A revolução do design: Conexões para o século XXI [1 ed.] 8545201362, 9788545201366

Será possível uma revolução que quebre muralhas, traga novos modelos, invente, mude, mas faça isso com empatia e bom hum

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Portuguese Pages 176 [207] Year 2016

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Table of contents :
Folha de rosto
Créditos
Sumário
Prefácio – Revoluções
Designer. O ser criativo, o ser inovador
O design, as tendências e um novo tempo
Já não se fazem objetos como antigamente
Entre o papel e o digital
Tecnologia, sustentabilidade, design e comportamento no sistema da moda
Design e inovação para cidades
Design estratégico, inovação e empreendedorismo
Design de significados
Design & educação: novas abordagens
Design & brasilidade: modos de ser e fazer
Bottega digital – etnografias ubíquas, polifônicas e sincréticas nos olhares do designer
Informare: do bit primordial à estética sintética
Posfácio – Design no Brasil do Terceiro Milênio
Referências bibliográficas
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A revolução do design: Conexões para o século XXI [1 ed.]
 8545201362, 9788545201366

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Diretora Rosely Boschini Gerente Editorial Marília Chaves Editora e Supervisora de Produção Editorial Rosângela de Araujo Pinheiro Barbosa Assistentes Editoriais César Carvalho e Natália Mori Marques Controle de Produção Karina Groschitz Edição de texto Ricardo Peruchi Projeto gráfico e Diagramação Triall Editorial Ltda. Revisão Vero Verbo Serviços Editoriais Capa Fabio Silveira (Design de Raiz) Produção do e-book Schäffer Editorial

Copyright © 2016 by Istituto Europeo di Design – IED Brasil ied.edu.br (11) 3660-8000 Todos os direitos desta edição são reservados à Editora Gente. Rua Pedro Soares de Almeida, 114 São Paulo, SP – CEP 05029-030 Telefone: (11) 3670-2500 Site: http://www.editoragente.com.br E-mail: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057     A revolução do design: conexões para o século XXI / organização de Victor Falasca Megido. – São Paulo : Editora Gente, 2016.       Bibliografia     ISBN 978-85-452-0138-0       1. Desenho industrial 2. Desenho (Projetos) 3. Designers 4. Educação – Desenho industrial 5. Negócios – Inovação I. Megido, Victor Falasca   16–1026 Índice para catálogo sistemático: 1. Desenho industrial 745.2

Para Lina, com gratidão... Das oito à meia-noite, todos os dias, fazia de xícaras, capas de revista, edifícios, cenários, exposições, móveis, até joias e roupas. Construía. Cosmopolita, italiana de sangue, brasileira de coração. “Não vamos mexer em nada, mas vamos mexer em tudo.” Uma revolucionária. “Não me interessa fazer casa de madame. Me interesso por soluções dos problemas ligados às necessidades dos homens.” Extraordinária provocadora. O mundo, como agora, enfrentava revoluções. “A casa do homem ruiu. Não pensávamos que ela fosse desaparecer assim. Era muito ‘segura’, era um ‘baluarte’. Havia coisa mais ‘firme’ do que a casa?” Plural e completa, como deve ser um designer do novo século. Colaborativa, com tantos que ajudou a formar e, sobretudo, com seu companheiro Pietro, outro gigante. Sua criação se baseava na origem e na essência das coisas. “Não é bonito. Procurei a liberdade. Os intelectuais não gostaram, o povo gostou. E sabe quem fez isso? Uma mulher.” Disse sobre o Masp. Cruzou o Atlântico como “antropófaga”, aberta à cultura brasileira. Desbravadora, ela nos inspira a conduzir uma instituição de ensino de design. Lina estimula os novos designers a buscarem a autenticidade. Simplificar, sem perder a poesia.

Como escreveu Renata Piza, em Joia de artista, os ventos da Europa a trouxeram ao Brasil, onde fez história. “A ourivesaria brasileira poderia ter um impulso extraordinário nas exportações se as belíssimas pedras semipreciosas que se encontram em grande quantidade fossem utilizadas com maior perícia e originalidade, em criações absolutamente novas.” Apontava o caminho da brasilidade. Nosso propósito é ensinar o mundo a ser feliz, como pediu Darcy Ribeiro. Obrigado, Lina Bo Bardi. Por tudo isso, dedicamos este livro a você!

Agradecimentos A Roberto e Ricardo Shinyashiki, pelo convite para a realização deste projeto, e a todos os profissionais da Editora Gente, que a ele se dedicaram com afinco em prazo recorde. Que venham outros! Em especial, nosso obrigado aos autores, todos diretores, coordenadores e professores do Istituto Europeo di Design – IED Brasil, pela colaboração inestimável e por compartilharem seus conhecimentos ao aceitarem participar desta obra coletiva. A Francesco Morelli, fundador e presidente do Grupo IED, por seu legado extraordinário, que começa em 1966, em Milão, ao criar uma escola de Design com as mãos no presente e os olhos no futuro. Muitos anos mais! A nossos alunos, docentes, técnicos e parceiros, que são o coração desta História de 50 anos do IED no mundo. Juntos, acreditamos ser parte atuante desta Revolução do Design, uma transformação pelo saber e pelo saber fazer.

Sumário Prefácio – Revoluções Victor Falasca Megido Designer. O ser criativo, o ser inovador Jaakko Tammela O design, as tendências e um novo tempo Bruno Pompeu Já não se fazem objetos como antigamente Andrea Bandoni Entre o papel e o digital Eliane Weizmann Tecnologia, sustentabilidade, design e comportamento no sistema da moda Kátia Pinheiro Lamarca Design e inovação para cidades Caio Vassão Design estratégico, inovação e empreendedorismo Francisco Albuquerque

Design de significados José Carlos Carreira Design & educação: novas abordagens Fabio Silveira Design & brasilidade: modos de ser e fazer Márcia Merlo Bottega digital – etnografias ubíquas, polifônicas e sincréticas nos olhares do designer Massimo Canevacci Informare: do bit primordial à estética sintética Joaquim Machado Posfácio – Design no Brasil do Terceiro Milênio Marco Zanini Referências bibliográficas

Prefácio – Revoluções Victor Falasca Megido

Diretor-geral do Istituto Europeo di Design – IED Brasil, com sedes em São Paulo e Rio de Janeiro, além de projetos em diversos estados brasileiros por meio do CRIED, seu centro de pesquisa, consultoria e inovação. Formado em Comunicação pela Università La Sapienza, de Roma, e Executive Master em Marketing & Sales pela SDA Bocconi, de Milão, e pela Esade Business School, de Barcelona. Estudou com o sociólogo Domenico De Masi, colaborando com os eventos formativos em Ravello, Paraty e São Paulo. Professor de cursos de pós-graduação, conferencista e autor de livros de Marketing e Branding. Trabalhou na área de Propaganda & Marketing de empresas multinacionais. Foi diretor geral da agência italiana de comunicação Armosia no Brasil.

Em 1968, nasce “Revolution”, uma canção dos Beatles, composta por John Lennon e lançada no lado B de um single, com “Hey Jude”. Guitarras distorcidas, berros, gemidos e uma bateria forte e constante. “Nós adicionamos distorção, o que queimou os miolos de várias pessoas da parte técnica. Mas essa era a ideia de John, de elevar todos os instrumentos até o limite. Bem, fomos até o limite e além”, disse o produtor George Martin sobre a experiência. A canção foi inspirada na situação global da época, que incluía as revoltas estudantis em Paris, a Guerra do Vietnã e o assassinato de Martin Luther King. Motivos para chamá-la de revolução não faltavam. O título deste livro é A revolução do design. Não é forte demais? Talvez. Depende de como cada um interpreta as coisas do mundo. É como na letra da canção: Você diz que quer uma revolução. Bem, você sabe... todos nós queremos mudar o mundo [...] Você diz que tem a solução real. Bem, você sabe... Todos nós adoraríamos ver o plano. Você me pede uma contribuição. Bem, você sabe... Todos nós fazemos o que podemos.

Sim, estamos apresentando o design como uma das revoluções do século XXI e entendemos que isso se fará com a educação e o fomento à “Cultura do Design”. Este é o desafio colocado nesta obra coletiva.

Gosto da mensagem da canção de Lennon, quando diz “pense por si mesmo”, uma alusão aos ditadores das várias circunstâncias. “Você diz que vai mudar a Constituição. Bem, você sabe... Todos nós queremos mudar sua cabeça. Você me diz que é a instituição. Bem, você sabe... É melhor libertar sua mente, em vez disso. Mas, se você ficar carregando fotos do presidente Mao, você não vai convencer ninguém, de nenhum jeito.” O que queremos apresentar é um livro no qual a revolução fomente a curiosidade, a liberdade de pensar e criar, distante de uma visão utilitarista da vida. A revolução é redesenhar esse futuro que pertence ao homem, à natureza, aos seres vivos deste planeta. Aprenda as regras, diz o Dalai Lama, assim você saberá como quebrálas devidamente. Esta, sim, é uma atitude revolucionária. Cito a poética indagação de Jorge Luis Borges, em Outras inquisições (1952), pois nos serve para uma reflexão: Li, dias passados, que o homem a ordenar a edificação da quase infinita muralha chinesa foi aquele primeiro Imperador, Shih Huang Ti, que semelhantemente outorgou que se queimassem todos os livros anteriores a ele. Que essas duas vastas operações – as quinhentas ou seiscentas léguas de pedra opondo-se aos bárbaros, a rigorosa abolição da história, a saber, do passado – tenham procedido de uma única pessoa e sido de alguma forma seus atributos, satisfez-me inexplicavelmente e, ao mesmo tempo, me inquietou.

Será possível uma revolução que quebre muralhas, traga novos modelos, invente, mude, grite como as guitarras dos Beatles, mas faça isso com empatia e bom humor, respeitando as culturas e os valores humanos? A reflexão é como repensar o futuro sem abolir o passado.

Vamos com calma. Revolução designa, dentre várias definições: “grande transformação, mudança sensível de qualquer natureza, seja de modo

progressivo, contínuo, seja de maneira repentina”; “movimento de revolta contra um poder estabelecido, feito por um número significativo de pessoas” (adaptado do Dicionário Houaiss). Para alguns, estamos vivendo momentos de grandes terremotos; para outros, isso é somente o resultado de lenta, mas profunda transformação de toda a sociedade, que tomou várias gerações para causar aquilo que estamos vivendo hoje. Existe muita bibliografia pertinente sobre isso, das mais pessimistas às mais otimistas. Do que eu li e concordo, o hoje é resultado de muitos “ontens”. Os sonhos de futuro dos “ontens” nos trouxeram aos dias de hoje, com todas as suas extraordinárias oportunidades, sombras, imperfeições e fragilidades. Impôs-se aos movimentos de secularização e à crise das ideologias políticas o marketing das coisas, no qual prevalecem as regras do capitalismo. Pergunta-se e provoca o filósofo Alain de Botton: “Quais são as propostas dos ateus, na ausência da religião?”. Não muitas, esta é a conclusão do autor. O comunismo perdeu, mas o capitalismo não venceu, disse um famoso político. O progresso reduziu a dor do corpo – e que bom –, mas tem grandes dificuldades no diálogo com as almas. Disso nasce um momento de crise de identidades. Estamos todos, como sugeriu Pirandello, em busca de um autor. Vivemos um embate entre razão e emoção; o lado mental contra o lado visceral dos “ismos”, de fundamentalismos de qualquer origem. No meio disso tudo, o coração fica cada vez mais apertado e grita como a guitarra de Lennon em “Revolution”. Esse grito precisa ser ouvido. E o século XXI? Temos, no Brasil, nos últimos vinte anos, a quebra de paradigma da base da pirâmide, a epopeia dos Brics, que buscou dar empoderamento aos que nada tinham. Crédito ao consumo, democratização do luxo, plano Real, tudo isso levou ao desenvolvimento de um modelo de negócios que agiu para possibilitar acesso a todos, enquanto, do outro lado, extremou-se um modelo de exclusividades, um consumo aristocrático para poucos.

As roupas no passado desenhavam papéis e definiam quem era quem, chegando ao extremo de virar uma lei suntuária que multava e punia burgueses que não respeitassem os códigos. Somente o rei poderia usar uma cauda longa com a cor da casa real. A lei suntuária acabou, porém, mesmo assim, ergueram-se novas e altíssimas barreiras. Ou tentou-se, pois tudo se copia na era da disciplina da gestão, como diz Drucker. Neste novo século, pessoas buscam encontrar felicidade ou respeito também por meio do consumo de marcas. A base da pirâmide busca estética e experiência a preço acessível. Os mais abastados continuam querendo o exclusivo, único e raro. Sejam eles luxo for all, ou luxo for few, vivem das mordidas últimas desta maçã, símbolo do consumismo já tão discutido por Baudrillard. O fato é que o modelo econômico planetário atual não se sustenta. É uma corrida de touros enlouquecidos que tudo arrasta pelo caminho. Dizem os críticos que o capitalismo sabe produzir, mas tem dificuldade em distribuir. Verdade ou não, 85 pessoas detêm mais riqueza do que outras bilhões.

Uma resposta pertinente, e talvez a mais necessária, é agregar respeito, ética e sustentabilidade ao modelo. Muitos dizem que sustentabilidade virou commodity. Gosto de provocações, mas quem dera fosse! Então, e aqui chegamos ao ponto, na Revolução do design, à logica do mercado precisamos embutir a lógica da humanidade. Redesenhar a sociedade do futuro, uma civilização da empatia. E isso passa necessariamente pela educação. Sim, já está na conversa de todos. No entanto, vale repetir, como um mantra: sem o respeito pela natureza e um verdadeiro entendimento da mente humana não há futuro saudável. Ao marketing que pensa em receita e rentabilidade, agregamos sinceridade (sincera) e autenticidade (autêntica). Não de mentirinha, para “freguês ver”.

No século XXI, agonizam práticas como RTs, BVs, fees de mídia, alvarás, privilégios, receitas tarja preta, analgésicos de prateleira, despachantes, consultorias e agências das mesmices. Ou seja, o modelo da reserva de mercado chegará a seu fim. Revolução, seja bem-vinda! Inicia-se a nova era da “tarja branca”. Vale muito a pena assistir ao filme homônimo.

Design das pessoas para as pessoas Quando falamos de design, falamos de projetos pensados por pessoas que buscam oferecer bem-estar para outras pessoas, buscam gerar ambientes felizes, dentro dos limites da felicidade humana possível e razoável. Essa busca é mais individual, vem de dentro, para cada um, segundo sua expectativa de futuro. O design não impõe nem inventa felicidades, mas abre caminhos para que cada um possa buscá-las onde o próprio caráter decidir.

Talvez design possibilite felicidades. Nisso é extremamente pragmático. Design humaniza, longe de ser objeto, logotipo ou rótulo. Faz-se estratégico nos negócios que surfam na mudança de paradigma. É área de conhecimento universal e específica, relacionada a pesquisa, gestão, projeção, construção, produção e acompanhamento de todo o ciclo de vida de produtos, serviços e ambientes. Está aberto para as mais variadas indústrias – da moda aos transportes; da sinalização e mobiliário urbano às tecnologias da informação e da comunicação; das fachadas aos interiores; do maquinário industrial às embalagens; dos livros e peças gráficas às interfaces digitais; dos esportes de competição ao lazer; dos objetos de uso diário ao que precisa ser inventado, entre outras tantas possibilidades, tangíveis e intangíveis, que o rico universo do design contempla.

Essa atuação abrange todos os pilares da economia, seja na iniciativa privada, no setor público seja no terceiro setor, onde houver oportunidades, demandas e necessidades de inteligências criativas. De fato, entramos na era das inteligências criativas. Para alguns, são tempos líquidos, para outros estamos na era pós-industrial. Diversos estudos indicam que cerca de 60% das profissões do futuro próximo ainda não existem. Estudos que sinalizam como fundamental não somente ter ambição, mas também valores morais e éticos, saber introduzir o novo à rotina, saber despertar a curiosidade e saber adaptar-se aos contextos. Privilegiar exclusivamente a profissionalização dos estudantes significa perder de vista a dimensão universal da educação: nenhuma profissão poderá ser exercida na prática, com competência, se antes não houver entendimento do saber e uma formação cultural mais ampla, que possa encorajar os discentes a cultivar autonomamente o próprio espírito e dar livre curso à curiosidade. No século XXI, mais do que nunca, coincidir o ser humano exclusivamente com a sua profissão será um erro grave, pois, em todo homem – sobretudo agora que isso é permitido –, existe algo de essencial que vai além da própria profissão e que precisa emergir. A ruptura é gerar uma dimensão pedagógica distante das formas de utilitarismo, distante dos “ismos”, para imaginar um futuro feito por cidadãos capazes de abandonar o próprio egoísmo, como diria o filósofo italiano Nuccio Ordine em A utilidade do inútil, para abraçar o bem comum, para expressar solidariedade, tolerância, proteger a natureza etc. Revolução é um design dialógico, uma proposta sinérgica com os mundos da engenharia, da economia, da arquitetura, do marketing e de outras disciplinas. O pedagogo norte-americano Abraham Flexner fala sobre a importância da curiosidade para a própria indústria e para o mercado. Acredito, como ele, que ideias até o momento “inúteis” podem abrir novas perspectivas, sendo embriões de futuras conquistas, práticas e teóricas.

Assim, a abordagem do design apresenta-se como um dos caminhos para oxigenar outras ciências e disciplinas. Junto ao olhar cartesiano, sugerimos o olhar etnográfico, apresentado pelo antropólogo Massimo Canevacci neste livro. Tratar pessoas como pessoas.

A ideia é – fugindo das utopias – abraçar o mundo tal como ele é, e melhorá-lo, partindo do ser humano, com todas as suas fragilidades e incoerências. Longe de querer usá-las cinicamente em favor próprio, respeitá-las; gerar ciclos virtuosos, sem querer virar uma nova ideologia de prateleira. Muitas marcas geram valor com seus fasts ou lows, trading ups ou downs. A proposta deste livro é abrir novas trilhas para que possam renascer. Não se trata de criar mais uma cadeira, mas sim de pensar em quem vai usá-la, onde, qual material idôneo para reduzir impacto socioambiental, logística, seus usos e seus fins, para que, depois de ser cadeira, passe a ser outra coisa, útil para a própria pessoa, ou para outras pessoas. Lixo vira luxo. Junto ao ato de comprar, estimulamos também o ato de doar. Explica bem esse conceito da nova economia circular o químico e professor alemão Michael Braungart. Com ele, se fortalece a ideia do design “do berço ao berço” (“cradle to cradle”). Com o colega William McDonough, notabilizou-se na década de 1980, ao criticar a maneira como as sociedades fabricam, consomem e descartam bens. Para eles, os objetos que criamos por meio do processo industrial precisam ser planejados de modo que não gerem resíduos. Uma vez descartados, seus elementos devem retornar à cadeia produtiva, ou se degradar naturalmente sem liberar substâncias tóxicas. Os resíduos gerados por determinada indústria podem ser transformados em matéria-prima para outras.

Novas trilhas Novas trilhas, túneis, pontes, naves espaciais... Não mais o design que atua no final do ciclo da cadeia do valor, e sim um design sistêmico.

Então, atenção! Não se trata de produzir menos, porque precisamos respeitar aqueles que nada têm e também querem. Também precisamos apoiar as indústrias que geram empregos e colaboram com o PIB do país. Contudo, precisamos terminar com aquilo que chamo de o “método do foie gras”. Forçar alguém – seja humano ou não – a escravizar-se, alimentar-se ou dopar-se à exaustão para fomentar o consumo de produtos e serviços já é e será sempre mais inaceitável. Cito o foie gras, mas poderia elencar centenas de outros alimentos, assim como objetos desenvolvidos de forma não idônea. Usar pele de animal é e será cada vez mais complicado. Comer carne duas vezes por dia é e será sempre mais insustentável e até desnecessário. E assim por diante.

A revolução do design significa viver no século XXI, estando de verdade em novos tempos, sem as amarras das incoerências do passado. Humanizar significa respeitar. O passado, o presente e o futuro não são puros, são mestiços. Vivemos uma dimensão “glocal”, ou seja, global e local ao mesmo tempo. O pensamento do design vem apoiar a construção de uma nova “comunidade da humanidade”, como argumenta Bauman. Longe de querer negar o mal-estar na cultura, como explica Freud, e depois o próprio sociólogo, busca-se apoiar as pessoas para conviverem com a vida, da melhor maneira possível, não se iludindo com espelhos, e sim oferecendo vivências que permitam cidadania e conhecimento. Uma provocação às empresas: menos propaganda e mais conversação; menos marketing e mais relacionamento. Mais educação. Mais design. “Um por todos, e todos por um.”

Tucker Viemeister, um dos pais do design norte-americano, incita-nos à mudança quando escreve em seu site (tuckerviemeister.com) que “a educação em design está em fluxo por três razões”: 1. O papel do designer profissional está mudando; 2. A natureza do trabalho, em geral, está mudando; 3. O mundo está mudando.

Design se torna, então, um caminho para reduzir atritos, dissonâncias cognitivas, e, reitero, aplica-se a indústrias, agronegócio, arranjos produtivos, cidades, marcas, serviços, espaços, sistemas de mobilidade, objetos. Aplica-se a superfícies on and under the skin, como escreverá neste livro o geneticista especialista em tendências, Joaquim Machado. Design, mais que impor imagens, totens e tabus, gera serviços, conexões e redes de encontros para fomentar sonhos possíveis. Possibilita novos empreendimentos, facilita a inserção de novas ideias na sociedade, viabiliza futuros captando recursos de formas diferentes, mais horizontais, com transparência. Termina o departamento de design, agora design é comportamento. E todos nós, designers ou não de profissão, podemos assumir uma atitude empática, dialógica, dinâmica, flexível, criativa. O cliente agradece. E ninguém nos obriga. Então, “pense adiante”, como convoca Tucker.

Avante! O desencontro nos revoluciona, o improvável nos probabiliza, os cisnes-negros, os mares azuis, a era disruption, a desorganização holística, os guerreiros que não nascem prontos, e jamais estarão, pois o design jamais termina, o veloz acaba no instantâneo, e o texto já era, já foi hipertexto, já foi subtexto, agora é grafeno sem textura, composto pela rigidez do diamante e a flexibilidade da borracha, da brochura, de bruxos e bruxas

e daqueles ambiciosos brincalhões, eternas crianças de almas infantis, que teimarão, ad eternum, em fazer do complexo o simples, do difícil o fácil, pois humanizar, seja o que for, e de onde vier, será sempre a missão maior de um verdadeiro designer.

Isto me escreveu recentemente José Luiz Tejon, numa síntese provocadora, que acolhi como um conselho de pai e uma inspiração. Uma revolução não conforta, uma revolução incomoda. E gera medos, naturalmente. Todo o progresso, diz o artista digital Michael John Bobak, acontece fora da zona de conforto. Imaginem Beethoven, surdo, tendo de compor e ainda assim provocando! Era-me impossível dizer às pessoas: “fale mais alto, grite, porque sou surdo”. Como eu podia confessar uma deficiência do sentido que em mim deveria ser mais perfeito que nos outros, um sentido que eu antes possuía na mais alta perfeição?

A vida do maestro nos traz o poder da coragem. Seu professor, certa vez, comentou que ele utilizava harmonias inadmissíveis, e Beethoven respondeu: “Quem proibiu essas harmonias? Eu admito cada uma delas”. Curiosidade por si só não basta. É preciso coragem. É preciso ter a alma revolucionária para desenhar o futuro. Emoção e regra, como ensina o sociólogo Domenico De Masi, professor e mentor querido. O resumo da obra de Beethoven é a liberdade. A liberdade da arte, a liberdade política, a liberdade artística, a liberdade de escolha e de credo. Enfim, a liberdade individual em todos os aspectos da vida, como resume o crítico musical Paul Bekker: liberdade de brincar.

Sejam bem-vindos ambientes que estimulam a brincadeira, o jogo. Não se trata de colocar mesas de pingue-pongue e pebolim na empresa ou na escola. Trata-se de fomentar a alma brincalhona.

Design é inovação, palavra vazia até darmos a ela significados, como provoca o diretor do comitê científico do Istituto Europeo di Design – IED Brasil, Marco Zanini. Digo que inovação é como o fogo. Gosto dessa metáfora. O fogo se alimenta de obstáculos, dizia o romano Marco Aurélio. Como você consegue inovar? Tenha fome, disse Steve Jobs. Os romanos diziam que a sofisticação nasce da fome. Ovídio dizia que a dificuldade desperta o gênio. No Brasil, falamos de fazer de um limão uma limonada. O design parte da necessidade. Alguns dizem que design é resolver problemas. Sei que não é somente isso. A mãe do design é a curiosidade pelo ser humano. Que seja fogo, então, que seja vermelho, que seja veloz como uma Ferrari. Vermelho IED. Que seja talento. Que seja o lema “saber e saber fazer”. Nem só técnico, nem só teórico. A proposta está em permitir ao aluno que vivencie a autoria e a cocriação, a singularidade e a diversidade, a subjetividade e a alteridade, a aquisição e a partilha, o pós-industrial e o artesanal, o global e o local. Uma faculdade não deve ser apenas um tempo e um lugar na vida de seus ingressantes, mas sim uma experiência transformadora, potente o suficiente para acompanhar cada coator/coautor ao longo de toda a sua vida posterior. Desejamos criar um sentido de pertencimento e de comunidade, de uma comunidade de saberes e realizações capazes de transformar a realidade objetiva e as realidades subjetivas. Queremos que cada um de nossos membros ingresse e aprimore sua presença e sua participação na sociedade, incluindo claramente também sólidas conexões com o mundo do trabalho; que faça parte das redes de atuação mais legítimas, importantes e influentes no Brasil e no mundo, sendo capaz de criar pontes entre ideias e sua viabilização, a fim de desenvolver empreendimentos inovadores com ética. Uma faculdade é um centro de geração de ideias sempre mais procurado por empresas, e que seja benéfica essa colaboração, porém,

longe de ser um limitado espaço de fomento de empresas para fins de “eu também quero ser milionário”. Em recente viagem ao Vale do Silício, organizada pela Abedesign, com um grupo de empresários, ficou claro o modelo: de cada 100 empresas com investimentos de venture capital, 75% falham, porém as que acertam e funcionam compensam o financiamento daquelas que falharam e fomentam novos projetos, gerando um círculo virtuoso. As regras de ouro desse pessoal são: isso satisfaz o mercado? Esse mercado é relevante? Diferencia-se dos outros? Tem um modelo de negócios consistente? Por que investir nisso e por que agora? Querendo participar, mas por um caminho alternativo, pois somos uma instituição educacional, a ideia proposta é oferecer um espaço de estudos no qual as pessoas possam ter as condições para trabalhar, pesquisar, com e sem a pressão do resultado imediato. O propósito é desenvolver a “Cultura do Design”. O fundador e presidente do Grupo IED, Francesco Morelli, diz a respeito da missão de nossa instituição: Nosso desejo é construir uma escola que permita a nossos jovens, sem nenhuma discriminação, ter acesso ao patrimônio que nos foi transmitido por nossa cultura e por nossa tradição e, ao mesmo tempo, que seja capaz de promover as condições para que esses jovens correspondam às aspirações próprias e às necessidades da sociedade.

Talvez possamos nos inspirar em outros modelos de fomento. Um exemplo está na Renascença, com a família Medici, banqueiros que propiciaram um contexto favorável à inovação, um espaço em que grandes artistas e inventores criaram aquilo que ainda hoje é a maravilhosa Toscana e suas cidades. Para além do modelo norteamericano do “inovate or die”, talvez possamos resgatar o humanismo fiorentino, que, mesmo com suas contradições e estruturas de poder da época, apresenta méritos e contribuições para os nossos dias. O ecossistema fiorentino gerou um ciclo virtuoso no qual todos influenciaram beneficamente todos, provocando-se e colaborando na maior parte das vezes. Florença é um modelo extraordinário onde o humanismo é beleza, e o homem é colocado pela primeira vez no centro da vida. Assim renasce a sociedade fundamentada na arte e na

ciência: a economia toscana é assim impulsionada. E o turismo agradece. Quantos vinhos, quantas galerias, quantos artesãos, quantos bons cérebros foram atuantes naquela nova economia do belo, nas novas descobertas. Hoje, colhemos os frutos daquela semente chamada economia da beleza, um contexto que soube unir trabalho, estudo e troca de ideias, com paixão e engajamento.

Uma revolução é um renascimento constante. Nosso atual sistema, como citei no início desta introdução, não se sustenta mais. Essa crise abre novas colaborações positivas entre academia e mercado, realizadas com as devidas atenções.

Atuar brincando Como pensa o publicitário? Como pensa o médico? O engenheiro? E o economista? Criar felicidades. Salvar vidas. Resolver problemas. Gerar PIB. Não só isso, é claro. Percebo que cada vez mais esses profissionais buscarão no design um bocado de oxigênio. Quando empresas aproximam-se buscando a colaboração de nossos jovens estudantes de design, avisamos desde o princípio que existe uma grande chance de se abrirem novos caminhos, quem sabe até inéditos, úteis ou inúteis, e o resultado dependerá muito mais do olhar da própria empresa parceira em captar, colaborar a várias mãos, participar das fases do processo. Não participar pode gerar frustração, pois o caminho está na coautoria, mais que em um bom briefing, como já se acreditou. Ao modelo em crise das consultorias, sugerimos o modelo do trabalho lado a lado em colaboração. Atuar brincando. Jogar o jogo da inovação com inteligência criativa. “Ich probiere” parece ter dito o estudante Ehrlich a seu professor Waldeyer na Universidade de Medicina de Estrasburgo. O jovem de 17 anos, pequenino, modesto, estava lá no clássico curso de Anatomia, a brincar com o microscópio, a desenhar e colorir. Seu professor lhe perguntou um dia “o que você está fazendo?”, ao que respondeu:

“Estou brincando”. Sabiamente seu mestre lhe disse: “Muito bem, continue brincando.”. O jovem completou o bacharelado em Medicina – que não era a sua praia mesmo – e seguiu por outros caminhos, porém aquele método de brincar com as cores o influenciou ao ponto de criar uma nova ciência, a Bacteriologia. O instinto de Ehrlich era o de se interessar pelo estudo, sem um fim imediatamente prático, ele não precisava de uma motivação utilitarista. E, por sorte, seu professor soube encorajá-lo, ou melhor, soube não castrar sua criatividade. A curiosidade foi o princípio que guiou Galileu, Bacon, Newton,

O grande desafio das escolas permanece em motivar alunos a cultivar a própria curiosidade. Como? Com laboratórios abertos e sempre à entre

tantos

outros.

disposição, com acompanhamento e mentoria, criando um ambiente informal de bate-papo pelos corredores, unindo saberes e disciplinas aparentemente distantes, trazendo multidisciplinaridade e buscando a transdisciplinaridade, fomentando espaços exploratórios em colaboração com atores internos e externos, desde vizinhos da rua até empresas, governos, em intercâmbios pelo mundo afora. Brincar com as ideias, de forma espontânea. E isso não é uma liberdade somente de escolas criativas. A revolução é levar essa liberdade até onde acredita-se equivocadamente que somente o “útil” justifica os meios. Se formos pensar, o homem está sempre querendo fazer diferente, desafiando o status quo. Assim é o ser humano. Locomover-se com caravelas e aviões, acessar diferentes lugares e dialogar com o mundo pela internet, uma nova batida que vira rock e que não é nada mais do que era antes, mistura e grita novos sons, e assim por diante... Quando descobriram um fóssil com 3,2 milhões de anos, na primeira noite, celebrando no acampamento, acordados a noite toda, em algum momento durante essa noite, o fóssil “AL 288-1” foi apelidado de Lucy, por causa da canção dos Beatles “Lucy in the sky with diamonds”, que fora tocada alta e repetidamente em um gravador. As coisas são assim, vão se assimilando, muitas vezes aleatoriamente.

Até a Física se alimenta do aleatório. “A energia desaparece no núcleo de uma supernova tão rapidamente quanto o dinheiro na mesa da roleta”, teria dito o astrofísico George Gamow, no antigo Cassino da Urca, hoje atual sede do IED no Rio de Janeiro. Nesse local nasceu uma das descobertas mais importantes da história da Física moderna, a compreensão do processo de colapso gravitacional que ajudou no entendimento do Big Bang. A história é bonita. Em suas andanças pelas Américas, o físico veio parar inesperadamente no Brasil, onde teve seu insight. Assim nasceu o “Processo Urca”, numa sincronicidade histórica. Deixo aos autores deste livro o desafio de desvendar os vários campos e espaços onde o design atua, interfere, estimula, colabora, irrompe, inova e provoca.

Estamos longe de concordar sobre uma única e redutora visão do que é design e de como se manifesta. Está aí a riqueza. O grau de compreensão sobre o tema varia em cada vertente possível e se projeta para aplicações que ainda nem imaginamos. Cada autor se torna aqui um Marco Polo do século XXI. Penso na obra-prima As cidades invisíveis (1972), de Italo Calvino. Em nenhum outro de seus escritos, o autor levou tão longe os valores que considerava fundamentais – leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Imbuídos desse espírito, abordamos a Revolução do design. O leitor verá que é impossível não se perder pelos capítulos do livro, assim como alguém se perde pelas cidades visitadas pelo aventureiro veneziano em seus diálogos com o Imperador Kublai Khan.

Como narrar a atual mudança que estamos vivendo? Essas viagens exploratórias nos pautaram para apresentar ao leitor o design sob diversos pontos de vista. Fizemos isso brincando, imaginando, conversando, desenhando, buscando, descobrindo, navegando... As visões de cada autor, que se encontram e dialogam no presente volume, bebem de muitas fontes e desvendam “mil e uma histórias”, desde um sapato até as megalópoles. O resultado é um livro múltiplo e aberto, que pode ser lido de forma sequencial ou costurada pelos percursos traçados de acordo com as preferências e os interesses de cada leitor. Concluindo, não posso imaginar o ser humano imune ao talento e à virtude da transformação. Desconheço essa doença! Design é inteligência criativa para criar futuros possíveis. A nossa provocação é pensar como designers. Esta é a revolução.

Sim, somos/seremos todos, de certa forma, designers. Apertem o play, aumentem o volume e boa revolução!

Designer. O ser criativo, o ser inovador Jaakko Tammela

Graduado em Desenho Industrial pela PUC-Rio, com MBA em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Passou a maior parte de sua carreira auxiliando empresas brasileiras e globais a inovarem, recebendo mais de 30 prêmios por isso. Designer carioca, filho de artesão finlandês, acredita em poder (re)desenhar o mundo de forma criativa, formando pessoas por meio de comportamentos de design. Como executivo, foi responsável pela criação de duas áreas para a Whirlpool Latam. Sócio e Head de Creative Empowerment na agência Questto|Nó. Fundou a plataforma de inovação social RedesignIt. Atua como professor convidado na pós-graduação em Design Estratégico e Inovação do Istituto Europeo di Design – IED São Paulo e em outras instituições.

Primeiramente, gostaria de pedir desculpas aos leitores que, por acidente, iniciam este primeiro capítulo do livro e esperam encontrar algum estudo validado ou alguma informação acadêmica sobre o design. Já posso adiantar que não conseguirei atender a essas expectativas por alguns motivos: 1. considero-me uma pessoa que levanta mais perguntas (e gosta muito mais delas) do que traz respostas; 2. gosto de pegar alguns fatos e interpretar o que vejo, mas nem sempre consigo achar outra referência que dê suporte ao que estou falando;; 3. Acredito que estamos passando por um momento de grandes mudanças e, como diria Tiago Matos (em seu livro VLEF, de 2005), “não estamos vivendo uma ‘era de mudanças’. Estamos vivendo uma ‘mudança de era’”. Assim, acredito que qualquer reposta dada hoje não pode ser exatamente uma reposta, pois ainda não vimos nem 1% do que está para acontecer. E, por último, mais um ponto que gostaria de esclarecer: esta é a primeira vez que escrevo algo com mais de três páginas (excluindo os sofridos relatórios de projetos de graduação e pós-graduação). Logo, peço licença pela falta de traquejo na escrita, pois realmente não a domino. Tenho dificuldade para escrever os 140 caracteres do Twitter, que dirá um capítulo de livro! Assim, vou recorrer à “técnica” que tenho utilizado desde sempre, o desenho. E não porque tenho habilidade artística (pelo contrário), mas porque, simplesmente, encontro mais facilidade de expressar minhas ideias dessa forma. Jogo combinado, expectativas na mesa e, não tendo assustado ninguém, vamos (finalmente) falar de design.

Sou formado em Desenho Industrial e, desde o início da faculdade, ensinaram-me que a pergunta pode ser a ferramenta mais poderosa de um designer. Aliás, Einstein teria dito o mesmo: Se eu tivesse uma hora para resolver um problema e minha vida dependesse da solução, gastaria os primeiros 55 minutos determinando a pergunta certa a fazer, e uma vez que eu soubesse a pergunta, poderia resolver o problema em menos de cinco minutos.

Voltando aos tempos de faculdade, lembro-me do professor Celso Santos falando sobre um projeto:

“Você tem de se perguntar: estou desenhando um novo copo d’água ou uma maneira de matar a sede?”. Entender qual problema pretende resolver é o passo número um. No entanto, não é nada fácil, pois, muitas vezes, nós nos perdemos em outros problemas ou soluções mais simples que surgem no meio do caminho.

E, já que estou aqui para tentar escrever um capítulo, não vamos deixar o nível da dificuldade cair e vamos começar com uma pergunta: para que serve o design, afinal? Já asseguro que minha resposta inicial (que provavelmente será a final) é: não faço a mínima ideia. E o fato de não ter ideia da resposta é ótimo, pois amplia a percepção e a visão para, um dia, quem sabe, alcançá-la. Então, vamos tomar um ponto de partida. Nada melhor do que começar pelo começo. Aqui, então, cabe mais uma explicação. Sou designer e não um estudioso do design. Assim, sinto-me livre para ser um tanto impreciso com datas, fatos e ordens, mas as informações que apresentarei aqui deverão servir a título de revisão. Independentemente da data do surgimento do primeiro designer, é possível afirmar que o design, como profissão, está ligado à Revolução Industrial. O que hoje vemos como resultado de design

está, se não total, ao menos consideravelmente, entrelaçado ao advento tecnológico dos séculos XVIII e XIX. Sua particularidade proeminente é a substituição do trabalho artesanal autônomo pelo trabalho assalariado e o uso de máquinas para produção, aumentando drasticamente a “capacidade muscular humana”. Ou seja, se voltarmos nossos olhos a nós mesmos, como civilização, nós nos tornamos mais rápidos mais fortes. As máquinas nos trouxeram também a incessante produtividade, um momento que Seth Godin (em sua brilhante palestra no TED, “The tribes we lead”, de 2009) chama de o “momento da fábrica de ideias”, no qual se tem a sensação de que podemos mudar todo o mundo se tivermos mais eficiência. Surge a lógica industrial, inaugurada em 1914 por Henry Ford e Frederick Taylor, na qual, por meio da simplificação e do implemento de tecnologia em um sistema de produção e gestão, é possível ampliar a capacidade fabril. E isso ocorreu.

Godin fala que, depois desse período, entramos no momento “TV”, pois agora temos uma enorme capacidade de fazer coisas e, por isso, precisamos vendê-las. Entramos então em um período em que criamos ideias e sonhos, desejos e vontades que levarão as pessoas a comprar mais e mais. E, para funcionar, precisamos de uma

mensagem simples e massificada, pois queremos falar com a massa. Cria-se uma relação de um para vários.

Esses dois momentos nos trouxeram mais do que produção de conhecimento ou bens de consumo, ajudaram a moldar nossa mentalidade, nossa postura e nossa maneira de enxergar o mundo. Somos responsáveis por esses acontecimentos e resultantes deles, mas apenas começamos a viver as mudanças e, antes de voltarmos (ou chegarmos) ao design, mais uma pergunta: o que está mudando? Quando olhamos um produto qualquer, feito artesanalmente e um industrialmente, qual a grande diferença que enxergamos? Sem dúvida, conseguimos ver a aplicação de novos materiais, soluções técnicas, aprimoramentos em relação ao uso ou função e várias outras mudanças, mas a “ideia” ou o “significado” do produto continua o mesmo. Ou seja, uma cadeira ainda é uma cadeira, apenas com uma roupagem mais contemporânea.

Vamos, então, mudar o zoom e olhar de acordo com o quadro a seguir:

No eixo horizontal, temos um tempo ilustrativo: passado (o que já aconteceu), presente (o que estamos vivendo) e futuro-presente: a mistura do que está para acontecer e do que já acontece, mas ainda em uma escala reduzida (vale a pena abrir um parêntese, literalmente, pois muitas vezes achamos que nossa realidade é a realidade, quando, na verdade, ela não é). Ao olhar esses três períodos evolutivos, percebemos uma mudança. No passado, “eu” tinha um problema, buscava o “meu” conhecimento e criava uma solução “para mim”, ou seja, estava restrito à minha visão de mundo e às habilidades que havia adquirido até aquele momento. Com a chegada de novas tecnologias produtivas, a minha capacidade humana de fazer se amplia de forma nunca vista até então. Com o maior volume produtivo, vejo “oportunidades” de entregar meus produtos para várias pessoas. No entanto, ainda estou restrito ao “meu conhecimento”. A Revolução Industrial também foi um grande momento de verticalização de produção e fechamento de conhecimentos.

Ao mesmo tempo, há uma desconexão entre o provedor e o receptor de uma solução. Os problemas se diversificam e não se relacionam mais. Eu, como produtor, tenho problemas de escala, eficiência, custo e outros relacionados ao tamanho que atingi, quase encantado pela simples possibilidade de poder crescer. Por isso cresci e continuo crescendo. Olho para a sociedade e busco oportunidades, pessoas dispostas a comprar o que produzo, comprar cada vez mais, pois o modelo que escolhi e o único que aprendi até o momento me leva a isso. Dessa forma, a necessidade de quem compra é outra. Quero novidade, baixo custo, acesso!

Hoje, vivemos ainda nesse modelo presente e vivemos também a pressão de mudá-lo. Começamos a perceber que precisamos (e devemos) buscar outros modelos. Parte por causa do impacto que temos causado social, econômica e ambientalmente, mas muito também porque começamos a enxergar outra realidade possível. Olhando agora outro retrato, conforme o gráfico a seguir, vemos que começamos a viver outra revolução, a Revolução Digital, que nos trará desafios e oportunidades das quais ainda não conseguimos fazer ideia, pois apenas começamos a tatear esse novo momento.

Segundo Ray Kurzweil, estamos (começando) a viver um fenômeno ainda maior do que o que já vivemos até então, pois estamos saindo de uma amplificação de nossa capacidade muscular (produção, eficiência, força) como civilização para uma nova era, na qual ampliaremos nossa capacidade mental, de processamento, por meio da tecnologia. E, diferentemente de antes, de uma maneira exponencial (pois, até então, sempre evoluímos de modo linear). Kurzweil observou, com base em modelos matemáticos, que o crescimento exponencial esteve presente muito antes dos microchips e a evolução nos últimos cem anos foi, em termos de avanços tecnológicos, maior que todo avanço tecnológico da história acumulada. O que ele percebeu foi que cada nova tecnologia serviu de suporte para o desenvolvimento da próxima. E essa nova tecnologia ajudou no nascimento da seguinte e da seguinte... Ou seja, cada tecnologia se apoia nas anteriores, criando bases de conhecimento e processamento para as seguintes. Dessa forma, obtemos uma curva de crescimento exponencial, irreversível e que se acelera cada vez mais. A observação de Kurzweil se baseia na Lei de Moore. Em 1965, Gordon Moore previu que “o número de transistores em um chip incorporado praticamente dobrará a cada 24 meses”. Ou seja: se o chip

mais potente do mundo hoje é capaz de processar x, daqui a dois anos haverá uma nova versão, capaz de processar 2x. Contudo, segundo Kurzweil, Moore é só começo, pois a tecnologia se desenvolverá realmente de forma exponencial.

Para tentar resumir as mudanças, o que acontece é que saímos de um modelo mental (para lidar com a realidade em que vivemos e que criamos) fechado, eficiente e, por isso, controlado, para uma nova mentalidade, uma mentalidade aberta, conectada e flexível.

O que acontece com o design nesse paralelo?

O design nasce em uma lógica linear, mas com uma responsabilidade (entre várias) de pensar e trazer o novo. Designer é uma profissão imaginativa e produtiva. Ou seja, trabalha entre o mundo das ideias e a produção do concreto. Tem a preocupação de trazer valor e qualidade de vida para as pessoas e, por isso, precisa estar conectado com o ser humano e sua evolução. Se partirmos do pressuposto de que todas essas mudanças tecnológicas alteram nossas maneiras de interagir, criando novas tensões sociais, o design tem como responsabilidade entender essa mudança e, com base nesse entendimento, gerar novas soluções. Assim, precisamos começar a repensar seu papel, pois, mesmo que ainda não tenhamos uma resposta, tudo indica que a maneira de

fazer design que nos trouxe até aqui não será a que nos levará ao futuro. Para prosseguirmos, gostaria de fazer outra pergunta:

do que é

constituído o design?

Quando comecei a estudar design, minha grande preocupação era a qual resultado eu conseguiria chegar. O que era possível fazer, o que poderia ser um produto de design ou não. Lembro que todas as vezes que alguém me perguntava “mas você está estudando o que mesmo?” eu simplesmente saía apontando tudo o que estava ao meu redor e falava: “Estou estudando para poder desenhar isso, isso e isso”. Claramente essa explicação não era uma resposta. Pelo contrário, só aumentava as dúvidas. Essa história traz um dos primeiros elementos para definição do design, que é o seu resultado em si. E essa sempre foi (e ainda é) a melhor maneira de definir uma profissão, o que ela entrega. Por isso temos tantos tipos de formação em design, como design de moda, de móveis, de interfaces, de produtos (ok, é bem amplo), serviços etc. O foco no resultado, por mais que não resolva a dúvida, traz clareza pela familiaridade. O sentimento disso eu sei o que é, e ele ajuda a comunicar. Com o passar do tempo, fui convidado a lecionar na mesma época em que iniciava minha carreira empreendedora (estava abrindo o meu estúdio de design) e, repentinamente, vi meu foco mudando para o processo do design e não mais apenas para o resultado. Naquele período, o resultado era um limitador em termos de oferta de serviços e, por isso, focar o processo era uma questão de negócio e também uma necessidade (ou evolução) que apareceu no meu novo papel como professor e gestor de empresa. Duas perguntas me guiavam naquele momento:

como posso ensinar uma maneira de fazer design?; e o que mais posso fazer com esse processo?

No entanto, como podem notar, as perguntas ainda estavam ligadas ao resultado e ao ensino de um processo, uma maneira (um pensamento linear e bem industrializado), pois as preocupações do momento eram desempenho e controle de resultados. Para o desenvolvimento do pensamento deste texto, o mais valioso, ao observar o processo, é que, automaticamente, você começa a focar nas pessoas. Porque (pelo menos até hoje) são elas que utilizam algum processo para atingir algum resultado. As pessoas para as quais comecei a olhar com mais atenção foram os designers, o agente que trafega pelo processo criado por ele mesmo ou por outro, interagindo e modificando, ou mesmo a maneira com que ele o percorre com o objetivo de atingir um objetivo final predeterminado. Focar o “agente designer”, em vez de focar o processo, amplificou-se quando me tornei executivo, pois esse passou a ser, de fato, o meu papel e a expectativa da organização e de todo o meu time. Como desenvolver cada talento que trabalhava direta e indiretamente comigo? Esse tipo de trabalho, o de gestor de pessoas, pode causar certa estranheza para um designer em um primeiro momento, uma vez que o retira de sua zona de conforto: o fazer. Entretanto, essas “férias forçadas” me permitiram olhar o “fazer design” com certo descolamento que foi essencial para construir minha visão sobre a profissão hoje. Observando as diversas pessoas com quem tive a oportunidade de trabalhar e também as centenas de alunos com os quais interagi, comecei a perceber alguns traços comportamentais que definiam, de certa forma, o que era (ou é) um designer. A conclusão a que cheguei naquele momento (pois acredito que ela ainda evoluirá) é que há dois níveis de características que definem (ou constroem) esse profissional, que são: habilidades (capacidades racionais e/ou operacionais e ferramentas que ajudam a navegar pelo processo de design) e mentalidades (conjunto de sentimentos e postura que ajudam a suportar o caminho dentro do processo).

Resumindo, o design é constituído por três elementos: 1. o resultado, real produto do design, o que percebemos e valor para o indivíduo, a sociedade e diversos atores de organização; 2. o processo, a forma de trabalhar e enxergar oportunidades criar soluções de design; 3. e o designer, pessoa ou grupo de pessoas que têm mentalidade e habilidades de design e utilizam-se delas chegar a um resultado concreto.

gera uma para uma para

Uma vez simplificado e entendido o design, conseguimos olhar cada um desses elementos de forma independente, conjunta ou até reordenada. Dessa maneira, podemos rever o papel desses elementos

e repensar como encaixar cada uma das partes ou todas elas em outros sistemas, redefinindo-os e definindo-os. Agora que transformamos o design em um sistema, podemos perguntar: que outros sistemas poderíamos rever e olhar da mesma maneira? A resposta mais óbvia que me vem à cabeça é: qualquer sistema criativo. No entanto, o que seria um sistema criativo? Qualquer sistema (pessoa, processo e resultado) que gere criatividade. E o que é criatividade? É a capacidade humana de inventar, criar ou produzir uma coisa. Opa! Acho que já falei isso antes. Sim, estamos falando do mesmo sistema, apenas de modo mais amplo. Em outras palavras, qualquer sistema de criação é um sistema de design. Ou seja, tudo o que foi criado, foi desenhado.

O mundo em que vivemos é um mundo criado pelo homem e, por isso, podemos recriá-lo. E, quando digo homem, digo todo e qualquer ser humano. Todos nós possuímos essa capacidade criativa. Abraham Maslow (sim, o cara da pirâmide) tem uma frase ótima para ilustrar o que estamos falando: “O homem criativo não é um homem comum ao qual se acrescentou algo. Criativo é o homem comum do qual nada se tirou”. Chegamos agora a um lugar interessante em que o design não é mais só o design, mas a capacidade humana de criar tudo ao nosso redor. O dia em que percebi isso (e espero ter acendido essa luz também em você) imagino que devo ter experimentado o mesmo sentimento do personagem Neo do filme Matrix, de 1999, quando ele volta para o sistema e tudo o que enxerga são códigos binários e, a partir desse momento, ele consegue mexer na realidade que lhe era apresentada até então, podendo manipulá-la, “hackeá-la”. A pergunta agora é: qual pílula você vai (não é questão de querer, mas sim de escolher) tomar?

Olhando novamente nosso sistema, proponho inverter a ordem “resultado, processo e pessoa” para “pessoa, processo (ou potencializador) e resultado (sonho)”.

Quando fazemos essa inversão de foco, mudamos a maneira como olhamos o mundo e, por consequência, as perguntas que nos guiam. Assim, a pergunta agora seria: quais são as habilidades e as mentalidades que constituem um designer, ou melhor, um ser criativo? Pois, uma vez que entendermos quais são, será mais fácil saber como potencializá-las. Na busca por entender as características, resolvi fazer um pequeno estudo, de maneira simples e pouco acadêmica. Defini três perguntas: a) se você fosse ensinar design para alguém, o que ensinaria? b) como o design pode trazer impacto positivo? e c) como fazer uma ideia virar realidade? e lancei na rede. Cento e vinte e sete designers, de 20 nacionalidades, das mais diversas empresas e experiências, responderam. Mais informações estão no site do projeto – . Todos entregaram uma frase e uma explicação sobre os questionamentos. Com esses textos em mãos, consegui analisar e detectar alguns padrões em suas respostas, conforme a ilustração a seguir:

Cruzando a pesquisa do One Designer a Day com as 10 características dos líderes do futuro, que Bob Johansen traça em seu livro Leaders make the future, de 2012, conseguimos perceber diversas sinergias e uma possível luz no fim do túnel diante do cenário que traçamos no início deste capítulo. Segundo Johansen, precisaremos desenvolver uma nova mentalidade se quisermos liderar e navegar no mundo presentefuturo que ele denomina como VUCA, sigla em inglês que representa volatilidade (volatily), incerteza (uncertainty), complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity), que seriam as forças que governam o mundo atual e que serão cada vez mais presentes, de modo exponencial.

O mais interessante, quando observamos os dois quadros anteriores, é que conseguimos perceber que as palavras de ordem, de certa maneira, são intuição, flexibilidade, interdependência, construção, empirismo, sonho, imaginação, mudança, incerteza, sentimento, propósito. Muitas dessas palavras deixamos de usar e temos de voltar a usá-las, mas, de certa maneira, elas sempre estiveram presentes nos seres humanos. Como mostra a pesquisa com os designers, são essas as características que definem o que é um designer ou, em outras palavras, um ser criativo que, como já falamos, é todo o ser humano em sua plenitude. Voltando à pergunta inicial (ou a uma equivalente),

qual é o papel do design?

Talvez devamos mudá-la para: que tipo de sistema permite que nós, seres humanos, exerçamos nossa plena capacidade criativa, podendo criar e, assim, reinventar o mundo? Uma vez que não sabemos mais que resultado devemos focar, pois o mundo está mudando a uma velocidade inimaginável, mudar a pergunta nos trará outra perspectiva de como podemos criar novas coisas.

Anthony Goldbloom, em sua palestra, “The jobs we’ll lose to machines – and the ones we won’t”, no TED de 2016, diz que as máquinas têm a capacidade, com a qual não podemos (e não deveríamos) competir, de realizar tarefas frequentes e de grande volume. Contudo, a grande diferença entre seres humanos e máquinas é exatamente a sua capacidade criativa (opa!). Explicando melhor, a capacidade de trabalhar com tarefas de alto volume e alta repetição das máquinas acontece com base em análise de dados passados. Ou seja, máquinas são altamente eficientes (e serão cada

vez mais, de forma exponencial) em trazer respostas na análise sobre o passado. Já o ser humano não.

A grande capacidade humana está exatamente em criar o novo, o não imaginado. Quando percebermos que podemos nos livrar das tarefas que as máquinas podem fazer por nós e mergulhar de vez na incerteza, na ambiguidade e na complexidade humanas, chegaremos mais depressa a esse novo território criativo e, assim como Neo, teremos todas as habilidades e mentalidades para redesenhar o mundo. Bom, eu já escolhi a minha pílula. E você?

O design, as tendências e um novo tempo Bruno Pompeu

Publicitário, formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Mestre e doutor em Ciências da Comunicação, pela mesma Universidade. Dedica-se aos estudos em semiótica e consumo. Desde 2010 é professor do Istituto Europeo di Design – IED São Paulo, sendo atualmente presidente da Comissão Própria de Avaliação (CPA) da instituição, além de lecionar disciplinas de Comunicação, Semiótica e Marketing. É professor em cursos de pós-graduação de diversas outras instituições. É autor do livro Dicionário técnico e crítico da comunicação publicitária (Cia. dos Livros, 2012). É membro do Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo (GESC3) e um dos sóciosfundadores da Casa Semio, espaço voltado para as pesquisas em Semiótica.

São do homem a linguagem e a capacidade de atribuir sentido às o design, em essência, é a atividade humana por excelência. (Transformar o mundo ao seu redor, coisas, de modo que

para isso o homem nasceu.) Não é que o ofício de designer seja inato ao ser humano, menos ainda que qualquer um, apenas por ser da nossa espécie, possa se considerar designer, dispensando formação técnica ou acadêmica. Absolutamente não. Contudo, é inegável que exista – ainda que seja um assunto pouco explorado, talvez por tão evidente e óbvio que seja – uma relação direta e íntima entre design e linguagem. O que este texto vai explorar, então, são alguns aspectos do design que se evidenciam quando se assume essa sua relação íntima com a linguagem, com essa capacidade humana de transformar uma coisa noutra, gerando significado, fazendo sentido. Charles Sanders Peirce, filósofo norte-americano, fundador da vertente semiótica que carrega seu nome, disse um dia que o homem é um ser simbólico. E é concordando com isso – é trazendo isso como preceito fundante, como visão de mundo, como marco epistemológico – que seguimos adiante, entendendo, por exemplo, que qualquer produção simbólica humana – arte, design ou carnaval – carrega em si marcas do seu tempo e do seu local de origem. Claro: imerso inevitavelmente em dado contexto cultural, filtro e parâmetro de todos os significados, tudo o que o homem cria em termos de linguagem tem relação com suas condições de produção. De modo que o design atemporal, por definição, simplesmente não existe. E é melhor que seja assim.

Design e tendências

Melhor, porque precisamos do design para entender o mundo ao nosso redor. E entender o mundo não é tarefa fácil ou pequena. Basta reparar que, a cada virada de século, arautos, gurus, videntes e adivinhos de todos os tipos se animam a dizer o que vai ser do amanhã. Contudo, hoje em dia, neste tempo em que a lógica do mercado prevalece, esses vates são reconhecidos nos institutos de pesquisa, nos escritórios de estudos comportamentais, nas empresas que produzem as famosas pesquisas de tendências. E, se vinte anos atrás, com a aproximação não só de um novo século, mas de um novo milênio, os estudos publicados davam conta de adivinhar – sim, a palavra é essa: adivinhar – o que aconteceria nos próximos anos, nas próximas décadas, hoje o desafio maior é entender o presente. Até porque, qual desses Nostradamus da era contemporânea foi capaz, por exemplo, de prever, mão pousada em uma bola de cristal, búzios rolando pelo tabuleiro, cartas espalhadas sobre o pano, equipes de etnógrafos na rua, que, em 2016, marcas de luxo estariam, no Brasil, oferecendo gratuitamente vacina contra gripe para seus clientes mais assíduos? Qual deles foi capaz de ao menos chegar perto do que hoje é o Brasil em termos políticos, econômicos, sociais ou culturais? Tenhamos um ponto de vista mais otimista ou satisfeito, assumamos um prisma mais pessimista ou catastrófico, o que se tem como paisagem é, sem dúvida, completamente diferente do que se imaginou no final do século passado. Hoje, não se sabe se por precaução ou porque assim se peça, o mais sensato é olhar para o presente. Estudar as tendências, hoje em dia, não é imaginar os produtos que serão consumidos amanhã, menos ainda recomendar flores ou bolinhas nos vestidos ou nos sofás da próxima estação. Isso é fácil e qualquer um que tenha uma mínima ligação com a indústria dos pigmentos ou com o megamotor produtivo que é a China consegue.

O difícil é estudar o presente, o negócio é entender o agora.

Então, que fique claro: chamar de tendência as cores, as estampas ou os tipos de revestimento que a indústria vai usar daqui a algum tempo é como chamar de chifre o rinoceronte, é como chamar de onda o oceano inteiro. Não por acaso, a metáfora do oceano aqui pode nos ser útil. Da praia, espaço privilegiado que ocupam as empresas, o que se vê do mar é quase nada. As ondas, as marolas marotas, a maré que sobe ou que vaza, a ressaca que se levanta braba, é isso o que se enxerga do mar quando se está na beira da praia. Contudo, sabemos que esse mar é maior, mais denso, mais profundo, e, na verdade, inalcançável, incontrolável e imprevisível para o ser humano. Quando se pensa em tendências, esse é um bom raciocínio: o que estoura lá em cima, a crista da onda, é o que nos salta aos olhos, é o que nos é possível enxergar. As ondas vêm, crescem, arrebentam, desfazem-se na areia, umas são mais fortes, outras mais fracas, isso não para nunca. A cor dos esmaltes que todo mundo quer, o corte de cabelo que de repente todos usam, a música mais pedida no rádio ou na festa, a comida do restaurante mais badalado, tudo isso é onda. É superfície, é efemeridade, é vaivém, é apenas a ponta que a gente vê de algo que está mais embaixo – bem mais embaixo. Nessa lógica, o oceano profundo, aquele que sequer a luz do sol alcança, são os fatores contextuais, aqueles mesmos a que o marketing costuma chamar de macro: economia, política, tecnologia, demografia etc. O que se passa no mundo, visto por essa perspectiva mais ampla, enovelada, sistêmica e imponderável – as epidemias, as épocas de crise ou de pujança, o surgimento de novos aparelhos revolucionários, os conflitos entre os estados – é a base, o alicerce instável que sustenta, alimenta e dinamiza todas as ondas que vemos estourar na praia. Sim, sim, virá à mente de muita gente aquela imagem da moça linda, usando uma saia rodada escura abaixo do joelho, um paletó cinturado mais claro, chapéu, luvas e pose de croqui. Era o new look, era 1947, era Dior, era a guerra que tinha acabado e era tudo aquilo mais que a gente sabe – mas que não para para pensar. Essa relação entre o que se produz em termos de design e o contexto geral é conhecida e até certo ponto óbvia. O que acontece é

que, nos dias de hoje, o mundo ficou tão grande, a sociedade ficou tão complexa, a evolução tecnológica ficou tão acelerada, que reconhecer essa relação nem sempre é fácil, nem sempre basta. Daí é

surgem os estudos de tendência mais atuais, assumindo as tendências não como adivinhação, mas como uma interpretação. As tendências são valores sociais, que

são abstrações, são sínteses mentais construídas com base no presente, com as quais conseguimos lidar melhor com a realidade, e a partir das quais podemos projetar melhor o futuro. As tendências são como as marés ou as correntes marítimas: são infinitas, invisíveis, articulam-se entre si, respondem ao que se passa no oceano profundo e provocam o que acontece na superfície vista da praia. O espaço de coworking, a república para adultos, o UberPool, as mulheres que compram juntas o creme hidratante capilar mais caro para compartilhar durante o uso, nada disso é tendência. Assim como também não o são a varanda gourmet, a cerveja artesanal ou o hambúrguer do foodtruck. Tudo isso é onda, explode na praia e, como toda boa onda, vai sumir na areia. E, sendo onda, tudo isso é efeito de algo maior e mais profundo: novas gerações que trazem novas mentalidades, pujança econômica seguida de crise financeira, enfraquecimento simbólico das instituições públicas tradicionais, acesso irrestrito à internet móvel, esgotamento das estruturas urbanas etc. A tendência, nesses casos, então, o que seria? A resposta é: o que está entre as duas coisas, o valor, o significado, o entendimento humano da relação entre o que as pessoas estão fazendo hoje de mais legal e o que se passa no mundo, visto como cenário. O compartilhamento, sim, pode ser uma tendência, por exemplo, manifestando-se nos espaços colaborativos, nas novas iniciativas de moradia coletiva, ou seja, a ideia abstrata geral – e não na prática concreta em si – de que as coisas podem ser divididas e que isso pode trazer algum benefício, tanto para os que participam da partilha, quanto para o mundo de forma mais ampla.

E, diante desse panorama, desse esquema teórico mental, o design tem se revelado particularmente interessante, pois assume função dupla.

É na produção dos melhores designers que se pode encontrar a chave de acesso ou o caminho de raciocínio às tendências. Isso porque o designer, por menos que assim ele se queira ou se reconheça, é que sente o mundo ao seu redor, ao mesmo tempo em que transforma essa sensação em produto. Ao desenhar uma nova coleção e dar a ela um conceito – eis mais uma abstração, mais um valor, mais uma síntese mental –, atribuindo-lhe forma, volume, cor, textura e o que mais possa ser, o designer de moda transforma o mundo em roupa. Desenvolvendo um aplicativo que aparentemente apenas sirva para organizar o que temos na geladeira, o designer de interface está dando uma resposta concreta, na forma de produto, ao contexto a que está submetido. Ou seja: quanto melhor for o design – mais carregado de referências, mais sincero na sua proposta, mais consciente da sua responsabilidade, mais consistente na sua reflexão, mais preciso na sua técnica –, mais ele vai ser adequado, desejado, pertinente, relevante, necessário; mais ele vai poder funcionar como um meio de entendimento da realidade ao seu e ao nosso redor; mais ele vai cumprir sua função de se posicionar com graça e inteligência entre as pessoas e o mundo. Imaginemos uma cadeira famosa, uma tipografia encantadora, um sapato admirável – pode ser uma Luís XV, uma Helvética ou um dockside –, mais do que a fama, o encanto ou a admiração, o que essas peças têm em comum – e tantas outras também têm, desde que sejam design de verdade – é a capacidade de concretizar em objetos absolutamente cotidianos os valores de determinada época, de

determinado local. De modo que estudar as tendências e deixar de lado o design é como pedir uma feijoada e mandar vir sem feijão. Portanto: coolhunters e trendspotters, caçadores incansáveis do que há de mais fresco ou surpreendente, perseguidores heroicos da novidade e da juventude, atenção. Atenção para o design. Atenção e olhar atento para o design. Deixem de lado por um minuto os manuais de sempre, pousem suas máquinas fotográficas só um tiquinho e entreguem-se à reflexão, dando conta da função mediadora que o designer tem na sociedade contemporânea, absorvendo a noção de que aquilo que reconhecemos como cool é legal e fresco não por ser apenas belo ou inusitado, mas por ser a concretização de um valor social em evidência. E voltem à carga com isso em mente, mas, por favor, não para simplesmente saber o que está sendo produzido ao redor e simplesmente fazer igual, fazer-se mesmo, contribuindo para a estagnação e o marasmo; e, sim, para, com base no design, entender os valores do nosso tempo e então criar o futuro.

A expansão do design O futuro é do design, não duvide. Não virá das teorias da administração, da comunicação publicitária, nem mesmo do marketing – alguém realmente achou que viria do marketing? – a resposta que o mundo espera. Da mesma forma que a lógica produtiva industrial tradicional, por mais que plenamente praticada, já se revela desgastada; assim como os meios de comunicação de massa e seu sistema publicitário estruturante já se mostram questionados; tal qual o pensamento aniquilador e anestesiante do marketing, que já não resulta no sucesso esperado, as respostas aos grandes questionamentos que se fazem ao mundo de hoje não estão na unidirecionalidade, no isolamento, na obrigatoriedade, na busca pelo crescimento, em nada disso. Não é da cúpula das empresas que vão sair as soluções aos nossos dilemas de agora, não é em um programa de transmissão nacional que vamos encontrar a saída do beco em que

viemos parar, não é de cima para baixo, não é de alguns para todos, não é para, não é de, não é em. Se é que há respostas, essas respostas virão do entre e do com, ou seja, do interstício, da mediação, da companhia, da coletividade, da relação mais horizontal, não linear, dos vínculos instantâneos, espontâneos e de afinidade, dos processos flexíveis e não dos sistemas engessados, da combinação equilibrada entre a sensibilidade e a criatividade, não de algum talento qualquer a serviço de um interesse exclusivo. E o design é tudo isso – se não é, deveria ser, poderia ser. É verdade que tem muita coisa que chamamos de design, que se autointitula design, sem ser. Sim, tem muita irresponsabilidade no nome que damos às profissões e aos campos profissionais, não é mesmo? Que o digam os puristas, os oligarquistas e os tradicionalistas. Contudo, como definir o que é design, o que, de fato, caracteriza o design, quais são os fundamentos da imanência do design? Esquivam-se todos da questão, sendo mais fácil, sem sombra de dúvida, afirmar que o design de sobrancelha não é design do que discutir a relevância de uma cadeira copiada, a pertinência de uma roupa feita por escravos, a necessidade de um folder de papel que vai para o lixo.

Não pode estar apenas no objeto que se produz a definição do design, assim como não pode estar no ovo a definição da galinha, ou na pérola a da ostra. Também não pode estar só em um título – de técnico, tecnólogo, bacharel ou doutor –, sob o risco de estarmos reproduzindo de forma vazia um modelo classificatório das profissões que, se, por um lado, dá proteção e segurança, por outro, não garante nada e ainda pode nivelar por baixo. Se o dentista trata do dente, com o “ista” sugerindo especialidade (área de atuação); se o

ferreiro trabalha com ferro, com o “eiro” expressando concretude (tipo de trabalho); se o bancário dá expediente no banco, com o “ário” representando esse local (espaço físico); se o investigador empreende a investigação, com o “or” sugerindo repetição (frequência); e se o teatrólogo pesquisa o teatro, com o “ólogo” remetendo ao estudo (capacidade utilizada), o designer, assim em inglês, sem portanto a contaminação dos significados dos sufixos acima, pode se dar ao luxo de não se enquadrar em nada disso, podendo ser também um pouco de tudo isso. O designer pode ser específico, de moda ou de projeto, por exemplo, ainda que a essência da profissão não esteja exatamente na especialidade, sendo, portanto, diferente do modista ou do projetista. O designer tem um apreço pela produção concreta, que o aproxima do marceneiro e do costureiro, não sendo, entretanto, a mesma coisa. O design pode estar em todos os lugares, pode desenvolver algo que organize e facilite o acesso aos livros de uma biblioteca, não se confundindo, porém, com um bibliotecário. O design se desdobra em procedimentos variados, sua rotina é a não rotina, é ter a chance de cada dia fazer algo diferente, não podendo nunca, por outro lado, deixar de pesquisar, como um pesquisador, ou

E o design é, a um só tempo, técnica e pensamento, é a mão machucada pela agulha, pela lixa ou pelo estilete, é o cérebro e o coração agindo juntos, com os questionamentos, as reflexões e os pensamentos típicos dos antropólogos ou dos sociólogos. deixar de ler, como um leitor.

Ou seja: o design não é de ou para, é com; não está em, está entre. O design transita, circula, expande-se, estende-se, aproxima, relaciona, vincula, articula, revela-se concreto sem deixar de ser abstrato, expressa-se na técnica, mas não dispensa a ciência, agrega-se positivamente a outras áreas, repete-se para poder se reinventar. O design é, “de pia”, incapaz de se definir por apenas um aspecto ou de

se fixar em apenas um campo. É, portanto, polissêmico, alterdirecionado, suprarracional e transdisciplinar. Ainda no século passado, mas com a sabedoria dos que nascem muito antes do que deveriam, com a função de anunciar aos seus contemporâneos como será o amanhã, Edgar Morin escreveu a respeito do valor das composições disciplinares. Eram os anos 1980 e já era comum falar em multidisciplinaridade e em interdisciplinaridade. No entanto, poucos iam além disso, quase sempre apenas justapondo saberes distintos ou criando situações de cooperação. Morin não apenas foi além, como acabou estabelecendo, com o conceito da transdisciplinaridade, parâmetros educacionais e científicos até hoje inspiradores, sendo necessário e justificável que o autor seja aqui citado: “No que concerne à transdisciplinaridade, tratase frequentemente de esquemas cognitivos que podem atravessar as disciplinas, às vezes com tal virulência, que as deixam em transe”. Morin defende ainda que o que define a transdisciplinaridade é a integração dos saberes em função de um “projeto comum”. E que ofício poderia se aproximar mais disso do que o design, que tem alma

O design não apenas é aberto e aderente a outros campos do saber e a outras áreas profissionais, como tem em sua essência uma composição amalgamada de Arte, Engenharia, Arquitetura, Marketing, Comunicação, Antropologia e, quanto mais se girar esse diamante, mais cores ele será capaz de refletir. Empreendedorismo, sustentabilidade, de aglutinação e corpo de projeto?

nanotecnologia, parece também que, quanto mais demandas decorrentes das transformações do mundo apareçam, mais o design se revela aberto e já tendo em seu cerne algo em que essas temáticas encontrem sentido. Junte-se a isso um saber enraizado diretamente na ideia do projeto – ou seja, planejamento, aplicabilidade, reflexividade, coletividade, inteligência e criatividade – e talvez tenhamos conseguido chegar perto do que o design é hoje.

Decorra talvez daí o aumento crescente dos espaços que vêm sendo ocupados por designers no mercado, em específico, e no mundo, de forma geral. Foi-se o tempo em que o designer era uma ferramenta, que podia ser comparado a um alicate ou a um grifo. Também já é passada a noção de design como instrumento, afinal não somos clarinete ou bisturi. Dos níveis organizacionais mais baixos, àqueles associados às oficinas, em que trabalham os menos qualificados, com reduzido ou nenhum poder de decisão, ganhando pouco e dedicados somente à execução, o design tem aos poucos alcançado outros patamares, podendo já ser chamado não mais de ferramenta ou instrumento, mas de jeito (de pensamento), modo (de produção) ou processo (de trabalho), aproximando-nos do estilo, da atitude, do comportamento ou da filosofia. Ou seja: o design vai aos poucos deixando de ser visto como mais um apetrecho dentro da gaveta da cozinha e passa a ser encarado como uma nova maneira de cozinhar. E o que isso significa na prática? Que aos que se dedicam ao design se abrem inúmeras possibilidades, seja nas grandes corporações, que talvez nunca antes tivessem precisado tanto de um novo jeito de fazer as coisas; seja nas empresas menores, mais ágeis, livres e dispostas à inventividade; seja em iniciativas independentes, individuais ou coletivas, propondo não só uma nova prática profissional como também uma nova lógica de mercado; seja na proposição de ideias revolucionárias, dedicadas a melhorar a vida em sociedade. Em todas as esferas que se imaginem há espaço para o design.

Considerações finais A trajetória da humanidade vai se espiralando, vai se enredando em si mesma, vai criando nós, emaranhados, impondo a todos os que hoje estão vivos os desafios mais complexos, as questões mais inusitadas, os dilemas mais inesperados. E, se como já visto, é do design – e talvez nem dele, ou talvez só dele – que podem vir as respostas a essas indagações, a abertura e as possibilidades aos

designers são imensas. Só não são maiores do que a responsabilidade que isso, em contrapartida, implica. Já há cadeiras demais no mundo, embora ainda haja muita gente que não tenha onde morar. Ninguém precisa comprar um casaco, a não ser quem não tenha com o que se proteger do frio. Os livros estão cada vez mais bonitos e bem diagramados, pena que já não se queira mais ler nada. Este novo século, que talvez esteja começando para valer só agora, com uma crise mundial trepidante, é exuberantemente distinto do que tínhamos vivido até agora. Passamos o século XX inteiro pensando como seria o próximo século. E nem as previsões mais criativas teriam sido capazes de imaginar o que estamos vivendo hoje – tanto no que há de mais horrível e abominável quanto no que há de mais lindo e louvável. Somos capazes de criar e manusear com facilidade aparelhos que nos conectam instantaneamente, com alta qualidade de som e imagem, a qualquer pessoa ao redor do mundo. Entretanto, é essa mesma velocidade no transporte das imagens que nos faz ver, também com riqueza de detalhes, o garoto sírio morto na beira da praia europeia. Fomos capazes de estender a expectativa de vida ao limite dos 100 anos, havendo já quem diga que as crianças nascidas na primeira década deste século certamente verão a passagem para o próximo. Isso, porém, se as gripes e as febres transmitidas por mosquitos não dizimarem as populações. O que o século passado produziu em profusão e com perfeição ninguém mais precisa produzir. Primeiro, porque já existe. Depois, porque deu no que deu. De modo que não é com mais móveis, mais roupas e mais livros que o design deve dar suas respostas ao mundo. Talvez estejamos precisando das melhores cadeiras, de outras roupas, de menos livros. Contudo, certamente o que o mundo espera do designer de hoje são respostas inteligentes, criativas, sensíveis, pertinentes, consistentes e adequadas, voltadas a questões como a desigualdade, a miséria, a ignorância, a intolerância e a estupidez. Essa é a tendência.

Já não se fazem objetos como antigamente Andrea Bandoni

Mestre em Design Conceitual pela Design Academy Eindhoven, da Holanda, e arquiteta pela FAU-USP. Coordena a graduação em Design de Produto do IED São Paulo. Seus trabalhos foram expostos e integram o acervo de galerias e museus no Brasil, na Holanda, na França, na Itália, na Suíça, no Reino Unido e na China. Conquistou prêmios nacionais e foi eleita pelo British Council Young Creative Entrepreneur, na Categoria Design. Atua em estúdio próprio em São Paulo e colabora com empresas, estúdios e associações. Seus principais projetos são focados em sustentabilidade, inovação e na cultura brasileira. Foi também cofundadora do Fab Lab Brasil.

O design de produto na Era Digital É extremamente estimulante ser designer de produto nos tempos atuais. O panorama não poderia ser mais desafiador: mudanças radicais na tecnologia que vêm possibilitando tanto novas formas de interação entre as pessoas, os lugares e os objetos, quanto novos processos de produção e distribuição, além de materiais inimagináveis. Aprendemos ao mesmo tempo que fazemos, constantemente sendo surpreendidos por outro incrível projeto que apareceu lá do outro lado do mundo, ao qual podemos ter acesso remotamente, na palma de nossas mãos. As fronteiras não são claras: um trabalho de design pode envolver biólogos e químicos, pode ser imaterial, ou pode ser tomado como arte, participando dos mais diversos circuitos sem nenhum problema. Para além disso, enfrentamos diariamente dilemas delicados em nossa profissão, como lidar com direitos autorais ou definir escolhas buscando atender aos requisitos máximos de sustentabilidade. E a cada dia surgem termos novos – por isso, no final deste capítulo, você encontrará um glossário, que possivelmente a esta altura já precisará ser atualizado. Há algum tempo sabemos que estamos vivendo a chamada Terceira Revolução Industrial. Ela sucede a Primeira, no final do século XVII, iniciada na Inglaterra com a mecanização da indústria têxtil, quando surgiram as primeiras fábricas que transformaram uma produção que era totalmente artesanal; e a Segunda, no início do século XX, com a invenção da linha de montagem em série de Henry Ford, que possibilitou a produção em massa. De acordo com o economista e escritor Jeremy Rifkin, autor de The third industrial revolution,

os fatores que desencadeiam este novo

movimento que presenciamos estão basicamente ligados à internet, às energias renováveis e à descentralização da produção. O design, área do pensamento que emerge justamente devido à indústria e ao seu protagonismo nos últimos séculos, sofre alterações como consequência de razões culturais ou tecnológicas que montaram o palco da atual Revolução. Como atores e espectadores de algo que está acontecendo, neste momento, não é possível traçar conclusões definitivas, somente refletir sobre o presente e tentar encontrar nosso espaço dentro dessa conjuntura. Muitas vezes nos esquecemos de que estamos nos primórdios da Era da Informação, presos a estruturas de uma última fase industrial, as quais continuam a governar e guiar nossas interações; estamos ainda descobrindo como utilizar e organizar esforços relacionados ao conhecimento, e assim desvendar também o poder do design. Um produto geralmente ia do estágio do desenho para protótipo e então para o mercado; depois passava a decair, até o ponto em que era descartado. Por décadas, esse modelo deu a empresários, engenheiros e designers maneiras de entender e contextualizar as interações entre produto e mercado e consequentemente entre um produto e as muitas pessoas que o utilizam. Com base nesse modelo, foi possível otimizar financiamento, desenvolvimento, manufatura e marketing para as empresas. Hoje, esse modelo está sendo modificado por tecnologias emergentes que estão não só revigorando o que já existia como também lançando novas práticas. Objetos conectados e a “Internet das Coisas” são promessas de grande potencial que podem oferecer uma interação dinâmica dos usuários com os produtos, unindo o mundo físico ao digital, criando pontos de contato e diálogo entre objetos que estarão em constante desenvolvimento. E, talvez antes do que imaginemos, caia por terra a linha que hoje separa um objeto mecânico de um biológico, por exemplo.

O designer, neste novo panorama, terá de entender o limite de seus materiais – sejam eles plásticos, metais e madeira, sejam pixels e códigos – e assim vislumbrar produtos para o futuro, bem como os caminhos para chegar lá. A fabricação digital Um dos caminhos do futuro é a fabricação digital, ou seja, materializar objetos com o uso de máquinas (como impressoras 3D ou cortadoras a laser) conectadas a computadores. Um dos grandes pioneiros nesse caminho é Neil Gershenfeld, diretor do Center for Bits and Atoms (CBA) do Massachussets Institute of Technology (MIT), um físico que estuda os limites entre a ciência da computação e as ciências físicas. Tudo começou quando, em 1998, ele ofereceu uma disciplina com o título How to make almost anything (“Como fazer quase qualquer coisa”, em tradução livre), o que impulsionou o uso das máquinas de fabricação digital. Num artigo de 2012, de mesmo nome, Neil conta: Desenhamos a aula para ensinar um pequeno grupo de pesquisadores a usar as máquinas do CBA, mas ficamos surpresos com a demanda de outros estudantes que simplesmente queriam fazer coisas.

Graças ao sucesso, após alguns anos, esse projeto se transformou na ideia de manter um laboratório contínuo fora do MIT – foi assim que nasceu o primeiro Fab Lab (Fabrication Laboratory) em 2003. Ele tornou acessível ao público um espaço equipado com custos mínimos, porém ainda fora do alcance da maioria das pessoas, que incluía uma cortadora a laser, uma impressora 3D e fresadoras de tamanhos grande e pequeno. Esse laboratório permanente com tecnologias de ponta que serviam para a produção local e individual, capaz de desenvolver

objetos e até máquinas, foi baseado numa idealização da democratização dos meios de produção. Como mencionado pelas pesquisadoras Julia Walter-Herrmann e Corinne Büching, com o Lab permanente fica claro que a ideia de Gershenfeld não era simplesmente fazer “quase qualquer coisa”, mas fazer as tecnologias de fabricação serem acessíveis a “quase qualquer pessoa” e assim empoderar as pessoas para começarem o futuro tecnológico delas (“Fab Lab – of machines, makers and inventors”, 2013). Um modelo de laboratório simples e fácil de entender, que dá acesso tanto à tecnologia quanto a um network multidisciplinar, encorajado a se manter conectado e a documentar, compartilhar e aprender com projetos passados. Esta é parte das razões pelas quais

os Fab Labs começaram a se espalhar ao redor do mundo e puderam rapidamente adaptar-se a tantas culturas diferentes, inclusive à brasileira. A democratização da criação física é um reflexo da extraordinária democratização da informação conquistada com a internet, e isto é observado por diversos estudiosos, como o jornalista Chris Anderson em Makers: the new industrial revolution. A Era da Produção em Massa é confrontada com base na manufatura digital e na facilidade de acesso aos processos de produção. A customização e as escalas menores podem agora tornar-se a norma, transformando o mundo da criação, da produção, da distribuição e também do consumo e do descarte de objetos. O custo de produção de séries pequenas com maior variedade, com cada produto feito especificamente para atender aos desejos de cada consumidor, está caindo. A fábrica do futuro vai focar em customização em massa e poderá se parecer mais com o ateliê dos antigos tecelões do que com a linha de montagem de Ford,

afirma o relatório especial “The Third Industrial Revolution”, da revista The Economist, em abril de 2012.

Personalização: menor impacto e novas linguagens? Neil Gershenfeld menciona que ficou surpreso pelo fato de que os estudantes no Fab Lab estavam respondendo a uma questão que ele não havia se perguntado: Para que a fabricação digital serve de fato? Como podem imaginar, o grande chamariz da fabricação digital, assim como na computação, é a personalização; produzir produtos para o mercado de uma pessoa.

Personalização não é algo novo: era a única via antes da Era Industrial e ainda é a maneira como as coisas são produzidas em muitas partes do planeta, incluindo diversos locais no Brasil. A

o acesso a novas tecnologias pode agora tornar possível a customização em massa, o que significa diferença é que

que muito mais pessoas terão a chance de fazer e possuir seus produtos únicos, em qualquer lugar. Essas tecnologias novas, disruptivas, inspiram a crença de que, se a implementação delas for bem-feita, as necessidades das pessoas poderão ser supridas localmente, de maneira bem menos agressiva ao meio ambiente e às culturas locais do que anteriormente, quando indústrias de produção em massa levaram à incalculável destruição de ecossistemas, trazendo poluição e lixo. Essa crença ainda não foi comprovada, embora haja projetos que apontem nessa direção (um exemplo é o projeto Amazon Floating Fab Lab, 2014). Certamente essas novas tecnologias abrem portas para pesquisas, uma vez que os custos de testar produtos agora são muito menores do que eram em fábricas comuns e isso, por si só, pode ter impacto significativo no mundo do design, tanto estética quanto eticamente. Designers conhecem e vêm estudando as possibilidades dos computadores e da fabricação digital há alguns anos, e, em decorrência disso, por meio de técnicas de modelagem digital, uma nova linguagem formal tomou vida e vem sendo explorada em

objetos contemporâneos. Além dessa abordagem, há uma grande produção menos especializada acontecendo nos locais que tentam difundir a fabricação digital e

a chamada “cultura maker”, construída por aqueles que hoje buscam, com os próprios meios, criar e inovar para o próprio deleite, colocando, assim, novos objetos no mundo. A socióloga Corinne Büching analisou objetos produzidos em workshops conduzidos no Fab Lab St. Pauli em Hamburgo, Alemanha, e definiu duas categorias: objetos para download (que podem ser baixados gratuitamente da internet, de arquivos open source disponíveis em sites como Thingiverse) e objetos construídos (feitos inteiramente pelo maker ou usuário). De acordo com a socióloga, o fascínio que temos com as coisas que são criadas no Fab Lab pode ser devido ao fato de serem feitas com nossas próprias mãos, e, por isso, terem um significado pessoal. Elas expressam individualidade, criatividade e encorajam usuários a continuar fazendo coisas (Fab Lab – of machines, makers and inventors, 2013).

Ética, estética, autoria Se, por um lado, a personalização traz estima e nos aproxima dos objetos, por outro, uma visita a um Fab Lab pode mostrar que muitas das coisas que estão sendo construídas e produzidas digitalmente nos dias de hoje não passam de artefatos de pouca utilidade real e muitas vezes são também distribuídas pela internet. Definitivamente, criação e materialização são aspectos importantes para a cultura maker, mas, de fato, não são sempre feitos com consciência – nem todo mundo entende a amplitude do que é necessário considerar para conceber e materializar novos produtos: o ciclo dos materiais, o custo dos processos, a vida útil dos objetos, e assim por diante.

Talvez os laços emocionais trazidos pela customização, pela produção local e por máquinas digitais com baixo custo energético equilibrem o impacto de peças com mau design, feitas por vezes em materiais não sustentáveis. Contudo, mesmo se a fabricação digital for hoje algo valioso e significativo, o que garante que em alguns anos esses objetos ainda tenham alguma “aura” para que continuem sendo valorizados e mantidos? E que implicações isso tem para o futuro? Talvez isso sinalize uma das responsabilidades dos designers nos novos ambientes maker: mostrar alternativas e estratégias que possam ajudar a reduzir danos futuros. Paradoxalmente, mesmo podendo ser agentes importantes dentro dos ambientes maker, nem todos os designers são flexíveis o suficiente para se adaptarem a esse universo. Em termos de autoria, o mindset dos Fab Labs, por exemplo, é baseado na colaboração de times multidisciplinares (cocriação) e em abertura para a troca de informação. Open Design é um termo comumente descrito como o desenvolvimento de produtos físicos por meio do uso de informação publicamente compartilhada. Embora possa não parecer um problema à primeira vista, essa maneira distinta de prática profissional coloca em questão o modo convencional de gerar renda pelo design, seja por royalties seja fabricando produtos exclusivos para empresas ou clientes em contratos fechados. Será que os designers vão conseguir reinventar sua profissão? Estão realmente interessados em fazer parte de um ecossistema com configuração diferente da tradicional? Quais seriam os objetivos e os interesses dos designers nesses novos ambientes? Essas perguntas devem ser feitas para compreender o potencial do design numa cena emergente ao redor do mundo.

Breve glossário da Cultura Maker Por fim, em vez de tirar conclusões ou dedicar mais páginas a um assunto que ainda está muito latente, oferecemos o início de um breve glossário para que o panorama do design na Era Digital seja mais bem entendido. A ideia é começar um dicionário, ou pelo menos

um glossário, de termos relacionados às novas práticas do design para que tanto os leigos se familiarizem com a realidade do design, quanto os já familiarizados se reconheçam e possam começar a tecer relações e pensamentos mais aprofundados sobre a cultura de design atual. Como amparo, foi utilizado o projeto MaisQueReFaire, produzido pela consultoria de inovação Fing, especializada em transformações digitais, e pelas agências francesas nod-A e NoDesign. No projeto (que é creative commons), foi produzido um jogo que explica a terminologia de novas práticas inovadoras associadas em diferentes níveis ao design e ao ecossistema que envolve a Terceira Revolução Industrial. Assim como no jogo original, nesse dicionário, categorias facilitam o entendimento dos termos – e certamente faltam termos, por isso a história está para ser completada.

Atores Aceleradora: Programa de Acompanhamento de projetos em pesquisa e desenvolvimento. Hacker: Especialista em redes e linguagens de computador, capaz de explorar e superar limitações de sistemas por meio de sua criatividade. Incubadora: Organização que ajuda start-ups a se desenvolverem oferecendo serviços como treinamentos ou espaços de trabalho. Lead User: Usuário de um produto ou serviço que tem necessidades ainda desconhecidas do grande público e que se beneficia ao obter uma solução para essas necessidades, gerando novos produtos. É considerado um exemplo do fenômeno do consumidor criativo por adaptar, modificar, ou transformar algo numa oferta exclusiva. Maker: O fazedor do século XXI, à vontade com projetos tecnológicos ou científicos, acostumado a compartilhar seu trabalho em redes. Pro-Am: O amador apaixonado, perto do profissionalismo. Start-up: Empresa jovem, com forte potencial de crescimento. Geralmente trabalha com tecnologias avançadas e processos inovadores.

Ferramentas

3D Scanner: Máquina que permite copiar a forma (e às vezes as cores) de um objeto ou um ambiente em um modelo 3D digital. CAD (Computer Aided Design): Software que auxilia na criação, na modificação, na análise ou na otimização de um design. Exemplo: AutoCAD, Rhinoceros. CAD for dummies: Tendência para simplificar softwares (3D ou 2D). Exemplo: Sketchup, 123D. CNC (Computer Numeric Control): Uma máquina com fresa (ferramenta rotativa para usinar um material) controlada por um computador, que permite fabricação de um objeto com base em um arquivo digital. Exemplo: Shopbot. Impressão 3D DIY: Movimento de design e fabricação de impressoras 3D de forma colaborativa e com código aberto. Exemplo: Ultimaker. Impressão 3D: Processo de fabricação de um objeto por solidificação de sucessivas camadas de material. Exemplo: Makerbot. Plataforma programável: Produto que simplifica a tecnologia e permite “fazer”, encontrando seu valor quando combinado com outros produtos. Exemplo: Arduino, Makeymakey. Programming for dummies/Programação acessível: As linguagens de programação são simplificadas para permitir que mais pessoas imaginem novos programas. Exemplo: Google App Inventor, Scratch.

Lugares Biohackerspace: Espaço aberto dedicado à pesquisa “DIY”, compartilhamento de conhecimento e experimentação sobre projetos relacionados à Biologia. Espaço de Prototipagem: Lugar equipado com máquinas semi-industriais para criar e prototipar o próprio projeto. Exemplo: Techshop. Fab Space: Espaço aberto dedicado a prototipagem rápida, partilha de conhecimentos e aprendizagem de práticas inovadoras. Exemplo: Fab Labs. Fábrica Flexível: Fábrica robótica configurável dependendo do que for produzir. Exemplo: Tesla Motors. Garagem: Lugar de inovação e “mão na massa”. Repair Café: Lugar aberto dedicado à cultura do conserto.

Métodos DIWO: “Do it with others” (“faça com os outros”). DIY: “Do it yourself ” (“faça você mesmo”).

Fork: Método que consiste em usar a totalidade ou parte de um projeto existente como base para criar o próprio projeto. Exemplo: Reprap. Licença Creative Commons: Permite a cópia e o compartilhamento de arquivos e textos com menos restrições que licenças tradicionais. Open Data: Deixar dados brutos acessíveis e utilizáveis, disponibilizados para uma cidade, uma comunidade, um país ou uma empresa. Open Design: “Design aberto”, tornar acessíveis todas as informações (desenhos, instruções) para a criação de um objeto. Exemplo: Opendesk.cc. Open Source: “Código aberto”, software cuja licença atende a critérios como a possibilidade de redistribuição livre e o acesso ao código-fonte. Exemplos: Wordpress, Linux. Versão Beta: Postar um projeto, produto ou outro em uma versão não definitiva para se beneficiar do “feedback” de seus futuros usuários. Exemplos: Gmail, Rhinoceros.

Novos objetos Kit: Jogo de peças, padrão ou dedicados, para montar e obter um objeto funcional. Objeto Customizável: Objeto projetado com base na concepção para ser personalizado por usuários e fabricado por unidade. Objeto Hackeado: Objeto e produto desviado para a mudança de usos. Objeto Inteligente: A promessa de conexão entre o mundo físico e o digital, “Internet das Coisas”. Objeto Plataforma: Um objeto pensado para agregar ao seu redor serviços e aplicações. Exemplo: Android. Objeto Serviço: Objeto programável e que pode ser associado a máquinas. Exemplo: Arduino, makey makey. Objeto Ultramodular: Tipo “lego”, que montado responde a necessidades específicas. Exemplo: Littlebits. Objeto Upgradable: Objeto pensado para ser atualizado. Exemplo: Makerbot 1ª versão.

Plataformas Comunidade de usuários: Grupo de pessoas que compartilha interesses, práticas e desejos semelhantes. Exemplo: Thingiverse. Crowdfunding: Financiamento colaborativo de projetos. Exemplos: Catarse, Kickstarter.

Crowdsourcing: Obter serviços, ideias ou conteúdo solicitando contribuição de grandes grupos de pessoas, geralmente on-line. Exemplo: Climatecolab.org. Micro Supply Chain (“cadeia de abastecimento”): Os serviços de implementação para garantir logística, armazenamentos, distribuições via microestruturas. Exemplo: Shipwire. Online Market: Site com vendedores ou produtores em relação direta com compradores. Exemplo: Etsy, Ebay. Produção On-demand: Possibilidade de fabricar peças únicas sob encomenda. Exemplo: Shapeways.

Práticas Cradle to cradle: Modelo de design ecológico que projeta o fim da vida de um produto desde a sua concepção. Festival: Evento presencial, pontual e festivo de projetos de demonstração e reunião da comunidade maker. Exemplo: Campus Party. Hackaton: Evento destinado a inventar e materializar protótipos funcionais, em grupos e em curto período de tempo. Exemplo: Techcrunch. Hackear: Explorar e modificar sistemas ou objetos de maneira a fim de aproveitar o que oferecem com alterações que o deixam mais interessante, prático ou disponível para um público maior. Pitch: Apresentação rápida e resumida de um projeto para despertar o interesse, geralmente de um investidor ou cliente. Reciclagem: Processo de recuperação, restauração e conserto que mantém o objeto em circulação. Small batch/Séries pequenas: Possibilidade de fazer pequenas séries de produtos. Upcycle: Reciclar, melhorando o status do objeto reutilizado. Exemplo: Freitag.

Entre o papel e o digital Eliane Weizmann

Mestre em Artes pela Unesp, especialista em Design de Hipermídia e licenciada em Educação Artística. Coordena a graduação em Design Gráfico e Digital do Istituto Europeo di Design – IED São Paulo. Coordenadora do programa educativo do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE) e atua na área de comunicação e produção do festival desde 2000. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em arte e tecnologia, participando de exposições nacionais e internacionais. Dedica-se principalmente aos temas de cultura digital, comunicação e arte eletrônica.

Parafraseando Marshall McLuhan, o papel cria o digital e o digital recria o papel. Estamos vivenciando, neste início do século XXI, um período transformador com o advento dos meios digitais. Um momento tão impactante quanto a invenção da prensa de Johannes Gutenberg, no século XV. Podemos comparar esse impacto ao analisar a reverberação e os desdobramentos que ambas as invenções proporcionaram em termos de multiplicação da informação, da expansão do conhecimento e de sua globalização. Assim como a prensa, o meio digital transformou a sociedade em vários aspectos, nas soluções pragmáticas do dia a dia, como agilidade para resolver problemas, facilidade de comunicação, armazenamento de conteúdo, acesso rápido à informação, bem como nas mudanças de comportamento das pessoas, nas dinâmicas interpessoais, nas formas de pensar e promover informação e conteúdo. Neste capítulo, vamos discorrer sobre as relações inaugurais entre o papel e o digital e a consequente convergência dessas plataformas nos dias atuais. Para entendermos essa convergência na comunicação e no design, é preciso voltar no tempo e resgatar o histórico dessa intersecção.

Transformações dos meios A dinâmica da comunicação das sociedades orais é a circularidade, que determina a forma como as informações são transmitidas. Na sociedade escrita, a circularidade cede lugar à linearidade e a sequência das palavras configura a lógica da continuidade. Na sociedade digital, essa lógica não é mais determinante nas formas de aquisição e transmissão do conhecimento e a escrita passa a ser hipertextual.

O que significa tudo isso? Circularidade, linearidade, hipertextualidade? Essas três palavras definem as mudanças das dinâmicas da sociedade ao longo do tempo e por meio delas podemos compreender a influência das transformações dos meios de comunicação e das plataformas de transmissão do conhecimento no comportamento das pessoas.

As sociedades orais são representadas pela circularidade devido à necessidade de repetição do conhecimento de geração para geração, somente dessa maneira havia a garantia de preservar e perpetuar a informação. Tudo o que não era repetido se perdia ao longo do tempo. O registro dessas histórias estava na memória de cada interlocutor e a transmissão implicava lembrar os acontecimentos. A narrativa transitava entre memórias e interpretações individuais que transformavam e reinventavam a história; essa memória de longo prazo funciona por meio de associações estimuladas pela percepção sensorial e, por meio delas, a história é atualizada. Essa é a característica da contação de histórias. A palavra falada envolve todos os sentidos intensamente, com variações de tom de voz, gestos, emoções e implica a interação entre os indivíduos em tempo real, fomentando a ação e a reação instantâneas. Com a prensa, a história se consolida nas palavras impressas. A dinâmica deixa de ser circular, baseada na repetição e na memória e passa a ser linear, seguindo a cadência da leitura.

O registro impresso cumpre a função de uma memória artificial que preserva o pensamento humano.

Ele liberta a memória para novas sinapses, potencializando a geração de novos conteúdos. Na medida em que as ideias são delegadas ao registro escrito e não dependem mais do interlocutor para sua transmissão, o receptor passa a ter maior liberdade de interpretação. O que, na sociedade oral, era compartilhado em grupos, na sociedade escrita, é recebido de forma individual, incentivando associações livres, de acordo com repertórios e experiências individuais. A escrita intensificou a função visual, reduzindo o papel dos demais sentidos. Segundo Marshall McLuhan, em sua obra Os meios de comunicação como extensões do homem, “só o alfabeto fonético produz uma divisão tão clara da experiência, dando-nos um olho por um ouvido [...]”. E completa: [...] psicologicamente, o livro impresso, como extensão da faculdade visual, intensificou a perspectiva e o ponto de vista fixo. Associada à ênfase visual do ponto de vista e do ponto de fuga que produzem a ilusão da perspectiva, veio outra ilusão: a de que o espaço é visual, uniforme e contínuo. A linearidade, a precisão e a uniformidade da disposição dos tipos móveis são inseparáveis de grandes formas e inovações culturais da experiência renascentista.

Já na sociedade digital, surge a não linearidade fruto da conectividade e da integração dos meios.

A linearidade textual cede lugar à hipertextualidade regida por links que rapidamente reconfiguram o sistema e nos remetem a novas interfaces. No ambiente virtual, o registro é instantâneo e a comunicação é em tempo real, transpondo fronteiras e suspendendo o conceito

tradicional de tempo e espaço. Se na sociedade escrita foi abolida a figura do interlocutor que dominava a oratória, na sociedade digital foi abolido o intermediário da publicação. A relação emissor/receptor não é mais unidirecional, e, nessa nova configuração, todos são emissores e receptores simultaneamente. Segundo alguns autores, como Steven Johnson e Manuel Castells, o ciberespaço tornou-se a ágora eletrônica global, fazendo alusão aos espaços públicos da antiga Grécia, onde aconteciam as assembleias

Nesse sentido, podemos considerar que a virtualidade incorpora aspectos tanto da sociedade oral quanto da sociedade escrita, resgatando dinâmicas da oralidade como os encontros em grupos para do povo.

debates como os fóruns on-line, os intercâmbios em tempo real com a ação e a reação instantâneas, os encontros sociais e as trocas de experiências representadas por Second Life, Facebook, Snapchat, Instagram e jogos multiusuários, o compartilhamento de informações com softwares de código aberto, blogs e websites. Assim como incorpora aspectos da sociedade escrita, com a digitalização exponencial de conteúdos existentes e a geração contínua de novos conteúdos textuais.

Do texto ao hipertexto

A hipertextualidade é a dinâmica que rege a comunicação e a produção de conhecimento no contexto atual. Hipertexto não é um conceito novo, ele é decorrente das pesquisas que antecederam o surgimento do computador pessoal e da internet.

Alguns escritores e pesquisadores se mostraram insatisfeitos com os sistemas de categorização instituídos na confecção dos livros, como: as páginas individuais, os capítulos, a abertura dos parágrafos, os índices, as bibliografias. Para eles, apesar de esses mecanismos terem facilitado e organizado a leitura e contribuído para as concepções modernas acerca da literatura, da educação e da pesquisa científica, eles não permitiam busca e recuperação rápida das informações. Vannevar Bush, diretor do Ministério de Desenvolvimento e Pesquisa Científica dos Estados Unidos, publicou “As we may think” (“Como podemos pensar”, em tradução livre) em 1945. Nesse artigo, ele apresenta a ideia de uma máquina, o Memex (uma combinação de memória e index), concebida como um computador analógico para complementar a memória humana. O Memex armazenaria e cruzaria referências automaticamente de todos os livros, todos os registros e outras informações dos usuários. Esse cruzamento de informações, que Bush chamou de indexação associativa, permitiria que os usuários procurassem com rapidez e flexibilidade grandes quantidades de informação e obtivessem de modo mais eficiente insights com ele.

Representação do Memex, Vannevar Bush.

Theodor Holm Nelson, filósofo e cientista da computação norteamericano, inspirado no artigo de Bush, cria uma alternativa a essa formatação tradicional do livro presa numa estrutura linear e, em 1965, cunha o termo hipertexto. Hipertexto é a apresentação da informação numa rede interligada por nós, na qual os leitores estão livres para navegar de modo não linear. Definiu Ted Nelson, em 1992: Por hipertexto, eu entendo escrita não sequencial – um texto com vários caminhos que permite que os leitores façam escolhas, e que são mais bem lidos numa tela interativa. Popularmente, são concebidos como uma série de pedaços de textos conectados por links que oferecem ao leitor diferentes caminhos.

Nelson compreendeu o potencial das mídias emergentes e vislumbrou possibilidades para expandir o texto escrito no papel, para além da bidimensionalidade.

Visão panorâmica do hipertexto no XanaduSpace, Ted Nelson.

Com esse conceito, ele inaugura a conectividade e a interatividade antes do surgimento da World Wide Web. Nelson fez críticas ao sistema implementado por Tim Berners-Lee, criador da WWW, pois considerou equivocada e limitada a estrutura das interfaces e da interação. Para ele, a web é uma simulação do papel, com longas folhas retangulares, adequadamente chamadas de “páginas”.

Interfaces, plataformas e conteúdo A simulação do papel não está restrita à WWW. Antes dela, na década de 1970, o Palo Alto Research Center, da Xerox, desenvolveu a “interface gráfica do usuário” (ou GUI), que depois foi popularizada pelo Macintosh da Apple. As representações dos comandos foram traduzidas visualmente, fazendo uso de metáforas, a fim de tornar os códigos computacionais mais palatáveis para os usuários. “Se o computador podia assumir qualquer forma imaginável, porque não o

fazer imitar o velho mundo analógico que iria substituir?”, pergunta Steven Johnson em “Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar”.

É natural que novas tecnologias se apropriem de representações mentais do que é conhecido e familiar. A começar pela metáfora do desktop, que simula uma escrivaninha, a lixeira, as pastas, os menus, tudo representado por ícones interativos. As janelas sobreponíveis, criadas pelo pesquisador Alan Kay, trouxeram a possibilidade de executar múltiplas tarefas simultaneamente. O espaço da tela ganhou níveis de profundidade, permitindo transitar entre documentos em um único clique do mouse, e aí, novamente, temos o uso da metáfora – as janelas computacionais como ferramentas para revelar coisas, para abrir novas paisagens de dados. Se, por um lado, o meio digital se apropriou da estrutura analógica

o raciocínio numérico influenciou sobremaneira o pensamento e as relações sociais e culturais, impactando na própria produção analógica. A simulação, para facilitar a interação das pessoas com as máquinas, por outro,

o copy/paste, as camadas, a multiplicidade, as janelas e a interação são características intrínsecas das ferramentas computacionais que determinaram o pensamento e a estética pós-modernos. Essas características influenciaram as artes, o cinema, o design e os meios de comunicação. Janet Murray, em 2003, constatou essas influências no livro Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço e destacou o trânsito da tradição narrativa através das evoluções dos meios. Segundo a autora, ”hoje, na era incunabular da narrativa computadorizada,

podemos ver como os romances, os filmes e as peças teatrais do século XX têm constantemente pressionado os limites da narrativa linear”. Histórias assumem múltiplas formas, tentando escapar da estrutura fechada dos seus respectivos meios. Tomemos como exemplo o livro O jogo da amarelinha, do escritor argentino Julio Cortázar, de 1963. Trata-se de um romance labiríntico em que o leitor é convidado a montar a própria sequência narrativa à medida que entra no jogo e escolhe a sequência que pretende ler. Outro exemplo, agora do cinema, são os filmes Smoking e No smoking, do diretor francês Alain Resnais, de 1993. Esses filmes apontam para o rompimento dos limites da película, propondo histórias diferentes que partem da mesma situação. Os dois filmes iniciam com a mesma personagem, decidindo se fuma ou não; dependendo da decisão tomada por ela, desdobram-se possibilidades de narrativas diferentes. No campo das artes, podemos citar a série “Bichos”, de 1960, da artista brasileira Lygia Clark. Os visitantes são convidados a manipular as esculturas feitas de placas de metal com dobradiças e estimulados a criar novas formas. Esses são três exemplos, entre inúmeros outros que poderíamos dar, representantes de uma inquietação conceitual e estética, e que subverteram, de certa forma, os meios nos quais estavam inseridos. É importante ressaltar o que Murray atesta acerca da literatura: a leitura está longe de ser uma atividade passiva, nós construímos narrativas alternativas enquanto lemos, imaginamos e complementamos as cenas, criamos vozes para as personagens, assim como quando assistimos a um filme, pegamos cenas fragmentadas e completamos mentalmente, antecipamos o desenvolvimento do enredo e nos envolvemos com a história.

Na virada do século, com o paradigma da revolução digital, as estruturas fechadas dos

meios foram transpostas. Nas narrativas visuais, são incorporados recursos tecnológicos que rompem a linearidade e transformam as iniciativas de alguns diretores e artistas das mídias analógicas em verdadeiras experiências hipertextuais. No cinema, esses recursos aparecem nos filmes interativos com histórias que se bifurcam e se desdobram em múltiplas sequências possíveis. Um fenômeno dessas narrativas participativas são os jogos desenvolvidos para diferentes plataformas. O que os jogos eletrônicos promovem é a imersão na história com a possibilidade de alterar, de tomar decisões e redirecionar a trajetória da narrativa. Dessa forma, o expectador das mídias analógicas passa a ser interator, ou seja, um agente ativo. Outro fator relevante são os jogos multiusuários que agrupam pessoas, distantes entre si fisicamente, mas que se “encontram” em um ambiente virtual para desafios emocionantes representados por avatares em paisagens deslumbrantes. Um exemplo bem atual é o jogo que, em 2016, dominou as ruas e os parques das cidades no mundo inteiro, o Pokémon Go. Por meio da realidade aumentada, esse jogo une os ambientes físico e digital de forma complementar. Realidade aumentada caracteriza-se pela sobreposição de objetos virtuais tridimensionais gerados por computador com o ambiente físico, mostrada ao usuário com o apoio de algum dispositivo tecnológico, como tablets ou celulares, em tempo real. A experiência individual é compartilhada, extrapolando o aparato tecnológico, ocupando os espaços públicos e movimentando grupos que se aglomeram para capturar seres que até então estavam presos em consoles e monitores. No design editorial, a tecnologia foi incorporada para ampliar a exploração do conteúdo e a experiência da leitura com a realidade aumentada. Esse sistema potencializa a convergência dos suportes papel e tela, redimensionando o espaço do texto e da imagem para

além das páginas do livro. O leitor interage com o livro ou a revista tangenciando entre a leitura e a simulação, esta corresponde à realidade da sociedade digital que valoriza a imaginação já inerente à leitura.

Aruanã e os guardiões de Pindorama, livro infantil com realidade aumentada, de Jaqueline Mathias, trabalho final da graduação em Design Gráfico e Digital do IED São Paulo.

A realidade aumentada é o melhor exemplo da coexistência das mídias que integram ambiente físico e virtual de tal forma que um complemente o outro. A convergência de novas e antigas mídias permite a interação entre elas de formas cada vez mais complexas. No campo das artes, as novas tecnologias digitais se mostram como mais uma ferramenta de exploração estética e poética e os artistas se apropriam delas para reconfigurar o panorama artístico do século XXI. Desde o ano 2000, o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE) apresenta a relação das artes com a ciência e as tecnologias por meio de exposições, workshops e simpósios, promovendo um ponto de encontro entre profissionais da área das

artes e das novas mídias internacionais, no Brasil. No festival, a convergência das linguagens se manifesta na exploração estética dos códigos, resultando em projetos com múltiplas interfaces, tanto analógicas quanto digitais. Os limites são transpostos com projetos em realidade virtual, jogos para diferentes interfaces, como tela, óculos rift, interação no espaço físico alterando o ambiente virtual, realidade aumentada, animações interativas, obras cinéticas, experiências sinestésicas com movimento, textura, odor, variação de temperatura, áudio. O transbordamento entre as áreas de conhecimento, como Arte, Design, Tecnologia, Arquitetura, Robótica, Literatura, Games, fica evidente nas obras apresentadas. Conforme escreveu Rafael Cardoso, no livro Design para um mundo complexo, o design surgiu com o firme propósito de pôr ordem na bagunça do mundo industrial. “Sua meta era nada menos do que reconfigurar o mundo, com conforto e bem-estar para todos. Seu lema era adequação dos objetos ao seu propósito [...]”, escreve o autor, fazendo referência à virada do século XIX para o século XX. Nesse período, estavam ocorrendo mudanças de organização, da tecnologia produtiva, dos sistemas de transporte e distribuição. A produção de bens de consumo aumentou significativamente e a necessidade das soluções do design era premente. E agora, em pleno século XXI, qual é o propósito do design? Qual o papel do design no mundo complexo em que estamos inseridos? O design tem o firme propósito de pôr ordem na bagunça do mundo digital? Uma das respostas possíveis é que, para o design, ficou a responsabilidade de estabelecer as conexões entre os elementos, as camadas e as teias que compõem a complexidade do mundo atual. O designer precisa pensar de forma sistêmica para promover mudanças positivas para a sociedade. Não podemos mais nos limitar a pensar produtos para plataformas, mídias ou suportes. O design está para além dos objetos e da forma, do papel e do digital. O designer canadense, Bruce Mau, afirmou numa palestra realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná cujo tema foi Design

produzido de forma sistêmica pode redesenhar o mundo, em Curitiba em 2007: “É preciso liberar o design das restrições do objeto e enxergá-lo como processo para o desenvolvimento de novas ideias”. O desafio é grande, assim como as oportunidades.

Tecnologia, sustentabilidade, design e comportamento no sistema da moda Kátia Pinheiro Lamarca

Graduada em Tecnologia em Produção do Vestuário, com especialização em Pedagogia Empresarial. Mestranda do Programa Têxtil e Moda da EACHUSP. Atua em empresas do vestuário, na área de desenvolvimento de produto, e como docente em instituições de ensino superior. Coordenadora acadêmica da área de extensão do IED São Paulo. Autora do livro Desenho técnico no CorelDraw – moda feminina (All Print Editora). Sua pesquisa tem ênfase em: moda, vestuário, cadeia de suprimentos, fast-fashion, desenvolvimento de produtos e educação profissional.

É frequente o hábito de compreender e analisar o sistema da moda por meio de abordagens estéticas e icônicas, que raramente contemplam uma perspectiva organizacional. O design, neste caso, é associado apenas aos croquis de estilistas famosos, aos desfiles sofisticados da Alta Costura e ao glamour dos desfiles-show repletos de celebridades. Contudo, para entender de fato esse mercado, e especialmente para falar sobre um cenário em transformação, é necessário um olhar profundo sobre a dinâmica da cadeia produtiva que o movimenta. Falar sobre moda significa falar de empresas que vão desde a extração da matéria-prima (relacionando-se diretamente à indústria agrícola, para artigos naturais, e à indústria petroquímica, para artigos sintéticos) até a transformação em artigos têxteis e confeccionados, passando por uma infinidade de agentes que atuam no tratamento e no acabamento dos produtos, chegando à comercialização e ao contato com o consumidor final, movimentando empresas de logística e comunicação. Para entender a relevância nacional de analisar esse sistema, basta falar que o Brasil é o único país do Ocidente que ainda possui uma Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecção (CPTC) completa, ou ainda, que emprega, direta e indiretamente, 8 milhões de pessoas, das quais 75% são mulheres (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção – ABIT, dados gerais do setor, referentes a 2015). Por estas razões, o que se pretende a seguir é lançar luz às possibilidades de caminhos futuros nesse setor. E, como toda evolução faz parte de um processo cíclico, observar

o que se tornou saturado no presente e as tendências

de comportamento que começam a surgir pode nos revelar indícios de reflexão sobre o horizonte do sistema da moda. “Cronoconcorrência” Se a moda é um reflexo da contemporaneidade, expressão cultural e social do comportamento humano, seu sistema produtivo não poderia ser diferente. Informações sobre tendências de materiais, formas, texturas, cores e produtos possuem movimentos tão rápidos e desordenados, quanto as redes dinâmicas que norteiam nossas mídias digitais.

O consumidor não quer mais aguardar pela próxima estação. E, tendo acesso em tempo real aos desfiles do mundo todo, quer adquirir rapidamente o que houver de mais moderno. Sem contar a alta influência de celebridades, novelas, filmes, estrelas da música pop, blogueiros, formadores de opinião de redes sociais, líderes de comunidades etc. no modo de vestir de grupos locais. Essa movimentação, nomeada “disseminação em massa” ou trickle-across, é considerada, atualmente, a maior forma de difundir uma tendência de moda. Gini S. Frings aborda essa e outras formas de difusão da moda em seu livro: Moda: do conceito ao consumidor. Esse fato trouxe para o centro da CPTC um modelo de negócio amplamente disseminado, que mistura logística eficiente e baixo custo: o fast-fashion.

A “moda rápida” modificou a forma de produzir e consumir no início do século XXI.

Abalou o modelo de coleções programadas (baseado nas estações climáticas); modificou os modos de relacionamento entre contratantes e terceirizados; transformou o sistema desatualizado de produção empurrada para um sistema híbrido (empurrada-puxada), com o uso de metodologias vindas da indústria automobilística; utilizou fortemente a globalização com produções em países de mão de obra abundante e o retorno à centralização, trazendo para perto do desenvolvimento de produto as empresas parceiras e a produção interna; e, com isso, ganhou espaço no cenário mundial com grupos liderados pelos empresários mais ricos e bem-sucedidos do ramo. Contudo, a sociedade é dinâmica e novos movimentos trouxeram polêmica e questionamento para esse modelo de negócio. A preocupação com o meio ambiente, com uma produção socialmente sustentável e uma geração de consumidores que valorizam mais o ser do que o ter, não se importando com marcas e sim com discursos, trouxe à tona um questionamento sobre a durabilidade desse formato.

Contexto atual Se, por um lado, observam-se estilistas e organizadores de semanas de moda questionando o mecanismo de coleções programadas, tentando eliminar a moda “datada” e competir em velocidade com os concorrentes, por outro, observa-se uma proliferação de lojas de departamento que vêm ampliando suas fronteiras, otimizando seus métodos de fabricação, melhorando suas entregas e ofertando preços praticamente inatingíveis pela maioria das empresas. No meio disso, sofrem as organizações de pequeno porte que não possuem preço competitivo e capacidade de investir em diferencial estético-tecnológico dos produtos, diante desse mercado. No Brasil, essas micro e pequenas empresas representam 97% da cadeia produtiva de confeccionados (Instituto de Estudos e Marketing Industrial – IEMI, dados gerais do setor de vestuário, meias e

acessórios, referentes a 2015). O que reitera a importância de unir forças para discutir a temática do sistema da moda. A indústria têxtil, conhecida por necessitar de investimentos intensivos e possuir maior porte, comparada às confecções, vem evoluindo com tecnologias que aliam fabricação de tecidos a menor agressão ao meio ambiente, bem como vem se preparando para comercializar cada vez mais artigos sem beneficiamento de cor e estampas (tecidos crus), visando à menor perecibilidade de seus produtos e maior possibilidade de customização para as empresas que as sucedem na cadeia produtiva.

O design de superfície, democratizado pela estamparia digital, revelou-se aliado de empresas e empreendedores, visto que representa uma opção de exclusividade aos produtos de moda. Atualmente, empresas com produção em larga escala utilizam essa técnica tanto quanto um produtor de peças únicas que desenha os próprios padrões. Na contramão de um contexto global, que valoriza tendências do hemisfério Norte, ou que utiliza meios de produção mundializados, com fabricações numerosas, estão pequenos empreendimentos locais que começam a sinalizar novas direções de atuação. Muito impulsionados pela tríade da sustentabilidade (social, econômica e ambiental), modelos de negócios criativos vêm à tona, valorizando produções regionais; o trabalho de grupos em situação vulnerável; manufaturas; matérias-primas naturais; reúso de produtos; produções de pequenos grupos estudantis; processos de trabalho colaborativos; troca e aluguel de artigos de moda, em detrimento da compra de novos produtos, entre outros.

A revolução Considerando os aspectos produtivos, alguns autores já anunciam a chegada da Quarta Revolução que se sustentará sobre quatro pilares conceituais a serem observados. 1. Inicialmente, a evolução vem impulsionada pela democratização de tecnologias que vão favorecer a confecção nacional. Entre elas, o uso de softwares especializados para desenvolvimento de produtos, modelagem e corte, com maior precisão e didáticas de uso do que os já conhecidos atualmente. Um desses autores é Flavio Bruno, em A quarta revolução industrial do setor têxtil e de confecção: a visão de futuro para 2030. Vale destacar que não há consenso sobre o tema. Outros autores preferem enquadrar esses fenômenos dentro de uma Terceira Revolução Industrial. Aqui, mais que as nomenclaturas e classificações, o que nos interessa é a reflexão. A impressora 3D para produtos de moda, que ainda não é uma realidade acessível ao público brasileiro, tende a somar-se a outros maquinários conhecidos do setor, tornando-se uma aliada em produções discretas de pequenos empreendedores.

Trata-se da tendência das “minifábricas”, que farão uso de diferentes processos produtivos, integrados, de acordo com o efeito que se pretende no produto final. E não apenas no interior das fábricas, mas também na conexão destas com o consumidor: aplicativos, sistemas de informação e realidade aumentada são exemplos de tecnologias que podem fazer o cliente conhecer a marca, conversar com ela e, por vezes, até experimentar uma roupa e adquiri-la, escolhendo se quer sair, ou não, do seu sofá.

Neste caso, não se trata de trabalhar o e-commerce, ferramenta já consolidada nos dias de hoje, mas ir além, promovendo uma experiência integrada entre marcas, lojas e consumidores, em plataformas físicas ou virtuais, consolidando estratégias em um canal unificado (“omnichannel”) de contato híbrido on-line e off-line. 2. Questões de sustentabilidade, que levantam dúvidas sobre o modelo fast-fashion, tendem a ser obrigatoriedade nos planos do sistema da moda. Para empresas maiores, dentro da CPTC, isso pode significar uma atenção com descarte de resíduos químicos e sólidos, bem como maior preocupação com o emprego de mão de obra na terceirização dos processos produtivos, ou ainda um uso atuante da logística reversa. Contudo, para os jovens empresários, falar de sustentabilidade pode ultrapassar as barreiras produtivas e ambientais, integrando-se à ampliação dos modelos de negócios nos quais há compartilhamento de produtos; a cocriação com o consumidor (o que evitaria acúmulo de estoques, advindos da não venda das peças); propostas de ressignificação de produtos já fabricados; valorização de mão de obra artesanal local; e até um retorno à idealização de peças uma a uma, com o uso de técnicas de modelagem zero waste – metodologia de modelagem que utiliza 100% da matéria-prima, em uma área determinada, para fabricação de roupas, abusando de amarrações, ajustes no corpo, pences e recortes inusitados. 3. Como terceiro pilar a ser observado, o design de moda, em termos projetivos, também está se atualizando com o processo da revolução. Parte importante do que se pode aprender com o fastfashion é que os produtos funcionais/clássicos e inovadores/modismos de uma coleção não precisam ser projetados e produzidos da mesma forma:

O design de produtos funcionais/clássicos deverá evoluir para uma condução cada vez mais eficiente de processos ágeis, que visam à velocidade e à maximização dos recursos existentes. Já os produtos inovadores/modismos caminham para uma individualização, tanto quanto possível, no atendimento aos nichos de consumo. Isso leva o designer a projetar formas modulares que podem se ajustar a diferentes demandas, ou, ainda, peças-base que terão sua diferenciação retardada ao mais próximo possível do momento de chegada ao cliente (“postergação” ou “postponement”). 4. Por fim, o quarto fator a ser atentamente considerado na mudança evolutiva desse sistema é o comportamento de consumo. Até o início deste século, o fluxo de um guarda-roupa funcionava em linha reta: as peças entravam, vindas da CPTC, representadas por uma marca, e saíam toda vez que se tornavam fora de moda. Tendo como destino o descarte despreocupado. O que se vê é uma transformação desse fluxo, no qual a entrada de peças de roupa é tão diversificada (vinda da própria CPTC, mas também de brechós, aluguéis, compartilhamentos, feituras manuais etc.) quanto sua saída (também para reciclagens, brechós, doações, reutilizações, retorno às marcas, descartes etc.). Esse fluxo é chamado por Fletcher e Grose de “metabolismo do guarda-roupa” e pode ser mais bem estudado em seu livro Moda e sustentabilidade – Design para mudança. Estudos sobre as mudanças geracionais na forma de consumir já apontam a pluralidade existente nos moldes de satisfação do usuário.

A liberdade de escolha, de expressão e comunicação da sociedade leva a uma aceitação de diferentes formatos de negócios, da mesma forma que a crise político-econômica do país, ligada à crise socioambiental do mundo, obriga as empresas a repensarem suas formas de se posicionar diante dos clientes. Não esperamos, com este texto, apresentar verdades absolutas de um futuro ainda um tanto confuso, mas demonstrar focos de atenção que guiarão as próximas ações da Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecção. O sistema da moda passa por um processo de reflexão, questionamentos e transformação. O consumidor não aceita mais que tendências prontas venham ditar o uso das suas vestimentas. Ele quer participar, combinar, ser ouvido em suas necessidades e se expressar no modo de se vestir com gostos particulares e, especialmente, ser aceito por isso. O mercado é amplo e ainda haverá por um bom tempo/espaço para que diferentes posicionamentos de negócios coexistam no cenário econômico. A essência do sistema da moda é trabalhar com tendências, essa inerência não muda. Cabe aos empresários refrescarem o olhar para novos tipos de tendência, que não sejam formas, cores, texturas e materiais, mas que sejam novos meios de produção, novos canais de comunicação, novas tecnologias, novos serviços, novos tipos de comportamento, novas propostas. O primeiro passo para enxergar longe é abrir os olhos!

Design e inovação para cidades Caio Vassão

Arquiteto, urbanista e designer. Doutor em Design pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Atualmente aprofunda em seu pós-doutorado o conceito de Cidade Distribuída e coordena o Grupo de Estudos em Smart Cities da FAU-USP. Desenvolve pesquisa sobre as relações entre tecnologia digital, comunidades e ambiente urbano, pautada pelos estudos da complexidade. Suas áreas de interesse incluem arquitetura móvel, arte contemporânea, design de interação e de interfaces. Atuou em projeto urbano e de edificações, artes visuais, arquitetura da informação e design de informação. É autor do livro Metadesign. É professor na pós-graduação do IED São Paulo.

Proponho,

aqui, o diálogo entre a profissão estabelecida do

arquiteto-urbanista e a profissão em constante mutação do designer. De um lado, temos uma prestigiosa atividade, pautada por um currículo maduro e bem integrado. De outro, uma profissão que ainda está se inventando, com base na multiplicidade da cultura contemporânea. Esse diálogo é parte integral da minha trajetória profissional, de pesquisa e atividades urbanas. Meu intuito é demonstrar que está surgindo um novo tipo de urbanidade pautado pela complexidade do urbanismo e amparado pela agilidade do design.

O que é urbanismo? A cidade é nosso sofisticado hábitat, sede das maiores inovações culturais e, certamente, concentração do maior capital investido. É algo de extrema complexidade e, desde a Antiguidade, apresenta um grande desafio a quem tenta compreendê-la e construí-la. Ela é símbolo, ao mesmo tempo, de cultura cosmopolita e de submundos marginais, de integração social e da segregação abjeta. Nos próximos anos, a humanidade tende a tornar-se uma raça exclusivamente urbana. Pensar e criar urbanidade é uma atividade coletiva e envolve toda a população urbana. Muitos, se não todos, os profissionais estão envolvidos em sua elaboração. No entanto, muitos acreditam que a atividade do urbanista é a de integrar a maior parte do conhecimento humano na construção da melhor forma urbana que podemos conceber. Há alguns anos, provoco meus colegas urbanistas, dizendo que o designer de interação já faz mais para reconfigurar o meio urbano do

que nossa prestigiosa e tradicional profissão. Certamente, os designers de interação não estão (ainda) construindo a cidade – tratase de outra coisa. Os designers, de modo geral, já estão interessados em como interagimos nos espaços urbanos e, assim, construímos seus significados. Enquanto isso, há uma dificuldade do urbanismo tradicional em compreender aspectos novos que emergem, hoje, dos coletivos e da interação social acelerada. Primeiro, boa parte dos urbanistas acredita que a cidade só pode ser feita por meio do planejamento centralizado, controlado por profissionais especializados (os próprios urbanistas); segundo, acham que a cidade, desse modo, é uma entidade política que só é legítima se produzida em “consenso” por seus cidadãos, devidamente mediados (entenda-se educados) pelos urbanistas; terceiro, e muito importante, ainda acham que dá para resumir a cidade à sua coleção de imóveis – edifícios, casas, ruas, avenidas, infraestrutura de água e saneamento, linhas de transmissão de eletricidade e dados –, quando se torna cada vez mais claro que a cidade é o resultado da interação social.

É a sociedade que constrói a cidade, e essa passa a ser uma espécie de espelho, sobre o qual rebatemos nossa cultura. Talvez, essa urbanidade feita exclusivamente por urbanistas não faça mais sentido, tanto pelas circunstâncias geopolíticas, quanto pelas ações de outros profissionais que têm bem mais impacto sobre a constituição da cidade do que o próprio urbanista. Algumas alterações nas dinâmicas urbanas:

a. a tecnologia digital muda, definitivamente, o que entendemos por “construir comunidade”. As comunidades de interesse mediadas e potencializadas pelas tecnologias da informação e comunicação (TICs) acabam sendo muito mais eficazes em criar uma das coisas mais valorizadas nas “boas cidades”: o senso de pertencimento – hoje, pertencemos mais a comunidades virtuais do que a comunidades de bairro. A cidade resultante dessa interação social virtual é de um novo tipo; b. uma nova geopolítica global, também pautada pelas TICs, converte a cidade em um fenômeno telecomunicacional. A cidade deixa de ser, pragmaticamente, a coleção de edifícios e infraestrutura que tanto associamos à sua imagem. Paradoxalmente, a logística pós-industrial cria uma urbanidade global isomórfica, em que tudo se parece, mas também cria a possibilidade da materialização por meio da rápida interação on-line – como no movimento de fabricação digital, nas ações sociais à la flashmobs, nas ocupações do espaço público que determinam uma nova política urbana; c. percepções e realidades alteradas por causa do que menciono acima. Nossa percepção da realidade tem mudado muito depressa e, se vivemos nossa “realidade” em dois níveis (na percepção e nas coisas materiais), então há uma oportunidade de construir novas realidades que se rebateriam na concretude do espaço construído das cidades. A cidade tradicional, dos imóveis que apenas se alteram pela ação muito lenta e gradual, começa a ser superada por uma cidade organizada por um diálogo acelerado entre o concreto e o perceptual:

novos hábitos constroem novas realidades que, por sua vez, exigem um novo espaço urbano. Nesse novo momento, o urbanismo é feito também por quem constrói aplicativos, interação social mediada por computadores, comunidades e senso geoespacial de localização – ou seja, pelo designer de interação. É ele que está construindo uma realidade que, do ponto de vista do urbanista tradicional, é “imaterial”. No entanto, aos olhos do antropólogo, do artista e do próprio designer, é a própria realidade urbana, criada por um novo jeito de perceber o mundo.

Sistemas centralizados, sistemas distribuídos, políticas urbanas Ao falar da “Smart City”, compreendo o contexto em que a tecnologia se embrenha no ambiente urbano segundo a denominação “cidade distribuída”, que criei para descrever a urbanidade que emerge sob o efeito da internet, em meio à popularização maciça da computação e da telecomunicação pessoal. A cidade distribuída é a cidade em rede, que opera segundo a dinâmica de um “sistema distribuído”, que não possui centralidades constantes ou predefinidas, e se distingue do “sistema centralizado”, que é dominado por uma centralidade fixa. As diferenças entre os dois tipos de sistema são gritantes: enquanto o distribuído é flexível, adaptável, resiliente, democrático, fácil de compreender, o centralizado é rígido, moroso, frágil, ditatorial, difícil de compreender.

Sistemas centralizados, descentralizados e distribuídos.

Observamos novas práticas urbanas emergentes que só podem ser compreendidas segundo a dinâmica dos sistemas distribuídos – como a agricultura urbana, a mobilidade sustentável e barata, energias renováveis etc. Os designers estão mais bem preparados para compreender essa mudança: desde meados do século XX, a indústria se fragmenta em clusters produtivos, nos quais o designer compreende sua atividade sempre em integração com outros profissionais e em uma organização sócio-produtiva, que primeiro se tornou descentralizada e, depois, distribuída. E aqui notamos a importância da cooperação entre o urbanismo e o design: existe uma complexa sobreposição de sistemas tradicionais (imóveis, edifícios, infraestrutura) e contemporâneos (telecomunicação, automação, eletrônicos, economia compartilhada) que compõem uma nova dinâmica: a cidade distribuída convida o urbanismo à colaboração maciça.

Design da cidade O paradigma estabelecido de sua profissão convida o arquitetourbanista a totalizar, criar o duradouro e, portanto, inquestionável. Criam-se coisas pesadas, morosas, ou ainda impositivas, com base em uma postura que não está longe de ser ditatorial, inflexível, até

mesmo paranoica. Esse profissional dialoga com o artista de modo solene, legislativo, como se procurasse pela resposta perfeita, uma vez que suas obras deveriam durar “para sempre”. Em contraste, a profissão do designer é polissêmica, na qual é comum a atitude de quem quer brincar, mas também colaborar e, mesmo competente, tende a reconhecer as próprias limitações. O designer dialoga facilmente com o artista, de modo descompromissado. Hoje, ele já começa a expandir a ideia de que “projetos são soluções para problemas”, e reconhece, de modo bemhumorado e sábio, que não há solução definitiva: há vida em comum, há a construção de novas interações mais interessantes. O design tem apresentado uma ação dinâmica e criativa para a cidade, oferecendo plataformas de interação, produtos inusitados e dando voz à coletividade. Muitas das “soluções” para problemas crônicos urbanos vêm surgindo exatamente da agilidade despretensiosa dos designers, enquanto arquitetos-urbanistas debatem planos quinquenais que, na fase dos “estudos de viabilidade”, têm sua implementação atropelada pelas mudanças socioculturais.

Que cidade é essa que emerge da ação dinâmica e criativa? Enquanto as políticas públicas procuram por denominações estáveis que permitam legislar sobre as novas práticas urbanas, estas se superam e se transformam, criando novas realidades pragmáticas. Iniciativas de ampla visibilidade, como AirBnb, Uber, Waze, Facebook, Flipboard, Tinder, e tantas outras, ressignificaram o que entendemos por: hospedagem, mobilidade urbana, construção de comunidades, leitura, conhecer pessoas – perder-se e encontrar-se na cidade. Essas iniciativas ainda são “soluções de massa”, plataformas de caráter genérico nas quais “todos” podem interagir em um tema específico.

os designers vão além disso e repensam a mobilidade urbana por meio de novas bicicletas, pelo Contudo,

mapeamento colaborativo do sistema viário, redefinem técnicas de ação social e humanitária, por meio de plataformas colaborativas e de interação digital, ou então questionam o modo como vemos a cidade por meio de grafite, intervenções, ocupações e mobilizações. Eles trabalham quase sempre em parceria com outros profissionais, comumente designers que têm uma segunda atividade, como programadores de computador, ativistas sociais, especialistas em gestão da informação, estratégia de negócios, etnografia, experiência do usuário, relações internacionais, horticultores, ecologistas etc. Um contexto sociocultural em ebulição criativa. Sei que há uma tentação em rotular tudo isso de “bobagem”, “moda passageira”, ou “entregar o futuro das cidades” para uma espécie de empreendedorismo pouco competente nas complexidades da urbanidade, desvalorizando algo muito importante (“o urbanismo”). No entanto, não seria interessante que o urbanismo tradicional (urbanistas, políticas públicas, geógrafos, engenheiros civis etc.) fosse capaz de dialogar com essa contínua emergência de novas práticas (designers, coletivos, microempreendedorismo, comunidades criativas, artistas etc.)? Então, isso já está acontecendo. Entretanto, parece-me que depende da expansão do que entendemos por “cidade”.

Hábitat, hábito, habitus – cidade Onde habitamos? O que é o hábitat humano? “Será que habitamos a cidade, ou é ela que nos habita?” Debate lançado pelo filósofo brasileiro Sérgio Paulo Rouanet. O que parece uma pergunta boba expõe quanto nossa percepção baseia-se em uma construção, e quanto as coisas que existem à nossa volta só existem porque somos capazes de percebê-las.

o ambiente urbano é um “ecossistema de interação”: interagimos continuamente com Há alguns anos, propus que

um montão de coisas, e elas compõem uma “ecologia de interação”. Como essa “ecologia” é construída? Como muda? Quem a muda?

Quem pode mudá-la? Todos nós. E a mudamos continuamente. É isso o que chamamos de “inovação”. A parte mais importante dessa ecologia não é a coleção de coisas que pegamos nas mãos e vemos com os olhos, mas sim as ideias que fazemos dessas coisas. É interessante ver a mágica de fazer algo existir meramente por lhe dar um nome e apontar-lhe o dedo! Contudo, antes de poder fazer essa mágica, aquela coisa foi gestada tanto pelas pessoas que a fizeram existir, como coisa material, como também pelas pessoas que foram dialogando com esse grupo criativo, ajudando-o a dar sentido a uma coisa nova, tão fluida em sua identidade quanto uma nuvem no céu. Pois bem, então o que isso tem a ver com design de cidades? Tudo. O hábitat é o nosso habitus: nossos pensamentos habituais –

habitamos a cultura, tanto na forma de imóveis que nos acolhem como nas ideias que acolhemos. É interessante notar como muitos dos urbanistas preferem habitar um conjunto permanente de ideias a respeito da cidade: como devemos nos locomover pela cidade, como devemos viver em nossas casas, como devemos nos deslocar pelos parques em um dia de sol, como devemos interagir em um café ou em uma rua movimentada. Há uma imagem da “boa cidade” corroborada e confirmada pela literatura especializada, louvando uma forma urbana caracterizada por uma imagem baseada em edifícios simbólicos, monumentos referenciais e, depois da revolução industrial e motorizada, pelo transporte coletivo e de massa, o sistema viário do movimento pendular entre trabalho e moradia – pois são “necessidades”, não? Era assim que os cidadãos habitavam as cidades há 400 anos? Ou as habitarão daqui a 400 anos? Há uma “ecologia de interação” predefinida que norteia as ações de urbanismo por ela pautadas. Considero que a maior atividade criativa quanto às cidades futuras será reinventar não apenas sua textura de objetos habitáveis – ruas e praças, torres e edifícios, referências na paisagem –, mas, antes, reinventar sua textura cotidiana, sua “ecologia de interação”: com o

que e com quem interagimos? Com o que queremos interagir? Com quem podemos interagir? Interessantemente, se podemos dizer que reconhecer alguma coisa é perceber sua existência, também podemos dizer que promover o reconhecimento de algo é o ato criativo mais importante – não foi isso que Duchamp fez? Ou seja, antes de construir prédios aos montes, ou reformá-los, abrir rasgos amplos e desafogantes em uma cidade congestionada como São Paulo, poderíamos simplesmente alterar o modo como nos apropriamos dessa mesma cidade. Interessante ser exatamente isso que os jovens estão fazendo em tantas apropriações do espaço público: desde a Parada Gay até os flashmobs, passando pelos grupos que habitam as ruas até altas horas da madrugada, mediando seus encontros e desencontros por meio de apps, geolocalização e colaboração maciça.

O que fazer? Metadesign Bom, então, o que podemos fazer quanto a isso? Como podemos participar da construção da cidade? Aí está o “pulo do gato”. Será que

como podemos construir o próprio processo de construção da cidade? a pergunta não seria:

Se a cidade é uma realidade que habitamos, antes de tudo, em nossas ideias e interações, reconfigurar essas ideias é o ato fundamental para construir a cidade. Na prática, se mudamos o modo como interagimos, a cidade muda também, seguindo-nos em nossos novos hábitos. Isso quer dizer que, para gerar novas formas de interação que geram cidade, primeiro, nós precisamos nos preocupar em como interagir para que isso possa acontecer. E como se faz isso? Então, não

há um modo “correto”, e sim maneiras mais ou menos interessantes, flexíveis e fecundas para fazer isso acontecer. Ponderar sobre tudo isso, com intenção de criar novas realidades sociais e culturais, é metadesign. Há muitas aplicações para o metadesign, desde a programação de computadores até sistemas de governo e legislação, passando pela filosofia, trabalho com grupos e comunidades, organização da atividade profissional de arquitetos, urbanistas, designers, artistas, engenheiros e qualquer outra profissão que envolva ação criativa. No contexto da urbanidade, podemos utilizar o metadesign para conduzir o processo de criação de novas realidades compartilhadas. Se nossa intenção é a criação de uma urbanidade mais interessante, humana, justa e cosmopolita, o metadesign consiste em fazer as pessoas se comunicarem de modo significativo, para que possam expor o que sentem e querem para a vida delas. Não se trata de consultá-las, expondo um projeto laboriosamente desenvolvido por um grupo de especialistas e observar suas reações, demandas, críticas ou opiniões. E sim, antes que qualquer desenho ou proposta tenham sido feitos, o cidadão possa construir a própria percepção do que venha a ser a cidade. Em certa medida, iniciar esse processo já basta. Depois disso, as próprias aspirações e intenções precisam apenas continuar a ser ouvidas. Contudo, em contrapartida, ele também precisará ouvir o que os outros têm a dizer. Já imagino alguém dizendo: “Isso não vai dar em nada, sabe por quê? (i) As pessoas não sabem o que querem e podem apenas escolher de um cardápio que seja a elas oferecido; (ii) esse papo interminável entre os cidadãos não pode gerar nada antes que muito tempo se passe; (iii) o cidadão não é especializado no ‘assunto’ (urbanismo, construção civil, mobilidade, segurança, saneamento, estética etc.). Ele não pode ter e não conseguirá ter opinião amadurecida sobre o assunto para propor nada consequente”. Será que isso é verdade? Será que essas afirmações invalidam o processo que chamamos de “colaborativo” para criar as cidades do futuro?

Vejamos. (i) De fato, as opiniões individuais são variadíssimas e, se expostas de modo aleatório e incongruente, não podem gerar nada além de cacofonia. Nesse caso, é mais fácil pré-fabricar opções e perguntar qual delas é a mais desejável. Na verdade, aqui está a chave para esse processo: como organizar e conduzir conversas significativas, de modo que as pessoas possam compreender umas às outras e compreender limites técnicos, conceitos sofisticados da estética, da tecnologia, da construção civil, da organização da mobilidade urbana, das políticas públicas, da legislação, da geopolítica etc.? (ii) Interessantemente, há muitos e variados métodos para construir e conduzir conversas significativas, que geram, em curto espaço de tempo, significados compartilhados e decisões por meio da “convergência” e não do “consenso”: a diferença é que, na convergência, pessoas concordam em agir em consonância, mesmo que não concordem entre si a respeito da pauta, como seria esperado em um “consenso”. (iii) No grupo que cocria as propostas, deve estar gente especializada, treinada e amadurecida nos assuntos em pauta, mas que, além de sua competência profissional, também seja dotada das capacidades de escuta e de empatia. Bom, há uma verdadeira “caixa de ferramentas” da colaboração em constante expansão, amplamente utilizada nos meios da cocriação. Dela participam o design de interação, o design da experiência do usuário, a etnografia aplicada ao design, o design estratégico, o design thinking e tantas outras práticas coordenadas pela forma de pensar e agir do design.

O metadesign funciona como uma “lente”, um modo de ver esse conjunto complexo de práticas e entendimentos e coordená-lo de maneira consequente.

As técnicas de cocriação se valem de uma mudança paradigmática quanto à construção de significado na sociedade urbana: a disseminação de conteúdos preestabelecidos por uma casta especializada de “portadores de conhecimento e competência” é superada pela construção aberta, coletiva, polissêmica e colaborativa de entendimentos do que se revele pertinente com base na experiência concreta de cocriação. A mudança é tão profunda que o campo de conhecimento que vem ao amparo dos interessados no “urbanismo colaborativo” não é o urbanismo tradicional, mas a Teoria da Complexidade: uma coleção ainda díspar, muito numerosa e pouco integrada de entendimentos que, de modo geral, superam a ciência do século XIX, que sustenta o “paradigma urbanístico padrão”. No entanto, o modo mais comum de compreender essa mudança paradigmática é pela experimentação concreta com cocriação. Por isso, sugiro simplesmente isso: engajamento, envolvimento, participação em processos colaborativos – se você é um profissional de urbanismo que está curioso em relação aos sistemas distribuídos e às potencialidades das redes, envolva-se com um coletivo e experimente uma situação de projeto na qual você não seja o líder. Se, em contrapartida, você é designer de interação, designer etnógrafo ou design thinker e está interessado em criar inovações para as cidades, envolva-se e engaje-se com os urbanistas: há um conjunto de práticas que podem expandir muito sua percepção do meio urbano.

Design estratégico, inovação e empreendedorismo Francisco Albuquerque

Pós-graduado em Design Estratégico e Inovação pelo Istituto Europeo di Design – IED São Paulo, mesmo curso do qual hoje é coordenador. Possui experiência e formação multidisciplinar. Passou por áreas de projetos estratégicos, de engenharia e tecnologia, bem como planejamento. Sócio fundador da Agência de Cocriação e da Arco – Hub de Desenvolvimento Criativo. Atua com foco em cultura de inovação nos negócios, com base em projetos multidisciplinares, desenvolvendo pessoas e buscando resultados mais eficientes. Recentemente tem trabalhado com empresas como Mapfre, BRF, Google, Bradesco, Air BP, Comgás, BB Seguros, entre outras.

Um cenário de mudança empurrando novas atitudes Nos últimos anos, o Brasil vem passando por uma transformação muito rápida nos negócios. Influenciado principalmente pelo fenômeno das start-ups, pela adoção de novas tecnologias e pelo mindset das novas economias, que eclodiu de forma avassaladora (economia criativa e colaborativa), o brasileiro está reaprendendo a criar e a gerenciar negócios. Muitos profissionais, empreendedores, executivos de grandes organizações nacionais e multinacionais, além de líderes de projetos sociais e culturais, percebem a existência de um novo movimento sendo desenhado e que pode trazer um novo olhar como resposta para uma sociedade que já vinha exigindo troca real de valor nas relações. Tudo isso também ganhou força com a chegada ao mercado de trabalho de uma nova geração em busca de um propósito pessoal, mas muitas vezes malvista nas empresas por causa do seu pensamento e seu anseio de crescimento acelerado, que também encontrou no empreendedorismo uma maneira de colocar toda a sua energia em novas apostas.

Vivemos um momento em que as mudanças realmente têm sido mais rápidas do que a nossa capacidade de resposta.

Toda essa revolução trouxe à tona um elemento que não é novo, mas que antes tinha uma relação pouco afetiva com o pensamento estratégico de negócios mais tradicional. Esse elemento é o design. Com esse cenário, o design começou a ganhar uma força que nunca se tinha visto nas empresas brasileiras. O designer (profissional) passou de um papel de fornecedor de mão de obra, muitas vezes considerada desnecessária, para uma nova trajetória mais estratégica. O designer passou a ser ouvido nas empresas. Mesmo sabendo que essa afirmação ainda não corresponde a 100% da realidade, e estamos muito longe desse número, observamos que uma nova cultura de interpretação da relevância do design vem crescendo exponencialmente, o que, com certeza, vai contribuir para a criação de uma sociedade mais inovadora, colaborativa e humanizada.

O design pode ser aplicado a qualquer setor que busca inovação e sustentabilidade nos negócios. Promessa e entrega Agora, por que o design vem ganhando notoriedade e sendo visto de forma mais estratégica? Quero voltar um pouco no tempo e recapitular o que aprendemos em termos de educação para negócios. A evolução do pensamento da administração nos permite enxergar as empresas como um organismo vivo. O que isso quer dizer? Quer dizer que todas as áreas de conhecimento, tanto as de apoio ao negócio como suas áreas de contato com o cliente, têm relação entre si. Ou seja, o que fazemos afeta diretamente aquilo que a empresa define como seu papel fundamental ou sua missão do negócio. Parece óbvio, mas muita gente ainda é contratada pelas empresas pelo que faz (competência técnica) e não tem consciência da

consequência de suas atividades. Por esse motivo, muitas vezes temos ambientes pouco ágeis e com problemas acumulados diariamente em alguma planilha do Excel ou em reuniões improdutivas. Para permitir que essa relação sistêmica ocorra, as empresas encontraram, ao longo do tempo, maneiras para tentar garantir que esse organismo opere de forma eficiente. Estamos falando da criação de normas e procedimentos, modelos de trabalho, definição de estratégias para eficiência operacional, controle de qualidade, políticas de recursos humanos, modelos de controle financeiro e jurídico, além da visão de marketing e de como as empresas vão se relacionar com seu público-alvo, de como vão ofertar seus produtos e serviços ou até como os seus valores se desdobram em seus pontos de contato. Dessa forma, cria-se uma hierarquia natural nas relações e muitas áreas acabam competindo entre si, sem colaboração e, como efeito, muitas iniciativas são repetidas e muitas vezes são pensadas e acabam não sendo executadas. Ou seja, de certa forma estamos perdendo tempo e investindo nossa energia de maneira inadequada, desenvolvendo ações que sabemos que não gerarão valor e não serão implantadas, e o pior: temos consciência disso. Não podemos negar a contribuição acadêmica que permitiu às empresas entenderem e aplicarem modelos mentais e metodologias que suportam todas essas áreas de conhecimento técnico, mas também não podemos deixar de observar que as empresas permanecem anos presas aos próprios modelos e não têm energia para inovar. Muitas vezes vemos iniciativas para implantar processos burocráticos espelhados principalmente em modelos “by the book” ou replicando “cases” sem analisar a própria realidade, e muitos desses modelos são estruturados com vários entraves, pois são concebidos “ao estilo do criador” e acabam carregando padrões mentais ultrapassados, como a aversão ao risco, por exemplo. Visto que falamos de aversão ao risco, aí está outra atitude que conflita com os modelos ágeis e menos burocráticos dos novos empreendedores.

As empresas, independentemente do seu tamanho, são um sistema complexo e hierarquizado e com frequência perdem a coerência entre promessa e entrega. O esforço é muito grande e, inúmeras vezes, falho. As áreas especializadas no negócio têm grande valor e acumulam muitos anos de conhecimento que se mantém durante as gerações, o que abre uma oportunidade para a criação de um novo significado para seu papel, trazendo uma atitude mais contemporânea e conectada às novas tendências e estratégias do negócio. Eis aqui uma grande oportunidade de trazer novos significados diante das necessidades atuais. Falando em cliente, ou usuário, estamos vivendo um novo tempo e sabemos que a sociedade tem se tornado cada vez mais exigente. Temos visto uma mudança de comportamento e novas tendências influenciando a atitude das pessoas e presenciamos muitos movimentos que julgam a forma como as empresas, principalmente as indústrias, definem e cuidam de sua cadeia de valor. As pessoas estão mais críticas e questionando o status quo com maior frequência. Já em serviços, ficou muito fácil desistir de um serviço e trocar por outra marca, se o consumidor está insatisfeito com a falta de cumprimento da proposição de valor. O “cliente”, sobretudo o que vive em meio à transformação, em um cenário mais urbano, tem buscado uma nova relação com as marcas. Está mais preocupado com os valores, com a entrega das promessas, com a verdade das marcas. Ele tem questionado o modelo atual e colocado muitas iniciativas das organizações em xeque-mate. Tudo isso somente afirma que as organizações têm sério e árduo compromisso com o processo de se reinventar, se quiserem manter-se vivas

nos

próximos

anos.

Hoje, qualquer tipo de

organização precisa gerar significado em todas as suas frentes de atuação. Precisa se comprometer com valores e comportamentos autênticos e não apenas “simbólicos”.

Afinal, qual o papel do design estratégico? O termo é novo no Brasil, mas já está sendo visto como o futuro da administração dos negócios e possui grande maturidade de compreensão e aplicação, principalmente na América do Norte e na Europa. O

design, na sua essência, tem o papel de gerar significado para o que está em foco projetual. Além disso, o design é visto como uma área de conhecimento interdisciplinar, que contribui para uma visão holística e, ao mesmo tempo, tem um modelo atitudinal que traz agilidade e assertividade em ações que estão sendo estudadas ou desenvolvidas.

O designer estratégico é visto nesse contexto como um grande maestro, que tem competência para orquestrar e construir processos de mudança com a velocidade de que as empresas precisam nos dias de hoje. É ele, em conjunto com sua equipe, que vai pensar quais estruturas são necessárias para construir inovações, de forma colaborativa, empática e que entreguem valor, antes de tudo. O designer estratégico possui habilidade para lidar com qualquer tipo de desafio em diversas frentes – de negócios, cultural, educacional ou social. Não tenho dúvida de que esse é o profissional do futuro e que ganhará cada vez mais espaço em diversos setores. No ambiente de negócios, principalmente, podemos avaliar o papel do design em três níveis de atuação: Níveis de atuação do design estratégico Nível corporativo

Nível de negócios

Nível de projetos

Design como parte da estratégia corporativa

Desenvolver novos produtos e serviços

Equipes de projeto e operação do design

Garantir vantagem estratégica

Garantir novos mercados e novos clientes

Recursos de design e gerenciamento de projetos

Influenciar o foco e o direcionamento da organização

Gerar vantagem competitiva

Efetividade e eficiência para o processo de design

Visão holística da experiência do cliente

Criar benefícios para o usuário

Empatia com o usuário

Desenvolver a estratégia corporativa

Garantir um processo de desenvolvimento de produtos e serviços

Vantagem colaborativa e criativa

Criar ambiente favorável à inovação e à criatividade

Desenvolvimento de projetos

Melhorar competências

Fonte: Adaptado do capítulo “Transition: becoming a design-minded organization” do livro Design thinking: integrating innovation, customer experience and brand value, de Thomas Lockwood (Allworth Press).

Em contrapartida, empresas que adotam o mindset do design como drive para seus negócios começam a ganhar diversas vantagens importantes em relação aos modelos de gestão de negócios tradicionais. Isso fica claro no comparativo entre os modelos de um ambiente gerenciado de forma funcional e um ambiente com o drive do design (design driven innovation). Gestão orientada pelo design Cultura organizacional funcional

Ambiente cultural do design

Controle e hierarquia

Empoderamento

Desempenho e sucesso no curto prazo

Aprender com o fracasso e procura de resultados em longo prazo

Eficiência e redução de custos

Efetividade e criação de valor para as pessoas

Produtividade e negócios

Reflexão e foco na ação

Competição

Colaboração e propósito compartilhado

Compliance

Julgamento e confiança

Evitar riscos

Possibilidade e experimentação

Transferência de culpa e cobertura

Dizer a verdade, crítica honesta

Rigoroso

Agilidade

Fonte: Capítulo “Creating the right environment for design” do livro Design thinking: integrating innovation, customer experience and brand value, de Thomas Lockwood (Allworth Press).

Não é à toa que start-ups e demais empresas que nasceram na era digital têm recrutado profissionais de design, ou aqueles imbuídos pelas abordagens do design, para gerenciar equipes estratégicas em suas estruturas. Faço um convite ao leitor para que entre na área de RH nos sites de empresas como Spotify, AirBnb, Google ou Facebook, para logo perceber em que direção essas empresas estão caminhando. Nos Estados Unidos, muitas vagas já estão sendo divulgadas com a terminologia strategic designer. Estamos falando do profissional do futuro, capaz de atuar em organizações e também como empreendedor das futuras inovações. Capaz de olhar para diversos desdobramentos em termos de estratégia de negócio e para os desdobramentos de criação.

O designer estratégico possui a capacidade de atuar na interpretação de desafios, na construção das inovações e na gestão ágil de iniciativas para garantir uma entrega de valor competitiva. Pense no designer estratégico como uma figura que conseguirá “hackear” os modelos tradicionais, conectar tendências e, com uma equipe de projeto multidisciplinar, terá em suas mãos ferramentas e um modelo mental para agir de modo mais ágil em busca de inovações de forma constante, construindo negócios com significados, marcas autênticas e serviços impactantes.

Quando o design thinking começou a tomar espaço no mercado e os holofotes se viraram para ele, uma questão surgiu: por que grande quantidade de pessoas passou a adotar esse tipo de abordagem de maneira tão rápida? Começamos a presenciar atitudes tradicionais sendo deixadas de lado em ambientes mais agressivos e competitivos. A voz do cliente começou a ganhar força. Os clientes das empresas começaram a ser chamados para participar de cocriações. As equipes de projeto passaram a colaborar de forma multidisciplinar. Soluções focadas em desafios reais foram sendo desenvolvidas. A criatividade passou a ser permitida. Uma série de novas ferramentas e tantos “canvas” passaram a ser utilizados de forma prática. Enfim, uma série de práticas começou a ganhar a cena.

A terminologia “human centered design” ganhou força no meio dos negócios por trazer, em sua essência, um olhar da Antropologia. Sendo mais específico, as técnicas etnográficas utilizadas nas pesquisas de design geram a compreensão profunda e realística que permite às equipes de projeto trabalhar com insights verdadeiros e não fictícios. As empresas começaram a perceber valor em ouvir o cliente. Essa era anteriormente uma situação adversa em muitas realidades, uma verdadeira carência em busca de novas relações. O “design centrado no ser humano” permite que outra condição surja, a cocriação. Lembro-me de ter lido há alguns anos um livro chamado A empresa cocriativa, de Venkat Ramaswamy e Francis Gouillart, e um novo termo despontava ali: a “cocriação”, definida pelos autores como um modelo de geração de valor entre stakeholders. Em pouco tempo, uma série de livros começou a abordar temas que provocavam um novo modelo mental em ambientes que permitiam pouca possibilidade de risco e baixa criatividade. Isso teve influência muito

grande no desdobramento de ações pautadas por esses novos estudos. Com a possibilidade de cocriação, abriu-se uma nova atitude que trouxe a afirmação de que não somos especialistas, e isso já expandiu as possibilidades de atitude em contextos que muitas vezes eram fechados para a visão do cliente. Ou seja, todas as pessoas são criativas e, somente com elas, podemos absorver insights e criar soluções em conjunto. Começamos, de certa maneira, a empoderar um grupo de pessoas que tradicionalmente eram vistas somente como usuários ou meros consumidores. No entanto, muito mais do que uma reunião de cabeças pensantes, a cocriação pressupõe três figuras importantes no processo:

A cocriação, pautada tecnicamente no que, de fato, ela significa, tendo os elementos corretos e sendo facilitada de forma legítima, permite um novo olhar para os participantes diante dos desafios discutidos. Isso só demonstra que atitudes simples, mas tecnicamente

coordenadas, podem gerar o valor que tanto somos exigidos nos dias de hoje. Frequentemente perdemos tempo planejando sozinhos. Um projeto de design estratégico, por exemplo, ressignifica o antigo plano de negócio, pois traz em sua essência uma série de conhecimentos preliminares muito mais amplos que um estudo de mercado e de viabilidade técnica ou financeira. Quando você coloca cocriação nesse contexto, gera conhecimento que não fica preso ao planejador ou a um documento, por exemplo. Passamos hoje por situações que nos trazem um novo contexto na relação empresa-usuário, e isso abre outro campo que é o do design de serviços. O tema é uma grande novidade para muitos, sobretudo em um país que tem uma cultura muito forte de commodities e um paradigma industrial. O Brasil, diferentemente de países europeus, por exemplo, ainda trafega nos setores econômicos primário e secundário, e temos uma grande oportunidade futura de trazer um novo significado para uma sociedade que exige uma nova relação, a relação das experiências de serviços.

Quando falamos em design de serviços, falamos da experiência do cliente, e, nos últimos anos, tivemos exemplos de como mudar o modelo de “eventos” para experiências. Falo de iniciativas que sediamos como país e que, de certa forma, traduzem o que entendemos por experiência, como a Fórmula 1, o Rock in Rio, a Copa do Mundo de Futebol e, mais recentemente, a Olimpíada e os Jogos Paralímpicos. Essas grandes estruturas citadas aqui podem ser entendidas como uma relação própria de serviços. Estamos falando de como podemos

projetar, de maneira holística, esses tipos de estrutura, engajando grande quantidade de stakeholders, a fim de garantir que desejos e necessidades sejam cumpridos gerando valor e sustentabilidade para os negócios. Em contrapartida, muitos negócios já surgem pautados pela relação de serviços e competindo diretamente com empreendimentos mais tradicionais. É o caso de Uber, AirBnb e Nubank, por exemplo.

A inovação e sua relação com o design estratégico Não dá para falar em design estratégico e não falar em inovação. O assunto também ganhou os holofotes nos últimos anos, mas não quero analisá-lo tecnicamente aqui ou dizer se isso é positivo ou não. A questão é que a sociedade sempre inovou. Em toda a nossa História, surgiram desafios que precisavam de respostas, e naturalmente isso faz parte do nosso DNA. No Renascimento, artesãos, pintores e arquitetos eram desejosos pelas descobertas, pela criatividade. É bem comum lermos um livro ou relato que fale de Leonardo da Vinci e nos espantar com a quantidade de definições profissionais que ele tinha. O designer estratégico não é o Leonardo da Vinci do século XXI, mas os princípios de pensamento e o desejo por novas respostas são muito parecidos. O designer hoje é colocado diante de desafios constantes que lhe permitem ser um inovador. Quando olhamos para as esferas da inovação, fica muito claro que temos um papel complementar aos do campo científico e tecnológico. Esferas da inovação: desmistificando os significados

Objetivos da inovação Discurso dominante Práticas standard Contexto social

Ciência

Tecnologia

Design

Inovação cognitiva

Inovação operativa

Inovação sociocultural

Afirmações

Instruções

Juízos

Produção de evidências

Tentativa e erro

Produção de coerência

Instituto

Empresa

Mercado

Critérios de sucesso

OK das autoridades

Factibilidade técnica

Satisfação do cliente

Fonte: Design do material ao digital, de Gui Bonsiepe (Editora Blucher).

O futuro do design estratégico Existe uma banalização contrária aos benefícios que o design (principalmente com o termo design thinking) pode trazer como uma nova cultura e atitude para os negócios. O design thinking é uma abordagem para a solução de problemas complexos e precisa ser visto como tal. Costumo dizer que o profissional de design estratégico combina o mindset de negócios e o mindset do criativo, o que permite certo pragmatismo alinhado ao olhar de oportunidades, mas, ao mesmo tempo, apresenta uma atitude criativa e empreendedora, o que

O design estratégico não se resume ao design thinking, e é um erro dizer que outras áreas de conhecimento não se conectam ao design. Como mencionei, o design estratégico é visto como uma permite a abertura ao risco.

conexão interdisciplinar, trazendo desdobramentos que, por vezes, os livros mais recentes de design ainda não conseguiram contemplar. Estamos vivendo um novo momento, um momento de construção de um novo comportamento profissional, então é importante que tenhamos os olhos abertos e os ouvidos atentos para deixar a criatividade se expandir e gerar uma compreensão do todo, de como será o futuro dos negócios e como outras temáticas poderão se conectar ao design estratégico. Em termos de negócios, vejo uma grande oportunidade. Há pouca proximidade do design com a área de tecnologias emergentes. O designer estratégico que conseguir se conectar com outras temáticas estará à frente e dominando futuras inovações.

O design estratégico é uma competência horizontal e sistêmica que traz um mindset

complementar às especializações, é o que chamamos de TShaped (termo cunhado pelo CEO da IDEO, Tim Brown). É o mindset que publicitários, psicólogos organizacionais, arquitetos, designers gráficos e de produtos, profissionais de marketing, engenheiros e profissionais de TI têm buscado para gerar mais valor às suas atividades. Tenho visto designers estratégicos até na área jurídica. Tenho testemunhado profissionais formados em design estratégico atuarem em diversas esferas, como áreas de inovação em setor público, privado e social. Vejo novos empreendedores surgindo. Vejo áreas de negócios das mais diversas acolhendo esse perfil profissional. Ou seja, estamos em um momento no qual diversas áreas estão se abrindo e colhendo frutos vindos do design. Não há duvida de que estamos desbravando um caminho que trará resultados benéficos para toda a sociedade.

Design de significados José Carlos Carreira

Mestre em Comunicação com o Mercado pela Fundação Cásper Líbero e Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Em sua trajetória profissional, acumulou ampla experiência em marketing e branding, especialmente como executivo de empresas como Fiat, Mercedes-Benz e General Motors. Tem formação em coaching executivo. Diretor Acadêmico do Istituto Europeo di Design – IED Brasil. Foi coordenador dos cursos de Design Estratégico e Inovação e Branding Experience na pós-graduação da mesma faculdade. Consultor e palestrante, utiliza ferramentas do design estratégico.

Gosto de entender a palavra design como “designar”, “dar significado às coisas”, e por “coisas” entendo, no universo do design, tudo aquilo que percebemos e interpretamos, como produtos, marcas, serviços, manifestações, comportamentos, estratégias, necessidades etc. O design pode dar significado a um produto, por exemplo, dandolhe uma forma e uma função, o que nos leva a interpretá-lo em determinada taxonomia, mas também o design pode e deve dar significados interpretados por nós, de maneira mais sensível, emocional e simbólica e é nessa dimensão que ele agrega maior valor ao produto, serviço, estratégia ou marca. Exemplo: a interpretação do solado vermelho de um sapato do famoso designer francês, Christian Louboutin, não está ancorada na forma tampouco na função do sapato. O verdadeiro significado dado para esse produto está baseado em aspirações e simbolismos entranhados no universo sensível e emocional dos seus clientes. Portanto, esse designer, ao decidir pôr um solado vermelho, em conjunto com uma excelente estratégia de marca, ressignificou o sapato para muito além de sua função, aportando poder, status, luxo e elegância e, com isso, muito mais valor ao seu produto. É disso que vamos tratar neste capítulo. Em uma breve abordagem, tentaremos expor como o design opera uma estratégia de significação mais emocional, sentimental e afetiva, aportando maior valor às

a revolução está em entender o design como um operador de significados e valores para dar aos usuários experiências que vão fazer sentido na vida deles. coisas. Ou seja,

Essa tarefa só será possível se entendermos como nascem os valores em nossa sociedade contemporânea e seus movimentos na

economia das trocas. Para tanto, é necessário compreender alguns fatores que vêm influenciando nossos comportamentos e, por consequência, o consumo de bens. Assim, neste capítulo vamos flanar por alguns dos conceitos recentes que estudam esses movimentos na sociedade. Não temos a pretensão de nos aprofundar e, sim, de chamar a atenção para as grandes dificuldades das trocas comercias nos dias atuais, da necessidade quase insana de inovar a qualquer preço como única saída para a diferenciação e indicar uma estratégia voltada para o design utilizando a Semiótica como ferramenta na construção de significados valorizados pelo consumidor.

O design é revolucionário! Ele provoca uma ressignificação de objetos além das tecnologias, ele valoriza produtos e marcas além de suas respectivas funções; provê novas experiências emocionais além dos sentidos; joga com nossos sentimentos e mexe com nossas escolhas de forma inconsciente; e altera nossa percepção de paladar, do belo, do sensível, da vida. Vamos aqui procurar pensar e sentir o design como projeção de significados e a Semiótica como ferramenta operativa para que isso aconteça com coesão, coerência e credibilidade.

Troca de significados Costumo falar em minhas aulas que marketing é todo o processo que se faz para facilitar uma troca e ressalto que essas trocas são, antes de mercadorias, trocas de valores que desejamos intercambiar por nosso dinheiro e receber um produto, um serviço ou uma marca, envoltos em uma aura de significados, que, consciente ou inconscientemente,

damos a eles, sobretudo às marcas, que vão muito além da função de seus produtos. Então, quando compramos alguma mercadoria, nós a estamos valorizando, ou melhor, estamos dando-lhe um significado, pois assim é percebida e interpretada em nossa mente. E, quando lhe adicionamos o valor de sua marca, para a qual o design também dá significado, temos

uma conjunção entre o funcional e o simbólico, entre a razão e a emoção, o que eleva a mercadoria a uma esfera mítica. O que compra o cliente da lendária marca de motocicletas HarleyDavidson? Qual é, de verdade, a sua troca? Posso afirmar que a motocicleta em si tem de fato um papel importante, mas o que define essa troca é toda a mítica, a história da marca, que diz para seu usuário que agora ele faz parte de uma tribo, que não está mais sozinho, que juntos vão pelas estradas se aventurar e descobrir novas emoções. A Harley-Davidson troca com seu cliente o pertencimento a uma tribo especialmente qualificada com muita história e rock’n’roll. Para entender mais sobre novas tribos, recomendo o livro de Michel Maffesoli: O tempo das tribos. Para as empresas, os significados funcionais e simbólicos daquilo que vendem refletem as possibilidades de lucratividade advinda da operação comercial, mas é na mente do usuário que a mágica do significado ganha cores mais reluzentes. Todo produto ou serviço traz em si valores de ordem funcional e simbólica, que chamaremos aqui de emocionais pois remetem a sensações e aspirações por vezes inconscientes. Em alguns casos, pesam mais os valores funcionais, como as ferramentas para manutenção de um automóvel, e, em outros, os valores emocionais, como perfumes e joias. Precisamos ressaltar, porém, que todos os produtos apresentam essas duas dimensões, que estão invariavelmente interligadas. No que se refere às dimensões de bens e serviços, indico a leitura do livro O sistema dos objetos, de Jean Baudrillard.

A água, por exemplo, tem suas funções bem definidas para nós: hidrata, mata a sede etc., mas, além disso tudo, ela significa vida, renovação, pureza, e, se acrescentarmos uma marca sofisticada, a exemplo de Perrier, poderá significar luxo e sofisticação e, assim, ter seu valor incrementado. Para este último exemplo, podem dizer que isso é estratégia de marca. Sim! É mesmo. No entanto, para ter significado, a estratégia de marca precisa ter forma, na grafia, no logotipo e na garrafa, enfim, no design. Ademais é comunicação, que também é design. Além disso, defendo que o marketing, bem como o branding, deveriam estar juntos, em uma só área, com o design. Porque, como já está claro nesta breve exposição,

o marketing é troca de significados e quem dá significados às coisas é o design. O posicionamento de marcas, parte fundamental de toda estratégia de marketing e marca, deveria ser realizado pelo designer, ou seja, aquele que projeta e dá significado à coisa. Para tanto, a revolução do design transpassa o profissional do design, que deve compreender o sistema de valorização sociocultural e saber aportar significados aos seus projetos com coerência, coesão e credibilidade – o que chamo de três Cs da significação. Resumindo, o design dá significado às coisas. Estas são interpretadas pelos seus valores funcionais e simbólicos para atender às necessidades e aos desejos dos clientes, que buscam em produtos e serviços algo além da forma e da função, buscam emoções e sentimentos. Consequentemente, as operações comerciais de compra e venda envolvem, sobretudo do lado do cliente, uma troca por significados, por vezes inconsciente, e que é o real motivo que o leva à escolha de determinado produto, serviço ou marca.

Design na era imagética e líquida Se o design dá significados às coisas, e esses significados, para serem valorizados, devem ter coesão, coerência e credibilidade em um sistema sociocultural, é fundamental aqui tratarmos de alguns pontos importantes que vão orientar o processo de significação. Significação é um termo da semiótica francesa para expressar a relação entre a forma e o conteúdo. Em termos de contexto sociocultural, precisamos falar de dois fenômenos importantes que vêm ocorrendo na sociedade contemporânea. O primeiro deles é a questão que Zigmunt Bauman levanta sobre a existência transformada em efemeridade, uma vida líquida. O outro é o resultado de detalhada pesquisa realizada por Melinda Davis e divulgada em seu livro A nova cultura do desejo, no qual a autora postula o surgimento de uma nova dinâmica de motivações baseada na forma imagética de como a realidade se apresenta nos dias de hoje. Começando pela efemeridade de nossas atuais relações com a sociedade, Bauman traz para a reflexão que a velocidade da vida contemporânea não permite a solidificação de hábitos e formas de agir, que o ciclo de vida dos produtos se reduziu a um mínimo possível para instigar um novo desejo, um novo consumo sempre em busca do upgrade. A leitura de Bauman revela que o ritmo espantoso de mudança transformou a sociedade que agora vive uma “vida líquida”. Tudo é fluido e transitório, emprego, empresas, parceiros, rede de amizades e a autoestima. A solução para não se liquefazer por completo seria se concentrar naquilo que se pode influenciar, ou seja, minimizar os riscos pessoais, cuidando da saúde, da forma física e da segurança pessoal. Nessa linha, para além da integridade física, o indivíduo busca uma integridade mental. Longevidade sim, mas com lucidez. Há uma busca pela paz interior.

O bem-estar é o novo objeto de

desejo. Essa é a conclusão da pesquisa realizada por Melinda Davis.

Ela demonstra que, devido a um desequilíbrio entre o nível da experiência e o nível do pensamento – observando-se que o último vem cada vez mais se sobressaindo como resultado de grande exposição a uma realidade mediada por telas e imagens e um distanciamento da realidade exterior e sensível –, o indivíduo hoje vive um mundo imagético. Neste, a realidade, apresentada por imagens, quase sempre violentas e estressantes, invade a consciência do indivíduo ocasionando distúrbios como ansiedade, depressão e estresse. Por esse motivo, a saúde mental, a lucidez, passa a ser o bem maior e, consequentemente, o desejo fundamental passa a ser o bemestar. Esse desejo é facilmente notado na publicidade, com suas ofertas de felicidade, bem-estar e harmonia para variadas categorias de produtos e serviços. Outro fator que vem se mostrando importante na sociedade em que vivemos diz respeito às novas formas de produção, distribuição e consumo de bens, que não se utilizam de recursos naturais esgotáveis, a chamada nova economia, com ênfase no compartilhamento em detrimento da posse e na crescente economia da criatividade, na qual os recursos criativos são infindáveis. Contudo, gostaria de destacar que o consumidor, atento a todas essas novas formas de troca, atento também aos intensos e invasivos movimentos das empresas com suas estratégias de comunicação nas redes sociais, está cada vez mais exigente e, destaco, com uma crescente expectativa. Hoje não basta uma empresa oferecer produtos ou serviços de qualidade, ela tem de fazê-lo de forma inusitada, encantando o consumidor. A cada nova tecnologia, a cada nova forma de negócio, o consumidor entende que todas as empresas podem e devem oferecer mais. É o que se chama de economia da expectativa do consumidor. Esse sintoma do mercado deverá exigir ainda mais inovação das

o design de experiência e o design de serviços se apresentam empresas no campo das experiências, e, nesse sentido,

como disciplinas capazes de entender essa dinâmica de mercado e responder com novas e poderosas estratégias. Nós, como seres humanos consumidores, canalizamos nossas necessidades e nossos desejos de construir uma identidade pessoal nas trocas de valores, nas quais produtos, serviços e marcas servem como indicadores de quem somos e de como queremos ser reconhecidos. Os avanços da Neurociência nos mostram a importância de que esses bens se apresentem para nós consumidores carregados de significados simbólicos, para nos ajudar a construir nossas identidades, pois, conforme essa ciência, nossas ações são decididas primeiramente em nosso cérebro límbico, responsável por emoções e

a projetação de significados demanda entender os valores que circulam na sociedade, na cultura, nos bens e, por fim, na mente dos consumidores. sentimentos.

Portanto,

Diante desses movimentos da sociedade e dos consumidores, cabe ao design enfrentar esses desafios, propondo uma ressignificação de ofertas, além do discurso publicitário, proporcionando experiências de bem-estar real. Assim, o design, em suas especialidades como produto, serviço, estratégia, interação, moda, espaço, gráfico e digital, já vem produzindo transformações importantes, mas, para que o design seja, de fato, um agente importante para tornar nossa vida melhor, devemos abraçar uma Cultura do Design, ou seja, promover o design como vetor de significação em todas as camadas da sociedade, desde o Ensino Médio até as práticas gerenciais dos empreendimentos, passando obviamente por produtos, serviços e marcas inovadoras. Por fim, entendemos que inovar agora não é mais um diferencial, inovar é verbo para praticar no dia a dia, e, neste aspecto, o design pode contribuir mais que qualquer outra disciplina. O design se torna

importante e vital no ponto em que trata da inovação acompanhado de uma reflexão ambiental, inovação sustentável. Utilizando as palavras do filósofo Luc Ferry, devemos “ser interessados pela inovação e pelo progresso e ao mesmo tempo sensíveis ao que ele aniquila e nos faz irremediavelmente perder”.

Design Meaning, projetando significados com a Semiótica Até aqui tratamos de contextualizar a questão do design e do significado na sociedade e nos consumidores, agora pretendemos apresentar uma contribuição para a projeção de significados, o que chamamos de Design de Significado (Design Meaning). Não é o objetivo deste capítulo detalhar uma metodologia, mas, sim, introduzir e propor ao leitor uma reflexão sobre uma ciência bem conhecida na área do design e da comunicação, que vem contribuindo sistematicamente na compreensão dos fenômenos perceptivos e na interpretação de signos; falamos da Semiótica, sobretudo da Semiótica narrativa greimasiana, como uma ferramenta para projetar significados. A Semiótica estuda a ação dos signos, ou “semiose”, e os processos de significação em um contexto cultural. Ela verifica as relações entre a forma, um signo, e os significados atribuídos a ele. Winfried Nöth definiu a Semiótica como “a ciência dos signos e dos processos significativos na natureza e na cultura”. Para fins de nossa proposta, vamos focar a Semiótica de origem francesa, e nessa linha, vamos nos deter na Semiótica de Greimas, que estuda primordialmente o processo de significação, como ferramenta para o design de significados. O projeto semiótico de Algirdas Greimas, linguista lituano que contribuiu para o desenvolvimento da teoria semiótica de origem francesa, permite analisar a organização dos discursos, em um plano de conteúdo, com base no conceito de narratividade, apoiado na premissa de que a estrutura narrativa se manifesta em qualquer tipo

de texto. Por texto entendemos tudo aquilo que pode ser lido e interpretado, a exemplo de um livro, uma música, um produto, um serviço, uma marca, comportamentos, estratégias, processos, enfim, tudo que se apresenta à nossa percepção. A construção da significação na Semiótica greimasiana é um conceito-chave. Ela é obtida por meio de um caminho de geração de sentido, que parte de uma relação elementar, um conceito fundamental e se desenvolve numa estrutura narrativa e, por fim, ganha forma na estrutura discursiva. Esse caminho de geração de sentido pode ser trilhado não somente para entender como certo significado foi gerado, num estudo analítico partindo das formas existentes, mas também, o que é objeto de nosso estudo, para gerar, sobre um conceito fundamental, todo um “texto” coerente, coeso e crível. É nesse ponto que a Semiótica greimasiana tem muito a oferecer ao design, contribuindo para o processo de dar significado às coisas. Como um exemplo, muito reduzido, para ajudar o leitor não afeito à Semiótica, vamos imaginar que um designer necessita projetar uma nova poltrona. Ele pesquisa o mercado, analisa o que a sociedade e a cultura valorizam e entende as limitações construtivas. O designer, depois de elencar uma série de conceitos possíveis advindos de sua pesquisa, resolve eleger o conceito de conforto emocional. Esse conceito, ainda muito abstrato, passa então por um jogo semântico de termos contraditórios, contrários e complementares que chamamos de quadrado semiótico. O semioticista Jean-Marie Floch construiu um quadrado semiótico para o sistema de valorização do consumo e determinou, para cada uma das quatro posições do quadrado, as seguintes tipologias de valorização: Prático, Utópico, Crítico e Lúdico.

Neste momento da metodologia, o designer faz uma escolha estratégica e coloca seu conceito fundamental em uma das posições de valor, para nosso exemplo, adotaremos a posição Utópica, que reflete os valores de vida e identidade, de sonhos e ideais. Assim, conforto emocional passa a ser uma aspiração. Continuando no percurso de geração de significado, o designer chega à fase da narrativa. Nesse momento, se estabelece uma relaçãofunção entre o usuário e o objeto poltrona, formando o enunciado narrativo elementar, um programa narrativo. Alguém deseja ter conforto emocional e a poltrona será a destinadora desse conceito. Essa concepção de enunciado elementar é responsável por atribuir ao usuário o seu objeto de desejo, que a poltrona deverá proporcionar, que é o conforto emocional, o conceito fundamental. Seguindo adiante, chegamos à estrutura discursiva. A estrutura discursiva está identificada em uma camada acima da estrutura narrativa. Assim, no caminho do abstrato para o concreto, essa fase encontra-se no limiar da relação de significação (expressão e conteúdo) já muito próximo de dar uma forma concreta para aquele conceito fundamental. Nesse nível, ocorrem os processos de figuração, temporalização, espacialização, sociabilidade etc. Enquanto as estruturas narrativas contêm os valores e os programas de ação, as estruturas discursivas correspondem à seleção e à disposição deles em certo universo de referência, distribuídos no

tempo e no espaço, atribuindo a usuário, empresa, sociedade e designer seus papéis para entrar em cena, transformando-os em atores e o objeto em poltrona. Assumindo, então, esse exemplo de uma poltrona que deve ser interpretada, muito provavelmente num nível inconsciente, como conforto emocional, depois de percorrer o caminho de construção de significação, ela pode assumir uma forma limpa, sem estrutura aparente, leve e segura, algo que remeta a um colo, uma gema acomodada num ovo. Livre referência à famosa poltrona Egg de Arne Jacobsen. Com isso, o designer coloca em cena, como fator primordial para

design revolucionário, um significado para seus trabalhos, que vão além do pensamento tradicional do design e atingem a alma, o coração, a emoção, os sentimentos e os afetos de todos nós. um

Experiência epifânica Com esta breve abordagem, transpassamos a área do design e suas diversas disciplinas de apoio, com a finalidade de ressaltar a importância de um resultado de design, que tenha em si um significado valorizado no contexto da complexa sociedade contemporânea. O significado é a interpretação de um usuário sobre um objeto de design, que pode ser um produto, um serviço, uma marca, uma estratégia, um processo, entre outras manifestações. O significado “comprado” pelo usuário quase sempre vai além da forma, do produto em si, atingindo suas aspirações, suas necessidades e seus desejos, por vezes inconscientes. Cabe ao designer ter sensibilidade e saber se conectar aos valores socioculturais para poder oferecer o exato objeto de desejo do seu público. Isso transpassa o território do design thinking, que, embora fundamental, necessita de complementos sensíveis, emocionais, que transformem o consumo numa experiência epifânica.

Num mundo de superexposição da própria imagem, excesso de ofertas, relacionamentos líquidos e muito estresse, a necessidade empresarial de se diferenciar e inovar constantemente se transforma numa cruzada contra moinhos de vento. O design, e sua maneira de pensar e sentir, pode contribuir atribuindo significados pertinentes e desejados. Para tanto, precisamos de uma revolução no conceito do próprio design e na forma como ele é ensinado. Apoiamos que o design, como projeção de significados, deve ser disciplina já no Ensino Médio, pois todo indivíduo deve entender, saber e fazer o próprio sentido e o significado de sua vida.

Design & educação: novas abordagens Fabio Silveira

Pós-graduado em branding, especialista em Pedagogia para o ensino superior e mestre em educação pela Universidade del Salvador (Buenos Aires). Atuou por quinze anos na Editora Abril na implantação de processos, que englobam da fotografia digital a fluxos editoriais, para revistas como National Geographic, Superinteressante, Claudia, Casa Claudia, Guia do Estudante, Playboy, Você S.A., entre outras. Foi sócio fundador da OcaBrasil Design. Finalista do IF Design Award e do Prêmio Abril de Jornalismo. Desenvolve projetos de design gráfico e editorial, coordena a pós-graduação em Design Editorial e Infografia do Istituto Europeo di Design – IED São Paulo e dedica-se a projetos de design thinking aplicados à educação.

Uma revolução em curso Convido o leitor a me acompanhar em um exercício criativo de pensamento: se, em um passe de mágica, pudéssemos trazer qualquer profissional do século XIX e o colocássemos em seu ambiente normal de trabalho, o que aconteceria? Muito provavelmente ele ou ela nem saberia o que fazer, não é mesmo? Imagine um piloto de avião nesse contexto. Mal saberia apertar qualquer botão em uma sala que opera aviões de forma computadorizada. Um médico também teria sérias dificuldades, tendo em vista os avanços que a Medicina alcançou ao longo do tempo. Contudo, se esse profissional fosse um professor, provavelmente ele encontraria em seu ambiente de trabalho uma configuração muito semelhante à da sua época: uma sala com um quadro-negro, carteiras enfileiradas, alunos sentados sozinhos ou aos pares, olhando para a nuca do colega da frente, um professor para muitos alunos, grade curricular (grade para mim tem uma conotação de prisão, você não acha?), uniformes padronizados, inspetores… e por aí vai! A questão aqui não é o professor, mas sim toda a estrutura do processo educacional, que ficou imune às diversas revoluções

Sem dúvida, a escola é uma instituição social antiquada, conservadora e enrijecida. Se ampliarmos um pouco os enfrentadas por nossa sociedade ao longo dos séculos.

sentidos olfativos, conseguiremos até perceber o cheiro de naftalina. Esse anacronismo nas escolas – e como consequência seu impacto na educação das pessoas – afeta-nos profundamente, sobretudo em seus aspectos socioculturais. Presenciamos cada vez mais comportamentos intolerantes pelo não entendimento de diversos contextos, ou mesmo nos deparamos com realidades nas quais mal

há acesso às novas tecnologias, incluindo mera conexão à internet. Sem falar dos impactos nas questões econômicas, oriundas dos altos índices de analfabetismo que resultam em uma população que serve de mão de obra barata para os sistemas do mercado de trabalho. Os impactos também se estendem às relações humanas, na falta de empatia, compreensão e amor. Essa é uma questão que afeta a todos nós. Todos! Este livro traz uma contribuição ao abordar os inúmeros aspectos do poder transformador do design em diversas áreas. Isso nos dá a oportunidade de trocar as lentes dos óculos de uma vista cansada para alguns assuntos e permitir que pensemos de forma diferente para buscar ações concretas na sociedade em que vivemos. Falar sobre educação, neste contexto, torna-se um tema central para nosso desenvolvimento social, pois nela está a chave-mestra para o encontro dos talentos humanos, o entendimento da relação com o outro, o avanço intelectual de uma nação, a valorização das pessoas naquilo que elas possuem de melhor e para a capacidade de prosperar juntos e evoluir como seres criativos. Não é à toa que invoco nossa capacidade criativa neste momento, pois, para alcançarmos essa mudança, precisamos de caminhos com um pensamento diferente, surpreendente, inovador…

E o design, como uma abordagem de pensar, agir e projetar de forma transdisciplinar, tem muito a contribuir, construindo um novo cenário em diversas partes do mundo. Já existem inúmeros exemplos de projetos que envolvem educação e design, os quais abordarei mais adiante. Pretendo mostrar que existe uma relação íntima muito produtiva e enriquecedora entre

design e educação e que existem muitas iniciativas que comprovam isso. Ao longo da História, os processos revolucionários destruíram paradigmas enraizados, rígidos e acomodados, abrindo espaço para a construção de algo novo. Esses processos não vieram necessariamente dizer, de forma binária, que isto é bom e aquilo não é. As revoluções mudam o foco do pensamento para uma nova direção. Muitas iniciativas vieram com a melhor das intenções buscar uma forma de transformação da educação, na maneira como a conhecemos. O modelo de educação está superado e não consegue atender mais às demandas atuais da sociedade. É por esse motivo que precisamos de uma revolução na educação! Sair de um modelo industrial educacional para um modelo que considere o indivíduo em toda a sua pluralidade e complexidade na forma de entender o mundo e decodificá-lo.

Gigante com pernas de barro Há muito tempo a escola tem sido palco de agentes que tendem a utilizá-la como um espaço de doutrinação, para enfiar goela abaixo, ou mentes adentro, verdades limitantes e modelos mentais estruturados nas cabecinhas infantis. Com isso, a eficácia dos processos educacionais foi forçar a repetição e testar a memorização do que já foi repetido diversas vezes. Atualmente os métodos de escolarização se tornaram menos duros, mas a essência ainda é a mesma. A escola ainda é encarada como um simulacro do ambiente de trabalho com relações disciplinares, jornada fixa de “trabalho”, além das horas adicionais de lição de casa, definição da vida de aprendizado da criança com o currículo escolar preestabelecido. Identificamos as crianças por séries cronológicas, da mesma forma que reconhecemos adultos por uma carreira definidora de sua identidade.

Será que deve ser assim sempre? A relação do brincar em diversas fases da vida não deve ser levada em consideração na educação das escolas? A escola é um grande gigante com pernas de barro que foi construído de forma pesada, culposa, sofrida e violenta sem perceber a fragilidade dessas bases construtivas que podem ser alteradas à medida que tivermos uma nova revolução. E é disso que quero falar daqui por diante.

O design educando Gostaria que você me acompanhasse em mais um momento de pensamento criativo. Desta vez, não farei um exercício fantasioso, mas contarei o percurso de uma escola que direcionou e revolucionou a maneira de pensar de milhares de pessoas e que deu origem ao design como o conhecemos. A Bauhaus, que literalmente significa a Casa da Construção (um neologismo criado com base na palavra Hausbau, que significa Construção de Casa), foi fundada por Walter Gropius, em abril de 1919, na Alemanha, com o objetivo de unir os preceitos da arte, do artesanato e da arquitetura moderna, tornando-se a primeira escola de design da História. O contexto do nascimento dessa escola foi em meio à então recente derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e à construção da República de Weimar, sob o comando de Adolf Hitler, entre 1919 e 1933. Quer dizer, o mar não estava para peixe para o lado dos criativos da Bauhaus. E, talvez por isso, o programa proposto por Gropius se tornou tão inovador naquela época. A Bauhaus definia a arquitetura como foco dominante dos projetos que deveriam ser funcionalistas e sistêmicos, do maior para o

menor objeto. A cidade era considerada o mais complexo sistema de comunicação e os demais elementos eram projetados em função disso para que houvesse racionalidade em todas as áreas. Johannes Itten, László Moholy-Nagy, Josef Albers, Peter Behrens, Marcel Breuer, Paul Klee, Wassily Kandinsky e outros professores tiveram notável importância para o nascimento desse pensamento, estabelecendo as bases fundamentais dessa área. O design nasceu na escola da Bauhaus com forte viés social, na medida que a premissa dessa escola era desenvolver projetos de moradia social racional, resgatando os princípios básicos da arquitetura ocidental, abandonando todos os objetos burgueses cheios de ornamentos.

A capacidade de resolver problemas complexos da sociedade também veio com essa nova forma de pensar do design, que basicamente unia aspectos do trabalho artesanal e suas inter-relações com a produção industrial. Os métodos utilizados na busca de soluções variavam nos estudos entre forma e abstração, composição de elementos e experimentações de materiais diversos. Esses processos tinham grande foco na criatividade individual e potencializavam o que os alunos traziam de habilidades mais específicas. Em diversos momentos, na formação de um designer, eram trabalhados na Bauhaus as referências internas do talento do aluno e o que ele trazia de bagagem de fora para ser utilizada, enaltecendo uma visão sistêmica desde o começo.

Diagrama com a matriz curricular da Bauhaus. Design de Walter Gropius. Fonte: reproduzido de WICK, Rainer. A pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. Crédito da imagem: Staatliches Bauhaus Weimar, 1923. p.10.

Após o fechamento da escola em 1933 pelos nazistas, muitos desses pensadores da “forma e da função” – termo cunhado pelo arquiteto Louis Sullivan e que foi uma das regras pétreas do design funcionalista do século XIX – foram para outros países propagar os ensinamentos da essência do design. A cidade de Chicago, nos Estados Unidos, tornou-se o novo berço do design mundial, por causa dos diversos professores que emigraram, fugindo do nazismo. Foi lá que Laszlo Moholy-Nagy, em 1937, criou uma importante escola, o

Institute of Design de Chicago, que tempos depois foi absorvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Vamos, porém, voltar para a Alemanha, pois em 1950, na cidade de Ulm, nascia a Hoshschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma), fundada por Max Bill e dirigida pelo designer Otl Aicher e pela escritora Inger Aicher Scholl. O objetivo principal era criar uma escola com educação humanista e que se preocupava com soluções criativas para a vida cotidiana. A escola durou até 1968 e, nesse período, o brasileiro Alexandre Wollner estudou lá e trouxe importantes ensinamentos para o Brasil. Ele foi um dos pioneiros, com Aloísio Magalhães e Rubens Martins, a trabalhar com design no Brasil. Em 1963, Wollner, com Karl Heinz Bergmiller, fundou a primeira iniciativa de ensino superior em design nas terras tupiniquins, a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), no Rio de Janeiro. Foi um longo percurso e de lá para cá muitas águas rolaram em relação ao design, mas o que considero relevante dentro do tema da educação é a continuidade desse pensamento, atuando não somente na formação de grandes designers brasileiros, mas também na interrelação com outras áreas de conhecimento, levando a cultura do projeto para sistemas mais complexos da sociedade, como vimos anteriormente, o que era um fundamento importante no nascimento do design na Alemanha. Voltamos às origens, para nos fortalecer e contribuir com outras áreas, incluindo a educação.

Esta Revolução é para valer! Nem preciso me estender muito para falar quanto a tecnologia vem modificando nosso dia a dia. E, na educação, esse impacto parece ser ainda maior. Pelo menos, mais relevante. Estamos falando da convivência do novo com o antigo, no mesmo espaço, na mesma sala de aula. Práticas de uma educação tradicional se relacionando com jovens ultraconectados com um mundo vibrante e cheio de possibilidades na vida fora da escola ou pelo menos dentro da tela do aparelho celular. Como lidar com isso?

Se, por um lado, não há dúvida do impacto que a tecnologia trouxe para os processos de aprendizagem e ensino, por outro, não será somente uma capacitação tecnológica que vai gerar a ruptura com esse

Não adianta encher as escolas e os professores de aparatos de última geração para romper com a abordagem conservadora. É preciso que outros pensamentos criativos se relacionem com as escolas e seus modelos já caducados. A nova economia e, em especial, as economias criativas modelo deficiente para as novas gerações.

estão gerando impactos significativos com soluções que abrangem tanto os ambientes quanto a forma de pensar de muitos educadores mundo afora. Vamos passear um pouco por entre esses novos movimentos. Creio que a internet trouxe inúmeros benefícios para a educação, principalmente no que diz respeito ao acesso de conteúdo distribuído na rede. Nunca se produziu tanto conteúdo e tantas experiências foram compartilhadas com todos que possuem contato com a rede. Essa realidade se expressa em cursos on-line ou MOOCs – Massive Open Online Courses (algo como Cursos On-line Abertos e Massivos). Muita gente já experimentou algum nesse mundão digital. Segundo o Coursera, maior plataforma de cursos on-line do mundo, em 2015, cerca de 17 milhões de alunos estavam inscritos em conteúdos de mais de 500 universidades filiadas, com 4.200 cursos sobre o que você quiser! Dos países que mais utilizam a plataforma, o Brasil aparece bem na foto com o 4º lugar (780 mil inscritos), atrás da Índia (1,3 milhão), da China (1,4 milhão) e dos Estados Unidos (com 4,3 milhões de inscritos). É conteúdo à beça! Um sucesso estrondoso nas redes são as palestras do TED (acrônimo para Tecnologia, Entretenimento e Design). Os vídeos dessas palestras já foram vistos por mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do planeta. São realmente incríveis! Na verdade, histórias incríveis. Muita gente bacana já passou pelo palco desse evento: Bill

Gates, Ricardo Semler, Jill Bolte Taylor, Brené Brown, Simon Sinek, Hans Rosling, José Pacheco, Jaime Lerner, Vik Muniz, e por aí vai. Tivemos edições das conferências aqui no Brasil também no TEDx São Paulo (no qual tive o enorme prazer em trabalhar como colaborador), TEDx Amazônia, TEDx Sudeste e tantos outros. Você sabia que o vídeo mais assistido do TED é sobre educação? Pois é. O consultor Ken Robinson, com sua palestra “as escolas estão matando a criatividade das crianças”, já foi visto por mais de 40 milhões de pessoas no site oficial, legendado para 59 idiomas. O advento das novas tecnologias vem acompanhado muitas vezes de uma mudança de pensamento importantíssima para fazermos essa revolução na educação acontecer concretamente. Escolas da Finlândia, por exemplo, repensaram as matrizes curriculares para acompanhar essa nova forma de pensar de crianças e jovens. Não tem mais essa de disciplinas com horário definido, uma seguida da outra. O foco é mostrar a relevância desses conteúdos na prática, integrando aspectos da vida nas esferas política, econômica e social daquela pessoa. Educação para a vida. Por falar nessas novas formas de pensar, o National Research Council, organização norte-americana especializada em pesquisas para políticas públicas, publicou, em 2012, importante estudo sobre conhecimentos e habilidades para o século XXI. Basicamente os resultados apresentam o que eles chamam de “transferência de conhecimento”, quer dizer, aplicar na vida cotidiana o que você aprendeu em sala de aula, em qualquer fase escolar. Parece óbvio, não é? Contudo, é o que menos acontece, e, ainda por cima, é uma das maiores críticas ao que se pratica hoje em educação. Sistemas de ensino conteudistas e com foco na memorização de informações e pouca aplicação na vida de fato. Essas competências foram organizadas em três grandes áreas: cognitivas, relacionadas ao pensamento crítico, criatividade, processos de aprendizagem, memorização e estratégias; intrapessoais que têm a ver com o lado das inteligências emocionais e como a pessoa molda seus comportamentos para atingir objetivos; e, por fim, a interpessoal

que apresenta características sobre a habilidade de expressar ideias, interpretar e se relacionar com outras pessoas.

Diagrama com competências para o século XXI. Design: Fabio Silveira.

Por que trago esse assunto agora? Porque tem tudo a ver com design! O design é uma área de atuação transdisciplinar por excelência. Dialoga o tempo todo com as competências que mencionei. Veja só: ao desenvolver um objeto qualquer, entramos em contato com os conhecimentos das linguagens escritas, verbais e visuais, que possuem códigos distintos que serão atribuídos à solução do projeto. Além disso, estudamos os significados dos objetos, do comportamento e dos hábitos das pessoas; trabalhamos a pesquisa e a escolha de materiais específicos; cálculos referentes à utilização desses materiais; definimos processos produtivos, industriais,

tecnológicos e artesanais, para a materialização do objeto, aplicação e usos; estudamos aspectos de mercado envolvidos, incluindo avaliações dos impactos socioambientais e econômicos… Ufa! Enfim, utilizamos uma gama muito vasta de saberes que se inter-

As atividades num processo de design envolvem diversas áreas de conhecimento, que atuam de forma conjunta para a resolução de um problema mais complexo e sistêmico. É da natureza do design. Está em relacionam.

seu DNA. Entretanto, isso também vem sendo usado em algumas práticas educacionais convictas de que a separação de conteúdos no processo de ensino não ajuda a formar indivíduos capazes de aplicar em sua vida prática os conhecimentos. Aproveitando o gancho da conversa, gostaria de escrever sobre uma interssecção importante do design na educação. Na verdade, vou contar outra história bacana que envolve essas duas áreas. Nos Estados Unidos, mais precisamente em Palo Alto, Califórnia, fica um dos estúdios de inovação mais relevantes do mundo: o IDEO. Eles já desenharam tudo o que você possa imaginar: mobiliário para casas e para cidades, marcas de grandes companhias, escova de dentes, bicicletas, automóveis, computadores, smartphones, interfaces digitais, barcos esportivos… Uau! A lista é bem longa. Justamente por essa vasta experiência no campo do desenvolvimento de projetos de diversas complexidades, eles resolveram aplicar esse pensamento de projeto em outras áreas fora do campo industrial de produtos e começaram a atuar nas áreas de saúde, política, instituições financeiras… E, na área da educação, nasceu um projeto bastante interessante chamado Design Thinking for Educators, que leva a abordagem do pensamento do design para a área educacional.

design thinking – como você já deve ter ouvido falar, trata-se de uma série de métodos e processos que utilizam o pensamento do design como abordagem principal e Antes, preciso explicar melhor o que é esse tal de

colocam o ser humano no centro da discussão.

Em outras palavras, é criar com as pessoas e não apenas para as pessoas! Isso muda completamente o enfoque de como abordar os problemas da sociedade. Em vez de estabelecer que gênios criativos pensem em soluções de dentro de escritórios bem decorados e estilosos, as pessoas envolvidas nos problemas participam ativamente das soluções, trabalhando seu modelo mental em busca de caminhos inovadores. O design thinking possui três pilares fundamentais: a empatia, que trabalha com a visão multidisciplinar sobre o problema; a colaboração, que envolve a visão sistêmica e dá importância para a visão contextual do problema, o local onde está sendo desenvolvido o projeto; e, por fim, a utilização dos processos da experimentação, que valorizam as soluções criativas, o erro como parte desse processo e a experiência de cada indivíduo envolvido, para encontrar uma possível solução. Bem, voltando ao Design Thinking for Educators, o IDEO montou esse projeto com pedagogos, designers, engenheiros, alunos, arquitetos e representantes de toda a comunidade educacional para levantar os principais desafios que são um enrosco quando o assunto é educação. Juntos, eles categorizaram esses desafios em quatro grandes áreas de atuação: currículo, assuntos ligados ao planejamento e ao desenvolvimento de experiências de aprendizado; espaços, relacionados ao ambiente físico onde acontece a aprendizagem; processos e ferramentas, tudo o que envolve programas, projetos e experiências dentro do campo escolar; e sistemas, que envolvem uma visão macro do processo, estratégias, políticas públicas, objetivos etc.

Na prática, um processo de design thinking na educação passa por cinco etapas: descoberta,

interpretação, ideação, experimentação e evolução. Na primeira fase, a da descoberta, temos contato com as pessoas. Pessoas reais de carne e osso, envolvidas com o problema. Aqui entram diversas técnicas de investigação etnográfica, incluindo a observação desse usuário. É fundamental o processo de entender como as pessoas se comportam no contexto em que o problema existe. É uma etapa de muita riqueza de conteúdos e descoberta de necessidades verdadeiras, que vão além das palavras, e enaltece as sutilezas dessa observação do primeiro encontro. Logo depois, entramos na segunda etapa, a de interpretação dos dados coletados, e aqui criam-se narrativas e aprofundam-se as percepções dessas pessoas e sua relação com o problema. Uma fase bastante analítica que estabelece a possibilidade dos primeiros insights do projeto. Depois, entramos na fase da ideação, na qual as ideias surgem em abundância e passam por diversas rodadas de aprimoramento. A fase da experimentação ou de prototipagem começa a trazer a materialização das ideias para o grupo. É quando as ideias tomam vida e se tornam tangíveis. Esse é um processo igualmente rico e com muitos pontos de análise de melhorias. A finalização dessa fase é a implementação do projeto e da ideia refinada a fim de sentir as percepções das pessoas envolvidas e a utilização. Por fim, a fase de evolução é a análise de como essa solução se comportou e quais pontos de melhoria são necessários para que continue sendo aprimorada. Essa abordagem é bem conhecida no meio do design graças à cultura de projeto que existe no desenvolvimento de produtos e serviços. No entanto, é sempre bom lembrar que não se trata aqui de apresentar uma fórmula mágica para resolução de problemas complexos, mas sim uma

abordagem que traz flexibilidade

e leva em consideração a contextualização do ambiente em busca de soluções inovadoras. Esse material é realmente muito interessante e já existem diversos casos aplicados, também no Brasil. Tive a oportunidade de trabalhar na contextualização e na implantação da versão brasileira, com o Instituto EducaDigital, e você pode encontrar o material disponível gratuitamente no site . Vale muito a pena conferir!

Gente que faz! Já andamos um bocado até aqui, não é mesmo? O que você acha de falarmos um pouco de alguns casos que aplicaram essas abordagens na prática, em busca de novas formas de pensar a educação? Proponho conhecermos um pouco da turma que está na linha de frente dessa revolução.

O problema é seu! O primeiro exemplo a considerar aqui é o Problem-Based Learning (PBL) ou Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Não é algo novo. Herança do pensamento construtivista de Jean Piaget, mas que agora vem tomando muita relevância no meio pedagógico. E não é para menos, porque coloca o aluno como protagonista decisório no problema que ele quer estudar. Isso muda tudo, pois também coloca o aluno no centro do processo e não mais o professor, que aparece como um mediador ou, melhor dizendo, um facilitador de conteúdos, ajudando crianças e jovens na realização dos projetos. A utilização desse processo rompe com aquelas aulas chatas teóricas que não têm nenhuma ligação com a vida prática dos alunos e coloca em jogo demandas do mundo real para serem resolvidas. Em geral, os processos tradicionais funcionam assim: você é exposto a um conteúdo qualquer, memoriza os conceitos e faz alguns exercícios de fixação da matéria. Não é isso? Com a utilização do PBL,

porém, o pensamento é inverso: você primeiro encontra um problema existente e, partir daí, procura conhecimentos que ajudarão a resolvêlo. É a lógica da utilização transversal de conhecimento sem precisar dividi-lo em disciplinas que não se interligam. Um caso com relação bem estreita é o projeto Design For Change. Criado na Índia e idealizado pela educadora Kiran Bir Sethi, esse projeto está presente em 35 países, inspirando mais de 25 milhões de crianças e jovens. As etapas metodológicas desse projeto misturam um tanto de PBL e design thinking e trazem contribuições importantes na transformação de inúmeras comunidades em todo o mundo. E os protagonistas dessas mudanças são as crianças, que desenvolvem, com base em um problema real, soluções criativas e inovadoras. No Brasil, o Instituo Alana aplica esse projeto com o nome Criativos na Escola e já está atuando em diversos estabelecimentos das redes pública e privada, alcançando resultados expressivos.

Assim como na vida, você aprende a dar uma resolução para um problema existente e não precisa de uma “prova” no fim do processo. Se você encontrou a solução, é porque entendeu o sistema e sua complexidade e soube dar um encaminhamento adequado para resolvê-lo. Simples assim. Igual à vida real. É muito bacana que isso esteja acontecendo atualmente em algumas escolas.

Era uma casa muito engraçada... Na Suécia, existe uma escola distinta das demais por quebrar o paradigma do espaço/educação. Ela compreendeu que a educação também acontece nas relações espaciais do local em que as crianças se encontram, e o design foi um instrumento fundamental para essa transformação. A Vittra Telefonplan School é uma escola sueca pensada para fazer do espaço de aprendizagem do aluno um lugar de descobertas diárias e apropriadas. Para isso, foram projetadas cavernas para estudos individuais, laboratórios para descobertas e exploração de cores,

materiais e formas diferentes, um palco para apresentação e compartilhamento das ideias com os demais alunos. Uma arquitetura realmente surpreendente, com muita ludicidade. Essa ideia surgiu do diretor de pesquisa e desenvolvimento da rede Vittra, Ante Runnquist, que está à frente de mais 34 escolas no país nórdico, com aproximadamente oito mil alunos matriculados, do Ensino Infantil ao Médio. Para a realização desse projeto, foi contratada a arquiteta e designer Rosan Bosch, que liderou uma equipe multidisciplinar formada por professores, designers, artistas, comunicadores, crianças, arquitetos e pais, com o objetivo de integrar os conceitos pedagógicos ao ambiente físico da escola. O projeto também envolve um redesenho da matriz pedagógica, de forma integrada aos novos espaços que valorizam o questionamento das crianças, com foco na resolução de problemas com criatividade e inovação. Por se tratar de uma construção colaborativa que envolve toda a comunidade escolar e outros profissionais criativos, além das próprias crianças, é claro, houve uma apropriação do novo espaço, que gerou a possibilidade de os alunos interagirem com seu entorno, com o ambiente e entre si.

Lets play a game! Imagine uma escola que, em vez de apresentar os conteúdos de forma clássica para os alunos, promovesse uma experiência pedagógica usando a lógica dos jogos (gamificação), com muita brincadeira e diversão. Pois essa escola existe. A Quest of Learn é uma escola da rede pública de Nova York, nos Estados Unidos, que recebe estudantes de perfis variados, em busca de uma experiência educacional que vai além do modelo clássico. A lógica de jogos é parte do dia a dia dos alunos. Muitos momentos de aprendizagem acontecem diante do computador utilizando jogos, mas a escola é reconhecida por produzi-los também no formato analógico – 70% deles são de papel.

A escola nasceu da parceria entre designers da ONG Institute of Play, do sistema público de Nova York, e a organização New Vision for Public Learning, que buscaram criar um lugar capaz de integrar espaços físicos ou virtuais de aprendizagem, que se estendessem pela escola e que também fossem além dela. Lá as matérias não são as mesmas de uma escola comum. Os conteúdos são integrados gerando novos domínios de conhecimento: “a maneira como as coisas funcionam”, “os mistérios do corpo”, “esportes para a mente”, “criação de jogos e artes multimídia”, “ser, espaço e lugar”, “o mundo dos códigos”. Essas são algumas matérias integradas, que unem Inglês, Sociologia, Matemática, Ciências, e por aí vai. Mesmo usando muita tecnologia no dia a dia (o Institute of Play é o braço de inovação que traz para a escola as experimentações tecnológicas e de jogos), o professor é um profissional muito valorizado por lá, não apenas como um transmissor de conteúdos, mas como um designer de conteúdos. Os educadores trabalham lado a lado com um designer de aprendizagem e com um designer de jogos, a fim de pensar os conteúdos com criatividade e ludicidade. Na Quest of Learn, valorizar os jogos como forma de aprendizagem não é apenas deixar toda a jornada mais divertida, mas é uma forma de legitimar uma ferramenta que está presente no cotidiano de crianças e jovens e que somente agora estamos nos dando conta de seu poder e dos benefícios para a educação que traz.

Faça você mesmo! Chris Anderson, que já foi editor da célebre revista Wired, atualmente é curador do TED Global, aponta que a Terceira Revolução Industrial (lá vem esse assunto de revolução novamente… mas é de fato o que está pegando por aí!) está acontecendo na combinação entre os aspectos mecânicos e digitais. A cultura maker veio para ficar e já está causando alvoroço em várias frentes. Não pretendo falar muito sobre esse conceito, até porque neste livro você vai ler mais sobre isso em outro capítulo, mas vale a pena observar que esse movimento também está

chegando às escolas de todo o mundo (não vai aguentar de tanta curiosidade? Quer saber mais sobre isso? Então, leia o livro Makers: a nova revolução industrial, de autoria do próprio Chris Anderson).

Nas escolas brasileiras, ainda temos iniciativas tímidas da cultura maker, mas são muito promissoras. O movimento maker é uma extensão tecnológica da cultura do “Faça você mesmo” (Do It Yourself – DIY, no original em inglês), que estimula as pessoas comuns a construírem, modificarem, consertarem e fabricarem os próprios objetos, com as próprias mãos. Isso gera uma mudança na forma de pensar de muita gente, trazendo os processos industriais para bem próximo de meros mortais como você e eu. Práticas de impressão 3D e 4D, cortadores a laser, robótica, arduíno (prototipagem eletrônica de hardware livre), entre outras, incentivam uma abordagem criativa, interativa e proativa de aprendizagem em jovens e crianças, gerando um modelo mental de resolução de problemas do cotidiano. É o famoso “pôr a mão na massa”. Algumas escolas particulares em São Paulo já estão montando laboratórios equipados com essa nova tecnologia e a prefeitura da cidade também disponibiliza, de forma gratuita, o acesso a FabLabs espalhados pela cidade para que qualquer pessoa possa prototipar seu projeto e sair de lá com a peça na mão. Para pesquisar Existem muitas outras iniciativas de projetos legais que envolvem o encontro entre design e educação. Poderíamos passar páginas e mais páginas aqui conversando sobre esses assuntos: comunidades de aprendizagem, aprendizagem na natureza (outbound learning), movimento hacker, Team Academy, cocriação, crowdlearning, desescolarização, Recursos Abertos Educacionais (REA), curadoria de conhecimento, Green School etc.

Colocando no papel dessa forma, vejo que são inúmeras as iniciativas e as atividades concretas de mudança da maneira como entendemos a educação e a relação com o conhecimento. Pensando melhor, acho que essa revolução na educação já está acontecendo. Talvez não na velocidade que gostaríamos, mas já é um grande avanço podermos experimentar novos modelos e caminhos para, quem sabe, termos uma sociedade mais preparada para os desafios do futuro. Futuro que já nos bate à porta.

Design & brasilidade: modos de ser e fazer Márcia Merlo

Doutora e mestre em Ciências Sociais – Antropologia pela PUC-SP; graduada em História pela mesma instituição. Coordena o Museu (Online) da Indumentária e da Moda MIMo. Idealizadora e organizadora do Seminário Moda Documenta e do Congresso Internacional de Memória, Design e Moda. Coordenadora da graduação em Design de Moda do Istituto Europeo di Design – IED São Paulo, leciona em diversas Instituições de Ensino Superior. Parecerista de importantes periódicos acadêmicos, autora de livros e artigos e membro de grupos de pesquisa.

“[...] misturam-se as almas nas coisas; misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vidas, e é assim que as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca.” Marcel Mauss

Marcel Mauss inspira-nos a iniciar a reflexão sobre as relações entre design, moda e brasilidade. A ideia geradora deste texto é discutir, com certa liberdade, os modos de ser e fazer, ou melhor, como estes estão e são imbricados no jeito brasileiro de se colocar no mundo por meio das coisas. Daniel Miller, estudioso de cultura material, sabiamente intitulou um de seus livros de Trecos, troços e coisas e nele elucida a relação sujeito-objeto, ao colocar que, mais do que as coisas nos representarem, elas nos constroem, nos fazem ser. Então, misturam-se as coisas às almas e passam elas próprias a tê-las. De tão misturadas que ficam, passa a não ser mais possível separá-las. Ao trazer os antropólogos para iniciar este texto, deixo evidente meu posicionamento. Pensar design é pensar a relação entre as pessoas e as coisas. Partindo do pressuposto antropológico de que tudo o que é humano é uma construção social e cultural dinâmica, entende-se design como uma atividade humana por excelência. Se o humano surge de sua plasticidade, o design é uma atividade projetual em princípio, portanto, estamos falando do cerne social que este possui e suas imbricações com a história da cultura. Ao trazer o debate para a brasilidade, buscamos entender se há um jeito propriamente nosso de fazer design. Adiantando a reposta: claro que sim! Isso

porque esse design é brasileiro, porque é feito por brasileiros e neste lugar. Mais do que essa evidência irrefutável de início, podemos buscar particularidades em nosso modo de ser que se reverberam em nossos modos de fazer e saber fazer. Longe de querer e poder dar conta dessa discussão, diante de sua complexidade, optamos por trabalhar com algumas ideias que demonstram elementos constituintes de nossa identidade cultural.

Brasilidade, no plural ou no singular? Brasilidade pode ser compreendida como aquilo que caracteriza o ser brasileiro, tanto o que nos universaliza quanto o que nos particulariza. Dito isso, retomam-se versões distintas sobre o nacional e o regional. Discussão ampla, controversa e também ideológica, no sentido de que tomamos partido, porque nos posicionamos étnico-racial, econômica e politicamente de maneiras diversas e distintas. O Brasil é gigante, tanto em sua multiplicidade étnica quanto em sua diferença econômica e de classes sociais. Daí por que a ideia de a brasilidade misturar-se aos modos de ser do brasileiro em sua constituição plural. Em vez de falar do que nos separa, resolvi trazer aqui o que nos mistura, visto que pensar design é também discutir o que nos substancia. Por isso,

selecionei a festa para interpretar elementos que perpassam nosso ser e o transcendem, a festa propriamente dita e a festa como metáfora. Eis a provocação: podemos afirmar que o design feito no Brasil possui algo que lhe é singular? Se o que nos torna únicos é a maneira que festejamos, a festa, o festejar-se, a diversidade de sentidos e sentimentos, nosso colorido dará o tom para a escrita.

É sabido e sentido que o sentimento de povo ou nação se intensifica em tempos de Copa do Mundo ou de Jogos Olímpicos. Já vivemos o “orgulho” de ser brasileiros em um momento de profunda crise política e de recessão econômica. Às vésperas da abertura da Olimpíada Rio 2016, havia um discurso de desânimo e dúvida sobre se conseguiríamos ou não fazer uma boa festa e se cumpriríamos os prazos e os protocolos internacionais. Paralelamente ao descaso e ao descrédito, instaurava-se outro discurso: o de que, no fim, tudo daria certo, o tal jeitinho brasileiro, compreendido, no caso, como uma afirmação de nossa capacidade de fazer acontecer, de dar certo, de ser possível graças à nossa determinação. Aliado a esse discurso, entendemos outra face do brasileiro que é a esperança. Isso me fez lembrar uma fala de um antigo caiçara, o senhor Geci, que entrevistei, e que está publicada em meu livro Memória de Ilhabela: faces ocultas, vozes no ar: “O brasileiro é como um leão deitado. Fica lá quieto, mas quando levanta, reina”. E não é que a festa de abertura mostrou o potencial criativo associado à hospitalidade e à alegria brasileiras? Juntou-se à beleza quase europeia da brasileira Gisele Bündchen, vestida de Alexandre Herchcovitch, desfilando ao som da música “Garota de Ipanema”, composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em sua mais longa passarela, abrindo um grande espetáculo da diversidade humana. Do fascínio ao estranhamento, entre os nativos e os europeus colonizadores, deu-se uma explosão de cores, gestos, danças, produzida por personagens anônimos que compunham um cenário de nossa diversidade bio-étnica-cultural. A alegria dos atletas do mundo inteiro contagiava todas e todos. Um show que foi elogiado por brasileiros e por todo o mundo, fazendo-nos esquecer, por um breve espaço de tempo, das adversidades. Daí vem a questão: por alguns instantes a ideia de uma identidade brasileira criou uma euforia que nos tornou um povo único e feliz, unindo-nos no propósito de defender a nossa festa, o nosso saber-fazer, a nossa história de superação. Parece mesmo que o brasileiro precisa sofrer para conquistar. Isso aparece nos jogos. Nada

é fácil, tudo é fruto de uma dura batalha. O que é fácil não convence, não é nosso. A história do povo brasileiro é de luta e recente. Como diz Como diz Darcy Ribeiro em O povo brasileiro: Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e mais luminosa província da Terra.

Se, porém, tudo é tão duro,

por que festejamos tanto? E como isso nos revela? Do que nos fantasiamos? Do que nos substanciamos? A festa à moda brasileira O Brasil é um país de festas, por isso a expressão tão conhecida aqui: “tudo acaba em festa”. Assim como essa expressão carrega elementos positivos na constituição de uma festa à brasileira, também pode ser interpretada de forma bastante negativa, indo para “tudo acaba em pizza”. Ou seja... este país não é sério, lê-se “este povo não é sério nem deve ser levado a sério”. No entanto, falar de festa e a festa em si são coisas muito sérias. Tanto é que há correntes teóricas que pensam a festa de formas distintas e até antagônicas. Pensar a festa vai desde: defini-la como ato e função de pura alienação, até outros focos que passam pela análise de/dos elementos transgressores que ela carrega e constrói para contrapor à ordem vigente ou estabelecer tipos de confrontos indiretos captados, sobretudo, no que ela pode produzir de formas (novas ou não) de sociabilidades, recriação de identidades, visibilidades a grupos segregados que encontram nas festas, religiosas ou não, formas de

pertencimento e reconhecimento social no espaço público. Por isso, a relação entre o sagrado e o profano, a casa e a rua, a fantasia e a realidade, o mito e a história, o local e o global, o saber e o fazer, a vida e a morte, a etnicidade se intensifica na festa.

As festas vão ao encontro da felicidade? Tudo isso nos leva a refletir, profundamente, sobre a busca da felicidade e sobre nós mesmos. Somos um povo feliz? Parece que temos de sofrer para perceber o que somos e o que desejamos, se muito ou pouco, se intenso ou não. Não dá para ser se não for por inteiro e se não for intensamente. Assim como não dá para saciar a sede sem deixar o copo derramar... não dá para medir se não for descomedidamente. Parece que precisamos sofrer... sofrer intervenções, que nos coloquem em lugares distintos dos habituais para percebermos que estamos respirando... Então, é preciso festejar e festejar muito para sentir o coração compassando descompassadamente. É preciso sentir o suor escorrendo pelos corpos para sentir calor ou frio, os calafrios; às vezes, é preciso sentir dor para dar valor e sentir-se vivo. Aqui começa a relação intrínseca entre felicidade, festas e humanos – o motor é a emoção, a busca do prazer, a gratidão, a beleza da fé, em suas múltiplas manifestações, e muito mais. Algo que vai da dádiva, da celebração, à alegria, o que nos leva a esses sentimentos ou à conquista deles, e nisso, deparamo-nos com uma imensidão de possibilidades. E sim, somos um povo sofrido e feliz, sobretudo porque nos damos ao luxo de festejar e festejar com muito brilho e com muita cor. Quando pensamos o carnaval no Brasil, da preparação ao desfile, podemos perguntar: o que leva tantas comunidades a prepararem uma festa durante um ano para “somente” desfilar em uma avenida

por um pouco mais de uma hora? E quando perguntamos aos participantes dessa festa o que ele sentiu naqueles minutos de glória, com certeza, a maioria responderá que foram os momentos mais felizes da vida. Na explosão de sentimentos, misturam-se o preparo, a espera e a realização: o que estava em projeto se concretiza. Esse é o design do carnaval brasileiro. E a Olimpíada de 2016 não poderia ser encerrada sem um pouquinho do nosso carnaval, é lógico. À festa, misturam-se sentidos e sentimentos, almas e coisas. A festa aqui é pensada como fato social total, por englobar as esferas de sentidos, porque nela há trocas cerimoniais-materiais e simbólicas, que se estabelecem por meio de: tradição, memória, transcendência, estética, lazer, imaginário, trabalho, política, estilos, identidades, etnias, sociabilidades... A teatralização ganha outro status.

A brasilidade está presente na emoção, no sonho realizado de se sentir festejado e conhecido, sair da invisibilidade social e ganhar a condição planetária. Se, por um lado, a festa, nos modelos teóricos das Ciências Sociais, é pensada como dissolução temporária das regras organizadoras da vida social e que viver em festa levaria ao desregramento e, portanto, ao caos, por outro, a festa aparece como uma experimentação momentânea da sociedade sem regras, que, sem determinado modo de organização, levaria a uma utopia, pela qual, na alegria e na interação social, chegaríamos a outro modelo do viver pleno e feliz. Rita Amaral, ao tratar das festas na cidade, apresenta que elas desempenham papel importante em nossa cultura, isso porque elas colocam diversos grupos em contato, trazendo anseios, valores e crenças, porque mesclam a música sacra aos ritmos populares, porque misturam

os corpos, as raças, construindo solidariedades que se mantiveram durante o decorrer da História, desenhando os traços primeiros da cultura brasileira. Não parece ser à toa que se diz que “no Brasil tudo acaba em festa”.

Quando associada à cultura, deparamo-nos com um universo abrangente e, necessariamente, temos de ampliar novas percepções a fim de chegarmos a um conhecimento de suas diversas expressividades, mesmo porque a festa exagera o real. Para Carlos Rodrigues Brandão, em A cultura na rua, a festa quer lembrar. Ela quer ser a memória do que os homens teimam em esquecer – e não devem – fora dela. Séria e necessária, a festa apenas quer brincar com os sentidos, o sentido e o sentimento. E não existe nada de mais gratuito e urgentemente humano do que exatamente isto.

Esse pensamento pode estabelecer uma relação com o que Darcy Ribeiro apresenta como a felicidade de todos terem o que comer todos os dias. Que felicidade. E, também, com base nisso, associarmos o que nos há de mais singular: o poder criativo, ainda que diante de uma desigualdade medonha, o sentir-se um único povo, apesar de tanta diferença. Então, a festa à brasileira parece ser, como postula Rita Amaral, em seu artigo “A alternativa da festa à brasileira”: mais que mera “válvula de escape”, mais que ser “contra” ou “a favor” da sociedade tal como se encontra organizada. As festas podem também ser o modo próprio de expressão da identidade de um dado grupo ou mesmo instrumento político deste, uma vez que mobilizam grande contingente de pessoas e recursos com finalidades assistenciais, no sentido de cumprirem um papel de apoio a seus membros ou de outros grupos, que terminam gerando consciência política que dá origem a associações, como as de bairro ou de leigos na igreja, por exemplo.

O catolicismo popular e as religiosidades afro-brasileiras, aqui e acolá, estão repletos de exemplos do que são as festas populares, no sentido mais amplo do termo, pois, ao festejarem o santo, festejam a si próprios, aos seus antepassados. Homens e mulheres de verdade festejando seus santos negros ou dançando com seus

orixás/inquices/deuses, dançando para eles e com eles, pois, quando “os caboclos vão embora, ficam os homens, dançando e cantando”, citando ainda Rita Amaral. E, assim, a festa é uma só, ela não deixa esquecer, ela demarca, restabelece laços: “Sou eu que se festeja, porque eu sou daqueles ou daquilo que me faz a festa”, como afirma Brandão.

Do design da festa à brasilidade do design Então, é preciso sentir. E a festa dá sentidos e é repleta deles. E pensar nisso nos leva, inevitavelmente, a pensar felicidade. É preciso sentir a festa, pois não dá para falar em festa à brasileira sem falar do brasileiro, assim como não ficaria completo um pensar o design aqui sem refletir nossa brasilidade. Seria o mesmo que dizer: estamos impregnados de uma profunda cultura de festa.

O nosso fazer e o nosso sentir brasileiros tornam-se visíveis ainda na cultura, sobretudo, na popular, por esta ser uma forma viva da cultura e não mera sobrevivência na contemporaneidade. Por isso, as festas, para Rita Amaral, “são bem mais racionalizadas e conscientizadoras do que se imagina”. Se pensarmos na criação de uma coleção de moda, por exemplo, perpassando todo o processo de seu desenvolvimento até a preparação do desfile, que potencializará o ato criativo, esta demonstrará o feito permeando o outro de sentidos e sentimentos. Olhando para todo o contexto, da ideia geradora até os cabides da loja para o nosso guarda-roupa e deste para o nosso corpo, entenderemos que o que se busca não é a roupa propriamente dita, mas os sonhos, a história que ela conta por meio de seu criador e de

como foi capaz de dar vazão aos desejos de seus consumidores/admiradores. Se entendemos que o consumo está na base da troca, como nos disse Mauss, no início deste texto, e que hoje somos consumidores de sensações, conforme nos apresenta Bauman, associando ainda a essas questões a nossa vontade de beleza, como nos coloca Darcy Ribeiro, entenderemos, talvez, um pouco mais de nossa formação como povo-nação e que a fantasia da festa é a festa de conseguir viver mais um dia de sonhos e realidades.

Daí a certeza de que não basta fazer um produto, criar uma ideia, fazer uma roupa, é preciso expô-la. É preciso festejá-la para que se torne visível e com sentidos. É preciso nos permear de sonhos, fazer emergir sentimentos, é preciso nos envolver em histórias, esse é um desenho de nossa existência. E aqui está nossa memória. Por isso é design, por estar permeado de experiência e expressividade. Estudar a memória possibilita compreendermos as representações sociais, as identidades e o imaginário, por ser um meio e produto da cultura. Parece

que ao designer-pesquisador cabe pensar nas reais possibilidades de conhecer e interpretar seu lugar, as pessoas que quer atingir com sua proposta. Se entendermos a memória como um recurso metodológico capaz de revelar a produção de sentidos contida nos processos de criação do designer e como essa relação entre criador/obra está imbricada nos fios das memórias particulares e sociais, aproximaremos essa atividade projetual das realidades existentes em sua multiplicidade. Aqui está uma relação intrínseca entre design e brasilidade. É preciso entender as necessidades das pessoas para além de suas necessidades reais. Aliás, o que é real?

Malinowski, em seus escritos sobre etnografia, nos coloca que estudar instituições, costumes e códigos, ou estudar o comportamento e mentalidade do homem, sem atingir os desejos e sentimentos subjetivos pelos quais ele vive, e sem o intuito de compreender o que é, para ele, a essência de sua felicidade, é, em minha opinião, perder a maior recompensa que se possa esperar do estudo do homem.

A moda brasileira pode muito mais, parafraseando Ronaldo Fraga Quando penso em design só consigo relacioná-lo à atividade humana cotidiana. Design brasileiro é o design feito no Brasil, mas com base em nossas particularidades e também em nossas generalidades. Darcy Ribeiro, no documentário O povo brasileiro, nos define como “a contemporaneidade dos milênios” e, se somos um povo ainda em “fazimento”, se estamos ainda nos desenhando como um futuro, se estamos nos inventando e reinventando constantemente, reconhecernos em nossas possibilidades de vir a ser torna-se um caminho único e exemplar. Se quisermos, de alguma forma, repensar a História ou contribuir para reescrevê-la, faz-se necessário iniciarmos pelo nosso próprio olhar sobre as coisas, as pessoas, nós mesmos, o passado, o presente e o que desejamos futuramente. Trago, então, um pouco mais do que Darcy Ribeiro nos relata em seu livro Confissões acerca da beleza, do tomar banhos diários, do luxo entre os indígenas: Sempre havia por perto algum homem ou mulher sendo pintado, seja com a tinta rubra do urucum, seja com a negro-esverdeada do jenipapo, em pinturas de corpo inteiro, ou traçando linhas e voltas nas retículas mais inventivas e delicadas. [...] Nos dias festivos, quando se reúne gente de muitas aldeias, ou até de tribos diferentes, o luxo é muito maior. Então, sobre a nudez de seus belos corpos recobertos de pinturas, sobressai a glória dos adornos de plumas, dos colares de miçangas e madrepérola, realçados pelos cintos de fibras e de palhas.

Isso me faz pensar na apropriação desses adornos e na estampa das pinturas corporais nos tecidos que vestem outros corpos sociais. A moda, então, aproxima os sentidos e os sentimentos desses homens e dessas mulheres indígenas ao se apropriar dos elementos dessa gente e de sua cultura? Ao deglutir e digerir esses elementos, nós nos aproximamos deles? Ao nos vestirmos da “cultura” do outro, nós nos modificamos? Inserimos o Outro a ponto de tornarmos o “eles” em “nós”? Darcy Ribeiro continua o belíssimo relato sobre a vontade de beleza entre os indígenas e que cabe aqui revelar, pois a estética não é só mais uma forma diferente a apreciar, mas é a totalidade. O antropólogo nos enche a alma ao tratar dos modos nativos no Brasil e demonstra a sua paixão por essa gente ao dizer: Outra vertente do meu encantamento pelos índios vinha de meu assombro diante do exercício da vontade de beleza que eu via expressar-se infinitas vezes; de mil modos e formas. Aos poucos fui percebendo que as sociedades singelas guardam, entre outras características que perdemos, a de não ter despersonalizado nem mercantilizado sua produção, o que lhes permite exercer a criatividade como um ato natural da vida diária. Cada índio é um fazedor que encontra enorme prazer em fazer bem tudo o que faz. É também um usador, com plena consciência das qualidades singulares dos objetos que usa.

Assim também ocorre com tudo o que o índio faz. A cesta não é só útil nem só bela, uma vez que o belo é a essência de tudo o que realiza. E nessa relação se encontra a liberdade, pois se é livre para ser e criar quando o que faz e do que faz está integrado à sua existência e nela se dilui. Na relação entre o fazimento e o uso dos objetos, está a identidade do sujeito que cria, pois neles se revela. Dessa imagem, tiramos uma intrínseca relação entre design e saberes vernaculares, entre arte, design e artesanato: Aquela cesteira, que põe tanto empenho no fazimento do seu cesto, sabe que ela própria se retrata inteiramente nele. Uma vez feito, ele é seu retrato reconhecível por qualquer outra mulher da aldeia que, olhando, lerá nele, imediatamente, pela caligrafia cestária que exibe, a autoria de quem o fez.

Dito isso, evidencia-se que não há, entre os índios, fronteiras entre uma categoria de coisas tidas como artísticas e outras, vistas como vulgares, eles ficam livres para criar o belo. Lá uma pessoa, ao pintar seu corpo, ao modelar um vaso, ou ao trançar um cesto, põe no seu trabalho o máximo de vontade de perfeição e um sentido desejo de beleza só comparável com o de nossos artistas quando criam. Um índio que ganha de outro um utensílio ou adorno ganha, com ele, a expressão do ser de quem o fez. O presente estará ali, recordando sempre que aquele bom amigo existe e é capaz de fazer coisas tão lindas.

Poderíamos ficar ainda páginas e páginas a descrever a contribuição das outras culturas de origem africana ou europeia.

Somos brasileiros e, se assim nos sentimos, tendo ou não consciência da complexidade dessa definição, uma coisa é certa – já estamos significados por isso. Ronaldo Fraga, em entrevista para a revista Trip, quando indagado sobre seu projeto de moda, inclusive, ao pensar na internacionalização de seu trabalho, não hesita em analisar o globallocal. Quem gosta do meu trabalho sempre falou que é justamente por causa da relação com a cultura brasileira, a forma de ver o genuíno da cultura brasileira. E quem não gosta diz: “Ah, lá vem esse regional engraçadinho falar de cultura brasileira... No mundo globalizado, quero um produto que possa ser usado em qualquer lugar do mundo”. Eles não percebem que o mundo globalizado precisa do genuíno porque está tudo dominado. Nós não queremos mais comer a mesma comida que se come aqui em qualquer lugar.

Isso nos faz afirmar que o caminho a ser tomado no design e na moda feitos e consumidos no Brasil precisa fazer refletir nossas imagens em relação ao mundo – daqui e lá fora.

Para fechar o capítulo, volto às referências que a festa de encerramento da Olímpiada Rio 2016 trouxe – a ode à cultura brasileira tomou conta da noite e dos corações. Aproveitando a ocasião, vale retomarmos a importância do design e do artesanato, lembrar as baianas, as rendeiras, as cerâmicas, o corpo brasileiro em seu estado de graça e movimentos únicos, nossa música, nossos artistas, o povo, enfim. Se o esporte é um meio de transformação, a educação e a cultura são caminhos eficazes para que ela aconteça; que o nosso design seja tão plural e transformador quanto mais nos refletirmos nele e vice-versa.

Bottega digital – etnografias ubíquas, polifônicas e sincréticas nos olhares do designer Massimo Canevacci

Professor de Antropologia Cultural e de Arte e Cultura Digital na Faculdade de Ciências da Comunicação, Universidade de Roma La Sapienza. Como professor visitante, tem sido convidado a participar de diversas universidades europeias, além de ter atuado em Tóquio (Japão) e em Nanquim (China). Desde 2010, é professor visitante no Brasil, em: Florianópolis (UFSC), Rio de Janeiro (UERJ) e São Paulo (ECA-USP). Atualmente é membro-convidado do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo. É autor de várias obras de referência. Integra o Comitê Científico do IED Brasil.

I Design expandido A antropologia aplicada ao design é uma transfusão sincrética, ubíqua, polifônica entre as experiências da renascença clássica e da tecnocultura digital contemporânea. O design expandido é um “re-enacting” da bottega na metrópole comunicacional. Na bottega, o maestro era uma mistura de artesão e artista: ele era capaz de trabalhar tanto corporalmente com as mãos e os olhos, como de inventar mentalmente obras nunca imaginadas antes. Na bottega, o maestro

O maestro era o artífice de um processo de transfusão entre imaginação exata, sabedoria visual e prática manual. Cruzava corpo/mente, morava, ensinava, criava.

artes/tecnologias, útil/belo. Por exemplo, a bottega de Andrea del Verrocchio, durante o principado de Lorenzo Medici, era um espaço onde se formaram discípulos como Leonardo da Vinci, Perugino, Domenico Ghirlandaio, Luca Signorelli. Ele foi artista/artesão, experimentou diversas técnicas artísticas. Sua bottega foi polivalente, nela foram produzidas: obras de pintura, escultura, ourivesaria, mecânica, engenheira, arquitetura. Claramente não é possível replicar aquele modelo inimitável: quero aplicar o design etnográfico aos contextos criativos contemporâneos como metodologia pragmática reinventada. Porque contemporâneo não é somente aquilo que acontece no presente: contemporâneo significa elaborar uma seleção descentrada e individualizada por cada designer-pesquisador sobre momentos

histórico-culturais ou artistas singulares que poderiam inspirar o processo criativo agora. O design é expandido enquanto envolve uma multidão de aplicações na música (sound-scape), relações étnicas (ethno-scape), mass media (media-scape), moda (fashion design), cinema (sound design), internet (web design), na comunicação urbana etc. Agora queria sublinhar o design expandido através de um diálogo entre dois antropólogos: George Marcus e Paul Rabinow: O termo design expressa a primazia da investigação e dos dados sobre a teoria, o que nós quatro afirmamos como um aspecto essencial na produção de conhecimento antropológico. O estúdio de design – uma expressão desenvolvida com o estúdio de design arquitetônico ou com os encontros laboratoriais das ciências em mente – é o espaço institucional para ensinar uma antropologia conduzida pelo conceito de design.

Em outras palavras: O estúdio de design poderia ser um lugar no qual estudantes poderiam ser ensinados – poderiam experimentar – como antropologizar toda a informação que eles reuniram sobre seu tema particular de investigação antes que, de fato, comecem a pesquisa de campo.

Antropologizar informações desenvolve uma atenção descentrada em direção a cada fragmento expressivo elaborado mais ou menos espontaneamente no processo de pesquisa; aprende-se a olhar os detalhes micrológicos da própria cultura local; aplicam-se os resultados dessa observação minuciosa aos cenários mais abertos ou “glocais”: uma mistura de local e global. Tudo isso sugere que o perfil do designer precisa ser baseado sobre o método etnográfico e aplicado na pesquisa de campo (fieldwork), na qual esse conceito não é somente o campo empírico tradicional (urbano ou indígena), mas simultânea e ubiquamente os espaços/tempos da tecnocultura digital. O projeto design-studio enfrenta o desafio de cruzar e misturar antropologia e artes no sentido do design expandido.

Por isso, também um conceito é design. As relações entre etnografia e design afirmaram diversas dimensões sobre o vago. Se vaga é a beleza fugidia, vagar é viajar sem uma meta precisa, um deambular incerto, baseado num conceito clássico para a Antropologia: a desorientação. Essa combinação oscilante entre abandonar-se à beleza vaga e vagar sem meta dialoga com as dimensões oscilantes entre artes sincréticas, culturas ubíquas e design expandido. O vago e o vagar exprimem as relações possíveis entre sincretismos e fetichismo – que eu queria chamar metafetichismo. Dessas premissas, o design etnográfico expandido desvela códigos, estilos, visões através de uma metodologia vagante. Um lento deambular sem mapas, nem orientações ou fins. E é sabido que o vagabundo exerce atrações sedutoras irregulares, das quais descendem inumeráveis figuras tópicas do cinema, das músicas, das literaturas. Esse vagabundo – o antepassado do flaneur – não se desorienta somente na cidade, mas nos espaços estendidos da “ovunquidade” (uma ubiquidade que está em toda parte) sem limites. O vagar não reconhece a dicotomia campo/cidade, familiar/estrangeiro ou corpo/tecnologia. Transita nos confins, vai além das fronteiras e das culturas. Por isso o narrador de experiências é um designer ubíquo...

A etnografia do design se delineia como vaga no objeto (as obras) e no método (o olhar vagante). A etnografia é um vagar metodológico indisciplinado, o etnógrafo se move, desloca-se e caminha com lentidão abandonada (surrender) atenta aos mínimos detalhes. A etnografia do design observa tudo o que é vago e, observando-se, continua a vagar. O design é vagante para o etnógrafo porque incorpora tanto a beleza evasiva que caracteriza o seu “objeto”, como o ato do sujeito que se autoproduz no transitar. O trânsito vagante é reflexivo, desloca-se ubiquamente entre o objeto-design e o próprio “si”, descobrindo o turbamento da inconsistência dessa dicotomia.

O vago do design e o vagar do etnógrafo se cruzam e se dispersam nos sincretismos culturais e nas subjetividades ubíquas. O designer vagando se faz etnógrafo, pois é no vagar que se encontra o estranho, percebe-se o perturbante, absorve-se o diferente, remastiga-se o outro. Juntam-se fragmentos irredutíveis e se expõem as diversas obras sincreticamente. O vagar à procura do vago é a prática metodológica do designer etnógrafo que elabora encontros ubíquos e sincréticos.

II Seis conceitos vagantes “desenham” a forma da minha constelação: sincretismos culturais; sujeito ubíquo; metrópole comunicacional; polifonias digitais; design expandido, metafetichismos; design fisionômico.

Sincretismos culturais O sincretismo cultural vira palavra-chave para compreender a transformação entre cultura e etnografia no processo de globalização e localização que envolve os tradicionais modos de produzir pesquisa. O conceito de sincretismo abre as portas para a compreensão de um contexto feito de aceleradas e confusas mutações; pode direcionar a crescente desordem tecnocomunicacional ao longo de correntes criativas, descentradas, abertas. No sincretismo, convive o paradoxo de uma palavra instável por suas excessivas mudanças de significado. O sincretismo se abre e inclui sinônimos como pastiche, patchwork, marronização, híbrido, mélange, mulatismo, aculturação: conceitos ligados ao jogo ambíguo da transcultura. O sincretismo apresenta cenários nos quais a “clareza” das oposições binárias retrocede a um passado simplificado. Agora o sincretismo, depois do uso filosófico e

religioso da palavra (no sentido depreciativo de superficialidade),

O sincretismo deseja lançar um projeto etnográfico aplicado ao design indisciplinado, através de um mix de códigos incompatíveis que recombinam as diferenças étnicas, históricas, espaciais, sexuais, temporais. assume o papel de experimentação inquieta.

Polifonias digitais O cenário que está surgindo cruza digital e cultura, oferecendo perspectivas inéditas. Em vez de oposição dialética e classista entre aura e reprodutibilidade, as articulações digitais misturam essas duas perspectivas que – de dicotômicas – tornam-se sincréticas, polifônicas, diaspóricas. Surge uma comunicação aurática reproduzível além do dualismo das tecnologias analógicas. Os traços – musicais, literários, artísticos – inseridos na web mantêm a força expressiva “aurática”, mesmo estando disponíveis a infinitas “reprodutibilidades”. Em vez de arte coletiva, são artistas conectivos que se afirmam. Os cenários de uma reprodutibilidade aurática digital se movimentam além da dialética, das dinâmicas de classe, da lógica binária: digital auratic reproducibility. Em vez de um dualismo oposicionista entre aura burguesa e reprodutibilidade

operária,

reprodutibilidade e aura.

o

digital

sincretiza

Essa aura reproduzível expressa manifestações liberacionistas para um design antropológico. O mix potencialmente inovador – aurático-reproduzível – é um indicador decisivo para entender o que está mudando nas artes contemporâneas. É um salto paradigmático em relação ao passado. A tese sociológica entre consumo e mídias dividia dicotomicamente os sujeitos sociais entre quem produzia e quem consumia: no primeiro caso, o trabalhador portador de política ou o artista isentado do trabalho; no segundo, o consumidor submetido

em uma passividade induzida pelo nivelamento massificado. Agora os post-media elevam o canto fúnebre para os mass media clássicos. O conceito sociológico de massa entra em crise e se afirma o conceito comunicacional de multivíduo; e a mediação entre broadcasting vertical e público horizontal colapsa.

Sujeito ubíquo Ubiquidade é conceito-chave que determina as práticas da comunicação digital; favorece a fluidez das identidades; modifica a percepção do espaço-tempo; informa o sujeito artesão/artista. A ubiquidade permeia a experiência material/imaterial de um sujeito ubíquo que transita entre metrópole comunicacional e redes sociais. Nos últimos anos, cresceu o uso do conceito de ubíquo para identificar um modus de atuar através da web-cultura: a ubiquidade caracteriza as relações espaço-temporais da internet. Tradicionalmente, a ubiquidade é uma condição abstrata ligada a um deus que “te observa” constantemente e se esconde inutilmente em lugares secretos, enquanto a ubiquidade divina “te descobre”. Na contemporaneidade, o ubíquo desenvolve a imanência lógicosensorial de caráter material/imaterial; exprime tensões além do dualismo. Ubíquo é incontrolável, incompreensível, indeterminável. Ubíquo é a potencialidade da fantasia que se conjuga com a tecnologia. O movimento ubíquo se ampliou nos últimos anos em relação à web-etnografia. O campo da pesquisa se estendeu numa ubiquidade material/imaterial, diaspórica, multividual. A identidade é mais flexível que na era industrialista, oscila entre sujeitos/contextos

o olhar etnográfico é ubíquo, como aquele do designer, enquanto decodifica a coexistência de códigos discordantes e aplica módulos incompatíveis. Essa experiência atesta complexas diversos. Por isso,

redes psicocorpóreas, conexões óticas e manuais que deslocam o

sujeito. E o sujeito da experiência etnográfica ubíqua é o multivíduo conectivo.

Metrópole comunicacional A transição da cidade industrial para a metrópole comunicacional iniciou-se mais ou menos nos anos 1970. A cidade industrial tinha como momento central a fábrica, o lugar da produção econômica de valor e também da produção política de valores. Era o centro do conflito que “inventou” a dialética e os partidos. Nos últimos trinta anos, iniciou-se um processo contínuo de transformar esse centro pesado num policentrismo flexível. A metrópole comunicacional não tem um centro histórica e politicamente definido, mas uma constelação de centros diferenciados e móveis. No policentrismo just-on-time, consumo-comunicação-cultura têm uma importância crescente na produção instantânea material/imaterial. O consumo é baseado em shopping centers, parques temáticos, museus, exposições, estádios, desfiles etc. O público não é mais homogêneo e massificado. É um público pluralizado, ou melhor, são públicos fragmentados: públicos que gostam de “performar” o consumo ativamente. Por isso, os lugares do consumo têm uma importância que é parecida com a das velhas fábricas. Como consequência, o mesmo design não pode ficar mais “parado” (industrial): precisa se transformar em relação às atividades cocriativas do adquirente. A metrópole comunicacional é fluida e multíplice nas identidades de sexo-território-trabalho: é impossível fazer o mesmo trabalho por toda a vida, morar no mesmo território com o mesmo partner. Os públicos querem ser parte constitutiva da obra, na qual seja possível presentear a própria história, contos, imaginação. Por isso

o público, que era somente espectador, vira “espect-ator” ubíquo: não só coparticipa, mas é

ator-nos-espaços. Design fisionômico Fisionomia é um conceito corporal que temos de aplicar ao design. Design fisionômico é uma configuração visual que absorve o “caráter” psicocultural de qualquer objeto em relação a um cliente ou usuário. Um produto digital tem a fisionomia de uma pessoa que unifica a vida pública e privada. Um iPhone tem uma personalidade e uma fisionomia específica estendendo o fetichismo clássico. O iPhone é um sujeito vivo e sensível. Na prática, o sujeito/objeto cocria o poder estético e comportamental através de uma fisionomia personalizada. O design cruzado com a etnografia observa e cocria objetos que sempre elaboram mais formas e sensorialidades de sujeitos. Inventar fisionomias alteradas, ainda inexistentes – mas presentes na personalidade das “coisas” humanizadas – favorece a aliança entre metafetichismo e metamorfoses: reinventa o desejo humano de mudar formas, identidades, experiências, de viajar entre humano, animal, vegetal, mineral, divino.

Metafetichismos O design etnográfico favorece um re-enacting sincrético entre metafetichismos e metamorfose; libera as incrustações de colonialismo, alienação, perversão, sentido comum. Ele (o metafetichismo) incorpora relações orgânico/inorgânico, material/imaterial, skin/screen, carne/tecnologia. Ele cruza e mistura reificações e petrificações, histórias e mitos; vivifica o que é inanimado: objeto, coisa, mercadoria.

Metafetichismo explora uma antropologia não antropocêntrica;

elabora design metamórfico; subverte o “estado das coisas”, porque as coisas não têm estado, mas movimento. O designer atual tem um corpo “cheio de olhos” e sabedorias pragmáticas que se nutrem e transfiguram no processo de pesquisa.

III Variações metodológicas As metodologias aplicadas ao design são múltiplas. Por isso, o método etnográfico é sempre menos ligado a uma disciplina (antropologia cultural) e sempre mais “indisciplinado”, além das paredes acadêmicas ou domésticas. O modelo é uma etnografia experimental para conectar abstração teórica, práticas empíricas, invenções compositivas. Os métodos pluralizados e indisciplinados desenham uma constelação epistemológica baseada em:

Etnografia reflexiva Em primeiro lugar, o pesquisador/designer que quer enfrentar esse âmbito através dos métodos etnográficos precisa se colocar numa dimensão reflexiva. Isso significa que ele não pode ficar neutro ou distante em relação ao “objeto” de pesquisa, que sempre mais se apresenta como sujeito. Suas emotividades e suas sensibilidades são envolvidas no olhar. O pesquisador reflete sobre si mesmo à medida que analisa o objeto-sujeito; precisa saber escutar e dialogar consigo mesmo. As metodologias antropológicas desafiam as dicotomias espaço-tempo, natureza-cultura, público-privado; e, por isso, a ubiquidade é parte constitutiva da experiência conectiva do pesquisador com sujeitos-objetos.

Estupor metodológico O estupor como método precisa treinar a porosidade corporal em relação ao encontro com pessoas/culturas/obras desconhecidas ou

estranhas e que – justamente por isso – são desejadas. Os pesquisadores precisam colocar a própria inteligência corporal no liminar do estupor: assim é possível penetrar e ser penetrado por aquele que é estranho, sem se fechar à própria familiaridade. Praticar o estupor significa aprender a misturar o familiar e o estrangeiro. As culturas glocais são sempre mais um mix mutante e polifônico de familiar/estrangeiro, sem “exotizar” a si mesmas ou às outras.

Estupor é a abertura porosa da sensibilidade intelectiva em direção a descobrimentos não procurados. Composição polifônica Walter Benjamin aplica a montagem na composição de Paris, capital do século XIX, texto fundamental para entender as transformações que anunciaram o nascimento da comunicação tecnicamente reprodutível (fotografia, publicidade, cinema). A composição textual dele era movimentada pelos fragmentos selecionados e por uma hipótese histórica. Agora, a montagem digital poderia desenvolver a conectividade ubíqua e assim afirmar lógicas plurais, além da lógica sintética. O conceito de composição se transfere da sua origem musical em narrativa poético-política, que mistura formas diferenciadas no processo da pesquisa através de escrituras (ensaios, etnopoética, contos), visual (foto, vídeo, blog), artes (música, design, performance).

IV Designers indisciplinados Quatro exemplos indisciplinado:

qualitativos

para

um

design

expandido

e

Jacopo De Bartoli, Luca Pacioli

Jacopo De Bartoli nesta pintura representa Luca Pacioli, um franciscano que nasceu na mesma cidade de Piero Della Francesca e que escreveu um livro sobre a “divina proportione”. Essa pintura me surpreendeu pela montagem incongruente entre o hábito austero de Pacioli, indicando a potência geométrica com um olhar abstrato, enquanto, ao lado, um jovem fiorentino, belo e elegante, olha diretamente para a “câmera”. O estupor metodológico nasceu quando fiquei observando longamente esta obra no Museu de Capodimonte, em Nápoles. Por que o pintor criou esse diálogo entre pessoas, roupas, coisas assim diferentes, para celebrar Pacioli? A resposta caiu rapidamente: a ciência não pode simbolizar sozinha o poder, a racionalidade – precisa da beleza a seu lado. Por isso, as relações entre ciências e artes poderiam manifestar sentido somente em conjunto com a beleza. O estupor navega entra as duas figuras sem parar. Não há soluções fixas ou sintéticas. Esse retrato é o meu paradigma por um design etnográfico expandido, ubíquo, polifônico...

Zaha Hadid – além de ser arquiteta – é filósofa expandida, que inventa cenários presentes/futuros. É necessário saber interrogar suas obras, observá-las e participar delas, dialogar com cada detalhe expresso pelas suas formas díspares, ler as suas entrevistas ou declarações de estilo, endereçar sensibilidades ópticas entre os contornos dessas obras que deixam o estupor liberar-se no ar. Uma etnografia performática dirige uma atenção ubíqua para essa arquiteta dionisíaca que antecipa e plasma sensorialidades transurbanas. É significativo colocá-la depois de Pacioli, porque ela inventa formas pós-euclidianas. O design muda como a geometria. Ela cria pensamentos materiais individuais e públicos que modificam a sensibilidade presente. O conceito antropológico dela é Symptoms of a repressed impurity: o valor ocidental de pureza foi construído historicamente através da repressão do impuro, mas o que é reprimido volta em formas diferentes e se sedimenta como sintoma. Sua arquitetura “performa” sintomas, nos quais a impuridade estética destrói a autenticidade da origem, libera o que foi reprimido e cria o presente-futuro através dos sintomas liberados. Gaetano Pesce é o design individualizado. Ele atesta a radical transição do design industrial (no qual os objetos eram multiplicados industrialmente) ao customized design. Na sua visão, um objeto singular precisa ser destinado a cada pessoa. O objeto é individualizado, assim, “ele” vira mais-que-objeto, um über-object: vira produto singular que incorpora a biografia expandida do sujeito. Antropomorfismo é estilo decisivo: cada objeto é o retrato de uma pessoa e vice-versa. A relação entre metamorfoses e metafetichismo torna-se claríssima neste exemplo, no qual os códigos transitam entre diferentes seres. Ele explica:

“O tempo das cópias se foi. O design não produz mais cópias, apenas originais.

Identidades plurais”.

Gaetano Pesce, Poltrona antropomorfa. Registro fotográfico do autor.

Se Warhol imaginou a sua obra como espelho de uma sociedade baseada em serial production, Pesce extrai o objeto da produção massificada e lhe oferece um caráter único. O seu design esclarece a perspectiva que atravessa este ensaio em direção a uma antropologia não antropocêntrica. “A customização deixa as séries e vai em direção à autoconstrução multividual. Gaetano Pesce usa novas tecnologias para seu design indisciplinado e individualizado. A cultura digital e a centralidade da autorrepresentação estendem humanos a objetos, ambos constitutivos como seres com direito ao belo na própria singularidade subjetiva. Para Pesce, a inovação é determinada por linguagem, tecnologia e materiais. O

resultado é a expansão do sincretismo imperfeito em decorrência de sua interconexão com um magnífico metafetichismo, muito mais claro que a Filosofia ou a Antropologia, através do qual as coisas são vivificadas e participantes do processo de transformação metamórfico.” (Canevacci, “Syncretisms. Ethnographic Constellation on Cultural-Political Ubiquities”, Canon Pyon, Sean Kingston Publishing (no prelo). Tradução de Ricardo Peruchi.

Guimarães Rosa explica o design narrativo do sertão: O senhor... mire veja: o mais importante e bonito do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Isso que me alegra, montão. (...) A pois: um dia, num curtume, a faquinha minha que eu tinha caiu dentro dum tanque, só caldo de casca de curtir, barbatimão, angico, lá sei. – “Amanhã eu tiro...” – falei, comigo. Porque era de noite, luz nenhuma eu não disputava. Ah, então, saiba: no outro dia, cedo, a faca, o ferro dela, estava sido roído, quase por metade, por aquela aguinha escura, toda quieta. Deixei, para mais ver. Estala, espoleta! Sabe o que foi? Pois nessa mesma tarde aí: da faquinha só se achava o cabo... O cabo, por não ser de frio metal, mas de chifre de galheiro. Aí está: Deus... Bem, o senhor ouviu, o que ouviu sabe, o que sabe me entende. (Grande sertão: Veredas, Guimarães Rosa)

A audácia do paralelo desenvolvido por Guimarães Rosa, o cantor brasileiro do sertão – terra dura, áspera, ensolarada da qual ele extrai desenhos linguísticos, timbres sônicos, visões impalpáveis – não é apenas literária: é design vagante. Estabelece uma ligação mutante que atravessa as pessoas e as coisas. Tudo muda, corrói-se, remastigase. Ele persegue os labirintos das escritas possíveis, de palavras que ainda não existem, palavras quase incompreensíveis que se ouvem com os olhos. Tudo está inquieto porque nada foi terminado. Essa ideia formidável de um ser não terminado – interminável – pode alegrar o escritor, a personagem e cada leitor. Essa vaga antropologia literária não se restringe mais – antropocentricamente – ao ser humano, mas se estende para o além: um além metafetichista vivo ou reificado. Uma antropologia sincrética move as coisas da condição de serem condenadas apenas ao valor do uso.

O suco do córtex é a arte do design, a faca que cai em seu poder é a força estranhante da obra que se e me transforma. Pequena conclusão Pintura, Arquitetura, Literatura, Arte incorporam um design etnográfico – expandido e indisciplinado – que se poderia fluidificar indefinitivamente nas áreas diversificadas de música, redes sociais, cinema, publicidade. No retrato de Pacioli, a fisionomia dele se expande nos livros e no dodecaedro, o corpo do jovem é também o estilo vestiário e o olhar. O estupor do metafetichismo quer sublinhar tudo aquilo que existe já, na experiência ubíqua da escritura de Guimarães Rosa, na arquitetura pós-euclidiana de Zaha Hadid, nas obras individualizadas de Pesce.

Informare: do bit primordial à estética sintética Joaquim Machado

Doutor em Genética e Evolução pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP), com especialização em Genética Genômica pelo The Volcani Center, de Israel, e pelo Institute National de la Recherche Agronomique, de Bordeaux, França. Professor colaborador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Escreve periodicamente para a revista S/N, editada por Bob Wolfenson e Hélio Hara. Editor da newsletter Mindwings & Leblon Newsletter: Science, Art and Politics. Integra o Comitê Científico do IED Brasil.

Representação do embrião da Drosophila.

Peter Schjeldahl, crítico de arte da The New Yorker, depois de uma noite cansativa de voo, algum excesso nas bebidas e hotel com checkin somente à tarde, vê-se, então, como o primeiro da fila na abertura do Museo del Prado, em Madri, vai diretamente ao Las Meninas, de Velazquez, e narra uma experiência cognitiva física, imediata, esmagadora. Diz ele que o intelecto veio mais tarde, com seu ferramental forênsico. Ele trata, acima de tudo, do contato físico, do olhar para a infanta, e conclui que ela está uma fração de segundo anterior; sua face retém a expressão que tinha antes de ele a ter olhado. Há uma cintilação de real time na pintura. Então, exausto no museu silencioso, Schjeldahl fica obcecado com a ideia de olhar para os caracteres mais rapidamente do que eles pudessem olhá-lo. Descreve também uma experiência alucinatória auditiva, tendo ouvido o farfalhar dos vestidos. Isso o induziu a pensar: “Sim, esse é o som”. E então: “Vá para o hotel agora!”.

De onde vem essa fisicalidade da cognição? O design é capaz de capturá-la? Pode-se aspirar a um sublime design? Como registrar ou capturarna matéria, na mente, no cérebro essas sensações, essas percepções, expressando-as também na atividade de designer? Cabe refletir sobre as bases físicas e biológicas da cognição e suas implicações para o design. A Teoria de Sistemas constata que há um espaço de significados que flui para um espaço simbólico (sígnico), que então se materializa em objetos, em coisas. Há, portanto, uma floresta dos símbolos que se situa topologicamente logo depois, “ao sul”, a jusante do espaço de significados. Marshall Berman, em seu belo livro sobre a Times Square em New York City, cita também a fisicalidade da experiência cognitiva no passeio pela floresta dos símbolos, por meio de Thomas Disch, que escreveu em “In praise of New York” : E toda noite você pode ver Times Square Trêmula com seus ônibus carregados de turistas que veem tudo isso pela primeira e última vez Antes de serem levados pelo ar de volta à República do Azerbaijão Sobre a praia do Cáspio Onde por semanas sonharão com nossos rostos banhados numa luz incrível.

Berman continua, como em uma epifania, citando Martha and The Vandellas em “Dancing in the Street”:

“Não importa o que você vista, Desde que esteja lá”

Camille Paglia, em seu livro Break, Blow, Burn, afirma que, de fato, não há diferença nenhuma entre o imaginário e o objeto, entre uma coisa e outra, ao expressar que artistas são makers, poetas são fabricators e engineers pursuing a craft… “Eu mantenho que o texto enfaticamente existe como um objeto. It is poetry on the page”. E, finalmente, Rem Koolhas, ainda sobre New York City, descreve-a como: […] capital do Ego, onde ciência, arte e poesia… loucura… fábrica de experiência manufaturada, onde o real e o natural cessam de existir. […] ordenada e fluída, metrópole do rígido caos. Ilha Galápagos das novas tecnologias… agora uma batalha entre espécies mecânicas (Delirious New York, 1984)

Haverá um retorno ao Éden, ou caminhamos para a Matrix? Há alguma diferença entre uma coisa e outra? É possível imaginar uma estética sintética, não natural, como um grande atrator de luz incrível, e então não importa o que você vista, desde que esteja lá? Essa viagem é inata, irreversível? Se é, o que a motiva, ou mais ainda, a desencadeia inevitavelmente? A tese de doutoramento de Theodore Zamenopoulos intitula-se A Universal Property of Organization e está em perfeita harmonia com a moderna Teoria de Sistemas. Ele trata do design como emergência (fenômeno emergente) da Complexidade, do Organizado (Design out of Complexity), bem como reflete sobre a estrutura matemática que define o universo no qual as atividades do design são realizadas e que tem a ver com propriedades como permanência, evolução e estética.

Zamenopoulos afirma, então, o design como a capacidade para a adaptação, um “there is design in me!”. O ajuste do mundo à mente e da mente ao mundo. O autor diz também que o design reflete o objeto do design (design como espelho do Objeto) e este (o Objeto) reflete o designer. Há, portanto, maior ou menor fit, e isso leva de imediato à capacidade heterogênea de cristalizar a Imaginação e de explorar o Espaço de Produtos, conceitos de Cesar Hidalgo, do MIT Media Lab. A questão não é quem desenha o quê. O fenômeno está em representar a organização do universo do qual o design emerge.

Há uma constatação recente: a autocatálise biológica (vida) reflete, representa propriedades do design! Zamenopoulos afirma que há uma intencionalidade do design, e provavelmente é por isso que Umberto Eco expressa que “o signo aspira a ser coisa”. Essa intencionalidade pode ser analisada, representada, esquematizada. Ela é a ponte fenomenológica entre a realidade subjetiva e a realidade objetiva. Se preferimos, é a ponte entre o espaço de significados, a floresta dos símbolos e o seu objeto. Atitude, observação, reflexão, percepção, reconhecimento de padrões. E então o Objeto. Trata-se do campo do imaginário a ser coisificado. “Consigo ser designer (afirma o Prof. Jorge de Albuquerque Vieira, da PUC-SP) toda vez que eu conseguir enunciar um procedimento que permita condensar o discurso descritivo.” Coisificar, cristalizar a Imaginação. A autocatálise biológica reflete também os princípios de design, e uma excelente maneira de exemplificar isso é analisar o desenvolvimento embrionário da Drosophila melanogaster, a moscadas-frutas, que fica, portanto, “moscando” nas frutas. Existe uma engenharia civil desse embrião, e a representação que ilustra este texto é o resultado de ondas químicas, de sinalização, de

comunicação química (e trata-se de sinalização, de comunicação strictu senso). As faixas delimitam o embrião no espaço-tempo, e há genes que controlam essa topografia, esse posicionamento espacial. Mais tarde, isso se refletirá nos segmentos abdominais de seu inseto preferido, seja abelha, gafanhoto ou barata. E mais ainda: há colinearidade entre essa engenharia civil no embrião do inseto e no embrião humano. Isso se deve aos princípios de design. Esses princípios de design facultam, portanto, uma convergência fenomenológica, mais e mais detectável pela ciência moderna: a. contemplamos o impressionante impacto tecnológico da Informação e da Tecnologia da Informação em sistemas biológicos. b. na verdade, Vida é um sistema sígnico, cognitivo-computacional. Sabíamos sobre esse fenômeno de outras ciências, agora sabemos da Biologia também. A célula biológica é um sistema computacional, que, de fato, processa bits. E não seria diferente, pois o Universo é um processador de bits. O Universo calcula a si mesmo. Vida é, então, um processo sígnico, e o signo abraça, envolve, obriga o processo de interpretação. Temos aqui um gate muito importante entre a Teoria de Sistemas, a Teoria da Informação e o Design geral:

diversidade, conectividade-comunicação e permanência, eis as propriedades de um sistema, as quais, desde o bit primordial, desde aquele magnífico e sublime início de jornada a partir do unum, do unitário, declaram o caráter informacional do Universo zero e um, quente e frio, sim e não, bem e mal, belo e feio. A árvore do conhecimento do bem e do mal era

proibida. Esse o mistério. Ou não. Diversidade e livre-arbítrio, condições para a criatividade. É preciso deixar o Éden, eis o preço. Estamos, então, na era da convergência de conhecimentos e há exemplos recentíssimos disso: bactérias podem armazenar linhas de código (compilação!) e transmitir isso.

Está criado o campo das linguagens de programação biológica. Essa convergência provê novas bases de conhecimento e novas aplicações para o design de interface. Já existe uma robótica coevolucionária (sempre existiu de fato, pois trata-se de “imagem e semelhança”, sempre), assim como existe uma biologia sintética e uma biologia artificial que habitam a sublime intersecção com a inteligência artificial. Convergência de ciências. Arte, Cultura e Ciência. É tempo de exercer as Artes Liberais, o Trivium e o Quadrivium, ao mesmo tempo em que as ciências biológicas requerem agora conhecimentos de Mecânica e de Eletrônica. O recente filme Ex_Machina traz importantes reflexões e indicadores sobre para onde viajamos. Viajamos rumo ao grande atrator, a Estética Sintética. Éden ou Matrix? Matrix, indubitavelmente, pois a tecnologia existe como entidade e conosco coevolui. Caminhamos inevitavelmente (não se trata de conformismo, e sim da seta do tempo e da coevolução tecnológica) para a convergência entre Inteligência Artificial e Biologia Artificial.

Há que pensar, então, em uma Biologia Sintética e em uma Estética Sintética que

continuarão explorando os princípios do design. Arte, mente e cérebro, os operadores. Da abstração para o reconhecimento de padrões, e daí para o design e a construção do artefato. Vale, como aplicação, uma reflexão sobre o device presente em células biológicas, qual seja o motor molecular da ATPase, o objeto biológico responsável pelo provimento de energia metabólica. Quem veio primeiro? Terá sido quem desenhou o motor dos autoramas aquele que, ao conhecer melhor a estrutura morfológica e funcional da ATPase, modelou-a, gerando uma abstração e uma interpretação metafórica muito semelhante em sua forma-função ao motor dos autoramas? Tudo indica que não, uma vez que a microscopia de alta resolução mostra que a engenharia mecânica, a eletrônica e a arquitetura do motor da ATPase, de fato, declaram uma estrutura-função de motor. Tudo indica, portanto, que no design industrial de motores elétricos, princípios universais de design levam à solução otimizada que inevitavelmente deve ser muito semelhante aos conceitos de construção da ATPase. É questão paralela cogitar sobre a existência de um design inteligente, de um princípio ou entidade criadora. A fenomenologia associada à agregação estatística, à estabilidade probabilística e à teoria dos jogos é suficiente. O bit primordial habilita o universo à criação, à exploração da diversidade. O bit é pleno de informação sígnica. E o signo aspira a ser coisa. Eis o HAJA, a palavra, a vontade que precede o ato. A solução, a proposição otimizada estará, então, em busca de uma Estética Cognitiva; solução que permite que emerjam esses princípios de design. Sobre isso há referências teóricas e aplicadas muito interessantes em Eric Kandel e seus estudos sobre a biologia da

resposta emocional à Arte e sobre a resposta biológica ao Belo e ao Feio.

O fato, nesse passeio pela floresta dos símbolos, é que, ao caminhar por ela, o design sabe que o signo aspira a ser coisa. É preciso, é belo, portanto, fazer emergir o objeto. Informare. Formar, dar forma. Eis a propriedade magna da informação. Como afirma Seth Lloyd, do MIT, para fazer tudo é necessário energia. Para especificar o que será feito, é necessário informação. Uma breve digressão, ainda que pertinente ao tema: há implicações fundamentais dessa constatação sobre o design como propriedade constitutiva da complexidade e da organização, no que tange aos conceitos de inovação e de sustentabilidade, importantes no design estratégico. Inovação e sustentabilidade não são processos de comando-e-controle e, sim emergem nas interfaces de módulos coevolutivos. O design thinking e o design estratégico são, então, o ambiente, o espaço, o ecossistema, onde diversidade, livre-arbítrio, criatividade, comunicação e conectividade favorecem a inovação e facultam o sustentável, ou seja, desenhada com a aptidão para permanecer.

Assim, o design é ubíquo, bem como é uma capacidade da complexidade e da organizacão. E essa capacidade está built in, instalada nos organismos biológicos, como não poderia deixar de ser. Algumas inevitabilidades: a tecnologia coevolui conosco e é irreversível. Desse modo, caminhamos para Matrix e não para um neobucólico retorno ao Éden. No entanto, não apenas o Éden

aspiracional era belo e estético. Embora não diferente em essência, pode-se já vislumbrar uma Estética Sintética, bela e plena de oportunidades teóricas e aplicadas para o design. Essa Estética Sintética facultará a exploração inesgotável do espaço de produtos materializados como cristais de imaginação. Cada existente é um análogo de todo o existente, afirmou Goethe. É desafiador e alegre não temer uma Matrix. Explorando o pensamento radical a respeito de Éden ou Matrix, pode-se recorrer a Roberto Calasso, que nos apresenta Baudelaire comentando Millet: O estilo lhe é nefasto. Seus camponeses são uns pedantes que têm de si mesmos uma opinião alta demais. Exibem uma espécie de embrutecimento sombrio e fatal que me dá vontade de odiá-los. Quer se dediquem à colheita ou à semeadura, quer levem as vacas a pastar, quer tosquiem animais, parecem sempre dizer: “Mas somos nós, pobres deserdados deste mundo, que o fecundamos! Nós cumprimos uma missão, exercemos um sacerdócio”.

E Calasso menciona também Gottfried Benn, em carta a seu amigo Oelze: Senhor Oelze, de novo ficou-me claro o grande embuste da natureza. A neve, mesmo quando não se derrete, não oferece afinal muitas deixas linguísticas nem emotivas, pode-se muito bem liquidar mentalmente, de casa, toda a sua indigitada monotonia. A natureza é vazia, deserta; somente os burguesinhos aí veem alguma coisa, pobres patetas que devem continuamente ir até ela para espairecer […] Fuja da natureza, que arruína os pensamentos e estraga notoriamente o estilo! Natureza – um feminino, óbvio! Sempre ocupada em gotejar sementes e usar o homem para o concúbito, a extenuá-lo. Mas, enfim, a natureza é natural?

Em outra obra literária, Calasso afirma que, em Kafka, o senhor “K” [...} ergue o olhar para o que parecia ser o vazio, para o vazio aparente. Kafka intuiu que só se nomeara um número mínimo de elementos do mundo à volta. Porque o mundo tornava a ser uma floresta primeva, sobrecarregado de sons desconhecidos e aparições. Tudo tinha potência demais. Por isso era preciso limitar-se ao mais próximo, circunscrever a área do inominável.

O autor afirma também que Kafka fala de um mundo prévio a toda separação e denominação. Não é um mundo sagrado ou divino, nem um mundo abandonado pelo sagrado e pelo divino. É um mundo que ainda está por reconhecer o sagrado e o divino, distingui-los do resto. Uma estrutura única, feita apenas de potência.

O bit ainda por vir. E afrontou-se, então, o impedimento do acesso à árvore do conhecimento do bem e do mal. E veio o bit. As inesgotáveis possibilidades de busca estético-sintética da informação, do informare, do formar, do dar forma facultam e exigem que deixemos o Éden, em troca do livre-arbítrio, que é o riso franco da criatividade. Finalmente, Calasso, em sua obra O Ardor, afirma que [...] toda construção é provisória, inclusive o altar do fogo. Não é algo estático, e sim um veículo. Uma vez cumprida a viagem, o veículo poderia também ser desfeito. Por isso os ritualistas védicos não desenvolveram a ideia de templo. Se dedicavam tanto cuidado a construir um pássaro, era para que ele pudesse voar. O que, então, restava sobre a terra era o invólucro do pó, argila seca e tijolos, inerte. Podia ser abandonado, como uma carcaça. Logo a vegetação o recobriria. Enquanto isso, Agni estava no Sol.

É possível imaginar Agni em seu doce balanço a caminho do mar, ou a caminho do Sol. Uma belíssima inspiração para um design tropical que explore as qualidades descritas por Italo Calvino em suas Lezioni, principalmente a leveza. Esse será um mundo onde teremos de atuar em conexões e em interfaces, detectando-as no espaço de significados e na floresta dos símbolos, fazendo-os, significados e símbolos, emergir como objetos estéticos. Se o design é uma propriedade, uma qualidade inata da organização, há, então, um convite para a nobreza e a elegância do design como veículo revolucionário, qual seja o de construir pássaros para que possam voar e que ascendam até estar no Sol. Design revolucionário é Design sublime.

Posfácio – Design no Brasil do Terceiro Milênio Marco Zanini

Arquiteto, formado pela Università di Firenze, e designer. Começou a trabalhar em Milão com Ettore Sottsass, em 1977; cofundador da Sottsass Associati (1980) e do Movimento Memphis (1981). Diretor do Comitê Científico do Istituto Europeo di Design – IED Brasil. Em vinte e cinco anos de atividade profissional, realizou centenas de projetos em dezenas de países em cinco continentes, nas áreas de arquitetura e design – de móveis a iates, incluindo objetos diversos. Entre 2002 e 2007, morou numa ilha, na costa pacífica do Panamá, cuidando da construção do Liquid Jungle Lab. Atualmente vive entre Paraty e Rio de Janeiro e atua principalmente na área de inovação.

O mundo muda, o Brasil muda, o design muda. Quando comecei a trabalhar, em Milão, no final dos anos 1970, não havia fax, nem celular, nem internet para se comunicar com os clientes estrangeiros. Usávamos o telex. Os desenhos eram feitos à mão, à lápis, e as provas finais à tinta, com a Rapidograph. Em Moscou, havia Brezhnev e Kosygin; em Washington, Reagan; na China, Deng Xiaoping começava, com extrema prudência, a abrir as janelas do Reino Médio para o mundo. Hoje, o problema é o oposto.

Temos muita tecnologia, talvez demasiada; já ideias claras, temos poucas e, ao que parece, frequentemente com atraso; o país do futuro deu as caras, por alguns anos, só para voltar a perder-se na bruma. O mundo é globalizado, mas a desigualdade e a concentração da riqueza continuam a piorar. Precisamos muito de projeto e, portanto, de design, não para inventar novas tecnologias, mas para melhorar o uso daquelas que já estão disponíveis e vergonhosamente subutilizadas; nunca tivemos, na História da Humanidade, tanto acesso como hoje ao conhecimento e à informação; acesso democrático, gratuito, imediato e, no entanto, parece que não conseguimos aproveitá-lo.

O Terceiro Milênio será o tempo da transformação acelerada, de uma complexidade penetrante, de

mudanças radicais nos prioridades, nos valores.

estilos

de

vida,

nas

O planeta já foi inteiramente descoberto e ocupado, com a ajuda da ciência, reconstruímos a História, os problemas a serem resolvidos foram estudados até o último detalhe, o conhecimento necessário para resolvê-los está disponível; na maioria dos casos o que falta é o projeto: na política, na economia, na administração, na educação. Estamos no início de uma nova modernidade que superará rapidamente muitas certezas do passado: profissões, classes sociais, raças, gêneros, a vida como um percurso predefinido; as sociedades que serão capazes de oferecer melhor qualidade de vida serão aquelas capazes de mediar, de incluir, de compreender, de pensar out of the box, sem nostalgia de míticos passados felizes e sem a arrogância de certezas, em grande parte, equivocadas.

Os dados existem, faltam as conexões; do hardware, passamos ao software e, finalmente, à interação, é uma viagem da tecnologia para a Antropologia. Os grandes edifícios, repletos de empregados fazendo operações repetitivas, serão substituídos por algoritmos, que otimizarão as intermediações, livres de simpatias e mau humor. As grandes fábricas serão substituídas por impressoras tridimensionais. Os tratores, que distribuíam defensivos a granel por áreas imensas, até onde era desnecessário, serão substituídos por um drone, que distribuirá a quantidade correta, no lugar certo, no momento oportuno. O verdadeiro problema não será produzir nem distribuir, mas manter unida uma sociedade sob tensões com as quais não está habituada e o futuro já não é mais amanhã, foi ontem e não soubemos percebê-lo.

Há muita necessidade de projeto e, portanto, de design. O Brasil, país do futuro, que exporta felicidade, continua a ser um país rico e abençoado pelo destino, o que sempre foi, mas agora que o mundo é globalizado e todos sabem tudo, isso tornou-se ainda mais evidente do que já foi no passado. Pouco antrópico (24 habitantes por quilômetro quadrado, quando Bangladesh tem 1.319 e a Holanda, 388), verde, com muita água, terra boa, ensolarada, recursos naturais, biodiversidade, 10 mil quilômetros de costa e praias para se sentar à sombra de uma palmeira e olhar o mar, longe dos conflitos que afetam regiões inteiras e contagiam grande parte do hemisfério Norte. A riqueza há, falta o projeto, é preciso design. Há muito trabalho a ser feito e o design não é apenas estética e funcionalidade de objetos produzidos industrialmente, agora, por outros, em grande parte, na China. O design será, no Brasil do Terceiro Milênio, na agricultura moderna que vive de gestão de dados e tecnologia da informação, engenharia genética e inteligência artificial, o design será nos serviços para uma qualidade de vida mais sustentável,

o design será na representação de uma sociedade que já está emergindo, mesmo que ainda sem forma ou identidade. O design cria oportunidades de trabalho qualificado e de qualidade em uma sociedade estratificada, na qual a mão de obra é cada vez mais commodity pela qual se paga o mínimo possível, e uma profissão com um forte componente de realização pessoal existencial;

um possível caminho para se tornar empreendedor e, portanto, senhor do próprio destino.

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