nos introduz no centro ela dinâmica educativa. Sem dúvida, porque diante de uma situação-limite que o obriga a abando­ nar o terreno fácil demais el a ideologia, compromete-se com a aprendiza­ gem e torna difícil a experiência de sua historicidade. Convencido de que tudo era construído, ele chega a afirmar que nada se constrói se não se partir do inato. Militante do "adquiriclà" e combatente do "inato", demons­ tra que nada se adquire sem que se implante no já existente. Será uma renegação? Não, pois na realidade, ele não muda ele "campo" - ao final ele seus trabalhos, continua ainda a invocar Condillac - mas sim de registro. Não passa ela tese "ambientalista" que legitima a onipotência educativa, à tese do "inatismo" que limitaria a educação à admiração elas aptidões que despertam "naturalmente" . . . mas assume uma posição teórica ele outra or­ dem, uma espécie de "opção" que ele observa como sendo a única a poder inspirar verdadeiramente uma prática educativa eficaz. E, quando adere a essa "opção", não renuncia a seu projeto de socialização de Victor, não renuncia a seu projeto de instruir, busca simplesmente uma forma ele colocá­ lo em prática e descobre que só é possível fazê-lo apoiando-se no inato, não um " inato definitivo" , mas um "inato ponto de partida" que vai ser enriquecido por aquilo que permitirá atingir e, assim, novas pbtencialidacles serão construídas. Itard vai, portanto, completamente além da disputa entre o inato e o adquirido, e da única forma possível de sair desse debate medí­ ocre: através da educacão. Com efeitb, só se pode trabalhar sobre o inato e seria absurdo, hoje, negar a existência de um programa genético específico do homem; é esse programa, escreve F. Jacob, que "dá o poder de apren­ der, de compreender, de falar qualquer língua" 10; e esse programa dá a cada um potencialidades combinatórias consideráveis 1 1 graças às quais, por "es­ tabilizações seletivas" 1 2 , constrói suas aprendizagens. Mas se é absurdo ne­ gar o inato, seria igualmente um absurdo considerá-lo como uma coisa-em­ si de onde emergiriam naturalmente as aprendizagens; estas são construídas nas e pelas atividades que esse inato torna possível, as quais o educador deve suscitar, organizar, administrar e cujas aquisições deve ajudar a identi­ ficar. A "opção" educativa é isto: "confiança no imediato, escreve G. Snyclers, confiança no elaborado e, o que é o ponto crucial, confiança na possibilidade ele passar de um ao outro" 1 3 . O ponto crucial, el e fato, o que torna possível e estimula o trabalho de Itard, ela mesma forma que o ele Sócrates e o de qualquer educador: a convicção de que um elo pode ser formado entre "o que ele é" e "o que eu gostaria que ele fosse", . . . um elo que devo inventar incessantemente, alimentado pela certeza de que "é realizável" . No fundo, esta é a grande lição de Itard: ele mostra que o outro só pode crescer, só

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pode haver aprendizagem, se eu apostar permanentemente em sua educa­ bilidade 11 , se eu estiver convencido de que ele vai chegar lá e se eu concretizar essa convicção por uma expectativa positiva e, ao mesmo tempo, por uma inventividade didática sempre renovada. Itard, neste sentido, é sem dúvida uma das maiores figuras da educação, uma das que melhor compreendeu que a deficiência de um sujeito se define menos por um constatado e insuperável desvio à normalidade do que pelo limite interior que o educa­ dor estabelece ao princípio de educabilidade. Itard mostra que a deficiên­ cia, o bloqueio, estão, antes de mais nada, no educador e que são as fronteiras que o educador traça em si e além das quais se recusa a agir. . . Mas a lição de Itard vai ainda mais longe, em função de suas próprias dificuldades : ele salienta que a grandeza do pedagogo depende da sua capacidade para integrar a negatividade da educabilidade, ou seja, para não renunciar a seu princípio, mesmo aceitando que este seja constantemente desmentido pe­ los fatos. Diante disso, é verdade que, em uma dimensão menor, cada educador realiza a experiência de Itard e nunca alcança efetivamente seus fins; sem dúvida, é melhor assim, já que o alerta socrático mostrou-nos que era necessário manter o demiurgo à distância; mas isso poderia, isso deve­ ria desencorajar-nos se não fôssemos atormentados pela ética e sua exigên­ cia última: fazer advir a humanidade no homem. No centro da aprendizagem, o que importa é, portanto, a ética; pois só a ética permite ir além das alternativas estéreis do inato e do adquirido, do racionalismo e do empirismo, do ensino e da aprendizagem. Só a ética permite que se instituam, de vez em quando e sempre sustentados pela determinação dos homens, enclaves educativos em que se foge das simplifi­ cações cio "faça como você quiser" e do "faça como eu quero". Assim, poder-se-ia ler, inclusive, a história elas instituições educativas tentando identificar aquelas onde se expressa e se explicita a elaboração ele um querer comum ou, melhor ainda, ele um espaço contratual : a pedagogia institu cional surge aí como um avanço mais decisivo que Summerhill, a laboriosa criação cio "centro de recursos" para os jovens com dificuldade, mais importante que espetaculares "experiências pedagógicas" . . . É claro que tudo isso é precário e frágil e o educador ocupa aí, em muitos sentidos, uma posição insustentável - isto é, uma posição em que quase não é possí­ vel manter-se instalado - mas esta é, em todos os sentidos, a única posição possível para quem quiser fazer com que o outro aprenda .

Notas 1 . M. Montessori presta a ele uma vibrante homenagem e enfatiza tudo o que o pensamento europeu lhe eleve (Pédagogie scient(fique, Paris, 1926). Uma recente obra publicada na Itália por Andrea Canevaro (Handicap e identità, Cappelli Editore, Bolonha, 1986) devolve a !tarei o lugar eminente que ocupou na história ela educação.

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2. As duas memórias de Itard consagradas a Victor foram publicadas por L. Malson em Les e11fants sauvages, Gallimarcl, col. " 1 0-18", Paris, 1964, p. 125 a 246. 3. Cf. p. 1 27, 167, 168, 185, 186 e 193 das Memórias de Irarei (op. cit.). 4. Cf. De l 'Homme, Oeuvres completes, t. III, Londres, 1777, p. 523. 5 . Op. cit. , p. 91 6. Mémoire cl'Itard de 1801, op. cit. , p. 137 e 138. 7. Mémoire cl'Itarcl ele 1801, op. cit., p. 138. 8. Mémoire cl'Itarcl de 1 80 1 , op. cit., p. 138. 9. Pode-se inclusive analisar as clificulclacles de Itarcl mostrando que foi quando desviou desse que se viu fracassado. H. Lane faz esta análise ele uma maneira particularmente inte­ ressante obse1vanclo o fato ele que Itarcl deixa ele explorar muitos talentos de Victor e de articular novas habilidades àquelas que já tinha (inclusive no domínio ela linguagem); ler-se­ á com interesse o seu trabalho. H. Lane, L 'eiffant sauvage ele l'Aveyron, Payot, Paris, 1979. 10. f. Jacob, La logique du vivant, Gallimard, col. "Te! que!". Paris, 1 970, p. 338. 1 1 . Temos cada um aproximadamente trinta bilhões ele neurônios; podemos efetuar ele 10 000 a 100 000 conexões por segundo e por neurônio, com urna velocidade ele transmissão que chega a 120 metros por segundo. 1 2 . Cf. J.-P. Changeux, L 'homme neuronal, Fayard, col. "Pluriel", Paris, 1 983, p. 337. 13. G. Snyders, La joie à l 'école, PUF, Paris, 1986, p. 1 07. 14. Sobre o conceito de educabilidade, cf. P. Meirieu, ltinéraire des pédasogies de groupe, Chronique sociale, Lyon, 1984, p. 139 a 164.

SEGUNDA PARTE

Gerir a Aprendizagem

INTRODUÇÃO Quando se tenta delimitar um espaço onde possa ser exercida a atividade pedagógica Instaurar um equilíbrio nem estável, nem instável, mas "meta estável " entre os três componentes do triângulo pedagógico, o educando, o edu­ cador, o objeto a ser aprendido e a ser ensinado . . . O insucesso de mui­ tas práticas pedagógicas anteriores deve-se ao fato de que elas deram prioridade a dois desses componentes (. . .) em detrimento do terceiro que, assumindo o papel do "louco ", retorna infalivelmente para pertur­ bar o jogo do qual fora excluído de maneira imprudente. " D. Harneline Enciclopédia Universalis, Corpus 13,Paris, 1985, p. 1 1 4 .

Assim a aprendizagem põe frente a frente, em uma interação que nunca é uma simples circulação de informações, um sujeito e o mundo, um apren­ diz que já sabe sempre alguma coisa e um saber que só existe porque é reconstruído. Não há mais o sujeito-em-si, página virgem ou cera mole, totalmente disponível às solicitações externas, assim como também não há saber-em-si, entidade perfeitamente arquitetada que deveria estar fora do alcance das malversações pedagógicas; e, se a mais jovem das crianças só aprende integrando o novo ao antigo e através dele que dessa forma é transformado, cada velho que morre é então uma biblioteca que queima . . . Mas, nesta aventura, os dois parceiros nunca estão realmente sós e suas relações são sempre mediadas pela realidade que é o meio adulto, pelo desejo daquele que ama, pela competência daquele que sabe, pelo poder daquele que organiza: há sempre dissimulado, por trás dos "objetos para aprender" - como o livro, o filme ou o programa de informática - bem como por trás dos objetos mais banais e mais cotidianos - a casa, o vestuário, a televisão . . . -, um "formador'', ou seja, alguém que, deliberada ou inconsciente­ mente, cria estímulos, propõe experiências que o sujeito poderá tratar, inte­ grar ou, ao contrário, às quais ficará estranho.

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Ora, a função da Escola é precisamente a de livrar essa operação, na medida do possível, do acaso de encontros fugazes ou de mediadores im­ provisados; cabe a ela introduzir um pouco de rigor naquilo que se passa entre os três parceiros da aprendizagem para que o aprender advenha com um pouco mais de justiça e de eficácia compartilhada. É por isso que pre­ cisamos agora tentar compreender mais precisamente como se estrutura o "triângulo pedagógico" : educando - saber - educador 1 , para aprendermos a criar situações de aprendizagem e ajustar seu desenvolvimento conside­ rando seus efeitos . Já tive a oportunidade de observar o quanto podia ser perigoso, na reflexão e na elaboração pedagógicas, deixar-se atrair por um dos três pó­ los do triângulo, reduzindo assim a aprendizagem à simples atenção indulgen­ te a uma interioridade que desabrocha ou, então, ao fascínio sem limites pela exposição de programas cuja apropriação seria garantida apenas por sua difusão ou ainda, enfim, à suposição de uma tal força do educador que a exortação bastaria para encobrir as insuficiências da sedução 2 • Mas pode­ se também analisar o "triângulo pedagógico" considerando seus lados ao invés de seus ângulos e observando até que ponto cada um representa um eixo essencial, mas ao mesmo tempo perfeitamente redutor da situação de aprendizagem: é o que ocorre na relação pedagógica entre o educador e o educando, bem como no caminh o didático que o educador elabora cons­ truindo aquelas "longas cadeias de raciocínio", como dizia Descartes, aque­ las edificações taxonômicas, como se diz hoje, e que supostamente, tradu­ zindo o programa em uma série de objetivos, torna o saber transparente e acessível; é o que ocorre também com a consideração das estratégias -de aprendizagem através das quais cada indivíduo tem acesso ao saber de uma maneira que lhe é própria, construída em sua história pessoal e, portanto, em vários sentidos, insuperável. . . Cada uma destas dimensões deve certamen­ te ser levada em conta, mas é preciso ter o cuidado, a cada vez, para nelas introduzir a terceira realidade, o pólo oposto e excluído que é o único a poder abrir um espaço para a iniciativa, um terreno para a decisão pedagógica. Na verdade, a recusa ou a ignorância tática de um dos três pólos, ainda que não tenham o poder de proclamar sua abolição por decreto, comprome­ tem o equilíbrio precário da aprendizagem e deixam-na desviar para outros tipos de relações humanas e de lógicas de funcionamento que, mesmo sendo legítimas em outras situações, não deixam de ser perigosas quando pretendem se proclamar "pedagogias" . • Quem pode querer ignorar a relação pedagógica, este encontro en­ tre pessoas vivas e cheias de desejos, este conjunto de fenômenos afetivos, de transferências e contra-transferências, que estão sempre presentes na sala de aula? Não se pode escolher, por simples comodidade, a suspensão da afetividade: primeiro, porque essa decisão, é claro, seria ela própria uma escolha afetiva, alimentada, na maioria das vezes, pela preocupação consi-

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go, pelo medo do outro ou pelo desejo estranho de melhor exercer seu poder camuflando a natureza do mesmo; depois, porque uma atividade cognitiva, ainda que perfeitamente teorizada, não pode ficar sem a energia do desejo que lhe dá vida e força; enfim, porque seria estúpido negar o aspecto determinante, na aprendizagem, dos fenômenos de identificação e de sedução . Sabe-se, de fato, que a vontade de seduzir anima qualquer educador, mesmo que ele quase não o confesse, mesmo que anuncie o contrário, fingindo ignorar que a recusa de seduzir pode vir reforçar a sedução . . . o problema, aliás, não está aí: não há nada de grave no fato de que um aluno saia da sala de aula tendo sido seduzido e estando contente de tê-lo sido, e é preciso desfazer-se aqui daqueles vestígios de puritanismo que nos fazem recusar o prazer na aprendizagem, porque o confundimos com a facilidade ou, até mesmo, com a demagogia. Pode-se encontrar pra­ zer na dificuldade, no trabalho com a complexidade cujas chaves são lenta­ mente descobertas . E é justamente o aluno capaz desse prazer que terá êxito na escola. De fato, o importante, na aprendizagem, não é escapar à sedução, mas escapar-se da sedução: o importante não é sair da aula podendo afirmar "não fui seduzido, eu juro", mas sair reconhecendo: "Eu fui seduzido, mas isso me permitiu compreender isto ou aprender aquilo e o que sei posso identificar, reutilizar fora do contexto el e sua aprendizagem; agora sou disso o mestre e, mesmo se isso traz ainda durante algum tempo a marca daquele ou daqueles que me fizeram alcançá-lo, sou capaz de confrontá-lo com novas situações . . . " Todo problema está, como se vê, em reinjetar, na rela­ ção pedagógica, a terceira realidade, o conhecimento identificado, reco­ nhecido como tal, transferido e, portanto, desligado das condições de sua aquisição. Não se trata aqui de suspender a relação pedagógica, mas de mediá-la o bastante para que não se considere a si própria como objeto e para que os fenômenos de fascínio-repulsa não totalizem a situação peda­ gógica; trata-se ele restaurar incessantemente o triângulo para não se deixar absorver por relações duais de captação, mas para permitir um acesso, qu e será sem dúvida lento e caótico, a urna verdadeira autonomia. Programa vasto para o qual precisamos dar algumas clicas. • Todos os professores que tiveram uma formação sobre o método pelos objetivo:!' reconhecem facilmente o alcance de uma tal metodologia : esforçando-se para sair das tradicionais formulações em termos de conteú­ dos ele programa para elaborar objetivos unívocos e explícitos, construindo progressões rigorosas com a identificação cios pré-requisitos e o encaixe dos objetivos uns sobre os outros, certamente, obtêm-se os meios de livrar a ação pedagógica da improvisação sistemática e ela seleção pelo implícito que, nem por ser a menos evidente, deixa de ser a mais praticada. Sendo assim, é particularmente útil que os professores façam a análise, em termos de objetivos, cios saberes que têm a função de ensinar e que construam

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caminhos didáticos rigorosos: além da fecundidade do exercício para a formação pessoal daquele que o executa, isso oferece, na verdade , um instrumento de ajuste muito precioso para a prática educativa; sobretudo, quando se dispõe de um referencial suficientemente preciso, quando se sabe exatamente o que se quer obter e quando se pode discriminar regular­ mente os alunos para os quais uma determinada aprendizagem está finalizada e aqueles para os quais uma retomada é necessária, pode-se então organi­ zar a aula de maneira rigorosa e dinâmica ao mesmo tempo, evitar grandes perdas de tempo, finalizar o período escolar e elucidar o contrato didático. Por outro lado, a linguagem dos objetivos, permitindo a formulação de capacidades transdisciplinares, fornece aos práticos uma "língua-instrumen­ to"/4 que lhes permite comunicarem-se entre si e estabelecerem uma coerência entre suas atividades. Por que, então, a preocupacão diante desse acúmulo de objetivos cuja perfeição formal deveria, no entanto, convencer-nos? Sem dúvida, pelo fato de que, se a abordagem. por objetivos pode, de um modo muito eficaz, regu­ lar uina prática, é, por outro lado, incapaz de inspirá-la; ou, mais exata­ n1ente , pelo fato de que só é capaz de gerar-se a si própria como prática, multiplicando indefinida e vertiginosamente o par objetivo-avaliação. En­ quanto instrumento para introduzir mais rigor na gestão das aprendizagens, ela é muito apreciável, sem dúvida indispensável; fornece um bom mapa ou um bom "painel de comando" que permite preparar urna progressão que acende o pisca-pisca quando é preciso, lembrando, no momento exa­ to, este ou aquele obstáculo, forçando a ir mais devagar ou acelerar em função dos efeitos produzidos . . . mas ela não pode substituir nem o com­ bustível , nem o motor! Pois um objetivo jamais diz algo sobre o método que permite atingi-lo e, se quisermos fazê-lo falar a todo o custo, só será capaz de repetir: "pré-requisito, sub-objetivo, objetivo intermediário, avali­ ação . . . " O programa torna-se pedagogia: alguns falam então, justamente, em "ensino programado" , sem dúvida, para salientar que não se trata ape­ nas de ensinar o programa, mas de ensinar também pelo programa. Quan­ do os objetivos se tornam métodos, a aprendizagem torna-se adestramento e o sujeito felizmente foge dela, na maioria das vezes, pela violência, pela indiferença ou por um simples desvio. O que é necessário então para fugir desse caminho tecnicista? O profes­ sor bem o sabe, ele quem vê, diariamente, seus caminhos didáticos corta­ dos por estranhos atalhos ou tornados mais longos por curiosos desvios; ele sabe que o que muda tudo é o levar em conta o aluno, surpreendente , inesperado, irracional, que vai muitas vezes aprender mesmo assim, de outro modo ou outra coisa, nunca exatamente como se previu . Mas, para isso, a abordagem por objetivos eleve livrar-se das reduções behavioristas que a ameaçam: o objetivo operacional em termos de comportamento ob­ servável , aquele que só gera o par objetivo/avaliação, deve perder seu estatuto mítico ao final da corrente que conduz o educador das finalidades

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até as práticas. Sem dúvida, continua sendo útil traduzir as finalidades em termos de fins e objetivos gerais, mas, sem dúvida, é melhor, para gerar práticas fecundas, suspender a decomposição no momento em que esta permite descrever atividades mentais que podem ser tratadas em termos de dispositivo pedagógico, isto é, quando se pode propor ao educando uma situação-problema que ele poderá negociar com sua própria estratégia. É dessa forma, e apenas dessa forma, que se poderá restaurar o triângulo pedagógico, afastando o par objetivo/avaliação - ou melhor, objetivo/indica­ dor comportamental - e integrando o educando que é o ator mental para criar um espaço aberto à iniciativa pedagógica. • Ainda que finalmente bastante recente, a pesquisa sobre as estratégi­ as individuais de aprendizagem, os perfis pedagógicos, os estilos cognitivos, parece hoje desenvolver-se de maneira vigorosa e contar com uma grande audiência. É preciso, é claro, mostrar-se satisfeito com isto, pois ela completa, de uma forma muito oportuna, trabalhos mais antigos que procuravam mais destacar as invariâncias da aprendizagem e que, apresentando apenas um sujeito formal, ignoradas as especificidades individuais, propunham teorias atraentes, mas pouco compreensíveis para o prático . Pois este tem diante de si sujeitos particulares que dispõem de uma inteligência cuja estrutura final talvez seja a mesma, mas cujas modalidades ele ação são diferentes. É claro que, há muito tempo, já se reconhecia a existência de diferenças, mas havia uma tendência para tratá-las em termos lineares e exclusivamente quantitativos, como se bastasse apenas posicionar cada um em uma escala graduada. Ora, hoje sabemos que a um mesmo estágio de desenvolvimento cognitivo e, portanto, a capacidades estruturais idênticas podem corresponder estratégias ele aprendizagem muito heterogêneas; da mesma forma , compreendemos que um atraso nesse desenvolvimento cognitivo pode ser explicado por uma defasagem entre a estratégia utiliza­ da preferencialmente pelo sujeito e as estratégias ele ensino aplicadas em seu meio . . . Assim, os indivíduos são mais visuais, auditivos ou motores, funcionam mais por globalização, oposição ou análise ele um elemento, são mais ou menos sensíveis à diretividade de uma situação, às interações entre pares, organizam o tempo ora em pequenas unidades intensivas, ora em períodos mais longos . . . Um ensino que ignorasse essa realidade teria todas as chances de só ser eficaz ele maneira totalmente fortuita; e é por isso que a pedagogia diferenciada não é um novo sistema pedagógico cuja moel a poderia ser apenas totalmente passageira: toda pedagogia que teve sucesso foi diferenciada, ou seja, adaptada aos indivíduos aos quais foi proposta. Mas a diferenciação também é perigosa: de tanto respeitarmos as estra­ tégias individuais, não corrremos o risco do fechamento, do empobreci­ mento metodológico do indivíduo, ele uma intolerância inquietante a qual­ quer proposta levemente desviada e que poderia ser sistematicamente rejei-

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tada? É por isso que as estratégias de aprendizagem não devem ser levadas em conta ele maneira mecânica, mas tentando sempre respeitá-las e, ao mesmo tempo, permitir sua superação. Tarefa difícil, que supõe o reconheci­ mento da distância entre os itinerários e os resultados, distância que o educador poderá então explorar, apoiando-se nos segundos para tornar possível a exploração sistemática el e novas estratégias . . . Novamente, é restau­ rando o triàngulo pedagógico, isto é, introduzindo nele o pólo formador e sua preocupação de promover o desenvolvimento mais completo ela pes­ soa, que se obtém um espaço para a ação, que se parte para a elaboração el e verdadeiras situações ele aprendizagem. Como construir essas situações, ocupar esse espaço? Apresentamos as fronteiras disso - uma relação interpessoal, objetivos rigorosamente formu­ lados, estratégias pessoais el e aprendizagem escrupulosamente levadas em conta -, sugerimos como permanecer presente no centro desse espaço man­ tendo a preocupação com o terceiro excluído - o saber mediador, a opera­ ção mental elo educando, a vontade ele ampliar suas capacidades estratégi­ cas . . . Resta-nos explicar cada uma dessas três dimensões antes ele esboçar­ mos um método para gerir um tal sistema.

Notas 1 . Cf. ]. Houssaye, Le triangle pédagogique, tese, Paris X, 1 982. Fala-se também em "triângulo didático" : cf. M . Devclay, "Diclactique et péclagogie" in Apprentissage et didactique, IREM ele Lyon, nº 5 1 , maio ele 1 985, p. 29 a 42. Cf. também, dentre muitas outras referências, F. Galligani, Préparation et suivi d'une action deformation, Éclitions cl'Organisation, Paris, 1 980, p. 94-95 . Pode-se também ver no "triângulo ela aprendizagem" um exemplo da definição ele um objeto através dos seus três pólos, segundo a proposta de J.-L. Le Moigne : O pólo ontológico (o cio saber), o pólo funcional (o cio educador) e o pólo genético (o cio educan­ do) (La théorie du systeme général, PUF, Paris, 1 977, p . 38-39). 2 . Cf. L 'École, mode d'emploi, op. cit. , p. 1 06-107. 3. Para aqueles que não tiveram essa formação, sempre é possível ler a obra ele D . Hameline, Les objectifs pédagogiques, ESF, Paris, 5" ecl. 1 986. 4. Cf. P. Gillet, "Utilisation eles objectifs en formation", Éducation permanente, n º 85, 1 986, p . 17 a 28, em pa1ticular p. 26-27 .

Capítulo 3

A

RELAÇÃO PEDAGÓGICA Quando se vê como o desejo vive do enigma, o enigma da relação , e a relação da mediação "Sob pena de.falhar na sua.função essencial, a Escola não pode se desin­ teressar da.força que leva a mensagem até a criança e pelas motivações que levam esta a acolher aquela ".

J. Guillaurnin "Aspects ele la relation rnaitre-éleve" Bulletin Binet-Simon, nº 472, 1962, p. 4

Quando se está diante de uma realidade incômoda e, em muitos sentidos, escandalosa Todos sabem disto e passaram por isto ao longo de sua história pessoal; cada professor o vive diariamente; qualquer pai o observa com seus filhos . . . o que faz realmente diferença na atividade pedagógica parece fugir a qual­ quer definição e não pode ser descrito em termos de dispositivo ou de tecnologia. É claro que não se discute quanto à importância desses instru­ mentos, quanto ao fato de que eles facilitam muitas coisas e amenizam, às vezes, certas dificuldades, mas só vivem e têm valor através das pessoas que os habitam e que conseguem dar sentido a eles. Não há um professor ou um educador que não tenha passado por esta experiência: a seqüência já está pronta, perfeitamente estruturada, experimentada por ele mesmo ou por outros, utilizada muitas vezes com sucesso; a imaginação apresentada

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na sua elaboração atesta a motivação dos alunos; o rigor de sua construção garante sua eficácia . . . e no entanto, isso não funciona . . . O que devia ser dinâmico torna-se enfadonho, o que devia suscitar o desejo secreta o té­ dio . . . O que ocorre então? Certamente, falta aquilo que V. Jankélévitch chama de um "quase nada" ou um "não sei o quê", mas que faz toe.la a diferença: "O quase nada é o elemento invisível , inexistente, ambíguo, que diferencia entre si duas totalidades morfologicamente indiscerníveis (. .. ). O quase nada é aquilo que falta quando, pelo menos aparentemente, não falta nada: é a inexplicável, irritante, irônica insuficiência de uma totalidade completa contra a qual nada se pode dizer e que nos deixa curiosamente insatisfeitos e perplexos (. .. ). Quando nada está faltando, falta algo que não é nada; falta, portanto, quase nada. Na verdade, falta apenas o essencial ! " ' . E o essencial, é preciso confessar, é circular um pouco de desejo. A palavra, é certo, pode incomodar de tanto veicular imagens, de tanto ser utilizada por toda a parte e por todos sem discernimento; a realidade, por sua vez, é incontornável. O que mobiliza um aluno, o que o introduz em uma apren­ dizagem, o que lhe permite assumir as dificuldades da mesma, ou até mes­ mo as provas, é o desejo de saber e a vontade de conhecer. Sem esse desejo nele , só a mecânica pode responder; sem esse desejo em você , você já teria, há muito tempo, abandonado este livro. É compreensível que o pedagogo hesite em reconhecer o fenômeno; é compreensível que incomode o professor e revolte o administrador escolar: tantos esforços, tanto dinheiro seriam investidos em um empreendimento que poderia, a todo momento, ser reduzido a nada por cada um dos indi­ víduos aos quais se destina, simplesmente, porque não desejariam o que é preciso desejar em um momento certo! A máquina seria deixada à irrelevância, minada pelo aleatório, condenada a vãs gesticulações . . . Pior ainda, aquele que acreditasse nela exercer o poder absoluto estaria à mercê de pequenas tiranias das quais não se poderia exigir explicações . Restaria então, para não cair na insignificância, apenas a exortação na qual os mestres brilham tanto e cujo caráter patogênico W. Gombrowicz observa tão ben1 em seu romance Ferdydurke: Queiram tomar nota deste assunto para um dever de casa: "Por que as poesias de Jules Slowacki, este grande poeta, contém uma beleza imortal que desperta o entusiasmo?" Neste momento da aula, um dos alunos movimenta-se nervosamente e lamenta-se: Mas, quanto a mim, eu não me entusiamo mesmo! Eu não estou nem um pouco entusiasmado! Isto não me interessa! Não posso ler mais de duas estrofes, e nem isso; isto não me interessa (. .. ). Como é que isto pode não entusiasmar vocês, já que eu expliquei a vocês mil vezes que isto os entusiasmava?

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Mas a mim, isto não entusiasma . Isto só diz respeito a você, Galkiewicz. Parece que falta a você inteli­ gência. Os outros estão entusiasmados. Palavra ele honra, ninguém se entusiasma. Como é que isto seria possí­ vel, já que ninguém lê isso, exceto nós, na escola, e assim mesmo porque nos obrigam (. . . ) . Galkiewicz, tenho uma esposa e u m filho! Tenha pelo menos pena e.lo meu filho!" 2 . Entre a 1.ndiferença e a loucura, a renúncia de ter o menor domínio sobre o desejo de outrem e a vontade de controlá- lo, será que resta ainda um lugar para uma "gestão pedagógica do desejo" , e como é que ela pode fugir e.los graves desvios que a ameaçam? Antes de esboçar uma hipótese , gostaríamos ele descrever brevemente as diferentes concepções, formula­ das ou implícitas que, sobre essa questão, estão presentes no pensamento e nas práticas pedagógicos.

Quando se examinam as diferentes articulações do desejo e da aprendizagem • O mais simples é, certamente, ignorar o desejo. O professor ensina, não tem que se preocupar com aquilo que o aluno quer, procura ou pensa . Cada um pode receber, em virtude de uma liberdade interior que não é questionável, o saber dispensado. O sujeito pode decidir se está disponível a ele, em nome ele um claro interesse maior que o faz renunciar aos seus caprichos do momento . . . Mas, na realiclacle, essa posição, envolta em uma respeitabilic.lacle totalmente cartesiana, por decretar ele maneira abstrata a suspensão do desejo, promove o seu mais amplo exercício; por ignorá-lo, ela o deixa agir com toda a força. Na verdade, só atingirão o saber aqueles que precisamente o vêem como desejável, a ponto de sacrificar por ele interesses mais imediatos. Não escolhem assim a razão em troca do desejo, mas exercem sua razão para comparar dois desejos e escolhem aquele que lhes parece o mais promissor. Neste sentido, mesmo que essa escolha seja racional, escolhe-se sempre um desejo em troca de um outro, um desejo cuja satisfação será, sem. dúvida, mais tardia, mas também mais durável. . . e aqueles que recusam adiar o prazer do momento "assumem, como se diz, suas responsabilidades"! Mas poderiam fazer de outra forma? Teoricamente sim. Nada impede que se prefira o latim à estória em quadrinhos, a mate­ mática à telenovela. Mas o que exigem essas preferências senão a promessa de satisfações futuras desde já entrevistas? E como podem ser entrevistas quando ninguém, no seu meio, as possuir, quando lhe foram designadas, durante muito tempo, como inacessíveis ou quando a ausência de perspecti­ vas econômicas e sociais não pode deixar de fazer com que elas lhe pare-

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çam um logro? O erro aqui é confundir um discurso normativo, sem dúvida útil , do qual o educador não pode mais fugir e através do qual estimula o aluno a direcionar suas escolhas para objetos culturais, com a descrição de uma realidade: convidar ao exercício da razão não deve impedir a observa­ ção de que as condições para esse exercício nem sempre estão reunidas e que, neste plano, os alunos são particularmente desiguais. "O gosto pela matemática (. .. ) não se distribui ele uma forma qualquer no campo social", observa D . Hameline 3 . Ignorar esse fato é resignar-se a ele . • Portanto, os partidários da racionalidade, escandalizados com o fato ele que se possa apenas fazer alusão à existência ou à ausência elo desejo ele aprender, encontram, na outra extremidade, aqueles que pretendem respeitar totalmente esse desejo em nome do velho ditado segundo o qual "gostos e cores n;Io se discutem" . Como é evidente, dizem eles, que nada se faz sem desejo, mas que o desejo é uma questão ele personalidade e não e.leve ser manipulado, a tarf!fa do educador é a de aguardar a emergência do desejo, para então colocar-se a seu serviço. Tal é, com algumas diferen­ ças, a posição que A.S. Neill tentou pôr em prática em Summerhill"; tal é, implícita ou declarada, a posição de todos aqueles que temem acima de tudo entravar a espontaneidade ou contrariar o "natural" da criança ... Aliás, sabe-se que essa posição é insustentável e que nunca foi verdadeiramente mantida: colocá-la em aplicação significaria renunciar ao próprio projeto de educar ou - o que é a mesma coisa - postular que a educação é um proces­ so natural no qual o educador eleve simplesmente fornecer os objetos cul­ turais quando estes constituem uma solicitação explícita. Tem-se a consci­ ência ele que as experiências que foram inspiradas por esse princípio só foram salvas da falência porque, em outro lugar, o desejo pudera emergir ou porque, na escola, o carisma de um professor era tal que, para obter seu amor ou sua estima, se decodificava e compreendia suas expectativas se­ cretas . Acredita-se que tais procedimentos selecionam inevitavelmente se­ gundo critérios invisíveis e confirmam a divisão social dos saberes . . . E no entanto, essa posição é mantida mesmo assim, muitas vezes, como a refe­ rência, posição ideal para a qual deveríamos tender e que só deveríamos abandonar a contragosto, porque a realidade nos impõe acordos, ou mes­ mo comprometimentos. O fato é que, mais uma vez, não estamos elucidando o estatuto daquilo que afirmamos e que estamos passando facilmente de­ mais , ao contrário de antes, ele um discurso descritivo a um discurso normativo: enfatizar a função do desejo na aprendizagem não pode signifi­ car a subordinação de toda aprendizagem aos desejos já existentes, a não ser sob pena el e uma terrível simplificação e por confundirmos o processo e o projeto, o método e o objetivo. Não se pode, portanto, nem propor algum saber sem levar em conta o desejo, nem sacralizar o desejo para submeter a ele todo saber. Ambas as teses, na verdade, fazem valer "o desejo de saber" segundo uma ordem na qual o pedagogo renuncia a agir e que será, assim, profundamente c.letermi-

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nada pelo sistema das expectativas sociais e pelos processos de identifica­ ção que torna possíveis. Poder-se-ia concluir con1 uma certa rapidez que a solução se encontra na busca daquilo que pode suscitar o desejo de saber. . . mas um pouco rápido demais, sem dúvida, pois o pedagogo tem mais um coelho em seu chapéu . • E1e é insuperáve1, por exemp1o, a exercitar sua inteligência com sutis distinções : dessa forma, sabe distinguir os "desejos superficiais" dos "dese­ jos autênticos" e, ao mesmo tempo em que nega os primeiros, exalta os segundos 5 . A dificuldade nesse caso está no fato de que, miraculosamente, os interesses "profundos" sempre coincidem com o seu projeto cultural e estão de acordo com o programa que deve ensinar ou que corresponde melhor a sua concepção do homem e da sociedade . Os "interesses superfi­ ciais", por outro lado, são aqueles que foram suscitados por condiciona­ mentos diversos que, de acordo com as épocas e as ideologias, poderão ser atribuídos à família e seus preconceitos, ao meio social e seus arcaísmos, ao meio econômico e suas solicitações publicitárias; o interesse pelo rock e pela moto é, como se sabe, totalmente "superficial" em um aluno; deve-se à influência excessiva da televisão . Se vier a descobrir a geologia ou a ht�mt\\E\1 vç,-;;,ç-ª ç, ;;,�\I çnt�;;;iª;;;mç, p�lç, }\lJ"Á§§iço mi pdâ- obrn d� Ma1nm?L . o que prova incontestavelmente onde estava1n os seus interesses "profun­ dos"! O raciocínio não é novo; já o vimos ser exercido quando se tratava de negar o obscurantismo familiar para propor os valores seculares ou ele rejeitar as tradições rurais para valorizar o sistema urbano de salário. Ele se explica, sem dúvida, pelo fato de ser exercido por aquele que está "elo lado da cultura" ou de "sua cultura", aquele para quem o saber elaborado surgiu efetivamente como uma libertação, liberando-o de seus preconceitos e for­ malizando uma experiência que ele não pudera, até então, dominar e que , enfim, sua cultura lhe dá o s meios para compreender. Certamente, as cultu­ ras de referência vão mudar com o tempo, mas todas elas se caracterizam pela capacidade que terão de romper com a experiência, ao mesmo tempo em que a explicam e a tornam legível. Nesse sentido, o acesso à cultura comporta bem esta "satisfação específica" de que fala G. Snyders, "a satisfa­ ção da cultura elaborada, o confronto com o mais bem sucedido, o que exige as condições particulares do sistemático" 6 . Ora, se não se pode contestar isso, o tratamento pedagógico que resul­ ta dessa teoria está longe de ser simples. Teoricamente, todo mu ndo está perfeitamente de acordo quanto à fórmula: é preciso fixar-se no desejo exis­ tente, por mais supe�ficial que seja, para abrir novos horizontes e assim, azer com que nasçam, por "sobreposição ", novos desejos mais co11formes J co1n um projeto cultural. . . Assim, constróem-se, como mostra J. Filloux, "cadeias analógicas através das quais as coisas (interesses, necessidades , etc.) se articulam, adquirem sentido no caminho cio desejo que leva a um conhecimento transfigurador do real" 7 . Mas, na prática, isso se torna mais complicado: por um lado, porque nem todas as disciplinas de ensino e nem

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todos os conteúdos se prestam da mesma forma a um tal tratamento e que, às vezes, são necessárias ginásticas incríveis para articulá-los a um desejo ou a um interesse imediato do aluno; por outro lado, porque, quando se consegue isso, as desilusões estão muitas vezes na medida das esperanças : assim, observam-se professores que trabalham a partir de estórias em qua­ drinhos ou de letras de músicas que pedem comentários em língua estran­ geira sobre a moto ou que acompanham seus alunos ao cinema para ver o último filme lançado e sobre o qual esperam poder aplicar exercícios e pesquisas . . . Mas os alunos percebem logo o caráter um tanto quanto super­ ficial ela aplicação e alguns aceitam mal, passado o primeiro momento ele sedução, o fato ele ver suas preocupações, sua sensibiliclacle, as coisas que mais estimam reduzidas a simples suportes ele aprendizagens escolares. Logo, caminha-se, às vezes, para uma alternância sutil entre a simples escu­ ta das preocupações cios alunos e a proposta paralela de objetos culturais que permanecem para eles totalmente heterogêneos; a sala de aula ou o estabelecimento clivam-se assim em dois domínios, um onde o prazer é possível, mas a cultura está ausente, o outro onde a cultura é imposta e encontra os impasses que já observamos. Seja como for, o objeto cultural perde então todo o seu sentido; ele é desinvestido pelo desejo ou monopoli­ zado por alguns, enquanto que a experiência primeira, não se beneficiando com seu aporte, continua deixando-se levar pelos clichês e cliluinclo-se nas banalidades. Enquanto que se desejava estabelecer uma continuidade, apoiar­ se em desejos existentes para neles articular objetos novos, divide-se simples­ mente o tempo entre o respeito dos primeiros e a imposição dos segundos . • Mas é raro que essa divisão seja fácil e, em geral, a clivagem não tarda a desvendar sua verdadeira natureza: chega-se muito depressa, de fato, a subordinar a satisfação do desejo à absorção dócil de conteúdos culturais. Suspende-se então a consideração do interesse do aluno na exe­ cução de uma aprendizagem fastidiosa. A posição, é claro, é inconfessável e raros são aqueles que ousam argumentá-la; o que não impede ninguém ele utilizá-la abundantemente, tanto com os alunos quanto com os filhos. É sem dúvida por isso que resistiríamos a recusá- la, fingindo ignorar que, tantas vezes, recorremos a ela e que, amanhã, em pouco tempo talvez, nos entregaremos, na falta ele algo melhor, a esse comércio banal. Consolamo­ nos, entretanto, ao dizer que, obrigando o sujeito a uma prática que ele não teria iniciado sem a chantagem a qual foi submetido, podemos talvez fazer com que a descubra e esperar que nela encontre prazer. . . Posição menos absurda elo que parece quando relacionada à nossa experiência pessoal . Posição em que se sacrifica a pureza elo procedimento pela eficácia do resultado, mas que, sem dúvida, tem o mérito ele mostrar-nos, ainda que seja tão criticada, a direção certa: a que consiste não em ignorar o desejo, sacralizá-lo, desvirtuá-lo, tampouco em dele tirar proveito, mas sim a que consiste em criar as condições para sua emergência. É claro que, como já insistimos o bastante8 , nenhum desejo pode nascer do nada e, se não for

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articulado ao "já existente" , praticamente não tem chance de surgir. Mas que articulação que fuja aos desvios que acabamos de apontar podemos imaginar?

Quando se mostra que a tarefa do professor é incentivar a emergência do desejo de aprender, ou seja, "criar o enigma" Denunciou-se, muitas vezes e com razão, a confusão entre o ensino-educa­ ção e o ensino-animação 9 . E é verdade que as duas atividades não obede­ cem a mesma lógica: com efeito, se pudermos conceber que a animação se satisfaz com uma simples proposta de objetos culturais e que se coloca a serviço da solicitação dos indivíduos, a educação, por sua vez, tem como tarefa tornar essa solicitação possível efetuando uma iniciação sistemática, pondo todos os sujeitos em contato com esses objetos culturais, esforçan­ do-se para mostrar-lhes o interesse desses objetos, para tornar possível, na vida adulta, escolhas verdadeiras. Sem um ensino sistemático, a liberdade do sujeito é uma liberdade do nada; não pode escolher entre ouvir Mozart ou ler Giraudoux não se pode apaixonar pela física ou se interessar pela história, se não teve a oportunidade de conhecer tudo isso um dia e se não experimentou o prazer disso. "Toda a oferta de bens culturais - por mais atenta que esteja a levar em conta as clivagens sociais - termina cristalizan­ do ou até mesmo acentuando as diferenças, na medida em que a utilização desses bens é determinada pela capacidade de cada pessoa para recebê­ los " , explica B. Schwartz 10 . Sem um ensino sistemático, a animação é redu­ zida a interessar apenas alguns participantes profissionais, a reproduzir as desigualdades sócio-culturais que, no entanto, na maioria dos casos, diz combater. O obrigatório aqui é a garantia do exercício ela liberdade, o ensino sistemático, a condição de escolhas racionais. Mas é necessário ainda que esse ensino não afaste as crianças elos objetos culturais que apresenta, é necessário ainda que assuma explicita­ mente a função de tornar esses objetos desejáveis. Ora, se é certo que não se pode desejar aquilo que se ignora, também é certo que se deixa de desejar aquilo que se possui; o poeta bem o sabe, ele quem saboreia a plenitude do ato suspenso e suplica o ser amado: "Ne hâte pas cet acte tcndre Douceur d'être et de n'être pas, Car j'ai vécu de vous attendre Et mon coeur n'était que vos pas" . 1 1 O paradoxo do desejo deve-se, na verdade, ao fato ele que o objeto desejado eleve ser, ao mesmo tempo, conhecido e desconhecido, que é preciso adivinhar os seus contornos, entrever o seu segredo, mas ele deve

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permanecer escondido e o segredo não deve ser penetrado. Se o papel do professor é fazer com que nasça o desejo de aprender, sua tarefa é "criar o enigma" ou, mais exatamente, fazer do saber um enig1na: comentá-lo ou mostrá-lo suficientemente para que se entreveja seu interesse e sua riqueza, mas calar-se a tempo para suscitar a vontade de desvendá-lo. Ora, acredita­ mos muitas vezes estar prestando serviço ao outro, em suas aprendizagens, quando a ele revelamos "o segredo": porque nós mesmos, quando apren­ demos, deparamo-nos com o que tomamos por dificuldades, porque tive­ mos então que buscar a informação ou a solução e, em nosso pensamento, teríamos ido mais depressa, se elas nos tivessem sido fornecidas sem que precisássemos procurá-las, porque somos vítimas desta ilusão retrospecti­ va . . . acreditamos estar favorecendo outrem privando-o desse tempo ele busca, dando-lhe aquilo que deveria tentar encontrar sozinho. Praticamos então uma pedagogia tagarela que, ao invés de suspender a explicação e fazer com que nasça o desejo, antecipa a solicitação e mata o desejo dentro elo ovo, antes mesmo ele sua eclosão. Em pedagogia, ao contrário ele muitas outras áreas, é preciso sempre dizer "muito e não o bastante", é preciso levantar uma ponta do véu, mas apenas uma ponta para não desmobilizar o sujeito. É preciso, para retomar aqui uma expressão que já utilizamos, colocá-lo em uma "situação-problema" 1 2 acessível e ao mesmo tempo difí­ cil, que ele possa dominar aos poucos, sem explorá-la ele uma só vez, nem dispor ela solução antecipadamente. É no momento em que o aluno tem o sentimento ele que pode conseguir, em que entrevê uma hipótese, mas ainda não consegue atingi-la e resta algo a fazer, que inicia sua ação, inicia sua ação para penetrar o segredo. O desejo nasce assim do reconhecimento de um espaço para investir, ele um lugar e de um tempo para estar, crescer, aprender. Ele não se engre­ na necessariamente de maneira mecânica em um desejo já existente, articu­ la-se antes a um mistério que é preciso ser elucidado e ao qual o sujeito se sente em condições, ainda que tímida ou mediocremente, el e trazer um pouco de luz. Paradoxalmente, portanto, são antes as aquisições anteriores que são determinantes neste caso: é necessário que o sujeito disponha de alguns instrumentos para que possa enfrentar a obscuridade, e é isto que o professor eleve buscar com prioridade: apoiar-se naquilo que os alunos sabem e sabem fazer e sugerir, a partir daí, o que poderiam saber. Criar o enigma com o saber; criar o saber com o enigma. Entrever o futuro questi­ onando o "já existente" , construir o futuro apoiando-se no "já existente" . Na verdade, isso não é senão uma "situação-problema" : um conjunto ele dados que dominamos - o que sabemos - e uma situação que, por outro lado, cria problema - o que não sabemos - um jogo ele presença/ausência, de conhecimento/ignorância, que gera uma aspiração, suscita um desejo . Um jogo permanentemente inacabado, pois é verdade que quanto mais se sabe mais se deseja saber, e que a solução, contra qualquer expectativa, aumenta sempre o enigma.

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Quando se sugere que o enigma só vive em uma relação em que o professor se obriga a "variar a distância" Há, no entanto, enigmas que, como o assunto cio dever ele casa sobre a poesia de Jules Slowacki, não entusiasmam os alunos ou, até mesmo, os mantêm totalmente indiferentes. É porque o enigma é uma concha vazia, apenas intrigante, simplesmente objeto de um breve momento de espanto para aquele que não sabe que "é bom saber" 1 3 . O enigma morre quando ninguém está lá para testemunhar o prazer que se pode encontrar tentando resolvê-lo, ele se dilui em um pequeno dispositivo insignificante quando o adulto não assume o prazer ele saber, a satisfacão ele buscar. "Os pedagogos, explica ]. Guillaumin, foram os primeiros a reconhecer, bem antes dos psi­ cólogos modernos, que a admiração e o desejo de imitar constituiam os mais poderosos recursos da aprendizagem escolar" 1 \ É sem dúvida por isso que o encontro com um modelo adulto de referência, um modelo de saber vivo que se elabora no prazer de sua busca, é tão determinante. Certamen­ te, hoje não se vê com bons olhos falar em modelo e o termo às vezes faz rir, quando não suscita protestos indignados: quem pode ter a audácia, neste período ele incerteza e ele perda ele consenso, ele ter-se como modelo? Que orgulho excessivo estaria provando! Mas há aí a confusão da modéstia indispensável em todo educador com o abandono ele toda referência, a perda do menor ponto de referência. Sem dúvida, é bon1 que o educador se recuse como modelo, mas isso só tem sentido para a criança e só pode ajudá-la a crescer se declarar seus próprios modelos e se, ao mesmo tempo, manifestando sua capacidade para admirar, convidar o outro a ir além da­ quilo que representa apenas el e maneira imperfeita, para ir bem mais adian­ te. Nesse sentido, os verdadeiros modelos são aqueles que têm um outro e que não se apresentam como uma imagem rígida a ser imitada, mas como uma dinâmica capaz ele inspirar outros. Uma educação que ignorasse esse processo, que forçasse os educadores a abandonar o que ]. Guillaumin chama de "o desnivelamento entre o professor e o aluno" 1 5 , ou ainda, que invertesse o sentido cleste 1 6 , perderia toda chance ele criar o enigma e ele suscitar o desejo de saber. Mas, simetricamente, uma educação em que o adulto, fixado à contem­ plação de si mesmo e à satisfação de ter enfim fugido à infáncia, jogasse a criança em uma alteridade radical e lhe comunicasse o sentimento de uma total estranheza não poderia mobilizar nenhuma energia. O desnivelamento só pode funcionar como apelo se estiver inscrito em uma base ele comuni­ dade; a diferença só desencadeia um esforço de identificação se o aluno a perceber como um futuro possível para ele. Um modelo não me põe em ação a não ser que eu possa esperar, um dia, parecer-me com ele, isto é, que me considere, desde já no momento, apesar de meu estatuto diferente, em comunidade natural com ele.

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Eis o paradoxo da relação educativa; ela requer que o Educador seja percebido como estando ao mesmo tempo muito próximo e muito distante: próximo o bastante para que se possa ser como ele um dia, distante o suficiente para que se tenha a vontade de ser como ele um dia. Eis a dificul­ dade ele sua ação: manifestar, sem escrúpulos, sua diferença, mostrar-se na posição mais bem sucedida e, nesse mesmo momento, manifestar sua ex­ trema proximidade, deixar penetrar a emoção compartilhada, a inquietação ou o medo, sinal tangível ele sua humanidade. Mas também, no momento el a mais respeitosa escuta, na mais empática compreensão, quando se es­ força para estar o mais próximo elo outro e quando parece disposto a j un­ tar-se a ele, não esquecer que sempre faz "como se" e que esconder isso seria a pior das ilusões. E quando se tratar de ensinar, encontrará ainda esta dupla exigência: anunciar seus objetivos, apresentar o saber com a convic­ ção ele quem sabe e quer ganhar a adesão, mas projetar-se também nos bancos el e sua sala el e aula, tornar-se aluno de seu próprio saber para compreender as tentativas e os erros daquele que ainda não sabe. Assim caminha o professor, navegando na maioria elas vezes com vi­ s ã o , retomando a distância quando a p roximidade compromete o desnivelamento, aproximando-se elo outro quando seu estatuto e seu saber ameaçam afastá-lo demais. O aluno, aliás, não se ilude com isso, sensível a um ímpeto, a uma palavra de compreensão, sensível ainda mais a um ins­ tante de fragilidade, ele dúvida, a uma ponta ele vulnerabilidade percebida num segundo de hesitação e que coloca o professor, ainda que ele maneira fugaz, elo seu lado. Também não se ilude quando constata tranquilizado que, no auge do diálogo e quando se sente verdadeiramente compreendi­ do em suas divagações, o professor permanece ele mesmo, não hesitando em estabelecer limites que julga úteis, em determinar os objetivos que con­ sidera importantes, mesmo que estes não estejam imediatamente ao seu alcance . Sabe que o professor só pode ser para ele um modelo, como para qualquer um, que o professor só pode inspirar o desej o ele saber, se ele se preocupar assim em "variar a distância" .

Quando se tenta identificar os pontos fixos que permitem mediar a relação O perigo ela "relação pedagógica" - F. Oury e os defensores da "pedagogia institucional" nunca deixaram de repeti-lo - está no fato de que ela possa ser um fator de regressão, abrir caminho para "identificações massivas de tipo canibal , para regressões inexplicáveis, para a confusão, para a mistura dos corpos, para a loucura" 1 7 . Compreende-se a preocupação que aqui se manifesta; avaliam-se bem os perigos que ameaçam uma sala de aula quan­ do nela se estabelecem relações seletivas de mestre a discípulos que absor-

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vem toda a energia do professor, excluem a maioria dos alunos e limitam estreitamente a circulação do desejo. O grupo inteiro torna-se então um simples porta-jóias oferecido a alguns "pares" que se formam, mas sós, no ·ogo das expectativas recíprocas. As duas partes arriscam assim perder qual­ quer controle el e si mesmas, absorvidas pelo fascínio el e seus próprios dese­ jos, cegas a qualquer alerta que viria lembrar a existência do outro. É por isso que, se não é possível dispensar a relação que dá viela ao enigma e suscita o desejo de resolvê-lo, o que importa é gerir, na medida elo possível, sua distribuição e seus efeitos, introduzindo aí as mediações necessárias . • A mais ancestral das mediações, a que logo mostrou aos homens que podia protegê-los contra a divagação da emoção, é sem dúvida o ritu­ al. Impondo uma organização do espaço e do tempo, atribuindo lugares e codificando gestos e palavras, ele regula a vida coletiva, garante a seguran­ ça de cada um e define as fronteiras ele sua ação. Quando surge a tentação de privilegiar a relação dual, o fascínio recíproco de dois desejos que se avolumam e se alimentam mutuamente, ele impõe marcar o passo e tomar distância. O rito não proíbe a emoção, mas permite, pelo menos parcialmente, controlá-la. Autoriza sua expressão, porque dá a segurança ele que não se poderá ir longe demais. Sem o rito, o professor deveria evitar qualquer vicissitude relacional temendo que ela o devorasse inteiro e que fizesse desequilibrar sua classe em processos de fusão com uns e ele exclusão dos outros . . . Mas s e toe.los reconhecem a importância elos ritos escolares, avaliam-se o seu interesse para estruturar, através do espaço e do tempo, a personalidade de cada um dando-lhe referências e pontos de apoio, as propostas diver­ gem quando se trata de explorá-los: que pontos comuns encontrar entre Alain ou Gusc.lorf18 por um lado, defensores do ritual magistral chegando a sua sacralização, e Freinet ou Oury por outro, que propõem aos alunos, através do " conselho", estabelecer instituições que garantam a reciprocic.la­ c.le das trocas? Todavia, observando com mais atenção, não é certo que essas propostas sejam, no fundo, tão diferentes assim: o que caracteriza, na verdade, um. ritual escolar eficaz é o.fato de garantir a cada um a possi­ bilidade de implicar-se e de ao mesmo tempo retrair-se, o fato de ter um espaço - que não deve ser todo o espaço - e de encontrar um refúgio, quando estiver ameaçado em sua independência ou em sua integridade . A organização do espaço deve, portanto, ser de tal forma que cada um disponha de um território para investir, para apropriar-se, onde instalar os objetos que lhe são caros e úteis, um território que reconheça como seu , de onde possa falar e onde possa se fechar. Acredita-se enormemente que o aluno, ao entrar no primeiro ano do primeiro ciclo do secundário, pode dispensar um lugar onde deixar sua trilha e que o proteja contra a onipo­ tência de outrem; sem dúvida, pode-se imaginar que, progressivamente, um espaço mental vai substituir o espaço físico, mas é um engano acreditar que a mediação poderá desaparecer: é por continuar a existir fora da insti-

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tuição escolar, e apenas sob tal condição, que esta poderá progressivamen­ te dispensá-la. De fato, quando o sujeito não tem mais território de referên­ cia, torna-se totalmente vulnerável a todas as solicitações fusionais; sem esta ancoragem num objeto-seu, algo em que possa se reconhecer um pou­ co, mas que exista no seu exterior para que possa aí se apoiar, deixar-se-á facilmente captar pelo outro. E o que vale para a organização do espaço é perfeitamente transponível para a organização do tempo: se este não é suficientemente ritmado, limitado de tal forma que cada um possa implicar­ se sabendo que poderá logo retrair-se sem ser perseguido, se o tempo é apenas uniformidade, não pode ser senão totalmente desinvestido ou neuroticamente superinvestido. Enfim, é a nível dos compottamentos que o ritual deve também ser introduzido: não se trata ele deles excluir toda espontaneidade, ele formalizar chegando ao artifício a menor palavra e o menor gesto, mas sim de esclarecer suficientemente os limites do possível para que cada um se sinta seguro e não tema, a cada instante, o extravasa­ mento da emoção ou a erupção da agressividade: cabe à regra proteger aí cada um contra si mesmo e contra os outros, impondo a distância necessá­ ria. E a distfmcia é, muitas vezes, simplesmente a obrigação de suspender o impulso, pois é exatamente nessa suspensão que se exerce a inteligência. . . isso é o que tão bem compreendeu J. Korczak que, na "Casa dos Órfãos" de Varsóvia, havia instaurado a fórmula de "correio"; podia-se, através disso, comunicar uma questão particular, uma queixa contra um par ou um educa­ dor, um insulto ou até mesmo uma ameaça: "Escreva e veremos", dizia Korczak, observando que, graças a esse sistema, as crianças aprendiam a esperar ao invés ele exigir no mesmo instante, a avaliar a situação, a refletir e justificar uma decisão, a ter acesso a uma expressão oral mais serena e, portan­ to, mais eficaz19 • A mediação elo ritual, neste caso, está longe ele ser vã. Dessa forma, poder-se-ia encontrar, sem dúvida, tanto em Alain quan­ to em Freinet, mas adaptados a idades e públicos diferentes, os três níveis el e ritualização sem os quais, ao nosso ver, a classe não pode evitar as transferências maciças e devoradoras: o ritual da organização do espaço, através do qual cada um apropria-se ele um território, estabelece suas ferra­ mentas de trabalho, reserva para si um lugar ele onde possa manifestar-se e onde possa retrair-se; o ritual da distribuição do tempo, que determina a posição respectiva elas atividades individuais, duais, coletivas, que impõe os momentos de silêncio em que são possíveis a evocação e a reflexão; e, enfim, o ritual de codificação dos comportamentos, através dos quais são instauradas as regras que garantem a segurança física e psicológica das pessoas. Acreditamos ainda que convém que esses rituais constituam o objeto de uma atenção explícita e que sejam apresentados, explicados, expostos em sala ele aula ou escritos no quadro, retomados e retrabalhados permanentemente. Acreditamos que o professor deve ter a preocupação constante de mantê-los vivos e que só pode consegui-lo se estiver atento e implicado nessa tarefa. Isso lhe parecerá, às vezes, tão trivial quanto nossas

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palavras banais . . . mas não há a certeza de que, neste domínio, as banalida­ des não sejam essenciais. • Apesar de sua importância e do fato de que aqueles que a recusam utilizam-na enormemente, a mediação pelo ritual pareceu muitas vezes "re­ acionária" , o que levou os pedagogos, particularmente no contexto da Éducation Nouvelle, a ela preferir a mediação pelo projeto. Pensava-se as­ sim substituir regras "naturais" de funcionamento, emergindo do próprio projeto e ele suas exigências, ao que se apresentava como a boa vontade do professor; isso significava esquecer que o projeto, mesmo que a classe tenha participado de sua escolha, é finalmente retido e recusado pelo pró­ prio professor e, na maioria das vezes, precisamente, em função das regras que ele pode determinar e de seu grau de aceitabilidade. Ao escolher a redação de um jornal ao invés da organização de uma reunião dançante, está sendo tão diretivo quanto ao impor simplesmente uma boa ortogra­ fia . . . mas essa diretividade é mediada pelo projeto. O princípio aqui consiste em introduzir na relação o referente, objeto concreto no qual se possam experimentar as intenções recíprocas e que venha regular a circulação do desejo 20 . A tarefa realizada em conjunto per­ mite então a cada um "colocar-se em jogo a cerca de" uma realidade exter­ na à relação dual que mantém com o professor. Na medida em que cada um se dedica a uma atividade precisa, útil a todo o grupo, identificada por um produto, ainda que pequeno, não pode mais ser, ela mesma forma, objeto de fascínio ou de repulsa; ele fato, existe entre ele e o outro a medi­ ação ela tarefa que o preserva e ao mesmo tempo lhe fornece um ponto ele apoio: ela o preserva cios ataques e da sedução pura que vêm, ele certa forma, se deparar com o produto, serve el e ponto ele apoio para que possa remanejar suas identificações, confrontar a imagem que o adulto faz ele si mesmo e cio saber com a realidade que enfim apresentam "as coisas" pre­ sentes na sala ele aula. E aí está, sem dúvida, o aspecto mais interessante ela mediação pelo projeto: o professor, com efeito, não mais é confundido com o saber; não pode mais ser idealizado da mesma maneira, já que o objeto do qual fala, as exigências às quais exorta, as conseqüências às quais faz alusão, estão ao alcance de todos. Até então, era preciso acreditar em sua palavra, agora é possível confrontar suas afirmações com a realidade, uma realidade que, ao mediar a relação pedagógica, não pode deixar de colocar as coisas em seu lugar. Já tivemos a oportunidade, em outra ocasiãa21 , de salientar as dificul­ dades ele um tal empreendimento e, sobretudo, o perigo, para que cada um tenha uma tarefa no grupo, de dividir estas últimas em função das compe­ tências pré-estabelecidas e, com isso, de esvaziar qualquer aprendizagem: aspirados por uma lógica coletiva, os alunos dirigem-se então para a divi­ são do trabalho, marginalizando, em nome da qualidade do resultado, aqueles que a comprometem . . . A mediação pelo projeto pode, no entanto, ser utiliza­ da quando, precisamente, os objetivos de caráter cognitivo são secundários

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e quando se trata acima de tudo, por exemplo, de mobilizar o aluno para um futuro possível, ajudá-lo a encontrar seu espaço dentro de um grupo, regular relações interpessoais que, em um determinado momento, dentro de uma sala de aula, perdem-se nas fantasias e geram um extravasamento incontrolado de afetividade. Mas pode-se, sobretudo, introduzir tempos de "produção" para fazer com que surjam, a partir de um projeto de fabricação diante do qual os alunos se encontram, exigências escolares ou conheci­ mentos a serem apropriados. O erro não está no fato de proceder dessa forma; o erro está no fato de confundir a emergência de um problema com a aprendizagem de sua solução ou acreditar que a primeira implica automati­ camente a segunda: quando alunos têm uma tarefa a cumprir em conjunto e que consideram importante, se a dificuldade surgir, tentarão vencê- la "com economia" , isto é, sem realizar uma aprendizagem que parecerá lon­ ga e cansativa, mas será encontrando alguém ou servindo-se de um objeto que poderão precisamente evitar a aprendizagem. É por essa razão que a tarefa cio professor é exatamente impedir o encerramento produtivo, mes­ mo que isso o leve a gerar frustração. Enfim, é particularmente útil, em sala de aula, introduzir com regularida­ de a mediação pelo projeto: centrando os alunos em, uma produção, intro­ duz-se wn referente que medeia sua relação com, o adulto; este último pode assim evitar as identificações descontroladas que ligam sua pessoa ao Saber e criam situações de dependência. Mas esses tempos devem, estar precisa­ mente situados eni uma progressão: possibilitam a ident{/icação e não a aprendizagem dominada. Este limite impede que essa mediação se torne a única usada em sala ele aula; ele não pode dispensar nem a mediação pelo ritual que garante um quadro mínimo, nem a mediação pela avaliação que eleve imperativamente prolongá-lo. • O leitor provavelmente ficará surpreso com o fato de introduzirmos aqui o termo avaliação em um capítulo destinado à relação pedagógica. É porque, hoje, seu uso está essencialmente ligado, por um lado, aos traba­ lhos de docimologia e às tentativas ele racionalização cios procedimentos avaliativos, e por outro, às pesquisas tão fecundas sobre a avaliação formativa como instrumento ele regulagem de um dispositivo de ensino 22 . Ora, nossa intenção não é sugerir uma nova definição para esse termo que já apresen­ ta tantas, tampouco propor uma nova forma de avaliação que se viria acres­ centar àquelas já empregadas, mas sim insistir no papel essencial que pode ter toda avaliação, na medida em que o sujeito dela se apropria e é onde pode identificar suas aquisições. Na verdade, apesar de todas as precau­ ções que acabamos de descrever e que permitem mediar uma relação dual cujo caráter dinamogênico e ao mesmo tempo perigoso foi mostrado, é difícil fugir daquilo que Mélanie Klein nomeia "a identificação projetiva" que, como mostra J . Oury, pode se tornar "sortilégio, posse cio outro atra­ vés de seu interior, esvaziando-o de seu conteúdo, em posição ele controle, de observação quase absoluta" 23 . Um cios paradoxos da posição de educa-

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dor é, na verdade, o fato de que quanto mais ele tiver sucesso, mais repre­ senta um pólo positivo para o sujeito, quanto mais assumir o prazer el e saber e quanto mais comunicá-lo a outrem, mais difícil é desligar-se dele e, portanto, mais forte é a ameaça el e captação. Há nisso, aliás, um fenômeno que os educadores e muitas vezes os pais percebem confusamente: admi­ ram os professores prestigiosos, reconhecem o seu valor e o seu sucesso, mas, ao mesmo tempo, fazem pesar sobre os últimos uma suspeita estra­ nha, compreensível ele uma certa forma, ainda que injusta na maioria el a s vezes: na verdade, o êxito surge aí como o culpado e isso confirma, ao contrário cio que se pensa, a idéia de que aquele que não inspira nenhuma admiração, que deixa o outro indiferente e que se contenta, no máximo, em satisfazer os desejos existentes é um "bom profissional" , livre ele qual­ quer crítica. Estranho ofício onde, ao invés ele proteger-se contra os efeitos perversos cio êxito, promove-se o insucesso, quando não a incompetência! Ora, há um meio ele fugir ao fascínio mais poderoso ou, pelo menos, ele afastá-lo: identificando aquilo que ele permitiu adquirir, desvinculando­ o das condições ela aprendizagem, reutilizando-o em outra situação e em benefício dela. Aquele que sabe sem saber que sabe fica eternamente depen­ dente daquele que o ensinou; poderá apenas mostrar seu saber se isso lhe for solicitado. Em contrapartida, aquele que sabe que sabe pode mobilizar seus saberes e seu savoir:faire, por sua própria iniciativa, em função elas situações diante das quais se encontra. Aquele que sai da sala de aula sabendo do que é capaz a partir desse momento, aquele que desvia elo olhar cio professor para anotar algo que decide reter, aquele que se prende a um detalhe que pretende verificar, aquele que tenta utilizar em outra situação e ele outra forma o que lhe foi ensinado , aquele que relaciona os resultados que obtém com a situação que tornou possível sua obtenção é quem se livra elo poder absoluto cio mestre. A introdução de um ponto fixo faz com que a relação assimétrica, mesmo que ele, parcial ou mais ou menos conscientemente, seja dela tributário, perca seu poder de des­ pojamento: uma ancoragem, mesmo mínima, permite fugir ela aspiração. É por isso que é necessário praticar a avaliação como descontextuali­ zação sistemática e meio ele identificar as aquisições . Descontextualizar é utilizar um conhecimento em uma outra situação, numa ruptura em relação à situação ele aquisição, com outros exemplos, dentro ele outro quaelro, dentro ele um outro contexto intelectual mas também sócio-cognitivo, ou até mesmo com outras pessoas; identificar as aquisições significa saber nomeá- las, exteriorizá-las , ser capaz de colocá-las em prova, sobretudo, à prova elo tempo. Descontextualização e identificação el a s aquisições: duas operações estreitamente solidárias que se manifestam reciprocamente, em uma dinâmica onde se constrói progressivamente um sujeito autônomo. Duas operações que nada têm a ver com o milagre, mas que surgem quan­ do o professor tem a preocupação com essa referência necessária à terceira · realidade e estabelece alguns dispositivos e instrumentos capazes ele encarná-

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la: verificar uma afirmação em um livro ou em um documento, questionar uma competência externa, realizar uma experiência - por mais modesta que seja -, colocar-se em posição de explicar a outrem aquilo que o profes­ sor permitiu compreender, de construir um esquema a partir de uma expli­ cação oral, ter que explicar a um terceiro o que se acaba de apreender são todos meios modestos para desvincular a aprendizagem daquilo que foi o seu vetor. Elaborar com os alunos, como sugere G. Nunziati 21 , os critérios de avaliação de um objetivo para que possam analisar efetivamente seus resultados; fazer com que cada criança, ao final de cada dia, escreva, sobre uma folha grande, aquilo que decide lembrar e que a exponha na sala de aula, como o faz este ou aquele professor primário; dispor de um livro de auto-avaliação, de tempo para preenchê-lo e consultá-lo, ser acompanhado de maneira regular e exigente nessa tarefa; determinar-se a si mesmo, ao final de um estágio ou de um curso de formação, os três indicadores cuja contribuição, dentro de um mês ou um trimestre, se poderá verificar. . . tan­ tas garantias de que a introdução da terceira realidade poderá criar um espaço, sempre frágil e a ser reinstaurado, de onde a pessoa possa manifes­ tar-se, isto é , onde possa intervir a ética. Na verdade, a ética não é senão o difícil trabalho em que tento articu­ lar o crescimento de outrem ao meu e em que, criando permanentemente mediações para não me tornar mediador, permito que ele se liberte de mim. A ética, diz E. Lévinas, é a exigência essencial que faz com que "me torne responsável pela responsabilidade de outrem" 2 º. APRENDER FERRAMENTA Nº 4 - REIACIONAR

Esta ferramenta é, antes de tudo, um suporte à reflexão individual ou coletiva. Poderá ser utilizada com proveito por um professor que encontra, com seus alunos, certas dificuldades no domínio "relacional" (letargia, indi­ ferença, captação por alguns, agressividade, resistências . . . ) Permitirá que examine então sua atitude e, sobretudo, que preveja os reajustes necessári­ os. Ainda que diga respeito ao domínio da "relação" e concerna então ao registro das atitudes, ela faz intervir amplamente a instalação de dispositivos muito concretos. Aposta-se, neste caso, que estes dispositivos serão capazes de operar remanejamentos em nível sócio-cognitivo. O professor não tem, na verdade, com muita freqüência, tempo nem meios para realizar uma análise de tipo psicológico, a fortiori psicanalítica. Em compensação, pode esclarecer e melhorar sua posição face aos alunos, tentando melhor compre­ ender e dominar a situação pedagógica, e isto não pode deixar de ter efeitos psicológicos indiretos.

101 A eficiência de u m a tal ferramenta será consideravelmente melhorada s e e l a for utilizada por colegas que, n a confiança e na exigência recíprocas, assistem a aulas dadas por uns e outros e procedem coletivamente à análise do que aí se passou .

1. Fazer do saber um enigma... Sou capaz de imaginar, para criar enigma com saber, situações-problema ao mesmo tempo acessíveis e dificeis, isto é . . . - onde o aluno pressente que, utilizando o que já sabe, poderá transpô-las, - onde não pode desviar facilmente, nem achar a solução "com economia"? A

Tenho a preocupação de identificar aquilo que os alunos sabem ou sa­ bem fazer (na disciplina que ensino e em um plano mais geral) , a fim de fa­ zer com que estas aquisições pareçam insuficientes, incompreensíveis, mes­ mo misteriosas, se não forem esclare­ cidas por conhecimentos mais amplos?

Tenho a preocupação de .suspender a explicação, de adiar a resposta, de não dar imediatamente a solução às per­ guntas que sou levado a fazer? Sei me calar de vez em quando e criar momen­ tos de suspense e de busca pessoal?

(Para esclarecimentos sobre a noção de situação-problema, ver as ferramentas nº 2 e 6.) 2. Variar a distância com o aluno ... Sou capaz de testemunhar, pelo menos às vezes e arriscando adiar a urgência dos programas, o prazer que me dá o saber que eu ensino? Sou capaz de estar assim suficientemente "afastado" para suscitar o desejo de identificação e, ao mes­ mo tempo, suficientemente "próximo" para fa­ zer com que esta pareça possível? A

- Tenho a preocupação de mostrar, através do que sou (e não somente do que digo), que é bom aprender e co­ nhecer? Posso aceitar ser u1n "mode­ lo de saber vivendo na felicidade de

sua busca, aceitando sem escrúpulos sua "diferença"? - Mas, no mesmo instante em que ma­ nifesto minha diferença, minha rique­ za, meu sucesso, será que estou sufici-

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entemente atento para não me afastar do aluno e para intoduzir sinais de mi­ nha proximidade com ele? - Tenho a preocupação de mostrar, através do que faço e digo, minha proximidade com o aluno, de ma­ nifestar os sinais de uma comunidade c o m e l e , o testemu n h o , m e s m o efêmero, d e uma humanidade dividi­ da?

- Mas, no mesmo instante e111 que estou mais próximo do outro, em compreensão ou em cumplicidade com ele, será que estou suficiente­ mente atento para não lhe dar a ilu­ são de identidade, será que ouso sustentar meus objetivos, minhas exigências?

3. Mediar a relação... • Estou atento em criar "rituais escolares" que permitam que cada um se implique e se retrate no funcionamento da sala de aula, identificar-se sem ser vítima de captação? - rituais de organização do espaço que permitem que cada um se aproprie de um território, - rituais de divisão do tempo que organizam nm­ mentos de trabalho individuais, momentos de informa­ ção coletiva e momentos de trabalho em grupos, - rituais de codificação dos comportamentos que asseguram a segurança física e psicológica dos indiví­ duos. Tenho a preocupação de apresentar estes rituais reduzindo sua parte de implícito e de renegociar regularmente suas modalidades e sua aplicação? • Estou atento em utilizar " projetos" (tarefas que mobilizam a classe ou um grupo numa produção coletiva) para fazer emergir necessidades de conhecimentos e dar assim ao saber uma outra referência além de mim mesmo? Esforço-me, ent;:-1 0, para limitar estes projetos a este objetivo e para articular a ele procedimentos de apropriação individual? • Estou atento em proceder com avaliações regulares que permitam descontextualizar e reconhecer as aquisições? - descontextualizar confrontando com outras fontes e utilizando os { conhecimentos em outros planos, - reconhecer nomeando e identificando as aquisições, bem como sua retenção a médio e longo prazos.

Notas 1 . V. Jankélévitch, Le je-ne-sais-quoi et le presque-rien, t. I, Le Seuil, col. "Points", Paris, 1 98 1 , p. 5 3 e 74. 2. W. Gombrowicz, Ferdydurke, Christian Bourgois, col . " 1 0/18", Paris, 1 977, p. 50 e 5 1 . 3. L e domestique et l'affranchi, Éditions Ouvrieres, Paris, 1 977, p. 134. D. Hameline explica que "a própria circulação dos conhecimentos (e, portanto, sua transmi_ssão) supõe, subjacente

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a seus circuitos, uma circulação dos gostos e das vocações que não é mais do que a domesticação das pulsões para objetos culturalmente valorizados tanto na sociedade quanto nas preferências individuais" (ihid). 4. Cf. P. Meirieu , L 'École mode d 'emploi, ESF, Paris, 1986, p . 43 a 48. 5. G. Avanzini faz a mesma análise a respeito da noção de "interesse" nos métodos ativos; cf. Immohílisme et novation dans l'institution scolaire. Privat, Toulouse, 1975, p.59. 6 . G. Snyders, La joie à l'école, PUF, Paris, 1986, p . 322. 7. ]. Filloux, Du contrat pédagogique, Dunod, Paris, 1 974, p. 335 8. Cf. primeira parte, cap. 1 . 9. Cf. G . Snyders, L a joie à l 'école, op. cit. 10. 13. Schwa1tz, L 'éducation demain, Aubier-Montaigne, Paris, 1973, p. 56. 1 1 . P. Valety, "Les pas", Charmes, Poésies, Gallimard, Paris, 1966, p . 59. Tradução: Não precipite este ato terno / Doçura de ser e de não ser / Pois vivi de sua espera / E meu coração era só os seus passos" . 1 2 . Cf. primeira parte, cap . 2 . Cf. também ferramenta nº2 1 3 . Cf. J.-P. Dolle, Monsieur !e Président, il.faut que je vous dise, Lieu commun, Paris, 1983, p . 1 16 . 14. ]. Guillaumin, "Aspects d e l a relation maitre-éleve", Bulletin Binet-Simon, nº 472 , 1962, p. 9. 1 5 . ]. Guillaumin, "Aspects de la relation maitre-éleve", art. citado . 16. Assim G. Avanzini obse1va que hoje "os adolescentes são aqueles que seus "educadores"

imitam e aos quah tentam de uma forma ou de outra se alinhar. Assim deu-se ,

subrepticiamente, uma gigantesca inversão das influências . . . " ("La relation éducative aujourd'hui", Le Supplément, Le Cerf, nº 150, outubro de 1984, p. 65 a 84, p. 79). 17. F. Oury, in C. Pochet, et al. , L 'rmnée derniere, j 'étais mort, Macrice, Vigneux, 1986, p. 1 24. 18. Cf. G. Gusdorf, Pourquoi des professeurs?, Payot, Paris, 1963 . 19. ]. Korczak, Comment aimer un enfanf?, Laffont, Paris, 1978, p. 289 a 291 . 20. Cf. F. Omy e A. Vasquez, De la classe coopérative à la pédagogie institutionnelle, Maspero, Paris, 1971 . 2 1 . Cf. P. Meirieu, Itinéraire des pédagogies de groupe, Apprendre en groupe? l , Chronique sociale, Lyon , 1984. 22. Cf. L 'évaluation en question(s), CEPEC, ESF, Paris, 1987 . 23. ]. OURY in C. Pochet et a!. , L 'année derniere, j'étais mort, op. cit., p. 190. 24. Cf. College, nº 2 , março de 1984, CRDP de Marselha. 25. Citado por J. Orny, op. cit. , p. 173.

Capitulo 4

o CAMINHO DIDÁTICO Quando se vê que a definição dos objetivos não basta para a elaboração de um procedimento didático , mas que este requer a elucidação da atividade mental a ser solicitada e a instalação de situações-problema "Se 'pensar' significa 'operar', o problema didático consiste em conce­ ber uma situação que venha exercitar a atividade mental do aluno. " J. Berbaum, Apprentissage etformation, PUF, Paris, 1984, p. 81

Quando se estabelece a necessidade de de:finir e classificar seus objetivos Num certo colégio (1 º ciclo do ensino secundário), os professores adotaram um "projeto de estabelecimento". Após uma sondagem junto os alunos, um acordo com os pais, várias reuniões, decidiram empenhar todos os seus esforços na "aquisição do espírito crítico". Haviam constatado, com efeito, a grande credulidade de seus alunos e sua admiração injustificada por cer­ tos programas de televisão, seu fascínio diante da publicidade, sua ausên­ cia de distância em relação aos slogans mais simplificadores . . . e a satisfação tranqüila com a qual entregavam trabalhos que o menor espírito crítico teria permitido melhorar consideravelmente. Como bons profissionais, cons­ cientes de sua especificidade, foi aliás contra esse último ponto que decidi­ ram lutar mais particularmente; não por renunciarem a influir nas ativida-

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des extra-escolares, mas por decidirem legitimamente que através das ativida­ des que organizam e que podem dominar permitirão aquisições que pode­ rão, sem dúvida, mais tarde , ser repercutidas em outro lugar. Sabem que, para serem eficientes nas áreas que não são as suas, é preferível que, parado­ xalmente, não toquem nelas e que façam, por outro lado, o melhor possível naquilo para o que são competentes. Estão conscientes de que se forem bons didatas, rigorosos em seus objetivos e cm seus métodos, têm alguma chance de conseguir algum impacto sobre outra coisa que não seja as aprendi­ zagens propriamente escolares; sabem que, ao contrário, assumindo desastro­ samente o papel de "animador" , de assistente social ou de psicoterapeuta profissões para as quais não dispõem nem de uma formação, nem de con­ dições de exercício -, entregam-se às tentativas, ou até mesmo aos erros , da incompetência e perdem toda esperança de agir de maneira válida . . . Em outras palavras, sabem traduzir uma finalidade em fim, ou seja, assimilá-la no domínio de competência que é seu, percebem perfeitamente que essa "tradu ção", apesar das aparências, está longe de ser um empobrecimento de sua finalidade, mas representa a garantia de sua realização; o "retraimen­ to" que realizam lhes confere efetivamente o estatuto de atores sociais . Em todo o caso, se o fim é objeto ele um consenso, nem por isso fornece os meios de sua realização e bem se sabe que é necessário ir ainda mais longe na precisão; é por isso que os professores desse colégio, reuni­ dos antes ela volta às aulas, decidiram agir sobre o trabalho em rascunho e sobre a releitura atenta dos deveres pelos alunos. Haviam observado, fazia muito tempo, a incapacidade destes, apesar de sua injunção, para retomar seriamente, criticar e corrigir o que haviam escrito; haviam observado ainda que alguns alunos, tendo que justificar que tinham feito um rascunho , o rabiscavam posteriormente, como quando se encerra uma tarefa enfado­ nha, e, às vezes, levavam o escrúpulo ao ponto de introduzir minuciosamente no trabalho algumas falsas rasuras. Viam nisso, com muita razão, uma falta de "espírito crítico" e a oportunidade de concretizar seu fim formulando-o em termos mais precisos: "cada aluno elo primeiro ano do primeiro ciclo secundário, decidiram os professores, deverá, ao final do ano letivo, e para cada disciplina, ser capaz de adiar a execução definitiva de um dever e ele realizá-la distinguindo nitidamente três tempos : um tempo de pesquisa, um tempo de elaboração e um tempo de retomada crítica. O resultado ele cada uma destas fases deverá poder ser identificado ." Tinham aí, certamente, um objetivo geral capaz ele uni-los, ele manifestar uma exigência comum aos olhos elos alunos e ele mobilizá-los ele maneira eficaz. Aliás, o objetivo seria claramente comunicado a estes últimos e eles seriam convidados regularmen­ te a questionar-se quanto a sua progressão nesse domínio. A partir desse dia, em cada disciplina, os professores reuniram-se re­ gularmente para pôr em ação sua resolução . Como tinham tido uma forma­ ção em "pedagogia por objetivos", tentaram formular objetivos operacionais

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de acordo com a especificidade de sua matéria e devidamente classificados do menor ao maior. Assim, tiveram que entrar em acordo quanto às exigên­ cias que todos fariam para a entrega de trabalhos escritos, o que lhes permitiu construir, de maneira muito eficaz, uma grade de releitura contendo os diferentes pontos a serem verificados pelo aluno. Construíram também uma progressão rigorosa que, a cada mês, atingia um domínio determinado e, a cada semana, um objetivo preciso ele releitura. Cabia a cada um, em suas próprias aulas, estar atento à introdução e à verificação cio objetivo defini­ do em conjunto. Essa fórmula permitiu-lhes identificar os alunos atrasados neste ou naquele ponto e agrupá-los assiduamente em seqüências que estavam reservadas a eles. Quando isso foi possível, os alunos foram até mesmo misturados entre diversas salas de aula para constituírem "grupos de necessidade" 1 . Um tal método é, em muitos sentidos, exemplar: os professores percor­ reram a cadeia que vai das finalidades aos objetivos operacionais formula­ dos, para cada disciplina, em termos unívocos de comportamento observá­ vel 2 . Quando chegou a hora do balanço, puderam avaliar o interesse desta exigência: sempre anunciar aos alunos, da forma mais precisa possível, o resultado esperado levava-os, por sua vez, ao rigor didático, ao mesmo tempo em que isso suprimia toda uma série de equívocos que, até então, pesavam muito sobre sua eficácia. Por explicarem-se incansavelmente, eram levados a ver com maior clareza o que se passava, ao mesmo tempo que esclareciam suas expectativas para outrem. Além disso, haviam adotado um precioso instrumento que lhes permitia discutir em conjunto e fazer do conselho de classe um lugar em que podiam identificar precisamente as dificuldades cios alunos e propor a eles os recursos adaptados . . . Inclusive, compreendiam enfim alguns insucessos ao identificar os pré-requisitos fa­ lhas. Mas, sobretudo, puderam adotar modos ele gestão diferenciados, divi­ dir os alunos segundo suas necessidades e observar com eles, em casos específicos, a eficácia do método utilizado . . . Na verdade, este é, ele fato, o principal interesse da "análise por objetivos" : ela fornece um referencial e ao mesmo tempo um referente, um instrumento para a gestão de uma pedagogia diferenciada e um suporte para a negociação de uma pedagogia contratual. Somente a definição prévia dos objetivos permite de fato, em qualquer curso ele formação, dividir os indivíduos em função ele suas aquisi­ ções anteriores e evitar provocar tédio naqueles que já sabem ou precipita­ ção naqueles que ainda ignoram. Apenas o anúncio dos objetivos permite referir o diálogo educador/educando a outra coisa que não seja a vagas impressões ou à "vivência" afetiva de um ou de outro; ele concretiza e explicita, na relação pedagógica, a mediação pelo saber cuja importância vimos . . . De onde vem então o fato el e que, nesse colégio como em muitos outros, após um ano ele trabalho considerável , tenha-se o sentimento difuso de ter deixado escapar algo?

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Quando se mostra que o que gera um dispositivo didático não é a definição de um objetivo, mas a hipótese sobre uma operação mental que é preciso realizar para atingi-lo Retomemos um instante o objetivo geral fixado pelos professores; tratava­ se, lembramo-nos disso, de ensinar os alunos a "relerem seus deveres", ou seja, a fazerem uma retomada crítica desses deveres que lhes permitisse melhorar seus desempenhos. Para traduzir um tal objetivo de maneira ope­ racional, em uma disciplina determinada, pode-se, e isso é o que aqui foi feito, decompor a noção de "retomada crítica" identificando tudo aquilo a que é preciso estar atento durante a releitura: ter-se-á então, segundo as matérias, diferentes critérios que poderão ser tanto a precisão do vocabulá­ rio técnico, o acerto dos cálculos, a exatidão das datas, a precisão dos esquemas, quanto, de maneira mais precisa, o emprego ou a interdição desta ou daquela expressão, a presença desta ou daquela palavra, até a existência das maiúsculas no início das frases. E pode-se efetivamente elabo­ rar, para cada tipo de dever, uma lista precisa das exigências consideradas . . . Isso encontra, no entanto, duas dificuldades graves: em primeiro lugar, a especificação estabelecida, se for levada a seu limite natural, deverá chegar às exigências aferentes a cada dever específico e, ainda, no limite extremo, a lista dos critérios de sucesso arrisca confundir-se com a grade ele respos­ tas do dever. Enunciar exatamente tudo o que é necessário te.r feito é quase o mesmo que fazer o dever em seus mínimos detalhes, e cada professor poderá redescobrir isso se tentar, para i.1m trabalho determinado, fazer a lista exaustiva de tudo o que deverá verificar e se pensar em comunicá-la a seus alunos . . . Mas, dirão vocês, tudo está no "quase" que surgiu subrepti­ ciamente na frase anterior, pois sabemos - e esta é a segunda dificuldade que um aluno pode dispor de uma lista muito exaustiva de exigências e de critérios sem, no entanto, saber fazer o trabalho pedido. Ele pode executar mecanicamente instruções ele releitura sem "reler-se" verdadeiramente . . . Ei­ nos, pmtanto, diante de um impasse: ou os objetivos são divididos até totalizar o trabalho exigido que acaba se confundindo com eles; ou esse trabalho é inútil, já que, por mais adiante que o levemos, deve-se admitir que o essen­ cial está fora dele. É verdade que o professor de francês, por exemplo, que quer estabele­ cer uma grade ele releitura ele uma dissertação corre o risco ele começar tranqüilamente explicando que é preciso corrigir a ortografia, verificar as repetições, suprimir as aproximações e as más construções . . . antes de encon­ trar-se perdido quando tiver que detalhar o que entende por "má constru­ ção" e tentar estabelecer sua lista . . . antes mesmo de perceber que aquilo que é erro ele construção num dever pode não sê-lo num outro e que está envolvido em uma tarefa totalmente louca. Deve, diante disso, renunciar a esse tipo de inventários? Certamente não! Com a condição de saber inter-

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rompê-los, são particularmente preciosos e acreditamos tê-lo mostrado3 • Entretanto, todas as atividades que descrevem não podem dar conta da operação mental da qual são apenas, no máximo, manifestações externas. Na verdade, o que é importante em uma "releitura" é evidentemente ter critérios, mas é, sobretudo, estar em condição de fazer uso desses critérios, ou seja, estar em projeto crítico em relação a si mesmo. "Reler-se" significa adotar para si o ponto de vista do outro, interiorizar a socialidade ou ainda, segundo a expressão de ]. Piaget, "descentrar-se"". É, pmtanto, em torno desse projeto, e apenas em torno dele, que todo o resto, todas as tarefas que deverão sem dúvida continuar sendo inventariadas, ordenam-se e adqui­ rem sentido. Portanto, esse é o projeto que é preciso tornar possível ao criar a situação apropriada ... O aluno só reler-se-á de fato, só utilizará as grades que eu colocar a sua disposição, se assumir imaginariamente a posi­ ção de um terceiro e questionar seu trabalho desse ponto de vista. Assim, dizia-me recentemente um aluno do último ano do primeiro ciclo secundá­ rio com quem trabalhamos sobre essa questão, eu sei que, para melhorar minha dissettação, devo relê-la sucessivamente como se eu fosse meu ir­ mão pequeno de seis anos e que não conhece nada disso, em seguida, como se eu fosse um contraditor sistemático que quer provar o contrário do que digo e, enfim, como se eu fosse um corretor sádico que procura incansa­ velmente encontrar meu erro! É por identificar-me com esses personagens, por antecipar suas reações e por prever suas objeções que melhoro meu trabalho . . . e universitários de D.E.A.' a quem relatei essas obse1vações confia­ ram-me, pouco depois, todo o proveito que delas tiraram para a redação de sua dissertação de conclusão. Toda aprendizagem é assim: o que a constitui é irredutível às descri­ ções comportamentais que dela podem ser feitas. Podem-se acumular os objetivos operacionais sem neles encontrar o menor vestígio da intenciona­ lidade capaz de uni-los em uma dinâmica mental. "Retomando a célebre fórmula de Sartre, poder-se-ia dizer que é tão impossível atingir a operacão mental que rege uma aprendizagem pelo empilhamento dos objetivos quanto chegar à unidade pelo acréscimo indefinido dos números à direita de 0,99"5. Entre os comp01tamentos observáveis e o gesto mental que os sustenta, há uma ruptura, um salto qualitativo: não se está falando da mesma coisa, não se está no mesmo domínio. Eis a grande lição da fenomenologia: "Não haveria pensamento e verdade, explica M. Merleau-Ponty, sem um ato pelo qual eu vença a dispersão temporal das fases do pensamento e a simples existência de fato de meus acontecimentos psíquicos" 6 . Um ato, um gesto, uma ceita modalidade de nossa apreensão sobre o mundo e as coisas, uma operação mental através da qual tentamos nos ligar ao saber, uma estruturação fugaz e que desaparece sem dúvida com o movimento que a institui, mas · D.E.A: Diploma de Estudos Aprofundados, segundo ciclo dos estudos universitários na França.

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que, num instante, nos coloca em correspondência com as coisas e nos permite compreendê-las. Assim, chegar ao teorema de Pitágoras ou à técnica do resumo de texto só é possível se realizarmos uma operação mental que dará sentido e organizará toe.las as atividades escolares que poderão, por outro lado, ser efetuadas: posso "saber de cor" esse teorema, efetuar mecanicamente todas as tarefas propostas para fazer um resumo, sem ter verdadeiramente aprendi­ do um e outro. Repetirei uma fórmula, aplicarei técnicas; poderei, por ve­ zes, obter alguns sucessos, por acaso ou porque o teste que me será proposto não solicitará realmente a compreensão, mas não terei construído mentalmen­ te a significação da primeira, tampouco terei meio de julgar a pertinência das segundas. Da mesma forma, poderei tentar utilizar grades de correção, manifestar externamente todos os sinais que indicam que "me releio", sem estar efetivamente descentrado em relação ao meu texto, ou seja, sem ser o seu autor e ao mesmo tempo o seu leitor crítico . Na verdade, a atitude de descentragem requer, para ser posta em prática, uma formação cujos princí­ pios não posso encontrar em alguns comportamentos externos - que vari­ am, aliás, como veremos, com os sujeitos - mas que devo construir pela análise do gesto mental a ser efetuado e pela instalação de uma situação onde este seja possível e ao mesmo tempo exigicla7 . Será então necessário questionar a noção de descentragem, compreender o que pode querer di­ zer "integrar o julgamento de outrem em si mesmo sem, com isso, renunci­ ar a ser você mesmo", perceber que isso significa "colocar-se do ponto de vista das conseqüências em relação a seus próprios atos" e imaginar disposi­ tivos em que o sujeito possa efetivamente ser colocado dentro dessa situa­ ção: isso poderá ser, por exemplo, pequenos grupos de correção coletiva que, após cada um ter realizado o mesmo trabalho, passam à rotação sistemá­ tica elas tarefas de expositor e ele interlocutor crítico, garantindo, pela recipro­ cidade das expectativas e pela reversibilidade cio processo, a integração progressiva da socialidade ... poder-se-á ainda aprimorar o dispositivo e, conservando o princípio da rotação, especificar diferentes funções críticas. Assim, o aluno, que foi sucessivamente "o crítico que sabe tudo", "aquele que não conhece nada", "aquele que não está de acordo" , mas que teve também que sofrer, sobre o seu próprio trabalho, as investidas de seus colegas, será levado progressivamente a unificar os pontos de vista, graças ao suporte da tarefa comum na qual se exprimem: sendo outrem para ou­ trem por ocasião de um trabalho que ele mesmo realizou, ouvindo outrem sobre ele mesmo, ainda por ocasião deste mesmo trabalho, tornar-se-á ou­ trem para ele mesmo . . . Terá sido estabelecida uma dialética do eu e e.lo outro que é a própria clinàmica ela "releitura"; é essa clinàmica que permiti­ rá, em seguida, utilizar com proveito grades de releitura, antes que, evidente­ mente, esta operação possa se efetuar só e sem suporte. Perdoem-nos pela extensão desse exemplo, mas queríamos mostrar como podem ser elaborados dispositivos didáticos: não em uma especificação

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cios objetivos operacionais, que é legítima por ser razoável em seu procedi­ mento, modesta e revisória em suas aplicações, mas na definição de um objetivo geral, isto é, que possa se prestar a uma análise da operação men­ tal a realizar e possibilitar a construção de uma situação que solicite sua aplicaçãa8 .

Quando se propõem uma tipologia simples das operações mentais solicitadas nas aprendizagens bem como dispositivos correspondentes Na literatura pedagógica, dispomos de numerosíssimas taxionomias9 ; algu­ mas, como a de Bloom, são de uso bastante simples por serem muito comportamentalistas, outras, como as de Guilford ou as de Hainaut 10, pare­ cem de uso mais complexo em função de seu caráter muito detalhado, mas introduzem oportunamente a dimensão mentalista questionando-se sobre as atividades que o "ensinado" deve efetuar para chegar a um certo tipo de objetivo e sobre as situações nas quais ,essas atividades podem ser exercidas 1 1 • É dessa forma que Hainaut coloca, de maneira muito oportuna, no centro de seu modelo geral da aprendizagem, "o ato intelectual" e mostra que é em torno deste, e por encaixes sucessivos, que se podem construir a situa­ ção didática e a situação pedagógica 1 2 . A pesquisa assim apresentada é de interesse considerável, mas, após a tentativa de utilizá-la com vários grupos de educadores, ela nos parece finalmente pouco operacional: o trabalho nela aparece essencialmente absorvido por tarefas de divisão e classifica­ ção e, se aí está claramente "uma ocasião modesta e salubre de um simples exercício da Razão" 1 3, aí está também um desvio considerável da energia didática que, por abandonar a questão dos métodos para investir na dos objetivos, acaba tomando os objetivos pelo método. Por isso, pareceu-nos útil propor uma tipologia das operações mentais solicitadas nas aprendizagens que respondesse a três condições. Em primeiro lugar, ao nosso ver, essa tipologia devia ser bastante simples para assegurar sua utilização pelos práticos; estamos convencidos, de fato, de que qual­ quer mudança nas práticas de ensino só tem chance de implantar-se dura­ velmente se aparecer como um meio de resolver problemas que ocorrem ao invés de criar outros novos; é claro que é preciso evitar qualquer demago­ gia e não acreditar na existência de soluções que poderiam ser miraculosas e não exigir nenhum esforço, mas a busca de soluções não mobiliza a energia dos atores, a menos que estejam convencidos ele que são de fato soluções e de que estas sãa acessíveis a eles. É por isso que acreditamos ser tão importante recentrar as práticas de ensino dos professores em torno dos métodos de resolução de problema, identificando as dificuldades profissio­ nais com as quais se deparam, ajudando-os a identificar as causas, a isolar

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aquelas que podem dominar, a partir em busca de soluções realistas11 . Ora, se a questão do tipo de dispositivo a ser elaborado para alcançar um objeti­ vo de maneira eficaz é discutida com acuidade na Escola, não seria realista, com certeza, colocar os professores, para cada um deles, em um trabalho de pesquisa descomedido: a amplitude da tarefa fascinaria alguns que acaba­ riam se comprazendo na elaboração de edificações conceituais de vocação essencialmente estética, enquanto que desencorajaria outros . . . Em todos os casos, as práticas não estariam muito modificadas. Urna tipologia suficiente­ mente simples para poder ser utilizada seria, portanto, necessária . . . Mas não deveria, contudo, ignorar os apo1tes fundamentais da psicologia gené­ tica, e esta é precisamente nossa segunda condição, pois urna definição das operações mentais que não levasse em conta o que sabemos sobre essas operações e que não fosse coerente com os princípios fundamentais da aprendizagem seria urna contradição nos termos. Enfim, e esta é a nossa terceira condição, nossa tipologia deveria ser operacionalizável, isto é, ca­ paz de ser traduzida em termos de dispositivos didáticos: com efeito, qual seria, para o professor, o interesse em dispor de _informações que ele fosse incapaz de tratar e que não lhe fornecessem nenhuma indicação para me­ lhor gerir a sua atividade? Três condições portanto: simplicidade de utiliza­ ção, conformidade com os apo1tes teóricos, fecundidade para a prática. Três condições que se devem regular recíproca e permanentemente: de fato, a simplicidade só é tolerável se não estiver em contradição com os aportes da pesquisa fundamental e se gerar práticas eficazes; as aquisições teóricas, por sua vez, só podem ser levadas em conta na medida em que são suficientemente formalizáveis e têm domínio sobre o real; a preocupa­ ção com a eficácia, enfim, só tem chance de dar certo se as hipóteses de ação formuladas estiverem de acordo com o que já se sabe sobre a realida­ de e suficientemente claras e pouco numerosas para que a reflexão estratégica não impeça a ação ... Nesta perspectiva, nossa tipologia não pode pretender nem ser universal, nem ser definitiva; é bem mais um instrumento provisó­ rio e, em muitos sentidos, parcial. Traça uma direção e dá exemplos; cabe a cada um, em sua disciplina, modificá-la ao adotá-la. Distinguimos quatro grandes tipos de operações mentais; cada um deles pode se prestar a subdivisões diversas, mas cada um se caracteriza também por urna unidade em seu "projeto sobre as coisas" e, portanto, no dispositivo que pode instaurá-lo 1 5 . • O primeiro tipo de operações mentais é a dedução: é o ato intelec­ tual através do qual o sujeito é levado a inferir uma conseqüência de um fato, de um princípio ou de uma lei. De urna forma mais geral, deduzir é colocar-se do ponto de vista das conseqüências de um ato ou de uma afirmação; é perguntar-se, como na lógica formal, "se isto é verdadeiro, o que isto implica?" ou interrogar-se, como na interação social, "se eu fizer isto, o que vou produzir corno reações em outrem?", ou ainda, preocupar­ se, como no ato de releitura pessoal que desenvolvemos longamente, com

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objeções possíveis ao que se escreve e com melhoras desejáveis que po­ dem ser feitas. Uma tal operação é amplamente solicitada nos raciocínios lógicos e matemáticos, é claro, mas também, é claro, a cada vez que, em um exercício escolar, falamos em "aplicação" e, na realidade, como verificação e opottunidade de ajuste na quase maioria das aquisições. A dedução, na verdade, nada mais é que a prova dos fatos ou, mais precisamente, "a prova do efeito", o que J. Piaget chama de descentragem e mostra como ela é um "grande processo de conjunto" da estruturação da inteligência 16 intervindo em todos os níveis cognitivos. O que significa dizer que o ensino da dedu­ ção é absolutamente essencial e que as aprendizagens que a ela recorrem não podem se contentar com a suposição de que ela se dará espontaneamen­ te; deve-se, ao contrário, procurar estruturar uma situação de forma a torná­ la possível, isto é, organizar a mudança sistemática de ·pontos ele vista: é preciso deslocar o sujeito mantendo, ao mesmo tempo, seu investimento no mesmo objeto ou, em termos mais exatos, formá-lo para o método hipotético-dedutivo. O dispositivo a ser estabelecido deverá, portanto, carac­ terizar-se pelo fato ele assumir o "se . . . , então", ora através da experiência ensaiada na qual o sujeito observa os efeitos concretos de seus atos, ora através ela interação social que lhe permite examinar seus comportamentos ou suas propostas pela imagem que deles lhe envia outrem. Em ambos os casos, a situação concretiza o "se . . . , então" e só adquire sua eficácia plena através da reversibilidade, ou seja, porque o sujeito volta da conseqüência à origem, estabiliza ou modifica seu comportamento inicial. No dispositivo, essa reversibilidade deve traduzir-se pela retroação ou pelo contra-exem­ plo na experiência ensaiada, pela rotação elas tarefas na interação social: a retroação ou o contra-exemplo permitem verificar o funcionamento da ca­ deia dedutiva, a rotação das tarefas permite garantir a interiorização progres­ siva do ponto de vista de outrem. Observa-se aí, portanto, até que ponto a Escola pode, de maneira eficaz, formar a inteligência organizando sistematicamente "a experimenta­ ção elas conseqüências". Isso se eleve sobretudo ao fato de que, praticamente, é só na escola que essa experimentação é "sem conseqüências" , ou melhor, sem perigo para o sujeito. Mais tarde, em sua vida profissional ou, ao lado, em sua vida pessoal, a experimentação das conseqüências poderia ser feita à sua custa. . . então, na sala de aula, o papel do professor é organizar experiên­ cias materiais e sociais que sejam oportunidades ele progresso, mas que garantam a impunidade. Na escola, deve-se experimentar o máximo e o mais freqüentemente possível, tentar modificar o que se faz ou diz em função cios efeitos que se produzem, porque, fora ela escola, é melhor agir "com segurança" . • Mas a dedução não é a única operação mental a ser formada no aluno e, ainda que, através dos "métodos ativos", tenha sido valorizada ele forma muito ampla, não se deve esquecer que acabaria aniquilada no culto estéril de um empirismo radical, se não fosse completada por outros atos

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intelectuais e , sobretudo, pela indução. Ora, a indução faz parte dos procedi­ mentos que são solicitados a todo o instante pelo professor e cujo procedi­ mento, no entanto, ele explicita muito raramente: considera assim "muito natural" a passagem dos exemplos às noções, dos fatos à lei, da observação ao conceito . . . Mas a continuidade, na realidade, aparece, na maioria e.las vezes, apenas para aquele que já domina as noções, as leis e os conceitos e que não tem dificuldade para encontrar no real o que ele mesmo aí colocou. O aluno, por sua vez, tem dificuldades para induzir e, freqüente­ mente, vê no conceito apenas um fato a mais que enunciará inconsciente de seu estatuto particular. É claro que a indução pode funcionar em diferentes níveis e ir do simples agrupamento de objetos de uma característica comum à mais rigo­ rosa conceituação, do estágio sensório-motor - para retomar a terminologia piagetiana - ao estágio das operações concretas, ou melhor, das operações formais. Mas, de todas as formas, o processo é o mesmo, a mesma opera­ ção mental que é solicitada e que consiste em fazer hipóteses, por combi­ nações sucessivas de atributos, sobre aquilo que constitui seu "ponto co­ mum" e em alcançar uma formalização aceitável, procedendo por uma al­ ternância de reduções e extensões. Como no caso da dedução, há também formulação de hipóteses, mas estas não têm aqui o mesmo estatuto: na dedução, a hipótese é posta à prova do que produz, sua ação é, portanto, final de certa forma; na indução, a hipótese é posta à prova dos fatos que apresenta, sua ação é inicial. A dedução passa do único ao múltiplo, a indução, do múltiplo ao único. Se quisermos solicitar esta última, será en­ tão necessário passar a uma distribuição de materiais diversos, garantir uma apropriação mínima dos mesmos - que necessariamente será insatisfatória num primeiro momento - e impor o confronto dos materiais, até que apare­ ça o que possa ligá-los e fundar, em troca, urna apropriação mais completa. De acordo com o método elaborado por B.M. Barth, segundo os princípios elaborados por J. Bruner17 , a tarefa do professor será assim escolher mate­ riais onde o conceito possa ser identificado, fazer com que seja descrito e reformulado aquilo que é visto, lido ou entendido até que apareçam simi­ laridades, introduzir intrusos para fazer com que sejam percebidas as origi­ nalidades e fazer com que novos exemplos sejam buscados para de fato chegar à especificidade. Ao contrário do dispositivo dedutivo que descre­ vemos, a experiência do aluno é neste caso muito mais dirigida, pelo me­ nos no sentido em que é "dirigida para", pois veremos que, no que diz respeito ao "dirigido por", o nível de orientação deve ser modulado de acordo com os indivíduos 18 . Por outro lado, o mesmo procedimento indutivo pode ser realizado individualmente ou explorando a riqueza da interação social: neste último caso, cada indivíduo se apropria apenas de uma parte dos materiais e é estabelecido um modo de funcionamento do grupo que impõe o confronto e assume de ceita forma a elaboração do conceito. Em todos esses casos, uma formalização individual será evidentemente solicitada.

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• Concebida e aplicada dessa forma, a indução, como se vê, é uma operação essencial, na medida em que permite alcançar a abstração e, po1tan­ to, vencer a opacidade do mundo e a "dispersão do sensível", como dizia Platão. Graças aos conceitos, os objetos tornam-se parceiros possíveis: pos­ so discutí-los, tomá-los, agir sobre eles, compreender que resistem a mim ... Mas um conceito isolado não tem muito sentido; pelo menos ele é conce­ bível? Na realidade, já que a pe1tinência de um conceito é medida por sua capacidade para discriminar, organizar e então compreender as experiên­ cias, não é possível chegar a um deles sem situá-lo em relação a outros, sem observar a que outro ele se opõe. É por isso que, se a indução é essencial como movimento ve1tícal, deve ser completada pelo estabelecimen­ to de uma relação dos conceitos entre si que, por sua vez, se dá no plano horizontal. Este trabalho sobre as idéias que permite chegar a um sistema e construir modelos, nós o denominamos, na fidelidade ao uso platônico do termo, díalética19. Sabe-se que Platão utilizava, para isso, o diálogo e que era particularmente adepto de um uso rigoroso da interrogação. É verdade, inclusive, que o diálogo permite efetivamente o confronto, a percepção das contradições e dos posicionamentos recíprocos. . . sobretudo, quando se utilizam, como Sócrates nas obras de Platão, a reformulação sistemática ("se o compreendo bem, parece-me que você quer dizer. . . "), o apelo a aquisições anteriores ("você se lembra que foi dito há pouco . . . "), a ênfase dos paradoxos ("como você pode dizer isto, se acaba de afirmar que . . . "), a insistência nas oposições (observe que se trata aí da posição inversa . . . ") e a elaboração sistemática de tipologias ("é preciso distinguir vários tipos de . . . "). Mas nem todo o mundo tem a chance de ter um interlocutor tão eficaz quanto Sócrates, e o simples diálogo entre alunos, ainda que preparado por trabalhos individuais anteriores, corre o risco de terminar em bate-papo ou em desentendimento. O que é então necessário para que um sujeito efetue uma operação mental dialética, isto é, para que chegue à compreensão de um sistema complexo - lingüístico, econômico, ecológico, matemático ... - no qual é preciso levar em conta as interações de vários elementos ou utilizar diferen­ tes variáveis em sentidos diferentes? É preciso estabelecer um dispositivo onde as questões de Sócrates pareçam estruturalmente necessárias, ou seja, um dispositivo onde o confronto aprofundado de diferentes conceitos e relacionados entre si seja necessário para a realização da tarefa solicitada; o sujeito deve poder ocupar sucessivamente a posição de cada elemento a fim de interiorizar suas interações . . . A situação comum mais próxima dessa exigência é , sem dúvida, o jogo, tão pouco utilizado pela Escola, apesar de todas as possibilidades que ele oferece: dramatizações na disciplina de história onde cada aluno representa, por sua vez, um personagem ou uma força social ou política; jogos de tarefas no francês onde cada um se encon­ tra investido por um tipo de discurso na construção de um texto; jogos de oposição na filosofia onde se deve descobrir, na classe, a posição contrária

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à sua; jogos de estruturas na matemática onde se devem posicionar correta­ mente diferentes regras ou teoremas; jogos econômicos que, como bem mostra J.-M. Albertini, "não apenas revelam a existência dos conflitos , mas também são capazes de fazer com que se compreenda a natureza dos mes­ mos de maneira concreta, já que permitem, de certa forma, viver diretamen­ te situações muito análogas" 2º... Todos os jogos aqui são concebíveis, na medida em que são uma espécie de "teatralização" de um sistema conceitual e permitem, pela rotação das posições, chegar à apreensão do mesmo 21 . • É preciso, enfim, evocar uma operação mental que é pouco solicita­ da por ser tão freqüentemente considerada como natural e relegada ao plano dos dons: a criatividade. Sem dúvida, assim formulada, ela surge como a mais íntima expressão da pessoa, o que coloca em jogo sua afetividade e seu imaginário, o que seria insuportável ver reduzido a uma série de procedimentos, a fortiori didáticos. No entanto, na concepção de J.-P. Guilford, amplamente retomada pelos trabalhos de A. Beaudot22 , a criatividade aparece condicionada por uma operação mental muito precisa: a divergência. Trata-se de relacionar elementos habitualmente considera­ dos díspares, pertencentes a campos ou a registros diferentes e cuja descober­ ta traz a novidade. É claro que nem toda divergência é um traço de gênio e é preciso que esteja associada à dedução para não se perder no culto ela originalidade a qualquer preço. Mas, segundo as próprias palavras de Piaget, esse pensamento sincrético é um "excelente instrumento de invenção" 23; permite explorar novas explicações, estabelecer relações surpreendentes mas que poderão ser fecundas, relacionar palavras, coisas, fenômenos, até que se esbocem uma nova idéia, um novo modo de explicação, uma solu­ ção inédita. Se quisermos traduzir essa operação em termos de dispositivo, deve­ mos admitir que, ao contrário do que se pensa, o que suscita a imaginação não é a liberdade mas a restrição, a obrigação na qual o sujeito se encontra de levar em conta elementos que até então lhe fugiam e de relacioná-los com aquilo que já conhecia. O dispositivo deverá, portanto, programar o inesperado, organizar a contingência, impor o encontro entre materiais he­ terogêneos e múltiplos que provêm de diversas fontes. É necessário, assim, fornecer ao aluno esses materiais e levá-lo a encontrar o meio para integrá­ los em sua atividade habitual: estes poderão ser palavras em uma história, teoremas em uma demonstração, dados econômicos em uma análise literá­ ria, ou literários em uma abordagem geográfica, etc. O exercício assumirá sempre a forma de uma "relação a ser estabelecida" e levará o sujeito a uma op eração mental que só poderá conduzi-lo a maior autono m i a e inventividade ... De fato, novamente aqui, tanto para a divergência quanto para as outras operações mentais, acreditamos que o dispositivo pode pre­ parar para disposições, sobretudo se sua instalação for articulada a pontos de apoio precisamente identificados.

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Quando se recentra a reflexão sobre um princípio essencial Para muitos leitores, nossa tipologia terá parecido consideravelmente sim­ plificadora ou, até mesmo, redutora. E é verdade que, na maioria das ativida­ des escolares, as operações mentais exigidas são estreitamente imbricadas e dificilmente isoláveis. É claro que se pode, às vezes, proceder a uma análise e verificar a maneira como se articulam duas ou três delas . . . Assim, por exemplo, ver-se-á que um procedimento de antecipação compreende uma fase divergente no decorrer da qual o sujeito prevê uma variedade de possibilidades, seguida por uma fase de dedução através da qual avalia as conseqüências de cada uma delas para fazer uma escolha. Se quisermos preparar para a antecipação e para a tomada de decisão, teremos então interesse em isolar as duas fases e criar um dispositivo correspondente a cada uma delas. Mas as coisas podem ser menos claras e pode ser difícil levar a atividade mental solicitada a uma combinação qualquer das quatro operações propostas. Neste caso, o mais simples é identificar a operação mental dominante e organizar o dispositivo didático em função dela, mes­ mo que isso pareça, em muitos sentidos, arbitrário; estaremos simplesmen­ te atentos às dificuldades que poderão surgir, tomando cuidado para introdu­ zir os recursos necessários. Na verdade, mais do que a elaboração de instrumentos, o que para nós importa aqui é o procedimento didático que tentamos promover, aque­ le que consiste não simplesmente em proclamar o que queremos que o aluno saiba, mas sim em questionar a respeito do que deve "se passar em sua cabeça" para que chegue aonde queremos e criar, a partir daí, o disposi­ tivo que dá corpo e vida à operação mental identificada. O que importa é a capacidade cio professor para traduzir " os conteúdos de aprendizagem" em "procedimentos de aprendizagem", isto é, em uma seqüência de operações mentais que ele procure compreender e instituir na sala de aula. O que importa é fazer de um objetivo programático um dispositivo didático, e isso só é possível através da análise da atividade intelectual a ser desenvolvida e através da busca das condições que garantem seu êxito. Mas, até agora, para ilustrar a noção de operação mental, trabalhamos sobre objetivos transdisciplinares que podem ter parecido muito gerais em relação às aquisições escolares habituais. É claro que raros serão aqueles que negarão sua importância, mas muitos verão neles apenas uma forma de suplemento metodológico, algo que viria melhorar, aperfeiçoar ou facili­ tar o uso de aprendizagens fundamentais que continuariam a ser buscadas com os métodos tradicionais baseados na "transmissão" pela palavra e pela escuta. Ora, uma tal concepção é perigosa pelo menos em dois sentidos: por um lado, pode marginàlizar as aprendizagens metodológicas e, isolém­ do-as, comprometer a possibilidade de sua transferência; por outro, ignora que as aquisições de "conteúdos", aferentes a cada disciplina, são sempre efetuadas também graças a uma operação mental que as torna possíveis e

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que o fato de esta ser invisível não deve levar a concluir sua inexistência: uma tal simplificação teria como conseqüência o fato de que apenas os alunos que soubessem identificar a operação solicitada e que dispusessem das instruções necessárias para realizá-la poderiam ter êxito ... Somente aque­ les que pudessem tratar o conteúdo seriam capazes de alcançá-la. Na verdade, um conteúdo nada mais é que um conjunto de materiais elaborados mentalmente, evocados e estruturados pelo sujeito, como o explica A. de La Garanderie21 . Nenhum conteúdo existe fora do ato que permite pensá-lo, da mesma forma que nenhuma operação mental pode funcionar no vazio. . . mesmo que fosse grande a tentação de acreditar que ela funcionaria melhor sem conteúdo, porque teve que ser isolada metodologicamente para melhor ser compreendida: "A leve pomba que, em seu vôo livre, rompe o ar cuja resistência ela sente, poderia imaginar-se voando bem melhor ainda no vácuo" 25. Uma aprendizagem é sempre urna operação mental e conteúdos; requer o que os psicólogos que trabalham em termos de "análise da tarefa" chamam "as instruções" e "os objetos" 26 ; exige ao mesmo tempo instruções e materiais cuja interação cria o que já denominamos várias vezes uma situação-problema27 .

Quando se propõe um esquema geral para a elaboração didática Para o professor ou o educador, o ponto de partida - seria ilusório negá-lo - é indubitavelmente o programa. Mas os programas, na maioria dos casos, apresentam-se apenas como uma seqüência de noções e exemplos, de conhe­ cimentos periféricos e conceitos essenciais, misturados em um acúmulo em que mal se distingue o importante do acessório. Como explica de forma tão precisa J.-P Astolfi, o primeiro trabalho é estreitar esse conjunto, abdicar de tudo aquilo que se teria vontade de dizer em uma lógica expositiva para identificar as noções-núcleo que representam um progresso decisivo na progressão do aluno 28 • É preciso, em primeiro lugar, simplificar, concentrar­ se em um número limitado de aquisições conceituais fundamentais às quais o aluno poderá ligar de maneira pertinente, posteriormente, toda uma série de informações que passarão a ter sentido para ele. E, se obse1varmos bem, essas aquisições essenciais, que podemos dizer que representam um avan­ ço determinante para o aluno, não são tão numerosas quanto parecem; mas, articuladas uma a outra, constituem um itinerário conceitua! bem mais importante e determinante para o seu êxito escolar do que o acúmulo de detalhes rapidamente esquecidos: assim, para um ano letivo, deveríamos poder isolar dez ou doze objetivos-núcleo . . . Estes serão, por exemplo, no francês, a unidade semântica da frase, as noções ele natureza e função, de subordinação e de coordenação, ele grupo funcional, de nível de língua, de

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discurso descritivo, narrativo e argumentativo; na história, as noções de regime político, de constituição, de colonização; na biologia, as de respira­ ção ou de reprodução etc. Mas, se o tratamento dessas noções é imposto pelo programa que está recentrado apenas em torno delas, o nível de formu­ lação de cada uma deve ser determinado, por sua vez, a pa1tir do nível de representação dos alunos: a noção-núcleo será então introduzida de maneira a permitir que os alunos ultrapassem uma certa concepção do mundo, das coisas, do saber, para chegarem a um estágio superior de compreensão. Assim, não basta dizer que queremos nos concentrar na aquisição do esque­ ma narrativo ou na da noção de proporcionalidade, devemos ainda nos perguntar em que nível de complexidade e de abstração essas aquisições devem ser apresentadas para serem acessíveis e constituírem, mesmo as­ sim, uma progressão decisiva ... Em resumo, o primeiro tempo do procedi­ mento didático consiste em inventariar um número limitado de noções essenciais e em determinar seu registro de formulação que corresponda a um nível de compreensão naqueles alunos com os quais trabalhamos. Uma vez efetuado o estreitamento, convém especificar a noção-núcleo, até que ela se torne um objetivo geral que possa ser analisado em termos de operações mentais e materiais a serem mobilizados: que atividade mental o aluno deve desenvolver, e em que conjunto instrumental, para conseguir apropriar-se da noção? Ou, em termos ainda mais operacionais, que instru­ ções devo dar a ele e que documentos, objetos, instrumentos devo fornecer­ lhe? O impo1tante aqui, para que a situação seja mobilizadora, é que ela seja global e finalizada, isto é, que o aluno perceba o seu sentido, que possa enfrentá-la em sua complexidade e não seja levado a vê-la diluir-se em uma quantidade de pequenos exercícios justapostos. Isso significa que as instru­ ções devem ser bastante precisas quanto à sua fonnulação, mas bastante gerais quanto à sua execução para não atomizar a situação-problema. Com efeito, o quanto pode ser mobilizador para os alunos o fato de terem uma instrução para reconstituir um texto cujas pattes, sob forma de quebra-cabe­ ça, foram divididas entre eles; o quanto é incentivador para alguém poder aplicar aos fatos uma série de hipóteses para ver qual é a mais pertinente; o quanto é interessante procurar, na sala de aula, aquele ou aquela que poderá lhe trazer a contradição . . . o quanto tudo isso se tornaria enfadonho se estes exercícios fossem privados de seus objetivos ou se estivessem de certa forma encobe1tos por uma quantidade de instruções intermediárias cujo sentido nem sempre apareceria aos participantes. De fato, bem se sabe que exigir a leitura completa e a observância rigorosa das instruções sempre acaba afastando o sujeito do objeto que essas atividades supostamente tornariam acessível para ele ... ninguém estuda detalhadamente o manual de instruções antes de tocar no eletrodoméstico que acaba de comprar; o que tem sentido, o que mobiliza é o objeto, sua própria finalidade e é isso que me faz agir apoiando­ me em um mínimo de instruções, naquelas que têm um poder determinante. Aliás, a maioria dos fabricantes de aparelhos compreenderam isso muito bem

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e fornecem as instruções mm1mas, por vezes, no próprio aparelho e com códigos muito simples, tendo o cuidado, por outro lado, para compor um quadro preciso de recursos ao qual o usuálio recorrerá em caso de dificulda­ de ... o professor, sem dúvida, terá que seguir esse caminho; mas, antes de explicar isso, vamos resumir o que caracteriza o segundo tempo do procedi­ mento didático: trata-se de traniformar uma noção-núcleo em situação-proble­ ma e, para isso, fornecer aos alunos um conjunto de materiais a serem trata­ dos a partir de uma instrução-alva29 que descreva o resultado esperado da atividade. Se o excesso de instruções, no início de uma atividade, pode ser de­ sencorajador, é evidente que a ausência de instruções, durante uma ativida­ de, pode interromper a tarefa e comprometer gravemente sua eficácia. É por isso que é imp01tante construir, para uma situação-problema determinada, um quadro de recursos que preveja, na medida do possível, as questões que podem surgir e o meio para encontrar, construir ou obter as respostas. De uma forma mais ampla e a fim de facilitar o percurso sem tirar o gosto de fazê-lo, é pa1ticularmente útil propor aos alunos um leque de atividades dentre as quais possam fazer sua escolha e que possam utilizar como quise­ rem em função de seu projeto, na ordem em que desejarem. Ora, é novamen­ te aqui que a análise por objetivo pode prestar eminentes se1viços: permitindo identificar precisamente os pré-requisitos, os domínios de objetivos (cogni­ tivos, sócio-cognitivos, sensório-motores), permitindo compreender por que não se consegue fazer isto ou aquilo e remetendo à aquisição necessária, possibilita, sem prejudicar o dinamismo da situação-problema, nela inserir toda uma série de aquisições significativas. Colocar-se-á assim, à disposição do aluno um "quadro de sugestões e recursos" onde ele encontrará, de uma forma ou de outra, fórmulas do tipo: "se você não conseguir, tente . . . " ou ainda "se você não consegue assim, deve passar por. . . " E este é exatamente o terceiro tempo do procedimento didático: trata-se de elaborar instrumen­ tos que permitam inserir na dinâmica da situação-problema as aquisições necessárias em função da dificuldade encontrada30 . O interesse de uma situação problema, como se viu, está no fato de permitir a implicação do sujeito: é uma riqueza considerável, mas também um de seus limites. Ela torna possível o acesso a conceitos e à compreen­ são das noções, mas corre-se o risco de permanecer tributário do grande investimento que foi solicitado. É preciso, portanto, fazer com que "a etapa da ação material ou materializada" 31 seja seguida de uma "etapa verbal" onde o aluno explica o que fez e adquiriu na presença, mas à distãncia, dos materiais que tornaram possível sua ação, chegando a uma "etapa mental" para onde a ação foi realmente transferida, pode se aplicar a outros supor­ tes e até mesmo se exercer independente de qualquer suporte. Para isso, alguns procedimentos podem ser particularmente interessantes: trata-se do esquema que permite organizar a aquisição sob forma gráfica a fim de fazer com que sua estrutura apareça, ou da reformulação sistemática questionada

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pelo professor para que ela separe progressivamente o essencial do acessó­ rio. Em ambos os casos, dever-se-á sem dúvida respeitar as etapas intermediá­ rias e mentalizar, primeiro em um prazo muito curto, na presença dos traços que lembram a atividade material efetuada, chegando-se a uma mentalização a longo prazo, todas as coisas estando ausentes. Observa-se que encontra­ mos aí a mediação necessária da avaliação pela descontextualização/recon­ textualização das aquisições, pela formalização individual da operação efetua­ da e de seu resultado. Isso nos dá o quarto tempo do procedimento didáti­ co: deve-se romper com a situação estabelecida e identificar as aquisições através da reformulação, da transposição e da avaliação. Este é o caminho didático, um caminho que não devemos deixar de percorrer, mas que, como já teremos percebido, não pode ser concebido em termos de sentido único e ele passagem obrigatória com vocação univer­ sal: cada uma de suas fases, com efeito, requer que o aluno seja levado em conta . . . para definir a noção-núcleo, devemos conhecer as representações do aluno; para construir a situação-problema, devemos certificar-nos ele que ele pode dominar os materiais e compreender as instruções; para elaborar um "quadro de sugestões e de recursos", devemos estar atentos a suas aquisições anteriores, suas lacunas possíveis, sua maneira de pilotar sua aprendizagem; para formalizar suas aquisições, devemos oferecer a ele o meio que permita a mais eficaz mentalização . . . O sonho com uma didática que fosse simplesmente deduzida dos conteúdos de conhecimento está definitivamente longe. Talvez, alguns continuarão a tentar dividir de manei­ ra sábia toda aprendizagem em minúsculas etapas que se engrenariam racio­ nalmente uma na outra. Elaborar-se-ão ainda sábias taxionomias que, des­ de a primeira entrada na piscina até o "crawl" de competição, programarão todo o aprendizado da natação . . . mas essas belas edificações serão sempre mal sucedidas, porque indivíduos, contra qualquer decência didática, se jogarão dentro da piscina sem pedir opinião. APRENDER FERRAMENTA Nº 5 - OPERACIONALIZAÇÃO Esta ferramenta pode permitir conceber um dispositivo didático para alcançar um objetivo determinado segundo um método de aprendizagem identificado. Propõe-se então, através do modo de funcionamento do dispositivo, levar o sujeito a desenvolver esquemas mentais específicos que lhe permitam, ao mesmo tempo, adquirir conhecimentos. Aconselha-se utilizá-la procedendo assim: • estabelecer um objetivo de aquisição; • questionar-se sobre a operação mental ou a série de operações mentais que permitiriam sua apropriação; • formalizar então o plano geral do método de aprendizagem a1ticulando os dispositivos correspondentes.

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Será conveniente, em seguida, elaborar mais precisamente a situação-problema co­ letando os materiais e codificando suas instruções (ver ferramenta n° 6). Enfim, restará adaptar esta situação e regular sua utilização em função das estratégias de aprendiza­ gem dos sujeitos (ver as ferramentas n" 7 e 8). Mas notemos, desde já, que os dispositi­ vos propostos aqui podem todos ser tratados em três tipos de situações: • a situação coletiva dialogada, • a situação individualizada programada, • a situação i nterativa em pequenos grupos. Podem igualmente utilizar diversos tipos de materiais e ele ferramentas ... Inseridos, dessa forma, em uma situação e com ferramentas, o dispositivo torna-se um método. Que operação mental o sujeito deve realizar para chegar à aquisição proposta?

Que tipo de dispositivo é preciso criar?

1. Deduzir... quer dizer: - colocar-se do ponto de vista das conse­ qüências de um ato ou de um princípio, - colocar estes à prova ele seus efeitos, - estabilizar ou modificar em seguida a proposta inicial (clescentragem, lógica hipotético-dedutiva).

O professor deve organizar a experimentação das conseqüências, desde que esta não seja perigosa para o sujeito: - seja pela experiência tateada, seguida ele um trabalho ou a introdução de con­ tra-exemplos, - seja pela interação social, certificando­ se de que cada um realizou o mesmo trabalho e ele que há rotação das tarefas.

2. Induzir... quer dizer: - confrontar elementos (exemplos, fatos, observações) para fazer emergir seu ponto comum (noção, lei, conceito), - alternar as fases de redução e extensão para verificar a validade cio procedimento (operações sensório-motoras e concretas).

O professor eleve organizar o confronto dos materiais: - escolhendo os materiais ele maneira que o ponto comum seja suficiente­ mente evidente, - fazendo emergir as similaridades, - introduzindo um ou mais intrusos para descobrir a originalidade do ponto comum, - pedindo ao aluno para descobrir um novo material para que chegue à espe­ cificidade do ponto comum (verificação pela dedução).

3. Dialetizar... quer dizer: - colocar em interação leis, noções, con­ ceitos, - fazer evoluir variáveis em sentidos diferentes, - chegar à compreensão de um sistema (operações formais, abstrações reflexivas).

O professor deve organizar a interação entre elementos: - utilizando as formas de "jogo" adap­ tadas, - tendo a preocupação de que a "regra do jogo" encarne o movimento das no­ ções ou das variáveis, - impondo a rotação sistemática dos papéis,

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- solicitando a busca de novos conceitos a partir da compreensão do sistema (verificação pela dedução).

4. Divergir... quer dizer: - relacionar elementos que pertencem a domínios diferentes, - buscar novas associações, relações originais entre as coisas, as palavras, as noções, os registros de explicação (pensamento sincrético).

O professor deve organizar o encontro com o inesperado: - impondo relações não habituais, - permitindo avaliar a pertinência das mesmas (verificação pela dedução).

APRENDER FERRAMENTA Nº 6 - PIANIFICAÇÃO Esta ferramenta constitui um plano-guia para construir uma seqüência didática; pode ser util izado na formação inicial ou contínua. Seu uso deverá, em todos os casos, ser modulado em função dos alunos aos quais se destina (ver as ferramentas n" 7 e 8). 1. Def"mição ela noção-núcleo e do nível de formulação no qual convém introduzi-la...



a partir de uma análise cio programa de ensino e da identificação das noçõeschaves, dos conceitos organizadores em torno cios quais podem se desenvolver diversos conhecimentos.



a partir do nível de representação que os alunos podem ter e buscando o nível de formulação que representará um progresso decisivo, um nível de compreensão no sistema ele representações do aluno.

2. Formalização da situação-problema finalizada...

• busca do conjunto instrumental (textos, documentos, exemplos, experiências, observações ... ) que deverá ser tratado pelo aluno.

-..

-

• elaboração das "instruções-alvo" que serão capazes de orientar a atividade do aluno e ele permitir que ele tenha uma representação precisa das expectativas do professor.

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Philippe Meirieu 3. Elaboração de um quadro de sugestões e recursos ... A

• proposta de atividades a serem efetuadas para conseguir resolver o pro­ blema; estas atividades serão múltiplas, utilizarão diversas situações e diversas ferramentas; serão utilizadas pelo aluno segundo suas necessidades e suas estra­ tégias.

• proposta de recursos que permitem ao aluno, em função das dificuldades que encontra, realizar atividades específicas e introduzir novas aquisições à dinâmica da situação-problema.

4. Mentalização e avaliação. ,,...

• verbalização da operação mental efe­ tuada e identificação pelo aluno de sua aquisição, a curto prazo e na presença dos traços de sua atividade.

• mentalização completa por descon­ textualização/recontextualização: evoca­ ção a longo prazo e na ausência dos ele­ mentos materiais que serviram ;1 aquisi­ ção.

Notas 1 . Cf. P. Meirieu, L 'École mode d'emploi, ESF, Paris, 1 985, p. 1 49 a 154. 2 . Cf. D. Hameline, Les objectjfs pédagogiques, ESF - Entreprise Moderne d'Éelition, Paris, 1 979, p. 95 a 105. 3 . Encontrar-se-ão exemplos notáveis deste tipo ele instrumento, razoavelmente negociados, na obra ele J.-L. Phelut, Apprendre à écrire te /rançais au college, Chronique sociale, Lyon, 1983 4. Cf. em particular, J. Piaget e B. Inhelder, La psychologie de /'enfance, PUF, Paris, 1978, p. 101 e seguintes. 5. J.-P. Sartre, Esquisse d'une théorie des émotions, Hermann, Paris, 1965, p. 8. 6. M. Merleau-Ponty, Phénoménologie de la perception, Gallimard, Paris, 1945, p . 441 . 7 . Assim, explica ainda M . Merleau-Ponty, "há sentido para nós quando uma de nossas intenções é satisfeita ou, ao contrário, quando uma variedade ele fatos e ele sinais se presta para nós a uma retomada que os compreende" (ibid. , p. 490). A tarefa do professor poderia ser compreendida, nesta perspectiva, como a instalação de fatos e de sinais que o sujeito possa tratar e cujo tratamento seja criador de sentido para ele. 8. É o que sugere M. Barlow em sua obra Formuler et éva/uer ses objectifs en formation (Chronique Sociale, Lyon, 1 987), quando explica que a escolha da "análise por objetivos" não dispensa uma escolha ele método (p. 64) que ele relaciona mais com os objetivos gerais.

Aprender. . . Sim, Mas Como?

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9. Encontraremos quadros recapitulativos, de fácil acesso, na obra de C. Birzea, Rendre opérationnels les object[fs pédagogiques, PUF, Paris, 1 979, p. 200 a 209. 10. Cf. Desfins au:x objectifs de l'éducation, Labor et Nathan, Bruxelas-Paris, 1 977. 1 1 . lbid., p. 1 34. 12. Ibid., p. 372. 13. D. Hameline, Les objectjfs pédagogiques, op. cit., p. 190, 14. Cf. P. Meirieu, "Une méthode pour la résolution de problemes en établissement", Cahiers

pédagogiques, n º 2 5 1 , fevereiro de 1987, p. 32 e 33.

15. J{1 tivemos a oportunidade de apresentar essa tipologia ao examinarmos as maneiras correspondentes de organizar o trabalho em grupos em Outils pour apprendre en groupe Apprendre en groupe? 2, Chronique sociale, Lyon, 1984 (p. 35 a 72) . Esse trabalho foi reto­ mado e completado de forma muito judiciosa por J.-P. Astolfi em Compétences métbodologi­ ques en sciences e::cpérimentales, INRP, Paris, 1 986, p. 99 a 1 1 0. Este último, a partir de seus trabalhos em didática de Ciências, propõe acrescentar urna quinta operação mental: a ana­ logia; mostra com isso o interesse de uma reflexão em "didática geral" e, ao mesmo tempo, a necessidade de completá-la à luz das abordagens disciplinares. 16. J. Piaget e B. Inhelder, La psycbologie de l'enfance, PUF, Paris, 1978, p. 101. 17. L 'apprentissage des concepts, Dossiê cio CEPEC, n º 10, Lyon, dezembro de 1 98 1 . 1 8 . Este ponto será explicado n o capítulo seguinte. 19. A dialética é definida por Platão como a arte ele confrontar e de organizar os conceitos

(La République [A República]), 533 e a 534b.

20. J.-M. Albertini e M. Pariset, .feu:x et initiation économique, CNRS (Centro National de pesquisa científica), Lyon , 1980, p. 46. 2 1 . Encontramo-nos aqui a nível daquilo que J. Piaget chama "as operações formais abstra­ tas" ou ainda "a abstração reflexiva". 22. A . Beaudot, La créativité à l'école, PUF, Paris, 1980. 23. J. Piaget, Le language et la pensée cbez l'enfrmt, Delachaux et Niestlé, Neuchâtel e Paris, 1972, p. 153. 24. Cf. em particular, "Les processus mentaux dans l'acte de compréhension" Bulletin Binet­ Simon, nº 1 60, janeiro de 1987, p. 3 a 29. 25. E. Kant, Critique de la raison pure, PUF, Paris, 1 950, p. 36. 26. Cf. ]. Leplat e J. Pailhous, "La clescription de la tãche: statut et rôle dans la résolution de problemes", Bulletin de psycbologique, 1977, 332, XXXI, p. 149 a 1 56. 27. Cf. infra, primeira parte, cap. 2. 28. Cf. "Les 3 J de la pédagogie différenciée", Cabiers pédagogiques, n º 2 5 1 , fevereiro de 1 987, p . 1 1 a 24. 29. O "fim" deve ser distinguido do objetivo de aquisição; o primeiro descreve um resultado que é apenas a oportunidade ele chegar ao segundo. Mas, na maioria dos casos, o "fim" é o único a poder ser compreendido pelos alunos, a compreensão cio objetivo ocorrendo apenas no final da seqüência da aprendizagem. A noção de "instrução-alvo" opõe-se aqui a ele "instru­ ção-procedimento" (a mais utilizada na escola) que dirige a atividade ocultando sua finalidade.

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30. Esta idéia é próxima daquela do "cartão de estudo" que se presta hoje a pesquisas particularmente interessantes (cf. Michel-Paul Via!, "Statut de la ca1te d'étude dans un dispositif d'évaluation-régulation", Pratiques, n" 53, março de 1987, p. 59 a 73). 3 1 . Tomamos aqui emprestado o vocabulário e as noções de Galperine: "Essai sur la fonnation par étapes des actions et des concepts", De l'enseignememt programmé à la programmation des connaissances, Presses Universitaires de Lille, 1980, p. 166 a 183.

Capítulo 5

As ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM Quando se questiona sobre a maneira singular como cada aluno se apropria dos saberes ''.A estratégia supõe a aptidão do sujeito para utilizar, para a ação, os determinismos e os acasos externos e pode ser definida como o método de ação próprio a um sujeito em situaçào de jogo (.. .). em que, para alcançar seus.fins, se esforça para sofrer o mínimo e utilizar ao máxi­ mo as tensões, as incertezas e os acasos desse jogo . Um programa é predeterminado em suas operações e, neste sentido, é automático; a estratégia épredeterminada em suas.finalidades, mas nâo em todas as suas operações. . . ". E. Morin, La Méthode 3 La Connaissance de la connaissance 1 Le Seuil, Paris, 1 986, p. 62

Quando se abordam, por um breve exercício, as noções de competência, capacidade e estratégia É convencional qualquer exercício e o que segue não foge à regra. Se ele irrita o leitor, este passa entào diretamente às conclusões, admitindo a possi­ bilidade de retomá-lo mais tarde. Senão, que tente entrar no jogo, em um primeiro momento, sem procurar decodificar nossas expectativas, esforçan­ do-se simplesmente para colocar-se em situação. Suponhamos então que você participa de uma seqüência de ensino cujo objetivo é formulado de maneira pouco rigorosa, mas muito habitual em termos de "conhecimento" : trata-se de "conhecer as características essen-

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c1a1s do estilo romàntico" . Você dispõe de uma lista de atividades e deve escolher três dentre elas: - aquela que, na sua opm1ao, permitirá que você alcance o objetivo proposto (atividade de aquisição); - aquela que permitirá que você verifique se o objetivo proposto foi alcançado (atividade de avaliação); - aquela que você era incapaz de fazer antes de ter alcançado o objeti­ vo, mas que agora se torna acessível para você e permite introduzi-lo em uma nova aquisição (atividade de exploração). 1 . Ler os pref:.ícios de Cromwell e de Hernani (Victor Hugo). 2. Ouvir um programa radiofônico sobre o romantismo alemão tornando notas. 3. Redigir um texto que corresponda a sua representação imediata ele um texto romântico e apresentá-lo a um professor ele letras. 4. Analisar um poema romântico após uma leitura silenciosa e com a ajuda das questões a serem respondidas por escrito. 5 . Ler uma obra completa que formalmente lhe disseram ser romântica. 6. Visitar urna exposição de pintura intitulada "os pintores rornànticos de nossa re­ gião". 7. Distinguir, fazendo uma oposição entre eles, um texto clássico e um texto ro­ màntico sobre um mesmo assunto (uma declaração de amor, por exemplo). 8. Ler e resumir por escrito o artigo "romantismo" da Encyclopedia Uniuen;alis. 9. Ler várias passagens de textos românticos reunidas em uma coletftnea. 1 0 . Ilustrar um texto romàntico por desenhos, fotos, colagens que correspondam ã inspiração do mesmo. 1 1 . Utilizar em seu computador pessoal o programa didático intitulado: "Literatura francesa VII: descoberta cio romantismo". 1 2 . Ir assistir a um concerto ele música romàntica. 1 3 . Redigir uma dezena de linhas que expliquem o que caracteriza o estilo romfm­ tico. 14. Expor a um grupo ele colegas as razões que explicam sua preferência por um texto romàntico em relação a um texto clássico.

Anote então aqui o que, para você, na lista anterior, seria: atividade de aquisição (nº ); atividade de avaliação (n" ) ; atividade ele exploração (nº ). Analise agora suas respostas com a ajuda das seguintes questões: a) Quais as razões que lhe permitiram escolher sua atividade de aquisição? - Ela aplica conhecimentos (competências) que você j á domina? Quais?

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- Ela solicita urna ou mais capacidades (savoir-faire) nas quais você sabe que tem um bom desempenho? Quais? - Se chamamos de "estratégia" as modalidades ela atividade através e.la qual você utiliza "suas capacidades em seus conhecimentos para alcançar um objetivo", tente caracterizar a estratégia de aprendizagem que você uti­ lizaria: concretamente, corno você se empenharia para efetuar a tarefa pro­ posta? b) Quais as razões que o levaram a escolher sua atividade de avalia­ ção? - Será que ela aplica, de maneira específica, os conhecimentos que você devia adquirir? Será que requer outros? - Será que recorre a uma ou mais capacidades nas quais você sente ter desempenho? Quais? - A estratégia que deve utilizar para realizar essa avaliação é para você familiar? Você será capaz ele aplicá-la diretamente ou deverá passar por exercícios intermediários? Quais? e) Quais as razões que o levaram a escolher a atividade de explora­ ção? - Na sua opinião, o que determina o fato de que essa atividade que era até então impossível para você se torne possível? - Que capacidade(s) você eleve aplicar para realizar essa atividade? - Apoiando-se no conhecimento adquirido e mobilizando uma ou mais capacidades já dominadas, você utiliza uma estratégia, qual? Que aquisi­ ção(ões) esta permite que você efetue? Quando se tiram as primeiras lições da experiência Mesmo que não tenha feito o exercício, a leitura das questões foi sem dúvida suficiente para que você percebesse algumas primeiras lições; pas­ semos a identificá-las levando em conta a possibildade de encontrar no caminho alguns dados que já conhecemos. • Paradoxalmente, o que é determinante em um.a aprendizagem é o "já-existente " ou, mais precisamente, os pontos de apoio nos quais, no sujeito e através dele, vêm se articular novos saberes e savoir-faire. É por isso que você provavelmente escolheu como atividade de aquisição urna atividade que já lhe era de alguma forma familiar, que colocava em jogo

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conhecimentos e capacidades que já dominava (o fator mais importante que influencia a aprendizagem é a quantidade, a clareza e a organização dos conhecimentos de que o aluno já dispõe", observa D .P. Ausubel 1 , e é a partir destes elementos, em torno deles, que vai vir se agregar a novidade). Aprender é uma operação curiosa em que a mobilização das aquisições permite o seu enriquecimento. Assim, compreende-se melhor por que se afirmou durante muito tempo que tudo já estava presente antes no espírito do sujeito e só tinha que ser revelado . . . E é verdade que há, nesta concep­ ção, uma intuição decisiva confirmada tanto por psicólogos como Piaget2 , quanto por biólogos como Changeux3 : só se constrói sobre o inato. Mas o inato, quando entra em atividade, é enriquecido pelo mundo com o qual cria vínculos, compreende esse mundo, isto é, etimologicamente, o traz consigo. • Como se efetua essa operação ou, em outras palavras, como se dá a aprendizagem? Poderíamos utilizar, sem dúvida, para descrever o fenôme­ no, os conceitos elaborados por Piaget, de assimilação e de acomodação, insistindo na interdependência entre as duas operações. Mas, já que escolhe­ mos partir de um exemplo de caráter didático, permaneçamos no registro da atividade pedagógica. Sugerimos, através de nossas questões, que o inato comportava dois tipos de aquisições prévias: de um lado, os saberes, conhecimentos e representações (que chamamos "competências"), de ou­ tro, o savoír:faire (que chamamos "capacidades"). É claro que a distinção pode parecer arbitrária, pois estas duas realidades não são experimentalmente isoláveis: urna competência só pode se exprimir através de uma capacidade e uma capacidade jamais pode funcionar sobre o nada; podem apenas ser isoladas por uma operação artificial, mas o artifício tem um mérito: permite que o prático se sirva desses conceitos para esclarecer sua atividade, orde­ nar suas abordagens, definir o alvo de seus dispositivos, avaliar seus resulta­ dos . . . Enfim, estamos aí diante de um saber de tipo praxiológico que elabo­ ra um modelo com a preocupação permanente de ser coerente com o que a teoria nos ensina sobre o real, permitindo, ao mesmo tempo, que tenha­ mos domínio sobre ele. O modelo praxiológico estrutura a realidade e torna a ação possível, convidando-nos, ao mesmo tempo, a permanecer lúcidos quanto ao seu caráter redutor e, conseqüentemente, modestos e abertos à interpelação científica'. Imaginemos então que você tenha escolhido antes, como atividade ele aquisição, a atividade nº 1 : "Ler os prefácios ele duas obras de Victor Hugo, Cromwell e Hernani." Certamente, esta escolha se apóia em uma competência literária prévia. Você sabe quem é Victor Hugo, ouviu dizer que ele era um poeta romântico, dispõe de algumas vagas lembranças sobre o fato de que esses prefácios constituem um pouco os manifestos do Romantismo . . . não se lembra muito bem de seu conteúdo, mas imagina que este lhe dará as informações necessárias. Por outro lado, você dispõe de um vocabulário

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suficientemente extenso e de algumas informações de história literária para perceber nesses textos alguns dos pontos essenciais . . . O classicismo, a re­ gra das três unidades . . . , isto lhe diz algo. Todos esses conhecimentos mais ou menos precisos, você vai utilizá-los em sua atividade, mas para que esta seja realmente uma atividade de aquisição, ou seja, para que permita que você se aproprie de algo novo, você deve utilizar capacidades bem precisas e fazer com que ajam sobre esses materiais: capacidade para utilizar nesses textos tudo o que diz respeito ao estilo romântico propriamente dito, mas, sobretudo, capacidade para extrair uma idéia essencial, capacidade que remete evidentemente à operação mental que denominamos "indução". Mas essa indução, você pode efetuá-la de mil maneiras . . . e é a sua maneira própria, aquela que você construiu para si em sua história, aquela que condiciona sua eficácia que podemos chamar de sua "estratégia ". De fato, a elaboração de uma definição pelo confronto dos materiais pode ser feita de várias formas: Você vai ler os textos de um tratado, emitir uma hipótese e relê-los para verificá-la? Vai escrever as características do estilo romântico à medida que você as percebe e proceder por reagrupamentos sucessivos? Vai fazer um quadro em forma de estrela posicionando os termos que encon­ trar no texto nesta ou naquela distância do centro? Vai analisar um elemen­ to que lhe parece decisivo e formular a partir dele, apenas dele, uma hipó­ tese? Vai trabalhar sozinho ou será útil que seja colocado em situação de explicar a outrem o que encontrou para disso se apropriar realmente? As hipótese são múltiplas e cada um bem sabe que a escolha desta ou daquela estratégia não é indiferente à qualidade do resultado . . . 5 No caso de ainda não estar suficientemente convencido com o que apresentamos, o leitor poderia sugerir a alguns colegas que escolhessem, um a um, urna atividade de aquisição na lista proposta e confrontar essas escolhas com a sua, tentando justificar cada urna delas; sem dúvida, descobri­ ria uma grande heterogeneidade e dar-se-ia conta de que cada atividade solicita mais esta ou aquela estratégia e que, por esta razão, é escolhida: assim, aquele que escolher a leitura de várias passagens ele textos românti­ cos reunidos em uma coletânea é, sem dúvida, alguém que ainda procede de maneira indutiva, mas, de preferência, construindo uma hipótese a par­ tir do ou dos primeiros textos e confirmando-a com os seguintes, modifican­ do-a então até que ela lhe pareça ter abordado todos. Aquele que escolher, por outro lado, a leitura de uma obra completa deverá certamente utilizar uma estratégia onde a indução se dará mais por uma busca da significação do texto en1 sua globalidade, tentando chegar ao centro daquilo que faz os personagens agirem, assimilar ou entrever o ponto onde se encontram suas intenções, seus comportamentos e seus discursos . . . procederá menos por confronto do que por empatia, menos por ajustes progressivos do que pela busca do sentido. Aquele que tiver optado, enfim, pela leitura e o resumo de um artigo da Encyclopedia Universalis praticará, por sua vez, ainda uma

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outra forma de indução, procederá, antes, por redução, ou seja, na verda­ de, por uma série de estreitamentos e extensões tentando identificar um conceito que já está formulado no texto, centrar-se nele e verificar, em seguida, se ele se estende à totalidade deste último; não utilizando efetiva­ mente nem o confronto, nem a busca de significação, procederá por desloca­ mentos de pontos de vista e observará, em cada um deles, o domínio que permite englobar. E poder-se-ia assim prosseguir a análise, mostrar que, buscando ilustrações para um texto, faz-se uma induç�to por evocação, etc. 6 . Para efetuar urna mesma operação mental, há, portanto, uma varieda­ de de estratégias possíveis e a escolha de uma atividade de aquisição facili­ tará ou, ao contrário, tornará muito difícil o uso pelo sujeito de sua própria estratégia. • Se tomarmos agora a atividade que você escolheu como atividade de avaliação e se você é professor em uma instituição escolar, é provável que tenha sido fortemente influenciado em sua escolha por sua representação das expectativas institucionais e pela proximidade de certas atividades com as tradicionais provas de exame . . . e sem dúvida, sua escolha é justa, já que você tem a preocupação legítima de preparar seus alunos para os exames assim como estes se apresentam e não como deveriam ser. Mas, na realida­ de, se reexaminarmos as quatorze atividades propostas, descobriremos que cerca da metade são, à sua maneira, atividades de avaliação na medida em que podem confirmar o domínio el o objetivo proposto. É por isso que .falaremos em atividade de avaliação quando houve,� para wn sujeito deter­ minado, evidência do objetivo na atividade. . . ou seja, quando o sujeito não tiver que recorrer a conhecimentos periféricos demais, nem a exercícios intermediários, de acordo com suas capacidades e realizáveis com sua es­ tratégia, cujo resultado ele deveria depois traduzir para colocá-lo em con­ formidade com a natureza da prova proposta. Na verdade, uma avaliação nunca é neutra e sempre envolve algo mais além do que deve supostamen­ te avaliar. Redigir uma síntese, responder a questões, discriminar, ilustrar, expor a colegas são atividades que solicitam capacidades e estratégias es­ pecíficas: se o sujeito não puder facilmente aplicá-las, ei-lo empenhado na busca ele etapas sucessivas que lhe permitam chegar a elas . . . Pede-se que o aluno redija, mas ele se sente mais à vontade na discriminação, deve então inventar para si um exercício que recorra �t discriminação e apoiar-se no resultado obtido para começar a redação. Na realidade, o sujeito iniciou então, por ocasião de uma avaliação, uma nova aprendizagem . . . isto está longe de ser prejudicial, pois pode contribuir para estender seu repertório metodológico; mas mistura inutilmente os gêneros . . . e é melhor separar muito explicitamente a avaliação ela exploração. Os alunos, sobretudo aqueles que têm algumas dificuldades, sempre têm a ganhar com o explícito. • Algu111as palavras, enfim, sobre a atividade de exploração. O seu princípio é simples: tratava-se de escolher uma atividade em que, apoian­ do-se em sua aquisição recente, você buscasse novas aquisições. Com efei-

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to, um conhecimento só está verdadeiramente apropriado quando tiver se tornado por sua vez um instrumento para a aquisição de outros; então, e só então, pode- se dizer propriamente que está integrado na dinâmica cognitiva do sujeito. E o que pode permitir a aquisição de um objetivo tão "escolar", de um conhecimento tão limitado quanto o que lhe foi proposto? Basta aplicá-lo em uma nova atividade para dar-se conta disso: assim, por exem­ plo, saber o que é o estilo romântico e lançar-se em uma atividade para expor a um grupo de colegas sua preferência por um texto romântico em relação a um texto clássico vai impor que você desenvolva u1na estratégia particular em que, apoiado em capacidades já dominadas, você construa pouco a pouco, indiretamente, uma nova capacidade: sabe construir uma argumentação por escrito e centrada no objeto, mas tem dificuldade para efetuar uma exposição por comparação e sobretudo para verbalizar diante de outrem . . . terá que introduzir uma série ele mediações para construir uma espécie de corrente que vai conduzi-lo à atividade que você tem em vista: você construirá duas argumentações distintas, uma em favor do romantis­ mo, a outra contra o classicismo, e realizará uma aproximação dos argu­ mentos termo a termo; escreverá, em primeiro lugar, sua exposição inte­ gralmente para lê-la diante de um gravador, em seguida, reduzirá progres­ sivamente suas anotações; depois pedirá ajuda a um ouvinte em quem você confia e assim por diante, até o estabelecimento ela nova capacidade . Sem dúvida, propomos aqui um longo percurso e, muitas vezes, será possível diminuí-lo . . . De qualquer forma, no entanto, o princípio será o mesmo: a partir ele uma competência dominada e ele capacidades já possuídas, have­ rá desenvolvimento e complexificação de uma estratégia por sobreposição que levará a uma capacidade nova, ela mesma capaz de fecundar novas estratégias e assim sucessivamente. Quando se tenta instalar um "modelo individualizado da aprendizagem" A partir elo que acabamos ele observar, podemos assim afirmar que há "situação de aprendizagem" quando um sujeito mobiliza uma ou mais ca­ pacidades fazendo com que entrem em interação com suas competências. A atividade que ele desenvolve pode então ser chamada de "estratégia"; é uma atividade pessoal, aleatória a sua própria história; é também uma ativi­ dade finalizada através da qual constrói novos saberes e savoir:faire inte­ grando, por uma série de relações sucessivas, a dificuldade ao habitual, o estranho ao familiar, o desconhecido ao conhecida7 . Este processo é ele próprio integrador, ou seja, urna aquisiçào na ordem das competências ou das capacidades serve ele ponto de ancoragem para desenvolver novas estratégias e permitir novas aquisições.

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Simplificando ainda mais esta definição e limitando-se aos elementos mais evidentes, a fim de torná-los mais facilmente compreensíveis para o didata, pode-se considerar que há situação de aprendizagem quando n os apoiamos em uma capacidade para permitir a aquisição de uma compe­ tência ou, em uma competência, para permitir a aquisição de uma capaci­ dade. Pode-se então chamar de "estratégia " a atividade original que o sujei­ to desenvolve para realizar essa aquisição. Mas insistimos no fato de que esta última definição simplifica demais as coisas, que nunca existe capaci­ dade ou competência isoladas e que o fato de dispor de um modelo prático e fecundo para o didata não deve fazer com que se pense que se trata de uma descrição psicologicamente satisfatória.

Quando se tiram três conseqüências desse modelo para a prática docente • Só se pode ensinar apoiando-se no sujeito, em suas aquisições anteriores, nas estratégias que lhe são familiares. O ensino é estéril se não forem es­ tabelecidas situações de aprendizagem em que o educando possa estar em atividade de elaboração, isto é, de integração de novos dados em sua estru­ tura cognitiva. Nada pode ser adquirido sem que o educando o articule ao que já sabe. Nada pode ser adquirido evitando ou neutralizando sua estra­ tégia. • A ação didática deve, portanto, esforçar-se para fazer com que haja a emergência da informação que possibilita essa articulação. Esta informa­ ção pode chegar a ele de duas formas. Primeiro, é constituída por dados relativos às capacidades e competências de que o sujeito dispõe: é o que a avaliação diagnóstica efetuada antes da aprendizagem permite obter, quer diga respeito aos "pré-requisitos estruturais" (natureza e nível das capacida­ des dominadas), quer diga respeito aos "pré-requisitos funcionais" (nature­ za dos conhecimentos e nível atingido nas representações). É claro que estes dados são sempre, de uma certa maneira, simples hipóteses, na medi­ da em que a escolha dos indicadores que permitem recolhê-los é relativamen­ te arbitrária e sempre seleciona, como foi visto, com base em outros critéri­ os além daqueles que se anunciam explicitamente. É por isso que a avalia­ ção diagnóstica deve ser completada pela avaliação em situação, pela obser­ vação da aprendizagem em ação, por estratégias utilizadas e efeitos produzi­ dos; é justamente o que chamamos de avaliação formativa. Este tipo de avaliação não antecipa a ação - a do aluno não mais que a do professor mas a regula . . . É necessário ainda, para isto, que os dispositivos estabelecidos não bloqueiem a emergência da informação. Ora, preferimos, às vezes, certas seguranças a certas informações: se deixássemos nossos alunos livres para

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saírem da sala de aula quando se entediassem, disporíamos, certamente, de uma informação preciosa para regular nosso ensino8 • • • E existem maneiras bem mais sutis para amordaçar a informação: "Você quer que as crianças se calem, diz F. Oury, nada mais fácil: dê a elas a palavra!" Pois é verdade que há uma maneira de "fa zer com que fale" alguém que não deixa escapar nenhuma informação, da mesma forma que há uma maneira de falar para uma classe mantendo-se à espreita elas reações suscitadas, dos olhares e cios gestos que darão uma chave, um ponto de apoio no qual articular uma aprendizagem. Mas o mais simples ainda - e, no entanto, o mais difícil de se obter por contradizer nossa representação do ensino - é organizar a classe para que os alunos nela trabalhem a fim ele podermos dedicar toda a atenção para identificar onde e como poderemos engrenar novas aquisi­ ções . .. E, seja como for, não parece exagero dizer finalmente que uma "boa didática" é sobretudo reconhecida por este critério: "Procedendo desta for­ ma, posso recolher informações suficientes para alimentar e regular minha atividade ele ensino?" • A ação didática, se só pode partir do sujeito tal como ele é, deve ter como fim, enriquecer suas com,petências e suas capacidades e permitir que ele experimente novas estratégias. Todos admitem fa cilmente que o ensino eleva esforçar-se para fazer com que os alunos adquiram conhecimentos, mas poder-se-ia temer que considerar de maneira muito sistemática capacida­ des e estratégias leve à utilização de procedimentos de aquisição percebi­ dos como estritamente de acordo com as "possibilidades" do sujeito. Talvez eficaz no domínio dos saberes escolares, uma tal maneira de proceder condu­ ziria ao isolamento e provocaria procedimentos de intolerância muito perigo­ sos. Sendo assim, a ação didática eleve enriquecer o repertório metodológico dos sujeitos apoiando-se nas competências adquiridas para explorar novas estratégias e construir novas capacidades. O que terá sido alcançado por um caminho bem conhecido poderá permitir a exploração de novos itinerá­ rios e a aquisição de novas capacidades. Assim, podemos concluir sem temer o paradoxo: a estratégia de um sujeito é inevitável e, no entanto, deve ser superada, Mas só poderá ser superada se, em um primeiro momento, tiver sido respeitada.

Quando se precisam os contornos da noção de "estratégia de aprendizagem" Se as provas de avaliação permitem que o professor verifique se uma compe­ tência ou uma capacidade é dominada pelo sujeito, rigorosamente, jamais deveriam permitir afirmar que delas ele não dispõe, um insucesso podendo sempre ser atribuído a fatores periféricos que nunca são totalmente elucidados9 • A estratégia, em contrapartida, na medida em que representa a

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aprendizagem em ação, pode ser descrita como uma seqüência de opera­ ções cujos comportamentos manifestos revelam aos poucos - pelo menos parcialmente; pode também, sob certas condições 10, ser apreendida pela introspecção, como o lembra A. de La Garanclerie. Em ambos os casos, o que caracteriza precisamente uma estratégia, o que a torna observável é o fato de não ser um "estado" , mas um "processo". Ela representa a totalidade das operações efetuadas por um sujeito, com o objetivo de alcançar uma aprendizagem estabilizada. Essas operações põem em jogo capacidades que entram em interação com competências, havendo nesta interação uma estruturação recíproca entre as primeiras e as segundas. No plano das mo­ dalidades, e para descrever esse fenômeno, pode-se considerar que uma estratégia ele aprendizagem compreende operações de assiJnílação dos da­ dos e operações de tratamento dos dados. . . mas não se pode separar, nem cronológica, nem logicamente estas duas fases na medida em que, também aí, não podem existir uma sem a outra. Todavia, essa distinção pode ser fecunda no plano didático e, particularmente, em uma perspectiva ele dife­ renciação, a assimilação remetendo à questão dos instrumentos de aprendi­ zagem (tipos de evocações mobilizadas, tipos de suportes . . . ) e o tratamento remetendo à questão dos procedimentos (setorial ou global, guiado ou não guiado, recorrendo à interação social ou não etc.) e, portanto, da estruturação da situação ele aprendizagem.

Estratégia capacidades

materiais

- apreensão dos dados

interação { estratégia = - tratamento dos dados

determina a escolha das ferramentas de aprendizagem determina a estrutura das situações de aprendizagem

Quando se discute a maneira como um sujeito elabora suas estratégias de aprendizagem Não é evidente que a didática tenha que se preocupar sistematicamente com a questão "por quê?" e pode-se perfeitamente aceitar a idéia de que levar em conta sujeitos reais e suas estratégias possa determinar as causas que explicam a escolha; talvez ainda, na prática da sala ele aula, haja algum perigo em realizar uma investigação sistemática sobre estas causas, porque

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poderia parecer inquisitória e, ao mesmo tempo, porque arriscaria paralisar o indivíduo em uma estratégia determinada pretendendo que ela corres­ ponderia à sua história . . . Ora, vimos que - e não seria demais insistir nisso - se é preciso respeitar a estratégia de um sujeito, também é preciso ajudá­ lo a superá-la. Expostas as precauções, discutamos, não obstante, sem excluir a priori um efeito positivo desta discussão para a investigação didática, a maneira como um sujeito elabora suas estratégias . . . Já insistimos na importância e.los pontos de ancoragem cognitivos: estes constituem, sem dúvida, um primei­ ro conjunto de variáveis que determinam a elaboração de uma estratégia. Um segundo conjunto de variáveis comporta tudo o que está ligado �1 história psico-afetiva do sujeito: pois é incontestável que certos procedimentos - todos provavelmente - independentemente o bastante de seu substrato cognitivq e de sua eficácia previsível nesse domínio, são conotados em relação a toda uma vivência pessoal que faz com que pareçam mais desejá­ veis ou menos . . . é neste registro que é preciso situar os fenômenos de identificação cuja importância diária mostra que eles mobilizam potencial­ mente o sujeito e permitem não que ele dispense um substrato cognitivo, mas que vá mais depressa em seu enriquecimento; o sujeito projeta no futuro urna imagem de si mesmo transformada segundo o modelo daquele com que se identifica e pode, em seguida, entre essa antecipação e seu estado presente, estabelecer ligações mais facilmente . . . A identificação faz, de certa forma, uma economia de tempo ou até mesmo de procedimentos sem, no entanto, modificar a própria natureza do processo. Evidentemente, esse aspecto dinamogênico pode ser invertido e tornar-se fator de resistên­ cia ou mesmo de inibição em relação a determinadas estratégias. Enfim, não se deve esquecer, neste domínio, toda uma série de fenômenos apa­ rentemente anedóticos e que valorizam ou desvalorizam esta ou aquela atividade em função de acontecimentos anteriores, muitas vezes esqueci­ dos pelo sujeito, onde estiveram ligadas a satisfações ou frustrações afetivas. Um terceiro conjunto de variáveis que não pode ser ignorado diz res­ peito aos determinantes sócio-culturais na adoção de uma estratégia de aprendizagem. Nenhuma estratégia é socialmente neutra, já que cada uma delas é o objeto de usos diferentes segundo os meios de origem e é marcada por uma mais-valia social específica que os indivíduos apenas raramente deixam de perceber. Assim, L. Cador descreve muito bem como o operário e o universitário, diante de uma mesma máquina, a tratam, cada um, de maneira diferente: "O primeiro busca antes sua informação no contato com o objeto, o segundo se dirige ao signo que o simboliza, resume e reduz" ' 1 . Dessa forma, poder-se-ia mostrar como as estratégias globalizantes, hoje dominantes no ensino das línguas vivas onde a percepção da significação ela frase pode fornecer a compreensão exata de certas palavras, favorecem os indivíduos habituados a irem mais do geral ao particular do que ao contrário . . .isto é, aqueles que pertencem a um meio sócio-cultural onde se

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manipula "naturalmente" a abstração. Paralelamente às argumentações lin­ güísticas legítimas, o fenômeno é bem real e não pode ser ignorado pelos didatas 1 2 . Vê-se então que uma estratégia de aprendizagem se constitui de maneira complexa e faz com que intervenham variáveis de ordens muito diferentes. E, desde já, impõe-se uma conclusão: a prática didática deverá esforçar-se para fazer com que variem as estratégias de ensino para que os sujeitos possam utilizar sua estratégia de aprendizagem.

Quando se tenta determinar as regras do bom uso didático da noção de "estratégia de aprendizagem" Na verdade, quando foi dito que a didática deve "se adaptar" às estratégias de aprendizagem dos alunos na sala de aula, não foi dito de que maneira . . . E duas hipóteses se apresentam imediatamente: ou se propõe deduzir os dispositivos didáticos da observação psicológica, ou se q/1rnw a autonomia da inventividade didática e se Jaz com que intervenham as informações psicológicas como indicadores de pertinência desta inventividade. Ora, a primeira hipótese não nos parece sustentável por várias razões. Em primeiro lugar, como bem mostra G. Avanzini, nunca se vai "ela psicolo­ gia à pedagogia, mas, antes, de urna pedagogia escolhida em função de finalidades implícitas ou explícitas e de oportunidades metodológicas a uma psicologia escolhida dentre várias outras - a psicologia experimental, clínica, genética, social, diferencial. . . - e solicitada para vir confirmar, a posteriori, escolhas anteriores 1 3 . Por outro lado, mesmo dispondo de numerosíssimas pesquisas a respeito dos "estilos cognitivos" 1" , não se sabe bem, justamente devido a essa multi­ plicidade, como operacionalizá-las. Cada urna delas oferece, na verdade, um quadro de leitura que propõe reduzir as estratégias de aprendizagem a dois estilos que são dados como dois pólos dominantes, unificadores de condutas (tolerància/intolerància à incerteza, dependência/independência em relação à área, rigidez/flexibilidade, reflexividade/impulsividade etc.). É claro que existem princípios que se subdividem e podem ser reagrupados; algumas tipologias, como a dependência/independência em relação à área, podem parecer parcialmente unificadoras . . . mas, por enquanto, não é possível combinar todas para chegar a uma tipologia satisfatória das estratégias de aprendizagem . . . sobretudo porque "o hábito de definir a dimensão por seus pólos não deve concluir que estamos diantes de tipos" 1 5 e que , portan­ to, é preciso considerar uma variedade de intermediários entre os dois pólos. Tudo isso posto, finalmente, parece razoável dizer que, se pudésse­ mos combinar todas as características descobertas e a serem descobertas, deveríamos chegar a uma tipologia que apresentasse quase tantas estratégi-

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as de aprendizagem quantos fossem os indivíduos sobre o planeta . . . Daria para confundir o didata! Enfim, e sobretudo, como observa F. Smith, "mesmo que a maneira como os indivíduos se portam em situações semelhantes não pareça mudar muito com o tempo, é difícil prever que estilo cognitivo utilizarão em situ­ ações d1ferente.�,i 6 . Com efeito, o que caracteriza a maioria das pesquisas psicológicas é o fato de ignorarem as situações nas quais os indivíduos se encontram; buscando a invariância e reagindo contra o situacionismo be­ haviorista que nega a especificidade do sujeito e considera as aprendiza­ gens como inteiramente determinadas pelos estímulos dos quais ele é o objeto, essas pesquisas tentam isolar as "variáveis-sujeito", independentemen­ te da atividade didática desenvolvida pelo professor. Ora, o que conta na sala de aula é menos a estratégia em si do sujeito do que aquela que lhe pode ser útil aqui e agora na situação estabelecida . . . pois é precisamente sobre esta situação que o professor pode agir; o que está a seu alcance é a organização didática da classe. E esta organização não pode ser deduzida de observações psicológicas que procuram precisa e metodicamente neutra­ lizar seus efeitos. É necessário, portanto, aceitar a existência de uma ruptu­ ra entre a psicologia e a didática: a segunda não pode ser mecanicamente deduzida da primeira, é de uma outra ordem, recorre à inventividade do professor que pode simplesmente vir regular uma informação que as crite­ riologias psicológicas permitem melhor apreender. Portanto, adaptar o ensino às estratégias de aprendizagem dos alunos não é deduzir sistematicamente o primeiro das segundas. É, ao contrário, descobrir aquilo que se pode variar em seu ensino, como se pode negociar a situação-problema, adaptar sua programação didática, organizar seu "qua­ dros de propostas e recursos". A partir desses elementos sobre os quais se tem poder, inicia-se a ação e observam-se seus efeitos: para realizar essas observações, hipóteses são úteis e podem ser buscadas nos trabalhos dos psicólogos. A partir dessa observação, modifica-se, ajusta-se, aconselha-se os alunos, pode-se praticar o apoio individualizado. Se tivéssemos que defi­ nir por wna fórmula as atitudes didáticas fundadoras da diferenciação pedagógica, diriainos: o professor propõe, observa e regula as atividades dos alunos.

Quando se dão, enfi1n, algumas indicações concretas para a prática da sala de aula Imaginemos então que o professor tenha elaborado um planejamento didáti­ co rigoroso: identificou o objetivo-núcleo e determinou a situação-proble­ ma; esta é construída a partir da análise da operação mental a ser efetuada e cios materiais a serem utilizados que foram selecionados . . . Como organi-

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zar então a atividade dos alunos levando em conta suas estratégias de aprendizagem? Duas fórmulas são possíveis: nós as apresentamos em outra ocasião e as denominamos ''diferenciação sucessiva" e "diferenciação simul­ tânea"17. A primeira é chamada por A. de Peretti de "pedagogia variada" 18: o professor nela conserva o controle de toda a sua turma, mas esforça-se para variar sucessivamente as situações e as ferramentas; na segunda, o profes­ sor propõe diferentes atividades entre as quais os alunos são divididos ou escolhem as que lhes parecem capazes de permitir que alcancem o objetivo fixado; é aí que o método do "quadro de sugestões e recursos" adquire todo o seu sentido . . . Notemos que a alternância entre essas duas formas ele diferenciação representa ela própria uma riqueza, uma espécie ele diferencia­ ção da diferenciação que não pode senão beneficiar os alunos. • No caso de uma diferenciação sucessiva, a variação das propostas didáticas pode ser regulada ao longo da seqüência por uma simples observa­ ção atenta das reações ela turma, ou melhor, por breves testes de avaliação formativa (uma frase para completar, um esquema para reproduzir, urna breve manipulação etc.) que verificam o índice de convergência da estraté­ gia de ensino utilizada com as estratégias de aprendizagem cios alunos; se a disparidade for grande demais dentro da turma, a diferenciação sucessiva deverá então dar lugar a uma fase ele diferenciação simultfmea. Mas pode­ se igualmente regular a diferenciação sucessiva a posteriori, ora pela deter­ minação de pausas metodológicas em que os alunos, em pequenos grupos ou toda a turma, interrogam-se quanto à eficácia, para cada um, de um determinado instrumento ou de urna determinada organizaç{to da aprendi­ zagem; ora por contatos pessoais com o aluno para os quais os quadros propostos podem servir de pontos de apoio ou de grades de análise. • No caso de urna diferenciação simultânea, o problema é um pouco mais complexo na medida em que é preciso, em primeiro lugar, resolver a questfto da divisão dos alunos entre as diferentes atividades propostas. Esta pode se efetuar de três maneiras: - por um diagnóstico prévio: o professor terá obtido, por avaliações anteriores, por entrevistas, por observações do aluno enquanto este traba­ lha, informações suficientes para propor-lhe um tipo de atividades confor­ me o que sabe sobre sua estratégia própria; - por " on:entação por tentati-vd' 1 9 : várias propostas são feitas aos alu­ nos que escolhem livremente; no exame dos resultados da avaliação , efetu­ am-se os reajustes necessários; - por eliminações sucessivas: uma estratégia é proposta a todos; para aqueles que encontram dificuldades, é proposta uma outra e assim sucessi­ vamente . . . Feita a divisão, podem-se então utilizar procedimentos d e regulagern ao longo da seqüência, o que se tornará mais fácil se o professor estiver disponível para essa tarefa; circulando junto aos alunos em atividade, obser-

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vando-os e interrogando-os, pode utilmente introduzir um exercício inter­ mediário, buscar uma capacidade ou uma competência que poderão se1vir ele ponto de apoio. Podem-se também utilizar procedimentos de regulagem a posteriori, em particular, examinando os resultados obtidos pela avaliação e pelas estratégias utilizadas para prepará-la: um questionário, uma entre­ vista, uma discussão em pequenos grupos poderão assim ser muito úteis. Em resumo, será possível, em todos os casos, tomar como apoio os quadros que seguem2º , desde que isso seja feito de maneira flexível : eles podem, na verdade , servir para enriquecer o repertório metodológico do professor, fornecendo-lhe, ao mesmo tempo, indicadores de pertinência de suas escolhas. Para cada categoria de diferenciação, indicou-se, na coluna da direita, o que se pode variar na atividade didática e, na coluna da esquerda, as estratégias dominantes a solicitar (caracterizadas aqui pelos pólos). O professor poderá assim, segundo os casos, utilizar os quadros em um senti­ do ou em outro . . . Poderá, por um lado, examinar sua prática didática, verificar suas opções implícitas e introduzir novos métodos; observará então que, inconscientemente, utiliza, de preferência, por exemplo, evocações visuais, uma abordagem global dos saberes e situações pouco dirigidas que quase não co_n tam para a implicação afetiva dos sujeitos . . . poderá então introduzir uma variação em seus métodos, usando mais sistematicamente evocações verbais ou manipulações, utilizando abordagens por elementos, mais dirigidas e articuladas à vivência dos educandos. Não que estas fórmulas sejam, em si mesmas, melhores do que as primeiras . . . mas são capazes de amenizar de forma oportuna seus efeitos perversos se, e apenas se, formos capazes, além disso, de recolher as informações sobre o que elas produzem e os alunos que beneficiam. Mas essa seleção de informações supõe que se disponha de hipóteses sobre o funcionamento cognitivo dos sujeitos para poder compreender suas reações. São essas hipóteses que a parte esquerda dos quadros fornece: graças a elas, o professor estará em condições de regular suas propostas e de ajustá-las progressivamente, ainda que não totalmente às necessidades dos alunos - e isso talvez seja preferível. Poder-se-ão, por outro lado, utilizar os mesmos quadros como instru­ mentos para auxiliar na observação, no diagnósticc:i dos alunos, de suas dificuldades e de seus recursos. Evidentemente, será impossível situar cada um em cada um dos domínios e fixar-nos-emos, em função dos exercícios e das oportunidades de programa, ora em um, ora em outro. Poder-se-á, assim, melhor compreender como um aluno trabalha, analisar com ele as estratégias que utiliza para efetuar uma tarefa específica, fazendo com que as propostas que lhe serão feitas sejam mais "ajustadas" ao seu próprio funcionamento intelectual. Ao contrário elas preocupações que alguns educa­ dores mantêm, não há nada aí que se assemelhe a uma investigação de tipo psicoterapêutico; é bem mais, para o aluno, com o auxílio do professor, uma maneira de mobilizar-se na gênese de suas próprias aquisições, de tornar-se efetivamente epistemólogo de seus próprios conhecimentos para

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inventar, com o professor, novos procedimentos para adquiri-los. E que não se diga que a tarefa é complexa demais: quem teve a oportunidade ele conversar com alunos cio maternal I quanto à estratégia que cada um utiliza para aprender a vestir o casaco, sabe a que ponto se pode chegar, desde que isso se inscreva em urna relação ele confiança em que o professor, contudo, não abdica de nenhum de seus objetivos com uma formidável lucidez . Uma relação, um objetivo, uma estratégia ... a aprendizagem, decidi­ damente, está bem no centro do triângulo. É preciso duvidar das tipologias; os educadores as prezam muito, sobre­ tudo se elas permitem que classifiquem seus alunos, o que, certamente, pode desviá-los da preocupação de fazer com que progridam, fornecendo­ lhes ao mesmo tempo uma garantia científica capaz ele depreciar sua reputa­ ção 2 1 . É por isso que não forneci as grades anteriores sem cercá-las ele mil precauções . . . E, se o termo não conotasse outras significações, eu teria naturalmente chamado esses quadros de "escalas", tentando mostrar com isso que se trata mais de instrumentos de análise e sobretudo de progressão e não oportunidades para aprisionar atrás delas indivíduos condenados a reproduzir uma imagem de si mesmos que peritos teriam definitivamente estabelecido. Na verdade, levar em conta as estratégias de aprendizagem dos alunos não poderia ser senão urna forma nova e requintada ele adestramento, se não fosse acompanhada, ou melhor, se não fosse ela própria, constitutiva­ mente, o reconhecimento ele um sujeito . . . se não fosse esta preocupação com aquilo que J. Oury chama ele "ritmo" 22 , no sentido etimológico cio termo, ou seja, a "formalização", esta operação estranha onde emerge uma pessoa, onde ela se define e ao mesmo tempo se supera indis�ociavelmente.

DOMÍNIO DE DIFERENCIAÇÃO Nº 1 : Ferramentas de aprendizagem OBJETO DA DIFERENCIAÇÃO METODOLÓGICA

Verbalização prévia ou mediação sistemática pela escrita.

Mobilização das evocações verbais ou mobilização das evocações visuais.

Contato manipulatório prévio ou apreensão pelo signo.

ESTRATÉGIAS DOMINÂNTES A SOLICITAR

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Apoio verbal: o indivíduo deve "verbalizar" uma explicação, uma demonstração antes de poder passar à escrita.

Apoio escrito: o indivíduo deve "escrever antes de verbalizar, de explicar a outro".

Estratégia visual: o indivíduo apreende os objetos pelas representações visuais que deles faz.

Estratégia auditiva: o indivíduo apreende os objetos pelas representações auditivas que deles faz.

Estratégia de contato: o indivíduo vai diretamente ao objeto, apalpa-o, desmonta-o, apropria-se dele pela manipulação.

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Estratégia de representação: o indivíduo vai ao objeto pelo "signo" abstrato que o representa ou que dele dá uma imagem simbólica; ele adia a manipulação.

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DOMÍNIO DE DIFERENCIAÇÃO Nº 2: Métodos de aprendizagem OBJETO DA DIFERENCIAÇÃO METODOLÓGICA

Apresentação prévia de todos os elementos ou proposta prévia da estrutura.

Estudo através de um elemento significativo ou confrontos suces­ sivos de elementos.

Funcionamento por disfunções ou busca dos intermediários.

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ESTRATÉGIAS DOMINANTES A SOLICITAR Abordagem setorial: o indivíduo apreende cada elemento separadamente (palavra, frase, noção, conceito ... ) em geral de maneira descontínua, e efetua reagrupamento para construir um conjunto por combinações. Abordagem global: o indivíduo compreende primeiro uma estrutura para nela situar casos específicos; na maioria das vezes, esta estrutura é apreendida de maneira aproxi­ mativa, e deve em seguida ser ajustada nela introduzindo sistematicamente cada elemento. Compreensão pela significação: o indivíduo se detém em um elemento ou em um problema dentre outros, cujo sentido tenta compreender ou cujos princípios de orga­ nização tenta perceber. Ele procede em seguida por extensão aos outros elementos. Compreensão pelo confronto: o indivíduo examina vários elementos e tira de seus confrontos sucessivos hipóteses cada vez mais afinadas com o princípio que os rege ou o conceito que permite compreendê-los.

Apoio nas oposições: o indivíduo tende a apropriar-se das noções acentuando seus traços distintivos; só define bem uma idéia imaginando seu contrário; gosta das listas de oposições binárias. Apoio nas ligações: o indivíduo é sensível às situações intermediárias logo que lhe é proposta uma distinção; tende a nuançar, a transformar o todo ou nada em uma graduação.

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DOMÍNIO DE DIFERENCIAÇÃO Nº 3: Grau de orientação na execução de uma tarefa OBJETO DA DIFERENCIAÇÃO METODOLÓGICA Anúncio dos objetivos e das etapas ou desco­ berta pelo aluno dos objetivos e das etapas.

Ferramentas de regu­ lagem impostas no de­ correr do trabalho ou liberdade dada ao su­ jeito ou ao grupo.

Correções parciais e freqüentes ou transfe­ ridas à correção global.

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ESTRATÉGIAS DOMINANTES A SOLICITAR Intolerância à incerteza: o indivíduo deve saber precisamente quais são os objetivos

e os comportamentos que dele se espera.

Tolerância à incerteza: o indivíduo deve descobrir sozinho os objetivos, formulando e verificando hipóteses sucessivas.

Necessidade de regulagem: o indivíduo precisa de mecanismos de lembrança e é beneficiado por situações que dispõem de um grande grau de orientação (fichas, software educativos, etc.) Necessidade de independência: o indivíduo progride mais facilmente se o deixarem avançar com liberdade sem interromper sua progressão com lembranças.

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Re!lexividade: o indivíduo progride passo a passo certificando-se da exatidão dos resultados nas diferentes etapas.

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Impulsividade: o individuo faz um primeiro apanhado que ele critica e retoca,

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comete erros que só retifica mais tarde.

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DOMÍNIO DE DIFERENCIAÇÃO N° 4: Inserção sócio-cognitiva OBJETO DA DIFERENCIAÇÃO METODOLÓGICA Implicação em relação à história pessoal do sujeito ou desvinculação do objeto da aprendizagem em relação a esta história.

Confronto ente pares necessários ou elaboração individual solicitada.

Apoio sobre os conhecimentos anteriores na especialidade ou apelo a conhecimentos adquiridos nos outros domínios ou em outras disciplinas.

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ESTRATÉGIAS DOMINANTES A SOLICITAR Implicação: o indivíduo é sensível ao vínculo relacional, ao enraizamento em

seu passado, etc.

Desvinculação: o indivíduo intelectualiza, desvincula do contexto, faz valer o

prazer da organização, da estrutura.

Dependência em relação à interação social: o indivíduo precisa confrontar regularmente suas respostas e seus trabalhos com a posição de outrem para progredir.

Independência em relação à interação social: o indivíduo precisa trabalhar sozinho, isolar-se; ele considera o contato com outrem desestabilizador em sua reflexão pessoal.

Convergência: o indivíduo mobiliza informações que pertencem ao domínio considerado.

Divergência: o indivíduo mobiliza informações que pertencem a domínios diferentes.

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DOMÍNIO DE DIFERENCIAÇÃO Nº 5: Administração do tempo OBJETO DA DIFERENCIAÇÃO METODOLÓGICA Imediatismo ou pausa entre as instruções ou informações e sua resposta ou exploração.

Coleta prévia de informações ou coleta de informações no decorrer da ação.

Tempos de trabalho longos e pouco numerosos ou tempos de trabalho curtos e numerosos.

ESTRATÉGIAS DOMINANTES A SOLICITAR

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Primordialidade: o indivíduo reage imediatamente aos estímulos, mas a repercus-

são a longo prazo é bastante fraca.

Secundariedade: o indivíduo precisa de um tempo de latência; a resposta é deslocada mas a repercussão pessoal é maior.

Mobilização prévia da informação: o indivíduo precisa saber "tudo" para gír; o nível decisional é elevado... Há poucas respostas e poucos erros. Integração progressiva de informações: o indivíduo precisa de poucas informações para iniciar a ação; o nível decisional é baixo. Há mais respostas, mas mais erros.

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Trabalho englobado: o indivíduo se dedica longamente a uma tarefa e é perturbado por trocas de atividades.

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Trabalho segmentado: o indivíduo trabalha em pequenas unidades de tempo e beneficia-se com trocas freqüentes de atividades.

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APRENDER

FERRAMENTA Nº 7 - EXPLORAÇÃO Esta ferramenta não é exaustiva e não pretende cobrir todo o leque metodológico do qual o professor dispõe na sala de aula. É, no entanto, suficientemente rica para parecer a alguns como desmobilizadora: aquele que quisesse fazer tudo finalmente se resignaria, diante da dificuldade da tarefa, a nada fazer. Trata-se aqui de simplesmente fornecer uma "caixa de idéias" que o professor utilizará e enriquecerá ao preparar suas aulas; ela pode então lhe permitir, por ocasião ele um objetivo, variar progressivamente suas propostas metodológicas. Esta ferramenta é indissociável da ferramenta seguinte (n" 8: "regulagem"), na medi­ da em que a variação didática que permite introduzir deve ser regulada permanente­ mente em função da observação de seus efeitos. É a associação destas duas ferramentas que coloca efetivamente o professor em situação de pesquisa-ação pedagógica.

Para atingir o objetivo que viso e para fazer com que seja efetuada a operação mental que ele requer, é possível... nos seguin­ tes domínios:

utilizar os métodos abaixo...

1. Os ins­ trumentos a mobilizar.

- explicações dialogadas que funcionam através de questões e respostas orais, verbalizações sistemáticas antes dos trabalhos de escrita; - introdução ele tempos de escrita pessoal, respostas a questões escritas, redação de rascunhos antes de tomar a palavra; - quadros ou esquemas permitindo visualizar a estrutura do objeto estudado; - apresentações coletivas sobre o modo narrativo;. - ilustrações visuais que permitem representar concretamente aquilo cio que se trata (slides, filmes, fotos . . .); - ilustrações sonoras que permitem "ambientar-se"; - leitura pessoal ele documentos; - escuta individual de uma apresenrnção ou ele uma conferência; - experiências, produções diversas; - manirulações (recortes, quebra-cabeças .. .); - mímica, apresentação gestual; - codificação simbólica; - so/iwm·es, fichas individuais de trabalho, etc.

2. Os proce­ dimentos a propor.

- Abordagem lenta e progressiva, elemento por elemento; uso ele estruturas "em forma de árvore"; - imersão na questão ou no problema sem preparo prévio; questões abertas ou muito amplas; - estudo aprofundado de um elemento que reflete uma problem:'i­ tica mais geral; - estudo por confronto de elementos diversos com introdução de contra-exemplos; - utilização de oposições b inárias, de conceitualizações rígidas e muito discriminatórias; apoio nas contmdições; organização de "processo";

Aprender. . . Sim, Mas Como?

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- utilização de graduações, busca de transições, de explicações por desvios ou deslocamentos; trabalho sobre as nuanças; organização de "conciliações". 3. O grau de orientação (ou de diretividade) a estabelecer.

- anúncio muito detalhado dos objetivos, etapa por etapa; - descobe1ta pelo próprio aluno, a posteriori, do objetivo que era visado; confronto das hipóteses do aluno com o projeto do professor; - proposta de um plano de trabalho individual muito preciso etapa por etapa; utilização muito rigorosa de um manual; - proposta de um projeto global e liberdade de iniciativa quanto à organização do trabalho; utilização flexível de documentos extraídos de manuais e fontes múltiplas; - verificações regulares; interrupções do trabalho a cada etapa para fazer avaliações parciais e introduzir os recursos necessários; revisões freqüentes e acumulativas; - verificações poste1iores sobre resultados globais; recursos mais gerais que agem sobre toda a aprendizagem; revisões espaçadas mas sistemáticas.

4. Os tipos de inserção sócio-cognitiva a sugerir.

- evocação de estórias pessoais relacionadas com a questão estudada; dramatizações e situações implicatórias, relação estabelecida entre a aprendizagem e a experiência elo aluno e solicitaçf10 de suas reações pessoais (adesão, objeções, questões, reservas ...); - desvio pela história, utilizando jogos de regras pouco implicativos; trabalho sobre a estética e o posicionamento dos elementos, transposição sob forma de quadros; - alternância de trabalho pessoal e de confronto em pequenos grupos; aplicação de estruturas de trocas; incentivo à discussfto sitemática dos pontos de vista e busca do apoio de outrem; - respeito do trabalho pessoal e do silêncio; possibilidade oferecida ao aluno de isolar-se física, intelectual e afetivamente; - enraizamento do novo apolte nos conhecimentos anteriores na disciplina; relações regulares e asseguradoras com aquilo que já se sabe; globalização sistemática das aquisições; - trabalho interdisciplinar, busca das analogias, pontes, transferências possíveis de uma noçf10 a um outro campo.

5. A administração do tempo a organizar.

- interpelação do aluno para que ele reaja imediatamente a uma instrução; para que faça um exercício logo após a explicação para fixar o essencial; - prazo para a execução de uma instruçào para dar tempo à evo cação e à apropriaçf10; - coleta sistemática de informações antes de agir: constituição de dossiês documentários, verificaçào de todas as aquisições anteriores, verificação de que se dispõe de todos os dados (uso de check-lists prévias; - início rápido da ação e busca das informações em função das dificuldades (uso das listas de recursos); - seqüências longas de trabalho, com o mesmo método, sobre o mesmo objetivo; - seqüências breves de trabalho, alternando métodos e/ou objetivos.

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APRENDER FERRAMENTA Nº 8 - REGULAGEM Esta ferramenta é uma ficha metodológic-.i que poderá ser utilizada pelo professor para ajudar na obse1vação do aluno e recolher informações sobre a maneira como cada um trabalha melhor; isto permitirá diferenciar, ainda que modesta ou parcialmente, as propostas didáticas. Além disto, poder-se-á utilmente apoiar-se nesta grade para condu­ zir entrevistas metodológicas que ajudem o aluno a identificar as condições de seu êxito e a explorar novas situações. Enfim, será possível utilizá-la como um meio de diagnósti­ co e de divisão dos alunos em "grupos de necessidade", tanto dentro da sala de aula quanto no plano de grupos maiores. Em geral, a participaçào do aluno na utilizaçào ela ferramenta, ou até em sua reconstrução, melhorará consideravelmente o alcance da mesma. Pode-se prever, para isto, simplificações notáveis, tal como esta que sugerimos mais adiante. Observemos igualmente que as oito fases que distinguimos nào representam um modelo taxionôrnico; sua ordem pode ser modificada de acordo com os sujeitos e isto pode também se prestar a um trabalho de reflexào com eles (alguns, em particular, precisam da transferência para chegarem a uma estruturação estabilizada). Se apresen­ ramos o quadro desta forma, foi porque estas oito fases correspondem a tipos de atividades escolares habituais e facilmente identificáveis. São precisamente estas ativi­ dades que convém adaptar o melhor possível a cada um e às quais convém adaptar cada um o melhor possível. Para cada uma das atividades abaixo, esforçar-no-emos para identificar as condições que facilitam sua realização em cada um dos domínios ao lado.

1 . Sensibilização: aquilo que "prende" e permite iniciar mais fa­ cilmente o trabalho... 2. Identificação: aquilo que ajuda a ficar atento, a escutar, ver ou ler aquilo que é proposto... 3. Estruturação: aquilo que facilira a compreensão, permite ligar o que se aprende àquilo que já se sabia e construir um sistema de explicações ... 4. Apropriação: aquilo que permite tornar efetivamente sua uma aprendizagem, é capaz de explicá-la a outrem e de responder a suas eventuais questões ou objeções . . .

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Aprender. . . Sim, Mas Como ?

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5 . Memorização: aquilo que fornece os meios de acumular as aquisições efetuadas a fim de poder restituí-las . . . 6. Revisão: aquilo que garante a melhor eficiência nas retomadas e revisões sistemáticas efetuadas posteriormente sobre conjuntos de conhecimentos . . . 7. Transferência: aquilo que torna possível a utilização pessoal de um conhecimento em um novo contexto, sua aplicação em situações inéditas ... 8. Auto-avaliação: aquilo que coloca o sujeito em situação de visào crítica sobre seu próprio trabalho e o ajuda a melhorar seus resultados . . .

APRENDER FERRAMENTA Nº 8 - Simplificada Propomos abaixo uma versão simplificada da ferramenta n" 8, adaptada a um dever pessoal do aluno de l" Grau. Este quadro poderá ser preenchido pelo aluno após a realizaçào do dever e servir de suporte a uma discussào metodológica com ele para comparar os meios utilizados e os resultados obtidos. Muitas outras aplicações simples sfto possíveis para todos os exercícios e atividades escolares. As condições nas quais eu fiz este dever: - quando? - onde? - quanto tempo?

O material que eu utilizei (notas, livros, documentos, ferramentas diversas. . .).

Como me organizei (o que fiz primeiro, em que ordem traba!hei ...)

Notas 1. D.P. Ausubel e F.G. Robinson, School learning. An introduction to educationa!psychology, Hold-Rinehart, Winston, Nova Iorque, 1969, p.50. 2. "Ao analisarmos as estruturas cognitivas, reconhecemos sem dificuldade que todas proce­ dem das anteriores pelo duplo jogo das abstrações reflexivas que delas fornecem todos os

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elementos e de um equilíbrio fonte da reversibilidade operatória (. . .) . As transformações constitutivas da estrutura resultam assim de transformações formadoras e delas diferem apenas por sua organização equilibrada". J. Piaget, Le structuralisme, PUF, Paris, 1970, p. 5657 . 3. "A atividade (espontânea ou evocada) só age sobre as disposições de neurônios e de conexões que preexistem ;i interaçfto com o mundo externo", J.-P Changeux, L 'bomme neuronal, Fayard, Paris, col. "Pluriel", 1 983, p. 304. 4. Sobre a questão do "modelo praxeológico", cf. M. Duchamp, "Pour une praxéologie", Forum, maio-junho 1986, p. 1 a 48. 5. Uma experiência efetuada em ensino de adulto sobre este exercício confirmou-nos muito bem, a nível experimental, este fenômeno. 6. Podemos encontrar uma descrição interessante dos diferentes tipos de tratamento da informação, e mais especialmente de algumas estratégias de in