A criação literária. Prosa I

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MASSAUD MOISÉS

PROSA 1

21ª Edição

MASSAUD MOISÉS

A Criação Literária PROSA-1 FÔRMAS

EM PROSA • 1

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O CONTO • A NOVELA • O ROMANi,CE

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Copyright © 1967 Massaud Moisds.

Dados Internacionais de Catalcgação na ?ublicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moisés, Massaud, 1928A criação literáfia : prosa 1 / Massaud Moisés. -- 20. ed. -- São Paulo : Cultrix, 2006. .

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' '"Fl>rmas em ~- O eonto - A ntlvela O romance" • Bibliografia. ISBN 978-85-\16-0436-2 1. Cont0 2. C)l:ação (Literé.ria, ari~tç etc) 3. Ficção - Histór.f e crítica, 4. ~iterau em Prosa 5. Romance - História é critica 1. Título.

05-8415

CDD-808.888 Índices para catálogo sistemüico: l. Prosa literária : Literatura

808.888 ·

O pri.neiro número à esquerda indica a edição, ou reedição, desta obra. A primeira dezena à direita indica o ano em que esta edição, ou reedição foi publicada. Edição

Ano

22-23-24-25-26-27-28

11-12-13-14-15-16-17 Direitos reservados

EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Rua Dr. Mário Vicente, 368 - 04270-000 - São Paulo,.SP Fone: 2066-9000 - Fax: 2066-9008 E-mail: [email protected]. br http://www.pensamento-cultrix.com.br Foi feito o depósito legal.

Para meus filhos, Ana Cândida Beatriz Cláudia Maurício Rodrigo (

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Sumário

PREFÁCIO DA 1• EDIÇÃO ................................................................. 9 PREFÁCIO DA 9• EDIÇÃO ..................... ;................................. :......... 13 NOTA PRÉVIA ..................................................................................... 17 1. FÔRMAS EM PROSA ........................................................................... 19 ll. O CONTO .............................................................................................. 29 1. A Palavra "Conto", 29 / 2. Histór~ do Conto, 32 / 3. Conceito e Estrutura, 37 / As Unidades do Conto, 4t> / Peisonagens, 50 / Estrutura, 52 / Linguagem, 53 / Trama, 65 / Ponto de Vista, 66 / Tipos de Conto, 73 / Começo e Epilogo no Conto, 81 / Conto, Poesia e Teatro, 85 / 4. Conto e Cosmovisão, 88 / 5. "A Cartcmante", 90 / 6. "Questão de Familia", 95 / 7. "No Judim", 99 / 8. Gráfico do Conto, 101 m. A NOVELA ........................................................................................... 103 1. A Palavra "Novela", 103 / 2. Histó~ da Novela, 104 / 3. Conceito e Estrutura, 112 /Ação, 113 /Tempo, 115 /Espaço, 117 /Estrutura, 118 / Linguagem, 120 / Pemonagens, 125 / trama, 126 / Começo e Epilogo na Novela, 128 / Ponto de Vista, 133 / ~ipos de Novela, 134 / Novela, Epopéia e História, 142 / 4. Novela e cbmiovisão, 146 / 5. O Tempo e o Vento, 150 / 6. Gráfico da Novela, 1'4 IV. O ROMANc:E ........................................................................................ 157 1. A Palavra "Romance'', 157 / 2. lfistórico do Romance, 158 / 3. Conceito e Estrutura, 165 / Ação, 1721 / Espaço, 176 / Tempo, 180 / Tempo-Espaço, 185 / O Romance de T po Histórico, 187 / O Romance de Tempb Psicológico, 202 / P gens, 226 / Linguagem, 239 / Trama, 264 JCom.posição, 272 / Planos arrativ°' 279 / Ponto de Vista, 282 / Começo e Epilogo no Romance, 293 / Tipos de Romance, 297 / imento, 304 / Romance e 4. O Romance e as Demais Fonnas de 1

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ÍNDICE DE NOMES ............... ~. 346 ÍNDICE DE ASSUNfOS ..... ........ .......................................................... 353

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PREFÁCIO DA lfl EDIÇÃO 1

TODO UVRO tem sua históri4 A dàste, começa praticamente quando, em março de 1952, iniciei minha atfvidode docente nas Faculdades de Filosofia, Cibtcias e útras da U1*iversidade de São Paulo e da que medeiam entre aquela Universidade Mackenzie. Ao longo dos ~nos data e hoje, as questões mais candentes{da problemática literária foram objeto de exame no diálogo metódico d;:Jm os alunos, alguTJS dos quais atualmente empenhados na docência unifersitátia. A eles foram expostas, dentro·-e fora dtis aulas, as idéias que eii ia sedimentando. Naturalmente, alguTJS deles transpiraram minhas refldpes, antes que eu as reduzisse a termo... Mas em 1958, redigi um bre"fie estudo, espécie de balão de ensaio, acerca distinçies qual'itatiwi/f entre Conto, Novela e Románde Filosofia, Ciências e ,. e publíqueil-0 no Andário da' F~e 1.etras, "Sedes Sapient~· da Ptmtiftctp Universidade Católica de São Paulo, correspondente a 1958/1959. Da /mesma forma procedi no tocante a um estudo relbtivo d po4Sia lírica e é*a, sob o titulo de Variações em torno do Épico e do LlriCOI estampado revista ''Anhembi'' de jidho de 1961. Mais odiante, rejutfdi-o e rep · uei-o, já agora com o titulo mudado para Qo Épico e Uo Lírico, na evista "Alfa", da Facatdade de Filosofia, Ciêntias e útfas de Maríli n.!! l, 1962. Nesse ínterim, já planejara e escrevera grMrde parte do, cap(núos co11Stantes neste livro. Um deles, amplamente retocado e o, apareceu na "Revista de útras" da Faculdade dê FiloStljia, ncias e útras de Assis, n11 5, 1964, sob o titulo de Condeito- e EStru do Conto, o qual, para integrar r(lfões. Depois de completá-la a presente obra, sofreu ali1uJa oJttrns 1

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com os capítulos relativos à notla, ao romanpe e à crítica, reescrevi ou retoquei todos os capítulos ante ri rmente redigidos. E dei ~or finda a tarefa. observações que me Que dizer do que ai fica? e entre as ~rias ligadas acodem à lembrança, relaciono las mais objetivas e dir~tamen com o livro em si. Primeiro: nã~ sei ao certo como classificá-lo. Somente reconheço que não se trata dumt, teoria literária, pois meu propósito era outro, e mais modesto. Qual? SVriplesmente isto: um reexame das questões sempre abertas para quantqs já se abeiraram da crítica e da historepensar algl!UTlllS das bases conceituais riografia literária. Ou por outr~ e terminológicas em que se fu11lf4mentiim os estudos litertírios. Daí nasce o segundo ponto: que título a~buir a semelhante obra? De principio, chamei-a despretensiosamente l:Qiciação à Literatura, e com essa denominação cheguei a anunciá-la. Entiretanto, um amigo alertou-me para o fato de esse título dar margem a eqUtvocos, pois na verdade meu intuito não era iniciar o leitor na Literatura, isto é, na leitura das obras, mas, sim, nos estudos acerca da Litera~, ou seja, nos problemas de crítica literária. Diante disso, acabei offando pelo nome de Introdução à Problemática da Literatura, o qua4 "'1 que pese ao caráter! pedan.tesco do vocábulo "problemática", meridianammte claro. Inclusive, o rótulo presta-se ainda para esclarfif:er a intenção principal que me orientou o espírito: oferecer ao leitor niíi(-esp«ia/izaá{), portanta aos estudantes lilmQ intrQduçio ao exanie de alguns e ao público em gera4 uma inc~ão, problemas fundamentais de teorlp e filosofia da Literatura. Esclarecer e orientar, eis o escopo duplo de$ livro. se realiza por Em matéria de estll.dos literd,;.os, o progrefSO do sa~r acúmulo e justaposição de inforipações: sob pena de incprrer em falhas interpretativas, ou repisar idéiaa,já jinnadas, o estudi.osa deve conhecer o saldo positivo da pesquisa reui,:ionatla com fS Q3SUntos do seu intereso precederam, se. E a esse quantum acrescentaif, à semeJhan.ça dos q~ os resultados da SJUJ própria invtstig1llfão. Foi, exatamente o que almejei conhecimento litertiÍrip alcançado até neste livro: sem fazer tábua ras~ os nossos dias, pretendi ofereceflt. a minha proposta pasaa4 que enfeixa dqcente. De onde esta obra reflexões no geral vinculadas à ~xperinca constituir-se num ensaio, ou se,fiuiserem,-nUllJ ensaio didático, voltado especialmente para a atividade IJiterária em vernáculo. Escusava lembrar que o livrt, não trata de.todos os assuntos, mas de Outros, cujo alguns apenas, os considerados fundamentais e prem~s. exame se torna necessário, delfuam por ora de ser discutidos visto escaparem dos limites em qµe ...romente apontava uma evidência. Além disso, o reparo da. va e dthnargem a uma interrogação: perante o progresso da biincia litet-ária dotr úl~s anos, continuaria em vigor a !· discordârn:m? Como tantcJ.s outros e#n tfll6lquer ttf"po, o presente livro nasceu da pois, que ri.flita sedução por certo enfoque atividade docen,te. Natur~ 1

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didático: ao declará-lo no prefácio da primeira edição,' eu não escondia que uma obra que tinha plena consciência do fato. Sucede, no enta~o. não desmerece por ter sido elaborada nos quadrantes universitários: o que conta, são as idéias, a novidade da espetulação, o arranjo novo do saber antigo, a revisão das idéias-feitas, etc. Negar valfriade a uma obra apenas porque decorrente da atividade universitária é recusar não poucos títulos hoje definitivamente incorporados à bibliografia dos estudos literários. Como, aliás, estão de acordo todos quantos 'lidam, honesta e lucidamente, com tais assuntos., , ' expostas a ~stulane ,e colegas, dentro Escrito a partir das reflx~s e fora das aulas, o presente livro se foi montando precipuamente sobre os textos analisados e interpretados. A teoria da poesia épica, depreendi-a do exame de poemas antigos e modernos centrqdos numa visão heróica e cosmogônica do ser humano. ' A teoria da novela, ergui-a com base nas novelas d! cavalaria frane picarescas, cesas, espanholas e vernáculas, e nas novelas sentim~a em cotejo com similares românticos e modernos. A teoria do conto veio da reflexão em torno de autores que cultivaram a fôrma, sobretudo a partir do século XIX. A teor'9 do romance, aprendik na leitura de ficcionistas que a essa modalida(le narrativa se dedicaram desde a segunda metade do século XVIII. As próprias distinções entrt: poesia e prosa tiveramlanáloga origem, assim como a idéia das 'forç~tl:i.es '·. A prova que rram teorizações pessoais reside no fato de alglllflQS (como, por exempld1 a do conto e a da novela) ainda suscitarem retif;ões polêmicas ou a discrepância opiniática: proviessem de autores al"nígenas, estariam aceitps e denunciada sua origem estrangeira. Nem "'11fll coisa nem outra: a jleitura de obras teóricas tão-somente alargou e ratificou concepções que se iam definindo desde os fins da década de 40. Basta lembraF que os t!SfJUemas gráficos do conto, novela e romance, qrite se incluíram no ensa'io pwblicado em 1958 e se reproduzem ·neste liwp desde a prilfU!ira ediç40, apenas estilizam um gráfico de forma anu;/H}ide (semelhante ao ri.fe representa a célula humana) empregado porf11imjá em 1951. Não fique sem registro q~ muitas das ]H,stulaçõq aparentemente ''heterodoxas'', camu.jladas sob,_ a ro1qJQgem didática para poderem singrar, vêm sendo corroboradas ~la critica ~ recente, ainda que situada em óptica diversa da minha e objetivando, no exame qa obra literária, longo do livro se mencionam algumas outros horl:i.ontes e valores. A~ dessas confirmações, com o exclusivo propósito de prevenir o leitor conerigir teorizatra a idéia de que em nosso t!SJfilÇO c,ultural i imposí~l ções válidas para além de seus limita naturais. · 1

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A presente e,dição sofreu nova revisão e atualização. Refundido e acrescido em vários pontos, o texto igualmente se dilatou com um cap{tulo a respeito do'fenômeno poético (publicado autonomamente, em 1977, sob o tftulo de A 'Criação Poética, e que agora integra o conjunto da obrà no lugar devido), e outros acerca das expressões hfbridas da criação literária, desti1Ullf.os a preencher uma laCMna. Outros assuntos, já referidos no prefácio da primeira edição, ainda permanecem à margem ou porque transbordem das fronteiras desta obra ou porque demandem tratamento extensiv'1, digno de um livro. A despeito das modificações introanteriores tiragens, esta obra se conserva, nos seus duzidas nesta e ~ fundamentos e. nk sua linha metodológica, a mesma da edição original: as mudanças e acréscimos visam a tomá-la cada vez mais definida em suas propostas, r não a modificá-la para que se adapte, afoita e distordo momento. cidamente, às te~rias técnicos, a matéria dispõe-se agora em dois volumes Por motiv~ que, embora aut15nomos, guardam o mesmo v{nculo de mútua dependência que os seus rap{tulos estabeleciam eRtre si até a edição precedente. M.M.

Universidade dei São Paulo julho de 1975/jaheiro de 1978

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NOTA

PRWIA

Para a nova edição deste volwne, que engloba a parte referente à Prosa dA Criaçãp literária, o texto foi i.DJegralmente revisto e atualizado. Em decorrência,lvários acréscimos foram introduzidos, sem alterar-lhe, no entanto, a fisionpmia original. E por motivos técnicos, a matéria se distribui agora em dois tomos, a saber: A Criação literária. Prosa - 1, que enfeixa os seguintes capítulos: 1. Fôrmas em Prosa, II. O Conto, m. A Novela, IV. O Romance; e A os seguintes capítulos: 1. A Criação Literárk. Prosa - II, que encerra ! Prosa Poética, II. O Ensaio, ill. A Crônica, IV. O Teatro, V. Outras Expressões HibJJidas, VI. A Critica uterina. Embora autônomos, os dois tomos guardam o mesmo vínculo de mútua dependência que os capítulos estabeleciam entre si até a edição precedente. à melhor informação ~ leitor, reproduzem-se os prefáE com vist~ cios à 1" e 9" di. desta obra. 1

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M.M.

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1 - Fôrmas

em Prosa

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Muito mais complexo que o problema das fônnas poéticas é o das fôrmas aifl prosa. Primeiro, porque não se trata apenas de descrevê-las, como fizemos com as primeiras, mas de diferençá-las. Segundo, porqne constitui problema ainda aberto e de notória atualidade. A caraçterização e o histórico das fôrmas poéticas pertencem à retórica tradicional, enquanto a distinção e a análise das constituem questões da moderna teoria literária. fôrmas em p~a Antes do século XVIII, quase tão-somente a poesia é que interessava aos teóric:ps da Literatura, que entendiam por poesia a lírica, a épica e o A tal ponto as fônnas em prosa ostentavam menos cotação que os poucos estudos acerca do romance anteriores àquela centúria via de regra tinham por objetivo subestimá-lo, considerá-lo inferipr à epopéia, e mesmo à tragédia e à historiografia, ou satirizá-lo: J.,anglois {dit Francan), Le Tombeau des Romans ou il est discouru. I: Contre les Roma~. ,II: Pour les Romans (1626), Charles Sorel, Antiroman ou l'Histofre du Berger Lysis (1631) e De la Cona~ce de'S Bons Livrl!s, ou Examen des Plusieurs Auteurs (1672), Cirano, Lettre contre un Liseur de Romans (1663), Boileau, Dialogue sur les Héros de Roman (1665), Pierre-Daniel Huet, Traité de ['Origine des Romans (1670), A. Furetiere, Le Roman BourgJois (1704), 1 anônimo, )oman Nouveau (1683), Len-

o esqt:bna twmtitaJivo, dêi*1ecliato se conlà categoria db conto, ou cluiria que as duas narrativa ~ do romance. Nada mais ~so.· Por certo que trata dum caso sui-generis, já que nem todlh os.. contos possuem· a extensão dO Alienista, e não é cotmnn '9m :rdnatiee de propatção igual à de Iracema. 12 Na maioria .008 aasos, o critério qu_an'3tivo ~de ser empregado, tnas deve ser .C01lfinnado pele qualitati\ro, que rmpede chamannos de conto a embrides da eapítu1os de rcmtance, a poemas em prosa, a apólogos, a fábldas, a cfÔnieas, etc., todos marcados pelo signo da brevidade. I6ttica confiísão à existente entre O

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York, Doubleday & Co., 1976, p. 623). A C11SC respeito, ver Ian ROid, Tlie Shon Story, Lorulon, Methucn and Co., Ltd., 1977, p. 10. Outros autores há que propõem uma distinção baseada na quali'*1e, não na extensão, como Bnmder Mattbcws ("The Philosofb.y of tbe Short-stozy'', in Pen andlnk, New York, CbarWs Scrilmar's Sons, 1'°2 pp. 75-lt6) 11 Jr. Bag F.seÍtwem (lf+iriJig tlte Shon-Story: a Practical Hrmdboolc on tll« Ri6e, ~ \!Hffling, and 8alé of tll« 'Modon Shon-Story, New YOl"k, IDruls, Noble Ulll Blmdgl!, *'°9, pp. 17 e ss.j. ,

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(1941), de José llogio: a dospdlio de~ bilicos; · · nas Suas 115 páginas, a 12 estmtin dê . Decerto +.re+ooO-se disso, clasBificamJ:l tle IllM'lla, a obra ~ o antor inch:ira-a na trJroein edição de IÁstm-m r1e . "a (1968), volume de contos cuja primcim edição apll!l'COOU em 1946. E silt!;llmlflldc · . -flB de '' oaoto e novela'', mas o recm&o antes mostm que escomlc a ~ db . . llOIDClbtmça Ide estrutura entre as naJD.tivas, mal cw:obmta pela YAga ~ posta em *'1btítulo.

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Alienista e Iracema haveria entre certas obras de mais de 200 páginas. D. Quixote e Madame Bovary servem de exemplo. Quem, refletidamente, poderia enfaixá-los sob um mesmo rótulo, novela ou romance? A rigor, aquele é novela, e esse, romance. E, como sabemos, o primeiro é mais volumoso :que o segundo. Assim, se o critério fosse o número de palavras, antbos teriam de ser romances. Estaria correta a classificação? A resposta só pode ser dada pelo critério intrínseco, e esse responderia que o D. Quixote é novela, e Madame Bovary, romance. Infere-se, assim, que o critério mais conveniente para se erguer uma distinção rigorosa entre o conto, a novela e o romance, é o qualitativo, que consiste em procurar ver a obra de dentro para fora, analisar-lhe e julgar-lhe os componentes, de forma, e de conteúdo. Somente depois de bem sopesá-los é que estaremos aptos a uma classificação válida e precisa. Nesse ponto, convoca-se o critério quantitativo a fim de corrobomr ou negar o resultado da análise. Não raro, confirma. Mas, que ingredientes são esses? Enfileirados como se segue, servirão de base para os capítulos dedicados a cada uma das fônnas em prosa: a ação, as personagens, o tempo, o espaço, a ,trama, a estrutura, o drama, a linguagem, o leitor, a sociedade, os planos narrativOll, etc. Porque comuns ao romance, à novela e ao conto, podem levar ao equívoco de supor improcedentes todas as tentativas de estabelecer fronteiras entre as três fônnas. O fato de o conto abranger ingredientes do romance não invalida a distinção entre as duas fônnas, uma vez que se movem no mesmo território - a prosa de ficção. O que resta firmar é a sua difecença, calcada na densidade, intensidade e arranjo dos componentes: a título de exemplo, as personagens do conto diserepam das tives, 1932; Aurélio Buarque de Holanda da Língua Porruguua, Rio de J~ l~ed., 2• impmll8io, Rio de Janeiro, Nova Ferreira, Novo Dicionário da Lfntlua Portug~a, Fronteira, s.d.

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to" seria deverbal de contar, derivado do lat. computare. Na Idade Média, significou inicialmentp ''enumeração de objetos'', passando com o tempo a "resenha ou 'descrição de :acontecimentos", "relato'', ''relato de coisas verdadeiras'', '' enmneração de acontecimentos", "narrativa' '.2 Em A Demanda do St'lnto Graal, é corriqueiro o uso da expressão ''ora diz o conto que .. ,'', para estabelecer nexo entre episódios ou "aventur$" da noveh\.. Por outro lado, as bistórias e lendas conservadas n1> terpeiro e ncb quarto Livros de Linhae de o vocábulo '' congens são contos, embora de dstrutmra tose~ to'' ainda não se empregar para nomeá-las. No século XVI, a palavra assumiu sentido próprio, contemporaneamente ao surgimento do primeiro contista do Idioma na acepção moderna: Gonçalo Fernandes Trancoso, autor dos Contos e Histórias de Proveito e Éxemrplo (1575), ande é sensível a influência de D. Juan Manuel, Boceaccio, Bandello e outros. Pouco depois, delineia-se a mais antiga teoria do po11tn em ver:oáculo, em Corte na Aldeia (1619), de Francisco Rodrigues Lobo. Daí por diante~ ap;i!at da incômoda . ipsença do tenn.Q ''novela.'', o vocáperdf:ia ~,denp li~& blllo "oonto": não ~ ~,n.qoXVUI

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devida4 à polisse~e de conto

. A!lgo. dessa colo.ração ·. . . tam,bém Sfll" dtitecta• no emprego, até ~,do século XIX, . ~ "conto" ~ ~pçã? medieval ou ~ cQtllo, por ~lo, na Qell3 de Camijo Castelo Branco: "De propósito as f3t0 pua te da.t azo .a iuwinµ-e& fôlego novo, visto que já te $diga o co:t;tto. (...)J - Novidade terceira! ac:udi e~ q1µ1.Se sµspeitps ~lograyã do1conto". · "E vamos ao conto" .4 i Ilf!S.1e século pQf1e sm- e:riooqtrado o v.ocábulo '' con.E ~ to" no sentido genérico de nlmativa: "Cqmtemos oontqs umas às outras ... Eu não sei contos llilflhuns, mais '8so não faz 11!181... " 5 2 Mariano Baquero GoyancB, El Cuenlo Espanol e• el Sigla XIX, Màdrid, Coosejo SupcDor dé InW&ttpciones Qmlificu,'41949, pP. 31 e Íjs.; Midiêll: Simaoscn, O Conto PopBJar, tr. bras., S. Pnlo, Martins F• • 1987, p. 1. l 3 Nicole Oucnier, "Poor une dêfi$tion du conte"', Roman et LMmiires au XVIII' Sikk, P.mis, Ee&wa, "OMarinhciro", inPoemas Drallláticos,Lisboa, Ática, 1952, p. 41.

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Ao longo do movimento romântià:>, empregava-se o vocábulo "conto" no sentido de narrativa popular, fantástica, inverossímil. Os autores preferiam classificar de ''novela'' ou ''romance'' suas narrativas, ou recorrer a outros termos, como ''lendas'', ''histórias", "baladas", "tradiÇões", "episódios", etc. 6 Alexandre Herculano enfeixou sob o f!ítulo de Lendas e Narrativas (1851) os contos inspirados na Idade Média portbguesa, Joaquim Norberto de Sousa e Silva, um dos pioneiros do conto brasileiro, preferiu o rótulo de Romances e Novelas (1852) para suas histórias, duas das quais apresentam estrutura de conto. Fbe, um dos mestres do conto moderno, publicou Tales of the Grote$que and Arabesque (2 vols., 1840). Por outro lado, A1fred de Musset intitulou Contes d'Espagne et d'Italie (1830) sua estréia poética. A palavra ainda não se havia firmado como designativo de um tipo definido de prosa de ficção. Nas últimas décadas do sécuio XIX, com o advento do Realismo, o conto literário entrou a ser cultivado amplamente, iniciando um processo de~ requintam.ente formal que não cessou até os nossos dias. E o vocábulo "conto" passou a ser genericamente utilizado. Não obstante, Machado de Assis procurou evitá-lo na maioria de suas coletâneas no gênero: Histórias da Meia-Noite (1873), Papéis Avulsos (1882), Várim Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1899). A palavra ''conto'' corresponde ao francês conte e ao espanhol cuento. Em inglês, conoorrem S'hort Btory, para as narrativas de caráter literário, e tale, para os contos populares ou folclóricos. Em alemão, tem..;se Novelle e Erzãhlung, :no sentido de short story, e Mãrchen, de tale. Em italiano: ruwell• e racconto. 7 ,.

6 Mariano Baquero Goyanes, op. cit., pp. 48 e is. 'ler ainda Ian Reid, The ShDrt Story, London, Metlmcb and Co., l.M., 1917, pp. 1().14. · 7 o m== a.tudioso, procurando sistematizar as vlll:ill:llll:m das vocálmlo& "caDto", "novela" e "romance" nas línguas européias mais conhecidas, propõe o seguinte quadro sinótico (op. cit., p. 59): Romance Inglês

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Romance ou Novel

FilUICê.s

Rmrum.

Italiano Alemão Espanhol

Ramanzo lil.oman Novela

Novela ourta ou conto liltcrário Short story Nouvellc Novelle Novelle oulFnãhlimg Novela Cada

Canto, Conto popular

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2. llISTÓRIC9 DO CO!f.fO 8

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origem, conte.m~ ou~ vrecrt:sor festações literárias, ao tnenLf as qe .catá Algumas teorias têm si "sumári•".

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saídas se Jhe oferecem: à primeira pode ser ilustrada pelo caso de Dalton Trevisan e Giterra ConfMgal ~915), volume de contos que giram ao redor de duas personag,~ João e Maria. Que é que se observa nessa obra, engenhosamente iarquitetada para vencer a referida limitação? Se a primeira narrativa é vivida por João e Maria, a segunda é-o por João 1 · e Maria1, a terceira por João2 e Maria2 , e assim consecutivamente: João e Maria do segundo conto em diante não são os mesmos do primeo~ :maS outras personagens batizadas com idêntico ant:ropônimo, envolvidàs em situações específicas, precisameme como na Vida, em que'ios Joões e Marias de todo o mundo, apesar da identldade do aplllativo, protagonizam sempre histórias particulares. N segunda variação técnica se exemplifica em Bandeira Preta (1956), de Bran em que a açio decorre: apenas o contista, como se manejasettuma.·cânuu;a:i c~a, se demora no cenário diretamente relacio$tdo com o dmma. Verse-á, mais adiante, quando *.tratar da .4,escrição,· de que modo funciona esse mecanismo de fllfoque geográfico. a unidade de espaço, e A unidade de ação co~, esta decorre da circunstânciaade apenas d4terminack> ambiente encerrar hnpottância dramáti~ Da ~ forma que uma única ação, por veicular conflito, ~ a narpttiva, wu único espaço que no conto serve-lhe de teatro. Pode-se dlur, co~te, se processa a determinação "1 espaço (e também do tempo como se verá), na medida em.qu~ demais lijg~ (~ '2omentos) são vazios de dramaticidade. Do tont:ráfi.o, pe4 criação de vários pólos dramáticos, haveria desequih'brio interno, t? o conto perderia o seu caráter próprio para tomar~ esbQço da novela ou rQmance. Por outras palavras, da mesma fQ'llpla que há espa90-'sem-c4'ama e espaço-com-drama, no conto disÜ!llguem-se acf,)ntei~os-mdr e acontecimentos-com-drama:. estes é que,constituem a ação cencomo satélites. tral da narrativa, enquanto ostoulros funci~ imediaw.ente a de tempo. E aqui A noção de espaço se~ também se observa unidade. Com .efeito, 'PS aeOJJ,tecimentos narrados no conto podem dar-se eJ11 curto lapito de ta.npo: já que não interessam o passado e o futmro, o conflitp se passa em horas, ou dias. Se levam anos, de dua&!:uBJa: 1) ou trata-se dÚm embrião de romance ou novela, 2) ou o lqo tempo ~erido -.parece na forma de síntese dramática, que envol~ habi~Iment, o passado da personagem. Em "Missa do Galo'', os antecedentes t:emporais estão postos de parte: apenas sabemos a iJlade dos protagonistas; sabemos que tudo ocorre mais ou :menos ·$lfm vinte e twês horas e meia-noite: "ouvi bater 01l74t horas, mas quase sem dar por elas, um acaso''. Tampouco interet;am os acon~imets posteriores ao episódio: umas poucas referêocias, que vão suhlimhadas, não alterama unidade de tempo do CJPlllO, :rpemiq porque vagas, secundárias e destituídas de força llkamática: "Pelo Ano-Bom fui para

assm..

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Mangaratiba. Quando tomei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. ConQeição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei ,nem a encorptrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido''. O conto, voltado que ~tá para o centro nevrálgico da situação dramática, abstrai tudo quanto, na esfeia do tempo, encerra importância menor. Assim se explica que .O. seja estranha, ou escassamente compatível, a ''duração'' bergsQfÜana, ou a complexa intersecção de planos temporais, engendrada pela memória associativa, ou por outro expediente análogo. De onde a "objetividade" do conto: desprezando os desvios e atalh0$inarrativos, concentra-se no âmago da questão em fo~. Tal "objetividade", presente ainda em outros aspectos, mais adiante examinados, salta aos olhos com as três unidades, de ação, tempo e lugar. Assinale-se que fazem lembrar o teatro, notadamente o clássico, numa relação que será eircunstanciada num tópico específico. Às unidades referidas acrescente-se a de tom: os componentes da narrativa obedecem a uma estruturai;ão harmoniosa, com o mesmo e único escopo, o de provocar no lfitor uma só impressão, seja de pavor, piedade, ódio, simpatia, termiu"a, indiferença, etc., seja o seu contrário. Corresponde à "unidade de efeito ou de impressão", proposta por Poe na famosa resenha a Twice-Told Tales, de Nathaniel Hawthome, publicada em 1842, na Graham's Magazine. Não obstante posta em dúvida 'por vários cmicos, empenhados em ressaltar-lhe a limitação, um.a vez que nãe recobre todos os contos, 18 (a unidade de tom) continua indispensável para a melhor compreensão da estrutura do QOnto. É que,_ como apontamos nas preliminares ao estudo das fônnas em prosa, não se pode esperar que a teoria do conto englobe tQdos os espéQimes no gênero. Raciocinar com as exceções não inVJl]ida a teoria, salvo se o número delas prevalecer sobre o das Illl1J'3tivas que serviram para que a teoria se erguesse. Mas, nesse caso~ deixariam de ser exceções ... Ainda que se trate de uma ohviedade lpgica, oríticoahá qoo Dão atentam para ela. Compreend€t:;-se com mais segura.1ça e nitidez que no conto tudo há de eon~ ~· a impressãca única, quando nos L:!mbramos de. que ele º.pera, · a ação e Dit>.·. com os caracteres.. Estes, entendidos QOlllo persona . redon.d4 ·no gnu múimo de com-

18 V., por exemplo, Im Rcid, op. cit., p. 55. í:

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plexidade (ver o tópico referente às p~ens, no capítulo destinado ao romance), situam-se fora da tiva curta, émbora seus protagonistas usuais não sljl confundam com meros bonecos de de impresmola nas mãos do ficcionistt. Terldo em · a ~dae são, ou respeitando-a espol!l.taneamente,I à medida q11e urde sua trama, o narrador dispõe de tm eapaço e k um tempo circunscritos para movimentar-se. Sua mitta não consiSte em criar seres vivos à nossa imagem e semelhançl, complexoSI e quiçá múltiplos, como pretende o romance, mas atuações de tonflito em que todos os leitores se espelhem. Somos todos eventwris personagens de conto, poucos de nós protagonizariam romances. O esforço inventivo do contista se dirige para a formulação de um drama em tomo de um sentimento, único e forte, a ;ponto de gerar uma impressão equivalente no leitor. A unidade de tom se efideneia pela·' 'tensão interna da trama narrativa'', 19 ou seja, pela funcionalidade de cada palavra no arranjo textual, de modo que nenhuma se possa retirar sem comprometer a obra em sua totalidade, c"'1 acrescentar sem trazer-lhe desequilíbrio à estrutura. Toda excrec::ência ou amplificação toma-se, assim, indesejável. Entretanto, in:Jt>õe-se distinguir: 1) a digressão que provém dum alargamento illamltivo ou do intuito de, fixando os olhos em ingredientes acessórios, distrair o leitor e adiar o clímax dramático; e 2) a digressãál resultante do empenho estilístico do narrador, ao dilatar o texto ,pelo acréscimo de not&ções plásticas, descritivas, a fim de propiciar ao leitor a contemplação de um momento de beleza verbal, não raro vibrante de estesia poética. Por paradoxal que se afigure, e> primeiro tipo não se justifica, pois escancara uma porta dramática que o narrador não pode invadir, sob pena de principiar uma :WStória paralEila e, com isso, dar origem a uma estrutura imprópria oo conto, ou nllesmo anômala, posto que obediente a algumas de suall matrizes básicas. Somente o segundo tipo, por não derivar para situações tangenciais, tem razão de ser no universo do conto. · · Um exemplo da primeim alternativa pode ser colhido no conto ''O Filho'', de Fialho de A11neida, história duma pobre camponesa que vai à estação de trem eiperar o filho· que regressaria do Brasil. Logo após introduzir-nos a ;rotagonista, o narrador se entretém por um instante na descrição de•outras pessOflS que também aguardam: 19 Júlio Cortázar, Último Round, 2• ed., México,. Siglo XXI Ed, 1970, p. 38.

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Na sala de éspera da

~ classe, e.Dite bagagens e cobertores de lã, dormem aDS montes, ra~ que vão tabalhar para o Alentejo, os varae mn paus de castanho atravessarJos, os tamanc., ao lado, os pés descal~. cheiro a lobo que se evola ~ suas ~ montanhesas. Nostalgicamente, alguns tasquinham lllil pão de milho horríwl, com sardinhas assadas entre as pedras.20

E a descrição segue nesse diapasão por mais wn longo parágrafo: a única justificativa para a digressão reside no fato de aqueles figurantes servirem de pano de fundo, paisagem social, no qual se estabelece o drama da campônia. Mas trata-se dwn pano de fundo inoperante do ângulo dramático, uma vez que não colabora para adensar o clima de tragérua que se avizinha. Ao contrário, faz supor outros conflitos, que o narrador, obviamente, não pode revolver sem ameaçar o equilíbrio do conto. Na verdade, pennite admitir que, por momentos, o narrador se alheia do caso da velha, delineado com realismo, como pedia o decálogo em moda no tempo, para se entregar, subjetivamente, à pintura ilum quadro melancólico: E os mais novos, quinze atJOS, dezesseis, clezoito anos, todos alegres daquela primeira migração às sementeiras de lá ~o, esses não param examinando tudo pelos cantos, espantados, desl.llllllbmála:>s, fulvos e bonitos como bez.errinhos de mama; e ei-los estacam diante dlJs relógios, dos aparelhos do telégrafo, a sala do restaurante cheia de flo:!JS, os chalés de hospedagem, e os pequenos jardins dos empregados da esljação... Dois ou três arranham nas bandurras fados chorosos,imeJ.odias locaia;dmna tristeza penetrante, em cujos balanços, gemidos, estriblflios, se aco~ murmúrio dolente das azenhas, vozes da serra, risob!s da romagem, balip do pulvilhal que entra no ovil, dessa saspcla terra da Beira, núcleo de força, todas as indefinidas virg~ e ainda agora a mais impeluta ara da família portuguesa. 21

O excurso provoca quebra da te:qsão narrativa, determinando um recomeço que pode aer prejudicial conforme seja a freqüência e volume das inserções: Q conto exterwo corre sempre o risco, mais de alongar desnc~amt o âmbito da ação. do que o brev~ P~r outro la~o, q,ualquer'.conto malo~. qquando d~tiuío ~ ~n­ sao: formu\a-la e sustentk-la, n1.1p1 at:f!W11ento seno1de, constitm o desafio enffentarl9 por tqdo contista. ~ Ora, o ·narrador não esconde que conhece a situação aflitiva daqueles migrantes em ~usca de trabalho, suscetível, por isso, de 1

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20 e 21 Fialho de Almeida, O País das Uvas, Lisboa, Clássica, 1946, p.70.

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gerar outras narrativas, d.i:W'entcs da que nos .apresenta em ''O '. A digre6são ~ pll>de fimcioruJ ~mo autêntica paisagem macessivel 1lo olhar do social quando dramaticamellte neutra o~ narrador, como no seguinte t>asso, do cottto "José Matias", de Eça de Queirós: . ~· cou . ?... Não ~·meu amigo. O sujeito de óculos de o~, Talvez um parente rico, nos elitemirs, com o parentesco · que ll .· , qJmdo o já Óão itnportuna, nem corretamente coberto de compromete. O homem obeslit de carão '~o, dentro da vitfuia, é o Alves "Capão", que tem um jomàli onde desgraÇMlamente a ftl.osofia não abunda, e que se chama a "Piada". Que relação o-rprendia ao Matias? ... Não sei. Talvez se embebedassem llldl mesmas tuca4; talvez o José Matias ultimamente colaborasse na "Piada"; talvez debaixo daquela gon:lura e daquela literatura, ambas tão sórdidal( se abrigue ~ alma compassiva. 22

do narrador:, ou o seu conhecimento em que o desconhim~ relativo mas fechado, sela 1$1 definitivo o caso daqueles figurantes ocasionais, convocados, como ''extras'' cinematográficos, para uma ''tomada'' em que a sua ~ça se confun4isse com o próprio cenário. A segunda alternativa pG>de ser ilusb!ada com o seguinte parágrafo, do conto "Os Olhos ckbeada Um", lile Branquinho da Fonseca: Ao sair desembrulhou a iarta e começod a ler enquanto caminhava pelo corredor abaixo. E parou. E 'iroltou para tráà Foi para o quarto de dormir, fechou a porta à chave, e cori:leçou, serenamente, a ler tudb desde o princípio. Pela janela entrava uma noite muito calma, tom estrelas e luar. Ouviam-se as rãs a coaxar e a água a cafr no tanque do jardim. Pedro, imóvel, sentado diante daqueles papéis amarelbs, com o olhat parado, lia: 23 l

onde o trecho desde "Pelaf.ºanela" até "jardim" constitui pausa para contemplar paisagem, dispensável :Como sugestão de atmosfera, adiamento do desenlac , e admisív~l porque neutro do ponto de vista dramático (mera deicrição poética de ambiente). O conto monta-se, portaito, à volta ~ uma só idéia ou imagem da vida, desprezando os ac~rios e, via ,de regra, considerando as personagens apenas como íhstrutnentos , da ação. Uma narrativa bem resolvida obedece est>